continuação de legislação tributária€¦  · web viewem 1961 o presidente jânio quadros...

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Direito Tributário Ricardo Lodi Patricia Bonfim Domingues 22.10.01 __________________________________________________________________ ______________________ 3) TRATADO É preciso que seja aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, através de um Decreto Legislativo. Daí o tratado segue para a ratificação por parte do Presidente da República. Após a publicação da ratificação no Diário Oficial, passa a ratificação a valer como norma interna, adotando-se, portanto, a doutrina dualista, que visa que se preconcebe um aspecto de validade na ordem internacional e outro na ordem interna. Na ordem internacional, o tratado passa a valer no momento em que é depositado na Embaixada no Estado contratante. Na ordem interna, após a publicação no Diário Oficial é que passa a valer. A grande discussão do tratado em relação a lei interna se dá no que tange a uma eventual hierarquia. Haveria hierarquia entre o tratado e a lei interna? Durante muito tempo a doutrina e a jurisprudência discutiram esse assunto. Na década de 70 o STF, alterando a jurisprudência anterior, rompe com o monismo que até então adotada, que preconcebia a predominância do tratado sobre a lei interna e nessa ocasião já o STF determinava a 1

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Page 1: continuação de Legislação Tributária€¦  · Web viewEm 1961 o Presidente Jânio Quadros renunciou, 8 meses após assumir a Presidência da República, alegando “forças

Direito TributárioRicardo Lodi

Patricia Bonfim Domingues 22.10.01________________________________________________________________________________

________3) TRATADO

É preciso que seja aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, através de um Decreto Legislativo. Daí o tratado segue para a ratificação por parte do Presidente da República. Após a publicação da ratificação no Diário Oficial, passa a ratificação a valer como norma interna, adotando-se, portanto, a doutrina dualista, que visa que se preconcebe um aspecto de validade na ordem internacional e outro na ordem interna. Na ordem internacional, o tratado passa a valer no momento em que é depositado na Embaixada no Estado contratante. Na ordem interna, após a publicação no Diário Oficial é que passa a valer.

A grande discussão do tratado em relação a lei interna se dá no que tange a uma eventual hierarquia. Haveria hierarquia entre o tratado e a lei interna?

Durante muito tempo a doutrina e a jurisprudência discutiram esse assunto. Na década de 70 o STF, alterando a jurisprudência anterior, rompe com o monismo que até então adotada, que preconcebia a predominância do tratado sobre a lei interna e nessa ocasião já o STF determinava a prevalência do tratado sobre a lei interna, mas excluía, dessa subordinação, a Constituição.

Assim sendo, no início do século XX o STF até entendia que o tratado prevalecesse sobre a própria Constituição, mas ao longo do século foi abandonando essa idéia e até a década de 70 entendia que o tratado prevalecia sempre sobre a lei interna, mas não sobre a Constituição, afinal de contas o tratado retira seu fundamento de validade da Constituição.

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Patricia Bonfim Domingues 22.10.01________________________________________________________________________________

________A partir do RE n.º 80.0041, o STF passa a entender que o

tratado não prevalece sobre a lei interna, o tratado, por ser introduzido por Decreto Legislativo, que está na mesma hierarquia da lei interna, não teria nenhuma superioridade sobre a lei ordinária. Sendo normas de mesma hierarquia, em caso de antinomia, prevaleceria o quê? Cronologia. Se um tratado dispuser sobre algo que é matéria de lei, o tratado revogaria a lei e vice-versa: se a matéria daquele tratado viesse a ser tratada por lei, esta revogaria o tratado.

Mas, a decisão desse recurso extraordinário não foi de matéria tributária e sim cambial. Para o Direito Tributário, a matéria é um pouco mais complicada, por conta do art. 98 do CTN, segundo o qual o tratado revoga a lei, mas não é por ela revogado, ou seja, estaria estabelecendo uma hierarquia entre o tratado e a lei interna. Esse art.

1 CM , CAMBIAL, NOTA PROMISSORIA, REGISTRO, AVAL, CONVENCAO DE, GENEBRA EMF ACE DO DIREITO POSITIVO

Ementa

CONVENCAO DE GENEBRA, LEI UNIFORME SOBRE LETRAS DE CAMBIO E NOTASPROMISSORIAS, AVAL APOSTO A NOTA PROMISSORIA NAO REGISTRADA NOPRAZO LEGAL, IMPOSSIBILIDADE DE SER O AVALISTA ACIONADO, MESMOPELAS VIAS ORDINARIAS. VALIDADE DO DECRETO-LEI N. 427, DE22.01.1969.EMBORA A CONVENCAO DE GENEBRA QUE PREVIU UMA LEI UNIFORME SOBRELETRAS DE CAMBIO E NOTAS PROMISSORIAS TENHA APLICABILIDADE NODIREITO INTERNO BRASILEIRO, NAO SE SOBREPOE ELA AS LEIS DO PAIS,DISSO DECORRENDO A CONSTITUCIONALIDADE E CONSEQUENTE VALIDADE DODEC. LEI N.º 427/69, QUE INSTITUI O REGISTRO OBRIGATORIO DA NOTAPROMISSORIA EM REPARTICAO FAZENDARIA, SOB PENA DE NULIDADE DOTITULO. SENDO O AVAL UM INSTITUTO DO DIREITO CAMBIARIO, INEXISTENTESERA ELE SE RECONHECIDA A NULIDADE DO TITULO CAMBIAL A QUE FOIAPOSTO.RECURSO EXTRAORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO.

Observação

DOCUMENTO INCLUIDO SEM REVISAO DO STFANO:** AUD:29-12-77VOTACAO: POR MAIORIA.RESULTADO: CONHECIDO E PROVIDO.ALTERACAO: 07/04/00, (SVF).

Legislação

LEG-FED DEL-000427 ANO-1969(fonte: www.stf.gov.br)

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Patricia Bonfim Domingues 22.10.01________________________________________________________________________________

________98 é de uma época em que predominava na jurisprudência, inclusive no STF, a supremacia do tratado sobre a lei interna.

Hoje discute-se se realmente a nossa lei de normas gerais teria esse condão de estabelecer uma hierarquia ou não. Essa definição é importante porque temos várias situações onde o tratado vem a modificar e vem a ser modificado por disposições constituídas em lei brasileira.

O STF “lava as mãos” nessa discussão, ele faz de tudo para não decidir se o art. 98 vale ou não. Ele sai pela tangente, dizendo que o tratado está concedendo isenção de imposto, portanto ele é uma norma especial que prevalece sobre a norma geral de incidência, ou seja, ele estabelece uma relação de especialidade entre a lei interna e o tratado. E diz que mesmo para aqueles que não admitem hierarquia entre tratado e lei interna, neste caso há que prevalecer o tratado, porque ele é norma especial em relação à lei de incidências, que é norma geral. Ou seja, o que o STF faz é dar supremacia ao tratado não por hierarquia, que é o primeiro critério de resolução de antinomias, mas pela especialidade, que é o segundo. O STF diz que não precisa analisar o primeiro, pois mesmo que você entenda que não há hierarquia, prevalece, nesse caso, o tratado, por uma questão de especialidade. É o que o STF chama de isenções contratuais, que são apenas tratados contratuais que estabelecem reciprocidade num tratamento tributário mais privilegiado entre os Estados contratantes. Então o STF decidiu não decidir essa controvérsia a respeito do art. 98, dando a supremacia ao tratado por outro motivo que não a hierarquia.

Alguns chegam a sustentar que o art. 98 não estabelece hierarquia alguma, apenas reconhecendo essa situação que geralmente acontece do tratado ser uma lei especial em relação à lei de incidência. O Professor Ricardo Lodi diz que, portanto, ele não aplicaria o art. 98

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________quando estivesse diante de uma situação onde não há relação de especialidade entre o tratado e a lei interna tributária. Pex: há tratados internacionais que estabelecem o regramento de impostos genericamente, como o GATT, que no seu art. 7º dispõe sobre base de cálculo de II: isso aí é lei geral com lei geral. Nesse caso específico, como o tratado vem depois do CTN, mais uma vez o STF se esquiva de examinar a questão da hierarquia porque dá prevalência ao tratado pelo 3º critério de resolução de antinomias, que é o da cronologia.

Resumindo essa história, o art. 98 CTN pretendeu estabelecer uma hierarquia entre o tratado e a lei interna porque ele é do tempo que essa doutrina prevalecia na jurisprudência, mas essa disciplina hoje é questionada por parte da doutrina, que entende não estabelecer no art. 98 uma hierarquia, mas apenas reconhecer uma relação de especialidade da maioria dos tratados em matéria tributária.

Doutrinariamente prevalece a corrente que admite a hierarquia entre tratado e a lei interna, com base no art. 98. Mas a jurisprudência procura se esquivar de decidir essa matéria.

Uma outra questão que foi discutida no STF diz respeito à possibilidade do tratado estabelecer matéria reservada à lei complementar.

Estava em discussão o tratado que estabeleceu a proteção ao trabalhador contra a dispensa arbitrária – Convenção da OIT n.º. 118 – sendo que a Constituição diz que essa matéria é reservada à lei complementar. O STF, adotando um posicionamento que não era defendido por nenhuma corrente, entendeu que, por ser o Decreto Legislativo da mesma hierarquia da lei ordinária e sendo o tratado aprovado por Decreto Legislativo, ele não poderia dispor sobre matéria de lei complementar. Essa tese parece ao Professor Ricardo Lodi totalmente estapafúrdia porque o Brasil, quando estabelece um tratado,

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________não sofre limitações que a nossa Constituição impõe de repartir competências, seja entre entes da federação (União, Estados e Municípios), seja entre diplomas legislativos (LO, LC). A República Federativa do Brasil é soberana. Ao Professor Ricardo Lodi não parece que um Estado federativo só possa celebrar tratado sobre matéria de lei ordinária, ou matéria de competência da União. Quando um país celebra um tratado, pode dispor sobre qualquer matéria. Ele não está querendo dizer com isso que um tratado não precise respeitar a Constituição, do ponto de vista material. O Brasil poderia celebrar um tratado que restabelecesse a escravidão, pex, que impusesse a submissão da mulher ao homem. Mas isso não significa que, do ponto de vista formal, do ponto de vista da competência, o tratado tenha que se restringir apenas a dispor sobre matéria de lei ordinária federal. Isso significaria restringir o campo de atuação do Brasil na ordem internacional.

Essa decisão do STF foi tomada em uma situação politicamente muito peculiar. Havia uma pressão do Presidente para declarar o tratado um fato internacional e o STF acabou arranjando essa saída. O Presidente foi em Genebra, confraternizou com os líderes da Social Democracia Européia, aprovou o tratado, posou de social-democrata e voltou aqui e lembrou que não era mais aquele senador de antigamente e pressionou o STF para declarar inconstitucional, o que foi feito. Não se sabe se, em outras condições, o STF tomaria outra decisão. Mas o fato é que firmado está um precedente nesse sentido. O STF entendeu que o Decreto Legislativo, que estabelece o tratado, não poderia dispor sobre matéria reservada à lei complementar, não necessariamente optando pela tese da hierarquia. Ainda dentro da matéria da repartição da competência, cabe, de acordo com esse posicionamento, entender que não seria matéria de lei complementar. É claro que a lei ordinária, a medida provisória, o decreto legislativo, a lei

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________delegada não podem dispor sobre matéria de lei complementar, não por uma questão de hierarquia, mas sim por uma questão de reserva de competência. Mas restringir o tratado ao decreto legislativo que o aprova é simplificar demais as coisas. O tratado tem todo um procedimento diferente. Decreto legislativo dispõe sobre matéria da competência exclusiva do Congresso. O tratado tem toda uma dinâmica que enseja participação do Executivo, por duas oportunidades: na elaboração e na ratificação. Não parece que seja correto estabelecer aos tratados as mesmas limitações que a Constituição impõe aos decretos legislativos. O problema aqui não é necessariamente uma questão de hierarquia.

Temos ainda aquela outra questão que já abordamos da possibilidade do tratado estabelecer isenções sobre tributos estaduais e municipais. Pelas mesmas razões já expostas, não parece ao Professor Ricardo Lodi que possa haver limitação nesse sentido, à medida em que o tratado não sofre as limitações no que tange à competência dos entes da Federação. O engraçado é que nesse ponto o STF, entende, por decisão do Ministro Néri da Silveira, que o tratado pode estabelecer situações de isenção de tributos estaduais e municipais.

4) LEI COMPLEMENTAR

A LC é uma peculiaridade nacional, é produto nacional, assim como a jabuticaba e a onça pintada: só tem no Brasil.

Essa história de LC começou com a emenda parlamentarista. O germe da LC é encontrado na emenda parlamentarista.

Em 1961 o Presidente Jânio Quadros renunciou, 8 meses após assumir a Presidência da República, alegando “forças ocultas” e seu Vice era o João Goulart. Naquela época, a Constituição de 1946 tinha

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________uma peculiaridade bastante curiosa: o Vice-Presidente não precisava ser do partido do Presidente. Na eleição para Presidente, você votava para Presidente e para Vice-Presidente2, o que gera uma situação de instabilidade absoluta. O Jânio era apoiado pelas forças mais conservadoras – UDN – e o João Goulart era do PTB, fundado por Getúlio Vargas, vinculado aos sindicados, apoiado pelos partidos de esquerda. O Jânio, quando renunciou, confiava justamente na oposição que os militares fariam à posse de Jango. Ele renuncia esperando que os militares não aceitem sua renúncia e peçam que ele permaneça, dando-lhe mais poderes, o que a Constituição de 1946 não dava. Esta Constituição sequer previa qualquer mecanismo do Executivo legislar, não tinha decreto-lei, não tinha medida provisória.

Nessa ocasião, o Vice-Presidente estava em viagem à China, que foi se prorrogando artificialmente porque não se sabia se, ao voltar, seria empossado como presidente ou se seria preso. A Constituição dizia que o Vice teria que assumir e os militares não aceitavam de jeito algum. E nesse ínterim o Congresso negociou uma emenda parlamentarista, Emenda n.º 04/ 61, que instituiu o regime parlamentar de governo. Foi permitido que o Presidente João Goulart tomasse posse, mas quem mandava era o 1º Ministro, que foi Tancredo Neves. Em um ano tivemos três primeiros-ministros, ou seja, era uma situação de grande instabilidade. Como a emenda foi aprovada de afogadilho, porque era preciso resolver essa crise institucional, colocou-se lá um dispositivo que dizia que, já que os detalhes não poderiam ser resolvidos ali rapidamente, lei aprovada por maioria absoluta do Congresso COMPLEMENTARÁ essa emenda. Daí que veio essa idéia de uma lei aprovada por maioria absoluta – por quórum maior que da lei ordinária – complementasse o texto constitucional. A própria Emenda n.º. 04

2 era como votar no FHC para Presidente e no Brizola para Vice.

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________estabelecia que em um ano haveria plebiscito para que o povo escolhesse entre permanecer com o Parlamentarismo ou voltar para o Presidencialismo. Ganhou, com larga margem de votos, a volta ao Presidencialismo. Ou seja, a nossa experiência parlamentarista republicana durou um ano. Jango recupera todos os poderes presidenciais, mas, como sabemos, em março de 1964, é derrubado pelos militares, que ficam no poder até 1985. De 1964 a 1967, os militares desfiguram inteiramente a Constituição de 1967, tendo mais emendas, entre elas a Emenda n.º 17, que estabelece modificações nas estruturas legislativas, e voltam a falar em lei complementar, mas sem ainda estabelecer um quórum qualificado (utilizava-se, por analogia, o da Emenda n.º 04, que era por maioria absoluta) e não se estabelecia com precisão o que seria reservado a essa tal lei complementar. Veio a Emenda n.º 18/ 65, que é a emenda que institui o sistema tributário nacional, como hoje nós conhecemos e fala também em lei complementar (lei aprovada por maioria absoluta), embora também não deixasse claro o que seria reservado a ela. E até então, não se conhecia nenhuma lei complementar. É na Constituição de 67, que é o primeiro texto constitucional outorgado pelos militares, que se estabelece a figura da lei complementar, com o objetivo de centralizar o poder, com o objetivo de ser um mecanismo pelo qual a União pode limitar a autonomia de Estados e Municípios. Era uma lei nacional, mas feita pela União. Era uma lei que vale para a federação toda, mas feita pela União. Então, a origem da lei complementar foi uma origem autoritária. Muitos por aí dizem que é preciso lei complementar, pois é uma garantia do cidadão. Não é nada disso. A idéia de lei complementar é para centralizar o poder nas mãos da União. A Constituição de 67 repete essa figura e a Constituição de 88, dentro de uma tradição já de alguns anos, prevê a figura da lei complementar.

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________É claro que na Assembléia Constituinte de 88 não há a

preocupação de centralizar o poder nas mãos da União; ao contrário: A Constituição de 88 procurou descentralizar aquela estrutura burocrática estabelecida pela ditadura militar. Mas, de todo modo, ainda que com outras preocupações, a lei complementar não deixa de ser um mecanismo centralizador. Quais seriam essas outras preocupações, já na ordem democrática? Por que ter lei complementar hoje, se não há mais o interesse de centralizar o poder nas mãos da União? Já que a lei complementar tem um quórum de maioria absoluta, seria para reservar a ela aquelas matérias que o constituinte considera mais importantes, portanto, aquelas onde se quer criar uma maior dificuldade de alterar a disciplina. É mais fácil aprovar uma lei ordinária do que aprovar uma lei complementar, existe mais consenso para aprovar uma lei complementar do que uma lei ordinária. Maioria simples é bem menos do que maioria absoluta. Maioria absoluta é o primeiro número inteiro após a metade dos parlamentares da casa. Vamos supor que tenhamos 500 parlamentares: para aprovar uma LC, é preciso que 251 votem “sim”. Para aprovar uma LO, eu preciso da maioria dos presentes. Então quer dizer que se tiver três deputados e dois votarem “sim” está aprovada a lei? Não. É preciso ter quórum de maioria absoluta de presentes. Ou seja, precisam estar presentes 251 para ter a votação, mas basta que a maioria aprove. Então podemos ter uma lei ordinária aprovada, nesse exemplo, por 126 parlamentares. É claro que se os 500 parlamentares estiverem presentes, o que é muito difícil, a maioria simples fica igual à maioria absoluta. Então é claro que é mais fácil aprovar uma LO do que uma LC. É por isso que o constituinte reserva as matérias mais importantes à LC. É no sentido também de se uniformizar procedimentos nessa federação continental. Nós somos a maior federação do mundo, em termos de participantes. Pouquíssimas

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________federações no mundo têm a figura do município como ente federado: é somente o Brasil e a Nova Zelândia. Então fica complicado estabelecer uma disciplina uniforme sendo que cada Município tem a sua competência. Imaginem estabelecer o ISS se no mínimo essas regras fossem criadas por cinco mil legisladores. Por isso criou-se a figura esdrúxula da lista de serviços, para se evitar que alguém começasse a inventar serviços e tributar mais.

Então, há uma certa função uniformizadora da lei complementar, pois com ela se dá uma projeção nacional aos tributos estaduais e municipais, sem, no entanto, poder invadir a autonomia de Estados e Municípios.

Existe hierarquia entre a lei ordinária e lei complementar?O que é hierarquia do ponto de vista normativo?Segundo Kelsen3, a lei de hierarquia inferior busca o seu

fundamento de validade na norma de hierarquia superior, que também busca sua validade em outra mais superior, até se chegar à Constituição4. Nesse sentido, não há hierarquia porque ambas buscam seus fundamentos de validade na Constituição Federal, que vai reservar algumas matérias à lei complementar, matérias consideradas mais sensíveis, mais relevantes, que exigem maior consenso político. Então aquilo que for matéria de lei complementar só pode ser disposto por ela. Não é uma questão de hierarquia, é uma questão de reserva de competência. Aquilo que não for reservado por lei complementar, pode ser estabelecido por lei ordinária, ou até por lei complementar, que nesse caso nada mais valerá do que uma lei ordinária. A maior prova de que não há hierarquia é que, se o Congresso resolver fazer uma lei complementar para dar mais segurança, mais proteção contra alteração àquele diploma, isso não é possível porque não é a vontade do 3 Pirâmide kelseniana4 A Constituição é o ápice da pirâmide.

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________legislador de fazer uma lei complementar que vai dar esse status, essa eficácia passiva de lei complementar àquele diploma. A não ser que o constituinte tenha reservado aquela matéria à lei complementar. Se o Congresso aprovar uma matéria, que não foi reservada à lei complementar, por lei complementar, essa lei só será complementar do ponto de vista formal. Ela poderá ser alterada por lei ordinária, poderá ser alterada por medida provisória. Matéria reservada à lei complementar não pode ser objeto de lei ordinária ou de medida provisória. Hoje, esse assunto que foi muito discutido, está expresso isso na Emenda n.º 32.

Por outro lado também temos leis ordinárias com eficácia passiva de lei complementar. O que é eficácia passiva? O que se quer dizer quando se fala que uma lei tem eficácia passiva de lei complementar? Significa que só pode ser alterada por lei complementar. O CTN, pex., é uma lei ordinária com eficácia passiva de lei complementar, pois, como vimos há pouco, em 1966, na égide da Emenda n.º 18, havia uma previsão, um germe de lei complementar, mas não se sabia muito bem para o que servia, na prática não existia lei complementar, só vindo a aparecer na Constituição de 67. Quando a Constituição de 67 reserva à lei complementar as normas gerais de Direito Tributário, o que ocorre com o CTN? Ele é recepcionado com eficácia passiva de lei complementar, porque não há inconstitucionalidade formal superveniente. Quando se analisa a constitucionalidade de uma lei, do ponto de vista material eu olho para a Constituição em vigor, mas do ponto de vista formal eu olho para a Constituição que estava em vigor no momento em que aquela lei foi promulgada.

Por isso o CTN, a Lei n.º 4.320, que institui normas gerais de Direito Financeiro, são leis ordinárias com eficácia passiva de lei

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________complementar. Alguns gostam de dizer que são leis materialmente complementares e formalmente ordinárias. Outros dizem simplesmente que foram recepcionadas como leis complementares. A nomenclatura é o de menos, o importante é perceber o efeito. Foram originadas como leis ordinárias, mas só podem ser alteradas por lei complementar.

Vemos que tem lei complementar que vale como lei ordinária e lei ordinária que vale como lei complementar, o que esvazia inteiramente a idéia de hierarquia.

Um exemplo de lei complementar que vale como lei ordinária, que tem eficácia passiva de lei ordinária é a LC n.º 70/91, que instituiu a COFINS. Não havia necessidade de instituir contribuição da seguridade social por lei complementar. A Constituição só exige lei complementar para instituir três institutos: empréstimo compulsório, imposto sobre grandes fortunas e impostos e contribuições da seguridade instituídos na competência residual (tributos residuais). A COFINS não foi instituída na competência residual. Ela está no art. 195 da CRFB, na contribuição sobre faturamento. Para instituir contribuições da seguridade social previstas na Constituição não é preciso lei complementar. Ora, se o Congresso fez por lei complementar, esta tem eficácia passiva de lei ordinária, podendo ser alterada por lei ordinária, como foi pela Lei n.º 9.718/98, pex. Os tribunais começam a considerar a constitucionalidade da Lei n.º 9.718. O STF já disse na ADC n.º 01 que a LC n.º 70 pode ser alterada por lei ordinária ou por medida provisória. Mas Hugo de Brito Machado diz que a LC n.º 70 não pode ser alterada por lei ordinária, por uma questão de hierarquia. Mas esse pensamento está superado. As decisões do STF em ADC são indiscutíveis, têm efeitos vinculastes e eficácia erga omnes. Mas há pessoas que ainda pensam como Hugo de Brito. E o pior é que tem gente entrando com ação usando este tipo de alegação: é a típica

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________advocacia para enganar o cliente, pois já havendo decisão contrária do STF em ADC, é derrota na certa.

Muita gente confunde hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, que não existe, com hierarquia entre lei de normas gerais e lei instituidora. É claro que a lei de normas gerais prevalece sobre a lei instituidora do tributo. Lei de normas gerais é uma lei principiológica, é uma lei que estabelece diretrizes para serem adotadas pelo legislador ordinário, não por ser lei complementar e sim por ser lei de normas gerais. Todos os tributos têm que ser instituídos de acordo com o CTN, que é a nossa lei de normas gerais, até mesmo aqueles instituídos por leis complementares. Pex., o empréstimo compulsório precisa ser instituído por lei complementar. Isso significa que ele não precisa respeitar o CTN, já que será instituído por lei complementar posterior e especial? Claro que precisa. Não devemos confundir a relação entre lei geral e lei especial com lei de normas gerais e a lei que vai regular aqueles institutos previstos nas normas gerais. Pex.: eu tenho uma lei de isenção e uma lei de incidência. A lei de isenção é especial e prevalece. Mas quando se trata de uma lei de normas gerais e uma lei de incidência, eu não resolvo essa antinomia eventual pelo critério da especialidade, mas sim da hierarquia, não por ser lei complementar. É lei complementar por acaso, a Constituição previu. Mas, pex., a lei de normas gerais de licitações de contratos administrativos é a Lei n.º 8.666, que é uma lei ordinária. Ela é lei de normas gerais, mas é lei ordinária, porque a Constituição não determinou que as normas gerais de licitação sejam previstas em lei complementar e sim as leis tributárias, as de Direito Financeiro. Quando o constituinte quis lei complementar ele pediu expressamente. Como saber se é matéria de lei complementar? Tem que achar isso na Constituição. Se não tiver na Constituição que é lei complementar, então não é. Se a Constituição

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________falar em lei, é lei ordinária. Isso não significa que a Constituição precise ser redundante. Pex., quando a Constituição fala que compete à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, não significa que cada vez que a Constituição trate de uma limitação constitucional ao poder de tributar ela tenha que pedir lei complementar. Precisa ser expressamente, mas não precisa ser toda hora, a todo momento. Se exigência puder ser percebida pelo método sistemático, tudo bem. Mas em algum momento a Constituição tem que pedir isso expressamente, em algum local ela tem que prever que é por lei complementar. Se não pedir lei complementar, a matéria poderá ser regulada por lei ordinária. Pex., a Constituição diz que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais de Direito Tributário, inclusive aos impostos estabelecer fato gerador, base de cálculo e contribuintes, por lei complementar. É claro que a lei municipal, a lei estadual e a lei federal que instituírem algum imposto, vão ter que se subordinar ao fato gerador, à base de cálculo e ao contribuinte estabelecidos em lei complementar. Mas a hierarquia não está entre a lei complementar e a lei ordinária e sim entre a lei de normas gerais e a lei instituidora do imposto. Um exemplo bom é a LICC. Ela é uma lei complementar? Não. Mas é uma lei de normas gerais, que precisa ser observada pelas outras leis, não só pelo CC5.

5 O que vai acontecer com a LICC depois da promulgação do novo CC, que não prevê Lei de Introdução? O Professor Ricardo Lodi diz que, conversando sobre isso com o Professor Ronald Sharp, ele disse que no corpo do código aquelas normas já estão estabelecidas. O Professor Ricardo Lodi diz que tudo bem, está resolvido então o problema do Direito Civil, mas e os outros? A LICC servia para tudo. Mas o que vai acontecer quando o Código for promulgado? É uma situação problemática que teremos que enfrentar. É bem verdade que aquelas regras da LICC já estão sedimentadas entre os princípios gerais do nosso Direito. De todo modo, ele tem força cogente ainda. O Professor Ricardo Lodi conta que não viu ainda o CC novo, dizendo que tinha curiosidade em saber se revoga expressamente a Lei de Introdução antiga, pois, se não revogar, para os outros ramos do Direito, vai continuar em vigor. O CC novo vai tratar daquela matéria, mas no âmbito das relações civis, de Direito Civil. Ao passo que a Lei de Introdução antiga valia para todos os ramos. Mas como é que se podia estabelecer que uma lei complementar tem que se subordinar à uma lei ordinária? É porque aquela lei ordinária é uma lei de normas gerais, é uma lei principiológica, é uma lei que vai dar os vetores para os demais diplomas compatíveis. Aí sim há hierarquia e não entre lei complementar e lei ordinária.

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________Qual é a FUNÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR EM MATÉRIA

TRIBUTÁRIA?Art. 146 da CRFB:I- não é “dispor”, como está aí. É DIRIMIR conflitos de

competência entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. “Dispor” parece que é a lei complementar que vai criar o conflito. A lei complementar vai resolver, vai dirimir o conflito. Pex., a Constituição atribuiu à União competência para tributar a propriedade imóvel rural e ao Município, a propriedade imóvel urbana. Quem pode dizer o que é propriedade imóvel rural e propriedade imóvel urbana, quem pode delimitar essa competência? A lei complementar, que no nosso caso é o CTN. O CTN utilizou o critério da localização e não da destinação: o imóvel dentro da zona urbana é IPTU e fora da zona urbana é ITR. Se eu tenho uma chácara em Jacarepaguá que produza legumes e verduras: em Jacarepaguá é IPTU, porque está dentro da zona urbana. Outro ex.: ISS e ICMS vou prestar fornecimento de mercadorias junto com prestação de serviços paga o quê? É a lei complementar que vai dirimir. O critério utilizado é que se o serviço estiver na lista de serviços, vai se ter ISS sobre tudo; se não tiver, ICMS sobretudo6.

6 Nós vamos estudar isso mais detalhadamente quando formos tratar dos impostos. Essa explicação dada é apenas para ilustrar essa figura da lei complementar que vai dirimir os conflitos de competência entre União, Estados e Municípios.

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________II- a função da lei complementar não é criar as limitações

ao poder de tributar. Só pode limitar o poder de tributar quem o concede: a Constituição Federal. O que a lei complementar pode fazer é REGULAR as limitações constitucionais ao poder de tributar, ou seja, detalhar, esmiuçar, conferir efetividade. Essa lei complementar é o CTN. Está em tramitação no Congresso o código de defesa do contribuinte, chamado Estatuto do Contribuinte. Estatuto do contribuinte é a Constituição e o CTN. O código só vai ter esse papel se vier para esmiuçar o que já está na Constituição. Caso contrário, caso ele queira criar outras limitações, só vai valer para a União porque à lei complementar cabe regular limitações constitucionais ao poder de tributar. O Professor Ricardo Lodi diz que, pelo o que ele viu do Anteprojeto, tem muita coisa ali que não é matéria de lei complementar, muita coisa ali que fica na esfera de cada ente, como dispor sobre a administração tributária em detalhes, como quantos dias o fiscal pode ficar na empresa isso aí não pode ficar estabelecido em uma lei nacional, cabe à entidade, dentro da sua autonomia federativa, dispor. Quando a Constituição fala lá nos Princípios Constitucionais, “além de outros direitos que a lei venha garantir ao contribuinte, é vedado à União, Estados e Municípios” e aí vêm aqueles princípios todos essa lei que vai conferir sobre outros direitos é a lei de cada entidade federativa. Limitações nacionais, limitações extrínsecas ao poder de tributar estão na Constituição. Mas há renúncia de receita: o Município de Pirapora resolve que vai conferir outros direitos ao contribuinte dos seus impostos. O Município do Rio de Janeiro também. Não pode é a União criar agora à base disso, como foi feito para a lei de responsabilidade fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal possui aspectos muito positivos. O próprio conceito de responsabilidade fiscal é um avanço, não se pode conceder isenção sem mostrar de onde vem o

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________dinheiro, isso é um espelho do que está na Constituição. Mas em determinados momentos a Lei de Responsabilidade Fiscal desce a minúcias que não são normas gerais, que vão ali tomar decisões que caberiam ao legislador estadual e municipal como limite de percentagem para gastar com despesa hábil. Mas o STF deixou. O STF só implicou com a questão do Judiciário e do Legislativo, com a infração funcional do poder, não com a espacial do poder.7

III – “especialmente”: não é exclusivamente, é especialmente.

a) qual é a lei que estabelece conceito de tributos e suas espécies? CTN. Em relação aos IMPOSTOS (não é aos tributos), estabelecer fato gerador, base de cálculo e contribuinte. Até mesmo nas contribuições da seguridade que têm fato gerador próprio não se submetem a esse dispositivo, pois imposto não são, como já estudamos, diferenciando os impostos pela destinação legal. Para elas não se aplica essa parte final. Claro que elas se submetem à lei de normas gerais, mas não há necessidade de lei complementar estabelecer fato gerador, base de cálculo e contribuinte das contribuições da seguridade social ou de taxas, contribuições de melhoria ou outras contribuições parafiscais. No empréstimo compulsório tem que se preocupar com isso, porque a lei complementar não só vai prever o fato gerador, base de cálculo e contribuinte, como vai prever tudo, é ela que vai institui-lo.

É preciso uma lei complementar para cada imposto, para estabelecer fato gerador, base de cálculo e contribuinte? Não é preciso uma para cada um. O CTN prevê fato gerador, base de cálculo e contribuinte de todos os impostos então existentes. Os impostos federais estão todos aí, exceto o sobre grandes fortunas, que não existe . Os estaduais e municipais que não estão aí precisam de uma lei

7Isso é matéria que vamos estudar mais detalhadamente em Direito Financeiro

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________complementar que preveja fato gerador, base de cálculo e contribuinte. Pex., ICMS: a lei complementar do ICMS é a Lei CANDIR – LC n.º 87/96, alterada pela LC n.º 102/00. Outro ex.: ISS – a sua lei complementar é a LC n.º 56/96, que traz a lista de serviços. O ISS era regulado no CTN, depois foi regulado no Decreto - Lei n.º 406/68 (tem eficácia passiva de lei complementar), e a lista de serviços foi modificada pela LC n.º 56/87. Esse Decreto – Lei n.º 406/68 foi alterado pela LC n.º 56/ 87 e, recentemente pela LC n.º 100/ 99.

O IPTU está no CTN. Os impostos de transmissão, tanto o ITD quanto o ITBI municipal estão regulados pela disciplina do CTN para o velho ITBI.

Os federais estão todos no CTN. Sobrou só o IPVA não tem lei complementar. Não pode deixar de pagar por isso. Quem tem que fazer a lei complementar é a União, o IPVA é imposto estadual. É razoável que o Estado tenha sua arrecadação comprometida pela inércia da União? Nós estamos tratando, portanto, de competência concorrente, prevista no art. 24 da Constituição, onde cabe à União estabelecer normas gerais e os Estados exercem a competência suplementar. Portanto esse artigo se aplica ao Direito Tributário? Pelo inciso I, aplica-se sim. E o que acontece na competência concorrente, quando a União deixa de estabelecer a lei de normas gerais? §3º: então o Estado pode exercer a competência, aí ele não exerce mais a competência suplementar e sim a competência plena. Ele pode criar o seu tributo, sem esperar pela lei complementar. O STF assim entendeu conjugando esse §3º do art. 24 do corpo permanente da Constituição com o § 3º do art. 34 do ADCT, que diz que promulgada a Constituição, União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão estabelecer as leis necessárias para a cobrança dos impostos previstos na Constituição. Assim, o STF entendeu que poderia instituir o IPVA desde que essa ausência de lei complementar não crie

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________um conflito potencial de competência. Pex.: adicional estadual de IR. De 1988 a 1993 nós tivemos o adicional estadual do IR: 5% do que você pagasse de imposto para a União, tinha que pagar para o Estado. O STF declarou esse adicional inconstitucional por ausência da lei complementar estabelecendo fato gerador, base de cálculo e contribuinte. Ora, mas por quê? O raciocínio não é o mesmo? É, mas só que a ausência dessa lei complementar criou um verdadeiro conflito de competências. Pex.: eu posso ter três leis diferentes em três Estados diferentes me obrigando a pagar imposto sobre a mesma renda. Não é nem uma bitributação, é uma “tritributação”, que a Constituição não admite. Se cada lei dispusesse desta forma, o indivíduo que mora no Rio, trabalha em São Paulo e manda dinheiro para a mãe em Minas, poderia tributado três vezes, de acordo com a definição de contribuintes da lei. A lei do Rio diz que é quem mora aqui. A lei de São Paulo diz que é onde atua a fonte. A lei de Minas diz que se o dinheiro passar por lá será tributado. Então ele será tributado três vezes. Isso vinha acontecendo. Então o STF disse que, nesse caso, a ausência de lei complementar cria conflito de competência. Mas no IPVA, sinceramente, precisa de lei complementa definindo fato gerador, base de cálculo e contribuinte? Não. Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores qual é o fato gerador? Propriedade de veículo automotor. Qual é a base de cálculo? É o valor do veículo automotor. Qual é o contribuinte? É o proprietário do veículo automotor. Não tem mistério. Não tem conflito de competência. Só pode registrar o seu carro em um DETRAN e o Código de Trânsito diz aonde, que é no seu domicílio. Se tiver mais que um domicílio, o CTN diz que você pode escolher o seu domicílio. Ninguém vai registrar um carro no DETRAN do Rio, no de São Paulo e no de Minas, nem que queira, pois não pode. Não há possibilidade de

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________conflito de competência, então não há motivo dos Estados deixarem de instituir os seus IPVAs.

b) A Constituição de 69 dizia que normas gerais de Direito Tributário são matéria de lei complementar. Ela não falava em “especialmente sobre”, como fala-se no inciso III. Para o Professor Ricardo Lodi, essas matérias, “obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários”, sempre foram objeto de lei complementar porque isso sempre foi normas gerais de Direito Tributário. Há umas decisões do STF e do STJ que dizem que antes de 1988 isso não era matéria de lei complementar, porque só veio essa história de prescrição e decadência em 1988. Ao Professor Ricardo Lodi não parece que assim seja: tudo isso era já matéria de normas gerais de Direito Tributário. Alguns dizem que nem todo o CTN é lei complementar. O Professor Ricardo Lodi diz que concorda com essa afirmação, mas a amplitude que ele dá a ela é muito restrita, ou seja, muito pouca coisa no CTN não é matéria de lei complementar. O CTN tem dois livros: o Livro Primeiro é o sistema tributário nacional, com as disposições gerais dos impostos, o que é matéria de lei complementar: os impostos, seu fato gerador, base cálculo e contribuintes. Não lei complementar aquele artigo que não tratar de fato gerador, base de cálculo e contribuinte e nem regular algum princípio constitucional que limite o poder de tributar, como o da não cumulatividade, o da seletividade. São muitos poucos. Um exemplo é o art. 50, que fala que a nota fiscal de IPI, quando a operação for nacional, tem que conter os códigos isso não é matéria de lei complementar, não é matéria de lei ordinária, é matéria de portaria. No Livro Segundo, nós temos as normas gerais de Direito Tributário, em quatro títulos: legislação, obrigação, crédito e administração. Tudo isso é norma geral. Então, parece ao

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________Professor Ricardo Lodi que, mesmo antes da Constituição de 1988 isso já era matéria de lei complementar.8

c) Isso também é matéria de lei complementar. Não está aí dando isenção nem imunidade. O que é adequado? Quem vai dizer é o legislador o que é adequado. Uma coisa é certa: ele é privilegiado. O constituinte está admitindo que se faça uma distinção em prol do ato cooperativo. Mas em que medida isso vai ser estabelecido é a lei que vai dizer. E a lei anterior era lei ordinária. O que acontece em 88? Ela é recepcionada com eficácia passiva de lei complementar, só podendo ser alterada por lei complementar.9

8 Nós voltaremos a essa polêmica quando tratarmos de prescrição e decadência.9 O Professor Ricardo Lodi recomenda a leitura do texto “Lei Complementar em Matéria Tributária”, de Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho.

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