conto laÇos de familia
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Literatura na escola - 8º ano: conto de
Clarice Lispector
Introdução
Esta é a nona de uma série de 16 sequências didáticas que formam um programa
de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o conteúdo
completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
Desenvolver a competência leitora;
Desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
Estabelecer relações entre o lido, o vivido ou o conhecido (conhecimento de
mundo);
Explorar a diferença entre o ponto de vista de um narrador em 3ª pessoa e o ponto
de vista das personagens da trama narrativa;
Perceber a importância da Forma literária.
Conteúdos
Sentido literal e sentido figurado;
Paráfrase, hipótese, análise e interpretação;
Ponto de vista (ou foco) narrativo;
Forma literária.
Tempo estimado
Cinco aulas
Ano
8º ano
Material necessário
Livro Laços de família. Clarice Lispector. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990.
Se possível, um computador conectado à internet.
Desenvolvimento
1ª aula: sondagem oral
Pergunte aos alunos se eles já ouviram falar da escritora Clarice Lispector e se
conhecem alguma obra por ela publicada. Conte a eles sua interessante biografia.
Clarice Lispector - Biografia
Quando seus pais viajavam para o Brasil, como imigrantes vindos da Ucrânia,
Clarice Lispector nasceu a bordo de um navio. Chegou a Maceió com dois meses
de idade, com seus pais e duas irmãs. Em 1924 a família mudou-se para Recife, e
Clarice passou a frequentar o grupo escolar João Barbalho. Aos oito anos, perdeu a
mãe. Três anos depois, transferiu-se com seu pai e suas irmãs para o Rio de
Janeiro.
Em 1939, Clarice Lispector ingressou na faculdade de Direito, formando-se em
1943. Trabalhou como redatora para a Agência Nacional e como jornalista no
jornal "A Noite". Casou-se em 1943 com o diplomata Maury Gurgel Valente, com
quem viveria muitos anos fora do Brasil. O casal teve dois filhos, Pedro e Paulo,
este último afilhado do escritor Érico Veríssimo.
Seu primeiro romance foi publicado em 1944, "Perto do Coração Selvagem". No
ano seguinte, a escritora ganhou o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira
de Letras. Dois anos depois, publicou "O Lustre".
Em 1954 saiu a primeira edição francesa de "Perto do Coração Selvagem", com
capa ilustrada por Henri Matisse. Em 1956, Clarice Lispector escreveu o romance
"A Maçã no Escuro" e começou a colaborar com a Revista Senhor, publicando
contos.
Separada de seu marido, radicou-se no Rio de Janeiro. Em 1960 publicou seu
primeiro livro de contos, "Laços de Família", seguido de "A Legião Estrangeira" e
de "A Paixão Segundo G. H.", considerado um marco na literatura brasileira.
Em 1967 Clarice Lispector feriu-se gravemente num incêndio em sua casa,
provocado por um cigarro. Sua carreira literária prosseguiu com os contos infantis
de "A Mulher que matou os Peixes", "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres"
e "Felicidade Clandestina".
Nos anos 1970 Clarice Lispector ainda publicou "Água Viva", "A Imitação da Rosa",
"Via Crucis do Corpo" e "Onde Estivestes de Noite?". Reconhecida pelo público e
pela crítica, em 1976 recebeu o prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal,
pelo conjunto de sua obra.
No ano seguinte publicou "A Hora da Estrela", seu ultimo romance, que foi
adaptado para o cinema, em 1985.
Clarice Lispector morreu de câncer, na véspera de seu aniversário de 57 anos.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u592.jhtm
2ª aula: leitura compartilhada do conto "Uma galinha"
Leia com a turma o conto "Uma galinha" e em seguida recolha as impressões
gerais. Peça aos alunos que formulem hipóteses: Por que, afinal, a família desistiu
de comer a galinha? E por que, tempos depois, eles decidem comê-la? Em
discussão coletiva, escolha com a turma as duas hipóteses que lhes parecerem
mais pertinentes.
ATENÇÃO: Ainda que você, professor, perceba que as hipóteses escolhidas pela
turma são frágeis, não tente direcionar a discussão. As hipóteses, equivocadas ou
não, servem como ponto de partida para uma análise minuciosa. Deixe que o
próprio texto confirme ou desminta as hipóteses de seus alunos, como veremos a
seguir.
3ª e 4ª aulas: análise literária
Em aula expositiva dialogada, analise o conto "Uma galinha" seguindo os
procedimentos descritos abaixo.
Análise do conto "Uma galinha"
1) Paráfrase
A paráfrase é a primeira parte da análise. Ela corresponde à questão "o que fala o
texto?". É um resumo do enredo, um "contar história com as suas próprias
palavras", por isso deve ser curta e objetiva, deve resumir-se apenas ao essencial.
Peça aos seus alunos que contem a história do conto como se um colega, que não
leu, lhes tivesse pedido um resumo.
Exemplo
O conto "Uma galinha" conta a história de uma família que escolhe uma galinha
para o almoço de domingo. Inesperadamente, a galinha foge e tem de ser
perseguida pelos telhados da vizinhança. Depois de capturada, bota um ovo e a
família desiste de comê-la. Passado um tempo, a galinha acaba por virar almoço.
2) Questão norteadora / Hipótese interpretativa
Quando começamos a analisar um texto de ficção, estamos buscando elementos
para interpretá-lo. Ao mesmo tempo, desde o início, temos em mente uma idéia do
que o conto significa, uma hipótese interpretativa ou um elemento que nos deixou
intrigados. É importante formular questões para a obra literária, mas só são
pertinentes as perguntas que nos ajudem a entender a obra em sua totalidade.
Quer dizer, perguntar por que o pai colocou um calção de banho para subir no
telhado de pouco serviria para entendermos o conto. As questões norteadoras
fundamentais para a compreensão da narrativa de Clarice Lispector foram
lançadas na aula anterior, e devolvidas em forma de hipóteses interpretativas.
Exemplos de questões norteadoras
Por que, afinal, a família desistiu de comer a galinha? E por que, tempos depois,
eles decidem comê-la?
Exemplo de hipóteses interpretativas: A família desistiu de comer a galinha porque
percebeu que ela era agora necessária para dar vida ao ovo que ela chocava.
Depois eles decidem comê-la porque ela não está mais chocando ovo nenhum.
3) Análise
Agora chegamos ao corpo do trabalho. Você vai analisar o conto. Não sabe nem
por onde começar? Então vamos por partes:
Em primeiro lugar, investigue elementos do conto que sirvam para responder à sua
questão norteadora. A análise constrói argumentos que sustentem a interpretação.
Ela conduz o leitor por meio de seu raciocínio. É como se, lendo a sua questão, o
leitor dissesse "também não entendi" ou "não acho esta questão pertinente". Sua
análise é o caminho para convencê-lo.
Mas não podemos nos esquecer também de que, em arte, forma é conteúdo. Por
isso, é preciso ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a
ter na economia do conto. O que são "aspectos formais"? São elementos que se
referem menos diretamente ao que está sendo dito e mais ao como está sendo dito.
O tipo de narrador, a caracterização de algum personagem, o tempo, o espaço e o
tipo de discurso são alguns dos elementos formais que podem ser fundamentais ao
desvendar o mistério. Se você observar bem o conto escolhido, não é difícil
perceber o que, em sua forma, lhe chama mais atenção. Por exemplo, que a
narrativa oscila entre a humanização e a animalização da galinha. Às vezes ela é
uma galinha de domingo, às vezes tem seus anseios; ora ela é estúpida, ora tímida
e livre; é mais uma galinha entre todas as galinhas, mas também é uma jovem
parturiente; é um nada, mas é também um ser.
Releia com a turma os seguintes trechos para que fique clara tal ambivalência:
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da
manhã.
Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para
ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua
intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se
adivinharia nela um anseio.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às
vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava
outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então
parecia tão livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que
havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que
não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o
galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que
morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a
mesma.
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente.
Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste,
não era nada, era uma galinha.
Existem inúmeros elementos passíveis de análise em um bom conto. Se
conseguirmos ter uma boa questão (que se refere mais ao conteúdo do conto) e
ainda um olhar atento no que se refere à forma, então já é possível traçar um
caminho seguro pelo qual nossa análise pode seguir.
Exemplo resumido de análise
O conto começa apresentando a galinha já como almoço: "Era uma galinha de
domingo." Como animal irracional que era, a galinha passava despercebida pelos
habitantes da casa desde sábado. Mas, no domingo, surpreendentemente ela foge
para o telhado, fazendo com que o narrador da história reconheça nela um anseio
pela vida. O dono da casa começa então a persegui-la como quem persegue o
próprio almoço. Com alguma dificuldade, o rapaz a alcança e a despeja no chão da
cozinha.
"Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida,
exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a
maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim
ficou respirando, abotoando e desabotoando os olhos."
Diante de tal fato, a menina pede à mãe:
" - Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso
bem!"
Note o uso de citações de trechos do conto. Isso não só é possível como geralmente
traz um bom resultado. Quanto mais a análise der voz ao texto, melhor.Em uma
análise assim, tão próxima da paráfrase, pouco ainda se pode interpretar. É
preciso reunir forma e conteúdo, que na verdade foram separados artificialmente,
para podermos responder às questões norteadoras e chegar a uma interpretação.
4) Interpretação
A interpretação corresponde à questão "do que fala o texto". Ela é a exposição do
sentido profundo do conto. E é ele que estamos buscando desde o início. Quando
analisamos, queremos saber o que está dito pelos silêncios, nas entrelinhas; o que
se origina da relação íntima entre forma e conteúdo. Se na análise desmontamos o
texto em partes, na interpretação temos de reorganizá-lo como um todo, um todo
que reúne forma e conteúdo.
A galinha, até então vista pelos personagens apenas como um almoço, passa a ser
personificada, a ter sentimentos humanos a ela atribuídos. Todos os da casa
desistem de comê-la e a galinha passa a morar junto com a família.
"Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos."
Se observarmos bem o conto, podemos notar que, desde o início, há uma diferença
entre o olhar do narrador e o olhar da família sobre a galinha. Enquanto a última
vê o animal apenas como almoço, o narrador sonda a intimidade da galinha
tentando descobrir se há algo nela que lhe confira o estatuto de ser. Enquanto o
narrador percebe nela "um anseio", o pai vê "o almoço" subir no telhado. Para a
família, a galinha é menos que um bicho, ela é coisa: almoço. Já o narrador procura
saber se ela pode ser mais do que bicho ou coisa, se ela deseja a vida ou a
liberdade.
Quando a galinha bota um ovo, o olhar do narrador e o da família confluem: todos
personificam o animal, vendo nela "uma velha mãe habituada". É a maternidade
que confere à galinha o estatuto de ser. No entanto, que ser é esse? Fora da
função reprodutiva, ela volta a ser vazia de sentido, estúpida; volta a se confundir
com os objetos da casa. Enquanto isso, o narrador projeta nela os dilemas da
condição feminina.
"Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se
de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga e circulava pelo ladrilho, o �corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena
cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já
mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se
recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos
enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar,
ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a
expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à
luz ou bicando milho er� a uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no
começo dos séculos."
Na projeção do narrador (narradora?), a galinha/mãe/mulher gostaria muito de não
ter o sentido de sua vida reduzido à maternidade. Não quer (ou não ousa) cantar
como o galo (ou cantar de galo), mas ficaria feliz em saber que pode.
Finalmente, os membros da família, alheios à personificação da galinha promovida
pelo narrador, e longe de qualquer reflexão igualitária sobre a condição feminina,
"mataram-na, comeram-na e passaram-se anos."
5ª aula: releituras
Há no site YouTube inúmeras releituras deste conto. Se possível, assista com a
turma a animação de Rafael Aflalo:
http://www.youtube.com/watch?v=OFguEGJ5bww
Avaliação
Depois de lidos os outros contos do livro, peça, como lição de casa, que cada aluno
escolha o conto de sua preferência e formule, para ele, uma questão norteadora e
uma hipótese interpretativa.
Literatura na escola - 8º ano: Texto
teatral de Dias Gomes
Introdução
Esta é a décima segunda de uma série de 16 sequências didáticas que formam um
programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o
conteúdo completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de mundo);
conhecer as características do gênero dramático.
Conteúdos
Diferenças entre Épica, Lírica e Dramática;
Características do gênero dramático;
Sincretismo religioso.
Tempo estimado
Oito aulas
Ano
8º ano
Material necessário
- Livro O pagador de promessas. A. Dias Gomes. 176 págs.Ed. Bertrand Brasil,
tel (21) 2585-2000, 29 reais
- Se possível, computador ligado à internet
Desenvolvimento
1ª aula: Antecipação/Motivação/Sensibilização
Lance a pergunta à classe:
- Você já ouviu falar do autor Dias Gomes? Conhece alguma obra que ele escreveu?
Apresente o autor à turma.
Dias Gomes
A obra "O Pagador de Promessas", de Dias Gomes, recebeu sete prêmios de Teatro,
desde sua estreia em 1960 no Teatro Brasileiro de Comédia. Essa obra é
mundialmente conhecida em sua versão cinematográfica, dirigida por Anselmo
Duarte, que recebeu nove prêmios nacionais e internacionais, dentre eles a Palma
de Ouro no Festival de Cannes de 1962.
Seu autor, Alfredo de Freitas Dias Gomes, destacou-se na Literatura como
dramaturgo, escrevendo "A invasão", "O Santo Inquérito", "As primícias" e "O Rei
de Ramos", mas se popularizou como autor de telenovelas e como esposo da
"rainha" da teledramaturgia brasileira, Janete Clair. "O bem-amado" e "Roque
Santeiro" são as telenovelas mais famosas de Dias Gomes. A obra que o imortalizou
em nossa Literatura, sem dúvida alguma, é "O Pagador de Promessas".
http://www.ces.uc.pt/lab2004/programa/resumo_sessao/resumo9_4.html
Se tiver acesso à internet, mostre à turma o trailer do filme de Anselmo Duarte,
cenas da minissérie televisiva de 1988 ou o trecho inicial de uma montagem para o
teatro.
2ª aula: leitura compartilhada
Leia com os alunos a primeira parte do texto teatral O pagador de promessas
esclarecendo as possíveis dificuldades sobre o enredo ou as características do
gênero dramático.
3ª aula: o gênero dramático
Em aula expositiva dialogada, explique à turma as diferenças entre os gêneros
lírico, épico e dramático. Esclareça que o texto dramático é um texto "incompleto",
pois que feito para ser encenado no teatro. Use o trecho lido na aula anterior para
exemplificar as características do gênero.
Segundo Anatol Rosenfeld (O teatro épico. Ed. Perspectiva, col. Debates)
"...Pertencerá à Lírica todo poema de extensão menor, na medida em que nele não
se cristalizarem personagens nítidos e em que, ao contrário, uma voz central -
quase sempre um Eu - nele exprimir seu próprio estado � � de alma. Fará parte da
Épica toda obra - poema ou não - de extensão maior, em que um narrador
apresentar personagens envolvidos em situações e eventos. Pertencerá à
Dramática toda obra dialogada em que atuarem os próprios personagens sem
serem, em geral, apresentados por um narrador. (...)
... na Dramática (de pureza ideal) não há mais quem apresente os acontecimentos:
estes se apresentam por si mesmos, como na realidade; fato esse que explica a
objetividade e, ao mesmo tempo, a força e intensidade do gênero. A ação se
apresenta como tal, não sendo aparentemente filtrada por nenhum mediador. Isso
se manifesta no texto pelo fato de somente os próprios personagens se
apresentarem dialogando sem interferência do autor. Este se manifesta apenas nas� �
rubricas que, no palco, são absorvidas pelos atores e cenários."
Como lição de casa, peça que os alunos leiam o segundo ato da peça.
4ª aula: leitura dramática
Escolha um aluno para interpretar as falas de cada personagem envolvido na
segunda parte de O pagador de promessas. Realize com a turma uma leitura
dramática do texto lido anteriormente em casa.
Grosso modo, podemos definir a Leitura Dramática como uma peça de teatro lida
em voz alta para uma plateia. Ela se situa entre o teatro enquanto gênero literário
autônomo e a encenação propriamente dita.
http://w3.ufsm.br/daletras/res_oficinas.php
Como lição de casa, peça aos alunos que leiam o terceiro ato da peça.
5ª aula: leitura dramática
Realize com a turma a leitura dramática do terceiro ato aproveitando para
esclarecer as últimas dúvidas dos alunos.
6ª aula: O pagador de promessas - comentário
Pergunte à classe do que fala a peça. Em aula expositiva dialogada, discuta as
respostas com a turma e, em seguida, apresente os dois grandes eixos temáticos
da obra de Dias Gomes.
Podemos localizar na peça dois grandes eixos temáticos:
1. O sincretismo religioso das camadas populares (que se contrapõe à intolerância
do padre e dos membros do clero),
2. A oposição campo / cidade (figurada na ingenuidade de Zé-do-burro em
contraposição à "malandragem" dos habitantes da cidade.)
Conte à turma um pouco da origem do sincretismo religioso no Brasil. Se for
possível, convide a professora de história para fazer esta apresentação.
A partir do século 15, inicia-se uma das maiores migrações forçadas da história da
humanidade, na qual milhões de africanos que haviam sido capturados em seus
territórios ancestrais (...) foram levados para o litoral e vendidos como escravos
para os europeus e brasileiros em portos específicos na África e trazidos nessas
condições para o Brasil.
(...) Assim que chegavam ao Brasil, os africanos escravizados eram logo
submetidos à aculturação portuguesa, traduzida principalmente na catequese
católica: eram batizados e recebiam um nome "cristão", pelo qual seriam
conhecidos a partir daquele momento.
Assim como os tupis, os africanos também tentando preservar suas tradições
religiosas no Brasil, adaptaram suas crenças às condições de escravidão a que
estavam submetidos. A principal forma encontrada por eles, como foi feito também
pelos tupis décadas antes, foi associar os santos católicos aos seus deuses (...) de
acordo com as características ou arquétipos que ambos possuíam em comum.
(...) É importante ressaltar que, apesar dessa tolerância, os aspectos ritualísticos
do Calundu ligados à magia e a incorporação de espíritos eram frequentemente
combatidos por serem considerados coisas malignas, surgindo daí a expressão
magia negra para designar a magia voltada para o mal, que na mentalidade da
época era "coisa de negro".
Ao longo dos séculos XVII e XVIII cresce consideravelmente o número de cidades
em todo o país. Devido a esse fato, surge uma situação completamente nova em
todo o território colonial: o aumento do número de negros e mulatos alforriados,
livres, e de escravos circulando com relativa liberdade nessas áreas urbanas. A
partir das residências desses negros e mulatos livres, localizadas em sua grande
maioria em casebres e cortiços, as manifestações religiosas de origem africana
encontraram condições mínimas para se desenvolverem. Nessas casas, os
afrodescendentes poderiam realizar suas festas com certa frequência, construírem
e preservarem seus altares com os recipientes consagrados aos seus deuses.
É nessas residências que surge, em fins do século XVIII e início do século XIX, uma
nova manifestação sincrética brasileira, que ficou conhecida na Bahia como
CANDOMBLÉ.
http://jorgebotelho.spaces.live.com/Blog/cns!957924DACBFCF689!574.entry?
sa=533574942
7ª aula: O pagador de promessas - análise
Divida a sala em grupos de três ou quatro alunos e peça que cada grupo responda
por escrito a uma dessas perguntas:
1. Zé-do-Burro vê diferença entre Iansan e Santa Bárbara? Por quê?
2. Quais personagens partilham da crença de Zé-do-Burro sobre Iansan e Santa
Bárbara e quais não compartilham? Por quê?
3. Por que Zé-do-Burro não compreende os motivos que levam o padre a impedi-lo
de cumprir sua promessa?
4. Por que o padre considera Zé-do-Burro um enviado do demônio?
5. Por que Zé-do-Burro, mesmo tendo feito a promessa em um terreiro de
candomblé, recusa-se a cumpri-la no terreiro de Menininha, como sugere Minha
Tia?
6. Que características de Zé-do-Burro permitem que Bonitão, o Repórter e o
Galego tentem tirar proveito dele?
7. Por que os capoeiras entram na Igreja com o corpo de Zé-do-Burro sobre a cruz?
8ª aula: discussão coletiva
Peça que cada grupo apresente brevemente sua resposta e discuta cada uma com
o resto da sala.
Zé-do-Burro possui uma religiosidade sincrética típica das camadas populares da
Bahia. Para ele, como para Minha Tia e os capoeiras, Iansan e Santa Bárbara são a
mesma entidade, uma vez que a imagem é a mesma para ambas.
Para o padre e o Monsenhor, adeptos do catolicismo, o sincretismo religioso não
deve ser tolerado. Herdeiros das concepções europeias trazidas pela colonização
portuguesa, consideram os cultos afro-brasileiros coisas "do demônio".
Zé-do-Burro não compreende os motivos do padre, pois fez a promessa para a
imagem de Santa Bárbara, que para ele é Santa Bárbara, não importando se esteja
no candomblé ou na igreja. Sitiante humilde e sem estudo, Zé-do-Burro estabelece
suas relações com os santos com base nas referências que possui: entende
promessas e graças como transações comerciais. "Não, nesse negócio de milagres,
é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o
santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: - Ah, você é o Zé-do-Burro,
aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá
fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais:
santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo."
Por ter prometido a Santa Bárbara que carregaria a cruz até sua igreja, Zé não
aceita entregá-la no terreiro de Menininha, pois teme que a promessa fique "mal
cumprida".
Habitante do campo, Zé-do-Burro, em sua ingenuidade, torna-se despreparado
para enfrentar a malícia dos habitantes da cidade. Os códigos culturais não são os
mesmos, resultando daí que nem Zé compreende o Padre, Bonitão e o Repórter,
nem esses compreendem suas razões. O choque cultural termina em morte e Zé-
do-Burro finalmente entra na igreja sobre a cruz, como um mártir que morreu em
nome de sua fé.
Avaliação
1- Assista com os alunos ao filme de Anselmo Duarte, disponível para download
em:
2- Peça, como lição de casa, que o aluno responda às seguintes questões:
a- O que da peça se manteve no filme e o que mudou?
b- Como o filme figura o sincretismo religioso?
Literatura na escola - 9º ano: Narrativa de Franz Kafka
Introdução
Esta é a última de uma série de 16 sequências didáticas que formam um programa
de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o conteúdo
completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de mundo);
conhecer as características do gênero Novela;
conhecer as características do narrador kafkiano;
conhecer características básicas da narrativa kafkiana.
Conteúdos
A novela: características do gênero;
Ponto de vista narrativo e enredo;
Técnica de inversão;
Alienação.
Tempo estimado
Cinco aulas
Ano
9º ano
Material necessário
- Livro A Metamorfose. Franz Kafka, Tradução de Modesto Carone. 104 págs.,
Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500 begin_of_the_skype_highlighting (11)
3707-3500 end_of_the_skype_highlighting, 25 reais.
Desenvolvimento
1ª etapa: leitura compartilhada e análise - parte I
O início da novela A metamorfose, de Franz Kafka, é tão impactante que vale a
pena começar o trabalho com o texto sem maiores introduções. Leia com os alunos
as primeiras palavras do livro:
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se
em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas
costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre
abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo do qual a coberta,
prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas,
lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo,
tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
- O que aconteceu comigo? - pensou.
Não era um sonho. (...)
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- O que aconteceu com Gregor?
- Como assim um "inseto monstruoso"?
- Ele estava sonhando?
- Será que o narrador vai explicar o que aconteceu para Gregor virar um inseto?
Você espera que ele explique?
Continue então a leitura, procurando verificar se o narrador vai explicar o que
aconteceu com Gregor:
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco
pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas.
Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um mostruário de tecidos -
Samsa era caixeiro-viajante -, pendia a imagem que ele havia recortado fazia pouco
tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela moldura dourada.
Representava uma dama de chapéu de pele e boá de pele que, sentada em posição
ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado regalo também de pele, no
qual desaparecia todo o seu antebraço.
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- O narrador explica as causas da metamorfose?
- Nós podemos saber o que aconteceu?
- O que sabemos até agora?
- O que faz o narrador depois que comunica que Gregor virou um inseto
monstruoso?
- Faz sentido a descrição tão detalhada do quarto de Gregor em um momento tão
tenso?
Prossiga a leitura pedindo que os alunos observem agora de que forma o
personagem principal reage à grotesca transformação:
O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo - ouviam-se gotas
de chuva batendo no zinco do parapeito - deixou-o inteiramente melancólico. (...)
- Ah, meu Deus - pensou. - Que profissão cansativa eu escolhi. Entra dia, sai dia -
viajando. A excitação comercial é muito maior que na própria sede da firma e além
disso me é imposta essa canseira de viajar, a preocupação com a troca de trens, as
refeições irregulares e ruins, um convívio humano que muda sempre, jamais
perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue tudo isso!
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- Gregor se preocupa por ter virado um inseto grotesco?
- Você esperava que ele se preocupasse?
- Com o que ele se preocupa?
Professor,
Há um excelente ensaio sobre A metamorfose, de autoria do tradutor do livro para
o português, disponível na rede: CARONE, Modesto. "O parasita da família: sobre
A metamorfose de Kafka", in: revista Literatura e Sociedade no 10. São Paulo,
USP/ FFLCH/ DTLLC, 2007/2008. Disponível em pdf em
http://www.fflch.usp.br/dtllc/ls10.pdf pp. 237 a 243
Segundo esse ensaio, a narrativa kafkiana é fascinante em função do
extraordinário "efeito de choque que desde a primeira fase a novela provoca na
mente do leitor. Pois já nas primeiras linhas do texto se manifesta a colisão entre a
linguagem tipicamente cartorial, de protocolo, e o pressuposto inverossímil da
coisa narrada." (p. 237) .
Kafka usa aqui a técnica da inversão: começa a narrativa pelo clímax. Gregor
acorda transformado num inseto monstruoso sem que nada justifique a
inverossímil metamorfose. Junto a isso, nem o narrador, nem Gregor, parecem
essencialmente preocupados com o fato grotesco. O narrador preocupa-se em
descrever minuciosamente o quarto do herói e Gregor preocupa-se apenas em
levantar-se para ir trabalhar.
Peça que os alunos terminem em casa a leitura da parte I do livro, observando o
comportamento de Gregor e do narrador diante da metamorfose.
2ª etapa: leitura compartilhada e análise - parte II
Inicie a aula discutindo a primeira parte do livro com a turma. Para tanto, lance as
seguintes questões:
- Vocês conseguiram saber por que Gregor virou um inseto?
- O narrador sabe?
- Gregor sabe?
- O narrador sabe mais que Gregor?
- Em algum momento eles se preocupam com isso?
Gregor não se choca com sua horrenda metamorfose e continua raciocinando como
se o problema todo se resumisse a levantar-se e ir trabalhar. O narrador, apesar de
ser em terceira pessoa, tem dos acontecimentos um olhar tão parcial quanto o do
herói e parece mais preocupado em descrever com minúcias realistas tanto o
espaço quanto os fatos narrados. Ainda segundo Modesto Carone, "esse narrador
se comporta como uma câmera cinematográfica na cabeça do protagonista - e
nesse caso o relato objetivo, através do discurso direto e indireto, se entrelaça com
a proximidade daquilo que é experimentado subjetivamente pelo herói. É por esse
motivo que, na descrição dos acontecimentos que evoluem no seio da família
Samsa, a narração não avança muito mais do que Gregor poderia fazer a partir de
um ponto-de-vista rigorosamente pessoal." (p. 238)
Os pensamentos de Gregor giram em torno apenas de suas responsabilidades: ele
maldiz o trabalho, irrita-se com o chefe e com o gerente e entra em pânico diante
da possibilidade de perder o emprego - mas em nenhum momento se indaga sobre
sua grotesca condição. Gregor não sabe - e nem procura saber - o que aconteceu
com ele. Então nós, leitores, recorremos ao narrador - para descobrir que ele
também não sabe.
O narrador preocupa-se em apresentar o mundo de Gregor tal como ele é. Nesse
sentido dá tanto peso à metamorfose quanto à descrição detalhada do quarto. É
uma realidade fragmentária e opaca, mas descrita com minúcia quase científica.
Kafka monta então sua equação de ignorâncias sobre o fato absurdo: Gregor não
sabe, o narrador não sabe - e nós tampouco. E é assim, às cegas, que devemos
suportar a leitura.
Leia com os alunos as primeiras páginas da segunda parte do livro:
Só no crepúsculo Gregor despertou do sono pesado, semelhante a um desmaio.
Mesmo sem ser perturbado, certamente não teria acordado muito mais tarde, pois
sentia que havia descansado e dormido o suficiente (...) Tateando
desajeitadamente com as antenas que só agora aprendia a valorizar, se deslocou
até a porta para ver o que havia acontecido lá. Seu lado esquerdo parecia uma
única e longa cicatriz, desagradavelmente esticada, e ele precisava literalmente
mancar sobre duas fileiras de pernas. Uma perninha, aliás, tinha sido gravemente
ferida no curso dos acontecimentos da manhã - era quase um milagre o fato de que
só uma fora lesada - e se arrastava sem vida atrás das outras.
(...)
Na sala de estar, como Gregor podia ver pela fresta da porta, o gás estava aceso,
mas ao passo que nessa hora do dia o pai em geral costumava ler, em voz alta, o
jornal que saía à tarde, para a mãe e às vezes também para a irmã, agora não se
ouvia som algum. Bem, talvez essa leitura, sobre a qual a irmã sempre falava e
escrevia, tivesse caído em desuso nos últimos tempos. Mas também em volta
reinava o silêncio, embora a casa certamente não estivesse vazia.
- Que vida tranquila a família levava! - disse Gregor a si mesmo e sentiu, enquanto
fitava o escuro diante dele, um grande orgulho por ter podido proporcionar aos
seus pais e à sua irmã uma vida assim, num apartamento tão bonito.
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- Gregor pensa como um inseto monstruoso ou como o antigo Gregor?
- Qual era a sua profissão?
- O resto da família trabalhava? Por quê?
- Como eles reagiram ao novo Gregor?
- O herói entende o impacto que causa em seus familiares?
Peça que os alunos leiam em casa a segunda e a terceira parte do livro. Estabeleça
um prazo. Enquanto eles estão lendo, separe uma aula para explicar o que é uma
novela.
3ª etapa: o que é uma novela? A novela como gênero literário
Pergunte, oralmente, à turma:
- Você sabe o que é uma novela?
Afinal, que tipo de relato constitui-se como novela? Em que ela se diferencia do
romance e do conto? Infelizmente não temos uma resposta segura para esta
questão. A fluidez do termo se presta a várias interpretações. Sabe-se que é uma
espécie intermediária entre a longa extensão do romance e a brevidade nervosa do
conto, mas não há coordenadas rígidas para delimitar as diferenças.
Por funcionar como uma nebulosa espécie intermediária entre dois gêneros
consagrados e fáceis de definir, o termo novela nem sempre é empregado por
professores e críticos. Há certas narrativas, porém, que, pelo seu próprio volume
de páginas, não se enquadram nem como conto nem como romance. Digamos, de
maneira mais ou menos arbitrária, que a novela (em edições de formato e tamanho
convencional) gira em torno de trinta a cem páginas.
De resto, a novela ultrapassa o conto pela construção melhor elaborada de um
personagem central e pela relativa ampliação do tempo e do espaço. Mas, em
relação à infinidade de situações registradas por qualquer romance, a novela
apresenta um número pouco significativo de acontecimentos.
Sua ênfase, portanto, recai sobre o personagem, como no gênero romanesco. Só
que neste, o protagonista é construído por uma multiplicidade de eventos,
enquanto na novela o personagem se afirma existencialmente em apenas uma ou
em algumas poucas situações.
Entre os exemplos clássicos de novela figuram - além de O alienista - A morte de
Ivan Ilicht, de Tolstói; Os sete enforcados, de Andreiev; A metamorfose, de Kafka;
Ninguém escreve ao coronel, de Gabriel García Marquez; e A morte e a morte de
Quincas Berro dÁgua, de Jorge Amado. �
http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/06/06/000.htm
4ª e 5ª etapas: análise e interpretação - A metamorfose
Depois de a leitura do livro ser concluída pelos alunos, busque, em aula expositiva
dialogada, chegar com eles a uma interpretação da obra de Franz Kafka.
Para tanto, lance as seguintes questões:
- O que acontece em cada parte do livro?
- A família, antes, dependia de Gregor?
- E depois, quem dependia de quem?
- Nós descobrimos por que Gregor virou um monstro grotesco?
- É possível construir uma interpretação para a sua metamorfose?
- Você esperava que ele morresse?
- Havia outra saída para ele?
A novela A Metamorfose apresenta-se dividida em três partes. Na parte I, sofremos
o impacto da metamorfose de Gregor Samsa num inseto monstruoso; na II,
acompanhamos a existência de Gregor como inseto; na terceira parte sofremos a
angústia de sua impossibilidade de conviver com a família e consequente morte.
O impacto da primeira parte se dá em função da técnica da inversão e de
percebermos que "o narrador kafkiano, embora fale pelo personagem, só mostra
estar sabendo aquilo que ele realmente sabe, ou seja: nada ou quase nada."
(Modesto Carone, op. cit. pg. 239)
Na parte II ficamos sabendo que Gregor era arrimo de família e trabalhava como
caixeiro-viajante há cinco anos, em função da falência do negócio do pai. Cabia a
Gregor sustentar toda a família e pagar as dívidas paternas. Nesse sentido,
podemos entender a metamorfose do herói "como resultado de um processo, ou
seja: como um momento definido que teria sido precedido por outros que ficaram
aquém da narrativa e por isso não foram tematizados por ela." (Modesto Carone,
op. cit. pg. 241) Gregor era submetido a um trabalho desumano a fim de sustentar
toda uma família parasitária em boas condições de vida.
Por último, temos o filho transformado em parasita. A família, a princípio, sustenta
sua existência subterrânea - mas logo se sente lesada e desfaz-se do peso morto.
"...o que então se percebe é mais uma vez a vigência do princípio de inversão em
que Kafka é um mestre insuperável; pois se antes a família vivia parasitariamente
às custas do trabalho de Gregor e da sua alienação no mundo dos negócios (que
contrasta, na novela, com a utopia do mundo da música) ele agora é, aos olhos da � �família deserdada pela sua metamorfose, apenas um inseto parasita." (Modesto � �Carone, op. cit. pg. 242).
Cada vez mais abandonado pelos seus, que agora o vêem mais como um inseto do
que como Gregor, o herói perde as forças e morre - fato comemorado pela família
com um passeio no campo. Depois disso, é varrido da memória pela faxineira da
casa.
Avaliação
No youtube, é possível conhecer uma versão em quadrinhos, em português de
Portugal, de António Pacheco, para a obra de Franz Kafka.
Veja o filme com a classe e, em seguida, peça que respondam, em grupos de três,
por escrito:
a) Há narrador na versão de A Metamorfose para os quadrinhos?
b) O ponto de vista apresentado é o mesmo do narrador do livro?
c) E o leitor, sabe da história tão pouco quanto na obra de Kafka?
d) Você acha que as ilustrações de Peter Kuper tornaram a narrativa mais ou
menos terrível? Explique.
Literatura na escola - 7º ano: Crônicas de Luís Fernando Veríssimo
Introdução
Esta é a quinta de uma série de 16 sequências didáticas que formam um programa
de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o conteúdo
completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
Desenvolver a competência leitora;
Desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
Estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de mundo);
Revelar o diálogo entre literatura e tradição cultural;
Perceber as particularidades do gênero Crônica.
Conteúdos
Forma literária;
Paráfrase, análise e interpretação;
Alienação, Personificação e Coisificação;
Ditadura Militar no Brasil.
Tempo estimado
Cinco aulas.
Ano
7º ano
Material necessário
- Livro O Nariz e Outras Crônicas. Luís Fernando Veríssimo, 112 págs, Editora
Ática, Coleção Para Gostar de Ler, tel (11) 3990-1612
begin_of_the_skype_highlighting (11) 3990-1612 end_of_the_skype_highlighting,
preço 26,90
- Se possível, um computador ligado à Internet.
Desenvolvimento
1ª etapa: Sondagem oral
Pergunte se os alunos já ouviram falar do cronista Luís Fernando Veríssimo.
Conhecem alguma obra que ele publicou? E sobre Crônica, já ouviram falar?
A partir desta primeira sondagem, inicie sua aula, apresentando à turma o escritor,
bem como o
gênero crônica. Se julgar necessário, entregue aos alunos o texto do boxe abaixo.
Luís Fernando Veríssimo e o gênero Crônica
Luís Fernando Veríssimo se firmou como escritor por meio da profissão de
jornalista. A partir de 1970, começou a escrever crônicas para o jornal Folha da
Manhã e logo se consagrou como escritor.
A definição do gênero Crônica até hoje é uma questão polêmica. Segundo o autor
Jorge de Sá, no livro A Crônica, a aparência de simplicidade "decorre do fato de
que a crônica surge primeiro no jornal, herdando a sua precariedade, esse seu lado
efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se acabe o
dia, no instante em que o leitor transforma as páginas em papel de embrulho, ou
guarda os recortes que mais lhe interessam no arquivo pessoal. O jornal, portanto,
nasce, envelhece e morre a cada 24 horas. Nesse contexto, a crônica também
assume sua transitoriedade, dirigindo-se inicialmente a leitores apressados, que
leem nos pequenos intervalos da luta diária, no transporte ou no raro momento de
trégua que a televisão lhes permite. Sua elaboração também se prende a essa
urgência: o cronista dispõe de pouco tempo para datilografar o seu texto, criando-
o, muitas vezes, na sala enfumaçada de uma redação. Mesmo quando trabalha no
conforto e no silêncio de sua casa, ele é premiado pela correria com que se faz um
jornal, o que acontece mesmo com suplementos semanais, sempre diagramados
com certa antecedência.
À pressa de escrever, junta-se a de viver. Os acontecimentos são extremamente
rápidos, e o cronista precisa de um ritmo ágil para poder acompanhá-los. Por isso a
sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta, mais próxima da conversa
entre dois amigos do que propriamente do texto escrito. Dessa forma, há uma
proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade, sem que o
narrador caia no equívoco de compor frases frouxas, sem a magicidade da
elaboração, pois ele não perde de vista o fato de que o real não é meramente
copiado, mas recriado. O coloquialismo, portanto, deixa de ser a transcriação exata
de uma frase ouvida na rua, para ser a elaboração de um diálogo entre o cronista e
o leitor, a partir do qual a aparência simplória ganha sua dimensão exata.
No livro "O Nariz", de Luis Fernando Veríssimo, há uma crônica intitulada "Ela".
Peça que os alunos anotem individualmente suas ideias a respeito deste título. O
que ele deve significar?
2ª etapa: leitura compartilhada do conto "Ela" e contextualização da obra:
a década de 70 no Brasil
Leia com a turma o conto "Ela" e peça que os alunos comentem suas impressões
gerais. Em seguida pergunte se, após a leitura, as ideias que tinham a respeito do
significado do título "Ela" se mantiveram ou foram alteradas? Justifique.
Peça para a moçada elencar todas as referências a fatos históricos e os títulos de
programações de televisão que aparecem na crônica. Pergunte aos estudantes se
entenderam essas referências, se sabem, por exemplo, o que era o Sheik de Agadir
- título de uma novela da década de 1960 - citado na crônica.
A turma certamente terá dificuldade em entender alguns fatos. Faça, então, a
contextualização para a classe e apresente as questões político/históricas do Brasil
na década de 1970 (saiba mais no texto abaixo). Se possível, convide o professor
de História para ajudar nessa segunda etapa. Lembre-se que, conforme os alunos
se aproximam do Ensino Médio, a tendência é a escola trabalhar mais com aqueles
livros que o adolescente não conseguiria ler por conta própria, seja por uma
linguagem mais elaborada do ponto de vista estético, seja porque o livro pertence
a uma época cujas referências o estudante desconhece. Cabe ao professor fornecer
o repertório e os esclarecimentos necessários para que a leitura se torne acessível
ao aluno. "O Nariz", por ser uma coletânea de crônicas, não apresenta grandes
desafios do ponto de vista da linguagem, mas muitas narrativas fazem referências
a questões políticas e sociais do Brasil que devem ser explicadas.
Década de 1970
antesdachuva.zip.net
Na década de 1970, o Brasil ainda vivia sob o peso da ditadura militar e do Ato
Institucional No 5. Não havia liberdade de imprensa e os opositores ao regime
eram perseguidos e torturados.
Sob interesse dos governos militares e aproveitando o milagre econômico e a
vitória da seleção brasileira em 1970, surgiam slogans e canções ufanistas como
"Brasil, ame-o ou deixe-o" e "pra frente Brasil"
Foi também um tempo de expansão da indústria televisiva, da publicidade e dos
meios de comunicação de massa. Toda criação artística que escapasse à censura
era submetida a um forte esquema comercial. Em 1978, a novela Dancin`Days
fazia sucesso com uma trilha sonora e figurinos baseados na Disco Music norte
americana.
3ª etapa: análise da crônica "Ela"
Em aulas expositivas dialogadas, analise a crônica "Ela" com a turma, obedecendo
aos procedimentos de análise literária organizados abaixo:
1) Paráfrase:
A paráfrase é a primeira parte da análise. Ela é um resumo do enredo, um "contar
a história com as suas próprias palavras", por isso deve ser curta e objetiva, deve
resumir-se apenas ao essencial.
Finalizada a leitura compartilhada, pergunte aos alunos do que fala o texto?
Exemplo:
A crônica "Ela" conta a história da influência crescente da televisão na vida de uma
família brasileira, entre as décadas de 1960 e 1970.
Confirme se a sala está de posse dessa compreensão mínima. Caso não esteja,
retome a leitura compartilhada.
2) Análise:
Analisar é "desmontar" o texto, é verificar quais são as partes que o compõe e
como elas se articulam. Cada obra literária tem inúmeros elementos que,
articulados, a constituem. A ideia não é investigar todos - nem seria possível - mas
apenas alguns. Quais? A análise deve construir argumentos que sustentem a
interpretação. É ela que vai conduzir o leitor através do seu raciocínio.
Não podemos nos esquecer também que, em arte, forma é conteúdo. Por isso, é
preciso ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a ter na
economia da crônica. O que são aspectos formais? São elementos que se referem
menos diretamente a o que está sendo dito e mais ao como está sendo dito. O tipo
de narrador, a caracterização de algum personagem, o tempo, o espaço e o
tipo de discurso são alguns dos elementos formais que podem ser
fundamentais para desvendar mistérios.
Ao observar a crônica escolhida, é fácil perceber algo que, em sua forma, lhe
chame a atenção. Por exemplo, o fato de a crônica "Ela" possuir inúmeras
referências históricas não pode passar despercebido. Partindo do princípio que o
escritor Luís Fernando Veríssimo domina plenamente a sua arte, devemos
acreditar que tais referências contribuem para o sentido do texto.
Outro elemento formal que chama atenção é o fato de o pronome pessoal "ela"
sugerir, desde o título, uma personificação do objeto televisor. Tal personificação,
que se intensifica ao longo do texto, também é produtora de sentido.
Existem inúmeros elementos passíveis de análise em uma boa obra literária. Se
tivermos um olhar atento no que se refere à forma, então já será possível traçar
um caminho seguro pelo qual nossa análise pode seguir. Retomemos o tema
depois.
Exemplo de análise
O título da crônica "Ela", por ser um pronome pessoal, sugere que a narrativa vai
falar de uma pessoa do sexo feminino. Tal sugestão é intensificada nas primeiras
frases:
"Ainda me lembro do dia em que ela chegou lá em casa. Tão pequenininha! Foi
uma festa."
Em seguida, temos a impressão de que "Ela" é, na verdade, um animalzinho de
estimação:
"Botamos ela num quartinho dos fundos. Nosso filho - naquele tempo só tínhamos o
mais velho - ficou maravilhado com ela. Era um custo tirá-lo da frente dela para ir
dormir."
Note que foram usadas citações de trechos da crônica. Isso não só é possível como
geralmente é muito útil. Quanto mais sua análise der voz ao texto, melhor.
Então a crônica realiza uma primeira quebra de expectativa com efeito de humor:
percebemos que se trata de um aparelho de TV.
"- Eu não ligava muito pra ela. Só pra ver um futebol, ou política. Naquele tempo
tinha política. Minha mulher também não via muito. Um programa humorístico, de
vez em quando. Noites Cariocas... Lembra de Noites Cariocas?- Lembro.
Vagamente. O senhor vai querer mais alguma coisa."
A partir do trecho acima, a crônica de Luís Fernando Veríssimo diz a que veio:
temos a percepção de que o narrador-personagem narra sua história em diálogo
com um interlocutor que, provavelmente, é um garçom que não parece muito
disposto a escutá-lo. Temos uma referência ao golpe militar de 1964 ("Naquele
tempo tinha política.") e podemos deduzir que os acontecimentos narrados têm
início antes do Golpe e o narrador fala ao garçom ainda durante a repressão.
Temos também, completando a referência temporal, a alusão a um programa
televisivo de 1961: "Noites Cariocas".
3) Comentário:
O comentário se faz necessário no momento em que a análise solicita informações
externas à obra literária para elucidar seu sentido profundo. Isso porque a
Literatura, apesar de sua relativa autonomia, faz parte do tecido social em que
está inserida. Como explica Antonio Candido no livro Na sala de aula: caderno de
análise literária, as "circunstâncias de sua composição, o momento histórico, a vida
do autor, o gênero literário, as tendências estéticas de seu tempo, etc. Só
encarando-a assim teremos elementos para avaliar o significado da maneira mais
completa possível (que é sempre incompleta, apesar de tudo)". Nessa crônica as
referências à história do Brasil são de fundamental importância para a
compreensão do leitor.
4) Continuação da análise:
A partir de então o narrador conta que a família comprou um aparelho maior e o
mudou para a copa, interferindo nos hábitos da família. Note que ele jamais deixa
de personificar a televisão:
"Aí ela já estava mais crescidinha. Jantávamos com ela ligada, porque tinha um
programa que o garoto não queria perder. (...) A empregada também gostava de
dar uma espiada. José Roberto Kelly."
Aqui vale recorrer novamente ao comentário: Na entrada dos anos 60, a
popularização dos desfiles de carnaval marcou o início da ascensão do samba-
enredo e o declínio da marchinha e dos blocos. José Roberto Kelly foi um dos
últimos compositores que brilharam no gênero, com Cabeleira do Zezé e Mulata Iê-
Iê-Iê., antes do Ato Institucional no 5, de 1968.
A narrativa continua contando como a televisão muda os hábitos da casa do
narrador, assim como os da família brasileira: sua mulher começa a seguir
apaixonadamente as telenovelas.
"Foi então que surgiu um personagem novo nas nossas vidas que iria mudar tudo.
Sabe quem foi?
- Quem?
- O Sheik de Agadir. Eu, se quisesse, poderia processar o Sheik de Agadir. Ele
arruinou meu lar."
Conforme o tempo passa e as novelas despertam interesse da família, a TV avança
da copa para a sala de visitas, interferindo na vida social do casal. O narrador
passa a marcar o tempo em função das telenovelas:
"- Nosso filho menor, o que nasceu depois do Sheik de Agadir, não saía da frente
dela. Foi praticamente criado por ela."
Note que, à medida em que aumenta a influência do televisor, o recurso à
personificação o torna cada vez mais humano e imperativo, enquanto a família, por
sua vez, vai se tornando cada vez mais objetificada:
"Minha mulher sucumbiu às novelas. Não queria mais sair de casa." "Ninguém
conversava dentro de casa." "Agora todos jantam na sala para acompanhá-la."
A situação chega ao limite com a novela Dancin´Days, de 1978, quando a esposa
muda a decoração da sala para combinar com a maquiagem de Júlia -a atriz Sônia
Braga. O narrador/personagem pede à família que escolha entre ele e a TV, mas a
família responde com um terrível silêncio. Quanto mais ele deseja contar sua
história, menos seu interlocutor deseja escutá-lo, com pressa de fechar o bar:
"_ Está bem. Mas agora vá para casa que precisamos fechar. Já está quase
clareando o dia..."
Então a crônica entra no registro da fantasia, com o pai de família tentando
desligar a televisão como quem comete um assassinato.
"Se tocar em mim, você morre". Uma voz feminina, mas autoritária, dura. Tremi.
Ela podia estar blefando, mas podia não estar."
Finalmente a crônica termina com a narrativa do fracasso do homem em se livrar
do terrível aparelho.
"- Muito bem. Mas preciso fechar. Vá para casa.
- Não posso.
- Por quê?
- Ela me proibiu de voltar lá."
6) Interpretação:
A interpretação corresponde à questão "do que fala o texto?". Ela é a exposição do
sentido profundo da obra literária. É ele que estamos buscando desde o início.
Quando analisamos, queremos saber o que está dito por meio dos silêncios, nas
entrelinhas; o que se origina da relação íntima entre forma e conteúdo. Se na
análise desmontamos o texto em partes, na interpretação temos de reorganizá-lo
como um todo, um todo de sentido capaz de reunir forma e conteúdo. Afinal, do
que fala a crônica de Luís Fernando Veríssimo?
Exemplo de interpretação
"Ela" narra a influência desagregadora da televisão na vida de uma família entre as
décadas de 60 e 80. Mais que isso, as inúmeras referências históricas presentes na
crônica permitem traçar um paralelo entre a família do narrador e a família
brasileira. O humor crítico de L. F. Veríssimo mostra como a população brasileira
se aliena diante da cultura de massa televisiva, tornando-se coisa, enquanto a
televisão, personificada, torna-se gente.
Avaliação
Peça aos alunos que busquem as referências de alienação e cultura de massas no
conto "Auto-Entrevista". Pode ser um trabalho para casa.