consumo de identidade: dispositivos de gÊnero na publicidade infantil

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JORNALISMO GABRIELLA OLIVEIRA CONSUMO DE IDENTIDADE: DISPOSITIVOS DE GÊNERO NA PUBLICIDADE INFANTIL MARINGÁ 2014

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TCC sobre consumo e identidade de gênero de OLIVEIRA, Gabriella. Graduada em jornalismo.

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JORNALISMO

GABRIELLA OLIVEIRA

CONSUMO DE IDENTIDADE: DISPOSITIVOS DE GÊNERO NA PUBLICIDADE

INFANTIL

MARINGÁ

2014

GABRIELLA OLIVEIRA

CONSUMO DE IDENTIDADE: DISPOSITIVOS DE GÊNERO NA PUBLICIDADE

INFANTIL

Monografia apresentada à disciplina de

Projetos Experimentais do Curso de

Comunicação Social com habilitação em

Jornalismo da Faculdade Maringá, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Comunicação Social.

Orientador: Prof. Me. Samilo Takara

MARINGÁ

2014

GABRIELLA OLIVEIRA

CONSUMO DE IDENTIDADE: DISPOSITIVOS DE GÊNERO NA PUBLICIDADE

INFANTIL

Monografia apresentada à disciplina de Projetos Experimentais do Curso de

Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, da Faculdade Maringá, como parte dos

requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social.

Aprovada pela Banca Examinadora, em

Prof. Me. Samilo Takara

Orientador

Profª. Exp. Maria Joana Casagrande Soares Correia

Profª. Convidada

Profª. Me. Fernanda Amorim Accorsi

Profª. Convidada

Maringá

2014

DEDICATÓRIA

Aos meus pais Paulo e Regina, por todo o

apoio e cuidado para que eu pudesse seguir

meus sonhos.

Ao meu irmão Raphael Diego, pela amizade e

carinho.

Ao meu noivo Rodrigo, por toda paciência e

amor.

AGRADECIMENTOS

Nesses últimos quatro anos de muitas lutas e vitórias, posso certamente

listar todos aqueles que trilharam esse caminho comigo e que foram base para que tudo

ocorresse da melhor maneira possível, por isso não poderia deixar de citá-los aqui.

Em primeiro lugar agradeço a Deus, por ter me capacitado em todos esses

anos de desenvolvimento profissional e pessoal e, principalmente, por ter me abençoado e me

dado forças para superar cada etapa dos últimos quatro anos.

Aos meus pais Paulo e Regina, e ao meu irmão Raphael, por terem me

apoiado e me dado suporte sempre que precisei, para que eu pudesse trilhar os caminhos

necessários para chegar até aqui e por terem se alegrado com minhas alegrias e se entristecido

com meus breves momentos de tristeza.

Agradeço também ao meu noivo Rodrigo, pela compreensão, dedicação e

companheirismo sempre que precisei. Sem seu cuidado eu teria ―explodido‖.

À todos/as os/as professores/as que fizeram parte do meu desenvolvimento,

tanto escolar quanto acadêmico, por toda dedicação e ensino. Sem meus/minhas

professores/as não teria chegado até aqui.

E por último, mas não menos importante, agradeço ao meu orientador,

professor, mestre e amigo Samilo, por toda paciência e dedicação ao ler e corrigir meu

trabalho. E por tornar mais leve o árduo processo de conclusão de curso. Levarei comigo seus

atributos que me inspiraram a me tornar uma profissional dedicada e cheia de conhecimento e

sabedoria.

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo

que cativas.

(SAINT-EXUPÉRY, 2009, p.72)

1

RESUMO

A propaganda é um produto de comunicação presente em nosso cotidiano e está em espaços e

mídias diferentes – televisão, rádio, outdoors, etc. – e sugere práticas, discursos e consumos

de bens e serviços para a sociedade. Ela utiliza de mecanismos como estratégia de persuasão,

por meio da reafirmação de ideias, sentidos e significações socioculturais e da falsa sensação

de necessidade e pertença criada, para estimular o consumo do produto.

Dessa maneira, viabiliza-se na análise deste trabalho de conclusão de curso a maneira como a

propaganda pode influenciar na constituição de uma cultura, comportamento, estilo de vida ou

identidade do público-alvo. Por meio desta ideia, utilizamos do método de pesquisa Semiótica

para investigar e discutir os dispositivos utilizados pela publicidade como estratégia de venda

e consumo, que podem impulsionar a formação de identidade de gênero na infância. Com

isso, chegamos aos signos que educam formas de ser e agir feminino ou masculino.

Palavras-Chave: Comunicação. Semiótica. Cultura. Gênero. Identidade.

ABSTRACT

Advertising is a product of communication present in our daily lives, it is on different spaces

and medias - television, radio, outdoors, etc - and suggest techniques, discourses and

consumption of goods and services for society. It uses many mechanisms like persuasion

strategy, by the reaffirmation of ideas, sociocultural senses and meanings and the creation of

the false feeling of need and belonging, to stimulate the product consumption. Therefore, it's

visible in the analysis of this course conclusion paper the way that advertising can influence

the formation of a culture, behavior, lifestyle or identity of an audience. Through this idea, I

analysis devices used by publicity as strategy for sales and consumption, which can impulse

the identity formation of gender in childhood.

Key Words: Communication. Semiotics. Culture. Gender. Identity.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9 2 FEMINILIDADES E MASCULINIDADES: ASPECTOS DA CULTURA E DO

CONSUMO ........................................................................................................................ 16

2.1 Interpelações do desejo: a publicidade como convite............................................... 28

3 OLHARES TEÓRICO-METODOLÓGICOS: CONSTRUINDO UM CORPUS DE

ANÁLISE ........................................................................................................................... 35 4 DISPOSITIVOS DE GÊNERO: EMARANHADOS SÍGNICOS NA CONSTRUÇÃO

DAS IDENTIDADES ......................................................................................................... 45 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 62

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 64

9

1 INTRODUÇÃO

Os aspectos culturais, sociais, econômicos, políticos, éticos e estéticos são

produzidos em espaços e temporalidades que denotam os acordos, as práticas e os processos

de constituição das identidades. A sociedade distingue os modos de ser e agir dos gêneros,

ditando funções sociais diferentes para homens e mulheres, que agem conforme suas culturas.

Para Louro (1997), meninos e meninas ficam sujeitos a seguir determinados comportamentos

desde o nascimento, pois toda cultura tem uma definição de conduta e sentimentos

apropriados para ambos. Dessa maneira, desde que começam a viver em sociedade entram em

contato com fatores influenciadores de cultura, que educam modos de ser e agir. Como a

publicidade e a propaganda – que tratamos como sinônimos –, que exercem atividades de

comunicação com todo indivíduo. Entretanto, de acordo com Zablonsky e Staniszewski

(2011), um problema quando se fala da publicidade para crianças é o estreitamento entre a

programação infantil e os informes publicitários. ―Mesmo que as propagandas tenham como

público as crianças que assistem determinada programação, há um uso excessivo de

merchandising, dificultando aos pequenos a diferenciação entre o que é e o que não é

comercial‖ (SAMPAIO apud ZABLONSKY; STANISZEWSKI, 2011, p. 07). Os autores

chamam a isso ―comercialização da infância‖.

Zablonsky e Staniszewski (2011) citam que não fica claro para as crianças, e

até mesmo para os adultos, o entendimento dos significados diferentes que o discurso pode

ter. Se os anúncios mantêm um perfil semelhante ao dos pais, a ainda possui uma ingenuidade

a ponto de não distinguir que ―[...] o fato de o anunciante apresentar o mesmo discurso que

uma pessoa em quem se confia, não é suficiente para atribuir-lhe confiança também‖

(ARAÚJO, 2009, apud ZABLONSKY; STANISZEWSKI, 2011, p. 07). Dessa maneira, a

publicidade é um instrumento de persuasão ao consumo tanto para crianças quanto para

adultos, devido aos estímulos, as promessas e a construção de significados que, na

propaganda, são fornecidos como elementos que interpelam os desejos, as práticas e os

processos comunicacionais e sugerem elementos objetivos e subjetivos na construção da

realidade.

Embasados por essa afirmação, recorremos à resolução estabelecida pelo

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão que protege as

crianças e os adolescentes do uso abusivo de elementos de persuasão na publicidade. A

Resolução n. 163 foi aprovada na Plenária do dia 13 de março de 2014 para proteger a criança

10

(até 12 anos incompletos de idade, conforme Art. 2o do Estatuto da Criança e do Adolescente)

do abuso das tentativas de venda e consumo. Esta lei define especificamente as características

dessa prática, como o uso de linguagem infantil, de pessoas ou celebridades com apelo ao

público infantil, de personagens ou apresentadores infantis, dentre outras.

―Considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da

criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação

mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto

ou serviço‖ (Artigo 2º, CONANDA, 2014). Por meio da utilização de aspectos como

linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras de músicas infantis ou

cantadas por vozes de criança; representação de criança; pessoas ou celebridades com apelo

ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de animação;

bonecos ou similares; promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou

com apelos ao público infantil; e promoção com competições ou jogos com apelo ao público

infantil.

Os dispositivos utilizados pela publicidade, porém, não se atentam somente

em conduzir o universo infantil ao consumo por meio do sentimento de pertença, ou da

sensação de necessidade, causados por esses elementos estratégicos, eles também reafirmam

conceitos socioculturais de meninos e meninas, ensinados a eles/as por meio das educações

informais (em casa com os responsáveis), primeiramente, e formais (nas escolas), para depois

serem reafirmadas por meio da mídia. As crianças, desde bebês, são separadas em identidades

de gênero e educadas para assumir papéis sociais a qual eles devem pertencer e, também, o

que devem consumir para que afirmem a identidade de gênero.

Whitaker (1992) observou que desde que se descobre a gravidez, são

colocadas expectativas de gênero sobre o bebê, que: se for menina, tenderá a sofrer mais,

fadada a seguir os papéis domésticos ensinados pela mãe, e, se for menino, crescerá para ser

corajoso e forte para sustentar a casa como o pai. Segundo a autora, a menina é tratada como

uma boneca, delicada, sensível aos sofrimentos da experiência de vida e, principalmente, é

criada para ser útil. Isto é, depois de todos os estereótipos sonhados com laços e vestidos cor

de rosa, ―[...] o fundamental na utilidade das meninas é o papel que desempenham dentro de

casa auxiliando a mãe no trabalho doméstico‖ (WHITAKER, 1992, p.21). É perceptível,

também, que a valorização do filho pelo simples fato de se qualificar como gênero masculino,

sem a necessidade de possuir utilidade doméstica, é absorvida pelas mães, que acabam dando

preferência ao menino, agindo dentro de um padrão sociocultural, mesmo que não perceba a

imposição da cultura dentro desse conceito.

11

O ser humano nasce não só desprotegido, mas também completamente despreparado para a vida social. Há animais que já nascem programados

para as principais atividades que devem desempenhar nos complicados

esquemas ecológicos do planeta Terra. O ser humano não só afastou-se da natureza, tornando-se um animal ―artificial‖, como é ele próprio, ao nascer,

uma massa extremamente plástica, que será moldada em possibilidades

infinitas e variadas, que os cientistas chamam culturas. (WHITAKER, 1992,

p. 24, grifo da autora).

O tratamento com meninos de meninas e a designação automática dos

papéis sociais serem distintos para os gêneros se dá pela educação cultural para que

determinadas ações sociais fiquem padronizadas, para que haja uma distinção entre o que é

referente aos homens e o que é pertencente às mulheres. Anzalduá (2009) demonstra essa

diferenciação entre os gêneros com ditados utilizados há muito para educar as crianças:

―Em boca fechada não entra mosca‖ é um ditado que eu ouvia sempre

quando era criança. Ser faladeira era ser uma fofoqueira e uma mentirosa, falar demais. Muchachitas bien criadas, garotas bem comportadas não

respondem. É uma falta de respeito responder à mãe ou ao pai [...] Bocuda,

respondona, fofoqueira, boca-grande, questionadora, leva-e-traz são todos signos para quem é malcriada. Na minha cultura, todas essas palavras são

depreciativas se aplicadas a mulheres – eu nunca as ouvi aplicadas a homens.

(ANZALDUÁ, 2009, p. 306, grifos da autora)

Para contribuir com estas discussões que permeiam o universo de meninos e

meninas, o trabalho está organizado em três partes: num primeiro momento apresentamos os

conceitos de identidade de gênero e culturas para discutir de que modos os signos foram

organizados como pertencentes às feminilidades e masculinidades. No capítulo subsequente, a

metodologia, o conceito de dispositivo, sustentado por Agamben (2005), e a revisão teórica da

Semiótica, com base nos estudos de Charles S. Peirce (apud SANTAELLA, 1998), no intuito

de delimitar a perspectiva de análise dos signos que constituem as peças publicitárias. Em

seguida, analisamos as propagandas da Grendene ofertadas para crianças no ano de 2013 para

elucidarmos os dispositivos e os signos que são utilizados. Finalmente, consideramos acerca

das contribuições dessa análise para a formação do/a comunicador/a social como um/a

profissional que discute e analisa as questões referentes às identidades de gênero em suas

atividades profissionais.

Com a ajuda dos avanços tecnológicos e da Revolução Cultural, que

facilitaram a expansão da comunicação e revolucionaram a informação, a cultura foi dissipada

para além dos países de origem, discutida por Hall (1997, p. 16), tivemos uma mediação das

12

ações sociais com o consumo e a cultura, cada vez mais tratada como produto de venda.

Associando a identidade aos bens materiais, dá-se a sensação de semelhança entre ser e ter,

como relata Debord (2013) sobre a economia no contexto do espetáculo. Assim, o consumo

associa a identidade à sensação de pertença, colocando os produtos como detentores de

significações e sentidos, os quais farão parte de todo indivíduo que o consumir, dando a

sensação de que quem não possuir tal identidade adquirida por meio do consumo não pertence

ao grupo social.

Segundo Rodrigues (2010), a propaganda pode formar opiniões, estilos de

vida e cultura. Dessa maneira, podemos afirmar seu papel como impulsionadora da identidade

de gênero, por meio das significações incorporadas nos objetos de consumo, influenciando na

maneira como meninos e meninas constroem conceitos sobre como se portar ou até mesmo o

que vestir, dentro de um processo de busca de pertença a determinados grupos.

Rodrigues (2010, p. 04) afirma que ―[...] uma ação de marketing, como a

publicidade ou um evento, dá ao consumidor condições tanto de identificação quanto de

distinção ou exclusão‖, ou seja, o consumo está ligado com a formação da identidade, fazendo

com que o indivíduo sinta-se parte de algo por meio do consumo de determinado produto.

A propaganda de uma marca ou produto se favorece dos recursos atrativos, instigantes aos sentidos humanos como a excitação ou relaxamento através

de cores, efeitos sonoros, elementos visuais diversos, movimento e o uso da

repetição. Assim, um grupo é inclinado em seus extremos podendo ser excitado por estímulos diversos e excessivos. A publicidade sabe e faz isso

muito bem, pois seu objetivo é alcançar atenção e até mesmo uma atitude

positiva a respeito. [...] Essa linguagem própria tem poder sobre a mente grupal, com diversos conjuntos de códigos intrínsecos como a palavra,

imagem, som, cor, entre outros. (RODRIGUES, 2010, p. 04)

A publicidade, por meio das estratégias persuasivas, impulsiona a busca de

identidade ao dar a sensação de pertença. Ela constrói um discurso simbólico, que instiga a

formação de identidade de gênero, estilos de vidas e culturas, ao incorporar significações

cotidianas da cultura e da sociedade nos produtos, pois, de acordo com Rodrigues (2010, p.

03) ―[...] as práticas midiáticas se estabelecem também como formadoras de identidades e

identificações já que permeiam todo o processo social, cultural e discursivo, produzindo

sentido‖, isto é, a publicidade possui o papel de formar identidades por estar presente em

muitos processos sociais, em tudo o que nos rodeia, produzindo sentido aos indivíduos.

Costa e Mendes (2012) corroboram para esta discussão ao afirmar que a

publicidade não é apenas uma técnica comercial que, por meio da persuasão, intenta tornar

13

necessária a compra de determinado produto. Ela é também um produto de ordem

sociocultural, e essa relação aproximada com a sociedade faz dela um reflexo da cultura

contemporânea, vindo a ser fator dinâmico de evolução por meio de sua estratégia sugestiva.

Em outras palavras, ao utilizar de mecanismos persuasivos, que influenciam uma sociedade, a

propaganda fica ligada ao desenvolvimento de mudanças sociais.

As autoras ainda completam que a produção em massa de um determinado

produto conduz a um consumo em massa. Entretanto, para que isto se transforme em uma

realidade, a publicidade recorre às técnicas de persuasão psicológica e aos meios de difusão

para tentar convencer o maior número de consumidores. Com isso, a publicidade passa a ser o

meio pelo qual o anunciante convence o consumidor, estabelecendo o posicionamento da

marca, transmitindo a sua mensagem e despertando necessidades de consumo. ―Nesta

perspectiva, a publicidade tem a finalidade de levar seu público-alvo à aquisição de produtos‖

(COSTA; MENDES, 2012, p. 06), que entendemos por meio de nossa análise sobre duas

peças produzidas no mesmo período e que separam os/as consumidores/as por meio de

identidades de gênero hegemônicas: meninas e meninos. Nas peças publicitárias que

analisamos, há referências a duas histórias que foram escolhidas para representar essas

identidades: Hello Kitty e Hot Wheels. Nelas olhamos para elementos que denotam a

generificação1. A primeira conta a história de três meninas, cercadas por elementos

chamativos de cores e decorações delicadas, que se encontram para discutir moda e beleza por

meio da combinação de suas sandálias e esmaltes. Durante os 30 segundos de propaganda,

elas demonstram a sensação de pertencerem a um mesmo grupo, de meninas que se encaixam

nos padrões femininos, delicadas, educadas e bem vestidas. A segunda conta a história de um

garoto que sai de casa correndo para a escola, cronometrando seu tempo para superar todos os

obstáculos e chegar no horário. Enquanto corre o menino passa por três personagens (Julinha,

o Vizinho e o seu Francisco) que são superados pelo garoto, que com sua sandália tornou-se

veloz. Ao chegar à sala de aula, ele chega junto com outro personagem que possui a mesma

sandália, denotando o pertencimento ao mesmo grupo, dos que vencem e atingem seus

objetivos.

Estas histórias são resultados de características marcantes para o estilo de

vida da sociedade, como a cultura do consumo, que a chamada Idade Moderna trouxe e

ganhou espaço com a Revolução Industrial. De acordo com Daniel Roche (2000), este

conceito associou a modernidade, a produção e o consumo. Com o fortalecimento do

1 Modos de ser e agir de homens e mulheres.

14

capitalismo, a cultura do consumo atingiu um impacto transformador na sociedade, fazendo

com que a identidade dos indivíduos se relacione com o consumo material. Dessa maneira,

estratégias de propaganda são utilizadas para alcançar o público jovem com ideais identitários

e suas representações ―[...] para simbolizar a busca pelo eu ideal, fazendo-o capitular diante

de vários modelos e estereótipos bem estudados pelo mercado. E todo o escopo é trabalhado

para que o jovem assuma seu lugar social ao qual será possível falar por meio de anúncios‖

(RODRIGUES, 2010, p.01). Em resumo, o capitalismo se apropria de elementos que tornam

necessários o consumo material ou cultural, que antes não se faziam necessários –

principalmente em grandes quantidades –, valorizando o ter em vez de ser.

Por meio da análise das propagandas da Grendene Kids2, realizada neste

trabalho, notamos que o conceito do consumo associado à formação de identidade está cada

vez mais presente no universo infantil, o que atraiu alguns pesquisadores para analisar esse

fenômeno – a busca da identidade por meio do consumo na infância. Por esse motivo,

entendemos a necessidade de explorar o consumo do público infantil, analisando os

dispositivos de gênero utilizados na publicidade, que se comunicam com esse público em fase

de desenvolvimento identitário. Com isso, embasamos nossa análise no estudo semiótico

como metodologia.

Ao analisarmos os dispositivos presentes nas propagandas propostas,

incitamos uma análise que não trata das peças, de forma específica, mas do mundo simbólico

representado nelas. Ao entendermos a semiótica como uma leitura dos códigos sígnicos, que

apresentam níveis de consciência, existência e representação, nossa leitura está direcionada

para a ―[...] bagagem cultural do interpretante e das ferramentas que a semiótica apresenta‖

(TAKARA; BORGES-TEIXEIRA, 2011, p. 6). Desse modo, olhar para a publicidade não é

ater-se às peças, apenas, mas reconhecer que, na perspectiva semiótica, nossas inferências

estão em nível de interpretação descrevendo elementos de masculinidades e feminilidades que

estão dispostas nas linguagens usadas nas propagandas.

Com base nesta contextualização, nossa questão norteadora é: quais

dispositivos presentes nas propagandas infantis podem impulsionar a formação de identidade

de gênero? Dessa maneira, o objetivo é investigar como os dispositivos de gênero sugerem a

formação da identidade de gênero na infância, associando esse fenômeno à cultura e ao

consumo, com base nos conceitos como a Revolução Cultural e a Sociedade do Espetáculo,

explanados por Stuart Hall (1997) e Guy Debord (2013), respectivamente.

2 Indústria de calçados, criada em 1971, utilizada como objeto de pesquisa deste trabalho.

15

Segundo Hall (2006) o caráter identitário é formado pelo sujeito com base

no universo social e comunicativo, dizendo respeito ao que nos chama para assumir

determinados papéis na sociedade. Isto é, a busca por uma identidade está intimamente ligada

ao sujeito como ser social e faz o papel fundamental de determinar a que grupo social o

indivíduo pertence e, consequentemente, o faz assumir posturas e ações sociais de acordo com

o que lhe é determinado culturalmente por meio de tal grupo social.

Vinholes (2012) afirma, com base em Hall (2003), que ao falar sobre

identidade é preciso considerar que, por mais abordado que seja o assunto nos estudos atuais,

trata-se de um conceito "[...] demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito

pouco compreendido" (HALL, 2003, apud VINHOLES, 2012, p. 03). Independente da

quantidade de vezes que a temática identidade é abordada é preciso ter em mente que é um

assunto muito complexo e relevante socialmente para dar-se por entendido por completo.

A autora ainda diz que ―[...] o desenvolvimento de nossas identidades tem

início com a interação que estabelecemos com o meio em que vivemos e, portanto, de acordo

com o universo social e cultural do qual fazemos parte‖ (VINHOLES, 2012, p. 03). Com isso,

formamos o conceito de que a identidade com base em um processo de construção por meio

das interações sociais, passíveis de mudança conforme as vivências e experiências dos

indivíduos. Os sujeitos dependem um dos outros para formar uma identidade própria, pois, de

acordo com a autora, ―[...] não há como alguém construir a sua identidade independentemente

das identificações concedidas pelos outros‖ (VINHOLES, 2012, p. 03), ou seja, é impossível

criar uma identidade sem embasar-se em algo existente.

O tema deste trabalho pode contribuir com estudos futuros e com a

sociedade em geral, por tratar assuntos como o papel da propaganda como formadora de

cultura e o consumo como dispositivo para a formação da identidade, em suprimento ao

sentimento de pertença, que são elementos de convívio de todo indivíduo da nossa sociedade.

Além disso, entendemos que, ao explorarmos o universo infantil, exploramos o início da

formação de cidadãos, mesmo que ainda estejam sujeitos/as às transformações.

16

2 FEMINILIDADES E MASCULINIDADES: ASPECTOS DA CULTURA E DO

CONSUMO

A cultura como perspectiva de análise social é uma das possibilidades de

vislumbrar as significações, as constituições de verdade, os modos de ser, pensar e agir que

constituem e são constituídos nas ciências humanas e sociais, tal como explica Hall (1997).

Isto é, a cultura é perspectiva em pesquisas da Comunicação Social por estar intrínseca nos

diversos campos do conhecimento. O autor lista segmentos como: o estudo das linguagens, a

literatura, as artes, as ideias filosóficas, os sistemas de crença morais e religiosos, em que

considera serem ações sociais que fazem parte de um conjunto diferenciado de significados –

uma cultura. Dessa maneira, entende-se que a cultura possibilita o estudo de determinadas

sociedades, assim como os indivíduos possibilitam o estudo da cultura que pauta as ações

sociais, que são formadas por significados e realizadas por ―seres interpretativos, instituidores

de sentido‖ (HALL, 1997, p. 15).

A cultura é formada por um conjunto de ações sociais, codificadas por

significados que dá sentido aos indivíduos, que agem de acordo com o conjunto de normas

ditado socialmente, atribuídos aos indivíduos por meio do consumo cultural, sendo parte da

identidade do consumidor. Assim, os códigos possuem regras de conduta (ser e agir) ditadas

pelos indivíduos e vice-versa, possibilitando a interpretação de cada ser social por meio da

compreensão das ações sociais atribuídas pela cultura.

A ação social é significativa, tanto para aqueles que a praticam quanto para

os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados

sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em

relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às

nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas ―culturas‖.

Contribuem para assegurar que toda ação social é ―cultural‖, que todas as

práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido,

são práticas de significação. (HALL, 1997, p. 15)

Com base nas discussões do autor, podemos afirmar que as práticas sociais

expressam significados passíveis de interpretação, o que oportuniza construir determinadas

interpretações sobre os seres, pois mesmo diante da subjetividade humana, a cultura tem o

papel de guiar as pesquisas sobre tudo o que compõe determinada sociedade. Dessa maneira,

a cultura é formada por um conjunto de ações sociais que expressam algo para um

17

determinado grupo intrínseco nessa mesma cultura. Entretanto, temos visto que a cultura vem

sofrendo algumas mudanças com a ajuda da modernidade, pois, de acordo com Debord (2013,

p. 13, grifos do autor), ―[...] toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas

condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o

que era vivido diretamente tornou-se uma representação‖.

Hall (1997, p. 16) ainda discute que os estudos sobre a cultura com a

observação de um fenômeno: ―No século XX vem ocorrendo uma ‗revolução cultural‘ no

sentido substantivo, empírico e material da palavra. Sem sombra de dúvida, o domínio

constituído pelas atividades, instituições e práticas expandiu-se para além do conhecido‖. Isto

é, no século XX e início do século XXI, os fenômenos dos avanços tecnológicos, que

facilitaram na expansão da comunicação e revolucionaram a informação ajudaram a dissipar a

cultura para além dos países de origem – criando uma hibridização da cultura –, gerando o

que o autor chamou de Revolução Cultural.

As revoluções Cultural e Industrial marcam o consumo, pois a produção e a

aquisição de mercadorias passaram a ser exacerbadas. Com a facilidade para a compra,

elementos da cultura foram tutelados pelo consumo, por meio dos avanços da comunicação e

a necessidade cada vez mais crescente de encontrar uma identidade, no sentido de

pertencimento à algo que possa definir os indivíduos.

Ao mesmo tempo, a cultura tem assumido uma função de importância sem

igual no que diz respeito à estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à

disposição de seus recursos econômicos e materiais. Os meios de produção,

circulação e troca cultural, em particular, têm se expandido, através das

tecnologias e da revolução da informação. Uma proporção ainda maior de recursos humanos, materiais e tecnológicos no mundo inteiro são

direcionados diretamente para estes setores. Ao mesmo tempo,

indiretamente, as indústrias culturais têm se tornado elementos mediadores em muitos outros processos. (HALL, 1997, p. 16)

Em resumo, a troca de informação tomou proporções surreais quanto à

velocidade em que a comunicação é estabelecida. A informação tornou-se instantânea,

aproximando pessoas de diversas culturas – sem precisar de mais que um computador ou

smartphone, por exemplo.

Este processo gerou um ciclo no qual o consumo da cultura precisa dos

indivíduos para se expandir ou existir, e os indivíduos têm a necessidade de consumi-la, como

meio de definir a própria identidade. Ou seja, cultura está ligada ao consumo por meio dos

produtos ofertados, por possuírem significados sociais ligados à cultura – como uma roupa

18

que representa determinado grupo social, ou cultural. E o consumo é um fator que marca a

constituição das identidades, pois faz com que os indivíduos consumam valores culturais

atribuídos aos produtos, refletindo esses significados à si mesmos. Dessa maneira, o

sentimento de necessidade de consumo relacionado à sensação de pertença gerada pela mídia

publicitária, por meio da persuasão dos valores dados às mercadorias, é um dos fatores que

indicam uma constituição de identidade aos indivíduos.

Deste modo é que a mídia tem feito o papel de estimular padrões culturais

ou, até mesmo, pautar os conteúdos diários da sociedade. ―É, especialmente, aqui, que as

revoluções da cultura a nível global causam impacto sobre os modos de viver, sobre o sentido

que as pessoas dão à vida, sobre suas aspirações para o futuro — sobre a ‗cultura‘ num

sentido mais local‖ (HALL, 1997, p. 16). Dessa maneira, a globalização contribui para a

disseminação de diferentes culturas que podem transformar modos de ser e agir de uma

sociedade, construindo e desconstruindo padrões de sentido e significações, ou seja, causa

uma revolução cultural.

Debord (2013) relaciona essa ideia à uma ―sociedade do espetáculo‖, que

vive em função do imagético como fuga da realidade, em busca do parecer no lugar do ser. E

ainda diz que o espetáculo apaga os limites do eu e do mundo, por meio do esmagamento do

eu, sendo a supressão dos limites do verdadeiro e do falso. ―O reconhecimento e o consumo

das mercadorias estão no cerne dessa pseudorresposta a uma comunicação sem resposta. A

necessidade de imitação que o consumidor sente é esse desejo infantil, condicionados por

todos os aspectos de sua despossessão fundamental‖ (DEBORD, 2013, p.140).

Silva (2002, p. 01) discorre que o desenvolvimento tecnológico, a produção

em série e a criação de mercados em expansão, que tinham como objetivo satisfazer as

expectativas crescentes da sociedade, ―[...] levaram ao aparecimento de uma sociedade que

parece apenas ocupada em produzir e consumir‖. Esta gama de produtos, ofertas e promoções

alimenta cada vez mais o consumismo, segundo Costa e Mendes (2012, p. 08). Essa

superprodução impulsionou um mal da sociedade do consumo, em que, muitas vezes, os

indivíduos compram por impulso. Consomem pela sensação ilusória de necessidade que

ocorre ―[...] por desejo, por curiosidade, ou para não permitir o vazio do eu em destaque, na

qual um ator social sem estar a par de tendências da moda ou afins, passa a ser visto

distanciado pelos demais pelo fator cultural‖ (COSTA; MENDES, 2012, p. 08).

A Revolução Cultural, explanada por Hall (1997), ajuda a interpretar esse

comportamento que ocorre em todo o mundo, pois as ações sociais são formadas por uma

hibridização de diversas culturas, graças à proximidade que a tecnologia permite. Da mesma

19

maneira, notamos por meio da nossa análise, a utilização dessa tecnologia pela mídia, a fim de

viabilizar relações culturais, inspirando ações sociais como a maneira de se vestir, comer e se

portar, padronizado pela cultura.

Hall (1997) ainda analisa que há mudanças no cotidiano que foram

precipitadas pela cultura. Em que o ritmo da mudança é diferente em localidades geográficas

distintas, entretanto, são raros os lugares que estão fora do alcance de forças culturais que

desorganizam e causam deslocamentos, mesmo que haja diferenças na maneira como as

transformações se dão em cada grupo social, dificilmente haverá algum local que não sofra

com a atuação da cultura.

Pensemos na variedade de significados e mensagens sociais que permeiam

os nossos universos mentais; tornou-se bastante acessível obter-se informação acerca de — nossas imagens de — outros povos, outros mundos,

outros modos de vida, diferentes dos nossos; a transformação do universo

visual do meio urbano — tanto da cidade pós-colonial (Kingston, Bombaim, Kuala Lumpur) quanto da metrópole do ocidente — através da imagem

veiculada pela mídia; o bombardeio dos aspectos mais rotineiros de nosso

cotidiano por meio de mensagens, ordens, convites e seduções; a extensão das capacidades humanas, especialmente nas regiões desenvolvidas ou mais

―ricas‖ do mundo, e as coisas práticas — comprar, olhar, gastar, poupar,

escolher, socializar — realizadas à distância, ―virtualmente‖, através das

novas tecnologias culturais do estilo de vida soft. (HALL, 1997, p.19)

De acordo com essa asserção, é percebido que o acesso às diversas

informações sobre inúmeras culturas, desenvolvidos com a modernização e globalização,

causou esse processo de hibridização das culturas que, consequentemente, afetou ações

rotineiras da sociedade contemporânea. Práticas do cotidiano como comprar, usar ou agir,

sofreram mudanças culturais devido aos estímulos dados pela mídia ou peças publicitárias.

Hall (1997) reconhece que a cultura está presente nas vozes e imagens

incorpóreas que nos interpelam das telas ou nas ruas. A cultura se comunica a todo tempo em

nosso cotidiano, por meio de mensagens dadas, principalmente, por meio das imagens que nos

rodeiam por todos os lados como forma de propaganda, sendo um elemento chave na maneira

como o meio ambiente doméstico é associado às tendências e modas mundiais, por meio do

consumo. Para o autor, a cultura é

[...] trazida para dentro de nossos lares através dos esportes e das revistas

esportivas, que frequentemente vendem uma imagem de íntima associação

ao "lugar" e ao local através da cultura do futebol contemporâneo. Elas

mostram uma curiosa nostalgia em relação a uma ―comunidade imaginada‖, na verdade, uma nostalgia das culturas vividas de importantes ―locais‖ que

20

foram profundamente transformadas, senão totalmente destruídas pela

mudança econômica e pelo declínio industrial. (HALL, 1997, p. 19-20)

Com isso, padrões culturais se transformam em ―mercadorias‖, ou seja,

passam a ser consumíveis, pois os meios de comunicação acabam ―vendendo‖ a cultura, ao

trazer a sensação de necessidade de consumo nos indivíduos, que enxergam no produto

ofertado – seja material ou estilo de vida –, uma maneira de pertencer a uma determinada

cultura. Desse modo, identificam como sendo parte de si, mesmo que em uma tentativa de

buscar uma identidade fora de sua realidade. Isto ocorre, pois, ―[...] a cultura tornada

integralmente mercadoria deve também se tornar a mercadoria vedete da sociedade

espetacular‖ (DEBORD, 2013, p. 126)

Na tendência a consumir o chamativo, tudo o que é dado como espetacular –

fora da realidade própria, é que personagens públicas ou famosas tornam-se consumíveis ao

apresentar outras culturas com estilos de vida ou ações sociais distantes das ―comuns‖, como

qualquer produto mercadológico que apresenta qualidades superiores para causar a sensação

de necessidade para ser vendido. Causa a sensação de que é preciso ter ou parecer com o que

é dado como espetacular, para ser. ―O espetáculo domina os homens vivos quando a

economia já os dominou totalmente. Ele nada mais é que a economia desenvolvendo-se por si

mesma. É o reflexo fiel da produção das coisas, e a objetivação infiel dos produtores‖

(DEBORD, 2013, p. 18). Isto é, o consumo passou a fazer parte do ser dos indivíduos, que

dependem dos produtos para obter sensações de identidade e pertença.

A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma evidente degradação do ser

para o ter. A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos

resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do qual todo ‗ter‘ efetivo deve extrair seu prestígio

imediato e sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual

tornou-se social, diretamente dependente da força social, moldada por ela.

Só lhe é permitido aparecer naquilo que ela não é. (DEBORD, 2013, p. 18, grifos do autor)

De acordo com o autor, o espetáculo na sociedade corresponde a uma

fabricação concreta da alienação. ―Esse pensamento está inteiramente condicionado pelo fato

de não poder, nem querer, pensar sua própria base material no sistema espetacular‖

(DEBORD, 2013, p. 127), esse conjunto de conhecimentos a respeito do pensamento do

espetáculo acaba justificando uma sociedade que não possui justificativas devido a alienação.

21

O autor ainda se refere ao espetáculo como ―[...] uma permanente Guerra do

Ópio para fazer com que se aceite identificar bens a mercadorias; e conseguir que a satisfação

com a sobrevivência aumente de acordo com as leis do próprio espetáculo‖ (DEBORD, 2013,

p.32). O espetáculo intenta persuadir os indivíduos a se identificarem cada vez mais aos bens

mercadológicos, tomando os valores atribuídos aos produtos à própria descrição de

identidade, fazendo com que quanto mais os indivíduos consumam o espetáculo, mais

precisarão dele para satisfazer seus desejos pessoais de pertença, por meio da afirmação

própria, mesmo que esta afirmação parte de uma falsa consciência de ser.

Mas, se a sobrevivência consumível é algo que deve aumentar sempre, é porque ela não para de conter em si a privação. Se não há nada além da

sobrevivência ampliada, nada que possa frear seu crescimento, é porque essa

sobrevivência não se situa além da privação: é a privação tornada mais rica. (DEBORD, 2013, p. 32, grifos do autor)

Dessa maneira, o espetáculo é utilizado como mecanismo para dar valor a

mercadorias como bens de consumo necessário, como a ideia de a própria cultura se tornar

consumível por diversos tipos de sociedade, por exemplo. Entretanto, para que isso se torne

possível, houve a necessidade de buscar mecanismos mediadores aos consumidores e,

consequentemente, entre as culturas: a propaganda é um dos artifícios utilizados para cumprir

esse papel. Neste contexto de sociedade do espetáculo, é que a propaganda ganha espaço na

utilização de um conjunto de signos que formam os dispositivos para intermediar certos

valores culturais – que aqui neste trabalho será focado nos valores de identidade de gêneros –

utilizando de signos para marcar, definir e apontar modos de ser, pensar e agir.

Com isso, a propaganda, por meio de estímulos e estratégias de persuasão,

movimenta dispositivos de generificação e de educação de identidades com auxilio da ideia

do consumo em uma sociedade do espetáculo. Entretanto, para sabermos como a identidade

de gênero é impulsionada por meio desses dispositivos, precisamos colocar em pauta o

conceito de gênero, para possibilitar a interpretação da relação do conceito com os

dispositivos impulsionadores de identidade de gênero utilizados pela publicidade.

Devido às questões biológicas, culturais, sociais e políticas que interferem

nas noções de gênero e sexualidade, as pesquisadoras feministas dialogam diferentes vertentes

teóricas sobre o conceito de gênero. Mesmo em disputa em linhas de movimento social e de

pesquisa científica, aproximamo-nos da explicação de Scott (1995) que é abordada em duas

categorias para pensar as questões de gênero referentes à história:

22

A primeira é essencialmente descritiva, isto é, ela se refere à existência de

fenômenos ou realidades sem interpretar, explicar ou atribuir uma

causalidade. O segundo uso é de ordem causal, ele elabora teorias sobre a natureza dos fenômenos e das realidades, buscando entender como e porque

aqueles tomam a forma que eles têm. (SCOTT, 1995, p. 06).

Dentro dessas abordagens, a primeira das categorias teoriza o gênero sem

buscar explicações de causa e a segunda aprofunda os conhecimentos nas respostas do

―como‖ e do ―por que‖. Scott (1995, p. 6) ainda relata que ―[...] no seu uso recente mais

simples, ‗gênero‘ é sinônimo de ‗mulheres‘. Livros e artigos de todo o tipo, que tinham como

tema a história das mulheres substituíram durante os últimos anos nos seus títulos o termo de

‗mulheres‘ pelo termo de ‗gênero‘‖. Entretanto, a autora considera isso como somente um

aspecto, já que gênero sugere que um estudo – dos sexos – necessita do outro.

Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais

entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de

subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm

uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de

indicar as ―construções sociais‖ – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se

referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos

homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT, 1995, p. 7)

De acordo com Scott (1995), com o aumento dos estudos sobre sexo e

sexualidade, o gênero se tornou uma palavra muito útil, pois oferece um meio de identificar e

separar a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens. Isto é, por meio

desses estudos, ficou explícito que não era possível estudar a mulher excluída do universo

masculino e vice-versa, ambos possuem papéis demarcados culturalmente na sociedade, dessa

maneira, gênero, como uma nomenclatura, trouxe o benefício de interpretar esses papéis

exercidos por ambos, sem sofrer com a tentativa de analisá-los de forma separada dentro das

ações sociais, mesmo que os papéis e identidades – culturalmente determinados – sejam

diferentes para homens e mulheres.

Segundo Del Priore (2000), a mulher brasileira viveu, nos últimos anos,

diversas transformações físicas, que tentam realçar a feminilidade por meio do sensual. As

invenções de cosméticos e o mercado das roupas femininas, que marcam o processo de

transformar o corpo feminino em produto social, cultural e histórico, por nossa sociedade que

regulamentou os usos, normas e funções para este produto.

23

O aprofundamento dos decotes levou-a a aderir à depilação. O espartilho, graças ao trabalho feminino nas fábricas, diminuiu e se transformou em

soutien para possibilitar uma maior movimentação dos braços. ―Manter a

linha‖ tornou-se um culto. A magreza ativa foi a resposta do século à gordura passiva da belle époque. (DEL PRIORE, 2000, p. 09)

Por meio do discurso da autora, percebemos que a revolução da beleza

feminina tem acompanhado a evolução do consumo feminino em busca da beleza e dos

padrões perfeitos do corpo, do desejo e da sensualidade. Entretanto, para Del Priore (2000, p.

13), o diagnóstico das revoluções femininas até o século XX é considerado ambíguo. Pois

―[...] aponta para conquistas, mas também para armadilhas‖. Deste modo, a mulher

conquistou espaço na sexualidade, no trabalho e na família, mas também adquiriu nestes

campos frustrações.

A tirania da perfeição física empurrou a mulher não para a busca de uma

identidade, mas de uma identificação. A revolução sexual eclipsou-se frente

aos riscos da aids. A profissionalização, se trouxe independência, trouxe também estresse, fadiga e exaustão. A desestruturalização familiar onerou

sobretudo os dependentes mais indefesos: os filhos. (DEL PRIORE, 2000, p.

13)

Assim, temos a mulher como centro dos estudos sobre a sexualidade e,

consequentemente, nas discussões de gênero, entretanto, temos visto que os gêneros ficam

dependentes um do outro nas análises sobre os papéis de gênero na sociedade. Pois temos os

homens e as mulheres se relacionando em suas representações sociais e culturais. Del Priore

(2000, p. 14) relata que ―[...] a higiene e o esporte primeiro reabilitaram os corpos masculinos;

mas as mulheres rapidamente seguiram os homens‖. Novamente colocando os gêneros como

dependentes, mesmo que analisados de forma separada.

A autora ainda diz que a mulher tornou-se correspondente ao equilíbrio

entre a tríade beleza-saúde-juventude. Em que ―[...] as mulheres cada vez mais são

empurradas a identificar a beleza de seus corpos com a juventude, a juventude com saúde‖

(DEL PRIORE, 2000, p. 14). E explica que essas são basicamente as três condições culturais

da fecundidade, isto é, a mulher é alvo de desejo como objeto de perpetuação da linhagem,

dando valor aos quadris femininos, que representam sua aptidão para a maternidade. Por isso,

culturalmente, temos percebido a mulher com o papel de reproduzir e criar os descendentes,

ou, em resumo, com papéis domésticos.

24

Whitaker (1992) pode vivenciar essa cultura, que rodeia os papéis

designados a ambos os sexos, em diversas análises sobre a diferenciação aparente do

comportamento masculino e feminino, que ocorre em várias sociedades no Oriente e no

Ocidente – na maneira de ser, pensar e agir desde o ventre materno. Até a forma como são

criados: os meninos para serem fortes, para sustentar a casa e as meninas para serem delicadas

e ajudarem a mãe nos serviços domésticos, até mesmo, cuidar dos pais na velhice.

Mesmo com a modernização e os movimentos sociais feministas do século

XX, tarefas domésticas ainda se restringem às mulheres e as tarefas ligadas ao mercado de

trabalho, ainda se restringem aos homens. A autora relata que ainda na gravidez o menino é

visto como um indivíduo que nasce para vencer a vida sem sofrimento:

Mas a ―didática da gravidez‖ se perpetua por métodos agora mais sutis: ―É

melhor ter filho-homem. Mulher sofre muito‖. (!?) Como se homem não sofresse! A diferença está em que tem de sofrer calado já que ―homem não

chora‖. E acima de tudo, porém, permanece o orgulho e o prestígio que se

projeta sobre o casal no momento em que nasce o filho-homem.

(WHITAKER, 1992, p. 20)

A menina, em sua criação para ser filha, é tratada como uma boneca,

delicada, sensível aos sofrimentos da experiência de vida e, principalmente, necessária:

Quanto às meninas, são infinitamente úteis: ―São mais carinhosas‖ (pobres

meninos, bloqueados em sua afetividade), ―São mais companheiras!‖, ―São

tão engraçadinhas‖. Certas mulheres declaram: ―Quero ter uma menina‖ (depois do menino, é claro), ―para enchê-la de lacinhos e rendinhas‖. O

fundamental na utilidade das meninas é o papel que desempenham dentro de

casa auxiliando a mãe no trabalho doméstico. (WHITAKER, 1992, p.21)

Dessa maneira, percebemos que culturalmente, a constituição identitária de

gêneros começa a ser formado já na educação informal – com o tratamento dos pais quanto à

maneira como devem agir e sentir – para continuar o processo, também, na educação formal e

na mídia – ou propagandas.

Também é perceptível que, mesmo que haja a valorização do filho-homem

por simplesmente ser homem, sem necessidade de ser útil, as mães – que também já foram

meninas condicionadas às características que as separaram das ações masculinas – absorvem

essa preferência cultural do filho-homem.

O ser humano nasce não só desprotegido, mas também completamente

despreparado para a vida social. Há animais que já nascem programados

25

para as principais atividades que devem desempenhar nos complicados

esquemas ecológicos do planeta Terra. O ser humano não só afastou-se da

natureza, tornando-se um animal ―artificial‖, como é ele próprio, ao nascer, uma massa extremamente plástica, que será moldada em possibilidades

infinitas e variadas, que os cientistas chamam culturas. (WHITAKER, 1992,

p. 24).

É devido a este conceito do ser humano (nascer como um papel em branco),

que somos moldáveis culturalmente. Ao nascermos já estamos sendo interpelados por muitos

discursos, prontos ao contato com a vida social, que nos faz adquirir experiências que ajudam

a constituir uma identidade, um caráter, hábitos, etc. As características de comportamento e a

maneira de expressar sentimentos são moldados pelas experiências sociais, que também nos

permite agir de acordo com os papéis que diferem os homens das mulheres, estabelecidos pela

sociedade, amoldando à cultura.

Segundo Lessa (2005), o discurso publicitário sobre as mulheres possibilita

focalizar as relações de gênero na sociedade de consumo, em que acredita colocar a mulher

em dois papéis:

O primeiro pressuposto que será aqui defendido é o de que a publicidade tem vendido a ideia das mulheres como objeto de consumo, via produção e

apropriação dos papéis sexuais e sociais destinados a estas. O segundo

pressuposto, a ―Mulher‖ padrão ou as mulheres como sujeitos unificados, presas ao modelo, ao padrão, tornam-se consumidoras desse modelo. Ou

seja, ela é constituída e constrói o modelo, num constante ir e vir. (LESSA,

2005, p. 05)

A autora discute sobre a visão da publicidade quanto o que é tratado como

feminino, em que temos contato com uma mulher irreal, que nunca envelhece, não possui

rugas ou estrias, gerando um ideal intocável de mulher, por meio de uma produção em série

de modelos e de recursos fotográficos, ―[...] muitas e diferentes são as mulheres consumidoras

retratadas nos anúncios, que já fazem parte de nosso cotidiano‖ (LESSA, 2005, p. 29). Dessa

maneira, temos o comportamento comercializado junto aos produtos e marcas, em que

diferentes mulheres criam um ideal a ser seguido de uma única visão de feminino. É por meio

desses padrões únicos vendidos pela publicidade, que elas intentam ser e agir com os

significados dos produtos adquiridos. É dentro desse conceito que interpretamos nosso objeto

de pesquisa, em que a identidade de gênero é educada por meio das propagandas. Os produtos

estão associados aos comportamentos diferenciados entre os gêneros pela sociedade.

Esta discussão no leva a interpretar a propaganda como um mecanismo que

impulsiona a constituição de identidades, pois do mesmo modo que diferentes mulheres

26

buscam um padrão ideal de mulher para se espelharem por meio da publicidade e,

consequentemente, do consumo, diversas crianças buscam padrões de identidade de gênero

para pertencerem ao modelo ideal de menino ou menina significado pela publicidade.

Whitaker (1992, p. 27) cita um experimento realizado nos Estados Unidos.

Bebês dos dois sexos foram apresentados aos estudantes universitários em dois momentos

distintos: ora todos vestidos como meninos e ora vestidos como meninas.

Quando um dos bebês chorava, se suposto menino, os comentários

interpretavam o choro como uma manifestação de cólera, uma prova de que, ―como homem‖, já tentava agir sobre o mundo. Quando o choro era de um

bebê vestido de menina, os comentários giravam em torno da ideia de que a

―menina‖ estava choramingando porque alguma coisa não estava bem.

(WHITAKER, 1992, p. 27)

Este experimento evidencia que uma ação como o choro, comum entre

ambos os sexos, trazem concepções diferentes por estarem apenas vestidos como menino ou

como menina. Dessa maneira, notamos que a identidade de gêneros é formada por diversas

ações sociais dentro da cultura, pois nascemos condicionados à essa segmentação em tudo o

que nos rodeia.

Com estes conceitos, podemos expor os elementos que marcam as

diferenciações de gênero atreladas à cultura em nossos objetos de pesquisa. Foram escolhidas

duas propagandas das sandálias da Grendene Kids segmentadas por gênero, a fim de

interpretarmos separadamente os signos utilizados para persuadir o público infantil, com

sentidos diferentes para cada gênero, embora as propagandas possuam características comuns

em sua construção.

As duas propagandas são de 2013 com 30‖ de duração e possuem

dispositivos que impulsionam a formação de identidade de gênero por meio do consumo,

atrelados aos valores de pertença, que causam uma sensação de necessidade. Estas

propagandas contam histórias diferentes, por impulsionar comportamentos distintos à cada

gênero, entretanto, possuem semelhanças em alguns momentos ápices.

A propaganda voltada ao público feminino sugere por meio de elementos

como: decoração, linguagem e maneira de agir, papéis sociais das mulheres estipulados pela

nossa cultura ocidental. Podemos perceber a predominância de cores vibrantes em todo o

cenário, nas vestimentas e nas sandálias (produto de venda da propaganda) utilizadas pelas

personagens, afirmando estas cores como pertencentes ao universo feminino. A maneira como

as meninas andam, como quem desfila, com bons modos e educação, e a maneira calma com

27

que se portam, dentro de um único cenário em espaço fechado, também sugere valores

socioculturais destinados ao papel das mulheres na sociedade. Afirmando o que temos

analisado até aqui: a mulher como pertencente ao espaço fechado – principalmente o

doméstico –, agindo de forma bem educada na maneira de andar e estabelecer diálogo uma

com as outras, com elogios e sorrisos largos.

Da mesma maneira, elementos estratégicos são utilizados na propaganda

voltada ao público masculino a fim de sugerir os papéis sociais masculinos. Percebemos,

portanto, a predominância de cores opacas em todo o cenário, nas vestimentas e nas sandálias

(produto de venda da propaganda) utilizadas pelo personagem, afirmando estas cores como

pertencentes ao universo masculino. A maneira como o menino se porta, correndo em todos

os 30‖ de propaganda, competindo com todos que estão em seu caminho entre a casa e a

escola, passando por cenários públicos, também sugere valores socioculturais destinados ao

papel masculino na sociedade. Afirmando o que temos analisado até aqui: o homem como

pertencente ao espaço aberto – principalmente o ambiente de trabalho –, agindo com rispidez,

correndo como quem corre atrás de algo que lhe faça vencer, para ser o primeiro, para

cumprir o papel de provedor da casa, por exemplo.

Deste modo, mesmo com as diferenciações de gênero, temos como valor,

atribuído às sandálias, a sensação de pertença por meio do consumo dos produtos. Entretanto,

impulsionados com conceitos diferentes a fim de persuadir de forma específica cada um dos

gêneros, utilizando de valores socioculturais como, para as meninas, a ideia de que as

personagens só estão bonitas, ou vestidas de acordo com a moda, por estarem utilizando as

sandálias e, consequentemente, só fazem parte do grupo por causa dessas características em

comum, causadas pela utilização do produto. E, para os meninos, a ideia de que você só

supera os obstáculos e consegue passar à frente de todos no caminho, sendo o mais rápido,

por estar utilizando a sandália e, consequentemente, fazendo parte do grupo dos vencedores

por causa dessas características em comum, também causadas pela utilização do produto.

Outra semelhança entre as propagandas são os brindes ofertados junto à

aquisição das sandálias – um esmalte para as meninas e um cronômetro para os meninos –,

mexendo os valores de ganho (ou vantagem) das crianças, afirmando valores culturais dos

papéis dos gêneros, associando as meninas à ideia de beleza e os meninos à ideia de agilidade

e, novamente, impulsionando valores de pertença, pois não é preciso somente ter as sandálias,

mas também é preciso ter os esmaltes que combinem com elas e o cronômetro que reforça a

competição nas brincadeiras entre os meninos.

28

Estes conceitos atribuídos à construção das propagandas foram agregados

aos produtos por meio dos signos utilizados pela publicidade e conhecidos pela sociedade,

com a ajuda dos valores culturais, a fim de persuadir o público-alvo dentro do universo a que

pertencem (infantil), com elementos conhecidos por meio das experiências sociais de cada

gênero.

2.1 Interpelações do desejo: a publicidade como convite

Com base no objetivo de destacar as relações entre identidade de gênero e

consumo, no intuito de investigarmos os dispositivos de significação que constituem a

educação de meninos e meninas por meio de propagandas, enfocamos no universo infantil, em

que se está em formação identitária, tendo contato à cultura ensinada pela mídia, em casa ou

nas escolas, por exemplo, em que são educados a possuírem características específicas para

meninos ou para meninas, definidas culturalmente, como temos visto nos estudos de alguns

pesquisadores, que foram utilizados para embasar esta pesquisa, estabelecer critérios de

relevância deste trabalho e desenvolver a hipótese das análises aqui realizadas.

Para realizar a análise de propagandas, é necessário entender alguns

conceitos sobre a publicidade e sua relação com a cultura do consumo. Nesse contexto, este

trabalho se relaciona com a pesquisa de Costa e Mendes (2012): A publicidade como

ferramenta de consumo: uma reflexão sobre a produção de necessidades. Pois, as autoras

relatam que a publicidade se constitui como um verdadeiro sistema de comunicação e prepara

a sociedade para os movimentos ideológicos, já que hoje o problema não é mais produzir,

como na época do fordismo, mas vender. E expõem que para que esse ideal seja alcançado,

―[...] a publicidade precisa organizar a demanda e a produção de necessidades‖ (COSTA;

MENDES, 2012, p. 04). Ainda, discorrem sobre a necessidade de a propaganda utilizar

estratégias para atingirem fins comerciais junto ao público-alvo, conceito também entendido

para analisar nosso objeto de pesquisa: a utilização de dispositivos como estratégia de

estímulo a necessidade de consumo pelas crianças, por meio da constituição das identidades

de gênero.

A intenção é divulgar as características e qualidades inerentes ao produto para que, assim, os consumidores façam suas escolhas de acordo com suas

necessidades e/ou desejos. O discurso publicitário não se constitui

unicamente de informações objetivas sobre os produtos a serem vendidos, mas de um processo de comunicação social complexo em ressonância com

as forças do imaginário dos indivíduos. Deste modo, diante de tantos

29

produtos assemelhados, o discurso publicitário tem o papel de diferenciá-lo.

(COSTA; MENDES, 2012, p. 04).

Assim como as propagandas aqui analisadas, o discurso da publicidade não

é elaborado unicamente por informações objetivas, mas também de conceitos subjetivos da

mente dos indivíduos, como a cultura e conhecimentos de pessoais de mundo. Com isso, a

publicidade entende que precisa utilizar de estratégias que sugiram ao imaginário dos

indivíduos uma sensação de pertença por meio do consumo e também se diferenciem dos

tantos produtos semelhantes ofertados pelo mercado.

De acordo com Sant‘anna (2005), a publicidade atual substituiu o velho

ditado ―o segredo é a alma do negócio‖, pelo conceito de que ―a propaganda é a alma do

negócio‖ e, por fim, pela temática mais real: ―propaganda vende, educa e estimula o

progresso‖ (SANT‘ANNA, 2005 apud COSTA; MENDES, 2012, p. 04). Este último

conceito, abrange nosso estudo justamente no que diz respeito a educar e estimular, pois

temos a publicidade como estímulo para a formação da identidade de gênero na infância, por

meio dessas estratégias, que tratamos como dispositivos nesta pesquisa.

Costa e Mendes (2012, p. 05) sugerem que a publicidade não é apenas uma

técnica comercial que visa tornar necessário o consumo, mas também pode ser considerada

um produto sociocultural, ―[...] e essa estreita relação com a sociedade faz da publicidade um

reflexo da cultura contemporânea, podendo ser fator dinâmico de evolução por meio de sua

estratégia sugestiva‖. Isto é, por meio da produção em massa, resultado da Revolução

Industrial, o consumo também passa a ser massivo. Entretanto, para que isso ocorra, a

propaganda utiliza de estratégias de cunho psicológico, a fim de obter resultados a partir da

persuasão com a sociedade que se relaciona com a propaganda diariamente.

A publicidade é, portanto, o meio pelo qual permite o anunciante entrar na

cabeça do consumidor para provar e estabelecer o posicionamento da marca

transmitindo a sua mensagem e recriando e/ou despertando necessidades de consumo. Nesta perspectiva, a publicidade tem a finalidade de levar seu

público-alvo à aquisição de produtos. Segundo Kotler (1998, p.5) ―[...]

qualquer coisa capaz de satisfazer uma necessidade pode ser chamada de

produto‖. Neste sentido, utiliza-se o termo produto como sendo aquilo que é oferecido para satisfazer o desejo do consumidor. (COSTA; MENDES,

2012, p. 05).

Essa sentença se identifica com o nosso estudo ao perceber que a

publicidade não é apenas um meio de vender, mas também se tornou um produto de ordem

sociocultural, já que a relação com a sociedade fez da publicidade um reflexo da revolução

30

cultural que passamos no século XX e início do século XXI. Com a chegada da indústria

massiva e a exacerbação do consumo causada pela sensação de necessidade estimulada pelas

estratégias publicitárias, a própria propaganda passou a ser mercadoria, em que é consumida

em tudo o que ela engloba: a cultura como estilo de vida, linguagem e comportamental.

Dessa maneira, buscamos perceber a maneira como a publicidade educa por

meio dos padrões culturais de comportamento e busca de identidade de gênero, relacionados

ao consumo. Pois, de acordo com Costa e Mendes (2012, p.08), podemos afirmar que ―[...]

provavelmente o consumismo não existiria sem a Publicidade, e é por seu intermédio que se

desenvolvem novos padrões de consumo‖, surgindo novas necessidades, não somente físicas

e psicológicas, mas principalmente sociais.

O fator consumismo é cada vez mais alimentado pela gama de produtos,

ofertas e promoções. Muitas pessoas compram produtos muita das vezes nem necessitados em sua vida ou meio social. As compras acontecem por

desejo, por curiosidade, ou para não permitir o vazio do eu em destaque, na

qual um ator social sem estar a par de tendências da moda ou afins, passa a

ser visto distanciado pelos demais pelo fator cultural. (COSTA; MENDES, 2012, p. 08)

Para sustentar a ideia da maneira como nosso objeto utiliza de dispositivos

para instigar o público-alvo (crianças) na formação da identidade de gênero, é necessário

embasar nossa pesquisa sobre como o discurso simbólico da publicidade atua como estratégia

– como já discorremos anteriormente. Santos (2011), com sua pesquisa: A dimensão

simbólica do discurso publicitário, trouxe ideias complementares às nossas pesquisas.

A autora relata que o papel da publicidade está em diferenciar produtos que

se assemelham, incorporando à ela valores sociais, que causem a sensação de necessidade, por

motivos como – busca de identidade, estilo de vida ou pertença. Santos (2011, p. 03) explica

que ―[...] quando se adquire um produto, também se compra aquilo que representa, porque ao

ter uma alma, uma identidade, um posicionamento e valores associados, essa significação será

transposta para aquele que o ostentar‖. Dessa maneira, os hábitos de consumo logo são

sugeridos, já que serão interiorizados determinados juízos de valor. ―Os sujeitos afirmam-se,

evidenciam-se, demarcam-se e realizam-se, através das características sígnicas das coisas, que

assumem um carácter de adjectivação. Portanto, também as pessoas são categorizadas e

rotuladas‖ (SANTOS, 2005 apud SANTOS, 2011, p. 03). A publicidade tem o papel de

conotar certos valores como estratégias que instiguem o consumo, porque os indivíduos

31

tendem a serem rotulados, ou seja, tendem a limitar-se a características específicas de uma

identidade que os levem a pertencer a um determinado grupo.

Mediante esta perspectiva, a avaliação dos restantes membros da sociedade

não poderá descurar a análise deste domínio: os pertences que os rodeiam

indicam alguns dos seus atributos, indiciam modos de vida, representam formas de pensar e de estar, permitindo estabelecer um perfil estereotipado

dos seus possuidores, através de um mecanismo de descodificação, de uma

extracção de sentidos. Deste modo, os indivíduos são percepcionados a partir da observação, não apenas dos seus comportamentos, atitudes ou posturas

adoptadas, mas também do que consomem, caracterizando-se não apenas

pelo que lhes é inato, como a personalidade ou a aparência, mas também por algo que lhes é exterior: pelas marcas adquiridas. (SANTOS, 2011, p.03)

Com base no excerto, evidenciamos que os produtos relacionam-se com o

valor que o consumidor busca para interagir com outros sujeitos, nos grupos sociais aos quais

pertence, com o objetivo de valorar-se, construir representações e significações sobre seus

modos de ser, pensar e agir. É com essa ideia que entendemos que nosso objeto de pesquisa

consegue atingir o público infantil, foco de nossa pesquisa. Nas propagandas escolhidas para

análise, a utilização de dispositivos indicadores de valores sociais e estilos de vida induzem o

público infantil a buscar tais valores fazendo-os sentirem necessidade de pertencerem a esses

conceitos por meio do consumo do produto.

O consumo do produto passa a ser essencial na formação de suas

identidades – aqui focadas em gênero – por possuírem valores intrínsecos. A ideia de que a

aquisição do bem material fará com que o menino pertença ao grupo masculino e a menina ao

grupo feminino, faz com que valores culturalmente sugeridos, como cores quentes para

meninas e frias para meninos, por exemplo, sejam buscados pelo público infantil a fim de

pertencerem ao mesmo grupo de identidade de gênero.

Santos (2011, p. 05) pressupõe que se os produtos possuem significados

dentro do contexto social e a sociedade os utiliza para ser destaque socialmente, então a

publicidade pode ser considerada como uma instituição de socialização influenciadora da

modernidade. Isto é, por meio da interação estabelecida com os bens, o indivíduo necessita

desse processo sígnico, que dá potência ao poder detido pela publicidade, devido à capacidade

simbolicamente persuasiva, que consegue tornar qualquer produto em objeto de desejo.

Ao conferir um sentido a marcas e respectivos produtos, estes acabam por

emitir, silenciosamente, pareceres acerca da identidade do seu detentor.

Assim, concebem-se campanhas publicitárias capazes de explorar esse

legado impalpável, para que sobre os bens publicitados se repercuta um

32

sentido, uma significação. Desta forma, escolhem-se, minuciosa e

criteriosamente, cenários, personagens, ambientes, linguagens, tudo

elaborado com o propósito de conduzir o indivíduo à acção, mediante o que é proposto, seja por este se identificar com o que é divulgado, reflectindo-se,

através da compra, um pouco do que o sujeito é, ou por tender beneficiar da

conotação do objecto, prometida no anúncio, convergindo com a

materialização do que o receptor ambiciona ser (SANTOS, 2005 apud SANTOS, 2011, p. 05)

Santos (2011, p. 06) ainda discorre que a publicidade possibilitou a

existência de algo que pudesse ser a simultânea troca de lucro, isto é, ―[...] a pessoa adquire

determinado pertence e este encarregar-se-á de veicular um significado para o utilizador, que

lucrará, simultaneamente, com a respectiva aquisição‖. Desta forma, as vantagens se

acumulam na medida em que os objetos conotados de sentido. Com isso, a autora afirma ―[...]

os hábitos de compra são conotados, apresentando uma importância fulcral na construção

identitária‖ (SANTOS, 2011, p.06).

O discurso dos pesquisadores Zablonsky e Staniszewskiz (2011) na pesquisa

A Propaganda na Construção do Repertório Infantil sugere à característica de a

propaganda ter o papel de construir um repertório, que significa ―[...] um conjunto de

vivências tanto sociais quanto culturais adquiridas no dia-a-dia, através das quais o indivíduo

determina sua conduta em momentos determinados da vida‖ (ZABLONSKY;

STANISZEWSKIZ, 2011, p. 06). São experiências sociais que influenciam e formam seres,

ou identidades de gênero – no foco que estipulamos como pesquisa.

Os autores atribuem à propaganda o papel de comunicar, entretanto, com

foco na mensagem codificada para ser persuasiva, colocando a publicidade no grupo de

Comunicação Social. ―Portanto, mais que uma simples mensagem persuasiva na vida de seu

receptor, a Comunicação Social é responsável por compor, manter e até mesmo transformar o

espaço sociocultural em que o ser humano se encontra‖ (ZABLONSKY; STANISZEWSKIZ,

2011, p. 04). Deste modo, a persuasão da mensagem publicitária tem a capacidade de

modificar a cultura social por meio da indicação dos dispositivos utilizados. Entretanto, é

necessário pautar que a publicidade é mais que uma maneira de se impor ou distorcer a

realidade a fim de trazer a sensação de necessidade de consumo,

[...] a propaganda reflete os valores da ideologia dominante, os valores em

que a sociedade acredita. Ela mostra uma forma de ver o mundo. Por isso, são comuns nas peças publicitárias ideias como: valorização do sucesso, do

belo, do bem educado, do moderno, do alto padrão, da classe, da elegância,

do êxito no amor. O estudo da linguagem persuasiva está relacionado com o

estudo do signo, que, por sua vez, está ligado ao estudo da ideologia

33

(ANDRADE; MEDEIROS, 2006 apud ZABLONSKY; STANISZEWSKIZ,

2011, p. 04)

Com isso, podemos entender que a mensagem persuasiva é codificada para

atingir o público-alvo, que irá decodificar a mensagem por meio de suas experiências sociais.

Contudo, Zablonsky e Staniszewskiz (2011) discorrem que a comunicação visual pertence a

um processo facilitador na decodificação da mensagem, que está carregada de valores sociais.

Essas solicitações e abordagens de que o ser humano é objeto começam

ainda na infância e costumam vir valorizadas através do visual, do expresso,

em detrimento da palavra escrita, que dispensa mais tempo, mais pensamento, reflexão, através de um processo em que a mídia surge como

facilitadora. (ZABLONSKY; STANISZEWSKIZ, 2011, p. 04)

Buoro (1998), citado por Zablonsky e Staniszewskiz (2011, p. 07), ressalta a

criança como vítima da persuasão ―[...] dessa sociedade de consumo em que vive, submetida a

normas e modelos oriundos de estereótipos que dificultam a construção de um olhar mais

crítico e significativo‖. E apresenta a publicidade voltada ao público infantil como um

problema, já que a criança está condicionada à confirmar os fatos e não a contestar ou

duvidar, isso faz com que possuam dificuldade em diferenciar o que é realidade e o que é

publicidade.

Zablonsky e Staniszewskiz (2011) discorrem que, mesmo que as

propagandas tenham como público as crianças que assistem determinada programação, há um

uso excessivo de merchandising, dificultando a diferenciação entre o que é e o que não é

comercial. Com base em Breton (1999), os autores relatam que já há conhecimento de que

crianças com idade pré-escolar ainda não são capazes de fazer qualquer distinção entre o que

são programas infantis e o que são propagandas. ―O que não fica claro também para as

crianças é o entendimento de que um mesmo discurso pode ter significados diferentes,

dependendo de quem o estiver proferindo‖. (ZABLONSKY; STANISZEWSKIZ, 2011, p. 07)

Com esses estudos aqui apresentados, podemos ver esta pesquisa como uma

contribuição para a análise de como as propagandas são artefatos que participam na

constituição de interpretações. Por meio da leitura, análise e interpretações desses materiais

pode ser constituídas leituras diferentes, análises dos processos de valoração, de produção e,

também, contribui a repensar os valores, as práticas e os processos contemporâneos. Dessa

maneira, podemos embasar esta análise às outras pesquisas que colocam a publicidade como

impulsionadora de juízos de valores, cultura e estilos de vida, através de dispositivos

34

propositalmente colocados a fim de persuadir o público-alvo ao consumo, dando uma falsa

consciência de necessidade, principalmente, por abordar questões sociais cotidianas como

valores de pertença, identidade e de status. E ainda, a maneira como esses dispositivos podem

atingir o público infantil de maneira mais efetiva, por estarem em uma fase de

desenvolvimento.

35

3 OLHARES TEÓRICO-METODOLÓGICOS: CONSTRUINDO UM CORPUS DE

ANÁLISE

Analisar propagandas por meio da Semiótica como método de pesquisa nos

leva a uma natureza do trabalho de caráter qualitativo, por pautar os estudos deste trabalho na

interpretação da realidade. Preocupa-se com o ―[...] caráter hermenêutico na tarefa de

pesquisar sobre a experiência dos seres humanos‖ (LESSA, 2008, p. 07). Segundo Gerhardt e

Silveira (2009, p. 31) ―[...] a pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade

numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma

organização, etc.‖. Dessa maneira, esta pesquisa possui caráter qualitativo, pois não pretende

chegar a resultados numéricos, investigando por meio da análise um conceito sociocultural

sobe identidade de gênero na infância.

Moreira (2002) aborda seis características básicas dessa metodologia, que

inclui: Interpretação como foco; Subjetividade enfatizada; Flexibilidade na conduta do estudo;

Interesse no processo e não no resultado; O contexto como intimamente ligado ao

comportamento das pessoas na formação da experiência; e o reconhecimento de que há uma

influência da pesquisa sobre a situação, admitindo-se que a pesquisadora também sofre

influência da situação de pesquisa. Tais características estão intrínsecas neste trabalho, que

busca analisar o processo da formação identitária de gêneros na infância, por meio de

comportamentos e experiências sociais.

Problematizar as propagandas ofertadas no contexto capitalista para a

constituição das identidades de gênero requer, também, o auxílio da pesquisa bibliográfica

para embasar nossas discussões, que buscam analisar a formação identitária, principalmente,

por meio do consumo.

Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que

permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente na

pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o

objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta. (FONSECA, 2002, p. 32)

A pesquisa bibliográfica nos permite agregar ao nosso trabalho outros

estudos sobre o tema abordado. É por meio dela que buscamos o que já foi estudado sobre o

universo infantil no contexto do consumo, influência dos mecanismos de persuasão utilizados

36

pela publicidade para atingir o público-alvo e também sobre a cultura em que estamos

inseridos, em que o consumo está ligado aos desejos dos indivíduos de encontrar uma

identidade, em que a necessidade de sentir-se pertencente a determinado grupo seja suprido

por meio dos produtos consumidos.

Depois de construir a base bibliográfica do trabalho, com contextos

históricos e pesquisas realizadas sobre os assuntos anteriormente citados, será necessário

analisar o objeto de estudo escolhido para esse trabalho – a propaganda voltada ao público

infantil, segmentada para cada gênero. Mais especificamente, analisar os signos que formam

dispositivos que tendem a impulsionar a formação da identidade de gênero por meio do

consumo e da sensação de necessidade, causada intencionalmente para persuadir enquanto

atinge o psicológico e/ou emocional dos indivíduos por meio do espetáculo. Com isso, é

possível interpretar como estes elementos são utilizados pela propaganda e a maneira como

ela sugere a formação da identidade de gênero, ou seja, a maneira como os indivíduos são

estimulados neste processo.

Para desenvolver essa análise, será utilizado o método de pesquisa

Semiótica, pois de acordo com Candello e Hildebrand (2006, p. 01), ―[...] os estudos

semióticos permitem a observação dos fenômenos e de seus significados através dos signos‖.

Isto é, servem como auxiliar na interpretação de fenômenos sociais, como a cultura de

consumo e a formação das identidades de gênero – como se pretende nesta pesquisa.

A semiose enquanto um processo, se inicia com a transformação do mundo

físico, ou seja, da realidade apreendida. O fenômeno que é apreendido,

percebido, transforma-se em um mundo mental, psicológico, transportado para uma realidade refletida; assim fica caracterizada sua característica

eminentemente simbólica, ou nos termos de Peirce, semiótica. (CORREIA,

2012, p. 2).

De acordo com Correia (2012, p. 03), os estudos semióticos têm o objetivo

de analisar a ação e a atividade dos signos. ―Este tipo específico de atividade eminentemente

sígnica foi, somente por volta de 1906, definido como um campo específico de investigação,

com possibilidade de ser analisada e intitulada com uma terminologia idiossincrática‖.

Charles Sanders Peirce (apud SANTAELLA, 1998) é o responsável pela delimitação dessa

área de pesquisa, em que lhe foi dado autonomia frente às outras áreas de estudo e pesquisa.

Peirce observou que a evolução da semiótica enquanto ciência e área de

conhecimento exigia, sobretudo, uma perspectiva teórica profunda do objeto

de estudo dessa ciência. Nessa medida, baseando-se na atenta observação

37

das relações lógicas intrínsecas ao processo de significação e representação,

teorizou um conceito de signo que priorizasse o processo dinâmico e

evolutivo do significado. Evidencia-se, assim, as bases fenomenológicas no processo sígnico, oriundas do conceito peirceano de phaneroscopia, sua

fenomenologia, cujo objetivo era a observação do phaneron, ou seja, dos

fenômenos que são apreendidos na consciência. (CORREIA, 2012, p. 03)

Com isso, torna-se possível a análise dos fenômenos, ou ações sociais que

possuem signos e significações no contexto cultural que buscamos interpretar por meio dos

dispositivos utilizados pela publicidade. Dessa maneira é que o estudo da semiótica serve

como guia para nossa análise. Auxiliando na interpretação dos signos presentes nas peças

escolhidas, que impulsionam a formação de identidade de gênero na infância. Portanto, esse

método de pesquisa também serve como base para possibilitar a análise desses signos e seus

significados dentro do contexto cultural em que o público infantil está inserido.

Peirce (apud SANTAELLA, 1998) afirma que a semiótica não tem como

objetivo descobrir como as coisas são agora, mas como podiam ser, se não em nosso universo,

então em outro. A semiótica nos possibilita interpretar as representações da realidade, de

maneira subjetiva, a fim de descobrir como as coisas podem ser, visto que todo signo abre

espaço para mais de uma interpretação ou significação, por ser decodificada no processo

lógico de cada interpretante. Não é possível descobrir como as coisas são integralmente, mas

é possível interpretar como a realidade pode ser ao entender os significados dela – restritas a

determinados conhecimentos prévios, como a cultura, por exemplo. Portanto, para a análise

dos objetos escolhidos para pesquisa deste trabalho, precisamos discorrer sobre o que é

semiótica e definir um conceito base: ―O nome Semiótica vem da raiz grega semeion, que

quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos" (SANTAELLA, 1998, p. 01), é a ciência

geral de todas as linguagens.

Santaella (1998, p. 02) entende que a Semiótica é a ciência que objetiva

investigar todo o tipo de linguagem possível, ou seja, examina os modos que as coisas se

constituem e qualquer fenômeno que produza algum significado e sentido.

A multiplicidade de sutilezas que a análise semiótica apresenta

permite compreender qual é a natureza e quais são os poderes de

referência dos signos, que informações transmitem, como se

estruturam em sistemas, como são emitidos, produzidos, utilizados e

que tipos de efeitos são capazes de provocar no intérprete. Ao se

analisar um signo pelas classificações peircianas juntamente com a

pesquisa e conhecimentos sobre design de interfaces, tornam-se claras

as sugestões, indicações e representações que podem facilitar o

entendimento (CANDELLO; HILDEBRAND, 2006, p. 08)

38

Desse modo, torna-se necessário fazermos uma breve discussão sobre o

signo – conceito base da semiótica do norte-americano Charles Peirce (apud IASBECK,

2005) –, que, de acordo com Iasbeck (2005, p. 194), é ―[...] tudo aquilo que nos chega da

realidade, que nos é dado perceber e que, portanto, não é a realidade inteira, mas uma parcela

dela, uma parte ou uma dimensão que representa o todo, na impossibilidade de que ele

apareça em sua plenitude‖. Em resumo, o signo é tudo aquilo que sinaliza a realidade, em que

representa algo fora de si mesmo, mas de que ele é parte, pois representa algo real.

Peirce (apud SANTAELLA, 1998) dividiu os signos em: ícones, índices e

símbolos e considera que um signo é tudo o que, de alguma maneira, representa algo para

alguém. Ao estar diante de um representâmen (elemento que ocupa o lugar do objeto em um

dado código) cria-se na mente do indivíduo um signo equivalente ao signo criado,

interpretante do primeiro signo. Isto é, o signo representa seu objeto, mesmo que não em

todos os aspectos, mas com referência a uma ideia, denominada representâmen.

Com isso, o autor apresenta a falha que o signo sempre terá com o objeto,

isto é, o signo é uma representação do objeto real, sendo apenas possível ser significado – ou

interpretado – por um indivíduo (denominado interpretante). Entretanto, o signo fica em falta

com o objeto, por ser apenas uma representação da realidade. Cada interpretante irá

decodificar o signo do objeto representado nele de acordo com experiências pessoais, sociais

e relacionais, sendo influenciado pela cultura em que está inserido.

Assim, os nomes não são as coisas nem as pessoas, mas as representam na ausência; os símbolos representam outros sentimentos, fenômenos e objetos

que jamais caberiam inteiramente naquele sinal/símbolo; alguns signos são

marcas de seus objetos (como as nuvens negras que prenunciam chuva, as

pegadas que sinalizam a presença física de alguém). (IASBECK, 2005, p.194)

Uma menina que desde a educação informal (ambiente doméstico) tem

contato com afirmativas como: azul é cor de menino, escolha a toalha rosa, por exemplo, ao

se deparar com uma propaganda que reforça os as cores vibrantes para expressar a

feminilidade, ela pode acreditar que deve se identificar. Meninas podem não gostar de rosa,

mas são cobradas desse ―gosto‖ em seus espaços sociais, por já haver um conhecimento

prévio sobre o assunto dentro da cultura em que foi criada. Dessa maneira, sentirá pertencente

ao grupo de meninas que segue àquela cultura fornecida pela propaganda, influenciando na

formação dos conceitos de sua identidade como gênero feminino.

39

Com esses conceitos exemplificados, é possível identificar os signos e seus

significados e fazer a análise dos dispositivos utilizados nas propagandas infantis – que

impulsionem a formação de identidade de gênero, relacionados ao consumo infantil.

Para esse processo de análise dos signos, será utilizada uma divisão a fim a

proposição semiótica de Peirce (apud SANTAELLA, 1998, p.13), que serão as seguintes:

Qualissigno (Primeiridade): O signo como qualidade, referente ao ícone.

―Trata-se, pois, de uma consciência imediata tal qual é. Nenhuma outra coisa senão pura

qualidade de ser e de sentir. A qualidade da consciência imediata é uma impressão

(sentimento) in totum, indivisível, não analisável, inocente e frágil‖. (SANTAELLA, 1998, p.

09).

Sin-signos (Secundidade): Signo como existência, referente ao índice. ―A

qualidade é apenas uma parte do fenômeno, visto que, para existir, a qualidade tem de estar

encarnada numa matéria. A factualidade do existir (secundidade) está nessa corporificação

material‖. (SANTAELLA, 1998, p 10).

Legi-signos (Terceiridade): Signos como lei, referente ao símbolo.

―Corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, através da qual

representamos e interpretamos o mundo‖. (SANTAELLA, 1998, p. 11).

Em resumo, Santaella (1998) define que primeiridade é a categoria que

experimenta a qualidade distintiva. O azul do céu (ícone), por exemplo, isolado em sua

qualidade, isto é, a simples qualidade do azul, é aquilo que é tal qual é, independente de

qualquer outra coisa. Mas, ao mesmo tempo, primeiridade é um componente do segundo.

Secundidade é a categoria que experimenta o caráter factual. A existência

por si mesma. O céu (índice), por exemplo, como fenômeno que existe como lugar e tempo. O

signo representa seu objeto, entretanto, não em todos os aspectos, mas com referência a um

tipo de ideia, que denominou de fundamento do representâmen. Dessa maneira, o signo, em

sua secundidade refere-se ao objeto como um representâmen, pois representa a ideia de

existência do seu objeto.

Terceiridade, que aproxima um primeiro e um segundo numa síntese

intelectual, corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, por meio da

qual representamos e interpretamos o mundo. Isto é, seguindo a linha dos exemplos

anteriores, o azul, como qualidade, é um primeiro; o céu, como lugar e tempo, onde se

encarna o azul, é um segundo; e a síntese intelectual, elaboração cognitiva – o azul no céu, ou

o azul do céu –, é um terceiro.

40

Vale ressaltar que escolhemos o ícone como elemento de análise nesta

pesquisa por trabalhar com a ideia de qualidade e denotar elementos culturais como cores e

formas que são pré-concebidas como elementos de uma dada feminilidade ou masculinidade.

[...] o ícone é um fenômeno que funda em nós a capacidade de nos

apercebermos da existência de semelhanças. Esta capacidade anterior que

nos possibilita a apreensão do que é semelhante pode subdividir-se, por sua vez, em diagramas (relações entre elementos, através do reconhecimento

proporcional das partes); em metáforas (relações entre elementos, através do

reconhecimento de similaridades entre constituintes essenciais das partes) e,

por último, em imagens (relação entre elementos, criada pela duplicata das aparências do real, através de modelos). (CARMELO, 1998, p. 01)

De acordo com as pesquisas de Carmelo (1998) sobre os conceitos

estudados por Peirce, o ícone não é o mesmo que uma imagem mental, pois, no caso da

imagem, teria de abstrair-se, entre muitas imagens particulares, uma geral – como a maneira

que de homens ou mulheres particulares se abstrai a ideia geral dos humanos. ―A imagem

mental funda-se no iconismo e/ou icônica porque se baseia na semelhança, mas opera sempre

a partir de modelos, a partir das quais reproduz (secondness/thirdness). Por seu lado, o

iconismo é sempre uma qualidade da firstness‖ (CARMELO, 1998, p. 02). Em outras

palavras, o ícone é sempre uma qualidade primária do signo, pura e simples. Em que

representa algo, mas não o é, sendo apenas parte dele ao representá-lo. Com isso, o ícone faz

parte da categoria de Primeiridade.

A experiência de primeiridade leva em consideração o signo em si mesmo; é

a impressão de qualidade, a captação do fenômeno de maneira espontânea ou imediata. Então, a ideia é a primeiridade (ícone). Já a experiência de

secundidade é a construção do signo, a consciência da parte inserida no todo,

a relação com a materialidade, com a exterioridade; o signo é considerado na sua relação com o objeto e este é a secundidade (índice). A terceiridade

(símbolo) faz a ligação entre a primeiridade e a secundidade, permitindo

uma interpretação do mundo. (MOIMAZ; MOLINA, 2009, p. 579)

Todas as ações sociais estão carregadas de interpretação, visto que é sempre

o resultado de uma elaboração cognitiva. Os signos nos são comuns. Referimo-nos a eles

sempre que falamos de significado, isto é, tudo o que é signo possui um significado, mesmo

que não saibamos dizer qual é. Portanto, tudo é signo.

O homem só conhece o mundo porque, de alguma forma, o representa

e só interpreta essa representação numa outra representação, que

Peirce denomina interpretante da primeira. Daí que o signo seja uma

41

coisa de cujo conhecimento depende do signo, isto é, aquilo que é

representado pelo signo.

Daí que, para nós, o signo seja um primeiro, o objeto um segundo e o

interpretante um terceiro. Para conhecer e se conhecer o homem se faz

signo e só interpreta esses signos traduzindo-os em outros signos.

(SANTAELLA, 1998, p. 11)

Os signos estão presentes em todos os artefatos culturais. Entendemos a

noção de artefato cultural como um elemento produzido em meio a discursos culturais que

têm produtores/as que atribuem sentidos às diferentes peças. Desse modo, ao acompanharmos

a leitura das propagandas feita por Furlani (2009, p. 132), compreendemos que as peças

publicitárias são capazes de ―[...] reforçar representações hegemônicas ao sugerir certos tipos

de conduta e de comportamento (excluindo outros), parecem estar contribuindo ora para a

manutenção, ora para a mudança da sociedade; ora para a regulação, ora para a subversão das

regras sociais‖.

As representações estão relacionadas aos significados atribuídos aos

elementos da cultura. Desse modo, os signos agrupam-se em dispositivos que denotam

características, qualidades, formas de ser e pensar que estão presentes nos artefatos culturais.

A publicidade é uma das atividades que está permeada de dispositivos que constituem

identidades de gênero. Utilizam de elementos conhecidos culturalmente, para servir de auxílio

na constituição de identidade de gênero, por exemplo, relacionados, principalmente, à cultura

do consumo e da busca por algo que lhes faça pertencente a determinados grupos. Contudo,

para que entendamos como se dá esse processo, precisamos não só definir o que tratamos

como signos, é necessário contextualizar o que tratamos como dispositivos ao longo deste

trabalho, estes que são formados por um conjunto de signos conhecidos por nós em nossas

relações sociais, a fim de persuadir o público infantil no contexto da sociedade do consumo,

em que se adquire produtos para suprir sensações de necessidade causados pela necessidade

de pertença ou busca de identidade por meio das significações associadas ao produto

adquirido.

Agamben (2005) resumiu essa terminologia, dispositivo, em três tópicos:

1) É um conjunto heterogêneo, que inclui virtualmente qualquer coisa,

linguístico e não linguístico, no mesmo título: discursos, instituições,

edifícios, leis, medidas de segurança, proposições filosóficas, etc. O

dispositivo em si mesmo é a rede que se estabelece entre esses elementos. 2) O dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve

sempre em uma relação de poder.

42

3) É algo de geral (um reseau, uma "rede"), porque inclui em si a episteme,

que para Foucault é aquilo que em uma certa sociedade permite distinguir o

que é aceito como um enunciado científico daquilo que não é científico. (AGAMBEN, 2005, p. 09)

Contudo, o autor questiona o significado do termo e considera que, tanto no

uso comum como no foucaultiano, ―[...] parece se referir a disposição de uma série de práticas

e de mecanismos (ao mesmo tempo linguísticos e não linguísticos, jurídicos, técnicos e

militares) com o objetivo de fazer frente a uma urgência e de obter um efeito‖ (AGAMBEN,

2005, p. 11).

Dispositivos são elementos utilizados para formar ideias, conceitos ou

discursos. Ao generalizar a classe dos dispositivos foucaultianos, Agamben (2005, p.13)

chama de dispositivo ―[...] qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar,

orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as

opiniões e os discursos dos seres viventes‖. Com isso, interpretamos no contexto da nossa

pesquisa que os dispositivos movimentam os signos e símbolos que constroem as

significações da propaganda, comunicando significações e formulando culturas, identidades,

estilos de vida aos (às) interlocutores (as).

Dessa maneira, identificamos os signos que são dinamizados nas peças

analisadas, que interpretamos por meio da semiótica como guia para a análise desses

fenômenos nos contextos culturais e das ações sociais inseridas nas propagandas escolhidas

como objeto de pesquisa desta monografia. Com base nos métodos de análise de Rocha

(2014), que metodologicamente apresentou a imagem cinematográfica por meio de

transcrições fílmicas e identificações nas imagens recortadas, iremos realizar nossa análise

comunicacional das propagandas.

Dentro das relações sociais, temos o conhecimento sobre tudo que nos

rodeia: objetos, palavras e seus significados – tanto semânticos quanto emocionais ou

espirituais, de acordo com a experiência de cada indivíduo. Assim, conhecer, entender,

discutir e problematizar as representações semióticas possibilita o entendimento da

constituição das significações nas propagandas. Isto é, para identificar os dispositivos das

propagandas, relacionados ao estímulo da formação de identidade de gênero, é preciso

denotar as culturas, as experiências sociais e as significações que são dispostas nas

propagandas, que intuem atingir o público-alvo.

Contudo, com a ajuda dos conceitos expostos, identificamos nas

propagandas infantis escolhidas para análise, os signos, seus significados e a maneira como

43

são utilizados para formarem dispositivos impulsionadores de uma formação identitária.

Dessa maneira, obtemos uma interpretação de como as propagandas podem influenciar nesse

processo de formação de identidade de gênero, intentando relacionar esses mecanismos

estratégicos da publicidade com o consumo, como meio de suprir a sensação de necessidade

de pertença, como apresentamos nos próximos tópicos. E como essa ideia associa-se aos

produtos para dar a sensação de que se obtém a cultura ou a identidade ali retida ao

consumidor.

Com base nas discussões estabelecidas previamente acerca de cultura,

gênero e semiótica, nossa pesquisa insere-se na proposta de interpretar os dispositivos,

expondo, assim, a maneira como agem na educação da identidade de gênero na infância,

formando modos de ser, pensar e agir, que são instaurados como corretos, fragilizando a

pluralidade e as diferentes formas de ser no mundo.

A primeira peça escolhida foi divulgada em 2013. Direcionada à meninas, a

propaganda das Sandálias Grendene Kids com a personagem Hello Kitty, possui 30 segundos

de duração. O produto acompanha como brinde um kit de esmalte e adesivos para quem o

consome.

Em espaço privado, três meninas se encontram em um cenário com

elementos que formam dispositivos que ambienta o gênero feminino à busca da beleza que a

moda ―publiciza‖ – com cores vibrantes e decorações que expressam delicadeza e afetividade

–, para repararem uma na outra e sentirem-se parte do grupo de meninas que utilizam as

Sandálias da personagem japonesa, em conjunto com o brinde que o acompanha.

A segunda peça escolhida foi divulgada no mesmo ano da primeira, 2013.

Direcinada aos meninos, a propaganda das Sandálias Grendene Kids com a marca de carros

de brinquedo Hot Weels, possui, igualmente a primeira, 30 segundos de duração. O produto

também oferece um brinde que o acompanha em sua compra: um cronômetro.

As duas propagandas possuem características de composição semelhantes,

apesar da diferenciação dada aos papéis dos gêneros. Dessa maneira, interpretamos como a

formação da identidade de gênero pode ser impulsionada pela publicidade, com as mesmas

estratégias para meninos e meninas, diferenciados pelos comportamentos culturais. As cores,

os ambientes e até mesmo o diálogo, ou falta dele, são dispositivos que expressam os gêneros.

Com base no último frame das propagandas (aos 30‖), percebemos a

semelhança na maneira como são apresentadas as sandálias, em que as sandálias estão

ocupando a maior parte da cena e os objetos de brinde estão apresentados perto ao produto.

Entretanto, as cores dominantes diferenciam o gênero, marcando de maneira precisa os

44

públicos-alvo. A formação dessa ideia se dá graças às convenções culturais da sociedade em

que se estabeleceu previamente as cores para que pudessem diferenciar os gêneros.

45

4 DISPOSITIVOS DE GÊNERO: EMARANHADOS SÍGNICOS NA CONSTRUÇÃO

DAS IDENTIDADES

A publicidade é uma atividade comunicacional que possui um papel social,

por auxiliar na reprodução de ações sociais como o estilo de vida, a cultura e a identidade, em

que seus ―[...] receptores vêm aprendendo, utilizando, atualizando e propagando‖

(POLISTCHUK; TRINTA, 2003 apud ZABLONSKYY; STANISZEWSKIZ, 2011, p. 5). Ela

se utiliza de mecanismos de persuasão a fim de obter os objetivos de consumo com os

receptores, que buscam adquirir nos produtos os conceitos socioculturais representados neles,

a fim de suprir necessidades como a sensação de pertença e a busca identitária.

Dessa maneira, exploramos os dispositivos utilizados pelas propagandas

descritas acima para discorrermos sobre a maneira como eles impulsionam a formação de

identidade do universo infantil. Entretanto, primeiramente, precisamos conhecer sobre os

signos e suas significações, que formam nossos dispositivos de generificação. Desse modo,

afinamos a proposta de análise com um indicativo de Deleuze (1990, p. 159) em que ―[...] há

emaranhados que é preciso desmesclar: produções de subjetividade escapam dos poderes e

dos saberes de um dispositivo para colocar-se sob os poderes e os saberes de outro, em outras

formas ainda por nascer‖. Vislumbrar essa interferência dos dispositivos nos modos de ser e

agir dos sujeitos é uma potencialidade da análise de produtos publicitários e dos signos que

são delineados, significados e que reforçam elementos de constituição das identidades como

cores, formas, qualidades que produzem masculinidades e feminilidades.

Os primeiros signos icônicos na propaganda das sandálias femininas são

percebidos no primeiro quadro, em que o cenário está aberto, mostrando toda a decoração

escolhida para representar o feminino de diversas maneiras, com toques de delicadeza e cores

vibrantes.

Esta cena (1) com o quadro aberto mostra o encontro de duas meninas (1‖)

que parecem desfilar sobre o tapete (1a) que compõe o centro do cenário. Segundo Chevalier

(1986), para os orientais não existe somente a qualidade decorativa do tapete, como ocorre no

ocidente. Ele é um elemento que possui ideias e sentimentos. O signo ―[...] é um elemento

importante da vida pessoal, familiar e privada. Sua composição não se deve a simples

46

casualidades, vem condicionada por ideias e sentimentos milenares‖ (GENT apud

CHEVALIER, 1986, p. 74, tradução nossa)3.

Figura 1 - Entrada das personagens na cena

O elemento, entretanto, não está como centro de encontro das meninas na

propaganda por acaso, não somente como objeto decorativo, mas simboliza um conceito de

moda e beleza: uma passarela de desfile, em que as meninas chegam umas às outras com

passos marcantes, largos e param em pose fotográfica com as mãos levadas à cintura – como

uma modelo que desfila as roupas da moda.

Este signo icônico representa um elemento presente nos desfiles de moda,

culturalmente associados ao feminino, mesmo que haja homens nas passarelas de moda.

Assim, ele compõe um dispositivo de gênero feminino, pois ao possuir um simbolismo de

moda, remete à beleza, que remete aos modos de ser e agir feminino. Prendendo a atenção das

meninas, que desde cedo são impulsionadas a se espelharem em modelos famosas.

Neste mesmo quadro (1) é possível perceber os corações decorativos nas

paredes (1b). Ao pensar neste signo como decoração, mais do que uma representação icônica

do órgão responsável por bombear o sangue do corpo, temos o coração como símbolo de

diversos conceitos em culturas distintas, como citado por Chevalier (1986), o coração é o

símbolo principal da centralidade da vida, o amor, a afetividade e a feminilidade.

3 ―[...] es un elemento importante de la vida personal, familiar y privada. Su ornamentación no se debe en

absoluto a simples casualidades, sino que viene condicionada por ideas y sentimientos varias veces milenarios‖

(GENT, apud CHEVALIER, 1986, p. 74)

47

Nas tradições modernas o coração foi convertido em um símbolo de amor

profano, de caridade enquanto amor divino, de amizade e linearidade.

(TERS,102-103). Guénon (GUES, 224) observou que o coração tem a forma de um triangulo

invertido. Como os símbolos que possuem esta forma, o coração se referia

‗ao princípio passivo do feminino como manifestação universal... enquanto

que os (símbolos) que são esquematizados pelo triangulo correto correspondia ao princípio ativo do masculino‘. (CHEVALIER, 1986, p. 344,

tradução nossa)4

No contexto moderno e da publicidade analisada aqui, temos o coração

simbolizando a afetividade e o feminino, como discutido pelo autor ao buscar na cultura as

representações deste ícone em nossa sociedade. Signo que participa da movimentação dos

dispositivos de gênero.

As cores que compõem o cenário, vistas com clareza nesta figura (1),

também fazem parte das expressões do feminino. Para Freitas (2007, p. 01), as cores estão

presentes no nosso cotidiano desde o início da história dos sujeitos. ―Elas faziam parte mais

das necessidades psicológicas do que das estéticas, como por exemplo, na história dos

egípcios que sentiam na cor um profundo sentido psicológico, tendo cada cor como um

símbolo‖. Dessa maneira, notamos a importância das cores na construção do cenário, como

signos icônicos e simbólicos que formam os dispositivos de gênero na propaganda.

A cor violeta da parede (1c), ―[...] tenta unificar a impulsividade do

vermelho com a delicadeza do azul. Busca, neste caso, identificação, podendo significar união

íntima ou erótica. Em geral pessoas imaturas emocional e mentalmente [...]‖ (FREITAS,

2007, p. 05). Este signo icônico marca o feminismo tão imponente quanto o vermelho, mas

suavizado pelo azul, delimitando conceitos da sensualidade feminina à imaturidade do

público-alvo da propaganda.

O verde claro (1d) formando um circulo na parede, simboliza associações de

afetividade como: bem-estar, saúde, paz, juventude, crença, coragem, firmeza, serenidade,

natureza. ―É o símbolo da harmonia da faixa que existe entre o céu e o Sol. De paz repousante

e reservada, favorece o desencadeamento de paixões‖ (FREITAS, 2007, p. 07). Por meio

dessas associações temos características comportamentais ensinadas às meninas desde a

4 En las tradiciones modernas el corazón se ha convertido en un símbolo del amor profano, de la caridad en

cuanto amor divino, de la amistad y la rectitud (TERS,102-103).

Guénon (GUES, 224) ha observado que el corazón tiene la forma de un triángulo invertido. Corno los símbolos

que tornan esta forma, el corazón se referiría ‗al principio pasivo o femenino de la manifestación universal...

mientras que los (símbolos) que son esquematizados por el triángulo derecho correspondenal principio activo o

masculino‘. Se recordará que, en el antiguo Egipto, la vasija es el hieroglifo del corazón y que, em la India, el

triángulo invertido es uno de los principales símbolos de la Shakti, elemento femenino del ser, al mismo tempo

que de las aguas primordiales. (CHEVALIER, 1986, p. 344)

48

educação informal, incorporadas à identidade de gênero feminino maneiras de ser e agir,

como a serenidade e a juventude. Lessa (2005) comenta a representação da juventude

feminina na publicidade, em que passa a sensação de perfeição e do ―não envelhecimento‖

das mulheres, que não possuem rugas ou celulites.

O azul claro (1e) do puff localizado no centro da cena (1) simboliza

associações de afetividade como: verdade, afeto, paz, advertência, serenidade, espaço,

infinito, fidelidade, sentimento profundo. ―Proporciona a sensação do movimento para o

infinito. Céu sem nuvens‖ (FREITAS, 2007, p. 07). O autor ainda comenta que o azul é

indicativo de plena calma. E associa a cor ao frio, mar, céu, gelo, águas tranquilas e

feminilidade. Como signo incônico expressa novamente o gênero feminino associado ao

comportamento sereno e de afeto como vimos marcados em outros signos aqui analisados,

que foram colocados intencionalmente na propaganda a fim de reafirmar a identidade ideal

para as meninas, que tem contato com essas sensações desde a educação informal.

O laranja (1f) do puff localizado atrás das meninas simboliza, de acordo com

Freitas (2007, p. 07), associações de afetividade como: tentação, prazer, alegria, energia,

senso de humor, advertência. ―Simboliza o flamejar do fogo‖. Também podemos associar a

cor laranja à aventura e à imaginação, como a autora cita. Dessa maneira, podemos relacionar

esses conceitos aos comportamentos ensinados às meninas desde a educação informal, em que

as meninas devem ter como identidade um bom humor e ao mesmo tempo representar o

prazer a tentação por meio da sedução, como vimos nos estudos de Lessa (2005) que percebeu

a mulher como produto de consumo por meio da sensualidade feminina.

O branco (1g) no móvel ao fundo simboliza, de acordo com Freitas (2007,

p. 07), associações de afetividade como: limpeza, paz, pureza, alma, divindade, ordem,

infância. ―É o símbolo da luz, e não é considerada cor‖.

Assim, temos este signo como representante de uma característica esperada,

principalmente pelos homens, das mulheres: a pureza. Este conceito incorporado ao gênero

feminino – comum aos períodos anteriores ao feminismo (antes do século XX), está

representado no branco pela cultura desde os primórdios, em que nos casamentos, por

exemplo, a mulher deveria entrar na igreja vestida de branco, para representar a pureza por

meio da virgindade. Dessa maneira, este signo marca novamente o público-alvo da

propaganda ao representar a infância e a pureza.

49

Figura 2 - Posição oposta da câmera aproximada das meninas

Aos 03‖ a câmera se aproxima das duas primeiras meninas que aparecem

dialogando, elogiam-se e fazem referência ao toque das sandálias que combinam com suas

roupas, que nesta cena (2) chamam a atenção com duas cores marcantes. A primeira é a

amarela (2a) na blusa da primeira menina, que simboliza, de acordo com Freitas (2007, p. 07),

a afetividade como: alerta, ciúme, orgulho, egoísmo, euforia, originalidade, iluminação,

idealismo. ―É o símbolo da luz que irradia em todas as direções‖. Também podemos associar

o amarelo à força ou potência, como a autora cita. Dessa maneira, estes conceitos podem

representar o feminismo em seus ideais de conquista por igualdade de direitos e com a força

de luta que as mulheres demonstraram em diversos momentos da história, em movimentos

sociais do século XIX e início do século XX, em que exigiam a igualdade de direitos de

propriedade, trabalhistas e o fim dos casamentos arranjados, por exemplo. A segunda cor é a

vermelha (2b) na saia da segunda menina, que simboliza, de acordo com Freitas (2007, p. 07),

associações de afetividade como: força, energia, paixão, vulgaridade, coragem, furor,

violência, calor, ação, agressividade. ―Essa cor simboliza encontro, aproximação‖. Também

podemos associar a cor à uma vida intensa e liderança, como a autora cita. Por meio desta cor

temos marcas do feminismo muito imponentes, representando a paixão, a sexualidade e a

força da mulher de maneira bem intensa. Conceitos bem descritos por Del Priore (2000), que

descreve a mulher em suas evoluções na história a respeito do próprio corpo – citada nos

capítulos anteriores.

Ainda na figura (2) há um signo que representa o feminino por meio do

diálogo, que expressa claramente gírias do universo da moda, como “look” e “fashion”,

50

muito utilizadas na área. Este ícone comunicativo simboliza um conceito marcante na cultura

para os modos de ser feminino, pois é frequente a associação das mulheres ao ato de se

comunicar. Cárdias (2006, p. 02) revela que ―[...] o diálogo nos permite a experiência de

aproximação com o outro. Quando se entra em situação de diálogo cria-se uma comunhão‖,

isto é, os interlocutores revelam-se. Com isso, podemos relacionar com a ideia de afetividade

trazida ao universo feminino por nossa cultura, como vimos por meio dos estudos de

Whitaker (1992) nos capítulos anteriores. Assim, os modos de ser mulher estão representados

em seu papel relacional, de proximidade e afetividade, em que temos três meninas se

relacionando por meio do diálogo comum entre elas. Expressam o que são e o que esperam

uma da outra como meninas, como grupo de identificação por meio do diálogo que

estabelecem, com conceitos identitários incorporados à elas por meio do produto que utilizam

em comum.

Aos 05‖ a primeira menina apresenta as sandálias da Hello Kitty e as unhas

já estilizadas pelo kit ganhado junto à compra das sandálias. Quando aos 09‖ a segunda elogia

a primeira e também mostra suas aquisições.

Figura 3 - Corte aproximado às unhas estilizadas

Aos 16‖ (3) chega uma terceira menina, mostrando apenas as sandálias. Ao

ser questionada pelas primeiras sobre o esmalte, ela mostra as unhas estilizadas (3a),

utilizando a palavra ―Hello‖, como um chamativo que faz alusão ao produto da Hello Kitty,

entretanto, com um tom irônico que chama a atenção das colegas que a questionavam sobre o

elemento que as aproximava. Como se este detalhe fosse decisivo para a pertença ao grupo.

51

Este signo representa a ideia de ganho. O signo representa seu objeto, que se

possui gratuitamente, como uma vantagem tirada pela ação do consumo. Entretanto, é

também um ícone da beleza e sensualidade feminina. Del Priore (2000) relata que a mulher

brasileira passou por diversas transformações físicas no decorrer dos últimos anos,

acompanhando a evolução da beleza representada em diversas invenções de ornamentos

pensados nas mulheres, desde produtos de higiene, maquiagem e vestimentas, imprimindo as

primeiras marcas do corpo feminino como produto social, cultural e histórico.

O jeans colado e a minissaia sucederam, nos anos 60, ao erotismo da mão na

luva e das saias no meio dos tornozelos característicos dos anos 20. Com o

desaparecimento da luva, essa capa sensual que funcionava ao mesmo tempo como freio e estímulo do desejo, surgiu o esmalte de unhas. (DEL PRIORE,

2000, p. 09)

Dessa maneira, temos o esmalte como ícone do desejo, da beleza, da

sensualidade e, consequentemente, do feminino, pois ao longo dos anos foi-se encurtando as

blusas, vestidos e saias, até encurtar as luvas – consideradas ―capa sensual‖ pela autora – às

unhas, representadas por meio dos esmaltes. Simbolizando, desta maneira, a revolução da

beleza feminina por meio do consumo de produtos pensados para realçar a beleza feminina.

Neste momento (3), aos 16‖, nossa análise se depara com um ápice

marcante da peça, pois expressa os primeiros sinais do sentimento de pertença, causado pela

ideia do consumo. A composição dos signos comunicativos nesta cena dá margem a

interpretação de que a terceira menina poderia não ter sido aceita pelas primeiras, caso não

estivesse combinando sua sandália Hello Kitty com as unhas estilizadas pelo kit de esmaltes e

adesivos. Comprovando a existência da necessidade de pertencer à uma identidade associada

ao consumo.

52

Figura 4 - Corte de câmera focalizando as sandálias

Este corte (4), aos 26‖, demonstra a sensação de pertença que ganhou força

aos 16‖ por meio do grupo. Os pés posicionados em circulo fecham uma identificação de três

meninas por meio do consumo das sandálias. Dessa maneira, os pés não estão apenas no

mesmo padrão da moda, mas também estão em sintonia um com o outro, pois as meninas

possuem os mesmo sentidos ao utilizarem as mesmas sandálias. O produto faz parte do que

elas são – identidade.

Compondo o grupo, temos nesta cena (4), uma sandália de cor preta (4a),

este signo icônico, de acordo com Freitas (2007, p. 07), simboliza associações de afetividade

como: tristeza, desgraça, melancolia, angustia, dor, intriga, renúncia. ―É angustiante e

expressivo‖. Com este signo fugimos um pouco da ideia de serenidade, delicadeza e bom

humor associada ao gênero feminino, entretanto, podemos associar a cor à rebeldia e ao

sofrimento do gênero feminino, marcado principalmente nas ações sociais do feminismo. Pois

de acordo com a autora, a cor preta indica, geralmente, uma atitude negativa perante a vida.

―A preferência por essa cor denota revolta do indivíduo contra o destino, e ação insensata e

precipitada. Obstinadamente ele quer renunciar a tudo‖ (FREITAS, 2007, p. 09).

Interpretamos, desta maneira, a mulher como quem renuncia o destino culturalmente

relacionado à mulher, que buscou quebrar com os paradigmas antigos que colocam o gênero

feminino à baixo do masculino no decorrer da história.

Ao analisarmos a peça como um todo, percebemos que as meninas estão em

um espaço privado ao longo dos 30‖ de duração. Este signo nos leva à discussão feita por

Whitaker (1992), que há muito discutiu o papel social feminino, em que ressaltou a utilidade

53

da mulher dentro do espaço doméstico, ou privado. Assim, temos como ícone a ideia da

mulher no contexto doméstico, como ―habitat natural‖. Condicionando a mulher na função

dos cuidados da casa, principalmente.

O espaço privado surge com a necessidade de um espaço para a intimidade.

Sibilia (2003, p. 3) explica que com a ―aparição de um ‗mundo interno‘ do

indivíduo, do eu e da família, que as pessoas começaram a considerar o lar como um contexto adequado para acolher essa vida interior que começava a

florescer‖. Esse movimento de constituição familiar dá-se até o início do

século XIX em que os/as familiares não vivem mais em grandes grupos,

porque o espaço na cidade era diferente do campo e muitas famílias constituem seus lares em vilas operárias em torno das fábricas. (TAKARA,

2013, p. 23)

Isto é, o espaço privado também surge como um ícone da intimidade, em

que passa a ter como função ser um local em que são discutidos assuntos particulares, em que

são formados indivíduos educados para a sociedade em espaços como o lar e a escola.

Por meio destas análises percebemos conceitos socioculturais sobre o

gênero feminino, estudados nos capítulos anteriores, sendo reafirmados pela publicidade.

Com a ajuda de signos que remetem ao comportamento feminino ou às identidades ideais

estipuladas desde a educação informal, a propaganda estrategicamente formou dispositivos

essenciais para que a ideia do feminino fosse afirmada em cada detalhe, seja na linguagem

corporal, linguística ou imagética.

É possível identificar que os detalhes decorativos, desde objetos que

remetem à moda até objetos que remetem à sensibilidade ou afetividade feminina – como as

cores do cenário ou os ícones de corações nas paredes – compõem um dispositivo de gênero,

utilizado estrategicamente para expressar significados conhecidos pelo publico alvo a fim de

chamar a atenção e fazer com que o objetivo de consumo da publicidade seja atingido.

Entretanto, não somente o consumo é instigado nas meninas, mas toda a carga de significados

que o produto consumido e a forma como lhe é apresentado são consumidos e,

consequentemente, reafirma-se a cultura do gênero feminino incorporada em cada signo que

compõe o dispositivo, impulsionando a identidade de gênero, em que os padrões sociais

chamam atenção como uma verdade a ser seguida por meio do espetáculo.

Com a segunda propaganda analisada para a marca, Hot Wheels, é notável a

ausência de delicadeza, tão presente na propaganda destinada às meninas, a ausência de

elementos decorativos marcantes e a ausência do próprio diálogo. Dessa maneira, percebemos

os principais indícios dos dispositivos de gênero masculino.

54

Figura 5 - O personagem dá início a contagem do cronômetro e começa a correr

A primeira cena (5) se inicia com uma imagem aberta no quarto do menino,

mostrando ícones culturalmente dados como, principalmente, masculinos como uma guitarra

e um skate em um ambiente pouco iluminado.

A peça se inicia com o menino colocando um cronômetro (brinde ganhado

junto à compra das sandálias) em contagem e começa a correr (3‖). Um comportamento dado

culturalmente para o papel do gênero masculino, agitado e correndo para passar à frente dos

obstáculos, como uma competição que nos leva à associar com o conceito de que é o homem

que sai de sua casa em uma corrida em busca da vitória – aludindo à busca de emprego fora

de casa, citado por Whitaker (1992).

Neste quadro (5) conseguimos identificar uma cor que chama a atenção, no

cronômetro e em um armário ao fundo, verde azulado (5a). Este signo icônico, de acordo com

Freitas (2007, p. 08), representa elasticidade de vontade; é defensivo, passivo, imutável,

repressivo, autônomo. ―Seu conteúdo emocional é o orgulho‖. Desse modo, temos um

conceito muito marcante na cultura do gênero masculino, em que, principalmente nos

períodos antes do século XX, o homem é educado para ser o sexo dominante e repressivo.

Com autonomia sobre sua vida e decisões de negócios e sobre a própria família, como vimos

por meio dos estudos de Whitaker (1992). Outro conceito expresso em toda a propaganda e

afirmado neste signo é a ideia de competividade, ou orgulho, pois o personagem está

competindo e superando obstáculos, em busca de ser o melhor, o mais rápido, em todo o

período da propaganda. Aos 5‖, o menino sai de casa deixando a irmã para trás, em que um

narrador em tom esportivo diz: ―Passa pela Julinha‖.

55

Figura 6 - O personagem passa por uma transição entre a casa e a escola

E um outro cenário (6), o menino ainda correndo encontra outro menino,

que novamente é ultrapassado. O espaço público (6a) em que os meninos se alcançam, após o

personagem deixar sua casa, releva um signo icônico marcante ao papel social do gênero

masculino, citado por Whitaker (1992), em que ela diz que a função principal do filho é

tornar-se o provedor da casa, pois é educado para sair do espaço privado, destinado aos

negócios.

O que me parece fora de dúvida, porém, é que mulheres e homens são pensados como objetos relativos a espaços diferentes, como se dois

arquétipos diferentes governassem os destinos dos dois sexos: o ―homem

caçador‖, musculoso, correndo pela floresta em busca de caça e de frutos para a ―fêmea frágil‖ que, dentro da caverna, cuida do filhote. (WHITAKER,

1992, p. 15, grifo da autora)

Com isso, de acordo com a autora, passamos a reconhecer o espaço público

como um local destinado às discussões sobre negócios, escolas (espaço de ensino), espaços

artísticos ou discussões sobre melhorias para a cidade. Esta ideia entra em acordo com a

movimentação do menino pelo espaço público da propaganda analisada, pois remete ao

homem descrito na citação a cima: em corrida, à caça.

Aos 9‖ a câmera foca nas sandálias do menino, e o narrador novamente

relata: ―Ultrapassa o vizinho de skate‖. Neste momento, percebemos que o vizinho está sem

as sandálias da Hot Wheels, que interpretamos que o motivo de ter sido ―vencido‖ é a falta do

calçado, portanto, não poderia ser tão rápido quanto aquele que usa. Dando as primeiras

impressões de uma identidade formada por meio do consumo para pertencer a um grupo

característico, de meninos que são rápidos, que vencem.

56

Figura 7 - O personagem consegue entrar na escola antes de a porta ser fechada

Após a transição do espaço doméstico (espaço público), o menino precisa

ser rápido para entrar na escola, que já está fechando às portas (7). Aos 16‖ as sandálias são

focadas novamente e o narrador contata: ―Mais rápido que o seu Francisco‖. Com esse

momento confirmamos no ápice da propaganda a sensação de o menino pertencer a um grupo

que consegue superar obstáculos por meio do uso das sandálias e a contagem do tempo pelo

cronômetro.

Com o corte do cenário no pé do personagem, notamos as cores da sandália,

sendo a marrom (7a) predominante. De acordo com Freitas (2007, p. 09), este signo icônico

faz com que o indivíduo se sinta sensitivo, destituído, sensual, não vendo perspectivas. ―Sua

preferência denota às vezes mal-estar e desconforto no indivíduo. Induz a uma atitude

negativa perante a vida, cor passivamente receptiva‖.

Dessa maneira temos o gênero masculino sendo representado na

agressividade e também no desconforto com o ambiente privado, como citado em capítulos

anteriores por meio dos estudos de Whitaker (1992) que interpretou o homem como educado

para sentir-se incomodado pelo ambiente privado, instigando a buscar a agressividade da vida

e do mundo no contexto público. Representando novamente a necessidade do homem em

competir e, desse modo, agir de maneira agressiva para ser mais corajoso, rápido e vencedor.

57

Figura 8 - Os personagem se identificam pelo consumo das sandálias

Neste momento o menino já chegou à sala de aula (8) e perde o lugar que

estava prestes a sentar, entretanto, praticamente chegam juntos, empatados. O cenário

novamente foca os pés dos garotos (26‖), que agora denotam pertencer ao mesmo grupo,

identificados pelas sandálias da Grendene Kids da Hot Wheels. Assim, percebemos

novamente ao sentimento de pertença, pois os meninos que fazem parte de um grupo de

vencedores – rápidos, corajosos e ousados – consomem a mesma sandália. Deste modo,

associamos a identidade de gênero masculina ligada ao consumo do produto, pois entende-se

que ao adquiri-lo também se adquire características, culturalmente dadas como masculinas

pela sociedade, como a agilidade e a coragem para buscar vencer obstáculos fora do ambiente

doméstico.

Com o foco nas sandálias percebemos uma segunda cor predominante, a

cinza (8a). De acordo com Freitas (2007, p. 09), esta cor traz a sensação acromática que em

termos de compensação parece querer dividir o mundo. ―Ele gosta de isolamento, e não quer

envolvimento‖. Ao contrário dos signos associados ao gênero feminino, que expressam

afetividade de proximidade, este signo representa um distanciamento característico do

homem, educado para não expressar envolvimento ou afetividade. A representação do

masculino denota isolamento, principalmente no ambiente externo e dos negócios.

A história de encerra com os meninos desligando juntos ao cronômetro e

notamos que não houve nenhum diálogo dos personagens, apenas um narrador, em entonação

esportiva. Esta ausência de diálogo remete à uma ideia contrária à da peça direcionada às

meninas, em que o diálogo está presente ao longo dos 30‖, demonstrando aproximação e

afetividade. Ao invés disso, o narrador expressa sensações de movimento, agilidade e

radicalidade, comportamentos ligados ao gênero masculino, além de extinguir a ideia de

58

pessoalidade, por meio da sensação de que o personagem compete sozinho, vencendo todo

aquele que não possui a mesma sandália.

Silva (2008, p. 31) relata que ―[...] no caso da narração esportiva, a

significação é decorrência da interação entre os interlocutores, que ao conhecerem as

características dos códigos utilizados na transmissão esportiva são capazes de promover a

codificação e decodificação da língua, pela fala‖. Isto é, fazendo uma analogia ao nosso

objeto em análise, ao ser utilizada uma linguagem esportiva para comunicar com o público

masculino, indica que como receptores são capazes de decodificar os códigos da narração, por

ser algo considerado nato ao gênero masculino.

Por meio destas análises percebemos conceitos socioculturais sobre o

gênero masculino, estudados nos capítulos anteriores, sendo reafirmados pela publicidade, do

mesmo modo como ocorre com a propaganda destinada às meninas. Podemos perceber, com

isso, a semelhança da composição entre ambas propagandas, que buscam estratégias

auxiliadas em signos que remetem ao comportamento dos gêneros ou às identidades ideais

estipuladas desde a educação informal, impulsionando o consumo por meio de conceitos

comuns da cultura popular, que educa as crianças para serem e agirem de acordo com padrões

passados de geração em geração. E, desta maneira, as estratégias publicitárias consistem em

reafirmar tais conceitos em cada detalhe, seja na linguagem corporal, linguística ou imagética

que compõe a propaganda.

Assim, temos os signos como a narrativa em forma esportiva ou o

comportamento de competição (rapidez, agilidade, esperteza, etc.) compondo um dispositivo

de gênero masculino, que indica que os melhores meninos são aqueles que vencem, isto é,

afirmam um comportamento social masculino por meio do conhecimento da cultura sobre o

gênero, também conhecido pela infância – aprendido desde a educação informal.

Analisando de forma geral e comparativa as duas propagandas, temos signos

que se opõe em papéis sociais diferenciando os gêneros, mas que se assemelham em ideias

como o espaço privado que se opõe ao espaço público, mas se assemelha no condicionamento

do feminino e do masculino nos papéis sociais com a função doméstica ou destinado aos

negócios; o diálogo e a ausência do diálogo caracterizando e diferenciando os gêneros por

meio da comunicação direta ou indireta; ou as decorações e cores que remetem à mesma ideia

de identidade de gênero, mas diferem nas sensações de delicadeza e rigidez. Entretanto, temos

como ápice das propagandas, nos 16‖, a semelhança da sensação de pertença causada de

maneiras diferentes para persuadir de maneira diferente os gêneros, dentro da cultura da

identidade e dos comportamentos entre meninos e meninas, porém atingindo os dois públicos

59

com uma ideia universal de necessidade humana de ter um espaço ou público para identificar-

se. Em que as duas propagandas utilizam dos sentidos incorporados aos produtos para

prendem os públicos-alvo nesta ideia de ter para pertencer como sentido para ser.

Entretanto, as propagandas expressam sentidos opostos, em que é possível

perceber as divergências entre os dispositivos de gênero utilizado nas propagandas nos

mesmos segundos de cada. Para explorarmos os contrapontos dos dispositivos de gênero

utilizados nos objetos em analise, precisamos retomar alguns conceitos estudados por

Agamben (2005) citado anteriormente.

Dispositivos são elementos utilizados para formar ideias, conceitos ou

discursos. ―Generalizando posteriormente a já amplíssima c1asse dos dispositivos

foucaultianos, chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a

capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os

gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes‖ (AGAMBEN, 2005, p.13).

Dessa maneira, podemos afirmar que os dispositivos são assimilados aos

signos e símbolos que constroem as significações da propaganda, que se comunica

transmitindo uma identidade aos públicos-alvo, analisados por meio dos estudos semióticos

como ícones.

Portanto temos as impressões de contraponto mais expressivas em ícones

como o espaço privado como dispositivo de gênero feminino e o espaço público como

dispositivo de gênero masculino e a linguagem, em que a presença do diálogo foi utilizada

como dispositivo de gênero feminino e a ausência como dispositivo de gênero masculino.

Assim, temos pontos mais específicos em que os dispositivos utilizados diferem os gêneros:

Ao 01‖ é notável os dispositivos de comportamento entre as propagandas.

Enquanto as meninas expressam calma, afetividade, proximidade e polidez, o menino

expressa radicalidade, rigidez e impessoalidade. Isto ensina às crianças ideias como as citadas

por Anzalduá (2009) sobre as diferenciações na educação do comportamento dos gêneros,

pois são criadas para as meninas um modo de ser contrário ao dos meninos, que podem agir

de maneira mais agitada e indelicada.

Aos 05‖, uma das meninas apresenta a sandália em seus pés e os esmaltes

nas unhas, ícone da ideia de que as mulheres foram de despindo ao longo dos anos, em que as

roupas encurtaram e as luvas passaram a ser representadas nos esmaltes, de acordo com Priore

(2000). Esta cena demonstra afeição e pessoalidade entre as meninas. Em contraponto a isso,

neste instante, o menino que já iniciou sua corrida à escola supera o primeiro obstáculo,

60

deixando para trás uma menina. Expressando impessoalidade e distância da personagem que

fica para trás.

Aos 09‖ começa a ser notável com maior intensidade a ideia de pertença por

meio do consumo das sandálias, que apesar de estarem em foco nas duas propagandas, são

realizadas com dispositivos diferentes. Enquanto a menina mostra sua sandália com

afetividade às outras, a sandália do menino é focada em desafeto ao menino de skate que

acaba de ser superado por não utilizar as sandálias.

Aos 16‖ temos o ápice do sentido de pertença nas duas propagandas,

expressadas com um certo suspense, porém com comportamentos divergentes entre os

gêneros. Com as meninas o suspense é dado ao chegar uma terceira personagem que quase

não se encaixa no grupo ao demorar para apresentar suas unhas com o esmalte com adesivos

da Hello Kitty e com o menino o suspense é dado ao menino quase ficar de fora da escola –

destino final da corrida. Entretanto, ambos pertencem aos grupos por estarem com suas

sandálias, a diferença está nos dispositivos de gênero de cada propaganda. Enquanto as

sandálias femininas fazem elas pertencerem a um grupo de padrão de beleza, as masculinas

faz o menino pertencer a um grupo de corajosos e velozes.

Aos 26‖ temos os desfechos em que o grupo das meninas fica completo por

haver identificação uma com a outra por meio do uso das sandálias, marcando um dispositivo

de gênero feminino ao colocá-las em afeição uma com a outra em uma ideia de beleza e

amizade. Com os meninos a identificação se dá por meio do empate, em que a dupla de

meninos corajosos e velozes é estabelecida por não haver vencedor ou perdedor, já que os

dois possuem a mesma sandália, marcando um dispositivo de gênero masculino por colocar os

personagens como concorrentes, que pertencem ao mesmo nível de competição, ou por

pertencerem ao mesmo grupo.

Para finalizar temos a sandália como signo icônico pertencente a ambos os

gêneros, que representa um objeto de identificação, ou pertença. Mas demonstram

contrapontos em pequenos detalhes por meio do uso dos dispositivos de gênero. As cores e os

modelos são pensados para atrair os gêneros de forma específica, em relação aos

conhecimentos comuns da cultura que possui padrões para cada gênero.

Desde muito cedo as meninas são ensinadas a serem bonitas. Não haveria nada errado nisso se o conceito de beleza fosse mais natural. Acontece que

os maiores elogios dirigidos à beleza das meninas têm a ver com o fato de

estarem limpinhas, perfumadas ou artificialmente enfeitadas (o que implica ausência de movimento). Uma menina será elogiada (e portanto

potencialmente mais amada) pelos seus lindos cabelos, se estiverem

61

penteados, ou pelo belo vestido bordado. Já existem sapatinhos de salto alto

para meninas pequenas e até estojos de maquiagem infantil, duas verdadeiras

aberrações quando se sabe dos danos causados respectivamente à coluna e aos poros por tais artifícios supostamente femininos. (WHITAKER, 1992, p.

36).

Esta afirmação demonstra um último contraponto expresso em todo o

contexto das propagandas ao redor dos produtos. As meninas são condicionadas à um espaço

privado por serem consideradas mais lentas, com suas sandálias com um pequeno salto, e por

não poderem correr para permanecerem limpas e perfumadas, enquanto os meninos estão

livres ao espaço público por possuírem sandálias próprias para a corrida, sem preocupação

com o suor ou a sujeira. Assim temos um produto semelhante carregados de sentidos e

significações diferentes, marcados por dispositivos de gênero capazes de impulsionar a

identidade de gênero nos receptores do universo infantil.

62

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos, que as expectativas de venda e consumo da sociedade atual

são supridas por meio dos indivíduos que buscam identificações e significações por meio

delas, mas deixam marcas de produtos que afirmam identidades, modos de ser, agir e

pertencer. Esse Trabalho de Conclusão de Curso interpreta essa ação cotidiana, a publicidade,

fazendo com que visões sobre a cultura e a sociedade fossem alteradas. Pois o modo de

observar os comportamentos e funções sociais dos gêneros mudou, passando a ser associados

aos contatos que os indivíduos têm ao longo de toda a vida, seja por meio das relações sociais

ou ao ato do consumo.

Neste olhar, obtemos nitidez da relação de construção das identidades com a

interferência, a significação feita nas peças para construir ideais de masculinidade e

feminilidade que são atualizados, que conformam os sujeitos em modos de ser e agir que

estão atrelados a ideais de pertencimento e de consumo de identidades. Ter um produto como

esse me faz ser menino ou menina, me coloca dentro de um grupo, me torna parte de uma

comunidade, me faz importante.

Entendemos nesta pesquisa que os objetivos foram alcançados, em que as

propagandas da Grendene Kids foram analisadas e interpretadas por meio dos dispositivos e

signos, que os compõem. Chegando ao resultado esperávamos, ao identificar os elementos

dispostos estrategicamente para induzir a formação de identidade de gênero na infância.

Relacionando-se a ideia inicial de que nossas identidades são formadas a partir de interações

sociais, visto que a publicidade é uma ação comunicacional presente em diversas ações dos

sujeitos.

Este trabalho comprovou a influência da Revolução Cultural nos

comportamentos socioculturais. Em que notamos que cada época exigiu padrões de gêneros

que foram mantidos e modificados para a inserção de homens e mulheres no consumo. Com

isso, percebemos que as relações mercadológicas podem levar a sensações tanto de pertença

quanto de exclusão, a partir da aquisição dos produtos carregados de sentidos e significações,

que também impulsionam a formação de identidade. Em que os indivíduos caracterizam quem

são por meio das características de seus objetos de consumo. Provando que a publicidade não

é apenas uma ferramenta comercial que, por meio das técnicas de persuasão, intenta tornar

necessária a compra de determinado produto, ela também é um produto de ordem

63

sociocultural, que ao se aproximar da sociedade torna-se um reflexo da cultura

contemporânea.

É percebido por meio desta análise, que o consumo em associação à

identidade ou identificação está presente cada vez mais no universo infantil, em que as

crianças são treinadas cada vez mais cedo para agirem como pequenos adultos, com

comportamentos e vestimentas cada vez mais semelhantes ao universo adulto. Assim,

percebemos que este fenômeno tem atraído pesquisadores com intensões de estudos

semelhantes ao tema deste trabalho de conclusão de curso, fazendo com o que esta pesquisa

possa servir de base para futuros estudos. Podendo ser relevante para toda a sociedade, por ter

como base a interpretação de fenômenos sociais.

Deste modo, esta pesquisa inscreve-se nos estudos que discutem consumo

infantil, identidade, dispositivos, podendo ser estendida à dissertação de mestrado da

pesquisadora. Contribuindo com olhares para denotar, marcar e discutir elementos da cultura

que indicam modos de ser e de agir. Pois, o tema deste trabalho está presente e explícito no

momento social que vivemos, sendo um estudo que não pode se restringir somente a este

material.

Dessa maneira, podemos concluir que as relações sociais mudaram com o

tempo, desenvolvendo comportamentos por meio da evolução da moda, do feminismo e da

produção em massa, que impulsiona o consumo exacerbado. Entretanto, algumas ideias em

sua essência ainda são mantidas pelas culturas e tradições, como a diferenciação dos sexos por

meio das cores, modos de ser, agir, vestir, sentir ou pensar. Levando em conta que a mídia

como um todo (jornais, novelas, filmes, propagandas, etc.) são agentes comunicadores que

ajudam na educação dos sujeitos, que muitas vezes possuem gostos ou hábitos que não sabem

explicar, em exato, de onde começaram.

Vislumbramos que é possível entender as identidades de gênero como

relacionadas a signos e significações da propaganda, pois ela se utiliza de dispositivos que

induzem o consumo e, ao mesmo tempo, associam afirmações sociais sobre comportamento,

cultura e estilo de vida por meio dos signos e suas significações, tão presentes nos produtos

ofertados, que expressam ideias aos consumidores, passando a fazer parte de quem são.

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