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CONT A-CORRENTE R A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 06, N° 65 - Abril de 2016 Guerra às drogas: contra todos e contra ninguém S empre pre- sente nos no- ticiários de TV, rádio ou internet, a temática das drogas é uma constante em nossas vidas. Ainda que seja um conceito vago, este tema traz paixões ao debate sempre que vem à tona. Este boletim tem o intuito de discutir alguns aspec- tos históricos da relação da humanidade com estas substâncias, da política proibicionista adotada no mundo e no Brasil, e a eficiência – ou não – do combate aos danos sociais causados por esta. Para começar a es- miuçar, é preciso definir o que seria “Droga”. Segun- do a Organização Mundial de Saúde, é toda substân- cia que, introduzida no organismo, interfere em seu funcionamento. Dis- to, pode-se deduzir que aquele café para espantar o sono, o chá para melho- rar de uma dor de cabeça, chocolate para aliviar os sintomas da TPM, a cer- veja pra diminuir o es- tresse ou mesmo o cigarro de maconha para acalmar fazem parte do mesmo gênero. Até o início do sé- culo XX, drogas como maconha, cocaína e ópio eram usadas por muitas pessoas como medica- mentos ou mesmo como forma de diversão. No en- tanto, por diversos fatores – políticos e econômicos, principalmente esta história muda drastica- mente. Seja você a favor ou contrário, usuário ou não, este assunto lhe diz respeito por Ítalo Coelho de Alencar

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CONT A-CORRENTERA análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais

Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 06, N° 65 - Abril de 2016

Guerra às drogas: contra todos e

contra ninguém

Sempre pre-sente nos no-ticiários de

TV, rádio ou internet, a temática das drogas é uma constante em nossas vidas. Ainda que seja um conceito vago, este tema traz paixões ao debate sempre que vem à tona. Este boletim tem o intuito de discutir alguns aspec-tos históricos da relação da humanidade com estas substâncias, da política proibicionista adotada no mundo e no Brasil, e a

eficiência – ou não – do combate aos danos sociais causados por esta.

Para começar a es-miuçar, é preciso definir o que seria “Droga”. Segun-do a Organização Mundial de Saúde, é toda substân-cia que, introduzida no organismo, interfere em seu funcionamento. Dis-to, pode-se deduzir que aquele café para espantar o sono, o chá para melho-rar de uma dor de cabeça, chocolate para aliviar os sintomas da TPM, a cer-

veja pra diminuir o es-tresse ou mesmo o cigarro de maconha para acalmar fazem parte do mesmo gênero.

Até o início do sé-culo XX, drogas como maconha, cocaína e ópio eram usadas por muitas pessoas como medica-mentos ou mesmo como forma de diversão. No en-tanto, por diversos fatores – políticos e econômicos, principalmente – esta história muda drastica-mente.

Seja você a favor ou contrário, usuário ou não, este assunto lhe diz respeitopor Ítalo Coelho de Alencar

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ramo. O mais conhecido destes “empresários”, sur-gidos com a Lei Seca, foi Al Capone.

Tal política se mostrou inútil, do ponto de vista de reduzir o consumo e seus danos. Porém foi um sucesso do viés econômico para a nascente indústria da proibição e da guerra. Em 1933 esta lei foi revo-gada. Todavia, o aparelho estatal burocrático, assim como o crime organizado mudou de ramo. A partir daí, surge a proibição da maconha. Desta vez com discurso dirigido aos imi-grantes mexicanos, muito mais numerosos e incômo-dos, no contexto de apro-fundamento da crise capi-talista de 1929.

Ano 06, N° 65 - Abril de 2016 02CONT A-CORRENTER

A partir do início dos anos 1900,

com o aumento da oferta em escala mundial, soma-do às péssimas condições de vida da classe trabalha-dora, após a Revolução In-dustrial, começa a se tornar mais visível o uso abusivo e a dependência de drogas, ainda lícitas, em sua maio-ria. Devido ao uso destas por grupos socais tidos como perigosos para o sta-tus quo, passa-se a articu-lar a política proibicionista pelos países que dominam o sistema capitalista.

Em 1912, na cidade de Haia, Holanda, acon-teceu uma conferência da que debateu e encaminhou o primeiro tratado interna-cional sobre drogas. Mais especificamente sobre o ópio, devido às críticas em relação à tolerância dos países a seu consumo. Esta reunião foi resultado da conferência convocada pe-los EUA, em 1909, chama-da de Convenção Interna-cional do Ópio. O tratado resultante daquela foi assi-nado por Alemanha, EUA, China, França, Reino Unido, Itália, Japão, entre

outros, sendo ratificado pela Liga das Nações, em-brião da ONU, em 1923. A Convenção previu que “os Poderes contratantes en-vidarão os seus melhores esforços para controlar, ou para fazer com que sejam controladas, todos os tipos de fabricação, importação, venda, distribuição e ex-portação de morfina, co-caína e de seus respectivos sais”.

No caso dos EUA, que tinha uma população crescente de imigrantes em seu mercado de traba-lho, concorrendo com a mão-de-obra nativa, este tratado foi implementado em 1915. Baseado em um discurso xenófobo, se-meia a ideologia contra os imigrantes mexicanos, que consumiam maconha, assim como os irlandeses, adeptos do hábito de in-gerir bebidas alcoólicas e os asiáticos, apreciadores de ópio, relacionando-os a vadiagem, desordem e vio-lência. Consequentes com isto, e apoiados na doutri-na puritana da temperança, que pregava a abstenção dos prazeres terrenos, em

Uma boa desculpa pra fazer Guerra

Da famosa Lei Seca (1919) surge o temido Al Capone

1919 edita a chamada Lei Seca, onde proíbe a fabri-cação, comércio e con-sumo de bebidas alcoóli-cas. Estrutura o aparelho estatal para a perseguição daqueles que ousarem in-fringi-la.

Como a demanda não diminuiu, a produção se fortaleceu. Agora de forma clandestina, à margem da legalidade, o que favore-ceu o crescimento das máfias em torno desta in-dústria. Tornando vultosos os lucros, sem nenhuma taxação. Portanto, quem se aventurava nesta ativi-dade, auferia lucros imen-sos, assim como o poder de sua rede de corrupção de agentes públicos e au-mento da violência neste

Protesto “We Want Beer!” em New Jersey, 1931.

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país, ao não estabelecer crité-rios objetivos para identificar quem pratica a conduta de tráfico de drogas, deixa a cri-tério do delegado de polícia ou Ministério Público definir quem deve ser preso. A partir de um Recurso Especial (R.E 635659) em um processo, com repercussão geral, está sendo debatida no Supremo Tribunal Federal a constitu-cionalidade artigo 28 da Lei, que trata de “adquirir, guar-dar, tiver em depósito, trans-portar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, dro-gas sem autorização (…)”. Dos três votos já computados, todos foram favoráveis à in-constitucionalidade deste. No entanto, após mais um pedido de vistas, o julgamento foi suspenso sem previsão de re-torno à pauta.

Ano 06, N° 65 - Abril de 2016 03CONT A-CORRENTER

Já sob a égide da ONU, depois da II

Guerra Mundial, a política proibicionista se alastrou pelo mundo, ao mesmo tempo que o surgimento de novas drogas e o consumo das conhecidas, não parou de crescer. Mesmo com o aumento da repressão, atualmente no mundo há cer-ca de 243 milhões de pesso-as1consomem drogas ilícitas, o que representa 5% de popu-lação. Destes, 27 milhões apresentam uso problemático de psicoativos. Quando se trata de drogas lícitas, álcool e tabaco lideram a lista de con-sumo. O discurso proibicioni-sta se baseia na proteção da saúde pública, o que contrasta com os dados relativos aos danos sociais causados pelas drogas permitidas em quase todos os países ocidentais.

No Brasil, um estudo elaborado pela Confedera-ção Nacional dos Municípios (CNM), com dados do Siste-ma de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, aponta que, entre 2006 e 2010, foram contabilizados 40,6 mil óbitos causados por substâncias psicoativas. O ál-cool aparece na primeira co-locação entre as causas, sendo responsável por 85% dessas mortes. Quando o assunto é cigarro, este mesmo estudo

aponta que 4,6 mil pessoas morreram vítimas desta dro-ga. Portanto percebe-se que é o lucro, e não a preocupação com a saúde, que rege o mer-cado e as políticas públicas de drogas.

O caos social como consequência

Com o aumento do de-semprego entre os jovens, principalmente entre negros, moradores de áreas com ín-dice de Desenvolvimento Humano muito baixos, sem acesso a educação, saúde e moradia, o tráfico recruta seus funcionários. Relatório de ONU de 2005 aponta que 45% dos jovens entre 15 e 24 anos vivem com menos de dois dólares por dia, se tor-nando alvos fáceis da sedução de uma vida melhor ao traba-lharem para o tráfico. Das

Inimigo pero no muchoEm todo o mundo há cerca de 243 milhões de pessoas consomem drogas ilícitas

mulheres presas, metade foi por algum envolvimento com o tráfico. Entre os homens, um em cada quatro está en-carcerado é por este motivo.

Em 2014 a Comissão de Narcótico das Nações Uni-das concluiu em seu relatório que a economia do narcotrá-fico movimenta, anualmente, em todo mundo, uma cifra de 320 bilhões de dólares (em reais, ultrapassa um trilhão). Com estes dados, não é difícil concluir que quem lucra com esta atividade não são os mo-radores da comunidade. To-davia, são estes que “pagam o preço” da guerra.

Portanto, não é difícil de concluir que a tal guerra é estéril, tanto em resultado quanto em seu propósito.

A “lei de Drogas” (11.343/06)2 em vigor no

1 http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/06/26/onu-apesar-de-estavel-consumo-de-drogas-atinge-243-milhoes-no-mundo.htm2 http://ultimosegundo.ig.com.br/2014-09-23/677-dos-presos-por-trafico-de-maconha-tinham-menos-de-100-gramas-da-droga.html

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em armas e repressão, é preciso legalizar todas as drogas, estatizando a ca-deia de produção, circula-ção e comércio, para que sejam gerados empregos dignos aos que nela tra-balham e que as riquezas geradas sejam investidas em áreas sociais, como saúde, educação e assis-tência psicossocial dos usuários, a fim de preve-nir a sociedade dos ris-cos e minimizar os danos decorrentes do uso.

Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais.Coordenação Nacional do ILAESE: Antonio Fernandes Neto, Arthur Gibson, Bernardo Lima, Daniel Kraucher, Daniel Romero, Eric Gil Dantas, Érika Andreassy, Fred Bruno Tomaz, Guilherme Fonseca, José Pereira Sobrinho, Juary Chagas, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (44) 9866-4719 - (11) 7552-0659 - [email protected] - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal. Editor responsável: Eric Gil Dantas.

Ano 06, N° 65 - Abril de 2016 04CONT A-CORRENTER

EXPEDIENTE

Muitos países estão revendo

sua legislação sobre as drogas, como Holanda, México, Portugal e Es-panha, com base nos re-sultados desastrosos des-ta guerra. O exemplo mais emblemático é o dos EUA.

País dirigente da política proibicionista em nível mundial, já tem vários exemplos positi-vos com a Legalização da Maconha, que é a droga mais consumida. Quando se trata de uso medicinal, 22 estados já possuem legislações que regu-lamentam a produção, circulação e comércio. Quando se trata de uso recreativo, quatro já o fi-zeram.

Ao contrário do que se imagina, a lega-lização não fez com que o consumo aumentasse. Em alguns casos, chegou a apresentar queda3. Da mesma forma, o índice de crimes que envolviam o tráfico teve um impor-tante declínio. O que aumentou consideravel-

mente foi a arrecadação de impostos sobre este ramo econômico.

Outro exemplo de sucesso, mais próximo a nós, é o Uruguai4. Desde 2014 este país passou a regular o plantio, con-sumo e circulação da maconha. Os resultados positivos são facilmente observados. Agora, a dro-ga pode ser vendida, com licença para a ironia, em farmácias e drogarias. O tráfico e mortes causadas

por este deixaram de e-xistir.

Nesta mesma toada, Colômbia, Chile e Argen-tina estão discutindo as melhores formas de ar-mistício.

Em todo o mundo, movimentos sociais anti-proibicionistas ganham as ruas, com crescente apoio popular, para exigir do Estado a mudança de paradigma no tratamento deste assunto. Ao invés de investimento massivo

Existe solução?

3 http://www.hypeness.com.br/2015/07/quais-foram-os-impactos-do-uso-medicinal-da-maconha-nos-paises-que-o-legalizaram/4 http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/08/experiencia-do-uruguai-com-liberacao-completa-da-maconha.html

Marcha da Maconha em São Paulo (2014) – Foto: Mídia Ninja