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2 TECNOLOGIAS DE GESTÃO CONSTRUINDO A SINERGIA APÓS A AQUISIÇÃO: um caso real brasileiro sobre integração de empresas © 2000, RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. RAE Light v. 7 n. 2 p. 2-7 Abr./Jun. 2000 Wilson Carnevalli Filho INTRODUÇÃO As aquisições e fusões entre empresas no Brasil têm aumenta- do muito ultimamente. A abertu- ra da economia, a exigência do ganho em competitividade e a pró- pria entrada do capital estrangeiro são os principais motivadores desse processo. Os propósitos dessas aquisições são muitos: entrar num novo negó- cio, aumentar a participação no ne- gócio, especular no mercado acionário. Seja qual for o propósi- to específico, uma coisa é certa: quem decide adquirir uma empresa tem como meta principal aumentar o valor do seu patrimônio, seja um conglomerado, seja uma unidade de negócio. A literatura e a mídia especiali- zadas abordam vastamente essa questão, enfatizando, porém, os as- pectos estratégicos das aquisições e fusões. Com relação ao processo de gestão, aos impactos sobre as operações das empresas envolvidas ou à capacitação dos executivos para gerenciar o processo, pouco é encontrado. No momento da aquisição, mui- tos cálculos são apresentados, e são visualizados ganhos de competiti- vidade, economias, faturamento previsto e outros aspectos do negó- cio. Alguns estudos, no entanto, de- monstram que a realidade é outra. Muitos casos de aquisição e fusão não atingem o resultado esperado e tornam-se grandes problemas operacionais e estratégicos. A ques- tão torna-se mais relevante princi- palmente no caso em que a siner- gia operacional é a grande fonte de valor. Nesse caso, quando é feita a análise de viabilidade e determina- ção do valor do negócio, pressupõe- se que no futuro as operações das duas empresas serão uma só. Para chegar lá, porém, há um grande ca-

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Page 1: CONSTRUINDO A SINERGIA APÓS A AQUISIÇÃO: …3 CONSTRUINDO A SINERGIA APÓS A AQUISIÇÃO RAE Light • v. 7 • n. 2 • Abr./Jun. 2000 minho a percorrer, que muitas ve-zes é subestimado.1

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TECNOLOGIAS DE GESTÃO

CONSTRUINDO A SINERGIAAPÓS A AQUISIÇÃO: umcaso real brasileiro sobreintegração de empresas

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RAE Light • v. 7 • n. 2 • p. 2-7 • Abr./Jun. 2000

Wilson Carnevalli Filho

INTRODUÇÃO

As aquisições e fusões entreempresas no Brasil têm aumenta-do muito ultimamente. A abertu-ra da economia, a exigência doganho em competitividade e a pró-pria entrada do capital estrangeirosão os principais motivadoresdesse processo.

Os propósitos dessas aquisiçõessão muitos: entrar num novo negó-cio, aumentar a participação no ne-gócio, especular no mercadoacionário. Seja qual for o propósi-to específico, uma coisa é certa:quem decide adquirir uma empresa

tem como meta principal aumentaro valor do seu patrimônio, seja umconglomerado, seja uma unidade denegócio.

A literatura e a mídia especiali-zadas abordam vastamente essaquestão, enfatizando, porém, os as-pectos estratégicos das aquisiçõese fusões. Com relação ao processode gestão, aos impactos sobre asoperações das empresas envolvidasou à capacitação dos executivospara gerenciar o processo, pouco éencontrado.

No momento da aquisição, mui-tos cálculos são apresentados, e sãovisualizados ganhos de competiti-

vidade, economias, faturamentoprevisto e outros aspectos do negó-cio. Alguns estudos, no entanto, de-monstram que a realidade é outra.Muitos casos de aquisição e fusãonão atingem o resultado esperadoe tornam-se grandes problemasoperacionais e estratégicos. A ques-tão torna-se mais relevante princi-palmente no caso em que a siner-gia operacional é a grande fonte devalor. Nesse caso, quando é feita aanálise de viabilidade e determina-ção do valor do negócio, pressupõe-se que no futuro as operações dasduas empresas serão uma só. Parachegar lá, porém, há um grande ca-

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minho a percorrer, que muitas ve-zes é subestimado.1

Além disso, uma questão impor-tante é quanto tempo se levará paraintegrar as operações, pois a velo-cidade tem impacto direto no retor-no esperado, e essa velocidade só éobtida se o processo de integraçãofor bem conduzido.

Em parte, negligencia-se o fatode que as duas empresas desenvol-veram-se sobre bases distintas. Osvalores, os sistemas de informação,os critérios de promoção e recom-pensa, as estratégias e os relacio-namentos com clientes e fornece-dores são todos distintos. Os mo-delos mentais dos executivos efuncionários são diferentes. Se issonão for considerado, não podemosfalar que as operações estão inte-gradas: podem ter o mesmo acio-nista, mas não o mesmo sistemagerencial.

Este artigo tem o objetivo dedescrever uma experiência de aqui-sição, realçando os elementos maisimportantes de um processo de in-tegração, bem como as armadilhasque surgiram ao longo do caminho,quais são as suas origens e comoforam tratadas, permitindo, assim,um completo entendimento decomo foi o processo em questão.

Trata-se de um caso real, brasi-leiro, analisado por quem conduziuo processo de integração, sob aóptica de quem adquiriu uma outraempresa. A pretensão é de podermostrar a experiência do ponto devista prático, e não teórico, com oobjetivo de contribuir para o estu-do da questão de integração de em-presas após fusões e aquisições.

CONTEXTO

As empresas estão no negóciode produção de cimento. A adqui-rente é a Camargo Corrêa Cimen-tos (CCC), pertencente ao GrupoCamargo Corrêa. A adquirida é aCimento Cauê, pertencente a um

grupo também nacional, de MinasGerais. Na época da integração,elas possuíam praticamente o mes-mo porte, faturando juntas cerca de

R$ 400 milhões por ano, com 10%do mercado nacional e situando-seem terceiro lugar no ranking.

O mercado cimenteiro na déca-da de 90 tem passado por grandesmudanças. No início da década, oGrupo Votorantim detinha 40% domercado nacional, o segundo noranking detinha 11%, e os demais,em torno de 5% cada. É uma indús-tria de capital intensivo e, até en-tão, protegida da concorrência ex-terna pelas barreiras alfandegáriase naturais.

A abertura da economia repre-sentou um duro golpe na indústria.Embora o Custo Brasil ainda sejaum obstáculo à entrada de cimentoimportado, sabemos que é umaquestão de tempo para que as bar-reiras diminuam ou sejam até eli-minadas.

A conjuntura colocou os tradi-cionais fabricantes locais, com par-ticipação pequena de mercado, numdilema: crescer ou sair do merca-do. Os grupos com menor solidezfinanceira ou com interesses maio-

res em outros setores decidiram,então, vender seus negócios.

Dessa forma, em cerca de doisanos, houve uma movimentação decompra e venda no setor que envol-veu cerca de US$ 2 bilhões, com aconcretização de sete negócios.

A aquisição de que tratamos nes-te artigo foi um desses negócios, en-volvendo duas empresas do mesmoporte. O nosso desafio, portanto, eraintegrar duas empresas com cultu-ras muito diferentes num ambientemuito competitivo e turbulento.

ARMANDO-SE PARA ODESAFIO

O processo de integração é com-posto de vários elementos, tendocada um deles sua importância re-lativa, e a composição adequada detodos determina o resultado final doprocesso. Ao longo da descrição docaso, iremos destacando seus ele-mentos, segundo nossa visão.

O primeiro elemento que ressal-tamos no processo é a estrutura.Antes de concluirmos o negócio,decidimos reformular nossa estru-tura. Liberamos cinco executivosda operação normal da empresa,para iniciar o processo de planeja-mento da integração.

Num primeiro momento, dividi-mos nossa atenção em três frentes.Uma equipe cuidando das opera-ções normais, outra dedicando-seao processo de aquisição e a tercei-ra concentrando-se no planejamen-to da futura integração.

Foram separados da operaçãoum diretor e quatro gerentes, em umgrupo que foi denominado GrupoTransitório de Integração (GTI). Naocasião, tínhamos 1 presidente, 2diretores e 20 gerentes e assesso-res. Nota-se, portanto, que a movi-mentação causada por essa reestru-turação foi significativa.

O efeito foi muito positivo, prin-cipalmente devido aos seguintes as-pectos:

Negligencia-se o

fato de que as

duas empresas

desenvolveram-se

sobre bases distintas.

Se isso não for

considerado, não

podemos falar que as

operações estão

integradas: podem ter

o mesmo acionista,

mas não o mesmo

sistema gerencial.

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Na etapa de

modelagem, nossa

preocupação inicial

deixou de ser, então, o

que deveríamos fazer

para integrar a nova

empresa, passando a

ser a de entender

primeiro como as duas

empresas operavam.

a) o nível de motivação de todos osenvolvidos aumentou muito: osque foram separados tinham pelafrente algo completamente novoa tratar, enquanto os que “fica-ram” tiveram maiores responsa-bilidades e uma chance ímparpara mostrar suas capacidades;

b) o foco claro impediu a “conta-minação” entre a aquisição, aoperação e a integração, aumen-tando a produtividade gerencial;

c) a estruturação antecipada permi-tiu um período de transição, emque as equipes puderam apoiar-se mutuamente, trocando infor-mações e experiências.

O PLANEJAMENTO

A estruturação antecipada per-mitiu que trabalhássemos com umaqualidade muito maior no que acre-ditamos ser o segundo elemento doprocesso: o planejamento.

O GTI foi constituído por exe-cutivos especialistas em áreas es-pecíficas (administrativo-financei-ra, comercial e industrial) e sob acoordenação de um diretor.

No início do trabalho de plane-jamento, nossa única certeza era oque queríamos com a integraçãoentre as duas empresas: construirnum curto espaço de tempo a si-nergia esperada, tornando as em-presas uma só organização.

Nas primeiras reuniões, perce-bemos a grande diferença de visãoque havia entre nós, componentesdo GTI. Cada um enfatizava prin-cipalmente os aspectos relativos àsua área funcional. As primeirasiniciativas voltavam-se para o es-tabelecimento imediato de um pla-no de integração das atividades fun-cionais. A impressão era a de queproduziríamos um trabalho seme-lhante àqueles que muitas vezesfazíamos na escola, em que, parafacilitar, dividíamos o trabalho emcapítulos e cada um ficava incum-bido de fazer um; no final, um

membro era responsável por juntartudo e entregar.

Como mudar essa situação? Per-cebemos que a equipe deveria ter umentendimento comum do problemae deveria formular a solução conjun-tamente. Os planos de ação paracada área funcional deveriam ser aúltima tarefa a ser feita. É mais fá-cil falar isso do que fazer, pois acultura do “sair fazendo” é forte.

Aqui entra um outro elementodo nosso processo de integração: omodelo. Essa etapa foi fundamen-tal para a coesão do grupo, e deve-mos a ela boa parte do sucesso denosso trabalho.

Para nós, a construção de ummodelo é como a montagem de umquebra-cabeça. Cada informação oufato coletado é analisado, encaixa-do, fornecendo uma imagem cadavez mais detalhada e nítida do qua-dro. Modelar é comunicar uma his-tória, uma vez que combina diver-sos aspectos de forma a fazer sen-tido. O modelo descreve ainda a di-nâmica do sistema em questão econstitui-se num referencial básicopara análise, discussão e planeja-mento da própria coleta de infor-mações. A construção de um mo-delo, portanto, é um processo auto-alimentado.

Na etapa de modelagem, nossapreocupação inicial deixou de ser,

então, o que deveríamos fazer paraintegrar a nova empresa, passandoa ser a de entender primeiro comoas duas empresas operavam. Nossoprocesso de coleta de informaçõesconcentrou-se em obter dados sobrecomo o negócio era gerenciado, taiscomo: seu processo decisório; o re-lacionamento com clientes, fornece-dores, empresas do grupo, comuni-dade e funcionários; o sistema deinformações; a distribuição física; autilização de instalações industriais;as políticas comerciais; o desenvol-vimento de produtos, etc.

Negociamos com os acionis-tas vendedores a inclusão no duediligence de uma equipe do proces-so de integração para providenciaro levantamento desses tipos de in-formação. Esse levantamento foirealizado por meio de entrevistascom os principais executivos.

O resultado foi fantástico! Emquestão de 15 dias, entendíamosnão só como a empresa operavamas também por que operava da-quele determinado jeito.

Por exemplo: percebemos queos executivos tinham uma visãomuito departamentalizada da em-presa; eram muito informais, sen-do forte a cultura do “jeitinho”; osrelacionamentos externos eram ba-seados nas pessoas, e não na orga-nização; os distribuidores tinham ocontrole sobre as vendas, fazendocom que os vendedores tivessemum papel secundário; a distribuiçãofísica era controlada por uma em-presa da família.

Observe-se como seria pobre umplanejamento sem esse entendi-mento prévio, como poderíamosfocar a integração e seu planeja-mento em pontos irrelevantes.

Os contornos do novo modeloficaram claros. Eram eles:a) corporativo centralizado: não tí-

nhamos dúvidas de que quería-mos ter uma empresa só. As ati-vidades operacionais seriamdescentralizadas, as fábricas se-

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riam tratadas como novas uni-dades e as atividades de suporteseriam centralizadas;

b) gestão profissionalizada: ospersonalismos e os “jeitinhos”não fariam parte do novo mode-lo de gestão. Os funcionáriosdeveriam ter uma visão do todo,conhecer a situação da empresae seu papel no processo;

c) a distribuição física deveria fi-car sob nosso controle e comcustos semelhantes aos nossos;

d) as operações industriais deveri-am ser compatíveis com as pro-dutividades que temos em nos-sas plantas;

e) controle comercial: o cimento éuma commodity, muito sensível apreço; portanto, nosso modelopressupunha colocar de volta odistribuidor em seu lugar naturalna cadeia de valor do negócio.Estávamos agora preparados

para elaborar um plano muito maisobjetivo; sabíamos onde atuar, asreações que poderíamos esperar e,o mais importante, estávamos ali-nhados e preparados para reagirmuito mais rápido a qualquer sur-presa, pois entendíamos muito me-lhor a lógica da empresa.

O processo de integração pre-via as seguintes etapas e os respec-tivos prazos: novas normas e pro-cedimentos de controle financeiro,cobrança e crédito estariam im-plantados em 45 dias após a toma-da de posse; as demissões seriamfeitas em 60 dias; as atividadescorporativas seriam centralizadasem 120 dias; as novas formas derelacionamento com os distribui-dores seriam implantadas em 90dias; todos os sistemas seriam im-plantados em 75 dias e o GTI se-ria desfeito em 120 dias.

PROCESSO DE INTEGRAÇÃO

Novamente, a discussão sobre aestrutura ganhou importância. O di-lema era se o GTI ficaria como ór-

gão de staff ao processo ou assu-miria o comando operacional daempresa e acumularia as duas res-ponsabilidades.

Decidimos que os membros doGTI assumiriam o comando opera-cional e, durante o processo de tran-sição, as duas empresas operariamseparadamente. Assim, estabelece-mos a nova estrutura da Cauê coma demissão de quatro dos seis exe-cutivos dirigentes existentes.

Além dos membros do GTI, se-lecionamos alguns profissionaisque constituiriam o que denomina-mos grupo de apoio. Esse grupo te-ria a missão de auxiliar o GTI,assumindo responsabilidades rela-cionadas especificamente ao pro-cesso de transição.

Essa estrutura garantiu a velo-cidade de que precisávamos, poisas decisões eram tomadas por quemestava ligado diretamente ao pro-blema. Tivemos que mudar os es-tatutos da empresa para garantir suaefetividade. Não era uma estruturaideal para um período longo, mas onosso objetivo era acabar o traba-lho no prazo estipulado.

Os primeiros dias retrataram oque seriam os 120 dias do processode integração: comunicar, comuni-car, comunicar..., o que confirmavapara nós o quarto elemento do pro-cesso de integração: a comunicação.

Contratamos uma consultoriaespecializada em comunicação em-presarial que nos auxiliou nesseprocesso. Foram reuniões com to-dos os funcionários, em todos osníveis da hierarquia, num processoque denominamos roll down. Co-municávamos aos supervisores, quepassavam a ter a responsabilidadede reproduzir as mensagens às suasequipes.

Além disso, como reforço, emi-tíamos boletins semanais contendoos principais acontecimentos, asdecisões tomadas e os resultados.Nesse esquema de comunicação,fomos explicando e justificando

cada uma das muitas mudanças quefomos empreendendo. Estávamosmudando as regras do jogo, e erafundamental que todos soubessemquais eram as novas.

Esse tipo de mensagem estendia-se à comunidade, aos sindicatos, aosclientes e aos fornecedores. Assim,nosso processo de comunicação foiintenso com todos esses públicos.Tivemos reuniões periódicas comtodos esses grupos durante todo oprocesso de transição, enfatizandosempre os mesmos pontos.

Um aspecto que mostrou sua im-portância ao longo do processo foia confiança, nosso quinto elemen-to. A auto-estima dos funcionáriosda Cauê estava muito abalada. To-dos sentiam-se inferiorizados porterem sido incorporados, sentiam-se ainda responsáveis ou traídos.Sem a auto-estima, era difícil fazê-los confiar em alguém, pois, antesde mais nada, precisavam confiarem si mesmos.

Se pretendíamos transformar asduas empresas numa só, não podí-amos criar “feridas” no decorrer doprocesso. A questão é delicada por-que as pessoas da Cauê estavamsensíveis, e as da CCC cheias de or-gulho, o que facilmente poderiatransformar-se em arrogância.

Usamos dois mecanismos paragarantir uma certa estabilidade noclima de confiança. O primeiro foio trabalho em equipe. Não conhe-cíamos o potencial de cada funcio-nário, mas só havia um meio de sa-ber: responsabilizá-los por tarefasespecíficas e avaliar os resultados.

Os primeiros dias

retrataram o que

seriam os 120 dias

do processo de

integração: comunicar,

comunicar, comunicar...

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Todo o plano de ação foi executa-do por meio de grupos de trabalho.O trabalho em conjunto foi cons-truindo laços entre os funcionáriosdas duas empresas, quebrando bar-reiras importantes. Além disso, oenvolvimento acabou lhes dandomuitas responsabilidades, fazendocom que a autoconfiança aumentas-se com as realizações.

O outro mecanismo foi a trans-parência. Durante todo o processo,muitas decisões duras tiveram deser tomadas. Em todas as situações,optamos pela transparência. Agi-mos todo o tempo como se tivésse-mos que prestar contas de nossosatos. Isso foi feito com os funcio-nários e também com a comunida-de. A transparência permitiu quetrabalhássemos melhor com o dile-ma demissões versus confiança. Naverdade, procuramos tratar todoscomo o que são: profissionais eadultos. Nunca negamos que have-ria demissões, mas sempre explica-mos as causas e os critérios paramostrar por que precisávamos de-mitir e quem seriam os demitidos.Isso permitiu construirmos um cli-ma de relativa confiança. Ressalta-mos que a comunicação e o mode-lo foram decisivos, demonstrandoo caráter dinâmico entre os elemen-tos do processo.

Toda a integração ocorreu numclima muito turbulento. Haviamuito o que ser feito em poucotempo, fora as surpresas que sem-pre aparecem. Nesse sentido, afir-mamos que o controle foi outroelemento importante, pois garan-tiu a manutenção do rumo duranteo processo.

Pa ra man te r a s e t apas sobabsoluto controle, mantivemosum consultor responsável pelomonitoramento das ações. Eleapurava o andamento das ativida-des e emitia relatórios de acom-panhamento, que eram discutidosem reuniões semanais com osmembros do GTI.

Para acompanhar as operações,desenvolvemos um sistema de in-dicadores de desempenho e reali-závamos auditorias de processo re-gularmente. Era um olho no pro-cesso de transição e outro nos re-sultados e na confiabilidade dasoperações.

Outro aspecto importante decontrole foi com relação às res-ponsabi l idades contra tuais . Ocontrato de compra da empresaprevia muitas ações subordinadasa determinados eventos. Assim,conscientizamos constantementea equipe sobre esses eventos paraevitar qualquer tipo de deslize.Reuníamo-nos com os advogadosperiodicamente para discutir asações que estavam sendo tomadase suas implicações perante o con-trato de compra.

Já se tinham passado cerca de 80dias quando começamos a discutiro momento certo para procedermosà integração gerencial das duas em-presas, que, até então, como jámencionamos, eram conduzidascomo estruturas paralelas.

A questão era fazer a integra-ção sem deixar o “bastão” cair. Omaior problema ocorreria nas áre-as administrativas, nas quais osfuncionários passariam a trabalhar

com gerentes com os quais não ti-nham contato. Optamos por criarum período de transição, em que osfuncionários fossem sendo apre-sentados aos seus novos gerentes.Assim, transferimos uma equipe in-teira para o escritório central, como objetivo de irem conhecendo seusnovos colegas e chefes. Essas pes-soas, durante esse período, tinhamdois chefes: o do GTI e o futuro.

Paralelamente, toda a estruturada empresa foi sendo reorganizadapara retratar a nova situação. Or-ganizamos reuniões com os direto-res e gerentes de todas as áreas paraconstruir a nova estrutura. Assim,120 dias depois da tomada de pos-se, estávamos oficializando o novomodelo organizacional, que envol-veu mudanças em todos os níveisgerenciais e selou a integração ope-racional.

Como forma de dar consistên-cia a todo o processo e comunicarmais enfaticamente a real unifica-ção, desenvolvemos um encontrocom todos os gerentes e superviso-res (muitos deles da empresa adqui-rida), num programa de treinamen-to de team building. Não poderia terhavido momento melhor: o gruposaiu mais coeso e o processo deconfiança mútua no novo corpogerencial começou a se consolidar.

ARMADILHAS

Ao longo do processo, surgiramdiversos obstáculos, que chamamosde armadilhas porque, se caíssemosnelas, havia o risco de perder o rit-mo e o controle do processo.

Algumas dessas armadilhas fo-ram previstas, e tínhamos uma es-tratégia para administrá-las ou atéenfrentá-las, mas outras nos surpre-enderam.

A primeira delas foi a pressãoda comunidade. Não foi tão inten-sa quanto imaginávamos. A comu-nidade estava muito próxima da fá-brica, tanto física como emocional-

Todos sentiam-se

inferiorizados

por terem sido

incorporados, sentiam-

se ainda responsáveis

ou traídos. Sem a auto-

estima, era difícil

fazê-los confiar em

alguém, pois, antes de

mais nada, precisavam

confiar em si mesmos.

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CONSTRUINDO A SINERGIA APÓS A AQUISIÇÃO

Wilson Carnevalli Filho éDiretor de Operações da

Camargo Corrêa Industrial S.A.

E-mail: [email protected]

mente, uma vez que aquela cresceuem razão desta. Assim, não pode-ríamos ignorar o impacto que cadadecisão tomada tinha na cidade,principalmente as demissões, quesabíamos serem inevitáveis. Dessaforma, desenvolvemos uma políti-ca de tratamento com a comunida-de coerente com o nosso modelo etratamos de divulgá-lo à sociedadeorganizada com discurso e prática.

A segunda armadilha envolveuo relacionamento com os distribui-dores. Não queríamos colocar emrisco a receita num embate de re-sultados imprevisíveis, que coloca-ria o processo em risco. Assim, pre-ferimos negociar a forma de tran-sação comercial sem, contudo, al-terar de forma significativa as mar-gens. Obtivemos o controle dos pre-ços, mas em menor grau do quegostaríamos.

A terceira armadilha constituiu-se na pressão da CCC. A estruturaparalela gerou pressões internasgrandes, pois muitos tinham aindao receio de que ela se perpetuaria.Houve então constantes interven-ções. Essa armadilha só não preju-dicou muito o processo porque elefoi muito rápido.

Uma variante dessa última pres-são foi uma outra armadilha dignade nota: a própria vontade dos exe-cutivos da CCC e do GTI em que-rer fazer mais do que o planejado.A disciplina foi importante para ga-rantir o processo.

Por último, ressaltamos os im-previstos técnicos. Durante o pro-cesso, descobrimos um problemagrave no processo de fabricaçãoque fazia o forno parar constante-mente. Tivemos de improvisar: re-quisitamos uma equipe extra de téc-nicos, que se debruçou no proble-ma até equacioná-lo.

COMENTÁRIOS FINAIS

Nosso objetivo aqui não foi o dedetalhar cada um dos elementos do

processo de integração, mas simdestacá-los da narrativa de formaque o leitor possa extrair algumasgeneralizações que possam ser tes-tadas em outras situações seme-lhantes.

Os elementos do processo de in-tegração destacados neste artigo re-fletem nossa visão sobre a dinâmi-ca e a complexidade de um proces-so como esse. Os seis elementos –estrutura, planejamento, modelo,comunicação, confiança e contro-le –, quando bem construídos ecombinados, podem resultar emuma integração rápida e, assim, cri-ar condições para o aproveitamen-to de todas as sinergias possíveis.

A integração entre empresas temtrês grandes dimensões: operacio-nal, cultural e estratégica. Nessesentido, o processo descrito nesteartigo envolveu a integração ope-racional. Com ela, já é possívelobter boa parte das sinergias espe-radas, mas não teremos, ainda, umasó empresa. Por outro lado, só épossível atingir os outros níveis deintegração se realizarmos essa eta-pa com qualidade.

A integração cultural demandamais tempo, pois não se mudam va-lores num curto espaço de temponem tampouco é possível impô-los.Com relação à estratégia, a reali-

Havia muito o que ser

feito em pouco tempo,

fora as surpresas que

sempre aparecem.

Nesse sentido,

afirmamos que o

controle foi outro

elemento importante,

pois garantiu a

manutenção do rumo

durante o processo.

zação da integração vai além damera incorporação dos produtos,dos serviços e da carteira de clien-tes. Questões como o posiciona-mento das marcas nos segmentos,a padronização dos produtos de for-ma a permitir a produção de mar-cas em unidades industriais distin-tas, o aproveitamento de canais dedistribuição, a troca de competên-cias e outras mais precisam ser tra-tadas na sua plenitude. Isso deman-da um tempo maior e muitas vezesenvolve aspectos e detalhes que nãoforam nem poderiam ter sido con-siderados no momento da compra.

Nosso objetivo com este artigofoi o de retratar os detalhes de umprocesso de integração para alertarprofissionais e estudiosos sobrepontos em geral negligenciados,que têm, porém, um impacto signi-ficativo nos resultados. Afinal, éfundamental perceber que essesdetalhes podem comprometer a in-tegração completa no futuro, por-que, em última instância, lida-secom pessoas, e todos sabemos queconquistar sua confiança é muitodifícil, mas perdê-la... �

RAE Light • v. 7 • n. 2 • Abr./Jun. 2000

1. Ver: SCHERER, Frederick M. Mergers, sell-offs andmanagerial behavior. In: THOMAS, Lacy Glenn (Ed.). Theeconomics of strategic planning. Lexington, Mass. :Lexington Books, 1986. p. 143.

NOTA