construção discursiva dicursos intolerantes

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1 A construção discursiva dos discursos intolerantes Diana Luz Pessoa de Barros * Neste estudo, o objetivo principal é apresentar uma proposta teórica e metodológica, fundamentada na Semiótica discursiva francesa, para o exame dos discursos intolerantes de diferentes tipos - racista, fascista, separatista, sexista, purista e outros, contribuindo dessa forma, na perspectiva dos estudos da linguagem, para o exame da intolerância, que tem sido estudada por historiadores, sociólogos, psicólogos, entre outros, nos mais diversos campos do conhecimento. Para tanto são estabelecidas algumas hipóteses de como se constrói discursivamente a intolerância, ou seja, de quais são os procedimentos e estratégias usados nesses discursos e de qual é o quadro de valores em que eles se colocam. Serão considerados quatro tipos de procedimentos de construção dos discursos intolerantes e preconceituosos: os de organização da narrativa, sobretudo do percurso da sanção; os de constituição dos percursos passionais, com base nos estudos da modalização, da aspectualização e da moralização discursivas; os de elaboração dos temas e das figuras semânticas do discurso, que mais claramente expõem suas determinações ideológicas inconscientes; os de formação da organização geral do discurso, na perspectiva de sua tensividade. Antes, porém, de se passar ao exame desses procedimentos, algumas questões e dificuldades devem ser apontadas em relação ao material analisado. Em primeiro lugar, os discursos intolerantes não constituem um gênero textual ou discursivo, pois para definir um gênero é necessária a estabilidade de composição, de temática e de estilo, no âmbito de uma dada esfera de ação (religiosa, midiática, escolar, familiar, etc.). Os * Universidade Presbiteriana Mackenzie, Universidade de São Paulo- Laboratório de Estudos sobre a Intolerância, CNPq – Brasil e-mail: [email protected]

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Page 1: Construção Discursiva Dicursos Intolerantes

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A construção discursiva dos discursos intolerantes

Diana Luz Pessoa de Barros*

Neste estudo, o objetivo principal é apresentar uma proposta teórica e

metodológica, fundamentada na Semiótica discursiva francesa, para o exame dos

discursos intolerantes de diferentes tipos - racista, fascista, separatista, sexista, purista e

outros, contribuindo dessa forma, na perspectiva dos estudos da linguagem, para o

exame da intolerância, que tem sido estudada por historiadores, sociólogos, psicólogos,

entre outros, nos mais diversos campos do conhecimento. Para tanto são estabelecidas

algumas hipóteses de como se constrói discursivamente a intolerância, ou seja, de quais

são os procedimentos e estratégias usados nesses discursos e de qual é o quadro de

valores em que eles se colocam. Serão considerados quatro tipos de procedimentos de

construção dos discursos intolerantes e preconceituosos: os de organização da narrativa,

sobretudo do percurso da sanção; os de constituição dos percursos passionais, com base

nos estudos da modalização, da aspectualização e da moralização discursivas; os de

elaboração dos temas e das figuras semânticas do discurso, que mais claramente

expõem suas determinações ideológicas inconscientes; os de formação da organização

geral do discurso, na perspectiva de sua tensividade.

Antes, porém, de se passar ao exame desses procedimentos, algumas questões e

dificuldades devem ser apontadas em relação ao material analisado. Em primeiro lugar,

os discursos intolerantes não constituem um gênero textual ou discursivo, pois para

definir um gênero é necessária a estabilidade de composição, de temática e de estilo, no

âmbito de uma dada esfera de ação (religiosa, midiática, escolar, familiar, etc.). Os                                                        * Universidade Presbiteriana Mackenzie, Universidade de São Paulo- Laboratório de Estudos sobre a Intolerância, CNPq – Brasil e-mail: [email protected]

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discursos intolerantes participam de várias esferas de ação ou mesmo de todas, e têm

composição e estilos também diferentes, só podendo ser classificados tematicamente, ou

seja, pela organização do plano do conteúdo, tal como será mostrado e exemplificado no

desenvolvimento deste estudo. Em outras palavras, no caso dos discursos intolerantes,

há apenas “estabilização” temática, pois há discursos intolerantes em diferentes esferas

de atividades (política, religiosa, familiar), de gêneros diversos (notícias, sermões, bate-

papo, etc.) e de tipos diferentes (narrativo, descritivo, etc.). A segunda questão, no

recorte do material a ser examinado, é a dos critérios para essa seleção, ou seja, de como

classificar os discursos de intolerantes. Dois aspectos estão sendo considerados: o

reconhecimento social de que certos discursos são preconceituosos, intolerantes,

discriminatórios e/ou a observação de que apresentam as características arroladas, neste

estudo e em outros, como próprias desse tipo de discurso. Com isso pode-se observar se

há ou não concordância dos dois aspectos mencionados.

1. Exame narrativo dos discursos intolerantes: discurso de sanção

Para o exame narrativo dos discursos intolerantes, a hipótese que no momento se

apresenta (Barros, 1995, 2005, 2008a, 2008b, 2008c) é a de que esse discurso é,

sobretudo, um discurso de sanção aos sujeitos considerados como maus cumpridores de

certos contratos sociais: de branqueamento da sociedade, de pureza da língua, de

heterossexualidade e outros. Esses sujeitos são, portanto, no momento do julgamento,

reconhecidos como maus atores sociais, maus cidadãos - pretos ignorantes, maus

usuários da língua, índios bárbaros, judeus perigosos, árabes fanáticos, homossexuais

pervertidos - e punidos com a perda de direitos, de emprego, ou até mesmo com a

morte. Concebida a organização narrativa dessa forma, a intolerância dos discursos

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encontra, sempre, justificativas. Os exemplos que seguem mostram a sanção narrativa

decorrente da interpretação de que contratos sociais foram rompidos:

Imigração ameaça “pacto social” francês, diz Sarkozy

No lançamento de “Ensemble [Juntos], seu novo livro, o candidato conservador à

Presidência da França, Nicolas Sarkozy, reafirmou ontem suas diretrizes de campanha e

voltou a defender “a identidade nacional” e um maior controle do fluxo migratório como

forma de garantir a manutenção “do pacto social” francês. “Há uma França exasperada. E

por que está? Porque a identidade nacional foi posta em risco por uma imigração

descontrolada, pela fraude ou pelos desperdícios de fundos”. (...) “O Controle da imigração

é uma obrigação para salvaguardar nosso pacto social. Do contrário, explodirá”, discursou.

(Folha de São Paulo, 03/04/2007, p. A11).

Bergamo “censura” rua de imigrantes. Cidade do norte da Itália impõe horário para lojas e

restringe bebidas em área de chineses, africanos e latinos

A prefeitura diz que a medida que proíbe a reunião e o consumo de bebidas à noite somente

nessa rua, além de obrigar o comércio a fechar mais cedo, pretende combater o tráfico de

drogas (Folha de São Paulo, 28/11/2010).

Jornal publica fotos de homossexuais e pede enforcamento.

Um jornal de Uganda publicou reportagem trazendo uma lista de gays e lésbicas do país

com suas fotos e endereços, gerando fúria entre ativistas que dizem que o grupo, já

marginalizado no país africano, corre risco de enfrentar mais ataques. Segundo a rede de

TV CNN, o jornal “Rolling Stone” – sem ligação com a revista dos EUA de mesmo nome –

publicou a lista de cem pessoas no início do mês e, ao lado, uma faixa amarela dizendo:

“Enforquem-nos” (Folha de São Paulo, 03/04/2007).

O primeiro texto trata, sobretudo, da ruptura de contrato, no caso do “pacto

social” francês, o que põe em risco a “identidade nacional” e justifica as sanções que

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serão atribuídas aos imigrantes, com as novas leis. O segundo exemplo reforça as

“punições”, mas menciona também os contratos sociais rompidos: os imigrantes são

criminosos (ladrões, traficantes, estupradores). Em referendo na Suíça, para decidir pela

expulsão ou não de imigrantes que infrinjam a lei, um dos cartazes favoráveis à

expulsão diz: “Ivan S., Estuprador e logo mais Suíço?” (“Ivan S., Violeur et bientôt

Suisse?”). O terceiro e último exemplo parece dizer que não há necessidade de

explicitar as quebras contratuais, pois são tão conhecidas pela sociedade, que só resta

punir os infratores com a morte.

2. Exame dos percursos passionais do ódio e do medo

A semiótica trata dos percursos passionais dos discursos com base nos estudos

da modalização, em geral, e da modalização tensiva, em particular, da aspectualização, e

da moralização discursivas, em relação às normas sociais (Greimas, 1970, 1976, 1983;

Greimas et Courtés, 1979; Greimas e Fontanille, 1993; Fontanille e Zilberberg, 2001,

Zilberberg, 2006, Landowski, 1997).  Muita simplificadamente, pode-se dizer que o

estudo das paixões na semiótica começou com o exame das modalizações do ser ou do

modo de existência dos sujeitos, e de suas combinações e incompatibilidades. As

paixões são, nesse quadro, definidas como efeitos de sentido discursivos de arranjos (ou

desarranjos) de modalidades. A descrição das paixões se faz, assim, em termos de

sintaxe modal, ou seja, de relações modais e de suas combinações sintagmáticas, que

produzem efeitos de sentido “afetivos” ou “passionais”. As combinações de

modalidades, por sua vez, são aspectualizadas no discurso pela continuidade e pela

descontinuidade ou, em outras palavras, pela intensidade ou pela extensidade do tempo,

do espaço e do ator-sujeito, e tornam-se paixões que duram, como a amargura; paixões

pontuais e mais intensas, como o deslumbramento; paixões excessivas, como o ódio ou

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o desespero; ou insuficientes, como a indiferença, e assim por diante. As paixões são,

finalmente, moralizadas, ou seja, avaliadas socialmente. O medo, por exemplo, é, em

muitas sociedades e momentos históricos, avaliado negativamente, e decorrem daí, entre

outros, o percurso passional de “vergonha de ter medo”, e a forte valorização positiva da

“coragem”. Nas notícias sobre a morte de Bin Laden, essa moralização apareceu de

forma muito explícita. O texto de Jorge Zaverucha, na Folha de S. Paulo, de 7 de maio

de 2001, p. A3, considera “corajosa” a decisão de Obama de atacar Bin Laden, e

termina com a citação de Winston Churchill, para quem “a coragem é a primeira das

qualidades humanas porque é a que garante as demais”.

A hipótese aqui desenvolvida é a de que predominam nos discursos intolerantes

dois tipos de paixões – as paixões ditas malevolentes (antipatia, ódio, raiva, xenofobia,

etc.) ou de querer fazer mal ao sujeito que não cumpriu acordos sociais (tal como

mencionado no item 1), e a que se contrapõem paixões benevolentes, tais como o amor

aos iguais, aos de sua cor, a sua religião, a sua pátria; e as paixões do medo do

“diferente” e dos danos que ele pode causar. Os sujeitos intolerantes são sempre sujeitos

apaixonados.

O percurso passional da malquerença é o que foi descrito por Greimas (1983) em

seu estudo sobre a cólera. O sujeito parte de um estado inicial de espera confiante, em

que quer conseguir certos valores e acredita que outro sujeito fará com que ele os

obtenha. Ao tomar conhecimento de que isso não acontecerá, ou seja, de que aquele em

quem confiou nada fará para que ele consiga os valores desejados ou mesmo fará com

ele não os obtenha, o sujeito sofrerá as paixões da decepção e da frustração e, com o

crescimento da tensão, as do desespero e da insegurança. Sem os valores almejados e

em crise de confiança, o sujeito procurará resolver sua falta e passará a querer fazer mal

a quem o colocou, segundo o simulacro construído, nessa situação (Barros, 1990). A

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malevolência parece ser o caminho para que as coisas sejam postas em seus “devidos

lugares”, mesmo que a falta primeira não se resolva com isso. As paixões malevolentes

caracterizam, no domínio do público, a xenofobia, por exemplo, e, nesse mesmo

âmbito, a paixão benevolente contrária é a do patriotismo, em que se quer fazer bem à

pátria. O sujeito do ódio em relação ao estrangeiro, ao diferente, aos “maus” usuários da

língua, é também o sujeito do amor à pátria, à sua língua, ao seu grupo étnico, aos de

sua cor, à sua religião. É esse jogo entre o querer fazer mal e o querer fazer bem que

caracteriza passionalmente o sujeito apaixonado intolerante. Observe-se, no exemplo

que segue, a manifestação de malevolência do torcedor de futebol, que acreditou em seu

time, que se decepcionou com uma grande derrota e que quer fazer mal àqueles que

considera culpados por essa perda de confiança, mesmo que, com as ações

malevolentes, a falta só seja resolvida passionalmente:

A torcida, por sua vez, pichou o muro do parque Antártica com xingamentos ao time e com

o pedido de demissão do atacante Luan e do lateral Rivaldo, expulso na derrota para o

Coritiba. (...) Luan também teve o carro atingido por um coquetel molotov (uma bomba

caseira), jogado por sobre o muro do centro de treinamento. “Futebol é paixão. E alguns

extrapolam. Eles tiveram uma decepção e acabaram se excedendo”, disse o vice-presidente

de futebol palmeirense, Roberto Frizzo. (Folha de São Paulo, 07/05/2011, p. D3).

Distinguem-se, semioticamente, duas etapas nos percursos passionais do sujeito

intolerante, que, em geral, acorrem juntas nos discursos intolerantes. A primeira,

descrita acima, é aquela em que o sujeito se torna malevolente em relação ao outro, que,

“diferente”, não cumpriu o contrato de identidade, e benevolente em relação à pátria,

aos iguais, aos idênticos. Essa primeira etapa, a mais passional da intolerância, é a do

preconceito (Barros, 2005; Leite, 2008; Bueno, 2006).

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A segunda fase, a da intolerância propriamente dita, é aquela em que o sujeito

preconceituoso (decepcionado, frustrado, desesperado, inseguro e que tem ódio) passa à

ação, ou seja, completa sua competência e age contra o outro (o causador da falta, o

odiado). Greimas, no texto citado (1983), propõe, nesse caso, as ações apaixonadas de

vingança ou de revolta, que se distinguem, assim, da justiça desapaixonada.  São ou

devem ser diferentes, portanto, as sanções apaixonadas da intolerância, das sanções

desapaixonadas da justiça. Essas diferenças aparecem também na moralização social,

responsável pela condenação, muito frequente, da vingança. As notícias sobre a morte

de Bin Laden tratam, muitas delas, do debate entre os que consideram como justiça e os

julgam ser vingança a ação do governo dos EUA, e também da valorização moral

positiva ou negativa da vingança:

O presidente Barack Obama anunciou na madrugada de hoje que o terrorista saudita Osama

bin Laden, 54, líder da rede Al Qaeda foi morto por tropas dos EUA ontem no Paquistão.

“Digo às famílias que perderam seus parentes (nos ataques de 11 de setembro) que a justiça

foi feita”, disse Obama, em cadeia nacional. (...) Tão logo a imprensa americana começou a

noticiar a morte do terrorista, milhares de pessoas foram festejar em frente à Casa Branca.

(...) Aos gritos de “obrigado, Obama!” e “USA!”, uma multidão se aglomerou em frente à

Casa Branca. A maioria cantava o hino nacional. Muitos eram estudantes. “Estou aqui

porque sou americano. É a nossa essência celebrar em um grande momento como este”,

disse Ben Krimnel, 19, enrolado em uma bandeira americana. (Folha de S. Paulo,

02/05/2011, p. A11).

“A justiça foi feita”, afirmou Obama em seu pronunciamento após a ação. Para comemorar

tal “justiça”, milhares de pessoas saíram às ruas e aclamaram seu presidente como um

herói; diversos líderes mundiais afirmaram que essa é uma “vitória contra o terror”. Mas

trata-se mesmo de justiça? Ou a ação dos EUA deve ser considerada como uma mera

vingança? (José Rodrigo Rodriguez,“V”de vingança, Folha de S. Paulo, 07/05/2011, p.A3).

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Got him! Vengeance at last! US nails bastard. (Pegamos ele! Vingança, finalmente. EUA

capturam bastardo) (Primeira página do New York Post, 02/05/2011).

Familiares de vítimas dizem estar agradecidos

Charles Wolf, que perdeu sua mulher Katherine, no atentado, disse ter ficado “muito

contente em agradecer o homem que vingou a morte de sua mulher”. (...) Margie Miller,

mulher do bombeiro Joel, diz que a morte de Bin Laden não muda o fato de que seu marido

está morto, mas deve dar a sensação de “trabalho realizado” aos militares que participaram

da operação que levou à morte o terrorista. (...) “Se Bin Laden tivesse sido julgado e preso,

não haveria justiça”, afirma o pai [de uma das vítimas brasileiras do 11 de Setembro] (Folha

de S. Paulo, 06/05/2011, p. A14).

Qualquer consciência condenaria Bin Laden à morte. Contudo, do jeito que ele morreu, não

foi caso de justiça, mas de vingança pessoal. (Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo,

08/05/2011, p. A2).

O êxito festejado da morte de Bin Laden foi pela morte em si mesma. Não buscou outro

sentido senão o da vingança, não propriamente cristã, pela monstruosidade do maior de

seus crimes (Jânio de Freitas, Folha de S. Paulo, 03/05/2011, p. A6).

Decisão de Obama atende a apelo populista por “vingança”

O dilema das sociedades contemporâneas é equilibrar as necessidades de uma Justiça

racional, calcada no utilitarismo, com o respeito à sensibilidade jurídica da população, que,

como mostra a reação à morte de Bin Laden, ainda caminha perigosamente perto da

vingança. Ao sancionar a decisão final em vez da captura do terrorista saudita, Barack

Obama, que já foi professor de direito constitucional na Universidade de Chicago, parece

não ter resistido aos apelos populistas (Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo, 05/05/2011,

p.A14).

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No primeiro exemplo, de anúncio da morte de Bin Laden, não se fala de

vingança e sim de justiça, mas uma análise discursiva, do texto completo, mostra o

percurso passional da vingança e não o desapaixonado da justiça. O caráter passional da

vingança e, ao mesmo tempo, sua moralização positiva mostram-se claramente no

segundo exemplo, da primeira página do jornal New York Post, com pontos de

exclamação, uso da primeira pessoa e de xingamentos (“bastardo”), e no terceiro, com

depoimentos de parentes dos que morreram no atentado de 11 de setembro. Além disso,

no terceiro exemplo, o fato de a vingança não resolver a falta, a não ser passionalmente,

surge na fala de um dos parentes. Nos demais casos, a moralização negativa da vingança

aparece nas oposições entre vingança e justiça, no uso de “mas”, de “senão”, de “mera

vingança”, de “apelo populista”, e a moralização positiva, nos festejos, aclamações,

agradecimentos e manifestações patrióticas.

Outro exemplo atual de vingança, fortemente passional, e em que aparecem as

alternâncias entre a benevolência em relação aos considerados “iguais” e a malevolência

contra os que não cumpriram os contratos sociais construídos pelo ”vingador” em seus

simulacros intersubjetivos, pode ser encontrado nos vídeos do atirador que matou

crianças numa escola no Rio1:

“A maioria das pessoas me desrespeitam, acham que sou um idiota, se aproveitam de minha

bondade, me julgam antecipadamente”, afirma Wellington no vídeo. “São falsas, desleais.

Descobrirão quem eu sou da maneira mais radical, numa ação que farei pelos meus

semelhantes, que são humilhados, agredidos, desrespeitados em vários locais,

principalmente em escolas e colégios, pelo fato de serem diferentes, de não fazerem parte

                                                       1 É preciso examinar melhor o discurso do bullying, que, embora tenha também o preconceito como ponto de partida, apresenta muitas diferenças em relação ao da intolerância, e, entre elas, principalmente, o fato de que, nesses discursos, quem pratica o bullying busca afirmar-se no grupo, ou mesmo autoafirmar-se.

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do grupo dos infiéis, dos desleais, dos falsos, dos corruptos, dos maus. São humilhados por

serem bons”, diz. (Folha de S. Paulo, 14/04/2011, p.C6).

Em relação às paixões do medo retomaram-se para este estudo o texto de Iuri

Lotman (1976), sobre os conceitos de vergonha e de medo, e o de José Luiz Fiorin

(1992), também sobre essas paixões. Os dois autores consideram que o medo é inerente

à natureza humana e necessário à sobrevivência da espécie.

O medo é uma paixão do saber sobre o futuro (Fiorin, 1992:57), enquanto o ódio

é, como foi visto, uma paixão do crer, da confiança: o ódio, em relação às modalidades

epistêmicas, está na esfera da certeza e da dúvida, o medo, na do conhecimento e da

ignorância.

Fiorin distingue dois tipos de medo: o medo dissuasório, que leva o sujeito a agir

segundo determinada norma social, ou seja, o medo da sanção pragmática negativa do

destinador; e o medo do outro que ocorre, sobretudo, nas situações de desigualdade

social, ou seja, o medo das ações do outro e das privações por ele ocasionadas. Nesse

caso, o outro não é mais o destinador dos contratos que o sujeito assumiu, mas o anti-

sujeito que com ele disputa valores. É esse medo do outro, do diferente que, em geral,

caracteriza o discurso intolerante. Como foi acima mencionado, ter medo é, em geral,

moralizado negativamente pela sociedade, e a coragem, fortemente valorizada. No

entanto, nos discursos intolerantes, o medo do outro (de sua violência, imoralidade, etc.)

e das perdas que ele poderá ocasionar (falta de emprego, de moradia, de vaga na

universidade, de segurança, etc.), segundo os simulacros construídos, serve como

justificativa para as ações intolerantes. As paixões do medo juntam-se às paixões do

ódio ou provocam essas paixões malevolentes, e fazem crescer de intensidade os

percursos passionais e as ações intolerantes. Isso pode ser observado nos exemplos que

seguem:

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Ataques xenófobos em Johannesburgo, principal cidade sul-africana, mataram pelo menos

12 pessoas no final de semana. Dezenas de imigrantes foram feridos e centenas se

refugiaram em igrejas e delegacias para escapar da violência. Multidões furiosas culpam os

estrangeiros – muitos deles zimbabuanos que deixaram um país em colapso econômico e

crise política – pelo desemprego e pela crise habitacional na África do Sul (Folha de S.

Paulo, 13/05/2008).

Moradias de africanos na UNB são atacadas

Ontem de madrugada, dez alunos africanos sofreram um ataque na Universidade de

Brasília. Para os universitários o ato foi motivado por racismo. As portas dos três

apartamentos que ocupam no alojamento estudantil foram incendiadas e os extintores de

incêndio de dois andares foram esvaziados. (...) “Meu colega acordou sufocado pela fumaça

e pulou pela janela para pedir ajuda”, disse um deles, aluno de ciências políticas, 26 anos.

Ele, assim como seus colegas, não quis se identificar. “Isso foi premeditado, colocaram

blocos com toalhas molhadas de gasolina nas nossas portas. Temos medo de outro ataque

ou até de um assassinato”. “Temos medo e me sinto humilhado. Uma vez já discutiram

comigo. Falam que viemos para tirar o lugar deles, e diziam ‘negro, volte para a Àfrica’”,

contou outro, aluno de economia, 24 anos. (Folha de S. Paulo, 29/03/2007, p. C4).

Parlamento italiano aprova em definitivo lei anti-imigrantes

(...) As “rondas cidadãs” poderão fazer patrulhas para manutenção da segurança, cuja

deterioração no país é atribuída pelo governo aos imigrantes (Folha de S. Paulo,

03/07/2009, p. A13).

Com baixa popularidade - a taxa de aprovação do governo é de 34%, segundo o instituto

CSA – Sarkozy faz do desmantelamento dos acampamentos dos ciganos irregulares uma

nova vitrine da sua política de segurança. (...) “Há 20 anos existem expulsões dos ciganos.

Mas, agora, o governo associa a onda de violência e os ciganos, avalia Alexandre Le Clève,

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porta-voz da associação de assistência a estrangeiros Hors La Rue. (Folha de S. Paulo,

20/08/2010, p. A16).

 

As ações intolerantes decorrentes do medo do outro crescem, em geral, em

momentos de crise. Fiorin, no texto citado, mostrou a escalada do medo nos anos 90, e

ela se faz sentir, nos tempos atuais, sobretudo em relação aos imigrantes. Muitos

governantes e partidos políticos têm usado o medo que incutem na população, sob a

forma de um saber sobre os riscos da imigração, para justificar ações intolerantes contra

imigrantes. Ao mesmo tempo, utilizam essas ações políticas para angariar votos dos que

temem ou passam a temer, alertados pelo governo e pelos políticos, esses estrangeiros.

3. Exame dos temas e figuras dos discursos intolerantes

Temas e figuras constituem o nível semântico dos discursos: os temas são os

conteúdos semânticos tratados de forma abstrata, e as figuras, o investimento

semântico-sensorial dos temas. Os temas e figuras são determinados sócio-

historicamente e trazem para os discursos o modo de ver e de pensar o mundo de

classes, grupos e camadas sociais, assegurando assim o caráter ideológico desses

discursos (Fiorin, 1988, p.1-19).

Nos discursos intolerantes, os temas e figuras estão relacionados à oposição

semântica fundamental entre a igualdade ou identidade e a diferença ou alteridade. A

partir daí vários temas e figuras são desenvolvidos, conforme as diferenças sejam de

etnia, religião, gênero e outras. Para tratar das diferenças, os discursos do preconceito e

da intolerância constroem alguns percursos temáticos e figurativos, de que

mencionaremos quatro: a animalização do “outro”; a “antinaturalidade” do diferente”; o

caráter doentio da diferença; a imoralidade do “outro”.

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Com o tema da animalização, o discurso preconceituoso atribui ao “outro” traços

físicos e características comportamentais de animais, desumanizando-o. O “diferente”

perde os atributos de ser humano. Esse tema, embora mais frequente nos discursos

racistas em relação ao negro, aparece em todos os tipos de discursos racistas, mas

também em outros discursos intolerantes, como, por exemplo, nos homofóbicos. Nos

textos racistas nas eleições no Peru e no homofóbico que foi usado em prova por

professor de uma faculdade particular do Piauí, essa animalização (“pentear macaco” e

“estilo animal”) do “diferente” é facilmente observada:

Uma onda de racismo tomou conta da internet, dos jornais e das redes sociais peruanas

diante da vitória do candidato da esquerda, no primeiro turno do pleito presidencial. (...) Na

internet, blogs e o Facebook amanheceram lotados de xingamentos aos “cholos” (termo

depreciativo para se referir a indígenas) e “índios” favoráveis a Humala. “Porcaria de cholo,

se você for presidente eu prefiro ser preso”, dizia um internauta. “Ollanta é um índio de

merda, e todos os pobres votam nele porque vai tirar o dinheiro das pessoas normais”,

afirmava outro. (...) Até os jornais peruanos entraram na guerra suja verbal. No editorial de

ontem do jornal “Peru21”, o diretor Fritz Du Bois afirmava: “É tão evidente a tentativa de

Humala de se branquear e se apresentar como moderado que é difícil dar resultados”. No

diário “Correo”, o diretor ultraconservador Aldo Mariatégui foi mais longe e disse que “já

começou a operação de pentear o macaco”. (Folha de S. Paulo, 11/04/2011, p. A17).

O artigo, sem assinatura, é contrário à aprovação de projeto sobre a união civil

homoafetiva. Um trecho diz que a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo “contraria a

ordem das coisas”. (...) A aluna homossexual NYSS, 20, disse que ficou chocada,

principalmente ao ler o último parágrafo – onde se justifica que homossexuais não podem

expressar o amor, pois a relação sexual é feita “no mais puro estilo animal” (Folha de S.

Paulo, 09/12/2010, p. C10).

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Ao colocar o “outro” como antinatural, com o segundo tema, o discurso

intolerante vai tratá-lo ainda como “anormal”. Os iguais, ao contrario, são

“naturalizados” e considerados “normais”. Os exemplos acima desenvolvem também

esse tema: o candidato de origem indígena não é uma “pessoa normal” e a

homossexualidade “contraria a ordem das coisas”.

Com o terceiro tema, o da doença física e mental, o diferente é considerado

como doente e como louco, em oposição aos sadios de corpo e mente. A doença é

encarada como algo vergonhoso, de que o doente deve sentir-se também culpado. Ao

tema da saúde, somam-se, muitas vezes, características do discurso estético. Dessa

forma, a doença é feia, é esteticamente condenável, e, por outro lado, ser feio ou gordo é

doentio. Esse tema é característico, sobretudo, dos discursos homofóbicos que tratam a

homossexualidade como doença, mas também dos preconceituosos em relação aos

gordos, aos feios, aos surdos, aos cegos, aos fanhos, e pode aparecer em discursos

racistas e outros. Exemplifica-se com o “Rodeio das Gordas”, realizado por alunos da

UNESP, com os resultados de uma pesquisa sobre preconceito em relação a gordos ou

com as dificuldades de um pai em encontrar escolas que aceitassem seu filho deficiente:

O vencedor era quem mantivesse garota presa nos braços por mais tempo, após dizer a frase

“ Você é a menina mais gorda que eu já vi na vida”. (Folha de S. Paulo, 29/10/2010, p. C4).

Maioria não casaria com gordo, diz estudo.

Metade dos paulistanos e dos cariocas declara que não se casaria com uma pessoa obesa,

revela pesquisa inédita do HCor (Hospital do Coração), que será divulgada hoje em um

fórum sobre nutrição que acontece em São Paulo.(...) Os homens são os que mais rejeitam o

casamento com uma pessoa obesa (54% contra 46% das mulheres). Os de classe social A

lideram a rejeição: 66% contra 44% da classe B e 51% da classe C. Na avaliação de 81%

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dos entrevistados, o excesso de peso também interfere no sucesso profissional. (Folha de S.

Paulo, 05/11/2010, p.C1).

Na infância, ele era sempre o último a ser chamado nas “peladas” com os amigos. Na

adolescência, era deixado de lado nos bailinhos e só conseguia dançar música lenta se

alguma amiga o convidava. Na juventude, teve dificuldade para conseguir namorada e

também sofreu discriminação no ambiente de trabalho. (...) “Sempre fui gordo. Sei que

nunca serei magro. Já sofri muito por isso, mas hoje não mais. Sou feliz assim”. (...) Ele

lembra quando trabalhava em um banco e deixou de ser promovido para o cargo de auxiliar

de gerente, mesmo tendo mais conhecimento e habilidade do que o colega que conseguiu a

vaga. “Meu chefe disse que precisava de uma pessoa com aparência melhor”. (Folha de S.

Paulo, 05/11/2010, p.C1).

Com paralisisa, Kaio, 8, só foi aceito em colégio público na sexta tentativa

“Ninguém disse ‘não’ diretamente, mas falavam que a escola não estava preparada para

receber meu filho, que não tinha professor e que era melhor eu procurar outro lugar que

pudesse cuidar melhor dele”, relata o pai, que é garçom. Na sexta escola, a diretora não só

aceitou a criança como transferiu a turma da primeira série para o térreo, só para facilitar o

acesso de Kaio, que se locomove com a ajuda de aparelhos. (Folha de S. Paulo, 17/08/2010,

p. C1).

Os discursos intolerantes que desenvolvem o quarto tema, o da imoralidade, da

falta de ética do “diferente”, são dos tipos mais diversos: certas culturas são

consideradas “imorais”, a homossexualidade é “vergonhosa” e “promíscua”, algumas

variedades de língua são “erradas” e assim por diante. No exemplo abaixo, negros e

homossexuais são “mal-educados”, “promíscuos” e de “maus costumes”:

Congresso, gays e negros reagem contra declarações de deputado. Bolsonaro associa

namoro com negra a promiscuidade; depois diz que se referia a homossexuais.

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(...) No quadro, “O Povo Quer Saber”, do programa CQC, da TV Bandeirantes, a cantora

Preta Gil perguntou como ele reagiria se seu filho se apaixonasse por uma negra. O

parlamentar, que tem um extenso histórico de polêmicas relacionadas a direitos civis e

humanos, respondeu: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu

não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados. E não viveram em ambientes

como lamentavelmente é o teu”. Após o programa ir ao ar na noite de anteontem, Bolsonaro

tentou se justificar. Disse que, na realidade, pensou que a pergunta se referia a um

relacionamento gay. ”Essa se encaixa na resposta que eu dei. Para mim ser gay é

promíscuo, sim”.(...) Na entrevista, o deputado também disse que não iria a desfiles gays

porque não promove os “maus costumes”, que daria “porrada” se pegasse um filho

fumando maconha e que sente saudade dos generais que presidiram o país durante a

ditadura militar. (Folha de S. Paulo, 30/03/2011, p. C1).

O “diferente”, o “outro” é, portanto, nos discursos preconceituosos e

intolerantes, não-humano ou animalizado, antinatural e anormal, doente, sem estética e

sem ética. A expressão “uma gente diferenciada”, usada por uma moradora de

Higienópolis, contrária à instalação de estação de metrô no bairro, resume bem essa

caracterização semântica do “outro”:

“Eu não uso o metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o

tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente

diferenciada...” (Folha de S. Paulo, 13/08/2010, p.C4).

Resta observar apenas que a expressão “gente diferenciada” criou debate

linguístico, pois “diferenciado”, no Novo dicionário Aurélio é o que é distinguido,

diverso, diferente, ou seja, ser “diferenciado” não sofre valorização positiva ou

negativa. O uso mais freqüente n língua, porém, tem sido o da valorização positiva do

“diferenciado”: uma pessoa diferenciada tem qualidades especiais, um restaurante

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diferenciado é melhor que outros e assim por diante. A valorização negativa, tal como

ocorre na fala da moradora de Higienópolis acima citada, é menos comum. A discussão

linguística aproxima-se da que acontece no belíssimo conto de Guimarães Rosa “O

famigerado”. É uma pena que o fato atual ocorra em um discurso preconceituoso.

4. Exame da organização geral tensiva do discurso intolerante

Zilberberg (2007) propõe duas categorias, o exercício e o acontecimento, a que

correspondem duas grandes orientações discursivas, ou seja, pode-se falar em discurso

do exercício e em discurso do acontecimento. O discurso do exercício é o discurso dos

fatos extensos e ordinários, que se caracteriza pela organização mais racional e casual

da dependência – se A, então B –, como ocorre com os discursos históricos, no dizer do

autor. O discurso do acontecimento, por sua vez, é o dos fatos intensos e

extraordinários, que apresenta organização mais passional e concessiva – B, apesar de

A–, como nos discursos míticos. Os discursos preconceituosos e intolerantes são,

sobretudo, discursos do acontecimento, pois têm caráter fortemente passional e de

reação ao inesperado. No entanto, muito frequentemente, o discurso intolerante assume

a orientação mais inteligível e racional, e, sobretudo, causal, do discurso do exercício,

para que, dessa forma, a intolerância e o preconceito tenham uma causa, uma razão,

uma justificativa. Decorre daí o fato de os discursos intolerantes serem narrativas de

sanção, pois, assim organizados, eles explicitam a ruptura de contratos como causa da

sanção intolerante. Um dos procedimentos usados para estabelecer a razão ou as causas

da intolerância é a de explicá-las com os discursos da ciência. Os discursos racistas, por

exemplo, se apóiam nos discursos da biologia e da genética, sobretudo no século XIX, o

discurso do preconceito em relação à diversidade de gênero, no da medicina, e assim

por diante.

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Há, portanto, discursos intolerantes que se apresentam como discursos do

acontecimento e ooutros que se constroem como discursos do exercício. A escolha ou a

predominância de uma orientação discursiva e não da outra depende da época, dos

grupos envolvidos e das estratégias usadas. As orientações discursivas têm papel

fundamental na relação entre enunciador e enunciatário do discurso. O enunciador, ao

dar a seu discurso a orientação do exercício ou a do acontecimento, usa estratégias para

a persuasão de seu enunciatário. No caso dos discursos intolerantes, ele apresenta como

racionais, e até mesmo justificados pela objetividade da ciência, discursos

marcadamente passionais.

Como conclusão, deve-se dizer, que, se os discursos intolerantes apresentam as

características acima descritas, para a construção de discursos tolerantes e para que haja

aceitação social, é preciso elaborar discursos com estratégias, temas e valores contrários

aos aqui examinados. Os contratos deverão ser os de multilinguismo, de mistura, de

mestiçagem, de diversidade sexual, de diálogo com as diferença, de pluralidade

religiosa, para que o “diferente”, o “outro”, não seja mais considerado como aquele que

rompe pactos e acordos sociais, por não ser “humano”, por ser contrário à “natureza”,

por ser doente e sem ética ou estética, mas, ao contrário, seja visto como aquele que

garante novos e promissores contratos sociais. A sanção positiva e as paixões

benevolentes, que nos discursos intolerantes só se aplicam aos “iguais, ao “nós”, se

estenderiam, assim, aos diferentes, a “eles”. Os estudos da linguagem podem e têm dado

sua contribuição para que esse caminho se faça.

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