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Conte´ udo Algumas notas para o leitor iii Cap´ ıtulo 1. umeros Reais 1 §1. As quatro opera¸ c˜oes 1 §2. Ordem, distˆancia e supremo 6 §3. Sucess˜oes,Indu¸ c˜aoeSomat´orios 14 §4. ızimas e intervalos encaixados. 23 §5. No¸ c˜aodelimite 28 §6. O plano coordenado 33 Exerc´ ıcios sobre d´ ızimas 42 Cap´ ıtulo 2. Fun¸ c˜oes, limites e continuidade 45 §1. Fun¸ c˜oes 45 §2. Limites 57 §3. Fun¸ c˜oescont´ ınuas 69 Cap´ ıtulo 3. Derivadas 81 §1. No¸ c˜ao de derivada 81 §2. Regras de Deriva¸ c˜ao 86 §3. Aproxima¸ c˜oes lineares e diferenciais 90 §4. Derivada de fun¸ c˜oes compostas e de fun¸ c˜oesinversas 92 §5. Optimiza¸ c˜ao 95 §6. O teorema de Lagrange 97 §7. Monotonia e Concavidade 100 §8. Comportamento assimpt´ otico 102 §9. Primitivas 108 i

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Conteudo

Algumas notas para o leitor iii

Capıtulo 1. Numeros Reais 1

§1. As quatro operacoes 1

§2. Ordem, distancia e supremo 6

§3. Sucessoes, Inducao e Somatorios 14

§4. Dızimas e intervalos encaixados. 23

§5. Nocao de limite 28

§6. O plano coordenado 33

Exercıcios sobre dızimas 42

Capıtulo 2. Funcoes, limites e continuidade 45

§1. Funcoes 45

§2. Limites 57

§3. Funcoes contınuas 69

Capıtulo 3. Derivadas 81

§1. Nocao de derivada 81

§2. Regras de Derivacao 86

§3. Aproximacoes lineares e diferenciais 90

§4. Derivada de funcoes compostas e de funcoes inversas 92

§5. Optimizacao 95

§6. O teorema de Lagrange 97

§7. Monotonia e Concavidade 100

§8. Comportamento assimptotico 102

§9. Primitivas 108

i

ii Conteudo

Capıtulo 4. Integral 111

§1. Nocao de Integral 111

§2. Propriedades do integral. Teorema do Valor Medio. 115

§3. Teorema Fundamental do Calculo 119

§4. Substituicao 125

§5. Calculo aproximado do integral 127

§6. Construcao do integral 131

§7. Aplicacoes 135

§8. Integrais Improprios 144

Capıtulo 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao 147

§1. Funcoes trigonometricas 147

§2. Exponenciais e a funcao logaritmo 149

§3. Primitivacao por partes 156

§4. Primitivacao de funcoes racionais 157

§5. Primitivas com funcoes trigonometricas 162

§6. Substituicoes inversas 165

§7. Indeterminacoes e o teorema de Cauchy 172

Capıtulo 6. Polinomios e Series de Taylor 181

§1. Polinomios de Taylor 181

§2. Series: definicoes e primeiras propriedades 192

§3. Series de Termos Nao-Negativos 198

§4. Series absolutamente convergentes 207

§5. Series de potencias 216

§6. Series de Taylor 223

Algumas notas para o leitor iii

Algumas notas para o leitor

Demonstracoes. Em matematica cada afirmacao deve ser justificada de formaa nao dar lugar a qualquer tipo de duvidas. A tal justificacao chamamos umademonstracao. Tal cuidado e necessario pois a nossa intuicao muitas vezes nosconduz a conclusoes erradas. A historia da ciencia esta cheia de factos consideradoscomo evidentes durante muito tempo mas que se vieram a revelar falsos.

Como ilustracao do que acabamos de dizer considere a soma

s = 1− 12 + 1

3 − 14 + 1

5 − 16 + · · ·

Entao12s = 1

2 − 14 + 1

6 − 18 + 1

10 − 112 + · · ·

Somando,

s 1 − 12 + 1

3 − 14 + 1

5 − 16 + 1

7 − 18 + 1

9 − 110 + 1

11 − 112 · · ·

+ 12s + 1

2 − 14 + 1

6 − 18 + 1

10 − 112 · · ·

= 32s 1 + 1

3 − 12 + 1

5 + 17 − 1

4 + 19 + 1

11 − 16 · · ·

Agora repare que se rearranjarmos os termos, 32s = s:

32s = 1 + 1

3 − 12 + 1

5 + 17 − 1

4 + 19 + 1

11 − 16 + · · ·

= 1− 12 + 1

3 − 14 + 1

5 − 16 + 1

7 + · · · = s

Portanto s = 0! Mas esta conclusao e falsa como o leitor se pode facilmenteconvencer somando alguns dos termos. De facto s = ln 2 = 0.693 . . .. O problemaaqui e que rearranjar os termos numa soma infinita pode alterar o resultado dasoma!

Para demonstrarmos uma afirmacao, recorremos a outros factos ja conhecidos. As-sim, e importante estabelecer ao princıpio um ponto de partida: aqueles factos queassumimos como evidentes, e que como tal nao serao demonstrados. A esses factoschamamos axiomas.

Varias vezes durante a exposicao apelaremos a intuicao geometrica do leitor paramotivar certas definicoes e resultados. Uma boa intuicao geometrica e uma ajudainestimavel na compreensao da materia, mas um argumento geometrico nao deveser tomado como uma demonstracao mas sim como um argumento de plausibilidadeque necessita de justificacao mais completa. Dito isto, quando um facto geometricoe manifestamente evidente, nao nos vamos preocupar com a demonstracao, deixandoapenas algumas indicacoes em nota de rodape se a demonstracao nao for simples.

Letras gregas. Em matematica e comum o uso de algumas letras gregas. E con-veniente que o leitor se familiarize com elas:

δ Le-se “delta” e corresponde ao nosso “d”. E normalmente usado para denotardistancias.

ε Le-se “epsilon” e corresponde ao nosso “e”. E normalmente usado para deno-tar margens de erro.

θ Le-se “theta” e corresponde ao “th” em ingles. E usado para denotar angulos.

iv Conteudo

π Le-se “pi” e denota o perımetro duma circunferencia de diametro um: π =3.141592 . . .

Σ Le-se “sigma” e corresponde ao nosso “S” maiusculo. E usado para denotarsomas de varios termos.

Capıtulo 1

Numeros Reais

A distancia entre dois pontos, a carga electrica, a velocidade duma partıcula, apopulacao dum paıs, a conta do gas, todos sao exemplos de numeros reais. Havarias maneiras de introduzir os numeros reais, por exemplo construindo-os a partirdos numeros naturais 1, 2, 3, 4, . . .. E mais simples assumir como ponto de partida aexistencia dos numeros reais como certos objectos que nao nos vamos preocupar emdefinir (chamados por isso conceitos primitivos). Ou seja, nao nos vamos preocuparcom a questao “O que sao os numeros reais?”. Vamos sim responder a questao“O que podemos fazer com os numeros reais?”. Para tal vamos listar um conjuntode propriedades que assumimos como evidentes, e que nos dizem como utilizar osnumeros reais. Chamamos a estas propriedades axiomas.

Outra nocao que nao vamos definir e a de numero positivo. Denotamos por R oconjunto dos numeros reais e por R+ ⊂ R o subconjunto dos numeros positivos.

§1. As quatro operacoes

§1.1. Soma e subtraccao. Numeros naturais e inteiros.

Axioma (Propriedades da soma): Dados dois numeros reais x, y, podemossoma-los obtendo um novo numero real que denotamos por x + y. A soma tem asseguintes propriedades:

I. (x + y) + z = x + (y + z) para quaisquer x, y, z ∈ R;

II. x + y = y + x para quaisquer x, y ∈ R;

III. A soma de dois numeros positivos e positiva.

A propriedade I permite-nos omitir os parenteses e escrever simplesmente x+y+z.

1

2 1. Numeros Reais

A propriedade II diz-nos que a ordem pela qual somamos e indiferente: a conta dosupermercado nao depende da ordem pela qual os produtos sao registados na caixa.

Axioma (Propriedades da soma–continuacao):

IV. Existe um numero nao positivo, que representamos por 0 ∈ R, tal que x+0 =0 + x = x para todo o x ∈ R.

V. A cada numero real x ∈ R esta associado um numero −x ∈ R, a que chamamoso simetrico de x, tal que x + (−x) = (−x) + x = 0.

Como aplicacao vamos resolver a equacao x + a = b em ordem a x. Somando (−a)a ambos os lados da equacao obtemos

x + a + (−a) = b + (−a)

⇔ x + 0 = b + (−a) (pois pelo axioma V, a + (−a) = 0)

⇔ x = b + (−a) (pois pelo axioma IV, x + 0 = x)

Para verificar que esta e de facto a solucao substituimos x = b + (−a) na equacaox + a = b. Obtemos

b + (−a) + a = b

⇔ b + 0 = b (pelo axioma V)

⇔ b = b (pelo axioma IV)

Pondo b = 0 obtemos um caso particular por vezes util: se x + a = 0 entaox = 0− a = −a.

Exemplo 1. Qual o simetrico de −x? Como x + (−x) = 0, x = −(−x). �

Definimos subtraccao por b− a = b + (−a). Portanto a subtraccao e a solucao daequacao x + a = b.

Deixamos ao leitor o cuidado de demonstrar as varias propriedades da soma e sub-traccao a medida que elas forem surgindo no texto. A tıtulo de exemplo deixamosaqui alguns exercıcios:

Exercıcio. Mostre a lei do corte: se x + z = y + z entao x = y.

Exercıcio. Mostre que (x − y) + (y − z) = x − z. Pondo z = x conclua que−(x− y) = y − x.

Podemos agora construir os numeros naturais. Comecamos com o numero realpositivo 1,1 e definimos 2 = 1 + 1, 3 = 2 + 1, 4 = 3 + 1 e assim sucessivamente,denotando por N = {1, 2, 3, 4, . . . } o conjunto de todos os numeros naturais. Apropriedade III da soma mostra que todos os naturais sao positivos.

De uma forma mais rigorosa, e evitando expressoes como “e assim sucessivamente”,podemos definir o conjunto dos naturais N do seguinte modo: e intuitivamenteevidente que N satisfaz as seguintes propriedades:

1Tomamos aqui 1 como um conceito primitivo. Tal nao e necessario: 1 pode ser definido, tal comofizemos com o zero, como o unico numero real tal que 1 · x = x. Fazemo-lo aqui por conveniencia deexposicao.

§1. As quatro operacoes 3

(a) 1 ∈ N

(b) Se n ∈ N entao n + 1 ∈ N

E igualmente evidente que N nao e o unico subconjunto de R que satisfaz estaspropriedades (por exemplo R+ e o proprio R tambem as satisfazem). No entanto,nao sendo o unico, N e o menor subconjunto de R que satisfaz (a) e (b)2 e podemosusar este facto como definicao de N.

Dizemos que um numero x e negativo se o seu simetrico for positivo. Definimos oconjunto Z dos numeros inteiros como o conjunto obtido adicionando a N o zero eos numeros negativos que sao simetricos dos numeros naturais:

Z = {0, 1,−1, 2,−2, 3,−3, . . .} = N ∪ {0} ∪ {−n : n ∈ N}

§1.2. Multiplicacao e divisao. Teorema de Pitagoras.

Axioma (Propriedades da multiplicacao): Dados dois numeros reais x, y,podemos multiplica-los obtendo um novo numero real que denotamos por x · y echamamos de produto de x por y. A multiplicacao tem as seguintes propriedades:

I. (x · y) · z = x · (y · z) para quaisquer x, y, z ∈ R;

II. x · y = y · x para quaisquer x, y ∈ R;

III. O produto de numeros positivos e positivo.

IV. 1 · x = x para qualquer x ∈ R;

V. A cada numero x 6= 0 esta associado um numero x−1 a que chamamos oinverso de x tal que x · x−1 = x−1 · x = 1.

VI. (x + y) · z = x · z + y · z para quaisquer x, y, z ∈ R;

Tal como para a soma, a propriedade II permite-nos escrever simplesmente x · y · zomitindo os parenteses.

As propriedades IV e VI mostram que

2 · x = (1 + 1) · x = 1 · x + 1 · x = x + x

3 · x = (2 + 1) · x = 2 · x + 1 · x = x + x + x

e em geral, para n ∈ N, n · x = x + x + · · ·+ x︸ ︷︷ ︸n vezes

.3

As propriedades da multiplicacao sao certamente menos evidentes que as da soma.Por exemplo, a propriedade II diz-nos que 5 · 7 = 7 · 5, ou seja,

7 + 7 + 7 + 7 + 7 = 5 + 5 + 5 + 5 + 5 + 5 + 5

o que nao e obvio antes de fazermos as contas. Tal e no entanto evidente se pen-sarmos em contar os pontos numa grelha rectangular 5× 7 somando os pontos em

2Mais precisamente, N e a interseccao de todos os subconjuntos de R que satisfazem (a) e (b)3Para demonstrarmos esta igualdade torna-se necessario primeiro dizer rigorosamente o que se entendepor x + x + · · · + x, o que sera feito quando falarmos de somatorios.

4 1. Numeros Reais

cada linha e somando os totais ou somando os pontos em cada coluna e somandoos totais, como mostra a figura:

=

Figura 1. 7 + 7 + 7 + 7 + 7 = 5 + 5 + 5 + 5 + 5 + 5 + 5

E util ter presente a interpretacao geometrica do produto x · y para x, y positivoscomo a area dum rectangulo de base x e altura y. Um produto da forma (x·y)·z podeentao ser interpretado como um volume. A proxima figura ilustra geometricamenteas propriedades I, II e VI da multiplicacao (a propriedade III diz-nos simplesmenteque a area e positiva):

y

z

Area=xy

Area=xz

x

y

x

y

x

xy = yx

Area=xyArea=yx

Area total = x(y+z)=xy+xz

A=xy z

xx

yA=yz

z

Volume = xA=x(yz)

y

Volume = Az=(xy)z

Figura 2. Propriedades da multiplicacao

O teorema de Pitagoras e um teorema sobre areas. Afirma que a soma das areasdos quadrados A e B na figura seguinte e igual a area do quadrado C.

§1. As quatro operacoes 5

A

B

C

Figura 3. Teorema de Pitagoras

Uma demonstracao geometrica do teorema esta ilustrada na proxima figura: os doisquadrados tem a mesma area.4

1

2

3

4 1

23

4

A

B

C

Figura 4. Demonstracao do teorema de Pitagoras

Mais uma vez vamos deixar ao leitor o cuidado de provar as varias propriedadesda multiplicacao a medida que elas forem surgindo. Como exemplo vamos provarduas igualdades bem conhecidas:

• x · 0 = 0;

• x · (−y) = −(x · y).

Comecamos por provar que x · 0 = 0:

x · 0 = x · 0 + x · 0− x · 0 = x · (0 + 0)− x · 0 = x · 0− x · 0 = 0

Para provar a segunda igualdade observamos que

x · (−y) + x · y = x · ( (−y) + y ) = x · 0 = 0

Portanto x · (−y) = −(x · y).

Exercıcio. Mostre que (a + b)2 = a2 + 2ab + b2 e no caso de a e b serem positivos,interprete esta igualdade em termos de areas.

4O teorema de Pitagoras e um teorema inerentemente geometrico, pois envolve nocoes como ”compri-mento”, ”area”e ”angulo recto”. Neste texto usaremos apenas o teorema de Pitagoras como motivacaopara algumas definicoes.

6 1. Numeros Reais

Tal como a subtraccao surge como a solucao da equacao x + a = b, o quocientesurge como a solucao da equacao a · x = b. Se a = 0, a · x = 0 e a equacao eimpossıvel excepto quando b = 0. Para a 6= 0, multiplicando ambos os lados daequacao por a−1 obtemos

a−1 · a · x = a−1 · b⇔ 1 · x = a−1 · b (pois, pelo axioma V, a−1 · a = 1)

⇔ x = a−1 · b (pois, pelo axioma IV, 1 · x = x)

Deixamos ao cuidado do leitor verificar que x = a−1 · b e de facto a solucao. Defi-nimos quociente por b

a = a−1·.Chamamos ao quociente de dois inteiros um numero racional (a palavra “racional”vem de racio, ou seja, quociente). Denotamos por Q o conjunto dos numerosracionais. Repare que Z ⊂ Q pois qualquer inteiro n pode ser escrito como umquociente n

1 .

§2. Ordem, distancia e supremo

§2.1. A recta real. Podemos representar os numeros racionais como pontos sobreuma recta duma forma familiar ao leitor: Comecamos por escolher a origem darecta, que corresponde ao numero 0. Escolhemos depois um ponto a direita do 0para representar o 1. O segmento de recta entre 0 e 1 e a nossa unidade de medidade comprimento, que nos permite representar todos os outros numeros racionais.Para representar o numero p

q , com p, q positivos, dividimos o segmento entre 0 e 1

em q segmentos iguais e contamos p destes segmentos a partir do ponto 0 para adireita. A figura ilustra o metodo no caso do numero 7

3 :

0 1 7/3

1/31

Figura 1. Representando o numero racional 73

sobre a recta

Os numeros negativos sao representados simetricamente a esquerda do zero. Repareque, como (−1) · x = −x, multiplicacao por −1 corresponde geometricamente narecta real a reflexao na origem.

§2.2. Ordem. A ordenacao dos pontos na recta da esquerda para a direita corres-ponde a seguinte ordenacao dos numeros reais: dados x, y ∈ R, se x−y for positivodizemos que x e maior que y e escrevemos x > y. Dizemos tambem que y e menorque x, escrevendo y < x. Introduzimos tambem os sımbolos

x ≤ y ⇔ (x < y ou x = y) x ≥ y ⇔ (x > y ou x = y)

§2. Ordem, distancia e supremo 7

Axioma: Dados x, y ∈ R, ou x = y ou x > y ou x < y.

Ou seja, dados x, y ∈ R, e sempre possıvel dizer qual deles e maior. Para y = 0este axioma diz-nos que x ou e positivo, ou negativo, ou igual a zero. PortantoR = R− ∪ {0} ∪ R+, correspondendo a divisao da recta real em semi-eixo positivoe semi-eixo negativo.

Geometricamente, se x esta a direita de y e y esta a direita de z entao x esta adireita de z. A esta propriedade chamamos transitividade:

Teorema 1 (Transitividade): Dados x, y, z ∈ R, se x > y e y > z entao x > z.

Demonstracao. Se x > y e y > z entao x − y e y − z sao positivos logo a suasoma (x− y) + (y − z) = x− z e tambem positiva. Portanto x > z. �

Outras propriedades importantes da ordem sao

Teorema 2 (Propriedades da ordem):

(1) Se x > y entao x + a > y + a para qualquer a;

(2) Se a > 0 e x > y entao a · x > a · y;

(3) Se a < 0 e x > y entao a · x < a · y.

Demonstracao.

(1) Se x > y, (x + a)− (y + a) = x− y e positivo logo x + a > y + a.

(2) Se a > 0 e x > y entao a e x− y sao ambos positivos logo o produto

a · (x− y) = a · x− a · y

e tambem positivo. Assim, a · x > a · y.

(3) Se a < 0 e x > y entao −a e x− y sao ambos positivos logo o produto

(−a) · (x− y) = a · y − a · x

e tambem positivo. Assim, a · x < a · y. �

Se em (3) pusermos x = 0 ou y = 0 obtemos os importantes casos particulares:

- Se a < 0 e x > 0 entao a · x < 0.

- Se a < 0 e y < 0 entao a · y > 0.

§2.3. Intervalos. A nocao geometrica de segmento de recta corresponde a nocaode intervalo: Dados a < b, chamamos intervalo ao conjunto dos numeros reais entre

8 1. Numeros Reais

a e b. Podemos ou nao incluir a, b no intervalo, obtendo assim quatro tipos deintervalo diferentes:

]a, b[ = {x ∈ R : a < x < b} (chamado intervalo aberto)

[ a, b ] = ]a, b[∪{a, b} (chamado intervalo fechado)

[ a, b[ = ]a, b[∪{a}]a, b ] = ]a, b[∪{b}

A nocao geometrica de semirecta corresponde a nocao de intervalo ilimitado. Temosquatro tipos de intervalo ilimitado:

]a,+∞[ = {x ∈ R : x > a}[ a,+∞[ = ]a,+∞[∪{a}]−∞, a[ = {x ∈ R : x < a}]−∞, a ] = ]−∞, a[∪{a}

Definimos tambem ]−∞,+∞[ = R. Solucoes de inequacoes podem frequentementeser escritas como unioes de intervalos:

Exemplo 1. Queremos resolver a equacao x+1x−1 ≤ 0. O produto (x + 1) 1

x−1 e nega-tivo quando os termos tem sinal contrario. Fazendo uma tabela de sinais

-1 1x + 1 - 0 + + +

1/(x− 1) - - - * +(x + 1)/(x− 1) + 0 - * +

vemos que as solucoes sao os numeros no intervalo [−1, 1[ . �

§2.4. Distancia, modulo e vizinhancas. A nocao geometrica de distancia entrepontos da recta esta associada a nocao de distancia entre dois numeros reais x, y ∈R, que e calculada subtraindo o menor numero do maior. Assim, se x ≥ y adistancia entre x e y e dada por x− y.

(−2)−(−6)=4 2−(−1)=3 5−3=2

−6 −5 −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 5

Figura 2. Distancia entre pontos sobre a recta

E conveniente introduzir aqui a nocao de modulo:

|x| ={

x se x ≥ 0

−x se x < 0

Portanto a distancia entre x e y e dada por |x−y|. Em particular, |x| = |x−0|e a distancia de x a zero.

§2. Ordem, distancia e supremo 9

O conceito de distancia e dos mais importantes no Calculo. Em termos numericos adistancia traduz-se na proximidade dos valores x e y, e e muitas vezes interpretadacomo o erro cometido se quisermos aproximar o valor de x pelo valor de y.

Exemplo 2. 53 e uma melhor aproximacao de 27

16 do que 95 pois o erro cometido e

mais pequeno:∣∣∣∣5

3− 27

16

∣∣∣∣ =1

48,

∣∣∣∣9

5− 27

16

∣∣∣∣ =1

5e

1

48<

1

5�

Exemplo 3. Arquimedes descobriu que 227 e uma boa aproximacao de π. De facto,

|227 − π| < 1750 . �

Definicao 3: Chamamos vizinhanca δ de a, e escrevemos Vδ(a), ao conjuntodos pontos cuja distancia a a e menor que δ:

Vδ(a) = {x ∈ R : |x− a| < δ}

Exemplo 4. Tomemos a = −2 e δ = 5. Entao 2 ∈ V5(−2) porque |2 − (−2)| =4 < 5. Por outro lado, −8 /∈ V5(−2) porque | − 8− (−2)| = 6 > 5. �

a− a+aδ δ

δ δ

Figura 3. Vizinhanca δ de a

E claro geometricamente que

Vδ(a) = ]a− δ, a + δ[

Para mostrar esta igualdade temos de resolver a equacao |x−a| < δ. Consideramosdois casos:

(1) Se x ≥ a entao |x − a| = x − a portanto a equacao fica x − a < δ ou sejax < a + δ. As condicoes x ≥ a e x < a + δ definem o intervalo [ a, a + δ[ .

(2) Se x ≤ a entao |x− a| = −x + a logo obtemos a equacao −x + a < δ ou sejax > a− δ. As condicoes x ≤ a e x > a− δ definem o intervalo ]a− δ, a ].

Fazendo a uniao das solucoes para x ≥ a com as solucoes para x ≤ a obtemos ointervalo ]a− δ, a + δ[. Portanto Vδ(a) = ]a− δ, a + δ[. �

Teorema 4 (Propriedades do modulo): Para quaisquer x, y,

(1) |x + y| ≤ |x|+ |y|, a chamada desigualdade triangular;

(2) |xy| = |x| · |y|.

Demonstracao.

10 1. Numeros Reais

(1) Primeiro note que ±x ≤ |x| e ±y ≤ |y|. Assim,- Se x + y ≥ 0 entao |x + y| = x + y ≤ |x|+ |y|.- Se x + y ≤ 0 entao |x + y| = −(x + y) = (−x) + (−y) ≤ |x|+ |y|.

(2) Como |x| = ±x e |y| = ±y, |x| · |y| = ±xy logo |xy| = |x| · |y|. �

Exemplo 5.

|2 + 3| = |2|+ |3| = 5

|(−2) + (−3)| = | − 2|+ | − 3| = 5

|2 + (−3)| = 1 < |2|+ | − 3| = 5 �

§2.5. Supremo, pontos aderentes. A nocao de supremo e uma generalizacaoda nocao de maximo dum conjunto:

Definicao 5 (Maximo): Dizemos que m e o maximo de X se m ∈ X e todos osnumeros reais em X forem menores ou iguais a m.

Exemplo 6. 2 e o maximo do intervalo [ 0, 2 ] pois 2 ∈ [ 0, 2 ] e todos os numerosreais no intervalo sao menores ou iguais a 2. �

Nem todos os conjuntos tem maximo mas na ausencia de maximo o conjunto podeainda ter o que se chama o supremo.

Exemplo 7. Agora consideremos o conjunto ]−∞, 1[ . E frequente pensar-se quea dızima infinita 0.9999 . . . e o maximo deste conjunto mas vamos ver que ]−∞, 1[nao tem maximo! Vejamos porque: Tomemos um candidato a maximo m ∈ ]−∞, 1[ .Entao a media de m e 1, m+1

2 , esta entre m e 1:

m <m + 1

2< 1

Temos pois um numero real m+12 ∈ ] −∞, 1[ que e maior que m logo m nao pode

ser o maximo. Portanto ]−∞, 1[ nao tem maximo.

Agora repare que 1 e maior que todos os elementos do conjunto ] −∞, 1[ . 1 naopode ser o maximo porque nao pertence ao conjunto mas apesar de nao pertencer,esta “colado” ao conjunto. Dizemos que 1 e o supremo de ]−∞, 1[ . �

A nocao de supremo surge na pratica em situacoes como as dos exemplos seguintes:

Exemplo 8. Para calcular o valor de π Arquimedes usou a seguinte ideia: π e aarea dum disco de raio um. Como calcular a area do disco? Podemos aproximaresta area calculando a area de polıgonos inscritos:

§2. Ordem, distancia e supremo 11

Figura 4. Aproximando a area dum disco pela area de polıgonos inscritos

A area do disco e estritamente maior que a area de qualquer polıgono inscrito,mas podemos obter uma aproximacao arbitrariamente boa se o polıgono tiver umnumero suficientemente grande de lados. Nestas condicoes dizemos que a area dodisco e o supremo do conjunto das areas de todos os polıgonos inscritos. Repareque a area do disco nao e o maximo das areas dos polıgonos pois nao e igual a areade nenhum polıgono inscrito. �

Exemplo 9. Como calcular a distancia percorrida por uma partıcula que se movedescrevendo uma curva C no espaco? Podemos medir a posicao da partıcula eminstantes sucessivos t0 < t1 < . . . < tn e unir os pontos assim obtidos P0, P1, . . . , Pn

por uma linha poligonal como mostra a figura:

P

P

P

P

P0

1

2

3

4

C

Figura 5. Aproximando o comprimento duma curva pelo comprimento dumalinha poligonal

A distancia percorrida e certamente maior que o comprimento de qualquer linhapoligonal assim obtida, mas podemos obter uma aproximacao arbitrariamente boase fizermos um numero suficiente de medicoes da posicao da partıcula. A distanciae o supremo dos comprimentos de todas as linhas poligonais. �

Antes de definir supremo precisamos de definir majorante:

Definicao 6 (Majorante): Dizemos que um numero real a ∈ R e um majorantedum conjunto X se para todo o x ∈ X, a ≥ x.

Em particular o maximo dum conjunto (se existir) e um majorante.

12 1. Numeros Reais

Exemplo 10. Seja X = [ 0, 2 ]. Os majorantes de X sao os numeros reais a ∈ R taisque a ≥ 2. Apenas um dos majorantes pertence ao conjunto: o maximo x = 2. �

Exemplo 11. Seja agora X = ]−∞, 1[ . Claramente qualquer numero a ≥ 1 e ummajorante de X. Se a < 1, a nao e um majorante pois como ja vimos atras, amedia a+1

2 esta em X e e maior que a. Portanto os majorantes de X sao os reaisa ≥ 1. Neste caso nenhum dos majorantes pertence ao conjunto: o conjunto naotem maximo. �

Exemplo 12. A area do disco e um majorante do conjunto das areas de todosos polıgonos inscritos. A distancia percorrida pela partıcula e um majorante doconjunto dos comprimentos das linhas poligonais. �

Definicao 7 (Supremo): Chamamos supremo de X, supX, ao menor dos ma-jorantes de X.

Geometricamente, um majorante e simplesmente um ponto da recta real que esta adireita do conjunto e o supremo e o majorante que esta mais proximo do conjunto.

Algumas observacoes sobre o supremo:

• O supremo e um majorante: um conjunto sem majorantes nao tem supremo;

• Quando o supremo pertence ao conjunto e igual ao maximo do conjunto;

• Quando o supremo nao pertence ao conjunto, o conjunto nao tem maximo;

• Portanto, o maximo, quando existe, e igual ao supremo

Exemplo 13. O conjunto R+ = ]0,+∞[ nao tem majorantes, logo nao tem su-premo.

Os majorantes de [ 0, 2 ] sao os reais x ≥ 2 logo o supremo e 2. Como ja vimos,2 ∈ [ 0, 2 ] e tambem o maximo do conjunto.

Os majorantes de ] −∞, 1[ sao os reais x ≥ 1 logo o supremo e 1. Neste caso osupremo nao pertence ao conjunto e o conjunto nao tem maximo. �

Um conjunto sem majorantes nao tem supremo. E um conjunto com majoran-tes, tera necessariamente que ter supremo? Intuitivamente sim: para encontrar osupremo dum conjunto na recta real tomamos um majorante e andamos para aesquerda sobre a recta ate encontrar o conjunto. O ponto em que encontramoso conjunto e o supremo. Nao e no entanto possıvel demonstrar a existencia dosupremo a partir dos axiomas ja apresentados. Chegamos assim ao ultimo axioma:

Axioma do supremo: Qualquer conjunto nao vazio com majorantes tem su-premo.

E talvez surpreendente que o seguinte facto so agora possa ser demonstrado:

Proposicao: N nao e majorado. Ou seja, para qualquer numero real x existe umnumero natural n maior que x.

§2. Ordem, distancia e supremo 13

Demonstracao. Vamos provar esta proposicao pelo metodo de reducao ao ab-surdo. O metodo consiste em supor que a proposicao e falsa e tentar ver porque eque isso nao pode acontecer. Eventualmente chegaremos a uma contradicao o quemostrara que a nossa suposicao estava errada.

Portanto assumimos que N e majorado, pelo que tem supremo s. Como s e o menordos majorantes, s− 1 nao e um majorante logo existe um natural n > s− 1. Masdaqui segue que n + 1 > s pelo que s nao pode ser um majorante!! Chegamos auma contradicao, o que termina a demonstracao. �

Embora o supremo possa nao pertencer ao conjunto, vamos ver que existem sempreelementos do conjunto arbitrariamente proximos do supremo. “Arbitrariamenteproximo” quer dizer o seguinte: dado qualquer δ > 0 podemos sempre encontrarum x ∈ X cuja distancia a supX e menor do que δ.

Exemplo 14. Sabemos que 1 e o supremo de X = ]−∞, 1[ . Entao existem pontosem X arbitrariamente proximos de 1. Por exemplo, tomemos δ = 0.01. Entao0.999 ∈ X esta a uma distancia de 1 inferior a 0.01: 1 − 0.999 = 0.001 < 0.01. Setomarmos δ = 0.0003, o ponto 0.999 ∈ X ja nao serve mas podemos tomar porexemplo 0.9999 ∈ X. Entao 1− 0.9999 = 0.0001 < 0.0003. �

No proximo exemplo interpretamos a distancia como o erro duma aproximacao:

Exemplo 15. Como ja referimos no exemplo 8, podemos obter aproximacoes arbi-trariamente boas da area dum disco pela area dum polıgono inscrito se escolhermosum polıgono com um numero suficientemente grande de lados. Aproximacoes “ar-bitrariamente boas” significa o seguinte: dada qualquer margem de erro ε > 0podemos sempre encontrar uma aproximacao cujo erro seja menor que ε. Explici-tamente, podemos encontrar um polıgono tal que

| (area do disco)− (area do polıgono) | < ε �

Vamos entao provar o resultado:

Teorema 8: Para qualquer δ > 0 existe um x ∈ X cuja distancia a supX einferior a δ.

Demonstracao. Dado um δ > 0 consideremos o numero sup X − δ. Como supXe o menor dos majorantes, supX − δ nao e um majorante logo tera que existir umx ∈ X tal que x > supX−δ. Mas entao sup X−x < δ. Como x < supX, supX−xe a distancia de x a supX. Assim, mostramos que existe um ponto x ∈ X cujadistancia a supX e menor que δ. �

sup X − δ

δ

x sup X

Figura 6. Demonstracao do teorema 8

14 1. Numeros Reais

Definicao 9: Dizemos que um numero real a e aderente a X se existirem pontosde X arbitrariamente proximos de a.

Portanto supX e aderente a X. Repare que se a ∈ X, a e automaticamenteaderente: existe um ponto de X arbitrariamente proximo de a, o proprio a!

Exemplo 16. Seja X = ]− 1, 0[∪ ]0, 1 ]. Entao os pontos aderentes a X sao, paraalem dos pontos do conjunto (entre os quais se encontra o supremo x = 1), ospontos x = −1 e x = 0. �

E util por vezes pensar em termos de vizinhancas em vez de distancias.

Proposicao: Um ponto a e aderente a X se e so se qualquer vizinhanca de aintersectar X.

Demonstracao. Dizer que qualquer vizinhanca de a intersecta X e dizer queVδ(a)∩X 6= ∅ para qualquer δ. Por outras palavras, existem pontos x ∈ X ∩Vδ(a).Mas por definicao de vizinhanca,

x ∈ Vδ(a)⇐⇒ |x− a| < δ

Assim, para qualquer δ existe um ponto x ∈ X cuja distancia a a e menor que δ,que e a definicao de ponto aderente. �

.

Tal como a nocao de maximo dum conjunto nos conduziu a nocao de supremo, dumamaneira completamente analoga associada a nocao de mınimo de um conjunto temosa nocao de ınfimo: m e um minorante de X se m ≤ x para qualquer x ∈ X edefinimos ınfimo como o maior dos minorantes. O ınfimo e o minorante que eaderente a X.

Exemplo 17. O conjunto dos minorantes de R+ e ]−∞, 0 ] pelo que 0 e o ınfimode R+. 0 e aderente a R+ pois existem numeros positivos arbitrariamente proximosde 0. �

§3. Sucessoes, Inducao e Somatorios

Comecamos por recordar e generalizar a definicao do conjunto N dos numeros na-turais. Fixando k ∈ Z, definimos Nk = {k, k + 1, k + 2, k + 3, . . . }. Em particular,N1 = N. Duma maneira mais precisa, Nk e o menor subconjunto de R tal que

(1) k ∈ Nk;

(2) Se x ∈ Nk entao x + 1 ∈ Nk.

Uma sucessao e uma regra que a cada n ∈ Nk associa um numero xn ∈ R (nor-malmente tomamos k = 0 ou k = 1 mas tal nao e necessario). Podemos pensarnuma sucessao como uma lista infinita ordenada de numeros reais.

§3. Sucessoes, Inducao e Somatorios 15

Exemplo 1. A sucessao dos numeros primos tem como primeiros termos

2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, . . . �

Uma maneira comum de definir uma sucessao e dando uma formula:

Exemplo 2. A formula xn = n, n ∈ N0 designa a sucessao 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, . . . . Aformula xn = 1

n , n ∈ N designa a sucessao 1, 12 , 1

3 , 14 , 1

5 , . . . . O leitor pode verificar

que a formula xn = n3−6n2+11n−6n2+n , n ∈ N, designa uma sucessao cujos primeiros

termos sao

0, 0, 0,3

10,

4

5,

10

7,

15

7,

35

12, . . . �

Outro metodo muitas vezes conveniente para definir uma sucessao e o metodo dadefinicao por recorrencia que vamos estudar de seguida.

§3.1. Definicoes por Recorrencia. Comecemos com um exemplo:

x0 = 3, x1 = 6, x2 = 12, x3 = 24, x4 = 48, x5 = 96, . . .

Nesta sucessao cada termo e o doubro do anterior, ou seja, xn+1 = 2 · xn. Paradeterminar completamente a sucessao apenas precisamos de saber onde comecar,ou seja saber que x0 = 3. Chamamos a este processo uma definicao por recorrencia.

Numa definicao por recorrencia:

(1) Comecamos por definir x0 (ou x1, dependendo qual o primeiro termo da su-cessao)

(2) De seguida damos uma regra para passar de xn para xn+1.5

Exemplo 3. Definimos uma sucessao (xn) atraves de

{x0 = 0

xn+1 = 12+xn

5Para uma justificacao deste metodo seja X ⊂ R o conjunto

X = {n : xn esta definido}

Entao

(1) 0 ∈ X

(2) Como temos uma regra para passar de xn para xn+1, se n ∈ X entao n + 1 ∈ X

Como N0 e o menor conjunto satisfazendo (1) e (2), necessariamente N0 ⊂ X. Portanto xn esta definidopara todo o n ∈ N0.

16 1. Numeros Reais

Entao

x1 =1

2 + x0=

1

2

x2 =1

2 + x1=

1

2 + 12

=2

5

x3 =1

2 + x2=

1

2 + 25

=5

12

x4 =1

2 + x3=

1

2 + 512

=12

29

e assim sucessivamente. �

Exemplo 4. Definimos n! atraves de{0! = 1

(n + 1)! = n! · (n + 1)

Entao

1! = 0! · 1 = 1

2! = 1! · 2 = 1 · 23! = 2! · 3 = 1 · 2 · 3

e em geral n! e o produto dos naturais de 1 a n:

n! = 1 · 2 · 3 · · · · · n �

Exemplo 5. Fixemos a ∈ R. Definimos uma sucessao xn atraves de{

x0 = 1

xn+1 = xn · aEntao x1 = 1 ·a = a, x2 = a ·a = a2, x3 = a2 ·a e em geral xn e o produto a ·a · · · · ·an vezes, que designamos por xn = an. �

§3.2. Demonstracoes por inducao. Para ilustrar a ideia da demonstracao porinducao vamos primeiro ver um exemplo. Dada a sucessao (xn) definida por re-correncia por {

x0 = 1

xn+1 = xn + 2n,

consideremos a afirmacao

P (n) = “xn e ımpar”

Queremos verificar que P (n) e verdadeira para qualquer n ∈ N0. Podemos verificara afirmacao para alguns dos termos:

x1 = x0 + 2 · 0 = 1

x2 = x1 + 2 · 1 = 3

x3 = x2 + 2 · 2 = 7

x4 = x3 + 2 · 3 = 13

§3. Sucessoes, Inducao e Somatorios 17

mas nunca poderemos provar que xn e ımpar para qualquer n desta maneira poisha um numero infinito de termos! Procedemos doutra maneira. Observemos oseguinte: como 2n e par,

xn+1 = xn + numero par

Se xn for ımpar,

xn+1 = xn + 2n = (numero ımpar) + (numero par)

portanto xn+1 tambem sera ımpar. Assim

x0 = 1 e ımpar

Como x0 e ımpar, x1 tambem e ımpar

Como x1 e ımpar, x2 tambem e ımpar

Como x2 e ımpar, x3 tambem e ımpar

Como x3 e ımpar, x4 tambem e ımpar

E assim sucessivamente. O efeito assemelha-se a um domino arranjado por forma aque cada peca ao cair faca cair a peca seguinte. Para cair tudo apenas precisamosde fazer cair uma peca. Assim, como x0 e ımpar, mostramos que xn e ımpar paratodo o n.

Resumindo:

O metodo de demonstracao por inducao consiste em dois passos:

(1) Mostrar que a afirmacao P (0) e verdadeira.

(2) Mostrar que, se a afirmacao P (m) e verdadeira para um certo m, entao P (m+1) e tambem verdadeira.6

Exemplo 6. Definimos uma sucessao por recorrencia por{

x1 = 0

xn+1 = xn + 1n(n+1)

Entao

x2 = x1 +1

1(1 + 1)= 0 +

1

2=

1

2

x3 = x2 +1

2(2 + 1)=

1

2+

1

6=

2

3

x4 = x3 +1

3(3 + 1)=

2

3+

1

12=

3

4

Olhando para os primeiros termos podemos adivinhar que xn = n−1n para qualquer

valor de n ∈ N. Para confirmar o nosso palpite precisamos de usar inducao:

6Para uma justificacao rigorosa do funcionamento deste metodo, consideramos o conjunto

X = {n ∈ N : P (n) e verdadeira}Entao o primeiro passo de inducao mostra que 0 ∈ X e o segundo passo mostra que se n ∈ X entaon + 1 ∈ X. Concluimos que N0 ⊂ X.

18 1. Numeros Reais

(1) Comecamos por verificar o caso n = 1. Ou seja, queremos ver se x1 = 1−11 . A

definicao da sucessao diz-nos que x1 = 0 logo a igualdade e verdadeira.

(2) Vamos agora mostrar que se afirmacao e verdadeira para n = m entao tambeme verdadeira para n = m + 1. Explicitamente, queremos ver que

se xm =m− 1

mentao xm+1 =

(m + 1)− 1

(m + 1)=

m

m + 1

E costume chamar “Hipotese” e “Tese” as afirmacoes

Hipotese (aquilo que assumimos como verdadeiro) : xm =m− 1

m

Tese (aquilo que queremos provar) : xm+1 =m

m + 1

Sabemos (pela definicao da sucessao) que xm+1 = xm + 1m(m+1) e a hipotese

diz-nos que xm = m−1m . Assim,

xm+1 = xm +1

m(m + 1)(definicao da sucessao)

=m− 1

m+

1

m(m + 1)(por hipotese)

=(m− 1)(m + 1) + 1

m(m + 1)

=m2

m(m + 1)

=m

m + 1

Portanto xm+1 = mm+1 . Mostramos que se a hipotese for verdadeira, a tese

tambem sera verdadeira, o que completa a inducao. �

Exemplo 7. Vamos mostrar que se a > 0 entao an > 0 para qualquer n ∈ N0.

(1) Comecamos por verificar o caso n = 0. Queremos mostrar que a0 > 0 o que everdade pois a0 = 1.

(2) Agora assumimos que a afirmacao e verdadeira para n = m e queremos mos-trar que a afirmacao e verdadeira para n = m + 1:

Hipotese: am > 0 Tese : am+1 > 0

Sabemos por hipotese que am > 0 e o enunciado diz-nos que a > 0 logoam+1 = a ·am e o produto de dois numeros positivos, sendo portanto positivo.Mostramos que am+1 > 0 que e precisamente a tese. Isto completa a inducao.

Exemplo 8. Vamos mostrar que 10n ≥ n para qualquer n ≥ 1.

(1) Comecamos com n = 1. Temos 101 ≥ 1 que e uma afirmacao verdadeira.

§3. Sucessoes, Inducao e Somatorios 19

(2) Vamos agora mostrar que, se 10m ≥ m entao 10m+1 ≥ m + 1.

Hipotese: 10m ≥ m Tese: 10m+1 ≥ m + 1

Sabemos por hipotese que 10m ≥ m. Multiplicando ambos os lados da desi-gualdade por 10 obtemos

10 · 10m ≥ 10m ou seja 10m+1 ≥ 10m

Usando a transitividade da relacao ≥como 10m+1 ≥ 10m e 10m ≥ m + 1 entao 10m+1 ≥ m + 1

Mostramos portanto que 10m+1 ≥ m + 1 logo a tese e verdadeira. �

§3.3. Somatorios.

Definicao 1: Dada uma sucessao (an), n ∈ N0, definimos o somatorio por re-correncia atraves de

(1)

0∑

k=0

ak = a0

(2)

n+1∑

k=0

ak =

(n∑

k=0

ak

)+ an+1

Assim,

1∑

k=0

ak =

(0∑

k=0

ak

)+ a1 = a0 + a1

2∑

k=0

ak =

(1∑

k=0

ak

)+ a2 = (a0 + a1) + a2

3∑

k=0

ak =

(2∑

k=0

ak

)+ a3 = (a0 + a1 + a2) + a3

e em geraln∑

k=0

ak = a0 + a2 + a2 + a3 + · · ·+ an−1 + an

Exemplo 9.

4∑

k=0

(k + 1) = (0 + 1) + (1 + 1) + (2 + 1) + (3 + 1) + (4 + 1) = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 = 15

A variavel k no somatorio e o que se chama uma variavel muda: pode ser substituidapor qualquer outra letra. Assim,

4∑

k=0

(k + 1) =

4∑

i=0

(i + 1) =

4∑

j=0

(j + 1) =

4∑

p=0

(p + 1) = 15 �

20 1. Numeros Reais

Dado um p ∈ Z, podemos igualmente definir o somatorio dos termos da sucessaode p ate n:

n∑

k=p

ak = ap + ap+1 + ap+2 + · · ·+ an−1 + an

Exemplo 10.

5∑

k=2

(−1)k+1

k!=

(−1)2+1

2!+

(−1)3+1

3!+

(−1)4+1

4!+

(−1)5+1

5!

= −1

2+

1

6− 1

24+

1

120= −11

30�

E importante nao confundir as variaveis k e n usadas no somatorio:

n∑

k=1

k = 1 + 2 + 3 + · · ·+ (n− 1) + nn∑

k=1

n = n + n + n + · · ·+ n + n︸ ︷︷ ︸n vezes

Vamos agora ver algumas propriedades do somatorio.

Teorema 2 (Propriedades do somatorio): O somatorio tem as seguintes pro-priedades:

(1)n∑

k=p

a = (n− p + 1) · a

(2)n∑

k=p

(ak + bk) =n∑

k=p

ak +n∑

k=p

bk

(3)n∑

k=p

c · ak = c ·n∑

k=p

ak

(4)n∑

k=p

(ak+1 − ak) = an+1 − ap

A propriedade (1) e a conhecida relacao a + a + · · ·+ a︸ ︷︷ ︸n vezes

= n · a. As outras proprie-

dades estao ilustradas no proximo exemplo:

§3. Sucessoes, Inducao e Somatorios 21

Exemplo 11.

(2)

4∑

k=2

(1k + k

)= (1

2 + 2) + (13 + 3) + (1

4 + 4)

= (12 + 1

3 + 14 ) + (2 + 3 + 4) =

4∑

k=2

1k +

4∑

k=2

k

(3) 24∑

k=1

1

2k + 1= 2

(1

3+

1

5+

1

7+

1

9

)

=2

3+

2

5+

2

7+

2

9=

4∑

k=1

2

2k + 1

(4)

5∑

k=2

(7k+1 − 7k) =

5∑

k=2

7k+1 −5∑

k=2

7k ( pela propriedade (2) )

= (73 + 74 + 75 + 76)− (72 + 73 + 74 + 75) = 76 − 72

Demonstracao. Vamos apenas mostrar a propriedade (4), deixando as restantescomo exercıcios.

• Para n = p obtemos

p∑

k=p

(ak+1 − ak) = ap+1 − ap

que e uma proposicao verdadeira

• Para completar a demonstracao temos que verificar que se a igualdade e veri-ficada para n = m, entao tambem o e para n = m + 1:

Hipotese:

m∑

k=p

(ak+1 − ak) = am+1 − ap Tese:

m+1∑

k=p

(ak+1 − ak) = am+2 − ap

Assim,

m+1∑

k=p

(ak+1 − ak) =

m∑

k=p

(ak+1 − ak) + (am+2 − am+1) (definicao de somatorio)

= (am+1 − ap) + (am+2 − am+1) (por hipotese)

= am+2 − ap

Mostramos que a tese e uma afirmacao verdadeira e a demonstracao estaterminada. �

Um dos exemplos mais importantes de somatorio e a soma duma progressao geometrica.Chamamos a uma sucessao (ak) uma progressao geometrica de razao R se ak+1 =

22 1. Numeros Reais

R · ak para todo o k. Entao

x1 = R · x0

x2 = R · x1 = R2 · x0

x3 = R · x2 = R3 · x0

e em geral xn = Rn · x0.

Teorema 3 (Soma da progressao geometrica): Se xk e uma progressaogeometrica de razao R entao

n∑

k=0

xk = x01−Rn+1

1−R

em que x0 e o primeiro termo e n + 1 e o numero de termos da soma.

Demonstracao. Usando as propriedades (3) e (4) do somatorio temos

(R− 1)

n∑

k=0

x0Rk =

n∑

k=0

x0(R− 1)Rk =

n∑

k=0

(x0Rk+1 − x0R

k) = x0Rn+1 − x0

Agora basta dividir tudo por R− 1. �

Exemplo 12. Vamos calcular 12 + 1

4 + 18 + 1

16 . Cada termo e obtido multiplicando

o termo anterior pela razao R = 12 . O primeiro termo e 1

2 e temos 4 termos. Assim

1

2+

1

4+

1

8+

1

16=

1

2· 1−

124

1− 12

=1

2· 1−

116

12

= 1− 1

16

Podemos interpretar esta igualdade geometricamente, como mostra a figura 1. �

0 1

1/2 1/4 1/8 1/16

Figura 1. Soma da progressao geometrica 12

+ 14

+ 18

+ 116

= 1 − 116

Exemplo 13. Conta-se que o inventor do tabuleiro de xadrez pediu como paga-mento da sua invencao que lhe pusessem um grao de arroz no primeiro quadradodo tabuleiro, dois graos no segundo, quatro no terceiro e assim sucessivamente. Onumero total de graos e a soma

1 + 2 + 4 + 8 + 16 + · · · = 20 + 21 + 22 + 23 + · · ·+ 263 =

63∑

k=0

2k

Trata-se duma progressao geometrica de razao R = 2 com 64 termos. O primeirotermo e 1 pelo que a soma e dada por

1 · 1− 264

1− 2= 264 − 1

§4. Dızimas e intervalos encaixados. 23

Para ter uma ideia da ordem de grandeza deste numero usamos a aproximacao210 = 1024 ≈ 103. Assim

264 − 1 = 24(210)6 − 1 ≈ 16 · (103)6 = 1.6 · 1019

Tipicamente um grao de arroz pesa entre 20 e 30 miligramas logo 1.6 · 1019 graospesam na ordem de 1011 toneladas (1 seguido de 11 zeros)! �

Exemplo 14. A dızima 0.33 . . . 3 pode ser vista como a soma duma progressaogeometrica:

0. 3 . . . 3︸ ︷︷ ︸n

= 0.3 + 0.03 + 0.003 + · · ·+ 0. 0 . . . 03︸ ︷︷ ︸n

=n∑

k=1

3

10k

A progressao geometrica tem razao 0.1 = 110 , o primeiro termo da soma e 0.3 = 3

10e a soma tem n termos. Assim,

0. 3 . . . 3︸ ︷︷ ︸n

=3

10· 1−

110n

1− 110

=3

10· 1−

110n

910

=1

3

(1− 1

10n

)=

1

3− 1

3 · 10n�

Exercıcio. O que preferia, receber um milhao de euros por dia durante um mes oureceber um centimo no primeiro dia, dois centimos no segundo, quatro centimos noterceiro e assim sucessivamente ate ao fim do mes?

§4. Dızimas e intervalos encaixados.

E comum usar a representacao decimal para representar numeros reais. Por exem-plo, 15.237 representa o numero racional

15.237 = 15 + 0.2 + 0.03 + 0.007 = 15 +2

10+

3

102+

7

103

Chamamos dızima finita com n casas decimais a um numero racional da forma

a0 . a1a2 . . . an = a0 +a1

10+

a2

102+ · · ·+ an

10n=

n∑

j=0

aj

10j

em que a0, a1, . . . , an sao inteiros nao negativos com a1, . . . , an ≤ 9 (as n casasdecimais). Por exemplo, na dızima 15.237 temos a0 = 15, a1 = 2, a2 = 3 e a3 = 7.

Para representar outro tipo de numeros reais usamos dızimas infinitas tais como0.3333 . . . e 0.191919 . . . . Uma dızima infinita e uma sucessao de numeros inteirosnao negativos a0, a1, a2, . . . , an, . . . com ai ≤ 9 para i 6= 0 (as casas decimais), querepresentamos como a0 . a1a2a3 . . ..

Exemplo 1. Pondo a0 = 0 e ai = 3 para i 6= 0 obtemos a dızima infinita 0.3333 . . ..�

24 1. Numeros Reais

Intuitivamente a0 . a1a2a3 . . . vai ser maior que qualquer das dızimas finitas a0 . a1 . . . an

mas podemos obter aproximacoes arbitrariamente boas tomando um numero sufi-ciente de casas decimais. Assim e natural definir

Definicao 1: O valor da dızima infinita a0 . a1a2a3 . . . e o supremo das dızimasfinitas obtidas truncando a dızima infinita:

a0 . a1a2a3 . . . = sup{

a0 , a0 . a1 , a0 . a1a2 , a0 . a1a2a3 , . . .}

Exemplo 2. 0.191919 . . . = sup{

0 , 0.1 , 0.19 , 0.191 , 0.1919 , . . .}

Como representar uma dızima infinita sobre a recta real? Podemos pensar numadızima infinita como um conjunto de instrucoes que nos dizem onde se encontrao ponto. Tomemos como exemplo a dızima infinita 0.191919 . . . . Entao a0 = 0diz-nos que o ponto esta entre 0 e 1. A primeira casa decimal a1 = 1 diz-nos queo ponto esta entre 0.1 e 0.2, a segunda casa decimal a2 = 9 diz-nos que o pontoesta entre 0.19 e 0.20 e assim sucessivamente. Obtemos assim uma sucessao deintervalos

I0 = [ 0, 1 ] , I1 = [ 0.1, 0.2 ] , I2 = [ 0.19, 0.20 ] , I3 = [ 0.191, 0.192 ] , . . .

tais que I0 ⊃ I1 ⊃ I2 ⊃ I3 ⊃ · · · . Dizemos que os intervalos estao encaixados.Intuitivamente, os intervalos In determinam completamente a posicao do pontosobre a recta.

I = [ 0.1 , 0.2 ]10.1 0.2

I = [ 0.191 , 0.192 ]3

I = [ 0.19 , 0.20 ]2

Figura 1. Alguns dos intervalos associados a dızima 0.191919 . . .

Generalizando, a qualquer dızima infinita a0 . a1a2a3a4 . . . esta associada uma su-cessao de intervalos encaixados

I0 = [ a0, a0 + 1 ] , I1 = [ a0 . a1 , a0 . a1 + 0.1 ] , I2 = [ a0 . a1a2 , a0 . a1a2 + 0.01 ] , . . .

. . . , In =

[a0 . a1 . . . an , a0 . a1 . . . an +

1

10n

]=

[ n∑

k=0

ak

10k,

n∑

k=0

ak

10k+

1

10n

], . . .

Intuitivamente existe um unico ponto que pertence a todos os intervalos, nomeada-mente a dızima infinita a0 . a1a2a3 . . . e de facto:

Teorema 2 (Princıpio dos intervalos encaixados): Seja In = [xn, yn ] umasucessao de intervalos fechados encaixados de comprimento xn − yn < 1

n . Entao

§4. Dızimas e intervalos encaixados. 25

existe um unico numero real x que pertence a todos os intervalos, nomeadamente

x = sup{x0, x1, x2, x3, . . .

}

Demonstracao. Qualquer dos numeros y0, y1, y2, . . . e um majorante de X ={x0, x1, x2, . . . } (ver figura 2)7 logo existe supremo x = supX. Vamos ver quexn ≤ x ≤ yn, para qualquer n ∈ N. Como x e um majorante de X, x ≥ xn. Comocada yn e um majorante de X e x e o menor dos majorantes, x ≤ yn. Portantox ∈ In para qualquer n ∈ N.

I0I1

I2I3

I4

4 4 3 1 0x x0 1 2 3x x y y y2 yyx

Figura 2. Intervalos encaixados. Cada yn e um majorante do conjunto {x0, x1, x2, x3, . . . }.

Vamos agora supor por absurdo que havia dois numeros reais a, b pertencentes atodos os intervalos In. Como a, b ∈ In, a distancia entre a e b tem que ser menorque o comprimento do intervalo:

|a− b| ≤ xn − yn <1

nlogo

1

|a− b| > n para qualquer valor de n

Mas entao 1|a−b| e um majorante de N! Como N nao tem majorantes chegamos a

uma contradicao. Concluimos que existe um unico ponto em todos os intervalosIn. �

Exemplo 3. Vimos no exemplo 14 da seccao anterior que

0. 3 . . . 3︸ ︷︷ ︸n

=1

3− 1

3 · 10n<

1

3

Por outro lado,

0. 3 . . . 34︸ ︷︷ ︸n

= 0. 3 . . . 3︸ ︷︷ ︸n

+1

10n

=1

3− 1

3 · 10n+

1

10n

=1

3+

2

3 · 10n>

1

3

Assim1

3∈[

0. 3 . . . 3︸ ︷︷ ︸n

, 0. 3 . . . 34︸ ︷︷ ︸n

]

7Se k ≤ n, xk ≤ xn ≤ yn. Se k ≥ n, xk ≤ yk ≤ yn.

26 1. Numeros Reais

que sao os intervalos associados a 0.3333 . . .. Provamos assim o conhecido facto que

1

3= sup

{0 , 0.3 , 0.33 , 0.333 , . . .

}= 0.3333 . . . �

Exemplo 4. Consideremos a dızima infinita 0.9999 . . . . Neste caso os intervalossao

I0 = [ 0, 1 ] , I1 = [ 0.9, 1 ] , I2 = [ 0.99, 1 ] , I3 = [ 0.999, 1 ] , . . .

1 ∈ In para qualquer n portanto 0.9999 . . . = 1. �

Vamos agora ver que qualquer numero real x ≥ 0 pode ser representado por umadızima infinita. Para tal definimos os an recursivamente da seguinte forma:

• Comecamos por escolher um inteiro a0 ∈ N0 tal que a0 ≤ x < a0 + 1.

• Dividimos entao o intervalo [ a0, a0 + 1[ em 10 intervalos iguais

[ a0.0 , a0.1[ , [ a0.1 , a0.2[ , [ a0.2 , a0.3[ , . . . , [ a0.9 , a0 + 1[ .

Entao x tera que estar num desses intervalos. Escolhemos a1 tal que

x ∈ [ a0.a1 , a0.a1 + 0.1 [

• Uma vez escolhidos a0, . . . , an tais que

x ∈[

a0 . a1 . . . an , a0 . a1 . . . an +1

10n

[

dividimos este intervalo em 10 intervalos iguais e escolhemos an+1 de modoque

x ∈[

a0 . a1 . . . anan+1 , a0 . a1 . . . anan+1 +1

10n+1

[

O processo esta ilustrado na seguinte figura com x = 13 .

0.20.1 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1.00.0

0.30

0.31

0.32

0.33

0.34

0.35

0.36

0.37

0.38 0.40

0.39

76543210− 1− 2− 3

Figura 3. Escrevendo x = 13

como uma dızima infinita

§4. Dızimas e intervalos encaixados. 27

E entao claro que x esta em todos os intervalos associados a dızima infinita a0 . a1a2a3 . . .logo x = a0 . a1a2a3 . . ..

§4.1. Numeros irracionais. Numeros racionais pq sao sempre representados por

dızimas infinitas periodicas. Alguns exemplos:

2

11= 0.18181818 . . .

10

27= 0.370370370370 . . .

1

7= 0.142857142857142857 . . .

Uma demonstracao deste facto encontra-se nos exercıcios no apendice. Em poucaspalavras, quando aplicamos o algoritmo da divisao para calcular um quociente p

q , em

cada passo ha apenas q restos possıveis: 0, 1, 2, . . . , q− 1. Assim, eventualmente osrestos vao-se repetir, dando origem a uma sucessao periodica de restos, e portanto,a uma sucessao periodica de quocientes.

Assim, qualquer dızima infinita nao periodica representa um numero real que naoe racional. Por exemplo:

x = 0.101001000100001000001 . . .

nao e racional. Chamamos a estes numeros numeros irracionais.

Historicamente, os gregos descobriram a existencia de numeros irracionais ao con-siderar o seguinte problema: qual a hipotenusa dum triangulo rectangulo cujoscatetos tem comprimento 1? Se x for o comprimento da hipotenusa entao x2 =12 + 12 = 2.

1

1

x

Figura 4. x2 = 12 + 12 = 2

Vamos tentar encontrar um numero racional que seja solucao desta equacao. Pondo

x = pq com p e q inteiros primos entre si chegamos a p2

q2 = 2 logo p2 = 2q2. Portanto

p tem que ser par, e como p e q sao primos entre si, q tem que ser ımpar. Escrevendop = 2n chegamos a p2 = 4n2 = 2q2 logo 2n2 = q2. Esta equacao e impossıvel porqueq e ımpar. Portanto o comprimento da hipotenusa nao pode ser descrito por umnumero racional.

Podemos resolver a equacao x2 = 2 aproximando a solucao por dızimas finitas. Sejaxn a maior dızima com n casas decimais tal que x2

n ≤ 2 e seja yn = xn + 110n . Entao

y2n > 2:

28 1. Numeros Reais

xn yn x2n y2

n

1 2 1 41.4 1.5 1.96 2.251.41 1.42 1.9881 2.01641.414 1.415 1.999396 2.0022251.4142 1.4143 1.99996164 2.00024449

Tabela 1. Aproximando o valor de x por dızimas finitas

Seja x = 1.4142 . . . o unico real que esta em todos os intervalos [xn, yn ]. Vamosmostrar que x2 = 2. Como xn ≤ x < yn, x2

n ≤ x2 ≤ y2n logo

x2, 2 ∈ [x2n, y2

n ] para qualquer valor de n

Mas como xn + yn ≤ 4, o comprimento de [x2n, y2

n ] e menor que 1n :

y2n − x2

n = (yn − xn)(yn + xn) =1

10n(xn + yn) ≤ 4

10n<

1

n

pelo que concluimos pelo princıpio dos intervalos encaixados que x2 = 2.

Do mesmo modo podemos encontrar as solucoes da equacao x2 = a para qualquera ≥ 0.

§5. Nocao de limite

A cada dızima infinita a0 . a1a2a3 . . . esta associada a sucessao de dızimas finitas

x0 = a0 , x1 = a0 . a1 , x2 = a0 . a1a2 , . . . xn = a0 . a1a2 . . . an , . . .

de tal modo que

a0 . a1a2a3 . . . = sup{x0, x1, x2, . . .}Podemos pensar na sucessao (xn) como aproximacoes sucessivas ao valor da dızimainfinita. Como o supremo e aderente ao conjunto, podemos encontrar aproximacoesarbitrariamente boas, bastanto para tal tomar um numero n de casas decimaissuficientemente grande. Chegamos assim a nocao de limite duma sucessao:

Dizemos que a e limite da sucessao xn se pudermos tornar o erro |xn − a| daaproximacao arbitrariamente pequeno tomando para tal qualquer n

suficientemente grande.

“Arbitrariamente pequeno” significa o costume: para qualquer margem de erroε > 0, podemos fazer o erro |xn − a| menor que ε (tomando para tal qualquern suficientemente grande). Para clarificar a expressao “suficientemente grande”vamos ver dois exemplos:

Exemplo 1. Seja xn = 1n . Sera que podemos tornar 1

n arbitrariamente proximode zero tomando qualquer n suficientemente grande? Mais concretamente, vamossupor que queremos um erro | 1n−0| inferior a ε = 0.003. Que valores de n deveremos

escolher? Queremos que | 1n − 0| < 0.003, ou seja, que n > 10.003 = 333.3333 . . ..

Assim, podemos escolher n = 334 mas qualquer numero maior que 334 tambemfunciona. Neste caso “suficientemente grande” significa maior ou igual a 334. A

§5. Nocao de limite 29

nocao de “suficientemente grande” depende da margem de erro pretendida. Assim,se quisermos um erro inferior a ε = 0.0002, sera necessario que | 1n − 0| < 0.0002ou seja n > 5000. Neste caso “suficientemente grande” significa maior que 5000.Podemos fazer o mesmo para qualquer margem de erro ε: A equacao | 1n − 0| < ε e

equivalente a n > 1ε portanto “suficientemente grande” significa maior que 1

ε . �

Exemplo 2. Seja xn = (−1)n + 1n . Os primeiros termos da sucessao sao:

0, 1 + 12 , −1 + 1

3 , 1 + 14 , −1 + 1

5 , 1 + 16 , . . .

Podemos tornar xn arbitrariamente proximo de 1 escolhendo n par e suficientementegrande. No entanto xn nao esta proximo de 1 para qualquer n suficientementegrande: para n ımpar xn aproxima-se de −1. Portanto 1 nao e limite da sucessao.De facto esta sucessao nao tem limite. �

Passemos entao a definicao:

Definicao 1: Dizemos que a ∈ R e limite da sucessao (xn) se para qualquer ε > 0,existir um N (que vai depender de ε) tal que

n > N =⇒ |xn − a| < ε

ou seja, se o erro |xn − a| for menor que ε para todo o n suficientemente grande(maior que N).

Exemplo 3. Vamos ver que 13 e limite da sucessao

x0 = 0 , x1 = 0.3 , x2 = 0.33 , x3 = 0.333 , . . . xn = 0. 33 . . . 3︸ ︷︷ ︸n

, . . .

Dado um ε > 0 queremos mostrar que |xn − 13 | = 1

3·10n < ε para qualquer n

suficientemente grande, o que e equivalente a mostrar que 3 ·10n > 1ε para qualquer

n suficientemente grande. Basta tomar N > 1ε . Se n > N , 3 · 10n > n > 1

ε . �

Exemplo 4. Vamos ver que − 12 nao e limite da sucessao xn = 1

n . Dado um εqueremos ver se ∣∣∣∣xn −

(−1

2

)∣∣∣∣ =∣∣∣∣1

n+

1

2

∣∣∣∣ =1

n+

1

2< ε

ou seja, 1n > ε − 1

2 . Mas se a margem de erro ε for inferior a 12 isto e impossıvel

pois ε− 12 e negativo. Portanto − 1

2 nao pode ser limite da sucessao. �

E muitas vezes util pensar em termos de vizinhancas em vez de distancias: Como

|x− a| < ε⇐⇒ x ∈ Vε(a)

temos

Teorema 2: x e limite da sucessao (xn) se e so se, para qualquer ε > 0, existirum N (que vai depender de ε) tal que

n > N =⇒ xn ∈ Vε(x)

30 1. Numeros Reais

ou seja, dada qualquer vizinhanca V de x, xn ∈ V para todo o n suficientementegrande.

Podemos representar a sucessao como pontos sobre uma recta. A figura mostraalguns termos duma sucessao com a propriedade que xn ∈ Vε(x) para n > N :

xN xN + 1xN − 1

xN + 2

x

x − x + ε ε

§5.1. Propriedades do limite.

Teorema 3: Uma sucessao tem no maximo um limite.

Demonstracao. Vamos supor que a sucessao (xn) tem dois limites distintos a1

e a2. Tomemos vizinhancas disjuntas V1, V2 de a1 e a2 respectivamente. Masentao para n suficientemente grande xn tera que estar em ambas as vizinhancassimultaneamente! Mais concretamente, existem N1, N2 ∈ N tais que

xn ∈ V1 para n > N1 e xn ∈ V2 para n > N2

pelo que xn ∈ V1 ∩ V2 se n > max{N1, N2}. Mas isto e uma contradicao porqueV1 ∩ V2 e vazio. Portanto (xn) nao pode ter mais que um limite. �

Teorema 4: Sejam xn, yn sucessoes com limites x e y respectivamente. Se xn ≤yn para qualquer n entao x ≤ y.

Demonstracao. Mais uma vez vamos usar o metodo de reducao ao absurdo.Vamos supor que x > y. Tomemos vizinhancas disjuntas U, V de x e y respecti-vamente. Mas entao para n suficientemente grande xn ∈ U e yn ∈ V donde segueque xn > yn:

xnyn

V

y x

U

Mais concretamente, existem N1, N2 ∈ N tais que

xn ∈ U para n > N1 e yn ∈ V para n > N2

pelo que xn ∈ U e yn ∈ V se n > max{N1, N2}. Chegamos a uma contradicaoportanto x ≤ y. �

Nas duas ultimas demonstracoes vimos uma situacao que ocorre com grande frequencia:quando temos duas afirmacoes validas, cada uma delas, para n suficientementegrande, uma para n > N1 e a outra para n > N2, entao ambas as afirmacoes vaoser simultaneamente validas para n suficientemente grande, em que “suficiente-mente grande” significa maior que max{N1, N2}. Daqui em diante seremos menosrigorosos neste aspecto, deixando ao leitor esse cuidado.

§5. Nocao de limite 31

Teorema 5: Sejam xn, yn sucessoes com limites x e y respectivamente. Entao

(i) xn + yn converge para x + y

(ii) Para qualquer a ∈ R, axn converge para ax

(iii) xnyn converge para xy

(iv) Se yn 6= 0 e y 6= 0 entao xn

ynconverge para x

y .

Demonstracao.

(i) Dado um ε > 0 queremos mostrar que

|(xn + yn)− (x + y)| < ε

para n suficientemente grande. Atendendo a desigualdade triangular,

| (xn + yn)− (x + y) | = | (xn − x) + (yn − y) |≤ |xn − x|+ |yn − y|

Para que |(xn + yn)− (x+ y)| seja menor que ε basta que cada um dos termos|xn − x| e |yn − y| seja menor que ε

2 . Mas como xn → x e yn → y, podemostornar |xn − x| e |yn − y| arbitrariamente pequenos escolhendo qualquer nsuficientemente grande. Em particular, podemos garantir que

|xn − x| < ε

2e |yn − y| < ε

2

Assim,

| (xn + yn)− (x + y) | ≤ |xn − x|+ |yn − y|<

ε

2+

ε

2= ε

Mostramos que para n suficientemente grande, |(xn + yn)− (x + y)| < ε. Pordefinicao de limite, xn + yn → x + y.

(iii) Dado um ε > 0 queremos mostrar que

|xnyn − xy| < ε

para n suficientemente grande. O truque consiste em somar e subtrair xyn eusar a desigualdade triangular:

|xnyn − xy | = |xnyn − xyn + xyn − xy |≤ |xnyn − xyn |+ |xyn − xy |= |xn − x| · |yn|+ |x| · |yn − y|

Como podemos tornar |xn − x| e |yn − y| arbitrariamente pequenos estamosno bom caminho, mas para que o produto |xn−x| · |yn| seja pequeno e precisotambem garantir que |yn| nao se torne por sua vez muito grande. Comoyn → y, para n suficientemente grande yn ∈ ]y − 1, y + 1[ logo |yn| < |y|+ 1.8

8porque |yn| = |yn − y + y| ≤ |yn − y| + |y| < 1 + |y|

32 1. Numeros Reais

Assim,

|xnyn − xy | ≤ |xn − x| · |yn|+ |x| · |yn − y|< |xn − x| · ( |y|+ 1 ) + |x| · |yn − y|

Para que |xnyn − xy| seja menor que ε basta que cada um dos termos |xn −x|(|y| + 1) e |x||yn − y| seja menor que ε

2 . Como xn → x e yn → y, para nsuficientemente grande podemos garantir que

|xn − x| < ε

2(|y|+ 1)e |yn − y| < ε

2|x|

Assim,

|xnyn − xy | < |xn − x|(|y|+ 1) + |x||yn − y|<

ε

2(|y|+ 1)(|y|+ 1) + |x| ε

2|x|=

ε

2+

ε

2= ε

o que mostra que xnyn → xy.

(ii) Segue de [(iii)] pondo yn = a.

(iv) xn

yn= xn

1yn

portanto, usando (iii) basta mostrar que 1yn→ 1

y . Dado um ε > 0queremos mostrar que

∣∣∣∣1

yn− 1

y

∣∣∣∣ < ε

para n suficientemente grande. Primeiro notamos que

∣∣∣∣1

yn− 1

y

∣∣∣∣ =|yn − y||yn||y|

Podemos tornar |yn−y| arbitrariamente pequeno mas temos que garantir que|yn| nao se torne tambem muito pequeno. Como yn → y, yn esta na vizinhanca

]y2 , 3y

2 [ de y para n suficientemente grande. Mas entao |yn| > |y|2 e daqui segue

que 1|yn| < 2

|y| . Portanto

∣∣∣∣1

yn− 1

y

∣∣∣∣ =|yn − y||yn||y|

<2|yn − y||y|2

Como yn → y, para n suficientemente grande podemos sempre garantir que

|yn − y| < ε|y|22 logo

∣∣∣∣1

yn− 1

y

∣∣∣∣ <2|yn − y||y|2 <

2 ε|y|22

|y|2 = ε

Portanto∣∣∣ 1yn− 1

y

∣∣∣ < ε para n suficientemente grande logo 1yn→ 1

y . �

§6. O plano coordenado 33

§6. O plano coordenado

Denotamos por R2 o conjunto dos pares (x, y) com x, y ∈ R. Recordemos breve-mente a representacao geometrica de pares (x, y) como pontos no plano. Comecamoscom os eixos: tracamos no plano duas copias da recta real, perpendiculares entresi e intersectando-se na origem das rectas. Chamamos a uma das rectas o eixo dosxx e a outra o eixo dos yy. Dado um par (x, y) ∈ R2 representamos x como umponto no eixo dos xx e y como um ponto no eixo dos yy. Tracamos entao a rectapassando por x paralela ao eixo dos yy e a recta passando por y paralela ao eixodos xx (ver figura 1). O ponto P representando o par (x, y) e a interseccao destasduas rectas. Chamamos ao par (x, y) ∈ R2 as coordenadas do ponto P .

P y

x

Figura 1. Representando um par (x, y) ∈ R2 como um ponto no P no plano

Esta representacao de pares (x, y) permite-nos visualizar geometricamente variosconceitos, sendo uma grande ajuda para a nossa intuicao. Por exemplo, podemosrepresentar uma sucessao (xn) como pontos no plano com coordenadas (n, xn). Olimite duma sucessao pode entao ser visualizado geometricamente. A figura mostraalguns termos duma sucessao que converge para 1. Para n > 11 os termos dasucessao estao na vizinhanca V0.05(1) = ]0.95, 1.05[ .

0 5 10 15 20 25 30

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

1.2

1.4

Figura 2. Sucessao cujos termos estao na vizinhanca V0.05(1) = ]0.95, 1.05[para n > 11

34 1. Numeros Reais

Por analogia com a nocao geometrica de recta, chamamos recta aos seguintes sub-conjuntos de R2:

Chamamos recta vertical a um subconjunto L ⊂ R2 da forma

L = {(x, y) ∈ R2 : x = a} com a uma constante

a e simplesmente a interseccao da recta com o eixo dos xx. A um subconjuntoL ⊂ R2 da forma

L = {(x, y) ∈ R2 : y = mx + b} m, b constantes

chamamos recta de declive m.

m e uma medida da inclinacao da recta e a constante b indica o ponto em que Lcruza o eixo dos yy.

m = 1/2

m = 0

m = −1/2

m=2

m = 1

m = −1

b

Figura 3. O declive m e uma medida da inclinacao da recta

Recordemos como calcular m: Para quaisquer dois pontos P1 = (x1, y1) e P2 =(x2, y2) sobre a recta,

y1 = m · x1 + b

y2 = m · x2 + b

Subtraindo as equacoes obtemos y2 − y1 = m(x2 − x1) logo

m =y2 − y1

x2 − x1

Daqui tiramos tambem a equacao duma recta de declive m passando por um pontoP0 = (x0, y0): dado outro ponto qualquer P = (x, y) sobre a recta, m = y−y0

x−x0logo

y − y0 = m(x− x0)

A nocao geometrica de distancia entre dois pontos do plano esta associada a nocaode distancia entre pares (x1, x2) e (y1, y2). O teorema de Pitagoras leva-nos a definir

Definicao 1: A distancia entre dois pares (x1, y1) , (x2, y2) ∈ R2 e dada por

distancia =√|x1 − x2|2 + |y1 − y2|2

§6. O plano coordenado 35

(x ,y )1 1

2(x ,y )2

x − x2 1

1y − y2| |

| |

Figura 4. Distancia entre dois pontos no plano

A circunferencia de raio r centrada num ponto P e o conjunto dos pontos doplano cuja distancia a P e igual a r. Assim, dado um par (a, b) ∈ R2, definimos acircunferencia de raio r centrada em (a, b) como o subconjunto dos pares (x, y) ∈ R2

tais que√

(x− a)2 + (y − b)2 = r

Normalmente elevamos tudo ao quadrado e escrevemos esta equacao na forma maissimples

(x− a)2 + (y − b)2 = r2

§6.1. Trigonometria. Geometricamente, um angulo e uma regiao do plano θ li-mitada por duas semirectas comecando no mesmo ponto O.

Um angulo orientado e um angulo em que foi especificado qual a semirecta inicial equal a semirecta final. Pensamos no angulo como sendo obtido rodando a semirectainicial em torno do ponto O ate coincidir com a semirecta final.

θ

Ο Semirecta inicial

Semirecta final

Figura 5. Angulo orientado

Para medir o valor do angulo em radianos tracamos a circunferencia de raio umcentrada em O e consideramos o arco de circunferencia contido na regiao θ. O valordo angulo depende da orientacao:

- Se a rotacao for no sentido contrario ao dos ponteiros do relogio dizemos queo angulo e positivo e o seu valor e o comprimento do arco;

- Se a rotacao for no sentido dos ponteiros do relogio dizemos que o angulo enegativo e o seu valor e o simetrico do comprimento do arco.

Por abuso de notacao representamos o valor do angulo tambem pela letra θ. Nafigura seguinte o arco de circunferencia tem comprimento um logo θ = ±1:

36 1. Numeros Reais

1

Ο

θ = 11

Ο

θ = −1

1 1

Figura 6. Angulos positivo e negativo com comprimento do arco igual a 1

Chamamos cırculo trigonometrico a circunferencia de raio um centrada na origem:

{(x, y) ∈ R2 : x2 + y2 = 1}

Vamos agora fixar de uma vez por todas o semi-eixo positivo dos xx como a nossasemirecta inicial. Entao cada angulo θ determina um ponto P no cırculo trigo-nometrico, o ponto em que o cırculo intersecta a semirecta final.

As coordenadas (x, y) do ponto P chamamos respectivamente o coseno e o senodo angulo θ:

x = cos θ , y = sen θ

Para P 6= (0,±1), chamamos tangente do angulo θ, tan θ, ao declive da recta quepassa pela origem e por P (para P = (0,±1) a recta e vertical).

Calculando o declive da recta obtemos tan θ = sen θcos θ .

cos θ

sen θ

y = (tan θ) x

cos θ sen θP = ( , )

θ

Figura 7. Seno, coseno e tangente

Calculando o declive da recta obtemos

tan θ =sen θ

cos θ

§6. O plano coordenado 37

Dizemos que um angulo e convexo se estiver contido num dos dois semiplanos

{(x, y) ∈ R2 : y ≥ 0} (o semiplano superior) ou

{(x, y) ∈ R2 : y ≤ 0} (o semiplano inferior)

Caso contrario dizemos que o angulo e concavo. A cada ponto P no cırculo tri-gonometrico correspondem dois angulo, um convexo e um concavo (excepto paraP = (−1, 0) em que os angulos sao ambos convexos). Quando nos referimos aoangulo determinado por P = (x, y) estamos sempre a pensar no angulo convexo.Assim, para y = sen θ > 0 o angulo e positivo e para y < 0 o angulo e negativo.9

P

P

+

θ

θO

O

Figura 8. Angulos no cırculo trigonometrico

Precisamos de tornar mais precisa a nocao de comprimento dum arco. Embora oseu significado seja claro, se quisermos calcular o comprimento precisamos dumadefinicao rigorosa. Vamos apenas considerar angulos convexos. Tomemos um pontoP sobre o cırculo trigonometrico e seja A o arco de (1, 0) ate P .

Comecamos por tomar pontos P0, P1, . . . , Pn−1, Pn ∈ A de coordenadas Pi =(xi, yi) tais que

P0 = (1, 0) , Pn = P e x0 > x1 > x2 > · · · > xn

e consideramos a linha poligonal obtida unindo esses pontos:

9O conceito de ”rotacao no sentido contrario ao dos ponteiros do relogio”que usamos para definir posi-tividade nao e um conceito rigoroso, mas podemos definir positividade usando a nocao de convexidadee o seno do angulo.

38 1. Numeros Reais

x4 x3 x2 x1

P1

P2

P4

P3

P0

x0

Figura 9. Aproximando o comprimento dum arco por uma linha poligonal

Chamamos a uma linha poligonal assim obtida uma linha poligonal inscrita no arco.O comprimento do arco A tera que ser certamente maior do que o comprimento∑

Pi−1Pi da linha poligonal mas intuitivamente podemos obter uma aproximacaoarbitrariamente boa tomando um numero suficientemente grande de pontos sobreo arco.

Definicao 2 (Comprimento do arco): Definimos comprimento do arco A comoo supremo do conjunto dos comprimentos de todas as linhas poligonais inscritas noarco. Definimos π como o comprimento do arco de (1, 0) ate (−1, 0).

Exemplo 1. Vamos aproximar o arco de (1, 0) a (−1, 0) por uma linha poligonalformada por seis segmentos de igual comprimento. Entao P0 = (1, 0) e P6 = (−1, 0).Os outros pontos sao

P1 =(cos π

6 , sen π6

)=(√

32 , 1

2

)P2 =

(cos π

3 , sen π3

)=(

12 ,

√3

2

)P3 = (0, 1)

P4 =(cos 2π

3 , sen 2π3

)=(− 1

2 ,√

32

)P5 =

(cos 5π

6 , sen 5π6

)=(−

√3

2 , 12

)

P0

P1

P2

P3

P4

P5

P6

π/6

Figura 10. Linha poligonal com 6 segmentos de igual comprimento

§6. O plano coordenado 39

Os segmentos tem todos o mesmo comprimento:

P0P1 =

√√√√(√

3

2− 1

)2

+

(1

2− 0

)2

=

√2−√

3

Assim, o comprimento da linha poligonal vai ser 6√

2−√

3 = 3.10583 . . . . A tabelaseguinte mostra os comprimentos das linhas poligonais para outras aproximacoes10:

Numero de segmentos Comprimento da linha poligonal

6 6√

2−√

3 = 3.1058 . . .

12 12

√2−

√2 +√

3 = 3.1326 . . .

24 24

√2−

√2 +

√2 +√

3 = 3.1394 . . .

48 48

√2−

√2 +

√2 +√

2 +√

3 = 3.1410 . . .

96 96

√√√√2−

2 +

√2 +

√2 +

√2 +√

3 = 3.1415 . . .

Tabela 1. Aproximacoes sucessivas do valor de π usando o comprimento delinhas poligonais inscritas no arco.

A aproximacao com 96 segmentos diz-nos que π > 3.1415 . . . . �

O comprimento duma linha poligonal inscrita e sempre menor que o comprimentodo arco. Para ter uma ideia do erro cometido na aproximacao e util ter tambemaproximacoes por valores superiores ao comprimento do arco:

Teorema 3: Para um angulo θ contido no primeiro quadrante temos

sen θ < θ < tan θ

Demonstracao. Comecamos por ver que sen θ < θ. Observemos a figura:

10O teorema de Pitagoras mostra que, se duplicarmos o numero de segmentos, o comprimento ℓ de cadasegmento passa a ser

ℓnovo =

r

2 −q

4 − (ℓantigo)2

40 1. Numeros Reais

P0

P

QO

θ

Figura 11. sen θ < θ

sen θ = QP < P0P e P0P e menor que o comprimento do arco de P0 a P que eprecisamente θ. Assim, sen θ < θ.

Vamos agora ver que θ < tan θ. Dada uma linha poligonal definida por pontosP0, P1, . . . , Pn−1, Pn sobre o arco de coordenadas Pi = (xi, yi), seja Qi = (1, yi

xi) a

interseccao da recta passando pela origem e por Pi com a recta vertical x = 1:

P1

P2

Q1

Q2

Q3

P = P3

P = Q0 00 1

Figura 12. Demonstracao que θ < tan θ

E geometricamente claro que cada segmento Pi−1Pi tem comprimento menor que odo segmento correspondente Qi−1Qi.

11 Assim, o comprimento da linha poligonal e

11A demonstracao que Pi−1Pi < Qi−1Qi envolve algumas contas. Usando as igualdades x2i + y2

i = 1 edesenvolvendo os quadrados podemos ver que

(Qi−1Qi)2

=

1

xi−1

− 1

xi

«2

+(Pi−1Pi)

2

xi−1xi

Como xi−1, xi ≤ 1,

(Pi−1Pi)2

<(Pi−1Pi)

2

xi−1xi

< (Qi−1Qi)2

§6. O plano coordenado 41

menor que a soma∑

Qi−1Qi = Q0Qn. Mas Q0Qn = tan θ. Assim, qualquer linhapoligonal inscrita tem comprimento menor que tan θ. Portanto θ ≤ tan θ.

Exemplo 2. Como θ < tan θ, π6 < tan π

6 pelo que π < 6 tan π6 = 6

√3

2 = 3.4641 . . . .Geometricamente isto corresponde a aproximar o arco de (1, 0) a (−1, 0) dividindo-oem seis arcos e aproximando cada um deles pela tangente do angulo:

tan(π/6)π/6

Figura 13. Aproximando o comprimento de arcos pelos segmentos tangentes

aos arcos

Dividindo o arco em mais segmentos obtemos aproximacoes melhor. Por exemplo,a divisao em 96 segmentos da

π < 96 tanπ

96= 96

2−√

2 +

√2 +

√2 +√

3√

2 +

√2 +

√2 +

√2 +√

3

= 3.1427 . . . �

42 1. Numeros Reais

Exercıcios sobre dızimas

Se x = pq for um racional, o algoritmo da divisao diz-nos como encontrar uma dızima

infinita que representa x. Comecamos por dividir p por q obtendo um quociente a0

e um resto r0.

Exercıcio. Mostre por inducao em p que dados inteiros positivos p, q existem in-teiros a0, r0 tais que p = a0q + r0 e 0 ≤ r0 ≤ q − 1.

No algoritmo de divisao as casas decimais an e os restos rn sao definidos recursiva-mente por

• a0, r0 sao o quociente e o resto da divisao de p por q

• an, rn sao o quociente e o resto da divisao de 10rn−1 por q

Como exemplo mais concreto vamos usar o algoritmo da divisao para escrever132/13 como uma dızima infinita: O quociente da divisao de 132 por 13 e 10 e oresto e 2. Assim 132 = 10 · 13 + 2 logo

132

13= 10 +

2

13

Continuamos multiplicando o resto r por 10 (acrescentamos um zero) e dividindo10r = 20 por 13. O quociente e 1 e o resto e 7. Assim

20

13= 1 +

7

13pelo que

2

13= 0.1 +

0.7

13

Substituindo este resultado e continuando a divisao obtemos sucessivamente

132

13= 10 +

(0.1 +

0.7

13

)

= 10.1 +0.7

13

= 10.1 +

(0.05 +

0.05

13

)porque

70

13= 5 +

5

13

= 10.15 +0.05

13

= 10.15 +

(0.003 +

0.011

13

)porque

50

13= 3 +

11

13

= 10.153 +0.011

13

= 10.153 +

(0.0008 +

0.0006

13

)porque

110

13= 8 +

6

13

= 10.1538 +0.0006

13

Obtivemos assim as aproximacoes

Exercıcios sobre dızimas 43

Aproximacao Erro

10 213

10.1 713 · 0.1

10.15 513 · 0.01

10.153 1113 · 0.001

10.1538 613 · 0.0001

Este processo pode ser continuado indefinidamente obtendo aproximacoes arbitra-riamente boas de 132

13 por dızimas.

Exercıcio. Prove por inducao que 0 ≤ an ≤ 9 para todo o n ≥ 1.

Exercıcio. Mostre por inducao que a0 . a1 . . . an =p

q− rn

10nq

Exercıcio. Mostre que a0 . a1a2 . . . an . . . = pq .

O algoritmo da divisao da sempre origem a dızimas periodicas. Vejamos um exem-plo:

Exemplo 3. Vamos dividir 10 por 7. Obtemos sucessivamente:

107 = 1 + 3

7 a0 = 1 r0 = 3

10r0

7 = 4 + 27 a1 = 4 r1 = 2

10r1

7 = 2 + 67 a2 = 2 r2 = 6

10r2

7 = 8 + 47 a3 = 8 r3 = 4

10r3

7 = 5 + 57 a4 = 5 r4 = 5

10r4

7 = 7 + 17 a5 = 7 r5 = 1

10r5

7 = 1 + 37 a6 = 1 r6 = 3

10r6

7 = 4 + 27 a7 = 4 r7 = 2

10r7

7 = 2 + 67 a8 = 2 r8 = 6

10r8

7 = 8 + 47 a9 = 8 r9 = 4

Portanto 107 = 1.428571428 . . . �

A observacao crucial e a seguinte: como 0 ≤ rn < q, os restos so podem tomar qvalores distintos. Repeticoes sao portanto inevitaveis pelo que existem certamenteinteiros N, k tais que rN = rN+k. A partir daı todas as casas decimais se vaorepetir.

Exercıcio. Mostre por inducao que para qualquer n > N , an = an+k e rn = rn+k.

Queremos estabelecer a correspondencia

Dızimas periodicas←→ Numeros racionais

Dızimas nao periodicas←→ Numeros irracionais

44 1. Numeros Reais

Tal seria imediato se a cada numero real so correspondesse uma dızima. Mas issonao e verdade:

Exercıcio. Seja ak um inteiro entre 0 e 8 e seja a+k = ak + 1. Mostre que

a0 . a1a2 . . . ak99999 . . . = a0 . a1a2 . . . a+k

Vamos supor que temos duas dızimas infinitas distintas

a0 . a1a2 . . . an . . .

b0 . b1b2 . . . bn . . .

representando o mesmo numero real. Seja k a primeira casa decimal em que elasdiferem. Ou seja, ai = bi para i < k. Podemos assumir que ak < bk. Entao

a0 . a1 . . . akak+1 . . . ≤ a0 . a1 . . . ak99999 . . .

= a0 . a1 . . . a+k

≤ b0 . b1b2 . . . bk

≤ b0 . b1b2 . . . bkbk+1 . . .

Como as dızimas representam o mesmo real, todas as desigualdades sao igualdades.

Exercıcio. Mostre que bk = ak+1 e que bj = 0 para j > k.

Daqui concluimos desde ja que se duas dızimas infinitas distintas representam omesmo numero, uma delas tem que acabar em zeros.

Exercıcio. Aplicando a observacao acima a igualdade

a0 . a1 . . . akak+1 . . . = a0 . a1 . . . ak99999 . . .

mostre que aj = 9 para j > k.

Exercıcio. Mostre que uma dızima infinita periodica representa sempre um numeroracional e que uma dızima infinita nao periodica representa sempre um numeroirracional.

Capıtulo 2

Funcoes, limites e

continuidade

§1. Funcoes

Uma funcao f e uma regra que associa a cada elemento dum conjunto A um eum so elemento dum conjunto B, que representamos por f(x). Chamamos a A odomınio de f . Duas maneiras comuns de representar uma funcao sao

f : A −→ B e Af−→ B

Vamos estudar as chamadas funcoes reais de variavel real: funcoes com domınioA ⊂ R e com valores em B = R. Comecamos com alguns exemplo bastanteimportantes de funcoes:

Exemplo 1. Chamamos “raiz quadrada” a funcao f : [ 0,+∞[→ R que associa acada x ∈ [ 0,+∞[ o unico numero positivo f(x) =

√x cujo quadrado e x. �

Exemplo 2. Chamamos “arco-coseno” a funcao arccos : [−1, 1 ] → R definidado seguinte modo: Representamos cada x ∈ [−1, 1 ] no plano como um ponto noeixo dos xx e tomamos o ponto P do cırculo trigonometrico directamente por cimade x. Entao arccos(x) e o valor do angulo θ associado ao ponto P :

45

46 2. Funcoes, limites e continuidade

− 1 1x

θ

P

Figura 1. A funcao arco-coseno

Assim, arccos(−1) = π, arccos(0) = π2 e arccos(1) = 0. Repare que x e o coseno do

angulo θ. �

Exemplo 3. Chamamos “arco-seno” a funcao arcsen: [−1, 1 ] → R definida doseguinte modo: Representamos cada y ∈ [−1, 1 ] como um ponto no eixo dos yy etomamos o ponto P do cırculo trigonometrico a direita de y. Entao arcsen(y) e ovalor do angulo θ associado ao ponto P :

y P

θ

−1

1

−1

1

yP

+

θ

Figura 2. A funcao arco-seno

Assim, arcsen(−1) = −π2 , arcsen(0) = 0 e arcsen(1) = π

2 . Repare que y e o seno doangulo θ. �

Exemplo 4. Chamamos “arco-tangente” a funcao arctan: R → R definida doseguinte modo: tracamos a recta vertical x = 1, tangente ao cırculo trigonometricono ponto (1, 0) e representamos cada t ∈ R como o ponto (1, t) sobre essa recta.O segmento da origem ate (1, t) intersecta o cırculo trigonometrico num ponto P earctan t e o valor do angulo θ associado a P .

§1. Funcoes 47

(1,t)t < 0t > 0

P

P

+

(1,t)

θ

θ

Figura 3. A funcao arco-tangente

Assim, arctan(−1) = π4 , arctan(0) = 0 e arctan(1) = π

4 . Repare que t e a tangentedo angulo θ. �

Mais alguns exemplos:

Exemplo 5. Definimos h : R→ R como a funcao que associa a cada ponto x ∈ R

a sua distancia a origem. �

Exemplo 6. Definimos A : [ 0,+∞[→ R como a funcao que associa a cada r ∈[ 0,+∞[ a area A(r) do disco de raio r. �

Uma funcao pode frequentemente ser descrita por uma expressao algebrica. Nosdois ultimos exemplos, A(r) = πr2 e h(x) = |x|. E comum, ao definir uma funcao

por uma expressao algebrica, nao indicar o domınio. E assumido nesse caso queo domınio consiste em todos os pontos x ∈ R para os quais a expressao algebricadesigna um numero real.

Exemplo 7. A funcao f(x) = 1x tem por domınio o conjunto R \ {0}. �

Exemplo 8. A funcao f(x) =√

1− x2 tem por domınio o conjunto dos reais x ∈ R

tais que 1− x2 ≥ 0, ou seja, o intervalo [−1, 1 ]. �

Exemplo 9. A funcao f(x) = πx2 tem por domınio R. Repare que a funcao A doexemplo 6 e dada pela mesma formula mas o domınio e diferente. Dizemos que Ae a restricao de f ao intervalo [ 0,+∞[. �

Generalizando o exemplo 9,

48 2. Funcoes, limites e continuidade

Definicao 1: Dada uma funcao f : D → R e um subconjunto B ⊂ D, chamamosrestricao de f a B a funcao g : B → R com domınio B tal que g(x) = f(x).Dizemos tambem que f e um prolongamento de g ao conjunto D.

Exemplo 10. Seja g : [ 0,+∞[→ R a funcao g(x) = x. Entao as funcoes |x| e xsao ambas prolongamentos de g a R. �

Por vezes uma funcao e definida por formulas diferentes em diferentes partes do seudomınio. Nesse caso dizemos que a funcao e definida por ramos.

Exemplo 11. Consideremos a chamada funcao de Heaviside H : R → R, definidapor

H(t) =

{0 , se t < 0;

1 , se t ≥ 0.

Esta funcao foi introduzida por Heaviside para descrever o efeito na currente electricaquando um interruptor e ligado no instante t = 0. �

§1.1. Grafico, contradomınio. Uma funcao pode ser representada como umconjunto no plano, o grafico:

Definicao 2: O grafico de uma funcao f e o subconjunto de R2 definido por

grafico de f ={(x, y) ∈ R2 : x ∈ D e y = f(x)

}.

Exemplo 12. O grafico da funcao de Heaviside consiste nos pontos (x, 1) parax ≥ 0 e (x, 0) para x < 0. O grafico esta representado na figura seguinte.

1

x

H(x)

Figura 4. Grafico da funcao de Heaviside

Exemplo 13. Chamamos funcao linear a uma funcao da forma f(x) = mx+b comm, b ∈ R constantes fixas. O seu grafico e o conjunto dos pontos (x, y) do planotais que y = mx+ b, ou seja, a recta de declive m que cruza o eixo dos yy no pontoy = b. Tomando quaisquer dois pontos x1 6= x2,

m =f(x2)− f(x1)

x2 − x1

A figura seguinte representa o grafico da funcao f(x) = 12x− 2:

§1. Funcoes 49

−28 12

f(8) = 2

f(12) = 4

Figura 5. Grafico da funcao f(x) = 12x − 2

Repare que o declive da recta e igual ao quociente f(12)−f(8)12−8 = 4−2

12−8 = 12 . �

Exemplo 14. O grafico da funcao f(x) =√

1− x2 e o conjunto dos pontos (x, y)

do plano tais que x ∈ [−1, 1 ] e y =√

1− x2. Elevando ao quadrado esta ultimaigualdade obtemos

x2 + y2 = 1

que descreve um cırculo de raio um centrado na origem. Como a raiz quadrada esempre positiva, y ≥ 0 portanto o grafico e apenas a metade superior do cırculo.

x

1−1

Figura 6. Grafico da funcao f(x) =√

1 − x2

Exemplo 15. A funcao de Dirichlet e definida por

d(x) =

{1 se x ∈ Q

0 se x /∈ Q

Qualquer intervalo ]a, b[ contem racionais e irracionais, portanto f toma ambos osvalores 0 e 1 em qualquer intervalo. Nao e pois possıvel desenhar o grafico destafuncao. �

50 2. Funcoes, limites e continuidade

Definicao 3: O contradomınio duma funcao f : D → R e o conjunto dos valoresf(x) de f :

f(D) = {y ∈ R : y = f(x) para algum x ∈ D} .

Mais geralmente, dado um conjunto A ⊂ R, f(A) e o conjunto dos valores que ftoma em A:

f(A) = {y ∈ R : y = f(x) para algum x ∈ A ∩D} .

Exemplo 16. Seja f : D → R uma funcao constante igual a c, isto e, f(x) = cpara qualquer x ∈ D. Entao o conjunto dos valores de f e f(D) = {c}. De facto,f(A) = {c} para qualquer conjunto A. �

Exemplo 17. O contradomınio da funcao de Heaviside e {0, 1}. Note tambem que

f(]a, b[

)=

{0, 1} se 0 ∈ ]a, b[

{0} se b < 0

{1} se a > 0

Exemplo 18. Qual o conjunto de valores que f(x) =√

x pode tomar? Por de-finicao

√x ≥ 0 e qualquer numero y ≥ 0 pode ser visto como um valor de f uma vez

que y =√

y2 = f(y2). Portanto o contradomınio de f e o intervalo [ 0,+∞[. �

Exemplo 19. Geometricamente e claro que o contradomınio da funcao arctan eo intervalo ] − π

2 , π2 [ , o contradomınio da funcao arccos e o intervalo [ 0, π ] e o

contradomınio da funcao arcsen e o intervalo [−π2 , π

2 ]. Provaremos estes resultadosmais tarde. �

O grafico duma funcao permite-nos visualizar facilmente o contradomınio:

Exemplo 20. O contradomınio da funcao f(x) =√

1− x2 e o intervalo [ 0, 1 ].Repare tambem que f

([− 3

5 , 45 ])

= [ 35 , 1 ].

−3/5 4/5

3/5

4/5

−1 1

1

Figura 7. O grafico ajuda a determinar o contradomınio

§1. Funcoes 51

§1.2. Propriedades. Observando de novo o grafico da funcao f(x) =√

1− x2

vemos que, a medida que nos deslocamos no eixo dos xx da esquerda para a direita,os valores de f vao aumentando ate chegar a um valor maximo em x = 0, comecandoentao a diminuir. Dizemos que f e crescente no intervalo [−1, 0 ] e decrescente nointervalo [ 0, 1 ].

Definicao 4: Uma funcao f diz-se

• crescente se

x < y ⇒ f(x) ≤ f(y) para quaisquer x, y ∈ D;

• estritamente crescente se

x < y ⇒ f(x) < f(y) para quaisquer x, y ∈ D;

• decrescente se

x < y ⇒ f(x) ≥ f(y) para quaisquer x, y ∈ D;

• estritamente decrescente se

x < y ⇒ f(x) > f(y) para quaisquer x, y ∈ D;

Dizemos que f e (estritamente) monotona se for (estritamente) crescente ou decres-cente.

Exemplo 21. As funcoes√

x, arctan x e arcsen x sao estritamente crescentes. Afuncao arccos x e estritamente decrescente. A funcao linear f(x) = ax + b e es-tritamente crescente se a > 0, e e estritamente decrescente se a < 0. A funcaode Heaviside e crescente mas nao estritamente crescente. As funcoes f(x) = |x|,f(x) =

√1− x2 e f(x) = 1

x nao sao monotonas. �

Definicao 5: Uma funcao f diz-se majorada se existir uma constante M talque f(x) < M para qualquer x ∈ D. f diz-se minorada se existir um M talque f(x) > M para qualquer x ∈ D. Uma funcao majorada e minorada diz-selimitada.

Exemplo 22. As funcoes√

x e |x| sao minoradas mas nao majoradas. As funcoes√1− x2, arctanx, arccos x, arcsen x e H(x) sao limitadas. A funcao f(x) = ax + b

nao e nem majorada nem minorada (excepto quando a = 0). �

Se o domınio D duma funcao f for simetrico em relacao ao zero, isto e, se x ∈ D ⇔−x ∈ D, podemos falar da paridade de f :

Definicao 6: Uma funcao f diz-se par se f(x) = f(−x) para todo o x no domınio.f diz-se ımpar se f(x) = −f(−x) para todo o x no domınio.

Exemplo 23. As funcoes arcsen e arctan sao ımpares. A funcao arccos nao e nempar nem ımpar. �

Uma funcao f e par se o seu grafico for simetrico em relacao ao eixo dos yy.

52 2. Funcoes, limites e continuidade

Exemplo 24. As funcoes f(x) = |x| e f(x) =√

1− x2 sao pares. Os graficos saosimetricos em relacao ao eixo dos yy.

x

f(x) = |x|

Figura 8. Grafico da funcao f(x) = |x|

Uma funcao e ımpar se o seu grafico for simetrico em relacao a origem.

Exemplo 25. A funcao f(x) = 1x e ımpar. O seu grafico e simetrico em relacao a

origem.

x

f(x) = 1x

Figura 9. Grafico da funcao f(x) = 1x

§1.3. Combinacoes de funcoes. Tal como para numeros reais, podemos somar,subtrair e multiplicar funcoes. Estas novas funcoes vao estar definidas em todosos pontos pertencentes ao domınio de ambas as funcoes. Podemos tambem dividirduas funcoes desde que o denominador seja diferente de zero.

§1. Funcoes 53

Definicao 7: Se f e g sao funcoes com domınios Df e Dg respectivamente, po-demos formar as seguintes novas funcoes:

(f + g)(x) = f(x) + g(x) domınio = Df ∩Dg

(f − g)(x) = f(x)− g(x) domınio = Df ∩Dg

(f · g)(x) = f(x) · g(x) domınio = Df ∩Dg(f

g

)(x) =

f(x)

g(x)domınio = {x ∈ Df ∩Dg : g(x) 6= 0}

Exemplo 26. Sejam f(x) = 1x e g(x) = arccos x. Entao

(f + g)(x) =1

x+ arccos(x)

(f − g)(x) =1

x− arccos(x)

(f · g)(x) =arccos(x)

x

com domınio Df ∩Dg = [−1, 0[∪ ]0, 1 ]. Como arccos(x) = 0 para x = 1,(

f

g

)(x) =

1

x arccos(x)domınio = [−1, 0[∪ ]0, 1[ �

Exemplo 27. Seja f(x) = x e g(x) = 1x . Entao a funcao (f · g)(x) = x · 1

x temdomınio R \ {0}. A funcao h(x) = 1 e um prolongamento de f · g a R. �

Outra forma de produzir novas funcoes a partir de funcoes conhecidas e compondofuncoes. Dado x ∈ Dg podemos calcular g(x). Se por sua vez g(x) estiver nodomınio de f podemos calcular f(g(x)). Chamamos a esta nova funcao a funcaocomposta:

Definicao 8: Dadas duas funcoes f : Df ⊂ R → R e g : Dg ⊂ R → R, a funcaocomposta (f ◦ g) e a funcao definida por

(f ◦ g)(x) = f(g(x))

com domınio o conjunto Df◦g = {x ∈ R : x ∈ Dg e g(x) ∈ Df}.

Exemplo 28. A funcao f(x) =√

1− x2 e a composicao das funcoes

g(x) = 1− x2 e h(y) =√

y

O seu domınio e o conjunto dos pontos tais que g(x) ∈ Dh, ou seja, 1−x2 ≥ 0. �

O proximo exemplo mostra que em geral f ◦ g 6= g ◦ f :

Exemplo 29. Consideremos as funcoes

g(x) =1

x− 1e f(y) =

√y .

54 2. Funcoes, limites e continuidade

Entao Dg = R \ {1} e Df = [ 0,+∞[. Portanto

(f ◦ g)(x) = f(g(x)) = f

(1

x− 1

)=

√1

x− 1

O seu domınio e o conjunto dos pontos tais que x ∈ Dg e g(x) ∈ Df , ou seja x 6= 1e 1

x−1 ≥ 0. Portanto Df◦g = ]1,+∞[ . Por outro lado

(g ◦ f)(y) = g(f(y)) = g(√

y) =1√

y − 1

O seu domınio e o conjunto dos pontos tais que y ∈ Df e f(y) ∈ Dg, ou seja y ≥ 0e√

y 6= 1. Portanto Dg◦f = [ 0, 1[∪ ]1,+∞[ . �

§1.4. Funcoes inversas. Uma funcao f : D → R diz-se injectiva se nunca tomaro mesmo valor duas vezes, ou seja, se

x 6= y =⇒ f(x) 6= f(y) para quaisquer x, y ∈ D

Exemplo 30. A funcao f(x) = x2 nao e injectiva pois f(x) = f(−x). As funcoes√x e arctan x sao injectivas pois sao estritamente crescentes. A funcao g(x) = ax+b

e injectiva para a 6= 0. �

Definicao 9: Dada uma funcao injectiva f : D → R com contradomınio f(D),chamamos inversa a funcao f−1 : f(D) → R que associa a cada y ∈ f(D) o unicox ∈ D tal que f(x) = y.

Exemplo 31. Seja f : {0, 1, 2} → R a funcao definida por f(0) = 2, f(1) = 3 ef(2) = −5. f e injectiva e o seu contradomınio e f(D) = {2, 3,−5}. A funcaoinversa e a funcao f−1 : {2, 3,−5} → R definida por f−1(2) = 0, f−1(3) = 1 ef−1(−5) = 2.

2

3

−5

f −1

2

3

−52

1

0

2

1

0

f

Figura 10. Funcao inversa

Exemplo 32. A funcao f(x) = ax + b e injectiva para a 6= 0. Para encontrar ainversa temos que resolver a equacao

y = ax + b

em ordem a x. Obtemos x = ya − b. Assim, f−1(y) = y

a − b. �

§1. Funcoes 55

Exemplo 33. A funcao f(x) =√

x e injectiva. A sua inversa e a funcao f−1 : [ 0,+∞[→R definida por f−1(y) = y2. f−1 e portanto a restricao de y2 ao intervalo [ 0,+∞[ .

Exemplo 34. As funcoes arcsen, arccos e arctan sao injectivas. Geometricamente,arcsen−1 θ, arccos−1 θ e arctan−1 θ sao respectivamente o seno, o coseno e a tangentedo angulo cujo valor em radianos e θ. Falaremos mais destas funcoes na proximaseccao.

θ = arccos x = arcsen y = arctan t

x = cosθ t = tan θy = senθθ

x

yt

P

Figura 11. θ = arccos x = arcsen y = arctan t; x = cos θ, y = sen θ, t = tan θ.

§1.5. Funcoes trigonometricas. Antes de definirmos as funcoes seno, cosenoe tangente comecemos por recordar a sua descricao geometrica. A cada x ∈ R

associamos um ponto Px do cırculo trigonometrico como se segue:

• Se x ≥ 0 partimos do ponto (1, 0) e percorremos uma distancia x ao longo docırculo trigonometrico no sentido contrario ao dos ponteiros do relogio.

• Se x < 0 partimos do ponto (1, 0) e percorremos uma distancia |x| ao longodo cırculo trigonometrico no sentido dos ponteiros do relogio.

θ = 5π/2 θ = −π/2 θ = −3πθ = π

Figura 12. A cada ∈ R associamos um ponto no cırculo trigonometrico

Entao cosx e sen x sao as coordenadas do ponto Px e tan x = sen xcos x .

56 2. Funcoes, limites e continuidade

Aos pontos x e x + 2π vai corresponder o mesmo ponto P sobre o cırculo trigo-nometrico. Assim os valores do seno, coseno e tangente vao ser iguais em x e emx + 2π.

Definicao 10: Dizemos que uma funcao f : D → R tem perıodo p se para qual-quer elemento x do domınio, x± p tambem estiver no domınio e f(x± p) = f(x).

As funcoes seno, coseno e tangente sao exemplos de funcoes de perıodo 2π.

Para definir as funcoes sen, cos e tan vamos usar a seguinte propriedade destasfuncoes: a x e a x + π correspondem pontos Px e Px+π do cırculo trigonometricodiametralmente opostos. Portanto

cos(x + π) = − cos x sen(x + π) = − sen x tan(x + π) = tanx

Daqui segue facilmente por inducao que, para k ∈ Z,

cos(x + kπ) = (−1)k cos x sen(x + kπ) = (−1)k sen x tan(x + kπ) = tanx

Estas formulas mostram que, uma vez conhecidos os valores do coseno no inter-valo [ 0, π ], todos os outros valores ficam imediatamente determinados. Mas nesteintervalo podemos definir coseno como a funcao inversa do arco-coseno! Assim:

cos: Comecamos por definir a funcao coseno no intervalo [ 0, π ] atraves da formulacos θ = arccos−1 θ.1 O coseno fica agora completamente determinado em todosos pontos pela relacao cos(θ + kπ) = (−1)k cos θ.

sen: Comecamos por definir a funcao seno no intervalo[− π

2 , π2

]atraves da

formula sen θ = arcsen−1 θ. O seno fica agora completamente determinado emtodos os pontos pela relacao sen(θ + kπ) = (−1)k sen θ.

tan: Comecamos por definir a funcao tangente no intervalo]− π

2 , π2

[atraves

da formula tan θ = arctan−1 θ. A tangente fica agora completamente deter-minada em todos os pontos do seu domınio pela relacao tan(θ + kπ) = tan θ.

Algumas observacoes:

• A tangente nao esta definida nos pontos θ = π2 + kπ, k ∈ Z.

• A funcao arccos−1 e a restricao do coseno ao intervalo [ 0, π ]. A funcaoarcsen−1 e a restricao do seno a

[− π

2 , π2

]. A funcao arctan−1 e a restricao

da tangente a]− π

2 , π2

[.

• O contradomınio do seno e do coseno e o intervalo [−1, 1 ]. O contradomınioda tangente e R.

• Nenhuma das funcoes trigonometricas e injectiva, logo o seno o coseno e atangente nao tem inversa.

• O coseno e par. O seno e a tangente sao ımpares.

1Esta formula so define cos θ para θ no contradomınio de arccos. Falta provar que este contradomınio e[0, π] o que faremos mais adiante.

§2. Limites 57

§2. Limites

§2.1. Limite de uma funcao num ponto. Comecamos por examinar um exem-plo em que o conceito de limite surge naturalmente. Vamos estudar o problemade encontrar a recta L tangente ao grafico da funcao f(x) = x2 no ponto P =(1, f(1)) = (1, 1) do grafico. A equacao da recta sera da forma

y = 1 + m(x− 1)

em que m e o declive da recta que precisamos de determinar. Podemos aproximar mescolhendo um ponto Q no grafico proximo de P (mas nao igual a P ) e considerandoo declive da recta que passa por P e por Q. Por exemplo, tomando Q0 = (0, 0)obtemos uma recta de declive 1−0

1−0 = 1 e tomando Q1 = (12 , 1

4 ) obtemos uma recta

de declive 1−1/41−1/2 = 3

2 .

Q0

Q1

Q2

0 1 12

1 34

1

L L

P P P1 1

14

1

916

Figura 1. Aproximando a recta tangente L pelas rectas passando por P e por Qi

Para cada x 6= 1 temos uma recta de declive mx = x2−1x−1 passando por (x, f(x)) e

por P . A ideia e tomar pontos cada vez mais proximos de P , ou seja, valores de xcada vez mais proximos de 1:

x mx

0.9 1.91.01 2.010.999 1.9991.001 2.001

Tabela 1. Declive da recta passando por P e por`

x, f(x)´

para x proximo de 1

Os valores do declive parecem estar a aproximar-se cada vez mais de dois. De

facto, para x 6= 1, mx = x2−1x−1 = x+1 portanto se tomarmos uma sucessao xk → 1,

lim mxk= lim(xk + 1) = 2. O facto crucial e que mx = x + 1 esta arbitrariamente

proximo de m = 2 para quaisquer pontos x 6= 1 suficientemente proximos de 1.Esta e precisamente a nocao de limite duma funcao num ponto.

Uma funcao f tem limite b quando x tende para a se pudermos fazer f(x) arbitrari-amente proximo de b escolhendo para tal qualquer x ∈ D suficientemente proximode a (mas diferente de a).

58 2. Funcoes, limites e continuidade

A nocao de limite para uma funcao e em tudo analoga a nocao de limite duma su-cessao: substituimos apenas a frase “Para n suficientemente grande” por “Para x su-ficientemente proximo de a”. Para clarificar a nocao de “suficientemente proximo”vamos ver um exemplo:

Exemplo 1. Seja f(x) = 1x . Qual o comportamento de f quando x ≈ 1

2? No

calculo do limite nao nos e permitido tomar o valor x = 12 mas podemos tomar

valores proximos de 12 :

x f(x)0.4 2.5000.6 1.6670.49 2.0410.51 1.9610.499 2.0040.501 1.996

Tabela 2. Alguns valores de f(x) para x proximo de 12

Portanto f(x) ≈ 2 quando x ≈ 12 . Para entender melhor o que esta envolvido

na nocao de limite vamos fixar uma margem de erro ε = 0.1 e colocar a seguintequestao:

A que distancia devera estar x de 12 para garantir que |f(x)− 2| < 0.1?

|f(x) − 2| < 0.1 e equivalente a f(x) ∈ V0.1(2) = ]1.9, 2.1[ . Substituindo f(x) = 1x

obtemos

1.9 <1

x< 2.1⇐⇒ 1

2.1< x <

1

1.9⇐⇒ 0.476 . . . < x < 0.526 . . .

Podemos portanto reformular a nossa questao na forma

A que distancia devera estar x de 0.5 para garantir que 0.476 . . . < x < 0.526 . . .?

Qualquer numero cuja distancia a 0.5 seja inferior a 0.02 vai funcionar. Portanto,se a distancia |x− 0.5| for inferior a 0.02, x vai estar “suficientemente proximo”.

A nocao de “suficientemente proximo” depende da margem de erro ε. Se quisessemosum erro inferior a ε = 0.01 por exemplo, obterıamos as desigualdades

1

2.01< x <

1

1.99⇐⇒ 0.4975 . . . < x < 0.5025 . . .

pelo que bastaria tomar |x − 0.5| < 0.002. Dizemos que o limite de f quando xtende para 1

2 e igual a 2 se este problema puder ser resolvido para qualquer margemde erro arbitrariamente pequena. �

Uma ultima observacao: para definir o limite limx→a

f(x) nao e necessario que a per-

tenca ao domınio D de f . No entanto, para a definicao fazer sentido sera necessario

§2. Limites 59

que existam pontos do domınio diferentes de a arbitrariamente proximos de a, ouseja, e necessario que a seja um ponto de acumulacao do domınio de f .

Exemplo 2. O limite limx→−1

√x nao faz sentido pois nao existe nenhum ponto do

domınio de√

x proximo de −1. �

Passemos entao a definicao:

Definicao 1 (Limite): Seja a um ponto de acumulacao do domınio de f . Dize-mos que f tem limite b quando x tende para a se para qualquer ε > 0 existir δ > 0(que depende de ε) tal que

|x− a| < δ =⇒ |f(x)− b| < ε

para qualquer x 6= a no domınio de f .

Exemplo 3. Vamos ver que se f : R → R e uma funcao constante igual a c, ouseja, se f(x) = c para qualquer x ∈ R, entao

limx→a

f(x) = c para qualquer a ∈ R .

Dado um ε > 0 queremos mostrar que |f(x)− c| < ε para qualquer x 6= a suficien-temente proximo de a. Isto e claro pois |f(x) − c| = 0 < ε para qualquer valor dex. �

Exemplo 4. Vejamos que

limx→3

(4x− 5) = 7

Dado um ε > 0 queremos encontrar um δ > 0 tal que

|x− 3| < δ =⇒ |(4x− 5)− 7| < ε

Desenvolvendo o lado direito vemos que

|(4x− 5)− 7| = |4x− 12| = |4(x− 3)| = 4|x− 3|Assim, queremos encontrar um δ > 0 tal que

|x− 3| < δ =⇒ 4|x− 3| < ε

Basta portanto tomar δ = ε4 . �

Exemplo 5. Se f : R → R e a funcao identidade, ou seja f(x) = x para todo ox ∈ R, entao em qualquer ponto a ∈ R

limx→a

f(x) = a

Dado um ε > 0 queremos encontrar um δ > 0 tal que

|x− a| < δ =⇒ |x− a| < ε

Basta tomar δ = ε. �

60 2. Funcoes, limites e continuidade

Exemplo 6. Vamos mostrar que

limx→0

√x = 0

Dado um ε > 0 queremos encontrar um δ tal que

|x− 0| < δ =⇒ |√x− 0| < ε (x ∈ D, x 6= 0)

Como D = [ 0,+∞[ , x > 0 logo

|√x− 0| < ε⇔ √x < ε⇔ x < ε2 ⇔ |x− 0| < ε2

Assim, se tomarmos δ = ε2,

|x− 0| < δ =⇒ |√x− 0| < ε

Portanto limx→0

√x = 0. �

Podemos reinterpretar a definicao de limite usando vizinhancas em vez de distancias:a condicao

|x− a| < δ =⇒ |f(x)− b| < ε

pode ser reescrita como

a− δ < x < a + δ =⇒ b− ε < f(x) < b + ε

Isto diz-nos, em termos do grafico de f , que para qualquer ε > 0 existe umavizinhanca ]a − δ, a + δ[ de a na qual o grafico de f fica entre as duas linhashorizontais y = b− ε e y = b + ε (excepto possivelmente para x = a):

a− δ a + δa

b− ε

b + ε

b

f

Figura 2. Para a − δ < x < a + δ, os valores de f estao entre b − ε e b + ε

Mas isto e equivalente a dizer que f(Vδ(a) \ {a}

)⊂ Vε(b). Ou seja

Teorema 2 (Limite em termos de vizinhancas): limx→a

f(x) = b sse para qual-

quer vizinhanca V de b existir uma vizinhanca U de a tal que f(U \ {a}

)⊂ V .

§2. Limites 61

f

.

a− δ a a + δ

U = ]a− δ, a + δ[ V = ]b− ε, b + ε[

f(U)

b− ε b b + ε

Figura 3. Para qualquer vizinhanca V de b existe uma vizinhanca U de a talque f(U) ⊂ V

Exemplo 7. Consideremos a funcao de Heaviside H : R → R. Vamos ver que olimite de H quando x tende para zero nao existe, ou seja, que nenhum numero realb e limite de H quando x tende para 0. Para qualquer vizinhanca U = ]− δ, δ[ dezero, H(U) = {0, 1}. Assim, se tomarmos uma vizinhanca V de b com comprimentomenor que um, H(U) nunca pode estar contido em V . Portanto b nao e limite deH. �

§2.2. Limites laterais. Vamos olhar de novo para a funcao de Heaviside. Emborao limite nao exista, e claro que se considerarmos apenas valores de x > 0 entao olimite quando x se aproxima de zero e igual a um, e considerando apenas valoresx < 0, o limite sera igual a zero. Chegamos assim a nocao de limites laterais:

Definicao 3 (Limites laterais):

• Chamamos limite a direita de f em x = a, limx→a+

f(x), ao limite quando x

tende para a da restricao de f ao conjunto D∩ ]a,+∞[ .

• Chamamos limite a esquerda de f em x = a, limx→a−

f(x), ao limite quando

x tende para a da restricao de f ao conjunto D∩ ]−∞, a[ .

Exemplo 8. Vamos calcular os limites laterais de H(x). Restringindo H a ]0,+∞[obtemos uma funcao constante igual a um pelo que lim

x→0+H(x) = 1. Restringindo H

a ]−∞, 0[ obtemos uma funcao constante igual a zero pelo que limx→0−

H(x) = 0. �

O facto dos limites laterais da funcao de Heaviside serem diferentes esta por trasda nao existencia de limite de H em a = 0:

Teorema 4: limx→a

f(x) = b se e so se limx→a−

f(x) = limx→a+

f(x) = b

Exemplo 9. Como ja vimos, limx→0+

H(x) 6= limx→0−

H(x) o que nos da uma nova

demonstracao da nao existencia de limite de H em x = 0. �

Exemplo 10. Seja f(x) = |x|. Vamos calcular limx→0

f(x).

(1) Para calcular o limite a direita notamos que f(x) = x para x > 0. Assim

limx→0+

f(x) = limx→0+

x = 0

62 2. Funcoes, limites e continuidade

(2) Para calcular o limite a esquerda notamos que f(x) = −x para x < 0. Assim

limx→0−

f(x) = limx→0+

(−x) = 0

Portanto limx→0

f(x) = 0. �

Exercıcio. Seja g : R → R a funcao que associa a cada x ∈ R o maior inteiromenor ou igual a x. Mostre que lim

x→3g(x) nao existe.

§2.3. Limites infinitos. Seja f(x) = 1x2 . Qual o comportamento de f quando x

tende para zero? Para valores de x proximos de zero, o valor de f(x) e bastantegrande:

x f(x)0.1 100−0.01 100000.001 1000000−0.0001 100000000

Figura 4. Alguns valores de f(x) = 1x2 para x proximo de zero

De facto, podemos tornar f(x) arbitrariamente grande se escolhermos valores de xsuficientemente proximos de zero. Nesta situacao dizemos que o limite de f quandox tende para zero e +∞:

Definicao 5 (Limites infinitos): Dizemos que limx→a

f(x) = +∞ se para qualquer

M > 0 existir um δ > 0 tal que

|x− a| < δ =⇒ f(x) > M (x ∈ D, x 6= a)

Ou seja, f(x) > M para qualquer x suficientemente proximo de a. Analogamente,dizemos que lim

x→af(x) = −∞ se para qualquer M > 0 existir um δ > 0 tal que

|x− a| < δ =⇒ f(x) < −M (x ∈ D, x 6= a)

Podemos definir limites laterais exactamente como antes, restringindo a funcao. fa D∩ ]a,+∞[ e a D∩ ]−∞, a[ .

Exemplo 11. Seja f(x) = 1x . Vamos ver que lim

x→0+f(x) = +∞. Dado M > 0

vamos ver para que valores positivos de x, f(x) > M . Resolvendo obtemos

1

x> M ⇔ 0 < x <

1

M(pois x > 0)

⇔ 0 < |x| < 1

M

Assim, tomando δ = 1M , |x| < δ ⇒ f(x) > M . �

§2. Limites 63

Exemplo 12. Vamos ver que limx→π

2−

tan θ = +∞. Dado M seja θ0 = arctanM .

Entao, como tan θ e uma funcao crescente no intervalo ]− π2 , π

2 [ ,

θ > θ0 =⇒ tan θ > tan θ0 = M

Seja δ = π2 − θ0. Como estamos apenas a considerar valores de θ < π

2 ,

|θ − π

2| < δ ⇐⇒ θ > θ0

Assim ∣∣∣θ − π

2

∣∣∣ < δ =⇒ tan θ > M

θ0

M

ε

Figura 5. limx→ π

2−

tan θ = +∞

Teorema 6: Dizemos que f(x) → 0+ se f(x) → 0 e f(x) > 0 numa vizinhancade a. Entao

(1) Se limx→a

f(x) = +∞ entao limx→a

1

f(x)= 0+

(2) Se limx→a

g(x) = 0+ entao limx→a

1

g(x)= +∞

Analogamente, dizemos que f(x) → 0− se f(x) → 0 e f(x) < 0 numa vizinhancade a. Entao

(3) Se limx→a

f(x) = −∞ entao limx→a

1

f(x)= 0−

(4) Se limx→a

g(x) = 0− entao limx→a

1

g(x)= −∞

64 2. Funcoes, limites e continuidade

Demonstracao. Provaremos apenas (1) e (2):

(1) Queremos mostrar que limx→a

1

f(x)= 0+, ou seja, dado ε > 0 queremos mostrar

que ∣∣∣∣1

f(x)− 0

∣∣∣∣ < ε e1

f(x)> 0

para qualquer x suficientemente proximo de a. Comecamos por observar queestas duas condicoes sao equivalentes a

|f(x)| > 1

εe f(x) > 0

o que por sua vez e equivalente a f(x) > 1ε . Agora basta notar que, como

f(x)→ +∞, f(x) > 1ε para x suficientemente proximo de a.

(2) Queremos mostrar que limx→a

1

f(x)= +∞, ou seja, dado M > 0, queremos

mostrar que1

f(x)> M

para qualquer x suficientemente proximo de a. Comecamos por observar que

1

f(x)> M ⇐⇒ 0 < f(x) <

1

M

o que por sua vez e equivalente as duas condicoes

|f(x)| < 1

Me f(x) > 0

Mas como f(x)→ 0+, |f(x)| < 1M e f(x) > 0 para x suficientemente proximo

de zero. �

§2.4. Propriedades do Limite. Vamos agora estudar algumas propriedades ele-mentares dos limites que nos ajudarao no seu calculo.

Teorema 7 (Limite e Operacoes Algebricas): Sejam f e g funcoes tais queos limites

limx→a

f(x) e limx→a

g(x)

existem. Entao:

(i) limx→a

( f(x) + g(x) ) = limx→a

f(x) + limx→a

g(x).

(ii) limx→a

( f(x)g(x) ) = limx→a

f(x) · limx→a

g(x).

(iii) limx→a

f(x)

g(x)=

limx→a

f(x)

limx→a

g(x)se lim

x→ag(x) 6= 0

A demonstracao e completamente analoga ao resultado para sucessoes e fica comoexercıcio.

§2. Limites 65

Exemplo 13. Vamos mostrar por inducao que

limx→a

xk = ak

Para k = 1 ja vimos que limx→a

x1 = limx→a

x = a. Assumimos pois que o resultado e

valido para k = n:

Hipotese: limx→a

xn = an

e queremos mostrar o resultado para k = n + 1, ou seja

Tese: limx→a

xn+1 = an+1

Mas pela propriedade (ii)

limx→a

xn+1 = limx→a

(x · xn) = limx→a

x · limx→a

xn = a · an = an+1

o que termina a demonstracao. �

Exemplo 14. Queremos calcular

limx→a

x4 − 3x + 2

x2 + 1

Pela propriedade (ii)

limx→a

(−3x) = ( limx→a

(−3)) · ( limx→a

x) = −3a

Usando a propriedade (i) e o exemplo anterior concluimos que

limx→a

(x4 − 3x + 2) = limx→a

x4 + limx→a

(−3x) + limx→a

2 = a4 − 3a + 2

limx→a

(x2 + 1) = limx→a

x2 + limx→a

1 = a2 + 1

Pela propriedade (iii)

limx→a

x4 − 3x + 2

x2 + 1=

limx→a

(x4 − 3x + 2)

limx→a

(x2 + 1)=

a4 − 3a + 2

a2 + 1�

Tal como ja referimos, as nocoes de limite duma sucessao e limite duma funcaoestao estritamente relacionados:

Teorema 8: Seja (xn) uma sucessao tal que xn → a e xn 6= a para qualquer n.Se lim

x→af(x) = b, entao f(xn)→ b.

Demonstracao. Dada uma vizinhanca V de b queremos ver que xn ∈ V para nsuficientemente grande. Tomemos uma vizinhanca U de a tal que f(U \ {a}) ⊂ V .Entao xn ∈ U para n suficientemente grande logo f(xn) ∈ V para n suficientementegrande. �

Este resultado e particularmente util para mostrar que certos limites nao existem:

66 2. Funcoes, limites e continuidade

Exemplo 15. Seja f(x) = sen(

1x

)Vamos ver que o limite lim

x→0f(x) nao existe.

Tomemos as sucessoes

xn =1

nπ, yn =

1π2 + 2nπ

Entao xn, yn → 0 e

• f(xn) = sen(nπ) = 0 logo f(xn)→ 0.

• f(yn) = sen(

π2 + 2nπ

)= 1 logo f(yn)→ 1.

Se existisse o limite limx→0

f(x), f(xn) e f(yn) teriam que convergir para o mesmo

valor. Concluimos que o limite nao existe. �

Outro resultado bastante util para calcular limites e o chamado princıpio dos limitesenquadrados:

Teorema 9 (Teorema dos limites enquadrados): Sejam f , g e h funcoes taisque, numa vizinhanca de a,

f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) ,

Selimx→a

f(x) = b = limx→a

h(x)

entao o limite limx→a

g(x) existe e e igual a b.

Demonstracao. Seja ε > 0. Entao, como f(x)→ b e h(x)→ b,

b− ε < f(x) < b + ε e b− ε < h(x) < b + ε

para qualquer x suficientemente proximo de a. Assim,

b− ε < f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) < b + ε logo |g(x)− b| < ε

Portanto limx→a

g(x) = b. �

A situacao esta ilustrada na seguinte figura:

f

g

h

Figura 6. Teorema dos limites enquadrados

§2. Limites 67

Exemplo 16. Vamos mostrar que limx→0

x sen(

1x

)= 0. Primeiro observemos que

nao podemos usar a igualdade limx→0

x sen(

1x

)= lim

x→0x · lim

x→0sen(

1x

)pois o limite

limx→0

sen(

1x

)nao existe. Mas como −1 ≤ sen

(1x

)≤ 1,

−|x| ≤ x sen(

1x

)≤ |x|

Como ±|x| → 0, pelo teorema dos limites enquadrados limx→0

x sen( 1

x

)= 0. �

Exercıcio. Seja D : R→ R a funcao de Dirichlet. Calcule limx→0

x2D(x) = 0.

Exemplo 17. Vamos ver que limx→0

cos x = 1. Comecamos por notar que

1− cos x =1− cos2 x

1 + cos x=

sen2 x

1 + cos x≤ x2

1 + cos x

porque sen2 x ≤ x2. Agora, para x ∈]− π

2 , π2

[, 1 + cos x > 1 logo

0 ≤ 1− cos x ≤ x2

1 + cos x≤ x2

Pelo teorema dos limites enquadrados, como x2 → 0, 1−cos x→ 0 logo limx→0

cos x =

1. �

Uma das consequencias mais importantes do teorema dos limites enquadrados e oseguinte limite:

Teorema 10: limx→0

sen x

x= 1

Demonstracao. Comecamos com a relacao

sen x ≤ x ≤ tan x =sen x

cos x

valida para x ∈[0, π

2

]. Dividindo tudo por senx,

1 ≤ x

sen x≤ 1

cos x

o que e equivalente a

1 ≥ sen x

x≥ cos x

Pelo teorema dos limites enquadrados, como cos x→ 1 obtemos

limx→0+

sen x

x= 1

Como sen xx e uma funcao par, o limite a esquerda e igual ao limite a direita:

limx→0−

sen x

x= lim

x→0+

sen x

x= 1 logo lim

x→0

sen x

x= 1 �

68 2. Funcoes, limites e continuidade

§2.5. Limites e composicao. Vamos supor que queremos calcular limx→a

f(g(x)

)

e sabemos quelimx→a

g(x) = b e limy→b

f(y) = c

Ou seja, g leva pontos proximos de a para pontos proximos de b e f leva pontosproximos de b para pontos proximos de c. Entao intuitivamente, f ◦ g vai levarpontos proximos de a para pontos proximos de c portanto e razoavel supor quelimx→a

f(g(x)

)= c.

a b c

g f

Figura 7. Limite e composicao

Ha uma coisa no entanto que pode correr mal:

Exemplo 18. Seja g(x) = 1 a funcao constante igual a 1 e seja

f(y) =

{2 y 6= 1

3 y = 1

Entaolimx→0

g(x) = 1 e limy→1

f(y) = 2

Mas limx→0

f(g(x)) 6= 2! De facto f(g(x)) = f(1) = 3 logo limx→0

f(g(x)) = 3. �

O problema no exemplo anterior e que o facto de limy→b

f(y) = c nao nos diz nada

sobre o que acontece para y = b! Se f(b) 6= c podemos ter problemas. Mas sef(b) = c ou se f nao estiver definida em b tudo corre bem:

Teorema 11: Seja a um ponto aderente ao domınio de f ◦ g tal que

(1) limx→a

g(x) = b;

(2) limy→b

f(y) = c;

(3) Ou b /∈ Df ou f(b) = c.

Entaolimx→a

f(g(x)

)= lim

y→bf(y) = c

Demonstracao. Dada uma margem de erro ε > 0 queremos arranjar um δ > 0tal que

|x− a| < δ ⇒ |f(g(x))− c| < ε

para x 6= a. Como limy→b

f(y) = c, existe um γ > 0 tal que

|y − b| < γ ⇒ |f(y)− c| < ε

§3. Funcoes contınuas 69

para qualquer y 6= b. De facto, por (3), esta condicao e valida para qualquer valorde y ∈ Df . Pondo y = g(x),

|g(x)− b| < γ ⇒ |f(g(x))− c| < ε

ou seja, para garantir que |f(g(x)) − c| < ε basta que |g(x) − b| < γ. Comolimx→a

g(x) = b, existe um δ > 0 tal que

|x− a| < δ ⇒ |g(x)− b| < γ

para qualquer x 6= a no domınio de g. Provamos que dado um ε > 0 existe umδ > 0 tal que

|x− a| < δ ⇒ |f(g(x))− c| < ε

Por definicao de limite concluimos que

limx→a

f(g(x)

)= c �

Exemplo 19. Vamos calcular

limx→2

sen(x2 − 4)

x2 − 4

Se pusermos y = x2 − 4,sen(x2 − 4)

x2 − 4=

sen y

y

Ou seja, sen(x2−4)x2−4 e a composicao das duas funcoes

f(y) =sen y

ye y = g(x) = x2 − 4

Agora, limx→2

g(x) = limx→2

(x2 − 4) = 0. Portanto quando x → π2 , y = x2 − 4 → 0.

Assim,

limx→2

sen(x2 − 4)

x2 − 4= lim

y→0

sen y

y= 1 �

§3. Funcoes contınuas

Duma maneira pouco precisa, uma funcao f e contınua num ponto a do domınio sef(x) ≈ f(a) sempre que x ≈ a. Mais precisamente, e usando a mesma linguagemque para os limites,

Dizemos que uma funcao f e contınua em a se os valores da funcao f(x)estiverem arbitrariamente proximos de f(a) para qualquer x suficiente-mente proximo de a.

Definicao 1 (Funcao contınua): Dizemos que f e contınua em a ∈ Df sse,dada qualquer margem de erro ε > 0 existir um δ > 0 tal que

|x− a| < δ =⇒ |f(x)− f(a)| < ε

para qualquer x no domınio de f . Se f nao for contınua em a dizemos que f temuma descontinuidade em a. Dizemos que f e contınua se for contınua em todos ospontos do seu domınio.

70 2. Funcoes, limites e continuidade

Observacao: Ao contrario dos limites, uma funcao so e contınua em pontos doseu domınio: f(a) tem que estar definido.

Observacao: Ao contrario dos limites, na definicao de continuidade nao excluimoso caso x = a: para x = a |f(x)− f(a)| = 0 < ε.

f e trivialmente contınua em pontos isolados do domınio: se a e um ponto isoladoo unico ponto proximo de a e o proprio a logo |f(x) − f(a)| = 0 para qualquer xproximo de a. Para pontos de acumulacao, comparando as definicoes de continui-dade e limite obtemos de imediato

Teorema 2 (Continuidade e limites): Seja a um ponto de acumulacao de Df .Entao f e contınua em a sse

limx→a

f(x) = f(a)

Exemplo 1. Vamos ver que a raiz quadrada e uma funcao contınua. Ou seja,queremos ver que, para qualquer x ≥ 0,

limx→a

√x =√

a

No exemplo 6 vimos que limx→0

√x = 0 =

√0 pelo que basta considerar o caso a > 0.

Dada uma margem de erro ε > 0, queremos mostrar que |√x−√a| < ε para xsuficientemente proximo de a. Primeiro observamos que (para a 6= 0)

∣∣√x−√a∣∣ =

∣∣∣∣∣

(√x−√a

)(√x +√

a)

√x +√

a

∣∣∣∣∣

=|x− a|√x +√

a

≤ |x− a|√a

(porque√

a ≤ √x +√

a)

Assim, para que |√x−√a| < ε basta que |x−a|√a

< ε, ou seja, que |x − a| < ε√

a.

Assim, pondo δ = ε√

a concluimos que

|x− a| < δ =⇒∣∣√x−√a

∣∣ < ε

o que mostra que, para a 6= 0, limx→a

√x =

√a e portanto f e contınua em a. f e

contınua em todos os pontos do domınio logo f e uma funcao contınua. �

§3.1. Descontinuidades. Prolongamento por continuidade. Seja entao aum ponto de acumulacao do domınio de f . Quando e que f nao e contınua em a?Temos tres casos:

(1) se a nao pertencer ao domınio de f

(2) se o limite limx→a

f(x) nao existir

(3) se o limite limx→a

f(x) existir mas for diferente do valor da funcao em a, f(a)

§3. Funcoes contınuas 71

Exemplo 2. A funcao f(x) = x2−1x−1 nao e contınua em x = 1 porque nao esta

definida nesse ponto. �

Exemplo 3. Consideremos a funcao

g(x) =

{x2−1x−1 x 6= 1

1 x = 1

g(x) esta definida em x = 1 e

limx→1

g(x) = limx→1

x2 − 1

x− 1= lim

x→1(x + 1) = 2

Mas g(1) = 1 logo limx→a

f(x) 6= g(1). Portanto g nao e contınua em x = 1. �

Exemplo 4. Seja agora

h(x) =

{sen(

1x

)x 6= 0

1 x = 0

Entao o limite limx→0

h(x) nao existe logo h nao e contınua em x = 0. �

Exemplo 5. Seja H a funcao de Heaviside. Entao o limite limx→0

H(x) nao existe

logo H nao e contınua em x = 0. �

Embora a funcao de Heaviside nao seja contınua em x = 0, os limites lateraisexistem. Neste caso dizemos que a funcao tem uma descontinuidade tipo salto:a funcao “salta” do valor zero para o valor um.

Figura 1. Descontinuidade tipo salto

Examinanemos agora os graficos das funcoes f e g nos exemplos 2 e 3:

72 2. Funcoes, limites e continuidade

f g

1 1

2

1

2

Figura 2. Grafico das funcoes f e g dos exemplos 2 e 3

Dizemos que estas funcoes tem uma descontinuidade removıvel em x = 1 poismodificando o valor das funcoes apenas nesse ponto podemos obter uma funcaocontınua:

f(x) = x + 1 =

{x2−1x−1 x 6= 1

2 x = 1

Repare que ambas as funcoes f e g sao prolongamentos da funcao f , mas o pro-longamento f e claramente preferıvel! Dizemos que f e o prolongamento porcontinuidade de f ao ponto x = 1.

Definicao 3: Dada uma funcao f : D → R e um ponto de acumulacao a /∈ D,dizemos que f : D ∪ {a} → R e o prolongamento por continuidade de f a x = a se

f for um prolongamento de f e for contınua em x = a.

Algumas observacoes:

• Existe apenas um valor possıvel que f pode tomar em x = a, nomeadamentef(a) = lim

x→af(x).

• Portanto o prolongamento por continuidade, se existir, e unico.

• A existencia do prolongamento por continuidade e equivalente a existencia dolimite lim

x→af(x).

Exemplo 6. Seja f(x) = 1√1+tan2 x

. Entao f nao esta definida em x = π2 mas

limx→π

2

f(x) = 0

Assim, f pode ser prolongada por continuidade a π2 . De facto o leitor pode verificar

que o prolongamento e a funcao f(x) = cos x. �

Exemplo 7. Seja f : R \ {0} → R a funcao definida por

f(x) =

{√x + c x > 0

x2−1x−1 x < 0

§3. Funcoes contınuas 73

Para que valores da constante c existe o prolongamento por continuidade de f ax = 0? Para o prolongamento existir, tem que existir o limite lim

x→0f(x). Calculando

os limites laterais,

limx→0+

f(x) = limx→0+

√x + c = c

limx→0−

f(x) = limx→0−

x2 − 1

x− 1= 2

Para o limite existir, os limites laterais tem que ser iguais logo c = 2. O prolonga-mento por continuidade e a funcao

f(x) =

√x + 2 x > 0

2 x = 0x2−1x−1 x < 0

§3.2. Funcoes monotonas. As funcoes monotonas tem um comportamento par-ticularmente simples:

Proposicao: Seja f uma funcao monotona limitada. Entao os limites laterais def existem em qualquer ponto em que estejam definidos. Se f for crescente,

limx→a−

f(x) = sup{

f(x) : x ∈ D, x < a}

limx→a+

f(x) = inf{

f(x) : x ∈ D, x > a}

Se f for decrescente,

limx→a−

f(x) = inf{

f(x) : x ∈ D, x < a}

limx→a+

f(x) = sup{

f(x) : x ∈ D, x > a}

Demonstracao. Podemos assumir que f e crescente, sendo o caso em que f edecrescente completamente analogo. Seja

s = sup{

f(x) : x ∈ D, x < a}

Vamos mostrar que limx→a−

f(x) = s. Como o supremo s e aderente ao conjunto dos

valores de f , existem valores f(x) de f arbitrariamente proximos de s. Assim, dadoqualquer ε > 0 existe um x0 < a tal que |s− f(x0)| < ε.

x0 a

s− ε

s

74 2. Funcoes, limites e continuidade

Figura 3. Limite a esquerda duma funcao crescente

Como f e crescente, f(x) vai estar ainda mais proximo de s para x > x0:

x0 < x < a⇒ f(x0) ≤ f(x) ≤ s

⇒ s− f(x) ≤ s− f(x0) < ε

Portanto aqui “suficientemente proximo” significa no intervalo [x0, a[ . Para escre-ver isto de maneira mais standard pomos δ = a− x0. Entao x0 = a− δ e

|x− a| < δ =⇒ |s− f(x)| < ε

para qualquer x < a no domınio de f . �

Portanto o unico tipo de descontinuidades que uma funcao monotona pode tersao descontinuidades tipo salto. Por outro lado, se uma funcao monotona tiveruma descontinuidade tipo salto, o contradomınio vai ter um buraco, portanto ocontradomınio nao vai ser um intervalo. Dito de outro modo:

Teorema 4: Seja f uma funcao monotona cujo contradomınio e um intervalo.Entao f e contınua.

Figura 4. Contradomınio duma funcao com saltos

Exemplo 8.√

x e contınua pois e crescente e o seu contradomınio e [ 0,+∞[ . �

Como aplicacao vamos ver que as funcoes trigonometricas sao contınuas:

Teorema 5: As funcoes sen, cos e tan sao contınuas.

Demonstracao. Vamos apenas provar para o coseno pois a demonstracao e identicapara o seno e a tangente. No intervalo [ 0, π ] o coseno e decrescente e o seu contra-domınio e igual ao domınio do arco-coseno, ou seja, o intervalo [−1, 1 ]. Concluimosque

• O coseno e contınuo em ]0, π[

§3. Funcoes contınuas 75

• limx→0+

cos x = cos 0 = 1 e limx→π−

cos x = cos π = −1

Analogamente concluimos que o coseno e contınuo em cada intervalo ]kπ, (k +1)π[e os limites laterais nos pontos kπ sao iguais ao valor da funcao nesses pontos:

limx→kπ−

cos x = limx→kπ+

cos x = cos(kπ)

Pelo teorema 4 concluimos que limx→kπ

cos x = cos(kπ) e portanto o coseno e contınuo

tambem nesses pontos. Portanto o coseno e contınuo em todos os pontos dodomınio. �

Teorema 6: As funcoes arccos, arcsen e arctan sao contınuas.

Demonstracao. Faremos aqui apenas um esboco da demonstracao para o caso doarccos. Daremos uma demonstracao simples da continuidade destas funcoes quandofalarmos de integrais.

Como o arccos e decrescente e limitado, os limites laterais existem em todos ospontos. Vamos supor por absurdo que

limx→a−

arccos x > arccos a

e chegar a uma contradicao. Seja

ε = limx→a−

arccos x− arccos a > 0

Entao, para qualquer x < a,

arccos x ≥ limx→a−

arccos x logo arccos x− arccos a ≥ limx→a−

arccos x− arccos a = ε

Observemos a figura:

ε

x a

θφ

Figura 5. Demonstracao da continuidade do arco-coseno

76 2. Funcoes, limites e continuidade

Entao

φ < tan φ = ε

arccos a = θ

arccos x = θ + φ.2

Assim, arccos x − arccos a = φ < ε. Chegamos a uma contradicao o que mostraque lim

x→a−arccos x = arccos a. Da mesma forma podemos ver que lim

x→a+arccos x =

arccos a e portanto arccos e contınua em x = a. �

§3.3. Operacoes algebricas e composicao. Os teoremas sobre limites mostramque somas, produtos e quocientes de funcoes contınuas sao ainda contınuas.

Exemplo 9. Um polinomio de grau n e uma funcao da forma

f(x) = c0 + c1x + c2x2 + . . . + cnxn =

n∑

k=0

ckxk , com c0, . . . , cn ∈ R.

Vamos mostrar que os polinomios sao funcoes contınuas. A demonstracao e porinducao no grau n do polinomio. Para n = 0 o polinomio e uma constante pelo quee contınuo. Assumindo por hipotese de inducao que todos os polinomios de graun− 1 sao contınuos, escrevemos

f(x) =(c0 + c1x + c2x

2 + . . . + cn−1xn−1)

+ cnxn

cnxn e uma funcao contınua pois e o produto duma constante por xn, pelo que fe a soma de duas funcoes contınuas. Logo f e contınua. �

Exemplo 10. Funcoes racionais sao funcoes com expressao analıtica dada peloquociente de dois polinomios, isto e, funcoes da forma

f(x) =p(x)

q(x)com p e q polinomios.

Assim, as funcoes racionais sao contınuas pois sao o quociente de duas funcoescontınuas. �

A composta de duas funcoes contınuas tambem e contınua. Tal e uma consequenciaimediata do teorema 11 que nos diz que

Se f e contınua em b e limx→a

g(x) = b entao

limx→a

f(g(x)) = f(

limx→a

g(x))

= f(b)

Assim, se g for contınua em a, limx→a

g(x) = g(a) logo

limx→a

f(g(x)) = f(g(a))

o que mostra que f ◦ g e contınua em a. Mostramos que

2A demonstracao desta igualdade nao e trivial: e necessario mostrar que dividindo um arco em dois, ocomprimento total e a soma dos comprimentos de cada um dos arcos. O leitor pode tentar demonstrareste facto, mas e um exercıcio difıcil.

§3. Funcoes contınuas 77

Teorema 7: Se f e g sao funcoes contınuas, entao f ◦ g e tambem uma funcaocontınua.

Exemplo 11. A funcao f(x) =√

1− x2 e a composta de duas funcoes:

g(x) = 1− x2 e h(y) =√

y

Como g e contınua (porque e um polinomio), h e contınua (como vimos no exemplo1), e f = h ◦ g, concluimos que f e contınua. �

§3.4. Funcoes contınuas em intervalos fechados.

Teorema 8 (Do valor intermedio): Seja f : [ a, b ] → R uma funcao contınuatal que f(a) 6= f(b). Entao para qualquer N entre f(a) e f(b) a equacao f(x) = Ntem solucao, isto e, existe um ponto c ∈ [ a, b ] tal que f(c) = 0.

Demonstracao. Podemos assumir que f(a) < N < f(b), sendo o caso f(a) >N > f(b) completamente analogo. Vamos encontrar uma solucao de f(x) = Npor aproximacoes sucessivas. Seja c0 = a+b

2 o ponto medio do intervalo [ a, b ]. Sef(c0) = N podemos parar pois encontramos uma solucao. Caso contrario definimosum novo intervalo I1:

• Se f(c0) < N tomamos o intervalo I1 = [ c0, b ]

• Se f(c0) > N tomamos o intervalo I1 = [ a, c0 ]

Definimos assim recursivamente uma sucessao de intervalos encaixados In = [ an, bn ]:dado In tomamos o ponto medio do intervalo cn = an+bn

2 e definimos In+1 por

• Se f(cn) < 0, In+1 = [ cn, bn ]

• Se f(cn) > 0, In+1 = [ an, cn ]

a

c1 c3 c4 c2 c0 b

f

N

Figura 6. Aproximando a solucao de f(x) = N

Entao, para qualquer n

78 2. Funcoes, limites e continuidade

(1) f(an) < N < f(bn)

(2) bn − an = b−a2n

Pelo teorema dos intervalos encaixados, existe um ponto c que pertence a todos osintervalos. Mais, as sucessoes an e bn convergem ambas para c. Assim, f(an) ef(bn) convergem para f(c) e

(1) Como f(an) < N , lim f(an) = f(c) ≤ N

(2) Como f(bn) > N , lim f(bn) = f(c) ≥ N

Concluimos que f(c) = N . �

Exemplo 12. Vamos mostrar que o polinomio f(x) = x3 − 3x + 1 tem uma raizno intervalo [ 0, 1 ]. Tomando a = 0, b = 1 e N = 0 no teorema do valor intermediovemos que

f(0) = 03 − 3 · 0 + 1 = 1 > 0

f(1) = 13 − 3 · 1 + 1 = −1 < 0

Portanto f(0) > 0 > f(1). Como f e um polinomio, f e contınua logo o teoremado valor intermedio garante a existencia dum zero de f no intervalo [ 0, 1 ]

Seguindo a demonstracao do teorema, podemos obter aproximacoes sucessivas dozero: tomamos c0 = 0.5. Entao

f(0.5) = (0.5)3 − 3 · 0.5 + 1 = 0.125− 1.5 + 1 = −0.375 < 0

Tomamos entao I1 = [ 0, 0.5 ]. A tabela seguinte mostra as sucessivas aproximacoes:

n In cn f(cn)

0 [ 0, 1 ] 0.5 −0.375

1 [ 0, 0.5 ] 0.25 0.2656 . . .

2 [ 0.25, 0.5 ] 0.375 −0.0723 . . .

3 [ 0.25, 0.375 ] 0.3125 0.0930 . . .

4 [ 0.3125, 0.375 ] 0.34375 0.0094 . . .

Tabela 1. Aproximando um zero de f(x) = x3 − 3x + 1

Um resultado util ao calcular o contradomınio duma funcao contınua e o seguinte:

Teorema 9: Seja f : [ a, b ] → R uma funcao contınua e monotona. Entao ocontradomınio de f e um intervalo fechado com extremos f(a) e f(b).

Exemplo 13. O contradomınio de arccos e [ 0, π ] e o contradomınio de arcsen e[− π

2 , π2

]�

§3. Funcoes contınuas 79

O teorema do valor intermedio tem uma consequencia importante:

Teorema 10: Seja f : [ a, b ] → R uma funcao contınua e injectiva. Entao f−1 etambem contınua.

Demonstracao. Como o contradomınio de f−1 e igual ao intervalo [ a, b ], bastaprovar que f−1 e estritamente monotona, ou o que e equivalente, que f e estrita-mente monotiona. Vamos assumir que f(a) < f(b) e mostrar que f e estritamentecrescente. Ou seja, queremos ver que x1 < x2 ⇒ f(x1) < f(x2). Comecamos porver que f(x1) > f(a), caso contrario a equacao f(x) = f(a) teria uma solucaoem ]x1, b[ contrariando injectividade. Da mesma forma vemos que f(x2) > f(a).Agora, se f(x2) < f(x1), a equacao f(x) = f(x2) teria uma solucao em ]a, x1[contrariando injectividade. Portanto f(x2) > f(x1). �

Vamos agora ver que uma funcao contınua f : [ a, b ] → R tem maximo e mınimo.Comecamos por ver que f e limitada:

Proposicao: Seja f uma funcao contınua com domınio um intervalo limitado efechado I. Entao f e limitada.

Demonstracao. Supomos que f nao e limitada em I = [a, b], e passamos a definiruma sucessao de intervalos encaixados I1, I2, · · · tais que f nao e limitada emnenhum intervalo In.

Tomamos naturalmente I1 = I. Para definir I2, consideramos o ponto medio c =(a + b)/2, e os dois subintervalos correspondentes a esquerda e a direita de c, ouseja, E1 = [a, c] e D1 = [c, b]. Observamos que f e ilimitada em pelo menos um dossubintervalos E1 ou D1, porque caso contrario seria limitada em I1, contrariandoa nossa hipotese. Seleccionamos I2 igual a E1 ou D1 de forma a garantir que f eilimitada em I2.

Notamos que este procedimento pode ser utilizado indefinidamente, porque se aplicaa um qualquer intervalo In onde f seja ilimitada. Existe portanto uma sucessaode intervalos encaixados In tais que f e ilimitada em In = [an, bn], e o nossoprocedimento mostra que bn − an = (b− a)/2n−1.

De acordo com o Princıpio dos Intervalos Encaixados existe um elemento c tal quec ∈ In para qualquer n ∈ N. Claro que c ∈ I, e portanto f e contınua em c. Masentao existe um δ > 0 tal que f e limitada na vizinhanca Vδ(c) ∩ I.

Para obter uma contradicao, notamos que para n suficientemente grande temos(b−a)/2n−1 < δ, donde In ⊂ Vδ(c)∩ I, e concluımos que f e limitada em In, o quee impossıvel. �

Teorema 11 (Teorema de Weierstrass): Se f e uma funcao contınua num in-tervalo limitado e fechado I = [a, b], entao f tem maximo e mınimo nesse intervalo.

Demonstracao. Vamos mostrar que f tem maximo. A demonstracao que f temmınimo e inteiramente analoga.

80 2. Funcoes, limites e continuidade

Como f e limitada, o seu contradomınio D′f = {f(x) : x ∈ [a, b]} e limitado logo,pelo Axioma do Supremo existe M = supD′f . Queremos provar que M ∈ D′f , poisisso significa que existe c ∈ [a, b] tal que f(c) = M ≥ f(x) para todo o x ∈ [a, b].

Argumentamos por contradicao, supondo que M 6= f(x) para qualquer x ∈ [a, b].Entao podemos definir a funcao g : [a, b]→ R por:

g(x) =1

M − f(x).

Esta funcao e contınua no intervalo limitado e fechado I, porque o denominador euma funcao contınua em I que nao se anula em I. Assim, a funcao g e tambemlimitada, e em particular existe K > 0 tal que

g(x) =1

M − f(x)< K donde M − f(x) > 1/K e f(x) < M − 1/K.

Mas neste caso M − 1/K e um majorante de f inferior ao seu supremo, o que eabsurdo. �

Capıtulo 3

Derivadas

A nocao de derivada de uma funcao e uma das mais fundamentais do Calculo, ee uma das principais razoes para a introducao e estudo da nocao de limite. Temmultiplas aplicacoes noutras areas cientıficas e tecnologicas, onde e rotinamenteutilizada para a definicao de conceitos basicos, como os de velocidade, aceleracao,potencia, intensidade de corrente, para citar alguns dos mais usuais em domıniosda engenharia, mas e inevitavel mesmo em campos onde a quantificacao e maisrecente, como na economia.

§1. Nocao de derivada

Recordemos como calcular a recta tangente ao grafico duma funcao f num pontox = a: o declive da recta passando por

(a, f(a)

)e por

(x, f(x)

)e dado pelo

quocientef(x)− f(a)

x− aO declive da recta tangente e o limite dos declives quando x se aproxima de a:

m = limx→a

f(x)− f(a)

x− a

Limites desta forma surgem tambem sempre que e necessario calcular taxas devariacao:

Exemplo 1. Se x(t) representa a posicao no instante de tempo t de um objectoem movimento rectilıneo, entao a razao:

x(t + h)− x(t)

h

e a velocidade media do objecto no intervalo de tempo [t, t + h]. O limite

v(t) = limh→0

x(t + h)− x(t)

h

81

82 3. Derivadas

define a velocidade instantanea do objecto no instante t. �

Chamamos este tipo de limite de derivada:

Definicao 1 (Derivada de uma funcao real de variavel real): Seja f :D → R uma funcao e a ∈ D um ponto de acumulacao de D. Dizemos que f ediferenciavel no ponto a ∈ D com derivada f ′(a) se existir em R o limite

f ′(a) = limh→0

f(a + h)− f(a)

h= lim

x→a

f(x)− f(a)

x− a.

Chamamos a este limite a derivada de f em a.

Sendo A ⊆ R, dizemos que f e diferenciavel em A se f e diferenciavel emqualquer ponto a ∈ A.

Passamos a calcular algumas derivadas:

Exemplo 2. Seja f : R→ R a funcao dada por f(x) = mx + b, para x ∈ R, ondem, b ∈ R sao constantes. Como o grafico de f e uma recta de declive m, o resultadodo calculo da sua derivada nao e surpreendente:

f ′(a) = limh→0

f(a + h)− f(a)

h= lim

x→a

m(a + h) + b− (ma + b)

h= m.

Por outras palavras, a derivada f ′ e a funcao constante dada por f ′(x) = m. Emparticular, a derivada de f(x) = x e f ′(x) = 1, e a derivada de uma funcao constantee a funcao nula. �

Exemplo 3. Seja f(x) =√

x. Entao, para a 6= 0

f ′(a) = limx→a

√x−√a

x− a= lim

x→a

(√

x−√a)(√

x +√

a)

(x− a)(√

x +√

a

= limx→a

x− a

(x− a)(√

x +√

a= lim

x→a

1√x +√

a

=1

2√

a

Para a = 0

limx→0

√x−√

0

x− 0= lim

x→0

1√x

= +∞

portanto√

x nao e diferenciavel em x = 0. �

§1.1. Recta tangente. Tal como ja referimos, a derivada f ′(a) e geometricamenteo declive da recta tangente ao grafico de f em x = a. Assim,

Se f for diferenciavel em x = a, a recta tangente ao grafico de f e a recta de equacao

y = f(a) + f ′(a)(x− a)

§1. Nocao de derivada 83

Exemplo 4. Seja f(x) = x2 − 3. Para calcular a equacao da recta tangente a fem x = 2 calculamos a derivada

f ′(2) = limx→2

(x2 − 3

)− (22 − 3

)

x− 2

= limx→2

x2 − 22

x− 2= lim

x→2

(x− 2)(x + 2)

x− 2= lim

x→2(x + 2) = 4

Assim, a equacao da recta tangente e

y = f(2) + f ′(2)(x− 2) = 1 + 4(x− 2)

Ou seja, y = 4x− 7. �

§1.2. Taxa de variacao. Seja f : D → R uma funcao com [ a, b ] ⊂ D. Se x variaentre a e b, representamos a variacao de x por

∆x = b− a

e a correspondente variacao de f por

∆f = f(b)− f(a)

Chamamos entao ao quociente

∆f

∆x=

f(b)− f(a)

b− a

a taxa de variacao media de f no intervalo [ a, b ]. Se considerarmos a taxa devariacao media sobre intervalos cada vez mais pequenos, chegamos a nocao de taxade variacao instantanea de f , que nao e mais do que a derivada de f (se estaexistir):

f ′(a) = lim∆x→0

∆f

∆x= lim

x→a

f(x)− f(a)

x− a

Por analogia com o quociente ∆f∆x , e comum representar a derivada de f pelo sımbolo

dfdx , a chamada notacao de Leibnitz. E importante frisar que df

dx e apenas umsımbolo: nao representa o quociente de duas grandezas df e dx!

Exemplo 5. Se q(t) representa a carga electrica total que atravessou um dadoponto de medicao num condutor electrico ate ao instante de tempo t, entao a taxade variacao media

∆q

∆t=

q(t + h)− q(t)

h

e a quantidade de carga transportada por unidade de tempo no intervalo [t, t + h].A derivada

dq

dt= i(t) = lim

h→0

q(t + h)− q(t)

h

define a intensidade de corrente no instante t. �

84 3. Derivadas

Exemplo 6. Se C(x) representa o custo total de producao de x unidades de umdeterminado produto, incluindo aqui custos como os de investigacao e desenvolvi-mento, de construcao da correspondente unidade fabril, e dos materiais utilizadosna producao de novas unidades, entao a taxa de variacao media

∆C

∆x=

C(x + h)− C(x)

h

e o custo medio de producao por unidade produzida, depois de ja produzidas x. Estecusto medio em geral baixa a medida que x aumenta, no que se chama “economiade escala”. A derivada

dC

dx= c(x) = lim

h→0

C(x + h)− C(x)

h

define o custo marginal depois de produzidas x unidades. E essencialmente ocusto da unidade x + 1 produzida. �

§1.3. Diferenciabilidade.

Teorema 2: Se f e diferenciavel em a entao f e contınua em a.

Demonstracao. Basta observar que

limx→a

(f(x)− f(a)

)= lim

x→a

(f(x)− f(a)

x− a(x− a)

)

=

(limx→a

f(x)− f(a)

x− a

)·(

limx→a

(x− a))

= f ′(a) · 0 = 0 �

E importante notar que uma funcao pode ser contınua num ponto sem ser dife-renciavel nesse ponto:

Exemplo 7. A funcao modulo, f : R→ R definida por

f(x) = |x| ={−x , se x < 0,

x , se x ≥ 0,

cujo grafico esta representado na Figura 1, tem derivada f ′(x) = −1 para x < 0 ederivada f ′(x) = 1 para x > 0.

-2 -1 1 2

1

2

Figura 1. Grafico da funcao modulo.

§1. Nocao de derivada 85

Para x = 0 temos

limx→0−

f(x)− f(0)

x− 0= lim

x→0−

−x− 0

x= −1 e

limx→0+

f(x)− f(0)

x− 0= lim

x→0+

x− 0

x= 1 .

Logo, apesar de ser contınua, a funcao modulo nao e diferenciavel em x = 0. �

Chamamos derivada a direita e derivada a esquerda de f em x = a aos limites

limx→a+

f(x)− f(a)

x− ae lim

x→a−

f(x)− f(a)

x− a

Assim, as derivadas a direita e a esquerda de |x| em x = 0 sao respectivamente 1 e−1.

Quando e que uma funcao nao e diferenciavel num ponto?

(1) O teorema 2 mostra que se f nao e contınua em a entao f tambem nao ediferenciavel em a.

(2) O exemplo 7 ilustra outra situacao: se f for contınua em a e as derivadas aesquerda e a direita

limx→a−

f(x)− f(a)

x− ae lim

x→a+

f(x)− f(a)

x− a

existirem mas forem diferentes, entao o limite lim ∆f∆x nao existe logo f nao

e diferenciavel em x = a. Podemos pensar no grafico de f como tendo duassemirectas tangentes, uma a esquerda e outra a direita, formando um bico emx = a.

(3) O exemplo 3 ilustra uma terceira situacao: a funcao f(x) =√

x e contınua emx = 0 mas

limx→0

f(x)− f(0)

x− 0= +∞

Podemos interpretar este limite como indicando que o declive da recta tangentee infinito, ou seja, a recta tangente e vertical em x = 0.

Figura 2. Funcoes nao diferenciaveis

Ha muitas outras situacoes em que f nao e diferenciavel:

86 3. Derivadas

Exemplo 8. Seja

f(x) =

{x sen

(1x

)x 6= 0

0 x = 0

Recorde que f e o prolongamento por continuidade de x sen(

1x

)a x = 0. Em

particular f e contınua em x = 0. Para x 6= 0,

f(x)− f(0)

x− 0=

x sen(

1x

)

x= sen

(1x

)

Portanto o limite

limx→0

f(x)− f(0)

x− 0nao existe. Concluimos que f nao e diferenciavel em x = 0. �

§2. Regras de Derivacao

Teorema 1:

(1) A derivada duma constante e igual a zero.

(2) (xn)′ = nxn−1

(3) (√

x)′ =1

2√

x

Demonstracao. Ja provamos (1) e (3) nos exemplos 2 e 3. A derivada de xn noponto a e dada por

limx→a

xn − an

x− ax = a e uma raiz do polinomio xn−an pelo que, usando a regra de Rufini chegamosfacilmente a

xn − an = (x− a)(xn−1 + a · xn−2 + a2 · xn−3 + · · ·+ an−2 · x + an−1)

igualdade que se verifica tambem facilmente multiplicando os factores. Assim,

limx→a

xn − an

x− a= lim

x→a

(xn−1 +a ·xn−2 +a2 ·xn−3 + · · ·+an−2 ·x+an−1

)= nan−1

As seguintes regras de derivacao sao de utilizacao constante:

Teorema 2: Sejam f : Df ⊂ R → R e g : Dg ⊂ R → R funcoes diferenciaveisnum ponto a ∈ Df ∩Dg. Seja ainda c ∈ R uma constante. Entao, as funcoes c · f ,f ± g, f · g e f/g (se g(a) 6= 0) tambem sao diferenciaveis no ponto a, sendo as suasderivadas dadas por:

(1) (f ± g)′(a) = f ′(a)± g′(a)

(2) (cf)′(a) = cf ′(a)

(3)(f · g

)′(a) = f ′(a) · g(a) + f(a) · g′(a) (Regra de Leibniz)

§2. Regras de Derivacao 87

(4)

(1

g

)′= − g′

g2

(5)

(f

g

)′(a) =

f ′(a) · g(a)− f(a) · g′(a)

(g(a))2

Demonstracao. (1) fica como exercıcio. Provamos agora a Regra de Leibniz,notando que (f · g)′(a) e dado por:

limx→a

f(x) · g(x)− f(a) · g(a)

x− a

= limx→a

f(x) · g(x)− f(a) · g(x) + f(a) · g(x)− f(a) · g(a)

x− a

= limx→a

(g(x) · (f(x)− f(a)

x− a+ f(a) · g(x)− g(a)

x− a

)

= limx→a

g(x) · limx→a

(f(x)− f(a)

x− a+ f(a) · lim

x→a

g(x)− g(a)

x− a

= g(a) · f ′(a) + f(a) · g′(a)

onde na ultima igualdade se usou o facto de f e g serem diferenciaveis em a, bemcomo o facto de g ser tambem contınua em a (Teorema 2). (2) e um caso particularda regra de Leibnitz quando g e uma constante. Provamos agora (4):

limx→a

1g(x) − 1

g(a)

x− a= lim

x→a

g(a)−g(x)g(a)·g(x)

x− a

= − limx→a

(g(x)− g(a)

x− a· 1

g(a) · g(x)

)

= − limx→a

g(x)− g(a)

x− alimx→a

1

g(x) · g(a)

= − g′(a)

g(a)2

Usando a regra de Leibnitz obtemos

(f

g

)′=

(f · 1

g

)′= f ′ · 1

g+ f ·

(− g′

g2

)

=f ′

g− f · g′

g2=

f ′ · g − f · g′g2

Exemplo 1. A diferenciacao de polinomios e imediata:

f(x) =

n∑

k=0

ckxk =⇒ f ′(x) =

n∑

k=1

ckkxk−1�

88 3. Derivadas

Exemplo 2. Seja f : R+ → R a funcao f(x) = 1+2√

xx2(1+

√x)

. Entao

f ′(x) =(1 + 2

√x)′(x2(1 +

√x))− (1 + 2

√x)(x2(1 +

√x))′

(x2(1 +

√x))2

=2 · 1

2√

x

(x2(1 +

√x))− (1 + 2

√x)((x2)′(1 +

√x) + x2(1 +

√x)′)

x4(1 +√

x)2

=x√

x(1 +√

x)− (1 + 2√

x)(2x(1 +

√x) + x2 · 1

2√

x

)

x4(1 +√

x)2

=

√x(1 +

√x)− (1 + 2

√x)(2(1 +

√x) + 1

2

√x)

x3(1 +√

x)2

Simplificando o numerador obtemos

f ′(x) = −4x + 112

√x + 2

x3(1 +√

x)2�

§2.1. Derivadas das funcoes trigonometricas. Vamos agora calcular as deri-vadas do seno e do coseno:

d sen

dθ= lim

∆θ→0

∆sen

∆θe

d cos

dθ= lim

∆θ→0

∆cos

∆θ

Observemos a figura:

θ

∆θ sen θ

cos θ

∆sen

−∆cos

A

B

CD

O

Figura 1. Derivada do seno e do coseno

§2. Regras de Derivacao 89

E conveniente substituir o angulo ∆θ pela corda BD. Para θ no primeiro quadrantee ∆θ > 0 podemos escrever

∆ sen

∆θ=

BC

∆θ=

BC

BD· BD

∆θ

∆cos

∆θ= −CD

∆θ= −CD

BD· BD

∆θ

Usamos agora o resultado

Proposicao: lim∆θ→0

BD

|∆θ| = 1

Demonstracao. Primeiro observamos que sen(∆θ) < BD < ∆θ:

∆θ

B

D

sen(∆θ)

Figura 2. sen(∆θ) < BD

Dividindo tudo por ∆θ

sen(∆θ)

∆θ<

BD

∆θ< 1

Como lim∆θ→0

sen(∆θ)

∆θ= 1, pelo teorema dos limites enquadrados lim

∆θ→0

BD

∆θ= 1. �

Portanto

d sen

dθ= lim

∆θ→0

BC

BD

d cos

dθ= − lim

∆θ→0

CD

BD

Geometricamente, BCBD

e CDBD

sao respectivamente o coseno e o seno o angulo ∠DBC.

Facilmente calculamos este angulo: ∠DBC = θ + 12∆θ. Assim

d sen

dθ= lim

∆θ→0

BC

BD= lim

∆θ→0cos(θ + 1

2∆θ)

= cos θ

d cos

dθ= − lim

∆θ→0

CD

BD= − lim

∆θ→0sen(θ + 1

2∆θ)

= − sen θ

Resumindo:

90 3. Derivadas

Teorema 3: As derivadas do seno e do coseno sao

(sen θ)′ = cos θ e (cos θ)′ = − sen θ

Demonstracao. Vamos provar apenas a formula para o seno ja que a formulapara o coseno se prova de maneira analoga. Sejam B e D os pontos no cırculotrigonometrico determinados pelos angulos θ e θ + ∆θ respectivamente. Ja vimos

que lim∆θ→0

BD

∆θ= 1, e ∆ sen θ = ±BC. Assim,

(sen θ)′ = lim∆θ→0

∆sen

∆θ= ± lim

∆θ→0

BC

BD

Se escrevermos B = (x1, y1) e D = (x2, y2) obtemos

BC2

BD2 =

(y2 − y1)2

(x2 − x1)2 + (y2 − y1)2=

1

1 +(

x2−x1

y2−y1

)2

Agora notamos que, como B,D estao ambos no cırculo trigonometrico,

x21 + y2

1 = x22 + y2

2

⇔ x21 − x2

2 = y22 − y2

1

⇔ x2 − x1

y2 − y1= − y1 + y2

x1 + x2

pelo que

BC2

BD2 =

1

1 +(

y1+y2

x1+x2

)2

Tomando o limite quando ∆θ → 0, x2 → x1 e y2 → y1 logo

(sen θ)′ = ± lim∆θ→0

BC

BD= ± 1√

1 +y21

x21

= ±x1

Mas as coordenadas do ponto B sao (x1, y1) = (cos θ, sen θ) logo (sen θ)′ = ± cos θ.Agora basta verificar que o sinal e sempre + o que se faz facilmente. �

§3. Aproximacoes lineares e diferenciais

A recta tangente ao grafico de f num ponto x = a e uma aproximacao muito boa dografico para valores de x proximos de a. Assim, podemos calcular aproximadamentef(x) para x ≈ a substituindo f pela sua recta tangente. Recordemos que a equacaoda recta tangente e

y = f(a) + f ′(a)(x− a)

e o grafico de f e dado por

y = f(x)

§3. Aproximacoes lineares e diferenciais 91

Chamamos a aproximacao

f(x) ≈ f(a) + f ′(a)(x− a)

aproximacao linear de f em a. A ideia e que por vezes e facil calcular f(a) ef ′(a) mas bastante difıcil calcular f(x) para outros valores de x.

Exemplo 1. Para calcular aproximadamente√

50 notamos que 50 esta proximode 49 = 72. Assim, tomando f(x) =

√x e a = 49 podemos aproximar

√50 = f(50)

por

f(50) ≈ f(49) + f ′(49)(50− 49)

f ′(x) = 12√

xlogo, substituindo os valores,

√50 ≈

√49 +

1

2√

49(50− 49) = 7 +

1

14=

99

14

Podemos aproveitar esta aproximacao para aproximar tambem√

2: como 50 = 2·25,√50 = 5

√2:

5√

2 ≈ 99

14logo

√2 ≈ 99

70�

Exemplo 2. Em fısica a aproximacao linear senx ≈ x (valida para x ≈ 0) efrequentemente usada. Por exemplo, a equacao dum pendulo de comprimento L eθ′′ = − g

L sen θ em que g e a aceleracao da gravidade. Para oscilacoes pequenas estaequacao e aproximada por θ′′ = − g

Lθ. O leitor pode verificar que

θ = sen(√

gL · θ

)

e uma solucao da equacao aproximada. �

Como ∆f = f(x) − f(a) e ∆x = x − a, podemos reescrever a aproximacao linearf(x) ≈ f(a) + f ′(a)(x− a) na forma

∆f = f ′(a)∆x

Qual o erro cometido numa aproximacao linear? Fazendo a diferenca obtemos

∆f − f ′(a)∆x =∆f − f ′(a)∆x

∆x·∆x =

(∆f

∆x− f ′(a)

)∆x

Assim o erro e o produto de duas quantidades que vao para zero quando x → a,sendo portanto bastante pequeno quando x ≈ a.

Chamamos a funcao ∆x 7→ f ′(a)∆x o diferencial de f em x = a e representamo-lopor

df(∆x) = f ′(a)∆x

Entao a aproximacao linear fica ∆f ≈ df . E frequente neste contexto escrever dxem vez de ∆x de tal modo que df = f ′(a)dx. Podemos entao interpretar df

dx comoo quociente da funcao df por dx = ∆x.

92 3. Derivadas

a a + ∆x

∆x = dx

∆fdf

Figura 1. Aproximacao de ∆f por df

Exemplo 3. O diferencial de f(x) =√

x em x = 49 e dado por

df(∆x) = f ′(49)∆x =1

14∆x �

§4. Derivada de funcoes compostas e de funcoes

inversas

Continuamos com o nosso estudo de tecnicas para o calculo de derivadas, estudandoa diferenciacao de uma funcao composta, a que corresponde uma regra de derivacaoque se diz frequentemente “regra da cadeia”.

Teorema 1 (Regra da Cadeia): Sejam g : Dg ⊂ R → R uma funcao dife-renciavel num ponto a ∈ Dg e f : Df ⊂ R→ R uma funcao diferenciavel no pontob = g(a) ∈ Df . Entao, a funcao composta (f ◦ g) e diferenciavel no ponto a ∈ Df◦g

e(f ◦ g)′(a) = f ′(b) · g′(a) = f ′(g(a)) · g′(a) .

A notacao de Leibnitz e particularmente adaptada a calculos desta natureza. No-tamos primeiro que quando escrevemos, e.g., y = f(x), e comum representar a

derivada f ′ por dydx . Por exemplo, para diferenciar y = sen(x2 + 1), e comum

organizar os calculos como se segue:

y = sen(u), u = x2 + 1 edy

dx=

dy

du

du

dx= cos(u)(2x) = 2x cos(x2 + 1)

Claro que cometemos aqui diversos abusos da notacao (por exemplo, “y” representa

a funcao f(x) = sen(x) ou a funcao f(x) = sen(x2 + 1)?), mas efectivamente esta e

§4. Derivada de funcoes compostas e de funcoes inversas 93

uma maneira muito eficiente de proceder, sobretudo quando a “cadeia” de funcoestem multiplos “elos”. Passemos a demonstracao:

Demonstracao. A ideia da demonstracao e simples: escrevendo u = g(x),

df

dx= lim

∆x→0

∆f

∆x= lim

∆x→0

∆f

∆u· ∆u

∆x=

df

du· du

dx

Ha apenas um problema: ∆u = g(x)−g(a) pode ser zero para x 6= a. Para resolveresse problema consideramos a taxa de variacao de f

T (u) =f(u)− f(b)

u− b=

∆f

∆u

e notamos que T (u) pode ser prolongada por continuidade ao ponto u = b:

T (u) =

{f(u)−f(b)

u−b u 6= b

f ′(u) u = b

Como b = g(a), para g(x) 6= g(a) podemos escrever

f(g(x))− f(g(a))

x− a=

f(g(x))− f(g(a))

g(x)− g(a)· g(x)− g(a)

x− a= T (g(x)) · g(x)− g(a)

x− a

Verificamos entao facilmente que a forumla

f(g(x))− f(g(a))

x− a= T (g(x)) · g(x)− g(a)

x− a

e tambem valida quando g(x) = g(a) (desde que x 6= a). Entao

limx→a

f(g(x))− f(g(a))

x− a= lim

x→aT (g(x)) · lim

x→a

g(x)− g(a)

x− a= f ′(g(a))g′(a) �

Exemplo 1. Vamos calcular a derivada de h(x) = sen5(x). Escrevendo u = senx,h(x) = u5. Ou seja, h e a composicao das funcoes

f(u) = u5 e u = g(x) = sen(x)

Como f ′(x) = 5x4 e g′(x) = cos(x) temos entao:

h′(x) = f ′(u)g′(x) = 5u4 cos(x) = 5 sen4(x) cos(x). �

§4.1. Derivada de funcoes inversas. Vimos no Capıtulo anterior que se f euma funcao contınua injectiva num dado intervalo I, a sua inversa definida nointervalo J = f(I) e igualmente uma funcao contınua. O proximo teorema mostraque se f e diferenciavel e tem derivada diferente de zero entao a inversa f−1 etambem diferenciavel, e apresenta uma formula para o calculo da derivada de f−1.Deve notar-se a este respeito que a formula em causa mais uma vez reflecte apenasa simetria do grafico destas funcoes em relacao a recta y = x.

Teorema 2: Seja f : I → R uma funcao contınua e injectiva num intervalo I, eseja f−1 : f(I)→ I a sua inversa. Se f e diferenciavel num ponto a ∈ I e f ′(a) 6= 0,entao f−1 e diferenciavel no ponto b = f(a) e

(f−1

)′(b) =

1

f ′(a)=

1

f ′(f−1(b)).

94 3. Derivadas

Demonstracao. Sabemos que

limt→a

f(t)− f(a)

t− a= f ′(a)

Fazemos a mudanca de variaveis t = f−1(x), onde a = f−1(b), e recordamos quef−1 e contınua, e f−1(x)→ a quando x→ b = f(a), para concluir que

limx→b

f(f−1(x))− f(a)

f−1(x)− a= lim

x→b

x− b

f−1(x)− f−1(b)= f ′(a)

Como f ′(a) 6= 0, segue-se que

(f−1)′(b) = limx→b

f−1(x)− f−1(b)

x− b=

1

f ′(a)�

Usamos o resultado anterior para diferenciar mais um conjunto importante defuncoes.

Exemplo 2. Derivada do arco-seno: Neste caso, f−1 = arcsen : [−1, 1] →[−π/2, π/2], e a derivada de f = sen so se anula no intervalo [−π/2, π/2] nos pontosa = ±π/2, que correspondem a b = ±1. Portanto a funcao arcsen e diferenciavelem ]− 1, 1[, e temos

(arcsen)′(x) =1

f ′(f−1(x))=

1

cos(arcsen(x))=

1√1− x2

Para calcular cos(arcsen(x)), basta notar que, com θ = arcsen(x),

sen(θ) = x⇒ cos2(θ) = 1− sen2(θ) = 1− x2 ⇒ cos(θ) = ±√

1− x2.

Como −π/2 < θ < π/2, segue-se que cos(θ) > 0, e portanto

cos(arcsen(x)) = cos(θ) =√

1− x2. �

Exemplo 3. Derivada do arco-tangente: Neste caso, f−1 = arctan : R →] − π/2, π/2[, e a derivada de f = tan, que e sec2 = 1/ cos2, nunca se anula nointervalo ]− π/2, π/2[. Portanto a funcao arctan e diferenciavel em R, e temos

(arctan)′(x) =1

f ′(f−1(x))= cos2(arctan(x)) =

1

1 + x2

Para calcular cos2(arctan(x)), basta notar que, com θ = arctan(x),

sen2(θ)

cos2(θ)= tan2(θ) = x2 ⇒ 1− cos2(θ)

cos2(θ)= x2 ⇒ 1

cos2(θ)= 1 + x2. �

Exemplo 4. Derivada do arco-coseno: Neste caso, f−1 = arccos : [−1, 1] →[0, π], e a derivada de f = cos, que e f ′ = − sen, so se anula no intervalo [0, π] nospontos a = 0 e a = π, que correspondem a b = ±1. Portanto a funcao arccos ediferenciavel em ]− 1, 1[, e temos

(arccos)′(x) =1

f ′(f−1(x))= − 1

sen(arccos(x))= − 1√

1− x2

Para calcular sen(arccos(x)), tomamos θ = arccos(x), donde

cos(θ) = x⇒ sen2(θ) = 1− sen2(θ)⇒ sen(θ) = ±√

1− x2.

§5. Optimizacao 95

Como 0 < θ < π, segue-se que sen(θ) > 0, e portanto

sen(arccos(x)) =√

1− x2. �

Exemplo 5. Derivada da raız-n: Neste caso, f e dada por f(x) = xn, comn ∈ N, e f−1(x) = n

√x. Se n e ımpar podemos tomar I = R e f, f−1 : R→ R, mas

se n e par temos que restringir f a I = [0,∞[, e f, f−1 : [0,∞[→ [0,∞[. A derivadade f e dada por f ′(x) = nxn−1, e so se anula em a = 0, que corresponde a b = 0.Portanto a funcao inversa e diferenciavel em I \ {0}, e temos

(f−1)′(x) =1

f ′(f−1(x))=

1

n( n√

x)n−1= 1

nx−n−1n = 1

nx1n−1

§5. Optimizacao

Uma das aplicacoes mais relevantes do calculo de derivadas e a determinacao deextremos de uma funcao dada:

Definicao 1: Seja f : D ⊂ R→ R uma funcao e c ∈ D um ponto do seu domınio.Entao

(a) f atinge o seu valor maximo em c se e so se f(x) ≤ f(c) para qualquer x ∈ D.

(b) f atinge o seu valor mınimo em c se e so se f(x) ≥ f(c) para qualquer x ∈ D.

Dizemos tambem que f tem um extremo em c se e so se f atinge o seu valormaximo ou mınimo c ∈ D.

De um ponto de vista intuitivo, e claro que a recta tangente ao grafico de umafuncao num ponto de extremo e necessariamente horizontal, desde que exista, ouseja, desde que a funcao em causa seja diferenciavel no extremo local. E este oconteudo do proximo teorema.

Teorema 2: Seja f uma funcao definida num intervalo aberto I = ]a, b[. Se ftem um extremo num ponto c ∈ I e f e diferenciavel nesse ponto c, entao f ′(c) = 0.

Demonstracao. Supomos que f tem um maximo no ponto c ∈ I = ]a, b[ e ediferenciavel nesse ponto (a demonstracao e inteiramente analoga para o caso domınimo). Sabemos entao que f(x) ≤ f(c) para qualquer x ∈ D. Entao, como f ediferenciavel no ponto c,

f ′(c) = limx→c−

f(x)− f(c)

x− c≥ 0.

pois x− c < 0 e f(x)− f(c) ≤ 0. Analogamente,

f ′(c) = limx→c+

f(x)− f(c)

x− c≤ 0.

pois x− c > 0 e f(x)− f(c) ≤ 0. Concluimos que f ′(c) = 0. �

96 3. Derivadas

Um ponto c onde f ′(c) = 0 chama-se um ponto crıtico de f . Deve ser claroque os extremos podem ocorrer em pontos onde a funcao nao e diferenciavel, eque por isso nao sao pontos crıticos. Mais precisamente, se f esta definida numintervalo fechado [a, b] e tem um extremo local em x = c, entao uma das seguintesalternativas e necessariamente verdade:

(1) a < c < b e f ′(c) nao existe, ou

(2) a < c < b e f ′(c) = 0, ou

(3) c = a ou c = b

Exemplo 1. A funcao modulo g : [−1, 2]→ R dada por g(x) = |x| tem mınimo noponto zero (onde nao e diferenciavel) e tem maximo em x = 2. Nenhum dos seusextremos ocorre em pontos crıticos. �

Exemplo 2. Seja f : [−1, 2] → R a funcao f(x) = x3 − x. Esta funcao temderivada f ′(x) = 3x2 − 1 para todo o x ∈ [−1, 2]. Portanto, o maximo e o mınimoso podem ocorrer em pontos crıticos (onde f ′(x) = 0), ou nos extremos x = −1 oux = 2. Como

f ′(x) = 0 ⇔ 3x2 − 1 = 0 ⇔ x = ± 1√3, e temos ± 1√

3∈ ]−1, 2[ ,

o maximo e o mınimo de f no intervalo [−1, 2] ocorrem certamente num dos pontos−1,± 1√

3, 2, e observamos que

f( 1√3) = − 2

3√

3, f(− 1√

3) = 2

3√

3, f(−1) = 0, f(2) = 6.

Concluımos que o maximo de f e f(2) = 6 e o mınimo e f( 1√3) = − 2

3√

3. �

Tem tambem interesse as nocoes de maximo e mınimo locais:

Definicao 3: Dizemos que x e um maximo local de f se f(x) for o valor maximode f nalguma vizinhanca Vδ(x). Analogamente, dizemos que x e um mınimo localde f se f(x) for o valor mınimo de f nalguma vizinhanca Vδ(x).

Se x for um maximo ou um mınimo local de f entao x e um ponto crıtico de f . Efacil dar exemplos de pontos crıticos que nao sao extremos:

Exemplo 3. A funcao polinomial f : R→ R dada por f(x) = x3, cujo grafico estarepresentado na Figura 3, e diferenciavel e tem derivada nula no ponto zero, ouseja, 0 e ponto crıtico de f , mas f nao tem um extremo local nesse ponto.

§6. O teorema de Lagrange 97

-1 1

-2

-1

1

2

Figura 1. Grafico da funcao dada por f(x) = x3.

§6. O teorema de Lagrange

O Teorema de Weierstrass garante a existencia de maximo e mınimo globais deuma funcao contınua num intervalo limitado e fechado. Se a funcao for alem dissodiferenciavel, e garantirmos que o maximo e o mınimo nao podem ocorrer apenasnos extremos do intervalo, podemos concluir que a derivada se anula pelo menosuma vez no intervalo em questao. O Teorema de Rolle formaliza esta ideia, que afigura 1 ilustra: se f(a) = f(b), entao existe pelo menos um ponto entre a e b ondeo grafico de f tem uma tangente horizontal.

a c b

Figura 1. Interpretacao geometrica do Teorema de Rolle.

Teorema 1 (Teorema de Rolle): Seja f uma funcao definida e contınua numintervalo limitado e fechado [a, b], e diferenciavel em ]a, b[. Se f(a) = f(b) entaoexiste a < c < b tal que f ′(c) = 0.

98 3. Derivadas

Demonstracao. Como f esta nas condicoes do Teorema de Weierstrass, sabemosque f tem maximo e mınimo em [a, b]:

M = max[a,b]

f e m = min[a,b]

f .

Se M = m, entao f e uma funcao constante em [a, b] pelo que f ′(c) = 0 paraqualquer c ∈ ]a, b[ . Se M > m, entao a hipotese f(a) = f(b) implica que pelomenos um dos valores M ou m seja assumido por f num ponto c ∈ ]a, b[. Temosentao que f tem um extremo nesse ponto c. Como f e por hipotese diferenciavel,podemos usar o Teorema 2 para concluir que entao f ′(c) = 0. �

O Teorema de Rolle especializa-se por vezes ao caso em que f(a) = f(b) = 0, deque resulta a seguinte observacao:

Proposicao: Entre dois zeros de uma funcao diferenciavel, existe sempre pelomenos um zero da sua derivada

Demonstracao. Basta aplicar o Teorema 1 a uma funcao f , contınua em [a, b] ediferenciavel em ]a, b[, tal que f(a) = 0 = f(b). �

E difıcil subestimar a relevancia do Teorema de Lagrange para o Calculo, porquee efectivamente um dos seus resultados mais centrais. No entanto, e apenas umaengenhosa adaptacao do teorema de Rolle, que resulta de eliminar a suposicaof(a) = f(b). O Teorema garante que existe uma tangente ao grafico num pontointermedio c, com a < c < b, que e paralela a corda que passa pelos pontos (a, f(a))e (b, f(b)), tal como ilustrado na figura 2. Note-se que o Teorema de Rolle e o casoespecial do Teorema de Lagrange quando f(a) = f(b), quando a referida corda eevidentemente horizontal, e portanto a tangente em causa tem declive nulo.

a c b

Figura 2. Interpretacao geometrica do Teorema de Lagrange.

Teorema 2 (Teorema de Lagrange): Seja f uma funcao definida e contınuanum intervalo limitado e fechado [a, b], e diferenciavel em ]a, b[. Entao, existe pelomenos um ponto c ∈ ]a, b[ tal que

f ′(c) =f(b)− f(a)

b− a.

§6. O teorema de Lagrange 99

Demonstracao. Seja g a recta que passa pelos pontos(a, f(a)

)e por

(b, f(b)

),

ou seja,

g(x) = f(a) + m(x− a) em que m =f(b)− f(a)

b− aEntao f e g coincidem para x = a, b, portanto a funcao f − g anula-se em a e emb. Assim, pelo teorema de Rolle, a derivada (f − g)′ = f ′ − g′ possui um zero em]a, b[ , ou seja, existe um c ∈ ]a, b[ tal que

f ′(c) = g′(c) = m =f(b)− f(a)

b− a�

§6.1. Funcoes de classe C1. Como primeiro exemplo de aplicacao do teoremade Lagrange vamos mostrar que

Teorema 3: Seja f uma funcao contınua em [ a, b ] e diferenciavel em ]a, b[ evamos supor que existe o limite

limx→a+

f ′(x) = f ′(a+)

Entao f ′ tem derivada a direita em a igual a f ′(a+), ou seja,

limx→a+

f(x)− f(a)

x− a= f ′(a+)

Analogamente, se f ′(b−) existir, f tem derivada a esquerda em b igual a f ′(b−).

Demonstracao. Seja x > a. Pelo teorema de Lagrange aplicado ao intervalo[ a, x ] existe um cx ∈ [ a, x ] tal que

f(x)− f(a)

x− a= f ′(cx)

Agora, como a < cx < x, se x→ a entao tambem cx → a. Assim,

limx→a+

f(x)− f(a)

x− a= lim

x→a+f ′(cx) = lim

x→a+f ′(x) = f ′(a+)

A demonstracao para os limites a esquerda e completamente analoga. �

Exemplo 1. Consideremos a funcao

f(x) =

{x3 + 2x2 + x x ≥ 0

sen2 x x < 0

f e contınua em x = 0 pois f(0+) = f(0−) = f(0) = 0. Para x 6= 0 f e diferenciavelcom derivada

f ′(x) =

{3x2 + 4x + 1 x > 0

2 sen x cos x x < 0

Entao f tem derivadas laterais em x = 0 iguais a f ′(0+) = 1 e f ′(0−) = 0. Comoas derivadas laterais sao diferentes, f nao e diferenciavel em x = 0. �

E importante realcar que as derivadas laterais de f podem existir mesmoquando os limites lim

x→a±f ′(x) nao existem!

100 3. Derivadas

Exemplo 2. Seja

f(x) =

{x2 sen

(1x

)x > 0

x2 x ≤ 0

Vamos ver que f e diferenciavel em todos os pontos. Para x > 0, Para x < 0,f ′(x) = 2x. Assim a derivada a esquerda em x = 0 e f ′(0−) = 0. Para x > 0,

f ′(x) = 2x sen(

1x

)+ x2 ·

(− 1

x2

)cos(

1x

)= 2x sen

(1x

)− cos

(1x

)

O limite limx→0+

f ′(x) nao existe pois cos(

1x

)nao converge. Mas a derivada a direita

existe!

limx→0

f(x)− f(0)

x− 0= lim

x→0

x2 sen(

1x

)− 0

x= lim

x→0x sen

(1x

)= 0

Como as derivadas laterais existem e sao iguais, f e diferenciavel em x = 0. Assim

f ′(x) =

{2x sen

(1x

)− cos

(1x

)x 6= 0

0 x = 0

Mas f ′ nao e contınua em x = 0 pois como vimos o limite limx→0+

f ′(x) nao existe. �

A seguinte terminologia e bastante comum:

• f e de classe C0 se f for contınua.

• f e de classe C1 se f for diferenciavel e a sua derivada f ′ for contınua.

• f e de classe Ck se existir e for contınua a derivada de ordem k, f (k).

§7. Monotonia e Concavidade

O teorema de Lagrange permite identificar intervalos onde a funcao f e monotona,pela determinacao do sinal algebrico de f ′, tal como descrevemos a seguir. Esteestudo permite igualmente classificar os pontos crıticos de f , ou seja, distinguir osque sao maximos locais dos que sao mınimos locais e dos que nao sao extremos.

Teorema 1: Se f e contınua em [a, b] e diferenciavel em ]a, b[, entao:

(a) f ′(x) = 0, ∀x ∈ ]a, b[⇒ f e constante em [a, b];

(b) f ′(x) > 0, ∀x ∈ ]a, b[⇒ f e estritamente crescente em [a, b];

(c) f ′(x) < 0, ∀x ∈ ]a, b[⇒ f e estritamente decrescente em [a, b].

Demonstracao. Sejam x1, x2 ∈ [a, b] com x1 < x2. Pelo Teorema de Lagrange,existe c ∈ ]x1, x2[ tal que

f ′(c) =f(x1)− f(x2)

x1 − x2⇒ f(x2)− f(x1) = f ′(c)(x2 − x1)

§7. Monotonia e Concavidade 101

Logo, a funcao f e

constante, se f ′ = 0;

crescente, se f ′ ≥ 0;

decrescente, se f ′ ≤ 0.

Exemplo 1. Consideremos a funcao f : [−1, 2] → R definida por f(x) = x3 − xque ja referimos no Exemplo 2. Vimos entao que f ′(x) = 3x2 − 1 tem dois zeros(que sao os pontos crıticos de f) em x = ± 1√

3. Temos:

• f ′(x) > 0 em ]− 1,− 1√3)[, logo f e crescente em [−1,− 1√

3)];

• f ′(x) < 0 em ]− 1√3, 1√

3[, logo f e decrescente em [− 1√

3, 1√

3];

• f ′(x) > 0 em ] 1√3, 2[, logo f e crescente em [ 1√

3, 2];

E claro que x = − 1√3

e um maximo local e x = 1√3

e um mınimo local de f . �

§7.1. Concavidade. Se f e duas vezes diferenciavel, o sinal da sua segunda deri-vada permite determinar a concavidade do grafico da funcao, o que ajuda a esbocaro grafico de f .

Definicao 2: Seja f : I → R uma funcao diferenciavel definida num intervalo I.Dizemos que

(a) f e convexa em I, ou f tem a concavidade voltada para cima, se ografico de f estiver por cima de qualquer recta tangente ao grafico em qualquerponto a ∈ I. Ou seja, se

f(x) ≥ f(a) + f ′(a)(x− a)

para quaisquer a, x ∈ I.

(b) f e concava em I, ou f tem a concavidade voltada para baixo, se ografico de f estiver por baixo de qualquer recta tangente ao grafico em qualquerponto a ∈ I. Ou seja, se

f(x) ≤ f(a) + f ′(a)(x− a)

para quaisquer a, x ∈ I.

Figura 1. Funcao convexa (a esquerda) e concava (a direita).

102 3. Derivadas

Observando a figura vemos que, se f tem a concavidade voltada para cima, o decliveda recta tangente aumenta a medida que x aumenta, portanto f ′ e crescente. Assim,(f ′)′ = f ′′ ≥ 0. Analogamente, se a concavidade estiver voltada para baixo, f ′ edecrescente pelo que f ′′ ≤ 0.

Teorema 3: Seja f uma funcao duas vezes diferenciavel em I.

(1) Se f ′′(x) ≥ 0 em I, entao f tem a concavidade voltada para cima.

(2) Se f ′′(x) ≤ 0 em I, entao f tem a concavidade voltada para baixo.

Demonstracao. Provamos primeiro (1). Queremos mostrar que para quaisquerx, a ∈ I,

f(x) ≥ f(a) + f ′(a)(x− a)

Vamos assumir que x > a sendo o caso x < a completamente analogo. Entao peloteorema de Lagrange existe um c ∈ ]a, x[ tal que

f(x)− f(a)

x− a= f ′(c)

Como f ′′(x) ≥ 0, f ′ e crescente. Assim, como c > a, f ′(c) ≥ f ′(a):

f ′(c) =f(x)− f(a)

x− a≥ f ′(a)

Multiplicando tudo por x− a obtemos

f(x)− f(a) ≥ f ′(a)(x− a) logo f(x) ≥ f(a) + f ′(a)(x− a)

A demonstracao de (2) faz-se de forma analoga. �

Exemplo 2. Voltamos ao exemplo f(x) = x3 − x que ja consideramos anterior-mente. Os pontos crıticos de f sao x = ± 1√

3. Como f ′′(x) = 6x, temos que:

f ′′(x) < 0 para x < 0 e f ′′(x) > 0 para x > 0.

Assim o grafico de f tem a concavidade voltada para baixo em ] − ∞, 0 ] e aconcavidade voltada para cima em [ 0,+∞[ , sendo x = 0 um ponto de inflexao. �

§8. Comportamento assimptotico

Para tracar o grafico duma funcao, para alem de determinar os intervalos de mo-notonia e estudar a concavidade, e necessario entender o chamado comportamentoassimptotico da funcao, isto e, entender o que acontece para valores de x arbitrari-amente grandes (positivos ou negativos). Chegamos assim a nocao de limite dumafuncao quando x tende para ±∞:

Definicao 1: Dizemos que limx→+∞

f(x) = L se dado qualquer ε > 0 existir um

N > 0 tal quex > N ⇒ |f(x)− L| < ε (x ∈ D)

Dizemos que limx→−∞

f(x) = L se dado qualquer ε > 0 existir um N > 0 tal que

x < −N ⇒ |f(x)− L| < ε (x ∈ D)

§8. Comportamento assimptotico 103

Por palavras, limx→+∞

f(x) = L se pudermos tornar f(x) arbitrariamente proximo de

L escolhendo para tal qualquer x suficientemente grande e positivo.1 limx→−∞

f(x) =

L se pudermos tornar f(x) arbitrariamente proximo de L escolhendo para tal qual-quer x suficientemente grande e negativo.

Exemplo 1. Vamos ver que limx→+∞

arctan x = π2 . Dado um ε > 0 tomamos

N = tan(

π2 − ε

). Como o arco-tangente e crescente, se x > N entao arctan x >

arctan N = π2 − ε. Como o arco-tangente e sempre menor que π

2 obtemos

x > N ⇒ π2 − ε < arctan x < π

2 ⇒∣∣ arctan x− π

2

∣∣ < ε

De maneira analoga podemos verificar que limx→−∞

arctan x = −π2 .

ε

N

Figura 1. Limite quando x → +∞ do arco-tangente

Os teoremas sobre limites quando x → a sao tambem validos para limites quandox → ±∞ sendo a demonstracao praticamente identica. Em particular, o teoremasobre o limite duma composicao de funcoes pode ser extendido ao caso de limitesquando x→ ±∞:

Proposicao: Sejam a, b ∈ R∪ {−∞,+∞}. Se limx→a g(x) = b e limy→b f(y) = centao limx→a f(g(x)) = c desde que ou f nao esteja definida em b ou f seja contınuaem b.

Exemplo 2. Queremos calcular

limx→+∞

x sen(

1x

)

1Repare que esta nocao e completamente analoga a de limite duma sucessao.

104 3. Derivadas

Escrevendo u = 1x vemos que x sen

(1x

)= 1

u sen u. Quando x→ +∞, u→ 0 logo

limx→+∞

x sen(

1x

)= lim

u→0

sen u

u= 1 �

Definicao 2: Dizemos que a recta y = L e uma assımptota horizontal a direitado grafico de f se lim

x→+∞f(x) = L. Dizemos que y = L e uma assımptota horizontal

a esquerda do grafico de f se limx→−∞

f(x) = L.

Exemplo 3. A funcao f(x) = arctan x tem duas assımptotas horizontais: y = π2 a

direita e y = −π2 a esquerda, que nos dizem qual o comportamento da funcao para

valores grandes de x. f ′(x) = 11+x2 > 0 logo f e crescente, como alias ja sabıamos.

Calculando a segunda derivada,

f ′′(x) = − 2x

(1 + x2)2

Assim f ′′(x) ≥ 0 para x ≤ 0 e f ′′(x) ≤ 0 para x ≥ 0 portanto f tem a concavidadevoltada para cima em R− e voltada para baixo em R+, sendo x = 0 um ponto deinflexao.

-6 -4 -2 2 4 6

2

Π

2

Figura 2. Grafico do arco-tangente

No proximo exemplo temos um comportamento assimptotico diferente.

Exemplo 4. Vamos estudar a funcao f(x) = x2

x+1 . O domınio de f e R \ {−1} e

limx→−1+

f(x) = +∞ e limx→−1−

f(x) = −∞

Nestas condicoes dizemos que f tem uma assımptota vertical em x = −1. Quandox → ±∞, f(x) → ±∞. Para melhor compreender o comportamento da funcaovamos dividir os polinomios:

x2 x + 1x2 + x x− 1− x− x− 1

1

§8. Comportamento assimptotico 105

Assim,x2

x + 1= x− 1 +

1

x + 1

Agora observemos que limx→±∞

1

x + 1= 0. Portanto, para valores grandes de x,

f(x) ≈ x− 1. Mais concretamente,

limx→±∞

(f(x)− (x− 1)

)= 0

Dizemos que a recta y = x − 1 e uma assımptota diagonal do grafico de f . Paraterminar o estudo da funcao vamos determinar a sua monotonia e concavidade.Derivamdo obtemos

f ′(x) = 1− 1

(x + 1)2=

x2 + 2x

(x + 1)2

f ′ anula-se nos pontos −2, 0 e o seu sinal e o sinal da parabola x2 + 2x:

−2 −1 0f’ + 0 − s.s. − 0 +f ր max. ց s.s. ց min. ր

Calculando a segunda derivada obtemos

f ′′(x) =2

(x + 1)3

Assim o sinal de f ′′ e o sinal de x + 1. Portanto f tem a concavidade voltadapara cima em ]− 1,+∞[ e tem a concavidade voltada para baixo em ]−∞,−1[ .Podemos agora tracar o grafico de f .

-6 -4 -2 2 4

-8

-4

4

Figura 3. Grafico de x2

x+1

106 3. Derivadas

Generalizando o ultimo exemplo, temos a

Definicao 3 (Assımptotas): Seja f uma funcao definida num intervalo I. Di-zemos que

(a) A recta y = m · x + p e uma assımptota a esquerda ao grafico de f se e sose lim

x→−∞(f(x)− (m · x + p)) = 0

(b) A recta y = m · x + p e uma assımptota a direita ao grafico de f se e so selim

x→+∞(f(x)− (m · x + p)) = 0

Se y = mx + b for uma assımptota diagonal, podemos calcular m dividindo f(x)−(mx + b) por x e usando o facto que b

x → 0:

0 = limx→∞

f(x)− (mx + b)

x= lim

x→∞

(f(x)

x−m− b

x

)= lim

x→∞f(x)

x−m

Uma vez calculado m, b e facil de calcular:

Como f(x)− (mx + b)→ 0 , entao f(x)−mx→ b

Teorema 4: Seja f uma funcao definida num intervalo da forma ]−∞, a[ (resp.]a,+∞[), com a ∈ R. Se os limites

m = limx→−∞

f(x)

xb = lim

x→−∞(f(x)−m · x)

existirem, a recta y = mx + b e uma assımptota diagonal a esquerda do grafico def . Analogamente, se os limites

m = limx→−∞

f(x)

xb = lim

x→−∞(f(x)−m · x)

existirem, a recta y = mx + b e uma assımptota diagonal a direita do grafico de f .

Demonstracao. Isto e claro: se b = limx→−∞

(f(x)−m · x), entao

limx→−∞

(f(x)− (m · x + b)

)= 0

e analogamente para a assımptota a direita. �

Exemplo 5. Seja f(x) =√

1 + x2. Entao, como x = ±√

x2,

f(x)

x=

√1 + x2

x=

√1+x2

x2 x > 0

−√

1+x2

x2 x < 0

Assim,

limx→−∞

f(x)

x= − lim

x→−∞

√1 + x2

x2= − lim

x→−∞

√1 +

1

x2= −1

limx→+∞

f(x)

x= lim

x→+∞

√1 + x2

x2= lim

x→+∞

√1 +

1

x2= 1

§8. Comportamento assimptotico 107

Consideremos primeiro a assımptota a esquerda. Vimos que m = −1. Para calcularb tomamos o limite

limx→−∞

(f(x)−mx

)= lim

x→−∞

(√1 + x2 + x

)

= limx→−∞

(√1 + x2 + x

)(√1 + x2 − x

)√

1 + x2 − x

= limx→−∞

1 + x2 − x2

√1 + x2 − x

= limx→−∞

1√1 + x2 − x

= 0

Assim b = 0 logo a recta y = −x e a assımptota a esquerda de f . Para a assımptotaa direita, m = 1 e de forma analoga vemos que

limx→+∞

(f(x)−mx

)= lim

x→+∞

(√1 + x2 − x

)= 0

Portanto y = x e a assımptota a direita de f .

-4 -2 2 4

2

4

Figura 4. Grafico de√

1 + x2

Resumindo, o problema do tracado do grafico de uma funcao f passa por determinar

• o domınio da funcao e eventuais assımptotas verticais

• a simetria (a funcao e ımpar? e par? e periodica?)

• assımptotas horizontais ou diagonais

• monotonia

• concavidade

108 3. Derivadas

§9. Primitivas

Um problema frequentemente encontrado e determinar o valor duma certa quan-tidade sabendo a sua taxa de variacao. Por exemplo, podemos saber a velocidadeduma partıcula e querer calcular a sua posicao. Neste tipo de problemas queremosencontrar uma funcao F cuja derivada seja igual a uma funcao f que conhecemos.Chamamos entao a F uma primitiva de f :

Definicao 1: Dizemos que uma funcao F e uma primitiva de f se F ′(x) = f(x).

Exemplo 1. A funcao F (x) = x2 e uma primitiva de f(x) = 2x pois F ′(x) = f(x).A funcao G(x) = x2 + 1 e tambem uma primitiva de f(x) pois G′(x) = 2x =f(x). �

Este exemplo mostra que ha mais que uma primitiva da funcao f(x) = 2x. Defacto, para qualquer constante C, x2 +C e uma primitiva de f . O proximo teoremamostra que nao ha mais primitivas:

Teorema 2: Seja F uma primitiva de f num intervalo I. Entao qualquer primitivade f e da forma F (x) + C para alguma constante C.

Demonstracao. Se G e outra primitiva de f entao (G−F )′ = G′−F ′ = f −f =0 logo G − F e uma funcao constante. Chamando C ao valor dessa constante,G(x) = F (x) + C. �

Usaremos a notacao P(f) para denotar o conjunto das primitivas de f .

Exemplo 2. Vamos encontrar todas as primitivas de f(x) = senx. Como a deri-vada de cos x e − sen x, F (x) = − cos x e uma primitiva de senx. Assim,

P(sen x) = − cos x + C �

Exemplo 3. Vamos encontrar todas as primitivas de f(x) = − 1x2 . Uma das pri-

mitivas de f e F (x) = 1x mas como o domınio de 1

x nao e um intervalo, o teorema2 so se aplica a cada intervalo −∞, 0[ e ]0,+∞[ separadamente. Assim, a formageral duma primitiva de f(x) = − 1

x2 e

P(f) =

{1x + C1 x > 01x + C2 x < 0

As formulas de derivacao dao origem as formulas

§9. Primitivas 109

P(xn) =xn+1

n + 1+ C (n 6= −1)

P(sen x) = − cos x + C

P(cos x) = senx + C

P(sec2 x) = tan x + C

P(

11+x2

)= arctan x + C

P(

1√1−x2

)= arcsen x + C

As formulas (F +G)′ = F ′+G′ e (a ·F )′ = a ·F ′ dao origem a formulas semelhantespara as primitivas:

Teorema 3: Se F e uma primitiva de f e G e uma primitiva de g entao P(f(x)+g(x)) = F (x) + G(x) + C e P(af(x)) = aF (x) + C.

Exemplo 4. Vamos calcular as primitivas de f(x) =√

x + 3 sen x + x.

P(√

x + 3 sen x + x) = P(x12 ) + 3P(sen x) + P(x)

=x

12+1

12 + 1

+ 3(− cos x) +x2

2+ C

= 23x

32 − 3 cos x + 1

2x2 + C �

Em aplicacoes a constante C e determinada atraves de informacao extra sobre afuncao F (x). Frequentemente, alem da derivada F ′(x) = f(x) sabemos tambem ovalor da funcao num ponto.

Exemplo 5. Uma partıcula desloca-se com velocidade dada por v(t) = 51+t2 . Sa-

bemos tambem que a partıcula se encontra em x = 2 quando t = 1. Queremoscalcular a trajectoria da partıcula. x′(t) = v(t) logo x(t) e uma primitiva de v(t):

P(

5

1 + t2

)= 5P

(1

1 + t2

)= 5arctan t + C

Portanto x(t) = 5 arctan t + C. Para calcular C, usamos a condicao x(1) = 2:

x(1) = arctan 1 + C = π4 + C = 2 logo C = 2− π

4

Concluimos que

x(t) = arctan t + 2− π

4�

Capıtulo 4

Integral

§1. Nocao de Integral

Antes de procedermos a um tratamento rigoroso do integral, comecamos com algunsexemplos informais que ilustram a nocao de integral e o seu uso em aplicacoes.

Area. Historicamente a nocao de integral apareceu para resolver o problema docalculo de areas. Seja f : [a, b]→ R uma funcao contınua positiva (f(x) ≥ 0). SejaR a regiao do plano por baixo do grafico de f e por cima do eixo dos xx, entrex = a e x = b:

R = {(x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, 0 ≤ y ≤ f(x)}

Para obter uma primeira aproximacao da area de R dividimos [a, b] em n intervalosiguais. Isto divide a regiao R em faixas verticais de largura b−a

n . A ideia e aproximara area de cada faixa pela area dum rectangulo como mostra a figura:

.a b

f

R

a = x0 x1 x2 x3 x4 x5 x6 x7 x8 = b

Figura 1. Aproximando a regiao por baixo do grafico de f por rectangulos

111

112 4. Integral

A soma das areas dos rectangulos da-nos uma aproximacao a area de R. Cadarectangulo tem largura ∆x = xi − xi−1 = b−a

n e altura f(xi) pelo que obtemos

Area(R) ≈n∑

i=1

f(xi)∆x

Quanto mais estreitos forem os intervalos melhor sera a aproximacao. Para obter-mos o valor correcto da area temos que tomar o limite quando ∆x → 0, ou sejaquando n→∞.

ba a b

Figura 2. Aproximacoes sucessivamente melhores

A este limite chamamos integral de f entre a e b. Representamo-lo por

∫ b

a

f(x) dx = limn→∞

n∑

i=1

f(xi)∆x = Area(R)

A origem desta notacao e a seguinte: pensamos na regiao R como uma uniao dumnumero infinito de faixas verticais, uma para cada valor de x ∈ [a.b], cada faixacom altura f(x) e espessura infinitesimal dx. f(x) dx representa entao a area decada faixa vertical e o sımbolo

∫, que e de facto um S estilizado, representa a soma

das areas.

f

a b

dx

Figura 3. Faixa vertical de expessura infinitesimal

Como exemplo, vamos supor que queremos calcular a area do triangulo com vertices(0, 0), (1, 0) e (1, 1). Tomamos f(x) = x. Dividindo o intervalo [0, 1] em 4 intervalos,

§1. Nocao de Integral 113

cada um com largura ∆x = 14 , obtemos

Area ≈ 14 · 1

4 + 24 · 1

4 + 34 · 1

4 + 44 · 1

4 =4∑

i=1

(i4 · 1

4

)= 5

8

1/4 2/4 3/4 10

1/4

2/4

3/4

1

Figura 4. Aproximando um triangulo por rectangulos

Dividindo [0, 1] em n intervalos, cada um com largura ∆x = 1n , obtemos

Area ≈n∑

i=1

(in · 1

n

)= 1

n2

n∑

i=1

i

Usando a formula∑

i = 1 + 2 + 3 + . . . + n = n(n+1)2 obtemos

Area ≈ 1

n2

n(n + 1)

2=

1

2+

1

2n

Para obter a area do triangulo tomamos o limite quando n tende para infinito:

Area = limn→∞

n∑

i=1

i

n∆x =

1

2

Valor medio. Vamos supor que queremos calcular o valor medio da temperaturaao longo do dia. O valor medio de n numeros a1, . . . , an e calculado atraves de

a =1

n

n∑

i=1

ai

Mas como calcular o valor medio duma quantidade como a temperatura que edada por uma funcao T (t)? Podemos comecar por aproximar o valor medio T datemperatura ao longo do dia medindo a temperatura de hora a hora, somando edividindo por 24:

T ≈ T (1) + T (2) + . . . + T (24)

24=

1

24

24∑

i=1

T (i)

Uma aproximacao melhor e medir a temperatura todos os minutos e dividir pelonumero de minutos num dia (60× 24):

T ≈ T ( 160 ) + T ( 2

60 ) + . . . + T (24)

60× 24=

1

60× 24

60×24∑

i=1

T(

i60

)=

1

24

60×24∑

i=1

T(

i60

)· 1

60

114 4. Integral

Se escrevermos ti = i60 e ∆t = 1

60 = ti − ti−1 obtemos uma soma familiar:

T ≈ 1

24

n∑

i=1

T (ti)∆t

Para obter o valor exacto de T tomamos o limite quando n→∞. Ou seja,

T = limn→∞

1

24

n∑

i=1

T (ti)∆t =1

24

∫ 24

0

T (t)dt

Este exemplo pode ser generalizado a qualquer funcao contınua f : [a, b] → R.Definimos o valor medio de f por

f =1

b− a

∫ b

x=a

f(x) dx

O integral pode assim ser visto como a maneira de dar sentido a seguinte afirmacaopouco rigorosa que produz uma indeterminacao ∞

∞ : “f e o quociente da soma detodos os valores f(x) de f pelo numero de pontos no intervalo [a, b]”.

Distancia. Uma partıcula desloca-se em linha recta com velocidade v(t), t ∈ [a, b].Queremos calcular a distancia percorrida. Se a velocidade v fosse constante adistancia ∆s seria dada simplesmente por ∆s = (b − a)v. Se a velocidade nao forconstante procedemos do seguinte modo: Dividimos o intervalo [a, b] em n intervalos

A[ti−1, ti]. Se estes intervalos forem suficientemente pequenos, a velocidade naovaria muito em cada intervalo pelo que a distancia ∆si percorrida nesse intervaloe aproximadamente dada por

∆si ≈ v(ti)(ti − ti−1) = v(ti)∆t

Somando obtemos uma aproximacao para a distancia total:

∆s ≈n∑

i=1

v(ti)∆t

Tomando o limite quando n→∞ obtemos

∆s = limn→∞

n∑

i=1

v(ti)∆t =

∫ b

a

v(t)dt

Existencia do integral. Terminamos esta seccao com a observacao que o integralpode nao existir, especialmente se a funcao nao for limitada. Seja f(x) = 1

x2 . Entao,

dividindo o intervalo [0, 1] em n intervalos iguais, pondo ti = in e ∆t = 1

n obtemos

n∑

i=1

f(ti)∆t =

n∑

i=1

1

(i/n)21

n=

n∑

i=1

n

i2= n

(1 + 1

4 + . . . + 1n2

)> n

Portanto quando n→∞ esta sucessao nao converge.

E conveniente chamar a atencao para o facto de o integral poder existir para funcoesnao limitadas, como teremos ocasiao de ver no seguimento, e poder nao existir paracertas funcoes limitadas “muito descontınuas”.

§2. Propriedades do integral. Teorema do Valor Medio. 115

§2. Propriedades do integral. Teorema do

Valor Medio.

Vamos entao iniciar o estudo do integral. Para evitar problemas com a existenciado integral vamos considerar apenas funcoes limitadas que sejam contınuasexcepto num numero finito de pontos. Ha muitas maneiras igualmente validasde construir o integral duma funcao:

• Uma construcao possıvel e

∫ b

a

f(x) dx = limn→∞

n∑

i=1

f(xi)∆x , ∆x =b− a

n

mas mostrar que este limite existe nao e facil.

• O integral pode ser construido usando as chamadas somas de Darboux, de quefalaremos mais tarde.

• Podemos dizer que o integral duma funcao positiva e a area por baixo dografico da funcao. Isto obriga-nos no entanto a dizer primeiro o que entende-mos por area duma regiao do plano.

• Em Calculo Diferencial e Integral II sera dada ainda outra construcao dointegral.

Mais importante que a construcao especıfica que escolhermos e compreender a nocaode integral, as suas aplicacoes, e saber calcula-lo. Assim, vamos adiar a construcaodo integral. Em vez disso vamos estudar o integral por via axiomatica: vamos listartres propriedades do integral que assumimos como evidentes, e que, como veremos,caracterizam completamente o integral.

Axioma I: Seja f(x) = C uma funcao constante. Entao o integral de f e igual a∫ b

a

f(x) dx = C(b− a)

Este axioma tem uma interpretacao simples em termos de areas: se a funcao f(x) =C > 0 e constante, a regiao R por baixo do grafico de f e um rectangulo com areaC(b− a):

x=bx=a

f(x)=C

R

Figura 1. Axioma I

116 4. Integral

Em termos de valor medio o axioma I diz-nos que se f(x) = C e constante entaof = C. E em termos de distancia, se uma partıcula se move com velocidade vconstante, a distancia percorrida e ∆s = v(b− a).

Exemplo 1. No intervalo [a, a] f e constante igual a f(a) logo o integral e igual a∫ a

a

f(x) dx = f(a)(a− a) = 0 �

Axioma II: Seja a < b. Se g(x) ≤ f(x) para todo o x ∈ [a, b] entao∫ b

a

g(x) dx ≤∫ b

a

f(x) dx

Mais uma vez temos uma interpretacao simples em termos de areas: se 0 ≤ g(x) ≤f(x) para todo o x ∈ [a, b], entao a regiao por baixo do grafico de g esta contida naregiao por baixo do grafico de f logo a sua area e menor:

f

g

x=bx=a

Figura 2. Axioma II

Tambem e claro que se para todo o x g(x) ≤ f(x) entao g ≤ f . E se a velocidadeduma partıcula for a cada instante menor que a velocidade doutra partıcula, adistancia percorrida pela primeira partıcula sera necessariamente menor.

Exemplo 2. No intervalo [7, 9] 1x esta entre 1

9 e 17 logo, pelo axioma II

∫ 9

7

1

9dx ≤

∫ 9

7

1

xdx ≤

∫ 9

7

1

7dx

Usando o axioma I podemos calcular dois dos integrais. Obtemos

1

9(9− 7) ≤

∫ 9

7

1

xdx ≤ 1

7(9− 7) logo

2

9≤∫ 9

7

1

xdx ≤ 2

7

Este exemplo pode ser generalizado para qualquer funcao f :

Teorema 1: Se m ≤ f(x) ≤M entao

m(b− a) ≤∫ b

a

f(x) dx ≤M(b− a)

§2. Propriedades do integral. Teorema do Valor Medio. 117

Podemos interpretar estas desigualdades em termos do valor medio de f se dividir-mos tudo por b− a:

m ≤ f ≤M

Uma consequencia importante e:

Teorema 2 (Teorema do Valor Medio): Seja f : [a, b] → R uma funcaocontınua. Entao existe um c ∈]a, b[ tal que f = f(c). Explicitamente:

∫ b

a

f(x) dx = f(c)(b− a)

Este teorema diz-nos que existe um instante durante o dia em que a temperatura eexactamente igual a temperatura media nesse dia.

Demonstracao. Sejam m = f(xm) e M = f(xM ) os valores mınimo e maximo def em [a, b] (que existem pelo teorema de Weierstrass). Entao f(xm) ≤ f ≤ f(xM ).Pelo teorema de Bolzano f toma todos os valores entre f(xm) e f(xM ) logo f = f(c)para algum c ∈ ]a, b[. �

Axioma III:

∫ c

a

f(x) dx +

∫ b

c

f(x) dx =

∫ b

a

f(x) dx

Em termos de areas, este axioma diz-nos que se dividirmos a regiao R por baixo dografico de f com uma linha vertical x = c em duas regioes R1 e R2, a area de R ea soma das areas de R1 e R2

R1 R2

f

x=a x=c x=b

Figura 3. Axioma III

Tambem e claro o que acontece em termos de distancias: a distancia total e a somada distancia percorrida de t = a ate t = c com a distancia percorrida de t = c at = b. Em termos de valor medio a conclusao e mais interessante:

Proposicao: Seja f o valor medio de f em [a, b] e sejam f1, f2 os valores mediosde f em [a, c] e em [c, b] respectivamente. Entao

f =c− a

b− af1 +

b− c

b− af2

118 4. Integral

Demonstracao.

c− a

b− af1 +

b− c

b− af2 =

c− a

b− a

1

c− a

∫ c

a

f(x) dx +b− c

b− a

1

b− c

∫ b

c

f(x) dx

=1

b− a

∫ c

a

f(x) dx +1

b− a

∫ b

c

f(x) dx

=1

b− a

∫ b

a

f(x) dx

= f �

E muitas vezes util considerar o integral∫ b

af tambem para valores de a > b. Os

axiomas I e III continuam validos.

Teorema 3:

∫ a

b

f(x) dx = −∫ b

a

f(x) dx

Demonstracao. Basta observar que pelo axioma III,∫ b

af +

∫ a

bf =

∫ a

af = 0. �

E conveniente observar que se a > b o axioma II e substituido pela seguinte desi-gualdade: Seja g(x) ≤ f(x) e b < a. Entao

∫ a

b

g(x) dx ≤∫ a

b

f(x) dx logo −∫ b

a

g(x) dx ≤ −∫ b

a

f(x) dx

Portanto ∫ b

a

g(x) dx ≥∫ b

a

f(x) dx

O proximo axioma e de facto uma consequencia dos outros 3, como teremos opor-tunidade de ver.1

Axioma IV:

∫ b

a

(−f(x) ) dx = −∫ b

a

f(x) dx

Em termos de valor medio, e claro que o valor medio de −f e −f . E em termos dedistancia percorrida, se a velocidade duma partıcula e v(t) e a velocidade doutrapartıcula e −v(t), as duas partıculas deslocam-se em direccoes opostas, percorrendoa mesma distancia mas em sentidos opostos. Em termos de areas este axioma diz-nos que, se f : [ a, b ]→ R for uma funcao negativa (f(x) ≤ 0 para todo o x), entao∫ b

af(x) dx e o simetrico da area da regiao entre x = a e x = b, delimitada pelo

grafico de f e pelo eixo dos xx.

O integral pode ser interpretado como uma soma infinita das quantidades infinitesi-mais f(x)dx pelo que nao e surpreendente que as suas propriedades sejam paralelasas propriedades dos somatorios. O proximo resultado e um exemplo disso:

1De facto este axioma seria independente dos outros se nao nos tivessemos restringido a classe dasfuncoes limitadas com um numero finito de descontinuidades

§3. Teorema Fundamental do Calculo 119

Proposicao:

∣∣∣∣∣

∫ b

a

f(x) dx

∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a

|f(x)| dx

Demonstracao. Como±f ≤ |f |, pelos axiomas II e IV±∫ b

af(x) dx =

∫ b

a(±f(x)) dx ≤∫ b

a|f(x)| dx portanto

−∫ b

a

|f(x)| dx ≤∫ b

a

f(x) dx ≤∫ b

a

|f(x)| dx

o que e equivalente a∣∣∣∫ b

af(x) dx

∣∣∣ ≤∫ b

a|f(x)| dx. �

§3. Teorema Fundamental do Calculo

O integral proporciona uma maneira importante de definir funcoes. Dada umafuncao f : [a, b]→ R, podemos definir

F (x) =

∫ x

a

f(t) dt

E de salientar que a expressao∫ x

af(t) dt nao depende da variavel t. Tal como o

ındice dum somatorio, t pode ser substituida por qualquer outra variavel:

F (x) =

∫ x

a

f(t) dt =

∫ x

a

f(y) dy =

∫ x

a

f(z) dz

Se f for uma funcao positiva, geometricamente F (x) e a area da regiao na figura:

a x

f

Figura 1. A funcao F (x)

A taxa de variacao media de F

∆F

∆x=

F (x)− F (x0)

x− x0

tem entao uma interpretacao geometrica simples: F (x)− F (x0) e a area da regiaoindicada na figura

120 4. Integral

a

f

x0 x

Figura 2. Taxa de variacao de F

Para x proximo do x0 esta area e aproximadamente dada por f(x0)∆x logo ∆F∆x ≈

f(x0).

Teorema 1 (Teorema Fundamental do Calculo, parte 1): Seja f : [a, b]→ R

uma funcao contınua. Seja F : [a, b]→ R a funcao definida por

F (x) =

∫ x

a

f(t) dt

Entao F ′(x) = f(x). Portanto F e uma primitiva de f .

Demonstracao. Pelo axioma III,∫ x

a=∫ x0

a+∫ x

x0logo F (x) − F (x0) =

∫ x

x0f .

AssimF (x)− F (x0)

x− x0=

1

x− x0

∫ x

x0

f(t) dt

O teorema do valor medio diz-nos que existe um c entre x0 e x tal que

1

x− x0

∫ x

x0

f(t) dt = f(c)

Tomando o limite quando x→ x0, c converge para x0 e como f e contınua, f(c)→f(x0). Logo

F ′(x0) = limx→x0

F (x)− F (x0)

x− x0= lim

x→x0

f(c) = f(x0) �

Em particular este teorema diz-nos que qualquer funcao contınua tem umaprimitiva,2 nomeadamente

∫ x

af .

Exemplo 1. Seja

F (x) =

∫ x

2

t2 dt

Entao

F ′(x) = x2 = f(x) �

2Naturalmente a existencia de primitivas so ficara demonstrada quando provarmos a existencia do inte-gral de funcoes contınuas, ou seja, quando construirmos o integral

§3. Teorema Fundamental do Calculo 121

Exemplo 2. A funcao de Fresnel, importante em optica, e definida por

S(x) =

∫ x

0

sen(

12πt2

)dt

A funcao e diferenciavel com derivada

S′(x) = sen(

12πx2

)�

Exemplo 3. Seja

F (x) =

∫ x2

x

√1 + t2 dt

Queremos calcular a derivada de F . Seja G uma primitiva de√

1 + t2. EntaoF (x) = G(x2)−G(x) pelo que

F ′(x) = 2xG′(x2)−G′(x) = 2x√

1 + (x2)2 −√

1 + x2 �

A segunda parte do teorema fundamental do calculo da-nos um metodo poderosopara calcular integrais:

Teorema 2 (Teorema Fundamental do Calculo, parte 2): Seja f : [a, b]→ R

uma funcao contınua e seja G uma primitiva de f . Entao∫ b

a

f(t) dt = G(b)−G(a)

Para nos convencermos que a parte (2) do teorema e plausıvel, notemos que divi-

dindo [a, b] em n intervalos temos∫ b

af(x) dx ≈∑n

i=1 f(xi)∆x. Para valores de ∆xpequenos,

f(xi) = G′(xi) ≈G(xi)−G(xi−1)

xi − xi−1=

G(xi)−G(xi−1)

∆x

Assim∫ b

a

G′(x) dx ≈n∑

i=1

G(xi)−G(xi−1)

∆x∆x

=n∑

i=1

(G(xi)−G(xi−1) )

= G(xn)−G(x0)

= G(b)−G(a)

Passemos a demonstracao:

Demonstracao. Seja

F (x) =

∫ x

a

f(t) dt

122 4. Integral

Pela parte 1 do teorema fundamental, F e uma primitiva de f . F e G sao ambasprimitivas de f logo G(x) = F (x) + C para alguma constante C. Entao, comoF (a) = 0 obtemos

G(b)−G(a) = (F (b) + C)− (F (a) + C) = F (b) =

∫ b

a

f(t) dt �

Assim, para calcular o integral duma funcao f contınua basta calcular uma primitivade f .

Exemplo 4. Queremos calcular∫ 1

0

x dx

Tomando uma qualquer primitiva de x, por exemplo G(x) = x2

2 , obtemos

∫ 1

0

x dx = G(1)−G(0) =12

2− 02

2=

1

2

tal como seria de esperar pela interpretacao deste integral como a area dum triangulo�

Usaremos frequentemente a seguinte notacao:

[G(x)]ba = G(b)−G(a)

Exemplo 5. Queremos calcular

∫ π

0

sen x dx

− cos x e uma primitiva de senx logo

∫ π

0

sen x dx = [− cos x]π0 = (− cos π)− (− cos 0) = 2 �

Exemplo 6. Como − 1x e uma primitiva de 1

x2 , aplicando o teorema fundamentalcegamente obtemos

∫ 1

−1

=1

x2dx =

[− 1

x

]1

−1

= −1

1−(− 1

−1

)= −2 ERRADO!!!

o que esta claramente errado pois o integral duma funcao positiva nao pode darum valor negativo. O problema aqui e que 1

x2 nao e contınua (nem limitada) em[−1, 1 ]. De facto este integral nao existe, como teremos ocasiao de ver. �

§3. Teorema Fundamental do Calculo 123

§3.1. Integrais de funcoes com descontinuidades. Na ultima seccao vimoscomo calcular o integral duma funcao contınua. Vamos agora ver o que se passacom funcoes com descontinuidades.

Proposicao: Seja f : [ a, b ] → R uma funcao limitada em [ a, b ] e contınua em]a, b[ , e seja F : ]a, b[→ R uma primitiva de f . Entao F e prolongavel por continui-dade ao intervalo [ a, b ] e

∫ b

a

f(x) dx = F (b−)− F (a+)

Demonstracao. Vamos primeiro assumir que f e contınua em a, logo F (a+) =F (a). Queremos mostrar que

∫ b

a

f(x) dx = F (b−)− F (a) = limy→b−

F (y)− F (a)

= limy→b−

(F (y)− F (a)

)

= limy→b−

∫ y

a

f(x) dx

Basta mostrar que a diferenca∫ b

a

f(x) dx−∫ y

a

f(x) dx =

∫ b

y

f(x) dx

converge para zero quando y → b−. f e limitada logo m ≤ f(x) ≤M para algumasconstantes m,M . Assim

m(b− y) ≤∫ b

y

f(x) dx ≤M(b− y)

Pelo princıpio dos limites enquadrados

limy→b−

∫ b

y

f(x) dx = 0 �

O caso em que f e contınua em b e tratado de maneira analoga. Para o caso geralescolhemos um ponto c ∈ ]a, b[ . Entao

∫ b

a

f(x) dx =

∫ c

a

f(x) dx +

∫ b

c

f(x) dx

=(F (c)− F (a+)

)+(F (b−)− F (c)

)

= F (b−)− F (a+)

Juntamente com o axioma III, este resultado diz-nos como calcular o integral dequalquer funcao (se soubermos calcular primitivas de f).

Exemplo 7. Seja f : [−π2 , 2π ]→ R a funcao

f(x) =

cos x −π2 ≤ x < 0

x 0 < x < π

sen x π ≤ x ≤ 2π

124 4. Integral

O axioma III diz-nos que∫ 2π

−π2

f(x) dx =

∫ 0

−π2

f(x) dx +

∫ π

0

f(x) dx +

∫ 2π

π

f(x) dx

As funcoes sen x, x2

2 e − cos x sao primitivas de f em cada um dos intervalos logo

∫ 2π

−π2

f(x) dx = [senx]0−π

2+

[x2

2

0

+ [− cos x]2ππ = 3 +

π2

2

Podemos agora provar um resultado importante, a linearidade do integral:

Teorema 3: Sejam f, g : [ a, b ]→ R e seja c ∈ R uma constante. Entao

∫ b

a

( f(x) + g(x) ) dx =

∫ b

a

f(x) dx +

∫ b

a

g(x) dx

∫ b

a

cf(x) dx = c

∫ b

a

f(x) dx

Demonstracao. Provaremos so a primeira igualdade, deixando a outra comoexercıcio. Primeiro assumimos que f, g sao contınuas em ]a, b[ . Sejam F,G :]a, b[→ R primitivas de f e g respectivamente. Entao F + G e uma primitiva def + g portanto

∫ b

a

( f(x) + g(x) ) dx = (F + G)(b−)− (F + G)(a+)

= F (b−)− F (a+) + G(b−)−G(a+)

=

∫ b

a

f(x) dx +

∫ b

a

g(x) dx

No caso geral, escolhemos pontos c0 = a < c1 < . . . < cn−1 < cn = b de modo quef e g sejam contınuas em cada intervalo ]ci−1, ci[ . Entao, pelo axioma III,

∫ b

a

( f(x) + g(x) ) dx =

n∑

i=1

∫ ci

ci−1

( f(x) + g(x) ) dx

=

n∑

i=1

(∫ ci

ci−1

f(x) dx +

∫ ci

ci−1

g(x) dx

)

=

∫ b

a

f(x) dx +

∫ b

a

g(x) dx �

§3.2. Integral indefinido. Motivado pelo teorema fundamental, e costume usara notacao

∫f dx em vez de P(f) para representar o conjunto das primitivas de

f . Chama-se por vezes a∫

f dx o integral indefinido de f e a∫ b

af dx o integral

definido. Esta notacao tem vantagens que se tornarao claras na proxima seccao.

§4. Substituicao 125

Exemplo 8.∫

(√

t + 1)2 − 1

tdt =

∫t + 2

√t

tdt

=

∫ (1 + 2t−

12

)dt

=

∫1 dt + 2

∫t−

12 dt

= t + 4√

t + C �

§4. Substituicao

Uma das tecnicas mais poderosas para calcular integrais e a substituicao. Estatecnica e util em situacoes como a seguinte:

Exemplo 1. Queremos calcular∫

2x cos(x2) dx. A observacao crucial e que 2x ea derivada de x2. Assim, se escrevermos u = x2, o diferencial de u e du = 2x dx.A regra da substituicao diz-nos que a seguinte manipulacao ingenua de sımbolos ede facto valida:∫

2x cos(x2) dx =

∫cos(x2)

(2x dx

)=

∫cos u du = senu + C = sen(x2) + C

Neste exemplo e facil verificar que sen(x2) e uma primitiva de 2x cos(x2). Para talusamos a regra da cadeia para derivar sen(x2). Pondo u = x2,

d

dxsen(x2) =

d sen u

du· du

dx= cos u · 2x = 2x cos(x2) �

Passemos ao teorema:

Teorema 1 (Substituicao): Seja g : [ a, b ] → R uma funcao de classe C1 ef : [ a, b ]→ R uma funcao contınua. Seja u = g(x). Entao

∫f(g(x))g′(x)dx =

∫f(u) du

Demonstracao. Seja F uma primitiva de f . Entao∫

f(u) du = F (u) + C = F (g(x)) + C

Por outro lado, pela regra da cadeia,

d

dxF (g(x)) = F ′(g(x))g′(x) = f(g(x))g′(x)

Como F (g(x)) e uma primitiva de f(g(x))g′(x),∫

f(g(x))g′(x)dx = F (g(x)) + C �

Repare que na formula substituimos u = g(x) e du = g′(x)dx, que e precisamentea formula do diferencial de u.

126 4. Integral

Exemplo 2. Queremos calcular∫

(1 − 2x)5 dx. Se pusermos u = 1 − 2x, entaodu = −2 dx. −2dx nao aparece no integral mas e facil faze-lo aparecer pois −2 euma constante: ∫

(1− 2x)5 dx =

∫(1− 2x)5

−2(−2) dx

Fazemos a substituicao u = 1− 2x obtemos∫− (1− 2x)5

2(−2dx) =

∫−u5

2du = −u6

12+ C = − (1− 2x)6

12+ C

Repare que no fim e necessario voltar a escrever a expressao em termos da variavelx. �

E importante salientar que e necessario substituir completamente a variavel x pelavariavel u, como vemos no proximo exemplo:

Exemplo 3. Queremos calcular∫

x√

x− 1 dx. Fazemos a substituicao u = x− 1.

Entao du = dx e√

x− 1 =√

u. Mas temos tambem que substituir x:∫

x√

x− 1 dx =

∫(x− 1 + 1)

√x− 1 dx =

∫(u + 1)

√u du

=

∫ (u

32 + u

12

)du = 2

5u52 + 2

3u32 + C

= 25 (x− 1)

52 + 2

3 (x− 1)32 + C �

§4.1. Integrais definidos. Ha duas maneiras de calcular um integral definidousando substituicoes: Aproveitando o calculo que ja fizemos no exemplo 2 podemoscalcular o integral

∫ 12

0

(1− 2x)5 dx =

[− (1− 2x)6

12

] 12

0

=1

12

E em geral mais simples, ao fazer a substituicao, mudar tambem os extremos deintegracao:

Teorema 2 (Substituicao): Seja g : [ a, b ] → R uma funcao de classe C1 ef : [ a, b ]→ R uma funcao contınua. Seja u = g(x). Entao

∫ b

x=a

f(g(x))g′(x) dx =

∫ g(b)

u=g(a)

f(u) du

Portanto substituimos u = g(x), du = g′(x)dx e mudamos os extremos do integral.

Demonstracao. Seja F uma primitiva de f . Entao

∫ g(b)

g(a)

f(u) du = F (g(b))− F (g(a))

§5. Calculo aproximado do integral 127

Por outro lado (F (g(x)) )′ = f(g(x))g′(x) logo F ◦g e uma primitiva de f(g(x))g′(x)e portanto

∫ b

a

f(g(x))g′(x) dx = F ◦ g(b)− F ◦ g(a) = F (g(b))− F (g(a)) �

Exemplo 4. Vamos calcular de novo∫ 1

2

0(1 − 2x)5 dx. Fazemos a substituicao

u = 1−2x. Entao, quando x = 0, u = 1−2 ·0 = 1 e quando x = 12 , u = 1−2 · 12 = 0.

Assim,∫ 1

2

0

(1− 2x)5 dx =

∫ 0

1

−u5

2du =

[−u6

12

]0

1

= − 1

12�

Exemplo 5. Queremos calcular

∫ √π2

0

2x cos(x2)

1 + sen2(x2)dx

Como a expressao 2x dx = d(x2) aparece no integral, fazemos a substituicao y = x2.

Quando x = 0, y = 02 = 0 e quando x =√

π2 , y =

(√π2

)2= π

2 . Assim

∫ √π2

0

2x cos(x2)

1 + sen2(x2)dx =

∫ √π2

x=0

cos(x2)

1 + sen2(x2)2x dx =

∫ π2

y=0

cos(y)

1 + sen2(y)dy

Agora cos y dy aparece no integral e d(sen y) = cos y dy. Fazendo a mudanca devariavel z = sen y, quando y = 0, z = sen 0 = 0 e quando y = π

2 , z = senπ2 = 1.Assim,

∫ π2

0

cos y

1 + sen2 ydy =

∫ π2

y=0

1

1 + sen2 ycos y dy =

∫ 1

z=0

1

1 + z2dz

arctan z e uma primitiva de 11+z2 logo

∫ 1

z=0

1

1 + z2dz = [arctan z]

10 = arctan 1− arctan 0 =

π

4

Concluindo,∫ √π

2

0

2x cos(x2)

1 + sen2(x2)dx =

π

4�

§5. Calculo aproximado do integral

Vamos agora ver como aproximar numericamente o valor do integral duma funcaocontınua f . Como primeira aproximacao, se m ≤ f(x) ≤M sabemos que

m(b− a) ≤∫ b

a

f(x) dx ≤M(b− a)

Mas podemos fazer melhor que isto. A ideia vai ser dividir o intervalo [a, b] emvarios subintervalos (nao necessariamente iguais). Uma particao P de [a, b] e um

128 4. Integral

conjunto de numeros a = x0 ≤ x1 ≤ x2 ≤ . . . ≤ xn = b que divide o intervalo [a, b]em n intervalos [x0, x1], [x1, x2], [x2, x3], . . . , [xn−1, xn]. Entao pelo axioma III∫ b

a

f(x) dx =

∫ x1

x0

f(x) dx +

∫ x2

x1

f(x) dx + . . . +

∫ xn

xn−1

f(x) dx =n∑

i=1

∫ xi

xi−1

f(x) dx

Se f(di) e f(Di) forem os valores mınimo e maximo de f em [xi−1, xi] entao f(di) ≤f(x) ≤ f(Di) logo

f(di)(xi − xi−1) ≤∫ xi

xi−1

f(x) dx ≤ f(Di)(xi − xi−1)

Seja ∆xi = xi − xi−1 o comprimento de cada intervalo [xi−1, xi]. Somando em i,

n∑

i=1

f(di)∆xi ≤∫ b

a

f(x) dx ≤n∑

i=1

f(Di)∆xi

Chamamos soma inferior e soma superior de Darboux a

SP f =

n∑

i=1

f(di)∆xi SP f =

n∑

i=1

f(Di)∆xi

Entao

SP f ≤∫ b

a

f(x) dx ≤ SP f

Estas aproximacoes estao ilustradas na figura seguinte:

x xxxxxx1 2 3 4 5 6 7

f

b=x80a=x x xxxxxx1 2 3 4 5 6 7

f

b=x80a=x

Figura 1. Somas de Darboux inferior e superior

Exemplo 1. Vamos usar a formula∫ x

01

1+t2 dt = arctanx para aproximar o valor

de arctan 1 = π4 . Seja P uma particao de [0, 1]. Os valores mınimo e maximo de

f(x) = 11+x2 em [xi−1, xi] sao respectivamente f(xi) e f(xi−1) pelo que

SP f =

n∑

i=1

1

1 + x2i

∆xi ≤π

4≤

n∑

i=1

1

1 + x2i−1

∆xi = SP f

Se P e uma particao em n intervalos iguais, entao xi = in e ∆x = 1

n . Obtemos asformulas

n∑

i=1

1

1 +(

in

)2 ·1

n≤ π

4≤

n∑

i=1

1

1 +(

i−1n

)2 ·1

n

§5. Calculo aproximado do integral 129

Simplificando as expressoes obtemos

n∑

i=1

4n

n2 + i2≤ π ≤

n−1∑

i=0

4n

n2 + i2

n SP SP12 (SP + SP )

10 3.0399 3.2399 3.1399260100 3.1316 3.1516 3.14157601000 3.1406 3.1426 3.1415925

Para efeitos de comparacao, o valor de π com 7 casas decimais e π = 3.1415927 . . ..�

Para analisar o erro cometido na aproximacao consideramos a diferenca SP f−SP f :

SP f − SP f =

n∑

i=1

f(Di)∆xi −n∑

i=1

f(di)∆xi =

n∑

i=1

(f(Di)− f(di)

)∆xi

Proposicao: Seja |P | = max ∆xi o comprimento do maior intervalo da particao.Se f e diferenciavel em ]a, b[ e |f ′(x)| ≤ K entao

SP f − SP f ≤ K|P |(b− a)

Demonstracao. Vamos analizar a diferenca f(Di)− f(di). Pelo teorema de La-grange, existe um ponto ci entre di e Di tal que

f(Di)− f(di)

Di − di= f ′(ci)

Como f(Di)− f(di) ≥ 0,

f(Di)− f(di) = |f(Di)− f(di)| = |f ′(cii)||Di − di| ≤ K|Di − di|Como |Di − di| ≤ ∆xi ≤ |P |, f(Di)− f(di) ≤ K|P | logo Portanto

SP f − SP f =

n∑

i=1

(f(Di)− f(di))∆xi

≤n∑

i=1

K|P |∆xi

= K|P |n∑

i=1

∆xi

= K|P |(b− a) �

Para obter uma boa aproximacao do integral de f nao e necessario determinar ovalor maximo e mınimo de f em cada intervalo. Basta escolher um ponto x∗

i ∈[xi−1, xi].

130 4. Integral

Definicao 1: Dada uma particao P = {x0, x1, . . . , xn} de [ a, b ] e uma escolhax∗

i ∈ [xi−1, xi ] dum ponto em cada intervalo, chamamos soma de Riemann a soma

SP,x∗ =∑

f(x∗i )∆xi

A figura seguinte ilustra os casos em que x∗i = xi−1 (ponto inicial), x∗

i = xi (ponto

final) e x∗i = xi−1+xi

2 (ponto medio):

x xxxxxx1 2 3 4 5 6 7 b=x80a=x x xxxxxx1 2 3 4 5 6 7 b=x80a=x x xxxxxx1 2 3 4 5 6 7 b=x80a=x

Figura 2. Somas de Riemann com ponto inicial, final e medio

Teorema 2:

∣∣∣∣∣

∫ b

a

f(x) dx − SP,yf

∣∣∣∣∣ ≤ K|P |(b− a)

Demonstracao. Basta observar que SP,x∗f e∫ b

af estao ambos no intervalo [SP f, SP f ]

e como tal a sua distancia e menor que o comprimento do intervalo:∣∣∣∣∣

∫ b

a

f(x) dx − SP,yf

∣∣∣∣∣ ≤ SP f − SP f ≤ K|P |(b− a) �

As figuras seguintes representam sucessivas aproximacoes do integral por somas deRiemann, com x∗

i o ponto medio do intervalo. Claramente o erro e maior nas regioesem que a derivada de f e maior.

��������������

�����������������

�����������������

������

������������

������

������

������������

������

���������������

���������������

����������������

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�������

������

������

�����

�����

���

���

����

����

��������

��������

Figura 3. Aproximacoes do integral por somas de Riemann com ponto medio

Este teorema e muitas vezes interpretado escrevendo

lim|P |→0

SP,x∗ f =∫ b

af

§6. Construcao do integral 131

Duma forma rigorosa temos o seguinte resultado, valido alias para qualquer funcaocontınua:3

Proposicao: Para qualquer δ > 0 existe um ε > 0 tal que, se |P | < ε entao∣∣∣∫ b

af − SP,x∗ f

∣∣∣ < δ

Para funcoes diferenciaveis, deixamos a demonstracao como exercıcio.

§6. Construcao do integral

Nesta seccao tratamos o problema da existencia do integral. Comecamos por ver

que e possıvel associar a cada funcao limitada f : [a, b] → R um numero∫ b

af dx

satisfazendo os axiomas I, II e III.

A definicao de somas de Darboux pode ser feita para qualquer funcao f limitada,nao necessariamente contınua. A existencia de valores mınimo e maximo em cadaintervalo [xi−1, xi] nao e garantida pelo que em vez disso tomamos o ınfimo mi e osupremo Mi de f em [xi−i, xi] e definimos

SP f =n∑

i=1

mi∆xi SP f =n∑

i=1

Mi∆xi

Definicao 1: Definimos o integral inferior duma funcao limitada f por∫

a

b

f(x) dx = sup{SP f : P e uma particao de [a, b]

}

Definimos o integral superior de f por∫ b

a

f(x) dx = inf{SP f : P e uma particao de [a, b]

}

Vamos ver que o integral inferior e o integral superior satisfazem os 3 axiomas. Ademonstracao e identica em ambos os casos portanto faremos so o caso do integralinferior. Queremos ver que

I.

a

b

C dx = C(b− a)

II. Se g(x) ≤ f(x) entao

a

b

g(x) dx ≤∫

a

b

f(x) dx

III.

a

b

f(x) dx =

a

c

f(x) dx +

c

b

f(x) dx

Para o axioma I basta observar que se f for constante igual a C entao para qualquerparticao P , SP f =

∑C∆xi = C(b− a).

3A demonstracao deste facto para qualquer funcao contınua e difıcil: involve o conceito de continuidadeuniforme de que nao falaremos nesta cadeira

132 4. Integral

Passemos ao axioma II. Se g ≤ f entao para qualquer particao P , SP g ≤ SP f .

Como SP f ≤∫ b

af ,∫ b

af e um majorante do conjunto das somas SP g logo

supSP g =

a

b

g(x) dx ≤∫

a

b

f(x) dx

que e o axioma II.

Antes de mostrarmos o axioma III observemos o seguinte: Se P1 for uma particaode [a, c] e P2 for uma particao de [c, b] entao podemos juntar as duas particoes eobter uma particao P de [a, b] de tal modo que

SP1f + SP2

f = SP f

A situacao esta ilustrada na figura seguinte:

1 2 30a=y y y y c=y4

z z z b=z1 2 3 4c=z

0

1 2 30a=y y y y z z z b=z1 2 3 4y =c=z

4 0

Figura 1. Juntando uma particao de [a, c] com uma particao de [c, b] obtemos

uma particao de [a, b]

Em geral uma particao P de [a, b] nao pode ser dividida em duas particoes P1 de[a, c] e P2 de [c, b]: tal so acontece se o ponto c for um ponto da particao. Seadicionarmos o ponto c a particao, o valor da soma de Darboux aumenta:

SP f ≤ SP∪{c} f

A situacao esta ilustrada na figura:

§6. Construcao do integral 133

a=X0 X1 X2 X5 X6 X7 X8=bcX3 X4

Figura 2. Juntando o ponto c a uma particao de [a, b]

A particao P ∪ {c} pode entao ser dividida em duas particoes P1 de [a, c] e P2 de[c, b] e

SP f ≤ SP∪{c} f = SP1f + SP2

f

a=X0 X1 X2 cX35.5 X5 X6 X7 X8=bX4c5.5

Figura 3. Passando duma particao de [a, b] para particoes de [a, c] e de [c, b]

Passemos a demonstracao:

Proposicao: Dados a < c < b,

a

b

f(x) dx =

a

c

f(x) dx +

c

b

f(x) dx

Demonstracao. Vamos dividir a demonstracao em dois passos:

(1) Primeiro vamos mostrar que∫ b

af ≤

∫ c

af +

∫ b

cf .

(2) Depois mostraremos que∫ c

af +

∫ b

cf ≤

∫ b

af

Estas duas desigualdades juntas mostram que∫ c

af +

∫ b

cf =

∫ b

af .

(1) Tomemos uma particao qualquer P de [a, b]. Juntando o ponto c a particao edividindo P ∪ {c} em duas particoes P1 e P2 temos

SP f ≤ SP1f + SP2

f

134 4. Integral

Como SP1f ≤

∫ c

af e SP2

f ≤∫ b

cf , temos SP f ≤

∫ c

af +

∫ b

cf . Portanto

supSP f =

a

b

f(x) dx ≤∫

a

c

f(x) dx +

c

b

f(x) dx

(2) Dadas particoes P1 de [a, c] e P2 de [c, b] podemos junta-las obtendo uma

particao P de [a, b]. Como SP f ≤∫ b

af ,

SP1(f) + SP2

(f) = SP f ≤∫

a

b

f(x) dx

sendo esta desigualdade valida para quaisquer particoes P1 e P2. Falta apenasver que esta desigualdade se mantem quando tomamos o supremo sobre P1 eP2, ou seja que

supP1

SP1(f) + sup

P2

SP2(f) ≤

a

b

f(x) dx

o que terminara a demonstracao. Tomemos particoes P1 e P2 tais que∫ c

a

f(x) dx− SP1f <

ε

2e

∫ b

c

f(x) dx− SP2f <

ε

2

Entao∫

a

c

f(x) dx +

c

b

f(x) dx < SP1f +

ε

2+ SP2

f +ε

2

= SP1f + SP2

f + ε

≤∫

a

b

f(x) dx + ε

Agora basta tomar o limite quando ε→ 0 e obter∫

a

c

f(x) dx +

c

b

f(x) dx ≤∫

a

b

f(x) dx �

Como ambos os integrais inferior e superior satisfazem os 3 axiomas, naturalmente

poe-se o problema de saber se∫

=∫

.

Teorema 2: Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada com um numero finito de

pontos de descontinuidade. Entao∫

f =∫

f .

Demonstracao. Basta observar que os 3 axiomas determinam completamente ointegral. Mais explicitamente: se f e contınua, as funcoes

F (x) =

a

b

f(t) dt e F (x) =

∫ b

a

f(t) d

sao ambas primitivas de f logo diferem por uma constante. Como F (a) = F (a) = 0,F = F .

§7. Aplicacoes 135

Se f for contınua em ]a, b[ entao

a

b

f(x) dx = limy→b−

z→a+

z

y

f(x) dx = limy→b−

z→a+

∫ y

z

f(x) dx =

∫ b

a

f(x) dx

No caso geral tomamos pontos a = c0 < c1 < . . . < cn = b tais que f e contınuaem cada intervalo ]ck−1, ck[. Entao

a

b

f(x) dx =

n∑

k=0

∫ ck

ck−1

f(x) dx =

n∑

k=0

∫ ck

ck−1

f(x) dx =

∫ b

a

f(x) dx �

§7. Aplicacoes

Nas aplicacoes do integral, tipicamente procedemos da seguinte forma: Dividimosa quantidade Q que queremos calcular num grande numero de quantidades peque-nas Qi com Q =

∑Qi. Aproximamos entao cada Qi por um produto da forma

f(x∗i )∆xi. Obtemos assim uma soma de Riemann:

Q ≈∑

f(x∗i )∆xi = SP,x∗f

Tomando o limite quando |P | → 0 obtemos

Q = lim|P |→0

SP,x∗f =

∫ b

a

f(x) dx

Exemplo 1. Vamos calcular o volume duma esfera de raio R. Comecamos pordividir a esfera em fatias, aproximando cada fatia por um cilindro como mostra afigura:

Figura 1. Calculando o volume duma esfera

O volume dum cilindro e o produto da area da base vezes a altura. Neste caso, aaltura e ∆xi e a area da base e πr2 em que r e o raio da base de cada cilindro.Tomando um ponto x∗

i ∈ [xi−1, xi ], ri =√

R2 − (x∗i )

2.

136 4. Integral

∆x

r =√

R2 − x2

−R R

x

Figura 2. Raio e altura de cada cilindro como funcao de x

Assim,

Volume ≈n∑

i=1

πr2i ∆xi =

n∑

i=1

π

(√R2 − (x∗

i )2

)2

∆xi =

n∑

i=1

π(R2 − (x∗

i )2)∆xi

Tomando o limite quando |P | → 0,

Volume =

∫ 1

−1

π(R2 − x2) dx =

[πx− πx3

3

]1

−1

= 2π − 2π

3=

3�

§7.1. Areas. Sejam f, g : [a, b] → R, f(x) ≤ g(x). Queremos calcular a area daregiao R entre os graficos de f e g:

R = {(x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, f(x) ≤ y ≤ g(x)}Dada uma particao P = {x0, . . . , xn} do intervalo [ a, b ] podemos dividir a regiaoR em faixas verticais

Ri = {(x, y) ∈ R2 : xi−1 ≤ x ≤ xi, g(x) ≤ y ≤ f(x)}com R = R1 ∪R2 ∪ . . . ∪Rn. Claramente

Area(R) = Area(R1) + . . . + Area(Rn)

Para |P | pequeno podemos aproximar a area de Ri pela area dum rectangulo debase ∆xi e altura f(xi)− g(xi).

x=a x=b

g

f

Figura 3. Calculando a area entre f e g

§7. Aplicacoes 137

Entao

Area(R) =

n∑

i=1

Area(Ri) ≈n∑

i=1

(f(xi)− g(xi))∆xi = SP,c(f − g)

Tomando o limite quando |P | → 0 obtemos

Teorema 1: Dadas duas funcoes f, g : [ a, b ] → R com g(x) ≤ f(x), a area daregiao

R = {(x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, g(x) ≤ y ≤ f(x)}entre os graficos de f e g e dada por

Area(R) =

∫ b

a

f(x)− g(x) dx

Vamos demonstrar este teorema assumindo para tal que a area satisfaz as trespropriedades seguintes:4

I A area dum rectangulo e base vezes altura.

II Se dividirmos uma regiao R com uma recta em duas regioes R1 e R2 entao aarea de R e a soma das areas de R1 e R2.

III Se R1 esta contida em R2 a area de R1 e inferior a area de R2.

Demonstracao. Dada uma particao P de [ a, b ], dividimos R em faixas verticaisRi usando as rectas verticais x = xi. Entao, pela propriedade II,

Area de R =

n∑

i=1

Area de Ri

Sejam f(di) e g(Di) respectivamente o valor mınimo de f e o valor maximo de g nointervalo [xi−1, xi ]. Entao o rectangulo de base [xi−1, xi ] e altura [ g(Di), f(di) ]esta contido em Ri:

Ri

xi−1 xi

f(di)

g(Di)

di Di

f

g

Figura 4. Aproximacao por defeito da area de Ri

4Qualquer demonstracao completa necessitaria primeiro que definıssemos o que se entende por area, oque nao vamos fazer.

138 4. Integral

Pela propriedade I este rectangulo tem area ( f(di)−g(Di) )∆xi e pela propriedadeIII,

( f(di)− g(Di) )∆xi ≤ Area de Ri

Somando em i,n∑

i=1

( f(di)− g(Di) )∆xi ≤n∑

i=1

Area de Ri = Area de R

Masn∑

i=1

( f(di)− g(Di) )∆xi =

n∑

i=1

f(di)∆xi −n∑

i=1

g(Di)∆xi = SP f − SP g

Portanto

SP f − SP g ≤ Area de R

Tomando o limite quando |P | → 0 obtemos∫ b

a

f(x) dx−∫ b

a

g(x) dx ≤ Area de R

De modo analogo podemos mostrar que

Area de R ≤ SP f − SP g

Tomando o limite quando |P | → 0 obtemos

Area de R ≤∫ b

a

f(x) dx−∫ b

a

g(x) dx

o que termina a demonstracao. �

Exemplo 2. Vamos calcular a area da regiao R entre g(x) = x e f(x) = cos x com0 ≤ x ≤ π

6 . Dividimos R em faixas verticais Ri e aproximamos cada Ri por umrectangulo.

6

1 y = cos x

y = x

Figura 5. Area entre y = x e y = cos x com 0 ≤ x ≤ π6

A curva de cima e yC = cos x e a curva de baixo e yB = x. Portanto um rectangulotıpico aproximando Ri vai ter base ∆xi e altura yC − yB = cos(x∗

i )− x∗i pelo que

A ≈n∑

i=1

(cos(x∗i )− x∗

i )∆xi

§7. Aplicacoes 139

Tomando o limite quando |P | → 0,

A =

∫ π6

0

cos x− x dx =[sen x− x2/2,

]π6

0=

1

2− π2

72�

Exemplo 3. Vamos calcular a area delimitada pelas curvas y = x2 − 2 e y = x.Comecamos por calcular os pontos de interseccao das duas curvas:

y = x2 − 2 = x logo x2 − x− 2 = 0

Resolvendo a equacao obtemos x = −1 e x = 2.

-1 1 2

-2

-1

1

2 y = x

y = x2 − 2

Figura 6. Area entre y = x e y = x2 − 2

A curva de cima e yC = x e a curva de baixo e yB = x2 − 2. Um rectangulo tıpicoaproximando Ri tem area

(yC − yB)∆xi = (x− (x2 − 2) )∆xi

Assim,

A =

∫ 2

−1

x− (x2 − 2) dx

=

[x2

2− x3

3+ 2x

]2

−1

=

(2− 8

3+ 4

)−(

1

2+

1

3− 2

)=

9

2�

Por vezes e necessario separar o integral em dois ou mais integrais:

Exemplo 4. Vamos usar integrais para calcular a area do triangulo com verticesnos pontos (0, 0), (2, 2) e (3, 1). Desta vez temos dois tipos de rectangulos consoantex ∈ [ 0, 2 ] ou x ∈ [ 2, 3 ]:

140 4. Integral

1 2 3

1

2

y = x

y = 4− x

y =x

3

Figura 7. Calculando a area dum triangulo

Assim, e conveniente dividir o integral em dois: integrar primeiro no intervalo [ 0, 2 ]e em seguida no intervalo [ 2, 3 ].

• No intervalo [ 0, 2 ], o rectangulo tem base ∆x e altura yC − yB = x− x3 pelo

que

A1 =

∫ 2

0

x− x

3dx =

∫ 2

0

2x

3dx =

[x2

3

]2

0

=4

3

• No intervalo [ 2, 3 ], yC = 4− x e yB = x3 pelo que

A2 =

∫ 3

2

(4− x)− x

3dx =

∫ 3

2

4− 43x dx

=[4x− 2

3x2]32

= (12− 2332)− (8− 2

322) =2

3

A area total e a soma das areas A1 e A2:

A =4

3+

2

3= 2

De facto como o leitor pode facilmente verificar, trata-se dum triangulo rectangulocom catetos de comprimento

√2 e 2

√2 pelo que a sua area e 1

2 ·√

2 · (2√

2) = 2. �

E muitas vezes conveniente, em vez de dividir a regiao em faixas verticais, dividi-laem faixas horizontais, obtendo assim um integral na variavel y:

Exemplo 5. Queremos calcular a area da regiao R entre as rectas horizontais y = 0e y = 2, delimitada a esquerda pela curva y =

√x e a direita pela recta y = x− 3.

Se aproximarmos a regiao por rectangulos horizontais obtemos tres tipos distintosde rectangulos, como mostra a figura:

1 2 3 4 5

1

2

y =√

x

y = x− 3

y = 2

Figura 8. Regiao R

§7. Aplicacoes 141

Assim, torna-se necessario dividir o integral em tres partes:

Area =

∫ 3

0

√x− 0 dx +

∫ 4

3

√x− (x− 3) dx +

∫ 5

4

2− (x− 3) dx

E mais simples dividir a regiao em faixas horizontais:

1 2 3 4 5

1

2

Figura 9. Regiao R dividida em faixas horizontais

e aproximar cada faixa por um rectangulo. A curva da esquerda e xE = y2 e acurva da direita e xD = y + 3 pelo que um rectangulo tıpico vai ter altura ∆y elargura xD − xE = (y + 3)− y2.

1 2 3 4 5

1

2

x = y2

x = y + 3

Figura 10. Regiao R

Assim,

Area =

∫ 2

0

(y + 3)− y2 dy =

[y2

2+ 3y − y3

3

]2

0

= 2 + 6− 8

3=

16

3�

§7.2. Comprimento do grafico. Vamos agora considerar o problema de calcularo comprimento do grafico duma funcao contınua f : [a, b] → R. Seja P = {a =x0, x1, . . . , xn = b} uma particao de [a, b]. Entao podemos aproximar o grafico de fpor uma linha poligonal com vertices nos pontos (xi, f(xi)). O comprimento dessalinha poligonal pode ser calculado usando o teorema de Pitagoras:

ℓP =

n∑

i=1

√(xi − xi−1)2 + (f(xi)− f(xi−1))2

142 4. Integral

a=x b=xx x x210 3 4

Figura 11. Aproximando o grafico duma funcao por uma linha poligonal

Definicao 2: O comprimento do grafico de f e o supremo do conjunto

ℓ = sup{ℓP : P e uma particao de [a, b]}

Se f for uma funcao diferenciavel, pelo teorema de Lagrange em cada intervalo[xi−1, xi] existe um ponto ci tal que f(xi)− f(xi−1) = f ′(ci)∆xi. Assim

ℓP =

n∑

i=1

√∆x2

i + f ′(ci)2∆x2i =

n∑

i=1

√1 + f ′(ci)2∆xi

Isto e a soma de Riemann da funcao g(x) =√

1 + f ′(x)2 para a particao (P, c).

Teorema 3: Seja f : [ a, b ]→ R uma funcao diferenciavel. Entao o comprimentodo grafico de f e dado por

ℓ =

∫ b

a

√1 + f ′(x)2 dx

Demonstracao. A observacao fundamental e a seguinte: se adicionarmos umponto a uma particao P , obtendo uma nova particao P1, entao ℓP ≤ ℓP1

.5 Assim,dada qualquer particao P podemos construir uma sucessao de particoes P1, P2, P3, . . .tais que |Pn| → 0 e

ℓP ≤ ℓP1≤ ℓP2

≤ ℓP3≤ . . . ≤ ℓ

Seja g(x) =√

1 + f ′(x)2. Entao ℓPn= SPn

g. Tomando o limite quando n → ∞,

como |Pn| → 0, ℓPn→∫ b

ag. Assim,

ℓP ≤∫ b

a

g(x) dx ≤ ℓ

Como sup ℓP =∫ b

ag, necessariamente

∫ b

ag = ℓ. �

Exemplo 6. Seja f(t) =√

1− t2 e seja x ∈ ]− 1, 1[ . Para calcular o comprimentodo grafico de f no intervalo [0, x] precisamos de calcular o integral

∫ x

0

√1 + f ′(t)2 dt

5a demonstracao e facil, se bem que algo trabalhosa

§7. Aplicacoes 143

Derivando f obtemos

f ′(t) =−t√1− t2

logo√

1 + f ′(t)2 =

√1 +

t2

1− t2=

1√1− t2

Assim∫ x

0

√1 + f ′(t)2 dt =

∫ x

0

dt√1− t2

= [ arcsen t ]x0 = arcsen x

Para interpretar geometricamente este resultado repare que o grafico de f e a me-tade superior da circunferencia de raio um.

-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

1.2 "##############1- x2

Figura 12. Grafico da funcao√

1 − x2

Cada x define um angulo θ como mostra a figura 13, e o comprimento do arco decircunferencia e precisamente o valor de θ medido em radianos.

Θ

x

Figura 13. θ = arcsen x

144 4. Integral

§8. Integrais Improprios

Vimos que, para x ∈ ]− 1, 1[ ,

arcsen x =

∫ x

0

dx√1− x2

O que acontece quando x se aproxima de 1? Sabemos que

limx→1

∫ x

0

dx√1− x2

= limx→1

arcsen x = arcsen 1 =π

2

mas repare que a funcao 1√1−x2

nao e limitada no intervalo [ 0, 1 ]! Chamamos a

este limite um integral improprio e escrevemos

∫ 1−

0

dx√1− x2

= limx→1

∫ x

0

dx√1− x2

Definicao 1 (Integral improprio de tipo II): Seja f : [a, b[→ R uma funcaocom uma assımptota vertical em x = b. Chamamos integral improprio de f aolimite ∫ b−

a

f(x) dx = limy→b−

∫ y

a

f(x) dx

se este limite existir. Caso contrario dizemos que o integral e divergente. De igualmodo, se f tiver uma assımptota em x = a definimos

∫ b

a+

f(x) dx = limz→a+

∫ b

z

f(x) dx

se o limite existir. Podemos tambem definir integral improprio duma funcao comassımptotas verticais em a e b. Para tal escolhemos um ponto c entre a e b edefinimos ∫ b−

a+

f(x) dx =

∫ c

a+

f(x) dx +

∫ b−

c

f(x) dx

se ambos os integrais existirem.

Exemplo 1. Seja f(x) = 1/√

x. f e contınua em ]0, 1] e

∫ 1

0+

dx√x

= limz→0

∫ 1

z

dx√x

= limz→0

[2√

x]1z

= limz→0

(2− 2√

z) = 2

Portanto o integral improprio de f entre 0 e 1 e igual a 2. Este e um exemplo dumafuncao ilimitada para a qual faz sentido falar de integral. �

Exemplo 2. O integral de 1√|x|

no intervalo [−1, 1 ] nao esta definido pois 1√|x|

tem uma assımptota vertical em x = 0. Podemos no entanto dividir o integral emdois e calcular

∫ 0−

−1

1√|x|

dx +

∫ 1

0+

1√|x|

dx

§8. Integrais Improprios 145

Como√|x| e par, os dois integrais vao ser iguais:

∫ 0−

−1

1√|x|

dx =

∫ 1

0+

1√|x|

dx =

∫ 1

0+

1√x

dx = 2

Assim podemos interrpetar o integral de 1√|x|

no intervalo [−1, 1 ] como sendo igual

a 4. �

Exemplo 3. Seja f(x) = 1/x2. f e contınua em ]0, 1] e

limz→0

∫ 1

z

dx

x2= lim

z→0

[− 1

x

]1

z

= limz→0

(−1 +

1

z

)= +∞

portanto o integral e divergente. �

Exemplo 4. Usando o facto de a derivada da secante ser (sec x)′ = sen xcos2 x podemos

calcular o integral improprio

∫ π2

−π2

+

sen x

cos2 xdx =

∫ c

−π2

+

sen x

cos2 xdx +

∫ π2

c

sen x

cos2 xdx

= limz→−π

2+

∫ c

z

sen x

cos2 xdx + lim

y→π2

∫ y

c

sen x

cos2 xdx

= limz→−π

2+[sec x]cz + lim

y→π2

−[sec x]yc

= limz→−π

2+(sec c− sec z) + lim

y→π2

−(sec y − sec c)

Este integral e divergente pois limz→−π

2+

sec z = limy→π

2−

sec y = +∞. �

E tambem muitas vezes conveniente considerar integrais em intervalos ilimitados:

Definicao 2 (Integral improprio de tipo I): Chamamos integral impropriode f : [a,+∞[→ R ao limite

∫ +∞

a

f(x) dx = limy→+∞

∫ y

a

f(x) dx

se este limite existir. Caso contrario dizemos que o integral e divergente. De igualmodo definimos ∫ b

−∞f(x) dx = lim

z→−∞

∫ b

z

f(x) dx

se o limite existir. Podemos tambem definir integral improprio de f em R separandoo integral em dois:

∫ +∞

−∞f(x) dx =

∫ c

−∞f(x) dx +

∫ +∞

c

f(x) dx

para qualquer constante c.

146 4. Integral

Exemplo 5. Seja f(x) = 1/√

x. Entao∫ +∞

1

dx√x

= limy→+∞

∫ +∞

1

dx√x

= limy→+∞

[2√

x]y1

= limy→+∞

(2√

y − 2) = +∞

portanto o integral e divergente. �

Exemplo 6. Seja f(x) = 1/x2. f e contınua em ]0, 1] e∫ +∞

1

dx

x2= lim

y→+∞

[− 1

x

]y

1

= limy→+∞

(−1

y+ 1

)= 1

Portanto o integral improprio de f entre 1 e +∞ e igual a 1. �

Exemplo 7.∫ +∞

−∞

1

1 + x2dx =

∫ 0

−∞

1

1 + x2dx +

∫ +∞

0

1

1 + x2dx

= limz→−∞

∫ 0

z

1

1 + x2dx + lim

y→+∞

∫ y

0

1

1 + x2dx

= limz→−∞

[ arctan x ]0z + limy→+∞

[ arctan x ]y0

= limz→−∞

(− arctan z) + limy→+∞

arctan y

2+

π

2= π �

Capıtulo 5

Funcoes transcendentes e

tecnicas de primitivacao

§1. Funcoes trigonometricas

Nesta seccao vamos usar o integral para demonstrar alguns resultados sobre asfuncoes trigonometricas. O integral permite-nos dar novas demonstracoes maissimples da diferenciabilidade e das formulas para as derivadas das funcoes trigo-nometricas e das suas inversas.

Recorde que o cırculo trigonometrico e o conjunto {(x, y) ∈ R2 : x2 + y2 = 1}. A

metade superior do cırculo e o grafico da funcao f(x) =√

1− x2. Recordamos aquias definicoes das funcoes arcsen e arccos, definidas em termos do comprimento dearcos de circunferencia:

Definicao 1: Seja x ∈ [−1, 1 ]. Entao

• arccos x e o comprimento do grafico de f de x ate 1.

• arcsen y e o comprimento do grafico de f de 0 ate y, tomando um valor negativono caso y < 0.

Vimos que o comprimento do grafico de f se obtem integrando a funcao

√1 +

(f ′(x)

)2=

1√1− x2

Assim,

arcsen t =

∫ t

0

dy√1− y2

arccos t =

∫ 1−

t

dx√1− x2

A partir do teorema fundamental obtemos imediatamente

147

148 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Teorema 2: arcsen, arccos sao funcoes contınuas no seu domınio e diferenciaveisem ]− 1, 1[ com derivadas

(arcsen x)′ =1√

1− x2(arccos x)′ = − 1√

1− x2

Recorde que arcsen, arccos sao ambas funcoes injectivas. A inversa de arcsen ea restricao do seno ao intervalo

[− π

2 , π2 ] e a inversa de arccos e a restricao do

coseno ao intervalo [ 0, π ]. O teorema da derivada da inversa da-nos uma novademonstracao do teorema

Teorema 3: O seno e o coseno sao funcoes diferenciaveis com derivadas

(sen θ)′ = cos θ e (cos θ)′ = − sen θ

Demonstracao. Seja θ ∈]0, π

2

[, x = cos θ e y = sen θ. Entao

(sen θ)′ =1

(arcsen y)′=√

1− y2 = cos θ

(cos θ)′ =1

(arccos x)′= −

√1− x2 = − sen θ

Como o seno e ımpar e o cosen e par, estas identidades sao tambem validas paraθ ∈

]− π

2 , 0[. Usando as identidades trigonometricas

sen(θ + kπ) = (−1)k sen θ e cos(θ + kπ) = (−1)k cos θ

vemos que as formulas das derivadas sao validas para qualquer θ 6= k π2 . Para estes

ultimos valores de θ basta notar que

d sen

dθ(k π

2 ) = limθ→k π

2

d sen

dθ(θ) = lim

θ→k π2

cos θ = cos(k π2 )

e analogamente para o coseno. �

Terminamos esta seccao demonstrando as seguintes propriedades do seno e do co-seno que usaremos mais tarde.

Teorema 4 (Propriedades do seno e do coseno):

(1) cos2 θ = 12 (1 + cos 2θ)

(2) sen2 θ = 12 (1− cos 2θ)

(3) sen 2θ = 2 sen θ cos θ

Demonstracao. Se derivarmos (1) obtemos (3) e a identidade (2) segue de (1)usando a relacao sen2 θ = 1− cos2 θ. Portanto so temos que mostrar (1). Como

cos(θ + kπ) = (−1)k cos θ

§2. Exponenciais e a funcao logaritmo 149

basta provarmos (1) no intervalo[− π

2 , π2

]. Como o coseno e par, podemos de

facto assumir que θ ∈[0, π

2

]. Entao 2θ ∈ [ 0, π ]. A identidade (1) pode ser escrita

como cos 2θ = 2 cos2 θ − 1 o que e equivalente a

2θ = arccos(2 cos2 θ − 1

)

Seja x = cos θ, θ = arccos x. Entao temos que mostrar que

2 arccos x = arccos(2x2 − 1)

Para tal vamos primeiro ver que as derivadas sao iguais. Usando a regra da cadeiae simplificando obtemos para x 6= 1

d

dxarccos(2x2 − 1) = − 4x√

1− (2x2 − 1)2= − 4x√

4x2(1− x2)

Como θ ∈[0, π

2 ], x ≥ 0 logo√

4x2 = 2x. Assim,

d

dxarccos(2x2 − 1) = − 2√

1− x2=

d

dx2 arccos x

Duas funcoes com a mesma derivada diferem por uma constante:

arccos(2x2 − 1) = 2 arccos x + C

Para x = 1 obtemos arccos 1 = 2 arccos 1 + C logo C = 0 o que termina a demons-tracao. �

§2. Exponenciais e a funcao logaritmo

Seja a > 0 e tomemos p, q ∈ N. Entao ap

q = q√

ap. Mas qual o significado de ax

se x nao for um quociente de inteiros? Por exemplo, o que entendemos por aπ?Podemos usar a expansao decimal de π para definir aπ como o limite da sucessao

a3, a3.1 =10√

a31, a3.14 =100√

a314, . . .

Podemos usar o mesmo procedimento para qualquer x ∈ R e estudar entao a funcaoax : R → R assim obtida. Tal procedimento e no entanto trabalhoso e difıcil. Ebastante mais simples definir a funcao ax : R→ R usando integrais, o que faremosnesta seccao.

§2.1. O logaritmo natural. Comecamos por definir logaritmo:

Definicao 1: O logaritmo ln : ]0,+∞[→ R e a funcao definida por

lnx =

∫ x

1

1

tdt

O teorema fundamental diz-nos que (lnx)′ = 1x portanto lnx e uma primitiva de 1

xno intervalo ]0,+∞[.

Proposicao: A funcao ln |x| e uma primitiva de 1x em R \ {0}

150 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Demonstracao. Para x > 0 ln |x| = lnx. Para x < 0

(ln |x|)′ = (ln(−x))′ = − 1

−x=

1

x�

As propriedades fundamentais de ln sao

Proposicao:

(1) ln 1 = 0

(2) Dados x, y > 0, ln(xy) = lnx + ln y

(3) Dados x, y > 0, ln(xy ) = lnx− ln y.

(4) Se x > 0 e n ∈ N0, entao ln(xn) = n ln x.

Demonstracao.

(1) ln 1 =∫ 1

11x dx = 0.

(2) Fixamos y e consideramos a funcao

f(x) = ln(xy)− lnx− ln y

Queremos mostrar que f(x) = 0. Derivando obtemos

f ′(x) =y

xy− 1

x= 0

logo f e constante. Como f(1) = ln y − ln 1 − ln y = 0 concluimos que f econstante igual a zero e portanto

ln(xy) = lnx + ln y

(3) Como ln x = ln(y · xy ) = ln y + ln x

y , obtemos

ln xy = lnx− ln y

(4) Vamos provar o resultado por inducao. Para n = 0, lnx0 = ln 1 = 0. Assu-mindo por hipotese que ln(xn) = n ln x obtemos

ln(xn+1) = ln(xn · x) = ln(xn) + lnx = n ln x + lnx = (n + 1) ln x

o que completa a demonstracao. �

Vamos agora estudar o grafico de lnx. Como (ln x)′ = 1x > 0 e (ln x)′′ = − 1

x2 < 0,lnx e uma funcao estritamente crescente com concavidade voltada para baixo.

Proposicao: limx→+∞

lnx = +∞ e limx→0+

lnx = −∞

Portanto o integral improprio∫ 1

0+1x dx e divergente.

Demonstracao. Primeiro observamos o seguinte: no intervalo [1, 2] 1x ≥ 1

2 logo

ln 2 =

∫ 2

1

1

xdx ≥

∫ 2

1

1

2dx =

1

2

§2. Exponenciais e a funcao logaritmo 151

Para mostrar que limx→+∞

lnx = +∞ temos que mostrar que para todo o M > 0

existe um N > 0 tal que, se x > N entao lnx > M . Seja entao M > 0. EscolhendoN = 22M , como ln x e crescente obtemos

se x > N entao lnx > lnN = ln 22M = 2M ln 2 >2M

2= M

o que termina a demonstracao. Para calcular limx→0+

lnx fazemos a mudanca de

variavel y = 1x . Entao, quando x→ 0+, y → +∞ logo

limx→0+

lnx = limy→+∞

ln1

y= − lim

y→+∞ln y = −∞ �

A figura mostra o grafico de lnx:

2 4 6 8 10

-3

-2

-1

1

2

3

Figura 1. Grafico da funcao logaritmo natural

§2.2. Exponenciais. Como ln e estritamente crescente possui uma inversa a quechamamos exponencial. Os limites em 0+ e +∞ e a continuidade de ln mostramque o seu contradomınio e R, que e assim tambem o domınio da sua inversa. Re-presentamos a funcao exponencial por exp : R → R. O grafico de exp pode serobtido atraves do grafico de ln:

152 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

-3 -2 -1 0 1 2 3

2

4

6

8

10

Figura 2. Grafico da funcao exponencial

Note que limx→+∞

exp(x) = +∞ e limx→−∞

exp(x) = 0.

Proposicao: exp(x + y) = exp(x) exp(y)

Demonstracao. Aplicando logaritmos obtemos

ln(exp(x + y)) = x + y

ln(exp(x) exp(y)) = ln(exp(x)) + ln(exp(y)) = x + y

logo ln(exp(x + y)) = ln(exp(x) exp(y)) e portanto exp(x + y) = exp(x) exp(y). �

Proposicao: exp e uma funcao diferenciavel com derivada (exp)′ = exp.

Demonstracao. A formula para a derivada da funcao inversa diz-nos que, sey = ex, x = ln y entao

(exp x)′ =1

(ln y)′=

1

1/y= y = expx �

Proposicao: Seja b ∈ Q e a > 0. Entao ab = exp(b ln a).

Como a expressao exp(b ln a) faz sentido nao apenas para b ∈ Q mas para qualquervalor de b ∈ R, definimos para a > 0

Definicao 2: ab = exp(b ln a).

Passemos a demonstracao da proposicao:

Demonstracao. Provar que ab = exp(b ln a) e equivalente a provar que ln(ab) =b ln a. Ja mostramos este resultado para b ∈ N0. Seja entao b = p

q ∈ Q, p, q > 0.

§2. Exponenciais e a funcao logaritmo 153

Como p, q ∈ N0,

q ln(a

p

q

)= ln

((a

p

q

)q)= ln

(a

p

qq)

= ln (ap) = p ln a

Dividindo por q obtemos ln ap

q = pq ln a. Falta ver o caso em que b < 0. Como

−b > 0,

ln(ab) = ln

(1

a−b

)= − ln(a−b) = −(−b) ln a = b ln a �

Exercıcio. Mostre que ab+c = abac e acbc = (ab)c.

Exemplo 1. Para c ∈ R podemos definir a funcao xc : ]0,+∞[→ R por xc =exp(c ln x). Derivando obtemos a formula

(xc)′ = (exp(c ln x))′ =c

xexp(c ln x) =

c

xxc = cxc−1

que generaliza a conhecida formula (xn)′ = nxn−1 para n ∈ N. E de salientar que,

se c = pq ∈ Q com q ımpar, entao a funcao x

p

q = q√

xp esta de facto definida para

todo o x ∈ R. �

Exemplo 2. Seja a > 0. Entao podemos definir a funcao ax : R → R por ax =exp(x ln a). Derivando obtemos

(ax)′ = (exp(x ln a))′ = ln a exp(x ln a) = ln a · ax

Para a 6= 1, (ax)′ 6= 0 logo ax e injectiva. Chamamos logaritmo de base a, loga, a

inversa de ax. Se y = ax entao ln y = x ln a portanto loga y = x = ln yln a �

Chamamos a e = exp(1) o numero de Nepper.

Proposicao: Seja e = exp(1) o numero de Nepper. Entao ex = exp(x).

Demonstracao. e = exp(1) portanto ln e = 1. Assim

ex = exp(x ln e) = exp(x) �

loge x e a inversa de ex = exp x logo loge x = lnx. E costume em matematica usara notacao

log x = loge x = lnx

Terminamos esta seccao com dois exemplos duma tecnica util para derivar certasfuncoes.

Exemplo 3. Queremos derivar f(x) = (senx)cos x, x ∈ ]0, π[. Aplicando logarit-mos obtemos

log f(x) = cos x log(sen x)

Derivando obtemos

f ′(x)

f(x)= − sen x log(sen x) + cos x

cos x

senx

154 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Multiplicando tudo por f(x) = (sen x)cos x obtemos

f ′(x) = f(x)

(− sen x log(sen x) +

cos2 x

sen x

)= (sen x)cos x

(− sen x log(sen x) +

cos2 x

sen x

)

Exemplo 4. Queremos calcular a derivada de f(x) = x43√

1−x2

4√

2x+3. Aplicando loga-

ritmos

log f(x) =4

3log x +

1

2log(1− x2)− 1

4log(2x + 3)

Derivando

f ′(x)

f(x)=

4

3x+

−2x

2(1− x2)− 2

4(2x + 3)

Logo

f ′(x) =x

43

√1− x2

4√

2x + 3

(4

3x− x

1− x2− 1

4x + 6

)

§2.3. Funcoes hiperbolicas e as suas inversas.

Definicao 3: O seno hiperbolico e a funcao senh : R→ R definida por

senhx =ex − e−x

2O coseno hiperbolico e a funcao cosh : R→ R definida por

cosh x =ex + e−x

2

E imediatamente claro que senhx e ımpar e que cosh x e par. As derivadas saofaceis de calcular:

(senh x)′ = coshx (cosh x)′ = senhx

Como ex e sempre positiva, cosh x > 0 logo senh e estritamente crescente, anulando-se na origem. Para analizar o comportamento assimptotico, repare que quando x→+∞, e−x → 0 logo senhx ≈ 1

2ex. Quando x→ −∞, ex → 0 logo senhx ≈ − 12e−x.

§2. Exponenciais e a funcao logaritmo 155

-2 -1 1 2

-3

-2

-1

1

2

3

− 12e−x

12ex senhx

Figura 3. Grafico da funcao senh x

Estudando o sinal de (coshx)′ = senhx vemos que cosh x e estritamente decrescenteem ] − ∞, 0 ] e estritamente crescente em [ 0,+∞[, tendo um mınimo em x = 0:cosh(0) = 1. Quando x→ +∞, coshx ≈ 1

2ex e quando x→ −∞, coshx ≈ 12e−x.

-2 -1 1 2

1

2

3

12e−x1

2ex

cosh x

Figura 4. Grafico da funcao cosh x

As funcoes hiperbolicas tem propriedades bastante semelhantes as das funcoes tri-gonometricas:

Teorema 4 (Propriedades das funcoes hiperbolicas):

cosh2 x− senh2 x = 1

cosh2 x = 12 + 1

2 cosh(2x)

senh2 x = − 12 + 1

2 cosh(2x)

2 senh x cosh x = senh(2x)

A demonstracao e directa a partir da definicao e fica como exercıcio. senh e injectivae cosh e injectiva no intervalo [ 0,+∞[ pelo que podemos definir funcoes inversas:

156 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Definicao 5: Chamamos argumento do seno hiperbolico a funcao inversa do senohiperbolico e representamo-la por

argsenh x : R→ R

Chamamos argumento do coseno hiperbolico, argcosh, a funcao inversa da restricaocoseno hiperbolico ao intervalo [ 0,+∞[:

argcosh : [ 1,+∞[→ R

Teorema 6 (Derivadas das funcoes hiperbolicas inversas):

(argsenh x)′ =1√

1 + x2(argcosh x)′ =

1√x2 − 1

Demonstracao. Pondo y = argsenh x, x = senh y,

(argsenh x)′ =1

(senh y)′=

1

cosh y

Como cosh2 y = 1 + senh2 y e o coseno hiperbolico e sempre positivo, cosh y =√1 + senh2 y =

√1 + x2. Assim,

(argsenh x)′ =1√

1 + x2

Seja agora x = cosh y com y ≥ 0. Entao y = argcosh x e

(argcosh x)′ =1

(cosh y)′=

1

senh y

Como y ≥ 0 e senh2 y = cosh2 y − 1, entao senh y =√

cosh2 y − 1 =√

x2 − 1 logo

(argcosh x)′ =1√

x2 − 1�

A estas formulas estao naturalmente associadas formulas para as primitivas:∫

dx√1 + x2

= senhx + C

∫dx√

x2 − 1= cosh x + C (x ≥ 1)

§3. Primitivacao por partes

Primitivando a formula para a derivada do produto

(u(x)v(x) )′ = u′(x)v(x) + u(x)v′(x)

obtemos uv =∫

u′v +∫

uv′ que normalmente se escreve na forma

Teorema 1 (Primitivacao por Partes):∫

u′(x)v(x) dx = u(x)v(x)−∫

u(x)v′(x) dx

§4. Primitivacao de funcoes racionais 157

Esta formula transforma o problema do calculo da primitiva dum produto∫

u′vno problema do calculo de outra primitiva

∫uv′ obtida da primeira primitivando

um dos factores e derivando o outro. Uma situacao frequente e aquela em quederivamos x:

Exemplo 1. Queremos primitivar∫

x cos x dx. Se derivarmos x e primitivarmoscos x o resultado e bastante mais simples. Assim, seja u = senx, u′ = cos x e v = x.Obtemos ∫

xvcos x

u′dx = x

vsen x

u−∫

1v′· sen x

udx = x sen x + cos x �

Primitivacao por partes e muito util com funcoes como log x e arctan x cujas deri-vadas sao funcoes racionais:

Exemplo 2. Queremos primitivar∫

log x dx. Escrevemos u = x, u′ = 1 e v =log x. Obtemos

∫1u′· log x

vdx = x

ulog x

v−∫

x1

xu v′

dx = x log x− x + C �

Outra tecnica frequente e ilustrada no proximo exemplo:

Exemplo 3. Queremos primitivar∫

sen x ex dx. Seja u′ = ex e v = senx. Entao∫

sen x ex dx = senx ex −∫

cos x ex dx

Agora primitivamos∫

cos x ex dx outra vez por partes pondo u′ = ex e v = cos x.Obtemos

∫sen x ex dx = sen x ex −

(cos x ex −

∫(− sen x)ex dx

)

= sen x ex − cos x ex −∫

sen xex dx

Mas esta formula diz-nos que 2∫

sen x ex dx = senx ex − cos x ex logo∫

sen x ex dx =1

2(sen x ex − cos x ex) �

§4. Primitivacao de funcoes racionais

Recorde que uma funcao racional e um quociente de dois polinomios. A primitivacaode funcoes racionais baseia-se em manipulacoes como a ilustrada no exemplo se-guinte:

Exemplo 1. Vamos primitivar a funcao

f(x) =1

x(x− 1)

158 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Para tal observamos que

1

x(x− 1)=

1− x + x

x(x− 1)

=1− x

x(x− 1)+

x

x(x− 1)

= − 1

x+

1

x− 1

Assim,∫

1

x(x− 1)dx =

∫− 1

x+

1

x− 1dx

= −∫

1

xdx +

∫1

x− 1dx

= − ln |x|+ ln |x− 1|+ C �

O metodo e baseado nos dois teoremas seguintes, que provaremos no fim destaseccao:

Teorema 1: Seja P um polinomio e sejam a1, . . . , an numeros complexos distin-tos. Entao existem polinomios P1, . . . , Pk tais que

P

(x− a1)n1 · · · (x− ak)nk=

P1

(x− a1)n1+ · · ·+ Pk

(x− ak)nk

Cada termo na soma pode ser ainda simplificada usando o resultado

Teorema 2: Dados quaisquer polinomios P e Q podemos sempre escrever

P

Qn= D +

P1

Q+

P2

Q2+ ·+ Pn

Qn

em que o grau de cada Pi e inferior ao grau de Q.

Naturalmente o problema que se poe e o de calcular de forma eficiente os polinomiosP1, . . . , Pn.

E conveniente organizar a primitivacao de funcoes racionais em varios passos quepassamos a descrever:

Dividir os polinomios. Se o grau de P for maior ou igual ao grau de Q, comecamospor dividir os dois polinomios:

P

Q= D +

P

Q

em que o grau de P e inferior ao grau de Q.

Exemplo 2. Queremos primitivar a funcao racional

2x5 + 4x3 − 2

x4 − 1

§4. Primitivacao de funcoes racionais 159

Como o grau do numerador e maior que o grau do denominador, comecamos pordividir os polinomios:

2x5 + 4x3 − 2 x4 − 12x5 − 2x 2x

+ 4x3 + 2x− 2

Assim,2x5 + 4x3 − 2

x4 − 1= 2x +

4x3 + 2x− 2

x4 − 1

A primitiva de 2x e x2 portanto ficamos com o problema de primitivar

4x3 + 2x− 2

x4 − 1�

Factorizar o denominador. O segundo passo e factorizar o denominador comoum produto Q = Q1 · · ·Qn em que cada Qi e um polinomio da forma (x − a)k ou(ax2 + bx + c)k, em que neste ultimo caso ax2 + bx + c nao tem raızes reais.

Exemplo 3. Para primitivar a funcao

4x3 + 2x− 2

x4 − 1

e necessario factorizar o denominador:

x4 − 1 = (x2)2 − 1 = (x2 − 1)(x2 + 1) = (x− 1)(x + 1)(x2 + 1)

Como x2 + 1 nao tem raızes reais terminamos a factorizacao aqui. �

Decompor o quociente em fraccoes simples. A cada factor do denominadorassociamos uma fraccao simples de acordo com a seguinte tabela, na qual Q designaum polinomio de grau dois sem raızes:

x− aA

x− a

QBx + C

Q

(x− a)n A1

x− a+

A2

(x− a)2+ · · ·+ An

(x− a)n

Qn A1x + B1

Q+

A2x + B2

Q2+ · · ·+ Bnx + Cn

Qn

Tabela 1. Decomposicao em fraccoes simples

Exemplo 4. Seguindo a tabela obtemos

4x3 + 2x− 2

(x− 1)(x + 1)(x2 + 1)=

A

x− 1+

B

x + 1+

Cx + D

x2 + 1

160 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

para algumas constantes A,B,C,D a determinar. Para determinar essas constantesreduzimos tudo ao mesmo denominador:

4x3 + 2x− 2

(x− 1)(x + 1)(x2 + 1)

=A(x + 1)(x2 + 1) + B(x− 1)(x2 + 1) + (Cx + D)(x− 1)(x + 1)

(x− 1)(x + 1)(x2 + 1)

Obtemos assim a igualdade entre polinomios

4x3 + 2x− 2 = A(x + 1)(x2 + 1) + B(x− 1)(x2 + 1) + (Cx + D)(x− 1)(x + 1)

igualdade esta valida para qualquer valor de x. A maneira mais simples de prosse-guir e dar valores a x. Pondo x = 1 obtemos

4 · 13 + 2 · 1− 2 = A(1 + 1)(12 + 1) + B(1− 1)(12 + 1) + (Cx + D)(1− 1)(1 + 1)

logo 4 = 4A donde tiramos A = 1. O outro valor conveniente e x = −1:

4 · (−1)3 + 2 · (−1)− 2 = B(−1− 1)((−1)2 + 1

)

logo −8 = −4B e portanto B = 2. Para prosseguirmos desenvolvemos os produtos

4x3 + 2x− 2 = A(x3 + x2 + x + 1) + B(x3 − x2 + x− 1) + C(x3 − x) + D(x2 − 1)

e igualamos potencias de x:

x3 = Ax3+Bx3+Cx3

0 = Ax2−Bx2 +Dx2

2x = Ax +Bx −Cx

−2 = A −B −D

A primeira equacao diz-nos que C = 4−A−B = 4−1−2 = 1 e a segunda equacaodiz-nos que D = B −A = 2− 1 = 1. Assim,

A = 1, B = 2, C = 1, D = 1

e portanto

4x3 + 2x− 2

(x− 1)(x + 1)(x2 + 1)=

1

x− 1+

2

x + 1+

x + 1

x2 + 1

Primitivar. Finalmente e necessario primitivar as fraccoes simples.

Exemplo 5.∫

4x3 + 2x− 2

(x− 1)(x + 1)(x2 + 1)dx =

∫1

x− 1+

2

x + 1+

x + 1

x2 + 1dx

=

∫1

x− 1dx +

∫2

x + 1dx +

∫x

x2 + 1dx +

∫1

x2 + 1dx

= ln |x− 1|+ 2 ln |x + 1|+ 1

2ln |1 + x2|+ arctan(1 + x2) + C �

§4. Primitivacao de funcoes racionais 161

Sumarizando o procedimento temos

(1) Dividir os polinomios

(2) Factorizaro do denominador

(3) Decompor em fraccoes simples

(4) Primitivar

Tal como prometido, terminamos a seccao demonstrando os teoremas 1 e 2.

Demonstracao. Queremos mostrar que

P (x)

(x− a1)n1 · · · (x− ak)nk=

P1(x)

(x− a1)n1+ · · ·+ Pk(x)

(x− ak)nk

A demonstracao e por inducao no grau do denominador. Se o denominador for degraus 1 basta tomar P1 = P . No caso geral, assumimos que a proposicao e validase o denominador tiver grau n− 1 e consideramos um quociente

P (x)

(x− a1)n1 · · · (x− ak)nk

com n = n1 + · · ·+ nk o grau do denominador. Seja

Q(x) = (x− a1)n1 · · · (x− ak−1)

nk−1

EntaoP (x)

(x− a1)n1 · · · (x− ak)nk=

1

Q(x)(x− ak)· P (x)

(x− ak)nk−1

Comecamos por simplificar o quociente 1Q(x)(x−ak) . Dividindo Q(x) por x− ak,

Q(x)

x− ak= S(x) +

C

x− ak

Como ak nao e uma raiz de Q(x), o resto C e diferente de zero. Dividindo ambosos membros desta igualdade por C Q(x) obtemos

1/C

x− ak=

S(x)/C

Q(x)+

1

Q(x)(x− ak)

ou seja1

Q(x)(x− ak)=

1/C

x− ak− S(x)/C

Q(x)

Substituindo acima,

P (x)

Q(x)(x− ak)nk=

(1/C

x− ak− S(x)/C

Q(x)

)· P (x)

(x− ak)nk−1

=P (x)/C

(x− ak)nk− S(x)P (x)/C

Q(x)(x− ak)nk−1

Agora, Q(x)(x − ak)nk−1 tem grau n − 1 logo por hipotese de inducao, existempolinomios P1, . . . , Pk tais que

− S(x)P (x)/C

Q(x)(x− ak)nk−1=

P1(x)

(x− a1)n1+ · · ·+ Pk(x)

(x− ak)nk−1

162 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Assim,

P

Q(x)(x− ak)nk=

P1(x)

(x− a1)n1+ · · ·+ Pk(x)

(x− ak)nk−1+

P (x)/C

(x− ak)nk

=P1(x)

(x− a1)n1+ · · ·+ Pk(x)(x− ak) + P (x)/C

(x− ak)nk

o que termina a demonstracao. �

Passamos a demonstracao do teorema 2:

Demonstracao. Queremos mostrar que

P

Qn= D +

P1

Q+

P2

Q2+ ·+ Pn

Qn

em que o grau de cada Pi e inferior ao grau de Q. A demonstracao e por inducaoem n.

• Tomemos n = 1. Dividindo P por Q obtemos

P

Q= D +

P1

Q

• Vamos agora assumir que o resultado se verifica para n = m e vamos provaro resultado para n = m + 1. Dividindo P por Q, e chamando P ao quociente

e Pm+1 ao resto, PQ = P + Pm+1

Q logo

P

Qm+1=

(P +

Pm+1

Q

)· 1

Qm=

P

Qm+

Pm+1

Qm+1

Por hipotese de inducao,

P

Qm= D +

P1

Q+

P2

Q2+ ·+ Pm

Qm

pelo queP

Qm+1= D +

P1

Q+

P2

Q2+ ·+ Pm

Qm+

Pm+1

Qm+1

o que termina a demonstracao. �

§5. Primitivas com funcoes trigonometricas

§5.1. O seno e o coseno. Comecemos com um exemplo:

Exemplo 1. Queremos primitivar sen2(x) cos3(x). Notamos que∫

sen2(x) cos3(x) dx =

∫sen2(x) cos2(x)(cos x dx) =

∫sen2 x(1−sen2 x)(cos x dx)

Assim, fazendo a substituicao u = senx, du = cos x dx obtemos∫

sen2(x) cos3(x) dx =

∫u2(1− u2)du =

∫u2 − u4 du

=u3

3− u5

5+ C =

cos3 x

3− cos5 x

5+ C �

§5. Primitivas com funcoes trigonometricas 163

Neste exemplo usamos a formula sen2 x + cos2 x = 1 e a substituicao u = cos x.A mesma tecnica pode ser usada para primitivar senn(x) cosm(x) para quaisquerinteiros n,m, desde que n ou m sejam ımpares:

• Se n = 2k + 1 for ımpar,∫

sen2k+1(x) cosm(x) dx =

∫sen2k(x) cosm(x)(sen x dx)

=

∫(1− cos2 x)k cosm x(sen x dx)

Podemos agora substituir u = cos x.

• Se m = 2k + 1 for ımpar,∫

senn(x) cos2k+1(x) dx =

∫senn(x) cos2k(x)(cos x dx)

=

∫senn(x)(1− sen2 x)k(cos x dx)

Podemos agora substituir u = senx.

Exemplo 2. Para n = 0 e m = −1 temos f(x) = (cos x)−1 = sec x:∫

sec x dx =

∫1

cos xdx =

∫1

cos2 xcos x dx =

∫1

1− sen2 xcos x dx

Fazendo a substituicao u = sen x, du = cos x dx obtemos∫

1

1− sen2 xcos x dx =

∫1

1− u2du

Deixamos como exercıcio a verificacao que

∫1

1− u2du = − 1

2 log |1− u|+ 12 log |1 + u| = log

√∣∣∣∣1 + u

1− u

∣∣∣∣

Falta apenas substituir u = sen x:

∫sec x dx = log

√∣∣∣∣1 + senx

1− sen x

∣∣∣∣ �

Para expoentes pares usamos a formula trigonometrica

cos 2x = 2 cos2 x− 1 = 1− 2 sen2 x

que escrevemos na forma

sen2 x = 12

(1− cos 2x

)cos2 x = 1

2

(1 + cos 2x

)

Exemplo 3. A primitiva de cos2 x e∫

cos2 x dx +

∫12 (1 + cos 2x) dx =

x

2+

1

4sen 2x + C �

Tecnicas semelhantes podem ser usadas para primitivar funcoes involvendo senoshiperbolicos e cosenos hiperbolicos:

164 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Exemplo 4. Vamos primitivar cosh5 x:∫

cosh5 x dx =

∫cosh4 x(cosh x dx) =

∫(1 + senh2 x)2(cosh x dx)

Fazendo a substituicao u = senhx, du = cosh x dx obtemos∫

(1 + senh2 x)2(cosh x dx) =

∫(1 + u2)2du =

∫(1 + 2u2 + u4)du = u + 2

3u3 + 15u5

Substituindo u = senhx obtemos∫cosh5 x dx = senhx + 2

3 senh3 x + 15 senh5 x �

§5.2. Tangente e secante. Ja vimos como primitivar a secante. Primitivar atangente e mais facil: usando a substituicao u = cos x obtemos

∫tan x dx =

∫sen x

cos xdx = −

∫1

cos x(− sen x dx)

= −∫

du

udu = − ln |u|+ C

= − ln | cos x|+ C = ln | sec x|+ C

Tecnicas semelhantes as usadas com o seno e o coseno podem ser usadas com atangente e a secante. Neste caso as formulas relevantes sao

sec2 θ − tan2 θ = 1, (tan θ)′ = sec2 θ, (sec θ)′ = sec θ tan θ

Para primitivar secn θ tanm θ procedemos do seguinte modo:

• Se n = 2k for par,∫

sec2k θ tanm θ dθ =

∫sec2k−2 θ tanm θ(sec2 θ dθ)

=

∫(1 + tan2 θ)k−1 tanm θ(sec2 θ dθ)

Fazemos entao a substituicao u = tan θ.

• Se m = 2k + 1 for ımpar,∫

secn θ tan2k+1 θ dθ =

∫secn−1 θ tan2k θ(sec θ tan θ dθ)

=

∫secn−1 θ(sec2 θ − 1)k(sec θ tan θ dθ)

Fazemos entao a substituicao u = sec θ.

Exemplo 5. Vamos primitivar tan3 θ.∫

tan3 θ dθ =

∫tan3 θ

sec2 θsec2 θ dθ =

∫tan3 θ

1 + tan2 θ(sec2 θ dθ)

Fazendo a substituicao u = tan θ obtemos∫

tan3 θ

1 + tan2 θ(sec2 θ dθ) =

∫u3

1 + u2du

§6. Substituicoes inversas 165

Deixamos ao leitor o cuidado de verificar que∫

u3

1 + u2du = 1

2u2 − log√

1 + u2

Substituindo u = tan θ obtemos∫tan3 θ dθ = 1

2 tan2 θ − log√

1 + tan2 θ = 12 tan2 θ − log | sec θ| �

§6. Substituicoes inversas

Vamos supor que queremos primitivar f(x) = 11+ex . Comecamos por observar que

∫dx

1 + ex=

∫ex dx

ex(1 + ex)

Vamos fazer a substituicao u = ex. Entao du = ex dx:∫ex dx

ex(1 + ex)=

∫du

u(1 + u)

Deixamos ao leitor o cuidado de verificar que∫

1

u(1 + u)=

∫du

u−∫

du

1 + u= log |u| − log |1 + u|+ C = log

∣∣∣∣u

1 + u

∣∣∣∣+ C

Substituindo u = ex obtemos∫dx

1 + ex= log

∣∣∣∣u

1 + u

∣∣∣∣+ C = log

∣∣∣∣ex

1 + ex

∣∣∣∣+ C

Para fazer esta substituicao tivemos que multiplicar e dividir a expressao por ex.Uma maneira mais sistematica de proceder e a seguinte: Como a exponencial einjectiva, podemos inverter a substituicao e escrever x = log u. Entao dx = 1

udulogo ∫

dx

1 + ex=

∫ 1udu

1 + u=

∫du

u(1 + u)

chegando assim a mesma expressao. Usamos aqui o que se chama uma substituicaoinversa:

Teorema 1 (Substituicao inversa): Seja f uma funcao contınua e h umafuncao injectiva de classe C1 (isto e, h′(x) existe e e contınua). Entao

∫f(x) dx =

∫f(h(u))h′(u) du , u = h−1(x)

Uma formula semelhante e valida para integrais:∫ b

a

f(x) dx =

∫ h−1(b)

h−1(a)

f(h(u))h′(u) du

Exemplo 1. Vamos primitivar√

x1+

√x. Vamos usar a substituicao x = u2 com

u ≥ 0. Entao dx = 2u du e u =√

x logo∫ √

x

1 +√

xdx =

∫u

1 + u2u du

166 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Deixamos ao cuidado do leitor a verificacao que

∫2u2 du

u + 1= u2 − 2u + 2 log |u + 1|+ C

Substituindo u =√

x obtemos

∫ √x

1 +√

xdx = u2 − 2u + 2 log |u + 1|+ C = x− 2

√x + 2 log(

√x + 1) + C �

§6.1. Projeccao estereografica. A projeccao estereografica associa a cada pontoθ 6= π do cırculo trigonometrico um ponto na recta real como mostra a figura:

Figura 1. Projeccao estereografica

A projeccao estereografica da origem a uma substituicao bastante util. Observemosa figura

§6. Substituicoes inversas 167

A B D

C E

θθ/2

A projeccao estereografica associa ao ponto C (correspondente ao angulo θ) o pontoE sobre a recta real. Seja t = DE. Usando semelhanca de triangulos, obtemos

tan θ2 =

DE

AD=

t

2=

BC

AB=

sen θ

1 + cos θ

Normalmente usamos a variavel u = t2 em vez de t para simplificar a notacao.

Entao, como cos2 θ2 = 1

2 (1 + cos θ),

u = tan θ2 =

sen θ

1 + cos θ, du = 1

2 sec2(

θ2

)dθ =

2 cos2 θ2

=dθ

1 + cos θ

A utilidade desta substituicao reside nas formulas que passamos a deduzir:

1 + u2 = 1 + tan2 θ2 = sec2 θ

2 =2

1 + cos θ

ou seja

1 + cos θ =2

1 + u2

Como sen θ = u(1 + cos θ) e dθ = (1 + cos θ)du obtemos

cos θ =1− u2

1 + u2, sen θ =

2u

1 + u2, dθ =

2du

1 + u2

Esta substituicao e usada para transformar expressoes com senos e cosenos emfuncoes racionais.

Exemplo 2. Queremos calcular uma primitiva de 13 sen θ+4 cos θ . Usando a substi-

tuicao u = tan θ2 obtemos

∫dθ

3 sen θ + 4 cos θ=

∫ 2du1+u2

3 2u1+u2 + 4 1−u2

1+u2

=

∫du

6u + 4− 4u2

O polinomio 6u + 4− 4u2 tem raızes 2 e − 12 pelo que

6u + 4− 4u2 = −4(u− 2)(u + 1

2

)= −2(u− 2)(2u + 1)

Deixamos ao leitor o cuidado de verificar que∫

du

−2(u− 2)(2u + 1)=

1

5

∫du

2u + 1− 1

10

∫du

u− 2=

1

10log

∣∣∣∣2u + 1

u− 2

∣∣∣∣

168 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Agora so resta substituir u = tan θ2 :

∫dθ

3 sen θ + 4 cos θ=

1

10log

∣∣∣∣2u + 1

u− 2

∣∣∣∣ =1

10log

∣∣∣∣∣2 tan θ

2 + 1

tan θ2 − 2

∣∣∣∣∣ �

§6.2. Substituicoes trigonometricas e hiperbolicas. Primitivas com raızesquadradas surgem frequentemente em exemplos como o seguinte:

Exemplo 3. Queremos calcular a area limitada pela elipse 4x2 + y2 = 1. Resol-vendo em ordem a y obtemos y = ±

√1− 4x2.

4x2 + y2 = 1 y =√

1− 4x2

Figura 2. Area limitada por uma elipse

Assim, a area da elipse e o dobro da area por baixo do grafico de f(x) =√

1− 4x2:

Area = 2

∫ 12

− 12

√1− 4x2 dx

Para calcularmos este integral usamos a substituicao 2x = sen θ. A ideia e que

√1− 4x2 =

√1− (2x)2 =

√1− sen2 θ =

√cos2 θ = | cos θ|

Precisamos duma funcao injectiva portanto restringimos θ ao intervalo[− π

2 , π2

]:

x = 12 sen θ (−π

2 ≤ θ ≤ π2 ) θ = arcsen(2x) (− 1

2 ≤ x ≤ 12 )

Entao dx = 12 cos θ dθ. Para substituir os extremos de integracao, observamos que

se x = − 12 , entao θ = arcsen(−1) = −π

2

se x = 12 , entao θ = arcsen(1) = π

2

§6. Substituicoes inversas 169

Assim,

Area = 2

∫ 12

− 12

√1− 4x2 dx

= 2

∫ π2

−π2

√1− sen2 θ

(12 cos θ dθ

)

Como θ ∈[− π

2 , π2

], cos θ ≥ 0 logo

√1− sen2 θ =

√cos2 θ = cos θ

Assim,

Area =

∫ π2

−π2

cos2 θ dθ =

∫ π2

−π2

12 (1 + cos 2θ) dθ =

π

2�

Os tres tipos de substituicao trigonometrica estao sumarizados na tabela seguinte:

Expressao Substituicao√

a2 − u2 (−a ≤ x ≤ a) u = a sen θ(− π

2 ≤ θ ≤ π2

)

√a2 + u2 (x ∈ R) u = a tan θ

(− π

2 < θ < π2

)

√u2 − a2 (x ≥ 1) u = a sec θ

(0 ≤ θ < π

2

)

Tabela 1. Substituicoes trigonometricas

Exemplo 4. Vamos primitivar x3√

1− 4x2. E util desenhar um triangulo rectangulode referencia:

.

θ

2x

√1− 4x2

1

O triangulo indica-nos qual a substituicao que devemos fazer:

sen θ = 2x (−π2 ≤ θ ≤ π

2

), cos θ =

√1− 4x2

Assim, dx = 12 cos θ dθ e

∫x3√

1− 4x2 dx =

∫18 sen3 θ cos θ

(12 cos θ dθ

)=

∫116 sen3 θ cos2 θ

=

∫116 sen2 θ cos2 θ(sen θ dθ) =

∫116 (1− cos2 θ) cos2 θ(sen θ dθ)

Fazendo a substituicao u = cos θ, du = − sen θ dθ obtemos∫

116 (1− cos2 θ) cos2 θ(sen θ dθ) =

∫116 (1− u2)u2 du = 1

48u3 − 180u5 + C

170 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Substituindo u = cos θ =√

1− 4x2 obtemos o resultado final:

∫x3√

1− 4x2 dx = 148

(1− 4x2

) 32 − 1

80

(1− 4x4

) 52 + C �

Exemplo 5. Vamos calcular uma primitiva de 1(4x2+9)2 . Comecamos por desenhar

um triangulo rectangulo de referencia:

.

θ

2x

3

√4x2 + 9

O triangulo indica-nos qual a substituicao que devemos fazer:

tan θ =2x

3

(− π

2 < θ < π2

), sec θ =

√4x2 + 9

3

Assim, dx = 32 sec2 θ dθ logo

∫dx

(4x2 + 9)2=

∫ 32 sec2 θ dθ

34 sec4 θ=

∫dθ

54 sec2 θ

=

∫154 cos2 θ dθ =

∫1

108 (1 + cos 2θ)dθ

= 1108

(θ + 1

2 sen 2θ)

Precisamos agora de substituir θ por x. Como tan θ = 2x3 , θ = arctan

(32θ). Por

outro lado, 12 sen 2θ = sen θ cos θ e o triangulo de referencia da-nos os valores de

sen θ e de cos θ:

sen θ =2x√

4x2 + 9cos θ =

3√4x2 + 9

Assim,

∫dx

(4x2 + 9)2= 1

108

(θ + sen θ cos θ

)

=1

108

(arctan 3θ

2 +2x√

4x2 + 9· 3√

4x2 + 9

)

=1

108

(arctan 3θ

2 +6x

4x2 + 9

)�

Exemplo 6. Vamos calcular uma primitiva de 1x2

√x2−16

com x ≥ 1. Comecamos

por desenhar um triangulo rectangulo de referencia:

§6. Substituicoes inversas 171

.

θ

√x2 − 16

4

x

O triangulo indica-nos qual a substituicao que devemos fazer:

sec θ =x

4

(0 ≤ θ < π

2

)tan θ =

√x2 − 16

4

Assim, dx = 4 sec θ tan θ dθ pelo que∫

dx

x2√

x2 − 16=

∫4 sec θ tan θ dθ

16 sec2 θ · 4 tan θ=

∫dθ

16 sec θ

=

∫116 cos θ dθ = 1

16 sen θ

O triangulo de referencia da-nos o valor do seno:∫

dx

x2√

x2 − 16= 1

16 sen θ =1

16·√

x2 − 16

x=

√x2 − 16

16x�

E muitas vezes mais conveniente usar substituicoes hiperbolicas, que sumarizamosna proxima tabela:

Expressao Substituicao√a2 + u2 (u ∈ R) u = a senh t

(t ∈ R

)√

u2 − a2 (u ≥ 1) u = a cosh t(t ≥ 0)

Tabela 2. Substituicoes hiperbolicas

Exemplo 7. Queremos calcular uma primitiva de√

1 + x2. O leitor pode verificarque uma substituicao trigonometrica nos conduz ao intergral

∫sec3 θ dθ que e difıcil

de calcular. Em vez disso usamos a substituicao hiperbolica

senh t = x cosh t =√

1 + x2

Entao dx = cosh t dt e obtemos∫ √1 + x2 dx =

∫cosh2 t dt =

∫12 (1 + cosh 2t)dt

= 12

(t + 1

2 senh t)

= 12 (t + senh t cosh t)

= 12 (argsenh x + x

√1 + x2) �

§6.3. Primitivas involvendo polinomios de segundo grau. Para lidar compolinomios do segundo grau usamos o procedimento chamado de “completar osquadrados”. Usamos o facto de (x + a)2 = x2 + 2ax + a2 para escrever

x2 + 2ax + b = x2 + 2ax + a2 − a2 + b = (x + a)2 − a2 + b

172 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Exemplo 8. Vamos primitivar 1√x2−3x+2

. Primeiro completamos os quadrados:

x2 − 3x + 2 = x2 + 2(− 3

2

)x + 2

= x2 + 2(− 3

2

)x +

(− 3

2

)2 −(− 3

2

)2+ 2

=(x− 3

2

)2 − 94 + 2

=(x− 3

2

)2 − 14

Queremos portanto calcular∫

dx√(x− 3

2

)2 − 14

Aqui e mais simples fazer uma substituicao hiperbolica. A raiz quadrada e da forma√u2 − a2 com u = x− 3

2 e a = 12 portanto fazemos a substituicao

x− 32 = 1

2 cosh t , dx = 12 senh t

Obtemos assim∫

dx√(x− 3

2

)2 − 14

=

∫ 12 senh t dt12 senh t

=

∫dt = t = argcosh(2x− 3) �

§7. Indeterminacoes e o teorema de Cauchy

Comecemos por recordar que, se limx→a

f(x) e limx→a

g(x) existem entao

limx→a

(f(x) · g(x)

)=(

limx→a

f(x))·(

limx→a

f(x))

Sabemos tambem lidar com a maioria dos casos em que um ou ambos os limites saoinfinitos. E conveniente aqui introduzir a chamada recta acabada, obtida juntando

a R os infinitos: R = R ∪ {−∞,+∞}. Dizemos que um limite existe em R se olimite for finito ou for igual a ±∞. Temos entao a chamada “algebra dos limites”

(em que a ∈ R):

Se a > 0, a · (+∞) = +∞ e a · (−∞) = −∞Se a < 0, a · (+∞) = −∞ e a · (−∞) = +∞

Mas se limx→a

f(x) = 0 e limx→a

g(x) = ±∞, o limite do produto nao pode ser calculado

directamente como se pode verificar no exemplo seguinte:

Exemplo 1. Tomemos a = 0 e g(x) = 1x2 . Entao lim

x→0g(x) = +∞.

• Se f(x) = x2, entao f(x)→ 0 e f(x)g(x)→ 1.

• Mais geralmente, dado b ∈ R, se f(x) = bx2, f(x)g(x)→ b.

• Se f(x) = |x|, entao f(x)→ 0 e f(x)g(x)→ +∞.

• Se f(x) = x3, entao f(x)→ 0 e f(x)g(x)→ 0. �

§7. Indeterminacoes e o teorema de Cauchy 173

Chamamos a estes limites indeterminacao do tipo∞·0. Analogamente para a somatemos a “algebra dos limites”:

+∞+∞ = +∞ −∞−∞ = −∞ ±∞+ a = ±∞ (com a ∈ R)

Se f, g → +∞, chamamos ao limite limx→a

f(x) − g(x) uma indeterminacao de tipo

+∞−∞.

§7.1. A regra de Cauchy. O limite dum quociente f(x)g(x) e uma indeterminacao

se e so se o produto f(x) 1g(x) for uma indeterminacao. Temos assim dois casos:

• Se f → 0 e 1g →∞ entao g → 0 e temos uma indeterminacao

0

0

• Se f →∞ e 1g → 0 entao g →∞ e temos uma indeterminacao

∞∞

Para o calculo deste tipo de limites e de grande utilidade a chamada Regra deCauchy:

Teorema 1 (Regra de Cauchy): Seja I = ]a, b[ com a, b ∈ R e sejam f, gfuncoes diferenciaveis em I. Se uma das seguintes condicoes se verificar

(1) limx→a+

f(x) = limx→a+

g(x) = 0 (indeterminacao 00 )

(2) limx→a+

g(x) = ±∞ e limx→a+

g(x) = ±∞ (indeterminacao ∞∞ )

e o limite do quociente f ′(x)g′(x) existir em R entao

limx→a+

f(x)

g(x)= lim

x→a+

f ′(x)

g′(x)

Um resultado analogo e valido para limites quando x→ b−.

Nota: A regra de Cauchy nao se aplica so a limites laterais. Aplica-se tambemaos limites normais ja que lim

x→ah(x) = L se e so se lim

x→a+h(x) = lim

x→a−h(x) = L.

Demonstraremos a regra de Cauchy na proxima seccao mas deixamos aqui algumasconsideracoes:

• Seja a ∈ R. Se f e g forem diferenciaveis em a entao podemos aproximar osseus valores pela recta tangente:

f(x) ≈ f(a) + f ′(a)(x− a)

g(x) ≈ g(a) + g′(a)(x− a)

Se f(a) = limx→a

f(x) = 0 e g(a) = limx→a

g(x) = 0, entao

f(x)

g(x)≈ f ′(a)(x− a)

g′(a)(x− a)=

f ′(a)

g′(a)para x ≈ a

A regra de Cauchy diz-nos que

limx→a

f(x)

g(x)= lim

x→a

f ′(x)

g′(x)=

f ′(a)

g′(a)

174 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Por exemplo, o limite notavel

limx→0

sen x

x= 1

pode ser entendido facilmente deste modo: a aproximacao pela recta tangentediz-nos que sen x ≈ x logo

limx→0

sen x

x= lim

x→0

x

x= 1

• Vamos agora supor que limx→+∞

f(x) = limx→+∞

g(x) = +∞. Assumindo que f e

g tem assımptotas diagonais y = m1x + b1 e y = m2x + b2 respectivamente,temos

f(x) ≈ m1x + b1 e g(x) ≈ m2x + b2 para x≫ 0

Entao,

f(x)

g(x)≈ m1x + b1

m2x + b2e lim

x→+∞m1x + b1

m2x + b2=

m1

m2

Se os limites limx→+∞

f ′(x) e limx→+∞

g′(x) existirem, intuitivamente deveremos

ter f ′(x)→ m1 e g′(x)→ m2.

Figura 1. Se o limite limx→+∞

f ′(x) existir e igual a m1.

A regra de Cauchy confirma a nossa intuicao:

m1 = limx→+∞

f(x)

x= lim

x→+∞f ′(x)

1, m2 = lim

x→+∞g(x)

x= lim

x→+∞g′(x)

1

limx→+∞

f(x)

g(x)= lim

x→+∞f ′(x)

g′(x)=

m1

m2

Vamos agora ver alguns exemplos de aplicacao da regra de Cauchy:

Exemplo 2. Queremos calcular

limx→+∞

ex

x

Trata-se de uma indeterminacao do tipo ∞∞ . Aplicando a regra de Cauchy obtemos

limx→+∞

ex

x= lim

x→+∞(ex)′

(x)′= lim

x→+∞ex

1= +∞ �

§7. Indeterminacoes e o teorema de Cauchy 175

Exemplo 3. Consideremos o limite

limx→0

cos x− 1 + 12x2

x4

Como temos uma indeterminacao do tipo 00 podemos aplicar a regra de Cauchy

limx→0

cos x− 1 + 12x2

x4= lim

x→0

− sen x + x

4x3

Continuamos com uma indeterminacao portanto podemos continuar a aplicar aregra de Cauchy. Obtemos sucessivamente

limx→0

− sen x + x

4x3= lim

x→0

− cos x + 1

12x2regra de Cauchy

= limx→0

sen x

24xregra de Cauchy

=1

24limite notavel sen x

x → 1 �

Exemplo 4. Queremos calcular o limite

limx→+∞

sen x + x

x

Trata-se duma indeterminacao do tipo ∞∞ . Aplicando a regra de Cauchy temos

limx→+∞

(sen x + x

)′

(x)′= lim

x→+∞

(cos x + 1

)

Este limite nao existe! A regra de Cauchy so se aplica se o limite do quociente f ′

g′

existir portanto nao podemos concluir nada. Temos que calcular o limite de outraforma:

limx→+∞

sen x + x

x= lim

( sen x

x+ 1)

Como 1x → 0 e sen x e limitada, sen x

x → 0 logo

lim( sen x

x+ 1)

= 0 + 1 = 1. �

Para aplicar a regra de Cauchy a uma indeterminacao do tipo 0 ·∞ temos primeiroque transformar o produto num quociente:

Exemplo 5. Queremos calcular

limx→0+

x log x

Ha duas formas de transformar este produto num quociente:

x log x =x

1/ log x=

log x

1/x

176 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

Escolhemos a mais conveniente:

limx→0+

x log x = limx→0+

log x

1/x

= limx→0+

1/x

−1/x2(pela regra de Cauchy)

= limx→0+

(−x) = 0 �

§7.2. O teorema de Cauchy. Nesta seccao vamos demonstrar a regra de Cauchy.Primeiro precisamos do teorema de Cauchy, uma generalizacao dos Teoremas deRolle e de Lagrange de utilidade em muitas outras situacoes:

Teorema 2 (Cauchy): Sejam f, g funcoes contınuas num intervalo [ a, b ] e di-ferenciaveis em ]a, b[ , com g′(x) 6= 0 para qualquer x ∈ ]a, b[ . Entao existe umc ∈ [ a, b ] tal que

f(b)− f(a)

g(b)− g(a)=

f ′(c)

g′(c)

Repare que recuperamos o teorema de Lagrange pondo g(x) = x.

Demonstracao. Seja

K =f(b)− f(a)

g(b)− g(a)

Entao

f(b)− f(a) = K(g(b)− g(a)

)

que podemos escrever como

f(b)−Kg(b) = f(a)−Kg(a)

Assim, a funcao f(x)−Kg(x) toma os mesmos valores em x = a e x = b logo pelo

teorema de Rolle existe um ponto c tal que f ′(c)−Kg′(c) = 0, ou seja, f ′(c)g′(c) = K �

Podemos agora demonstrar a regra de Cauchy:

Demonstracao. Vamos apenas considerar o caso em que o limite lim f ′(x)g′(x) existe

em R.

(1) Consideramos primeiro o caso em que a ∈ R e limx→a+

f(x) = limx→a+

g(x) = 0.

Entao as funcoes

F (x) =

{f(x) x 6= a

0 x = ae G(x) =

{g(x) x 6= a

0 x = a

sao contınuas em a. Pelo teorema de Cauchy, para cada x ∈ ]a, b[, existe umc ∈ ]a, x[, que depende de x, tal que

F (x)

G(x)=

F (x)− F (a)

G(x)−G(a)=

F ′(c)

G′(c)=

f ′(c)

g′(c).

§7. Indeterminacoes e o teorema de Cauchy 177

Quando x→ a+, como a < c < x, necessariamente c→ a+ logo

limx→a+

f(x)

g(x)= lim

x→a+

F (x)

G(x)= lim

x→a+

f ′(c)

g′(c)= lim

c→a+

f ′(c)

g′(c).

(2) Consideramos agora indeterminacoes do tipo ∞∞ . Vamos assumir que lim

x→a+g(x) =

+∞ (o caso em que g(x) → −∞ e completamente analogo).1 Seja a ∈ R,

limx→a+

f ′(x)

g′(x)= L ∈ R. Queremos mostrar que lim

x→a+

f(x)

g(x)→ L, ou seja, que

dado qualquer ε > 0,

L− ε <f(x)

g(x)< L + ε

para qualquer x > a suficientemente proximo de a. Como f ′(x)g′(x) → L, existe

um b tal que

L− ε2 <

f ′(x)

g′(x)< L + ε

2

para qualquer x ∈ ]a, b[ . Pelo teorema de Cauchy,

f(x)− f(b)

g(x)− g(b)=

f ′(c)

g′(c)com x < c < b

logo

L− ε2 <

f ′(c)

g′(c)=

f(x)− f(b)

g(x)− g(b)< L + ε

2

Agora multiplicamos tudo por g(x)−g(b)g(x) = 1 − g(b)

g(x) . Como g(x) → +∞,

1− g(b)g(x) > 0 para x suficientemente proximo de a logo o sentido da desigualdade

e conservado:

(L− ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)<

f(x)− f(b)

g(x)<(L + ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)

Daqui deduz-se facilmente que

(L− ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x) <f(x)

g(x)<(L + ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x)

Agora, como g(x)→ +∞,(L− ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x) → L− ε2 e

(L + ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x) → L + ε2

Assim, para x suficientemente proximo de a, podemos garantir que

L− ε <(L− ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x) e(L + ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x) < L + ε

portanto

L− ε <(L− ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x) <f(x)

g(x)<(L + ε

2

)(1− g(b)

g(x)

)+ f(b)

g(x) < L + ε

o que termina a demonstracao.

1O leitor pode verificar que nao e necessario assumir nada sobre o limite de f(x)!

178 5. Funcoes transcendentes e tecnicas de primitivacao

(3) Vamos agora considerar o caso em que x → +∞. Seja t = 1x . Entao t → 0+

logo

limx→+∞

f(x)

g(x)= lim

t→0+

f(

1t

)

g(

1t

)

= limt→0+

f ′( 1t

)(− 1

t2

)

g′(

1t

)(− 1

t2

) (regra de Cauchy)

= limt→0+

f ′( 1t

)

g′(

1t

)

= limx→+∞

f ′(x)

g′(x)�

§7.3. Potencias. Vamos agora analizar as indeterminacoes que podem surgir comlimites de funcoes da forma f(x)g(x). Por definicao,

f(x)g(x) = exp(g(x) log f(x)

)

portanto

limx→a

f(x)g(x) = limx→a

exp(g(x) log f(x)

)= exp

(limx→a

g(x) log f(x))

se o limite limx→a

g(x) log f(x) existir. Assim fg da origem a uma indeterminacao se

e so se g log f for tambem uma indeterminacao. Temos tres casos:

±∞ · 0: Se g → ±∞ e log f → 0 entao f → e0 = 1. Temos portanto umaindeterminacao do tipo 1∞.

0 · (+∞): Se g → 0 e log f → +∞ entao f → e+∞ = +∞ e temos uma indeter-minacao do tipo ∞0

0 · (−∞): Se g → 0 e log f → −∞ entao f → e−∞ = 0 e temos uma indeter-minacao do tipo 00

Exemplo 6. Queremos calcular limx→0+

xx. Trata-se duma indeterminacao 00.

limx→0+

xx = limx→0+

exp(x log x

)= exp

(lim

x→0+x log x

)

e ja vimos que

limx→0+

x log x = 0

Portanto

limx→0+

xx = exp(

limx→0+

x log x)

= e0 = 1 �

Exemplo 7. Queremos calcular

limx→0−

(cos x)1

sen2 x

Trata-se de uma indeterminacao do tipo 1∞. Temos

limx→0−

(cos x)1

sen2 x = exp

(lim

x→0−

1

sen2 xlog(cos x)

)

§7. Indeterminacoes e o teorema de Cauchy 179

Aplicando a regra de Cauchy temos

limx→0−

log(cos x)

sen2 x= lim

x→0−

− sen xcos x

2 sen x cos x= − lim

x→0−

1

2 cos2 x= −1

2

Assim,

limx→0−

(cos x)1

sen2 x = exp

(lim

x→0−

1

sen2 xlog(cos x)

)= e−

12 �

Capıtulo 6

Polinomios e Series de

Taylor

§1. Polinomios de Taylor

Recordemos que a recta tangente ao grafico de f em x = a

y = T (x) = f(a) + f ′(a)(x− a)

e a recta que passa por (a, f(a)) com declive f ′(a).

Figura 1. Recta tangente

T (x) e uma boa aproximacao de f para x proximo de a Consideremos agora aquestao de encontrar a parabola P (x) que melhor aproxima f para x proximo de

181

182 6. Polinomios e Series de Taylor

a. Certamente que a parabola deve passar por (a, f(a)) e ter declive igual ao de fem a mas ha varias parabolas que satisfazem estas duas condicoes:

Figura 2. Parabolas tangentes ao grafico de f

A parabola que melhor aproxima f e a que tem a mesma concavidade que f em a:

• P (a) = f(a) (a parabola passa por (a, f(a)))

• P ′(a) = f ′(a) (a parabola e tangente ao grafico de f

• P ′′(a) = f ′′(a) (mesma concavidade)

Definicao 1: Dizemos que um polinomio T (x) e polinomio de Taylor de ordemn de f no ponto a se T tiver grau menor ou igual a n e as derivadas ate a ordem nde f e de T forem iguais em a:

T (a) = f(a) , T ′(a) = f ′(a) , T ′′(a) = f ′′(a) , . . . , T (n)(a) = f (n)(a)

Como as derivadas ate a ordem n de f e T sao iguais, f ′(x) e T ′(x) tem tambemas mesmas derivadas em a ate a ordem n− 1. Portanto

Teorema 2: Se T (x) e polinomio de Taylor de ordem n de f(x) em x = a entaoT ′(x) e polinomio de Taylor de ordem n− 1 de f ′(x) em x = a.

Exemplo 1. Seja f(x) = cos x e tomemos o ponto x = 0. Para que um polinomiode grau 2

T (x) = ax2 + bx + c

seja polinomio de Taylor de f e necessario que as suas derivadas sejam iguais as def . Como

T ′(x) = 2ax + b

f ′(x) = − sen xe

T ′′(x) = 2a

f ′′(x) = −cosx

obtemos

T (0) = c = cos 0 = 1

T ′(0) = b = − sen 0 = 0

T ′′(0) = 2a = − cos 0 = −1

§1. Polinomios de Taylor 183

Concluimos que a = − 12 , b = 0 e c = 1. Portanto

T (x) = − 12x2 + 1

e o polinomio de Taylor de ordem 2 de cosx em x = 0. Entao a derivada P (x) =T ′(x) = −x e o polinomio de Taylor de ordem 1 em x = 0 da funcao g(x) = f ′(x) =− sen x. De facto,

P (0) = g(0) = 0 e P ′(0) = g′(0) = −1 �

Para calcular o polinomio de Taylor num ponto a 6= 0 e conveniente escrever opolinomio na forma

T (x) = b0 + b1(x− a) + b2(x− a)2 + b3(x− a)3 + b4(x− a)4 + · · ·+ bn(x− a)n

Derivando

T ′(x) = b1 + 2b2(x− a) + 3b3(x− a)2 + 4b4(x− a)3 + ·+ nbn(x− a)n−1

T ′′(x) = 2b2 + 3 · 2b3(x− a) + 4 · 3b4(x− a)2 + · · ·+ n(n− 1)(x− a)n−2

T ′′′(x) = 3 · 2b3 + 4 · 3 · 2b4(x− a)

...

Assim,

T (a) = b0 , T ′(a) = b1 , T ′′(a) = 2b2 , T ′′′(a) = 3! · b3

e em geral T (k)(a) = k! · bk. Como as derivadas de Tn em x = a sao iguais as de fobtemos

T (k)(a) = k! · bk = f (k)(a)

Teorema 3: O polinomio de Taylor de ordem n de f em x = a e dado por 1

Tn(x) = f(a) + f ′(a)(x− a) +f ′′(a)

2!(x− a)2 +

f ′′′(a)

3!(x− a)3 + · · ·+ f (n)(a)

n!(x− a)n

=n∑

k=0

f (k)(a)

k!(x− a)k

Demonstracao. A demonstracao e por inducao em n. Para n = 0 T0(x) temgrau zero logo e uma constante igual a f(a) pois T0(a) = f(a), Se T e polinomiode Taylor de ordem n + 1 de f entao T ′(x) e polinomio de Taylor de ordem n def ′(x) logo, por hipotese de inducao,

T ′(x) = f ′(a) + f ′′(a)(x− a) +f ′′′(a)

2!(x− a)2 + · · ·+ f (n+1)(a)

n!(x− a)n

Integrando de a a x, como∫ x

a

T ′(t) dt = T (x)− T (a) e

∫ x

a

(t− a)k dt =

[(t− a)k+1

k + 1

]x

a

=(x− a)k+1

k + 1

1o somatorio so esta de facto definido para x 6= a pois se x = a e k = 0 obtemos a expressao 00. Parax = a temos Tn(a) = f(a).

184 6. Polinomios e Series de Taylor

obtemos

T (x)−T (a) = f ′(a)(x−a)+f ′′(a)(x− a)2

2+

f ′′′(a)

2!

(x− a)3

3+· · ·+f (n+1)(a)

n!

(x− a)n+1

n + 1

Como T (a) = f(a),

T (x)−f(a) = f ′(a)(x−a)+f ′′(a)

2(x−a)2+

f ′′′(a)

3!(x−a)3+· · ·+ f (n+1)(a)

(n + 1)!(x−a)n+1

o que termina a demonstracao. �

Exemplo 2. Tomemos f(x) = senx e a = π6 . Entao

f(

π6

)= sen

(π6

)= 1

2 , f ′(π6

)= cos

(π6

)=

√3

2 , f(

π6

)= − sen

(π6

)= − 1

2 ,

Assim,

T2(x) = f(

π6

)+ f ′(π

6

)(x− π

6

)+ 1

2f(

π6

)(x− π

6

)2

= 12 +

√3

2

(x− π

6

)− 1

4

(x− π

6

)2

-Π -Π

2

Π

6

Π

2

-1

1

Figura 3. Polinomios de Taylor de ordens 0,1 e 2 de sen x em x = π6

Os proximos tres exemplos sao extremamente importantes!

Exemplo 3. (Exponencial) Seja a = 0, f(x) = ex. Entao f (k)(0) = e0 = 1 logo

Tn(x) = f(0) + f ′(0)x +f ′′(0)

2!x2 +

f ′′′(0)

3!x3 + · · ·+ f (n)(0)

n!xn

= 1 + x +x2

2+

x3

3!+ · · ·+ xn

n!

=

n∑

k=0

xk

k!�

Exemplo 4. (Seno) Seja a = 0, f(x) = senx. Entao

f ′(x) = cos x , f ′′(x) = − sen x , f ′′′(x) = − cos x , f (4)(x) = senx , . . .

logo as derivadas de f em x = 0 sao sucessivamente

f(0) = 0 , f ′(0) = 1 , f ′′(0) = 0 , f ′′′(0) = −1 , f (4)(0) = 0 , f (5)(0) = 1 , . . .

§1. Polinomios de Taylor 185

Assim,

T1(x) = T2(x) = x

T3(x) = T4(x) = x− x3

3!

T5(x) = T6(x) = x− x3

3!+

x5

5!

T2n+1(x) = T2n+2(x) = x− x3

3!+

x5

5!− x7

7!+ · · ·+ x2n+1

(2n + 1)!

=

n∑

k=0

(−1)k x2k+1

(2k + 1)!

Repare que os polinomios de Taylor do seno tem apenas potencias ımpares de x.De facto todas as funcoes ımpares tem esta propriedade (exercıcio). �

Exemplo 5. (Coseno) Seja a = 0, f(x) = cos x. Entao verificamos facilmenteque

f(0) = 1 , f ′(0) = 0 , f ′′(0) = −1 , f ′′′(0) = 0 , f (4)(0) = 1 , . . .

Assim,

T2n(x) = T2n+1(x) = 1− x2

2+

x4

4!− x6

6!+ · · ·+ x2n

(2n)!

=n∑

k=0

(−1)k x2k

(2k)!

O coseno e uma funcao par, o que se reflecte no facto dos seus polinomios de Taylorso terem potencias pares de x. �

§1.1. Estimativas do erro. Vamos agora analizar o erro cometido na apro-ximacao f(x) ≈ Tn(x). Comecamos com o caso n = 0. T0(x) = f(a) e

f(x)− f(a) =

∫ x

a

f ′(t) dt

Vamos assumir que x > a. Se soubermos que |f ′(t)| ≤ M para qualquer t entre ae x entao

|f(x)− f(a)| =∣∣∣∣∫ x

a

f ′(t) dt

∣∣∣∣

≤∫ x

a

|f ′(t)| dt

≤∫ x

a

M dt = M(x− a)

Um raciocınio analogo para x < a leva-nos a concluir que |f(x)−T0(x)| ≤M |x−a|.

Exemplo 6. Seja a = π6 e f(x) = senx. Entao T0(x) = 1

2 . Como

|f ′(x)| = | cos x| ≤ 1

concluimos que |f(x) = T0(x)| = | sen x− 12 | ≤ |x− π

6 |.

186 6. Polinomios e Series de Taylor

6

Π

6

Π

2

0.5

1

| sen x− T0(x)|

|x− π6 |

Figura 4. | sen x − T0(x)| para a = π6

Queremos agora analizar f(x)− Tn(x) para n > 0. Observe que∫ x

a

f ′(t)− T ′n(t) dt =

[f(t)− Tn(t)

]xa

= f(x)− Tn(x)

pois f(a) = Tn(a). Assim,

|f(x)− Tn(x)| =∣∣∣∣∫ x

a

f ′(t)− T ′n(x) dt

∣∣∣∣

≤∫ x

a

|f ′(t)− T ′n(t)| dt

Como T ′1(x) e o polinomio de Taylor de ordem zero de f ′(x) ja vimos que

se |f ′′(x)| ≤M entao |f ′(x)− T ′1(x)| ≤M |x− a|

portanto, para x > a

|f(x)− T1(x)| ≤∫ x

a

|f ′(t)− T ′1(t)| dt

≤∫ x

a

M(t− a) dt

= M(x− a)2

2

Como T ′2(x) e o polinomio de Taylor de ordem 1 de f ′(x) obtemos entao

|f(x)− T2(x)| ≤∫ x

a

|f ′(t)− T ′2(t)| dt

≤∫ x

a

M(t− a)2

2dt = M

(x− a)3

6

Iterando este processo chegamos ao teorema

Teorema 4: Seja f uma funcao n + 1 vezes diferenciavel e seja Tn o polinomiode Taylor de ordem n de f em x = a. Se existir uma constante M tal que

∣∣f (n+1)(t)∣∣ ≤M para qualquer t entre a e x

§1. Polinomios de Taylor 187

entao∣∣f(x)− Tn(x)

∣∣ ≤M|x− a|n+1

(n + 1)!

A demonstracao pode ser feita por inducao integrando sucessivamente (exercıcio).2

Veremos na proxima seccao que este teorema e uma consequencia imediata daformula de Lagrange.

6

Π

6

Π

2

0.2

0.4

| sen x− T1(x)|

12 |x− π

6 |2

Figura 5. | sen x − T1(x)| para a = π6

6

Π

6

Π

2

0.1

| sen x− T2(x)|

16 |x− π

6 |3

Figura 6. | sen x − T2(x)| para a = π6

Exemplo 7. Seja f(x) = senx, a = 0. Ja vimos que o polinomio de Taylor deordem 4 de f na origem e

T4(x) = x− x3

6

Como |f (5)(x)| = | cos x| ≤ 1, podemos tomar M = 1:

| sen x− T4(x)| =∣∣∣∣sen x− x +

x3

6

∣∣∣∣ ≤|x|55!

Para x = 0.1 obtemos Assim, por exemplo, se tomarmos x = 0.1, obtemos

sen 0.1 ≈ 0.1− 0.13

6= 0.09983333 . . .

com erro inferior a 10−7 = 0.0000001. De facto, sen 0.1 = 0.0983341665 . . . �

2Se assumirmos que o integral de f(n+1)(x) existe

188 6. Polinomios e Series de Taylor

§1.2. A formula de Lagrange do erro. Para estudar o sinal de f(x)− Tn(x) ede grande utilidade a formula de Lagrange do erro:

Teorema 5 (Formula de Lagrange): Seja f uma funcao n + 1 vezes dife-renciavel e seja Tn o polinomio de Taylor de f de ordem n em x = a. Entao paraqualquer x existe um ponto c entre a e x tal que

f(x)− Tn(x) =f (n+1)(c)

(n + 1)!(x− a)n+1

Demonstracao. Vamos mostrar por inducao em n que existe um c entre x e atal que

f(x)− Tn(x)

(x− a)n+1=

f (n+1)(c)

(n + 1)!

Para n = 0 isto e o teorema de Lagrange. Assumimos portanto que a formula evalida para n−1 e vamos demonstra-la para n. Pelo teorema de Cauchy, existe umy entre a e x tal que

f(x)− Tn(x)

(x− a)n+1=

f(x)− Tn(x)−(f(a)− Tn(a)

)

(x− a)n+1 − (a− a)n+1=

f ′(y)− T ′n(y)

(n + 1)(y − a)n

Como T ′n(y) e o polinomio de Taylor de ordem n− 1 de f ′, por hipotese de inducao

existe um c entre a e y (e portanto entre a e x) tal que

1

n + 1

f ′(y)− T ′n(y)

(y − a)n=

1

n + 1

(f ′)n(c)

n!=

f (n+1)(c)

(n + 1)!

o que termina a demonstracao. �

Exemplo 8. Seja f(x) = senx, a = 0. Ja vimos que o polinomio de Taylor deordem 4 de f na origem e

T4(x) = x− x3

6

Como f (5)(x) = cos x, a formula do resto de Lagrange diz-nos que

sen x−(

x− x3

6

)=

f (5)(c)

5!(x− 0)5 =

cos(c)

120x5

Se x ∈[− π

2 , π2

], como c esta entre 0 e x, cos(c) ≥ 0. Assim, o sinal de cos(c)

120 x5 e

dado por x5 pelo que concluimos que

• Se x > 0, sen x− T4(x) > 0, ou seja, sen x > x− x3

6

• Se x < 0, sen x− T4(x) < 0, ou seja, sen x < x− x3

6

§1. Polinomios de Taylor 189

-Π -Π

2

Π

-1

1

Figura 7. Polinomio de Taylor de ordem 3 de sen x

Terminamos com a demonstracao do teorema 4:

Demonstracao. Se |f (n+1)(t)| ≤M para t entre a e x entao

|f(x)− Tn(x)| = |f(n+1)(c)|(n + 1)!

|x− a|n+1 ≤M|x− a|n+1

(n + 1)!�

§1.3. Classificacao de pontos crıticos.

Dizemos que a e um ponto crıtico de f se f ′(a) = 0. Recorde que a e um mınimolocal de f se f(a) for o valor mınimo de f numa vizinhanca ]a− ε, a + ε[ , ou seja,se f(x) ≥ f(a) para x ∈ ]a − ε, a + ε[ . Analogamente, a e um maximo local de fse f(x) ≤ f(a) numa vizinhanca ]a − ε, a + ε[ . Para classificar um ponto crıticocomo maximo local ou mınimo local podemos estudar o sinal de f ′(x) ao pe de a.O polinomio de Taylor da-nos um criterio mais simples. Vamos supor que f (n)(a)e a primeira derivada de f diferente de zero. Como

f ′(a) = f ′′(a) = f ′′(a) = · · · = f (n−1)(a) = 0

o polinomio de Taylor de ordem n de f e

Tn(x) = f(a) +f (n)(a)

n!(x− a)n

Para n par, Tn(x) possui um maximo ou um mınimo local em a, dependendo dosinal de f (n)(a).

f (n)(a) > 0 f (n)(a) < 0

Figura 8. Funcao f(a) +f(n)(a)

n!(x − a)n para n par

190 6. Polinomios e Series de Taylor

Para n ımpar Tn(x) nao tem nem maximo nem mınimo locais.

f (n)(a) > 0 f (n)(a) < 0

Figura 9. Funcao f(a) +f(n)(a)

n!(x − a)n para n ımpar

Tn e uma boa aproximacao de f para x ≈ a portanto e natural que

Teorema 6: Seja a um ponto crıtico de f tal que

f ′(a) = f ′′(a) = f ′′(a) = · · · = f (n−1)(a) = 0

Entao

(1) Se n e par e f (n)(a) > 0, a e um mınimo local.

(2) Se n e par e f (n)(a) < 0, a e um maximo local.

(3) Se n e ımpar e f (n)(a) 6= 0 entao a nao e nem um maximo local nem ummınimo local.

Demonstracao. Vamos apenas provar (1) deixando (2) e (3) como exercıcios. Opolinomio de Taylor de f de ordem n− 1 e constante: Tn−1(x) = f(a). A formulade Lagrange diz-nos que

f(x)− Tn−1(x) = f(x)− f(a) =f (n)(c)

n!(x− a)n

para algum c entre a e x. Como n e par, (x − a)n ≥ 0. Como f (n)(a) > 0 e f (n)

e contınua, f (n) nao pode mudar subitamente de sinal, ou seja, f (n)(x) > 0 numavizinhanca ]a− ε, a + ε[ de a. Assim, para x ∈ ]a− ε, a + ε[,

f(x)− f(a) =f (n)(c)

n!(x− a)n ≥ 0

portanto a e um mınimo local de f . �

§1.4. O limite quando n → ∞. Vimos que para x ≈ a uma funcao pode seraproximada pelo seu polinomio de Taylor de ordem n

f(x) ≈ f(a)+f ′(a)(x−a)+f ′′(a)

2(x−a)2+. . .+

f (n)(a)

n!(x−a)n =

n∑

k=1

f (k)(a)

k!(x−a)k

e que, em geral, esta aproximacao e tanto melhor quanto maior for o valor de n. Sef tiver derivadas de todas as ordens podemos tomar o limite quando n→ +∞.

§1. Polinomios de Taylor 191

Teorema 7: Se existir uma constante M independente de n tal que |f (n+1)(t)| ≤M para qualquer t entre a e x entao

f(x) = limn→+∞

Tn(x) = limn→+∞

n∑

k=1

f (k)(a)

k!(x− a)k

Demonstracao. Basta mostrar que |f(x)− Tn(x)| → 0. Como |f (n+1)(t)| ≤M ,

0 ≤∣∣f(x)− Tn(x)

∣∣ ≤M|x− a|n+1

(n + 1)!

Vamos ver ja a seguir que |x−a|n+1

(n+1)! → 0. Entao pelo teorema dos limites enquadra-

dos |f(x)− Tn(x)| → 0 logo Tn(x)→ f(x). �

Falta portanto apenas ver que para qualquer c > 0, cn

n! → 0:

Demonstracao. Fixamos um inteiro N > c. Entao cn < 1 para qualquer n > N

logo

cn

n!=

c

1· c2· · · · · c

N︸ ︷︷ ︸= cN

N!

· c

N + 1· · · · · c

n− 1︸ ︷︷ ︸<1

· cn

<cN

N !· c

n

Assim,

0 ≤ cn

n!≤ cN

N !· c

n

Tomando o limite quando n → ∞, obtemos cn

n! → 0 pelo teorema dos limitesenquadrados. �

Alguns exemplos extremamente importantes:

Exemplo 9. Seja a = 0, f(x) = senx. Entao

|f (n)(x)| ={| cos x| n par

| sen x| n ımpar

logo |f (n)(x)| ≤ 1. Portanto

sen x = limn→+∞

Tn(x) = x− x3

3!+

x5

5!− x7

7!+ · · · �

Exemplo 10. Seja a = 0, f(x) = cos x. Entao |f (n)(x)| ≤ 1. Portanto

cos x = limn→+∞

Tn(x) = 1− x2

2!+

x4

4!− x6

6!+ · · · �

192 6. Polinomios e Series de Taylor

Exemplo 11. Seja a = 0, f(x) = ex. Entao f (n)(x) = ex. Dado um t entre 0 e x,t < |x| logo f (n)(t) = et < e|x|. Podemos pois tomar M = e|x|. Assim,

ex = limn→+∞

Tn(x) = 1 + x +x2

2!+

x3

3!− x6

6!+ · · · �

E costume representar este tipo de limite por∞∑

k=0

ak = limn→∞

n∑

k=0

ak

Podemos reescrever os tres exemplo acima como

sen x =

∞∑

k=0

(−1)k x2k+1

(2k + 1)!

cos x =

∞∑

k=0

(−1)k x2k

(2k)!

ex =

∞∑

k=0

xk

k!

§2. Series: definicoes e primeiras propriedades

Ocupamo-nos agora do problema de definir e calcular somas com um numero infinitode parcelas, somas essas a que chamaremos series. Trata-se no entanto de umaquestao muito antiga, ja discutida ha mais de 2.500 anos por filosofos e matematicosda Antiguidade Classica, e a teoria construıda em torno desta ideia e hoje umaferramenta com grande impacto na Matematica e nas suas aplicacoes.

Zenao de Eleia, um filofoso grego do seculo V A.C., e recordado em particular porum conjunto interessante de problemas que envolvem somas infinitas, e que o seuautor apresentava como paradoxos. Num dos seus exemplos mais simples, Zenaoconsiderou a soma

(1)1

2+

1

4+

1

8+

1

16+

1

32+ · · ·+ 1

2n+ · · · ,

onde usamos as reticencias · · · como terminacao a direita para sugerir que a soma“nao tem fim”, ou seja, inclui como parcelas os inversos de todas as potenciasnaturais de 2. Esta soma e usualmente interpretada na forma do

Paradoxo do Corredor: Um corredor desloca-se do ponto A para o ponto B,que estao separados por uma distancia unitaria d = 1. O corredor move-se a umavelocidade constante e tambem unitaria v = 1, e portanto o tempo necessario a des-locacao e T = d/v = 1. Por outro lado, o corredor demora 1/2 do tempo a percorrera primeira metade do percurso, 1/4 do tempo a percorrer metade do percurso res-tante, 1/8 do tempo a percorrer metade do restante, e assim sucessivamente, peloque o tempo total da sua deslocacao pode ser representado pela soma infinita indi-cada em 1. Zenao concluıa desta observacao que, se a soma de um numero infinito

§2. Series: definicoes e primeiras propriedades 193

de parcelas positivas so pode ser infinita, entao o corredor nunca chegaria ao seudestino, o que e manifestamente absurdo!

Em alternativa, e e essa a interpretacao actual, concluımos deste exemplo que asoma de um numero infinito de parcelas positivas pode em certos casos ser finita.No exemplo de Zenao, e natural esperar que

(2)1

2+

1

4+

1

8+

1

16+

1

32+ · · · = 1

A Teoria das Series, cujo estudo vamos agora iniciar, permite efectivamente atribuirum total finito a algumas somas com um numero infinito de parcelas, e em particularsustentar a identidade que acabamos de apresentar. Comecamos por adicionarapenas um numero finito de termos da referida serie, para calcular o que chamamosde uma soma parcial da serie:

S1 =1

2

S2 =1

2+

1

4= 1− 1

4

S3 =1

2+

1

4+

1

8= 1− 1

8

S4 =1

2+

1

4+

1

8+

1

16= 1− 1

16

e em geral

(3) Sn =

n∑

k=1

1

2k=

1

2+

1

4+

1

8+

1

16+

1

32+ · · ·+ 1

2n= 1− 1

2n

A soma da serie e entao definida como o limite das somas parciais limn→∞

Sn. A

notacao que ja usamos para representar somatorios adapta-se facilmente a repre-sentacao de series. Escrevemos:

∞∑

k=1

1

2k= lim

n→∞Sn = lim

n→∞

n∑

k=1

1

2k= lim

n→∞

(1− 1

2n

)= 1

Definicao 1 (Soma de uma serie, serie convergente): A serie∑∞

k=1 ak econvergente se e so a sucessao das somas parciais

Sn =

n∑

k=1

ak = a1 + a2 + · · ·+ an

tem limite S ∈ R quando n→ +∞. Dizemos neste caso que a serie tem soma S,e escrevemos ∞∑

k=1

ak = S.

Caso contrario, a serie diz-se divergente.

194 6. Polinomios e Series de Taylor

Exemplo 1. A serie de termo geral constante ak = 1 e divergente, porque

Sn =

n∑

k=1

1 = n→∞. �

Exemplo 2. Os polinomios de Taylor Tn(x) de uma funcao sao as somas parciaisduma serie. Por exemplo, vimos que

ex = limn→∞

Tn(x) = limn→∞

(1 + x +

x2

2+ · · ·+ xn

n!

)

Pondo x = 1 obtemos

e = e1 =

∞∑

k=1

1

k!= 1 + 1 +

1

2+

1

3!+

1

4!+

1

5!+ · · · �

A serie de Zenao e um exemplo das chamadas series geometricas. Recorde que umasucessao ak diz-se uma progressao geometrica de razao r se cada termo for obtidodo anterior por multiplicacao por r:

ak+1 = r · ak

E entao facil de ver que ak = rk · a0. Recordemos aqui a formula da soma dumaprogressao geometrica de razao r:

Sn =

n∑

k=0

a0 · rk = a01− rn+1

1− r(r 6= 1)

e Sn = (n + 1) · a0 para r = 1. Tomando o limite quando n → ∞ obtemos a seriegeometrica:

Teorema 2: A serie geometrica

∞∑

k=0

a · rk converge se e so se a = 0 ou |r| < 1.

Caso |r| < 1, temos∞∑

k=0

a · rk =a

1− r.

Repare que a e o primeiro termo da serie e r e a razao.

Demonstracao. Se a = 0, Sn = 0 converge. Se r = 1, Sn = (n + 1)a diverge(para a 6= 0). Supomos portanto que a 6= 0 e r 6= 1. Como

limn→∞

rn =

nao existe, se r ≤ −1

0, se |r| < 1

+∞, se r > 1

concluimos que

limn→∞

Sn = limn→∞

a1− rn+1

1− r=

{nao existe |r| ≥ 1

a

1− r|r| < 1

§2. Series: definicoes e primeiras propriedades 195

Exemplo 3. Vamos ver que

∞∑

k=0

32k52−k e uma serie geometrica. Podemos rees-

crever a serie na forma∞∑

k=0

32k52−k =

∞∑

k=0

(32)k · 52 · 5−k =

∞∑

k=0

25 · 9k · 5−k =

∞∑

k=0

25 ·(

9

5

)k

Assim trata-se duma serie geometrica de razao 95 > 1 pelo que a serie e divergente.

Exemplo 4. A representacao de numeros reais por dızimas infinitas e uma aplicacaoda nocao de serie. Quando escrevemos, por exemplo, x = 0, a1a2a3a4a5 · · · , ondeos an sao algarismos da representacao de x na base decimal usual (e portanto an eum inteiro entre 0 e 9), estamos simplesmente a dizer que

x =

∞∑

n=1

an

10n

Veremos adiante que a serie acima e sempre convergente, e portanto efectivamenterepresenta um numero real, mas podemos desde ja mostrar que, no caso de umadızima infinita periodica, a serie converge para um numero racional, que e alias facilde determinar. Ilustramos esta afirmacao com um exemplo, mas deve ser claro queo argumento e aplicavel a qualquer dızima periodica.

Considere-se entao x = 0, 123123 · · · (subentendendo aqui que os algarismos 123 serepetem indefinidamente). Note-se que

x = 0, 123 + 0, 000123 + · · · = 123

1.000+

123

1.000.000+ · · · =

∞∑

n=1

123

103n

A serie acima e claramente a serie geometrica com

a =123

1.000e r =

1

1.000, donde

∞∑

n=1

123

103n=

1231.000

1− 11.000

=123

1.000999

1.000

=123

999

Note-se de passagem que um dado numero real pode ter duas representacoes deci-mais distintas, o que ocorre sempre que tem uma representacao com um numerofinito de algarismos. Temos por exemplo que 1 = 1, 000 · · · = 0, 9999 · · · , porque

0, 999 · · · = 0, 9 + 0, 09 + 0, 009 + · · · =∞∑

n=1

9

10n=

910

1− 110

=910910

= 1 �

Vamos agora ver outro tipo de series:

Exemplo 5. Vamos estudar a serie∞∑

k=1

1

k2 + k

Comecamos por decompor 1k2+k em fraccoes simples:

1

x2 + x=

1

x(x + 1)=

A

x+

B

x + 1

196 6. Polinomios e Series de Taylor

portanto

1 = A(x + 1) + Bx

Pondo x = 0 obtemos A = 1 e pondo x = −1 obtemos B = −1. Assim,

1

x2 + x=

1

x− 1

x + 1

e portanto as somas parciais sao somas telescopicas

Sn =

n∑

k=1

1

k2 + k=

n∑

k=1

(1

k− 1

k + 1

)=

n∑

k=1

1

k−

n∑

k=1

1

k + 1

Recordemos como se pode calcular uma soma telescopica:

Sn =

n∑

k=1

1

k−

n∑

k=1

1

k + 1= 1 +

1

2+

1

3+ · · ·+ 1

n

− 1

2− 1

3− · · · − 1

n− 1

n + 1= 1− 1

n + 1

Assim∞∑

k=1

1

k2 + k= lim

n→∞Sn = lim

n→∞

(1− 1

n + 1

)= 1 �

Usamos muitas vezes a expressao “natureza” (de uma serie) para nos referirmos asua propriedade de ser convergente ou divergente. Por exemplo, a natureza da seriede Zenao e “convergente”. Veremos adiante que, quando estudamos uma dada serie,e frequentemente possıvel determinar a sua natureza sem calcular explicitamentea sua soma. O proximo resultado e fundamental na teoria das series, e permiteidentificar com facilidade muitos exemplos de series divergentes.

Teorema 3:

• Se a serie

∞∑

n=1

an converge entao an → 0 quando n→∞.

• Portanto, se an 6→ 0, a serie

∞∑

n=1

an diverge

• Mas atencao que, se an → 0, nao podemos concluir nada!

Demonstracao. Consideramos as somas parciais Sn =n∑

k=1

ak, e seja S = limn→∞

Sn.

Como an = Sn − Sn−1, e claro que an → S − S = 0. �

Exemplo 6.

(1) A serie∑∞

n=1n√n+1

e divergente, porque n√n+1→ +∞ 6= 0.

(2) A serie∑∞

n=1n

2n+3 e divergente, porque an = n2n+3 → 1

2 6= 0.

(3) A serie∑∞

k=1(−1)kk2 e divergente, porque ak = (−1)kk2 nao tem limite. �

§2. Series: definicoes e primeiras propriedades 197

Exemplo 7. A serie harmonica e a serie∑∞

n=1 1/n. E obvio que o seu termogeral satisfaz an = 1/n→ 0, mas a serie e na realidade divergente. Para tal repareque

S32 = 1 + 12 + 1

3 + 14 + 1

5 + · · ·+ 18 + 1

9 + · · ·+ 116 + 1

17 + · · ·+ 132

≥ 1 + 12 + 1

4 + 14︸ ︷︷ ︸

= 12

+ 18 + · · ·+ 1

8︸ ︷︷ ︸=4· 18= 1

2

+ 116 + · · ·+ 1

16︸ ︷︷ ︸=8· 1

16= 12

+ 132 + · · ·+ 1

32︸ ︷︷ ︸=16· 1

32= 12

Assim S32 ≥ 1 + 12 + 1

2 + 12 + 1

2 + 12 = 1 + 5

2 e em geral e facil reconhecer queS2n ≥ 1 + n

2 pelo que a serie e divergente. �

E um exercıcio muito simples mostrar, a partir da definicao e das propriedades doslimites, as seguintes operacoes algebricas sobre series convergentes:

Proposicao: Sejam∑∞

k=1 ak e∑∞

k=1 bk series convergentes e c ∈ R. Entao, asseries

∑∞k=1(ak + bk) e

∑∞k=1(cak) tambem sao convergentes e

∞∑

k=1

(ak + bk) =

∞∑

k=1

ak +

∞∑

k=1

bk,

∞∑

k=1

(c · ak) = c ·∞∑

k=1

ak.

Exemplo 8. Consideramos a serie∞∑

k=1

(1

k2 + k+

1

2k

)

Entao

• Ja vimos que∞∑

k=1

1

k2 + k= 1

•∞∑

k=1

1

2ke a serie de Zenao cuja soma e 1.

Assim,∞∑

k=1

(1

k2 + k+

1

2k

)=

∞∑

k=1

1

k2 + k+

∞∑

k=1

1

2k= 1 + 1 = 2 �

Nota: Se∑

ak for convergente e∑

bk for divergente, entao a serie∑

(ak + bk) edivergente pois, se

∑(ak + bk) fosse convergente, entao

∑bk =

∑(ak + bk)−

∑ak

teria de ser tambem convergente. Assim:

convergente + convergente = convergente

convergente + divergente = divergente

No entanto a soma de duas series divergentes pode ser ou nao ser divergente.

198 6. Polinomios e Series de Taylor

Exemplo 9. A serie

∞∑

k=1

(1

k+

1

2k

)e divergente pois e a soma duma serie diver-

gente com uma convergente. �

Exemplo 10. A serie∞∑

k=1

(1

k− 1

k + 1

)=

∞∑

k=1

1

k2 + k

e convergente embora seja a soma de duas series divergentes. �

Terminamos esta seccao com a seguinte observacao importante: A convergenciaduma serie nao depende dum numero finito de termos da serie. Por outras palavras:

Teorema 4: Para quaisquer i, j ∈ N, as series∞∑

k=i

ak e

∞∑

k=j

ak

tem a mesma natureza.

Demonstracao. Tomamos i < j. Entao as somas parciais da primeira e dasegunda serie

Sn = ai + · · ·+ an

Sn = aj + · · ·+ an

estao relacionadas por

ai + · · ·+ an = (ai + · · ·+ aj−1) + aj + · · ·+ an

ou seja, Sn = a + Sn em que a = ai + · · ·+ aj−1 nao depende de n. O resultado doteorema e agora uma consequencia imediata de teoremas sobre limites de sucessoes.

§3. Series de Termos Nao-Negativos

Em geral nao e possıvel calcular explicitamente a soma duma serie. O que podemosfazer e perceber se ela converge ou diverge e neste ultimo caso, aproximar o valor dasua soma. Comecamos por estudar series de termos nao-negativos, que sao seriesda forma

∞∑

k=1

ak , com ak ≥ 0 para qualquer k ∈ N

A vantagem das series de termos nao negativos e a seguinte: a serie diverge sse asua soma for +∞.

Teorema 1: Uma serie de termos nao negativos converge sempre em R:

(1) Se existir uma constante M tal que Sn = a1 + · · · + an ≤ M entao a serie∑ak converge e tem soma menor ou igual a M .

§3. Series de Termos Nao-Negativos 199

(2) Caso contrario, a serie tem soma +∞.

Demonstracao. Como Sn−Sn−1 = an ≥ 0, a sucessao Sn e crescente. O teoremae entao uma consequencia imediata do seguinte resultado sobre sucessoes: �

Teorema 2: Uma sucessao Sn crescente converge sempre em R:

(1) Se existir uma constante M tal que Sn ≤ M entao a sucessao Sn converge etem limite menor ou igual a M .

(2) Caso contrario, lim Sn = +∞.

Demonstracao. Temos dois casos:

(1) Se Sn ≤M para todo o n tomamos o supremo

a = sup {Sn : n ∈ N} ∈ R .

Como o supremo e o menor dos majorantes, a ≤ M . Vamos mostrar queSn → a.3 Queremos portanto provar que, dado qualquer ε > 0, existe umN > 0 tal que

|Sn − a| < ε para qualquer n > N

Seja entao dado um ε > 0 arbitrario. Pela propriedade do supremo, existealgum SN tal que a − ε < SN ≤ a. Como (Sn) e crescente, vemos que paratodo o n > N :

SN ≤ Sn ≤ a logo a− ε < Sn ≤ a .

Temos entao que

|Sn − a| < ε para todo o n > N ,

como se pretendia mostrar.

(2) A demonstracao e analoga se a sucessao Sn nao for limitada. Queremos mos-trar que Sn → +∞, ou seja, que dado M > 0, existe um N tal que

Sn > M para todo o n > N

Como Sn nao e limitada existe um termo SN > M . Como Sn e crescente, sen > N entao Sn ≥ SN > M como se pretendia demonstrar. �

Os diversos criterios de convergencia que passamos agora a estudar saotecnicas especıficas criadas para determinar a natureza de series de termos naonegativos com base no teorema 1.

3Este resultado e analogo ao teorema que nos diz que uma funcao monotona limitada tem limites lateraisem todos os pontos

200 6. Polinomios e Series de Taylor

§3.1. Criterio integral. E geralmente mais facil calcular um integral do quecalcular a soma duma serie. Frequentemente podemos usar integrais impropriospara determinar a natureza duma serie. Comecamos com alguns exemplos:

Exemplo 1. Ja vimos que a serie harmonica

∞∑

k=1

1

kdiverge. Apresentamos agora

outro argumento, de natureza geometrica, comparando as somas parciais com aarea por baixo de f(x) = 1

x :

1 2 3 4 5

1

4

1

2

1

Figura 1. Relacao entre4

X

n=1

1

ne log 5

Calculando as areas dos rectangulos vemos que

S4 = 1 +1

2+

1

3+

1

4>

∫ 5

1

1

xdx = log 5

O mesmo argumento permite mostrar que

Sn =n∑

k=1

1

k>

∫ n+1

1

1

xdx = log(n + 1).

Tomando o limite quando n→∞ vemos que a serie harmonica e divergente. Repareque Sn e a soma de Darboux superior da funcao f(x) = 1/x determinada pelaparticao P = {1, 2, · · · , n + 1}. �

Exemplo 2. Vamos estudar a serie∞∑

k=1

1

k2

Consideramos a funcao f(x) = 1x2 e usamos o integral de f para aproximar as somas

parciais da serie:

1 2 3 4

1

9

1

4

1

§3. Series de Termos Nao-Negativos 201

Figura 2. Somas parciais deP 1

k2

E claro geometricamente que, excluindo o primeiro rectangulo, a soma dos outrostres e menor que o integral de f de 1 ate 4. Em geral,

1

22+

1

32+ · · ·+ 1

n2<

∫ n

1

1

x2dx =

[− 1

x

]n

1

= 1− 1

n

Concluimos que

Sn = 1 +1

22+

1

32+ · · ·+ 1

n2< 2− 1

n≤ 2

Assim, a serie converge e a sua soma e menor que 2. De facto, Euler conseguiu

calcular o valor exacto da soma desta serie: o seu valor e π2

6 , mas este e um resultadobastante difıcil. �

O criterio integral e uma generalizacao destes dois exemplos:

Teorema 3 (Criterio integral): Seja f : [1,∞[→ R uma funcao positiva de-

crescente. Entao a serie

∞∑

k=1

f(k) e o integral improprio∫∞1

f(x) dx tem a mesma

natureza, ou seja, ou ambos divergem ou ambos convergem.

Demonstracao. Observemos a figura

.m n m n

Figura 3. Somas superiores e inferiores

Para qualquer funcao f decrescente temos∫ n+1

m

f(x) dx ≤n∑

k=m

f(k) ≤∫ n

m−1

f(x) dx

Se o limite∫∞1

f(x) dx = limb→+∞

∫ b

1

f(x) dx existe e e finito,

n∑

k=2

f(k) ≤∫ n

1

f(x)dx ≤∫ ∞

1

f(x) dx,

portanto a serie∑∞

k=2 f(k) e convergente, logo∑∞

k=1 f(k) e igualmente convergente.

202 6. Polinomios e Series de Taylor

Supondo agora que a serie e convergente, temos

∫ n

1

f(x) dx ≤n−1∑

k=1

f(k) ≤∞∑

k=1

f(k),

e e facil concluir que∫ ∞

1

f(x) dx ≤∞∑

k=1

f(k). �

Exemplo 3. Vamos estudar a serie∞∑

k=0

1

1 + k2

Seja f(x) = 11+x2 . Entao

∫ +∞

0

f(x) dx = limb→∞

∫ b

0

1

1 + x2dx = lim

b→∞

[arctan x

]b0

2

portanto o integral improprio e convergente. Concluimos que a serie tambem econvergente. �

Exemplo 4. [Series de Dirichlet] As series da forma

∞∑

n=1

1

npdizem-se series de

Dirichlet. O Criterio Integral esclarece facilmente a natureza destas series. Parap = 1 temos a serie harmonica que diverge. Para p 6= 1 temos

∫ ∞

1

1

xpdx = lim

b→∞

[x1−p

1− p

]b

1

= limb→∞

11−p

(b1−p − 1

)=

{1

p−1 p > 1

+∞ p < 1

Segue-se do teorema 3 que a serie de Dirichlet e convergente quando p > 1 edivergente quando p ≤ 1 �

O ultimo exemplo e bastante importante. Repetimos portanto a sua conclusao:

Teorema 4: A serie de Dirichlet

∞∑

n=1

1

npe convergente quando p > 1 e divergente

quando p ≤ 1.

Podemos calcular aproximadamente a soma S duma serie somando os primeiros ntermos, ou seja, aproximando S pela soma parcial Sn:

∞∑

k=1

ak ≈n∑

k=1

ak = a1 + a2 + · · ·+ an

O erro cometido e a diferenca

Erro = S − Sn =

∞∑

k=1

ak −n∑

k=1

ak =

∞∑

k=n+1

ak

§3. Series de Termos Nao-Negativos 203

E costume chamar a esta diferenca o resto da serie: Rn = S − Sn. Repare que,como Sn → S, Rn → 0. A ideia subjacente ao teste integral permite por vezesobter estimativas para o resto duma serie ja que

Rn =∞∑

k=n+1

f(k) ≤∫ ∞

n

f(x) dx

Exemplo 5. Considere-se a serie de Dirichlet com p = 2:

S =∞∑

k=1

1

k2, Sn =

n∑

k=1

1

k2

Entao

Rn =

∞∑

k=n+1

1

k2<

∫ ∞

n

1

x2dx =

1

n

logo Sn < S < Sn + 1n . Mostramos a seguir as aproximacoes com n = 100 e com

n = 1000:

n = 100 1.63498390 . . . < S < 1.64498390 . . .

n = 1000 1.64393457 . . . < S < 1.64493457 . . .

Recorde que o valor exacto da soma e S = π2

6 = 1.64493407 . . . �

Exemplo 6. Consideremos agora a serie

∞∑

k=1

1

k3. Quantos termos temos que somar

para obter uma aproximcao com um erro inferior a 0.01? Sabemos que

Rn <

∫ ∞

n

1

x3dx =

2

n2

Queremos garantir que 2n2 < 0.01. Resolvendo a inequacao obtemos

n >

√2

0.01=√

200 = 14.1 . . .

Assim, n > 14.1 logo devemos somar pelo menos 15 termos. �

§3.2. Criterio da comparacao. Recordemos o comportamento das series de Di-

richlet∑ 1

kp: para p > 1 elas convergem e para p ≥ 1 elas divergem. Este resultado

tem uma interpretacao geometrica simples. Observemos a figura:

204 6. Polinomios e Series de Taylor

1 5 10

1

1

x2

1

x

1√x

Figura 4. Funcoes 1√x, 1

xe 1

x2

Para x ≥ 1, quanto maior o valor de p, menor e a funcao f(x) = 1xp , portanto

menor vai ser o valor da soma∑

1kp . Usando esta observacao podemos dar uma

nova demonstracao da divergencia das series de Dirichlet com p < 1: estas seriestem termos maiores que os da serie harmonica

∑1k . Esta soma diverge, e portanto

tem soma +∞, logo qualquer serie de Dirichlet com termos maiores vai ter somamaior logo tambem vai divergir. Este tipo de raciocınio leva-nos ao seguinte criterio:

Teorema 5 (Criterio da comparacao): Sejam (an) e (bn) duas sucessoes reaistais que 0 ≤ an ≤ bn para todo o n.

Se

∞∑

n=1

bn converge entao

∞∑

n=1

an tambem converge e

∞∑

n=1

an ≤∞∑

n=1

bn

Se

∞∑

n=1

an diverge entao

∞∑

n=1

bn tambem diverge.

Demonstracao. Se∑

bk converge com soma S, entao

a1 + · · ·+ an ≤ b1 + · · ·+ bn ≤ S

Daqui segue que a serie∑

ak nao pode ter soma +∞ logo converge. Mais, como

as somas parciais de∑

ak sao majoradas por S,

∞∑

k=1

ak ≤ S.

Concluimos tambem que se∑

ak diverge,∑

bk nao pode convergir (se convergisse,∑ak tambem convergiria). �

Exemplo 7. Consideremos a serie∞∑

k=1

1

k + 2k

Como k + 2k > 2k, 1k+2k < 1

2k . Aplicando o criterio da comparacao, a serie∑

12k

converge pois e uma serie geometrica de razao 12 < 1, logo

∑1

k+2k tambem converge

§3. Series de Termos Nao-Negativos 205

com soma∞∑

k=1

1

k + 2k<

∞∑

k=1

1

2k= 1 �

Exemplo 8. Como√

k+1k > 1

k e a serie harmonica∑

1k diverge, concluimos que a

serie∑ √

k+1k tambem diverge. �

O criterio da comparacao tambem nos permite estimar o erro cometido ao aproximara soma duma serie por uma soma parcial. Para tal basta observar que, se ak ≤ bk

entao

Rn = S − Sn = an+1 + an+2 + an+3 + · · · ≤ bn+1 + bn+2 + bn+3 + · · ·

Exemplo 9. Voltemos ao exemplo da serie∞∑

k=1

1

k + 2k. Como 1

k+2k < 12k ,

Rn =

∞∑

k=n+1

1

k + 2k<

∞∑

k=n+1

1

2k=

12n+1

1− 12

=1

2n

Assim, se quisermos um erro inferior a 0.01, basta que 12n < 0.01, ou seja, que

2n > 100:

n > log2(100) =log 100

log 2= 6.6 . . .

Basta portanto somar 7 termos. �

§3.3. Criterio do Limite. Como a natureza duma serie nao depende dum numerofinito dos termos da serie, para usar o criterio da comparacao basta verificar queak ≤ bk para k suficientemente grande. No entanto esta verificacao e muitas vezesdifıcil de fazer directamente. Vamos ver que a verificacao destas desigualdades podeser substituıda pelo calculo do limite da razao ak

bk, se esse limite existir.

Definicao 6: Dizemos que duas sucessoes (an) e (bn) de termos nao negativostem a mesma ordem de magnitude se

liman

bn= L ∈ ]0,+∞[

Escrevemos entao an ∼ bn.

Teorema 7 (Criterio do Limite): Se an ∼ bn entao as series∞∑

n=1

an e∞∑

n=1

bn

sao da mesma natureza, i.e., ou ambas convergem ou ambas divergem.

Demonstracao. Tomamos constantes m,M tais que 0 < m < L < M . Comoak

bk→ L, ak

bkesta arbitrariamente proximo de L para k suficientemente grande.

206 6. Polinomios e Series de Taylor

Assim,

m <ak

bk< M para k ≫ 0

logo

mbk < ak < Mbk para k ≫ 0

Basta agora aplicar o criterio da comparacao a estas desigualdades. �

O argumento anterior pode ser adaptado para mostrar que:

• Se L = 0 e a serie∑

bk converge entao∑

ak converge;

• Se L = +∞ e a serie∑

ak converge entao∑

bk converge.

O criterio do limite requer a utilizacao para comparacao de series cuja naturezaseja conhecida, por exemplo, series geometricas ou series de Dirichlet. Recorde que

• A serie geometrica∑

a · rk converge se |r| < 1 e diverge se |r| ≥ 1.

• A serie de Dirichlet∑ 1

kpconverge se p > 1 e diverge se p ≤ 1.

Exemplo 10. Consideremos a serie∞∑

k=1

2n2 + 3n√n5 + 1

Comecamos por observar que

2n2 + 3n ∼ n2 e n5 + 1 ∼ n5

Assim, para n grande,

2n2 + 3n√n5 + 1

≈ n2

√n5

=1√n

o que sugere a utilizacao do criterio do limite com an = 2n2+3n√n5+1

e bn = 1√n. Neste

caso, obtemos

2n2 + 3n√n5 + 1

1√n

=2n2 + 3n√

n5 + 1

√n =

n2(2 + 3

n

)√

n5(1 + 1

n5

)√

n =2 + 3

n√1 + 1

n5

O limite quando n → ∞ e igual a 2 logo as sucessoes tem a mesma ordem demagnitude. A serie

∑1√k

e uma serie de Dirichlet com p = 12 logo diverge. Assim,

a serie∞∑

k=1

2n2 + 3n√n5 + 1

tambem diverge. �

§4. Series absolutamente convergentes 207

Para calcular ordens de magnitude e util ter presente os seguintes limites:

limn→∞

log n

np= 0 (p > 0) lim

n→∞np

an= 0 (a, p > 0)

limn→∞

an

n!= 0 (a > 0) lim

n→∞n!

nn= 0

Exemplo 11. Consideremos a serie

∞∑

k=1

2k + 1

3k + k

Como

2k + 1 ∼ 2k e 3k + k ∼ 3k(pois k

3k → 0)

vamos aplicar o criterio do limite com ak = 2k+13k+k

e bk = 2k

3k . Obtemos:

2k + 1

3k + k2k

3k

=2k + 1

3k + k· 3

k

2k=

2k(1 + 1

2k

)

3k(1 + k

3k

) · 3k

2k=

1 + 12k

1 + k3k

Como k3k → 0, ak

bk→ 1 portanto as sucessoes tem a mesma ordem de magnitude.

∑2k

3k e uma serie geometrica de razao 23 < 1, portanto converge logo a serie

∞∑

k=1

2k + 1

3k + k

tambem converge. �

§4. Series absolutamente convergentes

Os criterios que vimos na ultima seccao so funcionam para series de termos naonegativos. Vamos agora ver como lidar com series com termos sem sinal fixo.

§4.1. Series alternadas. E muito frequente nas aplicacoes encontrar series daforma

a1 − a2 + a3 − a4 + a5 − a6 + · · ·com ak ≥ 0. Exemplos que ja vimos sao

cos x = 1− x2

2+

x4

4!− x6

6!+ · · ·

sen x = x− x3

3!+

x5

5!− x7

7!+ · · · (se x > 0)

208 6. Polinomios e Series de Taylor

Definicao 1 (Series alternadas): Chamamos serie alternada a uma serie daforma ∞∑

k=1

(−1)k+1ak = a1 − a2 + a3 − a4 + a5 − a6 + · · ·

com ak ≥ 0 para todo o k.

Exemplo 1. A serie harmonica alternada:∞∑

k=1

(−1)k+1

k= 1− 1

2+

1

3− 1

4+

1

5− 1

6+ · · · �

Teorema 2: Seja∞∑

k=1

(−1)k+1ak uma serie alternada tal que

• (ak) e uma sucessao decrescente

• ak → 0

Entao a serie converge.

Demonstracao. Observemos a figura

.0 S2 S4 S6 S5 S3 S1

a1

a2

a3

a4

a5

a6

· · ·

Figura 1. Somas parciais duma serie alternada

A sucessao das somas parciais pares

S2 = a1 − a2 , S4 = a1 − a2 + a3 − a4 , S6 = a1 − a2 + a3 − a4 + a5 − a6 , . . .

e uma sucessao crescente porque (ak) e uma sucessao decrescente:

S2n+2 = S2n + a2n+1 − a2n+2 ≥ S2n pois a2n+2 ≤ a2n+1

Analogamente a sucessao das somas parciais ımpares S1, S3, S5, . . . e decrescente.Tambem sabemos que

S2n+1 = S2n + a2n+1 ≥ S2n

pelo que

S2 ≤ S4 ≤ S6 ≤ · · · ≤ S2n ≤ · · · ≤ S2n+1 ≤ · · · ≤ S5 ≤ S3 ≤ S1

§4. Series absolutamente convergentes 209

Assim a sucessao (S2n) das somas pares e crescente e majorada logo tem limite.Vamos chamar S a esse limite: lim S2n = S. Entao, como an → 0,

lim S2n+1 = lim(S2n + a2n+1

)= lim S2n + lim a2n+1 = S + 0 = S

Concluimos que Sn → S pois Sn vai estar arbitrariamente proximo de S paraqualquer n suficientemente grande (para n par porque S2n → S e para n ımparporque S2n+1 → S). Portanto S e a soma da serie. �

Exemplo 2. Vamos considerar de novo a serie harmonica alternada:∞∑

k=1

(−1)k+1

k= 1− 1

2+

1

3− 1

4+ · · ·

Neste caso, ak = 1k . Como

• ak e uma sucessao decrescente

• ak → 0

concluimos que a serie

∞∑

k=1

(−1)k+1

kconverge. �

Para series alternadas e bastante simples estimar o erro da aproximacao da somada serie por somas parciais:

Teorema 3: Seja

∞∑

k=1

(−1)k+1ak uma serie alternada tal que

• (ak) e uma sucessao decrescente

• ak → 0

e seja S a soma da serie. Entao

|Rn| = |S − Sn| ≤ an+1

Demonstracao. Como S2n e crescente, S2n+1 e decrescente, e ambas convergempara S, necessariamente

S2n ≤ S ≤ S2n+1

Assim, S esta entre quaisquer duas somas parciais consecutivas logo

|S − Sn| ≤ |Sn+1 − Sn| = an+1 �

Exemplo 3. Sabemos que

ex = 1 + x +x2

2+

x3

3!+

x4

4!+ · · ·

Substituindo x = −0.1 obtemos uma serie alternada:

e−0.1 = 1− 0.1 +0.12

2− 0.13

3!+

0.14

4!+ · · ·

210 6. Polinomios e Series de Taylor

Assim

e−0.1 ≈ 1− 0.1 +0.12

2− 0.13

3!= 1− 0.1 + 0.005− 0.0001666 . . .

= 0.9048333 . . .

com um erro inferior a

Erro <0.14

4!=

0.0001

24= 0.0000041666 . . .

O valor exacto e e−0.1 = 0.9048374 . . .. �

Nota: Atencao! Esta regra so e valida para series alternadas!

§4.2. Series absolutamente convergentes. Dada qualquer serie∑

ak, a seriedos modulos

∑ |ak| e uma serie de termos nao negativos a qual podem ser aplicadosos criterios da comparacao e do limite. A natureza das series

∑ak e

∑ |ak| estarelacionada pelo resultado seguinte:

Teorema 4: Se a serie∑ |ak| converge entao a serie

∑ak tambem converge.

Demonstracao. O truque e escrever a serie∑

ak como uma diferenca de seriesde termos positivos usando o facto que ak + |ak| e sempre positivo:

∑ak =

∑(ak + |ak|

)−∑|ak|

∑ |ak| converge por hipotese, e como ak + |ak| ≤ 2|ak|,∑(

ak + |ak|)

tambemconverge pelo criterio da comparacao. Assim,

∑ak e a diferenca entre duas series

convergentes, logo e convergente. �

Exemplo 4. Vamos verificar que a serie∑

cos kk2 e convergente. Repare que nao se

trata duma serie alternada:∞∑

k=1

cos k

k2= cos 1 +

cos 2

22+

cos 3

32+

cos 4

42+

cos 5

52+ · · ·

= 0.54 . . .− 0.10 . . .− 0.11 . . .− 0.041 . . . + 0.011 . . . + · · ·So precisamos de mostrar que a serie dos modulos∞∑

k=1

∣∣∣∣cos k

k2

∣∣∣∣ =∞∑

k=1

| cos k|k2

= 0.54 . . . + 0.10 . . . + 0.11 . . . + 0.041 . . . + 0.011 . . . + · · ·

converge. Como esta e uma serie de termos positivos, podemos usar o criterio dacomparacao: Como | cos k| ≤ 1,

| cos k|k2

≤ 1

k2

A serie∑

1k2 e uma serie de Dirichlet com p = 2 logo converge, portanto

∑ | cos k|k2

tambem converge. Como a serie dos modulos converge,∑

cos kk2 tambem converge.

§4. Series absolutamente convergentes 211

Exemplo 5. Vimos na ultima seccao que∞∑

k=1

(−1)k+1

k= 1− 1

2+

1

3− 1

4+

1

5− 1

6+ · · · converge mas

∞∑

k=1

1

k= 1 +

1

2+

1

3+

1

4+

1

5+

1

6+ · · · diverge

Portanto uma serie pode convergir sem que a serie dos modulos convirja. �

Definicao 5: Dizemos que uma serie∞∑

k=1

ak e absolutamente convergente se

a serie dos modulos

∞∑

k=1

|ak| for convergente. Dizemos que

∞∑

k=1

ak e simplesmente

convergente se for convergente mas a serie dos modulos∑ |ak| for divergente.

Exemplo 6. A serie∞∑

k=1

(−1)k

k2e absolutamente convergente pois a serie

∞∑

k=1

∣∣∣∣(−1)k

k2

∣∣∣∣ =∞∑

k=1

1

k2

e convergente (e uma serie de Dirichlet com p = 2). �

Exemplo 7. A serie

∞∑

k=1

(−1)k

√k

e simplesmente convergente:

• E uma serie convergente pois e uma serie alternada e 1√k

e uma sucessao

decrescente que converge para zero.

• A serie dos modulos∞∑

k=1

∣∣∣∣(−1)k

√k

∣∣∣∣ =∞∑

k=1

1√k

e divergente pois e uma serie de Dirichlet com p = 12 . �

§4.3. Reordenacao. Comecamos com um exemplo:4 seja s a soma da seria harmonicaalternada:

s =∞∑

k=1

(−1)k+1

k= 1− 1

2 + 13 − 1

4 + 15 − 1

6 + · · ·

Entao

12s = 1

2

∞∑

k=1

(−1)k+1

k= 1

2 − 14 + 1

6 − 18 + 1

10 − 112 + · · ·

Somando,

4este e o mesmo exemplo que ja apareceu na introducao

212 6. Polinomios e Series de Taylor

s 1 − 12 + 1

3 − 14 + 1

5 − 16 + 1

7 − 18 + 1

9 − 110 + 1

11 − 112 · · ·

+ 12s + 1

2 − 14 + 1

6 − 18 + 1

10 − 112 · · ·

= 32s 1 + 1

3 − 12 + 1

5 + 17 − 1

4 + 19 + 1

11 − 16 · · ·

Agora repare que se rearranjarmos os termos, 32s = s!

32s = 1 + 1

3 − 12 + 1

5 + 17 − 1

4 + 19 + 1

11 − 16 + · · ·

= 1− 12 + 1

3 − 14 + 1

5 − 16 + 1

7 + · · · = s

Este exemplo mostra que rearranjar os termos duma serie pode alterar o resultadoda soma! Isto nunca acontece com series absolutamente convergentes:

Teorema 6: Qualquer serie obtida por reordenacao dos termos de uma serieabsolutamente convergente e tambem absolutamente convergente, com soma iguala soma da serie original.

Demonstracao. Primeiro observamos que, como

∞∑

k=1

ak =

∞∑

k=1

(ak + |ak|

)−

∞∑

k=1

|ak|

basta provar o resultado para series de termos positivos. Ilustramos a demonstracaocom um exemplo. A demonstracao no caso geral e completamente analoga. Vamosconsiderar a serie

(4)∞∑

k=1

ak = 1 +1

32+

1

22+

1

52+

1

72+

1

42+

1

92+

1

112+

1

62+ · · ·

obtida por reordenamento da serie de Dirichlet∑

1k2 . Denotamos por Sn as somas

parciais da serie de Dirichlet e por S a soma da serie de Dirichlet. Entao cada somaparcial da serie

∑ak na equacao (4) e majorada por uma soma parcial da serie de

Dirichlet. Por exemplo:

6∑

k=1

ak = 1 + 132 + 1

22 + 152 + 1

72 + 142

≤ 1 + 122 + 1

32 + 142 + 1

52 + 162 + 1

72 = S7 ≤ S

9∑

k=1

ak = 1 + 132 + 1

22 + 152 + 1

72 + 142 + 1

92 + 1112 + 1

62

≤ 1 + 122 + 1

32 + 142 + 1

52 + 162 + 1

72 + 182 + 1

92 + 1102 + 1

112 = S11 ≤ S

Como todas as somas parciais de∑

ak sao menores que S concluimos que

∞∑

k=1

ak ≤ S

§4. Series absolutamente convergentes 213

Mas o mesmo argumento pode ser usado ao contrario: as somas parciais da seriede Dirichlet sao majoradas por somas parciais da serie

∑ak. Por exemplo:

S4 = 1 + 122 + 1

32 + 142

≤ 1 + 132 + 1

22 + 152 + 1

72 + 142 =

6∑

k=1

ak

S6 = 1 + 122 + 1

32 + 142 + 1

52 + 162

≤ 1 + 132 + 1

22 + 152 + 1

72 + 142 + 1

92 + 1112 + 1

62 =9∑

k=1

ak

o que mostra que S ≤∞∑

k=1

ak. Concluimos que

S =

∞∑

k=1

ak �

Para series simplesmente convergentes temos o seguinte resultado surpreendente:

Teorema 7 (Riemann): Seja∑

ak uma serie simplesmente convergente. Entao

para qualquer β ∈ R existem series obtidas por reordenacao de∑

ak com somaigual a β!

Demonstracao. Vamos apenas dar a ideia da demonstracao num exemplo par-ticular. Consideramos a serie harmonica alternada e vamos mostrar com podemosreordena-la de modo a sua soma ser π

2 . Comecamos por observar que as series

1 +1

3+

1

5+

1

7+

1

9+ · · · e

1

2+

1

4+

1

6+

1

8+

1

10+ · · ·

ambas divergem (porque a sua diferenca converge e a sua soma diverge). A ideiae somar termos positivos ate obter um resultado maior que π

2 , somar entao termosnegativos ate obter um resultado inferior a π

2 e assim sucessivamente:

1 + 13 + 1

5 + 17 ( = 1.67619 . . . > π

2 )

− 12 ( = 1.17619 . . . < π

2 )

+ 19 + 1

11 + 113 + 1

15 + 117 ( = 1.58062 . . . > π

2 )

− 14 ( = 1.33062 . . . < π

2 )

+ 119 + 1

21 + 123 + 1

25 + 127 + 1

29 ( = 1.58587 . . . > π2 )

− 16 ( = 1.41921 . . . < π

2 )

+ 131 + 1

33 + 135 + 1

37 + 139 + 1

41 ( = 1.5874 . . . > π2 )

− 18 ( = 1.4624 . . . < π

2 )

Repare que os termos que falta somar sao da forma 1k com k > 10 portanto todas

as somas parciais vao estar a partir de agora numa vizinhanca 110 de π

2 . �

214 6. Polinomios e Series de Taylor

§4.4. Os criterios da razao e da raiz. O criterio da razao, tambem dito criteriode d’Alembert, permite por vezes esclarecer a natureza de uma serie

∑an quando

a razao an+1/an tem limite.

Teorema 8 (Criterio da Razao (d’Alembert)): Seja∑

an uma serie tal que

lim

∣∣∣∣an+1

an

∣∣∣∣ = L ∈ R .

Entao:

(a) se L < 1 a serie∑

n an e absolutamente convergente.

(b) se L > 1 a serie∑

n an e divergente.

(c) se L = 1 o teste e inconclusivo.

Demonstracao. Suponhamos que L > 1. Entao∣∣∣∣an+1

an

∣∣∣∣ > 1 para qualquer n≫ 0.

portanto |an+1| > |an| para qualquer n ≫ 0. Mas entao a sucessao an nao podeconvergir para zero portanto a serie

∑an diverge.

Suponhamos agora que L < 1. Se escolhermos um r tal que L < r < 1, entao∣∣∣∣an+1

an

∣∣∣∣ < r para qualquer n≫ 0.

Mais especificamente, existe um inteiro N > 0 tal que∣∣∣∣an+1

an

∣∣∣∣ < r para qualquer n ≥ N

Entao

|aN+1| ≤ r|aN ||aN+2| ≤ r|aN+1| ≤ r2|aN ||aN+3| ≤ r|aN+2| ≤ r3|aN |

e e simples estabelecer por inducao o caso geral:

|aN+k| ≤ rk|aN |, para qualquer k ∈ N.

Como r < 1 a serie geometrica∑ |aN |rk converge. Pelo criterio da comparacao, a

serie∞∑

n=N+1

|an| =∞∑

k=1

|aN+k| = aN+1 + aN+2 + aN+3 + . . .

tambem converge. Como um numero finito de termos nao altera a natureza da

serie, a serie

∞∑

n=1

|an| converge logo∑

an e absolutamente convergente. �

Exemplo 8. O criterio da razao nada diz quando L = 1. Por exemplo,

• para a serie harmonica∑

1k temos ak+1

ak= k

k+1 → 1 e a serie e divergente.

§4. Series absolutamente convergentes 215

• para a serie∑

1k2 temos ak+1

ak= k2

(k+1)2 → 1 e a serie e convergente. �

Exemplo 9. Consideremos a serie∞∑

n=1

(−2)n

n!.

Fazendo an = (−2)n

n! , atendendo a que (n + 1)! + n!(n + 1) temos entao

∣∣∣∣an+1

an

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣∣

(−2)n+1

(n+1)!

(−2)n

n!

∣∣∣∣∣∣=

2n+1

2n· n!

(n + 1)!= 2 · 1

n + 1

Portanto limn→∞

∣∣∣∣an+1

an

∣∣∣∣ = 0 < 1. Concluımos pelo Criterio da Razao que a serie

∑ (−2)n

n! e convergente. �

Um criterio semelhante e o chamado criterio da raiz:

Teorema 9 (Criterio da Raiz): Seja∑

an uma serie tal que

lim n√|an| = L ∈ R .

Entao:

(a) se L < 1 a serie∑

an e absolutamente convergente.

(b) se L > 1 a serie∑

an e divergente.

(c) se L = 1 o teste e inconclusivo.

Demonstracao. Suponhamos que L > 1. Entao

n√|an| > 1 para qualquer n≫ 0

portanto |an| > 1 para qualquer n≫ 0. Mas entao a sucessao an nao pode convergirpara zero portanto a serie

∑an diverge.

Suponhamos agora que L < 1. Se escolhermos um r tal que L < r < 1, entao

n√|an| < r para qualquer n≫ 0.

portanto |an| < rn para qualquer n ≫ 0. Por comparacao com a serie geometrica∑rn concluimos que

∑ |an| converge logo∑

an e absolutamente convergente. �

Este criterio e particularmente util quando an e uma potencia An:

Exemplo 10. Consideremos a serie∞∑

n=0

(2n + 3

3n + 2

)n

Fazendo an =(

2n+33n+2

)n

, temos entao que

n√|an| =

2n + 3

3n + 2=

2 + 3/n

3 + 2/n→ 2

3

216 6. Polinomios e Series de Taylor

Como 23 < 1 o criterio da raiz diz-nos que a serie

∑an converge absolutamente. �

§5. Series de potencias

Comecemos por recordar as formulas

ex = 1 + x +x2

2!+

x3

3!+

x4

4!+ · · ·

sen x = x− x3

3!+

x5

5!− x7

7!+ · · ·

cos x = 1− x2

2!+

x4

4!− x6

6!+ · · ·

Estas formulas foram obtidas a partir dos polinomios de Taylor em a = 0, tomandoo limite quando n→∞. Generalizando estes exemplos para a 6= 0 leva-nos a definir

Definicao 1: Chamamos serie de potencias centrada em a, ou serie em potenciasde (x− a), a uma serie da forma

∞∑

k=0

ck(x− a)k = c0 + c1(x− a) + c2(x− a)2 + c3(x− a)3 + · · ·

Como costume, adoptamos a convencao que, para k = 0, c0(x − a)0 = c0 mesmoquando x = a.

Um exemplo bastante importante e o da serie geometrica:

Exemplo 1. A serie∞∑

k=0

xk = 1 + x + x2 + x3 + x4 + · · ·

e uma serie geometrica de razao x. Assim, para |x| < 1,

∞∑

k=0

xk =1

1− x�

Vamos agora analizar as propriedades de funcoes definidas por series de potencias,isto e, funcoes da forma

f(x) =

∞∑

k=0

ck(x− a)k

§5.1. Domınio de convergencia.

Definicao 2: Chamamos domınio de convergencia duma serie de potencias aoconjunto dos valores x para os quais a serie converge.

§5. Series de potencias 217

Exemplo 2. Seja

f(x) =

∞∑

k=0

xk

Para x ∈ ]− 1, 1[ a serie converge e tem soma igual a 11−x . Para x /∈ ]− 1, 1[ a serie

diverge. Assim o domınio de f e ] − 1, 1[ . Repare que f e a restricao da funcao1

1−x ao intervalo ]− 1, 1[ . �

O domınio de convergencia duma serie de potencias e normalmente calculado usandoo criterio da razao ou o criterio da raiz:

Exemplo 3. Vamos achar o domınio da funcao

f(x) =

∞∑

k=0

(x− 3)k

2kk

Vamos usar o criterio da razao com ak = (x−3)k

2kk:

∣∣∣∣ak+1

ak

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣∣∣∣

(x− 3)k+1

2k+1(k + 1)

(x− 3)k

2kk

∣∣∣∣∣∣∣∣=|x− 3|k+1

|x− 3|k · 2k

2k+1· k

k + 1= |x− 3| · 1

2· 1

1 + 1k

Portanto∣∣∣ak+1

ak

∣∣∣→ |x−3|2 . O criterio da razao diz-nos que

• A serie converge absolutamente se |x−3|2 < 1

• A serie diverge se |x−3|2 > 1

Portanto a serie converge absolutamente se |x − 3| < 2, ou seja, no intervalo ]3 −2, 3+2[= ]1, 5[ e diverge se x /∈ [ 1, 5 ]. Falta ver o que acontece para x = 1, 5. Paraestes pontos o criterio da razao e inconclusivo.

x = 1: Substituindo x = 1 na serie obtemos∞∑

k=0

(1− 3)k

2kk=

∞∑

k=0

(−2)k

2kk=

∞∑

k=0

(−1)k

k

que e a serie harmonica alternada, sendo portanto convergente (mas nao ab-solutamente convergente).

x = 5: Substituindo x = 5 na serie obtemos∞∑

k=0

(5− 3)k

2kk=

∞∑

k=0

(2)k

2kk=

∞∑

k=0

1

k

que e a serie harmonica, sendo portanto divergente.

Concluimos que o domınio de convergencia da serie e o intervalo [ 1, 5[ . �

O domınio de convergencia no ultimo exemplo e um intervalo centrado em 3. Vamosver que este e um facto geral sobre series.

218 6. Polinomios e Series de Taylor

Teorema 3 (Raio de convergencia): Dada uma serie de potencias∑

ak(x− a)k,

existe um numero R ∈ [ 0,+∞ ], designado por raio de convergencia, tal que:

(i) a serie e absolutamente convergente quando |x − a| < R, i.e., para x ∈]a−R, a + R[;

(ii) a serie e divergente quando |x − a| > R, i.e., para x ∈ ]−∞, a−R[ ∪]a + R,+∞[;

(iii) a serie pode convergir ou divergir quando x = a + R e x = a−R.

Nota: Este resultado diz-nos que o domınio de convergencia de uma serie depotencias

∑k ck(x− a)k e sempre um intervalo centrado em a, tambem designado

por intervalo de convergencia, da forma

]a−R, a + R[ ou [a−R, a + R] ou ]a−R, a + R] ou [a−R, a + R[ .

Demonstracao. Vamos apenas fazer o caso a = 0 sendo o caso a 6= 0 completa-mente analogo. O passo principal e mostar que:

Se a serie∑

ck xk converge num ponto r > 0 entao converge absoluta-mente para qualquer x ∈ ]− r, r[ .

Isto e uma consequencia do criterio da comparacao: como∑

ck rk converge, ck rk →0 logo |ck rk| < 1 para k suficientemente grande. Assim,

|ck xk| = |ckrk| · |x|k

rk<|x|krk

para k ≫ 0

Para |x| < r,∑ |x|k

rk e uma serie geometrica de razao |x|r < 1 logo converge, pelo

que∑ |ck xk| tambem converge.

O raio de convergencia R vai ser o supremo do conjunto

A =

{r ∈ [ 0,+∞[ :

n

anrn e convergente

}.

Se A nao for majorado, a serie converge absolutamente para qualquer x ∈ R logotomamos R = +∞. Se A for majorado, seja R = supA ∈ R. Entao:

• para |x| > R a serie∑

ck xk diverge, porque neste caso |x| /∈ A;

• se |x| < R entao existe r ∈ A com |x| < r < R logo a serie∑

ck xk convergeabsolutamente.

Isto mostra que R ∈ R satisfaz as condicoes especificadas no enunciado do teorema.�

§5.2. Integracao e derivacao. Uma serie de potencias e contınua:

§5. Series de potencias 219

Teorema 4: Seja f uma funcao definida por uma serie de potencias:

f(x) =

∞∑

k=0

ck(x− a)k

Entao f e contınua no seu domınio.

A demonstracao sera feita na proxima seccao. Continuidade e usada nesta seccaoapenas para garantir a existencia do integral de f . Este integral pode entao sercalculado facilmente integrando a serie termo a termo:∫ x

a

(c0 + c1(t− a) + c2(t− a)2 + c3(t− a)3 + · · ·

)dt

=

[c0 t + c1

(t− a)2

2+ c2

(t− a)3

3+ c3

(t− a)4

4+ · · ·

]x

a

= c0(x− a) + c1(x− a)2

2+ c2

(x− a)3

3+ c3

(x− a)4

4+ · · ·

Teorema 5: Seja

f(x) =

∞∑

k=0

ck(x− a)k

e seja R o raio de convergencia da serie. Entao, para qualquer x ∈ ]a−R, a + R[ ,∫ x

a

f(t) dt =

∞∑

k=0

ck(x− a)k+1

k + 1

Demonstracao. Vamos apenas demonstrar o caso a = 0 sendo o caso geral com-pletamente analogo. A ideia da demonstracao e escrever f na forma

f(x) = c0 + c1 x + c2 x2 + · · ·+ cn xn +(cn+1 xn+1 + cn+2 xn+2 + · · ·

)

Integrando de 0 a x obtemos∫ x

0

f(t) dt = c0 x+c1x2

2+c2

x3

3+· · ·+cn

xn+1

n + 1+

∫ x

0

(cn+1 tn+1 + cn+2 tn+2 + · · ·

)dt

Agora basta tomar o limite quando n→∞ e mostrar que

limn→+∞

∫ x

0

(cn+1 tn+1 + cn+2 tn+2 + · · ·

)dt = 0

Como t varia entre 0 e x, |t| ≤ |x| logo, pelo criterio da comparacao,

±∞∑

k=n+1

ck tk ≤∞∑

k=n+1

|ck xk|

O membro direito desta desigualdade nao depende de t logo integrando de 0 a xobtemos

0 ≤∣∣∣∣∣

∫ x

0

∞∑

k=n+1

ck tk dt

∣∣∣∣∣ ≤∣∣∣∣∣

∫ x

0

∞∑

k=n+1

|ck xk| dt

∣∣∣∣∣ = |x|∞∑

k=n+1

|ck xk|

220 6. Polinomios e Series de Taylor

∞∑

k=n+1

|ck xk| e o resto da serie convergente∑ |ck xk| logo lim

n→∞

∞∑

k=n+1

|ck xk| = 0

Aplicando o teorema dos limites enquadrados obtemos

limn→+∞

∫ x

a

( ∞∑

k=n+1

ck tk

)dt = 0 �

Exemplo 4. Vamos calcular o integral∫ 1

0

sen(x2) dx

com um erro inferior a 0.001. Como

sen t = t− t3

3!+

t5

5!− t7

7!+ · · ·

substituindo t por x2 obtemos

sen(x2) = x2 − x6

3!+

x10

5!− x14

7!+ · · ·

Integrando obtemos

∫ 1

0

sen(x2) dx =

[x3

3− x7

7 · 3!+

x11

11 · 5!− x15

15 · 7!+ · · ·

]1

0

=1

3− 1

7 · 6 +1

11 · 120− 1

15 · 7!+ · · ·

Quantos termos precisamos de somar? Trata-se duma serie alternada portanto oerro e menor que o termo seguinte. Como 1

11·120 < 0.001, concluimos que

∫ 1

0

sen(x2) dx ≈ 1

3− 1

42= 0.30952381 . . .

com um erro inferior a 111·120 = 0.0007575 . . . < 0.001. �

Podemos tambem derivar uma serie termo a termo:

Teorema 6: Seja f(x) =

∞∑

k=0

ck xk com raio de convergencia R. Entao f e dife-

renciavel em ]−R,R[ com derivada g(x) =

∞∑

k=1

ck k xk−1.

Demonstracao. Comecamos por verificar que g esta bem definida em ]− R,R[.Tomando qualquer y tal que |x| < y < R obtemos

limk→∞

|ck k xk||ck yk| = lim

k→∞k

( |x|y

)k

= 0

§5. Series de potencias 221

logo pelo criterio do limite, como∑ |ck yk| converge,

∑ |ck k xk| tambem convergepelo que

∑ck k xk converge absolutamente. Entao, integrando g obtemos

∫ x

0

g(t) dt =

∞∑

k=1

ckxk = f(x)− c0

pelo que o teorema fundamental do calculo nos diz que f ′(x) = g(x). �

Exemplo 5.

(ex)′ =

(1 + x +

x2

2+

x3

3!+

x4

4!+ · · ·

)′

= 0 + 1 +2x

2+

3x2

3!+

4x3

4!+ · · · = ex

(sen x)′ =

(x− x3

3!+

x5

5!− x7

7!+ · · ·

)′

= 1− 3x2

3!+

5x4

5!− 7x6

7!+ · · · = cos x

(cos x)′ =

(1− x2

2!+

x4

4!− x6

6!+ · · ·

)′

= 0− 2x

2!+

4x3

4!− 6x5

6!+ · · · = − sen x �

§5.3. Demonstracao da continuidade. Nesta seccao vamos demonstrar queuma serie de potencias e contınua no seu domınio de convergencia. Tomaremossempre a = 0 para simplificar a notacao. Tomamos assim

f(x) =∞∑

k=0

ckxk

Para cada x no domınio de convergencia, o resto Rn(x) da serie converge para zerologo podemos tornar Rn(x) arbitrariamente pequeno tomando n suficientementegrande. O facto de podermos tornar Rn(x) arbitrariamente pequeno simultanea-mente para todo o x e essencial para provar continuidade:

Proposicao (Abel): Se uma serie∑

ckxk for convergente num ponto d > 0entao para qualquer ε > 0 existe um N que nao dependente de x tal que

|f(x)− Sn(x)| =∣∣∣∣∣

∞∑

k=n+1

ckxk

∣∣∣∣∣ < ε para quaisquer x ∈ [ 0, d ] e n > N .5

Um resultado analogo e valido se a serie convergir em d < 0: dado ε, |f(x)−Sn(x)| <ε para qualquer n suficientemente grande e qualquer x ∈ [−d, 0 ].

Demonstracao. Vamos primeiro provar o caso particular em que d = 1. O casogeral deduz-se facilmente daqui como veremos a seguir. Estamos pois a assumir que

5Sempre que uma sucessao de funcoes Sn(x) tem esta propriedade dizemos que Sn(x) converge unifor-

memente para f(x).

222 6. Polinomios e Series de Taylor

∑ck1k =

∑ck converge. Seja S a soma desta serie e sejam Sn as somas parciais.

Dado ε > 0 escolhemos N tal que

Sn ∈ ]S − ε2 , S + ε

2 [ para qualquer n > N

(que existe pois Sn → S). Seja m > n > N . Entao a partir das relacoes

ck =(cn+1 + · · ·+ ck

)−(cn+1 + · · ·+ ck−1

)

ve-se facilmente que

cn+1 xn+1 + · · ·+ cm xm = cn+1

(xn+1 − xn+2

)+(cn+1 + cn+2

)(xn+2 − xn+3

)

+ · · ·+(cn+1 + · · ·+ cm−1

)(xm−1 − xm

)+(cn+1 + · · ·+ cm

)xm

e portanto

|cn+1 xn+1 + · · ·+ cm xm| ≤ |cn+1|∣∣xn+1 − xn+2

∣∣+∣∣cn+1 + cn+2

∣∣∣∣xn+2 − xn+3∣∣

+ · · ·+∣∣cn+1 + · · ·+ cm−1

∣∣∣∣xm−1 − xm∣∣+∣∣cn+1 + · · ·+ cm

∣∣xm

Agora repare que

• Como x ≤ 1, xk > xk+1 logo |xk − xk+1| = xk − xk+1;

• Para k > n > N , Sk, Sn ∈ ]S − ε2 , S + ε

2 [ logo |Sk − Sn| < ε pelo que

|cn+1 + · · ·+ ck| =∣∣(c0 + · · ·+ ck)− (c0 + · · ·+ cn)

∣∣ = |Sk − Sn| < ε

Concluimos que

|cn+1xn+1 + · · ·+ cmxm| ≤ ε

(xn+1 − xn+2

)+ ε(xn+2 − xn+3

)

+ · · ·+ ε(xm−1 − xm

)+ εxm = εxn+1 < ε

Agora basta tomar o limite quando m→∞ para concluir que∣∣∣∣∣

∞∑

k=n+1

ckxk

∣∣∣∣∣ < ε

o que termina a demonstracao no caso d = 1. Vamos agora considerar o caso geral,isto e, assumimos que a serie

∑ckdk converge. Mas isto quer dizer que a serie∑

(ckdk)yk converge para y = 1 e portanto, para qualquer ε > 0 existe um N talque ∣∣∣∣∣

∞∑

k=n+1

ckdkyk

∣∣∣∣∣ < ε para y ∈ [ 0, 1 ] e n > N

Escrevendo x = yd, vemos que∣∣∣∣∣

∞∑

k=N+1

ckxk

∣∣∣∣∣ < ε parax

d∈ [, 0, 1 ] e n > N

o que termina a demonstracao. �

Passemos a demonstracao da continuidade de f :

§6. Series de Taylor 223

Demonstracao. Tomamos a = 0 para simplificar a notacao. Vamos mostrar que,se a serie converge em d, entao f e contınua no intervalo [ 0, d ] se d > 0 ou [−d, 0 ]se d < 0.

Dado um ε > 0 queremos mostrar que |f(x) − f(y)| < ε para qualquer y suficien-temente proximo de x. A ideia e aproximar f por uma soma parcial Sn:

|f(x)− f(y)| = |f(x)− Sn(x) + Sn(x)− Sn(y) + Sn(y)− f(x)|≤ |f(x)− Sn(x)|+ |Sn(x)− Sn(y)|+ |Sn(y)− f(x)|

Comecamos fixar N tal que |f(y)−SN (y)| < ε3 para qualquer y ∈ [ 0, d ]. Como SN e

contınua, sabemos tambem que |Sn(x)−Sn(y)| < ε3 para qualquer y suficientemente

proximo de x. Assim

|f(x)− f(y)| ≤ |f(x)− Sn(x)|+ |Sn(x)− Sn(y)|+ |Sn(y)− f(x)|<

ε

3+

ε

3+

ε

3= ε �

§6. Series de Taylor

Dada uma funcao definida por uma serie de potencias

f(x) = c0 + c1x + c2x2 + c3x

3 + c4x4 + · · ·

podemos calcular os coeficientes ck em termos de f : derivando obtemos sucessiva-mente

f ′(x) = c1 + 2c2x + 3c3x2 + 4c4x

3 + · · ·f ′′(x) = 2c2 + 3 · 2c3x + 4 · 3c4x

2 + · · ·f ′′′(x) = 3!c3 + 4!c4x + · · ·

...

Pondo x = 0 obtemos

f(0) = c0 , f ′(0) = c1 , f ′′(0) = 2c2 , f ′′′(0) = 3!c3 , . . . , f (n)(0) = n!cn

Concluimos que

f(x) =∞∑

k=0

f (k)(0)

k!xk

Chamamos a esta serie a serie de Taylor de f

Definicao 1: Seja f uma funcao com derivadas de todas as ordens num pontoa ∈ R. Chamamos serie de Taylor de f a serie de potencias

∞∑

k=0

f (k)(a)

k!(x− a)k

O argumento acima mostra que

224 6. Polinomios e Series de Taylor

Teorema 2: Seja f uma funcao definida por uma serie de potencias:

f(x) =

∞∑

k=0

ck (x− a)k

Entao ck = f(k)(a)k! . Ou seja,

∑ck (x− a)k e a serie de Taylor de f .

Atencao que uma funcao nao e necessariamente igual a sua serie de Taylor comomostra o proximo exemplo:

Exemplo 1. Seja f : R→ R a funcao

f(x) =

{e−

1x2 x 6= 0

0 x = 0

Entao, como vamos ver ja a seguir, as derivadas de f de todas as ordens existem esao iguais a zero portanto a serie de Taylor de f e identicamente nula mas claramentef(x) 6= 0 para x 6= 0.

Vamos entao calcular f (n)(0). Para n = 1,

f ′(x) = limx→0

f(x)− f(0)

x− 0= lim

x→0

e−1

x2

x= 0

Para n = 2,

f ′′(x) = limx→0

f ′(x)− f ′(0)

x− 0= lim

x→0

f ′(x)

x

Temos pois que calcular f ′(x) para x 6= 0. Obtemos

f ′′(x) = limx→0

2x3 e−

1x2

x= 0

Deixamos o resto da demonstracao como exercıcio. Sugestao: prove por inducaoque

f (n)(x) =

{h(x)e−

1x2 x 6= 0

0 x = 0

em que h(x) e uma funcao racional (um quociente de polinomios). �

§6.1. Determinacao de series de Taylor. Escrever uma serie de Taylor implicaconhecer um numero infinito de derivadas da funcao pelo que o seu calculo a partirda definicao so e possıvel em exemplos muito simples. Os quatro exemplos maisimportantes sao

§6. Series de Taylor 225

ex = 1 + x +x2

2!+

x3

3!+

x4

4!+ · · ·

sen x = x− x3

3!+

x5

5!− x7

7!+ · · ·

cos x = 1− x2

2!+

x4

4!− x6

6!+ · · ·

1

1− x= 1 + x + x2 + x3 + x4 + · · · para |x| < 1

A partir destas quatro serie podemos determinar series de Taylor de muitas outrasfuncoes como ilustramos nos exemplos seguintes:

Exemplo 2. A partir da serie de Taylor do seno vemos que

sen x

x=

1

x

(x− x3

3!+

x5

5!+ · · ·

)

= 1− x2

3!+

x4

5!+ · · ·

A serie de Taylor de sen xx torna evidente o limite notavel lim

x→0

sen xx = 1. �

Quando usamos a serie geometrica precisamos de ter cuidado com o domınio deconvergencia:

Exemplo 3. Vamos determinar a serie de Taylor de f(x) = 1x+2 . Podemos mani-

pular 1x+2 por forma a obtermos a soma duma serie geometrica:

1

x + 2= 1

2

1

1−(− x

2

) = 12

(1− x

2 +(− x

2

)2+ · · ·

)= 1

2

∞∑

k=0

(− x

2

)k=

∞∑

k=0

(−1)kxk

2k+1

Uma serie geometrica converge quando o modulo da razao e menor que 1. Assim,esta serie converge para

∣∣x2

∣∣ < 1, ou seja para |x| < 2. �

Exemplo 4. Vamos determinar a serie de Taylor de 3x2+x−2 . Comecamos por

decompor em fraccoes simples:

3

x2 + x− 2=

3

(x− 1)(x + 2)=

1

x− 1− 1

x + 2

Agora

1

x− 1= −1− x− x2 − x3 − · · · =

∞∑

k=0

(−xk) para |x| < 1

e vimos no exemplo enterior que

1

x + 2=

∞∑

k=0

(−1)kxk

2k+1 para |x| < 2

226 6. Polinomios e Series de Taylor

Portanto

3

x2 + x− 2=

∞∑

k=0

(−xk)−∞∑

k=0

(−1)kxk

2k+1 =

∞∑

k=0

(− 1− (−1)k

2k+1

)xk para |x| < 1 �

Outras tecnicas involvem derivar ou integrar a serie geometrica:

Exemplo 5. Vamos determinar a serie de Taylor de log(1−x). Derivando e usandoa serie geometrica obtemos

(log(1− x)

)′= − 1

1− x= −

(1 + x + x2 + x3 + · · ·

)= −

∞∑

k=0

xk para |x| < 1

Agora basta integrar de 0 a x:

∫ x

0

− 1

1− tdt = log |1− x| = −x− x2

2− x3

3− · · · = −

∞∑

k=0

xk+1

k + 1para |x| < 1

E interessante considerar o caso x = −1. Para este valor obtemos a serie harmonicaalternada:

1− 1

2+

1

3− 1

4+ · · · = −

∞∑

k=0

(−1)k+1

k + 1

As funcoes f(x) = −∞∑

k=0

xk+1

k+1 e log |x− 1| sao contınuas em [−1, 1[ e sao iguais em

]− 1, 1[ logo tem que ser iguais tambem em x = −1:

log 2 = 1− 1

2+

1

3− 1

4+ · · · �

Exemplo 6. Vamos determinar a serie de Taylor de arctan x. Derivando

(arctan x)′ =1

1 + x2

A serie de Taylor da derivada pode ser facilmente calculada usando a serie geometrica:

1

1 + x2=

1

1− (−x2)= 1−x2+x4−x6+· · · =

∞∑

k=0

(−x2)k =∞∑

k=0

(−1)kx2k (|x2| < 1)

Integrando obtemos

∫ x

0

1

1 + t2dt = arctan x = x− x3

3+

x5

5+ · · · =

∞∑

k=0

(−1)k x2k+1

2k + 1

valido para |x| < 1. Repare que a serie converge tambem para x = 1 (e uma seriealternada). Usando continuidade vemos que

π

4= arctan 1 =

∞∑

k=0

(−1)k 1

2k + 1= 1− 1

3+

1

5− 1

7+ · · · �

§6. Series de Taylor 227

Exemplo 7. Vamos calcular a serie de Taylor de f(x) = x2

(1+x)3 em a = 0. Comecamos

por observar que

x2

(1 + x)3= x2 · 1

(1 + x)3

portanto basta determinar a serie de Taylor de 1(1+x)3 e multiplica-la por x2. O

truque aqui e integrar primeiro:∫ x

0

dt

(1 + t)3= − 1

2(1 + x)2e

∫ x

0

−dt

2(1 + t)2=

1

2(1 + x)

Agora

1

2(1 + x)=

1

2· 1

1− (−x)=

1

2

(1− x + x2 − x3 + x4 + · · ·

)=

1

2

∞∑

k=0

(−x)k

Derivando obtemos

− 1

2(1 + x)2=

1

2

(−1 + 2x− 3x2 + 4x3 + · · ·

)=

1

2

∞∑

k=1

(−1)k k xk−1

Derivando de novo obtemos

1

(1 + x)3=

1

2

(2− 6x + 12x2 + · · ·

)=

1

2

∞∑

k=2

(−1)k k(k − 1)xk−2

Agora so falta multiplicar por x2:

x2

(1 + x)3=

1

2

(2x2 − 6x3 + 12x4 + · · ·

)=

1

2

∞∑

k=2

(−1)k k(k − 1)xk�

§6.2. Aplicacao ao calculo de limites. Dada uma serie

∞∑

k=0

ck (x− a)k = c0 + c1 (x− a) + c2 (x− a)2 + · · ·

e comum usar a notacao

O ((x− a)n) =

∞∑

k=n

ck (x− a)k = cn (x− a)n + cn+1 (x− a)n+1 + · · ·

para designar o resto da serie, ou seja, os termos de grau n ou superior.

Exemplo 8. Sabemos que

ex = 1 + x +x2

2+

(x3

3!+

x4

4!+ · · ·

)

logo podemos escrever que

ex = 1 + x +x2

2+O(x3)

em que O(x3) designa os termos de “ordem” x3 ou maior: x3

3! + x4

4! + · · · �

228 6. Polinomios e Series de Taylor

Exemplo 9. Vamos calcular o limite

limx→0

sen(x3)− x3

x cos(x4)− x

usando series de Taylor. Como

sen(x3)− x3 =

(x3 − (x3)3

3!+

(x3)5

5!+ · · ·

)− x3 = − 1

6 x9 +O(x15)

e

x cos(x4)− x = x

(1− (x4)2

2+

(x4)4

4!+ · · ·

)− x = − 1

2 x9 +O(x17)

obtemossen(x3)− x3

x cos(x4)− x=− 1

6 x9 +O(x15)

− 12 x9 +O(x17)

Dividindo por x9 obtemos

sen(x3)− x3

x cos(x4)− x=− 1

6 +O(x6)

− 12 +O(x8)

Tomando o limite quando x→ 0, O(xn)→ 0 para n > 0 logo

limx→0

sen(x3)− x3

x cos(x4)− x=− 1

6

− 12

=1

3�