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CONSUMO E CICLO DE VIDA: UM ESTUDO EM MARKETING E ANTROPOLOGIA DA TERCEIRA IDADE LUIS CLAUDIO KUBOTA Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD Orientador: Professor Dr. Everardo Rocha Rio de Janeiro 1999

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CONSUMO E CICLO DE VIDA: UM ESTUDO EM MARKETING EANTROPOLOGIA DA TERCEIRA IDADE

LUIS CLAUDIO KUBOTA

Universidade Federal do Rio de JaneiroInstituto de Pós Graduação e Pesquisa

em Administração - COPPEAD

Orientador: Professor Dr. Everardo Rocha

Rio de Janeiro

1999

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CONSUMO E CICLO DE VIDA: UM ESTUDO EM MARKETING EANTROPOLOGIA DA TERCEIRA IDADE

LUIS CLAUDIO KUBOTA

Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pós Graduação e

Pesquisa em Administração, COPPEAD/UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.).

APROVADA POR:

_______________________________________________Prof. Everardo RochaCOPPEAD/UFRJ - Presidente da Banca

_______________________________________________Profª. Heloísa LeiteCOPPEAD/UFRJ

_______________________________________________Profª. Ana Carolina Pimentel Duarte da FonsecaFACC/UFRJ

Rio de Janeiro

1999

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Kubota, Luis Claudio

Consumo e Ciclo de vida: Um Estudo em Marketing e Antropologiada Terceira Idade / Luis Claudio Kubota. Rio de Janeiro:UFRJ/COPPEAD, 1999.

x, 139 p. il.

Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro,COPPEAD, 1999.

1. Marketing. 2. Antropologia. 3. Etnografia. 4. Terceira Idade. 5.Dissertação (Mestr. - UFRJ/COPPEAD). I. Título.

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Aos meus pais, por tudo.

A Vera, minha maior incentivadora.

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v

AGRADECIMENTOS

Ao professor Everardo Rocha, meu orientador, por seu apoio, disponibilidade e

objetividade, na orientação deste trabalho.

Aos meus informantes e todos aqueles que os indicaram, por sua ajuda, tempo e

paciência.

Aos professores Armando Leite e Ursula Wetzel, por sua orientação nos momentos

de incerteza.

À Elza Aldeias, da Associação de Ex-Alunos do COPPEAD (AMEA), por toda sua

ajuda nos dois anos de Mestrado.

À funcionária Danielle Perrota Machado, por suas dicas para a formatação da

dissertação.

A todos os demais professores e funcionários do Instituto de Pós Graduação e

Pesquisa em Administração (COPPEAD).

Ao CNPq e ao CAPES, pelo suporte financeiro para a realização do curso de

Mestrado.

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KUBOTA, Luis Claudio. Consumo e Ciclo de vida: Um Estudo em Marketing e

Antropologia da Terceira Idade. Orientador: Everardo Rocha. Rio de Janeiro:

COPPEAD/UFRJ, 1999. Dissertação (Mestrado em Administração).

Este estudo - de caráter exploratório - teve por objetivo identificar o

simbolismo que permeia o consumo de pessoas de terceira idade. Foram efetuadas

entrevistas em profundidade junto a um grupo de doze moradores da cidade do Rio de

Janeiro. Esse grupo foi composto por consumidores de classe média alta, com mais de 60

anos. Através do método etnográfico, foi possível identificar três temas que emergiram do

discurso desses informantes, e que ilustram sua relação com o mercado de bens e serviços,

e com aspectos da cultura brasileira.

O primeiro tema, a dicotomia entre a "casa" e a "rua", apresenta a

influência de familiares e amigos no consumo, além da diferença de comportamento entre

homens e mulheres. O segundo, a diferença entre as gerações, destaca hábitos de consumo

arraigados no grupo estudado, e a perda de importância de alguns símbolos de status que

marcaram sua geração. O terceiro ilustra a percepção dos informantes a respeito de marcas

e sonhos de consumo.

Foi feita uma reflexão sobre a situação dos idosos e aposentados no Brasil,

e uma análise de estudos de marketing sobre os consumidores de terceira idade. Foi

efetuada uma revisão de literatura sobre a Antropologia e sua aplicação no estudo da

Administração. Foram analisados exemplos de estudos etnográficos situados nesta

fronteira.

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KUBOTA, Luis Claudio. Consumo e Ciclo de vida: Um Estudo em Marketing e

Antropologia da Terceira Idade. Orientador: Everardo Rocha. Rio de Janeiro:

COPPEAD/UFRJ, 1999. Dissertação (Mestrado em Administração).

This exploratory study had the goal of identifying the symbolism that is

reflected in the consumption of older people. Deep interviews with a group of 12 residents

of the city of Rio de Janeiro were done. This group was formed by upper middle class

consumers, older than 60 years old. Through the ethnographic method, it was possible to

identify three themes that emerged from the discourse of these informants, and that

illustrate their relation with the market of goods and services and with aspects of the

Brazilian culture.

The first theme, the opposition between "home" ("casa") and the "street"

("rua"), presents the influence of relatives and friends in the consumption, besides the

difference in the behavior of men and women. The second one, the difference between the

generations, highlights deep-rooted habits of consumption of the group, and the loss of

importance of a few symbols of status that distinguished the older generation. The last

theme illustrates the perceptions of the informants about brands and consumption dreams.

It was presented an analysis about the situation of the retired and senior

citizens in Brazil, and a review of marketing studies about the older consumers. A review

of the literature about Anthropology and its application in the field of Business

Administration was made. Ethnographic studies that lie in this boundary were also

analysed.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 1

2 A ANTROPOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO ............. 32.1 Antropologia e comportamento organizacional.................................................... 4

2.2 Antropologia e marketing ....................................................................................... 6

2.3 Método etnográfico aplicado à administração .................................................... 102.3.1 Estilo etnográfico clássico ....................................................................................... 102.3.2 Outras possibilidades de etnografia ......................................................................... 12

3 ETNOGRAFIA APLICADA À ADMINISTRAÇÃO ........................................ 173.1 Etnografia de culturas nacionais.......................................................................... 173.1.1 Empresas taiwanesas................................................................................................ 173.1.2 Contadores britânicos e alemães.............................................................................. 24

3.2 Etnografia de organizações................................................................................... 283.2.1 Empresas familiares britânicas ................................................................................ 283.2.2 Organização pós-moderna concorrendo ao Malcolm Baldrige ............................... 313.2.3 Implementação de sistema de informações.............................................................. 343.2.4 Empresa de desenvolvimento de produtos............................................................... 39

3.3 Pesquisas etnográficas do comportamento do consumidor ............................... 463.3.1 Bar temático ............................................................................................................. 463.3.2 Subcultura de consumo............................................................................................ 513.3.3 Imigrantes mexicanos .............................................................................................. 553.3.4 Objetos decorativos.................................................................................................. 62

4 CONSUMO DA TERCEIRA IDADE.................................................................. 684.1 Reflexões sobre velhice e aposentadoria no Brasil.............................................. 684.1.1 Os idosos, o trabalho e a aposentadoria no Brasil ................................................... 694.1.2 A participação dos idosos na política no Brasil ....................................................... 714.1.3 O crescimento da oferta de produtos e serviços para idosos no Brasil.................... 724.1.4 Estatísticas demográficas do Brasil ......................................................................... 73

4.2 Estudos de marketing sobre a terceira idade...................................................... 764.2.1 O conceito de ciclo de vida e outros conceitos na formulação de

estratégias de marketing........................................................................................... 764.2.2 Ações de marketing específicas para idosos............................................................ 894.2.3 A comunicação de marketing voltada para os idosos ............................................ 105

5 ETNOGRAFIA DO CONSUMO DA TERCEIRA IDADE............................. 115

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5.1 Condições de realização da pesquisa ................................................................. 115

5.2 Perfil do grupo ..................................................................................................... 116

5.3 Temas de consumo............................................................................................... 118

6 CONCLUSÃO E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS........................ 131

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 133

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"A família, a sociedade e o Estado têm

o dever de amparar as pessoas idosas,

assegurando sua participação na

comunidade, defendendo sua dignidade

e bem-estar e garantindo-lhes o direito

à vida".

Art. 230 da Constituição da República

Federativa do Brasil

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1 INTRODUÇÃO

O comportamento do consumidor é um tema de estudo fascinante, que tem sido pesquisado

através das mais variadas técnicas. Esses estudos variam desde pesquisas quantitativas até

abordagens mais qualitativas, como focus groups. Uma das técnicas qualitativas que tem

ganho espaço na pesquisa de marketing é a etnografia.

A etnografia é um método de pesquisa originário dos estudos das sociedades tribais,

desenvolvidos pelos antropólogos. Posteriormente, passou a ser utilizada no campo da

administração e do consumo - embora os antropólogos possam fazer restrições quanto ao

tempo despendido e à intensidade das relações sociais mantidas, permitindo o

aprofundamento do conhecimento sobre o comportamento do consumidor. A etnografia,

pelo refinamento e pela sutileza própria do método, pode ser capaz de captar significações

de difícil ou impossível observação através de outras técnicas. Ainda há um imenso campo

a ser explorado através desta técnica de pesquisa.

Através de entrevistas em profundidade e observação realizada efetivamente no campo, os

etnógrafos tentam apreender as motivações profundas que cercam o comportamento de

consumo. Tais pesquisadores estão preocupados em realizar uma análise simbólica do

consumo de um determinado grupo.

Nesta pesquisa, será estudado um grupo de pessoas aposentadas, de classe média alta, que

moram na cidade do Rio de Janeiro e não têm preocupações com o sustento de

dependentes. Realizar-se-á uma descrição etnográfica que procurará esclarecer os valores e

símbolos que influenciam o comportamento de compra deste grupo.

O estudo restringir-se-á à análise do consumo de bens e serviços relacionados com o

"supérfluo", com o hedonismo, tais como lazer e entretenimento, além de cursos de

atualização, sem aprofundamento nos bens e serviços ligados às necessidades mais básicas,

tais como consultas médicas, alimentação, impostos, taxas, medicamentos e outras que tais.

A dissertação tem a relevância de desenvolver um trabalho na fronteira ainda pouco

desenvolvida entre o estudo do comportamento do consumidor e a Antropologia. Será

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utilizada uma metodologia - etnográfica - cujo potencial ainda possui muito a ser

explorado no estudo do comportamento do consumidor, visto o pequeno número de

pesquisas que utilizam o método.

O perfil etário da população brasileira caminha na direção do envelhecimento da

população. A população da chamada "terceira idade" é crescente, possui renda

discricionária acima da média da população em geral, e ainda não é bem servida pela

maioria das empresas. Por isso, mostra-se imprescindível conhecer suas necessidades e

alguns aspectos de seu universo de consumo. O estudo trará uma contribuição prática para

o entendimento do comportamento de consumo de um grupo de pessoas dessa faixa etária,

o que pode indicar e abrir algumas perspectivas interessantes para profissionais de

marketing.

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2 A ANTROPOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO

O objetivo deste capítulo é contextualizar algumas contribuições da antropologia para o

estudo da administração e introduzir as diferentes aplicações do método etnográfico nas

ciências sociais, sem pretensão de esgotar os temas.

A parceria entre a antropologia e a administração iniciou-se no estudo das organizações.

Aos poucos, o referencial teórico e a metodologia de pesquisa - etnografia - originários da

antropologia passaram a ser aplicados também em outras áreas do estudo da administração.

Garcia (1995), por exemplo, sugere uma abordagem antropológica para treinamento de

pessoas com diferentes origens étnicas e culturais. Para Levine (1994), a etnografia pode

contribuir para o processo de formação de equipes. Swan, McInnis-Bowers e Trawick, Jr.

(1996) defendem que a etnografia pode ser utilizada na pesquisa de vendas. Simonsen e

Kensing (1997) utilizaram a etnografia no desenvolvimento de sistemas de informação.

A etnografia tem sido utilizada por empresas como Hewlett-Packard e Texas Instruments

(NOW hear this!, 1997), Xerox Corp. e General Motors (GARZA, 1991), Colgate-

Palmolive e Young & Rubican (ARNOULD, WALLENDORF, 1994), e Saatchi & Saatchi

(PFEIFER, 1999).

A seguir, apresentaremos um resumo da parceria entre a antropologia e as principais áreas

da administração, onde seus conceitos têm sido aplicados: o comportamento

organizacional e o marketing.

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2.1 Antropologia e comportamento organizacional

Existe uma longa parceria entre o estudo de comportamento organizacional e antropologia.

Bate (1997) vai mais longe, ao apontar que foram antropólogos que criaram este campo de

estudo, seu primeiro journal e seu primeiro livro-texto. Depois as duas áreas de estudo

separaram-se e, recentemente, voltaram a aproximar-se, principalmente nos Estados

Unidos. Na década de 90, nos EUA, os estudiosos de organizações aumentaram

significativamente o número de estudos etnográficos, adotando "A Interpretação das

Culturas" (GEERTZ, 1973), como um clássico.

Entretanto, Bate (1997) alerta que a aproximação entre comportamento organizacional e

"cultura" já ocorrera na década de 80, sem gerar frutos mais duradouros. Quando Tom

Peters e Waterman publicaram "Vencendo a Crise" - um dos mais influentes livros de

negócios da história corporativa norte-americana - trataram a cultura como a qualidade

essencial. Mais recentemente, Peters defendeu que a maior parte do dinheiro gasto para

promover a mudança de cultura organizacional foi jogada fora.

Os artigos que utilizam o método qualitativo não são necessariamente antropológicos.

Quase toda pesquisa antropológica é qualitativa, mas o inverso não ocorre. O autor critica a

profundidade de boa parte da literatura que se auto-atribui o título de etnográfica. Para

Bate (1997), a etnografia tem um caráter que requer imersão e grande consumo de tempo e

esforço. No presente estudo, não estamos adotando a premissa de imersão em uma cultura

para a definição de um trabalho etnográfico. A seção 2.3 apresentará discussão mais

detalhada sobre as características de uma etnografia.

Segundo Smirmich (1983), existem dois tipos de abordagem dentro do estudo do

comportamento organizacional. A primeira trata a cultura como uma variável, e é

dominante no estudo de organizações. Esta abordagem é consistente com a imagem de uma

organização como um organismo. Na segunda abordagem, a cultura é estudada a partir das

visões de diferentes escolas da antropologia.

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Segundo Bate (1997), os estudos que adotam o primeiro tipo de abordagem1 apresentam as

seguintes deficiências: não são históricos, não são contextuais e não são processuais. A

abordagem antropológica, por seu turno, teria qualidades opostas.

Para o autor, ao contrário do que ocorre na maior parte dos estudos de administração, a

história apresenta um papel muito importante para a antropologia. O presente e o futuro só

se tornam significativos quando são contextualizados com o passado. O interesse dos

antropólogos não está no passado em si, mas nas formas de pensar e de comportar-se que

continuam vivas, e que podem moldar o presente. É nas atividades do dia-a-dia que o

antropólogo procura pelo passado, em coisas como rituais, mitos, histórias e anedotas.

Entretanto, essa visão da história é controversa, dentro da teoria antropológica. Conforme

aponta Rocha (1994), a escola evolucionista tem uma visão relativizadora da história,

partindo para o estudo da sociedade do "outro" sem buscar os antecedentes históricos da

mesma.

De acordo Bate (1997), uma das noções fundamentais da antropologia é que o pensamento

e o comportamento não podem ser adequadamente compreendidos fora do contexto de seu

acontecimento. É o conhecimento do contexto que os torna inteligíveis. No caso de

organizações, o contexto pode ser temporal, físico ou institucional. Uma das forças da

antropologia é que ela põe o indivíduo em seu ambiente social, observando suas atividades

diárias. Ela pretende estabelecer relações entre o micro e o macro, algo que outras

disciplinas não alcançam. Entretanto, no mundo moderno globalizado os conceitos de

"todo" e "contexto" têm que ser abordados cuidadosamente.

Segundo o mesmo autor, as organizações são formais por um lado, porque têm tarefas

específicas para atingir, e informais por outro, devido ao modo como seus membros

continuamente negociam na interpretação e execução destas tarefas. O objetivo da

etnografia organizacional é apresentar a cultura de trabalho que emerge da interação entre

os aspectos formais e informais da vida organizacional. Apesar de tentar manter este

equilíbrio, a abordagem antropológica está mais interessada no aspecto informal, no modo

como os diferentes subgrupos de uma empresa - tais como empregados e gerentes - lutam

para estabelecer os termos de sua existência comum. A visão antropológica da cultura

1 Tratados por Bate (1997) como estudos de organizational behavior.

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organizacional difere da visão dos estudiosos de organizações que abordam a cultura como

variável. Para o segundo grupo, existe "a" cultura da organização, ao passo que para o

primeiro, a cultura é um processo político, onde os significados existentes são

constantemente contestados, renegociados e redefinidos pelas partes. Smirmich (1983)

também critica a noção de que exista "a" cultura da organização, lembrando que pode

haver múltiplas subculturas, ou mesmo contraculturas competindo para definir a natureza

das situações dentro das empresas.

Outra diferença que Bate (1997) aponta entre a abordagem antropológica e a que trata a

cultura como variável na análise do comportamento organizacional está na ênfase da

primeira em ser centrada no ator. A antropologia criou este enfoque, hoje utilizado por

outras disciplinas. A tarefa central da antropologia é representar a vida de outros "do ponto

de vista do nativo". Na verdade, essa é a ambição dos antropólogos, porque, em última

instância, tal ponto de vista só poderá ser expresso a partir do quadro de referência do

próprio pesquisador. Ou seja, a visão do "nativo" será apresentada através da mediação do

pesquisador, e por mais que este tente relativizar, sempre há um risco de que seus próprios

valores interfiram na análise.

Bate (1997) também aponta que, apesar de boa parte da pesquisa sobre organizações ser

qualitativa, apenas pequena parte é antropológica e centrada no ator. Os caso como os de

Harvard, por exemplo, apresentam um formato comum de pesquisa e ensino, mas poucos

deles contam a história "de dentro". Uma das vantagens no foco no ator social é que ele

diminui a chance de substituir o próprio julgamento pelo das pessoas envolvidas.

2.2 Antropologia e marketing

Ao contrário do que ocorre com o estudo das organizações, os estudos de marketing

baseados em referencial teórico antropológico ainda são pouco numerosos. Isto ocorre

porque as pesquisas na área são dominadas por abordagens positivistas. Entretanto, tem

crescido a importância de estudos com abordagem interpretativista, tanto no meio

acadêmico, quanto no meio empresarial.

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As ciências sociais, em geral, e a pesquisa sobre consumo, em particular, lidam com

pessoas. Para Holbrook e O'Shaughnessy (1988), uma característica essencial das pessoas é

a tendência de buscar significados em suas vidas. Os seres humanos vivem imersos em um

sistema compartilhado de signos baseados na linguagem e outros objetos simbólicos que

conferem um significado de existência social e identidade. O reconhecimento de que os

seres humanos são diferentes das moléculas em sua interminável busca de significado

indica a necessidade de interpretação na tentativa de explicar os significados que permeiam

o comportamento de consumo.

Como exemplo de trabalho que se situa na fronteira entre a administração e a antropologia,

podemos citar "Magia e Capitalismo", de Rocha (1995b). O autor apresenta a tese de que a

publicidade é a mediação entre o universo impessoal da produção e o universo pessoal do

consumo. Na produção, deve-se seguir os preceitos do utilitarismo. O consumo é o modo

final de inserir o objeto produzido na sociedade, como um objeto social.

Segundo esse autor, a publicidade desempenha nas sociedades modernas o papel do

totemismo nas sociedades tradicionais. No "pensamento selvagem", a oposição entre

"natureza" (não humano) e "cultura" (humano) é transcendida através do "operador

totêmico". Já no "pensamento burguês", a natureza é representada pelo mundo da

produção, opondo-se à cultura representada pelo consumo. A oposição entre a produção e

consumo é transcendida através da publicidade. Faz-se assim a junção entre domínios

opostos. A publicidade individualiza os produtos, tornando-os "humanos". Esse processo

ilógico, mágico, de bebidas que "falam" ou são nossas "amigas" opõe-se à racionalidade

que caracteriza as sociedades modernas, e ocorre dentro da publicidade. Essa não é a única

contradição. Na publicidade, o tempo não é linear - conforme assumido pelas sociedades

modernas - e sim cíclico, tal como concebido nas sociedades tribais. O anúncio é, assim,

um mito, uma narrativa mágica onde o tempo cronológico está em suspensão, e onde os

homens se aproximam dos animais (não humanos).

O encontro desta narrativa, deste mito, com seu receptor, pode ser caracterizado como um

ritual. No ritual, "nada é essencialmente modificado em relação à vida cotidiana, apenas

uma lógica diferente recombina e rearranja as categorias presentes no mundo diário".

(ROCHAb, 1995, p. 146). Na recepção da publicidade, no envolvimento do consumidor

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com o "mundo do anúncio", também não existe uma alteração na essência, apenas na

perspectiva.

Sob uma ótica menos simbólica, este momento de recepção do anúncio é tema de um

trabalho de Buttle (1991). Esse autor critica as pesquisas sobre propaganda, que são

baseados em modelos de estímulo-resposta, ou estímulo-(organismo)-resposta. Estes

modelos não captam o modo como a propaganda é integrada nas práticas sociais rotineiras

(tais como conversar, brincar), nem o modo como estas práticas são modificadas pela

propaganda.

Segundo o autor, a teoria da acomodação é uma solução para este problema. Segundo esta

teoria, a fonte dos efeitos da propaganda é o significado interpretado por pessoas, que são

contextualizadas histórico-sócio-culturalmente. Os significados são construídos no

discurso, e não como realidade pronta, oferecida no conteúdo da propaganda.

A propaganda entra nos lares como um material bruto, que as pessoas processam e

processam novamente, dentro das ações sociais que executam. O processo interpretativo é

governado por um sistema semiótico, onde os membros de uma comunidade lingüística

produzem uma visão do mundo mais ou menos comum. Esta visão do mundo é definida

nos recursos lingüísticos compartilhados e reproduzidas nas ações sociais rotineiras da

comunidade. Duas pessoas podem entender o conteúdo de um anúncio, mas não

necessariamente vão concordar sobre seu significado.

Buttle (1991) defende que a etnografia, e mais especificamente a etnografia do discurso ou

etnografia da comunicação, seja utilizada para estudar a recepção dos anúncios. O axioma

fundamental da etnografia da comunicação é que o discurso é a fonte básica para a criação

de um significado comum e produção de ação social coordenada. É no discurso que a

realidade social é construída. O autor apresenta um projeto de pesquisa baseado nesta

metodologia. É mais um exemplo de pesquisa de marketing que pode ser feita com o uso

de metodologias de cunho antropológico.

Segundo Arnould e Wallendorf (1994), a etnografia tem uma longa história de uso

estratégico em várias áreas, tais como: agricultura, educação, saúde e políticas públicas. Os

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autores sugerem modos pelos quais a etnografia pode ser utilizada para auxiliar na tomada

de decisões estratégicas de marketing. O primeiro deles é proporcionar um entendimento

completo das várias camadas de significados que permeiam o comportamento de compra.

Ao estudar o consumo de rafting - a descida de rios em botes infláveis - Arnould e Price

(1991) identificaram fatores como: crescimento e renovação pessoal, e harmonia com a

natureza e com o grupo, como os principais influenciadores na satisfação dos

consumidores. Pesquisas tradicionais indicavam apenas atributos padrão como

influenciadores desta satisfação: segurança, alimentação, companhia e logística.

Outra possível contribuição da etnografia para a estratégia de marketing é identificar

significados que permeiam determinado comportamento de consumo e tentar replicá-lo em

outro produto ou serviço. Wallendorf e Arnould (1991) desenvolveram uma etnografia

sobre as cerimônias do Dia de Ação de Graças, e identificaram que a abundância é um dos

significados que permeiam as ceias. Entretanto, além de quantidade, existe também

variedade de opções de um determinado produto, como tortas, por exemplo. Esta variedade

tem por objetivo agradar aos gostos pessoais de cada um dos participantes da ceia, de

modo a unir a família, mesmo que por um dia. Assim, eles sugeriram várias estratégias de

comercialização de produtos com cranberry (um tipo de amora), que ajudariam a

preencher esse desejo de agradar aos diferentes gostos dos familiares.

A terceira contribuição do método etnográfico para a formulação da estratégia de

marketing é "transcrição densa". Nessa forma de comunicação, o mercado fala por si

mesmo. Através de polifonia, as vozes dos participantes chegam aos profissionais de

marketing de maneira clara e ilustrativa. Esta técnica é utilizada por empresas como Young

& Rubican e Colgate-Palmolive.

A quarta contribuição envolve um entendimento sustentado do mercado ao longo do

tempo. Quando o pesquisador mergulha na subcultura ou contexto de consumo,

observando e participando, passa a ter um entendimento profundo da mesma. Assim, pode

analisar as possíveis estratégias de marketing com a necessidade de pequena ou nenhuma

quantidade de dados adicionais.

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2.3 Método etnográfico aplicado à administração

2.3.1 Estilo etnográfico clássico

Ao abandonar a postura evolucionista, no início do século XX, a antropologia passou a

adotar o trabalho de campo, ou a etnografia, como seu principal método de pesquisa e

maior instrumento de relativização. Os antropólogos, a partir de então, partiram para

campo, para o estudo das sociedades tradicionais.

A importância da etnografia está presente na própria interpretação – semiótica – de Geertz

(1978) para a cultura. Seguindo uma trilha de idéias inspirada na obra clássica de Max

Weber (Apud GEERTZ, 1978), o autor americano define a cultura como as teias de

significado que o homem tece, e o projeto antropológico seria exatamente a análise destas

teias. Segundo Geertz (1978, p. 24) a cultura opera como:

“(...) sistemas entrelaçados de signos interpretáveis , (...) a cultura não é umpoder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentossociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é umcontexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível –isto é, descritos com densidade”.

Os estudos etnográficos estão inseridos em um lugar e tempo definidos. Ao invés de tentar

determinar leis gerais, os interpretativistas tentam compreender os motivos, significados,

razões e outras experiências que estão inseridas em um contexto, conforme apontado

anteriormente. A descrição densa corresponde a essa forma de explicação dependente de

um contexto.

A descrição densa é o trabalho de identificar os significados mais profundos que são

representados pelo comportamento humano. Isto é, apreender e depois apresentar múltiplas

estruturas conceituais complexas e interligadas entre si, que são simultaneamente

estranhas, irregulares e inexplícitas. Este conceito da etnografia é coerente com a

observação de Malinowski (1932, p.19): “Todos esses fatos podem e devem ser

cientificamente formulados e registrados, mas é necessário que isto seja feito, não com um

superficial registro de detalhes, mas com um esforço de penetrar na atitude mental expressa

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neles”2.

Segundo Geertz (1978, p.31), há três características da descrição etnográfica: "ela é

interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação consiste em

salvar o 'dito' num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas

pesquisáveis". Como exemplo desta terceira característica, Geertz cita o kula, um sistema

de trocas desenvolvido por nativos das Ilhas Trobriand, no Pacífico, e pesquisado por

Malinowski. O kula desapareceu ou foi alterado, mas a descrição de Malinoski permanece

disponível para os pesquisadores. Além destas três características, Geertz acrescenta que a

etnografia é “microscópica”, ou seja, o antropólogo inicia uma análise macro a partir de

uma “coleção de miniaturas etnográficas”. Infelizmente, essa passagem do micro para o

macro - também defendida por Bate (1997) - envolve grandes dificuldades metodológicas.

Malinowski (1932) defende que os trabalhos etnográficos de valor científico são aqueles

onde podem distinguir-se claramente os resultados da observação direta e as declarações e

interpretações dos nativos, de um lado, e as inferências do pesquisador, de outro.

Para o autor polonês, uma das regras dos trabalhos de campo é descobrir as maneiras

típicas de pensar e sentir, a respeito das instituições e cultura de uma dada comunidade. A

melhor maneira de fazer isso seria transcrever literalmente as declarações de crucial

importância, técnica utilizada pelos principais antropólogos ingleses do início do século. O

objetivo final do trabalho de campo é captar o ponto de vista do pesquisado, sua relação

com a vida, entender "sua" visão de "seu" mundo. O pesquisador que compreender a

natureza humana de uma forma muito distante e diferente da sua, talvez consiga lançar

uma luz sobre sua própria realidade, ou seja "relativizar-se".

Da Matta (1987b) enfatiza a importância do trabalho de campo - a imersão dentro dessas

outras sociedades ou grupos sociais - para o antropólogo. A antropologia toma como ponto

de partida a posição e o ponto de vista do outro, estudando-o através de todos os meios

disponíveis, sejam dados históricos, fatos econômicos ou material político. O autor defende

que o etnógrafo deve apresentar uma postura humilde, entender que o outro tem razões,

lógica e dignidade que são o seu objeto de estudo. E a partir desse conhecimento, será

2 Livre tradução do autor.

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possível relativizar-se, o que está de acordo com a posição de Malinowski, apresentada no

parágrafo anterior.

Para Da Matta (1987b), o trabalho de campo - onde o antropólogo abandona seu lar para

estudar sociedades tribais ou grupos marginais - é um rito de passagem. O antropólogo,

assim como o noviço, retira-se de sua sociedade, torna-se invisível socialmente, fica

individualizado e, finalmente, retorna ao lar com uma nova perspectiva, podendo assim

assumir novos papéis sociais e posições políticas. Depois de viver fora da sociedade por

um tempo, acaba tendo o direito de nela retornar com maior dignidade e firmeza. Da Matta

desenvolveu uma etnografia sobre os índios Apinayés, do Brasil central.

2.3.2 Outras possibilidades de etnografia

O progressivo refinamento teórico e metodológico alcançado no estudo das sociedades

tribais permitiu que a antropologia englobasse as situações urbanas das sociedades

industrializadas. Como conseqüência, diluem-se as distâncias que separam a antropologia

de outras ciências sociais, como a sociologia e a ciência política. E dentro da antropologia

surgiram ramos dedicados ao estudo de níveis específicos da realidade social, como a

antropologia econômica, antropologia política e a antropologia jurídica.

Nos anos 20, sob a influência da sociologia urbana, Robert e Helen Lynd desenvolveram

um estudo antropológico sobre a cidade de Muncie, nos Estados Unidos, publicado no

livro Middletown: A Study in Contemporary American Culture. Outros trabalhos sobre

segmentos da população norte-americana foram realizados por antropólogos, como: After

Freedom: A Culture Study in the Deep South, de 1939. Trata-se de um estudo sobre uma

comunidade negra do sul dos Estados Unidos (ENCICLOPÉDIA MIRADOR

INTERNACIONAL, 1975).

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O estudo sistemático de sociedades camponesas ganhou impulso também a partir da

década de 30, com o trabalho de Robert Redfield em um vilarejo no México. A obra

Tepztlán, A Mexican Village: A Study of Folk Life foi publicado em 1930. Posteriormente,

outros antropólogos dedicaram-se a pesquisas em comunidades rurais. Podem ser citados

os trabalhos de Ralph Beal (publicou em 1949 Cherán: A Sierra Tarascan Village) e Sol

Tax, que publicou, em 1953, Penny Capitalism: A Guatemalan Indian Economy.

(ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL, 1975) .

Contemporaneamente, etnografias foram desenvolvidas em instituições como asilos,

hospícios e quartéis, e junto a segmentos da população, como hooligans, escoteiros, punks,

idosos, etc. Nesse contexto, a etnografia foi incorporada ao estudo das organizações e do

consumo de determinados grupos. O capítulo 3 apresenta várias etnografias que são um

exemplo da contribuição deste método ao estudo da administração.

O estudo da administração é dominado por pesquisas de caráter positivista, apesar dos

problemas inerentes ao método. Entretanto, a investigação interpretativista tem dado

contribuições que a indicam como uma alternativa no processo de gerar conhecimento

sobre a administração, em geral, e sobre o consumidor, em particular. Segundo Holbrook e

O'Shaughnessy (1998), esta abordagem de pesquisa não é isenta de críticas de acadêmicos

positivistas, que identificam os estudos interpretativistas como “não-científicos”. Esta

controvérsia envolve toda a discussão a respeito do que é ou não ciência, tendo Karl

Popper como um de seus expoentes.

É importante ressaltar que a etnografia também pode ser utilizada pelos pesquisadores

positivistas, como método de levantamento de dados. Hudson e Ozanne (1988) citam o

exemplo de uma pesquisa desenvolvida em 1966 por pesquisadores americanos, que

fizeram uma etnografia durante um ano sobre a socialização e aculturamento3, mas cujos

procedimentos foram estruturados, hipóteses sugeridas e testadas, e análises estatísticas

efetuadas. O que caracteriza a etnografia como um trabalho interpretativista é o tipo de

esforço intelectual que o cerca.

3 Enculturation no orignal.

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Hudson e Ozanne (1988) descrevem três tipos de pesquisa interpretativista. A primeira é a

de Geertz, desenvolvida parcialmente nos parágrafos anteriores. Trata-se de uma

abordagem que enfatiza o entendimento da cultura, a construção simbólica que o grupo

tem do mundo. Para esse autor, a unidade de análise é a cultura e o foco de entendimento é

a consciência coletiva. Esta é a abordagem adotada no presente estudo.

A segunda é desenvolvida por Herbert Blumer - um sociólogo que é um dos líderes da

escola de pensamento da interação simbólica de Chicago - e dá mais ênfase ao indivíduo.

Para este autor, a unidade de análise é o indivíduo, e seu foco de entendimento está nas

percepções e significados desse indivíduo. De um lado, a realidade é composta da

percepção dos indivíduos sobre a mesma. Por outro lado, o mundo real pode “falar de

volta” para nossas visões a seu respeito, resistindo, não se moldando a elas. Ao contrário

da posição geral do interpretativismo, sua visão da realidade contém um aspecto objetivo e

um subjetivo.

A terceira linha é desenvolvida por Yvonna Lincoln e Egon Guba, que também enfatizam

o indivíduo. Para os mesmos, a unidade de análise é o indivíduo e o foco de entendimento

está em seus significados. Os pesquisadores são originários do campo da educação, e

criaram uma abordagem passo-a-passo para desenvolver pesquisa. O que se destaca em

seu trabalho é que eles buscam entendimento4, ao invés do que eles entendem como sendo

o objetivo da pesquisa científica: a predição. Ao mesmo tempo, estão preocupados com a

validade interna e externa, objetividade e confiabilidade. Ou seja, trata-se de um meio

termo entre a linha positivista e a interpretativista.

4 Understanding no original.

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Para Bate (1997) - um antropólogo dedicado ao estudo das organizações - a etnografia

pode ser definida de três maneiras: como um tipo particular de método ("fazer"), como um

tipo de esforço intelectual ("pensar"), e como um estilo retórico ("escrever"). O grande

desafio do método etnográfico é capturar o ponto de vista do "nativo". No campo do

comportamento organizacional isto pode ser feito de vários modos: entrevistas em

profundidade, freqüencia e registro de encontros, investigação de documentos e observação

participativa (inventada pela antropologia). Tais métodos são comuns à pesquisa

qualitativa tradicional. Mas para os etnógrafos, não há tanta ênfase no "como fazer".

Muitos etnógrafos acreditam que o único modo de fazer etnografia é "indo e fazendo".

O mesmo autor também opõe a etnografia ao paradigma "KISS" (Keep it Simple Stupid),

predominante nos livros mais vendidos de administração. Esta abordagem prega que as

empresas devem usar o bom senso e buscar a simplicidade. Um dos expoentes deste

paradigma é Jack Trout, que em recente entrevista à Exame (Garcia, 1999) defendeu que

as empresas não devem gastar dinheiro tentando descobrir o que o cliente quer, pois as

pessoas são como ovelhas, sentem necessidade de se comportar como as outras. Em

contraste com este tipo de abordagem, a etnografia defende a crítica, o modo como o autor

desafia o leitor a questionar e reexaminar suas crenças.

Segundo Bate (1997), etnografia é arte, ciência e ofício ao mesmo tempo. Os etnógrafos

são artistas pela maneira como capturam as experiências em imagens e representações que

simbolizam a realidade. Cientistas pelo modo como coletam e analisam a informação,

transformando-a em teorias. E artífices pelo modo como escrevem, porque os materiais

para a construção das teorias são as palavras, sentenças e frases.

O mesmo autor também defende que, para produzir uma etnografia de qualidade, o

pesquisador deve passar a vívida impressão de ter "estado lá", transmitir a riqueza do dia-

a-dia através de polifonia e apresentar o fenômeno de uma nova maneira. Para passar a

impressão de ter "estado lá", o etnógrafo deve procurar transmitir familiaridade com os

sujeitos e seus modos de ser, de um modo que os próprios "nativos" aprovariam. A

antropologia lida com a experiência cotidiana da sociedade ou das organizações, pois é

através dessa interação diária que a cultura da sociedade ou das organizações se forma.

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A polifonia é um método de representação utilizado na antropologia, onde as "pessoas

falam por si mesmas", através de citações de trechos de discursos dos informantes. A

polifonia reflete a atenção ao "foco no ator", e é especialmente adequada ao estudo de

organizações, pluralísticas e multi-vocais por natureza. Finalmente, a antropologia objetiva

apresentar o fenômeno de formas novas e reveladoras, desafiando as visões de mundo

baseadas no senso comum.

Em suma, a etnografia é uma técnica de pesquisa utilizada principalmente – mas não

necessariamente – por pesquisadores interpretativistas. Suas origens, enquanto método,

encontram-se nos estudos antropológicos de sociedades tradicionais. Posteriormente, a

etnografia passou a ser utilizada também na pesquisa de sociedades modernas e, mais

especificamente, nos estudos da administração e do comportamento do consumidor. O

capítulo seguinte apresentará uma série de etnografias que representam essa linha de

pesquisa.

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3 ETNOGRAFIA APLICADA À ADMINISTRAÇÃO

3.1 Etnografia de culturas nacionais

3.1.1 Empresas taiwanesas

Chang e Holt (1996) desenvolveram um estudo que buscou descrever de que modo homens

de negócios de Taiwan relacionam-se entre si e com seus consumidores. Através de

etnografias e entrevistas em profundidade, os padrões de relacionamento em duas empresas

de computação de Taipei são analisados sob a influência das tradições chinesas, onde as

emoções humanas e ordens de relacionamento são a base da sociedade.

Os empregados taiwaneses - em particular os profissionais de vendas - parecem

competentes em fundir elementos funcionais e emocionais para gerenciar relações

interpessoais em um complexo e dinâmico ambiente social. Os relacionamentos

influenciam o funcionamento das empresas de Taiwan no moderno ambiente de negócios.

Taiwan é uma ilha situada no sul do Mar da China. Ela foi ocupada pelo Japão após a

Guerra Sino-Japonesa de 1894-95, e devolvida à China ao fim da II Guerra Mundial. Com

a Revolução Comunista da China em 1949, o líder dos Nacionalistas, General Chiang Kai-

Shek, estabeleceu um governo na ilha. Desde então, os dois governos brigam pelo direito

de representar a China, inclusive frente à ONU.

Atualmente, poucos países mantêm relações diplomáticas com Taiwan, o que faz com que

seus negócios sejam circunscritos e feitos através de mediação, principalmente de Hong

Kong. Apesar dessas dificuldades, Taiwan experimentou um crescimento econômico

notável, e o país deixou de ser uma economia agrícola para tornar-se uma nação

industrializada e posteriormente uma economia voltada para serviços. Em 1989, 44% da

força de trabalho estava atuando no setor de serviços, e 3/4 dos novos negócios eram

orientados para este setor.

Esta mudança no ambiente de negócios gerou um aumento na importância dos empregados

do setor de serviços. As empresas preocupam-se em mantê-los satisfeitos e atualizados. Os

consumidores também se tornaram mais exigentes com relação à qualidade e design dos

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produtos e à sofisticação dos serviços.

As transformações econômicas mencionadas acima requerem transformações nos

tradicionais valores chineses. Taiwan, com sua história particular e sua luta para ser o

único país legitimamente chinês, promove a cultura chinesa.

Uma das principais características da cultura chinesa diz respeito ao modo como as

relações interpessoais são concebidas e reguladas. Os chineses acreditam que estas relações

são a base sobre a qual o universo é compreendido. Logo, os relacionamentos têm

implicações práticas e epistemológicas. Esta atitude influencia a interação entre

subordinados e supervisores, consumidores e clientes, e assim por diante.

As três principais influências sobre os padrões de relações interpessoais chineses são o

Confucionismo, o Budismo e o Taoísmo. O Confucionismo vê as relações interpessoais

como o lugar central onde alguém adquire humanidade. Existe uma preocupação genuína

com os semelhantes. Ter emoção é a qualidade central que regula as relações humanas.

Para o Confucionismo, as pessoas seriam mais próximas de suas famílias, com as relações

se expandindo até abranger pessoas que não fazem parte do círculo familiar. Dependendo

da distância ou proximidade de uma relação, os parceiros relacionais experimentam

diferentes graus de emoção, e consequentemente, diferentes comportamentos de troca.

Baseadas no Confucionismo, as relações chinesas são hierárquicas, os direitos e obrigações

para diferentes papéis são geralmente bem definidos.

Segundo o Budismo, o self não existe independentemente, mas é possível apenas através

da relação com outros. Os atos geram carma, a responsabilidade acumulada através de

várias vidas. O carma condiciona as circunstâncias dos indivíduos, marcando diferentes

graus de envolvimento em vários relacionamentos como manifestações de decisões de uma

vida para a outra. Apesar de não ver diferentes ordens de relacionamentos pessoais como a

base da sociedade - tal como ocorre no Confucionismo - o Budismo reconhece o caráter

especial de cada relacionamento particular, porque cada relação possui seu caráter cármico

distinto.

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O Budismo e o Taoísmo vêem o universo como uma contínua evolução da relação entre

vários níveis de causalidade e infinitos padrões de inter-relacionamentos. Além disso, as

manifestações materiais são consideradas meramente temporárias. Como tanta importância

é dada às relações interpessoais na filosofia oriental, a vida na cultura chinesa é muitas

vezes vista como uma complexa teia de relações.

As relações chinesas são como os círculos gerados por uma pedra lançada no lago, onde o

indivíduo é o centro e os círculos representam séries de conexões interpessoais. As

relações chinesas são particularísticas, em contraste com perspectivas que vêem todas as

relações com relativa igualdade.

Para os chineses, tanto as relações familiares como outros laços são importantes para

atingir os objetivos pessoais, logo, as relações chinesas não deveriam ser caracterizadas

como familiares. Os chineses usam fatores emocionais de qualquer relacionamento para

atingir objetivos práticos. Esta característica da cultura chinesa disponibiliza aos homens

de negócio de Taiwan um grande repertório de recursos para lidar com os problemas do

dia-a-dia.

O termo chinês kuan-hsi refere-se a relação ou relacionamentos. Entretanto, este conceito

também pode ser interpretado como relacionamento como um recurso que pode ser

utilizado para que alguém possa atingir seus objetivos. Relativizando para a cultura

brasileira, podemos notar que o mesmo fenômeno ocorre. "Sujeito é bem relacionado" ou

"Fulano tem muitos contatos" são expressões onde os relacionamentos também são

expressos como recursos para atingir um objetivo.

Para os chineses, o grau de kuan-hsi - a profundidade da relação - que uma pessoa tem pela

outra geralmente determina o domínio de comportamentos interpessoais apropriados para

um dado relacionamento. A emoção é a base para as transações comerciais. As relações

funcionais chinesas seriam inviáveis se fossem baseadas puramente na troca. Mesmo os

relacionamentos que precedem contratos devem passar pelo estabelecimento de contato e

envolvimento, a fim de preparar o terreno emocional para a subseqüente transação

comercial.

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Quando os chineses se deparam com uma escolha entre razão e emoção, eles sempre

escolhem a segunda. Em virtude disso, os chineses utilizam a emoção para ajudá-los a

atingir seus objetivos funcionais. Para os chineses, muitas vezes é difícil separar os

aspectos emocional e utilitário de uma relação. A emoção é reforçada através da prática de

suporte e ajuda. A seguir, será apresentada uma análise dos padrões de relacionamento em

duas empresas de computação de Taiwan, a Ta Chuan e a Ta Yu.

Ta Chuan é um companhia de sucesso, com receitas em torno de US$12 milhões em 1991,

e 27 empregados. A empresa atua na área de mainframes, sendo a maior parte de seus

clientes do setor governamental ou industrial. Ta Chuan tem cinco departamentos, e

mesmo naqueles com apenas três pessoas, existe uma rígida hierarquia. À exceção do

departamento de vendas e de casos isolados, a interação social entre os empregados é rara.

O desempenho da empresa depende fortemente de seus representantes de vendas, e estes

por sua vez dependem dos serviços prestados pelas funções de manutenção, e de serviços

prestados pelos outros departamentos. O departamento de vendas tem a posição de maior

destaque dentro da empresa. Os profissionais eram designados para aquele departamento

em virtude de sua habilidade de vendas, excelente contatos, histórico acadêmico e

habilidade de gerir uma empresa ainda buscando seu espaço.

O pessoal de vendas e os técnicos são recrutados basicamente através de contatos pessoais.

Aqueles que estudaram ciências da computação introduzem seus colegas de faculdade, do

serviço militar e de outras companhias, e assim por diante. Pelo menos 60% do pessoal foi

recrutado dessa maneira. Funcionários de outras empresas e candidatos dos melhores

cursos de computação de Taiwan são outra fonte de recrutamento.

Os autores ressaltam a diferença entre esses métodos e os processos de recrutamento de

empresas ocidentais, baseado em testes, cartas de recomendação, diplomas, etc. Mais uma

vez relativizando para o caso brasileiro, a indicação ainda consiste em uma das principais

fontes de recrutamento em muitas empresas.

Apesar de as empresas no Ocidente também preferirem candidatos referenciados por

funcionários da empresa, existe uma grande diferença entre as práticas. Na China, o

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empregado que indica o novo funcionário assume responsabilidade pela sua performance.

Além disso, a empresa exige duas pessoas que funcionem como uma espécie de fiadores,

no caso de eventuais prejuízos causados pelos seus indicados.

A principal atividade da empresa é vender mainframes para usuários militares e industriais,

e as relações com os consumidores têm um papel fundamental nesse processo. Interagir

com os consumidores é como "fazer amigos". Um dos informantes enfatizou a importância

de ser sincero e tratar o cliente potencial com atenção. Se um vendedor tenta concentrar-se

apenas na venda, dificilmente terá êxito. Já aquele que tenta tornar-se amigo do cliente tem

mais chances de fechar um negócio.

Os negócios não são considerados meramente um evento pontual, mas um momento em

um processo contínuo de dar e receber, similar às relações entre amigos em outros

ambientes que não o de negócios. Quando um comprador não pode aceitar a oferta do

vendedor, pode chegar ao ponto de atuar como um intermediário, indicando seus amigos

para esse vendedor. Ou seja, há uma combinação entre pessoal e profissional.

Por outro lado, o vendedor assume uma grande responsabilidade junto ao cliente, fazendo

todo o necessário para que suas necessidades sejam atendidas. Quando há um problema, o

cliente contacta o vendedor, e não a manutenção, e isso é visto como manifestação de

confiança e um sinal da continuidade da relação. O departamento de vendas faz mais do

que simplesmente vender produtos, ele também é responsável pelo desenvolvimento de

relações entre os vendedores e os clientes e, posteriormente, entre o clientes e o pessoal da

empresa.

Ta Chuan dá grande importância à satisfação do cliente, visto que as falhas podem gerar

resultados bastante desagradáveis. E nessa interação com o cliente, a emoção ocupa uma

posição central. As relações entre as partes não surgem como num passe de mágica, elas

têm que ser trabalhadas, e por isso as atividades sociais são algo inerente ao mundo dos

negócios.

Ta Yu é uma pequena empresa familiar, com dois supervisores e cinco subordinados. Ta

Yu vende computadores pessoais para pequenas empresas e pessoas físicas na área

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metropolitana de Taipei. Ao contrário da Ta Chuan, os funcionários da Ta Yu não têm

educação formal em computação, tendo sido formados através de experiência anterior e do

estudo de publicações especializadas. À exceção do contador e de um supervisor, há pouca

separação de funções entre os empregados, que tratam tanto com a parte técnica quanto

com a de vendas.

O contador também é o único funcionário da firma contratado através de anúncio de jornal,

apesar de este ser o método preferido dos donos. Os demais foram recrutados através dos

contatos pessoais dos proprietários ou dos funcionários. Os anúncios são pouco eficientes

porque, em geral, atraem pessoas menos qualificadas e confiáveis, além de mais exigentes.

Assim como na Ta Chuan, as pessoas que indicam os candidatos têm obrigações sobre o

desempenho dos mesmos.

Essas pessoas que indicam outras devem ter posses, em virtude dos potenciais prejuízos, e

por isso geralmente são pessoas bem relacionadas e confiáveis. Todos os funcionários

indicados da Ta Yu pediram a parentes favorecidos que os indicassem. É muito delicado

pedir tal favor até mesmo para amigos, assim como ocorre com pedidos de fiança no

Brasil. Desta forma, os familiares dos funcionários acabam criando elos com a empresa.

Em função da ligação entre os membros da empresa, existem fortes laços emocionais entre

eles. Quando um funcionário comunicou que desejava deixar a empresa - após dois meses

de reflexão, devido ao trato que recebia do dono - foi convidado a permanecer na empresa

através de presentes, conversas com familiares e evocação dos vários anos de empresa. Na

análise que faremos - na seção 3.2.1 - do artigo Happy Families or Poor Relations? - An

Exploration of Familial Analogies in the Small Firm, que trata de analogias entre empresa

e família em pequenos empreendimentos britânicos, mostraremos que o emocional também

foi utilizado para convencer uma funcionária a permanecer. Ou seja, comportamentos

idênticos são observados em culturas tão distintas quanto a britânica e a chinesa.

Assim como Ta Chuan operava conforme a metáfora da amizade, Ta Yu opera de acordo

com a metáfora da sinceridade, seja em relação aos clientes, seja em relação à própria

companhia. Ao contrário da Ta Chuan, a Ta Yu não era tão preocupada com relações de

longo prazo com os clientes. Como atuava com vendas de pequena margem, não havia

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espaço para gastos no desenvolvimento de relacionamentos. Mas, em virtude disso, a

sinceridade era fundamental. Toda informação deveria ser dada aos clientes antes da

venda, e após a mesma, a manutenção deveria ser garantida.

Enquanto na Ta Chuan os clientes vêm principalmente da rede de relacionamentos, na Ta

Yu, eles vêm de fontes diversas, como indicação de outros clientes, familiares e amigos,

empresas associadas ou mesmo telemarketing. Mais de 50% das vendas eram

proporcionadas pela indicação de clientes. Nestes casos, a empresa sempre oferece um

desconto ao novo cliente, e as três partes ganham. A Ta Yu obtém novos negócios, o novo

cliente ganha o desconto, e quem indicou também recebe indicações da Ta Yu. O mesmo

ocorre quando empresas associadas fazem indicações.

As compras feitas por clientes próximos, como familiares, podem ser problemáticas,

porque - em virtude da natureza do relacionamento - os mesmos costumam pedir mais do

que a empresa pode oferecer. Ou seja, os relacionamentos podem alavancar novos

negócios, mas também representam um peso para as empresas.

Três temas em comum surgem da análise das duas empresas. O primeiro é que a emoção e

função são mantidos em proporção. Ou seja, quando as relações são significativas do ponto

de vista funcional, o envolvimento emocional é grande. Por outro lado, quando a relação

não traz grandes perspectivas do ponto de vista dos negócios, não há necessidade de

manter envolvimento emocional superficial. O segundo tema é que o estabelecimento de

relações é um processo gradual e duradouro. E o terceiro é que os contatos podem ser tanto

úteis como um fardo, conforme ilustrado acima.

É notória a importância do entendimento da cultura de um país estrangeiro, quando uma

empresa pretende fazer negócios naquele país. O artigo analisado acima é um excelente

exemplo de como a etnografia pode contribuir para o entendimento dos reflexos da cultura

nacional no ambiente de negócios de uma nação. A seguir, apresentaremos a análise de um

artigo que compara as culturas organizacionais de empresas britânicas e germânicas.

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3.1.2 Contadores britânicos e alemães

Ahrens (1997) desenvolveu mais um trabalho onde se pode apreender características de

determinadas culturas nacionais através de etnografias de organizações, apesar do escopo

bem mais específico do que o do artigo anterior.

A contabilidade articula-se com outras formas de conhecimento organizacional através do

falar contábil5. O estudo de Ahrens (1997) analisa o discurso em situações semelhantes em

cervejarias britânicas e alemãs, a fim de comparar o relacionamento da contabilidade com

outras áreas nas duas culturas.

Carr, Tompkins e Bayliss (1994), Horovitz (1980), Lawrence (1980, e Strange (1991), já

apontaram para as diferenças entre as práticas gerenciais alemãs e britânicas. As empresas

alemãs tendem a dar maior ênfase à especialização, além de apresentarem a tendência de

seguir formas burocráticas de gerência.

Devido à semelhança na indústria e nas firmas onde o estudo foi conduzido, vários

contrastes entre a gerência contábil alemã e britânica podem ser atribuídos, em grande

parte, a diferentes concepções do papel da contabilidade em relação a outras áreas de

conhecimento nos dois países.

A Grã-Bretanha e a Alemanha são os maiores produtores de cerveja da Europa, estão entre

os maiores do mundo e neles a produção não está concentrada na mão de apenas dois ou

três fabricantes6, como ocorre na maior parte dos outros países. O consumo per capita nos

dois países é alto.

O estudo concentrou-se em três dos seis maiores produtores britânicos, e sete dos oito

maiores produtores alemães. O material apresentado no artigo foi coletado durante a

pesquisa em uma cervejaria alemã e duas cervejarias britânicas, NetBrew e Beer Co.

NetBrew produzia aproximadamente a mesma quantidade que a empresa alemã, ao passo

que a Beer Co. era substancialmente maior. Todas tinham mais de 1.000 empregados,

5 Accounting Talk no original.6 A pesquisa foi feita entre 1993 e 1994.

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estavam entre as quatro maiores cervejarias de seus países e apresentavam complexa

estrutura organizacional.

As distinções entre os dois modos de falar contábil foram desenvolvidas através da

justaposição de dois pares de situações bastante similares em empresas dos dois países,

onde o pessoal da contabilidade interagia com o pessoal de vendas. A seguir

apresentaremos estes dois pares de situações, onde decisões estavam em vias de serem

tomadas.

O primeiro par de situações apresenta um encontro informal entre pessoal de contabilidade

e de vendas na Grã-Bretanha e na Alemanha, discutindo a demanda de maiores descontos

de vendas por parte de um cliente off-trade, ou seja, aquele que não opera com as mesmas

premissas de um atacadista ou varejista.

O autor apresenta a transcrição de uma conversação entre uma gerente contábil sênior, uma

contadora, um vendedor e um diretor de vendas na Beer Co (Grã-Bretanha). Focando no

falar contábil, a situação é ilustrativa de um modo particular de entrelaçar o conhecimento

contábil com outras expertises.

Durante o encontro, apenas as duas gerentes contábeis fizeram esforços de combinar a

informação contábil com outros conhecimentos: levantaram um argumento de marketing

(brand company), sugeriram vários esquemas de descontos para desviar a atenção do

cliente do fato de que um contrato menos favorável financeiramente estava sendo proposto.

Elas levantaram argumentos que ligavam seu conhecimento contábil com o entendimento

dos efeitos das várias linhas de ação na relação com o cliente, e também com o

conhecimento do mercado.

Os profissionais de vendas, ao contrário, foram passivos. Não havia na empresa limites

formais de alçada para o pessoal de vendas. Sarah, a gerente sênior, defendia essa

flexibilidade, que fazia com que as situações fossem discutidas em conjunto para chegar à

melhor decisão para a empresa.

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Assim como outros gerentes contábeis britânicos entrevistados, as duas gerentes davam

grande importância ao conhecimento operacional, e uma delas inclusive participava de

visitas de vendas junto aos clientes. Nesta empresa, a contabilidade tinha um papel inter-

funcional, assumindo uma grande importância gerencial.

Em contraste com a situação anterior, o autor apresenta a transcrição de uma reunião

informal entre o gerente contábil sênior, o gerente contábil e o gerente regional de vendas

na Alemanha. O assunto de maior importância - a nova estrutura de descontos para um

grande cliente - nunca chegou a ser o foco da conversação. Foi assumido implicitamente

que as negociações deveriam ser conduzidas pela gerência de vendas, apesar da aprovação

depender de cálculos financeiros feitos pela contabilidade.

Em contraste com as colegas britânicas, os contadores alemães não tentaram argumentar a

respeito das negociações. Eles não tentaram ligar seu conhecimento de mercado com a

expertise contábil. Ao contrário de Sarah, eles aceitavam que a contabilidade era composta

de regras formais. O falar contábil foi totalmente diferente do caso britânico. A

contabilidade não foi relacionada com o mercado, e sim com os processos administrativos

internos.

Estes contadores, assim como outros contadores alemães que o autor entrevistou,

ressaltaram o desejo de permanecerem distantes do dia-a-dia operacional, em nome da

objetividade. Para o gerente de vendas, a contabilidade aparecia como uma formalidade

que atravancava seu trabalho, e não uma medida útil de sua qualidade. A seguir, será

apresentado o segundo par de situações, representando encontros formais, na mesma

cervejaria alemã e na NatBrew, concorrente da BeerCo.

No artigo, é feita uma transcrição de uma reunião na cervejaria alemã. Estavam presentes

um diretor de vendas, dois gerentes de vendas (um deles presente na reunião anterior), dois

vendedores, o chefe da administração de vendas, um advogado e os dois gerentes contábeis

da reunião anterior, além do diretor administrativo. Para cada empréstimo feito a canais, o

departamento de vendas submete um conjunto de documentos para a contabilidade. Então,

os dois gerentes contábeis fazem uma análise qualitativa e quantitativa, acatando ou não as

propostas.

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Mais uma vez, no decorrer da reunião, a contabilidade não foi combinada com o

conhecimento de vendas para sugerir meios pelos quais a gerência de vendas poderia atuar.

Ao contrário, a contabilidade era considerada como um conhecimento autônomo,

exclusivamente preocupado em avaliar propostas completas de acordo com procedimentos

padrão. Existia uma separação funcional entre as funções de vendas e de contabilidade. Os

colegas de departamento tendiam a apoiar-se mutuamente.

Contrastando com a situação anterior, é apresentada uma reunião na NatBrew. Um diretor

nacional de vendas e três gerentes contábeis reuniram-se em um comitê para autorização

de empréstimos para os canais, em valores que excederam a alçada do pessoal de vendas

que atua junto ao canal. Ao contrário do que ocorreu no encontro alemão, a sintonia entre

os departamentos de vendas e contábil na NatBrew foi grande. Nenhuma das partes tentou

apresentar seus comentários baseados em conhecimento específico de suas funções. Todos

combinavam verbalmente informação contábil com o conhecimento de vendas para

expressar opiniões sobre as propostas.

Assim como na BeerCo., a informação contábil foi combinada com o conhecimento de

vendas para ajudar no julgamento de várias opções de propostas. O papel da contabilidade

no processo dá a impressão de uma ordem organizacional bem diferente da que ocorre no

caso alemão. O gerente contábil criticou o trabalho de campo da contabilidade, assim como

o diretor de vendas criticou as propostas de seu pessoal.

Através do foco analítico no falar contábil, foi possível apreender diferenças no modo

como empresas alemãs e britânicas encaram o papel da contabilidade no apoio ao processo

de tomada de decisões. A contabilidade no caso alemão tende a referendar propostas

operacionais já completas, ao passo em que os britânicos são mais pró-ativos, envolvendo-

se na análise das propostas desde estágios ainda iniciais. Para isso, os britânicos associam

seus conhecimentos contábeis com o conhecimento do mercado, das vendas, enquanto os

alemães são mais especialistas e funcionais.

Trata-se de mais um interessante exemplo de como a etnografia pode contribuir para o

entendimento da maneira pela qual aspectos das culturais nacionais refletem-se na dia-a-

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dia dos negócios de uma empresa. A seguir, apresentaremos outras etnografias de

organizações, que não têm como objetivo a compreensão da relação entre a cultura

nacional e a cultura organizacional.

3.2 Etnografia de organizações

3.2.1 Empresas familiares britânicas

Holliday e Letherby (1993) desenvolveram uma pesquisa em três pequenas empresas,

procurando estudar o significado das referências a essas empresas como sendo uma

família. A seguir, apresentaremos os temas levantados no trabalho, com a tradução de

alguns depoimentos ilustrativos.

O primeiro tema aborda as referências que comparam a empresa com a família. Há estudos

que indicam que o objetivo de muitos proprietários de empresas é manter um clima

familiar à medida que a empresa cresce. Entretanto, na Wellmaid - uma das empresas

estudadas - há visões discrepantes entre duas das três sócias, Sue e Mary. A primeira

gostaria que as empregadas se sentissem seguras, orgulhosas de fazerem parte de um time.

Já a segunda considera difícil tocar uma fábrica como se fosse uma família.

As referências à empresa como uma família não se restringem à administração. Uma

funcionária da Wellmaid afirmou que se sentia como numa pequena família. Todos se

conhecem, e quando há algo errado com alguém, logo descobrem. A informante gostava

desse tipo de ambiente.

O segundo tema é o que compara a realidade da família e da firma. Ao considerar tamanho

e estrutura, muitas pequenas empresas não têm semelhança com a família moderna. Como

unidades de produção, ao invés de unidades de consumo, elas têm mais em comum com as

famílias da era pré-industrial. Entretanto, o estudo dedica-se mais à "atmosfera" e ao

"ambiente".

A cultura empresarial das pequenas organizações tende a privilegiar os empregados

pioneiros, ou seja, aqueles que ajudaram a formar a empresa. O tratamento dado a esses

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funcionários e aos novatos é, muitas vezes, desigual. Um dos funcionários afirmou que os

antigos podem "ir e vir" como bem entenderem, enquanto os novatos têm medo de fazer

algo errado. Há regras distintas para os dois grupos.

As analogias familiares muitas vezes são usadas para convencer os empregados a não

deixarem a firma. Uma informante disse que tentaram convencê-la a permanecer na firma

apelando para frases do tipo: "Você é como uma filha para todos".

Quando pediram às trabalhadoras na Wellmaid que identificassem papéis familiares na

companhia, elas só o fizeram com relação ao papel da mãe. Quando perguntadas em

relação ao papel do pai, elas responderam que não havia um pai, e isto não se devia ao fato

de que só mulheres trabalhavam na empresa. Mary fazia o papel de mãe e disciplinava as

funcionárias. Entretanto, um dos artifícios que ela usava para manter sua autoridade era

dando a Sue o poder da figura paterna, dizendo coisas como: "Não deixe Sue pegar você

fazendo isso", similar à expressão: "Espere até que seu pai chegue em casa".

Para as autoras, nas pequenas empresas as mulheres tendem a receber papéis que simulam

a divisão de trabalho e a remuneração dentro da família. Uma funcionária, por exemplo,

exercia o papel de anfitriã da empresa, sem receber por isso.

O terceiro tema é o que aborda as relações entre a vida no lar e a vida no trabalho. Na

Wellmaid, o trabalho era visto como uma pausa agradável para a vida doméstica, e não o

contrário. O mundo do trabalho é tradicionalmente visto como o domínio dos homens, e o

mundo familiar como o domínio das mulheres. Na Wellmaid, onde só trabalhavam

mulheres, os dois mundos parecem se fundir. O local de trabalho torna-se um espaço

pseudo-familiar, onde as mulheres são capazes de contar detalhes íntimos de suas vidas.

Na Techeng, outra empresa estudada, trabalhavam homens e mulheres. Lá, os problemas

pessoais nunca eram discutidos. A conversação costumava ser dominada por troças,

insinuações e obscenidades. Os homens costumavam iniciar flertes com suas subordinadas.

Os temas acima apresentados fornecem informações para classificar as empresas

estudadas. Segundo Morgan (1986), a organização matriarcal é aquela que é menos

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hierárquica, mais compassiva e holística, que prioriza os valores em relação aos fins, e é

mais tolerante à diversidade e aberta à criatividade.

Seguindo esta definição, a Wellmaid não poderia ser considerada uma empresa matriarcal,

apesar do papel de Mary como a "mãe" da empresa. Lá, os valores não são priorizados em

relação aos fins. Existiam vários exemplos de compaixão e suporte entre as mulheres, mas

isso não poderia chegar ao ponto onde a produção fosse prejudicada.

Com relação à tolerância, os horários eram flexíveis, permitindo às funcionárias

cumprirem suas obrigações no lar. Entretanto, havia uma carência de mão-de-obra

especializada na região, e o trabalho em meio expediente era menos oneroso que o trabalho

em horário integral. As autoras acreditam que estes dois fatores eram os principais

motivadores da maior flexibilidade proporcionada pela empresa, que, mais uma vez, não

atenderia à definição de organização matriarcal.

A analogia familiar parece ser relevante para o estudo das pequenas empresas. Apesar de a

expressão ter uma conotação positiva, como na família, nem sempre a realidade do dia-a-

dia é o ideal. A exploração dos trabalhadores, especialmente as mulheres, reflete aquela

estabelecida na família.

Nestas empresas, os donos tendem a usar sua autoridade de maneira semelhante a do chefe

do lar. Isto pode ocorrer porque há um grande contato entre as pessoas, contribuindo para a

semelhança com a família. Além disso, os empreendedores, em geral, não têm experiência

gerencial anterior, nem conhecem outros modelos de autoridade.

Este estudo ilustra como a etnografia pode ser aplicada para ajudar no entendimento e

classificação de pequenas organizações. Através de interessantes analogias, os autores

conseguem fazer a relação entre a pequena empresa e a família. A seguir, será apresentada

a etnografia de uma organização pós-moderna.

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3.2.2 Organização pós-moderna concorrendo ao Malcolm Baldrige

Browning, Ziaja e France (1992) desenvolveram a etnografia de uma empresa de

computação - a CompuAdd - que estava em um processo de candidatar-se a um prêmio de

qualidade do governo americano: o Malcolm Baldrige. O objetivo do estudo é analisar as

características pós-modernas da CompuAdd, em contraste com as características modernas

do prêmio.

O Baldrige Award é um programa aprovado pelo Congresso e operado pelo Departamento

de Comércio dos Estados Unidos. O prêmio é composto de sete ítens de performance

organizacional: liderança visível; análise de dados e de informações; planejamento da

qualidade; empowerment da força de trabalho para agir de modo autônomo, usando os

próprios talentos para produzir resultados de qualidade; ênfase na qualidade do design;

ênfase na qualidade da entrega e resposta aos desejos do consumidor. Cada uma dessas

sete dimensões são subdivididas em três ou mais ítens, que por sua vez são decompostos

em outros, até se formar um check list da qualidade.

Segundo os autores, o Baldrige Award é um prêmio "moderno", porque propõe um sistema

"total" de gerência da qualidade. O prêmio foi desenhado para ser um modelo que ajusta-se

a todas as organizações de modo representativo, permitindo diferenças na maneira como as

organizações se enquadram em seus 99 critérios. Ou seja, é apresentado como um

documento universalmente aplicável para os diferentes negócios. A teoria organizacional

pós-moderna condena tais modelos de medida sistêmica total, considerando-os ilusão

modernista.

Os pesquisadores criticam o modo como o documento foi concebido. Um grupo de

engenheiros foi convidado pelo National Institute of Standards and Technology para

elaborar os sistema de medidas. Eles reuniram vários sistemas de qualidade - incluindo o

Prêmio Deming japonês - e os amalgamaram, usando sua experiência e julgamento, em um

sistema único de medidas. Nenhuma referência acadêmica foi oferecida como suporte para

as sete dimensões.

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Outra fraqueza no prêmio é o fato de que uma mudança repentina, característica pós-

moderna, pode fazer com que algum fator importante deixe de ser coberto no check list.

Um exemplo é a questão ambiental, coberta no questionário de 1991 com apenas um sub-

item do aspecto de liderança. Apesar disso, o prêmio é bem aceito entre as empresas norte-

americanas, que a utilizam para desenvolver suas práticas internamente, mesmo que não

estejam interessadas em concorrer ao prêmio. O número de inscritos ao concurso subiu de

115 mil em 1990 para 250 mil em 1991.

CompuAdd pode ser considerada uma organização pós-moderna porque enfatiza

velocidade, poder e a estrutura enxuta e flexível. A flexibilidade deve-se, em parte, ao fato

de ser uma empresa de apenas oito anos à época do estudo. Ela orgulhava-se de sua falta de

estrutura, e mesmo a sede da empresa era em um armazém alugado, com poucos sinais

corporativos.

Outro fator que caracteriza a empresa como pós-moderna é que há considerável

comunicação entre elementos heterogêneos, de modo que um segmento pode ajustar-se ao

outro de diferentes formas. Quando executivos mais graduados - todos vindo de outras

empresas, como IBM e Texas Instruments - entram na CompuAdd, têm poucas definições

de função. São recomendados a conversar com as pessoas com as quais vão trabalhar para

depois decidirem o que vão fazer. Um dos executivos da empresa argumentou que nas

empresas de onde eles vinham, as regras não escritas viravam paradigmas. Há muitas

coisas que ele não faria naquelas empresas, porque nunca seriam aceitas. Já na CompuAdd,

há poucos paradigmas, o importante é fazer acontecer, o que é uma atitude totalmente

diferente em relação aos negócios.

A comunicação na empresa é melhor explicada pela teoria pós-moderna devido ao

movimento estrutural, da interação para a estrutura e desta de volta para a interação, na

execução das tarefas. Por exemplo, quando havia um problema na documentação de um

equipamento da empresa, uma força tarefa multi-disciplinar era formada para resolvê-lo,

formada por profissionais de propaganda, engenharia da qualidade e profissionais de

publicação. Depois que o problema tinha sido resolvido e transformado em um ponto forte,

a equipe era desfeita.

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A comunicação corre de um vizinho para o outro, todos os indivíduos são intercambiáveis,

definidos apenas por seu estado no momento. O CEO da empresa é um exemplo de uma

liderança pós-moderna. Ele não gosta de publicidade, muitas pessoas na empresa não

sabem que ele é o chefe da empresa, apesar de sua constante movimentação por ela. Ele

normalmente usa roupa casual, sem gravata, e não faz questão da deferência das pessoas.

A velocidade também era importante para a empresa. Os empregados da linha de produção

eram avaliados duas vezes por dia. O desenvolvimento de produtos era extremamente

veloz, podendo chegar a três semanas.

A aversão da empresa à tradição reaparece na forma particular como habilitou-se ao

prêmio. A empresa não estava seguindo religiosamente os critérios de avaliação do prêmio,

antes de sua candidatura. Os profissionais da empresa analisaram o critério e selecionaram

os que consideravam mais importantes, trabalhando intensamente neles. Algumas das

dimensões foram consideradas luxos e "culture stuff", coisas de que uma empresa ainda

jovem não podia dispor.

O primeiro vencedor do prêmio foi a Motorola, em 1988. Na ocasião, a empresa não

seguiu os critérios do prêmio, e sim suas próprias medidas de qualidade, em vigência já há

alguns anos. Muitas vezes, os indivíduos mais inovadores são os menos interessados no

prêmio, considerando as medições adicionais um entrave. A coleta de dados representa

custos para a empresa. Companhias como a 3M, com milhares de produtos, teriam

milhares de dados para coletar. Programas como o Baldrige Award são difíceis de serem

aplicados continuamente, porque o foco de atenção em uma corporação é limitado. Tais

programas são úteis para o aprendizado da organização, mas seu valor diminui ao longo do

tempo.

O pessoal da CompuAdd focou poucos tópicos que considerou mais importantes. Os

autores apresentam um questionário que representa a versão da CompuAdd para o Baldrige

Award, contendo apenas 14 perguntas com alguns sub-ítens. A insistência da empresa em

interpretar um documento moderno de uma maneira pós-moderna representa um meio de

adaptá-lo para seus próprios objetivos.

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Este estudo mostra como a cultura da empresa faz com que determinados processos - como

concorrer a um prêmio - sejam interpretados de maneira totalmente particular. A pesquisa

seguinte analisa todos os conflitos que permeiam a implementação de um sistema de

informações.

3.2.3 Implementação de sistema de informações

Brown (1998) desenvolveu a interpretação de uma implementação de tecnologia da

informação (TI) através da análise da narrativa de três grupos. Ao longo desta

interpretação, o autor defende que o foco na narrativa é útil porque facilita o

reconhecimento de que a pesquisa interpretativa requer a reflexão autoral.

Brown (1998) enfatiza as narrativas como o quadro interpretativo através do qual ações e

eventos são compreendidos e adquirem significância simbólica, como veículos através dos

quais mitos vão sendo relembrados e transmitidos, e como meios de expressão de poder e

busca de objetivos políticos.

Segundo o mesmo autor, as organizações são fenômenos socialmente construídos, que são

analisados como sistemas de significado compartilhado através de processos sociais,

políticos e simbólicos. A pesquisa faz parte de um crescente movimento dentro das

ciências sociais, que reconhece a importância das práticas da linguagem, interpretação e

significado como base para a análise das organizações. Essa perspectiva opõe-se às

tradicionais visões do trabalho, organizações e tecnologia da informação, que são

fortemente criticadas como mecanicistas, incapazes de apreender características e

comportamentos inesperados, e que tratam pessoas como fatores a serem otimizados, ao

invés de agentes que constróem seus ambientes.

Brown (1998) reconhece que os estudos interpretativos também sofrem críticas, mas

acredita que o conceito de organização adotado no trabalho permite um foco nos processos

sociais de comunicação, networking, e negociação, de modo que os atores desenvolvem

entendimento compartilhado das narrativas. O conceito também auxilia no exame dos

padrões de poder, especialmente os meios pelos quais o poder pode ser exercido,

desenvolvido, mantido e realçado. Brown também compartilha o conceito de que a ciência

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social é a prática de um ofício7, e que isso envolve imaginação, perspicácia, criatividade e

senso estético.

Estudos empíricos de estratégia e desenvolvimento de sistemas de informação sugerem que

tais práticas são muito politizadas, e acompanhadas de processos sociais marcados pela

ambigüidade, conflito e lutas pelo poder. Muitas vezes, as implementações de TI são mais

motivadas pelas perspectivas materiais e de carreira de grupos ou indivíduos do que pela

preocupação com os interesses da organização como um todo.

O artigo constrói três narrativas de grupos em uma tentativa de ilustrar como os envolvidos

em uma implementação de TI procuraram retrospectivamente dar sentido a eventos de

modo que legitimassem suas ações e protegessem seus interesses. Os grupos pesquisados

foram uma enfermaria especializada em hematologia (com 12 clínicos e 30 enfermeiras),

um laboratório de hematologia (com 30 técnicos e pessoal de apoio), e uma equipe de

implementação de TI (com um pico de 50 membros), todos parte de um grande hospital. O

caso é baseado na tentativa de implementação de um sistema para a transferência de

requisições de testes e resultados entre a enfermaria e o laboratório.

O projeto foi realizado entre dezembro de 1992 e o verão de 1995. O processo de coleta de

dados envolveu uma interação e integração de teoria e dados empíricos, em uma tentativa

de capturar a complexidade das forças que condicionam as implementações de TI.

A coleta de dados foi realizada em duas fases, entremeadas por uma auditoria conduzida

por equipes locais e nacionais do governo. A primeira fonte de dados foram 26 entrevistas

formais e semi-estruturadas, 11 na primeira fase e 15 na segunda. As entrevistas duraram

entre 60 e 90 minutos, e 24 foram gravadas e transcritas. As atividades de auditoria

prejudicaram a coleta de dados posterior, em virtude da sensação de ameaça de seus

empregos sentida pelos informantes. O pesquisador não pôde entrevistar os consultores que

davam assessoria à equipe de implementação. Além disso, dezenas de conversações

informais foram feitas, material de informação coletado. A pesquisa procurou ser

contextual, processual e longitudinal.

7 Craft no original.

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As três narrativas foram construídas pelo pesquisador a partir das entrevistas em que os

informantes relataram suas experiências em resposta a perguntas específicas. Uma

reconstrução foi feita para atingir o objetivo de parecer autêntica e crível para os leitores.

Ou seja, a construção das narrativas não foi apenas um processo de escrever8, mas um

processo cheio de arte envolvendo a manipulação de material de pesquisa para produzir

uma narrativa plausível, tal como recomenda Bate (1997). A ilusão de que os grupos falam

por si mesmos é uma estratégia do autor que o coloca como porta-voz dos outros. Isto

requer que o pesquisador tenha claro entendimento de sua própria participação na

construção da realidade social, e da necessidade de ser reflexivo sobre as representações

que o mesmo reproduz.

O hospital - The City - possuía 1.500 leitos, e era administrado por um comitê que prestava

contas diretamente para o ministério. O hospital foi inicialmente convidado, em fevereiro

de 1989, para realizar um projeto piloto, que fazia parte de um projeto maior, chamado

hospital information support system (HISS). O sistema deveria ser capaz de atender às

necessidades operacionais e informacionais em tempo real, tanto para os profissionais de

saúde como para os administradores.

Um aspecto essencial no sistema era a transferência de pedidos de exames entre as

enfermarias e os serviços de suporte do hospital. Um sistema de ordens genéricas,

resultados e relatórios (ORR) foi desenvolvido por uma empresa contratada, a Delta. Essa

empresa tinha um grande corpo técnico alocado no hospital, compartilhando instalações

com o pessoal de TI do The City. Uma vez que o projeto foi acertado, a equipe de TI do

hospital começou a recrutar pessoal, tanto interna quanto externamente, solicitando apoio

para as atividades e fazendo propaganda dos benefícios clínicos e financeiros previstos.

O resultado da auditoria indicou que o piloto desenvolvido foi o mais caro e menos efetivo

de todos os seis pilotos conduzidos a nível nacional. O orçamento foi estourado, houve

problemas de relacionamento com a Delta, e falha da equipe de TI em envolver os usuários

e atender seus pedidos.

8 Writing up no original.

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Brown (1998) apresenta no artigo as narrativas - em primeira pessoa do plural - do pessoal

da enfermaria, do pessoal do laboratório e da equipe de TI. A seguir, ele apresenta a

análise dessas narrativas.

Implícita nas narrativas está a visão de organizações como arenas onde grupos negociam,

contestam e lutam em uma base regular. A proteção de interesses percebidos é o foco dessa

disputa política, e para alcançar este objetivo é preciso legitimar suas posições. O que é

objeto de luta é uma interpretação legitimada de regras, ações, eventos, motivos e

resultados. O poder é, em parte, expresso através de narrativas que grupos expõem para

legitimar interpretações que melhor defendem seus interesses.

As narrativas dos três grupos representam um veículo para estabelecer os motivos

altruísticos para envolvimento no processo, e para atribuir a responsabilidade pelo fracasso

nos outros. Em uma situação onde os empregos estavam em risco, as narrativas foram

meios importantes de promoção de uma imagem externa positiva. Uma análise das três

narrativas retrospectivas auxiliam o entendimento desse processo político e simbólico.

Nas narrativas, os motivos explícitos para entrar no processo eram bem similares: melhorar

- direta ou indiretamente - o tratamento dado aos pacientes. Mas para o autor, motivos

latentes também podem ser apreendidos das narrativas. Para o pessoal da enfermaria, o

sistema poderia ajudar a melhorar a qualidade do atendimento ao paciente ao acelerar as

práticas de trabalho, sem alterá-las. Do mesmo modo, para o pessoal do laboratório, o

sistema seria benéfico apenas se acelerasse os procedimentos existentes. Sua narrativa

enfatizava o fato de que eles deveria exercer controle sobre o desenvolvimento do sistema

para assegurar que o sistema original do laboratório (labsys) permaneceria essencialmente

intacto e que os procedimentos também. As motivações latentes do pessoal do projeto eram

centradas no desenvolvimento de carreira, que poderia ser facilitado pela implementação

bem sucedida do HISS.

As motivações latentes ajudam a explicar porque o pessoal da enfermaria eventualmente

recusava-se a utilizar o sistema desenvolvido: ele alterava o modo como trabalhavam. O

pessoal do laboratório não estava disposto a ceder à expertise técnica da equipe de projeto,

porque estava preocupado com sua autonomia e controle. E o pessoal da equipe, ao

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perceber que o projeto iria fracassar, preferiu focar nos outros pilotos.

Quando o sistema foi lançado, o pessoal da enfermaria e do laboratório criticou sua falta de

confiabilidade e a quebra das práticas de trabalho existentes. O pessoal da equipe de

implantação explicitamente reconheceu que problemas estavam ocorrendo, mas enfatizou

as razões pelas quais ações não foram tomadas para resolvê-las.

Tanto a enfermaria como o laboratório identificaram que o projeto havia falhado pela má

condução por parte da gerência do projeto. A falta de vontade em engajar os usuários no

desenvolvimento foi considerada uma das causas do fracasso. Por seu lado, a equipe

considerava como causas do fracasso: a falha dos usuários em comunicarem suas

necessidades para a Delta, o pessoal do laboratório por encarar o projeto não como um

oportunidade mas como uma ameaça, e a Delta por não desenvolver um programa

adequado. Essas explicações são consistentes com as teorias de attributional egotism.

Segundo estas teorias, agentes dão explicações que servem a si próprios, atribuindo

resultados favoráveis a seus próprios esforços, e fracassos a fatores externos.

Através da construção e análise das narrativas, o autor faz dois tipos de contribuição. A

primeira é exemplificar a importância da narrativa para os indivíduos e grupos em suas

tentativas de entender e dar significado para as tecnologias e trabalho. A segunda é ilustrar

como narrativas podem ser dispostas em tentativas políticas de legitimar suas ações e

interesses.

Este artigo mostra como a etnografia pode ser utilizada para um melhor entendimento dos

conflitos de poder que permeiam as organizações, e mais especificamente os processos de

implementação de sistemas de informação. O artigo foi escrito de modo a enfatizar duas

das características de uma etnografia: a polifonia e o discurso centrado no ator. A seguir,

será apresentada a etnografia de uma criativa empresa do Vale do Silício americano.

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39

3.2.4 Empresa de desenvolvimento de produtos

Hargadon e Sutton (1997) desenvolveram uma etnografia da IDEO, a maior empresa norte-

americana de design industrial. Esta empresa trabalha para clientes em pelo menos 40

indústrias, agindo como um corretor de tecnologia9, ao transferir soluções de uma indústria

para a outra. Os autores também desenvolvem um modelo do processo de corretagem de

tecnologia.

A difusão do conhecimento é imperfeita ao longo do tempo entre pessoas, organizações e

indústrias. Idéias de um grupo podem resolver os problemas de outro, mas apenas se as

conexões entre os problemas e soluções puderem ultrapassar as fronteiras dos grupos.

Quando tais conexões são feitas, idéias existentes muitas vezes parecem novas e criativas

ao mudarem de forma, combinando com outras idéias para suprir as necessidades de

diferentes usuários.

Mas apenas tais conexões não são suficientes para o desenvolvimento de novas soluções,

sendo necessária também uma memória organizacional capaz de adquirir, reter e recobrar

novas combinações de informação obtidas através das conexões.

A IDEO foi fundada em 1978, com sede em Palo Alto, California, e escritórios em outras

cidades norte-americanas, além de Londres e Tóquio. Suas origens estão associadas à

dinâmica indústria de informática do Vale do Silício. Tem mais de 125 designers que

desenvolvem produtos para outras empresas, que vão desde as listadas entre as 50 maiores

da revista Fortune até firmas recém criadas. A IDEO normalmente cobra por hora e

materiais gastos no processo de desenvolvimento, mas ocasionalmente trabalha em troca

de participações nas vendas ou lucros dos novos produtos.

Os trabalhos variam de rascunhos e protótipos até designs completos de novos produtos. A

IDEO contribuiu para o desenvolvimento de mais de três mil produtos, entre os quais: o

mouse original da Apple, um mouse da Microsoft, óculos de esqui, telefones da AT&T,

escovas de dente Oral-B, tubos de pasta de dente da Crest, impressoras da Hewlett-

Packard, laptops para a Dell, Apple e NEC, e até a baleia orca mecânica, usada no filme

9 Technology broker no original.

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"Free Willy". A empresa foi a maior ganhadora de prêmios de design da Business Week.

O estudo concentrou-se nos cerca de 45 engenheiros (designers) e 35 pessoas das

atividades de apoio lotados em Palo Alto. Hargadon e Sutton gastaram, cada um, de seis a

oito horas por semana desenvolvendo o estudo etnográfico na IDEO entre março de 1994 a

maio de 1995. O trabalho de campo continuou em um ritmo menos intenso até fevereiro de

1996, com pelo menos um dos pesquisadores visitando a IDEO a cada semana. Daí até

dezembro do mesmo ano, as visitas passaram a ser pelo menos mensais.

As visitas propiciaram várias conversações informais com o pessoal da empresa, porque a

cultura e layout da mesma são favoráveis a esse tipo de atividade. Notas de campo foram

escritas após cada visita. A empresa tem vários prédios em Palo Alto, mas a maior parte

deles ficam na mesma rua, o que propiciou também conversas durante os deslocamentos

entre as construções.

Os autores iniciaram a etnografia com um vago tema de pesquisa, que era descobrir como a

IDEO inova rotineiramente. Apesar da interação com a alta gerência da empresa, o foco

do estudo foi observar e interagir com o pessoal técnico. No início, os autores foram o mais

descritivos possível, até que algum tema emergisse da pesquisa. Então, a coleta de dados

era concentrada nesse ponto, literatura revista e análise feita para decidir se o tema era ou

não promissor.

O tema "corretagem de tecnologia" surgiu no inverno de 1995, e as principais fontes de

informações para o desenvolvimento da pesquisa foram:

• Acompanhamento de projetos de desenvolvimento. Cada um dos autores acompanhou

uma equipe de desenvolvimento de produto.

• Entrevistas semi-estruturadas com designers e gerentes. Sessenta entrevistas semi-

estruturadas foram feitas com 35 informantes, sendo que 37 foram gravadas e

transcritas (houve mais de uma entrevista com alguns informantes).

• Discussões informais. Os autores tiveram centenas de conversações informais com

quase todo o pessoal da sede, incluindo o CEO. Conversas também foram mantidas

com 10 clientes da empresa.

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• Sessões de brainstorming. O material coletado em campo deu origem a outro artigo dos

autores, a respeito de brainstorming. Vinte e quatro sessões foram observadas, sendo 6

pessoalmente e 18 em vídeo. A prática era disseminada na empresa, e os encontros

realizados em salas de conferência. Cinco regras eram colocadas em vários locais das

salas: adiar julgamento, construir sobre as idéias de outros, uma conversação de cada

vez, foco no assunto e encorajar idéias ousadas.

• Outros encontros. Os autores participaram: de reuniões sobre como lidar com um

grande cliente, de um encontro com este cliente, de um encontro com os engenheiros

da empresa, que estudavam o processo de design da IDEO, e de "reuniões da manhã de

segunda-feira". Estas reuniões contavam com a presença do CEO da empresa e do

pessoal relacionado com o design de produtos, e tratavam de amenidades e temas mais

específicos.

• Entrevistas com o pessoal de design. Os autores realizaram entrevistas com quatro

equipes de desenvolvimento de produtos, indagando sobre a participação dos membros,

os detalhes tecnológicos e os aspectos interpessoais dos projetos. Todas as entrevistas

foram gravadas e transcritas.

• Material sobre a organização. Produtos, fotografias, CD-ROMs, matérias sobre a

empresa editadas em várias publicações, como: Fortune, Business Week, Wired, ID e

Wall Street Journal, e outras fontes de informação também foram consultados.

A "corretagem de tecnologia" na IDEO representa mais do que transportar idéias entre

indústrias anteriormente não relacionadas. Também significa transformar, às vezes

radicalmente, tais idéias para ajustá-las em novos ambientes e combinações. A habilidade

da IDEO em gerar novas combinações de tecnologias existentes pode ser entendida

considerando tanto sua posição em uma rede de empresas, como o comportamento de seus

designers ao aproveitarem esta posição.

O modelo esquemático que os autores desenvolveram para explicar o processo é

apresentado na página seguinte. Os autores ressaltam o fato de que o processo nem sempre

é tão linear e as fronteiras entre os processos muitas vezes são difíceis de serem

delimitadas.

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INDÚSTRIAS

Etapa 1: Acesso

Gaps no fluxo deinformações entreindústrias dão acesso -aos designers da IDEO- a soluçõestecnológicas de umaárea que sãopotencialmente úteis,mas ainda nãoobservadas, em outras.

Etapa 2: Aquisição Etapa 3: Armazenamento

Etapa 4: Recuperação

OutputOs designers da IDEO trazem essas soluções tecnológicas para amemória da organiza-ção e para usopotencial em projetosfuturos.

Essas potenciaissoluções tecnológi-cas permanecem na memória até que projetos de designsurjam e possambeneficiar-se delas.

Designers trabalhandoem novos projetosrecuperam soluçõestecnológicas damemória organiza-cional de modoapropriado para ajustá-las às novas combinações que eles estão criando.

Rede derelacionamentos

da IDEO

Memória Organizacional da IDEO

Soluções de design que são novas combinações de idéias existentes.

Adaptado de Hargadon e Sutton (1997).

MODELO DO PROCESSO DE CORRETAGEM DE TECNOLOGIA

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Na etapa 1 (Acesso), as redes10 são compostas de atores individuais ou organizacionais e

de suas relações, segundo a social network theory. Já na actor network theory, as redes são

compostas não só pelos atores, mas também pelos artefatos e conceitos com os quais estes

atores relacionam-se. Os relacionamentos dessa rede mais complexa organizam artefatos,

indivíduos e conceitos em sistemas organizacionais e tecnológicos mais complexos.

Assim como organizações abrangem redes de atores, produtos tornam-se redes de

componentes justapostos. Esta definição mais abrangente ajusta-se de modo mais

adequado ao ambiente da IDEO, onde as informações sobre os produtos residem nos

artefatos, e os corretores não necessitam de contatos relevantes com outros atores para

terem acesso a estas informações.

Corretores criam valor ao possibilitar o fluxo de recursos entre grupos, que de outra forma

estariam desconectados. O valor da tecnologia de um corretor depende não só do número

de clientes e indústrias onde ele trabalha, mas também das tecnologias dessas indústrias

que são potencialmente úteis e desconhecidas em outras.

A corretagem de tecnologia é visível em indústrias e firmas, mas ela ocorre através das

ações de times e pessoas. O contato da IDEO com diferentes tecnologias ocorre através do

contato de seus engenheiros com as indústrias onde estas tecnologias são utilizadas. O

conhecimento diversificado é possibilitado através da variada experiência dos engenheiros

junto aos clientes, mas também através de suas diferentes formações e interesses (como

hobbies, por exemplo). Essa experiência permite que eles façam "polinização cruzada"11

entre as indústrias.

Na etapa 2 (Aquisição), os designers da IDEO adquirem conhecimentos relacionando-se

com clientes e outras empresas na indústria, lendo sobre a mesma, observando e

desmontando produtos da indústria e de áreas relacionadas, e projetando produtos para

aquele setor. A IDEO também pode consultar especialistas, usuários e fornecedores

daquela indústria.

10 Networks no original.11 Ou technology brokering, conforme terminologia dos autores.

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A empresa incentiva que seus designers busquem especialização na indústria, a fim de que

possam entender melhor as necessidades dos clientes. Uma equipe, por exemplo, coletou

mais de 100 utensílios de um cliente, a fim de entender todas as nuances e possíveis

tecnologias envolvidas.

Na etapa 3 (Armazenamento), o armazenamento de conhecimento tecnológico torna-se

visível apenas quando observa-se o processo de recuperação deste conhecimento através de

conversações, brainstormings e outros encontros de solução de problema em grupo.

Tecnologias específicas são armazenadas na memória dos designers, e nos objetos e

produtos que eles coletaram em trabalhos anteriores. Os designers também mantêm

relatórios escritos de projetos anteriores, tais como relatórios de brainstormings e

desenhos.

Soluções que vão sendo desenvolvidas ao longo dos projetos, mesmo que não utilizadas,

também servem como alternativas para projetos futuros. Do mesmo modo, produtos

existentes, partes de produtos, brinquedos, e até uma asa de avião estão espalhados pela

empresa. Esses objetos podem servir de fonte de inspiração para novas idéias e costumam

ser emprestados entre os designers da empresa.

Os designers também têm conhecimento das especialidades de seus colegas, recorrendo a

eles sempre que considerarem que os mesmos podem auxiliá-los na resolução de algum

problema. Os projetistas mais graduados, principalmente, conhecem as especialidades do

corpo técnico, direcionando seu trabalho. O incentivo aos encontros informais também

propiciam a troca de experiências.

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Na etapa 4 (Recuperação12), a recuperação de informações compreende as rotinas que

suportam a aplicação de informação armazenada em decisões correntes de uma

organização. Os designers da IDEO recuperam soluções tecnológicas através de

pensamento analógico e de rotinas estabelecidas de divulgação dos problemas de projetos

correntes com outros designers que possam contribuir com novas idéias. Uma grande

variedade de alternativas é criada a partir do uso de analogias.

Para reconhecer o potencial de uma tecnologia e adaptá-la para outros produtos, os

designers devem ser familiares o bastante com a mesma, para serem capazes de gerar

analogias apropriadas para os projetos correntes. Uma das principais formas de conseguir

essa familiaridade é através dos brainstormings. Quase todos os designers da empresa

participam dessas atividades, que tipicamente contam com a participação de seis a doze

profissionais, que devido a sua formação e experiência podem contribuir para o trabalho.

Mais uma vez, os locais onde os brainstormings costumam ocorrer são "decorados" com

objetos que enriquecem visualmente o ambiente. As "reuniões da manhã de segunda-feira"

e os e-mails são outras fontes de informação utilizadas para a recuperação de soluções

tecnológicas específicas.

A gerência da empresa contribui para o processo de corretagem de tecnologia de várias

formas. Uma delas é exigir que os profissionais atuem em diferentes áreas e com diferentes

colegas, a fim de exporem-se a tecnologias e experiências diferentes. Ou seja, têm que ter

conhecimento profundo das indústrias onde atuam, mas sem trabalharem exclusivamente

em um setor.

As normas da empresa incentivam os designers a pedirem ajuda sempre que tiverem

dificuldade, e a ajudarem sempre que solicitados. O sistema de recompensas é alinhado

com estas normas. Um grande peso é dado às horas trabalhadas, mas também é muito

importante o respeito que os pares têm pelo profissional ("peer-oriented meritocracy"). A

tolerância a designs pobres quando não houve pedido de ajuda é baixa.

12 Retrieval no original.

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Para alguém ser contratado na empresa, é preciso que pelo menos dez designers dêem forte

apoio ao candidato. Setenta por cento dos profissionais da empresa são oriundos da

Stanford University, onde alguns profissionais da IDEO lecionam ou lecionaram, inclusive

o fundador da empresa. Um dos autores da pesquisa é daquela universidade. Muitos alunos

são observados por seus mestres, designers da IDEO, e contratados para estágios de verão.

Caso mostrem um bom trabalho, são recrutados. Os outros 30% em geral são oriundos de

clientes e sub-contratados da IDEO, e por isso também tiveram seus trabalhos previamente

observados.

O estudo acima é mais um exemplo de como a etnografia pode ser utilizada para ajudar a

desvendar as características de uma organização. Os autores conseguiram revelar como se

dá o processo de resolução de problemas em uma empresa criativa, que utiliza idéias de

projetos anteriores e de pessoas com formações distintas, incentivando a informalidade e o

trabalho em equipe. Na próxima seção, serão apresentados estudos etnográficos aplicados

ao marketing.

3.3 Pesquisas etnográficas do comportamento do consumidor

3.3.1 Bar temático

Nos Estados Unidos existem bares temáticos especializados em esportes13. Nesses locais, o

público tem acesso a TVs onde podem assistir a eventos esportivos. Eastman e Land

(1997) desenvolverem uma pesquisa procurando identificar como os freqüentadores destes

bares contextualizam a audiência aos eventos em locais públicos. Também procuram

identificar como essa experiência distingue-se de assistir aos eventos em casa ou no

estádio.

Trinta e dois pares de estudantes de graduação da Indiana University estudaram, através de

observação participativa, seis sports bars do meio-oeste americano. Havia 37 estudantes do

sexo masculino e 27 do sexo feminino, sendo que a maioria era do meio-oeste e apenas

10% pertenciam a minorias. Todos foram treinados e supervisionados pelos pesquisadores.

As pesquisas de campo foram realizadas em 1994, em diferentes horários do dia, tanto

durante a semana quanto no fim-de-semana.

13 Sports Bars no original.

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Relatórios detalhados e transcrições textuais de entrevistas com clientes e pessoal do bar

foram preparados imediatamente após os períodos de observação. Esse material representa

mais de 210 horas de observação não duplicada. Um dos pesquisadores conduziu

entrevistas longas e informais com o pessoal permanente de cinco dos seis bares, de modo

a checar as conclusões obtidas das observações, além de propiciar informações adicionais.

Os relatórios das observações e as transcrições das entrevistas foram analisadas pelos

autores usando o constant comparative method of grounded theory development. No

primeiro passo do método, os dados foram separados em unidades consistindo de

descrições do local, narrativas das atividades dos clientes, reprises de histórias de clientes e

de pessoal do bar, conversações e outros comentários, e interpretações dadas pelos

observadores, pessoal ou clientes. Depois, em estágios sucessivos, incidentes/histórias

foram comparados para identificar categorias emergentes. As propriedades de cada

categoria foram codificadas e comparadas, e depois os outliers foram reincorporados

sempre que possível.

Finalmente, descrições, narrativas, comentários "crus" e comentários interpretativos foram

condensados em explicações da contextualização do programa de assistir eventos

esportivos em locais públicos pelos clientes. Exemplos representativos de cada

contextualização foram isolados para incorporar o artigo.

O artigo apresenta uma descrição detalhada de cada um dos seis bares analisados. Todos

eram decorados segundo o tema esportes, possuindo receptores de satélite e televisões de

tela grande para exibir variados esportes, tais como: basquete, baseball, hóquei e golfe. Em

alguns deles, a comida superava a bebida como item de consumo, e nesses locais a

presença feminina era mais marcante. Já nos bares onde o consumo de bebida era maior, a

maioria dos clientes eram do sexo masculino. Era comum a existência de jogos para

entretenimento, como vídeo games e dardos.

Algumas práticas nos bares criam um ambiente de estádio: a presença de outros torcedores

do mesmo time, abundância de torcedores uniformizados, a parafernália utilizada na

decoração das paredes, a irresistível força do esporte vindo das grandes telas de TV

visíveis de todos os lados, e um comportamento excitado do público. Essas características

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dos bares permitem a integração de estranhos em um ambiente público. Por outro lado,

alguns aspectos dos bares os aproximam da audiência nos lares: consumo através de um

mediador, audiência seletiva entre várias opções, comportamentos ritualizados de torcida, e

a possibilidade de entrar e sair do ambiente. Estes aspectos propiciam um controle pessoal

do espectador.

Quatro categorias emergiram e ilustram os motivos para procurar um local público como

um bar, e não estádios ou locais privados como os lares para assistir aos eventos. Além

destas categorias, um quinto aspecto - o controle sobre a mídia - acrescenta mais um nível

de contextualização à análise. Este aspecto e as categorias serão analisadas nos parágrafos

seguintes.

A primeira categoria é a sensação de fazer parte de uma comunidade. Estudos indicam que

os esportes têm um papel importante em estabelecer em um indivíduo a sensação de fazer

parte de uma comunidade. Assistir esportes com outros homens aumenta esta sensação, e o

ambiente público propicia momentos de reconhecimento e aceitação por outros torcedores

do sexo masculino. Um dos observadores retratou um acontecimento que ilustra o ponto.

Em um momento do jogo, uma estrela do time local acertou uma cesta de três pontos. As

pessoas nas diferentes mesas vibraram com estardalhaço, e houve troca de olhares de

aprovação entre elas. Um homem começou a falar para todo o bar, e a partir daquele

momento, o clima na sala tinha mudado completamente.

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Parece haver uma relação entre o local e a importância do evento. Assistir ao jogo em um

local público aumenta a importância e o sentido do evento para a pessoa. As mulheres são

minoria ao longo da temporada de futebol americano, mas correspondem a boa parte do

público nos grandes eventos. Os jogos dos times locais costumam ter os maiores públicos -

junto com o Super Bowl14 - apesar da possibilidade de as pessoas o assistirem em casa ou

mesmo no estádio. Uma garçonete mencionou um jogo entre o time local e o arqui-rival,

onde o bar estava lotado, apesar de 20 cm de neve e temperatura de -35º C. A proximidade

da tela é outro indicador da importância do evento. Quando os jogos são de pouca

importância, os comportamentos coletivos não são observados.

A segunda categoria é a interação social como unificação. A presença de esportes na TV

serve como facilitador para a interação pessoal. Um cliente informou que envolvia-se

menos com o jogo quando ia ao bar, porque ficava mais preocupado com as pessoas à sua

volta. Se ele realmente quisesse assistir ao jogo, ficaria em casa, mas o bar era mais

"social".

A equipe dos bares reconhece o papel de "quebrador de gelo" dos jogos, aproveitando isso

para seu benefício. Um informante disse que costumava se aproximar de dois ou mais

clientes que assistiam ao jogo fazendo comentários sobre o mesmo, a fim de estabelecer

uma atmosfera descontraída. Algumas mulheres consideravam o ambiente dos bares

apropriado para conhecer clientes do sexo oposto.

A terceira categoria é o maior acesso para legitimação como torcedor. A maior

disponibilidade de canais de esportes permitem maior acesso a diferentes eventos do que

nos lares (inclusive por apostadores). Além disso, nos bares há acesso a informações que

não seriam disponíveis de outra forma. Um cliente informou que gostava de freqüentar o

bar porque assim conseguia informações privilegiadas sobre o time local. O discurso cheio

de conhecimento sobre esportes, assim como a procura de eventos mais exclusivos

parecem ser meios de afirmar o status dos clientes como torcedores sérios.

14 Grande final do campeonato de futebol americano dos EUA.

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A quarta categoria é a diversão como entretenimento e modelo. Para os não fanáticos,

assistir esportes em um local público serve como passatempo enquanto janta, bebe ou

conversa. Alguns clientes freqüentavam os bares principalmente pela comida ou pela

bebida, mas usufruíam também da disponibilidade dos programas de esportes e dos jogos.

Para alguns, o comportamento em público de torcedores serve como um modelo. Aprender

como tornar-se um torcedor e como legitimar o papel é provavelmente internalizado ao

longo do tempo, através da exposição e experimentação. Exercer o papel de torcedor pode

ser considerado como uma evidência de masculinidade. Jovens do sexo masculino copiam

os comportamentos e atitudes de torcedores mais velhos como parte do processo de

tornarem-se homens. Um dos observadores indicou que alguns estudantes estrangeiros

estavam aprendendo a tornarem-se "torcedores de times do meio-oeste americano".

O quinto aspecto analisado são as regras, rituais e controle. Na maior parte dos casos, o

controle sobre a programação era exercido pelo pessoal do bar. Em casos particulares,

quando havia monitores suficientes e pouco movimento, os clientes podiam requisitar

algum jogo especial. Comportamentos barulhentos ou ofensivos (como xingamentos)

raramente eram censurados nos bares. Em algumas ocasiões, o nível de ruído podia ser

considerável, não permitindo ouvir os comentaristas esportivos.

Alguns observadores notaram comportamentos ritualizados por parte de alguns clientes.

Dois deles sempre assistiam aos jogos (aqueles para os quais eles não tinham ingressos) no

"Bar B". Eles chegavam cedo para sentar à mesma mesa, pedir a mesma comida e duas

jarras da mesma cerveja antes de cada jogo. E podiam indicar outros clientes que faziam a

mesma coisa

Esses rituais podem ser necessários para criar um senso de unidade entre pessoas

diferentes, desconhecidas e eventualmente rivais. Jogos competitivos atuam

disjuntivamente, ao separar vencedores e perdedores. Ao mesmo tempo, rituais ao vestir-se

e comportar-se atuam conjuntivamente para integrar os membros individuais de uma

audiência.

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À medida que o número de torcedores expande-se numérica e geograficamente, os bares de

esportes surgem como uma alternativa atrativa e confortável aos estádios. Isto pode ser

aplicado ao caso brasileiro, onde muitos torcedores afastaram-se dos estádios em virtude

da violência. Os jogos televisionados fornecem uma desculpa para ir ao local com foco no

evento, mas a audiência em público pode tornar-se mais importante que o próprio jogo.

Assim como o Super Bowl é um evento social e cultural, reunir-se para assistir esportes em

locais públicos cria um local de produção cultural e de consumo.

Entender a contextualização da audiência de televisão pode ser útil para profissionais de

mídia, porque identifica os aspectos de eventos televisionados em ambientes como os bares

de esportes. Entender a audiência nestes bares pode ser útil para os estudiosos da cultura,

porque ali os torcedores geralmente fazem grande esforço para recriarem experiências

sociais que são típicas de locais mais tradicionais como estádios.

Algumas limitações podem ser apontadas no estudo, como o limitado potencial de

generalização a partir de observações em uma cidade universitária, e a dificuldade de

alcançar uma figura completa do fenômeno.

O estudo mostra como a etnografia pode ser útil no entendimento do comportamento do

consumidor, revelando aspectos não explícitos nas relações de consumo. A seguir, será

apresentada uma etnografia onde ocorreu um envolvimento profundo dos pesquisadores

com uma subcultura de consumo que é marca da cultura norte-americana: os usuários de

motocicletas Harley Davidson.

3.3.2 Subcultura de consumo

Segundo Schouten e McAlexander (1995), subcultura pode ser definida como um subgrupo

da sociedade que se auto seleciona com base em um comprometimento para uma classe,

marca ou atividade de consumo de um produto. Outras características de uma subcultura de

consumo incluem uma identificável hierarquia, valores comuns, jargão, rituais e modos de

expressão simbólica particulares.

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Os dois autores supracitados desenvolveram um trabalho de campo de três anos com

usuários de motocicletas Harley-Davidson. Durante o processo, passaram de outsiders a

insiders da subcultura, desenvolvendo uma análise da estrutura social, valores dominantes

e comportamento simbólico do grupo. Este trabalho foi mencionado por Arnold e

Wallendorf (1994) como um exemplo de etnografia orientada para marketing que trouxe

contribuições para a estratégia de empresas.

Inicialmente, os pesquisadores atuaram como observadores não participantes em período

não integral. Com o transcorrer do trabalho, os pesquisadores passaram a dedicar-se em

período integral à pesquisa, passando a ser aceitos dentro da subcultura, vestindo-se e

agindo de acordo com ela, inclusive adquirindo suas próprias motocicletas.

A coleta de dados foi feita através de entrevistas formais (algumas gravadas e transcritas) e

informais, observação participativa e não participativa, além de fotografias. Observações

ou informações coletadas através de entrevistas informais foram reportadas em fita cassete

pelos pesquisadores, e ao fim do dia de pesquisa esses dados serviam de inputs para notas

de trabalho mais detalhadas. Publicações específicas também foram consultadas.

As fotografias foram utilizadas como registros visuais do simbolismo encontrado no modo

de vestir-se, preparar-se e "customizar" a motocicleta. Os pesquisadores "triangularam" os

significados que eles atribuíram aos símbolos através dos dados das entrevistas, checagem

com os membros da subcultura e da literatura sobre motocicletas.

Os locais selecionados para a coleta de dados incluíram rallies15, garagens de proprietários,

encontros de trocas de motocicletas, concessionárias, clubes, bares e restaurantes. Os

informantes selecionados pertenciam a diversos grupos identificados ao longo da pesquisa,

que se diferenciavam por características como idade, classe social e estilo de vida.

15 Grandes caravanas de motociclistas.

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Os pesquisadores contaram com incentivo da Harley-Davidson, Inc., que emprestou motos

para os pesquisadores e efetuou os contatos iniciais para a inserção dos mesmos no Harley

Owners Group (HOG)16. Schouten e McAlexander (1995) entrevistaram vários executivos

da empresa, bem como concessionários e comerciantes de acessórios. Além disso, a

empresa abriu várias pesquisas internas e externas aos pesquisadores.

Os dados foram acumulados, codificados e comparados em temas ou categorias. Os

principais temas do trabalho foram: estrutura, ethos, transformação do self, e papel do

marketing em uma subcultura de consumo. A pesquisa feita a quatro mãos permitiu uma

constante troca e crítica dos resultados obtidos. A seguir serão apresentados os temas que

emergiram do estudo.

O primeiro tema é a estrutura. Subculturas de consumo apresentam estruturas sociais

complexas e hierarquizadas, que refletem os diferentes status dos membros. O status

dentro do grupo é uma função do comprometimento individual com a ideologia de

consumo do grupo. Status através dos grupos é baseado no julgamento de cada grupo na

autenticidade dos demais em serem representativos da subcultura. Os membros mais

comprometidos com a subcultura funcionam como líderes de opinião. Os membros menos

comprometidos são importantes pelo seu suporte material e adulação aos primeiros.

Aspirantes servem como audiência e são importantes pelas expressões de inveja que

justificam as ações e investimentos dos membros da subcultura.

O segundo tema é o ethos. Permeando o comportamento da subcultura de consumo, está o

ethos, ou o conjunto de valores que são aceitos em diferentes graus por todos os membros.

Esses valores encontram expressão em certos produtos ou marcas e seus usos. Enquanto

vários subgrupos coexistem em uma subcultura, expressões de valores fundamentais

através do consumo podem refletir particularidades culturais ou sócio-econômicas dos

diferentes subgrupos. Compromisso com marcas e comportamento de consumo podem ser

feitos com intensidade religiosa, mesmo ao ponto de elevar algumas marcas ao status de

ícones. A popularidade destas marcas pode ser realçada por comportamentos missionários

por parte de membros da subcultura.

16 Uma organização internacional exclusiva para proprietários de Harley-Davidson, patrocinada pela

empresa.

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O terceiro tema é a transformação do self. Tornar-se um membro da subcultura de

consumo geralmente significa entrar na base da pirâmide hierárquica e atravessar um

processo de socialização. Este processo acarreta uma transformação do indivíduo que gera

um aprofundamento do comprometimento com a subcultura e seu ethos. O processo inclui

experimentação, imitação e melhoria da performance frente a audiências. Compromisso e

status aumentam e os indivíduos que investem energia suficiente à subcultura de consumo

podem vir a internalizar seus valores e a se tornarem membros estabelecidos17.

O quarto tema é o papel do marketing em uma subcultura de consumo. Subculturas de

consumo representam oportunidades para os profissionais da área engajá-las em relações

simbióticas. Os profissionais que entenderem a estrutura e o ethos de uma subcultura de

consumo podem lucrar ao atender suas necessidades. Além de fornecer os bens

necessários ao funcionamento da subcultura, os profissionais também podem assistir aos

novatos, facilitando a comunicação com a subcultura. Podem também patrocinar eventos

que alavanquem as atividades da subcultura. Em troca, as empresas podem ganhar

fidelidade à marca, publicidade e feedback dos consumidores. Assim, os profissionais

tornam uma subcultura marginal mais acessível aos consumidores comuns, aumentando o

tamanho do mercado. É claro que este processo deve ser feito com cuidado, de modo a

que os membros estabelecidos e a subcultura não sejam corrompidos, perdendo o apelo

original.

O artigo é um exemplo de etnografia onde há uma imersão dentro de uma subcultura de

consumo. Os pesquisadores tornam-se profundos conhecedores dos símbolos que marcam

a relação dos consumidores com o objeto de consumo, com a marca, e com outros

consumidores. O estudo também caracteriza-se por uma relação estreita entre

pesquisadores e empresa. A seguir, apresentaremos uma etnografia que ilustra uma outra

subcultura da cultura norte-americana.

17 Hard core members no original.

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3.3.3 Imigrantes mexicanos

Peñaloza (1994) desenvolveu uma etnografia para explorar o processo de aculturação de

consumo de imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, no sul da Califórnia. Este estudo

foi mencionado por Arnould e Wallendorf (1994) como um exemplo de etnografia

utilizada para o estudo de micro-segmentos de mercado. O mercado hispânico nos Estados

Unidos gera negócios de US$ 189 bilhões por ano.

A autora iniciou a pesquisa elaborando um modelo a priori de aculturação de consumo, a

partir da revisão de literatura. Neste modelo, imigrantes mexicanos com variadas

características demográficas e psicográficas vão aos EUA, onde sofrem influências de

agentes identificados com a cultura de origem e a de destino. Através de um processo de

aprendizado de consumo, passam a exibir padrões de consumo associados com sua cultura

de origem, a cultura de destino, ou uma combinação das duas.

A autora desenvolveu uma pesquisa de campo de dois anos e meio. Nesse período,

entrevistou 23 imigrantes mexicanos de 14 núcleos familiares, e documentou as

observações e experiências do processo. Durante o trabalho, o modelo a priori foi

modificado para tornar-se mais consistente com as observações empíricas.

À medida que a pesquisa foi evoluindo, a autora aprendeu sobre as semelhanças e

diferenças entre os padrões de compra no México e nos Estados Unidos, e as dificuldades

de adaptação com a língua, moeda e relações sociais. A seguir, apresentaremos os temas

que emergiram da pesquisa:

O primeiro tema são as experiências migratórias. Os mexicanos são bastante expostos à

idéia de irem morar nos Estados Unidos. O fluxo migratório é intenso, tanto legal quanto

ilegal. As expectativas com relação a essa mudança em geral são positivas, devido à

disponibilidade de emprego, aumento do poder de compra, e possibilidade de garantir

melhor educação para os filhos. A idéia de sair do México, por sua vez, era ambígua. Por

um lado os imigrantes sentiam saudades da língua, comida e festas, além da tranqüilidade e

das pessoas. Por outro, lamentavam a falta de melhores condições econômicas no país de

origem.

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O processo de migração era descrito como uma cadeia. Um ou mais pioneiros iam na

frente, trazendo depois irmãos, esposas, filhos etc. Essas redes familiares e de amigos

também exerciam importante papel no processo de aculturação de consumo, através de

conselhos, suporte financeiro ou auxílio com a língua.

Dos 23 informantes, 19 falavam apenas espanhol. A capacidade de falar inglês era uma

grande vantagem competitiva na luta por empregos. Apesar da disponibilidade de uma

série de produtos, documentos e serviços em espanhol na Califórnia, o desconhecimento do

inglês era fonte de vários problemas.

O segundo tema é o confronto com o novo ambiente de consumo. Com relação a moradia,

a maior parte dos informantes ocupava habitações com apenas uma família. Os imigrantes

oriundos de áreas rurais moravam, no México, em habitações com precárias condições,

sem eletricidade ou água corrente. Eles plantavam, criavam animais e compravam comida

diariamente em pequenos mercados. Os oriundos de áreas urbanas estavam habituados a

ambientes cosmopolitas, e costumavam comprar em lojas de departamentos e mercados. A

venda porta-a-porta era comum nas duas áreas.

As vizinhanças onde os informantes moravam eram predominantemente hispânicas, e o

espanhol era a língua corrente. As áreas eram humildes e afastadas das habitadas pelos

anglo-saxões. Algumas vans costumavam percorrer o local, vendendo produtos de origem

mexicana, como feijão, tortillas, chilies, vegetais e frutas frescas. Apenas três informantes

tinham casa própria, os outros alugavam os imóveis, e alguns os compartilhavam com

outros moradores.

Os lares serviam como importante agente de aculturação de consumo. Lá estavam

dispostos artefatos da cultura mexicana e norte-americana, e pessoas de diferentes

características e graus de domínio do inglês. Durante a pesquisa, sete famílias mudaram-se,

e três retornaram ao México.

Com relação às compras, foi pesquisada uma plaza de quatro quarteirões,

predominantemente hispânico. O consulado mexicano localizava-se na área, assim como

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algumas empresas mexicanas. Ao descreverem suas primeiras experiências de compras nos

EUA, os informantes contaram que ficaram admirados com a variedade e quantidade de

produtos e os preços baixos. Nessa região, o espanhol era a língua corrente, e isso

funcionava como uma barreira à troca de produtos e serviços por parte do consumidor.

Alguns informantes declararam dificuldades com o câmbio. Nos Estados Unidos, falava-se

de centavos e unidades de dólares, ao passo que no México falava-se em milhares de

pesos. Além disso, o tamanho das moedas nos Estados Unidos não era um indicativo do

valor das mesmas. Um dos informantes contou que passou a valorizar os produtos a partir

da quantidade de horas que teria que trabalhar para comprá-los. Com o tempo, os

informantes passaram a aprender vários signos culturais e seu valor nos Estados Unidos.

O terceiro tema aborda os produtos e serviços particulares. O primeiro item refere-se à

comida. Ela é mais que um meio de sustento e alimentação, é também uma expressão

cultural. Para os informantes, comer os alimentos aos quais eles estavam acostumados no

México proporcionava um "gosto" de casa, e servia para reafirmar os laços com a cultura

de origem. Todos informantes reportaram que a comida custava menos no México e que

eles preferiam comida fresca a comida congelada ou pré-embalada, como é padrão nos

Estados Unidos. Empresas norte-americanas disponibilizavam vários produtos para esse

público.

O segundo item refere-se ao vestuário. As roupas servem como proteção corporal, mas

também indicam gênero, estilo, classe social e até nacionalidade. Segundo os informantes,

a roupa vendida no México era de qualidade inferior, com menor variedade e preços mais

altos que nos Estados Unidos. A venda porta-a-porta era comum no México, tanto no

campo como nas cidades, com a vantagem de que o vendedor aceitava parcelar os

pagamentos. A pesquisadora observou prática semelhante na residência de um dos

informantes.

Os jovens eram mais conscientes com relação a marcas e estilo. Para os homens, o estilo

das roupas era semelhante no México e nos EUA. Já no caso das mulheres, havia alguns

casos de resistência - por parte de ambos os sexos - ao uso de calças compridas.

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O terceiro item são os automóveis. Os automóveis eram poderoso símbolo de status e

sucesso no México, onde eram caros e poucas pessoas podiam adquiri-los. Apenas 2 das 14

unidades familiares estudadas tinham carro no México. Já nos EUA, 10 das 14 possuíam o

bem. Isto era possível graças a um mercado secundário, onde os vendedores também

aceitavam pagamentos em parcelas.

Para os informantes, os automóveis continuavam sendo um poderoso símbolo de status nos

Estados Unidos. Ele permitia que as pessoas ficassem menos dependentes do transporte

público. Entretanto, enquanto o automóvel é visto como um instrumento que reforça a

individualidade, no caso dos imigrantes ele aumentava a interdependência, em virtude do

seu uso compartilhado.

O quarto item é o telefone. No México, o telefone também era um luxo, de acordo com os

informantes. As linhas custavam até US$800, e demoravam anos para serem. Quatro das

14 famílias tinham telefone no México, contra 12 nos Estados Unidos. Nos EUA, o

telefone era considerado uma necessidade, permitindo contatos com os familiares no

México e com potenciais empregadores. Por ocasião da pesquisa, as companhias

telefônicas haviam disponibilizado serviços em espanhol para os usuários.

O quinto item são os serviços financeiros. Sete das 14 unidades familiares estudadas

tinham conta corrente ou poupança no México. Nos Estados Unidos, sete unidades

mantinham conta em bancos americanos, enquanto três tinham contas no México, para

aproveitar as taxas de juros mais elevadas.

Com relação ao crédito, os informantes estavam envolvidos em esquemas informais de

financiamento nos Estados Unidos e no México, mas apenas dois possuíam cartão de

crédito (um dos principais meios de pagamento nos Estados Unidos). O padrão de gastos

parecia influenciar neste fenômeno, pois a maioria dos informantes enviava dinheiro para o

México. Além disso, vários informantes declararam sua resistência ao materialismo

americano.

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O sexto item analisado neste tem é a mídia. Nos Estados Unidos, a mídia funcionava como

um instrumento que permitia acessar tanto a cultura mexicana quanto a norte-americana.

Não havia uma relação direta entre o conhecimento da língua inglesa e a audiência de

programas americanos. Uma das informantes declarou que os anúncios nos Estados Unidos

eram mais diretos, o que é consistente com pesquisas sobre o assunto.

O quarto tema aborda o contato inter-cultural. O contato com a comunidade anglo-

saxônica era bastante reduzido. Na vizinhança, a maioria da população era de origem

hispânica. Poucos informantes tinham contatos mais assíduos e/ou amigos de origem

anglo-saxônica. Era claro que os imigrantes formavam uma subcultura marginalizada, à

parte do mainstream.

A pesquisadora é uma descendente de imigrantes mexicanos na décima geração, e não

possuí o estereótipo típico destes imigrantes, além de ter aprendido espanhol no curso de

pós-graduação. Era originária do Texas, e podia passar por "branca". A presença de

"brancos" na vizinhança era tão rara, que uma vez ela foi abordada por policiais, que

suspeitaram de tráfico de drogas.

O quinto tema analisa a subjetividade. Os informantes reportaram mudanças pessoais

desde que mudaram para os EUA. As mudanças foram maiores para os habitantes

originários do campo, mas todos afirmaram que estavam trabalhando mais duro e tinham

mais posses. Por outro lado, também mencionaram que estavam sofrendo maior pressão

financeira e que se tinham tornado mais auto-centrados e menos confiantes nos outros. Ou

seja, estavam se tornando mais individualistas.

De maneira geral, os informantes falaram de suas vidas nos EUA de maneira positiva, mas

lamentaram a falta de liberdade de ir e voltar ao México e afirmaram estar surpresos com o

fato de que tivessem de trabalhar tão duro. Os entrevistados foram relutantes ao relatar

casos de discriminação sofridos. A necessária participação das mulheres no sustento do lar

também gerava alguns conflitos familiares, em virtude da visão de alguns de que o homem

deveria ser a única fonte de sustento.

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A autora conclui que os imigrantes não apenas cruzaram a fronteira, eles eram

"consumidores fronteiriços", ou seja, eram indivíduos cujos hábitos de consumo refletiam a

influência tanto de sua cultura de origem como da cultura de destino. O comportamento de

compra dos imigrantes se tornou mais semelhante ao dos norte-americanos, mas o próprio

mercado norte-americano mudou para atender às novas demandas desse grupo.

Mesmo que os comportamentos de compra se tornem mais globalizados, as

particularidades continuam a ser o foco da atenção, porque tais comportamentos são

localizados e culturalmente definidos. A seguir apresentaremos o modelo final que a autora

desenvolveu, partindo de um modelo a priori e adaptando-o para melhor refletir a

observação empírica:

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MODELO EMPÍRICO DE ACULTURAÇÃO DE CONSUMO

DiferençasIndividuais

1. Variáveis demográficas

2. Língua Espanhol/Inglês

3. Tempo transcor- rido desde a chegada

4. Identidade étnica

5. Fatores ambientais

Agentes de aculturaçãode consumo

Processos de aculturaçãode consumo

Resultadosda aculturaçãode consumo

México EUA

Cultura de origem•Família•Amigos•Mídia•Instituições Comercial Educacional Religiosa

Cultura de destino•Família•Amigos•Mídia•Instituições Comercial Educacional Religiosa

MovimentoTraduçãoAdaptação

Assimilação

Manutenção

Resistência

Segregação

Adaptado de Peñaloza (1994).

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O estudo é outro exemplo de imersão de um pesquisador dentro de uma subcultura de

consumo, e, quando comparado com a pesquisa anterior, ilustra como podem existir

"vários países em um só". A seguir, apresentaremos uma etnografia de consumo

desenvolvida junto a jovens casais brasileiros.

3.3.4 Objetos decorativos

Carvalho (1997) desenvolveu uma etnografia buscando identificar a simbologia de objetos

decorativos junto a quatro jovens casais de classe média do Rio de Janeiro. O objetivo da

pesquisa foi entender o relacionamento das pessoas com os objetos da casa, de forma a

desvendar a "teia de significados" que estes objetos são capazes de construir.

A metodologia utilizada no estudo foi a interpretação de discursos dos informantes. O

instrumento de coleta de dados foi composto de entrevistas não-estruturadas, onde, a partir

de perguntas de referência, permitiu-se o livre fluxo do discurso dos informantes. O autor

procurou deixá-los à vontade para oferecer suas próprias definições de realidade e de suas

atividades, além de motivações particulares, procurando expressar a significação dos temas

em estudo a partir do seu próprio ponto de vista.

As entrevistas foram efetuadas nas residências dos próprios entrevistados, com a

participação simultânea dos membros do casal. Assim, foi possível interagir com os

informantes no próprio contexto em estudo, facilitando a identificação dos objetos e sua

disposição dentro dos ambientes das casas. Além disso, o ambiente foi minuciosamente

observado pelo pesquisador.

As entrevistas foram submetidas a uma "análise de conteúdos", de forma a revelar "temas

emergentes" nos discursos dos informantes, evidenciando o aspecto simbólico dos objetos

em suas vidas. Os temas emergentes foram agrupados em sub-temas, utilizados para

melhor organizar e interpretar o discurso. Entretanto, tais categorias não são estanques e

indivisíveis, podendo haver inter-relação entre elas.

Os informantes eram casados há pouco tempo, o que tinha grande importância do ponto de

vista metodológico. Casais nesta situação estão ainda muito envolvidos no processo de

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decorarem suas casas, e por isso são potencialmente bons informantes para o estudo.

Nenhum deles tinha filhos.

A seguir será apresentada uma breve descrição dos casais, que têm grau de escolaridade,

renda, tipos de lazer e padrões de consumo semelhantes, o que permite caracterizá-los

dentro de uma unidade. Os nomes são fictícios.

Renato é economista, 27 anos, e Sandra micro-empresária, com 25 anos. São casados há

sete meses, moram em apartamento próprio com dois quartos e viviam nas casas dos pais

antes do casamento. Se auto-definem como viciados em cinema e têm vida social intensa.

Orlando é engenheiro, 30 anos, e Helena funcionária-pública, com 35 anos. São casados há

dez meses, moram em apartamento alugado com dois quartos e também viviam com os

pais anteriormente. Consideram o imóvel alugado como uma transição para o imóvel

próprio, são caseiros e o principal hobby é assistir ao vídeo.

Roberto é economista e Camila analista de sistemas, ambos com 30 anos, casados há

quatro meses. Moram em um apartamento do pai dele, que não consideravam deles, e

viviam antes com os pais. Se auto-definem como pessoas de hábitos simples, gostam de

sair à noite e da companhia de familiares e amigos.

Celso é ator, 38 anos, e Verônica economista, 35 anos. Moram em um apartamento próprio

de três quartos, e ambos já foram casados. São cientes de sua privacidade e procuram

preservá-la. Viajam com freqüência ao exterior e freqüentam cinemas, teatros e eventos

culturais. A seguir, apresentaremos os temas que emergiram da pesquisa.

O primeiro tema aborda o individualismo. Segundo Rocha (1995d), o individualismo é um

dos elementos característicos da ideologia das sociedades ocidentais. Este construto é

definido pela doutrina onde cada indivíduo é uma entidade autônoma, singular e irredutível

a grupo ou sociedade, considerando-se as características físicas e psíquicas particulares.

Este indivíduo é dotado de qualidades que o tornam totalmente distinto de qualquer outro,

e ao mesmo tempo, distinto e oposto à totalidade social.

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O primeiro sub-tema analisado dentro do estudo do individualismo é: "a casa com a cara

do dono". Para os informantes, a casa necessariamente tem de refletir suas preferências

estéticas e seus gostos pessoais. O espaço é considerado próprio quando apresenta objetos

frutos de escolha pessoal, tal como ocorre com a personalização do local de trabalho com o

uso de fotografias familiares. Pode até haver consulta a um especialista, mas sempre com o

aval do dono.

Apesar da preocupação em estabelecer que a decoração da casa não segue rótulos, é

possível identificar a utilização de algum tipo de referencial que ajuda a definir a

individualidade da decoração. Uma informante, por exemplo, recusou a cor preta no

apartamento, declarando que a considerava "suntuosa e sofisticada", incompatível com seu

estilo de vida, considerado "simples".

A partir do momento em que se efetiva a personalização do ambiente, os significados

materializados nos objetos passam a ser inteligíveis também para os visitantes. Entretanto,

esta preocupação é apenas secundária. Em um depoimento, uma informante declara que

não tem a intenção de se mostrar através dos objetos, mas isso inevitavelmente acaba

acontecendo porque as coisas presentes na casa passam um pouco daquilo que "você é".

Uma das maneiras de personalizar um ambiente é através da diferenciação. Mesmo quando

são consultadas revistas de decoração, os modelos são "recortados" e "colados", de modo a

formar um ambiente único e "original". Mesmo com objetos industriais, os informantes

procuraram compô-los de maneira a singularizá-los e "humanizá-los", de modo a que

deixassem de ser indiferenciados. Dentro deste processo, muitas vezes termos amorosos

eram utilizados para ilustrar a relação entre os donos e os objetos.

O segundo sub-tema dentro de individualismo é: "histórias". Os objetos que compõem a

casa também têm o efeito de servirem como gatilhos que trazem à tona lembranças de

histórias passadas. Estas histórias ajudam a compor a trajetória pessoal dos indivíduos e

dos casais. Histórias têm grande potencial de transmitir e fixar valores, conceitos e

categorias culturais. Assim, recordações pessoais são mais vívidas quando armazenadas

sob a forma de histórias.

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As histórias pessoais podem ser editadas de forma a permitir que apenas os "melhores

momentos" sejam mostrados, tal qual ocorre na História com H maiúsculo (Rocha d,

1995). Uma informante, por exemplo, sempre trazia lembranças dos lugares onde tinha

passado bons momentos. A história da casa também pode servir como uma espécie de

reafirmador da trajetória do casal. As experiências a dois são continuamente renovadas na

busca da melhoria do espaço comum.

O segundo tema do estudo é: domínio masculino e feminino. Conforme apresentado na

análise do artigo de Holliday e Letherby (1993), a casa representa o domínio da mulher,

em oposição ao trabalho, domínio do homem. Entretanto, com as mudanças sociais das

últimas décadas, o homem passou a ter uma maior participação nas atividades domésticas.

Tal participação é mais ativa no processo de decoração da casa. Todos os entrevistados

participaram de várias atividades relacionadas à decoração, tais como: ir às lojas, conferir

preços, verificar a qualidade dos objetos etc. Entretanto, as mulheres ainda são as

principais participantes do processo, cabendo ao homem explicitar suas preferências e dar

sugestões. Logo, as compras de objetos de decoração ainda são predominantemente

baseadas nos critérios e gostos da esposa.

O primeiro sub-tema apresentado nesta seção é: "o espaço masculino". Foi percebida a

necessidade - por parte dos homens entrevistados - de reservar-se um espaço específico

para o homem. Tal espaço - o escritório - ficaria livre da predominância do gosto feminino,

observada em toda a casa. Simbolicamente, o escritório representa o espaço dos livros, do

saber e do trabalho, tradicionalmente masculino, enquanto o restante da casa representa o

espaço feminino. Assim, apesar das mudanças dos papéis sociais, dentro da casa reproduz-

se a divisão tradicional de papéis sexuais.

O segundo sub-tema é: "cozinha a dois". Todos os informantes descrevem sua cozinha

como prática e funcional. O homem envolve-se nas atividades da cozinha, mas as mesmas

são consideradas fundamentalmente femininas e monótonas. O envolvimento dos homens

na compra e arranjo dos objetos da cozinha é mínimo. Além disso, a cozinha foi onde

menos tempo foi gasto no processo de compra e decoração.

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O terceiro tema da dissertação é o hedonismo. Atualmente, existe uma tendência de

construir dentro de casa um ambiente aconchegante, tranqüilo e confortável, a fim de

contrapô-lo ao ambiente hostil do mundo exterior. A casa é o ambiente restrito e íntimo

onde observa-se um tipo de hedonismo, a busca de conforto físico e mental. Este ambiente

deve ser bem equipado, de modo a propiciar comodidade, bem-estar, privacidade e

distanciamento do mundo.

Esta independência com o exterior permite às pessoas ficarem à vontade. Um informante

declarou que a casa tem que ser um ambiente onde a pessoa se sinta à vontade e não

precise do mundo. Lá, estaria em sua intimidade, satisfeito, com tudo que precisa. O

conforto é um dos principais critérios a nortear a seleção dos objetos da casa, com exceção

da cozinha. O conforto é tão importante que chegou a ser considerado por um dos

informantes como o elemento que reúne e harmoniza os diversos cômodos da casa.

A pesquisa procurou estudar os aspectos simbólicos associados ao consumo de objetos

decorativos de casais de classe média sem filhos. A partir de entrevistas não estruturadas,

emergiu uma série de temas que revelam a relação entre as pessoas e seus objetos

domésticos. Assim, foi possível identificar que tipo de significados estes objetos carregam,

e como transmitem conceitos relacionados com a visão de mundo e expectativas dos donos

com relação a si próprios e aos outros.

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Carvalho (1997) apresenta outros seis estudos etnográficos sobre o comportamento do

consumidor. O primeiro é uma pesquisa desenvolvida por Levy (1981), que teve por

objetivo revelar como as pessoas interagem com os bens de consumo através da análise e

interpretação das histórias quotidianas e familiares associadas à utilização destes bens. O

segundo é uma etnografia de uma loja de presentes, desenvolvida por McGrath (1989). O

terceiro foi uma etnografia de uma feira-livre, realizada por McGrath, Sherry e Hesley

(1989). O quarto é um estudo de Schouten (1991), que buscava aprofundar o simbolismo

que permeia o consumo de cirurgias plásticas. O quinto é um estudo dos padrões de

consumo associados ao Dia de Ação de Graças, desenvolvido por Wallendorf e Arnould

(1991). O último artigo - de Celsi, Rose e Leigh (1993) - busca desvendar as motivações

que levam as pessoas à prática de esportes radicais.

A pesquisa mostra como a etnografia pode revelar o simbolismo que permeia o consumo

de determinados bens. No próximo capítulo desenvolveremos algumas reflexões, dados e

estudos sobre a velhice, aposentadoria e consumo.

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4 CONSUMO DA TERCEIRA IDADE

4.1 Reflexões sobre velhice e aposentadoria no Brasil

A mudança no perfil demográfico da população brasileira apresenta reflexos importantes

para o trabalho dos profissionais de marketing. A chamada população da terceira idade

aumenta de número, e passa a exigir produtos e serviços voltados para o atendimento de

suas necessidades. Algumas empresas já acordaram para o fenômeno. Os meios de

comunicação publicam com intensidade cada vez maior matérias voltadas para esse

público. Entretanto, o número de artigos acadêmicos que tratam do assunto ainda é

pequeno, e este trabalho tem como um de seus objetivos ajudar a preencher esta lacuna.

No Terceiro Mundo, um corte sistematicamente utilizado para definir "idosos" é a idade de

60 anos. Os falantes de línguas latinas utilizam a expressão "terceira idade" para designar

os idosos. Essa expressão tem origem no francês para o título de Les Universités du

Troisième Age.

Segundo Debert (1998), a terceira idade é uma criação das sociedades ocidentais

contemporâneas. Ela representa uma nova etapa da vida que se situa entre a idade adulta e

a velhice, e é acompanhada por um conjunto de práticas e instituições especializadas,

encarregadas de definir e atender suas necessidades. Essa população, a partir dos anos 70

deste século, passou a ser vítima da marginalização e da solidão. A terceira idade simboliza

o envelhecimento ativo e independente dos jovens aposentados. Recentemente os franceses

passaram a utilizar o termo "quarta idade" para designar os idosos acima de 75 anos, que

representam a imagem tradicional da decadência ou incapacidade física.

Atualmente, a terceira idade está relacionada com uma aposentadoria ativa, o que traz

conseqüências mercadológicas:

"Definida a terceira idade como a idade do lazer, em sua esteira concebeu-sea idéia de aposentadoria ativa, a partir da imagem de que a vida começa aos60 anos. A velhice passou, assim, a ser representada como uma fase a seraproveitada. Acompanhando o movimento de redefinição dos conceitos econcepções sobre o envelhecimento, surgiu um novo mercado de consumovoltado para as pessoas idosas detentoras de certa posição social e queadquirem bens especialmente a elas destinados, na tentativa de racionalizar

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os privilégios e benefícios advindos da aposentadoria". (STUCCHI, 1998,p.43).

É dentro desse contexto que se insere o presente trabalho.

Segundo Peixoto (1998), até os anos 60, os idosos no Brasil eram chamados de "velhos".

Esse termo não possuía um caráter pejorativo, podendo ser tanto afetivo como

depreciativo, dependendo da entonação. A partir do final desta década, assim como na

França, o termo "idoso" (personne âgée) passou a ser utilizado, indicando maior respeito

com as pessoas mais velhas.

4.1.1 Os idosos, o trabalho e a aposentadoria no Brasil

A situação da maior parte dos idosos no Brasil é dramática, em virtude das desigualdades

sociais e da falência do sistema previdenciário. Isso torna o momento da aposentadoria

ainda mais difícil para muitas pessoas. Este momento marca a transição de um período de

produtividade, para um período de inatividade. Segundo Redondo (1992), em uma cultura

estruturada a partir do trabalho produtivo, a entrada e saída do mercado de trabalho

representam momentos importantes na vida de um indivíduo.

Argumentando na mesma direção, Peixoto (1998) aponta que as sociedades capitalistas

enfatizam a importância do trabalho e da produtividade. A aposentadoria pode representar

um período de depressão e de desajustes sociais e psicológicos, ou um período que pode

ser desfrutado para o desenvolvimento pessoal e a realização de velhos sonhos.

As mulheres têm uma expectativa de vida maior que a dos homens, e parecem estar

aproveitando melhor a fase final da vida, conforme será discutido no capítulo seguinte.

Barros (1998) estudou um grupo de mulheres idosas morando sozinhas. Segundo esta

autora, as mulheres vão perdendo espaço à medida que envelhecem, devido às próprias

limitações que a idade impõe. Esta realidade, constatada por Barros no final dos anos 70,

parece não ser mais uma regra nos dias atuais, conforme aprofundaremos no capítulo

seguinte. No caso dos homens, a situação é ainda mais dramática, pois eles perdem contato

com o mundo não-doméstico.

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Nos parágrafos anteriores apresentamos uma breve discussão sobre a problemática da

aposentadoria dentro dos lares. A seguir, apresentaremos um breve histórico do processo

de institucionalização da previdência oficial e privada no Brasil.

Em 1920, com a Lei Elói Chaves, são criadas as caixas de aposentadoria e pensão (CAPs),

desenvolvendo-se um sistema de proteção social no interior das empresas. Os

trabalhadores passaram a contar com assistência-médica, aposentadoria-doença, e pensão

para os familiares em caso de morte do segurado. O sistema era restrito a cada empresa,

sendo financiado por contribuições do empregado, empregador e Estado. O fundo era

administrado por empregados e empregadores. Nos anos 30, foram criados vários Institutos

de Aposentadoria e Pensões (IAPs), fundos de aposentadoria para diferentes categorias

sociais.

Em 1960, foi criada a Lei Orgânica da Previdência Social, uniformizando as legislações

dos diversos IAPs e CAPs em uma só instituição: o Instituto Nacional de Previdência

Social (INPS). Entretanto, três categorias só foram admitidas no sistema nos anos 70: os

agricultores, os empregados domésticos e os trabalhadores autônomos.

Segundo Peixoto (1998), foi criada a aposentadoria-velhice em 1973, pelo Ministério do

Trabalho e pelo INPS. Era concedida aos homens maiores de 65 anos e às mulheres

maiores de 60 anos. Em 1974, um decreto-lei estabeleceu que as pessoas maiores de 70

anos deveriam receber uma renda mensal vitalícia de 60% do salário mínimo. A

Constituição de 1988 estabeleceu que o valor da aposentadoria deveria basear-se no salário

mínimo. Essas modificações da legislação brasileira acentuaram a associação das pessoas

aposentadas - ou seja, não-produtivas - com os velhos, independente da idade.

Stucchi (1998) elaborou um estudo dos programas de preparação da aposentadoria (PPAs),

desenvolvidos por empresas participantes de fundos de pensão e aposentadoria privada.

Esses programas visam transformar o significado da velhice de algo negativo em um

momento positivo, e o da aposentadoria em uma decisão individual do trabalhador.

Os PPAs partem do princípio de que a aposentadoria é uma violência, e não um prêmio ao

trabalhador. Entretanto, com planejamento, a aposentadoria pode tornar-se um prêmio. Os

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PPAs buscam dissociar a aposentadoria da idéia de velhice e incentivam a manutenção da

atividade, que possibilita o prolongamento da aposentadoria saudável até que a velhice se

instale.

O mercado de trabalho é marcado por forte preconceito contra pessoas de mais idade.

Executivos na faixa dos 40 anos costumam ter grandes dificuldades de recolocação.

Entretanto, algumas empresas começam a vencer o preconceito e passam a empregar

pessoas idosas. O Complexo Lago Azul, que reúne empresas de prestação de serviços nas

Rodovias Anhagüera e Bandeirantes, em São Paulo, é um exemplo. Cerca de 20% do

quadro de pessoal é formado por pessoas acima de 50 anos. No Rio de Janeiro, o

supermercado Rainha também passou a contratar funcionários maiores de 60 anos.

Apesar das dificuldades, houve um crescimento de 31,5% da população economicamente

ativa entre 60 e 64 anos, segundo dados do IBGE. O economista Marcio Pochmann,

especialista em emprego, atribui esta alta à baixa renda dos aposentados, cuja grande

maioria recebe menos de R$500 mensais. No período de janeiro a junho de 1998, 30,3%

das pessoas nessa faixa de idade estavam trabalhando. (ESPOSITO, 1999).

4.1.2 A participação dos idosos na política no Brasil

Na política, foi fundado em Belo Horizonte o Partido dos Aposentados da Nação (PAN). O

número de eleitores acima de 60 anos em 1996 foi de 12,7 milhões, o que corresponde a

12,5% do total, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral. O Fórum Nacional da

Terceira Idade, entidade privada, organizou idosos para encaminhar emendas à

Constituinte e conseguiu criar a primeira delegacia do idoso de São Paulo. Sérgio Cabral

Filho (PSDB-RJ), deputado estadual eleito com o maior número de votos no Brasil nas

eleições de 1998, é fortemente identificado com a causa da terceira idade. Uma lei de

Cabral criou a Delegacia da Terceira Idade do Rio de Janeiro, inaugurada em setembro de

1998.

Simões (1998) apresenta a tipologia e política interna das diferentes associações de

aposentados no Brasil, além de apresentar uma análise da "mobilização pelos 147%"

durante o governo Collor. Naquele momento, os aposentados assumiram o papel de

liderança nas reivindicações sociais no Brasil.

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4.1.3 O crescimento da oferta de produtos e serviços para idosos no Brasil

Não existem estatísticas ou informações consolidadas sobre o assunto, mas a oferta de

produtos e serviços no Brasil vem crescendo de modo significativo, conforme pode ser

observado em grande número de matérias de jornal e revista.

Cadernos como o "Jornal da Família", de O Globo, "Vida", do Jornal do Brasil, e

"Cotidiano", da Folha de São Paulo, freqüentemente trazem matérias sobre a terceira idade,

com indicações de atividades para os idosos, tais como: cursos de dança, pintura, modelo e

atividades físicas. Instituições como a Casa de Cultura Laura Alvim, Universidade Federal

Fluminense (UFF), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Cândido Mendes,

Hélio Alonso, Santa Úrsula, Gama Filho, Estácio de Sá, Veiga de Almeida, Faculdade da

Cidade, Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e Universidade de São Paulo (USP)

oferecem programas de cursos para idosos.

Um spa em Penedo oferece três programas básicos, um deles voltado para a terceira idade.

O Edifício Guarujá, prédio de 1930, tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal do Rio

de Janeiro, será transformado em um condomínio de luxo para a terceira idade. O

empreendimento fica em Copacabana, bairro com o maior número de idosos do país. O

Cristal Residence Hotel, é outro estabelecimento também em Copacabana especializado

em hóspedes de terceira idade. Nesse hotel, há barras de apoio nos banheiros, serviço de

enfermagem, telefones com números maiores e atividades recreativas. Noventa por cento

dos hóspedes são do sexo feminino. Recentemente, o hotel fechou acordos com as

empresas Medilar - do grupo Icatu - e Pronep, para oferecer serviços de home care

(atendimento médico oferecido fora dos hospitais).

Centros de lazer para a terceira idade multiplicam-se pela cidade: "Recanto", "Vem Viver",

"Bem Viver". O Clube da Terceira Idade, órgão da Secretaria de Esporte e Turismo do

Estado de São Paulo conta com 129 mil filiados. Mais de cem casas de repouso e agências

oferecem damas de companhia, acompanhantes e auxiliares de enfermagem, apenas no

Estado de São Paulo.

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Empresas como a Lan Chile já lançaram promoções para a terceira idade. No Rio Grande

do Sul, a Embratur, o Serviço Social do Comércio (SESC), têm programas para incentivar

o turismo dos grupos de terceira idade. Naquele estado, cerca de 200 hotéis e 100 agências

de viagens estão conveniados ao programa dos Clubes da Melhor Idade. A Natura lançou

uma linha de produtos - a Chronus C - voltados para várias faixas de idade: dos 30 aos 45,

dos 45 aos 60, e de 60 em diante.

4.1.4 Estatísticas demográficas do Brasil

O Brasil, que sempre foi considerado um "país jovem", passa por um processo de

profundas modificações em sua estrutura demográfica. O declínio das taxas de fecundidade

no país tem gerado um processo de progressiva "retangularização" de sua pirâmide etária,

ou seja, um envelhecimento da população. A tabela abaixo ilustra essa situação:

DISTRIBUIÇÃO ETÁRIA (%)ANO 0 a 14

anos15 a 59

anos60 anos ou

+1900 44,4 52,3 3,31920 42,8 53,2 4,01940 42,5 53,4 4,11950 41,9 53,9 4,21960 42,7 52,6 4,71970 42,1 52,8 5,11980 38,2 55,7 6,11990 33,8 59,1 7,12000 29,5 62,2 8,32010 26,3 63,7 10,02025 22,9 62,0 15,1

Fonte: IBGE

Como pode ser observado na tabela, as projeções indicam que a população acima de 60

anos passará de 8,3% no ano 2000, para 15,1% em 2025. A população menor de 14 anos

perderá importância relativa. No ano 2025, o Brasil deverá ter a sexta maior população de

idosos do mundo. Isso traz conseqüências seríssimas para o governo e inúmeras

oportunidades para as empresas. O gráfico, a seguir, ilustra este aumento da participação

absoluta e relativa dos idosos, e a redução da participação dos menores de 14 anos:

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Fonte: IBGE - Celade

A maior parte da população de idosos no Brasil deverá ser formada por "jovens idosos", ou

seja, aqueles cuja faixa etária compreende-se entre 60 e 69 anos. Nos países desenvolvidos,

a faixa etária que cresce com maior velocidade é a dos "meio idosos", entre 70 e 79 anos, e

"idosos velhos", acima de 80 anos. Apesar de o número de idosos estar aumentando no

país, existe uma significativa variação na proporção de idosos entre as áreas mais ricas e

pobres do país.

A população de idosos concentra-se nas grandes cidades e nos bairros com maiores

facilidades. As pessoas que sobrevivem até idades mais avançadas têm uma renda média

superior a da renda média nacional. Isso tem implicações óbvias para os profissionais de

marketing. Entretanto, à medida que as desigualdades sociais e regionais forem

diminuindo, a diferença de renda também tende a diminuir. Veras (1994) aponta que - no

campo das pesquisas médico-sociais - trabalhar com a média no Brasil é um erro

metodológico sério. Tal reflexão também aplica-se ao estudo do marketing.

Segundo Peixoto (1998), havia 11.326.901 pessoas maiores de 60 anos em 1990, segundo

dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD). Deste total, 9,3% eram

residentes no Estado do Rio de Janeiro. Do total da população, 8,2% eram mulheres

maiores de 60 anos, e 7,2% eram homens da mesma faixa etária; 15% das mulheres idosas

moravam sozinhas, contra 8% dos homens idosos. Os que recebiam mais de 10 salários

correspondiam a apenas 7% da população idosa, ao passo que 60% das mulheres idosas e

NÚMEROS ESTIMADOS E PROJETADOS DE JOVENS E IDOSOS NO BRASIL (1980-2025)

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

1980 2000 2025

1.00

0 H

abita

ntes

0 a 14 anos

80 ou mais

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52% dos homens da mesma faixa etária ganhavam até um salário mínimo por mês. Esses

dados refletem a extrema desigualdade social no Brasil.

A expectativa de vida do brasileiro dobrou ao longo do século, conforme pode ser

observado na tabela abaixo:

EXPECTATIVA DE VIDA AO NASCER

ANOS 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 2000 2020 2025Expectativade 33,7 34,1 34,5 36,5 38,5 43,2 55,9 57,1 63,5 68,6 72,1 75,3vida aonascer

Fonte:ONU

Entretanto, mais uma vez é preciso atentar para as diferenças regionais. Conforme pode ser

observado na tabela a seguir, a expectativa varia muito em termos regionais:

Expectativa de vida ao nascer para ambos os sexos (1980-1985)

PAÍS/ESTADOS ANOS

Brasil 63,5

Paraíba 46,7

Maranhão 57,4

São Paulo 69,4

Rio de Janeiro 69,7

Fonte: Arquivo das Implicações de Saúde Pública do Programa para a Velhice

Através da discussão acima, é clara a importância crescente que a população de idosos terá

na vida brasileira, não só como consumidores, mas como cidadãos. A sociedade e as

empresas devem acordar para este fenômeno, procurando atender suas necessidades. É

claro que a situação do idoso no Brasil passa pela discussão sobre distribuição de renda e

previdência social, mas esses assuntos fogem ao escopo deste trabalho. Os profissionais de

marketing devem estar atentos a essa tendência, sem esquecer de considerar as diferenças

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sociais e regionais em nosso país. Na seção seguinte, serão apresentadas pesquisas de

marketing sobre os consumidores de idade mais adiantada.

4.2 Estudos de marketing sobre a terceira idade

4.2.1 O conceito de ciclo de vida e outros conceitos na formulação de estratégias demarketing

Cooper e Miaoulis (1988) defendem a tese de que os profissionais de marketing deveriam

incluir o conceito de satisfação de vida às suas estratégias de marketing, e não enfocar

apenas a satisfação com os produtos e serviços. A importância deste conceito cresce à

medida em que o número das pessoas de terceira idade aumenta.

Tradicionalmente, a pesquisa de marketing tem utilizado o conceito de ciclo de vida

familiar para estudar as mudanças no padrão de consumo das pessoas, à medida em que

elas envelhecem. O quadro abaixo apresenta uma descrição dos estágios do ciclo de vida

da família:

Estágios do ciclo de vida familiar Pessoas que geralmente atravessam o estágio

1. Solteiro Jovem, solteiro, não vivendo em lar próprio

2. Jovem casado Jovens casados sem filhos

3. Ninho cheio I Casais com crianças dependentes

4. Ninho cheio II Casais com crianças mais independentes

5. Ninho vazio I Casais mais velhos sem dependentes e com chefe dafamília trabalhando

6. Ninho vazio II Casais mais velhos sem dependentes e com chefe dafamília aposentado

7. Único sobrevivente Idoso (a), aposentado (a), viúvo (a)

Fonte: Cooper e Miaoulis (1988).

Nos estágios 5, 6 e 7, as pessoas tenderiam a gastar tempo e recursos lidando com

problemas físicos. Entretanto, com os avanços da medicina e a mudança de mentalidade da

população em geral - mais preocupada em manter a saúde - os idosos hoje em dia podem

gastar menos energia lidando com estes problemas, dispondo de mais tempo e recursos

para os outros aspectos da vida. O modelo de ciclo de vida familiar não é adequado para

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tratar este novo paradigma. Uma alternativa seria considerar categorias não cronológicas e

mais cognitivas.

O conceito de satisfação de vida pode ser a fonte para a formulação destas categorias.

Cinco dimensões descrevem o conceito: ter prazer com as atividades do dia-a-dia,

considerar que a vida tem sentido, possuir auto-imagem positiva, ter perspectivas felizes e

otimistas e sentir satisfação ao alcançar objetivos.

A partir do conceito de satisfação de vida foi elaborado o modelo das categorias de

experiência, que é resumido no quadro abaixo:

Categorias deexperiência

Descrição Nível de satisfação

Experiências de posse Primeira posse ouaquisição (ex: carro,lar, aparelho de som,etc.). Focus em benstangíveis

Com produto: altoCom serviço: médioCom a vida: baixo

Experiênciasfornecidas18

Uma transição domodo "faça vocêmesmo" para aaceitação de produtosmenos tangíveis eserviços.

Com produto: médioCom serviço: alto

Com a vida: médio

Experiências de "ser"19 Foco no sentido deestar conectado com avida (relaçõesinterpessoais, filosofia,"pequenas coisas davida", experiênciasetc.). Satisfação com aprópria existência.

Com produto: médio/baixoCom serviço: médio

Com a vida: alto

Fonte: Cooper e Miaoulis (1988).

Na categoria de experiências de posse, as pessoas são mais materialistas, e a satisfação

advém basicamente da posse e uso dos produtos. Na categoria de experiências fornecidas,

a satisfação origina-se principalmente de serviços, como assistir eventos esportivos ou

teatro. A categoria de "ser" é a mais filosófica. Aprecia-se as pequenas coisas da vida e a

18 Catered experiences no original.19 Being experiences no original.

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satisfação é a do "ser", e não apenas a satisfação com os produtos ou serviços.

Os indivíduos podem cair em qualquer das categorias, mas os autores observaram que os

adultos que enfatizam as experiências de posse normalmente têm até 40 anos, aqueles que

caem na categoria de experiências fornecidas em geral têm entre 40 e 60 anos, e os que se

enquadram na terceira categoria tendem a ter entre 60 e 80 anos. As condições físicas e

mentais dos indivíduos pode ser uma restrição à utilização do modelo pelos profissionais

de marketing.

Os autores defendem que medidas de satisfação de vida devem ser utilizadas em conjunto

com medidas de satisfação com produto e serviço, e são particularmente úteis nas

estratégias de comunicação. Cooper e Miaoulis citam o exemplo de um anúncio da

Kimberly-Clark Corp. veiculado na publicação Modern Maturity, até então resistente a

anunciar produtos de saúde. A peça era de vestimentas para incontinência urinária, e

mostrava uma mulher famosa jogando shuffleboard20 em um anúncio de cruzeiro. O

produto é identificado como algo que ajuda as pessoas a "sair e aproveitar a vida".

O artigo aponta o fato de que os consumidores de terceira idade não são homogêneos, e

representam um grupo formado por indivíduos com desejos, atitudes e necessidades

distintas. As empresas que buscam atingir esse mercado devem estar atentas ao fato,

adaptando suas estratégias. A seção seguinte apresenta estudos que aprofundam a

discussão sobre a heterogeneidade dos consumidores de mais idade.

Zaltzman e Motta (1996) desenvolveram uma segmentação de mercado dos consumidores

idosos segundo seus perfis de estilo de vida, sugerindo estratégias de marketing para cada

segmento identificado.

20 Jogo onde discos são deslizados em direção a marcas ao longo de uma superfície.

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Estilos de vida são as formas pelas quais as pessoas gastam seu tempo e dinheiro, e

principalmente o que valorizam na vida, as coisas que lhes interessam e suas opiniões

sobre aspectos do cotidiano. Ou seja, são coleções de padrões de pensamento e ações que

as pessoas demonstram em vários graus.

Segmentação é a estratégia de identificar consumidores com necessidades semelhantes e

atender estas necessidades com ofertas de produtos e serviços. A segmentação divide o

mercado heterogêneo em pequenos segmentos homogêneos, permitindo melhor foco no

mercado-alvo.

Várias podem ser as variáveis adotadas para a segmentação, e não existe consenso entre os

autores. Kotler (1994) propõe as váriáveis: geográficas, demográficas, psicográficas e de

comportamento de compra. Outros autores resumem o elenco de variáveis a dois grupos:

características e comportamento do consumidor. Outros, ainda, destacam o benefício como

um terceiro grupo de variáveis a serem adicionados aos dois anteriores. Outra forma de

segmentação de mercados é a que utiliza perfis de estilos de vida.

Os seguintes tipos de segmentação foram utilizados para segmentar mercados de

consumidores mais velhos: demográfica e sócio-econômica, psicográfica, segundo o

comportamento de compra, segundo as fontes de informação utilizadas, por benefícios, e

por estilo de vida.

Esse último tipo de segmentação tem sido muito utilizada por pesquisadores que estudam

consumidores mais velhos. Bartos (1980) segmentou pessoas maiores de 50 anos em seis

grupos, baseando-se no modo com elas se ajustavam às mudanças de tempo, saúde e

dinheiro, à medida em que transitavam por quatro estágios do ciclo de vida: "ninho vazio",

aposentadoria, perda do cônjuge e doença. O primeiro grupo é o de ricos ativos -

indivíduos que ainda trabalham, são saudáveis, dispõem de tempo limitado e bom poder

aquisitivo, valorizam o tempo livre e estão dispostos a pagar por conveniência, rapidez e

serviço. O segundo grupo é o de aposentados ativos - indivíduos que em geral

aposentaram-se cedo, gozando boa saúde e que desejam destacar-se dos demais, embora

vivendo com pessoas de todas as idades. O terceiro grupo é o de donas de casa - mulheres

que estão acima da linha de pobreza e que se dedicam às atividades domésticas em tempo

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integral, passando por mudanças profundas quando os filhos deixam o lar ou os maridos

aposentam-se. Os demais grupos são formados por pessoas desfavorecidas em termos

financeiros ou de saúde.

Moschis (1982) apresenta três trabalhos de segmentação baseados no estilo de vida. O

primeiro foi desenvolvido pela Golring and Co. Seis segmentos foram obtidos: auto-

confiantes, ativos, sociáveis, satisfeitos, preocupados e inseguros. A posição dos grupos

refletia o modo como lidavam com duas forças dominantes na vida das pessoas de maior

idade: as mudanças externas (ao indivíduo) e as mudanças internas no indivíduo.

Outro trabalho citado foi o do Stanford Research Institute, que desenvolveu um modelo de

segmentação voltado para a escolha de moradias denominado Life-Styles and Values of

Older Adults (LAVOA). Seis segmentos psicográficos foram obtidos: exploradores,

adaptáveis, pragmáticos, atingidores, mártires e preservadores.

O terceiro modelo citado por Moschis (1992) foi desenvolvido por Leonard Fela. Este

autor usou variáveis psicográficas e identificou três segmentos. Os tradicionalistas: são

conservadores, com fortes crenças morais e religiosas, resistem a mudanças bruscas, são

avessos a riscos e nostálgicos. Tendem a ser "caseiros" e mais preocupados com a família

do que com causas públicas. Os sociáveis, segundo grupo, são filantrópicos e voltados para

a comunidade. Tendem a viajar, participar de atividades em clubes e patrocinar atividades

culturais. Os isolacionistas, terceiro grupo, tendem a afastar-se de atividades sociais. São

inclinados à religião, mas tendem a ser materialistas e relativamente infelizes. Entretanto,

este trabalho não examinou os segmentos obtidos sob a ótica do comportamento do

consumidor, o que fez com que não ficasse claro a sua contribuição para o marketing.

Zaltzman e Motta (1996) defendem a segmentação por estilos de vida por vários motivos.

O primeiro é que as estratégias de marketing e propaganda baseadas na segmentação por

traços de personalidade demonstraram que este método não é o mais adequado para as

decisões de marketing. Os tipos de personalidade tendem a espalhar-se por vários grupos

sócio-demográficos, o que os torna praticamente inatingíveis pelos profissionais de

marketing. A pesquisa psicográfica apresenta alto custo e a necessidade de pessoas

altamente especializadas, tanto para a coleta como para a análise dos dados. A mudança

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das crenças percepções e valores dos indivíduos tendem a reduzir a confiabilidade dos

resultados a longo prazo.

Ao contrário, a segmentação por estilos de vida tem se mostrado adequada para o

estabelecimento de uma estratégia de marketing. Este tipo de segmentação tem a qualidade

de reunir variáveis demográficas e psicográficas. O método adotado por Zaltzman e Motta

(1996) obedece a uma seqüência de seis passos, que serão apresentados a seguir.

O primeiro passo é a obtenção da escala. O ponto de partida foi o questionário utilizado

por Sorce, Tyler & Loomis (1989). Este questionário era composto por 45 perguntas de

natureza psicográfica, de comportamento de compra, de atitudes, e demográficas. As

perguntas eram respondidas em escalas de cinco pontos - variando de discordo totalmente

até concordo totalmente - e visavam identificar perfis de estilo de vida a partir de oito

parâmetros. Tais parâmetros eram os seguintes: atividade social, atividade física,

comportamento financeiro, orientação familiar, segurança física, vulnerabilidade percebida

à doença, assunção de riscos e autoconfiança.

O segundo passo foi a adaptação do questionário. Houve uma alteração do mesmo, de

modo a melhor adaptá-lo às condições geográficas e culturais do novo público estudado

(do Grande Rio). Tais adaptações foram feitas a partir do julgamento de quatro juízes. A

primeira foi a eliminação da frase que indicava a propensão do respondente a passar parte

do inverno em lugar de clima mais quente. A segunda foi a troca de uma questão sobre

compras em catálogos por outra sobre compras por telefone. A frase que indicava a busca

de conselhos de um profissional de planejamento financeiro foi adaptada para outra

indagando sobre a busca de ajuda de pessoas que entendessem do assunto. Uma única

questão do original que indagava sobre a "satisfação com a vida" foi trocada por três

outras, extraídas de Lumpkin e Hunt (1989). Além disso, foram acrescentadas perguntas de

natureza demográfica. Posteriormente, novas adaptações tiveram que ser efetuadas.

O terceiro passo foi a elaboração e aplicação do questionário. Um pré-teste foi efetuado. A

entrega e recolhimento dos questionários foram feitos pessoalmente. O questionário foi

auto-administrado, e aqueles com questões em branco ou marcação em mais de uma

resposta foram desconsiderados. O índice de aproveitamento foi de aproximadamente 80%

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do total, perfazendo 401 questionários válidos.

A amostra - escolhida por conveniência - era formada por 59% de pessoas do sexo

feminino, com igual percentual de casados. Trinta e dois por cento dos informantes tinham

entre 50 e 59 anos, e 44% tinham entre 60 e 69 anos. Trinta e três por cento dos

informantes eram da classe A, 41% da B, e 26% da C, conforme o antigo critério de

classificação econômica da ABA/ABIPEME. Quarenta e um por cento dos respondentes

tinham curso superior, e 7% primário incompleto. Cinqüenta e seis por cento não

trabalhavam em qualquer atividade remunerada.

O quarto passo foi a avaliação da importância de cada assertiva. Variáveis que

representassem indiferença dos indivíduos pesquisados (grau 3 de média aritmética, dentro

da escala apresentada no primeiro passo) foram identificadas. Para isso, submeteu-se o

conjunto de todas as variáveis psicográficas a um teste de comparação de médias, ao nível

de 5% de significância.

O quinto passo foi o agrupamento de variáveis. As variáveis foram agrupadas, segundo o

processo de Análise dos Fatores, pelo método dos Componentes Principais, aproveitando-

se os fatores que apresentavam autovalores maiores do que 1 e submetendo-se os dados a

uma rotação pelo método Varimax.

O sexto passo foi o grupamento dos respondentes. Através da aglutinação pelo método

hierárquico, foram obtidos cinco segmentos, cada um reunindo pelo menos 10% da

amostra.

Após cinco rodadas de análise de fatores, foram obtidos dez fatores: atividade

social/altruísmo, auto-realização, auto-condescendência, atividade física externa,

orientação para a família, engajamento, insegurança física, orientação para a saúde,

vulnerabilidade percebida a doenças, e controle econômico.

Os dados foram aglutinados, a fim de permitirem uma segmentação da amostra segundo os

perfis. Foram identificados os seguintes segmentos: trabalhadores seguros (13,7% da

amostra), jovens pródigos (10% da amostra), aposentados saudáveis (19,5% da amostra),

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83

instruídos reservados (16,5% da amostra) e ativos despreocupados (40,4% da amostra). Os

autores fizeram recomendações sobre como tais segmentos deveriam ser abordados pelos

profissionais de marketing.

Outro estudo que busca diferenciar o mercado de idosos foi desenvolvido por Greve

(1996). Sua pesquisa visava comparar - na área de lazer - as expectativas dos consumidores

em vias de se aposentar, com a percepção de consumidores já aposentados. Formularam-se

as seguintes hipóteses de pesquisa:

H1: "Não é indiferente a atitude perante o lazer do grupo de pessoas que estão prestes a seaposentar"

H2: "Entre o grupo dos que estão prestes a se aposentar há uma diferença entre a freqüênciade participação antes da aposentadoria e a intenção de freqüência de participação nasmesmas atividades depois da aposentadoria"

H3: "As pessoas já aposentadas não têm uma atitude indiferente perante o lazer"

H4: "Entre os que já estão aposentados a freqüência de participação nas atividades de lazeré diferente antes e depois da aposentadoria"

H5: "A atitude perante o lazer após a aposentadoria é diferente entre o grupo de pessoasprestes a se aposentar e o grupo de pessoas já aposentadas"

H6: "Tanto o grupo de pessoas prestes a se aposentar como o de pessoas já aposentadasdiscordam que gastam ou gastaram um bom tempo planejando a aposentadoria"

H7: "A expectativa da freqüência de participação nas atividades de lazer para aqueles queainda vão se aposentar é diferente da percepção da freqüência de participação nasmesmas atividades para os que já estão aposentados"

H8: "O nível de satisfação com o lazer é diferente entre o grupo de pessoas prestes a seaposentar e o grupo de pessoas já aposentadas"

Os questionários foram distribuídos para duas amostras de idosos do Rio de Janeiro. A

primeira (A), era formada por consumidores de mais idade que estavam prestes a se

aposentar (143 questionários distribuídos), e a segunda (B), era formada por consumidores

de mais idade que já se haviam aposentado (128 questionários distribuídos).

O índice de perda para o questionário A foi de 31% e para o questionário B de 20%. O

questionário consistia de três partes. Na primeira, foram reunidas as assertivas que

buscavam detectar a atitude perante o lazer, segundo os respondentes. Na segunda, foram

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selecionadas 20 atividades de lazer, divididas em três categorias: associação, segurança e

auto-realização. A intenção desta segunda parte era medir a participação e a preferência

dos entrevistados em relação a tais atividades. Na terceira parte, foram selecionadas

questões sócio-demográficas e de satisfação dos respondentes com suas atividades de lazer.

O perfil de cada amostra foi o seguinte:

Distribuição por sexo:

Amostra A Amostra BHOMENS 47% 41%MULHERES 53% 59%TOTAL 100% 100%

Distribuição por estado civil:Amostra A Amostra B

Casados 64% 64%Solteiros 10% 10%Viúvos 7% 14%Separados 19% 12%TOTAL 100% 100%

Distribuição pelo tempo:Amostra A Amostra B

(para se aposentar) (que já se aposentou)Menos de 1 ano 13% 10%1 ano 12% 8%2 anos 19% 12%3 anos 13% 11%4 anos 12% 7%5 anos 15% 11%Mais de 5 anos 16% 41%TOTAL 100% 100%

Os resultados mostraram que as expectativas criadas em relação ao lazer após a

aposentadoria eram mais altas que a situação percebida pelos já aposentados. Os que não

se aposentaram acreditavam que seriam mais independentes, conheceriam mais lugares

novos e teriam mais novas atividades de lazer do que a realidade dos já aposentados

mostrava.

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O quadro abaixo resume os resultados obtidos com relação às freqüências, separadas de

acordo com as categorias pré-estabelecidas:

CATEGORIA MÉDIA21 AMOSTRA A MÉDIA29 AMOSTRA B

Auto-realização 3,62 2,97

Associação 3,39 2,74

Segurança 3,18 2,74

A tabela mostra que a categoria de atividades com maior incidência de participação, nas

duas amostras, é a de auto-realização. O estudo busca descobrir como a passagem da fase

"produtiva", para a aposentadoria afeta o consumo dos indivíduos. A seguir, será

apresentado um terceiro estudo, que busca diferenciar os consumidores de mais idade a

partir das fontes de informação utilizadas para a decisão de compra.

Silva (1994) desenvolveu uma pesquisa com 373 idosos do Grande Rio, baseada no

trabalho de Davis e French (1989), que buscava identificar a influência de algumas

variáveis sobre o processo de escolha - pelos consumidores mais velhos - de fontes de

informação para suas decisões de compra. Os produtos e serviços pesquisados pelo autor

foram: sabonetes, aparelhos de TV, remédios, bancos, supermercados e clínicas. As fontes

de informação foram: propagandas em revistas, jornais, rádio e televisão, opinião de

amigos e parentes, e cartazes de rua.

Os questionários eram auto-aplicáveis, e foram entregues pessoalmente. Por isso, a quase

totalidade dos questionários foi devolvida, sendo que deste total, 20% foram invalidados.

A amostra - escolhida por conveniência - era formada por 60,3% dos respondentes do sexo

feminino, e 39,7% do sexo masculino. Cinqüenta e três por cento dos respondentes tinha

entre 50 e 64 anos, 35% tinha entre 65 e 74 anos, e 11% tinham mais de 75 anos. Trinta

por cento era da classe A, 40% da B, 23% da C, e 7% das classes D e E, conforme o antigo

critério de classificação econômica da ABA/ABIPEME. Sessenta por cento tinha

escolaridade igual ou superior ao segundo grau; 55% era formado de casados e 45% de

pessoas não casadas; 59% não trabalhavam em qualquer atividade remunerada. A seguir,

apresentaremos o resumo dos resultados obtidos por Silva (1994), junto aos informantes

21 Medida numa escala de 5 pontos: de "nunca" (1) a "sempre" (5).

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citados acima.

Com relação à idade, os consumidores mais velhos apresentam uma tendência à baixa

utilização da propaganda em geral, como fonte de informação para as decisões de compra,

e esse nível de utilização tende a ser reduzido com o aumento da idade dos indivíduos,

particularmente no que diz respeito às decisões sobre escolha de bancos, marcas de

sabonetes e de aparelhos de TV. Esta mesma tendência de redução com a idade se verifica

com relação à importância atribuída especificamente à propaganda em jornais, TV e

cartazes de rua.

No que tange à utilização da opinião de amigos ou parentes como fonte de informação para

a compra, esta tendência de redução com a idade se verifica para as decisões de compra

sobre remédios e sabonetes, não podendo ser confirmada para os demais itens de produtos

e serviços investigados nesta pesquisa.

Com relação à natureza da fonte de informação externa (formal ou informal), concluiu-se

que - para os itens de produtos e serviços investigados nesta pesquisa - a opinião de amigos

ou parentes demonstra ter um nível de utilização superior ao da propaganda, como fonte

de informação para as suas decisões de compra. Na escolha de itens como bancos, clínicas

e aparelhos de TV, esta maior utilização da opinião de amigos demonstra ser mais

acentuada.

Com relação ao tipo de mídia utilizada, concluiu-se que a televisão e os jornais

demonstram ser vistos - pelos consumidores mais velhos - como os tipos de mídia de

massa mais importantes como auxílio às suas decisões de compra.

A propaganda na televisão demonstra um nível de utilização como fonte de informação

para as decisões de compra superior à média, e tende a superar os jornais, particularmente

diante dos consumidores com menor grau de instrução. A propaganda nos jornais tende a

apresentar um nível de importância média como fonte de informação de compra.

A propaganda em cartazes de rua (outdoors) é vista pelos consumidores mais velhos como

pouco importante. Este nível de pouca importância não tende a ser alterado em função de

qualquer das variáveis referentes às características dos consumidores, investigadas nesta

pesquisa.

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A propaganda no rádio e nas revistas também tende a ser vista como pouco importante

pelos consumidores mais velhos, mas este nível de importância, assim como para os

jornais e a TV, tende a se alterar em função de algumas das variáveis investigadas nesta

pesquisa. Com relação ao grau de instrução, os resultados encontrados sugerem que o nível

de importância atribuída à propaganda no rádio, como fonte de informação para a compra,

tende a se elevar para os indivíduos mais velhos com menor grau de instrução (inferior ao

1º grau completo). Ao contrário, o nível de importância atribuída à propaganda em revistas

tende a se elevar, para os indivíduos mais velhos com maior grau de instrução (acima do 2º

grau completo).

A utilização da propaganda como fonte de informação para a compra de remédios, parece

aumentar, embora não de forma acentuada, para indivíduos mais velhos com menor grau

de instrução. A utilização da opinião de amigos ou parentes como fonte de informação para

a decisão de compra de sabonetes parece aumentar com o grau de instrução dos indivíduos

mais velhos. Para os demais itens investigados não se verificam alterações na utilização da

propaganda e da opinião de amigos ou parentes, como fonte de informação para a decisão

de compra, em função do grau de instrução dos indivíduos mais velhos.

Com relação à situação de ocupação, concluiu-se que apenas no que se refere à decisão

sobre bancos, há indícios de que a utilização da propaganda, como fonte de informação,

aumenta para os consumidores mais velhos que trabalham. Para os demais ítens de

produtos e serviços investigados, não se percebem influências significativas da situação de

ocupação dos indivíduos em sua utilização de propaganda.

Entre os cinco tipos de mídia investigados, apenas a visão sobre a importância da

propaganda no rádio parece ser influenciada pela situação de ocupação dos indivíduos mais

velhos. Esta importância parece ser maior para os indivíduos que não trabalham. A

situação de ocupação dos indivíduos mais velhos parece não exercer influência sobre a

utilização da opinião de amigos ou parentes como fonte de informação.

Com relação ao tipo de produto ou serviço, a utilização que os consumidores mais velhos

fazem da propaganda e da opinião de amigos ou parentes, como fontes de informação para

a compra, é função do tipo de produto ou serviço envolvido em suas decisões. A utilização

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da opinião de amigos ou parentes demonstra ser mais alta para as decisões sobre serviços

como clínicas, bancos e supermercados e sobre a compra de aparelhos de TV, e média para

a compra de sabonetes. A utilização da propaganda, em geral, demonstra ser média para as

decisões sobre a escolha de supermercados e baixa para todos os demais itens de produtos

e serviços investigados nesta pesquisa.

Com relação ao convívio familiar, os resultados encontrados indicam que a importância

atribuída pelos consumidores mais velhos à propaganda em revistas, jornais, televisão e

rádio é maior para os indivíduos que residem com duas ou mais pessoas do que para

aqueles que residem sozinhos ou com somente mais uma pessoa. No entanto, praticamente

não há indícios de que o número de pessoas com quem os consumidores mais velhos

residem exerça influência sobre sua utilização da propaganda em geral e da opinião de

amigos ou parentes, especificamente nas decisões referentes aos produtos e serviços

investigados na pesquisa.

Com relação à classe social, os resultados revelam indícios de que o nível de importância

atribuída à propaganda nas revistas e jornais é maior para os consumidores mais velhos

pertencentes a classes mais elevadas, enquanto a importância atribuída à propaganda no

rádio aumenta para aqueles que pertencem às classes mais baixas.

Com relação à propensão dos indivíduos a serem experimentadores de novos produtos ou

serviços, a pesquisa indica que os indivíduos mais velhos que apresentam essa

característica, tendem a uma maior utilização da propaganda como fonte de informação

para as decisões de compra sobre todos os produtos e serviços envolvidos nesta pesquisa.

Estes indivíduos atribuem um nível de importância maior do que a média dos indivíduos

mais velhos, para a propaganda em revistas, jornais e rádio. Sua maior utilização da

opinião de amigos ou parentes nas decisões de compra ocorre para sabonetes e clínicas.

Nos demais itens de produtos e serviços investigados nesta pesquisa não se constataram

diferenças no comportamento destes indivíduos, com relação à média dos consumidores

mais velhos.

Os estudos de Zaltzman e Motta (1996), Greve (1996) e Silva (1994), são adaptações de

estudos anteriores feitos nos Estados Unidos, aplicadas ao caso brasileiro. Adotando um

enfoque quantitativo, apresentam uma contribuição importante para a pesquisa dos

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consumidores de mais idade no Brasil, visto que há poucas pesquisas sobre o tema. Na

seção seguinte, serão apresentados estudos com ações de marketing especificamente

voltadas para o público analisado nesta pesquisa.

4.2.2 Ações de marketing específicas para idosos

Kennett, Moschis e Bellenger (1995) desenvolveram um estudo para identificar como

empresas de serviços financeiros estão lidando com as mudanças físicas e psicológicas que

acompanham o processo de envelhecimento. Os autores também procuraram fazer uma

comparação com empresas de outras áreas de atividade, tais como: saúde, habitação,

seguros e atendimento médico de longo prazo.

Foram enviados questionários, contendo 12 estratégias de marketing voltadas para os

idosos, a profissionais ocupando posições de média e alta gerência em empresas que

vendem a esse público-alvo. As estratégias podem ser agrupadas em três subgrupos:

aquelas relacionadas às mudanças fisiológicas, as relacionadas às necessidades psico-

sociais, e as que dizem respeito ao comportamento do consumo.

O primeiro grupo apresenta as seguintes estratégias: disponibilizar a informação em

produtos, prateleiras ou brochuras mais fáceis de ler e entender; mudar o layout, decoração

e iluminação das lojas; treinar o pessoal para ser mais atencioso e informado sobre os

consumidores idosos; oferecer assistência no preenchimento de formulários.

No segundo grupo estão presentes as seguintes estratégias: utilizar modelos mais velhos

nos anúncios; contratar pessoal mais velho; desenvolver produtos destinados a

consumidores de qualquer idade, mas com maior potencial de apelo para adultos mais

velhos.

No terceiro grupo constam as seguintes estratégias: oferecer serviços de assistência

especiais (tais como serviços de courier); abrir lojas ou filiais convenientes para pessoas

mais velhas; atingir os parentes mais jovens dos consumidores idosos, desenvolver

diferentes estratégias para subgrupos deste público-alvo; e oferecer programas de

descontos para idosos. É importante ressaltar que algumas dessas estratégias são

controversas - algumas serão analisadas neste capítulo - e devem ser adotadas com cautela:

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utilizar modelos mais velhos, oferecer programas de descontos e atingir os parentes mais

jovens (alguns idosos podem achar ofensiva a insinuação de que não são capazes de gerir

suas próprias finanças).

Dos dois mil questionários enviados, 495 retornaram completos, sendo 127 de prestadores

de serviços financeiros. O questionário continha perguntas sobre a existência das

estratégias mencionadas anteriormente nas empresas, e a importância atribuída a elas pelos

respondentes. Estes também deveriam informar seu cargo na organização, o setor em que a

empresa atua, e se esta comercializava produtos voltados para o público de idade mais

avançada (91,4% responderam afirmativamente). O uso das estratégias pesquisadas pelas

empresas, e as diferenças entre prestadores de serviços financeiros e de outras áreas está

resumido no quadro a seguir:

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Comparação entre o uso de estratégias voltadas para idosos em prestadores de

serviços financeiros e de outros setores

%

Estratégia Serviços

financeiros

Outros

setores

Oferecer assistência no preenchimento deformulários

81,6 74,18a

Desenvolver produtos atraentes para consumidoresmais velhos

80 69,9a

Oferecer programas de descontos para idosos 77,8 50,0a

Tornar a informação mais fácil de ler/entender 75,6 80,9a

Treinar pessoal para ser mais atencioso 74,8 79,8a

Contratar pessoal mais velho 59,7 56,7

Desenvolver estratégias para subgrupos de idosos 58,7 59,0

Utilizar modelos mais velhos 52,7 62,2

Oferecer serviços de assistência especiais 48 60,7a

Abrir loja conveniente para pessoas mais velhas 46,4 30,8a

Atingir os parentes mais jovens dos idosos 41,9 67,0a

Mudar o layout, a decoração, iluminação, etc. 27,2 43,4a

a Diferença significativa estatisticamente, baseada em análise qui-quadrado, com nível designificância de 5%.

Fonte: Kennett, Moschis e Bellenger (1995).

O quadro indica que, das doze estratégias pesquisadas, apenas oito são utilizadas por mais

de 50% prestadores de serviços financeiros, em comparação a dez estratégias em outras

indústrias. Apenas quatro estratégias eram utilizadas mais intensivamente por empresas do

primeiro grupo, contra cinco estratégias em empresas não financeiras.

Os prestadores de serviços financeiros são mais propensos a: oferecer assistência no

preenchimento de formulários, desenvolver produtos atraentes para os consumidores mais

velhos, oferecer programas de descontos para idosos e abrir lojas convenientes para

pessoas mais velhas. Por outro lado, empresas não financeiras são mais propensas a: tornar

a informação mais fácil de ler e entender, treinar pessoal para ser mais atencioso, atingir os

parentes mais jovens dos idosos, oferecer serviços de assistência especiais e mudar o

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layout das lojas. A utilização de modelos mais velhos, pessoal mais velho, e estratégias

para atingir subgrupos dos idosos não diferem significativamente entre os dois tipos de

empresa estudados.

A pesquisa também abordou a importância percebida das estratégias, por parte dos

executivos. Todas as estratégias foram classificadas como importantes por pelo menos

40% dos informantes. Entretanto, houve diferenças entre as respostas de executivos de

empresas financeiras e de outras áreas. Sempre que houve diferenças, os executivos do

segundo grupo consideraram a estratégia mais importante que seus pares do primeiro

grupo. O quadro, a seguir, resume os resultados:

Comparação entre importância percebida do uso de estratégias voltadas para idosos

em prestadores de serviços financeiros e de outros setores

%

Estratégia sendo julgada Serviços

financeiros

Outros

setores

Treinar pessoal para ser mais atencioso 93,3 93,0

Oferecer assistência no preenchimento deformulários

85,6 83,8

Desenvolver produtos atraentes para consumidoresmais velhos

83,1 77,4

Tornar a informação mais fácil de ler/entender 82,4 91,5a

Desenvolver estratégias para subgrupos de idosos 79,8 77,0

Abrir loja conveniente para pessoas mais velhas 70,9 62,3

Oferecer programas de descontos para idosos 65,3 85,5a

Utilizar modelos mais velhos 64,4 73,8

Oferecer serviços de assistência especiais 62,7 75,2a

Atingir os parentes mais jovens dos idosos 54,7 72,4a

Mudar o layout, a decoração, iluminação, etc. 47,8 62,3a

Contratar pessoal mais velho 44,8 55,3a Diferença significativa estatisticamente, baseada em análise qui-quadrado, com nível designificância de 5%.

Fonte: Kennett, Moschis e Bellenger (1995).

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A tabela, a seguir, indica a diferença entre os percentuais de respondentes que

consideraram uma estratégia importante e o percentual de empresas que utilizam a

estratégia, nas empresas de serviços financeiros. Uma diferença positiva indica a

oportunidade de maior utilização da estratégia, visto que o número de indivíduos que

consideram a estratégia importante é maior que o número de organizações que a utiliza.

Uma diferença negativa indica que pode estar havendo utilização excessiva da estratégia:

Diferença entre importância e uso das estratégias selecionadas em empresas de

serviços financeiros

Estratégia sendo analisada % que considerou aestratégia importantemenos % efetivamenteutilizando a estratégia

Abrir loja conveniente para pessoas mais velhas 24,5

Desenvolver estratégias para subgrupos de idosos 21,1

Mudar o layout, a decoração, iluminação, etc. 20,6

Treinar pessoal para ser mais atencioso 18,5

Oferecer serviços de assistência especiais 14,7

Atingir os parentes mais jovens dos idosos 12,8

Utilizar modelos mais velhos 11,7

Tornar a informação mais fácil de ler/entender 6,8

Oferecer assistência no preenchimento de formulários 4,0

Desenvolver produtos atraentes para consumidores maisvelhos

3,1

Oferecer programas de descontos para idosos -12,5

Contratar pessoal mais velho -14,9

Fonte: Kennett, Moschis e Bellenger (1995).

Essa pesquisa mostra que há muitas ações que os executivos das empresas financeiras

consultadas podem fazer para melhorar o atendimento aos idosos. Kilsheimer e Goldsmith

(1991) realizaram um estudo sobre o padrão de consumo dos idosos através de marketing

direto. O trabalho investiga especificamente as encomendas através de catálogos e

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telefone, e ajuda a identificar se os idosos são mais ou menos propensos a consumirem

através desses canais de distribuição, em relação a outros grupos.

Poucos estudos examinaram o consumo de idosos através de marketing direto, e a maioria

indica que este grupo não é formado por usuários que utilizam assiduamente dessa forma

de comercialização. Mason e Smith (1991) estudaram idosos de baixa renda e descobriram

que 79% deles não compravam através de marketing direto. Mason e Bearden (1991)

fizeram uma pesquisa com 110 idosos, e apenas 26,4% deles concordaram com a

afirmação de que pessoas mais velhas freqüentemente compram através de catálogo.

Barnes e Peters (1991) realizaram um estudo e descobriram que 74,9% dos pesquisados

nunca compraram pelo correio e 81,6% nunca compraram pelo telefone.

Kilsheimer e Goldsmith (1991) compraram uma lista da empresa Best Mailing List.

Consumidores de quatro estados (California, Georgia, Massachusetts e Ohio), além do

Distrito de Columbia, foram pesquisados. A lista continha 2.500 famílias de brancos e

2.645 famílias de negros, com renda anual entre 20 e 70 mil dólares (classe média). O

número de famílias de negros foi maior, porque esse grupo tem uma menor taxa de retorno

de questionários. Esforços foram feitos no sentido de garantir um alto grau de retorno.

O questionário foi pré-testado e continha questões demográficas, sobre freqüência de

compras em lojas de departamento, lojas de desconto, por catálogo ou telefone, em um

período de três meses. Também havia questões sobre o uso de crédito. Dos 5.145

questionários enviados, houve um retorno de 607 questionários válidos. A amostra era

formada por 47,5% de homens e de 52,5% de mulheres, com 66,7% de brancos e 33,3% de

negros. As idades variavam de 20 a 92 anos, com média de 45,2 anos, desvio padrão de

15,8 anos, e mediana de 42,3 anos. Cinqüenta e oito por cento da amostra era casada.

Quarenta por cento apresentava renda familiar superior a 50 mil dólares, 54% alegava

possuir diploma superior ou pós-graduação. A tabela, a seguir, resume alguns dos

resultados obtidos:

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Freqüência no uso de diferentes canais de distribuição

(% de cada grupo)

CANAL 3+ 2 1 0

Correio

65+ 9,9 11,0 20,9 58,2

64- 11,9 11,5 16,0 60,6

Total 11,6 11,4 16,8 60,2

Telefone

65+ 11,0 9,9 7,7 71,4

64- 9,3 8,9 14,3 67,5

Total 9,6 9,1 13,3 68,1

Loja dedescontos65+ 37,1 19,1 10,1 33,7

64- 48,5 13,8 7,6 30,1

Total 46,7 14,6 8,0 30,7

Loja dedepartamentos65+ 51,6 17,6 6,6 24,2

64- 59,3 15,9 8,7 16,1

Total 58,1 16,2 8,4 17,3

Fonte: Kilsheimer e Goldsmith (1991).

A tabela indica que o padrão de consumo entre consumidores maiores e menores de 65

anos é semelhante. Testes não indicaram diferenças, ao nível de significância de 5%. As

compras através de catálogo e telefone são menos freqüentes em todas as faixas etárias. Os

autores também dividiram a amostra entre negros e brancos, e não encontraram diferenças

significativas, a não ser nos já conhecidos dados demográficos referentes a educação e

renda.

Kilsheimer e Goldsmith (1991) aprofundaram a análise, dividindo a amostra em 4 faixas de

idade: entre 18 e 34 anos, entre 35 e 54 anos, entre 55 e 64 anos e maior de 65 anos. Os

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resultados indicaram que havia significativas diferenças de renda e escolaridade, com os

consumidores mais velhos apresentando níveis mais baixos em ambos fatores. Os

consumidores mais velhos também apresentavam uma freqüência mais baixa a lojas de

departamento. Mas com relação a lojas de desconto, compras por catálogo ou telefone, a

análise estatística continuou mostrando que não há diferenças significativas, entre as

diferentes faixas etárias. O mesmo ocorreu com relação ao número de cartões de crédito

possuídos.

A pesquisa indica que, apesar de os idosos comprarem mais através dos canais tradicionais

de distribuição, não são consumidores menos ativos que os mais jovens quando se trata de

marketing direto. Por isso, as empresas que utilizam as vendas diretas devem considerar o

potencial de crescimento e a importância dos consumidores mais velhos em suas

estratégias de marketing.

Lunsford e Burnett (1992) desenvolveram uma análise das barreiras de adoção de novos

produtos pelos idosos. Os autores iniciam seu artigo apontando para as dificuldades

crescentes que envolvem o lançamento de novos produtos. Apontam a especial dificuldade

em fazer o mercado de idosos adotar inovações. Quando esse público adota uma inovação,

tal como caixa eletrônico, calculadoras, vídeo cassetes e TV a cabo, em geral ele é o último

a fazê-lo.

Lunsford e Burnett (1982) apontam uma série de razões que podem explicar a resistência

dos consumidores idosos em adotar inovações: o novo produto pode ser incompatível com

as limitações fisiológicas que acompanham o envelhecimento; a inovação do produto pode

ser tecnologicamente avançada, mas não demonstrar benefícios claros ao consumidor; a

imagem do novo produto pode ser inconsistente com a auto-imagem do idoso; os valores

dos idosos podem ser conflitantes com os valores dos mais jovens, que são o alvo

preferencial da maioria dos anúncios; os idosos são avessos a risco.

À medida em que se envelhece, ocorrem significativas reduções na capacidade dos

sentidos e na força muscular. Maçanetas arredondadas, por exemplo, podem ser um

inconveniente para usuários que sofram de artrite. A General Motors já lançou um modelo

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- o Chevrolet Caprice - com uma série de características que o tornavam mais atraente ao

público de idosos.

Alguns produtos podem ter benefícios claros para o público mais jovem, mas não para o

mercado de idosos. Um exemplo é a secretária eletrônica, que possui um grau de

penetração muito maior entre o mercado mais jovem. Isto ocorre porque os idosos possuem

um estilo de vida bem menos frenético que o dos jovens, e por isso a utilidade do produto

para o público mais velho é menor.

Os idosos também podem rejeitar lançamentos de produtos cujas imagens não estejam de

acordo com a imagem que eles têm de si próprios. Existe uma parcela dos idosos - os new

age - que possuem uma idade cognitiva inferior à idade cronológica, ou seja, sua auto-

imagem é de alguém mais jovem do que eles são realmente. Alguns profissionais de

marketing estão atentos a este fenômeno, e utilizam modelos dez a quinze anos mais

jovens que o público-alvo. Greco (1989) enfatiza esse ponto, e destaca que a atual geração

de idosos é mais saudável e ativa que as gerações passadas. Com isso, esse grupo tende a

se identificar mais com os grupos de meia-idade, e as diferenças de consumo entre os dois

públicos tenderá a diminuir.

O comportamento de compra dos idosos é afetado por seus valores, formados ao longo de

toda uma vida de experiências. Lunsford e Burnett (1982) citam alguns valores comuns a

muitos idosos norte-americanos: a frugalidade (em virtude da Grande Depressão), o

trabalho duro e a lealdade. A frugalidade faz com que os consumidores sejam menos

suscetíveis de cederem a impulsos e gastarem dinheiro com supérfluos. Muitos desses

consumidores sente orgulho em serem leais a algumas marcas, e valores como esses devem

ser analisados com cuidado quando uma empresa planejar o lançamento de um novo

produto.

Os idosos em geral são avessos a riscos, que podem ser classificados em três categorias:

risco físico, risco econômico e risco funcional. O risco físico ocorre quando o idoso avalia

drogas ou outros produtos de saúde. O risco econômico torna-se uma preocupação quando

o consumidor percebe que o produto representa um significativo investimento financeiro.

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98

O risco funcional aparece quando o idoso teme que o produto não terá uma performance

como a planejada. A complexidade dos produtos aumenta o risco funcional.

Lunsford e Burnett (1992) sugerem dez estratégias que podem ser utilizadas para minorar

as barreiras à adoção de inovações pelos idosos. A primeira é desenhar produtos que levem

em conta as limitações físicas dos idosos, mas que não comuniquem estas limitações para

os outros. A Whirlpool lançou uma série de produtos para cozinha com características que

tornavam seu uso mais fácil para idosos. Entretanto, estes consumidores ficaram insultados

ao se reconhecerem como o público-alvo. Posteriormente, a empresa adotou as

modificações para toda suas linhas de produtos, e direcionou os anúncios também para

crianças mais velhas que auxiliam nas tarefas domésticas.

A segunda estratégia é enfatizar o valor dos produtos para os idosos. Conforme apontado

no modelo das categorias de experiência, as pessoas de idade mais avançada tendem a

valorizar mais as experiências e menos os bens materiais, em relação às pessoas mais

jovens, e por isso são menos propensas a comprar um produto apenas porque é novo. A

Airstream, uma empresa que produz trailers, usa essa estratégia, ao enfatizar a

durabilidade e qualidade de design, e ao incentivar a socialização em viagens de grupo.

A terceira estratégia é comunicar aos idosos através de seus filhos e netos. À medida em

que as pessoas se aposentam, tendem a ver seus círculos de relacionamento mais restritos,

e a ficarem mais isolados. A difusão de informações através do "boca-a-boca" pode ser

utilizada no lançamento de novos produtos. Um exemplo é o serviço Family and Friends

da MCI, empresa de telefonia. Este serviço apresentava descontos nas ligações para

pessoas pré-designadas. As propagandas usadas para promover o produto mostravam uma

casa cheia de parentes em torno de um telefone, para parabenizar uma senhora por seu

centésimo aniversário.

A quarta estratégia é segmentar o mercado pelo estilo de vida. Os idosos new age, por

exemplo, são menos avessos a risco que os demais segmentos de idosos. A Terra Nova

Films lançou três vídeos para os idosos, atingindo diferentes segmentos. O Senior Shape

Up é uma fita de aeróbica para iniciantes. Tai Chi apresenta exercícios, meditação, e defesa

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pessoal para idosos interessados em exercícios e educação. O terceiro vídeo, Arthritis

Exercise, é voltado para aqueles que sofrem de artrite crônica.

A quinta orientação é evitar estereótipos na comunicação, como o velhinho com problemas

de audição. A auto-imagem dos idosos tende a ser de alguém mais jovem, saudável e ativo

do que sua idade cronológica sugeriria. A Wrigley, uma fabricante de balas, utilizou um

casal de meia idade em um ambiente romântico para promover seu produto Freedom, um

chiclete que não gruda em dentaduras.

A sexta recomendação é construir uma imagem de marca ou produto que seja coerente com

os valores dos idosos. Entre estes valores se destacam a frugalidade e o trabalho duro, que

contrastam com o individualismo e consumismo dos baby boomers. O McDonald's, por

exemplo, produziu anúncio - nos Estados Unidos - mostrando o primeiro dia de trabalho

de um senhor de idade em uma de suas lojas. A rede é conhecida naquele país como

patrocinadora da produtividade da terceira idade.

A sétima estratégia é tornar mais fácil as comparações entre os produtos. Os consumidores

idosos muitas vezes se interessam por novos produtos, e buscam informações sobre os

mesmos, mas acabam não comprando pela complexidade de opções e variedades que

caracterizam uma escolha. Para romper essa barreira, as empresas devem desenvolver

programas que reduzam esta complexidade. A Wyeth-Ayerst Laboratories produz o

Premarim, uma droga para mulheres maiores de 50 anos que sofrem de osteoporose. As

consumidoras são incentivadas a fazer ligações gratuitas para tirarem dúvidas sobre a

saúde e o produto. Aquelas que ligam recebem brochuras e vídeos.

A estratégia seguinte é utilizar marketing de relacionamento. Os consumidores mais velhos

normalmente avaliam suas compras com cuidado e sem pressa, resistindo a abordagens que

os façam sentir apressados ou tentem vender por impulso, sem as informações adequadas.

Os idosos querem fazer negócios com empresas nas quais eles confiam. A Medicine

Shoppe, uma rede de drogarias de St. Louis, teve sucesso ao gerar relacionamentos

duradouros com seus clientes. Farmacêuticos visitam os clientes para fazerem

apresentações sobre a saúde e responder perguntas sobre medicamentos, e alguns exames

são oferecidos.

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A nona estratégia é promover ativamente a experimentação do produto. Como os idosos

são avessos a riscos, os profissionais de marketing não devem assumir que esse público vai

apreciar experimentar algo novo. O marketing direto pode ser utilizado para promover esta

experimentação. O catálogo Comfortably Yours, com produtos especialmente voltados para

pessoas idosas, apresenta descrições detalhadas de seus produtos, é impresso em formato

grande e dispõe de uma política liberal de garantia de satisfação. Estas características

reduzem o risco de uma experimentação. A amostragem ou demonstração do produtos são

outros recursos que podem ser utilizados para incentivar a compra.

A última recomendação é enfatizar os benefícios do produto, em detrimento de seu aspecto

de novidade. Os autores defendem que o pior posicionamento possível para um produto é

como substituto de algo que o idoso já possui. A O-Cedar, produz uma escova para

limpeza de banheiro que diminui a necessidade de que o usuário se curve e se estique. A

empresa não posicionou o produto como um substituto para os outros já existentes, mas

como uma possibilidade de eliminar os aspectos desagradáveis da limpeza de banheiro.

Spiller e Hamilton (1993) desenvolveram uma pesquisa quantitativa sobre programas de

descontos junto a 374 mulheres maiores de 65 anos na Grande Kansas City, obtendo

conclusões interessantes. A primeira delas é que o perfil demográfico dos usuários

assíduos destes programas é diferente do perfil dos usuários leves e não usuários. O

primeiro grupo tende a: ser casado, possuir saúde boa ou excelente22, ter alta escolaridade,

habitar em moradias próprias ou complexos para aposentados e ter alto nível de satisfação

pessoal22. Já o segundo grupo é formado majoritariamente por pessoas: não casadas, não

saudáveis22, com nível de escolaridade mais baixo (segundo grau ou menos), que vivem

em asilos ou enfermarias, e têm baixo nível de satisfação pessoal22.

22 Baseado em auto-avaliação.

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A segunda é que consumidores idosos que usam os programas de desconto com alta

intensidade tendem a tirar vantagem desse tipo de benefício em todos os tipos de produtos

e serviços, ao contrário do que ocorrem com os usuários que raramente utilizam estes

programas.

Os autores chegaram a várias outras conclusões. A primeira delas é que os consumidores

idosos insatisfeitos com a vida tendem a ser usuários leves dos programas de descontos em

todas as categorias de produtos e serviços. Além disso, os consumidores idosos que alegam

possuir boa saúde tendem a ser usuários mais assíduos de programas de descontos em

serviços supérfluos, como entretenimento e turismo, mas não de serviços necessários,

como alimentação, em relação a consumidores menos saudáveis.

Os autores também observaram que os consumidores idosos com maior nível de

escolaridade tendem a usar descontos para turismo mais intensamente do que

consumidores com menor tempo de estudo. Aqueles que residem em habitações que

permitam maior independência tendem a ser maiores usuários de descontos em todos os

tipos de produtos e serviços, em relação aos consumidores que vivem em habitações onde

há menor independência.

Outra conclusão é que o uso de descontos para entretenimento ou uso de medicamentos

aumenta em relação direta com a ascensão ao longo da escala social. A análise fatorial

indicou duas categorias principais de usuários dos programas de descontos: aqueles que os

utilizam para as "necessidades" da vida: compras em supermercados, de medicamentos e

restaurantes, e aqueles que os utilizam para os "luxos": entretenimento e turismo.

Como existem diferentes tipos de consumidores de terceira idade, diferentes estratégias de

marketing podem ser utilizadas para atingir esse público alvo. Como resultado das

conclusões acima mencionadas, os autores recomendam duas estratégias para atingir os

consumidores de terceira idade, descritas a seguir.

A primeira é focar nos consumidores atuais. Os consumidores atuais são os mais propensos

a responderem a propaganda, devido ao vínculo já estabelecido com as empresas. A

emissão de um cartão na ocasião da primeira compra, e ações de database marketing

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permitem que ações bem direcionadas sejam postas em prática, com pouco desperdício.

A segunda estratégia é focar em clientes potenciais. Estes clientes tendem a ser aqueles

com perfil similar ao dos consumidores atuais. Nos Estados Unidos, existem várias bases

de dados que podem ser adquiridas, e os dados podem então ser analisados e ações de

marketing tomadas para alcançar os consumidores selecionados. Dependendo da

capilaridade das empresas, diferentes mídias podem ser utilizadas para atingir estes

consumidores.

Como os usuários assíduos utilizam os programas de descontos no consumo de diferentes

produtos e serviços, promoções conjuntas são uma boa alternativa para as empresas. Um

exemplo é o programa Golden Buckeye em Ohio. Neste programa, os idosos recebem

descontos de 5 a 50% em uma vasta lista de produtos e serviços. Em 1982, havia 32 mil

empresas participando do programa.

Algumas limitações do estudo, levantadas pelos próprios autores, são o fato de que o

mesmo foi conduzido apenas entre mulheres, e entre instituições e pessoas que fossem

voluntárias. Tais fatos podem gerar consideráveis vieses.

Alexander (1994) realizou uma pesquisa partindo da escala utilizada por Lumpkin e Hunt

(1989). Esses autores utilizaram uma escala para testar as diferenças na importância

atribuída por dois grupos distintos de consumidores mais velhos - dependentes e

independentes em termos de mobilidade - aos diferentes fatores de conveniência das lojas.

A escala adaptada é composta por 14 fatores agrupados em três categorias: mobilidade,

aspectos físicos e localização dos produtos no interior das lojas.

O grau de importância atribuído a cada um dos fatores foi medido em uma escala de 5

pontos, variando de "nenhuma importância" (1), a "extrema importância" (5). O

questionário foi adaptado para refletir a realidade brasileira. As hipóteses de pesquisa

foram as seguintes:

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Hipótese principal:

H1: "Os fatores de conveniência interna das lojas são importantes para os consumidoresmais velhos".

Hipóteses auxiliares:

H2: "A mobilidade dentro da loja é um aspecto importante"

H3: "Os aspectos físicos dentro da loja são um fator importante"

H4: "A localização dos produtos na loja é um aspecto importante"

H5: "A rapidez na hora de pagar é um fator importante"

H6: "A facilidade para entrar e sair das lojas é um fator importante"

H7: "A ausência de filas nas lojas é um fator importante"

H8: "Espaços amplos e corredores largos dentro da loja são um fator importante"

H9: "Loja sem aglomeração é um fator importante"

H10: "Etiquetas e tabelas de preço legíveis são um fator importante "

H11 "Banheiros à disposição dos clientes são um fator importante"

H12: "Ar condicionado na loja é um fator importante"

H13: "Decoração atraente e confortável é um fator importante"

H14: "Locais para descanso dentro da loja são um fator importante"

H15: "A arrumação dos artigos de modo a facilitar a sua localização é um fator importante"

H16: "Funcionários que ajudem a encontrar os artigos na loja são um fator importante"

H17: "A loja ser pequena, para que os artigos possam ser encontrados mais facilmente, éum fator importante"

H18: "A pequena variedade de artigos, de modo que os mesmos sejam encontrados maisfacilmente, é um fator importante"

H19: "A importância atribuída aos diversos itens de conveniência interna das lojas édiferente entre aqueles que têm 50 a 59 anos, 60 a 69 anos e 70 anos ou mais"

H20: "A importância atribuída aos diversos itens de conveniência interna das lojas é

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diferente entre homens e mulheres"

H21: "A importância atribuída aos diversos itens de conveniência interna das lojas édiferente entre as pessoas casadas e as não-casadas"

H22: "A importância atribuída aos diversos itens de conveniência interna das lojas édiferente entre pessoas que se sentem mais jovens do que realmente são e aquelasque percebem ter sua idade cronológica ou mais"

Os questionários eram auto-aplicáveis, e foram entregues e recolhidos pessoalmente a

idosos do Grande Rio. Foram recebidos 411 questionários válidos, o que corresponde a

aproximadamente 80% do total distribuído.

A amostra era composta por 41% de informantes do sexo masculino, e 59% de mulheres.

33% tinham entre 50 e 59 anos, 43% entre 60 e 69 anos e 24% tinham 70 anos ou mais;

33% eram da classe A, 40% da classe B e 27% da classe C (segundo o antigo critério

ABA/ABIPEME), 59% eram casados, 9% solteiros, 21% viúvos e 11% separados.

Os resultados mostram que a principal categoria é a mobilidade no interior das lojas. A

segunda categoria em importância são os aspectos físicos dentro da loja. A terceira

categoria, localização dos produtos dentro da loja, teve dois de seus quatro fatores

considerados importantes, e dois não. Apenas as seguintes hipóteses foram rejeitadas, ao

nível de significância de 5%:

H14: "Locais para descanso dentro da loja são um fator importante"

H17: "A loja ser pequena, para que os artigos possam ser encontrados mais facilmente, éum fator importante"

H18: "A pequena variedade de artigos, de modo que os mesmos sejam encontrados maisfacilmente, é um fator importante"

H21: "A importância atribuída aos diversos itens de conveniência interna das lojas édiferente entre as pessoas casadas e as não-casadas"

H22: "A importância atribuída aos diversos itens de conveniência interna das lojas édiferente entre pessoas que se sentem mais jovens do que realmente são e aquelasque percebem ter sua idade cronológica ou mais"

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Este é mais um estudo quantitativo que contribui para o entendimento do mercado de

idosos do Brasil, ajudando a preencher a lacuna existente sobre o tema. A seção seguinte

analisará estudos sobre a comunicação de marketing voltada para os consumidores de

terceira idade.

4.2.3 A comunicação de marketing voltada para os idosos

Schewe (1989) faz uma série de recomendações que os profissionais de marketing devem

seguir para que a comunicação com a população idosa seja mais efetiva, tendo em vista a

natural redução da capacidade dos órgãos sensitivos dessa população. Vários exemplos

desta redução podem ser citados: a perda de acuidade visual, a dificuldade em se adaptar a

mudanças bruscas de luminosidade, a perda da capacidade de distinguir tons agudos, a

redução na capacidade de compreender partes de palavras ou palavras completas. Todos

esses problemas afetam o modo como os idosos recebem as mensagens, e por isso devem

ser levados em consideração para os que pretendem comunicar-se com esse grupo. As

recomendações são subdivididas em duas categorias: a primeira relacionada à questão da

percepção e aprendizado, e a segunda relacionada à memória.

Todos os estímulos que os sentidos captam são traduzidos em informações que são

processadas pelo cérebro. À medida em que as pessoas envelhecem, a coordenação de

informações obtidas dos diferentes sentidos vai sendo afetada. A primeira das

recomendações relacionadas à percepção e aprendizado é: manter a mensagem simples e

enxuta. Segundo Schewe (1989), as pessoas idosas têm dificuldade em distinguir estímulos

relevantes e irrelevantes em uma comunicação. Além disso, os idosos demoram mais a

processar as informações. Logo, as informações menos relevantes de uma mensagem

podem ser uma fonte de distração para esse público, reduzindo a eficiência da

comunicação.

Outra recomendação é: manter o conteúdo familiar da mensagem. A repetição da

exposição a estímulos reduz o esforço necessário para recuperar os conteúdos da memória

que são utilizados na interpretação de mensagens. Isso é ainda mais verdadeiro quando se

trata de tarefas de processamento complexas. Mensagens e elementos de comunicação

familiares aos idosos são mais efetivas, pois a experiência contrabalança os efeitos

negativos do envelhecimento, deixando os idosos mais seguros e confortáveis.

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A terceira recomendação que Schewe (1989) faz é: dar preferência a apelos racionais, em

detrimento dos emocionais. A capacidade de resolução de problemas cai à medida que se

envelhece, e resulta em uma menor habilidade de extrair significado de abstrações. Como

as emoções são eminentemente abstratas, devem ser preteridas em relação a informações

mais concretas.

Outra sugestão do autor é: tornar explícita a argumentação central. Extrair inferências de

uma mensagem demanda mais esforço, inclusive de recuperação de informações. Logo, é

preferível usar linguagem explícita, com palavras específicas, de modo a tornar a

mensagem mais efetiva.

A recomendação seguinte é: utilizar figuras e outros recursos visuais para facilitar o

aprendizado. Segundo Schewe (1989), pesquisas indicam que estímulos visuais melhoram

o recall, tanto de pessoas jovens como idosas. Outras pesquisas mostram que a memória

visual cai de forma menos acentuada que a memória verbal, logo o uso de figuras é mais

eficiente que o uso apenas de palavras. A combinação dos dois elementos de comunicação

parece ser a fórmula mais eficiente.

O pesquisador também recomenda que, ao apresentar uma série de argumentos, o intervalo

entre eles deve ser maior. Conforme mencionado anteriormente, à medida que as pessoas

envelhecem, necessitam de um tempo maior para processar as informações. Com isso,

quando uma mensagem contém uma série de informações e o intervalo entre elas é muito

curto, existe o risco de os idosos não absorverem as informações posteriores.

A última recomendação relativa ao aspecto da percepção e aprendizado é utilizar mídia

impressa, em detrimento de mídias como rádio e televisão. O ritmo da aquisição de

informações pode ser dado de forma externa ou interna. No primeiro tipo, uma fonte

externa ao controle do indivíduo dita o ritmo de apresentação da informação, ao passo que

no segundo o próprio indivíduo controla o ritmo. À medida em que se envelhece,

aumentam as dificuldades no aprendizado quando o ritmo é externo, como é o caso da

televisão e do rádio. Nestas mídias, a informação costuma ser comprimida em um curto

espaço de tempo. Já no caso da mídia impressa, o indivíduo dita o ritmo, tornando a

comunicação mais efetiva. O artigo é anterior à propagação da Internet, mas nesta mídia

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podemos observar que o ritmo é ditado tanto de forma interna (na escolha de menus e

hiperlinks), quanto externa (uso de imagens animadas).

A segunda categoria de recomendações diz respeito à memória. O sistema de memória lida

com o reconhecimento e recuperação de eventos anteriores, imagens, palavras e outros

tipos de estímulo, servindo de base para as interações com o ambiente. A memória pode

ser de dois tipos: de curto e longo prazo. Schewe (1989) defende que não ocorre perda da

memória de longo prazo, à medida em que se envelhece. O autor argumenta que ocorre

perda apenas na memória de curto prazo, e só no que diz respeito a novas informações, não

ocorrendo perda nas informações previamente armazenadas.

A memória está associada às habilidades de reconhecer e recuperar informações. O

segundo tipo requer mais esforço, e por isso está mais sujeito à decadência decorrente do

envelhecimento. Duas hipóteses principais tentam explanar a relação entre perda de

memória e envelhecimento. A primeira é a hipótese de deficiência na produção. Segundo

Cole e Houston (1987), esta hipótese sugere que os idosos por algum motivo desconhecido

não codificam a informação de modo tão profundo quanto os jovens, apesar de serem

capazes disso. A outra hipótese é a de deficiência no processamento. Ela sugere que os

idosos sofrem de uma incapacidade de decodificar algumas informações de modo mais

profundo.

A primeira recomendação de Schewe (1989), associada à questão da memória, é que

estímulos visuais e verbais são melhores que sílabas sem sentido, muito utilizadas em

anúncios e nomes (tais como Unisys, por exemplo). A recomendação seguinte é auxiliar as

tarefas relacionadas com a memória oferecendo instruções para o armazenamento da

informação. Um anúncio como: "Lembre de seu produto Tal, a versão atual se parece com

ele!", ensina como organizar a informação, facilitando o funcionamento da memória. A

última dica é usar mensagens que promovam um alto grau de envolvimento ou relembrem

experiências agradáveis passadas. Assuntos relacionados à família, saúde, ou cumprimento

de tarefas envolvem este grau de envolvimento. Quanto mais agradável a memória para o

indivíduo, mais facilmente ela será recuperada.

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Day e Stafford (1997) desenvolveram uma pesquisa para testar a avaliação dos

consumidores jovens sobre a utilização de dois recursos para atrair idosos em anúncios do

varejo: descontos para consumidores de terceira idade e/ou modelos idosos. As empresas

de varejo, em geral, atuam mais a nível geográfico do que etário, e o estudo tem por

objetivo explorar os problemas que os anunciantes podem ter com consumidores mais

jovens ao usar "pistas"23 atraindo consumidores de terceira idade.

A pesquisa teve um caráter exploratório, ou seja, hipóteses não foram testadas. Foram

utilizadas tanto técnicas quantitativas quanto qualitativas. A amostra foi composta de 126

estudantes de nível universitário, de duas universidades, que participaram espontaneamente

do estudo. Um profissional de propaganda foi contratado para elaborar os anúncios (de

jornal) e os serviços escolhidos foram o de revelação de filmes e restaurante. O primeiro

tem um caráter mais funcional, e o segundo mais ligado à imagem; desse modo, foram

analisados serviços menos ou mais sujeitos à influência de grupos de referência.

As variáveis independentes foram: tipo de serviço (mais ou menos visível), idade dos

modelos no anúncio (jovens ou idosos) e desconto para idosos (ausente ou presente). As

variáveis dependentes foram: atitude com relação ao anúncio (Aad), atitude com relação ao

serviço (Aserv), intenção de compra acompanhado de amigo (PIf) e intenção de compra

acompanhado de amigo mais velho da família (PIo). Os resultados da pesquisa serão

apresentados a seguir.

As estatísticas (F-values) não foram significativas para Aad, Aserv e PIo, mas o foram para

PIf, ou seja, a intenção de compra parece ser afetada pela companhia de amigos jovens.

No caso da loja de revelação, a intenção de compra permaneceu inalterada. Mas no caso do

restaurante, a intenção de compra é significativamente menor quando o anúncio apresenta

modelos mais velhos. A ilustração tem efeito com relação ao serviço mais "visível" e não

tem com relação ao menos "visível", quando jovens adultos consideram freqüentar um

estabelecimento na companhia de outros jovens adultos.

23 "Cues" no original.

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A análise qualitativa produziu insights para os resultados quantitativos. Os anúncios de

serviços mais "visíveis", relacionados à imagem, tiveram mais respostas relacionadas à

mensagem, ao passo em que os anúncios de serviços mais utilitários tiveram mais respostas

ligadas ao anúncio em si.

A chamada sobre descontos para idosos nos anúncios teve comentários positivos a seu

respeito, ao passo em que as fotos com modelos idosos geraram comentários negativos no

caso do restaurante. Os entrevistados identificaram o uso dos modelos idosos como um

sinal de que este é o público-alvo do restaurante, e por isso não desejariam freqüentá-lo.

Tal não ocorreu com relação à loja de revelação de filmes. De modo consistente com a

análise quantitativa, os resultados da pesquisa qualitativa revelam que os pesquisados têm

uma atitude negativa com relação ao uso de modelos idosos no caso de serviços "visíveis",

o mesmo não ocorrendo em relação aos serviços mais utilitários.

Isto pode ocorrer porque os consumidores não querem projetar uma falsa auto-imagem, ao

freqüentar locais que não correspondem a essa imagem. Ou também porque os

consumidores não querem compartilhar a experiência de consumo com pessoas diferentes

das de seu grupo de referência.

O estudo apresenta algumas limitações. Os estudantes selecionados podem não ser

representativos de toda a população de adultos jovens. Entretanto, se qualquer segmento do

mercado de adultos jovens é negativamente afetado por recursos para atrair idosos, então

os serviços de varejo que utilizarem tais recursos poderão falhar em atrair consumidores de

uma larga faixa etária.

Outra limitação é que apenas dois serviços foram testados, apesar de representarem

serviços de varejo comuns. Os anúncios também foram testados fora do contexto editorial,

o que contribui para a artificialidade da pesquisa. Além disso, comentários na pesquisa

qualitativa indicaram que alguns respondentes fizeram considerações sobre preço ou

elegância das lojas, fatores que não eram objetivo da mensagem publicitária.

Atrair consumidores de terceira idade sem afastar segmentos mais jovens é uma das

preocupações de várias empresas varejistas. Conforme foi apresentado acima, o uso de

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descontos para idosos não parece afetar a intenção de compra de clientes mais jovens, ao

passo que o mesmo não ocorre com relação ao uso de modelos idosos.

Grandes redes têm orçamentos de propaganda que permitem um planejamento de mídia

mais preciso através de anúncios específicos publicados em veículos direcionados para

determinado segmento. Entretanto, empresas locais podem não ter verbas para anúncios

diferenciados. Descrever o interior do estabelecimento ou seus produtos pode ser uma

alternativa segura à estratégia de ilustrar consumidores típicos.

O estudo parece confirmar a idéia de que anúncios de serviços de varejo - ao menos na

ausência de outras informações - moldam percepções sobre a imagem da empresa,

afetando as intenções de consumo. A pesquisa também corrobora a idéia de que estímulos

visuais têm poderoso efeito nas respostas dos consumidores aos anúncios. Outro estudo,

apresentado a seguir, aprofunda a análise sobre o uso de modelos mais velhos nos

anúncios.

Greco (1989) desenvolveu uma pesquisa sobre a percepção de profissionais de propaganda

a respeito das campanhas voltadas para idosos, utilizando modelos dessa faixa etária. Um

questionário auto-administrado foi enviado a 286 executivos de 143 agências de

publicidade. Os questionários foram enviados para o diretor de criação e o diretor de

pesquisa de cada agência. Ambos os executivos foram pesquisados porque há indícios de

que os cargos envolvam perfis e formações diferentes, que poderiam proporcionar

diferentes pontos de vista sobre o assunto. O questionário foi desenhado para apreender as

opiniões dos executivos sobre o uso de modelos maiores de 65 anos em campanhas,

incluindo questões sobre atitude e sobre o mercado.

Dos 286 profissionais contactados, 112 responderam completamente o questionário. A

amostra apresenta uma mediana de 20 anos de experiência em propaganda. Oitenta e seis

por cento dos pesquisados informaram que eles, ou suas agências, já haviam indicado um

modelo idoso para um cliente. As grandes agências corresponderam a 44% dos

respondentes, as médias a 29%, e as pequenas a 27%. Testes utilizando o qui-quadrado não

indicaram diferenças significativas nas respostas dos dois tipos de executivos consultados,

nas questões sobre atitude e sobre o mercado.

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Os executivos foram perguntados se recomendariam o uso de um modelo idoso como

figura central de uma propaganda para cada produto de uma lista de 20 ítens, caso o cliente

quisesse atingir o público idoso. Os resultados estão apresentados na tabela a seguir:

Recomendação de um modelo idoso como protagonista de uma propaganda, tendo os

idosos como público alvo24

Categoria de Produto Recomendaria

%

Não recomendaria

%

Saúde e medicina 92 1

Turismo 83 6

Serviços financeiros 80 7

Seguros 80 11

Serviços imobiliários (aluguel) 72 14

Hotéis 71 13

Alimentos 66 10

Revistas e jornais 65 8

Serviços imobiliários (compra e venda) 61 18

Produtos para dietas 58 26

Câmeras 51 35

Artigos de higiene para o lar 48 19

Utilidades para o lar 48 21

Jóias 48 29

Roupas 47 35

Cosméticos 44 39

Automóveis 41 44

Eletrônicos e produtos detelecomunicações

35 41

Produtos para esportes 33 39

Xampu 33 44

Fonte: Greco (1989).

24 Os percentuais não somam 100% porque alguns respondentes indicaram que não tinham opinião formadasobre o assunto.

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Segundo Greco (1989), os idosos consomem acima da média alguns bens, como produtos

para dietas, xampus, licores, viagens de turismo, pastas de dente, filtros solares, laxantes e

suplementos vitamínicos. Um dos problemas que os profissionais de propaganda enfrentam

é que alguns desses produtos são usados também por pessoas mais jovens. Quando os

segmentos são muito diferentes (como ocorre quando a variável distintiva é a idade), é

recomendável que diferentes mensagens sejam enviadas para cada segmento. Entretanto,

quando o custo incremental de produzir dois anúncios não cobre a receita incremental, ou

quando não há certeza de que as mensagens enviadas a um público não atingirão também

outros públicos, os profissionais de propaganda enfrentam um dilema. Esta situação pode

ser estruturada com o auxílio de uma matriz, exibida a seguir:

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MATRIZ DE PÚBLICO-PRODUTO

PÚBLICO

PRODUTO

Comunicação pode isolar diferentes segmentos

Comunicação não pode isolar diferentes segmentos

Usado porvárias faixas etárias

Usado principalmentepelos idosos

I Mensagem específicapara as necessidadesdo público alvo

IIApelo de massa ouAbordagem de atingirvárias gerações

IIIModelos idosos ou 10 a 15 anos mais jovens,dependendo do produto

IVAbordagem de atingirvárias gerações, ou modelos 10 a 15 anos mais jovens, para evitaralienar públicos maisjovens

Adaptado de Greco (1989).

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A célula I inclui produtos que têm apelo para uma ampla faixa etária, e possibilitam o

isolamento de diferentes segmentos. Para esses produtos e audiências, o uso de modelos

idosos é viável. O produto Medipren, por exemplo, usa modelos mais velhos em anúncios

publicados em revistas voltadas para idosos. Quando o produto é direcionado para um

público mais jovem, modelos jovens são utilizados em revistas como Sports Illustrated.

Na célula IV, os segmentos podem ser isolados, mas os produtos são usados primariamente

por idosos. Neste caso, é mais provável que os modelos idosos sejam utilizados. Empresas

como Sears e Howard Johnson utilizam essa estratégia, oferecendo descontos para este

público-alvo.

A célula II contém produtos que têm um apelo para uma ampla faixa etária, mas cujas

mídias utilizadas - como televisão ou revistas de larga circulação - não permitem o

isolamento dos segmentos. Neste caso, o profissional de propaganda é mais propenso a

utilizar modelos mais jovens, para evitar que o produto seja identificado como sendo

voltado para os idosos. Alternativamente, modelos de várias faixas etárias podem ser

utilizados, para criar um apelo que cubra várias gerações. Neste caso, os modelos mais

velhos tendem a representar papéis secundários.

A célula III inclui produtos que os idosos consomem acima da média, e onde a

comunicação não pode isolar os segmentos. Neste caso, a maior parte dos anúncios não

apresenta modelos idosos.

Os estudos apresentados neste capítulo têm como objetivo aumentar o conhecimento sobre

as necessidades e características dos consumidores de terceira idade. Com essas

informações, ações de marketing e novas pesquisas podem ser efetuadas. A pesquisa

apresentada no capítulo seguinte busca seguir esse caminho, contribuindo para a ampliação

do conhecimento sobre o mercado de idosos no Brasil.

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5 ETNOGRAFIA DO CONSUMO DA TERCEIRA IDADE

5.1 Condições de realização da pesquisa

Foram realizadas 14 entrevistas não-estruturadas em profundidade com membros da

terceira idade da cidade do Rio de Janeiro. Deste total, duas foram descartadas, em virtude

de diferença no perfil econômico dos informantes. Antes de cada entrevista ser iniciada, foi

explicado ao entrevistado o objetivo e a relevância da pesquisa, bem como foi dada

garantida de confidencialidade.

As entrevistas foram individuais e realizadas na residência dos informantes. Duraram entre

40 minutos e 1 hora e meia, e foram gravadas e transcritas. A partir de perguntas de

referência, incluindo questões "projetivas", foi encorajado o livre discurso dos informantes,

que ofereceram suas próprias definições da realidade e das suas atividades e motivações

particulares. A seguir apresentaremos as questões que serviram de base para a entrevista:

• O que pessoas aposentadas gostam de consumir?

• Se o (a) sr.(a) ganhasse sozinho na Mega Sena, em que o (a) sr.(a) gastaria o dinheiro?

• E se ganhasse apenas R$ 10 mil?

• Ao comprar um carro, o que é importante levar em conta?

• E com relação a habitação?

• E vestuário?

• Que produtos o (a) sr.(a) associa com coisas finas, elegantes?

• Que produtos o (a) sr.(a) associa com coisas "cafona"?

• O (a) sr.(a) tem casa de campo? Em caso positivo, o que a agrada e desagrada com

relação à casa?

• O (a) sr.(a) considera que está bem servido (a) em termos de produtos e serviços? Que

produtos e serviços não estão disponíveis no Brasil?

A partir das análises das primeiras entrevistas foram acrescentadas questões a respeito da

relação dos informantes com a tecnologia, e de sua percepção sobre as diferenças entre

homens e mulheres na terceira idade. É interessante notar que alguns informantes

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sentiram-se "honrados" e até entusiasmados com o fato de estarem sendo entrevistados. Por

outro lado, outros informantes em potencial recusaram-se a participar da pesquisa.

Alguns informantes eram mais objetivos em suas respostas, ao passo que outros gostavam

de discorrer longamente sobre sua trajetória pessoal. Em algumas das entrevistas, os

informantes chegaram a apresentar detalhes bastante pessoais de suas vidas, sendo que em

um dos casos o informante estava conhecendo o pesquisador naquele momento. No geral,

o método etnográfico mostrou-se muito bem adaptado para a pesquisa do comportamento

de compra de informantes da terceira idade.

Entre as inúmeras variáveis que podem influenciar o comportamento de consumo de

idosos, o estudo estará circunscrito, fundamentalmente, àquelas que estejam relacionadas

ao aspecto simbólico da cultura. Procuraremos identificar as categorias de pensamento ou

conceitos que ajudam a explicitar determinados padrões simbólicos por detrás dos

discursos dos entrevistados.

Conforme indicado na introdução deste trabalho, o enfoque da pesquisa restringir-se-á à

análise do consumo de bens e serviços relacionados com o "supérfluo", com o hedonismo,

tais como lazer e entretenimento, além de cursos de aperfeiçoamento, sem aprofundamento

nos bens e serviços ligados às necessidades mais básicas, tais como consultas médicas,

medicamentos e mantimentos essenciais. Tal abordagem está consoante com os novos

signos da aposentadoria, que deixaram de sinalizar um período de repouso, passando a

indicar um período de atividade, lazer e realização pessoal. (DEBERT, 1998).

5.2 Perfil do grupo

O grupo é formado em sua maioria por altos funcionários públicos aposentados e/ou suas

esposas, sendo que a maioria tem filhos, mas estes não são dependentes, nem moram com

os pais. Apenas uma das informantes exercia atividade profissional em meio expediente.

São pessoas de classe média alta, com classificação econômica igual ou superior a B1,

conforme o Critério de Classificação Econômica Brasil. Todos os informantes são

residentes na zona sul do Rio de Janeiro, onde vivem desde o nascimento ou há pelo menos

20 anos (aqueles que não são naturais desta cidade). Essas características permitem

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constituir a unidade do grupo. Segue abaixo uma breve descrição dos entrevistados. Os

nomes são fictícios, conforme a tradição da análise etnográfica:

Gilberto, 77 anos, funcionário público estadual aposentado, formado em ciências

contábeis.

Casado com Inês, 72 anos, funcionária pública estadual aposentada, também contabilista.

Diana, irmã de Inês, 69 anos, funcionária pública aposentada, sem formação superior.

Jair, 69 anos, funcionário público federal aposentado, advogado.

Casado com Isabel, 60 anos, dona-de-casa.

Frederico, 67 anos, executivo de autarquia federal aposentado, contabilista.

Casado com Julia, 65 anos, advogada trabalhando em meio expediente no setor público.

Leila, 74 anos, casada, dona-de-casa. Esposa de militar reformado.

Ilson, 76 anos, casado, funcionário público aposentado. Superior incompleto.

Wilson, 76 anos, militar reformado.

Casado com Luciana, 71 anos, dona-de-casa.

Iara, 74 anos, casada, dona-de-casa.

Esses foram os informantes que gentilmente cederam seu tempo e contribuíram de forma

fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa. Gilberto, Inês, Diana, Jair, Isabel,

Frederico, Julia e Ilson fazem parte, há décadas, da rede de amigos do pai do pesquisador.

Gilberto e Frederico são amigos de infância, e têm muitas atividades em comum. Jair e

Ilson se conhecem e freqüentam o Jockey Club. A familiaridade destes informantes com o

pesquisador facilitou a obtenção das entrevistas, além de deixar os entrevistados mais à

vontade para discorrerem sobre seus hábitos de consumo e suas vidas. Esta familiaridade

também permitiu que o pesquisador participasse de atividades sociais do grupo, além de

retomar com estes informantes temas que surgiram após a realização das entrevistas. Os

demais entrevistados foram contactados a partir da indicação de alunos do COPPEAD e de

ex-colegas de trabalho do pesquisador.

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5.3 Temas de consumo

Estaremos desenvolvendo aqui uma análise de um subgrupo de nossa própria sociedade,

brasileira, moderna e ocidental. Usando os termos de Da Matta (1987b, p.157), tentaremos

"transformar o familiar em exótico". Tentaremos realizar uma "viagem xamanística", uma

viagem vertical, cujo objetivo é chegar a um entendimento mais profundo da própria

cultura. Assim como nas viagens a terras exóticas, este tipo de análise também conduz ao

encontro com o outro e ao estranhamento. As pessoas de idade mais avançada podem ser

observadas no dia-a-dia de nossa cidade, mas tentaremos aqui decifrar as motivações mais

profundas de uma amostra deste grupo, transformando, assim, o familiar em exótico.

Através de uma análise de conteúdos, identificamos "temas emergentes" nos discursos dos

informantes. Esses temas são categorias de pensamento que ajudam a explicitar

determinados padrões simbólicos por detrás destes discursos. Os temas podem apresentar

sub-temas, onde os conceitos principais são desdobrados. As categorias são

interconectadas, e não devem ser interpretadas como estanques. A seguir apresentaremos

os temas observados.

A casa e a rua

Segundo Da Matta (1987a), o Brasil é uma sociedade onde convivem o universo impessoal

da "rua" e o universo pessoal da "casa". O universo da "rua" tem-se transformado em um

ambiente cada vez mais inóspito e violento. E isso contribui para desvalorizar o consumo

e a exposição de bens fora dos lares. Por outro lado, a rede de parentesco, compadrio e

amizade contribui para incrementar a troca de bens entre seus membros. A seguir,

procuraremos demonstrar como esses dois aspectos da sociedade brasileira afetam o

consumo dos informantes.

Os informantes relataram vários exemplos de trocas de presentes entre eles e amigos ou

parentes. Isso indica que um dos meios para atingir o mercado de pessoas de mais idade,

pode ser através dessas pessoas próximas. E, por conseguinte, pode-se atingir o mercado de

pessoas mais jovens através das pessoas de mais idade. Os parentes também podem ser os

patrocinadores do consumo, e influenciadores no processo de compra. E o lazer também

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parece estar centrado na prática de receber e visitar e sair com amigos e parentes, o que

ilustra o aspecto relacional de nossa sociedade.

"(...) ganho muita roupa. Sapato mesmo, eu estava fazendo meu balanço, euganhei cinco sandálias, então eu não tenho tempo de comprar, eu recebo muitoshóspedes. Minhas sobrinhas, quando vêm, cada uma me presenteia uma coisa".

"Bom, eu sempre compro com alguém, com minhas filhas, nunca vou sozinha esempre a gente vai no shopping, vai no shopping e escolhe lá o que você vaiquerer levar".

"Eu dou presente, eu compro coisas pros meus netos".

"Olha, eu ganho muito das filhas porque elas viajam muito. Cada uma vai maisou menos uma vez por ano, então vai abastecendo, e todos esses produtos queeu ganho é do estrangeiro".

"Eu gosto de comprar pros outros, pra filha, às vezes vejo algo diferente, aí eucompro pra minha filha ou pros netos (...)".

"Se dá como se fosse uma parenta, isso que eu achei muito bom. Muito bommesmo, e aqui também que é outra gente, né, é a mesma coisa, eu me dou comtodas elas, elas telefonam quando vão sair: 'Olha a hora, não vai esquecer, olhaque nós vamos de táxi' ".

"A noite pra mim, no Rio de Janeiro, é pra receber os amigos e receber emcasa. Isso é que eu gosto. (...) Gosto de receber os amigos, gosto de ir à casados amigos".

"A minha satisfação é meu sítio, meus animais. E meu círculo de amigos".

Em nosso estudo, as origens familiares exercem forte influência na rememoração do

passado, e também no consumo de determinados bens. Essa importância do meio familiar

encontra eco no trabalho de Ferreira (1998), onde o grupo doméstico aparece como a

instância que serve de referência às vivências do passado.

"Gosto de animal. Gosto de cavalo. Porque meu pai tinha fazenda, sempre tivefazenda. Sempre gostei muito. E uma das minhas pretensões na vida era serfazendeiro".

"Não são objetos caros, mas são objetos antigos de um determinado valor. Nãoé nenhum... coisa assim excepcional. (...) Comprei, paguei caro, mas me dátanto prazer. Porque isso meu pai me ensinou. Ele gostava muito de objetos dearte".

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"Bom, eu consumo muitos produtos ligados à minha criação de cavalos. Porqueeu trato com isso, então meu maior consumo é ligado aos animais. (...) Asatividades rurais sempre me atraem, sempre me atraíram, talvez por ser neto defazendeiro eu tenha isso no sangue".

Por outro lado, a falta de um grupo para partilhar de determinadas atividades é um inibidor

para a prática das mesmas. Em alguns casos, a morte dos companheiros pode ser a causa

dessa retração.

"Mas o fator mais importante pra eu vender o barco não foi arrependimento,foram essas coisas que eu te falei. Eu perdi os amigos pra pescaria".

"Não, a gente tem a casa lá, mas a gente vai muito pouco. O meu marido gostade ir com muita gente, com a casa cheia, e é difícil, porque você convida masàs vezes um tem programa, o outro também, então é difícil reunir um grupo prair. Então a gente vai pouco, vai mais no verão".

"Eu tive em três ou quatro ou cinco UTIs nesses anos de amigos queridos meusque morreram jogando voleibol comigo há três anos. (...) Então eu tenho queestar preparado. Não é que eu esteja esperando a morte, não, não é isso. Euperdi o gosto" (informante que andava de moto, ultra-leve, jet sky, jogavavoleibol, e deixou de fazer essas atividades, apesar de saudável).

"Os sócios velhos vão morrendo. Antigos. (...) Então eu também não tenhoespírito de ir ao clube, bater papo".

Como se pode constatar das declarações acima, o aspecto relacional da sociedade brasileira

reflete-se de forma inequívoca nas relações de consumo do grupo estudado. As relações

entre os informantes e seus familiares e os amigos são o motivo do consumo de muitos

bens e serviços dentro do grupo. A seguir, analisaremos as diferenças que marcam o

consumo de homens e mulheres do grupo.

O que pudemos observar ao longo das entrevistas é que as mulheres tendem a ser mais

ativas do que os homens. Participam de grupos de atualização, freqüentam cursos e

atividades culturais, ao passo que os homens estão mais acomodados. Tal fato é

reconhecido por ambas as partes.

Das sete entrevistadas no presente trabalho, três desenvolveram carreiras profissionais, ao

passo que quatro foram donas-de-casa. As três informantes do primeiro grupo continuaram

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levando uma vida ativa. Do segundo grupo, uma informante tem uma vida pessoal

limitada, em função de problemas de saúde. Mas as outras três levam uma vida pessoal

intensa, sendo as que mais buscavam cursos de aperfeiçoamento e atividades culturais.

No presente estudo, o grupo de mulheres idosas donas-de-casa não viu seu universo restrito

com a velhice, e sim buscou expandir este universo, ao contrário do que sugere Barros

(1998). O estudo original de Barros ocorreu no final dos anos 70, e isso pode indicar uma

mudança de comportamento ocorrida no período. As mulheres de mais idade, em geral,

não tiveram oportunidades de se desenvolver profissionalmente, e de buscar atividades que

proporcionassem seu crescimento pessoal, durante sua juventude25. Hoje em dia, dispondo

de saúde, essas mulheres estão buscando o tempo perdido, fato que não ocorria há vinte

anos atrás.

Nesse processo, o lazer ocupa um papel fundamental. Conforme indica Motta (1998,

p.231): "O lazer em grupo é outro recurso eficaz de resistência e recuperação de prazeres

perdidos no tempo, e que reúne homens e mulheres. Sempre mais mulheres". Em nosso

estudo, tal afirmação encontra forte ressonância, valendo não só para o lazer, mas também

para os cursos de aperfeiçoamento.

Já no caso dos homens, a tese de Barros (1998) de que os homens tornam-se mais

"femininos", ou seja, mais voltados para a casa, confirma-se no grupo estudado. A perda de

contato em relação ao mundo não doméstico, da "rua", parece ter sido acentuado.

"Elas são muito menos passivas do que nós. Nós já estamos muito passivos,acomodados, você quer harmonia no seu lar, paz com a sua mulher. Você nãoquer marola. Mas elas, não é que elas queiram marola, elas têm um senso deatividade, talvez dentro desse conceito, de tentar procurar recuperar o tempoem que elas não tiveram essa abertura. E hoje têm. E fazem isso com bastantesegurança".

"Então hoje eu não tenho o menor interesse por viagem. (...) A minha mulherviajou duas vezes sozinha, estimulada por mim".

"Marido se quiser pode ir, mas eles nunca querem. 'Ah, é só mulher, não sei o

25 Um indicador disso - apesar de a amostra não ser estatisticamente significativa - é que apenas duas das sete

entrevistadas tem curso superior completo, ao passo que apenas um dos cinco entrevistados não apresentatal escolaridade

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que'. Não sabem de nada".

"Bom, lazer eu tenho de dois tipos: o que eu faço com o meu marido e os queele não gosta. Por exemplo: ele não gosta de ir ao Municipal, eu gosto, tantoprograma como balé, circo, ópera, eu tendo oportunidade eu vou".

"Eu acho que nunca fui à Europa por comodismo. Uma viagem à Europa eupoderia fazer tranqüilamente uma vez por ano, não tinha nenhum problema.Poderia fazer mas não me despertou muito ainda não" (o "marido" citado nodepoimento acima).

"Nos cursos que eu faço, 90% são mulheres".

"Eu mesma estou sempre ligada no livro, no disco e no filme que tá saindo emeu marido está acomodado".

"Sem receio de errar, as mulheres estão - dentro do limite delas - estãosuperando os homens. Fora a força. (...) Dizem que elas têm menos inteligênciaque os homens, mas não é verdade. E quanto mais velha, mais competente emais inteligente que o homem. E vai superando mais".

Conforme podemos apreender dos depoimentos acima, as mulheres do grupo estudado são

muito mais ativas no consumo de produtos e serviços relacionados ao lazer e a outras

atividades culturais. O novo papel da mulher na sociedade parece ter influenciado, de

forma tardia, o comportamento das mulheres do grupo pesquisado. Em direção contrária a

este movimento de saída da casa, existe um fenômeno que contribui para a permanência na

casa, como veremos a seguir.

A violência é uma realidade das grandes cidades brasileiras, e um problema notório do Rio

de Janeiro. A "rua" passa a ter então um aspecto cada vez mais intimidador, fechando as

pessoas para dentro de casa. Os idosos, enquanto indivíduos fisicamente mais frágeis que

as pessoas mais jovens, tornam-se alvos preferenciais dos marginais, e reconhecem-se

como tal. Isto é um fator que foi explícita e exaustivamente citado como inibidor do

consumo do grupo, especialmente no que diz respeito a lazer, jóias, roupas e automóveis.

"Não, não, isso aí eu não faço. Já fomos assaltados, eu já pertenço àsestatísticas também. (...) Já fui assaltado num ônibus. Já fui assaltadocaminhando aqui. Porque o idoso é um alvo mais fácil pra eles".

"Eu me considero mal vestido. Eu gosto de andar bem vestido, mas hoje euando mal vestido, porque eu tenho medo".

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"Aqui no Rio de Janeiro eu me sinto acuado, me sinto preso. De dia e de noite.Eu não saio à noite porque eu tenho medo. Tenho medo, é perigoso".

"Eu gosto de jóia. Jóia boa, bem feita. Mas você não pode botar uma jóia aqui.(...) Então tem esse problema. É um problema sério de quem vive no Rio deJaneiro".

"Mas faz vista, chama a atenção. Passa um malandro com um carro daqueles,tá sujeito a levar um tiro, matarem".

"No sítio eu gosto da tranqüilidade, que hoje a gente não tem mais nos grandescentros. Porque hoje para a pessoa de mais idade é até perigoso andar na rua,porque é um alvo".

"Pelo meu gosto eu moraria em casa, eu não moraria em apartamento, eu gostomuito de bichos e plantas e isso enche a vida também. (...) Mas aqui no Rioacho muito perigoso".

"Jóias nem uso mais, guardo porque não adianta, já me tomaram uma porçãode vezes, deixei de usar mesmo".

"Não vou há mais de um ano. Mas sabe por quê? Pela ida e a volta. É muitotumultuado. Estacionar o carro perto do Maracanã, ou do estádio. Quando tá láfica pensando: 'o carro lá fora, vão arranhar, vão roubar'".

"Eu não gosto muito de show, porque você larga o carro, você deixa o carro láfora, você fica preocupado. Então evito de ir. Não vou não".

"Mas gostaria de ter um carro importado. Gostaria, mas não sei se comprariaum carro importado, porque tem uma série de problemas de assalto".

Os depoimentos acima são um claro indicador de que o consumo de vários produtos e

serviços poderia ser incrementado com a melhoria das condições de segurança no Rio de

Janeiro. Outro fator que faz com que as pessoas procurem ficar em casa é a comodidade,

que analisaremos a seguir.

A comodidade foi um fator citado por muitos dos entrevistados. A disposição para correr

atrás de ofertas não é a mesma dos mais jovens; por isso, ter acesso a produtos ou serviços

próximos de casa ou a domicílio é muito importante. Isso ajuda a explicar o fato de

Copacabana possuir a maior concentração de pessoas de mais idade no Rio de Janeiro.

"Eu uso muito esse sistema de van, porque eu tenho uma conhecida que semprefaz esses programas, então ela sempre me telefona ou manda o programa.

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Então tem essa vantagem, porque ela pega na porta e me traz na porta".

"Olha, eu quase sempre vou aqui no restaurante Lucas, porque é perto. E lojade serviços, supermercado, esse aqui, o Zona Sul. São perto de casa esatisfazem".

"Ah, Copacabana tem de tudo. A gente anda 500 metros pra um lado, 500metros pra outro, tudo que tem você encontra. Banco, supermercado, loja deferragem, sapataria, roupa. Copacabana tem um comércio, não vou dizercompleto, mas quase completo".

"Copacabana é um lugar onde eu já sou acostumada desde jovem, antes demorar no Rio, eu gosto e pra pessoa de idade tem tudo perto".

Essa característica de Copacabana já havia sido observada na pesquisa de Velho (1978)

sobre o bairro. A comodidade é um atributo que pode ser explorado por fornecedores de

bens e serviços para cativar os consumidores, e em especial os consumidores de mais

idade.

Entretanto, um bairro, um objeto ou um serviço podem ter significados diferentes para

pessoas de diferentes gerações ou para uma mesma pessoa em diferentes fases da vida.

Essas diferenças serão analisadas a seguir.

Diferenças entre gerações

Gerações passadas identificavam a aposentadoria como uma fase de inatividade e

decadência. Entretanto, vários informantes citaram a importância de desenvolverem

alguma atividade, para se manterem atualizados e equilibrados física e mentalmente.

"Dá muito trabalho, mas o aposentado tem que ter uma motivação, umaatividade, porque o sujeito aposentado não tem nada que fazer e vai arrumaruma doença. Então é muito importante uma pessoa não parar nunca. Tersempre uma coisa, uma coisa pra fazer, uma obrigação. Mas o ideal é que naaposentadoria a obrigação seja alguma coisa que a gente goste".

"Pago meu curso de atualização, uma coisa que eu gosto muito de fazer. (...) euacho uma coisa boa, que eu acho que toda pessoa de certa idade deveria fazerporque a gente tá sempre atualizada".

"Gosto de pintar o barco, gosto de arrumar o barco. Tudo isso, forma umaatividade paralela. Que hoje eu tenho carência de uma atividade. Me aposenteisem necessidade de outro trabalho, sem necessidade de ter outro trabalho. Oque eu ganho dá pra eu viver, então eu tenho que ter uma atividade só pra me

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divertir".

"Eu procuro ter uma manutenção física e mental. E eu entendi isso, com minhaexperiência de vida, que eu podia manter isso, mantendo um relacionamentocom meus companheiros, comparecendo a reuniões eventuais no clube".

Nos depoimentos acima podemos observar valores que são característicos da fase

produtiva da vida, tais como: motivação, obrigação e atualização, convivendo com outros

mais relacionados à aposentadoria: diversão e gosto (prazer). Entretanto, todos apontam

para a identificação da aposentadoria como uma etapa produtiva e/ou prazerosa, e não

como um período de inatividade e decadência.

A diferença entre a geração dos entrevistados e as gerações mais jovens são percebidas em

diferentes áreas, tais como a tecnologia. Os entrevistados demonstraram certa insegurança

com relação ao uso de tecnologia. Já estão habituados com caixas eletrônicos ou as

máquinas de votação eletrônica, mas sentem-se inibidos com relação ao uso do micro

computador, especialmente quando observam que seus netos têm uma facilidade muito

grande de dominar essa nova tecnologia.

"Não, me sinto limitado. Eu vejo meus netos lidarem com uma desenvolturaque a mim me impressiona. Por exemplo, o neto do meio, que tá com dezesseisanos, ele tem esses programas todos que eles adoram. Negócio de avião. Essesprogramas todos. Jogos. São simuladores de vôo que me assustam pelatecnologia. E realizei um terço do que ele fez. Dos 100% que ele fez. E issoinibe também. Um garoto que nunca pisou num avião. Eu sou piloto de dez milhoras de vôo. Então a tecnologia hoje me assusta, não a maquineta da votação".

"Eu tô apanhando no computador, já fiz curso básico, avançado e aindaapanho, fico com dificuldade, sempre eu apanho".

"Não, não costumo mexer em computador. (...) Eu tenho dificuldade. Meusnetos mexem com tudo, televisão, SAP. Um com nove anos, outra com 12. (...)Pra usar o caixa eletrônico, peço instrução de funcionário nas primeiras vezes.E só uso o básico".

A relação dos idosos com a tecnologia deve ser estudada com cuidado pelos fornecedores

de bens e serviços. Como as pessoas de mais idade viveram em uma época onde não havia

a efervecência tecnológica dos dias de hoje, é natural que muitos deles tenham mais

dificuldade em lidar com aparelhos eletrônicos, fato que pode ser facilmente constatado

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nas filas das eleições e dos caixas automáticos.

Entretanto, não só a adoção de novas tecnologias apresentam resistências. Hábitos de

consumo - alguns de outras gerações - que duram décadas dificilmente são modificados.

Os informantes ilustraram esse tipo de situação.

"Não, o sonho dela é Copacabana. Porque nós moramos em Copacabana hámuito tempo e ela está acostumada com esse comércio de Copacabana, nossomédico é em Copacabana, as clínicas que nós vamos são aqui em Copacabana.Ela faz compras aqui".

"Se eu for à cidade sem gravata parece que está faltando alguma coisa. (...) Eucomecei a trabalhar com dezessete anos. Então eu acho que por mais decinqüenta anos eu usei gravata todo dia. Então de repente você não vai largarde usar gravata, né? Eu não me adaptei à vestimenta do aposentado".

"(...) na verdade hoje em dia você fica muito conservador, você não quer trocar,na verdade tem como, mas você se apega às coisas, então há um certo apegoque faz com que a gente não tenha essa ansiedade de coisas novas. Por causada comodidade, a gente se acostuma".

Como podemos observar nos depoimentos acima, os hábitos arraigados podem gerar tanto

resistência a um novo consumo, como a manutenção de um consumo de uma outra fase da

vida e que não seria mais necessário.

Os hábitos de lazer que marcaram outras gerações deixaram de ser atraentes para a maioria

dos jovens. Isto afeta clubes como o tradicional Jockey Club, que atualmente patrocina

eventos como a Babilônia Feira Hype26, uma forma de atrair novos quadros. Essa situação

foi mencionada por dois dos informantes, freqüentadores do clube.

"Eu senti isso, eles têm que fazer uma propaganda mais violenta dentro doJockey, porque não houve renovação. Não houve interesse pelo pessoal novo.Eu sinto a renovação muito pequena".

"Mas é fantástica a diminuição. Por uma simples razão. Os sócios velhos vãomorrendo. Antigos. E o filho do sócio, que é sócio porque o pai era, nãofreqüenta a sede. Então eu não tenho espírito de ir ao clube, bater papo".

26 Feira com estandes de venda de vestuário e alimentação, freqüentada principalmente por jovens.

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Os símbolos - especialmente os de status - que marcam uma geração não necessariamente

são transferidos às gerações seguintes. Com isso, os fornecedores de bens e serviços têm

que atualizar-se e promover atividades que busquem atrair os mais jovens, como

observamos nos depoimentos sobre o Jockey Club. As marcas também carregam símbolos,

e a relação dos informantes com estes diferentes símbolos serão analisadas a seguir.

Marcas e sonhos de consumo

Com relação a automóveis, todos os entrevistados que possuem veículo próprio

demonstraram sua preferência pela marca Volkswagen. Esta marca parece representar para

o grupo uma menor necessidade de assistência técnica, e quando esta é necessária, está

mais disponível.

"Então a Volkswagen eu gosto da técnica, da mecânica deles, eles têm umaestrutura, uma concessionária, você faz as revisões. (...) A assistência pode nãoser boa, pode às vezes não serem bons profissionais, mas fazem cursos lá emSão Paulo. É a garantia, né?".

"Olha, eu sempre compro, eu sempre costumo comprar carro da Volkswagen.Porque como eu viajo, e ando pelas pequenas cidades também, do interior, nasexposições, é sempre mais fácil você encontrar uma oficina que tenha peça, etenha representante Volkswagen. (...) lá em Conceição de Macabú, se forconsertar uma Fiat já é mais difícil".

"(...) eu fico na linha Volkswagen, que é uma linha que realmente é prática".

"A gente gosta muito de Volkswagen, porque já tivemos vários: Fusca,Brasília, Kombi, todos, agora Parati. Porque dá menos defeito, e quando dá temfacilidade de conserto".

A assistência técnica parece ser um fator fundamental para a escolha da marca de um

automóvel. É curioso o fato de que houve uma unanimidade entre os possuidores de

automóveis do grupo com relação à idéia de que a Volkswagen é a empresa que possui

melhor rede de assistência.

No que diz respeito a vestuário, as atitudes foram bastante heterogêneas. Dos cinco

homens, dois são bastante preocupados com este consumo, e identificam uma roupa de

qualidade com o trabalho de alfaiates. O terceiro informante compra as roupas que gosta,

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por impulso, mas faz questão de marcas boas: "Não influencia, desde que seja uma

Brastemp. Marca boa". E os dois últimos informantes são totalmente despojados com

relação a vestuário, sendo que ganham roupas ou as compras são feitas pela esposa.

Apenas um informante - do primeiro grupo - citou marcas que costuma comprar:

Sandpiper, Taco e Mr. Cat, curiosamente lojas voltadas para jovens.

Com relação às sete mulheres, as atitudes com relação a vestuário também foram variadas,

mas todas citaram como fundamental que as lojas tenham peças mais clássicas, com

manequim adequado para senhoras:

"Eu realmente procuro, aí eu vou nestas lojas onde tem roupas para senhoras,que tenham manequim que realmente caiam bem pra senhoras".

"Eu vou junto com elas (as filhas) e a gente vai vendo, tem assim butique maisprópria pra senhoras, bem moderninha, assim clássica, de preferência a gentevai olhar essas".

Três das informantes não mencionaram qualquer marca de preferência, e afirmaram usar

roupas simples e práticas. Vestuário não é uma preocupação maior para elas. A quarta

informante - a única entrevistada que ainda trabalhava - informou que dá preferência a

roupas que pudessem ser usadas tanto no trabalho como em eventos sociais, ou seja,

também prefere roupas práticas. Acredita que lojas renomadas têm produtos de melhor

qualidade. Gosta de pesquisar, e mencionou as seguintes lojas onde costuma comprar:

Target, Bleu Blanc Rouge, Chocolate, e Chifon, uma marca mais popular. Por outro lado,

não gosta de roupas da Dimpus.

As três últimas informantes foram mais positivas com relação a vestuário, afirmando que

gostam de "coisas boas". Uma das informantes mencionou as marcas Be Happy (All

Happy) e Elle et Lui. Duas outras informantes - irmãs - citaram a Target e a Glik. A Target

foi a única grife citada por mais de uma entrevistada, o que indica a heterogeneidade do

consumo. Apenas uma das informantes afirmou que compra preferencialmente em

shopping centers.

A maior parte das entrevistadas são consumidoras regulares de cosméticos, principalmente

perfumes e cremes. Os produtos importados são considerados superiores, especialmente o

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perfume francês. Entretanto, poucas marcas foram lembradas: Ponds, Helena Rubinstein,

Nivea e Diadermina, entre as estrangeiras, e Natura, entre as nacionais. Uma das

informantes também adquire produtos de farmácias de manipulação, mas não mencionou

nenhuma em particular. Outra confundiu o fabricante dos produtos Imédia: citou Wella,

quando na verdade é L'Oréal.

Quando estimulados por perguntas "projetivas", indagando o que fariam caso "acertassem

sozinhos na Mega Sena", os tradicionais símbolos de status foram mencionados pelos

informantes: carros europeus, viagens à Europa e países exóticos, e apartamentos na orla

marítima e no exterior. Além disso, também foram mencionados upgrades no padrão de

consumo atual: uma melhoria no haras de um dos informantes, o início de uma criação de

animais por um freqüentador do Jockey. Mas a grande maioria dos entrevistados respondeu

que sua prioridade não seria o consumo em si, e sim ajudar parentes ou pessoas próximas,

ou participar e patrocinar instituições com fins sociais.

"Compraria três ou quatro apartamentos pra renda. Não pra mim. Pro meufilho. (...) Outra coisa era fazer parte de uma escola profissionalizante qualquer.Entrar com dinheiro. (...) Eu gostaria de fazer parte de uma organização queprofissionalizasse as pessoas".

"Ah, eu ia dividir com minha família, já pensei nisso um montão de vezes, seum dia ganhar vou dividir com minha família, dava um jeito na vida de cadaum".

"Bom, em primeiro lugar eu ia distribuir um bocado".

"Eu ia distribuir pra minha família um pouco, desse rendimento ou doprincipal, pra que todos ficassem bem. Eu tenho vinte e oito sobrinhos, então iater muito pra quem dar. Pro Zé, que é meu enteado, acertava a vida de todomundo. Eu tinha vontade de pegar meninos adolescentes, se eu pudesse eufundava uma casa para meninos adolescentes, meninos de rua, pra orientarprofissionalmente, encaminhar na vida, um internato, criaria uma escola praadolescentes abandonados".

"Bota vinte e dois milhões na minha mão, em princípio, eu procuraria ajudar,porque nós temos parentes que não têm a mesma situação. (...) E empregados,que nos serviram doze, vinte anos. E continuam na mesma situação. (...) Entãoeu ajudaria essas pessoas, pra depois pensar na gente. Compraria umapartamento pra cada filho. Eu procuraria ajudar essas entidades que prestamassistência".

"Olha, se eu ganhasse na Mega Sena sozinho, os meus projetos, com relação à

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minha pessoa, são até modestos. Seriam, vamos dizer assim, uma melhoria naestrutura geral do haras, inclusive na qualidade dos animais, mas meu grandedesejo seria que eu poderia ajudar muita gente".

"Eu iria fazer caridade, tem uma empregada que trabalhou comigo quatorzeanos e é minha melhor amiga, essas pessoas da TV, que estão precisando deoperação, essas coisas".

Outro uso do dinheiro seria satisfazer o sonho de consumo do cônjuge:

"Seria um sonho que é mais da minha mulher que meu, que é morar naAvenida Atlântica. Isso aí é um sonho da minha mulher que eu gostaria desatisfazer".

"Uma coisa que eu proporcionaria de cara pra minha mulher. Uma visita a tudoque é lugar santo por aí".

Os entrevistados estão em fase adiantada da vida, tendo várias de suas necessidades de

consumo já saciadas. Assim, os depoimentos acima parecem representar a predominância

das aspirações de deixar um legado para a sociedade e de garantir uma vida confortável

para os descendentes sobre as aspirações materiais individuais.

A intenção desta investigação - de caráter exploratório - é aumentar o conhecimento sobre

o consumo de pessoas aposentadas, dentro da linha de pesquisa proposta por Carvalho

(1997). Foi estudado um grupo de pessoas de mais idade, aposentados de classe média alta,

procurando apreender os aspectos simbólicos que permeiam seu consumo.

A partir de um conjunto de entrevistas não-estruturadas, foi possível identificar uma série

de temas que revelam o relacionamento destas pessoas com a sociedade em geral, e com o

mundo do consumo, em particular. Esta pesquisa ajuda a preencher a lacuna existente no

estudo dos consumidores de terceira idade no Brasil, e pode servir de fonte de informações

para que os fornecedores de bens e serviços para este grupo possam atendê-los de uma

forma melhor.

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6 CONCLUSÃO E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS

Nos dias de hoje, a crescente importância demográfica e econômica dos membros da

chamada terceira idade faz com que os cientistas das mais diversas áreas busquem entender

melhor as necessidades e problemas que esse grupo de pessoas enfrenta. Assim como

ocorreu durante o governo Collor, a questão da aposentadoria - especialmente a dos

funcionários públicos - voltou a ocupar um papel de destaque no cenário político-

econômico do país.

Em muitos países ocidentais, os membros da terceira idade já conquistaram o respeito da

sociedade. No Brasil, essa situação ainda está longe de ser atingida. Como muitas pessoas

idosas gostam de lembrar, os mais jovens parecem esquecer que também serão idosos um

dia. E um dos primeiros passos para se respeitar o idoso é entendê-lo.

As sociedades atribuem significados específicos às etapas das vidas dos indivíduos. Ou

seja, a idade, mais do que uma simples contagem cronológica, é um construto cultural. A

Antropologia, por isso, pode ter um papel importante no estudo dos diferentes grupos

etários.

Através da análise do discurso dos informantes, pudemos observar como a cultura exerce

uma importância fundamental em diversos aspectos do consumo. As transformações que

ocorrem em nossa sociedade refletem-se em todos os aspectos da vida de um indivíduo,

inclusive sua relação com o universo do consumo.

O presente estudo, por sua natureza exploratória, não tem pretensão de esgotar o assunto, e

sim contribui para indicar novos campos de pesquisa na Antropologia do Consumo e no

consumo da terceira idade. Algumas sugestões de pesquisas seriam:

• Pesquisa quantitativa para testar a preferência de consumidores de mais idade por

determinadas marcas de veículos, vestuário e outros produtos ou serviços;

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• Estudos etnográficos para verificar o simbolismo que se observa em diferentes locais,

tais como: feiras, clubes e cursos de atualização;

• Estudos etnográficos para apreender o simbolismo que permeia as relações de trabalho

entre grupos de diferentes idades em uma organização;

• Pesquisas qualitativas para investigar o consumo de outros grupos de consumidores,

tais como: adolescentes, crianças e minorias étnicas.

A revisão bibliográfica traz vários exemplos de estudos etnográficos cujos resultados

trazem contribuições para o conhecimento acadêmico e para as estratégias dos

profissionais de empresas. A etnografia foi aplicada nas mais variadas situações: estudo de

subculturas de consumo, implementação de sistemas de informação, comparação entre

profissionais de diferentes nacionalidade, o que é um indício de sua flexibilidade.

A Antropologia ainda tem muito a contribuir para o estudo do Marketing. Através do

método etnográfico, é possível apreender o simbolismo que permeia o consumo de

determinados grupos, e que dificilmente seria observado através de outras técnicas. Com

esta pesquisa, esperamos ter contribuído para: diminuir a distância que separa a

Antropologia e o Marketing, mostrar o grande potencial que o método etnográfico tem para

a pesquisa sobre o comportamento do consumidor, e aumentar o entendimento sobre os

consumidores da terceira idade.

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