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Conteúdoeditorial 1

Paremoscomafebredosagrocombustíveis! 3

O poder das corporações:

Osagrocombustíveiseaexpansãodoagronegócio 15

Aconexãoóleodedendê-biodiesel 22

Controlecorporativo,aseqüela:os cultivos energéticos alternativos e a próxima geração de agrocombustíveis 26

Aconexãocana-de-açúcar/etanol 30

AconexãodasojanaAméricadoSul 40

NovausurpaçãonaÁfrica 45

MalásiaeIndonésia:umausurpaçãoirreversível? 47

Dendê/Colômbia:paramilitarismosustentável? 50

Combustíveis “ecológicos”Ascrisespropiciamosnegócios 53

Os agrocombustíveis não resolvem nada

OsEstadosUnidossãoviciadosempetróleo 56

uma panorâmica e muitas vistas

Agrocombustíveis: Sintomasdeumapróximacombustãoglobalizada 61

ataques, políticas, resistência, relatos 69Perfildeumcultivoviolento|Des-desenvolvimento:propostaradicalapartirdoSul|OsagrocombustíveissãorechaçadosnaBolívia|BionegóciosemegaprojetosnaAméricaLatina|PrêmioNobelcriticaoscombustíveisagroindustriais|Asegundageraçãoétãooumaisnociva|UmapelodaÁfricaporumamoratórianodesenvolvimentodeagrocombustíveis|Nemtudoédito

Este número está ilustrado por três séries fotográficas. Uma é uma reportagem gráfica de Javiera Rulli que documenta o violento monocultivo de dendê na Colômbia como parte de uma missão de obser-vação no ano de 2007. A segunda é uma reportagem de Jerônimo Palomares entre as áreas de cultivo de milho dos ñahñúes de Querétaro, no México. As fotos do rio Nilo foram tiradas por Tomás Se-nabre, que generosa e afavelmente nos permitiu reproduzi-las neste número (ver www.tomas senabre.es)

Os desenhos de glifos foram esboçados a partir dos originais de vasilhames e pedras por José Luis Palácio Asensio (1943-2006) que dedicou sua vida ao trabalho com os povos amazônicos. Esta série provém de seu indispensável livro Vida e morte no rio Napo, e são glifos dos napo-runa, da Amazônia equatoriana e colombiana, em zonas atualmente devastadas por petroleiras como a Repsol, a Maxus e a Occidental. Este é o único registro desses glifos.

As organizações populares e as ongs da América Latina podem receber gratuitamente a revista. Con-tatar com redes-at: [email protected]/[email protected]

Convidamos a que nos enviem colaborações, remetidas ao comitê editorial para sua consideração. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. O material aqui agrupado pode ser divulgado livremente, mas agradeceríamos fosse citada a fonte. Por favor, nos enviem uma cópia para nosso conhecimento.

Agradecemos a colaboração da Fundação Heinrich Böll

BIODIVERSIDADESUSTENTO E CULTURAS

Número 54, novembro de 2007

Biodiversidade, sustento e culturas é uma pu-blicação trimestral de informação e debate sobre a diversidade biológica e cultural para apoio às comunidades e culturas locais. O uso e conservação dos recursos genéticos, o impacto das novas biotecnologias, patentes e políticas públicas são parte de nossa cobertu-ra. Inclui experiências e propostas na Améri-ca Latina, e busca ser um vínculo entre aque-les que trabalham pela gestão popular dos recursos genéticos, especialmente as comuni-dades locais: mulheres e homens indígenas e afroamericanos, camponeses, pescadores e pequenos produtores.Sendo originalmente um projeto de [email protected]@grain.org

agora compartilham sua publicação:Acción Ecológica: [email protected]ón por la [email protected] Campaña de la Semilla de Vía [email protected] [email protected] Semillas [email protected]

Comitê editorialCarlos Vicente [email protected] Nansen [email protected]

Conselho assessorElizabeth Bravo, Acción Ecológica, EquadorCiro Correa, mst, Vía CampesinaFreddy Delgado, Agruco,

Universidad Mayor de San Simón, BoliviaAldo González, MéxicoMagda Lanuza, NicaráguaCamila Montecinos, ChileSilvia Ribeiro, UruguaiSilvia Rodríguez, Costa RicaGermán Vélez, Programa Semillas,

Colômbia

EdiçãoRamón Vera Herrera [email protected]

Design e diagramaçãoDaniel Ortega, Claudio Araujo / Má. Luisa Martínez PassargeAmanda Borghetti (Brasil)

Edição em portuguêsCentro Ecológico [email protected]

issn: 07977-888X

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A foto de nossa capa parece não pertencer à revista Biodiversidade. Re-

mete à devastação, o que é provocado por um dos tantos monocultivos

industriais que hoje se expandem por milhões de hectares, para produ-

zir combustíveis para automóveis. Mas a foto, na realidade, mostra um enorme

sinal de esperança: mostra uma das muitas formas de rejeição e resistência que

comunidades indígenas e camponesas do mundo inteiro estão começando a em-

preender para enfrentar a agressão que os chamados biocombustíveis ou agro-

combustíveis representam. O que se vê é a destruição de uma plantação de dendê

por parte de uma comunidade camponesa, com a finalidade de recuperar sua

terra e seu território e continuar exercendo o direito de cultivá-la e de produzir

alimentos de seu próprio jeito, e não na forma das grandes indústrias.

Esses combustíveis, obtidos pelo processamento industrial de materiais vegetais

provenientes de milho, de cana-de-açúcar, de soja ou de dendê, têm sido chamados

de biocombustíveis, por serem de origem biológica. São apresentados como eco-

logicamente benéficos e “susten-

táveis” e como a principal arma

para combater o aquecimento da

Terra. Mas a sua expansão con-

verteu-se em uma onda gigantesca

de novas conquistas territoriais e

econômicas por parte das grandes

corporações transnacionais, quase

sempre aliadas com os grandes

proprietários de terra de muitos

países. A Via Campesina e outros

movimentos sociais decidiram

chamá-los de “agrocombustíveis”

para ressaltar o fato de que competem seriamente pela terra e pela água necessá-

rias para produzir alimentos.

Sem dúvida, acreditamos que ainda nos faltam expressões adequadas para mos-

trar tudo o que está ocorrendo. Os povos do mundo inteiro têm, através da his-

tória, obtido combustível de materiais biológicos, como a lenha, a turfa e o ester-

co. Enquanto o uso era feito de forma moderada, em pequeníssima escala,

mediante técnicas de manejo respeitosas e diversificadas, e para satisfazer neces-

sidades que não eram luxo, tais combustíveis atenderam a seu propósito e foram

ecologicamente adequados. O que se vê hoje são milhões de hectares de mono-

cultivos que não serão utilizados diretamente, como a lenha ou a turfa, mas que

serão processados industrialmente consumindo milhões de litros de petróleo e de

água. São combustíveis para alimentar os quase 800 milhões de automóveis que

estão em mãos de menos de dez por cento da população mundial, e para que seja

Editorial

Destruição de dendê por comunidades, como forma de resistência

Foto

: Jav

iera

Rul

li

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possível continuar a expansão industrial, sobretudo a automotriz e a petrolífera,

mas também a indústria de agrotóxicos, a de biotecnologia e a de sementes. Por-

tanto, o que define os novos combustíveis é o seu caráter agroindustrial, seu

vínculo indissolúvel com os grandes conglomerados transnacionais e com um

sistema de produção destinado a satisfazer demandas suntuárias, sem importar

que no caminho destrua as bases da alimentação e o sustento da imensa maioria

dos seres humanos.

D estinamos este número de Biodiversidade, na íntegra, para discutir os mui-

tos impactos que a produção agroindustrial de combustíveis terá sobre a

Terra e sobre todos os seus habitantes. O que é possível prever, como é discutido

nos diferentes artigos, é: a alta dos preços dos alimentos; a expansão acelerada e

incontrolada de variedades e de plantações transgênicas; a contaminação massiva

de territórios com agrotóxicos; o uso de nanotecnologias na agricultura; o con-

trole cada vez mais profundo e monopólico da alimentação por parte de umas

poucas transnacionais; o controle e a apropriação de mais territórios indígenas e

de camponeses por parte dos mesmos conglomerados e por parte dos grandes

proprietários regionais de terra que agora se globalizam; a expulsão do campo; a

escassez e a contaminação crescentes da água; e a expansão em grande escala dos

processos de destruição dos ecossistemas que têm um papel central no ciclo de

carbono do planeta. Tudo isso, sem remediar, nem superficialmente e nem em

profundidade, os processos de mudanças climáticas e de aquecimento global; eles

não só não melhoram como pioram e podem se tornar irreversíveis.

Os combustíveis agroindustriais são um negócio. Um negócio ilegítimo que se

aproveita da crise para fazer mais dinheiro.

Acreditamos ser importante olhar cada um desses aspectos com cuidado. A his-

tória dos agrocombustíveis ou combustíveis agroindustriais está longe de acabar.

Será tarefa de comunidades, coletividades, associações e movimentos sociais en-

frentarmos a eles e resistirmos à sua expansão. Para isso, necessitamos olhar as

muitas interconexões existentes entre sua expansão, o discurso ideológico que é

utilizado para promovê-los e as muitas formas de controle tecnológico, social e

econômico impostos através deles.

O grande desafio pendente, em nível geral, é o redesenho dos modelos de consu-

mo energético dos setores mais ricos do planeta que fazem com que qualquer

projeto vital seja inviabilizado e conduzam ao aprofundamento da crise que hoje

vivemos. É, também, imprescindível não perder de vista as bases da resistência: a

capacidade para produzir alimentos soberanamente, a permanência no campo, o

controle e o cuidado de seus territórios por parte dos distintos povos, o impulso

a sistemas de geração e utilização de energia efetivamente sustentáveis que res-

pondam pelas necessidades reais, e não à necessidade de umas poucas megaem-

presas que pretendem fazer aumentar seus lucros sem qualquer freio.

Esperamos, com este número, contribuir com os processos de reflexão, sabendo

que esses serão múltiplos e estão apenas começando.

biodiversidade

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Hoje em dia é quase impossível abrir um jornal sem que apareçam pro-

messas de uma nova era de abundante energia limpa, que a humanidade está a um passo de alcançar. Apesar de que as companhias petrolíferas continuarão extraindo petróleo durante um longo tempo, já surge um crescente consenso de que é hora de começar a reduzir a quantidade de petróleo que queima-mos, por ele ser uma das principais causas das mudanças climáticas, da contaminação do ar e de outros desas-tres ambientais. Para fazê-lo, dizem, basta utilizar material biológico com o qual se possa produzir combustível: cultivos como o milho e a cana-de-açú-car para etanol, e o dendê, a soja e a canola para biodiesel. E, numa etapa posterior, quando a biotecnologia esti-ver preparada, será possível converter qualquer tipo de biomassa em combus-tível: ervas invasoras, árvores, o óleo já utilizado para cozinhar...

Num primeiro momento, as vanta-gens realmente parecem ilimitadas. As emissões de gases de efeito estufa, res-ponsáveis pelo aquecimento global, se-rão substancialmente reduzidas, uma vez que o CO2 emitido pelos automó-veis que andam com combustíveis pro-duzidos a partir de material biológico foi previamente capturado pelas plan-tas das quais derivam. Os países passa-rão a ser mais autosuficientes em suas necessidades energéticas já que eles mesmos poderão “cultivar” seus com-bustíveis. As economias e comunidades rurais se beneficiarão pois haverá um novo mercado para seus cultivos. E os países pobres terão acesso a novos e exuberantes mercados de exportação. É o que parece.

Esse promissor panorama é anuncia-do por aqueles que têm interesse em promover tais combustíveis. Mas esse novo mundo de energia “ecológica” e

limpa, que beneficia a todos, existe re-almente? Há relatórios que documen-tam que os territórios dos povos indí-genas são ocupados e arrasados para dar lugar a plantações para combustí-veis; que mais áreas de florestas tropi-cais são derrubadas para plantar mi-

lhões de hectares com dendê e com soja; e que no Brasil muitos trabalha-dores vivem em condições de semi-es-cravidão nas plantações de cana-de-açúcar para produção de etanol. Fazendo nossa a posição de ONGs e de movimento sociais da América Latina, acreditamos que o termo agrocombus-tíveis é mais adequado que biocombus-tíveis para descrever o processo que

Paremos com a febredos agrocombustíveis!

A casa do milho Foto: JerónimoPalomares

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está por trás dessa destruição: o uso da agricultura para produzir combustível para automóveis.

Bio ou negócio? Para entender o que realmente ocorre, é importante, em pri-meiro lugar, insistir em que a agenda dos agrocombustíveis não tem sido es-crita por planejadores preocupados em evitar o aquecimento global e a destrui-ção ambiental. A forma como os agro-combustíveis vão se expandir já está definida por enormes transnacionais e seus aliados políticos. Quem está no controle são as indústrias petrolífera e automobilística, as grandes negociado-ras mundias de alimentos, as compa-nhias de biotecnologia e as corporações mundiais de investimento.

Companhias como a Cargill e a ADM já controlam a produção e o comércio de matérias-primas agrícolas em mui-tas partes do mundo, e para elas os agrocombustíveis representam uma oportunidade de maior expansão de seus negócios e de lucros. As compa-nhias biotecnológicas, como a Mon-santo, a Syngenta e outras, já investem forte na obtenção de variedades agríco-las e de árvores que se adaptem aos re-quisitos dos processadores de agrocom-bustíveis. Prometem de tudo: de cultivos que produzam mais energia a árvores que produzam menos material lenhoso e que tenham enzimas que degradam mais facilmente o material para con-vertê-lo em biocombustível. Tudo isso será conseguido, obviamente, mediante engenharia genética. A revolução dos

agrocombustíveis vem com transgêni-cos incorporados.

Para a British Petroleum, a Shell, a Exxon, e outras companhias petrolífe-ras, a febre dos agrocombustíveis lhes dá uma oportunidade de investir seus petrodólares, diversificando seu hori-zonte com novas matérias-primas ener-géticas. As companhias automobilísti-cas têm o pretexto perfeito para fugir da pressão dos órgãos reguladores e da opinião pública. Agora, a jogada será fazer automóveis “biocompatíveis”. E as companhias de investimento dis-põem de uma grande liquidez monetá-ria que podem aplicar financiando a transformação.

As empresas mundiais de agricultura estão se aliando aos grandes negociado-res de matérias-primas para controlar a cadeia de produção, desde o cultivo até os mercados industriais. A Monsanto e a Cargill trabalham juntas para produ-zir novas variedades de milho genetica-mente modificado, que abasteçam o mercado de agrocombustíveis e o de ra-ções animais. A British Petroleum vincu-lou-se à Dupont para criar o “biobuta-nol” - uma mistura de agrocombustíveis com petróleo - com benefícios para am-bas as companhias. A lista é interminá-vel: um labirinto de novas colaborações interconectadas entre as corporações mais poderosas do mundo. Os novos multimilionários e outros investidores, juntamente com aqueles que pagam im-postos em todo o mundo - que contri-buem através dos subsídios que seus governos dão ao setor - estão injetando enormes somas de dinheiro nessas redes empresariais. O resultado é uma expan-são massiva da agricultura industrial mundial e uma consolidação do contro-le empresarial sobre a mesma.

Modelo de energia limpa? Grande par-te da atenção que a imprensa deu aos agrocombustíveis no ano passado foi centrada no anúncio que fez George Bush de que converteria os Estados Unidos em um país produtor de agro-combustíveis, evitando assim que de-pendam excessivamente das importa-ções de petróleo de países não confiáveis

Os subsídios que os Estados Unidos

e a Europa concedem

às suas indústrias de agrocombustíveis

e aos seus produtores já provocam uma competição direta que causa estragos

em alguns países pobres pelo aumento

do preço dos alimentos,

além de reduzir as reservas mundiais

de alimentos.

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que estão – ou poderiam cair – nas mãos de terroristas. Mas é óbvio que os agrocombustíveis não podem cumprir essa função. Se toda a colheita de milho e soja norte-americana fosse utilizada para a produção de combustíveis, aten-deria somente 12% da atual sede de gasolina do país e 6% de sua necessida-de de diesel.1 A situação na Europa é ainda pior: o Reino Unido, por exem-plo, não poderia cultivar quantidade suficiente de combustíveis para movi-mentar todos os seus automóveis, ain-da que cultivasse combustível na totali-dade de seu território.

Os agrocombustíveis também não são viáveis economicamente. A maio-ria das operações de agrocombustíveis nos Estados Unidos e na Europa apóiam-se fortemente em subsídios, e provavelmente não sobreviveriam sem eles. Um informe da GSI (Global Sub-sidies Initiative)2 revelou que, somente nos Estados Unidos, as subvenções aos agrocombustíveis oscilam atual-mente entre 5,5 a 7,3 bilhões de dóla-res anuais, e aumentam com rapidez. Os subsídios que os Estados Unidos e a Europa concedem às suas indústrias de agrocombustíveis e aos seus produ-tores já provoca uma competição dire-ta que causa estragos em alguns países pobres pelo aumento do preço dos ali-mentos, além de reduzir as reservas mundiais de alimentos. A FAO calcu-lou recentemente que, apesar de em 2007 as colheitas terem sido abundan-tes nos países mais pobres, o custo de importação de cereais aumentará em um quarto na safra atual, devido à de-

manda dos agrocombustíveis.3 Mas isso é só o começo: para que os agro-combustíveis tenham pelo menos uma pequena influência no consumo de pe-tróleo dos países industrializados e em vias de industrialização, terá que ha-ver uma massiva participação oriunda de plantações estabelecidas no hemis-fério Sul.

Segundo uma empresa de consultoria que realizou um estudo para o Banco Interamericano de Desenvolvimento, “O crescimento dos biocombustíveis dará vantagem aos países com estações prolongadas de produção, climas tro-picais, altos índices de precipitação, baixos custos de mão de obra... que te-nham planejamento, recursos huma-nos, e o conhecimento e a experiência tecnológicos para tirar proveito de-les”.4 O estudo, intitulado “Um mode-lo de energia limpa no continente ame-ricano”, deixa aterradoramente claro qual o tipo de pensamento que está por trás desse plano mestre. O pressuposto do trabalho, no qual se baseia o infor-me, é que a produção mundial de agro-combustíveis terá que ser quintuplicada para atender à demanda e conseguir que, em 2020, os agrocombustíveis atendam apenas 5% do consumo mun-dial de energia para o transporte (atu-almente suprem 1%). É necessária, en-tão, uma massiva “expansão de capacidade”: criar novas infraestrutu-ras e mercados, e promover “inovação técnica”. O Brasil, que já é um impor-tante produtor de etanol, está identifi-cado como o lugar onde esse desafio de aumentar enormemente a produção

Foto detalhe: JerónimoPalomares

1. Ver, por exemplo, Brian Tokar, “Running on Hype”, Counterpunch, novembro de 2006. http://tinyurl.com/w5swf

2. Doug Koplow, “Biofuels: at what cost? Government Support for Ethanol and Biodiesel in the United States”, gsi, outubro de 2006. http://tinyurl.com/2s5mpw

3. fao, “Crop Prospects and Food Situation”, Rome, n. 3, maio de 2007. http://tinyurl.com/2kswxw

4. “Un modelo de energía limpia en el continente americano”, elaborado para o Banco Interamericano de Desenvolvimento por Garten Rothkopf (a citação é uma tradução não oficial de uma apresentação em powerpoint sobre o estudo). http://www.iadb.org/research/homepageDetails.cfm? language=spanish& conid=62&page= 1&frame=2

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pode ser cumprido, já que conta com grandes extensões de terra. O Brasil tem cerca de 6 milhões de hectares cul-tivados com agrocombustíveis, mas no informe se calcula que há no país mais de 120 milhões de hectares que pode-riam ser eficientemente utilizados dessa forma. O governo brasileiro formula agora uma nova visão para o futuro econômico do país, que implica em quintuplicar a terra dedicada ao plan-tio de cana-de-açúcar — para 30 mi-lhões de hectares.5

Outro informe desse tipo conclui que, no futuro, a África subsaariana, a Amé-rica Latina e a Ásia Oriental, juntas, podem prover mais da metade de todos os agrocombustíveis necessários, mas somente se “até 2050 se substituam os atuais sistemas agrícolas ineficientes e de baixa intensidade pelas melhores práticas dos sistemas e tecnologias de

manejo agrícola”6. Em outras palavras: substituir milhões de hectares de siste-mas agrícolas locais, e as comunidades rurais que neles trabalham, erradican-do os sistemas locais de cultivo e de pastoreio baseados na biodiversidade. Substituí-los por grandes monocultivos e por engenharia genética e sob contro-le das grandes multinacionais, já que são elas que melhor manejam esses sis-temas. Além disso, buscam apropriar-se dos milhões de hectares que os ideó-

logos do modelo chamam, com eufemismo, “terras ociosas” ou “solos marginais”, esquecendo, conveniente-mente, que milhões de pessoas, em co-munidades locais, vivem desses “frá-geis” ecossistemas. Isso ou invadir a floresta.

Milhões de hectares, bilhões de dóla-res. De fato, a destruição já ocorre, ainda que a contribuição dos agrocom-bustíveis para mover o transporte mun-dial seja mínima. As cifras deixam qualquer um simplesmente pasmo: são milhões de hectares e bilhões de dóla-res. O principal cultivo para biodisel é o dendê. A Colômbia, que planta den-dê só há poucas décadas, em 2003 plantou 188 mil hectares desse cultivo, e agora está plantando outros 300 mil. O objetivo é chegar a 1 milhão de hec-tares em poucos anos.7 A Indonésia,

que tinha apenas 500 mil hectares em meados dos anos 1980, agora tem mais de 6 milhões de hectares de produção, e planeja plantar outros 20 milhões de hectares nos próximos vinte anos, in-cluindo a maior plantação de dendê do mundo, com 1,8 milhões de hectares, no coração de Bornéo.8 A soja, outro cultivo na corrida dos agrocombustí-veis, ocupa 21% das terras cultivadas do Brasil – perto de 20 milhões de hec-tares – e seguramente o país desmatará

Foto detalhe: JerónimoPalomares

Nesse esquema geral, onde os agricultores locais

estão contemplados? Simplesmente não estão.

Ainda que no discurso se invoquem

oportunidades para que as comunidades locais

se beneficiem da agricultura de energéticos

e se revitalizem com novos mercados,

a revolução dos agrocombustíveis

encaminha-se, com passo firme,

precisamente na direção oposta.

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outros 60 milhões de hectares para esse cultivo nos próximos anos, em resposta à pressão que o mercado mundial exer-ce.9 E, também, se planeja quintuplicar a superfície destinada a plantações de cana-de-açúcar. O governo da Índia, que não quer ficar para trás, está pro-movendo a rápida expansão de outro cultivo para biodiesel, o pinhão manso: até 2012 espera plantar uns 14 milhões de hectares em terras que são classifica-das como “ociosas”10, mas já há notí-cias de agricultores expulsos de suas terras férteis11 pelas companhias que desejam plantar essa espécie. Isso tudo implica em nada mais nada menos que reintroduzir a economia colonialista de grandes plantações, redesenhada para que funcione com as regras do moder-no mundo neoliberal globalizado.

Nesse esquema geral, onde os agricul-tores locais estão contemplados? Sim-plesmente não estão. Ainda que no dis-curso se invoquem oportunidades para que as comunidades locais se benefi-ciem da agricultura de energéticos e se revitalizem com novos mercados, a re-volução dos agrocombustíveis encami-nha-se, com passo firme, precisamente na direção oposta. Sendo parte de um sistema de agricultura controlado pelas corporações, os novos agrocombustí-veis destroçarão os empregos locais, ao invés de criá-los. É só perguntar às fa-mílias rurais do Brasil: o recente au-mento das plantações de cana-de-açú-car, de soja e de eucalipto tem provocado a expulsão generalizada dos pequenos agricultores de suas terras, com freqüência de forma violenta. En-tre 1985 e 1996, 5,3 milhões de pessoas foram desalojadas de suas terras, com a extinção de 941 mil pequenas e médias propriedades, e, durante os últimos dez anos, o índice de expulsão tem se inten-sificado. 12

No Brasil, a maioria das famílias ru-rais necessita apenas de uns poucos hectares cada uma para viver. As plan-tações, ao contrário, ocupam milhões de hectares e quase não oferecem tra-balho: cada 100 hectares de uma plan-tação típica de eucalipto cria um posto de trabalho; uma plantação de soja,

dois; e uma plantação de cana-de-açú-car, dez.13 A situação é muito similar em todo o mundo.

Combater as mudanças climáticas? Todos esses cultivos e toda essa expan-são dos monocultivos são causas dire-tas de desmatamento, desalojamento das comunidades locais de suas terras, contaminação da água e do ar, erosão do solo e destruição da diversidade bio-lógica. E com isso só agravarão, de for-ma importante, o aquecimento global. A queima de florestas, a perda de co-bertura provocada pelos monocultivos e a destruição ou consumo da matéria orgânica provocarão mais gases de efeito estufa do que os que poderiam ser “poupados” mediante o uso de bio-combustíveis. Num país como o Brasil, que está bem na frente de qualquer ou-tro na produção de etanol para com-bustível destinado ao transporte, 80% dos gases de efeito estufa não provêm dos automóveis, mas sim do desmata-mento, em parte provocado pela ex-pansão das plantações de soja e de cana-de-açúcar. Estudos recentes de-monstram que a produção de uma to-nelada de biodiesel de dendê, prove-niente de terras de turfa da Ásia sul-oriental, produz de 2 a 8 vezes mais emissões de CO2 do que a queima de diesel proveniente de combustível fós-sil.14 Enquanto os cientistas debatem a respeito de se o “balanço energético lí-quido” de cultivos como o milho, a soja, a cana-de-açúcar e o dendê é posi-

5. Miguel Altieri, Elizabeth Bravo, “The Ecological and Social Tragedy of Crop-based Biofuel Production in the Americas”, abril de 2007. http://tinyurl.com/3dkpto

6. E. Smeets, A. Faaij, I. Lewandowski, “A Quick Scan of Global Bio-energy Potentials to 2050: Analysis of the Regional Availability of Biomass Resources for Export in Relation to Underlying Factors”, Copernicus Institute, Utrecht University, março de 2004. nws-e-2004-109.

7. Boletim do wrm, n. 112, novembro de 2006 http://tinyurl.com/2nb4y9

8. Ibid.

9. Miguel Altieri e Elizabeth Bravo, “The Ecological and Social Tragedy of Crop-based Biofuel Production in the Americas”, abril de 2007. http://tinyurl.com/3dkpto

10. Informe do unctad, 2006: http://tinyurl.com/2apse3

11. Para informar-se sobre a discussão dos problemas com o pinhão manso na Índia, ver: Informe do unctad, 2006: http://tinyurl.com/2ktt3v

12. Folha de S. Paulo, 18 de junho de 1998. http://tinyurl.com/2sdtjn

13. Fórum Brasileiro de ongs e Movimentos Sociais pelo Ambiente e o Desenvolvimento (fboms): “Agribusinesses and Biofuels: an Explosive Mixture”, Rio de Janeiro, 2006, pág. 6.

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tivo ou negativo, as emissões causadas pela implantação de muitas plantações de agrocombustíveis fazem fumaça, li-teralmente, a qualquer possível benefí-cio.

É importante ressaltar esse aspecto: longe de ajudar a resolver a crise do aquecimento global, os agrocombustí-veis, da forma como são impulsionados no atual modelo empresarial de mono-culturas, a aprofundam!

É inacreditável que, em todo o debate sobre agrocombustíveis e mudanças climáticas, nenhuma das autoridades responsáveis tenha retrocedido até a pergunta sobre quais são as principais causas da emissão de gases de efeito es-tufa. Toda a atenção está centrada em plantar cultivos para mover automó-veis. Com certeza, o transporte mun-dial é um importante produtor de gases de efeito estufa, que soma 14% de to-das as emissões, mas o Informe Stern – um importante estudo sobre a econo-mia das mudanças climáticas, encomendado pelo governo britânico – mostra que a agricultura, por si mes-ma, é responsável exatamente pelo mesmo percentual de emissões de gases

de efeito estufa. Se a isso se somam as emissões produzidas pela mudança do uso do solo, pelo transporte e pela fa-bricação de insumos, a agricultura é reponsável por 41% dos gases de efeito estufa em nível mundial.

É importante entender aqui, ainda que o Informe Stern não o diga, que não falamos de todos os tipos de agri-cultura, mas essencialmente da agricul-tura do tipo industrial e da Revolução Verde. Cerca de 18% dos gases de efei-to estufa são devidos aos processos de desmatamento e às mudanças de uso do solo. Aqui se incluem, em primeiro lugar, o avanço da fronteira agrícola e a expansão das plantações em áreas previamente cobertas de matas ou de vegetação natural. Dado que a popula-ção camponesa diminui de maneira dramática no mundo inteiro, os res-ponsáveis pela expansão agrícola são, majoritariamente, as plantações indus-triais.

Outra conseqüência do uso da terra tem a ver com a destruição da matéria orgânica do solo. A Revolução Verde acaba com milhões de toneladas de ma-téria orgânica a cada ano e as lança na atmosfera ao destruir as florestas, ao eliminar os cultivos diversificados, ao introduzir a aração com trator, o uso de fertilizantes químicos e o uso de va-riedades que quase não deixam restos que possam ser utilizados por animais ou devolvidos ao solo. Em todo o mun-do os solos têm o potencial de serem imensos absorvedores de carbono, so-mente superados pelo conjunto dos oceanos. A recuperação e manutenção da matéria orgânica dos solos aos ní-veis anteriores aos da introdução da Revolução Verde permitiria converter a agricultura em um dos melhores remé-dios contra o aquecimento global. Além do mais, a absorção de carbono pelos solos na forma de matéria orgânica é, por si só, a maneira mais eficiente de melhorar os solos, inclusive sua fertili-dade e sua capacidade de absorver água. A cobertura vegetal sobre os so-los e a presença de matéria orgânica neles permitiria reduzir drasticamente o uso de fertilizantes e disponibilizar

É inacreditável que em todo o debate sobre agrocombustíveis e

mudanças climáticas, nenhuma das autoridades

responsáveis tenha retrocedido até a pergunta

sobre quais são as principais causas da

emissão de gases de efeito estufa. Toda a atenção

está centrada em plantar cultivos para mover

automóveis. Com certeza, o transporte mundial é um

importante produtor de gases de efeito estufa, que

soma 14% de todas as emissões, enquanto a

agricultura, por si mesma, é responsável exatamente

pelo mesmo percentual de emissões de gases

de efeito estufa.

Transporte (14%)

Indústria (14%)

Energia Elétrica (24%)

Sobras (3%)

Agricultura (14%)

Uso do solo (18%)

Outros (5%)

Construções (8%)

Emissões de energia

Emissões não energéticas

Emissões totais em 2000:42 milhões de toneladas de dióxido de carbono(42 gigatoneladas [gt] co2)

Gráfico: Informe Stern sobre a economia de mudanças climáticas

Emissões de gases de efeito estufa em 2000, por tipo de fonte emissora

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água não só às plantas, mas também alimentar durante o ano inteiro os la-gos, os rios, os arroios e as fontes sub-terrâneas. A ausência de cobertura ve-getal e de matéria orgânica nos solos é hoje um fator central no agravamento das secas e das inundações associadas às mudanças climáticas. Os campone-ses e os indígenas do mundo inteiro sa-bem tudo isso e, por isso, desenvolve-ram formas de agricultura que incorporam matéria orgânica – espe-cialmente esterco e restos de cultivos - permanentemente no solo.

Mas, possivelmente, a Revolução Ver-de deu sua maior contribuição ao aque-cimento global através dos fertilizantes químicos. O Informe Stern indica que os fertilizantes são a maior fonte indivi-dual de emissões provocadas pela agri-cultura, seguidos da criação de gado e do cultivo de arroz irrigado, já que co-locam no solo enormes quantidades de nitrogênio que logo é emitido para a atmosfera como óxido nitroso. Nova-mente, aqui não estamos falando de cultivos de camponeses, adubados com esterco ou matéria orgânica, nem dos rebanhos de animais mantidos por fa-mílias, nem do arroz cultivado no Su-deste e Sul da Ásia mediante técnicas antiquíssimas. Muitas dessas formas de cultivo e de criação têm permitido, através da história, que o nitrogênio se mantenha principalmente no solo, ou retorne ao ar sem contaminar. Essen-cialmente, o que está causando os pro-blemas é o arroz e outros cultivos adu-

bados de acordo com os pacotes da Revolução Verde, com recomendações técnicas de várias centenas de quilos de nitrogênio por hectare. E, também, as mega criações de animais, que impor-tam as rações de outros extremos do mundo e que produzem, em um espaço muito pequeno, toneladas de esterco que, então, o solo não tem qualquer possibilidade de absorver.

As agriculturas camponesas no mun-do inteiro utilizam os restos de cultivos e o esterco como adubo e como meca-nismo de proteção e melhoramento do solo. A agricultura e a produção indus-trial de animais têm privado a grande parte dos agricultores das suas próprias fontes de ganho ao obrigá-los a se espe-cializarem e a eliminarem a criação de animais, e, simultaneamente, têm cria-do fábricas de montanhas de esterco proveniente dos grandes rebanhos. A

Foto detalhe: JerónimoPalomares

14. Almuth Ernsting et al. “Open letter to Al Gore” (Carta aberta a Al Gore), março de 2007. http://tinyurl.com/2owref

É importante entender que não falamos de todos os tipos de agricultura, mas essencialmente da agricultura do tipo industrial e da Revolução Verde. Cerca de 18% dos gases de efeito estufa são devidos aos processos de desmatamento e às mudanças de uso do solo. Aqui se incluem, em primeiro lugar, o avanço da fronteira agrícola e a expansão das plantações em áreas previamente cobertas de matas ou de vegetação natural.

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criação industrial e hiper-concentrada é uma causa direta do uso excessivo de fertilizantes sintéticos e do efeito conta-minante do esterco.

Só se pode concluir que o modelo agrícola industrial é o principal fator por detrás do aquecimento global. E é precisamente esse o tipo de agricultura que os agrocombustíveis promovem.15 O lógico seria, então, esperar um esfor-ço global e conjunto para, ao menos, diminuir o uso de fertilizantes e prote-ger a matéria orgânica do solo. Mas, novamente, o Informe Stern calcula que as emissões totais da agricultura aumentarão em quase 30% no período que vai até o ano de 2020, e que apro-ximadamente a metade do incremento esperado virá do aumento do uso de fertilizantes em solos agrícolas.16 As ex-pectativas são de que os países em de-senvolvimento praticamente dupliquem o uso de fertilizantes químicos no mes-mo período,17 e as novas plantações de cultivos energéticos serão sem dúvida responsáveis por uma parte importante dessa expansão.

Mas os agrocombustíveis ainda tra-zem novos problemas. Por exemplo, é altamente preocupante que se prometa uma “segunda geração” de agrocom-bustíveis. Quando esses forem produzi-

dos, dizem as empresas, então será pos-sível colocar qualquer resíduo agrícola e qualquer “dejeto de biomassa” no destilador para aumentar a produção de combustível. Se isso ocorrer, o que veremos é uma diminuição ainda mais drástica da matéria orgânica que se de-volve aos solos, uma deterioração cres-cente da sua fertilidade e uma depen-dência cada vez mais profunda dos fertilizantes químicos, o que, por sua vez, levará a novas perdas de matéria orgânica. O que se anuncia, então, é a criação de um círculo vicioso que leva-rá a emissões crescentes de gases de efeito estufa e à crescente deterioração dos solos.

E, a tudo isso, deverá ser somada a erosão e o esgotamento do solo que as grandes plantações provocam. Ainda que a erosão do solo causada por culti-vos como o milho e a soja esteja bem documentada,18 as estratégias de derru-bada e queima das florestas do planeta pelas companhias plantadoras causam problemas ainda mais graves. A FAO calcula que, em continuando as práti-cas atuais, somente o Terceiro Mundo perderia mais de 500 milhões de hecta-res de terras agrícolas de sequeiro devi-do à erosão e à degradação do solo.

Outra questão que os entusiastas dos agrocombustíveis passam por alto é que muitos cultivos energéticos conso-mem água em abundância. Já estamos imersos em uma grave crise de água, na qual aproximadamente um terço da população mundial enfrenta alguma forma de escassez. Essa crise não é produto da pobreza nem da falta de encanamento de água potável, como muitas autoridades parecem acreditar. Enfrentamos a escassez de água como resultado da deterioração ambiental provocada: pela destruição das agri-culturas tradicionais e sua substituição por técnicas da Revolução Verde; pela expansão das cidades que a Revolução Verde tem ajudado a promover; pela contaminação industrial dos corpos de água; e pela alteração dos ciclos da água associada ao aquecimento global, à construção de represas e à destruição dos solos e de sua cobertura. Aqui, a

15. Porcentagens do Informe Stern sobre a economia das mudanças climáticas, Parte III: A economia da estabilização, pág. 171 do original em inglês. http://tinyurl.com/ye5to7

16. “Stern Review on the Economics of Climate Change”, Anexo 7.g.

17. O ifpri calcula que os países em desenvolvimento aumentarão o uso de fertilizante químico de 62.3 toneladas de nutrientes em 1990 para 121.6 toneladas de nutrientes em 2020. B. Bump y C Baanante, “World Trends in Fertilizer Use and Projections to 2020”, 2020 Vision Brief 38, ifpri http://tinyurl.com/362sbx

18. Ver, por exemplo, Miguel Altieri e Elizabeth Bravo, “The Ecological and Social Tragedy of Crop-based Biofuel Production in the Americas”, abril de 2007. http://tinyurl.com/3dkpto

Foto detalhe: JerónimoPalomares

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lógica novamente ditaria esforços con-juntos destinados a, pelo menos, prote-ger os solos e corpos de água, dimi-nuindo o uso da água na indústria e na irrigação. As tendências que vemos, mais uma vez, vão precisamente no sentido contrário.

As práticas de irrigação consomem o equivalente a três quartas partes da água potável do mundo, e os cultivos para agrocombustíveis acrescentarão muito a essa demanda. O Instituto In-ternacional para o Manejo da Água (IWMI, por sua sigla em inglês) publi-cou um informe em março de 2006, no qual alertava que a febre pelos agro-combustíveis poderia piorar a crise da água.19 Outro documento do mesmo instituto, analisando a situação na Ín-dia e na China, conclui que: “é pouco provável que as economias de rápido crescimento, tais como as da China e da Índia, possam satisfazer a futura de-

manda de alimento humano, animal e de biocombustíveis sem agravar subs-tancialmente os problemas já existentes de escassez e água”.20 Quase toda a cana-de-açúcar da Índia – o principal cultivo para produzir etanol no país – é irrigada, assim como cerca de 45% do principal cultivo para agrocombustível na China, o milho. O prognóstico é que a Índia e a China, países com escassos recursos em matéria de água, e que já estão sendo perigosamente esgotados ou contaminados, aumentarão, até 2030, sua demanda de água para irri-

gação entre 13 e 14%, somente para manter a produção de alimentos nos níveis atuais. Se esses países optarem pelos agrocombustíveis em grande es-cala, a irrigação desses cultivos consu-mirá muito mais da escassa água: o IWMI calcula que, em um país como a Índia, cada litro de etanol de cana-de-açúcar requer 3.500 litros de água de irrigação.

Ou seja, os agrocombustíveis não somente competem com os cultivos alimentícios por terra, como também agravam as emissões que causam o aquecimento da terra. E, em seguida, estarão consumindo grande parte da matéria orgânica necessária para conservar o solo saudável bem como a água que todos os seres vivos neces-sitamos para sobreviver.

Os países que se somam à febre dos agrocombustíveis estão exportando não somente cultivos para manter os

automóveis andando: também expor-tam a inestimável cobertura vegetal e a água necessária para o bem-estar de seus povos.

A equação energética. Com certeza, o principal problema com o debate dos agrocombustíveis é que ele não aborda o único tema que deveria ser o eixo de toda essa discussão: o consumo de energia. Na realidade, é precisamente o foco estar colocado nos agrocombustí-veis que permite desviar a atenção do cerne da questão.

19. Food, Biofuels could Worsen Water Shortage. Boletim para a imprensa do IMWI. http://tinyurl.com/2sqls9

20. “Biofuels: Implications for Agricultural Water Use”, Charlotte de Fraiture, et al. Instituto Internacional para o Manejo de Água, PO Box 2075, Colombo, Sri Lanka.

Só se pode concluir que o modelo agrícola industrial é o principal fator por detrás do aquecimento global. E é precisamente esse o tipo de agricultura que os agrocombustíveis promovem.

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Segundo o “Panorama da Energia In-ternacional 2006” do governo dos Es-tados Unidos, presume-se que o consu-mo mundial da energia que se compra e vende aumentará cerca de 71% entre 2003 e 2030. O informe do governo dos Estados Unidos é rápido em assina-lar que grande parte desse crescimento provirá de países em desenvolvimento, especialmente os que aderiram com êxito ao comércio e à indus-trialização. Donde virá essa energia adicio-nal? O consumo de petróleo aumentará uns 50%, o consu-mo de carvão, de gás natural e de energia renovável quase que du-plicará para cada um desses recursos, e a energia nuclear crescerá em um terço. Para o ano de 2030, toda a energia renovável (incluí-dos os agrocombustíveis) constituirá não mais que uns escassos 9% do con-sumo energético mundial. Quase todo o resto do crescente consumo de ener-gia virá da queima de mais combustí-veis fósseis.21

Por favor, leiam novamente o pará-

grafo anterior, estudem o gráfico e me-morizem as cifras. Esse é o cenário que devemos observar, e que dá o que pen-sar. A energia renovável incidirá apenas no crescimento projetado da energia comercializável. Todo o resto fica igual ou piora.

Não há escapatória: temos que redu-zir o consumo de energia se quisermos sobreviver nesse planeta. Não adianta nada pedir às companhias automobilís-ticas que façam seus automóveis um pouco mais eficientes em matéria ener-gética se a quantidade de automóveis vai ser duplicada. Não adianta nada pedir às pessoas que apaguem as luzes de suas casas se todo o sistema econô-mico continua orientado exclusivamen-te a movimentar mercadorias por todo o planeta, oriundas dos países onde as empresas que os produzem podem ob-ter as margens máximas de lucros. Isso é exatamente o que ocorre com a atual arremetida para os agrocombustíveis.

O tremendo esbanjamento de energia do sistema mundial de alimentos é cer-tamente um dos elementos que merece um exame exaustivo. Analisando so-mente a agricultura, a diferença de energia entre os sistemas agrícolas in-dustrial e tradicional não poderia ser mais extrema. Muito se fala a respeito de quanto mais eficiente e produtiva é a agricultura industrial comparada com a agricultura tradicional praticada nas

regiões do Hemisfério Sul, mas se for con-

siderada a eficiên-cia energética, nada poderia es-tar mais longe da

verdade. A FAO calcula que, em mé-

dia, os agricultores dos países industrializados gastam cinco vezes mais energia comercial para produzir um quilo de cereais do que os agricul-tores da África. Analisando cultivos específicos, as difereças são ainda mais gritantes: para produzir um quilo de milho, um agricultor dos Estados Uni-dos usa 33 vezes mais energia comer-cial do que seu vizinho ou vizinha tra-dicional do México. E para produzir

Para produzir um quilo de milho, um agricultor dos Estados Unidos usa

33 vezes mais energia comercial do que seu

vizinho ou vizinha tradicional do México.

E para produzir um quilo de arroz, um agricultor

dos Estados Unidos usa 80 vezes mais energia

comercial do que a que usa um agricultor

tradicional nas Filipinas!

Uso de energia global comercializável segundo o tipo de combustível, 1980-2030 (em trilhões de btu [1015])

Fontes históricas: Energy Information Administration (eia), International Energy Annual 2003 (maio-julho de 2005); projeções: eia, System for the Analysis of Global Energy Markets (2006)

Nota: btu significa literalmente unidade térmica britânica [British Thermal Unit] e é uma medida de energia utilizada sobretudo nos Estados Unidos. Equivale a 1 055 joules ou 252 calorias internacionais, que é a medida de energia mais comum no mundo. Para se ter uma idéia melhor, um pé cúbico (28,3 litros) de gás natural gera, na média, umas mil btu.

300

250

200

150

100

50

01980 1990 2000 2010 2020 2030

petróleo carvão gásnatural energiarenovável energianuclear

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um quilo de arroz, um agricultor dos Estados Unidos usa 80 vezes mais ener-gia comercial do que a que usa um agri-cultor tradicional nas Filipinas!22 Essa “energia comercial” da qual fala a FAO é, com certeza, em sua grande maioria, proveniente dos combustíveis fósseis petróleo e gás, necessários para produ-zir fertilizantes e agroquímicos, e aque-les utilizados na maquinaria rural, que contribuem substancialmente na emis-são de gases de efeito estufa.

Mas, mesmo dentro das normas in-

dustriais ou da Revolução Verde, o ato de cultivar é responsável por somente um quarto da energia utilizada para obter os alimentos que levamos a nos-sas mesas. O verdadeiro esbanjamento de energia e a contaminação ocorrem no sistema internacional de alimentos mais amplo: o processamento, o empa-cotamento, o processo de congelamen-to, o cozimento e o movimento dos alimentos por todo o planeta. Os culti-vos para ração animal podem ser plan-tados na Tailândia, processados em Rotterdam, fornecidos aos animais em algum outro lugar, para logo serem co-

midos em um McDonalds, em Kentu-cky, EUA. Todos os dias, 3.500 porcos viajam de distintos países europeus para a Espanha, enquanto que, no mes-mo dia, outros 3.000 porcos viajam na direção oposta. A Espanha importa 220 toneladas de batatas diariamente do Reino Unido, enquanto exporta 72 toneladas de batatas todos os dias... para o Reino Unido. O Instituto Wu-ppertal calculou que a distância percor-rida pelos ingredientes de um iogurte de morango que se vende na Alemanha

(que poderiam ser facilmente produzi-dos na própria Alemanha) não é menor do que 8 mil quilômetros.23

Aqui fica realmente visível o absurdo e o esbanjamento do sistema globaliza-do de alimentos tal como o organizam as empresas transnacionais. No sistema industrializado de alimentos são gastas não menos de 10-15 calorias para pro-duzir e distribuir um alimento que tem o valor de uma caloria. Somente o sis-tema norte-americano de alimentos uti-liza 17% do consumo total de energia do país.24 Nada disso é realmente ne-cessário. O Conselho Mundial de Ener-

21. eia, “International Energy Outlook 2006”. Ver especialmente os gráficos 8 e 10. http://tinyurl.com/2vxkys

22. fao, “The Energy and Agriculture Nexus”, Roma 2000, tabelas 2.2 e 2.3 http://tinyurl.com/2ubntjj

23. Exemplos de Gustavo Duch Guillot, diretor da “Veterinários sem Fronteiras”, Barcelona 2006. http://tinyurl.com/2mlprh

Foto: JerónimoPalomares

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gia calcula que a energia total necessá-ria para atender às necessidades básicas é equivalente a apenas 7% da atual produção mundial de eletricidade.25

Para resolver o problema das mudan-ças climáticas não precisamos de plan-tações de agrocombustíveis que produ-zam energia combustível. Em troca, necessitamos dar um giro de 180 graus no sistema industrial de alimentos. Pre-cisamos políticas e estratégias para re-duzir o consumo de energia e evitar o esbanjamento. Tais políticas e estraté-gias já existem e se luta por elas. Na agricultura e na produção de alimen-tos, isso significa orientar a produção aos mercados locais ao invés dos mer-cados internacionais; significa adotar estratégias para manter as pessoas na terra, ao invés de expulsá-las; significa apoiar enfoques sustentados e sustentá-veis para devolver a diversidade bioló-gica à agricultura; significa diversificar os sistemas de produção agrícola, utili-zando e expandindo os conhecimentos locais; significa colocar as comunida-des locais novamente na frente do de-senvolvimento rural. Tais políticas e

estratégias implicam na utilização e no posterior desenvolvimento de tecnolo-gias tradicionais e agroecológicas para manter e melhorar a fertilidade do solo e a matéria orgânica e, no processo, se-questrar dióxido de carbono no solo, ao invés de liberá-lo para a atmosfera. Também requerem uma confrontação firme com o complexo agroindustrial mundial, agora mais forte do que nun-ca, que está conduzindo sua agenda de agrocombustíveis exatamente na dire-ção oposta.l

GRAIN

24. John Hendrickson, “Energy Use in the us Food System: a Summary of Existing Research and Analysis”, Center for Integrated Agricultural Systems, uw-Madison, 2004

25. Conselho Mundial de Energia/ World Energy Council. “The Challenge of Rural Energy Poverty in Developing Countries”. http://tinyurl.com/2vcu8v

Foto: JerónimoPalomares As grandes fazendas e granjas associadas com as agroindústrias...

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Aonda de investimentos nos agro-combustíveis está reestruturando

o próprio agronegócio. Há novos e po-derosos atores que estão convergindo para o setor. As empresas de cosméti-cos estão vendendo biodiesel. Grandes empresas petrolíferas compram planta-ções. Especuladores de Wall Street fir-mam acordos com barões feudais do açúcar. Todo esse dinheiro que circula pelo mundo está reorganizando e in-tensificando as estruturas transnacio-nais, vinculando a mais brutal classe de ruralistas do Sul com as mais podero-sas corporações do Norte.

O presente artigo analisa a expansão dos investimentos e o controle das cor-porações sobre os agrocombustíveis. Apresenta um panorama de quem está investindo no setor e para onde está indo o dinheiro, esclarecendo como o desenvolvimento desses combustíveis alternativos, promovidos pelas suas vantagens ambientais e pelos benefícios econômicos que trariam aos agriculto-res, já está sendo manipulado pelas corporações transnacionais e absorvi-do em suas estratégias de lucro.

O banco dos agrocombustíveis: quem está colocando o dinheiro?

É uma tendência, uma bolha ou uma reconfiguração estrutural? Até este mo-mento, é difícil de identificar. Talvez a forma mais apropriada de descrever os investimentos nos agrocombustíveis nos últimos anos seria qualificá-los de inundação. Dificilmente passa um dia sem que se noticie a implantação de uma nova refinaria de agrocombustível, com custos multimilionários. Então, quem está investindo em toda essa nova construção?

Como era de se esperar, o grande agronegócio é um dos principais finan-ciadores. Companhias de commodities agrícolas, como a ADM (Archer Da-niels Midland), Noble e Cargill, estão investindo pesadamente. Também o es-tão fazendo companhias especializadas no comércio do açúcar, em óleo de den-dê e, em menor escala, em monoculti-vos de árvores.

Há, ainda, o dinheiro do setor energé-tico. Grandes companhias petrolíferas, como a British Petroleum (BP) e a Mit-

O poder das corporações: os agrocombustíveis e a expansão

do agronegócio

Nos últimos anos, o interesse das corporações por agrocombustíveis passou

de um leve trote para uma total disparada. Tanto para os grupos empresariais como para os políticos, os agrocombustíveis são

uma das formas de energia “renovável” mais palatáveis porque se encaixam facilmente na economia existente,

baseada no petróleo. Além disso, eles apresentam oportunidades de lucro que a nova ordem de

negócios “verdes” não perdeu tempo em encampar. Grandes somas de dinheiro estão fluindo em

todo o mundo para projetos de agrocombustíveis – com graves conseqüências.

As empresas de cosméticos estão vendendo biodiesel. Grandes empresas petrolíferas compram plantações. Especuladores de Wall Street firmam acordos com barões feudais do açúcar. Todo esse dinheiro que circula pelo mundo está reorganizando e intensificando as estruturas transnacionais, vinculando a mais brutal classe de ruralistas do Sul com as mais poderosas corporações do Norte.

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sui, estão fazendo investimentos subs-tanciais. Também estão investindo as companhias petrolíferas vinculadas mais diretamente às políticas de agro-combustíveis dos governos de seus paí-ses, como é o caso da Petrobras e da PetroChina, e empresas menores como a PT Medco da Indonésia e a compa-nhia nacional de petróleo das Filipi-nas.

Mas, talvez, a fonte mais agressiva de investimentos em agrocombustíveis provenha do mundo financeiro. Várias das maiores e mais importantes casas do capital globalizado aderiram ao jogo dos agrocombustíveis. O financia-mento provém de bancos como o Ra-bobank, o Barclays e o Société Généra-le, e de fundos de capital privado como o Morgan Stanley e o Goldman Sachs, que se especializam na compra de em-presas e podem rapidamente transferir bilhões de dólares de uma parte a outra do mundo.

Há, também, os bilionários: George Soros, o guru dos fundos de hedge, possui operações de etanol/agronegó-cios no Brasil; Bill Gates é dono de uma das maiores produtoras de etanol nos Estados Unidos; Vinod Khosla, famoso pelo Google, é um importante investi-dor em uma gama de negócios na área de produção e tecnologia de agrocom-bustíveis; e Sir Richard Branson, dono do Grupo Virgin, e agora da Virgin

Fuels, tem uma crescente carteira de in-vestimentos em agrocombustíveis. Es-ses titãs da globalização aportam não somente suas grandes fortunas à febre do ouro dos agrocombustíveis, mas também seu forte peso político.

Agronegócios adm, Cargill, China National Cereals, Oils and Foodstuffs Import & Export Corporation, Noble Group, DuPont, Bunge, Syngenta, ConAgra, Itochu, Marubeni, Louis Dreyfus

açúcar British Sugar, Tate & Lyle, Tereos, Sucden, Cosan, AlcoGroup, edf & Man, Bajaj Hindusthan, Royal Nedalco

óleo de dendê ioi, Peter Cremer, Wilmar

monocultivo de árvores Weyerhaeuser, Tembec

Petróleo British Petroleum, Eni, Shell, Mitsui, Mitsubishi, Repsol, Chevron, Titan, Lukoil, Petrobras, Total, PetroChina, Bharat Petroleum, pt Medco, Gulf Oil

Finanças Rabobank, Barclays, Société Générale, Morgan Stanley, Kleiner Perkins Caufield & Byers, Goldman Sachs, Carlyle Group, Kohsla Ventures, George Soros

O Grupo Carlyle: uma corporação de agrocombustíveis?

O Grupo Carlyle é um fundo de capi-tal privado de 55 bilhões de dólares, notoriamente vinculado a Washing-ton, que nos últimos anos efetuou, através de seus grupos de energia renovável, numerosas aquisições re-lacionadas aos agrocombustíveis. Sua carteira atual inclui um dos maiores grupos de etanol de cana-de-açúcar no Brasil (ver quadro so-bre o conglomerado Crystalsev) e numerosas usinas de agrocombustí-veis nos Estados Unidos e na Europa, administradas em conjunto com os maiores do agronegócio, como a Bunge e a ConAgra. Em janeiro de 2007, uniu-se ao Goldman Sachs e ao Richard Morgan, um dos apoios fi-nanceiros mais importantes do presi-dente George Bush, para assumir o controle da corporação de distribui-ção de energia Kinder Morgan, res-ponsável por cerca de 30% do etanol vendido nos Estados Unidos.

Quadro 1. Algumas transnacionais que investem em agrocombustíveis

Um pico no aumento do preço do petróleo,

entretanto, não justifica o tipo de investimentos em longo prazo que os

grandes atores estão fazendo atualmente

nos agrocombustíveis. Ainda que as reservas

mundiais estejam encolhendo, o preço

do petróleo continua a ser determinado pela especulação,

tendo pouca relação com a oferta e a procura.

Com a mesma rapidez que pode aumentar, o preço do petróleo também pode cair,

derrubando no processo os produtores

de agrocombustível.

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E, claro, por detrás de tudo isso, redu-zindo os riscos para os grandes “espe-culadores” mundiais, estão os governos e os organismos internacionais de fi-nanciamento, tais como o Banco Mun-dial e os bancos regionais de desenvol-vimento. Os bilhões que oferecem através de subsídios diretos, isenções fiscais, construção pública de vias de transporte, sistemas de comércio de carbono e empréstimos a juros baixos são o que torna os agrocombustíveis viáveis.

A luta pelas matérias-primas agríco-las: para onde está indo o dinheiro

“É na produção das matérias-primas agrícolas que estará o lucro”

Nancy DeVore, Bunge Global Agribusiness.

Há, com certeza, uma conexão entre a farra atual dos agrocombustíveis e o salto nos preços do petróleo iniciado há dois anos. Um pico no aumento do preço do petróleo, entretanto, não jus-tifica o tipo de investimentos em longo prazo que os grandes atores estão fa-zendo atualmente nos agrocombustí-veis. Ainda que as reservas mundiais estejam encolhendo, o preço do petró-leo continua a ser determinado pela es-peculação, tendo pouca relação com a oferta e a procura. Com a mesma rapi-dez que pode aumentar, o preço do pe-tróleo também pode cair, derrubando, no processo, os produtores de agro-combustível. Isso é exatamente o que ocorreu com a indústria do etanol na década de 1980.

A atual diferença no mercado dos agrocombustíveis não é tanto o preço do petróleo, mas sim o grau de apoio dos governos. Por uma série de razões políticas, sem dúvida relacionadas ao interesse crescente das corporações pe-los combustíveis “renováveis”, os go-vernos dos principais países consumi-dores de petróleo determinaram, ou estão em processo de determinar, que o combustível para transporte contenha percentagens mínimas de etanol ou de biodiesel. No conjunto, as subvenções associadas a essa demanda garantida

assentam as bases de um grande merca-do cativo para as corporações de agro-combustíveis.

Mesmo assim, continua a dúvida so-bre a viabilidade dos agrocombustíveis, cujos lucros estão à mercê de uma ou-tra variável importante – o preço das matérias-primas, o material agrícola utilizado para produzir agrocombustí-vel.

O custo da matéria-prima agrícola pode viabilizar ou frustrar uma opera-ção de agrocombustível, e não é fácil para um produtor de agrocombustível controlar esse preço. Isso porque a in-dústria dos agrocombustíveis estará sempre competindo com outros merca-dos, especialmente o de alimentos, que depende dos mesmos cultivos ou das mesmas terras. De fato, o próprio êxito dos agrocombustíveis – manifestado na sua crescente utilização – força um au-mento nos preços das matérias-primas agrícolas e restringe as fontes de supri-mento. Um aumento dos preços pode ser decisivo porque as companhias de agrocombustíveis têm poucas opções para repassar os custos.

Os bilhões que oferecem através de subsídios diretos, isenções fiscais, construção pública de vias de transporte, sistemas de comércio de carbono e empréstimos a juros baixos são o que torna os agrocombustíveis viáveis.

Foto: JerónimoPalomares

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A forma mais segura de resolver esse dilema é as companhias de agrocom-bustíveis controlarem a produção e o suprimento de suas próprias matérias-primas agrícolas. É por isso que, atual-mente, a maioria das usinas de agro-combustíveis é construída com investimentos simultâneos na produ-ção agrícola. Há uma clara tendência à formação de redes transnacionais total-mente integradas de agrocombustíveis, juntando tudo, das sementes à entrega final do produto.

Nesse panorama, as corporações do agronegócio, com suas cadeias mun-diais de commodities agrícolas bem es-truturadas, levam vantagem sobre seus competidores. Num futuro próximo, as matérias-primas agrícolas produzidas em quantidades suficientes para abaste-cer as operações de agrocombustíveis em grande escala serão cultivos – soja, milho, dendê e açúcar – cuja produção

e comércio são dominados por um pe-queno número de corporações transna-cionais. Não causa surpresa, portanto, que grande parte do dinheiro investido nos agrocombustíveis provenha dessas corporações ou seja canalizado através delas. Assim, os agrocombustíveis tra-zem consigo um ganho duplo para as grandes corporações do agronegócio: ganham não somente com a produção e venda de agrocombustíveis, mas tam-bém através do boom global das com-modities que essa nova fonte de produ-ção ajuda a gerar (ver o capítulo “A conexão óleo de dendê-biodiesel”).

Sem dúvida, há alguns limites em re-lação a até onde e quão rapidamente o grande agronegócio pode ir com seus investimentos nos agrocombustíveis. A Cargill, por exemplo, declarou aberta-mente sua preferência em comercializar nos canais da alimentação humana e animal quando for o momento. Por

Principais corporações Controle corporativo

Comércio de milho (Estados Unidos)

Cargill, adm As 3 principais controlam mais de 80% das exportações de milho dos Estados Unidos

Sementes de milho (Estados Unidos)

Monsanto, DuPont, Syngenta

A Monsanto controla 41% do mercado mundial

Comércio de açúcar (Brasil)

Cargill, Louis Dreyfus, Cosan/Tereos/Sucden

A Cargill é a maior negociadora de açúcar em bruto do Brasil

Comércio de óleo de dendê (mundial)

Wilmar, ioi, Synergy Drive, Cargill

60% da área destinada à produção de óleo de dendê na Malásia é propriedade de corporações; somente 9% é de proprietários individuais

Comércio de soja (mundial)

Bunge, adm, Cargill, Dreyfus

3 companhias controlam 80% do esmagamento na Europa; 5 companhias controlam 60% da produção brasileira

Sementes de soja (mundial)

Monsanto, DuPont A Monsanto controla 25% do mercado mundial

Fontes: Grupo etc, wwf, uk Food Group, Cargill.

Quadro 2. O controle corporativo das principais matérias-primas para agrocombustível

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que ficar amarrado com a venda da soja a produtores de agrocombustíveis quando é possível ganhar mais dinhei-ro convertendo-a em óleo comestível?1 A ADM pode ser a maior produtora de etanol do mundo, mas seu negócio principal continua sendo a conversão de milho em ração animal ou em xaro-pe com alto teor de frutose para com-panhias como a Coca-Cola e a Pepsi, e não gostaria que o aumento dos preços do milho pusesse em risco esses merca-dos.2 Essas grandes corporações do agronegócio estão contentes em vender agrocombustíveis como forma de au-mentar os negócios em geral, mas des-de que sob sua cuidadosa coordenação e controle, a fim de não perderem sua preciosa flexibilidade e os canais tradi-cionais de obter lucros.3

Como conseqüência, o dinheiro exce-dente destinado aos agrocombustíveis, que não é absorvido pelo grande agro-negócio, tem sido redirecionado para a construção de redes transnacionais al-ternativas de commodities, com suas próprias cadeias de produção e de for-necimento de matéria-prima. Esse au-mento do investimento especulativo está gerando uma onda de novas alian-ças e agrupamentos comerciais que re-únem companhias financeiras, empre-sas de transporte, negociantes internacionais e produtores. Em alguns casos, grandes fundos de investimento, como o Grupo Carlyle, estão inclusive criando suas próprias redes totalmente integradas de agronegócio/energia (ver o quadro “Wall Street vai à fazenda”).

Outras empresas estão evitando as ca-

Wall Street vai à fazenda

George Soros comprou, em 2002, a companhia argentina Pecom Agribusiness, que lhe deu mais de 100.000 hectares de terras na Argentina para a criação de gado de corte e de leite, e produção de soja, milho, trigo, arroz e girassol.4

Em 2004, a companhia de Soros, chamada agora Adenco, expandiu-se para o Brasil, comprando 27.000 hectares de terra nos estados de Tocantins e Bahia, para a produção de algodão e café. Em 2006, a Adenco iniciou uma sociedade com a família Vieira, do Brasil, um clã cafeeiro do estado de Minas Gerais, para estabelecer uma usina com capacidade de processar um milhão de toneladas de cana-de-açúcar por ano. A família Vieira agora é acionista da Adenco e administra as operações do grupo no Brasil. O grupo continua a se expandir e, em breve, espera-se que suas quatro novas usinas de processamento de açúcar no Brasil estejam esmagando 12 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, convertendo grande parte em etanol. Enquanto isso, nos Estados Unidos, Soros anunciou que sua empresa está construindo uma usina para processamento de etanol de milho, que processará 50 milhões de toneladas do grão, além de estar considerando a instalação de usinas similares na Argentina.

Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, não somente tem em suas mãos o financiamento de muitos dos principais empreendimentos em matéria de agrocombustíveis como, também, é um dos principais investidores em energia “renovável”. Já investiu mais de 1 bilhão de dólares, grande parte em agrocombustíveis.5 É co-proprietário da Iogen, uma empresa líder no desenvolvimento de etanol celulósico, assim como das companhias de distribuição de energia Kinder Morgan e Green Earth Fuels, que trabalham juntas na instalação de uma usina de biodiesel, com capacidade de mais de 86 milhões de galões, e um terminal de armazenamento, no Texas, com capacidade de 8 milhões de barris de biodiesel. Entrando, ainda mais diretamente, no agronegócio, o Goldman, em 2006, passou a ser co-proprietário das duas maiores companhias de carne da China, o que tornou o banco de investimentos o maior investidor na China, nesse setor. 6

1. Steve Karnowski, “Cargill, adm differ in food-duel debate”, ap, 17 de maio de 2006, http://tinyurl.com/3bxtw7

2. Alexei Barrionuevo, “Springtime for Ethanol”, New York Times, 23 de janeiro de 2007, http://tinyurl.com/3y9v9t

3. Tom Philpott, “adm, High-fructose Corn Syrup and Ethanol”, blog de Gristmill, publicado em 10 de maio de 2006, http://tinyurl.com/kxmqq

4. Fabiane Stefano and Lívia Andrade, “George Soros ataca no campo”, Dinheiro rural, outubro de 2006, http://tinyurl.com/365e4z (também traduzido ao inglês por Ethablog), http://tinyurl.com/2ww5wb

5. O diretor da British Petroleum, Lord Browne de Madingley, fez parte da direção da Goldman Sachs desde 1991. Em 2007 se afasta de ambas posições devido a processo judicial decorrente de acusações de sua ex-amante. Ver: http://tinyurl.com/33jkpc

6. Dominique Patton, “Foreign Equity Group Wins Bid for China’s Leading Meat Processor”, MeatProcess.com, 16 de maio de 2006, http://tinyurl.com/2v9zg6

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deias de commodities já formadas, ini-ciando a produção em zonas geográfi-cas onde o agronegócio está menos presente e onde os custos de produção são baixos. Várias corporações chine-sas fecharam acordos nas Filipinas e Indonésia, no início de 2007, para con-verter 1 milhão de hectares em cada país à produção de cultivos energéticos para exportação.7 Os produtores brasi-leiros de etanol estão expandindo a produção de cana-de-açúcar ao vizinho Paraguai, onde se estima que os custos de produção sejam ainda mais baixos do que no Brasil. De forma similar, a Maple Corporation, uma companhia de energia norte-americana, está esta-belecendo uma plantação de cana-de-açúcar e uma usina de etanol no Peru, para tirar vantagem dos baixos custos de produção do país, assim como de suas condições favoráveis de acesso à exportação de etanol para os Estados Unidos.8

Outra forma de evitar problemas de fornecimento é através da produção de matérias-primas que estejam menos controladas pelo grande agronegócio. Tanto a BP como a ConocoPhillips for-malizaram acordos com importantes processadores de carne para o forneci-mento de gorduras animais para a pro-dução de biodiesel. A BP, junto com várias outras companhias, também está trabalhando com o pinhão manso como matéria-prima, enquanto corpo-

rações chinesas e sul-coreanas estão ocupadas fechando acordos na Nigéria e na Indonésia para a produção de mandioca em grande escala.

No setor de pesquisa e desenvolvi-mento, contudo, a maior parte do di-nheiro se destina ao etanol celulósico, a suposta próxima geração de agrocom-bustíveis. Muita gente dentro do setor dos agrocombustíveis acredita que logo serão desenvolvidos métodos economi-camente viáveis para converter a maté-ria celulósica das plantas em etanol. Isso abriria caminho para a utilização da produção em grande escala de ou-tros cultivos, tais como o switchgrass (Panicum virgatum) e árvores, ou o uso de toda a planta de cultivos que já são utilizados, como a cana-de-açúcar e o milho, ao invés de somente a extração do caldo ou os grãos, como ocorre atu-almente.

Aqueles que desenvolverem e patente-arem essas tecnologias celulósicas ob-viamente ganharão um enorme grau de vantagem dentro da cadeia de commo-dities para agrocombustíveis. Por isso, não causa surpresa que as grandes em-presas petrolíferas estejam estrategica-mente canalizando seus investimentos a essa área. Ou que companhias de bio-tecnologia, como a Monsanto, já te-nham assegurado o monopólio das se-mentes e dos genes de promissores cultivos da próxima geração, como o pinhão manso ou o Miscanthus. Algu-mas poucas empresas, com grandes carteiras de patentes e estreitas alianças com importantes empresas de agro-combustíveis, já dominam a pesquisa e o desenvolvimento das enzimas neces-sárias para tornar viável o etanol celu-lósico.

Correntes políticas

É claro que os agrocombustíveis não têm a ver somente com negócios. São altamente políticos, e as corporações que controlam sua produção simulta-neamente dão forma e seguem as mu-danças nas correntes políticas. Ainda que a maioria dos governos tenha uma euforia geral pelos agrocombustíveis,

7. grain, “Hybrid rice and China’s Expanding Empire”, 6 de fevereiro de 2007, www.grain.org/hybridrice/?lid=176, “Indonesia and China sign biofuel deal”, afp, 9 de janeiro de 2007.

8. “us-based Maple Invests in Peru Ethanol Production”, Reuters, 20 de março de 2007. http://tinyurl.com/39psuj

9. “bp Brews the fat”, Engineer Online, 3 de abril de 2006, http://tinyurl.com/2qe2lh; “Pig Fat to be Turned into Biodiesel”, bbc, 19 de abril de 2007, http://tinyurl.com/2mrhvf

Vendas de sementes de milho e de biotecnologiaem nível mundial (em milhões de dólares)

Fonte: Cropnosis

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Syngenta Monsanto Dupont Otros

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as políticas nacionais são influenciadas pelas diferentes dinâmicas que circu-lam entre os grupos empresariais, pelos interesses geopolíticos e pelas políticas comerciais. Os governos e as corpora-ções na China, na Coréia do Sul e no Japão estão buscando outros países para a produção e abastecimento de matérias-primas. O Brasil quer abaste-cer o mundo tanto com etanol para combustível quanto com tecnologias e, para tanto, vem negociando pacotes com países de todos os continentes. Os Estados Unidos e a Europa vêem os agrocombustíveis como a resposta a tudo, das mudanças climáticas às crises na produção agrícola e aos problemas com os “aproveitadores” países ricos em petróleo. Como conseqüência, es-tão sendo fechados acordos por todos os lados, determinando onde serão produzidos os agrocombustíveis, por quem e para quem e, talvez o mais im-portante, como serão comercializados. Em nenhum outro setor isso se torna tão visível como na evolução do merca-do mundial do etanol de cana-de-açú-car (ver “A conexão cana-de-açúcar/etanol”).

Agronegócio “verde”?: não tentem nos enganar

Não há nada de novo na produção agrícola destinada à energia. A maioria das unidades rurais sempre produziu a energia que suas famílias e animais uti-lizam para trabalhar a terra. A diferen-ça com os agrocombustíveis, contudo, é que esses transformam a agricultura para energia em uma commodity que,

como tal, está completamente integrada nos circuitos do agronegócio e das fi-nanças transnacionais. A produção de agrocombustíveis, portanto, segue os mandos dos administradores do dinhei-ro mundial, dos diretores dos bancos de investimento ou das empresas do agro-negócio, que dirigem imensas concen-trações de riqueza e que, nessa era de globalização neoliberal, podem direcio-ná-las para qualquer lugar que lhes dê maiores lucros.

Graças ao compromisso profundo e de longo prazo dos governos, agora há uma maior certeza de que os agrocom-bustíveis serão rentáveis. O dinheiro graúdo, com esse respaldo, entra a rodo, levando o agronegócio e o seu modelo de produção para exportação a se mover mais rapidamente e drastica-mente como nunca antes em sua con-quista da agricultura mundial.

Um claro padrão desse investimento em agrocombustíveis é que cada vez mais o dinheiro é dirigido para a cons-trução de redes de agrocombustíveis totalmente integradas que implicam na produção, no transporte, no processa-mento e na distribuição. Também flui a

alguns poucos centros de produção de baixo custo, especialmente o Brasil no caso da cana-de-açúcar, os Estados Unidos para o milho, e a Indonésia para o óleo de dendê. Mas também há dinheiro grande direcionado a países que firmam acordos especiais com os Estados Unidos, o Japão e a União Eu-ropéia, ou que têm um acesso comer-cial preferencial a esses países. A pro-dução e o controle da oferta de

É claro que os agrocombustíveis não têm a ver somente com negócios. São altamente políticos e as corporações que controlam sua produção simultaneamente dão forma e seguem as mudanças nas correntes políticas. Ainda que a maioria dos governos tenha uma euforia geral pelos agrocombustíveis, as políticas nacionais são influenciadas pelas diferentes dinâmicas que circulam entre os grupos empresariais, pelos interesses geopolíticos e pelas políticas comerciais.

Foto: JerónimoPalomares

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matéria-prima são críticos. Assim, qua-se todos os novos projetos de agrocom-bustíveis agora vêm com planos de uso de alta tecnologia nas plantações ou contratos de acordos na produção, ge-ralmente administrados por grupos lo-cais do agronegócio e, com freqüência, em terras utilizadas para a produção de alimentos ou em pastagens e florestas comunais.

Assim, os projetos de agrocombustí-veis estão gerando novas alianças ou expandindo as existentes entre os pro-dutores e os fornecedores locais de ma-térias-primas e as corporações estran-geiras. O mais comum é os investidores estrangeiros criarem empresas conjun-tas com companhias controladas por famílias de grandes proprietários e for-te influência política, deixando que es-sas famílias controlem o setor da pro-dução. Os agrocombustíveis, dessa forma, aprofundam as relações entre o capital transnacional e as elites locais donas das terras, com conseqüências profundas para as lutas pela terra e para a produção local de alimentos.

Com o tempo, essa rede em desenvol-vimento de produção mundial e de ro-

tas comerciais para a extração e expor-tação de agrocombustíveis será cada vez mais ferreamente controlada pelas corporações. A tecnologia para a próxi-ma geração de cultivos para agrocom-bustíveis está nas mãos de umas poucas companhias e seus sócios corporativos, os quais utilizarão patentes e outros di-reitos monopólicos para fechar o cami-nho a competidores e para controlar o mercado. Além disso, as corporações já estão começando a recorrer a marcas comerciais e padrões de regulamenta-ção como forma de consolidar sua par-ticipação no mercado.10

Nada disso tem a ver com prevenir as mudanças climáticas ou inclusive com reduzir a dependência do petróleo, como gosta de argumentar o governo dos Estados Unidos. O aspecto funda-mental de toda essa situação é que os agrocombustíveis são uma nova forma para as corporações, os especuladores e os poderosos barões da agricultura ga-nharem mais dinheiro, venderem mais commodities e consolidarem seu con-trole sobre o planeta. l

GRAIN

“Agora o óleo de dendê é como ouro verde”, disse Sukanto Ta-

noto, o homem mais rico da Indonésia e proprietário da corporação RGM In-ternational, de óleo de dendê, de mo-nocultivos de árvores e de energia.11 Com efeito, o mercado mundial de óleo de dendê está explodindo devido, em grande parte, à crescente produção de biodiesel. O óleo de dendê não é so-mente uma das principais matérias-pri-mas para o biodiesel, mas também o principal substituto do óleo de colza, cujo fornecimento está reduzido na Eu-ropa em função de sua conversão em biodiesel.

O aumento de preços é uma má notí-cia para os produtores de biodiesel que

10. O grupo alemão Peter Cremer Gruppe, um dos maiores comerciantes mundiais de oleoquímicos, por exemplo, vende biodiesel com a marca Nexsol nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália.

11. april-Watch, 11 de maio de 2007, http://aprilwatch.blogspot.com/

A conexão óleo de dendê-biodiesel

Nada disso tem a ver com prevenir

as mudanças climáticas ou inclusive com

reduzir a dependência do petróleo. O aspecto

fundamental de toda essa situação é que

os agrocombustíveis são uma nova forma

para as corporações, os especuladores e

os poderosos barões da agricultura ganharem mais dinheiro, venderem

mais commodities e consolidarem seu controle

sobre o planeta.

A foto, de Javiera Rulli, mostra um pé de dendê destruído

pelos irritados camponeses da Colômbia

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utilizam o dendê como matéria-prima, exceto quando o produtor de biodiesel também é produtor de óleo de dendê. “Para nós, [o biodiesel] é um mercado adicional a jusante”, disse um diretor da empresa malaia Golden Hope Plan-tations. “É possível que as grandes companhias de plantações não ganhem muito com o biodiesel, mas estaremos apoiados pelo grupo, obteremos nosso óleo de dendê a bons preços e nossos ganhos totais permanecerão está-veis”.12

Essa é uma das razões principais dos investimentos em refinarias de biodie-sel de óleo de dendê estarem sendo lide-rados por produtores de óleo de dendê. Na Indonésia, a companhia Pt Asiana-

gro, de Tanoto, está investindo seus lu-cros na construção de uma refinaria de biodiesel de 150.000 toneladas por ano. Ali perto, o Grupo Bakrie, outro grande de óleo de dendê na Indonésia, está construindo uma nova usina de biodiesel de 23 milhões de dólares, e expandindo suas plantações em milha-res de hectares para abastecer-se da matéria-prima. De forma similar, o Grupo Surva Dumai, da Indonésia, está em vias de construir sua própria refina-ria de biodiesel, de 30 milhões de dóla-res.13

Na Malásia e em Singapura, sedes de alguns dos maiores produtores de den-dê, a atividade de biodiesel está em ní-veis frenéticos. As companhias estão se fundindo, comprando outras e forman-do todo tipo de alianças para aprovei-tar as oportunidades do novo mercado. Em fins de 2006, as três principais com-

panhias produtoras de óleo de dendê da Malásia, controladas pela empresa estatal investidora Permodalan Natio-nal Bhd (Golden Hope Plantations, Sime Darby e Kumpulan Guthrie), fun-diram-se para formar a Synergy Drive, a maior companhia de dendê do mun-do. Essa nova companhia agora con-trola 526.000 hectares de plantações de dendê na Malásia e Indonésia e está envolvida em várias usinas de biodiesel a serem construídas.

Para os principais produtores é chave a expansão e integração da capacidade de refino tanto no seu país sede como no exterior. No início de 2007, a FEL-DA (Autoridade Federal de Desenvol-vimento Territorial), a maior processa-

dora de óleo de dendê do mundo, comprou a Twin Rivers Technologies, que tem sede nos Estados Unidos e ope-ra a maior usina de biodiesel do país. A IOI Corporation, da Malásia, recente-mente encampou as operações de pro-cessamento de óleo de dendê da com-panhia européia Unilever, comprou duas empresas malaias de refino de óleo de dendê e então, publicamente, confirmou suas intenções de encampar a Asiatic Development, outra grande produtora e refinadora de óleo de den-dê. A IOI está, atualmente, construindo uma usina de biodiesel com capacidade de 200.000 toneladas anuais de óleo de dendê, em Johor, Malásia, e a maior re-finaria de óleo de dendê da Europa, em Rotterdam, Holanda, com uma capaci-dade para refinar 900.000 toneladas anuais de óleo comestível ou de biodie-sel. O Grupo Kuok está em um proces-

12. Shibu itty Kuttickal, “Palm oil merger may deter some projects”, icis News, 1º de dezembro de 2006, http://tinyurl.com/2jg724

13. A respeito de uma crise da produção de biodiesel na Ásia, ver Credit Suisse, “Biofuel Sector: Global comparisons of a fast-growing sector”, 30 de agosto de 2006, http://tinyurl.com/2sawse y Liaw Thong Jung, “Equity Focus: KNM Group Berhad”, Aseambankers Malaysia Equity Research, 15 de fevereiro de 2007, http://tinyurl.com/3yh8xll

“Agora o óleo de dendê é como ouro verde”, disse Sukanto Tanoto,o homem mais rico da Indonésia e proprietário da corporação RGM International, de óleode dendê, de monocultivos de árvores e de energia. Com efeito, o mercado mundial de óleo de dendê está explodindo devido, em grande parte, à crescente produção de biodiesel.

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so de expansão similar (ver o quadro do Grupo Kuok).

A Cargill, por seu lado, está gradual-mente expandindo e integrando suas atividades com óleo de dendê para tirar vantagem do aumento da demanda da commodity. A companhia opera duas refinarias na Malásia e uma unidade de esmagamento na Indonésia. Também ampliou, recentemente, a capacidade de sua unidade de Rotterdam para refi-nar óleos tropicais – mais 200.000 to-neladas por ano de óleo de coco e ou-tras 300.000 toneladas anuais de óleo de dendê. No setor de produção, em 1997, a Cargill inaugurou suas primei-ras plantações de dendê em Sumatra, Indonésia. Em 2005, a Cargill e a Te-

masek Holding, um braço de investi-mento privado do governo de Singapu-ra, adquiriram as plantações de dendê do Grupo CDC na Indonésia e Papua Nova Guiné. Essas plantações incluem uma em Kalimantan, Indonésia, e a maioria acionária de outras quatro plantações da região – três na Indoné-sia e uma em Papua Nova Guiné. As plantações já existentes da Cargill fo-ram fundidas na nova empresa conjun-ta, registrada em Singapura como CTP Holdings, tendo a Cargill como acio-nista majoritária, assumido todas as responsabilidades da administração e da operacionalização.

De modo geral, então, a demanda por biodiesel está alimentando a consolida-ção do setor de óleo de dendê e uma mudança no sentido de uma orientação e estrutura mais transnacional, com uma integração mais forte entre com-panhias estrangeiras, como a Cargill, e produtores e fornecedores de óleo de dendê. l

GRAIN

Quadro 3. Exemplos de redes transnacionais de biodiesel de óleo de dendê

Produtor/fornecedor Sócio estrangeiro Projeto

Golden Agri-Resources (Singapura/Indonésia, propriedade do Grupo Sinar Mas)

China National Offshore Oil Co. e Hong Kong Energy Ltd.

Projeto de 8 anos e 5,5 bilhões de dólares para produzir biodiesel bruto de óleo de dendê, e bioetanol de cana-de-açúcar – ou de mandioca – em cerca de 1 milhão de hectares de terras em Papua e Kalimantan, Indonésia.

pt Mopoli Raya (Indonésia, subsidiária do Grupo Bolloré)

Merloni (Itália, propriedade da Indesit/Fineldo)

Construindo uma usina de biodiesel de 250.000 toneladas anuais, chamada Nusantara Bio Fuel, em Kuala Tanjung, Sumatra do Norte

Kulim (Malásia, propriedade da Johor Corporation)

Peter Cremer Gruppe

Criou uma empresa conjunta para construir e operar duas usinas de biodiesel na Malásia e Singapura

ioi e Golden Hope Plantation (Synergy Drive)

Grupo Biox (Holanda)

Em 2006, o Biox firmou acordos de fornecimento por 10 anos com a ioi e a Golden Hope Plantations. O acordo com a ioi inclui a construção de uma unidade de refino de agrocombustível na refinaria da ioi em Rotterdam. O Grupo Biox também tem empresas conjuntas com a Tradewinds Plantations e a Sime Darby para projetos de comércio de carbono em suas refinarias de óleo de dendê.

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Robert Kuok e a rede Wilmar

No início de 2007, Roberto Kuok, o homem mais rico do sudeste asiático, agrupou os diversos setores de negócio de óleo de dendê de seu império debaixo de uma entidade única.14 A nova companhia, Wilmar International, foi formada por uma fusão de 4,3 bilhões de dólares entre a PPB Oils, de Kuok, e a Wilmar, da qual participam não somente a família de Kuok, mas também a ADM e a COFCO (China National Cereals, Oils and Foodstuffs Import & Export Corporation), a maior companhia de alimentos da China e um dos investidores mais agressivos na produção de agrocombustíveis.15 Através dessa fusão, a ADM tornou-se a segunda maior acionista da Wilmar International. 16

O grupo de companhias Kuok é um ator importante, mas em grande parte desconhecido, do setor dos agrocombustíveis, tanto de biodiesel como de etanol. A Wilmar International possui cerca de 435.000 hectares de plantações de dendê e 25 refinarias na Indonésia, Malásia e Singapura. Através da aliança com a ADM, tem uma refinaria de biodiesel de 300.000 toneladas anuais, em Singapura. E as duas companhias têm outras três refinarias prontas para iniciar a produção em Riau, Indonésia, cada uma com capacidade para 350.000 toneladas por ano, assim como uma refinaria em Rotterdam, com capacidade de 1 milhão de toneladas anuais, tornando a Wilmar, facilmente, um dos maiores produtores de biodiesel do mundo. A companhia, através de sua subsidiária Josovina, na Malásia, também é fornecedora

exclusiva de óleo de dendê para a Global Bio-Diesel, uma operação de 500.000 toneladas por ano de biodiesel que está sendo construída na Malásia pela companhia sulcoreana Eco Solutions. E, no que se refere ao importante vínculo comercial na cadeia de biodiesel, Kuok é proprietário da Pacific Carriers, com sede em Singapura - uma das maiores companhias de transporte do sudeste asiático.

As atividades do Grupo Kuok, relacionadas ao etanol, são impulsionadas pelas suas grandes operações com açúcar. Desde que se aventurou pela primeira vez no negócio do açúcar, no início da década de 1950, Robert Kuok expandiu constantemente o alcance mundial de suas operações. Na década de 1970, estabeleceu a maior plantação de cana-de-açúcar do país junto com o Grupo Salim, uma companhia indonésia de óleo de dendê e de alimentos, de propriedade de Liem Sioe Liong (um parceiro próximo de Kuok), e se tornou o principal fornecedor da agência de compras do governo Suharto. Em 1987, Kuok, através da Kerry International, sua companhia com sede em Singapura, adquiriu 30% das ações da gigantesca açucareira francesa Sucres et Denrées (Sucden), que controla cerca de 15% do comércio mundial de açúcar. Mais recentemente, Kuok, através de suas holdings individuais e por intermédio da Sucden, tornou-se o segundo maior acionista da Cosan, a maior processadora de açúcar e produtora de etanol do Brasil.

14. Robert Kuok também é proprietário do influente jornal diário inglês de Hong Kong, South China Morning Post. Para maiores informações, ver a página Web da Not The South China Morning Post, http://www.ntscmp.com/

15. Wan Zhihong, “cofco to Invest us$1b in Ethanol”, China Daily, 19 de outubro de 2006.

16. “adm to Acquire Shares in Wilmar International”, FirstCall, 14 de dezembro de 2006, http://tinyurl.com/3xdpds

Foto: JerónimoPalomares

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Não há mistério algum a respeito do grande envolvimento amoroso da

biotecnologia com os agrocombustí-veis. Mais agrocombustíveis significa maior produção de soja e de milho hí-brido – o que representa maiores ven-das de sementes transgênicas e agrotó-xicos. Robert Fraley, vice-presidente da Monsanto e co-inventor de seus culti-vos Roundup Ready, disse com grande alegria a uma platéia, em uma recente exposição de agronegócio na Argenti-na, que o crescimento dos agrocombus-tíveis “era inimaginável em termos do que significará para a área cultivada com milho e soja”.17

Há não muito tempo atrás, a princi-pal mensagem de Fraley referia-se a como a modificação genética encheria

a barriga dos pobres do mundo; agora se trata de como os transgênicos enche-rão os tanques dos automóveis do mundo. Parece que é só uma questão de adaptar a mensagem à ultima preo-cupação da moda. De qualquer forma, como salientou Fraley, a Monsanto e a Cargill estão trabalhando, através de sua empresa conjunta, Renessen, em novas variedades de milho, que a Car-gill pode processar simultaneamente tanto para etanol como para ração ani-mal, resolvendo, assim, pelo menos para a Cargill, a tensão entre seus mer-cados de combustível e de alimentos.

O melhoramento do milho da Renas-sen diz muito sobre a forma como com-panhias tipo a Monsanto vão se benefi-ciar do avanço dos agrocombustíveis.

Controle corporativo, a seqüela: os cultivos energéticos alternativos e a próxima geração de agrocombustíveis

17. Apresentação na AgroExpo, Junin, Argentina, 15 de março de 2007.

Foto: JerónimoPalomares

Há não muito tempo atrás,

a principal mensagem do vice-presidente

da Monsanto referia-se a como

a modificação genética encheria a barriga

dos pobres do mundo; agora se trata de como

os transgênicos encherão os tanques dos automóveis do mundo. Parece que é só

uma questão de adaptar a mensagem à ultima

preocupação da moda.

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Os agrocombustíveis abrem novos mercados para os cultivos transgêni-cos, sejam milho, soja ou canola, que até agora têm sido barrados, na Euro-pa, Japão e em outros lugares, por obs-táculos regulatórios baseados na preo-cupação quanto aos efeitos dos transgênicos na saúde humana. Mas o milho transgênico da Renassen está di-rigido a duas bocas de saída – agro-combustíveis e ração animal – que têm menor quantidade de regulamentações. É um acordo perfeito para ambas as companhias: a Cargill evita os impedi-mentos comerciais e a Monsanto asse-gura sua posição dentro do império do maior negociador de grãos do mundo. Acordos similares pululam por todos os lados. Em 2006, a DuPont e a Bunge anunciaram que estavam ampliando a área de ação de sua empresa conjunta de pesquisa e desenvolvimento de soja, conhecida como Solae, para incluir os agrocombustíveis.18

O interesse dos poderosos da biotec-nologia pelos agrocombustíveis, sem dúvida, não se limita aos principais cul-tivos transgênicos. Essas empresas tam-bém estão no centro da busca de maté-rias-primas alternativas e da próxima geração de etanol celulósico, onde ce-nários de monopólio de controle estão se descortinando.

A Monsanto é um ator principal na pesquisa e desenvolvimento tanto do Miscanthus sp. como do switchgrass, duas das matérias-primas mais pro-missoras para o futuro do mercado de etanol celulósico. No início de 2007, a Mendel Biotechnology, da qual a Mon-santo é co-proprietária, comprou a companhia Tintplant Biotecknik, com

sede na Alemanha, adquirindo seus cultivares híbridos e sua coleção com-pleta de germoplasma de Miscanthus – a maior do mundo, com mais de 1.000 acessos. A Mendel também tem operações de melhoramento genético do Miscanthus na China (um centro de diversidade do Miscanthus) e nos Esta-dos Unidos, onde está trabalhando em

variedades transgênicas de alto rendi-mento, potencialmente em colabora-ção com o instituto de biociências em energia da BP, na universidade de Berkeley.19 Em 13 de junho de 2007, a BP anunciou que estava financiando a Mendel para conduzir um programa de pesquisa e desenvolvimento de cin-co anos sobre matérias-primas para agrocombustíveis e que havia compra-do ações da companhia, o que lhe deu um assento ao lado da Monsanto na

18. http://tinyurl.com/2j4bth

19. James Zhang, “Feedstock Improvement: A Biotechnology Business Opportunity Perspective”, 26 de abril de 2007, http://tinyurl.com/2mm2dl; Richard Brenneman, “Corporate Academic Web Entangles uc–bp Proposal”, Berkeley Daily Planet, 23 de março de 2007, http://tinyurl.com/2vgs6v

Foto: JerónimoPalomares

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diretoria da Mendel.20

A participação da Monsanto no switchgrass se dá através da sua asso-ciação com outra companhia biotecno-lógica norte-americana, a Ceres, que também está conectada ao instituto de biociências em energia da BP. 21 A Ce-res afirma estar “melhorando o switch-grass como cultivo através da seleção de tipos melhorados, mas, o que é mais importante, está trazendo os genes de sua propriedade, as ferramentas e pro-cedimentos para fazer as melhorias mais rapidamente e prover a planta com atributos idealmente adequados para ser cultivada em grandes áreas e dar rendimentos cada vez mais eleva-dos”. A Ceres afirma possuir a maior coleção privada de genes vegetais to-talmente seqüenciados, com patentes de mais de 75.000 genes.

As companhias de sementes também estão manobrando para assegurar que os atuais cultivos para agrocombustí-veis continuem servindo de matéria-prima à medida que os sistemas de pro-

cessamento evoluem. A Cana Vialis, a maior companhia de melhoramento ge-nético da cana-de-açúcar do mundo, e a companhia de biotecnologia de cana-de-açúcar Allelyx, ambas de proprieda-de do conglomerado brasileiro Voto-rantim, estão trabalhando em novas variedades transgênicas de cana-de-açúcar para companhias dedicadas ao etanol, como a Cosan, uma de suas parceiras, assim como a Monsanto. Em dezembro de 2006, um funcionário da Monsanto disse ao jornal brasileiro Va-lor Econômico que a companhia estava realizando estudos sobre novas varie-dades de cana-de-açúcar transgênica para o mercado brasileiro, em socieda-de com uma companhia da qual ele não dava o nome.22 Poucos meses depois, a Monsanto revelou que essa companhia era a Votorantim e que, até o ano de 2009, pretendiam comercializar no Brasil variedades de cana-de-açúcar Roundup Ready (ver quadro sobre o Conglomerado Ometto).23 A Syngenta, por outro lado, recentemente assegu-

Diversa/Celunol Syngenta, Dupont/Tate&Lyle, Khosla Ventures

Iogen Shell, Goldman Sachs

Genencor (Danisco) Tembec, Mascoma/Kohsla Ventures, Cargill, Dow, Royal Nedalco

Novozymes DuPont, Broin, cofco. China Resources Alcohol Corporation

Dyadic Abengoa, Royal Nedalco

As grandes do petróleo com grandes plantações de árvores

Se os sistemas de agrocombustível celulósico finalmente puderem ser comercializados, as plantações de eucalipto e de outros tipos de árvores serão importantes fontes de matéria-prima. As grandes do petróleo já estão se movimentando para assegurar seu lugar nessa matriz. A Chevron, por exemplo, tem uma sociedade com a Weyerhaeuser,

uma das maiores empresas florestais do mundo, com centenas de milhares de hectares de plantações de eucalipto no Uruguai e no Brasil. A Shell Oil está desenvolvendo etanol celulósico de cavacos de madeira em sociedade com a Iogen Corp e com a Choren Industries da Alemanha, apesar de, entre 2000 e 2004, ter colocado freios no seu programa de biomassa e vendido suas subsidiárias florestais na África e na América do Sul.

Quadro 4. Companhias que desenvolvem enzimas para agrocombustível celulósico e seus sócios corporativos

20. Comunicado da empresa para a imprensa, http://tinyurl.com/36ff47

21. Emily Heaton e Frank Dohleman, “Practical Experiences with Miscanthus and Switchgrass in Illinois”, 26 de abril de 2007, http://tinyurl.com/39zj6r

22. “Monsanto Studies Entry into Brazil Transgenic Cane Market”, Dow Jones, 7 de dezembro de 2006, http://tinyurl.com/2pp6g8

23. mst, “Brasil: Votorantim e Monsanto produzirão cana transgênica”, Brasil, 30 de maio de 2007, http://tinyurl.com/3845hd

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rou o acesso a variedades não comestí-veis de cana-de-açúcar com quantida-des ultra elevadas de celulose, desenvolvidas pela empresa biotecno-lógica Celunol, quando a Celunol foi comprada pela Diversa - uma compa-nhia de bioprospecção de enzimas e micróbios controlada pela Syngenta.

Por sua parte, a DuPont, a segunda maior companhia de sementes do mun-do, está desenvolvendo o que denomina “biorrefinaria integrada com base no milho”, com financiamento do Departa-mento de Energia dos Estados Unidos e em cooperação com a Diversa, a Tate & Lyle, a John Deere e a Broin, empresa norte-americana líder na produção de etanol. Provavelmente utilizará varieda-des de milho com alto teor de amido de-senvolvidas pela DuPont e um microor-ganismo, que a Diversa isolou da seiva doce da planta tropical agave, que pode converter os resíduos do milho em eta-nol. A jusante, a biorrefinaria da DuPont abasteceria a produção e a comercializa-ção de biobutanol da empresa conjunta que tem com a BP e com a British Su-gars.

A Syngenta, que recentemente fundiu

seu negócio de sementes na América do Norte com a DuPont, também está tra-balhando com a Diversa para desenvol-ver um milho para a produção de agro-combustível celulósico.24 Espera lançar, em 2008, uma variedade de milho transgênico que produz uma enzima desenvolvida pela Diversa, capaz de converter o amido em açúcar para eta-nol. A idéia, por trás da variedade transgênica, é baratear os custos das enzimas líquidas utilizadas para a pro-dução de etanol celulósico – o ponto crítico para tornar economicamente vi-ável essa próxima geração de agrocom-bustíveis.25

É precisamente ali, no nível das enzi-mas, que é mais intensa a rivalidade entre as corporações no desenvolvi-mento da próxima geração de agro-combustíveis. A pesquisa e desenvolvi-mento dessas enzimas estão nas mãos de poucas companhias biotecnológicas, e cada uma delas já participa de grupos ou “agrupamentos” corporativos maiores que buscam desenvolver siste-mas totalmente integrados para a pro-dução de etanol celulósico.26 l

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24. Em abril de 2006, a Syngenta e a DuPont anunciaram a formação de uma empresa conjunta 50/50, GreenLeaf Genetics. Ver Andrew Pollack, “DuPont and Syngenta Join in Modified Seed Venture”, New York Times, 11 de abril de 2006.

25. O Centro Africano para a Biossegurança publicou uma análise crítica dessa variedade de milho, que contribuiu para que fosse rejeitada pelos reguladores sul-africanos. Ver: http://tinyurl.com/2u2ehh

26. http://tinyurl.com/338mmo

Foto: JerónimoPalomares

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Os Estados Unidos e o Brasil são, de longe, os centros dominantes da

produção mundial de etanol. Em con-junto, representam em torno de 70% do etanol atualmente produzido no mundo. Ambos também dominam a produção mundial para exportação dos cultivos com os quais produzem seu etanol. Os Estados Unidos, que fa-bricam etanol a partir do milho, produ-zem aproximadamente 70% das ex-portações mundiais de milho. O Brasil faz seu etanol da cana-de-açúcar e, atu-almente, responde por mais da metade do comércio global de açúcar bruto. Nesses países, portanto, a oferta de matéria-prima para o etanol se dá den-tro das cadeias globais de commodities, as quais, é claro, estão ferreamente controladas por umas poucas corpora-ções transnacionais e influenciadas por relações de comércio internacional.27

A emergência do Brasil como um dos principais exportadores de açúcar ini-ciou no final da década de 1980, quan-do o setor açucareiro foi liberalizado. Foi então que investimentos estrangei-ros começaram a chegar, expandindo a escala e a área de produção de açúcar e orientando as indústrias para a expor-tação. Na realidade, no entanto, so-mente nos últimos anos é que o açúcar brasileiro começou a inundar o merca-do mundial. Em 2004, o Brasil ganhou uma questão muito importante junto à Organização Mundial do Comércio, contra o regime açucareiro da União Européia. A vitória do Brasil debilitou as rotas coloniais de comércio e produ-ção que haviam perdurado por muito tempo, assim como a altamente subsi-diada produção da União Européia para exportação. Hoje, as indústrias açucareiras do Caribe, do Pacífico e de outras partes do mundo, que foram sustentadas pelo acesso preferencial à União Européia, estão em franca deca-dência, ainda que os crescentes merca-dos do etanol provoquem um aumento do preço internacional do açúcar. En-quanto isso, a produção brasileira de açúcar está em seu auge: a participação do país nas exportações mundiais de açúcar bruto aumentou de 7%, em 1994, para 62%, em 2006, e, nos últi-mos quatro anos, suas exportações de açúcar e etanol aumentaram 243%.28

Nesse novo contexto, onde as corpo-rações açucareiras estão consolidando suas operações e se expandindo para áreas de produção de baixo custo, o Brasil converteu-se em seu principal alvo de investimento. A Bajaj Hindus-tan, por exemplo, o maior produtor de açúcar da Índia, estabeleceu uma subsi-diária no Brasil, em 2006, e destinou 500 milhões de dólares para investi-mento imediato no país. “Se preciso crescer exponencialmente, preciso estar no Brasil”, disse Kushagra Nayan Ba-

A conexão cana-de-açúcar/etanol

27. O controle corporativo do mercado norte-americano do etanol de milho é discutido na revista Grist, de dezembro de 2006, na série especial sobre biocombustíveis. Ver em http://tinyurl.com/2r6k5m

28. Página web dos grupos Sucres e Denrées, “Sugar Market”: http://www.sucden.com/; “Brazilian Agribusiness Exports Doubled in Four Years”, Anba, 11 de janeiro de 2007, http://tinyurl.com/37tsql

Cana em Antioquía, Colômbia

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jaj, diretor executivo da companhia. “Se um investidor espera de mim ga-nhos multiplicados por dez nos próxi-mos cinco ou três anos, não posso fazê-lo na Índia.29

O boom da produção brasileira de

etanol ocorre paralelamente a um mais geral da produção açucareira no país. E, da mesma forma que na conexão dendê-petróleo, os produtores de açú-car estão rapidamente usando essa oportunidade para assegurar o contro-

29. Pratik Parija e Thomas Kutty Abraham, “Bajaj Plans to Expand into Brazil”, Bloomberg News, 22 de agosto de 2006, http://tinyurl.com/2o3g32

30. Henrique Oliveira, “Cargill, Largest Private Corporation in us, Acquires Cevasa in Brazil”, blog Ethanol Brasil, 11 de dezembro de 2006, http://tinyurl.com/2nrc6c

31. http://tinyurl.com/2mntjj

O conglomerado Crystalsev

No centro desse conglomerado está a família Biagi, do Brasil, mas também participa a família Junqueira, outro grupo de barões do açúcar. Ambas são as principais acionistas do segundo maior grupo de açúcar e etanol do Brasil, o Vale do Rosário. Recentemente aumentaram sua participação na companhia, comprando a maioria acionária, para se proteger das ofertas de compra da Cosan e da Bunge. Depois de assumir o controle da Vale do Rosário, os donos iniciaram um processo de fusão com outra grande produtora brasileira de etanol, a empresa Santa Elisa, também controlada pela família Biagi. Quando a fusão estiver concluída, a companhia resultante processará em torno de 20 milhões de toneladas de cana por ano. O vice-presidente executivo da Vale do Rosário, Cícero Junqueira Franco, disse que a entidade fusionada buscará, então, associações com agentes estrangeiros e lançará uma oferta pública na bolsa de valores brasileira. Mas, na realidade, a transição do conglomerado para uma operação transnacional já está bastante avançada.

A Vale do Rosário e a Santa Elisa são os principais atores dentro do Crystalsev, uma aliança formada por nove usinas brasileiras para vender açúcar e etanol, e amplamente debaixo do controle da família Biagi. Depois da fusão de suas duas maiores usinas, o Crystalsev está procurando, agora, uma fusão mais formal de seus acionistas, o que o converteria em um produtor e comercializador totalmente integrado. O Crystalsev também está aprofundando rapidamente seus vínculos com corporações estrangeiras, a Cargill em particular.

A expansão da Cargill ao etanol brasileiro se dá, em grande parte, através do clã Biagi. Em junho de 2006, comprou de Maurílio Biagi Filho 63% de sua participação na usina de etanol Cevasa, em São Paulo, o que trouxe consigo o Crystalsev. A usina da Cevasa tem capacidade de esmagar 4 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano e de produzir em torno de 350 milhões de litros de etanol. Esse será enviado em sua forma hidratada, desde o terminal de etanol TEAS (uma empresa conjunta entre Crystalsev, Cargill e outras importantes exportadoras brasileiras de etanol), em Santos, à refinaria de etanol da empresa conjunta da Cargill e do Crystalsev em El Salvador. Ali o etanol será desidratado e enviado aos Estados Unidos, onde pode entrar livre de impostos, conforme um acordo comercial preferencial conhecido como Iniciativa da Bacia do Caribe (Caribbean Basin Initiative ou CBI, por sua sigla em inglês), do qual El Salvador é parte.30

A Cargill não é o único sócio estrangeiro do Crystalsev. A Santa Elisa recentemente formou uma empresa conjunta de 300 milhões de dólares com a companhia internacional de comércio Golden Holdings e com uma das maiores empresas de capitais privados do mundo, o Grupo Carlyle. Essa empresa conjunta, denominada CNAA, pretende ter no mínimo quatro novas usinas de açúcar em funcionamento até 2008, com capacidade de processar 20 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano. Isso coloca a CNAA entre os três maiores produtores de açúcar do Brasil. Representantes da companhia dizem que seu foco será expandir-se nas áreas “mais novas” de cultivo de cana da região centro-sul, com o Crystalsev administrando a distribuição nacional e o Global Holdings organizando o comércio internacional.31

Com a emergência do Brasil como a central mundial do açúcar e do etanol, os grandes ganhadores são as corporações transnacionais e as poucas famílias conhecidas no Brasil como os barões do açúcar, as quais controlam cada vez mais a indústria do açúcar e do etanol. Os investimentos estrangeiros estão batendo à porta e os barões do açúcar têm consolidado suas ações e reestruturado suas companhias para atrair esses investimentos.

continua na 33

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O conglomerado Ometto

O Grupo Ometto, dirigido pelo bilionário brasileiro Rubens Ometto Silveira Mello,

controla a Cosan, maior produtora de açúcar do Brasil. No ano fiscal 2005-2006,

a Cosan processou quase 28 milhões de toneladas de cana-de-açúcar e vendeu

mais de 1 bilhão de litros de etanol.

Nos últimos anos, a Cosan remodelou-se em uma corporação transnacional.

Primeiro, em 1999, vendeu 10% de suas principais atividades portuárias à gigante

mundial do açúcar, a Tate & Lyle. Em 2002, estabeleceu uma empresa conjunta

com grandes companhias açucareiras francesas, a Sucden e a Tereos, ambas

com importante presença no comércio de etanol e açúcar no Brasil32, e, em 2005,

concretizou uma sociedade com o Grupo Kuok, de Hong Kong. A Sucden, a Tereos

e o Kuok são, agora, os principais acionistas da Cosan, apesar do Grupo Ometto

ainda manter o controle acionário. O Kuok, um destacado ator da história do

biodiesel de óleo de dendê, também tem uma participação importante na Cosan,

através de seu conglomerado agroindustrial, o Grupo Kerry. Em 2005, aportaram

mais investimentos estrangeiros na companhia, quando a Cosan realizou uma

oferta pública inicial na bolsa de valores brasileira - o primeiro grande produtor de

etanol a fazê-lo -, cedendo cerca de 27% de suas ações a acionistas estrangeiros.

O Ometto está agora considerando uma oferta pública inicial em Wall Street.

O império açucareiro do Ometto não pára por aí. Ainda que não se encontre essa

informação na página Web da Cosan, seu grupo também controla a São Martinho,

que era, pelo menos até há pouco tempo, a segunda produtora de açúcar do Brasil

(depois da Cosan) e operadora da maior usina de açúcar do Brasil (7 milhões de

toneladas por ano). No início de 2007, a São Martinho seguiu os passos da Cosan

e fez uma oferta pública inicial na bolsa de valores brasileira, atraindo 176 milhões

de dólares de capitais e uma substancial presença de estrangeiros. Na seqüência,

começou a aprofundar suas relações com outros atores de peso. Em março de 2007,

firmou um acordo com a Mitsubishi Corporation, cedendo à empresa japonesa 10%

de sua Usina Boa Vista – uma usina ainda em fase de construção, com capacidade

de processar 3 milhões de toneladas por ano. Essa usina foi financiada com 250

milhões de dólares do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

e Social) do Brasil. O acordo também envolve um contrato de 30 anos pelo qual

a usina venderá 30% de sua produção para a Mitsubishi, para exportar ao Japão.

Mais ou menos na mesma época, a São Martinho se uniu à Cosan para comprar

a usina de etanol Santa Luiza, em São Paulo, com capacidade de processar 1,8

milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano.

Outro elemento importante do império Ometto é sua estreita conexão com a

Votorantim, um dos maiores conglomerados familiares do Brasil, controlado pelo

bilionário brasileiro Antônio Ermírio de Moraes. Além dos estreitos laços pessoais

entre as famílias, suas companhias criaram, recentemente, a Cana Vialis (maior

empresa mundial de melhoramento de cana-de-açúcar), uma sociedade entre as

subsidiárias da Cosan e da Votorantim para o melhoramento de cana-de-açúcar,

e a Allelyx, a mais importante companhia de biotecnologia em cana-de-açúcar do

Brasil.33 Em maio de 2007, a Votorantim e a Monsanto anunciaram formalmente

sua associação para desenvolver cana-de-açúcar transgênica e anunciaram que

teriam variedades Roundup Ready prontas para sua introdução comercial no

Brasil em 2009.

32. A Tereos comprou, em 2001, duas usinas de açúcar da Açúcar Guarani e, mais recentemente, anunciou investimento da ordem de 100 milhões de dólares para uma terceira usina, bem como a aquisição de uma usina de etanol de 40 milhões de litros por ano, em construção, em São Paulo. A Louis Dreyfus é agora a segunda maior produtora e comercializadora de açúcar do Brasil. Primeiro comprou a usina Cresciumal em São Paulo em 2000 e posteriormente assumiu o controle da Coimbra e de 5 usinas de propriedade da Tavares de Melo.

33. A Votorantim também é dona de 28% da Aracruz Celulose, a maior produtora de madeira do mundo e a maior companhia de eucalipto do Brasil.

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le sobre o mercado internacional de etanol de cana-de-açúcar, posicionan-do-se de maneira a aproveitar tanto o aumento dos preços mundiais do açú-car bruto como a crescente demanda por etanol.

O governo brasileiro desempenha um papel chave para facilitar essa consoli-dação das corporações. Aparentemen-te, o presidente Lula e seu gabinete de ministros estão numa constante gira para promover o etanol, firmando acordos ao redor do mundo para for-necimento do produto e da tecnologia do Brasil. Grande parte do apoio do governo à indústria ocorre através da companhia petrolífera estatal Petro-bras, que está ativamente desenvolven-do a infraestrutura para exportação. Seu último projeto é um duto de etanol de 750 milhões de dólares, que se es-tende por mais de 1.200 quilômetros, desde o interior até a refinaria da Petro-bras em Paulínia, e daí até o porto de São Sebastião. O duto terá capacidade para transportar quase a metade da produção brasileira atual de etanol.

A Petrobras também está diretamente envolvida em assegurar mercados de exportação em longo prazo para o eta-nol brasileiro. Em 2005, firmou um acordo com a companhia petrolífera estatal do Japão, a Nippon Alcohol Hanbai, para criar a Brazil-Japan Eta-nol, uma empresa conjunta que planeja exportar para o Japão 1,8 bilhões de litros de etanol por ano.34 Em março de 2007, como parte de um acordo de 8 bilhões de dólares entre o Japão e o Brasil, a Petrobras, a Mitsui e a Itochu acordaram a criação de uma empresa conjunta brasileira que abasteceria o Japão de etanol pelo menos nos próxi-mos 15 anos. As duas partes também iniciaram negociações para a constru-ção de um duto no Brasil para facilitar essas exportações.35

Com a emergência do Brasil como a central mundial do açúcar e do etanol, os grandes ganhadores são as corpora-ções transnacionais e as poucas famí-lias conhecidas no Brasil como os ba-rões do açúcar, as quais controlam cada

vez mais a indústria do açúcar e do eta-nol. Os investimentos estrangeiros es-tão batendo à porta e os barões do açú-car têm consolidado suas ações e reestruturado suas companhias para atrair esses investimentos. Alguns, in-clusive, colocaram seus negócios fami-liares na bolsa de valores brasileira. O que ocorre, naturalmente, é que os in-vestidores estrangeiros compram o controle ou as ações minoritárias e dei-xam que os barões do açúcar, com sua experiência em maximizar a produtivi-dade através da exploração, supervisio-nem as operações agrícolas.

Os barões do açúcar do Brasil têm utilizado esse fluxo de financiamentos de investidores estrangeiros e do gover-no para comprar empresas menores e expandir a produção destinada à ex-portação. Entre 2000 e 2005, houve 37 fusões e aquisições dentro da indústria do açúcar e do etanol no país.36 Hoje, se distinguem apenas uns poucos con-glomerados – redes transnacionais de corporações internacionais e famílias do açúcar – que controlam a indústria. Dois dos conglomerados mais impor-tantes são os do Crystalsev e o Ometto (ver quadros).

O Brasil atrai mais investimentos in-ternacionais em agrocombustíveis do que qualquer outro país. Somente em 2006 foram investidos mais de 9 bi-lhões de dólares na indústria brasileira

34. http://tinyurl.com/2tjxu2

35. http://tinyurl.com/2lkdwq

36. http://tinyurl.com/2l5rz9

vem da 31

continua na 35

No rio Nilo, foto: TomásSenabre

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Infinity Bioenergy Companhia com sede em Bermuda, registrada na Bolsa de Valores de Londres, e que foi constituída em 2006 por cerca de 50 investidores. Um de seus principais investidores é o fundo norte-americano Kidd & Company. Com mais de 500 milhões de dólares destinados a investimentos no etanol brasileiro, o fundo gastou, até agora, 400 milhões de dólares na compra do controle de três usinas com uma capacidade de processamento total de 3,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, e está investindo na construção de duas novas usinas nos estados do Espírito Santo e Bahia. O interesse do Infinity Bioenergy está centrado em regiões com pouca tradição em cana-de-açúcar e onde vê potencial para o seu cultivo. O Infinity Bioenergy também anunciou, recentemente, que estava se fundindo com o Evergreen, outro fundo de investimento britânico que visa o etanol brasileiro e que é o investidor majoritário na usina de etanol Alacana, em Nanuque, Minas Gerais. O Infinity planeja exportar ao menos parte de sua produção aos Estados Unidos e para isso está investindo 20 milhões de dólares em uma usina de desidratação no Caribe, que possibilitará o acesso livre de impostos ao mercado dos Estados Unidos.

Bioenergy Development Fund Lançado no início de 2007 pelo terceiro maior banco da França, o Société Générale. Está registrado nas Ilhas Caiman. Embora até agora não tenha feito qualquer investimento, o fundo arrecadou 200 milhões de dólares em seu primeiro mês e, é de se supor, está no caminho de levantar um total de 1 bilhão de dólares este ano. O Société Générale também participa de investimentos em usinas de etanol nos Estados Unidos.

Brazilian Renewable Energy Company Ltd (Brenco) Levantou 200 milhões de dólares na colocação privada inicial de suas ações. É financiada por vários investidores de renome, tais como o fundador da Sun Microsystems, Vinod Khosla, o magnata dos supermercados Ron Burkle e o co-fundador da AOL, Steve Case. O Goldman Sachs é o seu agente de lançamento exclusivo. Outros investidores são o ex-presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, o produtor de cinema Steven Bing, e as empresas brasileiras Tarpon All Equities e o Grupo Semc. O diretor da Brenco é Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras. O objetivo da Brenco, nos próximos 10 anos, é chegar a uma produção anual de 3,8 bilhões de litros, segundo fontes do mercado. A Brenco está registrada nas Bermudas, mas tem sua sede principal em São Paulo.

Clean Energy Brazil Criada pelo Numis, um banco britânico de investimento. Entre seus sócios figuram a Czarnikow Sugar, um dos maiores corretores de açúcar do mundo e que agencia aproximadamente 30% do mercado de açúcar/etanol do Brasil, e a Agrop, de propriedade da família Junqueira, empresários do açúcar no Brasil. O fundo opera na Bolsa de Valores de Londres e arrecadou 185 milhões de dólares em sua oferta pública inicial. Sua primeira aquisição em 2007 foi de 49% das ações do grupo açucareiro Usaciga.

Quadro 5. Fundos de investimento para o etanol brasileiro

Outro elemento importante

do império Ometto é sua estreita conexão

com a Votorantim, um dos maiores conglomerados

familiares do Brasil, controlado pelo bilionário brasileiro Antônio Ermírio

de Moraes. Além dos estreitos laços pessoais entre as famílias, suas

companhias criaram recentemente a Cana

Vialis (maior empresa mundial de melhoramento

de cana-de-açúcar), uma sociedade entre as

subsidiárias da Cosan e da Votorantim para

o melhoramento de cana-de-açúcar, e

a Allelyx, a mais importante companhia

de biotecnologia em cana-de-açúcar do Brasil.

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de etanol, dos quais 2 bilhões se desti-naram à construção de novas usinas.37 Recentemente foi lançada uma série de fundos de investimento multimilio-nários nas bolsas estrangeiras, com o objetivo específico de investir no eta-nol brasileiro (ver quadro “Fundos de investimento para o etanol brasilei-ro”). O dinheiro novo está empurran-do a produção de açúcar para novas áreas, especialmente para terras que por longo tempo foram utilizadas para a criação de gado. Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da Unica - União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, prevê que, de curto a médio prazo, até um terço das terras atual-mente destinadas à criação de gado no Brasil serão convertidas para a produ-ção de cana-de-açúcar. Disse que “Nos próximos 15 anos serão plantados mais 100 milhões de hectares com cana-de-açúcar, principalmente em terras de criação de gado.”

A expansão do açúcar e do etanol

brasileiros tem repercussões que vão além das fronteiras do Brasil. A inun-dação de dinheiro está respingando nos países vizinhos, que oferecem cus-tos de produção ainda mais baixos e/ou acesso comercial estratégico ao mercado norte-americano. O governo brasileiro firmou recentemente um acordo de 100 milhões de dólares com o governo equatoriano para instalar duas usinas de etanol no Equador e in-troduzir variedades brasileiras de cana-de-açúcar, de alta produtividade. O Equador tem duas vantagens a ofe-recer aos investidores estrangeiros: a quota de 10.000 toneladas anuais que tem para o mercado norte-americano e o acesso ilimitado ao mercado da União Européia, que lhe foi concedido como parte de um programa de diver-sificação para incentivar os agriculto-res a abandonar cultivos ilegais como a coca. Acordos similares foram feitos com países do Caribe que têm acesso comercial aos Estados Unidos através

37. http://tinyurl.com/36h9a5

No rio Nilo, foto: TomásSenabre

O dinheiro novo está empurrando a produção de açúcar para novas áreas, especialmente para terras que por longo tempo foram utilizadas para a criação de gado.

vem da 33

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38. http://tinyurl.com/3bcp4r

da Iniciativa da Bacia do Caribe (CBI).38 Na Jamaica, o grupo comer-cial brasileiro Coimex tem uma em-presa conjunta com a Petrojam, para investir 7,3 milhões de dólares na re-forma de uma usina de etanol com ca-pacidade para mais de 151 milhões de litros e que importará toda a sua ma-téria-prima do Brasil e enviará toda a sua produção ao mercado norte-ame-ricano de etanol.

A Jamaica é um dos numerosos países pequenos cujo setor açucareiro corre o risco de colapsar totalmente quando, em 2007, o Protocolo do Açúcar, da União Européia, começar a ser desati-vado. E, da mesma forma que a Jamai-ca, a maioria desses países estão em um processo de reestruturação profunda

com o apoio da União Européia. Nes-ses processos, o etanol é freqüentemen-te proposto como uma forma de salvar parte da indústria, mas, tipicamente, é acompanhado de planos de privatiza-ção que põem a produção e a comercia-lização do etanol nas mãos de corpora-ções estrangeiras.

As Ilhas Maurício, por exemplo, que são o maior abastecedor de açúcar da União Européia, detendo 38% da quo-ta do Protocolo do Açúcar, estão nego-ciando com a União Européia um pro-grama de ajuda para reestruturar sua indústria açucareira. Pelo acordo ini-cial, a União Européia colocará a sua disposição mais de 300 milhões de eu-ros para a formação de um “grupo fe-chado” de empresas de cana-de-açúcar

A expansão do açúcar e do etanol brasileiros

tem repercussões que vão além das fronteiras do Brasil. A inundação

de dinheiro está respingando nos países vizinhos, que oferecem

custos de produção ainda mais baixos e/ou

acesso comercial estratégico ao mercado

norte-americano. O Equador tem duas

vantagens a oferecer aos investidores

estrangeiros: a quota de 10.000 toneladas

anuais que tem para o mercado

norte-americano, e o acesso ilimitado que

lhe foi concedido ao mercado da União Européia como parte

de um programa de diversificação

para incentivar os agricultores

a abandonar cultivos ilegais como a coca.

Antigo moinho de cana ou trapiche, foto: guanacosonline.org

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no país. Esse grupo basicamente cen-tralizará, mecanizará e consolidará a produção açucareira em pequena esca-la do país e a reorientará para a produ-ção de energia, principalmente etanol.39 Muito se fala de que o grupo ajudará a satisfazer as necessidades locais de energia, mas a maioria do etanol já é exportada para a Europa. O negócio do etanol nas Ilhas Maurício é contro-lado pela Alcodis, uma companhia conjunta que é parte do conglomerado belga de marinha mercante AlcoGroup. O grupo administra aproximadamente 8% do etanol comercializado no mun-do, a maior parte originada das opera-ções brasileiras, mas também prove-niente tanto de sua subsidiária na África do Sul, a NCP Alcohols, como de sua usina nas Ilhas Maurício. Em 2004, a Alcodis enviou para a União Européia mais de 3,5 milhões de litros de etanol provenientes das Ilhas Maurí-cio – livres de impostos devido a sua condição de país da acp (África, Caribe e Pacífico).40

O banco regional da América Latina, o Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID), é outro ator principal na formulação e apoio da expansão da rede de agronegócios do etanol. Traba-

lha em estreito contato com a Comis-são Interamericana de Etanol, para de-senvolver o mercado mundial do produto mediante uma dupla estratégia de expandir a produção e o consumo do etanol. O presidente do BID, Luis Alberto Moreno, é um dos presidentes da comissão, junto com o ex-governa-dor da Flórida, Jeb Bush, e o ex-minis-tro da agricultura brasileiro, Roberto Rodrigues, que agora é o presidente do Conselho Superior de Agronegócios da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

Estranhamente, grande parte dos fundos do BID para etanol é canaliza-da para o mercado brasileiro de produ-ção do produto, que já está saturado. O BID diz que no Brasil está “focali-zando o apoio aos investimentos do setor privado para expandir a capaci-

39. http://tinyurl.com/3c8vxs

40. http://tinyurl.com/3x7cq2

A Jamaica é um dos numerosos países pequenos cujo setor açucareiro corre o risco de colapsar totalmente. A maioria desses países está em um processo de reestruturação profunda com o apoio da União Européia. Nesses processos, o etanol é freqüentemente proposto como uma forma de salvar parte da indústria, mas, tipicamente, é acompanhado de planos de privatização que põem a produção e a comercialização do etanol nas mãos de corporações estrangeiras.

Bóias-frias da cana-de-açúcar

no Brasill,

foto: ArchivodelBancoMundial

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dade produtiva”. Seu Departamento do Setor Privado está atualmente es-truturando um financiamento de dívi-da preferencial para três projetos de produção brasileira de etanol, que te-rão um custo total de 570 milhões de dólares, e empréstimos para cinco pro-jetos de agrocombustíveis com um va-lor aproximado de 2 bilhões de dóla-res. Em março de 2007, o departamento de empréstimos de lon-go prazo a juro baixo do Banco Mun-dial, a International Finance Corpora-tion, anunciou uma proposta de 35

milhões de dólares para a construção de uma usina de açúcar em São Paulo, o principal estado produtor de açúcar do Brasil. A usina será abastecida de cana-de-açúcar cultivada em terras atualmente dedicadas à criação de gado.

O projeto de São Paulo mostra bem como está sendo articulada a indústria do etanol na região. A usina reúne a Unialco S.A., do Brasil, cujo principal sócio comercial em 2006 foi a Cargill, com a Inversiones Manuelita, da Co-lômbia, e a Pantaleón Sugar Holdings,

Guiana: a primeira parada do expresso etanol

A Guiana está surgindo como um destino particularmente importante para o excedente do capital investido no etanol brasileiro. O País, que é parte da Iniciativa da Bacia do Caribe (CBI), oferece um porto marítimo chave para o açúcar e o etanol provenientes do norte do Brasil. Mas, diferentemente dos países insulares do Caribe, que somente desidratam o etanol importado do Brasil, a Guiana tem o potencial de seus baixos custos de produção de açúcar e de etanol, abrindo as portas a exportações muito maiores para os Estados Unidos do que é possível aos outros países do CBI.41 O ministro da agricultura, Robert Persaud, disse que já foram identificados 20.200 hectares de terra para novos cultivos de cana-de-açúcar. “Identificamos terras virgens para o cultivo de uma nova variedade de cana-de-açúcar, diferente da que utilizamos atualmente para a produção de açúcar e melado”, disse ele. 42

De acordo com o embaixador do Brasil na Guiana, Arthur V. C. Meyer, o segundo maior produtor de biodiesel do Brasil, a Bio-Capital, planeja investir no cultivo de cana-de-açúcar e na produção de etanol na Guiana. Disse que a companhia brasileira tem a intenção de investir 300 milhões de dólares na aquisição de uns 50.000 hectares de terra para o cultivo de cana e na construção de uma usina de etanol.43 A Bio-Capital está efetuando um investimento similar no estado de Roraima, no norte do Brasil, que provavelmente remeterá etanol hidratado a suas instalações na Guiana para a desidratação e exportação para os Estados Unidos, isenta de impostos. Ainda que grande parte de Roraima seja floresta amazônica e existam várias disputas territoriais entre empresas e povos indígenas, o governo do Brasil está preparando o caminho para uma maior produção de agrocombustíveis na região, financiando a melhoria de uma estrada que vai de Bonfim, em Roraima, cruzando o rio Takutu, até os portos da Guiana.

Também há informações de uma companhia hispano-israelense que está negociando investir 100 milhões de dólares em etanol na Guiana. Em novembro de 2006, o grupo Tanacama Ltd. iniciou conversações com o Escritório de Investimentos da Guiana e com a Guyana Sugar Corporation. Sua intenção é estabelecer uma usina piloto de etanol na bacia do rio Canje e abrir em torno de 10.000 hectares de terra para a produção açucareira utilizando tecnologia agrícola israelense. Estima-se que a capacidade inicial da usina seja de 80 milhões de litros anuais, e os investidores esperam aumentar em 10 vezes essa quantidade no prazo de uma década. 44

41. Enquanto as importações pelos Estados Unidos de etanol desidratado proveniente dos países da CBI estão sujeitas a quotas, não há limites para as importações de etanol derivado de cultivos produzidos localmente.

42. “Guyana Ponders Ethanol Move”, bbc, 10 de abril de 2007, http://tinyurl.com/2ocjwp

43. Miranda La Rose, “Guyana Brazilian Firm Set to Sign Deal for Ethanol Production Here”, Stabroek News, 11 de abril de 2007, http://tinyurl.com/2lo2bm

44. “Ethanol Plant for Guyana”, Caribbean Broadcasting Corporation, 16 de maio de 2006. http://tinyurl.com/37od8r

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45. Ver Héctor Mondragón, “Los negocios del biocombustible y de la caña de nuestros empresarios y el gobierno nacional”, maio de 2007, http://tinyurl.com/2vtkfh

da Guatemala, ambas empresas dirigi-das por conhecidos barões do açúcar.

A família Herrera controla a Pantale-ón e mais ou menos toda a indústria açucareira da Guatemala. Por sua vez, a Manuelita, o segundo maior grupo produtor de açúcar com sede na Co-lômbia e um dos principais produtores do Peru, é, em parte, propriedade do poderoso barão do açúcar, magnata dos meios de comunicação e fomenta-dor dos agrocombustíveis Ardilla Lül-le. A Pantaleón e a Manuelita estão investindo nesses empreendimentos

conjuntos através de sua companhia Grupo Colgua, também de proprieda-de conjunta e com sede na Espanha.45 O anúncio inicial do projeto falava em abastecer os mercados locais de etanol, mas, praticamente antes que a tinta do acordo secasse, as três companhias anunciaram outro investimento con-junto – uma usina de 20 milhões de dólares, na Guatemala, que irá desi-dratar o etanol brasileiro para sua ex-portação aos Estados Unidos. l

grain

A Guiana está surgindo como um destino particularmente importante para o excedente do capital investido no etanol brasileiro. O País, que é parte da Iniciativa da Bacia do Caribe (CBI), oferece um porto marítimo chave para o açúcar e o etanol provenientes do norte do Brasil. Mas, diferentemente dos países insulares do Caribe, que somente desidratam o etanol importado do Brasil, a Guiana tem o potencial de seus baixos custos de produção de açúcar e de etanol, abrindo as portas a exportações muito maiores para os Estados Unidos.

Foto: JerónimoPalomares

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�0

Temos 80 milhões de hectares de solo na Amazônia que vão nos

converter na Arábia Saudita do biodie-sel”, declarou Expedito Parente, um engenheiro químico brasileiro que ob-teve a primeira patente para a fabrica-ção de biodiesel em escala industrial.1 O presidente Lula mostra-se igualmen-te entusiasta. “Nos próximos 10 a 15 anos o Brasil tornar-se-á o primeiro produtor mundial de biodiesel”, disse ele recentemente.2 “Poucos países po-

dem competir com o Brasil porque Deus nos deu sol, terra e gente muito trabalhadora”.

Além de promover ativamente o eta-nol e o biodiesel dentro do Brasil, Lula está buscando oportunidades de inves-timento nos países vizinhos. Após uma visita a Assunção, no mês de maio de 2007, Lula comentou entusiasmado: “Vou sair do Paraguai com grande oti-mismo porque este país tem um poten-cial extraordinário para a produção de etanol e biodiesel”. Evitando ficar para trás, o presidente Nicanor Duarte, do Paraguai, acrescentou: “Se o Brasil vai se converter na Arábia Saudita dos bio-combustíveis, por que o Paraguai não poderá se converter no Kuwait do sécu-lo XXI?”3 O desejo de Lula de trans-formar o Brasil numa potência agroe-nergética regional conta com o total respaldo de Washington, que tem gran-de interesse em reduzir a dependência da América do Sul por petróleo e, as-sim, enfraquecer a influência política de Hugo Chávez, o feroz presidente ve-nezuelano anti-americano, que tem uti-lizado seus petrodólares para fortalecer sua influência na região.

O biodiesel feito de óleo de soja é o capítulo mais recente da conquista da América do Sul pela soja, um cultivo que consagra uma nova forma de ex-ploração agrícola na qual predominam gigantescas empresas agroindustriais. Nas últimas quatro décadas, a soja

A conexão da soja na América do Sul

Junto com a rápida expansão da produção de etanol fabricado a partir da cana-de-açúcar, a América do Sul

também está começando a ter um papel chave na produção de biodiesel. A matéria-prima principal é a soja, e para

os produtores e as grandes empresas multinacionais de grãos, que estavam enfrentando problemas

de super produção, esse novo nicho de mercado é um presente caído do céu. É o pretexto perfeito para

continuarem a se apropriar do continente. 1. http://tinyurl.com/

33gauk

2. “Brazil to be World’s Leading Biodiesel Producer”, People’s Daily, 19 de novembro de 2005. http://tinyurl.com/392h3g

3. “‘Imperial and Exploiter’: Wave of Criticism Welcomes Brazil’s Lula in Paraguay”, Brazil magazine, 22 de maio de 2007. http://tinyurl.com/2q3yyh

Monocultivo extenso de banana na Colômbia

Foto

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li

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propagou-se como um rastilho de pól-vora em vastas zonas da América do Sul. No Brasil, seu cultivo iniciou no Rio Grande do Sul e daí se alastrou até o norte, ocupando imensas superfícies agrícolas, de savanas e de florestas. Agora, já cruzou o rio Amazonas e está sendo plantada no estado de Roraima, 4.000 quilômetros ao norte do Rio Grande do Sul. A colheita, que em 1970 não superava 1,5 milhões de to-neladas, alcançou 57 milhões de tone-ladas em 2006/2007.4

Na Argentina, o cultivo de soja tam-bém se propagou rapidamente, expan-dindo para o norte e o oeste, tragando grandes superfícies de terras aráveis, de pampa e de florestas. A colheita deste ano alcançou 43 milhões de toneladas, contra escassas 27 mil toneladas em 1970. Os produtores brasileiros do Mato Grosso do Sul levaram a soja para o Paraguai, no início da década de 1990, onde agora cobre 2,5 milhões de hectares e se converteu no principal produto de exportação do país.

Soja é sinônimo de monocultura e de imensas fazendas mecanizadas. Em conseqüência, a soja tem causado enor-mes danos ambientais, provocando a destruição de 21 milhões de hectares de florestas no Brasil, 14 milhões na Ar-gentina e 2 milhões no Paraguai.5 Ao mesmo tempo, a soja substituiu o culti-vo de alimentos. A superfície semeada com arroz, feijões, milho e trigo, no Brasil, diminuiu entre 1991 e 2005, en-quanto a área dedicada à soja mais do que triplicou nesse mesmo período. A mesma história repete-se na Argentina: a produção de muitos alimentos bási-cos – entre eles o leite, o arroz, o milho, batatas e lentilhas – caiu drasticamen-te.6

Como a maior parte dos alimentos básicos são cultivados por agricultores familiares, isso significa que a própria teia da vida rural foi destruída. À medi-da que o front da soja avançou para o norte, no Brasil, cerca de 300.000 pes-soas foram deslocadas do Rio Grande do Sul e outras 2,5 milhões do Paraná.7

Na Argentina,8 umas 150.000 famílias foram expulsas de suas terras e, no Pa-

raguai, outras 90.000.9

Tem havido forte resistência por parte dos movimentos sociais em toda a re-gião, mas, apesar disso, a marcha da soja está se mostrando muito difícil de ser contida. Ela conta com o respaldo de alguns dos consórcios mais podero-sos do agronegócio: ADM (a maior empresa do mundo no processamento de soja), Cargill (a maior empresa do mundo na comercialização de grãos), CentralSoya, Bunge, Mitsubishi e ou-tras. Nos últimos 30 anos, tanto a ADM quanto a Cargill transferiram para o Brasil e para a Argentina suas respectivas plataformas de exportações de soja. Ao longo de todo esse proces-so, seus lobbies têm conseguido que os governos invistam fortemente em obras de infra-estrutura de transporte. Estra-das foram construídas e pavimentadas, e rios foram dragados – tudo com di-nheiro dos contribuintes nacionais, que pouco usufruem desses benefícios. Mais recentemente, algumas dessas empresas avançaram mais um passo em seu reposicionamento: a Cargill e a Smithfield (com sede nos Estados Uni-dos), ambas gigantescas processadoras de carnes, construíram enormes frigo-ríficos para processamento de suínos e frangos, no sul da bacia amazônica.10 Elas estão exportando carne de porcos e de frangos alimentados com rações à

4. http://tinyurl.com/37mfzh

5. Miguel Altieri e Elisabeth Bravo, “The Ecological and Social Tragedy of Crop-based Biofuel Production in the Americas”, Foodfirst.org, abril 2007. http://tinyurl.com/3dkpto

6. “Argentina’s Bitter Harvest”, New Scientist, 17 de abril de 2004, p. 40

7. Ibid.

8. Ibid.

9. “Urgent Solidarity with Paraguayan Campesinos”, Upside Down World, 24 de maio de 2007. http://tinyurl.com/2gdtz4

10. Marcia Merry Baker, “Soy Monoculture in the Americas: Globalisation Ruins Food Economy”. Executive Intelligence Review, http://tinyurl.com/2aw8r3

Foto: JavieraRulli Monocultivo de dendê na Colômbia

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base de soja. A pressão sobre a terra será intensifi-

cada como conseqüência da atual febre pelo biodiesel. A maioria dos especia-listas em mercado prevê uma explosão da demanda mundial nos próximos anos. Isso se deve, em parte, à Europa, atualmente o maior mercado do mun-do para o biodiesel, ter fixado metas ambiciosas de consumo do produto. Sua meta de incorporar ao diesel de pe-tróleo uns 20% de biodiesel até o ano de 2020 exigirá 20 bilhões de galões de biodiesel por ano. Isso é mais de 20 ve-zes o atual consumo do produto na Eu-ropa. Como não dispõe de mais solos onde possa cultivar sua própria maté-ria-prima (colza), a Europa terá que aumentar enormemente suas importa-ções tanto de óleo de dendê como de soja.

Muitos governos da América Latina estão pegando carona nesse trem. A Repsol YPF, empresa petrolífera argen-tino-espanhola, está investindo US$ 30 milhões em uma nova refinaria, que en-trará em produção até o final do ano e se transformará na primeira grande produtora de biodiesel na Argentina. O governo colombiano, encabeçado pelo presidente Uribe, está incentivan-do fortemente tanto as plantações de cana-de-açúcar como de dendê para

produção de óleo. No Peru, a empresa californiana Pure

Biofuels, que é de propriedade da Me-tasun Enterprises, recentemente com-prou a maior refinaria de biodiesel do país e tem planos para se transformar num dos principais atores desse merca-do na região, assim que concluir sua nova refinaria no porto de Callao. En-tretanto, a margem de expansão é limi-tada na maioria dos países sul-america-nos. Mesmo a Argentina, que é o segundo maior país da América Latina, tem poucas terras disponíveis para a soja. Segundo um analista norte-ameri-cano de energia, “A Argentina só pode-rá aumentar a superfície de soja em uns 3%, ou menos, devido à limitada dis-ponibilidade de terras”.

A situação do Brasil, contudo, é dife-rente. Apesar da rápida expansão da soja nos anos recentes, o Brasil ainda conta com uma imensa superfície, esti-mada em uns 80 milhões de hectares, que poderiam ser plantados com soja (ainda que nessa estimativa se inclua parte da bacia amazônica). Por isso, muitos analistas prevêem que a partir do próximo ano o Brasil supere os Es-tados Unidos como primeiro exporta-dor mundial de soja, e que em 2015 chegará a exportar o dobro (ver gráfi-co). Grande parte das exportações bra-

11. William Thurmond, “Biodiesel 2020: The Emerging Markets”, Swiss Derivatives Review 32, outono boreal de 2006.

12. “Biodiesel: Boom or Bust?”, iciss News, 5 de fevereiro de 2007. http://tinyurl.com/2yyxex

13. http://tinyurl.com/ys5nbe

14. http://tinyurl.com/28svwd

15. John Baize, “The Global Biodiesel Industry: A Road to Riches or an Impending Train Wreck?” John C. Baize & Associates, apresentação em Power Point, http://tinyurl.com/2apgxt

Sementes de soja

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sileiras de soja poderá ser, então, de biodiesel.

O boom do biodiesel chegou em um momento muito conveniente aos pro-dutores brasileiros de soja. Estavam começando a produzir com prejuízos, pressionados por um lado pelo baixo preço da soja no mercado mundial e, por outro, por uma estrutura insusten-tável de custos devida às enormes dis-tâncias que requer o transporte da soja em caminhões movidos a diesel caro. Hoje seus problemas estão desapare-cendo: os preços de exportações au-mentaram como conseqüência do boom dos agrocombustíveis, e os cus-tos de transporte estão baixando gra-ças ao biodiesel barato produzido no país com grandes subsídios governa-mentais.

Como era de se esperar, a ADM está tirando proveito das novas oportuni-dades: escolheu o Brasil como centro de operações para seus negócios de bio-diesel na América do Sul e, dentro do Brasil, Rondonópolis, no estado do Mato Grosso do Sul, como destinatária de seus maiores investimentos. A nova refinaria de biodiesel da adm em breve entrará em funcionamento como a maior de todo o país e contará, entre seus clientes, com Blairo Maggi, o go-vernador desse estado e também um dos maiores produtores de soja do mundo, que há tempo trabalha estrei-tamente associado com a ADM. Maggi venderá à ADM parte de sua colheita de soja, a preços de mercado, e com-prará dela o biodiesel barato. Os cria-dores de porcos e de gado poderão comprar os resíduos da produção de biodiesel para alimentar seus animais. Isso também significará que poderão criar gado de forma mais intensiva, li-berando, dessa forma, grandes superfí-cies de terra para aumentar ainda mais a área dedicada à produção de soja. Em suma, um arranjo benéfico para todos os envolvidos...

Além da ADM, há toda uma série de outras corporações investindo nesse se-tor agroindustrial. Há empresas italia-nas que estão gastando US$ 480 mi-lhões na construção de quatro refinarias

de biodiesel. A Marubeni Corporation, que é a quinta maior corporação do Ja-pão, está investindo US$ 40 milhões em um empreendimento conjunto com o Grupo Agrenco –uma grande trading brasileira – para a produção de biodie-sel e de farelo de soja. José Honório Ac-carini, um reconhecido analista de go-verno, disse que o governo Lula espera que os investimentos em biodiesel al-cancem uns US$ 1,5 bilhões até 2.013, quando o Brasil deverá estar produzin-do 2 bilhões de litros do combustível.

O plano original do presidente Lula era que a maior parte do biodiesel fosse

produzida a partir da mamona cultiva-da por empobrecidos produtores agrí-colas familiares do nordeste do país. Em contraste com o etanol de cana-de-açúcar, que é produzida em grandes plantações no Brasil, ele esperava que o biodiesel desempenhasse um importan-te papel na redução da pobreza. “Como pode ser produzido (o biodiesel) facil-mente por agricultores em pequena es-cala, em algumas das regiões mais po-bres do país, o projeto combina proteção ambiental com desenvolvi-mento rural, e reduz a desigualdade so-cial”, afirmou um Lula entusiasmado em um artigo especialmente escrito para a imprensa européia. Realmente, o presidente Lula introduziu isenções fiscais para as refinarias que adquiris-sem matéria-prima dos produtores ru-

60

45

30

15

Fonte: mongabay.com

Exportações de soja dos Estados Unidos e do Brasil. Projeção 2004-2016 (milhões de toneladas)

2005 2008 2012 2016

Brasil EstadosUnidos

16. “Italian Firms to Invest in Brazil Biodiesel Plants”, Planetark, 27 de março de 2007. http://tinyurl.com/ypzwt9

17. “Brazil’s Fledgling Biodiesel Industry Takes Off”, Environment News Service, 29 de abril de 2005. http://tinyurl.com/yv3bt7

18. Luiz Inácio Lula da Silva, “Join Brazil in Planting Oil”, The Guardian, 7 de março de 2006. http://tinyurl.com/25rrnu

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rais em pequena escala e previu, confi-dencialmente, que até o final de 2007 haveria umas 350.000 pessoas traba-lhando na indústria do biodiesel.

Contudo, ainda que alguns agriculto-res em pequena escala tenham aderido ao programa, já está claro que não se-rão eles os principais produtores da matéria-prima. “Para que esse projeto tenha êxito, com certeza haverá neces-sidade de uma escala de produção que somente a grande indústria da soja pode garantir”, disse em 2005 Carlo Lovatelli, diretor da ABIOVE (Associa-ção Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).

Desde então, a forte influência dos grandes produtores de soja sobre a in-dústria de biodiesel só tem aumentado. Vários analistas mundiais prevêem que o Brasil tornar-se -á o primeiro exporta-dor mundial de biodiesel até 2020, e que a China será o principal consumidor.

Isso significa que, a menos que o go-verno brasileiro adote medidas enérgi-cas para contê-la, a soja invadirá, na próxima década, a maior parte da ba-cia amazônica. Seguramente, o avanço permanente da fronteira agrícola na Amazônia acarretará, em poucos anos, que essa floresta tropical ultrapasse o ponto crítico de equilíbrio, começando a secar e a se converter em savana. Se isso ocorrer, nada irá deter os agricul-tores, que não encontrarão nenhum motivo para não explorar economica-mente essa floresta moribunda. Na me-dida em que a floresta for morrendo, centenas de milhares de habitantes ri-

beirinhos, famílias de camponeses e de povos indígenas ficarão deserdadas, e o mundo perderá uma extraordinária biomassa que desempenha um papel central na regulação climática de todo o globo. Igualmente grave será o fato de que a destruição da floresta amazô-nica liberaria cerca de 90 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera, que por si próprio é suficiente para in-crementar o ritmo do aquecimento glo-bal em uns 50%.

O que torna particularmente sem sen-tido essa loucura do biodiesel é que se obterá muito pouco em troca de um dano colossal que será infligido ao pla-neta e aos seus habitantes. Apesar do atual boom de investimentos, o biodie-sel jamais será capaz de satisfazer mais do que uma fração da demanda mun-dial de combustível diesel. Hoje em dia, os Estados Unidos consomem 60 bi-lhões de galões de diesel por ano. Mes-mo com todo esse fluxo de investimen-tos, a produção mundial de biodiesel só chegará a 12 bilhões de galões em 2010 – ou seja, uma quinta parte do atual consumo norte-americano – e grande parte dessa produção não estará dispo-nível para os Estados Unidos.

Um analista colocou isso em termos bem claros: “o impacto na oferta mun-dial de diesel será mínimo”.

Além disso, a pequena contribuição que o biodiesel representará para resol-ver a crise energética mundial terá vida curta. O estouro atual rapidamente es-gotará a disponibilidade de solos e des-truirá muitos dos ecossistemas que res-tam no planeta (incluindo as florestas tropicais). William Thurmond, o autor de ‘Biodiesel 2020: a Global Market View’, o expressou muito claramente: “Pelo ano de 2015, a demanda energé-tica mundial de óleo de soja, de colza e de pinhão manso superará a disponibi-lidade de terras para plantar esses culti-vos energéticos.

Deixando um rastro de destruição, a indústria mundial de energia buscará, então, um outro “jeito técnico de con-sertar” e outra fonte de lucros. l

GRAIN

19. “Brazil’s Biodiesel Rush”, Biodiesel, agosto–setembro de 2005. http://tinyurl.com/2tr9rk

20. “Watch Brazil and China, Says New Biodiesel Study”, Inside Greentech, 30 de janeiro de 2007. http://tinyurl.com/3dbzlg

21. “Amazon Forest ‘could become a desert’”, Independent, 23 de julho de 2006. http://tinyurl.com/rbo3c

22. Online Business Intelligence for the BioPharma Industry, “Biofuel Market Worldwide (2006)”, http://tinyurl.com/2o5nm6

23. John Baize, “Biodiesel: The Solution or a Disaster?” John C. Baize & Associates, apresentação em Power Point, http://tinyurl.com/28szqw

24. William Thurmond, “Biodiesel 2020: The Emerging Markets”, Swiss Derivatives Review 32, outono boreal de 2006.

Plantação de soja

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Nova usurpação na África

As enormes extensões de terra e a mão de obra barata desperta-ram a voracidade dos promotores dos agrocombustíveis. Em apenas 15 dos países africanos – a “OPEP verde” – há milhões de hectares de terra arável classificadas como “ociosas”, disponíveis para culti-var agrocombustíveis.

Empresas e países ávidos por energia direcionam dinheiro a esses cultivos, avivando uma fe-bre por terra que remete à ex-pansão colonialista européia ini-cial, à qual, hoje, se somam as elites governantes e empresariais africanas. Há aqueles que adver-tem quanto à devastação das for-mas de vida e de sustento das populações, mas isso fica ofusca-do pela grande oportunidade de capitalizar a África “em função da crise energética e ambiental do planeta”.

A Europa, o Japão e os Estados Unidos trabalham ativamente em diversos acordos multilaterais e bilaterais de ajuda, de comércio ou de investimento com países africanos. O Brasil, através da Pe-trobras, faz acordos de importa-ção de etanol e de transferência de tecnologia do Senegal à Nigé-ria, de Moçambique a Angola. A Índia prometeu 250 milhões de dólares ao Fundo de Biocombus-tíveis da África Ocidental. A Chi-na criou um canal para, em longo prazo, abastecer-se de mandioca da Nigéria para suas destilarias de etanol. Há acordos trilaterais, como o do Reino Unido e do Bra-sil com Moçambique.

As empresas já repartem entre si as zonas onde produzir agrocom-bustível, e as agroindústrias e as plantações existentes se expan-dem. No início de 2007, o gover-no da Tanzânia revelou que nego-ciava investimentos para produzir

agrocombustível com 11 compa-nhias estrangeiras.

Entre as empresas vorazes, a Viscount Energy, da China, tece acordos com o governo de Ebonyi, na Nigéria, para estabelecer uma usina de etanol de mandioca e de cana-de-açúcar de 80 milhões de dólares. A norte-americana 21st Century Energy investirá 130 mi-lhões de dólares para produzir etanol de cana-de-açúcar, de mi-lho e de sorgo doce e biodiesel de sementes de algodão e de resíduos de castanha de caju, na Costa do Marfim. A suiça BioEnergy Inter-

national planeja uma plantação de pinhão manso, de 93 mil hec-tares, com uma refinaria de bio-diesel e uma usina de eletrifica-ção, no Quênia. A Sun Biofuels, do Reino Unido, associou-se com o Centro de Investimentos da Tanzânia e adquiriu 18 mil hecta-res de área agrícola para produzir pinhão manso; a Alco Group, da Bélgica, comprou, em 2001, a Al-cohols NCP da África do Sul, a maior produtora de etanol de fer-mentação da África; a canadense MagIndustries adquiriu 68 mil hectares de eucaliptos e está cons-

truindo uma unidade para produ-zir 500 mil toneladas anuais de cavacos de madeira, perto de Pointe-Noire, na República do Congo, porto de onde serão en-viados à Europa como biomassa. A espanhola Aurantia investe em dendê e possivelmente em quatro refinarias de biodiesel na Repú-blica do Congo. A francesa Da-gris investe em biodisel de óleo de semente de algodão, em Burkina Faso, através da SN Citec, seu fa-bricante local de óleo. A Soca-palm e a Socfinal, belgas, plane-jam expandir sua plantação de 30 mil hectares de dendê, em Cama-rões, mas as comunidades que vi-vem na floresta estão resistindo.

“A África Meridional tem o po-tencial de ser o Oriente Médio dos biocombustíveis”, declarou Andrew Owens, diretor executi-vo da Greenergy, do Reino Uni-do, em uma reunião de agrocom-bustíveis na Cidade do Cabo. Para conseguir isso, acrescentou, “os governos necessitam harmo-nizar as políticas sobre agrocom-bustíveis em toda a região e tra-balhar juntos para atingir economia de escala, de forma que a indústria seja competitiva”. Descartou a “produção caseira” de agrocombustíveis e argumen-tou a favor de isenções fiscais e produção em larga escala, inte-grada a redes transnacionais.

Os lucros são mais garantidos quando as plantações estão em terras mais férteis, próximas às principais vias de transporte (ter-ras ainda ocupadas por milhões de camponeses que são o princi-pal obstáculo à febre dos agro-combustíveis). A pressão para que os agricultores abandonem suas terras é intensa.

A Tanzânia recebe um investi-

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dor suíço que busca 400 mil hec-tares para plantar cana-de-açúcar para etanol na bacia do Wami, uma das principais áreas de terra úmida do país. O projeto desloca-rá os pequenos arrozeiros locais. Na Libéria, a Equatorial Biofuels, do Reino Unido, adquiriu a Libe-rian Forest Products, que tem acordos de manejo e permissões sobre 700 mil hectares para culti-var dendê. Na Etiópia, onde a pressão pela terra é muito alta, foram concedidos mais de um mi-lhão de hectares a empresas dedi-cadas aos agrocombustíveis, para cultivar pinhão manso. Essa espé-cie introduzida em grande escala, sem a devida avaliação de seus impactos ambientais, com alega-ção, inclusive, de que o pinhão manso crescerá em condições marginais e será um cultivo con-veniente para as famílias pobres.

Esse boom não tem a ver com o desenvolvimento rural e nem com melhorar o nível de vida dos cam-poneses pobres. Tem a ver com a apropriação da terra africana por empresas estrangeiras que, alia-das a funcionários de governo, pressionam para obter proteção legal, subvenções e isenções fis-cais. A escassa terra fértil e os

direitos sobre a água são com-prados; os camponeses são inti-midados para que trabalhem por quase nada em suas próprias ter-ras; novos cultivos em plantações em grande escala e transgênicos são introduzidos pela porta dos fundos; as comunidades e os sis-temas biodiversos são deslocados; a África é ainda mais aprisionada ao mercado mundial. A usurpa-ção de terras é descarada.

As grandes reservas de petróleo da África não dão segurança energética aos países que as de-têm, nem beneficiam à maioria de sua população. A Nigéria, por exemplo, é um importante expor-tador de petróleo, mas 91% de seus lares continuam suprindo suas necessidades energéticas com biomassa, principalmente lenha. É um país pobre no qual 71% da população vivem com menos de um dólar por dia e os habitantes do delta do Níger, a região petro-leira, são os mais pobres do país. Agora, a Nigéria expande suas plantações de mandioca para pro-duzir agrocombustíveis, buscando aumentar seus ingressos de expor-tação, principalmente baseados em mandioca e cana-de-açúcar.

Como os países africanos não produtores de petróleo gastam 50% dos ingressos de suas ex-portações importando o produto, pensam que resolverão suas ne-cessidades energéticas com os agrocombustíveis. Acreditam que com eles terão seu próprio com-bustível e diminuirão sua vulne-rabilidade ante as flutuações do preço do petróleo. Mas a realida-de é distinta. Como ocorre com todas as commodities, o mercado fixará o preço dos agrocombustí-veis. O país de origem terá pouco controle, principalmente se a propriedade de toda a cadeia de valor estiver nas mãos de corpo-rações internacionais. Os agro-combustíveis não garantirão à população local o acesso à ener-gia barata.

Ainda que haja grande capaci-dade na África para as energias renováveis, os governos locais não estão formulando as políticas adequadas e nem atraindo inves-timentos. A biomassa, principal-mente a lenha, mas também ester-co bovino e outros recursos locais, ainda representam em média 59% do consumo energético (é um percentual muito mais alto em quase todos os países subsaa-rianos). Muitas dessas atividades não são sustentáveis e a pressão sobre a biomassa aumentará com o crescimento populacional. As-sim, o investimento nacional para melhorar as práticas e oferecer al-ternativas seria de prioridade má-xima. O gasto governamental em energia renovável diminui de ma-neira sistemática. A Etiópia, por exemplo, na década de 1990, quadruplicou seus investimentos para explorar petróleo e triplicou os em eletricidade, mas o gasto com energias alternativas dimi-nuiu de 1 para 0,1% do investi-mento total.

O mesmo ocorre em quase toda a África e há indícios de que a situação irá piorar. Já se busca ex-

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Diaristas do dendê na Colômbia

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portar cavacos de madeira pro-cessados e produzir agrocom-bustíveis a partir da celulose de espécies lenhosas. Isso aumentará o preço da madeira e do carvão vegetal, limitará o acesso das populações aos recursos florestais e esgotará ainda mais os solos po-bres.

A África será seriamente preju-dicada pelo aumento dos preços dos alimentos provocado pela fe-bre energética. Vários alimentos mundiais básicos sobem à medida que os países destinam terras de-dicadas ao cultivo de alimentos para o cultivo de agrocombustí-veis. A FAO calcula que nos paí-ses de baixos ingressos e com dé-ficit alimentar – muitos deles da África – o gasto destinado a im-portar cereais aumentará cerca de 25% devido ao “efeito etanol”.

A resistência cresce, porque as

pessoas começam a se dar conta dos impactos que têm o boom dos agrocombustíveis em suas vi-das. Os agricultores do norte de Gana recusaram o pinhão manso porque temem ficar amarrados a mercados flutuantes e devido à sua toxicidade. Na África do Sul, a sociedade civil rechaça a pro-posta do governo de utilizar terra tribal e comunal na Província Oriental do Cabo para produzir agrocombustíveis. Os analistas advertem que o milho para etanol não é viável e que a escassez de terra arável é um risco. Em Ugan-da, o descontentamento civil ins-talou-se logo que o governo ou-torgou permissão a uma companhia para explorar a Flo-resta Mabira com plantações de cana-de-açúcar. A Rede de Biodi-versidade Africana critica dura-mente o Reino Unido por estabe-lecer metas para agrocombustíveis

que sacrificarão a terra, as flores-tas e os alimentos da África para satisfazer as enormes exigências energéticas do Reino Unido. Os agrocombustíveis não represen-tam uma melhoria para o povo africano: os pobres simplesmente não poderão comprá-los porque não têm dinheiro para comprar energia, mas dependem da madei-ra, do carvão vegetal e do esterco; não faz sentido para as famílias rurais acabar como mão de obra barata e descartável e nem substi-tuir seus sistemas agrícolas (e as florestas que lhes garantem ali-mentos) por plantações indus-triais estrangeiras. Ao privatizar a terra da África (fonte de riqueza) enterrar-se-á qualquer possibili-dade de que seus povos determi-nem um futuro próprio. l

GRAINVer http://www.grain.org/seedling/?id=481

Em nenhuma outra região do mundo a corrida por agrocombustíveis é tão descarada, absurda

e frenética como na Indonésia e na Malásia. Longe de contribuir para amenizar as mudanças climáti-cas, a situação deriva para um grande aumento nas emissões mundiais de carbono. Igualmente grave é a consolidação de grandes superfícies de terra em mãos de grupos industriais que estão entre os mais cruéis do mundo em termos de destruição ambien-tal, condições de trabalho e violações dos direitos humanos.

A Indonésia já contribui com grande quantidade de gases de efeito estufa pelo secamento e queima da turfa [o combustível fóssil de resíduos vegetais acu-mulados em áreas pantanosas, de cor parda escura, aspecto terroso, pouco pesado, que ao queimar pro-duz fumaça densa]. Essas emissões não são incluí-das nas estatítiscas oficiais, mas, se fossem contabi-lizadas, a Indonésia ocuparia o terceiro lugar entre os países emissores (atrás dos Estados Unidos e da China), e não o vigésimo primeiro lugar. Caso todo o carbono da turfa do sudeste asiático, estimado em

cerca de 50 bilhões de toneladas, chegasse a ser libe-rado na atmosfera, seu efeito poderia agravar ao extremo as mudanças climáticas.

A drenagem em grande escala dos depósitos de turfa começou em 1996, com o desastroso mega-projeto de arroz do regime Suharto, no Kalimantan central (a parte indonésia da ilha de Bornéo), e con-tinuou ao se expandirem as plantações de árvores e de dendê, que necessitaram da drenagem da zona para serem estabelecidas. Ao ser drenada, a turfa começou a se oxidar e a lançar dióxido de carbono na atmosfera. Quando seca, a turfa tornou-se muito inflamável – e pegou fogo na época seca. Entre 1997 e 1998, a Indonésia foi devastada por incêndios que arrasaram 6% de seu território, cerca de 11,7 mi-lhões de hectares. Esses incêndios liberaram na at-mosfera carbono equivalente a entre 13 e 40% das emissões mundiais de combustíveis fósseis naquele ano.

Desde então, a drenagem e os incêndios seguem liberando até 1 bilhão de toneladas de carbono anu-ais, enquanto se acelera a drenagem dos depósitos

Malásia e Indonésia:uma usurpação irreversível?

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de turfa (cerca de 55% ainda estão preservados) para estabelecer novas plantações de árvores e de dendê, visando produzir biodiesel, o que configura um futuro aterrador. Há temor de que a emissão adicional de mais de 40 bilhões de toneladas de car-bono, que podem retornar à atmosfera nos próxi-mos anos, seria capaz de impedir a estabilização do clima mundial, mesmo que se cortassem drastica-mente as emissões dos combustíveis fósseis.

O inquientante é que as Partes signatárias do Pro-tocolo de Kyoto se dêem ao luxo de ignorar essas emissões e financiem a indústria de dendê e de bio-massa, concedendo poderosos incentivos aos países em desenvolvimento. As emissões de carbono pro-venientes do desmatamento e da drenagem dos de-pósitos de turfa, associadas à produção de agro-combustíveis, superam em muito as emissões do petróleo que substituiriam, mas não são contabili-

zadas porque ocorrem no Sul global (onde não exis-tem limites para as emissões de carbono, segundo o Protocolo de Kyoto). Apesar disso, os países ricos creditam-se de “redução de emissões”, enquanto exportam suas emissões e aceleram o aquecimento global.

Planos ambiciosos. Com cerca de 45% da produ-ção mundial, a Malásia é o maior produtor e expor-tador mundial de óleo de dendê, seguido da Indoné-sia, com 39%. O rendimento do dendê na Malásia é quase o dobro do que na Indonésia, e sua produ-ção é mais intensiva – com o uso generalizado de agroquímicos (entre eles o venenosíssimo Paraquat, de novo legalmente utilizado depois de 4 anos de uma proibição nacional).

Mas a Indonésia planeja multiplicar por 43 seu vo-lume atual de produção de óleo de dendê e ampliar a superfície plantada de 6,4 milhões de hectares, em 2006, para 26 milhões de hectares até 2025. Preten-te implantar plantações de cana-de-açúcar e de pi-nhão manso em grande escala, também para agro-combustíveis. Já foram desmatados 12 milhões de hectares adicionais, supostamente para cultivos de dendê, mas como ainda não foram plantados há suspeitas de que algumas empresas estejam mais in-teressadas no lucro rápido da venda da madeira do que nos agrocombustíveis.

A febre de investimento tem atraído – mediante isenções, subsídios e políticas públicas – bilhões de dólares em investimentos de capital nacional e inter-nacional. A Malásia e a Indonésia decidiram desti-nar 40% da produção de óleo de dendê cru à fabri-cação de biodiesel. Entre os investidores licenciados para a produção de agrocombustíveis, os mais im-portantes são as empresas malaias Golden Hope, IOI Corporation, Kulim e Carotino. No início de 2005, a empresa PT Smart (do grupo Sinar Mas) fe-chou um contrato de investimento de 5,5 bilhões de dólares com a China National Offshore Oil Corpo-ration (CNOOC) e a Hong Kong Energy. O podero-so consórcio empresarial Raja Garuda Mas anun-ciou investimento de 4 bilhões de dólares em plantações de dendê e uma nova refinaria de biodie-sel em Sumatra.

Com amparo da descentralização que ocorre na In-donésia, a Sinar Mas, a Raja Garuda Mas e o Salim Group, que estiveram de alguma forma ligados ao ditador Suharto, voltam a se fortalecer. Funcionam como um estado dentro do Estado, dividindo entre si o Kalimantan, e governam com o respaldo de gru-pos paramilitares. Os três grupos têm laços estreitos com a China, e se tornaram famosos por seu devas-tador comércio de madeira. A APP e a APRIL, as principais empresas culpadas pela devastação das florestas tropicais em Sumatra, agora são parte dos consórcios que destroem as florestas do Kalimantan e de Papua Ocidental para produzir óleo de dendê (extraindo e vendendo a madeira no processo). O veterano grupo indonésio Bakrie e a corporação Wilmar International também estão envolvidos nos

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O dendê e a devastação

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negócios. Transnacionais como a ADM (Archer Da-niels Midland) e a Cargill investem diretamente, en-quanto a Shell, a Neste Oil, a Greenergy Internatio-nal e a BioX associam-se com outras grandes empresas de biodiesel de óleo de dendê ou importam enormes quantidades desse óleo.

As comunidades locais pagam o custo. O aqueci-mento global acelerado ameaça as vidas dos indoné-sios. Muitas comunidades perderam seus meios de sustento com a mudança do uso do solo em milhões de hectares que serão destinados às plantações. As comunidades locais e indígenas são as mais seria-mente afetadas, já que a expansão do dendê ocorre às custas das florestas tropicais, dos depósitos de turfa e das terras comunitárias com regime de “di-reitos consuetudinários”, que lhes pertencem.

De acordo com diversos informes, cerca de 60 mi-lhões de indígenas em todo o mundo – 5 milhões deles no Kalimantan ocidental – podem ser desloca-dos de seus territórios para dar lugar a plantações de agrocombustíveis. É a intensificação de um mo-delo de destruição que está em marcha, pois muitas das empresas de dendê e de biodiesel são proprieda-de de grupos que há décadas derrubam florestas e comercializam madeira.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Am-biente adverte que em 15 anos terão sido destruídos 98% das florestas tropicais úmidas de Bornéu e de Sumatra, um dos ecossistemas mais biodiversos do planeta. Cerca de 90 milhões de pessoas vivem nes-sas áreas e cerca de 45 milhões delas dependem da floresta. Segundo Marianne Klue, da Watch Indo-nesia, “Sumatra já parece uma única mega-planta-ção. Agora o Kalimantan se transforma em uma espécie de estufa onde se produz combustível para satisfazer as necessidades energéticas dos países in-dustrializados”.

E a apropriação da terra está gerando conflitos. Em março de 2007, a Save Our Borneo manifestou que os direitos consuetudinários de umas 2 mil co-munidades dayak, do Kalimantan central, estão ameaçados pela expansão do dendê. Há prisões e até assassinatos contra aqueles que opõem resistên-cia à tomada de suas terras pelas empresas, ou con-tra aqueles que protestam devido às más condições de trabalho.

Em uma carta aberta à União Européia, a ONG indonésia Sawit Watch alertou que “mais comuni-dades locais e povos indígenas se verão privados de suas terras e de seu sustento”. Milhares de comuni-

dades que antes gozavam de autosuficiência alimen-tar em seus ecossistemas florestais e com sua agri-cultura tradicional, hoje têm que comprar arroz no mercado interno, aumentando assim a pressão so-bre o abastecimento de arroz, que na Indonésia já é deficiente devido às mudanças climáticas e à conver-são do solo para outros usos não agropecuários.

Um terço da superfície de dendê na Indonésia é cul-tivado por pequenos agricultores, e o governo prevê que no centro de cada unidade de produção de óleo bruto de dendê haja uma plantação em grande esca-la, rodeada de muitas parcelas pequenas. Alguns agricultores minifundiários foram pressionados a aceitar títulos de propriedade que lhes reconhecem menos da metade de suas terras. E, além disso, rapi-damente perdem sua autonomia, à medida em que se endividam ao reconverter suas parcelas para a pro-dução de dendê, passando a depender dos donos das grandes plantações para a moagem e a venda de sua produção.

Na Malásia, o governo planeja explorar um mi-lhão de hectares com dendê em Sarawak, em solos amparados pelo “direito consuetudinário nativo”, onde são instaladas plantações em terras reinvindi-cadas pelas comunidades indígenas orang asli e dayak. l

Mais informações sobre agrocombustíveis na Indonésia e Malásia, ver artigo de Almuth Ernsting, em Seedling, julho de 2007, http://www.grain.org/seedling_files/seed-07-07-4-en.pdf

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Desde 2005 (ano em que o Es-tado colombiano decretou

oficialmente o fim do conflito pa-ramilitar), as agroempresas estão servindo para legitimar a possível apropriação de 6 milhões de hec-tares do território colombiano por parte dos mesmos dirigentes paramilitares e suas quadrilhas aos quais o governo de Álvaro Uribe reconheceu como grupa-mentos políticos. Isso faz parte do projeto de Associações Produti-vas, através do qual os responsá-veis pelos genocídios, desapari-ções, deslocamentos e saques a comunidades camponesas, indíge-nas e negras, poderão se reciclar, convenientemente, como novíssi-mos “agroempresários verdes”.

Ao mesmo tempo, organizações sociais e comunitárias colombia-nas denunciam que, segundo o censo de 1994, havia 40 milhões de habitantes no país, mas, recen-temente, o Departamento Admi-nistrativo Nacional de Estatística (DANE) informou que a popula-ção atual é de 41 milhões. “Como pode ser”, diz Daniel Libreros, “se o crescimento vegetativo da população na Colômbia é de 500 mil crianças por ano, deveríamos, hoje, em 2007, ser 46 a 47 mi-lhões. Estão faltando pelo menos 4 milhões de pessoas. Onde es-tão? Estão debaixo das rodovias, das barragens das represas, em fossas clandestinas...” Os pró-prios chefes paramilitares admiti-ram que a Colômbia ainda desco-nhece os milhares e milhares de mortos que tem, e grande parte da população do país se tornou insensível à tragédia.

Rebatizados pelo governo co-lombiano como “rebeldes” ou paramilitares bons, porque su-

postamente a motivação de suas ações mercenárias teve um cará-ter social (com maquiagem de “combate ao terrorismo” ou “au-todefesa”), os paramilitares são financiados por agências de coo-peração internacional européias, mediante esquemas de reconver-são e legitimação social e políti-ca.

A cooperação espanhola, por exemplo, já tem pronto o antepro-jeto de um programa de Fondos Canasta, para doar recursos que sirvam para criar associações pro-dutivas entre as vítimas e os algo-zes (para plantação de dendê, por exemplo). Em outras palavras, o Estado espanhol financiará um programa através do qual as co-munidades massacradas e desloca-das receberão bimestralmente um

subsídio de 600 mil pesos colom-bianos (uns 330 dólares), dos quais os camponeses deverão re-servar uma parte (260 mil pesos, ou 140 dólares) para pagar a asso-ciação com aqueles que os assassi-naram.

Essa é a forma como o governo de Uribe pretende reconciliar a so-ciedade colombiana: que os agre-

didos recebam em sua casa o agressor e eles mesmos financiem a exploração de seu território e de sua força de trabalho. De justiça e reparação do dano às comunida-des, nem falar. E se as comunida-des se opõem, imediatamente são taxadas de terroristas, de se opo-rem à reconciliação social.

O governo promove intensa-mente a apropriação de terras que considera “improdutivas”, por estarem na posse de comuni-dades negras no Chocó Biogeo-gráfico (Curvaradó e Jiguamian-dó) ou de comunidades indígenas e camponesas em Guajira, Cata-tumbo, Dabeiba, Vichada, Mon-tes de Maria, no vale do rio Cimi-tarra, em Cacarica e na região do baixo Atrato. Com base no cha-mado Estatuto Rural, aprovado

este ano, essas terras são repassa-das aos supostamente arrependi-dos paramilitares (para “reincor-porá-los”), a fim de que estabeleçam plantações de dendê e se integrem ao boom global dos agrocombustíveis, justamente nas terras daqueles a quem durante anos dedicaram-se a assassinar.

Desde o final dos anos 90, uma

Dendê/Colômbia

Paramilitarismo sustentável?Octavio Rosas Landa

Projetos de refinarias de biodiesel na Colômbia (2007 -2010)

Região Nº de refinarias de biodiesel

Capacidade Ton/ano

Área potencial (Ha)

Caribe 7 586 mil 580 mil

Andina 3 220 mil 693 mil

Pacífico 1 100 mil 66 800

Orinoquía 3 435 mil 1 934 000

Total 14 1 341 000 3 273 900

Total de Refinarias de Biodiesel: 14 (dendê 12, mamona 1, pinhão manso 1).Essas entrarão em operação entre 2007 e 2010.Fonte: Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Colômbia, agosto, 2007

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nova onda de violência paramili-tar, ainda que dessa vez disfarça-da de alternativa econômica sus-tentável, deixou um saldo de quase 4 milhões de deslocados forçados no país. O próprio mi-nistro da agricultura do governo nacional colombiano disse que os indígenas “têm terra demais”: 30 milhões de hectares para um mi-lhão de pessoas. Insiste, além dis-so, que se deveria pôr esses terri-tórios em sua justa dimensão (ou seja, reduzi-los a um hectare por pessoa). Mas o que o ministro não diz é que só 0,1% desse terri-tório é cultivável. O restante são montanhas, florestas e fontes de água, nem mais, nem menos.

As comunidades afrodescen-dentes do Curvaradó e Jigua-miandó, no Chocó, lutam para recuperar suas terras mediante ocupações e, um a um, arrancar os dendezeiros e recuperar sua agricultura. Elas têm urgência, porque as leis colombianas estão rapidamente legalizando o des-pojo ocorrido no final dos anos noventa, com previsões jurídicas de que, se passando cinco anos sem que se apresente reclama-ção, o usurpador, freqüentemen-te de origem paramilitar, pode ficar com a terra.

Outra urgência de arrancá-los é que as plantações de dendê dre-nam e secam os solos para permi-tir que as raízes sejam mais pro-fundas (e mais difíceis de arrancar), uma vez que o dendê não cresce em solos úmidos como são os solos no Chocó Biogeográ-fico, uma das regiões mais chuvo-sas do mundo.

No sul da província de Bolívar (na região do Caribe), enclave de comunidades camponesas, rico em biodiversidade, em frutas tro-picais e em água, o governo está dando títulos de propriedade de 25 a 30 mil hectares de terra aos paramilitares, para que plantem dendê e produzam óleo para ex-portação. Essas terras são de ocu-pação e uso coletivo de pequenos agricultores e muitas foram obti-das deslocando as comunidades.

Os governos colombiano e ve-nezuelano firmaram um convênio para abastecer quantidade sufi-ciente de etanol visando que as gasolinas venezuelanas conte-nham, num futuro próximo, pelo menos uns 7% de etanol. Na Co-lômbia, já existem 303 mil hecta-res de terras dedicadas ao dendê, mas são insuficientes para os ob-jetivos que se quer alcançar: como na central petrolífera de Barranca

Bermeja, a maior do país, são re-finados, diariamente, mais de 87 milhões de litros do óleo combus-tível para motor (chamado ACPM – aceite combustible para motor), a lei estipula que se deve produzir ao menos 5% de biodiesel (4,35 milhões de litros diários), que sai-rão da produção de óleo de den-dê, pelo que “nem 600 mil hecta-res de cultivo de dendê são suficientes”, segundo declaração do próprio presidente colombia-no, cujo projeto é chegar a mais de 3 milhões de hectares.

Representantes de distintas co-munidades e organizações indíge-nas (embera-katío, wayuú, kanku-amo, barí, kuna), camponesas, afrodescendentes e sociais colom-bianas, reuniram-se em Bogotá para refletir sobre os impactos e as lutas que empreendem contra as plantações de dendê e cana desti-nadas à produção de agrocombus-tíveis. Ao encontro assistiram or-ganizações do Paraguai, da Nicarágua, da República Domini-cana, da Espanha, do Reino Uni-do, dos Estados Unidos, do Méxi-co, da Austrália, da Indonésia, do Uruguai e do Equador, convoca-dos pela Comissão Intereclesial Justiça e Paz para o seminário “Crise planetária, direitos huma-nos e agrocombustíveis. Diagnós-ticos, análises e alternativas”.

A Colômbia é o quinto produ-tor mundial de óleo de dendê, e o governo de Uribe busca, afoita-mente, mecanismos para agilizar os despojos das comunidades, para reforçar os latifúndios e para vincular as agroindústrias aos es-quemas globais de financiamento. A partir da Bolsa de Valores de Nova Iorque, corporações como o Citigroup ou o Chase Manhat-tan, vinculadas aos novos empre-endedores armados e a corpora-ções transnacionais bem conhecidas em toda a América Latina, como a Cargill, a ADM (Archer Daniels Midland), etc.,

Militares vigiando a produção de dendê na Colômbia

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pretendem controlar o processo.Entretanto, as organizações

manifestaram-se contra os agro-combustíveis, não só por sua já comprovada ineficácia para res-ponder às mudanças climáticas ou porque são uma investida con-tra a propriedade comunal, a agricultura camponesa, o territó-rio, os recursos e a soberania, mas também porque constituem uma forma de reciclar os mono-cultivos agroindustriais. Esses “desertos verdes” de qualquer tipo (mandioca, banana, manga, milho, dendê, soja, eucalipto) que, na Colômbia, são desertos vermelhos, porque estão irriga-dos com o sangue dos campone-ses e com a água que se nega aos povos.

Em uma plantação típica, cada dendezeiro requer quase 35 litros diários de água, e, em cada hec-tare, se plantam em média 139 pés. Logo, um hectare de dendê

Colômbia. Evolução da área plantada com dendê 1960-2006

1960

1963

1966

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Emprodução Emdesenvolvimento

350

300

250

200

150

100

50

0

Milh

ares

de

hect

ares

300.1

118.8

181.3

consome pelo menos 4.750 litros de água por dia. Em um ano, os 303.000 hectares de dendê da Colômbia terão consumido mais de 525 bilhões de litros de água.

Essa quantidade de água poderia abastecer quase a metade da po-pulação da Colômbia durante 50 dias, ao invés de ser destinada a alimentar os automóveis.

Além disso, cada hectare de den-dê renderá uma média de 6.000 litros de óleo, o que significa que para cada litro de óleo se gastam quase 300 litros de água. Isso sem contar o gasto de água no refino para convertê-lo no proverbial biodiesel, combustível “renovável e amigável ao meio ambiente”. Se isso foi feito em 300 mil hectares para pegar carona no trem na “conservação ambiental”, imagi-ne-se o que farão com seis mi-lhões. E Uribe está muito ativo buscando acordos com governos, como o nicaragüense, para ofere-cer assistência na produção de agrocombustíveis. Essa assistên-cia incluirá a aplicação de méto-dos paramilitares de apropriação de terras? E ainda dizem que os governos da América Latina não contribuem para frear o aqueci-mento global. l

Tumbas de pessoas assassinadas por paramilitares na Colômbia

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Os agrocombustíveis têm sido apresentados em um contexto de possíveis redutores dos efeitos

das mudanças climáticas, sobretudo do aquecimen-to global. Para entender o que significam na realida-de é importante voltar às origens, já que a possibili-dade de fazer combustíveis a partir do álcool ou de óleos existe há muitas décadas. É bastante pertinen-te analisar por que agora são vistos como uma alter-nativa e não o eram nas décadas anteriores.

Isso está relacionado, entre outras coisas, com o governo dos Estados Unidos ter, a partir do ano pas-sado, abandonado a atitude que manteve durante anos: negar as mudanças climáticas e o aquecimen-to global.

E não somente negava, apoiado em argumentos de muitos cientistas que diziam não haver mudança cli-mática, como também liderou uma pressão muito pesada das indústrias automobilísticas, petrolíferas e outras junto à Convenção das Nações Unidas so-bre Mudanças Climáticas.

O governo norte-americano sempre se negou a as-sinar o Protocolo de Kyoto – um protocolo no qual se acordou reduzir a quantidade de emissões em percentuais bastante ridículos ante a gravidade do problema – alegando que a redução era inaceitável, por ser excessiva. Ao iniciar seu primeiro período de governo, George W. Bush advertiu que o Protocolo de Kyoto era uma ameaça para o modo de vida nor-te-americano, que não o iria assinar e que desenvol-veria ainda mais sua indústria, consumindo maiores quantidades de petróleo e de combustíveis fósseis.

A partir de 2006, no entanto, Bush notoriamente mudou seu discurso. Em maio de 2006, o New York Times o cita, dizendo que se deve deixar de discutir se é um problema originado pelas atividades huma-nas ou não. “Não discutamos mais as causas, mas nos concentremos em reduzir as conseqüências”, manifestou. Para o governo dos Estados Unidos, se havia mudanças climáticas, era por razões do Plane-ta, naturais. Não tinham nada a ver com nenhum tipo de atividade. E aí, então, enumera as soluções

tecnológicas para as mudanças climáticas: a energia nuclear, os agrocombustíveis, a geoengenharia e ou-tras novas tecnologias.

O governo norte-americano, a essa altura, sabia que a indústria desenvolvia uma série de estratégias tecnológicas que lhe permitiria fazer negócios com o aquecimento global.

Apesar de, desde o ano de 2000, a primeira empre-sa do mundo ser uma cadeia de supermercados, a Wall Mart, todas as que a seguem são empresas pe-trolíferas ou automobilísticas, como tem sido nos últimos 50 anos. Em volume, no planeta, as empre-sas petrolíferas e de automóveis são as que movi-mentam maior quantidade de capital.

Depois de décadas de negação do problema, e sen-do o automóvel a indústria principal, é muito difícil que o atual rumo realmente tenha um caráter que vise reduzir as mudanças climáticas.

Sim, se reconhece que há problemas. Os dois últi-mos relatórios do Painel Intergovernamental em Mudanças do Clima (IPCC, por sua sigla em inglês), divulgados neste ano, mostram que as mudanças poderiam ser brutais. O IPCC sempre o disse, desde o princípio, mas em uma linguagem um tanto eufe-mística. Dizia-se que as causas do aquecimento glo-bal eram provavelmente de origem humana e agora se diz que muito provavelmente são de origem hu-mana. Nos termos de medição que o IPCC efetua, muito provavelmente significa 95% de certeza de que as causas das mudanças climáticas são ativida-des humanas, entre elas as emissões industriais, so-bretudo da indústria automotriz.

Revendo a história, o Brasil é o único país do mun-do que tem uma indústria de agrocombustíveis rela-tivamente desenvolvida, principalmente de etanol de cana-de-açúcar. No início de 2007, o governo dos Estados Unidos decidiu subsidiar a produção de etanol. A Europa já o havia feito anteriormente. Em realidade, quando se fala de agrocombustíveis seria mais apropriado falar de etanol, porque pratica-mente 95% dos agrocombustíveis no mundo, hoje,

Combustíveis “ecológicos”

As crises propiciam os negóciosSilvia Ribeiro

Em 2 de maio de 2007, redes-Amigos da Terra Uruguai e a Rede Temática de Meio Ambiente da Universidade da República (Retema) realizaram em

Montevidéu a conferência Biocombustíveis, Transgênicos e Biotecnologia - A nova geopolítica dos recursos naturais. Os textos de Silvia Ribeiro e de

Andrés Barreda que apresentamos são suas reflexões nesse evento.

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são etanol.Quando nos Estados Unidos se começa a benefi-

ciar a indústria dos agrocombustíveis, quem admi-nistra o negócio são as empresas de cereais, porque o que se produz é etanol de milho. A ADM (Archer-Daniels-Midland), que é uma das três maiores cere-alistas do mundo e, com a Cargill e Bunge, detêm mais de 75% do comércio mundial dos cinco prin-cipais cereais, controla 30% da produção de etanol naquele país.

O etanol de milho tem uma efetividade bastante relativa. Em um estudo de 2005, David Pimentel, da Cornell University, e Tad Patzek, da Universida-de de Berkeley, examinam a energia produzida pelos agrocombustíveis em relação à energia requerida para produzir etanol. Chegaram à conclusão de que para produzir o agrocombustível é necessário o mesmo tanto de energia que esse produz, devido ao uso intensivo de petróleo para insumos de produção agrícola industrial e para as usinas de etanol.

Dependendo do cultivo utilizado, se necessita até 45% mais energia fóssil do que o combustível pro-duzido. Por exemplo, a biomassa de madeira requer 57% mais de energia fóssil do que a energia produ-zida. Segundo Pimentel, “não há benefício energético em se utilizar biomassa vegetal para produzir combus-tível líquido. Essas estratégias não são sustentáveis”.

Há outros estudos que não mostram uma relação negativa e outros, inclusive, que indicam uma rela-ção positiva por uma margem muito pequena. Em nenhum caso, no entanto, são levadas em conside-ração as externalidades ambientais que os cultivos geram. Por exemplo, a extensão da fronteira agrí-cola, o avanço sobre ecossistemas que não estavam sendo utilizados para a agricultura, os custos que representam em erosão do solo, e a utilização de água, que é imensa, uma vez que 70% da água doce no mundo já é consumida pela agricultura in-dustrial.

Para que os agrocombustíveis substituíssem a ga-solina seria necessário multiplicar a fronteira agrí-cola de forma exponencial e, para tanto, o uso de água seria descomunal. Além disso, como seriam cultivos industriais, devido à grande área, também seria necessária a enorme utilização de insumos químicos (isso sim está sendo contado como ener-gia negativa em quase todos os estudos, e é energia de petróleo). Mas o que não está sendo levado em conta é a contaminação que produzem.

A Inglaterra, por exemplo, se plantasse toda a sua superfície agrícola, alcançaria produzir apenas 10% da gasolina que consome. Se os Estados Unidos plantassem toda a superfície agrícola que possuem

para produzir etanol, chegariam a substituir apenas 15% do seu consumo de gasolina.

Então, não pensam em fazê-lo em seus territórios. A teoria é que essa vai ser uma oportunidade para os países do terceiro mundo, sobretudo os países que não têm muitos ingressos com as exportações agrícolas. Eles vão produzir esse tipo de cultivos para os Estados Unidos e Europa, que são os que têm criado leis para substituir uma percentagem do combustível fóssil por agrocombustíveis.

O principal caso é o do Brasil, porque é o único país que já tinha uma efetividade maior em relação às unidades de energia que colocava no cultivo e as que retirava. Parte porque dispõe de tecnologia mais desenvolvida e parte por algo que não se conta, que tem a ver com outro tipo de energia: a mão de obra. Na cana-de-açúcar, no Brasil, o principal produtor de etanol, desde a Conquista, como dizem os movi-mentos, é mão de obra escrava, que agora chamam de semi-escrava. As condições de produção do eta-nol são terríveis, como os movimentos sociais têm denunciado.

E, justamente porque no Brasil já há bastante expe-riência, sabemos que a produção de etanol é acom-panhada de uso intensivo de agroquímicos, de terra, de desalojamento das comunidades tradicionais e do avanço sobre as áreas de biodiversidade, ao que se agrega o fato de as refinarias de etanol serem extre-mamente poluentes. É vendida como se fosse uma tecnologia verde, mas uma refinaria de etanol pro-duz o mesmo tipo de contaminação feroz, devasta-dora, que produzem as refinarias de petróleo. Essa é outra externalidade que não é levada em conta.

Há ainda um aspecto geopolítico: os Estados Uni-dos permitem a entrada do etanol brasileiro, mas o sobretaxam com um imposto tão alto que esse eta-nol se torna muito mais caro. Isso porque aos Esta-dos Unidos interessa subsidiar sua produção pró-pria de milho, ainda que não lhe renda a produção de etanol. Com todo o Cinturão do Milho, há uma produção exportável em grande escala que pode ser subsidiada, com a alegação que subsidiam a produ-

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ção de combustíveis “ecológicos”, ludibriando as-sim o esquema de proibições da Organização Mun-dial do Comércio.

É evidente que tudo é um negócio e o estão impul-sionando. No caso do Brasil, se avança sobre a Amazônia e sobre o Cerrado, ou seja, sobre as vas-tas e densas zonas de biodiversidade das savanas tropicais. Os próprios industriais brasileiros têm dito que dispõem de toda a Amazônia para plantar agrocombustíveis. Do ponto de vista ambiental, isso é devastador. Mas, além disso, reduzem-se outros tipos de produções que o Brasil poderia levar adian-te. E ainda que o Brasil controle até agora a maioria das refinarias para o processamento do cultivo dire-cionado a etanol, isso está começando a mudar. A Cargill e a Bunge avançam na compra de todos os intermediários: a terra, as pessoas e o trabalho es-cravo, que o Brasil os coloque; as refinarias são das empresas. Esse é o investimento da Cargill. Quando Lula e Bush se reúnem e dizem que haverá mais de 2,5 bilhões de dólares em investimento estrangeiro, se referem a aquisições ou a estabelecimento de refi-narias por parte das grandes cerealistas. Assim, uma indústria nacional passa a ser transnacional.

Essa é uma política que buscam generalizar. Para que os agrocombustíveis sejam competitivos e os preços se mantenham baixos, muita gente que com-pete entre si tem que plantar. Por isso, em 2005, o G8 propôs ao Banco Mundial e ao Banco Interame-ricano que subsidiassem a produção de agrocom-bustíveis. O Banco Mundial alterou sua política para que houvesse empréstimos e subsídios para de-senvolver os agrocombustíveis, o que se supõe ser uma nova panacéia, como antes foi o eucalipto, e outras. Esses empréstimos e subsídios, por serem públicos, engrossam a dívida externa dos países.

Essa é uma parte do processo. Outra parte jogam as grandes corporações transnacionais de sementes no terreno científico, que estão muito conscientes da ine-ficiência dos cultivos de etanol e de biodiesel, e de todas as suas externalidades: a Monsanto, a Syngen-ta, a DuPont Dow, a Bayer e a Basf, que estão entre as seis principais empresas de sementes do mundo. Elas dizem, vamos fazer um combustível ecológico, mas tem que ser mais eficiente. Gastar menos energia no processamento. Tem-se que fazer cultivos trans-gêncios que praticamente se convertam sozinhos em etanol.

A Syngenta já solicitou, nos Estados Unidos, a aprovação de um tipo de milho que integra uma bactéria que ativa e facilita o processamento. Isso também é feito com a cana-de-açúcar e com algu-mas outras gramíneas e forragens, visando acelerar

a produção. O grave é que, a princípio, são cultivos alimentares. Por exemplo, os problemas de conta-minação com milho transgênico que ocorreram no México, que é o berço do milho, se multiplicariam. O cultivo contaminado não somente teria genes pa-tenteados e haveria ações judiciais por uso de pa-tentes como, além do mais, deixaria de ser comestí-vel. Nessa situação encontram-se o milho, a soja e a cana-de-açúcar.

Todas as empresas mencionadas já têm propostas de grãos transgênicos para fazer agrocombustíveis. Além disso, formam novas alianças. Uma empresa automobilística, uma empresa de petróleo, uma em-presa de cereais e uma empresa de transgênicos aliam-se para produzir agrocombustíveis. Assim, dominam toda a cadeia.

Desde o início, as empresas de petróleo estão inte-ressadas no processo porque se, se tiver que substituir 15% da gasolina por etanol, isso teria que ser através da rede de distribuição de gasolina - as distribuidoras -, que estão nas mãos das concessionárias das petro-líferas. E querem estar no negócio: se vão mudar 15%, querem estar desde agora, porque, além do mais, têm as redes.

Então, um dos enfoques é subsidiar, aumentando a dívida externa que é paga pelos próprios países, que é paga por toda a população. Se fazem investimen-tos – dizem que produtivos -, baixam os preços, um grande negócio para as transnacionais, uma vez que o povo é quem paga. E nem sequer se consegue o objetivo declarado que é o de reduzir as emissões de dióxido de carbono.

Por outro lado, impulsionar e promover a produ-ção de agrocombustíveis está relacionado com a criação de árvores transgênicas. Os monocultivos de árvores transgênicas de rápido crescimento, para uso como agrocombustíveis, implicam em enfraque-cê-las, em diminuir seu conteúdo de lignina (subs-tância que dá consistência e rigidez à madeira), para que o processamento seja mais fácil. Como essas ár-vores emitem pólen durante toda a sua vida, as em-presas, no afã de proteger suas patentes, propõem que seja utilizada uma seqüência Terminator, uma seqüência que faz com que os cultivos, em segunda geração, sejam estéreis. Isso é gravíssimo. Ao fazer cultivos estéreis em segunda geração, aumenta-se a dependência em relação aos donos da patente do cultivo. Mas também há o risco de mutação, porque o Terminator é uma construção genética complexa. Primeiro tem que ser plantado, ele cresce e tem que ser estéril na segunda geração, o que o torna suma-mente instável. Então, finalmente, além de não sa-bermos como irá interagir com o ambiente, o Termi-

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O contexto global em que se ins-creve a iniciativa norte-america-na de mudança do padrão energé-tico nos faz recordar que essa iniciativa é lançada no cenário in-ternacional quando, no início de 2007, Bush declara que chegou o momento de fazer frente ao aque-cimento global com energias lim-pas. E uma delas são os agrocom-bustíveis. Outra das energias “limpas” que menciona é a ener-gia nuclear. É sabido que a Bechtel é uma das principais empresas com centrais de energia nuclear e que o próprio pai de Bush é acio-nista da Bechtel.

No plano de novas alternativas energéticas, falam também de usi-nas hidrelétricas, o que é curioso, porque nos Estados Unidos há um

trabalho de monitoramento da International Rivers Network que tem denunciado suas falhas e efei-tos nocivos. Espera-se que em 2020 cerca de 80% das hidrelétri-cas se tenham desmantelado, ao terem alcançado seu período de vida útil, que é de 50 a 60 anos, no máximo.

É sabido que todas as represas que foram construídas desde o final da segunda guerra mundial deslocaram em torno de 80 mi-lhões de pessoas. E que toda a destruição ambiental que ocorre quando são construídas é nada se comparada com a destruição que geram quando se desmante-lam. Voltam, então, a inundar as terras, liberam os sedimentos que acumularam mercúrio no

fundo das represas, e inundam as zonas rurais que foram povoadas depois que as barragens foram levantadas.

É curioso que Bush diga que vão construir mais represas, quando nos Estados Unidos ninguém mais quer hidrelétricas. Onde irão cons-truí-las se nos Estados Unidos não? E também não há clima social para aceitar centrais de energia nuclear.

Quando falam, então, de agro-combustíveis, de centrais de ener-gia nuclear ou de represas hidre-létricas, tratam-se de iniciativas ambientalmente muito proble-máticas que se baseiam em um padrão de consumo de energia que em si mesmo é muito proble-mático e em uma geopolítica de produção de energia muito viru-

nator também não vai funcionar 100%. Talvez uns 80% seriam estéreis na segunda geração, assim como seria estéril com tudo o que cruzasse nas pro-ximidades. Mas os outros 20 a 30% se cruzariam e continuariam a transmitir genes que não se sabe até quando serão estéreis, ou que efeito terão sobre as plantas ou seres vivos com os quais se relacionarem.

Há uma linha ainda mais audaciosa. Os transgêni-cos são uma das formas de manipular, mas o que avança mais e mais é a chamada biologia sintética.

E a biologia sintética não são transgênicos, porque os transgênicos são organismos que existem aos quais se agrega uma seqüência de outro organismo existente. Em troca, a biologia sintética se propõe a pegar o mapa genômico de um organismo e recons-truí-lo do zero. E já o fizeram: pegam os genes um por um e fazem seqüências genéticas. Gente como Craig Venter, que seqüenciou o genoma humano, diz que dentro de dez anos grande parte da petro-química será substituída a partir de organismos sin-téticos que se autoreproduzem. Não fala de vege-tais, mas sim de bactérias. De bactérias que podem ser inseridas em vegetais, em animais, bactérias arti-ficiais, construídas do zero.

Financiados pelo Departamento de Energia dos

Estados Unidos, vão se juntar duas tendências: os agrocombustíveis e a biologia sintética. Produzindo organismos completamente novos e criando meca-nismos que façam os cultivos transgênicos mais di-geríveis para seu processamento como combustíveis.

Concluindo, a lógica que está por trás é que, haven-do um problema ambiental, um desastre de qual-quer tipo, há negócio – essa é a visão da indústria. Se forem gerados novos problemas de contamina-ção ou uma crise, essa é uma nova fonte de negócios.

O que temos que entender é como contestar esses tipos de lógica e procurar controlá-los.

Em relação ao problema das mudanças climáticas, afirmamos que nada relacionado aos agrocombustí-veis encaminha-se para remediar o problema real: o consumo de automóveis e de gasolina não vai bai-xar. Para diminuir o problema do aquecimento glo-bal, se deveria ir ao fundo do assunto: as emissões. E não há nenhuma outra forma de mudar isso senão baixando a fonte de emissões: o transporte indivi-dual, a multiplicação de automóveis, os contami-nantes industriais. l

Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo etc. Ver, www.etcgroup.org

Os agrocombustíveis não resolvem nada Os Estados Unidos são viciados em petróleo

Andrés Barreda

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lenta que não explicitam. Portan-to, cabe a nós investigá-las e con-frontá-las.

Em relação aos agrocombustí-veis, há que considerar que com eles não se pensa em substituir 100% do abastecimento dos veí-culos automotores. Para começar, o etanol não serve em regiões onde se tem que subir e descer monta-nhas, já que perde muita capacida-de de potência na subida.

Nos Estados Unidos, o etanol foi liberado em 2002 e está dispo-nível em duas modalidades. Uma é 85% etanol e 15% gasolina convencional, a outra, 85% gaso-lina e 15% etanol. Na União Eu-ropéia, a intenção é somente substituir uma pequena parte do tanque de gasolina com etanol. Enchendo-se o tanque de um au-tomóvel com 100% de etanol, a emissão de CO2 cairia uns 80%, o que é muito. Mas a eles não in-teressa substituir os 100%. Na realidade, procuram substituir mais ou menos 15%, dependendo do país e de outros fatores. Se

substituirmos 50%, diminuem em 40% as emissões de CO2. Substituindo 25%, reduzimos em 20%. Então, 15% reduzem me-nos do que 10% das emissões de CO2, de acordo com diversos cál-culos.

Reduzir as emissões de CO2 em uma quantidade tão pequena tem a ver, fundamentalmente, com os problemas estruturais da indús-tria automotiva mundial. As as-sociações automotivas do mundo reconhecem que circulam no pla-neta mais de 800 milhões de au-tomóveis, quase um bilhão. So-mos 6,3 bilhões de habitantes no planeta. Anualmente são produ-zidos 80 milhões de automóveis, dos quais o mercado internacio-nal tem capacidade de consumir mais ou menos 60 milhões. O problema que a indústria auto-motiva enfrenta é que há uma su-perprodução fenomenal, em parte ocasionada pela dinâmica normal de qualquer país desenvolvido, uma crise de superprodução com as conseqüências normais; há su-peracumulação e as taxas de ga-

nho estão baixando. A essa crise se acrescenta a erup-

ção da China, da Índia e da Euro-pa Central no mercado mundial de automóveis. Há numerosas empresas automotivas, não da es-cala das grandes gigantes – Toyo-ta ou General Motors, Ford ou Volkswagen – mas que são muito fortes. Os chineses têm somente cinco empresas automotivas, que crescem e que não vão competir muito com as outras porque abas-tecem o próprio mercado interno. A isso se somam outras empresas do mundo que complicam a su-perprodução de automóveis. As conseqüências são visíveis: todas as indústrias automotivas norte-americanas vivem uma forte crise que permanentemente as obriga a reduzir pessoal, com o que per-dem competitividade ante as in-dústrias automotivas asiáticas e japonesas.

O assunto é grave porque a in-dústria automotiva – embora te-nha havido muita automatização e mudanças - segue sendo o cora-

As vias férreas que existem no planeta para o transporte ferroviário e os oleodutos são redes que articulam em nível planetário esse autômato global que o neoliberalismo nos entregou nos últimos vinte anos: a integração de todas as fábricas em escala mundial. Se olharmos para o leste dos

Estados Unidos, percebemos que é um lugar muito denso em construção de redes ferroviárias, mas, em escala plane-tária, nos damos conta que a distribuição é muito desigual. Olhando toda a região asiática ou a África, vemos que são lugares onde não há redes, se comparados com a Europa.

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ção de toda a indústria metal-me-cânica e da indústria geral do pla-neta. Consultando as listas das maiores empresas do mundo, além da Wall Mart estão todas as grandes petrolíferas e as grandes produtoras de automóveis. São a base, não tanto de emprego, por-que são altamente automatizadas, mas sim da demanda de outros produtos industriais. Toda a in-dústria de mineração do mundo gira em torno da indústria auto-motriz, e o mesmo ocorre em re-lação à produção de plásticos.

Hoje, as toneladas que se pro-duzem de plástico para abasteci-mento de todo o tipo de bens de consumo superam, no mercado mundial, as toneladas de metal produzidas. A indústria automo-tiva cada vez demanda mais plás-tico e muitíssimo vidro. Então, petróleo e automóveis são o eixo das cadeias industriais. Não é por acaso que a indústria automotiva foi o laboratório da nova onda de globalização produtiva mediante as fábricas mundiais.

Nos anos 80, pela primeira vez as fábricas foram globalizadas:

não na indústria têxtil, nem na aviação, nem na construção de navios. Na indústria automotiva introduziram-se os principais au-tômatos produtivos que reduzi-ram brutalmente o tempo de pro-dução para fabricar cada automóvel. De quarenta horas que gastavam inicialmente, as re-duziram para oito, e para cinco na atualidade. A indústria auto-motiva é realmente o centro da indústria mundial, e então essa produção de milhões de automó-veis é o centro do problema

Ao dizer que o desenvolvimento da indústria automotiva é a ama e senhora da acumulação do ca-pital global, há que se olhar para o espaço onde os veículos auto-motores são consumidos. Essa é uma das pequenas causas do aquecimento global. São produzi-dos 80 milhões de automóveis por ano e há uma superprodução de 20 milhões. O que os podero-sos precisam agora não é regular o aquecimento global, esse não é o problema. O que requerem é manter em alta a taxa de cresci-

mento da indústria automotiva. Grave não é que se derreta a calo-ta polar norte, mas sim que do petróleo que existe no planeta, a metade do que foi produzido em 400 milhões de anos já se acabou. Sobra a outra metade. Em 150 anos de uso de petróleo consu-miu-se a metade.

Na idéia de manter a taxa de crescimento industrial, a taxa de crescimento urbano, a dinâmica atual do planeta, se calcula que a outra metade das reservas petrolí-feras dure mais 30 anos. Isso por-que a idéia das empresas é manter a demanda de petróleo em alta, não deixá-lo ali no subsolo e des-perdiçá-lo. Trata-se de colocá-lo na dinâmica da acumulação glo-bal, mas queimá-lo de forma eco-lógica. Que se possa queimá-lo cumprindo os Protocolos de Kyo-to ou algum novo protocolo que seja inventado.

Essa é a manobra de Bush com o invento dos agrocombustíveis. É regular um pouco, acobertar, de-pois de tantos anos dizendo que não havia aquecimento global, agora que já é insustentável pros-

As redes de oleodutos têm mais ou menos a mesma distribuição concentrada no norte. Gasodutos e petrodutos muito extensos saem da Sibéria Ocidental ou do norte da

África e abastecem de energia petrolífera a Europa. Há grande concentração de redes de gasodutos e petrodutos no leste dos Estados Unidos.

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seguir negando. Passaram os últi-mos oito anos corrompendo cien-tistas, para que façam lobbies, informes e declarações em todos os painéis internacionais, o que fez com que tenham sido todos expulsos das associações e acade-mias de ciência, pela magnitude das manipulações e mentiras que montaram. Então, se começa a impulsionar o etanol para reduzir as emissões de CO2 e suplantar o MTB (metil-tributil-éter), que produz câncer, resolvendo, segun-do eles, o desprestígio que o MTB gerou como regulador da octana-gem dos tanques de gasolina, sem frear o crescimento da indústria automotiva global.

O verdadeiro perigo segue sendo a indústria automotiva e o padrão petroleiro, e não se faz nada para regular a fonte do aquecimento global que é o transporte mun-dial. Não é somente um problema nas cidades – embora ali se con-centre. Distribui-se em todo o planeta e tem a ver com a loucu-ra: não são somente os veículos

automotores, é a rede de aviões – uma que tem crescido brutalmen-te e que também tem indícios de superprodução.

É também a brutal quantidade de petróleo que gastam os barcos com o uso de óleo combustível, quando navegam pelo planeta; a contaminação de todas as redes de transporte, desenfreada por essa revolução intermodal que as multiplica e as integra como au-tômato global.

As redes de comunicação tam-bém geram um problema de con-taminação que tem a ver com o desenvolvimento sem limite de todas as cidades, em todo o pla-neta, numa dinâmica de urbani-zação brutal que não só gera aquecimento global como tam-bém a destruição do ciclo da água.

Na realidade, o tema dos agro-combustíveis é a típica manipula-ção de um problema de fundo que não estão resolvendo: é a cri-se geral do padrão tecnológico com o qual empreenderam o pro-cesso de globalização. Não pode-

mos brigar somente contra os agrocombustíveis, que com certe-za entranham todos os perigos assinalados: eles mesmos contri-buem mais com o aquecimento global, não o detêm e introduzem um problema que não existia – a aliança entre a indústria automo-tiva e a agroindústria, que tam-bém se encontra em crise de su-perprodução. Os Estados Unidos não sabiam onde colocar seus ex-cedentes de milho até que come-çaram a inventar, em 2002, a pro-dução de etanol com base no milho. E iniciou a euforia na Bol-sa de Valores de Chicago pelo au-mento dos preços do milho.

E há outra crise: a de legitimi-dade na inovação tecnológica. Toda essa onda de novas tecnolo-gias – da engenharia genética à nanotecnologia, ou à geoenge-nharia, esses novos dispositivos inventados pelas empresas de ponta – está é acumulando uma quantidade enorme de imprevis-tos (técnicos, ambientais) que se somam em uma lógica de caos muito, muito grande.

As redes rodoviárias do planeta refletem a cifra: um bilhão de automóveis. Não há redes rodoviárias no Círculo Polar Ártico, nem nas partes densas do Himalaia. Em algumas pequenas regiões do Saara e do Amazonas, estão se

esmerando em construir malhas rodoviárias para o interior. Logo, com a Iniciativa da Integração Regional Sul-Americana (iirsa), a região será modernizada e haverá rodovias.

Fonte dos três mapas: Centro de Análisis Social, Información y Formación Popular (Casifop)

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É a primeira vez na história do capitalismo que enfrentamos uma crise simultânea de supera-cumulação de capital, onde há ca-pitais que devem ser destruídos porque estão sobrando (as crises típicas que existem há dois sécu-los), combinada com uma crise ecológica de escala planetária, a essas alturas irreversível, e com outra crise, tecnológica, de legiti-midade da inovação técnica. Du-rante dois séculos, o capitalismo teve como pivô e principal arma de controle territorial, de pessoas, do consumo, militar, etc., a inova-ção tecnológica. De Chernobyl para cá essa inovação unicamente aumenta sua crise de legitimida-de.

Esses problemas inter-relacio-nados mostram uma profunda crise do capitalismo, que é sobre-tudo dos Estados Unidos: eles inventaram o padrão tecnológi-co, são os mais ancorados no pa-drão tecnológico petroleiro, eles sofrerão de maneira mais negati-va a crise da indústria automoti-va e eles teriam que sair desse problema.

Os movimentos de xadrez que fizeram para controlar o petróleo do Oriente Médio fracassaram. Praticamente já perderam a guer-ra no Iraque. E a sua área de re-

serva de energéticos tradicionais, que era a América Latina, tam-bém está em crise. Normalmente não é muito divulgado, mas a América Latina abastece 40% do petróleo e do gás dos Estados Unidos, e outros 15% do Cana-dá. Ou seja, da região que em al-gum momento se imaginou como Área de Livre Comércio das Amé-ricas, alca, retira 55% de sua energia.

Com a política de Chávez, na Venezuela, a situação norte-ame-ricana começou a mudar, até por-que a ele já se somaram Bolívia e Equador. A Argentina e o Brasil também não estão à disposição dos Estados Unidos da maneira como estes gostariam, por depen-derem geopoliticamente da ener-gia latino-americana.

Então, para os Estados Unidos é muito importante realizar na América Latina a mesma opera-ção geopolítica que fez no Orien-te Médio, quando, nos anos 80, os principais produtores de petró-leo uniram-se para formar a OPEP e o preço do petróleo subiu de 3 para 35 dólares o barril. A Europa, os Estados Unidos e o Ja-pão perderam bilhões de dólares. Reverteram isso desestruturando a OPEP, em 1985, quando a Ará-bia Saudita deu as costas à OPEP

– em parte graças à família Bin Laden. Começou a se gerar super-produção, desmantelou-se o blo-co petroleiro e se reduziu o preço do barril de petróleo de 35 para 15 dólares, o que gerou uma per-da de 100 bilhões de dólares anu-ais para a União Soviética. A isso se deve a quebra da União Sovié-tica. Também gerou perdas imen-sas aos países árabes que os leva-ram a não serem mais clientes de armamentos da União Soviética. Esse segundo golpe geopolítico, ocorrido entre 1985 e 1986, con-solidou muito a hegemonia norte-americana.

Os Estados Unidos precisam no-vamente romper o mapa geopolí-tico que se está gerando na Améri-ca do Sul em matéria energética. O que Chávez está fazendo é muito danoso aos Estados Unidos e ao seu abastecimento de petróleo.

Oferecer a Lula e à burguesia brasileira a ilusão de que juntos poderiam construir a opep do etanol através de Jeb Bush funcio-nou, e os burgueses brasileiros já morderam a isca. A Colômbia alegremente disse que se somará à opep do etanol colocando toda a Orinoquia para cultivo de cana. Também Correa se manifestou de que o Equador produzirá etanol.

Resumindo, o objetivo geopolí-tico dos agrocombustíveis é tre-mendo. Colocar uma série de cunhas nos blocos regionais do sul é uma iniciativa efetiva, por-que haveria necessidade de pôr em dúvida se os militares brasilei-ros ou a Petrobras podem compe-tir com os dispositivos alternati-vos da engenharia genética que já tramam os Craig Venter e outros do gênero. Toda a iniciativa é re-almente uma armadilha.

Andrés Barreda é economista, catedrático da Universidade Nacional Autônoma do México e diretor do Centro de Análises Sociais, Informação e Formação Popular com sede no México.

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Plantação de dendê na Colômbia

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Agrocombustíveis

Sintomas de uma próxima

combustão globalizada

O que segue é um mosaico com fragmentos de textos de muitas

pessoas e coletivos que estão pensando no que fazer ante a ameaça

e o mito dos combustíveis agroindustriais. Esperamos

que essas reflexões nos mostrem os perigos e talvez algumas saídas a essa nova escalada de agressão das empresas e de seus governos

em todos os países.

O mundo bombeia petróleo com desleixo irres-ponsável mesmo quando aumenta a população glo-bal e os sistemas de suporte ambiental da economia deterioram-se. Geólogos importantes pensam que a produção de petróleo está por chegar a um clímax, depois do qual virá o declínio. E ainda que ninguém saiba quando chegará esse clímax petroleiro, o abastecimento está muito aquém da demanda, o que faz os preços dispararem.

Ao se defrontar com uma demanda aparentemente insaciável de combustível automotriz, há quem queira desmatar mais e mais florestas tropicais (das que ainda permanecem em pé), com a finalidade de produzir cana-de-açúcar, dendê e outros cultivos de alto rendimento, dos quais se faz agrocombustível. Bilhões de dólares de capital privado movimentam-se para impulsionar esses esforços. Na realidade, o aumento dos preços do petróleo está gerando uma nova e descomunal ameaça à diversidade biológica da Terra.

Conforme cresce também a demanda por maté-rias-primas agrícolas, as preocupações do comércio internacional dão uma virada: se antes o foco era colocado em assegurar o acesso aos mercados (como

era seu objetivo tradicional), agora o foco é assegu-rar o acesso ao abastecimento.

Os países bastante dependentes das importações de grãos para se alimentar começam a se preocupar com que os que compram para as destilarias de agrocombustíveis possam esgotar os estoques. Con-forme a segurança energética se deteriore, também se deteriorará a segurança alimentar.

Na medida em que o papel do petróleo diminuir, o processo de globalização será revertido de maneiras fundamentais. Quando o mundo recorreu ao petró-leo, durante o século passado, a economia baseada na energia foi se globalizando, e o mundo dependeu fortemente de um punhado de países do Oriente Médio para se abastecer de energia. Agora, confor-me o mundo se volte para o vento, para as células solares e para a energia geotérmica, seremos teste-munhas da localização da economia baseada na energia, em nível mundial.

O mundo encara a emergência de uma geopolítica da escassez, que já é visível nos esforços da China, da Índia e de outros países em desenvolvimento para assegurar seu acesso aos estoques de petróleo. No futuro, o ponto não será unicamente quem tem acesso ao petróleo do Oriente Médio, mas também ao etanol do Brasil ou aos cereais da América do Norte.

As pressões que existem sobre a terra e sobre a água, já por si sós excessivas em quase todo o mundo, se intensificarão ainda mais conforme cresça a demanda por agrocombustíveis. Lester Brown, Plan B 2.0: Rescuing a Planet Under Stress and a Civilization in Trouble (New York, W.W. Norton & Company, 2006)O espírito de conquista dos finais do século XIX (exemplificado com aquela declaração de Cecil Rhodes, na qual maldizia as estrelas porque não po-dia conquistá-las) volta a ser o combustível que ani-ma o capital. Mas o método mudou. Não se trata de

Uma panorâmica e muitas vistas

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conquistar países e torná-los colônias, isso sai muito caro e é muito perigoso. É preferível conquistar ter-ritórios específicos e deixar nos governos uma plêia-de de serviçais que se ajoelham frente ao capital, seu exercício aeróbico favorito.

Nessa nova relação, o capital não vê países, mas sim territórios: o Brasil não é Brasil, mas sim a Flo-resta Amazônica e milhões de hectares que devem ser realocados na lógica do capital e de suas priori-dades. A Bolívia não é Bolívia, mas sim uma exten-são de terras onde há gás em abundância. O México não é México, mas sim a Floresta Lacandona onde há petróleo, urânio, água, etc...

Se no século XVII as ovelhas engoliram os campo-neses na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda, agora o que se busca é que os automóveis engulam os camponeses da África, da Ásia e da América La-tina, através da extensão geométrica do plantio de uma série de produtos destinados à produção de etanol (milho e cana-de-açúcar principalmente) e “biodiesel” (dendê e soja). Mas quais são as conse-qüências da utilização de produtos agrícolas, em especial grãos, para a produção de gasolina?

Segundo o especialista Lester Brown, a produção

mundial de cereais chegou, em 2006, a 1.967 mi-lhões de toneladas, mas a demanda foi de 2.040 mi-lhões de toneladas; ou seja, o planeta não produziu 73 milhões de toneladas necessárias (uns 4%), o que é um déficit histórico. Isso assinala uma tendência que parece irreversível, pois o déficit vem se acumu-lando nos últimos sete anos, o que resulta em que as reservas mundiais de grãos (reservas das quais nin-guém fala) estejam caindo ao nível mais baixo dos últimos 34 anos (“a última vez que isso ocorreu, os preços dos grãos e do arroz duplicaram”, recorda Brown).

Ao contrário, o uso de cereais para a produção de combustíveis tem crescido: 54 novas destilarias de

etanol estabelecidas nos Estados Unidos entre outu-bro de 2005 e outubro de 2006 que, segundo dizem, transformarão 39 milhões de toneladas anuais de grãos (quase tudo milho) em cerca de 15 bilhões de litros de etanol; a essas se devem somar as 41 mi-lhões de toneladas já transformadas em etanol em 2005; isso significa que até o final de 2007 os Esta-dos Unidos transformarão milho em combustível a um ritmo de 80 milhões de toneladas por ano.

Se como dizem, nos próximos anos se produzirão 147 milhões de toneladas de agrocombustíveis, será necessário que uma parte importante dos plantios normais para alimentação dos seres humanos seja substituída. Inevitavelmente, teremos mais fome (já que o déficit de cereais irá aumentar), e um processo crescente de eliminação do campesinato e das co-munidades indígenas, enquanto as grandes multina-cionais, com o apoio da maioria dos governos que realmente atuam como seus lacaios, serão as gran-des beneficiárias. Por isso, Jeb Bush já foi designado presidente da organização internacional a favor dos “biocombustíveis”, mesmo antes de terminar seu mandato como governador da Flórida.

Pior ainda, essas tristemente célebres 147 milhões

de toneladas não resolverão o problema da substitui-ção do petróleo, na realidade somente poderão aten-der à demanda emergente. Para resolver o problema do consumo de gasolina se teria que afetar os grandes pulmões da terra, a floresta Amazônica, a floresta La-candona, os Chimalapas, os Galápagos, a savana costa-riquenha, a floresta da Indonésia, etc. Com as terríveis conseqüências que isso traria.

Tudo isso encarecerá os preços (milho, soja, den-dê), incrementará a renda diferencial, o que facilita-rá a pilhagem agrária.

Não é um exagero apocalíptico, tem a ver com algo mais simples: a rentabilidade do etanol não se compara com a do petróleo. Para encher o tanque

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de 45 litros de um automóvel compacto, segundo se tem dito, são necessários 102 quilos de milho, o que representa o consumo calórico de uma pessoa du-rante seis meses.

Efetivamente, o ponto de conjunção em curto pra-zo será: gasolina ou alimentos, gasolina ou equilí-brio ecológico. O problema é que, com essa nova fase da revolução industrial-tecnológica, só será permitido é que se feche a brecha entre o agro e a indústria, mas não a partir da racionalidade do cres-cimento industrial, e sim a partir de redirecionar uma boa parte da produção agrícola para a fabrica-ção de gasolina. Em paralelo, já se fala na segunda Revolução Verde (não satisfeitos com o fracasso da primeira), que, juntamente com os transgênicos, busca a conversão agrária para as agroindústrias. Sergio Rodríguez Lascano, “Neoliberalismo, terri-torios y la otra geografía” Programa de las Américas http://ircamericas.org/esp/4587.

As indústrias mais poderosas do planeta a vêem como uma fonte de suculentos lucros e ainda conse-guem que muitos governos as apóiem com leis e subsídios. Por isso, a onda dos agrocombustíveis se-gue avançando, não porque seja boa para o ambien-te ou traga qualquer solução às mudanças climáti-cas globais – na verdade vai piorá-las. As companhias automobilísticas esperam que o novo combustível obrigue as pessoas a mudarem de carro. As petrolei-ras controlam o sistema de distribuição de combus-tíveis e as que controlam o comércio mundial de grãos ganharão tanto com o aumento da demanda de agrocombustíveis como com o aumento do preço dos alimentos que deverão competir com esses. As grandes transnacionais florestais e com fábricas de celulose (Stora Enso, Aracruz, Arauco, Botnia, Ence e outras) que agora produzem para a indústria do papel, também prevêem negócios com os combustí-veis agroindustriais e com mudanças tecnológicas mínimas podem redirecionar suas fábricas para pro-cessamento de etanol... Os fabricantes industriais de rações para frangos e gado, como a Tyson Foods, fizeram alianças com companhias petrolíferas para fabricar biodiesel a partir de gordura animal...

Atualmente, todas as sementes transgênicas que são plantadas comercialmente no mundo são con-troladas pela Monsanto (quase 90%), pela Syngen-ta, Dupont, Bayer, Dow e Basf. A Monsanto, a Syn-genta e a Dupont têm, juntas, 44% da venda de sementes patenteadas do mundo. Se conseguirem consolidar novos nichos de venda que “necessitem” suas sementes patenteadas, aumentarão seus lucros e seu controle sobre as sementes – chave de toda a cadeia alimentar humana e animal – desembarcan-

do em outro setor chave: os combustíveis.Todas as transnacionais que controlam os transgê-

nicos já têm investimentos na pesquisa e desenvolvi-mento de combustíveis agroindustriais. A maioria em cultivos transgênicos com maior conteúdo olea-ginoso, de açúcar ou de amido, mas também em en-zimas e bactérias transgênicas, que serão incorpora-dos aos cultivos de árvores, para acelerar o processamento...

O passo seguinte nessa escalada de conseguir lu-cros privados colocando em risco os bens comuns da humanidade e o planeta é a biologia sintética, que pretende criar seres vivos construídos do zero. A Synthetic Genomics, a companhia do controverti-do geneticista Craig Venter, trabalha na criação de organismos vivos totalmente artificiais para produ-zir energia. Silvia Ribeiro, “Corporaciones, agro-combustibles y transgénicos, La Jornada, 15 de se-tembro de 2007

Os efeitos nocivos dos agrocombustíveis são di-versos e profundos, e em muitos casos provocam mais gases de efeito estufa do que os combustíveis tradicionais. As subvenções milionárias concedidas pelas autoridades às grandes multinacionais têm um efeito perverso sobre o sistema ecológico da terra, além de provocar mais miséria em diferentes partes do mundo. O aumento espetacular da demanda, provocado pelas medidas impostas pelas autorida-des européias e norte-americanas, está causando desmatamento, erosão, incêndios florestais, aumen-to do modelo agroindustrial (mais consumo de combustíveis pela maquinaria e no transporte), au-mento do uso de inseticidas, fungicidas, herbicidas e adubos químicos, concentração de terras, desaloja-mento forçado, aumento da violência contra a po-pulação indígena e camponesa, repressão sindical, aumento do uso de sementes geneticamente mani-puladas, mais trabalho precário, mais fome, mais consumo de água e menos terras dedicadas à produ-ção de alimentos. Hendrik Vaneeckhaute, “Biocom-bustibles: la gasolina de la destrucción”, rebelión.org., 10 de agosto de 2007

“Como ficar rico com o aquecimento do planeta?” dizia um anúncio no jornal norte-americano US To-day, em abril de 2007. O desenvolvimento do capi-talismo está intimamente vinculado com as fontes energéticas. Em sua fase neoliberal – liberar as for-ças do mercado para resolver a crise de acumulação - houve uma verdadeira explosão da utilização de energias. O resultado foi o aumento espetacular da produção de CO2 na atmosfera e, finalmente, o aquecimento acelerado do planeta no momento em

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que chegamos ao fim do ciclo de hidrocarburantes, com o previsível esgotamento do petróleo e do gás.

Mas, na realidade, trata-se de uma crise do mode-lo de desenvolvimento. A utilização de fertilizantes e agrotóxicos (produzidos com energia fóssil) tam-bém é um fator de destruição ecológica. Os mono-cultivos [incluídos os que produzem matéria-prima para agrocombustíveis] os utilizam de modo inten-sivo, espalhando-os com aviões agrícolas, sem fazer distinção entre a biodiversidade existente. Atual-mente, são utilizados 45 milhões de toneladas des-ses produtos químicos por ano no mundo e, se qui-sermos salvar os solos e a água, essa quantidade deveria ser reduzida de forma drástica. Também se deve acrescentar o transporte dos produtos agríco-las originais até os locais de processamento, desses para os portos, dos portos em barcos até os locais de consumo, operações que utilizam energia de pe-tróleo e se somam à fatura ecológica. François Hou-tart “El costo ecológico y social de los agrocombus-tibles” em Crisis planetaria, derechos humanos y agrocombustibles, diagnósticos, análisis y alternati-vas, Bogotá, Colômbia, 6 de agosto de 2007.

Os agrocombustíveis não necessariamente reque-rem mudanças nos padrões de consumo, nem rees-truturar a economia que se baseia em combustíveis fósseis.

As empresas petrolíferas consideram que com eles podem prolongar sua vida e diversificar seus negó-cios. Ao adicionar uns 5-10% de etanol ou biodiesel na gasolina comum, o uso dos combustíveis fósseis pode se prolongar por várias gerações.

A indústria automobilística pode manter ou inclu-sive aumentar as vendas, já que as pessoas são obri-gadas a adquirir novos veículos adaptados ao uso de etanol. Tudo isso se faz enquanto se enterram os argumentos daqueles que exigem o tabu máximo em um sistema capitalista – reduzir o consumo.

A indústria da biotecnologia poderia parecer a me-nos beneficiada, mas tem possibilidades de obter lucros tremendos no momento em que enfrenta uma crescente oposição. Alcançar as metas dos agrocom-bustíveis requer desenhar cultivos para produzi-los, incrementando as colheitas e reduzindo os custos. Os cultivos geneticamente modificados (GM) ofere-cem um caminho para os lucros em curto prazo nes-ses dois últimos pontos. As variedades de milho GM e de cana-de-açúcar especificamente adaptadas para a produção de etanol já são utilizadas extensamen-te. Sendo a Monsanto a principal impulsionadora do milho GM, e 90% do etanol produzido nos Es-tados Unidos provêm do milho, em sua maior parte de cultivos geneticamente modificados, o etanol ga-

nhou o apelido de “destilado caseiro da Monsanto” [Monsanto Moonshine]. Suas pesquisas focam em genes de plantas de engenharia para obter colheitas ainda maiores e traços que facilitem seu processa-mento. O mais provável é que esse novo produto não seja próprio para consumo humano.

Com promotores como esses, um fato é absoluta-mente óbvio: a revolução dos combustíveis agroin-dustriais é tudo, menos revolucionária. A transição do uso dos agrocombustíveis exemplifica a reforma de um sistema para perpetuá-lo. Laura Carlsen, “La trampa de los agrocombustibles”, Programa de las Américas http://ircamericas.org/esp/4574

No Brasil há planos de desmatar pelo menos 80 milhões de hectares na floresta Amazônica (super-fície igual à da Itália e Espanha juntas), para culti-vos energéticos. Seus solos não são apropriados para cultivos, mas seu microclima atrai empresários de todo o mundo que penetram a floresta buscando o rendimento da soja durante o ano inteiro. O mi-croclima do rendimento milagroso parece estar com os ciclos contados; seu papel nas precipitações será alterado e se provocarão secas e incêndios: tudo isso em muito poucos anos. Na floresta Amazônica bra-sileira, o desmatamento, segundo um estudo da nasa, se acelera conforme sobe o preço da soja. O

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Dendê

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conhecimento acumulado desde os tempos do pró-álcool brasileiro faz do país o líder dos agrocombus-tíveis. O cultivo com melhor balanço energético, a cana-de-açúcar, só é rentável com trabalho semi-es-cravo: no interior do Brasil os bóias-frias continuam morrendo por desnutrição, trabalho excessivo (12-14 horas por dia a 7 dólares) e por efeito de agrotó-xicos. As favelas crescem pelo êxodo rural, bem como o número de presídios. Mas agora o Brasil é protagonista de um novo papel: exporta seu modelo para toda a América Latina e para a África, contan-do com fantásticos investimentos em dólares e em euros...

Se os cultivos energéticos aprofundam a concen-tração de terras e a industrialização da agricultura, com a terra em tão poucas mãos e tantas mãos sem terra, os fluxos migratórios internos nos países pro-dutores crescem junto com a miséria e a insegurança das cidades.

A perda de biodiversidade provocada pela expan-são da fronteira agroenergética, verdadeira frente bélica contra a biosfera, é conveniente ao mesmo setor industrial que se orgulha de produzir biodiver-sidade em seus laboratórios e gera a escassez de va-riabilidade genética que assegura seus negócios fu-turos. Os mesmos financiadores da segunda Revolução Verde e dos desmatamentos já guardam toda a informação genética ainda disponível, adian-tando as “retroescavadeiras” a toda velocidade (en-tre elas a Fundação Gates). A museificação da infor-mação genética é o primeiro passo para a sua substituição desenhada com engenharia. Andrea Markos, “Agrocombustibles: impactos sobre el am-biente, la soberanía y la seguridad alimentaria glo-bal”, www.eco-sitio.com.ar, julio 2007

As condições de trabalho e os salários são deplorá-veis na indústria de plantio de cana em geral. De acordo com o Centro de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos Marçal de Souza Tupã-i, no Brasil o trabalho nos engenhos de açúcar é classificado como trabalho degradante “pelas condições pouco saudáveis em que os indígenas exercem as atividades e pelas condições de alimentação e de alojamento a que são submetidos durante o período de trabalho quando dormem nas fazendas”.

Depois da primeira crise do petróleo de 1973-1974, houve uma grande expansão nas áreas de cana-de-açúcar para a produção de álcool, como re-sultado direto dos incentivos em forma de crédito e de subsídios de até 75% para a construção de desti-larias. Os principais beneficiários foram os grandes produtores de agrocombustíveis e se alcançou um nível de sobreprodução. Isso foi obtido mediante a

aquisição de terras de pequenos produtores que cul-tivavam alimentos. Os subsídios outorgados com o programa Pró-álcool aos cultivos de biocombustí-veis tornaram os produtores de alimentos pouco competitivos. Isso trouxe fortes enfrentamentos en-tre os agricultores que haviam sido expulsos de suas terras e os grandes proprietários que às vezes ocupa-vam ou delimitavam suas terras além de seus direi-tos de propriedade.

Houve muitas conseqüências negativas, sociais e ambientais, entre elas a contaminção de rios e a morte de peixes em decorrência dos dejetos do vi-nhoto (na produção de um litro de etanol são pro-duzidos entre 10 e 15 litros de vinhoto), más condi-ções dos trabalhadores na indústria, contaminação pela queima dos resíduos nas lavouras e competição com outros produtos alimentícios. Paulina Novo, Biocombustibles, agrocombustibles, las Institucio-nes Financieras Internacionales y la Inversión Priva-da: Una Panorámica General, 31 de agosto de 2007.

A demanda por água para a agricultura duplicará até 2050 pela produção de agrocombustíveis, asse-gura o Instituto Internacional de Água de Estocol-mo (SIWI, por sua sigla em inglês). A necessidade de grandes superfícies de plantio para o desenvolvi-mento de etanol e de biodiesel se converterá em um problema para as gerações futuras.

Os dados do SIWI concordam com um relatório apresentado em 2006 pelo Instituto de Administra-ção de Água, que, com o apoio das Nações Unidas, determinou que produzir agrocombustíveis poderia agravar a escassez de água até 2050: hoje a irriga-ção representa 74% do recurso utilizado, 18% des-tinam-se às centrais elétricas e outros usos indus-

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Plantação de dendê na Colômbia vigiada pelo exército

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triais; o consumo doméstico representa apenas 8%. Roberto Aguirre, Prensa Mercosur, 13 de agosto de 2007.

O monocultivo significa a destruição da agricultu-ra camponesa, se continuar o projeto de produção de agrocombustíveis. Para o Banco Mundial, se deve passar da agricultura camponesa para um mo-delo intensivo do tipo capitalista, o que significa a desagregação de comunidades indígenas (na Indo-nésia, em Papua Nova Guiné e na América Latina) e de afrodescendentes, e também a destruição dos pequenos produtores, às vezes de maneira brutal. No caso da Colômbia, isso se realiza com a ajuda do exército e dos paramilitares que não hesitam em massacrar as populações. Enfermidades se desen-volvem entre as pessoas expostas aos produtos quí-micos. Observa-se um número anormal de casos de câncer, de anemias e de leucemias entre aqueles que vivem nessas regiões. Elizabeth Bravo, Biocombusti-bles, cultivos energéticos y soberanía alimentaria en América Latina, Quito, Balli, Acción ecológica, Ai-vos, 2007.

Danos “colaterais” dos agrocombustíveis. Explo-ração do trabalho, já que se produzem em grandes extensões de monocultivo, em mãos de poucos pro-prietários, ou diretamente de propriedade das mul-tinacionais, que exploram a mão de obra de forma brutal: salários baixos, condições precárias, por temporadas, sem medidas de segurança (contra os produtos químicos), nem seguridade social. Segun-do a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os trabalhadores das grandes plantações detêm um dos mais altos índices de pobreza do setor agrícola, que, por sua vez, é um dos setores com mais pobre-

za.Violência. A expansão dos agrocombustíveis afeta

os povos nativos de maneira violenta. Na Colôm-bia, os grupos paramilitares, junto com o exército, em muitas ocasiões, pagos diretamente pelas multi-nacionais, encarregam-se de limpar as zonas das po-pulações que incomodam (com massacres, ameaças, bloqueios econômicos). O mesmo ocorre no Brasil, na Indonésia e em outros países.

Contaminação e degradação do solo, provocadas pela agroindústria (o que por sua vez contribui com as mudanças climáticas). Segundo a fao, até 500 milhões de hectares de terras aráveis desaparecerão no terceiro mundo por causa dessas práticas. A agroindústria utiliza agrotóxicos químicos (deriva-dos de petróleo) que causam contaminação e preju-dicam a saúde.

Desperdício de energia e deterioração das condi-ções da água doce. A agroindústria é grande consu-midora de energia. No último século, a população humana passou de 1,5 bilhões de habitantes para 6,3 bilhões, enquanto a quantidade de energia dedi-cada à produção de alimentos foi multiplicada por 80. Hoje se gasta 80 vezes mais energia para alimen-tar uma população somente quatro vezes maior. A agroindústria consome 70% da água doce, em nível global, e sua expansão provocará ainda mais ten-sões. Na maioria dos Estados empobrecidos, as multinacionais têm prioridade no uso da água.

Fome e deslocamento de cultivos. O boom dos cul-tivos que são destilados em combustíveis está cau-sando um aumento nos preços de muitos alimentos básicos. Se levarmos em conta que, segundo a OIT, a metade dos trabalhadores do mundo, 1,4 bilhões de trabalhadores, vivem abaixo da linha de pobre-za, com menos de 2 dólares por dia, o aumento dos

Foto: JavieraRulliÁrea central e armazém de uma plantação de dendê na Colômbia

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preços dos alimentos não é nenhuma boa notícia. Uma curiosidade: há 800 milhões de automóveis no mundo, e há 800 milhões de pessoas que padecem de má nutrição crônica. Os Estados ocidentais já elaboraram muitos programas para, supostamente, erradicar a fome do mundo, sem nada conseguir. Agora, em poucos anos, conseguirão alimentar seus automóveis. Hendrik Vaneeckhaute, “Biocombusti-bles: la gasolina de la destrucción”, rebelión.org., 10 de agosto de 2007

“Sem proporcionar equilíbrio ou ganho líquido de energia, o governo norte-americano gasta mais de 3 bilhões de dólares por ano em subsídios à produção de etanol; essa não é uma fonte de energia renovável nem um combustível econômico. E mais, sua produ-ção e uso contribuem com a contaminação do ar, da água e do solo, e com o aquecimento global. A maioria dos subsídios vão para as grandes empresas produtoras de etanol, não para os agricultores”, disse o pesquisador da Cornell, David Pimentel. Se-gundo seu estudo com Tad Patzek, “Em termos da energia obtida em relação com a energia que se gas-ta na produção do etanol, o milho requer 29% mais energia fóssil do que a que se obtém; o switchgrass (Panicum virgatum) requer 45% mais energia fóssil do que o combustível que produz, e a biomassa de madeira necessita 57% mais energia fóssil do que a obtida. Comparando a energia do biodisel com a energia fóssil necessária para a sua produção, a soja requer 27% mais do que gera, e o girassol 118% a mais”. Ao avaliar os resultados, os pesquisadores consideraram fatores como a energia utilizada para produzir o cultivo (incluída a produção de agrotóxi-cos e de fertilizantes, o funcionamento da maquina-ria agrícola e de irrigação, o esmagamento e o trans-porte do cultivo) e o processo de fermentação e de destilagem do etanol a partir da mistura líquida. Há ainda custos adicionais, como os subsídios federais e estaduais que são transferidos aos consumidores e os custos associados com a poluição ou degradação ambiental, não incluídos na análise. David Pimen-tel, entrevistado por Susan Lang, Cornell News Ser-vice, julho, 2005

Utiliza-se pelo menos nove vezes mais energia fóssil para produzir etanol de milho na porta da refinaria do que para produzir gasolina ou diesel de petróleo, afirma Tad Patzek, professor de engenha-ria química da Universidade de Berkeley. Ele prevê uma maior concentração na produção industrial de milho, em fazendas gigantescas operadas pelas grandes corporações agrícolas, sobrando aos peque-nos agricultores apenas arrendar-lhes suas terras.

Os Estados Unidos promovem, a qualquer custo, a produção de substitutos do petróleo, sem limitar o ritmo de uso desses combustíveis fósseis, para manter seu atual nível de consumo e suas próprias taxas de lucro. Gabriel Cocimano, Biocombusti-bles: una encrucijada latinoamericana, La Jornada Semanal, 16 de setembro de 2007.

Conservar as florestas ou as pradarias pode ser uma medida muito mais eficaz no combate às mu-danças climáticas do que converter em biocombus-tíveis grandes quantidades de cereais ou de tubércu-los, segundo uma análise publicada na revista Science.

Os autores do informe, Renton Roghelato e Do-minick Sprackeln, da Universiade de Leeds, do Rei-no Unido, compararam as toneladas de dióxido de carbono (CO2) que seriam liberadas na atmosfera durante 30 anos no processo de transformação em etanol ou biodisel de milho, de cana-de-açúcar ou de beterraba, com as que se emitiriam transforman-do terras agrícolas em florestas durante o mesmo período de tempo.

Segundo seus cálculos, o reflorestamento de uma área equivalente de terra é capaz de absorver de duas a nove vezes mais dióxido de carbono do que as emissões que seriam evitadas se essa área fosse dedicada a produzir biocombustíveis durante três décadas.

Os pesquisadores reforçam que reflorestar e con-servar as florestas têm vantagens adicionais, como

Frutos de dendê para o processamento de agrocombustível.

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a criação de mais empregos, o aumento e a conser-vação da biodiversidade, a redução da desertifica-ção e a regulação regional do clima. Gustavo Cata-lán Deus, El Mundo, 23 de agosto de 2007.

A transição para os agrocombustíveis baseia-se numa relação de 200 anos entre a agricultura e a indústria, que começou com a Revolução Industrial. O invento da energia a vapor prometeu o fim do trabalho pesado. À medida que os governos privati-zaram as terras comunitárias, despojaram os campo-neses da possibilidade de acesso à terra e a jornadas acessíveis de trabalho. Os fertilizantes petroquími-cos baratos abriram a agricultura para a indústria. A mecanização intensificou a produção, mantendo os preços baixos e o apogeu da indústria. O segundo século viu o triplo salto da mudança global para a vida urbana, e hoje há mais gente vivendo nas cida-des do que na área rural. A massiva transferência da riqueza da agricultura para a indústria, a industriali-zação da agricultura e a mudança urbano-rural são partes da “transição agrária”, que transforma a maior parte dos sistemas de combustíveis e de ali-mentos, e estabelece um petróleo não renovável como cimento da atual multibilionária indústria de agroalimentos.

Os pilares da indústria agroalimentícia são as grandes corporações de grãos que incluem a ADM, a Cargill e a Bunge. Da mesma forma, elas estão rodeadas por uma estrutura formidável de compa-nhias de agroquímicos, de sementes e de maquina-ria, por um lado, e de processadores de alimentos, de distribuidores e de cadeias de supermercados, pelo outro. No conjunto, essas indústrias absorvem

quatro de cada cinco dólares do mercado de alimen-tos. Sem dúvida, as suas margens de lucro estiveram paradas por um tempo.

Hoje, o poder de mercado está se concentrando nas mãos dos atores mais poderosos da indústria de alimentos e de combustíveis. Similar à transição agrária original, a transição corporativa dos agro-combustíveis “tomará os bens comuns” mediante a industrialização do que sobra das florestas e das pradarias do mundo. Isso fará com que os pequenos proprietários restantes, agricultores familiares e in-dígenas dirijam-se às cidades. A cumplicidade entre os governos e a indústria tem o potencial de canali-zar os recursos rurais até os centros urbanos em for-ma de combustíveis, concentrando a riqueza indus-trial. Mas isso pode empurrar milhões de pessoas para a pobreza e incrementar, de forma dramática, as mortes por inanição...

Os combustíveis competirão com os alimentos por terra, por água e por recursos. Os agrocombustíveis vão colapsar o vínculo entre alimentos e combustí-veis. A entropia inerente à agricultura industrial es-teve invisível durante todo o tempo em que o petró-leo foi abundante. Agora os sistemas alimentares e de combustíveis devem mudar de uma conta de poupança para uma conta corrente. Os agrocom-bustíveis nos levam a um gasto maior do que o sal-do na conta. “Renovável” não significa “ilimitado”. Enquanto os cultivos podem ser replantados, a ter-ra, a água e os nutrientes são limitados. Pretender o contrário serve aos interesses daqueles que mono-polizam tais recursos. Eric Holt-Gimenez, Les cinq mythes de la transition vers les agrocarburants, Le Monde Diplomatique, junho de 2007. l

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Ataques, políticas, resistência, relatos

Perfil de um cultivo violento

O óleo de dendê é o óleo vegetal que produz mais energia por li-

tro quando é queimado. Esse óleo re-presenta 25% de todos os óleos vege-tais produzidos no mundo. Cerca de 10% dos produtos do supermercado contêm óleo de dendê (do creme den-tal ao chocolate, passando pelos cos-méticos).

A África Central foi o principal produtor (primeiro o Congo, depois a Nigéria). A partir dos anos oitenta, a Malásia dominou o mercado.

Cerca de 87% do desmatamento na Malásia entre 1985 e 2000 foi provo-cado para plantar dendê. Na Indoné-sia, seu cultivo aumentou 118% nos últimos 8 anos. A Indonésia ultrapas-sará, neste ano, os 17 milhões de to-neladas de óleo de dendê, converten-do-se no primeiro produtor mundial. Nos próximos anos, se prevê o plan-tio de cerca de 3 milhões de hectares a mais. Grandes partes do Sudeste Asiático estão cobertas pelas nuvens dos incêndios provocados para abrir grandes áreas de floresta tropical. A Indonésia já é um dos principais emissores de gases de efeito estufa, em que pese ser um país relativamen-te pouco industrializado.

A existência dos orangotangos nas selvas de Bornéu e Sumatra está ame-açada pelo corte de florestas para o dendê.

O cultivo do dendê requer muita terra em clima tropical, e para ele se desmatam milhões de hectares de flo-resta. Dezenas de populações campo-nesas são despejadas de suas terras.

Requer pouca mão de obra, e esta é mal paga e precária, provocando mi-séria e desnutrição.

Muitas substâncias químicas (deri-vadas do petróleo) são utilizadas: fungicidas, herbicidas e inseticidas que provocam erosão, contaminação, e que envenenam as fontes de água potável, prejudicam a saúde dos tra-balhadores e causam, principalmente os fertilizantes, mais emissões de ga-ses de efeito estufa. Esses três fatores explosivos fazem desse cultivo um dos mais violentos que existe no pla-neta.

Vários estudos demonstraram que o uso de óleo de dendê provoca ainda

mais mudanças climáticas do que o uso de petróleo. Uma das causas é o fato de que o melhor solo para o cul-tivo do dendê é a turfa: uma espécie de esponja de matéria vegetal em de-composição, que contém enormes quantidades de carbono. Ao se dre-nar a terra de turfa, os gases são libe-rados para a atmosfera. Uma vez seca, ela é queimada para limpar o terreno para a plantação de dendê. Um estudo holandês calculou que em um ano esse processo (só na Indoné-sia) provocou a emissão de 2 bilhões de toneladas de carbono na atmosfe-ra, o que significa cerca de 8% de to-das as emissões globais pela queima de hidrocarbonetos.

O dendê é um dos cultivos ‘estraté-gicos’ do atual governo de Álvaro Uribe, na Colômbia. Sua introdução massiva é parte substancial da inte-gração e da legalização do paramilita-rismo no país. Em diferentes regiões da Colômbia o dendê é introduzido violentamente, em territórios sob controle paramilitar, terras de onde foram despejados centenas de milha-res de camponeses mediante massa-cres, assassinatos “seletivos” e amea-ças constantes. Em 2003, havia 118 mil hectares de dendê, três anos de-pois já eram 285 mil hectares, e até 2010 querem alcançar um milhão de hectares.

No Chocó, uma das regiões com

maior concentração de diversidade de espécies do mundo, a devastação já começou e dezenas de milhares de hectares são “derrubados”, queima-dos, e plantados com dendê. Milha-res de hectares foram plantados em territórios coletivos, de forma ilegal, como o confirmam diferentes infor-mes do Defensor da Comunidade, mas com proteção do exército. Na zona do baixo Atrato, após 15 despe-jos forçados, 200 assassinatos e desa-parições com emprego de força, quei-ma de povoados e de colheitas, anos de bloqueios econômicos por parte de paramilitares e militares, com o assédio permanente do exército sobre a população que retornava à zona, a Del Monte (multinacional norte-ame-ricana) firmou um convênio com a empresa Multifruits, da Colômbia, para plantar 20 mil hectares de pri-mitivo e dendê no território coletivo.

No Médio Magdalena, onde o den-dê foi introduzido há vários anos, a repressão aos sindicatos também está nas mãos dos grupos paramilitares. Em 2001, por exemplo, foram assas-sinados o vice-presidente do sindicato de Indupalma e três sindicalistas das empresas de dendê de Puerto Wilches. (Copiado de Hendrik Vaneeckhaute “Agrocombustibles: deforestación, desplazamiento forzado, explotación laboral, cambio climático”, ver rebe-lion.org, 16 de agosto de 2007) l

Planta de dendê destruída pela resistência camponesa

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Ataques, políticas, resistência, relatos

Des-desenvolvimento: proposta radical a partir do Sul

Convocadas para uma primeira reunião de trabalho para discutir sobre agrocombustíveis, as organizações

reunidas no Equador, de 27 de junho a 1º de julho de 2007, elaboraram um amplo documento

—A geopolítica dos agrocombustíveis— como posição do Sul Global sobre soberania alimentar,

soberania energética e a transição a uma sociedade pós-petróleo. Apresentamos aqui a parte final de seu

documento: “um manifesto pelo des-desenvolvimento: o caminho que, desde o Sul, propomos”.

O ocaso da civilização do petróleo e a reprodução do ca-pitalismo. A reprodução do atual estado da civilização ocidental depredadora, cuja forma é o neoliberalismo glo-balizado, tem como base material o petróleo.

Todas as forças motrizes por trás da produção, da circu-lação e da comercialização globais de mercadorias depen-dem dos hidrocarbonetos: a própria indústria dos hidro-carbonetos, a indústria de alimentos, as companhias farmacêuticas, as de fibras têxteis, as indústrias envolvi-das na produção de detergentes, de cosméticos, de explo-sivos, de celulóide, de plásticos em geral, de materiais para construção, de embalagens, de eletrodomésticos, etc. Da mesma forma, o transporte global de pessoas e de ma-teriais, a mobilidade e a velocidade com a qual os traba-lhadores e os produtos movem-se e são intercambiados ao redor do globo, também dependem dos combustí-veis fósseis. Isso tanto pela dependência que se criou em torno do automóvel, pela maneira como foram planejadas, construídas e expandidas as megalópo-les, ou pela forma de ocu-pação do espaço urbano e de outros territórios.

A demanda de energia e de matérias-primas para suprir e manter o padrão de vida das sociedades do Norte, traduzida cotidia-namente em alimentação, vestuário, moradia e mo-bilidade, é a que dá carne e corpo ao ideal universal de estilo de vida, bem-estar e “progresso”, promovidos agressivamente mediante a globalização como um padrão universal para a humanidade.

No atual paradigma de “crescimento” orientado à inte-gração de mercado e ao comércio global, os agrocombus-tíveis são impulsionados como substitutos paulatinos do petróleo para manter padrões ambientalmente insustentá-veis de produção e de consumo do Norte. Ante isso, en-tendemos que o estilo de vida promovido pelo Norte e pelas elites do Sul, e que alcança a sua máxima expressão no chamado american way of life, é o que deve ser trans-

formado. Os Estados Unidos e a Europa Ocidental são os principais consumidores de energia, e a eles se somam hoje a China e as elites minoritárias do Sul.

A China, a grande fábrica do mundo, reproduz o mode-lo de produção e de consumo criado pelo Norte, enquan-to abastece o mercado mundial, principalmente do Norte, com tudo o que esse consome. Entendemos que o modelo de crescimento chinês não é um modelo para o Sul.

A materialidade de tudo o que faz parte da vida cotidia-na dos países “desenvolvidos”, promovida ao mundo como modelo universal de bem-estar, de qualidade de vida e de progresso humano, depende totalmente de uma demanda energética e ecológica irracional, construída his-toricamente mediante o saque contínuo da natureza e dos povos do Sul. Para o Sul, esse modelo “petroleiro” permi-tiu perpetuar o intercâmbio desigual, a dependência tec-nológica, o endividamento, o empobrecimento dos povos, o despejo de seus territórios e a dessacralização de seus lugares sagrados. Temos experimentado, no Sul, que o padrão de vida do qual a minoria do planeta desfruta, é mantido com a exploração da natureza e do trabalho hu-mano, para alimentar os fluxos de mercadorias e de servi-ços que historicamente têm causado as mudanças climáti-cas, o aquecimento global e a dominação colonial do Norte sobre o Sul.

Em síntese: o impulso prioritário dos agrocombustíveis, como substitutos paulatinos do petróleo, é manter a cir-culação global de mercadorias e a demanda, ambiental-mente insustentável, de energia e de matérias-primas para promover, como ideal universal, o padrão de vida das so-

ciedades do Norte, em sua lógica histórica de dependência e de explo-ração colonial sobre os ecossistemas e os povos do Sul.

Nossa resposta à falá-cia do balanço energético positivo dos agrocom-bustíveis verifica a devas-tação ecológica e social gerada pela Revolução Verde (petrodependente) e os efeitos da agricultura industrial, que resulta na perda de 75% da biodi-versidade ao longo do último século, segundo a

fao. Ela também promoveu a desarticulação das agricul-turas e dos mercados locais, para impor o sistema agroali-mentar mundial, através das corporações que controlam a cadeia produtiva com a maior concentração de poder no mundo – os agronegócios.

Entendemos que a única forma de superar a crise climá-tica e energética que ameaça definitivamente a continui-dade de toda a vida no planeta é a superação do capitalis-mo. A transição para uma sociedade pós-petroleira e um novo sentido de “desenvolvimento”, na construção de uma via de superação do capitalismo, será em bases eco-lógicas, ou não poderá ser.

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Ataques, políticas, resistência, relatos

A questão energética e a produção de alimentos são os eixos concretos e indivisíveis de resistência e de constru-ção de outro projeto de sociedade, e de novas relações de intercâmbio entre os povos da humanidade, e desses com a natureza, subvertendo assim, de fato, a lógica colonial e de subordinação.

Concordamos que a lógica política da nova sociedade global nessa rota de transição – e a estratégia de autono-mia dos povos sobre seus territórios – deverá se orientar a partir da premissa central de garantir a soberania energé-tica de acordo e em complementaridade com a defesa ra-dical da soberania alimentar.

Portanto, o único debate conseqüente sobre agrocom-bustíveis deve ter como marco um novo paradigma de des-desenvolvimento que inclua uma transformação es-trutural radical de toda a economia e de nosso estilo de vida, e o desmantelamento do macrossistema energético que sustenta e garante o poder global.

São eixos do des-desenvolvimento:

• des-urbanizar, para restituir a existência da população à escala humana, suprindo as necessidades no mercado local e com fontes locais de energia.

• des-globalizar o comércio e o transporte de mercadorias, principalmente agrícolas e alimentos, para atacar a prin-cipal fonte de consumo de combustíveis líquidos: os ca-minhões refrigerados que transportam toda a cadeia de carnes e produtos lácteos; os aviões que transportam flo-res e frutas tropicais; os gigantescos navios graneleiros movidos a diesel para levar soja à Europa e à China, etc.; que, em conjunto, geram um flagrante balanço energéti-co negativo, e que sustentam o discurso ilusório de “crescimento”.

• des-tecnologizar a produção de alimentos, começando por considerar os sistemas produtivos como agroecos-sistemas onde a biodiversidade e a nutrição adequada dos solos substituam as tecnologias pontuais e contami-nantes derivadas do petróleo.

• des-petrolizar a economia: a melhor política contra as mudanças climáticas é a eliminação dos combustíveis fósseis, deixando o petróleo e o gás no subsolo. Isso não deve ser confundido com soluções fictícias como “des-carbonizar a economia”, ou seja, promover o mercado de carbono, os mecanismos de desenvolvimento limpo e a implementação conjunta que perpetuam o modelo pe-troleiro destrutivo, sob a lógica do mercado.

• des-centralizar a geração e a distribuição de energia, me-diante tecnologias que não recriem a dependência, e que garantam o abastecimento segundo as necessidades da população local, o que se diferencia de promover a pri-vatização da energia, ou as fontes “alternativas” sob o argumento de “prover acesso de energia aos pobres”. Em outras palavras: recuperar e defender o princípio da energia como um serviço e não como um negócio e uma mercadoria oferecida no mercado. Nessa linha de argu-mentação deve ser construída a soberania energética.

Trata-se de abrir essa agenda de debate no seio dos seto-res de “esquerda”, em nossas distintas regiões do globo, reafirmando em termos radicais o entendimento de uma proposta de enfrentamento e de superação do capitalismo de acordo com as contradições da acumulação, neste mo-mento histórico.

Pelo papel estratégico da região latino-americana na promoção e na instalação do modelo global de agroener-gia, e com vistas à Conferência Internacional de Biocom-bustíveis, promovida pela onu, a ser realizada no Brasil, em julho de 2008, reafirmamos nossa tarefa de questio-nar, entre os governos promotores do Socialismo do Sécu-lo XXI, qual será o modelo energético que sustentará essa proposta, sem aceitar cooptações nacionais no modelo proposto pelo capital.

Para que essa visão seja o fundamento de um programa político da era pós-petroleira, os abaixo assinados nos comprometemos a reafirmar nossos posicionamentos – sem concessões – como o impõe a radicalidade da crise ecológica e energética atual. l

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Plantas de dendê destruídas pelos camponeses para recuperar os territórios que lhes foram tomados pelas plantações.

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Os agrocombustíveissão rechaçados na Bolívia

As organizações presentes no Fórum Nacional do Dia

Internacional dos Povos Indígenas:reafirmação de nossos direitos e de nossa identidade, reunidos em 9 de

agosto de 2007, na cidade de La Paz, expressamos nossa profunda

preocupação pelo contexto nacional e internacional em torno

dos biocombustíveis

Considerando que:

• A introdução dos biocombustíveis é fomentar o latifúndio e, conseqüen-temente, permitir que os latifundiá-rios e os proprietários de terra conti-nuem se apropriando de grandes extensões de terras, impedindo o pro-cesso da revolução agrária e a Lei de Recondução Comunitária da Refor-ma Agrária, que busca garantir a do-tação de terras para indígenas origi-nários camponeses e colonizadores.

• As colheitas de produtos agrícolas para biocombustíveis apropriar-se-ão de nossas melhores terras, de nossos recursos hídricos e de nossa mão de obra, competindo pelos espaços onde produzimos alimentos, atentando contra a soberania alimentar que re-percute no abastecimento do merca-do interno e, portanto, contra a polí-tica alimentar que impulsiona o companheiro Evo Morales.

• Os biocombustíveis são um aten-tado direto contra nossos modelos de produção familiar e comunitária, de-

sintegrando nossas famílias, atentan-do contra nossas formas de comer-cialização e consumo alimentar em equilíbrio com o meio ambiente, im-pulsionando a contaminação do meio ambiente, o desmatamento, a erosão de terras e outros. Por isso são um perigo para poder “viver bem” e para nossa autodeterminação como povos indígenas originários camponeses e colonizadores com identidade.

• O “Projeto de lei de promoção e regulamentação das atividades rela-cionadas com a produção de biodie-sel” é totalmente neoliberal e não dá aos indígenas originários camponeses qualquer incentivo ou benefício a não ser o da consulta. Muito pelo contrá-rio, abre a possibilidade de deixar o pequeno produtor indígena originá-rio camponês não somente fora da industrialização e comercialização, mas também fora da produção da matéria-prima, com o que ficariam convertidos unicamente em pongas [serviçais].

Por isso, as organizações sociais in-dígenas originárias camponesas e de colonizadores da Bolívia resolvem:

1. Rechaçamos contundentemente todo o mecanismo que consolide a apropriação indevida e a posse de terras para os latifundiários, que im-peça o processo da Lei de Recondu-ção Comunitária de Terras.

2. Apoiamos e demandamos urgen-temente a constituição e a consolida-ção de uma política nacional de sobe-rania alimentar que respeite nossa identidade de povos indígenas origi-

nários camponeses e colonizadores, que garanta o abastecimento do mer-cado interno com alimentos que con-tribuam ao “viver bem” e que impeça a importação de alimentos transgêni-cos, pouco saudáveis, a nosso país.

3. Demandamos ao nosso governo, presidido pelo irmão Evo Morales, que não se deixe enganar pelo discur-so mercantilista sobre a produção de biocombustíveis, e que a Bolívia seja declarada o primeiro país que diga NÃO aos biocombustíveis obtidos da biomassa vegetal, somando-nos à luta dos companheiros indígenas ori-ginários camponeses e colonizadores do mundo inteiro contra os modelos mercantilistas que fomentam a fome, a escravidão e a deterioração de nos-sa mãe terra.

4. Rechaçamos o “Projeto de lei de promoção e regulamentação das ati-vidades relacionadas com a produção de biodiesel”. Exigimos a imediata anulação e a paralisação do referido projeto que atenta contra a soberania alimentar, contra a biodiversidade e contra a identidade.

Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolí-via (CSUTCB), Confederação de Po-vos Indígenas da Bolívia (CIDOB), Conselho Nacional de Ayllus e Mar-kas do Qollasuyu (CONAMAQ), Fe-deração de Mulheres Camponesas da Bolívia Bartolina Sisa (FMCBBS), Confederação Sindical de Coloniza-dores da Bolívia (CSCB) l

http://www.bolpress.com/art.php?Cod=2007082107

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Prêmio Nobel critica os combustíveisagroindustriais

Prensalatina, 12 de setembro. O Prê-mio Nobel de Química de 1988, o alemão Hartmut Michel, critica o de-senvolvimento e o uso dos agrocom-bustíveis em uma longa entrevista publicada pelo diário espanhol El País.

O cientista, que determinou por cristalografia de raios X o funciona-mento detalhado da fotossíntese, as-segura que os combustíveis de origem vegetal não são uma boa opção para combater as mudanças climáticas. Michel estima que esses biocarburan-tes não economizam emissões de CO2 e promovem o desmatamento da Amazônia e de outros parques do mundo.

Admitiu que é imperativo mudar para energias renováveis, mas adver-tiu que os biocombustíveis não são neutros na emissão de CO2 porque pelo menos a metade da energia neles contida procede de fontes fósseis.

Para produzir etanol, exemplificou, é preciso aplicar tanta energia fóssil em fertilizante, transporte, destilação do álcool, quanto a que há nesse bio-carburante, e se acaba emitindo mais CO2 do que quando se usa gasolina no carro. O biocombustível que se pode produzir por unidade de super-fície/ano contém menos de 0,4% da energia solar que esse espaço recebeu no mesmo período de tempo. l

Bionegócios e megaprojetosna América Latina

Em distintos âmbitos são apontados os impac-tos preocupantes dos agrocombustíveis nos

países do Sul. Destaca-se a pegada ecológica que principalmente as políticas européias, norte-ame-ricanas e japonesas gerarão, pois promovem o uso em grande escla de biocarburantes no transporte. Detalharam-se os problemas que eles trarão sobre a perda de soberania alimentar, ao que se acres-centa um inevitável sentimento de desconfiança em termos ambientais que não pode deixar de ins-pirar um modelo agrícola sustentado diretamente no petróleo, na contaminação da água e no des-matamento. Ao se perguntar a quem na realidade os agrocombustíveis beneficiam, vários pesquisa-dores descrevem a convergência dos agropetrone-gócios que permite os casamentos DuPont-BP, Abengoa-General Motors, Repsol-Acciona, etc.

Mas o biodiesel e o etanol não são teletranspor-tados das plantações aos tanques de gasolina. Há um aspecto muito pouco “bio” nesse boom: a crescente necessidade de integração de infraestruturas que implicam seu transporte e exportação. Vêm à luz então o (lamentavelmen-te) ressuscitado Plano Puebla Panamá (PPP) e a Iniciativa para a Integração das Infra-estruturas Regionais Sul-Americanas (IIRSA). Esses megaprojetos consideram a rebelde geografia latino-americana como um obstáculo para a extração de matérias-primas e para o transporte de mercadorias. Sua missão é dobrá-la mediante corredores intermodais de auto-estradas, de represas hidre-létricas, de hidrovias, de linhas de transmissão de eletricidade e de oleodutos. Isso sem falar sobre os importantes benefícios que esses projetos trarão a em-presas como as espanholas Iberdrola e Gamesa (parque eólico no México), a ACS (administração portuária e dragagem no Brasil), e inclusive a desconhe-cidas empresas de consultoria, como a TYPSA ou a Norcontrol. Apesar das promessas de “desenvolvimento local” que fazem (evocando a esgotada teoria do “derrame de riqueza”), resultam prejudiciais, porque se situam sobre terri-tórios indígenas e comunidades camponesas, e atravessam zonas de alta bio-diversidade. Em seu desenho participou, sem qualquer consulta às populações locais, uma das primeiras entidades geradoras de dívida do continente, e da qual o Estado espanhol é membro: o Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID).

Essa entidade hoje promove os agrocombustíveis de distintas maneiras. O banco estima que a América Latina precisará de 14 anos para se converter em uma zona produtora de biodiesel e de entanol, e que serão necessários 200 bilhões de dólares. Por um lado, apóia a expansão de cultivos de dendê na Colômbia e de cana-de-açúcar e soja na Amazônia brasileira (o presidente do BID, Luis Alberto Moreno, co-dirige um grupo do setor privado, a Comissão Interamericana do Etanol, conjuntamente com Jeb Bush, ex-governador da Flórida, e o ex-primeiro ministro japonês Junichiro Kozumi). Por outro lado, lhe interessa assegurar que as mercadorias fluam até os portos, não unicamen-te atlânticos, mas também do Pacífico, de frente para os mercados asiáticos. Assim, recomenda ao Brasil gastar um bilhão de dólares por ano em infra-es-trutura, durante 15 anos. Almeja também acelerar os projetos do IIRSA recha-çados pela sociedade civil, como por exemplo a Hidrovia Paraguai-Paraná-Prata, o projeto de navegabilidade do rio Meta, o Complexo do Rio Madeira, a Ferro Norte (rede ferroviária que conectaria os estados produtores de soja Paraná, Mato Grosso, Rondônia e São Paulo). l

Mónica Vargas CollazosVer: http://www.diagonalperiodico.net/article4023.html

Monocultivos de banana na Amazônia. Foto: JavieraRulli

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A segunda geração é tão ou mais nociva

“Qualquer tecnologia que pretenda reduzir as mu-danças climáticas deve demonstrar que tem o po-

tencial para reduzir as emissões em grande escala – levan-do-se em conta as emissões totais do ciclo de vida dos gases de efeito estufa. As reduções nas emissões devem ocorrer em nível global, não somente em nível micro. Se uma tecnologia, direta ou indiretamente, destrói os ecos-sistemas que desempenham um papel essencial no ciclo de carbono da Terra, ou se indiretamente retarda a transição que nos tire dos sistemas de produção intensiva de com-bustíveis fósseis, então há o risco de acelerar em vez de se reduzir o aquecimento global”, se aponta com grande lu-cidez no documento Agrofuels. Towards a Reality Check in Nine Key Areas, informe de onze organizações da socie-dade civil [Biofuelwatch, Carbon Trade Watch-TNI, Cor-porate Europe Observatory, EcoNexus/Ecoropa/Ecologis-tas en Acción, Grupo de Reflexión Rural, Munlochy GM Vigil, NOAH-Friends of the Earth Denmark, Rettet den Regenwald e.V., Watch Indonesia] apresentado em Paris, em julho de 2007, durante a 12ª reunião do Convênio de Diversidade Biológica.

Se os agrocombustíveis de primeira geração apresentam tantos riscos, os de segunda geração (aqueles que as em-presas, os governos e os núcleos de pesquisa científica co-mercializada buscam derivar de celulose da biomassa, de gramíneas, de árvores ou de organismos artificiais projeta-dos) podem “acelerar o aquecimento global ao diminuir ainda mais a capacidade atual da Terra para regular o di-óxido de carbono”.

De acordo com o informe, “não há evidência de que os agrocombustíveis líquidos feitos a partir de biomassa só-lida tenham o potencial de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em nível global, e sem dúvida são promovi-dos em prejuízo das tecnologias verdadeiramente renová-veis que poderiam ajudar a reduzir consideravelmente as emissões. É claro que há um limite na quantidade de bio-massa que se pode usar na produção de energia sem oca-sionar uma degradação dos ecossistemas”.

E acrescenta: “Independentemente de qualquer desco-berta tecnológica futura, refinar materiais vegetais até convertê-los em combustíveis líquidos para o transporte irá sempre necessitar energia adicional e, portanto, não poderá significar redução nas possíveis emissões noci-vas”.

O Departamento de Energia dos Estados Unidos finan-cia atualmente a pesquisa em etanol celulósico e já identi-ficou “barreiras biológicas” significativas que devem ser superadas caso se queira que o etanol de celulose seja uma opção viável. A celulose é uma substância com a qual é difícil de se lidar. As enzimas podem decompor a celulose, mas não de maneira muito eficiente; só conseguem produ-zir uma mistura muito diluída que a seguir é destilada para fazer etanol.

Tornar o etanol de celulose viável não é só melhorar a tecnologia existente e gradualmente aumentar os critérios de eficiência. Os cientistas teriam que entender melhor a fisiologia das plantas e os mecanismos que evitam que a celulose seja decomposta pelos fungos e pelos microorga-

nismos. Encontrar organismos específicos pode ser muito difícil, pelo que os cientistas estão propensos a desenhar geneticamente micróbios e fungos que cumpram essa ta-refa, com os riscos associados a todos os microorganis-mos geneticamente modificados.

O que é terrível é que se invistam “bilhões de dólares em uma tecnologia que não estará disponível no tempo cru-cial que nos sobra para evitar os piores impactos do aque-cimento global. A situação atual lembra muito quando a indústria biotecnológica prometia uma segunda geração de cultivos GM que resistiria a secas e à salinidade, e que continuam sendo promessas depois de anos de pesquisa. Esses ”futuros” biotecnológicos foram muito importantes para manter o interesse na engenharia genética”. Na rea-lidade, os agrocombustíveis de segunda geração são utili-zados para promover a agenda da biotecnologia e (con-trariamente ao espírito científico que dizem professar aqueles que os promovem) a frase parece ser: “em breve veremos”.

Em relação à engenharia genética, o informe diz que esta busca utilizar o desenho genético para simplificar e fazer mais eficientes os processos industriais para decompor a celulose, a hemicelulose e a lignina, e assim produzir (a partir de biomassa vegetal) agrocombustíveis de forma mais fácil, barata e eficiente.

A indústria procura modificar as plantas para que pro-duzam menos lignina, para que seja mais fácil sua decom-posição e a da celulose, conseguindo um maior rendimen-to das plantas.

Também se fazem experimentos com micróbios e enzi-mas desenhados com a finalidade de decompor a matéria vegetal com mais eficiência em um ambiente industrial extremo. E se buscam novos micróbios e enzimas que pos-sam executar essas tarefas com mais eficiência do que aqueles já conhecidos. Já se coletam microorganismos que vivem nas gretas vulcânicas do fundo do mar e que podem suportar condições extremas e se buscam os mi-cróbios das entranhas dos cupins porque digerem a maté-ria vegetal com muita eficiência.

A Genencor ou a Novozymes procuram reduzir os cus-tos da produção industrial de enzimas, e a Diversa Corpo-ration estuda enzimas que decomponham a hemicelulose. Há muito interesse em utilizar a biomassa das árvores, e então se buscam os métodos necessários para decompor a matéria vegetal de forma barata e eficiente. “As árvores requerem menos manutenção, menos insumos e contêm mais carboidratos (a matéria-prima dos agrocombustí-veis) do que outros cultivos. Com engenharia genética busca-se reduzir o nível de sua lignina e alterar a estrutura da hemicelulose.”

O propósito geral é reduzir o custo de produção e incre-mentar o volume produzido para que possam competir economicamente com os combustíveis fósseis, sem subsí-dios. “Pouco se sabe sobre os impactos de liberar árvores geneticamente modificadas”, diz o informe. “O certo é que a completa interação das árvores com os ecossiste-mas, seu longo ciclo de vida e sua ampla disseminação de frutos e de pólen, significam que os impactos serão de magnitude muito maior que os dos cultivos plantados anualmente. Os riscos são muito sérios, em especial para

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Ataques, políticas, resistência, relatos

os ecossistemas florestais naturais”.Os militantes da biologia sintética (uma nova disciplina

que combina desenho genético com nanotecnologia, in-formática e engenharia), procuram não só redesenhar or-ganismos existentes como também construir do nada (com um desenho refinado e preciso, segundo dizem) no-vos organismos que decomponham a matéria vegetal ou que possibilitem condições de processamento industrial massivo. A nova companhia do aventureiro Craig Venter, a Synthetic Genomics, “procura estudar a informação ge-nética dos micróbios coletados na água marinha para de-senhar e construir um novo microorganismo que converta as sobras industriais em etanol. O governo norte-america-no a financia com recursos massivos, em um programa chamado Genomes for Life (Genomas para a Vida), que apóia a pesquisa em biologia sintética como parte de uma tentativa norte-americana de desenvolver alternativas à sua dependência de combustíveis fósseis”. A British Pe-troleum já ofereceu 500 milhões de dólares à Universida-de da Califórnia, em Berkeley, para a pesquisa de enge-nharia genética sobre combustíveis lignocelulósicos, que implica em usar biologia sintética.

Mas quais são os impactos de utilizar grandes quantida-des de biomassa para fabricar combustíveis agroindus-triais? Os que defendem o uso em grande escala da bio-massa, para a segunda geração (como o Departamento de Agricultura, o Departamento de Energia e a Agência In-ternacional de Energia, todas elas do governo norte-ame-ricano), assumem que grandes quantidades de madeira, de ‘gramíneas e de sobras vegetais’, podem ser usadas sus-tentavelmente para produzir agrocombustíveis. “Assim, sua produção dar-se-ia em refinarias em grande escala que necessitariam um abastecimento constante de grandes quantidades de biomassa. Um informe de 2005, do De-

partamento de Energia, por exemplo, fala em utilizar 1,3 bilhões de toneladas de biomassa seca a cada ano, somen-te nos Estados Unidos”.

Para conseguir isso, seria necessário retirar dos solos quase todos os restos de cultivos, “destinar 55 milhões de hectares de terras (que hoje são de cultivos perenes) ao plantio de ‘energéticos’, utilizar mais adubo do que é per-mitido pela Agência de Proteção Ambiental, e colocar toda a terra agrícola norte-americana sob o regime de plantio direto, o que exigiria vastos aumentos no uso de agrotóxicos e de fertilizantes”.

Agrofuels. Towards a Reality Check in Nine Key Areas, é enfático: “retirar os restos de cultivos das áreas planta-das implicaria ter que usar mais fertilizantes nitrogena-dos, aumentando as emissões de óxido nitroso, o que so-brecarregaria de nitrato o sistema, provocando sérios impactos na biodiversidade da terra, da água e dos ocea-nos. Retirar por completo o material vegetal implica ace-lerar as perdas da cobertura do solo, o que ocasiona a devastação de seus nutrientes. É provável que também se reduza a retenção de água, o que tornaria a agricultura mais vulnerável a secas”.

Como exemplo, “nas florestas controladas da Alema-nha, menos de 5% da biomassa provêm de árvores mor-tas ou doentes, enquanto que nas florestas naturais a por-centagem de biomassa que provém delas é de 40%. Calcula-se que entre 20-25% de todas as espécies da flo-resta dependem desse chamado “desperdício florestal” que permanece nela – incluídos 1.500 tipos de fungos e 1.350 tipos de besouros tão somente na Alemanha, assim como muitas outras espécies de insetos, de líquens, de pássaros e de animais”.

No informe das onze organizações, apresentado em Paris, se insiste: “Despojar as florestas de mais resíduos lenhosos

Carregando dendê em alguma região da Colômbia Foto: JavieraRulli

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Ataques, políticas, resistência, relatos

Um apelo da África por uma moratória no desenvolvimento de agrocombustíveis

Organizações da sociedade civil na África apelam, ur-gentemente, por uma moratória em novos desenvolvi-mentos de agrocombustíveis no continente africano. Pre-cisamos resguardar nossa segurança alimentar, nossas florestas, água, direitos sobre a terra, agricultores e po-vos indígenas da marcha agressiva do desenvolvimento de agrocombustíveis, que estão devorando nossas terras e recursos em uma escala e velocidade inacreditáveis.

A pressão dos agrocombustíveis na África está sendo chamada de a próxima “Corrida do Ouro Verde”. Os in-vestidores estão correndo para privatizar nossa terra para suas plantações, enquanto nossos governos dispõem-se a alocar milhões de hectares de 70% de terras da África que ainda são de propriedade comunal.

A ‘revolução’ dos agrocombustíveis está orientada para substituir os sistemas locais de cultivo e de pastoreio, ba-seados em biodiversidade, por extensas monoculturas e cultivos geneticamente engenheirados para agrocombus-tíveis.

Para tratar das mudanças climáticas, necessitamos in-verter a lógica do sistema industrial de produção. Neces-sitamos políticas e estratégias para reduzir o consumo de energia e prevenir o desperdício. Tais políticas e estraté-

gias já existem e têm quem lute por elas. Na agricultura e na produção de alimentos, significam orientar a produção em direção aos mercados locais mais do que aos interna-cionais; significam adotar estratégias para manter a popu-lação na terra, ao invés de expulsá-la; significam apoiar abordagens continuadas e sustentáveis para trazer de vol-ta a biodiversidade à agricultura, usando e expandindo o conhecimento local; e significam colocar as comunidades locais de volta na direção do desenvolvimento rural. Tais políticas e estratégias implicam no uso e maior desenvol-vimento de tecnologias agroecológicas para manter e me-lhorar a fertilidade e a matéria orgânica do solo e no pro-cesso seqüestrar dióxido de carbono no solo ao invés de expeli-lo para a atmosfera. Juntas, tais medidas significa-riam um formidável passo na direção correta na luta con-tra as mudanças climáticas.

Se quisermos resolver os desafios das mudanças climáti-cas e da insegurança alimentar, não podemos nos permitir perder nossa comida, florestas, terras e água. Portanto, clamamos aos nossos governantes africanos e aos do Nor-te que parem e pensem. Clamamos urgentemente por uma moratória que possa proteger a África de tantas ameaças da nova e perigosa corrida dos agrocombustíveis. l

Novembro de 2007. [email protected]

com o objetivo de produzir agrocombustíveis, sem dúvida, acelerará as perdas de biodiversidade e reduzirá o armaze-namento de carbono das florestas. Plantar milhões de hec-tares que hoje são de cultivos perenes com cultivos agroe-nergéticos colocará muito mais pressão sobre a terra, tanto para a produção de alimentos e para as comunidades, como para os ecossistemas naturais. Muitas plantas identi-ficadas como candidatas para servirem de matéria-prima para agrocombustíveis de segunda geração já são por si mesmas identificadas como invasoras, como a braquiária (Brachiaria humidicola), a gramínea miscanto e uma varie-dade de alpiste. Assim, algumas das terras ‘de reservas’ na União Européia ou áreas do Programa de Conservação nos Estados Unidos estão sendo sacrificadas com o objetivo de expansão da biomassa, sendo que tais programas desempe-nham um papel importante na redução da erosão e do em-pobrecimento do solo e são cruciais em impedir a decadên-cia da biodivesidade”.

Em resumo, o etanol de celulose não parece pronto para

estar disponível comercialmente, e enfrenta barreiras téc-nicas que aparentemente não têm como ser superadas num futuro previsível. Muito do investimento em pesqui-sa e desenvolvimento do etanol de celulose destina-se à engenharia genética, sem uma avaliação de riscos. Não se avaliam as conseqüências de utilizar grandes quantidades de biomassa do chamado “resto vegetal”; não se avaliam as plantações de árvores nem o efeito de destinar as áreas de cultivos perenes, onde se produzem alimentos, aos agrocombustíveis; não se avaliam os ecossistemas, as emissões globais dos gases de efeito estufa, a fertilidade dos solos ou a existência de água. Nesse cenário, as pro-messas que a indústria faz a respeito dessa “segunda gera-ção” são somente uma artimanha usada pelos governos para justificar a expansão em grande escala dos monocul-tivos de agrocombustíveis de primeira geração, particu-larmente no Sul global, em que pesem as crescentes evi-dências dos severos impactos negativos nas comunidades e no ambiente. l

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Amigos:Biodiversidade, sustento e culturas iniciou,apartirdonúmero53, uma nova etapa de colaboração entre organizações da AméricaLatinaparachegaramaisleitoresdonossocontinente.Desdeentão,nossa revista está sendo impressa no Uruguai, Chile, Argentina,Equador,ColômbiaeMéxico,apartirdotrabalhocoordenadoderedes-at, grain,Acción por la Biodiversidad, a Campanha de Sementes daVíaCampesina,AcciónEcológica,oGrupoSemillas,daColômbia,eoGrupoetc.Onúmero54foiimpressotambémnoBrasil,emcolaboraçãocomoCentroEcológico.

Biodiversidade, sustento e culturas é uma revista trimestral (quatronúmerosporano).Asorganizaçõespopulares,asongseasinstituiçõesdaAméricaLatinapodemrecebê-lagratuitamente.OcustoanualparaosdemaisassinantesédeUS$25,00.Porfavor,enviemseusdadoscomamaiorprecisãopossívelparasimplificara tarefadedistribuiçãodarevista.Osdadosnecessáriossão:

País,organização,nomecompletoeendereço:códigodeendereçamentopostal(CEP),cidadeeestado.(Correioeletrônico,telefonee/oufax,sehouver)

Enviem,por favor,suasolicitaçãoa biodiversidad, redes-at,SanJosé142311200,Montevidéu,Uruguai.Telefones:(5982)9022355/[email protected]/[email protected]

Nem tudo é dito

Nos asseguraram à exaustão que com esse mar de petróleo navegaría-mos na glória. E acreditamos. Então, exploraram Caño Limón, o que sig-nificou para o povo guahibo sua des-truição. Alcoolismo, prostituição, violência e perda de raízes. Hoje, vinte e cinco anos depois, o guahibo está ferido, Caño Limón se esgota e o desenvolvimento que nos pressagia-ram foi uma falácia.

Depois, nos afirmaram que com a represa terminariam os transborda-mentos do Sinú; com esses argumen-tos construíram Urrá que alagou também o povo embera katio. Tira-ram-lhes a pesca, assassinaram Kimy, Lucindo, os desalojaram. Hoje, seis anos depois, o Sinú transbordou a re-presa levando à miséria milhares de pescadores e camponeses que perde-ram tudo o que tinham.

Agora, nos afirmam que é impor-tante explorar os minerais protegidos pelos embera no Cerro Sagrado de Careperro; insistem conosco na ne-

cessidade de desviar o rio Ovejas para alimentar a hidrelétrica de Salvajina, ainda que o preço seja destroçar as comunidades; manifestam-nos a ur-gência de explorar o petróleo acumu-lado no território uwa; o carvão em território waiu.

Desqualificam nossas vozes dizendo que “uns poucos” não podem se opor ao bem-estar da maioria. No entanto, vemos que os frutos desse prometido desenvolvimento ficam, agora sim, na acepção da expressão, com “mui-to poucos”.

Somos os mais e eles os menos, te-mos outro significado de desenvolvi-mento, cremos que progresso não é sinônimo de ultrajar, de atropelar.

Somos nasa, somos zenú, coregua-jes, afros, ciganos, brancos, mestiços. Cheiramos a terra, a mar, a sal, a es-perança, a noite, a desvelo. Vestimos farrapos, tangas, mantas, guayucos. Somos os mais e eles os menos. l

Cabildo indígena Cerro Tijeras, Altamira, Colômbia, 6 de setembro de 2007

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