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ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOS ESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA. ITALA MAYARA DE CASTRO SILVA

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Page 1: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOSESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA.

ITALA MAYARA DE CASTRO SILVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTEPRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTESPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOSLINHA DE PESQUISA: LINGUAGENS, IDENTIDADES & ESPACIALIDADES

ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOSESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA.

ITALA MAYARA DE CASTRO SILVA

NATAL-RN / 2018

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ITALA MAYARA DE CASTRO SILVA

ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOSESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA.

Dissertação apresentada como requisito parcial paraobtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação emHistória, Área de Concentração em História e Espaços,Linha de Pesquisa Linguagens, Identidades &Espacialidades da Universidade Federal do Rio Grande doNorte, sob a orientação do(a) Prof. Dr. Renato AmadoPeixoto.

NATAL-RN / 2018

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Sistema de Bibliotecas - SISBICatalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e

Artes - CCHLA

Silva, Itala Mayara de Castro. Eloy de Souza e o nordeste: construção discursiva do espaço dos estados seviciados pela seca na primeira república brasileira / Itala Mayara de Castro Silva. - 2018. 209f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História. Natal, RN, 2018. Orientador: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.

1. Souza, Eloy de, 1873-1959. 2. Seca. 3. Imagem-discursiva do Nordeste. 4. Identidade. I. Peixoto, RenatoAmado. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(81).07:551.577.38

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-CRB-15/748

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ITALA MAYARA DE CASTRO SILVA

ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO ESPAÇO DOSESTADOS SEVICIADOS PELA SECA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA.

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso dePós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissãoformada pelos professores:

________________________________________Renato Amado Peixoto

__________________________________________Paolo Ricci

________________________________________Magno Francisco de Jesus Santos

____________________________________________Henrique Alonso de Albuquerque Rodrigues Pereira

Natal, _________de__________________ de 2018

Page 6: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

AGRADECIMENTOS

Há quem dia que agradecer é um simples ato, sinal de polidez e educação. Eu o

considero uma filosofia de vida, algo tenho tentado apreender e aplicar ao longo de minha

caminhada de existência social, profissional e acadêmica. Ser grato a cada passo, tombo,

desvio, a cada chegada, é saber reconhecer o valor dos sins e nãos para a nossa formação

como seres humanos. E ao longo destes dois anos de estudos, viagens, pesquisas, tenho muito

a agradecer.

Sou grata, principalmente, as pessoas que tornaram este trabalho possível e que

mesmo sem perceber incentivaram-me, apoiaram-me, encorajaram-me a continuar, ante a

todas as dificuldades. Foram-me alento a cada palavra, olhar, abraço e sorriso.

Por isso, sou por completo gratidão:

Aos meus pais, minha base, meu alento. Agradeço por terem permitido ter uma

formação sólida e digna como ser humano e cidadã. Sou grata por todo carinho, amor e

compreensão com que me criaram. A ambos devo minha vida, educação, força e caráter. A

eles consagro mais essa conquista e o meu amor.

Ao meu marido, amigo, companheiro de todas as horas, Milton Flávio. Não tenho

palavras para expressar o tamanho de sua importância em minha vida. Obrigada, meu amor,

por todo apoio, amor e compreensão. Agradeço todo o incentivo que meu deu, na realização

de mais esse sonho. Obrigada, por compartilha-lo comigo, ser meu abrigo e enxugar minhas

lágrimas sempre que preciso, amo-te.

Aos professores do programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte: Raimundo Arrais, Durval Muniz. Agradeço pelo constante estímulo

à pesquisa, leitura. Obrigada por todas as questões e colaborações realizadas durantes as

aulas. Elas foram de suma importância para o desenvolvimento deste trabalho. Sou grata

também pela compreensão e sensibilidade que tiveram quanto ao fato de eu residir e trabalhar

em outro Estado.

Ao professor Renato Amado Peixoto, meu professor e orientador, meu muito obrigada.

Agradeço-lhe por toda paciência, sensibilidade e dedicação com que sempre mostrou para

com esse trabalho. Muito obrigada pela tranquilidade e segurança que me passou, por cada

caminho apontado, pelas leituras dirigidas e pelas luzes que acendeu no longo da trajetória

dessa pesquisa.

Ao Luann, secretário do Programa de Pós-Graduação. Obrigada pela simpatia, empatia

e solicitude com que sempre atendeu aos meus pedidos e retirou minhas dúvidas.

Page 7: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

Aos colegas que ingressaram comigo no Programa e enfrentaram essa nova etapa da

vida acadêmica. Agradeço ao Cid, Giovani, Gabriel, Elenize, Marina, Leonardo, Leandro,

Gustavo, José Rodrigues, Flamarion e Marcos. Obrigada por me ajudarem quando eu não

podia estar presente na Universidade e por compartilharem não só conhecimentos, mas

também risadas e aflições. Obrigada por sempre serem tão amáveis e receptivos.

Aos meus grandes amigos Ana Michele, Filipe Fontenele. Obrigada por sempre me

incentivarem a ir em frente, vocês são exemplos de competência e dedicação aos estudos.

Agradeço, sobretudo a amizade de vocês. Muito obrigada por existirem na minha vida.

Ao meu irmão Luís Ítalo pelo auxilio e amparo dado ao nosso pai em minhas

ausências., bem como a Bianca, que sempre ajudou a solucionar os problemas que surgiram

em minha casa, durante minhas ausências.

Sou grata a todos os amigos conquistados, aos colegas de trabalho e alunos com quem

tive o prazer de conviver ao longo de minha trajetória na EEMTI Senador Fernandes Távora.

Muito obrigada por torceram por minha vitória e me fornecerem uma palavra amiga quando

precisei.

Finalmente desejo mostrar meu agradecimento aos professores Raimundo Nonato,

Magno e Paolo Ricci. Ao primeiro por toda a colaboração dada na banca de qualificação deste

trabalho. Agradeço as contribuições e apontamentos que possibilitaram a reescrita e o

alinhamento de questões essenciais para a pesquisa. Ao segundo agradeço por colaborar com

nosso trabalho tanto na qualificação, quanto na banca de defesa, sou grata por todas as

sugestões feitas, elas contribuíram imensamente para a conclusão deste estudo. Por fim,

agradeço ao professor Paolo Ricci, por ter aceitado o convite de participar desta banca.

Por fim, peço perdão, por talvez não ter conseguido, aqui, registrar todos os nomes

e/ou exprimir a verdadeira importância de cada um nesta conquista. Contudo, quero que

saibam que o amor, a amizade e o apoio, que cada um a seu modo me concedeu, foram-me

essenciais. Muito obrigada!

Page 8: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

RESUMO

Este trabalho objetiva compreender a relação existente entre a política local e nacional junto à

produção dos espaços no que se refere à construção identitária e espacial de uma

regionalidade nordestina, a partir dos pronunciamentos, escritos e contribuições de Eloy

Castriciano de Souza acerca de um combate as secas, no período de 1894 a 1919. Analisando

através do eixo temático das secas, as transformações da construção indenitária e espacial

referente à sucessão dos recortes regionais do Norte e Nordeste, durante as primeiras décadas

da República brasileira. . Avaliando, assim, a elaboração deste espaço, junto às suas

especificidades, constituído através de um programa político de desenvolvimento para os

estados seviciados pelas secas, realizado por Eloy de Souza. Plano formulado dentro da

dinâmica político-social de um lócus, do qual se apropria e reconstrói a partir de sua

perspectiva imagética-discursiva. O exame da produção e trajetória política / intelectual desse

jornalista e representante parlamentar do Rio Grande do Norte que, ao contrário do que aponta

grande parte da historiografia sobre o tema, apresentou a formulação de uma espacialidade e

identidade nordestina, já nas duas primeiras décadas do século XX. Dentro dessa perspectiva,

aprofundamos a análise acerca das relações e interposições existentes no campo político local

e nacional, bem como analisamos a inserção do Rio Grande do Norte dentro do novo recorte

espacial em formação, o Nordeste. Espacialidade que englobava as províncias, depois estados,

do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e

também o norte de Minas Gerais.

PALAVRAS-CHAVE:

Eloy de Souza. Seca. Identidade. Imagem-discursiva do Nordeste.

Page 9: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

RÉSUMÉ

Ce travail vise à comprendre la relation entre la politique locale et nationale et la production

d’espaces en relation avec l’identité et la construction spatiale d’une régionalité du nord-est, à

partir des déclarations, écrits et contributions de Eloy Castriciano de Souza sur une dans la

période de 1894 à 1919. Analysant par le biais de l'axe thématique des sécheresses, les

transformations de la construction indénitaire et spatiale faisant référence à la succession des

coupes régionales du Nord et du Nord-Est au cours des premières décennies de la République

brésilienne. . Évaluer, donc, l'élaboration de cet espace, ainsi que ses spécificités, constituées

à travers un programme politique de développement pour les états seviciados par les

sécheresses, réalisé par Eloy de Souza. Plan formulé dans le cadre de la dynamique

sociopolitique d'un lieu, à partir duquel il s'approprie et se reconstruit à partir de sa

perspective imagiste-discursive. L’examen de la production et de la trajectoire politique /

intellectuelle de ce journaliste et représentant parlementaire du Rio Grande do Norte, qui,

contrairement à ce que souligne une grande partie de l’historiographie consacrée à ce thème, a

présenté la formulation d’une identité et d’une spatialité du Nord-Est déjà siècle. Dans cette

perspective, nous approfondissons l'analyse des relations et des interpositions existant dans le

champ politique local et national, ainsi que l'analyse de l'insertion de Rio Grande do Norte

dans la nouvelle formation spatiale du Nord-Est. Spatialité englobant les provinces, puis les

États, le Rio Grande do Norte, le Ceará, le Paraiba, le Piauí, le Pernambuco, le Alagoas, le

Sergipe, le Bahia et le nord du Minas Gerais.

MOTS CLES:

Eloy de Souza. Sécherresse. Identité. Image discursive Nord-est.

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LISTA DE IMAGENS E QUADROS

IMAGENS

Figura 01 – Eloy de Souza..................................................................................................… 30Figura 02 – Pais de Eloy de Souza.......................................................................................... 34Figura 03 – Auta de Souza (Irmã)........................................................................................... 34Figura 04 – Henrique Castriciano (Irmão).............................................................................. 34Figura 05 – “Mapa da Região Flagellada pela Secca de 1877”, produzido por AndréRebouças, de 1878................................................................................................................. 115Figura 06 – Eloy de Souza no Egito..................................................................................... 123

QUADROS

Quadro 01 - Governadores do Rio Grande do Norte-RN (1889 a 1930)................................ 49Quadro 02 - Representação federal do Rio Grande do Norte -RN (1891 – 1920)................. 62Quadro 03 - Integrantes do “Jardim de Infância” .................................................................. 89Quadro 04 - Formação acadêmica dos integrantes do “Jardim de Infância”.......................... 90Quadro 05 - Carreira parlamentar dos políticos identificados ao “Jardim de Infância”......... 96Quadro 06 - Orçamento e despesa do IOCS/IFOCS (1909-1930)........................................138

Page 11: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9

CAPITULO 1 - MEMÓRIA E POLÍTICA: A REPÚBLICA NO RIO GRANDE DONORTE....................................................................................................................................18

1.1 A MEMÓRIA.....................................................................................................................26

1.2 ELOY CASTRICIANO DE SOUZA: POLÍTICO E INTELECTUAL.............................301.3 A REPÚBLICA PROCLAMADA NO RIO GRANDE DO NORTE................................411.4 ELOY DE SOUZA E O CAMPO POLÍTICO LOCAL E NACIONAL............................55

CAPÍTULO 2 - ELOY DE SOUZA: PARTICIPAÇÃO POLÍTICO DISCURSIVA......61

2.1 PRIMEIRO DISCURSO: SECAS DO NORTE E CABOTAGEM NACIONAL.............672.2 O “JARDIM DE INFÂNCIA”: “POLÍTICOS DE NOVA RAÇA”...................................832.3 ELOY DE SOUZA E A INSPETORIA DE OBRAS CONTRA AS SECAS....................98

CAPÍTULO 3 - ESTADOS SEVICIADOS PELAS SECAS: DISCURSO POLÍTICO,CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO E IDENTIDADE REGIONAL.......................................104

3.1 UM PROBLEMA NACIONAL: PROJETO E JUSTIFICAÇÃO (1911)........................1223.2 ELOY DE SOUZA E A LEI EPITÁCIO PESSOA: DELIMITAÇÃO ESPACIAL NODISCURSO INSTITUCIONAL.............................................................................................134

CONCLUSÃO.......................................................................................................................142

FONTES.................................................................................................................................146

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................148

ANEXOS................................................................................................................................155

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INTRODUÇÃO

Nosso trabalho tem por objetivo traçar uma análise sobre a relação existente entre

a política local/nacional e a produção dos espaços, no que se refere à construção

identitária e espacial de uma regionalidade nordestina, durante dois primeiros decênios da

República brasileira. Para tanto, tomamos como ponto de partida os pronunciamentos,

escritos e contribuições de Eloy Castriciano de Souza acerca de um combate as secas, no

período de 1894 a 1919. Avaliando, assim, a elaboração deste espaço, junto às suas

especificidades, constituído através de um programa político de desenvolvimento para os

“estados seviciados pelas secas” (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados. 1906),

realizado por Eloy de Souza. Plano formulado dentro da dinâmica político-social de um

lócus, do qual se apropria e reconstrói a partir de sua perspectiva imagética-discursiva.

Nossa dissertação aprofunda discussões acerca das práticas políticas norte-rio-

grandenses, desenvolvidas por Renato Amado Peixoto1, tendo por foco analisar através

dos eixos temáticos da seca, as transformações da construção identitária e espacial dos

estados seviciados por ela na sucessão dos recortes regionais Norte e Nordeste2.

Optamos, assim, por tomar como base de nosso estudo a análise das obras e dos

pronunciamentos de Eloy de Souza, apontando suas contribuições para os

desdobramentos da produção central e de sua tradução para um recorte da região Norte.

Bem como para revelar a colaboração parlamentar e intelectual, deste sujeito, entre os

anos de 1894 e 1919, na inserção do Estado do Rio Grande do Norte em um recorte

espacial em construção, o Nordeste. O recorte assinalado considera a participação política

de Eloy de Souza desde seu ingresso política norte-rio-grandense até a formulação da

primeira legislação de reconhecimento de uma espacialidade nordestina, da qual foi

participe.

Buscando assim, construir uma historiografia, que se proponha para além de uma

história voltada para a descrição dos "chefes políticos", de "grandes eventos" e “fatos

1 Ver o texto de Renato Peixoto “Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande doNorte no início do século XX” sobre as dinâmicas e estruturações das organizações familiares e dicionáriopolítico da República acerca da figuras políticas do estado, Dicionário da elite política republicana (1889-1930)- Verbetes sobre o Rio Grande do Norte, dentre outros textos disponibilizados pelo autor no endereço eletrônico:<https://universidadefederaldoriograndedonorte.academia.edu/RenatoPeixoto>.2 O que consideramos, aqui como recorte espacial Norte/Nordeste é a conjuntura de formulação de umaregião dentro de outra já estabelecida. A região Nordeste foi o um recorte estabelecido a partir dos interesses dedeterminados grupos políticos nortistas brasileiros. Esta construção territorial fez-se dentro um campo político eintelectual no qual inserimos a figura de Eloy de Souza, a partir de seus posicionamentos políticos e produçõesintelectuais acerca dos interesses econômicos e elementos culturais do Rio Grande do Norte, estado que faziaparte deste novo recorte espacial em formação.

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históricos já de destaque” nosso trabalho busca as conexões existentes entre história e

política através da análise da atuação político-social de um sujeito que esteve envolvido

na produção dessas espacialidades. Convém salientar ainda, que utilizamos, aqui, a

concepção do “[...] político como domínio privilegiado de articulação do todo social [...]”

(RÉMOND, 2003. p. 07), que nos serve de elemento importante (fontes documentais e

perspectivas históricas) para vislumbrar um ponto de vista e fomentar a compreensão das

estruturas organizacionais e históricas da política brasileira.

A opção de alinhavar uma análise política e identitária-espacial nordestina a partir

das falas e práticas de Eloy de Souza justifica-se, ante a sua trajetória. Dono de um

currículo extenso, de forte participação na vida pública do Rio Grande do Norte e no

âmbito nacional, Eloy de Souza iniciou muito cedo sua atuação política, sendo

considerado o Deputado Federal mais jovem à época.

Principiou suas atividades em 1894, como Delegado em Macaíba, foi deputado

estadual no triênio 1895 a 1897, teve quatro mandatos como deputado federal (1897 a

1899), (1900 a 1911), (1912 a 1914) e (1927 a 1930) e três como senador (1914 a 1921),

(1921 a 1927) e (1935 a 1937) (PEIXOTO, 2015).

Foi um político ligado ao grupo político dirigente do Estado, os Albuquerque

Maranhão. Integrante e um dos sócios fundadores do Instituto Histórico Geográfico do

Rio Grande do Norte – IHGRN. Teve em sua trajetória de vida pessoal e pública a

possibilidade de participar das tramas políticas dentro e fora do estado. Atuou como

político e jornalista. Foi redator do jornal “A República”, para o qual escreveu vários

artigos, diretor de “A Razão”, em 1933, e do jornal “O Democrata”. Participou, sob o

pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro, como colaborador do periódico “A Tarde”,

escreveu para o 1° “Diário de Natal”, em 1924, teve participação noutros periódicos como

o “Jornal do Commércio” do Rio de Janeiro, no “Diário de Notícias” e na revista “O

Bando” (1951), meios de comunicação pelos quais muitas de suas ideias foram

publicadas.

Escritor de várias obras sobre os problemas ocasionados pelas secas e apontando

as soluções para a região acometida por elas, em 1938, redigiu o livro Calvário das Secas,

publicado pela primeira vez na Imprensa Oficial de Natal-RN; Cartas de um Sertanejo

(17 cartas publicadas no jornal “Diário de Natal” em 1926 foi lançada sob o pseudônimo

de Jacinto Canela de Ferro); ainda escreveu vários artigos sobre o mesmo tema intitulados

Assistência aos retirantes dentro e fora das zonas flageladas pela seca, publicado em

1909 e Um problema social; Irrigação na Economia do Nordeste, de 1916;

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Pronunciou-se acerca do fenômeno climatério e suas onerosas consequências no

Congresso Nacional, em 1906, no discurso intitulado Secas do Norte e cabotagem

nacional, na seção de 28 de novembro; e Um problema nacional (Projecto e justificação),

na seção de 30 de agosto de 1911, texto editado em formato de brochura pela Tipografia do Jornal

do Comercio, no mesmo ano. Os quais nos serviram de objeto de estudo acerca dos apontamentos

para o delineamento espacial da região.

Minutou também sobre as características culturais norte-rio-grandenses em suas

obras: Costumes Locais (primeira conferência realizada no Palácio do Governo, publicada

em 1909, pela Tipografia do jornal “A República”); A Habitação no Rio Grande do

Norte, publicados no periódico "A República" e na Revista "Bando" (1951); Alma e

poesia do litoral Nordeste (Conferencia em benefício da construção da capela de Santa

Terezinha, Natal-RN, 1930);

Escreveu sobre as questões políticas regionais e nacionais em sua autobiografia

intitulada Memorias de um velho, publicada pela primeira vez em 1975, sob o título de

Memórias, obra organizada por Sanderson Negreiros; em Getúlio e o Estado Nacional,

discurso proferido em 10 de novembro de 1943, nos estúdios da Rádio Educadora de

Natal-RN; e redigiu também a Biografia de Tobias Barreto, Jornalista e Historiador

(pela Tipografia do Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 1942).

Este político, jornalista e intelectual sobreviveu às variações políticas do Estado e

do país mantendo-se atuante na vida pública e na produção jornalística do Rio Grande do

Norte. No caso, Eloy de Souza foi um parlamentar de constante atuação na bancada norte-

rio-grandense durante as três primeiras décadas da República, atravessado as mudanças

no poder político estadual. Especialmente, àqueles referentes à transição do polo de poder

de Natal para o Seridó, e as mudanças de poder no Governo Federal, referentes a

mudança orquestrada pelo Golpe (Revolução) de 1930.

Falar dele, portanto, é falar sobre um sujeito que esteve imerso nas transformações

políticas brasileiras no período destacado, deixando suas impressões sobre os fatos

ocorridos e realizando suas contribuições políticas e intelectuais. Membro de uma elite

econômica com forte atuação no estado do Rio Grande do Norte, que se encontra inserido

dentro de uma dinâmica político-social em uma espacialidade definida da qual se apropria

e reconstrói a partir de sua perspectiva discursiva. Inserindo-se, assim, na dinâmica de

uma formação identitária nordestina e, suas visões sobre este mesmo espaço podem ser

perscrutadas em seus discursos parlamentares, obras literárias e jornalísticas.

Além disso, a trajetória de Eloy de Souza em seus 86 anos de vida, merece ser

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discutida e revista pela historiografia norte-rio-grandense, já que as considerações acerca

da política local e nacional, encontrada em suas Memórias, configuram uma importante

contribuição para a compreensão histórica política e social do período. As obras de Eloy

de Souza possuem um certo reconhecimento dentro do estado3, seus registros fomentaram

pesquisas nos campos das Ciências Socais, jornalismo e literatura. Contudo, a sua

produção ainda não foi por completo analisada, e, sua colaboração para uma construção

identitária e espacial tanto do Rio Grande do Norte quanto na construção do recorte

espacial Norte/Nordeste, ainda não foi investigada.

Sua atuação política esteve, na maioria de suas ações, em torno da solução dos

problemas causados pelas secas no Norte, podendo ser considerado além de político,

como um intelectual engajado nesta causa. Vale ressaltar que a figura do intelectual e seu

papel na sociedade é um tema muito discutido por vários estudiosos sociais e políticos4,

sendo a relação entre estes sujeitos, sua atuação social e no campo político um tema

recorrentemente abordado.

Vistos como defensores e promotores de valores supremos da civilização, que

podem ter sua missão ameaçada pelas paixões políticas, como em 1927, por Julien Benda

(BOBBIO, 1997. p. 32), ou mesmo encarados como uma classe distinta formada por

mentes iluminadas, elites progressistas e pensamento moderno em contraposição a massa

populacional desinformada, como na perspectiva de Ortega Y Gasser (BOBBIO, 1997. p.

33). É imperativa a existência de uma forte relação entre a atuação dos intelectuais com a

vida pública, a organização, administração, produção e propagação de ideias na

sociedade. Seja pela missão de vida destes sujeitos, ou mesmo pelo seu processo de

formação.

Assim, na premissa dessa relação indissociável entre a intelectualidade e seu papel

social, somada a análise da trajetória de vida pública de Eloy de Souza, optamos, por

conceber a figura deste homem como um político intelectual. Atuante na política norte-

rio-grandense e nacional, engajado na produção de um discurso que defendia medidas

eficazes para as soluções econômicas, políticas e sociais dos problemas causados pelas

3 O nome de Eloy de Souza está inscrito em ruas, museu, escolas, em um Município do Estado, noCentro de Documentação Cultural, na Faculdade de Jornalismo da UFRN e na Fundação José Augusto, da qual épatrono, como uma forma de reconhecimento a sua atuação tanto política quanto intelectual no Rio Grande doNorte.4 Acerca das outras análises sobre a definição e o papel dos intelectuais ver Jean-François Sirinelli, seutexto sobre “Os Intelectuais” em: RÉMOND, René. Por uma história política. [Direção de] René Rémond.Tradução: Dora Rocha. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. Ver também: BOBBIO, Norberto. Osintelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea . Tradução deMarco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora UNESP, 1997; PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política noBrasil – entre o povo e a nação. São Paulo: Editora Ática, 1990.

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estiagens, nos Estados mais atingidos pelo fenômeno climatério.

Embora, seus posicionamentos políticos e produções, já tenham sido algumas

vezes analisadas, no meio acadêmico, não nos afronta enquanto nova perspectiva, ou

melhor, singular, pois mesmo que já se tenha outras produções analisando o sujeito e suas

contribuições, na verdade o que a historiografia já produzida nos possibilita é enxergar as

várias possíveis faces que ele delineou ou acolheu pelo olhar de outros pesquisadores.

Assim, todas estas perspectivas quando confrontadas, nos dão um novo olhar.

Vale salientar que a maioria das produções acerca deste sujeito foram dirigidos às

contribuições de Eloy de Souza para uma política de combate às secas ou aos seus

discursos pertinentes à identidade sertaneja, que findaram por elaborá-lo como um

defensor do povo e das causas nordestinas. Entretanto, a relação de sua atuação

parlamentar e as intencionalidades pertinentes ao seu discurso de construção do espaço e

transformação do regional ainda se faz inédita, na verdade, uma perspectiva ainda cheia

de lacunas que nos propomos elucidar.

No entanto, existe um trabalho que um pouco se aproxima desta perspectiva, é a

tese de Maria da Conceição Maciel Filgueira intitulada Eloy de Souza: uma interpretação

sobre o Nordeste e o dilema das secas, defendida junto ao Programa de Pós-graduação

em Ciências Socais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2009. Nele a

autora trabalha em torno das visões empreendidas sobre o espaço nordestino e a

população sertaneja, a partir da ótica estabelecida por Eloy de Souza. Contudo, a noção

do regional abordada em seu estudo, é trabalhada sob o ponto de vista de um espaço já

consolidado, preexistente e não como uma construção discursiva e imagética, como a que

pretendemos delinear. Nessa perspectiva o que fazemos compreender é a existência de

uma construção identitária na constituição do que irá se desenhar como Nordeste.

Assim, o que pretendemos aqui é analisar as imagens projetadas pelos discursos.

Desnudar sua produção. Mostrar que estas são feitas a partir dos locais de fala, dos

interesses de indivíduos, grupos e que nesse processo, acabam por formular uma visão

sobre o espaço e, assim, o próprio espaço. E é exatamente nessa perspectiva que iremos

destrinchar os discursos parlamentares de Eloy de Souza.

Somados a tese de Filgueira temos outros estudos, nos quais encontramos as

várias faces de Eloy de Souza. Alguns destes firmam sua identidade como um defensor

do combate as secas. Dentre estas obras podemos apontar a organização documental

realizada por Tereza de Queiroz Aranha, que resultou no livro Economia das secas:

artigos de Eloy de Souza (1986); e a obra de Benedito Vasconcelos Mendes, sob o título

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de Eloy de Souza: sua luta contra as secas. O primeiro trabalho trata-se de uma junção de

artigos e falas de Eloy de Souza sobre o tema, o segundo exalta a contribuição desse

personagem em torno de uma visão sobre o semiárido, em conjunto com Felipe Guerra e

Vingt-un Rosado5.

Outros autores, por sua vez, frisaram Eloy de Souza como um formulador de um

sentimento regionalista, estes foram os trabalhos de Francisco das Chagas Pereira

configurado na obra Cartas de um sertanejo (1983) organizada e prefaciada por ele e,

Rita de Cássia Ribeiro em sua dissertação de mestrado intitulada Eloy de Souza:

sociologia de um sertanejo (2002).

Alguns estudiosos construíram críticas ao posicionamento político contido nas

falas de Eloy de Souza sobre a mesma questão das estiagens, deixando transparecer seus

interesses e intencionalidades. Nesse âmbito podemos citar o trabalho da professora

titular da Universidade de São Paulo, Janice Theodoro da Silva em sua obra Raízes da

ideologia do planejamento: Nordeste 1889-1830 (1978). Em sua obra a autora ressalta

um favorecimento acerca da ideia de um “progresso nacional”, presente no discurso de

Eloy de Souza, ideia emergente durante a Primeira República, e que como veremos no

decorrer do nosso estudo, foi desenvolvida em resposta ao domínio político e econômico

sulista, possibilitado em torno da produção cafeeira.

Em suma, como afirmamos, as análises sobre as obras de Eloy de Souza

circundaram, geralmente, em torno do eixo temático das secas (estudo e soluções para o

problema), ou da identidade e valorização do sertanejo. Entretanto, sua produção

intelectual vai muito além disto, transitando pelos campos da literatura e etnografia6.

Enfim, nosso trabalho insere-nos também nesta série de produções sobre a contribuição

intelectual e política de Eloy de Souza. Contudo, tendo como viés específico, analisar a

partir de sua trajetória de vida pública, contida em suas Memórias e de seus discursos

parlamentares, a delimitação de um recorte espacial que aqui configuraremos de

transformativa da espacialidade Norte/Nordeste.

Neste intuito tomamos como fonte as contribuições deixadas por Eloy de Souza

5 Especificamente, no capítulo “O Semi-árido na visão de três grandes homens”, Benedito Vasconcelossoma as considerações feitas por Eloy de Souza a estes dois outros autores e estudiosos sobre o tema. Ver:MENDES, Benedito Vasconcelos. Eloy de Souza: sua luta contra as Secas. In:______. O semi-árido na visão detrês grandes homens. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 2001. (Coleção Mossoroense, Série “C”, v.1225).6 Sobre os aspectos etnográficos e literários da obra de Eloy de Souza ver: SEREJO, Vicente. CenaUrbana: crônicas. - Natal, RN: Ed. Universitária, 1982. _________. Eloy de Souza vive. Jornal de Hoje, Natal,03.set.2003.b. Cena Urbana Digitalizado; MELLO, Veríssimo de. Patronos e Acadêmicos: Academia norte-riograndense de Letras (antologia e biografia). v. 2 Rio de Janeiro: Pongetti, 1974.

Page 18: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

15

em relação ao combate das secas, porém optando por abordagem que relaciona política,

construção espacial e identidade. Nesta perspectiva, em nosso estudo elaboramos um

roteiro da sua trajetória de vida pública, estabelecendo as relações das particularidades da

política do Rio Grande do Norte e sua prática discursiva, relacionando-a aos interesses

que a envolviam, buscando melhor compreendê-lo.

Nosso trabalho, assim, perpassa pelo interesse em torno da configuração política

da espacialidade norte-rio-grandense, contudo, não se restringe a ela. Compreendendo o

político enquanto instância articuladora de uma identidade local, regional e nacional, que

arregimenta e é regida, no dizer de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1996), por uma série

de ‘interesses interessados’.

Objetivamos, deste modo, estudar a vida, obras e as posições tomadas por Eloy de

Souza com a finalidade encontrar respostas para questões como: Qual a relação entre

Eloy de Souza e Pedro Velho, chefe da “organização familiar” Albuquerque Maranhão?

Quais as posições e interesses defendidos por ele enquanto intelectual e político? Qual

seu papel no grupo denominado de Jardim de Infância? Quais os interesses envolvidos em

seus discursos referente ao problema das secas que afligiam o Estado e o recorte regional

por ele explicitado? Quem mais estava no campo de produção acerca do problema das

secas e quais suas relações com o nosso personagem? Qual a relação desta temática com

construção do recorte espacial Nordeste?

Questões que pretendemos ver resolvidas a partir da análise do campo político e

representativo do qual Eloy de Souza fez parte. Para tanto inseri-lo no espaço norte-rio-

grandense, faz-se necessário, requerendo-nos uma compreensão da complexidade deste

recorte espacial. Convém, assim, entendermos esta espacialidade como uma elaboração

dotada de significações e carregada de representação, que foi ‘experienciada’ (TUAN,

1983) por nosso personagem e, discursivamente elaborada a partir de suas tomadas de

posição.

Através de suas percepções e observações Eloy de Souza constitui

discursivamente um mapa identitário e insere o Rio Grande do Norte, numa configuração

territorial singular, formada por Estados com características espaciais e culturais similares

e unidos por dificuldades em comum, as secas. Portanto, analisar as obras produzidas por

Eloy de Souza nas primeiras décadas da República é pensar a produção de um discurso

sobre a identidade e a espacialidade norte-rio-grandense e no papel na transição do Estado

para um novo recorte espacial, a região Nordeste, entendida enquanto como um espaço

em construção.

Page 19: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

16

Nesse esforço dividimos o caminho de nossa pesquisa em três momentos,

utilizando-nos da trajetória de vida pública de Eloy de Souza como fio condutor.

Tomamos, assim, como ponto de partida o ingresso do nosso personagem na política

norte-rio-grandense, passando por sua projeção no plano nacional, o ingresso no “Jardim

de Infância” e por fim analisando sua produção em defesa de um recorte espacial

específico, o Nordeste. Para nessa perspectiva realizarmos uma análise sobre a relação

entre os espaços local, regional e nacional.

Dito isto, no primeiro momento de nossa narrativa buscamos uma compreensão

sobre o campo político norte-rio-grandense, estabelecendo as relações entre as

configurações políticas locais e nacionais através da trajetória e registros de Eloy de

Souza. Optamos por partir das Memórias de Eloy de Souza, no intuito de localizá-lo

dentro do campo político norte-rio-grandense e compreender a partir de sua perspectiva as

nuances da dinâmica política local e nacional.

Nesse intuito elaboramos uma remontagem do quadro político norte-rio-

grandense, partindo das impressões deixadas por Eloy de Souza em sua autobiografia e

cruzando-a com outras produções sobre o período da Primeira República no Rio Grande

do Norte. Para tanto dispomo-nos de uma rica bibliografia sobre a História do Estado.

Obras que produziram uma memória acerca deste período e estudos acadêmicos que nos

possibilitaram visões diversas dos acontecimentos que envolveram a Proclamação da

República norte-rio-grandense e brasileira. Assim, buscamos as conexões estabelecidas

entre sua trajetória de vida e seus posicionamentos políticos.

Em um segundo momento, buscamos analisar a projeção política de Eloy de

Souza no âmbito nacional. Compreendendo a participação de Eloy de Souza na

agremiação política, que ficou conhecida como “Jardim de Infância”, grupo formado por

políticos que em sua maioria eram de Minas Gerais. Jovens com ideias inovadoras para a

política do período e que por este motivo foram assinalados de “políticos de nova raça”,

dos quais Eloy de Souza fez parte. Estabelecemos, assim, as relações existentes entre a

política e a construção do espaço físico e imaginário, visto que boa parte da produção

parlamentar de Eloy de Souza acerca de um programa de desenvolvimento para os

‘estados seviciados pelas secas’, se deu enquanto participante da agremiação.

Analisaremos, portanto, nesse momento a formação deste grupo político, os

sujeitos envolvidos, os interesses relacionados nas produções de discurso e os embates

travados entre estes e os “republicanos históricos”. Buscando, assim, esclarecer os

caminhos que levaram Eloy de Souza a centrar sua prática discursiva pública no ‘combate

Page 20: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

17

as secas’, bem como a relacionar esta prática aos interesses políticos locais e regionais,

instâncias específicas que foram defendidas junto ao plano nacional em sua atuação

parlamentar.

Por fim trabalharemos compreendendo a trajetória desse sujeito e de sua produção.

Relacionando os pronunciamentos parlamentares de Eloy de Souza sobre o combate aos

problemas causados pelas secas, dentro de uma perspectiva de construção de uma

identidade espacial, recorte transicional Norte/Nordeste. Dentro desta premissa

analisamos os pronunciamentos de Eloy de Souza, pondo-o em diálogo com outros

realizados na Câmara dos Deputados e relacionando-os com os estudos técnicos

produzidos sobre as secas, na busca de apontar os indícios da formulação deste espaço

nessas produções.

Procuramos, assim, estabelecer as relações existentes entre a política e a

construção identitária-espacial, bem como entre as instâncias local, regional e nacional

para categorizar Eloy de Souza como colaborador, ator e autor de uma perspectiva

privilegiada do processo de produção do espaço político e social nordestino.

Page 21: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

18

CAPITULO 1 - MEMÓRIA E POLÍTICA: A REPÚBLICA NO RIO GRANDE DO NORTE

Muito já se falou sobre a política brasileira na Primeira República e suas

experiências no estado do Rio Grande do Norte. No entanto, mesmo cientes disso, nosso

percurso inicia-se com uma retomada da dinâmica política local e nacional, dada a

importância deste campo para a compreensão da construção identitária e espacial do

Estado e do recorte regional Norte/Nordeste.

Sendo o político um elemento de articulação social, faz-se indispensável a

compreensão deste para uma discussão mais aprofundada sobre a construção histórica

destas espacialidades. Neste intuito, em um primeiro momento, elaboramos uma

remontagem entrecruzando as obras que versejaram sobre o período, apontando os

problemas e melhor situando o pensamento e posicionamento de Eloy de Souza na

política no Rio Grande do Norte e no cenário nacional.

Optamos por tomar como fio condutor de nossa discussão a trajetória política

deste sujeito partindo da obra Memórias, sua autobiografia, como meio de aproximação

dos quadros políticos local e nacional. Visto que através destes escritos obtemos uma

perspectiva sobre as relações de poder existentes na política brasileira, durante a Primeira

República.

A análise dessa trajetória nos permite alinhavar melhor os caminhos que levaram

Eloy de Souza a estabelecer os laços políticos locais, no que se refere ao estado do Rio

Grande do Norte, e nacionais, acerca da sua participação no grupo “Jardim de Infância”.

Visto que essas relações foram substancialmente relevantes para a construção de um

discurso em defesa da solução para o problema das secas. Fatos que permitiram sua

participação na elaboração da delimitação de um recorte espacial especifico dentro da

região Norte.

Para tanto, neste primeiro momento atemo-nos a uma revisão da bibliografia

referente as tramas políticas desenroladas no contexto do primeiro decênio da República

no Rio Grande do Norte. Palco no qual Eloy de Souza inicia sua atuação política. Deste

modo, tomamos como nicho teórico a História Política, referencial que nos possibilita

realizar uma discussão acerca dos pensamentos, comportamentos e da construção de uma

memória sobre o período.

Salientamos que na construção do pensamento historiográfico a discussão da

História Política passou por muitos reveses. Sua trajetória é delineada desde seu apogeu,

Page 22: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

19

no século XIX, onde sua posição foi privilegiada pela visão positivista e totalizante da

história. Passando pela sua "marginalização" frente a mudança de paradigma levantada

pela École des Annales7.

A perspectiva dessa escola historiográfica, era a de enxergar como "factual,

subjetivista, psicologizante, idealista, a história política” (RÉMOND, 2003, p.18), e, que

esta “reunia assim todos os defeitos do gênero de história"(RÉMOND, 2003, p.18), dos

quais a produção realizada pelos Annales deveria redimir-se. Esse campo passou, então, a

configurar o contrário do que esta ciência deveria realmente abordar. Entretanto, o

“movimento” não linear e transversalizante da História deu ao gênero Política uma nova

chance, uma nova roupagem.

Na década de 1980, houve uma mudança na perspectiva de abordagem, que ficou

conhecida como “A Nova História Política”. Esta, por sua vez, passava a levar em

consideração as antigas críticas levantadas pelos Annales, desvinculando-se de um perfil

de história interessada apenas pelas minorias privilegiadas e incapaz de perceber a

sociedade como um todo nos seus mais profundos movimentos. A “Nova História

Política” passou a se tornar um campo de discussão, onde o político aparece não mais

como "um lugar de gestão do social econômico"(RÉMOND, 2003, p. 10), mas, sim, como

um campo de transformação que é transformado. Um espaço integrante e ao mesmo

tempo integrador das superestruturas sociais.

No Brasil este movimento também se fez presente e nas universidades a história

política tem ganhado cada vez mais espaço. Desta vez não mais dando ao político àquela

visão tradicionalista que lhe delegava o poder de determinante do todo social, mas

trazendo-lhe à tona na perspectiva de análise sobre as tramas sociais como um elemento

dentro do sistema complexo da organização social. Portanto, a compreensão da história da

dinâmica e cultura política, sendo esta interpretada “como algo que é constituído por um

dado grupo, do qual é, ao mesmo tempo, constituidora” (GONTIJO, 2005. p.270),

possibilita-nos uma reflexão sobre os fenômenos político-sociais locais e nacionais. Bem

como uma maior percepção das estruturas sociais.

A partir dessa premissa dispomo-nos de uma série de registros e discussões sobre

a história da Primeira República no Rio Grande do Norte. Partindo dos fatos contidos nas

Memórias de Eloy de Souza para estabelecermos um diálogo com obras de outros autores

que versejaram sobre o período. “Homens de letras” (VENANCIO, 2017) como Câmara

7 École des Annales (Escola dos Annales) foi o movimento historiográfico que surgiu na França durantea primeira metade do século XX, no qual a proposta era construir uma história desatrelada da visão positivista etotalizante que marcava as produções anteriores.

Page 23: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

20

Cascudo, Rocha Pombo e Tavares de Lyra, que juntos dão-nos a perspectiva de uma

abordagem histórica atrelada a memória das relações políticas. Contudo, analisar apenas

tais visões não nos é suficiente para tecer panorama contundente sobre a produção

discursiva do dado período.

Essas perspectivas são as encontradas nas obras de Itamar de Souza, intitulada “A

República Velha no Rio Grande do Norte”, publicada em 1987; José Antônio Spinelli

Lindoso, em tese dissertação de mestrado sob o título “Da oligarquia Maranhão à

política do Seridó: o Rio Grande do Norte na Velha República” produzido em 1989, e

que chegou em nossas mãos sob o título de “Coronéis e Oligarquias na Primeira

República”; e o trabalho de Almir de Carvalho Bueno intitulado “Visões de República:

ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895)”, tese de doutorado

defendida no ano 2002. Assim, no sentido de contrastar com estas leituras do passado que

acabaram por produzir uma memória sobre a política e o próprio espaço norte-rio-

grandense, utilizamo-nos das análises sobre a política do estado, aqui, configuradas como

visões acadêmicas acerca do dado recorte.

Consideraremos, deste modo, dois níveis de conhecimento histórico sobre os

primeiros anos da República: o primeiro representando por uma historiografia da

memória do campo político e o segundo de uma história do político. Antepondo as duas

visões buscamos nas falas e silêncios as significações do discurso e do particularismo

político local. Realizamos, de certa forma, neste primeiro momento, uma continuidade

das discussões levantadas pelo trabalho do professor Raimundo Nonato Araújo da

Rocha8, publicado no ano de 2009. Estudo intitulado “A República no Rio Grande do

Norte: memória e historiografia”, no qual o professor faz uma discussão bibliográfica a

respeito da memória produzida sobre a Primeira República no estado.

Na análise, o autor trabalha com dois níveis de conhecimento históricos

produzidos: o da memória e o da análise histórica. Elaborando, assim, uma revisão sobre

a produção de uma memória construída pelos primeiros trabalhos relativos a História do

Rio Grande do Norte, escritas por Augusto Tavares de Lyra, José Francisco da Rocha

Pombo e Luís da Câmara Cascudo9. Obras que foram escritas entre as décadas de 1920 e

1950, a partir de demandas do poder público local, em contextos específicos que

8 Professor do Departamento de História da UFRN.9 Luís da Câmara Cascudo (1898 – 1986) foi considerado o Historiador Oficial pelo governador SilvioPedroza. Vale salientar que Câmara Cascudo, historiou sobre a Proclamação da República no Rio Grande doNorte e os acontecimentos que a precederam em outras obras, além da analisada no estudo citado. Asaber:“História da cidade do Natal”, publicada pela primeira vez, em 1947, e na obra “História da Repúblicano Rio Grande do Norte”, 1965.

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21

evidenciaremos mais adiante. Ademais, em nosso estudo adicionamos, as impressões de

Eloy Castriciano de Souza. Registradas em sua autobiografia, na qual o autor evidencia,

através de suas vivências, alguns dos acontecimentos que precederam e sucederam a

Proclamação da República. Vale salientar que apesar de não ter escrito objetivamente

uma “História do Rio Grande do Norte”, Eloy de Souza, através do seu “lugar de fala”10,

possibilita-nos mais uma visão sobre a política e o período abordado.

Sua obra, serve-nos tanto para vislumbrar um panorama do campo político local,

quanto nacional. Visões de extrema relevância para a compreensão de seus

posicionamentos em torno do tema das secas e da elaboração espacial e identitária de uma

regionalidade nordestina. Assim, também através da análise de seus escritos buscamos

minimamente contribuir com os estudos relativos a uma releitura acerca da construção de

uma narrativa sobre a República no Rio Grande do Norte, produções acadêmicas

iniciadas a partir da década de 1980.

Uma das primeiras obras no sentido desta releitura foi a de Itamar de Souza, na

qual encontramos uma discussão mais detalhada do quadro social e político norte-rio-

grandense. Em seu trabalho o autor elabora uma discussão teórica acerca das forças

políticas vigentes na Primeira República. Além de ressaltar as especificidades políticas do

estado, elaborando uma remonte acerca dos personagens e grupos políticos dominantes

em seu capítulo, “O fenômeno oligárquico no Brasil”. Somados ao estudo de Itamar de

Souza temos outros dois trabalhos que servem para o escopo de nosso trabalho,

principalmente em relação a perspectiva sobre o campo político local. Constituem-se em

exames mais aprofundados das estruturas sociais e políticas presentes no determinado

contexto, são eles os trabalhos de Spinelli Lindoso e Almir Bueno.

No trabalho de Spinelli Lindoso temos discussões sobre o funcionamento do

sistema político da República recém-inaugurada, atinando para as especificidades do

campo político norte-rio-grandense. Seu trabalho apresenta-nos aspectos da implantação

da República no Estado do Rio Grande do Norte, no que se refere as estruturas

oligárquicas que o aportavam. Nessa perspectiva o autor buscou situar as disputas e

conflitos entre os grupos políticos que estiveram envolvidos no processo de implantação

10 Adotamos o conceito de “lugar de fala” a partir da perspectiva de Foucault, segundo a qual esse podeser concebido como o lugar que o sujeito ocupa numa cena, a partir da posição e das relações sociaisestabelecidas por ele. Assim, as situações relacionais de Eloy de Souza, tanto referente ao alinhamento políticolocal quanto ao nacional, possibilitaram-no a construção de uma memória do período. Acerca desse “lugar defala”, bem como das intencionalidades e interesses imbricados nos discursos ver: FOUCAULT, Michel. AArqueologia do Saber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995; FOUCAULT, Michel. A ordem dodiscurso: Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fragade Almeida Sampaio. Edições Loyola, São Paulo, Brasil,1996.

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22

da República na província norte-rio-grandense, relacionando-a com o contexto da política

nacional.

Almir Bueno, por sua vez, embasado por alguns dos apontamentos realizados por

Spinelli na década de 90, fez um estudo acerca das correntes político-ideológicas no

movimento republicano norte-rio-grandense. Utilizando-se da dinâmica e das “tramas”

que envolveram esse momento da política estadual para realizar uma releitura da história

política da Primeira República no Rio Grande do Norte. A partir de sua obra obtemos

uma visão sobre o campo das ideias que permeavam os discursos e implantação do

regime republicano no Rio Grande do Norte.

As obras acadêmicas supracitadas nos servirão de subsídios na busca de uma

elaboração do contexto e das “tramas” políticas, nas quais Eloy de Souza esteve

envolvido. Vale salientar que estes trabalhos não são os únicos que falam sobre a

República no Rio Grande do Norte11, mas por hora servem-nos substancialmente para a

discussão e para a compreensão do campo político sobre o qual nos debruçamos.

Portanto, em nosso estudo, pretendemos relacionar a configurações políticas

norte-rio-grandenses em razão dos laços estabelecidos por Eloy de Souza nesse espaço,

no intento de dar conta da problemática do espaço e de sua relação com a representação,

discurso e construção de uma identidade-espacial local e regional.

Nesse escopo, analisamos as Memórias de Eloy de Souza sob a perspectiva da

historiografia de produção da memória do campo político e do movimento republicano no

Rio Grande do Norte. Pois como explicitado por Câmara Cascudo “Quer no pequeno

mundo norte-rio-grandense, quer na política nacional, Eloy de Souza foi uma testemunha

e mesmo um ator.” E a partir do seu depoimento procuraremos esquadrinhar as regras de

um mundo social particular do qual ele foi integrante.

Nossa abordagem adota a trajetória social e política de Eloy de Souza como

norteadora da discussão, analisando o seu ingresso na política norte-rio-grandense e suas

relações com a dinâmica política local e nacional para compreender as nuances de seu

discurso. Sob tal perspectiva, a utilização da autobiografia de Eloy de Souza, justifica-se

ante a sua posição privilegiada frente ao contexto político norte-rio-grandense. Contudo,

mesmo sendo a sua produção rica do ponto de vista factual, por si só não nos é suficiente

para compreensão do campo que pretendemos analisar. Por isso a discussão bibliográfica

11 Outras obras relativas à República no Rio Grande do Norte são MONTEIRO, Denise Mattos.Introdução à história do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2000; MARIZ, Marlene da Silva;SUASSUNA, Luis Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte. Natal: Gráfica Santa Maria, 1999;TRINDADE, Sérgio Luiz Trindade Bezerra. Introdução à história do Rio Grande do Norte. Natal: SeboVermelho, 2007.

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faz-se importante e o diálogo entre os autores torna-se enriquecedor.

Na construção de uma história da Primeira República no Rio Grande do Norte

algumas produções foram publicadas. Obras que aqui são discutidas sob a perspectiva da

elaboração de uma memória sobre este espaço. Formada por narrativas de autores,

renomados por suas atividades políticas e/ou intelectuais, como Câmara Cascudo, Tavares

de Lyra, Rocha Pombo. Sujeitos que estavam inseridos através de seus laços sociais em

uma dinâmica de construção da história desse estado.

Produções que foram fabricadas por letrados com engajamento intelectual e

político, sobretudo, no que se refere aos sujeitos Tavares de Lyra e Rocha Pombo, sendo

ambos integrantes do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Suas obras localizadas

dentro de uma ideia desenvolvida por esta instituição, elas atendiam a uma demanda de

construção e consolidação da memória local e nacional. Um movimento iniciado pós-

Independência e concebido como um “projeto histórico do IHGB” (PEIXOTO, 2011, p.

11).

Plano que no século XIX, conforme afirma Renato Amado Peixoto, referindo-se a

análise de outros autores, “se constituiu em torno da questão nacional, destacando-se, em

geral, que as particularidades dessa instituição guardavam profundas relações com a

própria estrutura do Estado, com aqueles grupos que o sustentavam e com um

determinado contexto histórico” (PEIXOTO, 2011, p. 11). Assim, a serviço de um plano

de construção do espaço e da identidade nacional o IHGB e suas instituições estaduais

esforçaram-se na produção da história nacional e local. Nesta perspectiva, de constituição

do todo (nacional) as partes faziam-se ou necessitavam afirmarem-se importantes, através

de suas narrativas.

Esse movimento estava perscrutado de ideais que objetivavam construir

imaginária e discursivamente a grandeza do território e da sociedade. As noções de

civilização e progresso estavam, constantemente presentes nos discursos e passaram a

fazer parte do imaginário político e intelectual. Sendo compreendido o conceito de

civilização como uma construção da “sociedade ocidental” trazido para o Brasil através

do contato com a cultura europeia. Tal noção, segundo Norbert Elias, “expressa a

consciência que o Ocidente tem de si mesmo” (ELIAS, 1992, p.23). Assim, a construção

de uma noção de civil remete à um desejo europeu de diferenciação das demais

sociedades existentes.

A interiorização das concepções de civilização e de progresso, na sociedade

brasileira, também foram assimiladas pelas elites políticas dirigentes, as quais assumiram

Page 27: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

24

o papel de organização e consolidação dos seus espaços de atuação. Fazia-se necessário,

portanto, construir no imaginariamente as ideias de Nação, o sentimento de valorização e

pertencimento ao lugar e, sobretudo a identidade nacional. Assim, as narrativas criadas

em torno da História do lugar, estava impregnada de heroísmos e noções de progresso

civilizacional, símbolos de um passado que deveria ser lembrado, mas principalmente de

um futuro promissor a ser seguido.

Nessa medida, as narrativas seguiam uma ordem não só cronológica, mas

esboçavam uma lógica desenvolvimentista, na qual a sociedade que se apresentava

passara do grau menor de civilização e mesmo lentamente alcançara patamares mais altos.

Dentro desse discurso a supervalorização do papel das figuras locais no desenvolvimento

e no desenrolar da história e política nacional fazia-se também presente.

Incluso nessa lógica a República representava um grande passo dado rumo ao

progresso e, por conseguinte, a história de sua trajetória deveria ser reavivada na

memória, construída no imaginário e resguardada através do discurso. Nesse movimento

as “Histórias da República no Rio Grande do Norte" foram na década de 1920 elaboradas

por Tavares de Lyra e Rocha Pombo e Luís da Câmara Cascudo, sendo a produção deste

último publicada apenas em 1955.

Intelectuais, jornalistas, poetas e homens públicos que tiveram sua produção

arregimentada e possibilitadas sobretudo por seus engajamentos e relações políticas.

Letrados que se fizeram historiadores, em consequência de sua participação em

instituições como o IHGB e ante a uma preocupação das elites com construção de um

enredo para a “nova nação” e para os “novos estados” da recém-nascida, República.

Tornaram-se artífices da invenção de um passado que construíram espaços de afirmação

de grupos políticos, utilizando-se, assim, da memória e da narrativa histórica como uma

estratégia de poder.

Autores que fizeram, em certa medida, uma História do tempo presente. Uma

narrativa regada das visões contemporâneas as suas vivências. Discursos elaborados sobre

os fatos e acontecimentos dos quais fizeram parte. Construtores de verdades sob o prisma

dos seus grupos, dos interesses pessoais, políticos, sociais, aos quais estavam vinculados.

Produtores de um discurso que repercute até os dias de hoje e que merecem ser

incansavelmente discutidos.

Convém-nos, salientar que dentro da relação dialética existente entre a história e

memória a concepção de uma História do tempo presente como um fazer metodológico é

algo recente. Contudo, no decorrer da produção histórica por inúmeras vezes intelectuais

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25

depararam-se com a incumbência de escrever a história de sua vida, cidade, estado, ou

país e mesmo sem darem-se conta ultrapassaram a fronteira entre o ontem e o hoje de sua

época. Escreveram uma história sob a perspectiva singular do tempo, do espaço e dos

grupos aos quais estavam relacionados. E elaboraram uma história retirada das

experiências (memórias pessoais) e dos relatos (memórias de terceiros).

Nesta medida tanto as verdades construídas pelos discursos, quanto às lacunas

estabelecidas pelos silêncios abrem-nos possibilidades de diálogo a respeito da construção

de uma narrativa histórica sobre a República no Rio Grande do Norte, bem como sobre as

dinâmicas dos grupos políticos locais e nacionais. O que temos, portanto, são obras

constituídas e baseadas em documentos oficiais (produzidos pelos grupos políticos

dirigentes à época), depoimentos dos próprios autores e de terceiros.

Uma história talhada no empirismo, embasadas na ideia de “verdade” vista e

vivida pelos escritores e que por si serviriam para dar veracidade aos fatos e contundência

aos acontecimentos. Uma narrativa das lembranças tiradas das reminiscências daqueles

que “fizeram” e assistiram a construção da República e que por tais motivos deveriam ser

registradas na historiografia local e nacional como a História da República no Rio Grande

do Norte.

Não estamos, aqui, desconsiderando a importância destas obras para a

compreensão dos acontecimentos e das configurações político-sociais do determinado

momento. Muito menos diminuindo o valor das reminiscências para a construção da

história local. Estamos, sim, explicitando a necessidade e a preocupação de destas obras

se constituírem como verdades na medida em que foram construídas a partir de sujeitos

que estiveram inseridos dentro do contexto de formulação e reformulação de um discurso

republicano local.

Indivíduos que, sem dúvida, são por diversos motivos “narradores privilegiados”

dos episódios que antecederam e sucederam a Proclamação da República, mas que pelos

mesmos motivos necessitam de análises mais aprofundadas sobre suas produções.

Esforço este caro a compreensão da configuração político-social do período.

Dito isso, é importante frisar que no que diz respeito ao nosso estudo damo-nos a

liberdade de acrescentar as impressões de Eloy de Souza, sob o dado período. Visto seu

posicionamento também privilegiado em relação a dinâmica do campo político norte-rio-

grandense, bem como sua participação do IHGRN e sua aproximação com sujeitos como

Tavares de Lyra e Câmara Cascudo, fortes colaboradores da construção de uma memória

sobre este espaço. Aqui, relacionamos seu discurso às memórias já constituídas e as

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26

releituras já mencionadas. Buscando mais uma perspectiva acerca especificidades

políticas desta espacialidade, bem como dos interesses perscrutados no discurso de nosso

personagem, em favor de uma solução para o problema das secas.

1.1 A MEMÓRIA

Na perspectiva, da elaboração de uma remontagem acerca da política norte-rio-

grandense, as Memórias de Eloy de Souza configuram-se como um registro dos

acontecimentos políticos da Primeira República. Contudo, há de se considerar em

particular, antes de utilizá-la, a peculiaridade da obra. Visto que uma autobiografia não se

trata do registro de memórias desinteressadas, mas, sim, de uma “história pessoal do ego”

(ABREU, 1996). Uma narração sobre a vida na perspectiva do próprio indivíduo e,

sobretudo, uma obra que sofreu interferências, na medida em que foi editada e publicada

após a morte do autor.

A produção em questão passou por alterações de estrutura (organização,

disposição de capítulos), resultando na imagem elabora pelo autor, mas também

remodelada, pelos responsáveis por sua publicação. Dito isto, ela merece uma atenção

maior, visto que se trata não só de uma lembrança, mas, principalmente, de uma

construção narrativa do indivíduo para a posteridade.

Portanto, aqui, consideramos as Memórias de Eloy de Souza, com um esforço

deste sujeito para formular sua identidade e imprimi-la na história. Nessa perspectiva

acreditamos, assim como Gisele Martins Venancio (2017), que escrever as memórias é

uma forma de arquivar-se. Um meio de registrar o reflexo de si, nas páginas de um livro.

Logo, escrever uma autobiografia é deixar um eu definido, a partir do seu lugar

social, suas relações com seus pares, suas ações e escolhas. As Memórias de Eloy de

Souza configuram-se, assim, quão tantas outras autobiografias como um olhar-se no

espelho (VENANCIO, 2017). Uma ação reflexiva na busca de construir uma identidade

autoral que através da narrativa é transformada em imagem pública revestida de lógica,

coerência e significado.

Deste modo, ao tratarmos de tal trabalho temos que o revestir do valor de

“memória” e, por hora, destitui-lo do valor de “verdade”. Uma vez que, para lidar com o

gênero literário autobiográfico faz-se necessário compreender a dinâmica de sua

produção, torna-se imprescindível observar que,

Page 30: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

27

A memória é um trabalho. Como atividade, ela refaz o passado segundo os

imperativos do presente de quem rememora, ressignificando as noções de tempo e

espaço e selecionando o que vai e o que não vai ser "dito", bem longe, naturalmente,

de um cálculo apenas consciente e utilitário. (GOMES, 2004, p. 06)

Dito isto explicitamos um dos cuidados que pretendemos ter: o de não sermos

levados pelos perigos da ‘ilusão biográfica’ (BOURDIEU, 1996). Pois, o que

consideramos, na perspectiva da utilização das Memórias de Eloy de Souza, é o sujeito

como uma identidade socialmente construída, que através de pressupostos conscientes e

inconscientes busca produzir uma representação de si (BOURDIEU, 1996) e do que

viveu. Portanto, para compreendê-lo (abranger sua identidade), temos de analisar sua

trajetória. Inseri-lo em sua em sua convivência com outros sujeitos, em seus espaços de

sociabilidade (GONTIJO, 2005) e na relação de sua produção às demais realizadas por

seus pares. Aproximando-nos das configurações do campo social que foi condicionado e

era condicionante, dentro da complexidade dos espaços possíveis, nos quais estava

inserido e posicionado.

A nossa investigação perpassa a visão construída nas Memórias de Eloy de Souza

como político e intelectual da República norte-rio-grandense. Assim, levamos em

consideração as particularidades desta obra e os perigos que percorremos ao ignorar a

autobiografia como uma sobreposição de lembranças, interesses e intencionalidades.

Nesta perspectiva, no intuito de não sermos levados por esta ‘ilusão biográfica’ e

de não nos deixarmos capturar pelo efeito causado pela representação de um eu coerente e

contínuo, faz-se necessária uma análise pontual da constituição das Memórias de Eloy de

Souza. Convém, antes mesmo de colocá-la em diálogo com os outros autores esclarecer

que tal livro foi o produto de um longo processo de seleção de informações.

Procedimento iniciado desde a escrita e revisão de trechos, realizada pelo autor até o

lançamento da obra, no ano de 1975, concretizada pelo escritor Sanderson Negreiros.

“Eloy de Souza começou a ditar as Memórias de um Velho na manhã de 20 de

junho de 1956. Tinha 83 anos. 1956 era o centenário de Pedro Velho, ídolo de sua

saudade. O datilógrafo fui eu, para a terça parte da redação inicial, alterada” (SOUZA, E.,

2008, p.13). Já em idade avançada, o velho Eloy de Souza, resolveu rememorar sua

trajetória de vida, reinterpretar suas ações e compilá-las em uma obra. Contudo, seu

trabalho não foi solitário, como podemos concluir pelo trecho acima destacado. Retirado

do prefácio das Memórias, nele Luís da Câmara Cascudo ressalta sua participação na

Page 31: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

28

construção do livro e, assim como ele, outros também o fizeram, resultando em uma

produção realizada à várias mãos.

A autobiografia de Eloy de Souza foi formada a partir de um conjunto de centenas

de páginas datilografadas por ele, Câmara Cascudo e Omar Lopes Cardoso12. Páginas que

foram organizadas por Leonardo Bezerra, amigo de Eloy de Souza, que as ordenou para

dar um determinado sentido a narrativa. A obra foi editada em 1975, e, reeditada anos

depois, em 2008, por Rejane Cardoso, neta de Eloy de Souza, trabalho este que sofreu

influências de escritores como Oswaldo Lamartine de Farias. Em suma, o que temos é

uma “escrita de si”, que não necessariamente constitui uma imagem fidedigna que o

próprio Eloy de Souza faria, pois, “[...] é como se a escrita de si fosse um trabalho de

ordenar, rearranjar e significar o trajeto de uma vida no suporte do texto, criando-se

através dele um autor e uma narrativa.”(GOMES, 2004, p.16)

Na obra, aqui em questão, todo esse trabalho de ordenação, rearranjo e

significação, não foi realizada apenas por Eloy de Souza. Isto é, temos como resultado

destes escritos, um personagem, construído não apenas pelo autor das reminiscências,

mas também pelas pessoas que conviveram e assimilaram uma determinada visão deste

como sujeito. Podemos, assim, imaginar que o próprio Eloy de Souza poderia ter feito

uma constituição diferente da obra. Uma disposição diferenciada dos capítulos, que

retiraria, ou acrescentaria informações, ou mesmo que continuaria as alterações que

iniciou, mas que o seu falecimento em 07 de outubro de 1959 o impediu de concluir.

Imaginamos que possivelmente poderíamos ter alguma outra perspectiva, que construiria

talvez um Eloy de Souza diferente daquele lembrando pelos amigos, parentes, ou,

construído pelo pesquisador.

É importante salientar que ao utilizarmos as Memórias de Eloy de Souza

descartamos

[...] a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu” (a

verdade dos fatos), pois esta não é a perspectiva do registro feito. O que passa a

importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como o seu

autor a expressa. Isto é, o documento não trata de “dizer o que houve”, mas de dizer

o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a

um acontecimento.” (GOMES, 2004. p.15)

12 Omar Lopes Cardoso, participe da Revolução (golpe) de 1930, era casado com Chloris, enteada deEloy de Souza.

Page 32: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

29

Analisaremos deste modo a obra destituindo-a de uma ideia de verdade e

delegando-a ao valor de lembrança de um sujeito imerso em seu lugar social. Revestindo-

a do sentido de depoimento de alguém que viveu e rememorou acontecimentos, envolto

em toda uma subjetividade, construindo a “sua” verdade sobre os eventos (GOMES,

2004). Tomamos, pois a visão de Eloy de Souza como uma perspectiva sobre a República

norte-rio-grandense e brasileira, sua dinâmica e suas configurações a partir das

particularidades de seu discurso, sem isentá-la do debate que aqui pretenderemos realizar.

Nesse esforço, cruzaremos suas informações com outros depoimentos e estudos

sobre sua época com o intuito de melhor situá-las no contexto geral da Primeira

República no Rio Grande do Norte. Atrelando suas atuações e falas a uma elaboração

política, econômica e cultural, orquestrada por interesses interessados, que ao mesmo

tempo estabeleciam o diálogo com as demandas dos grupos políticos aos quais esteve

aliado. Buscando dessa forma, compreender o local de sua fala, os interesses nela

inseridos e os elementos que subsidiaram seus discursos.

Assim, ao analisar as Memórias de Eloy de Souza, ouvir a voz de um sujeito que

esteve imerso nas transformações políticas brasileiras nos primeiros decênios da

República. Autor que, em suas produções, deixou as impressões sobre os fatos ocorridos,

realizando contribuições políticas e intelectuais. Fazendo parte, mesmo que

indiretamente, de uma série de registros históricos sobre o período. Suas Memórias, por

mais que sejam uma ‘autobiografia biografada’ e tenham sido escritas com o objetivo de

registrar uma “história do ego”, talvez, um “reflexo de si”, serve-nos também para uma

análise sob a perspectiva de produção histórica, trazendo-nos informações importantes

para a compreensão da dinâmica política e social norte-rio-grandense.

De tal modo, não nos convém julgar a imagem construída deste personagem.

Interessa-nos as visões expressas em seus escritos. A perspectiva do Eloy de Souza sobre

os acontecimentos vividos e rememorados por ele, como participante da política

brasileira, àquele período, embora saibamos que estudar seus escritos, discursos e

constituição de imagens e ideias também é estuda-lo. Partindo da premissa de que não

podemos compreender sua trajetória a menos que tenhamos previamente construído os

estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou.

Convém-nos, neste momento, abarcar e situar Eloy de Souza, para, enfim,

localizar suas ações e discursos em torno da construção identitária e espacial local e

regional. E assim, a partir desta construção compreender a inserção dos seus discursos na

contribuição de um recorte espacial específico dentro daquilo que até então era chamado

Page 33: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

30

de região Norte.

1.2 ELOY CASTRICIANO DE SOUZA: POLÍTICO E INTELECTUAL

FIGURA 01 - ELOY DE SOUZA

FONTE: SOUZA, 2008, p. 444.

Nascido em Pernambuco, na cidade do Recife, no dia 04 de março de 1873, Eloy

de Souza (FIGURA 01) foi o primeiro dos cinco filhos de Eloy Castriciano de Souza

(1842-1881) e Henriqueta Leopoldina Rodrigues de Sousa (1852 -1879)13.

Eloy Castriciano de Souza, seu pai, era banqueiro e político ativo na cidade de

Macaíba, no Rio Grande no Norte e atuação que em grande medida abriu os caminhos

políticos para Eloy (filho). Chefe da Casa – Paula Eloy & Cia, uma das instituições

financeiras do Estado, foi também político atuante pelo partido Liberal quando este era

chefiado por Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti14 uma vez que este o apadrinhou

politicamente.

Alguns dos irmãos de Eloy de Souza tiveram atuação cultural e política, como

Auta de Souza (1876-1901), poetisa, que em seus breve 25 anos de existência deixou a

forte marca de sua produção para a literatura do estado e nacional; Henrique Castriciano

13 Encontramos informações sobre os pais e avós de Eloy na obra Memórias (1975), na qual ele reservoualguns capítulos para falar especialmente de sua família, intitulados “Naquele tempo de amores românticos”, “Ospais dos meus pais...” e “Meus irmãos”. Como também no levantamento feito pelo Prof. Dr. Renato AmadoPeixoto para o Dicionário histórico-biográfico da Primeira República, produzido pelo Centro de Pesquisa eDocumentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), versão on-line, 2010.14 Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, o Dr. Amaro Bezerra, pernambucano, era chefe do Partido Liberalno Rio Grande do Norte.

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31

(1874-1947) jornalista, poeta e político, fundador da Liga de Ensino, que priorizava a

educação feminina; Outros, tiveram especialmente importância sentimental para Eloy,

como João Câncio (1877), que nas palavras de Eloy “[...] era bastante inteligente e

espirituoso. Também versejou sem ser poeta e tocou piano também sem conhecer uma só

nota de música. Tinha, único da irmandade, a paixão por números e chegou, sem mestre a

ser contador perito.” (SOUZA, E., 2008, p. 83); E Irineu (1875) que faleceu tragicamente

aos doze anos de idade, quando Eloy tinha apenas quatorze.

Vale salientar, que a tragicidade da morte acompanhou boa parte da infância de

Eloy de Souza. Ainda muito jovem sofreu perdas sucessivas em sua família, a maioria

delas referentes a problemas pulmonares, como a tuberculose e a pneumonia, doenças

bastante comuns à época. Perdeu a mãe, no ano de 1879, quando tinha apenas seis anos

de idade. Pouco tempo depois veio a falecer o pai, em 1881, e o avô paterno, em 1882. Os

adoecimentos de familiares e perdas consecutivas de seus parentes fizeram com que ele e

os irmãos transitassem constantemente entre Recife e a cidade de Macaíba, no Rio

Grande do Norte15.

Macaíba que à época era a capital econômica da província, centro de

comercialização do Seridó, Ceará-Mirim, São José de Mipibu e Ribeira do Potengi. A

cidade era também considerada a capital política do Estado, sobretudo, assim, retratada

por aqueles que estavam inseridos neste espaço. Na busca de uma autoafirmação da

centralidade da cidade os grupos políticos buscavam a afirmação de seu poder dentro da

política e economia do Rio Grande do Norte. Dentro dessa perspectiva, Eloy de Souza

diz, “Pode-se afirmar que a capital política do Rio Grande do Norte, naquele tempo,

estava em Macaíba, onde os acontecimentos que mais interessavam eram conhecidos aí

antes de serem em Natal” (SOUZA, E., 2008, p.31).

Foi para esta cidade que seus pais o levaram logo após o seu nascimento e onde

nasceram seus irmãos. Na qual seu pai já era chefe da casa Eloy & Cia, firma que tinham

também como sócios seu avô materno Francisco de Paula Rodrigues e o coronel Tomaz

Pessoa de Melo.

Francisco de Paula Rodrigues (1809-1882), a quem Eloy de Souza chamava de

avô rico (FILGUEIRA, 2009), era casado com Silvina Maria da Conceição, mulher

simples, sem muita instrução que ficou com a responsabilidade de educar os cinco netos.

15 Eloy de Souza trata no livro organizado por Sanderson Negreiros, Memórias, com muita sutileza esentimento as percas que sofreu em sua vida e demonstra também, em sua fala, muita gratidão a sua avómaterna, que ficara responsável por ele e os irmãos e que aguentou, segundo relata, com fortaleza e doçura osrevezes que a vida lhes deu.

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32

Paula Rodrigues era um homem de muitas posses, do qual a família de Eloy herdou vários

bens. Dono, juntamente com o genro, da casa Eloy & Cia que financiava safras de açúcar

de grande parte dos municípios de Ceará-Mirim e São José, incluindo o vale do

Cajupiranga. As outras firmas concorrentes que existiam eram as do comendador Joaquim

Inácio Pereira e major Fabrício Gomes Pedroza (SOUZA, E., 2008, p.31).

Fabrício Gomes Pedroza (1809- 1872), paraibano, era filho de Francisco Gomes

de Andrade Lima e de Silvana de Lyra Coutinho, senhores de engenho. Veio para a

região dos Guarapes, então município de Macaíba, em 1847. Trabalhava na

comercialização de açúcar e algodão (CASCUDO, 1954, p.221-223). Em sua trajetória de

vida casou-se por três vezes e ao longo desses enlaces matrimonias foi somando suas

posses e acumulando riquezas.

Sua segunda esposa foi Damiana Maria, filha do Capitão Francisco Pedro

Bandeira de Melo, proprietário do sítio Coité. Também genro do mesmo capitão era o avô

paterno de Eloy de Souza, Félix José de Souza. O “vovô Felix”, como era chamado por

ele, casou-se com a filha adotiva de Francisco Pedro, Cosma Bandeira de Melo. “Essa

união resultou da confiança a que se impôs, ainda jovem, como administrador de várias

de suas fazendas em algumas ribeiras da antiga província” (SOUZA, E., 2008, p.30).

Filho de Félix José de Souza, Eloy Castriciano de Souza, teve apenas a instrução

primária, mas

Muito inteligente, alargou pelo estudo seus conhecimentos, sobretudo os atinentes à

Contabilidade, o que lhe permitiu obter do major Fabrício Pedroza uma colocação

em Guarapes que, dentro em pouco, tornou-se vantajosa. As relações comerciais do

meu avô com a casa Guarapes o aproximaram de meu Pai e, daí, por convivência

pessoal que promoveu, teve este oportunidade de conhecer sua filha Henriqueta com

quem pouco tempo depois, foi casar-se no Recife. (SOUZA, E., 2008, p.32)

Criada em 1859, a Casa Guarapes, assim como a Casa Eloy & Cia, foi uma das

firmas importadoras e exportadoras do Rio Grande do Norte, o posto comercial

construído por Fabrício Pedroza, que entrou em decadência após sua morte e só fora

[...] revitalizada em 1892 por seu filho de mesmo nome, constituiu-se num dos

suportes econômicos da família Maranhão, que, assim, dominava também o grande

comércio atacadista importador/exportador e a única indústria têxtil do estado, além

de grandes engenhos na zona da Mata.” (BUENO, 2016, p. 36)

Page 36: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

33

Sendo ela uma das principais fontes para a riqueza da família que acabou por

estender seu domínio também para a política no Estado. Em suma, nosso personagem,

Eloy de Souza, nasceu em uma família abastada, pai banqueiro e político, avô proprietário

de muitas fazendas e crescera ao lado da elite do norte-rio-grandense.

Vale salientar que sua posição econômica e social, foi de suma importância para a

sociabilização política de seu pai, irmão (Henrique Castriciano) e do próprio Eloy de

Souza, pois como podemos observar (FIGURAS 02 e 03) sua família fugia aos padrões

de cor da elite, tanto local, quanto nacional.

Lembremo-nos que em 1873, diferente de boa parte dos impérios e nações que

haviam deixado de utilizar a mão de obra escrava, o Brasil ainda era um país

escravocrata. O movimento abolicionista que havia começado no final do século XVIII,

em outras partes do mundo, a saber, Haiti, Inglaterra, Estados Unidos, Chile, Bolívia,

México, entre outros, demorou a ser efetivado no país.

Nascido em uma sociedade escravista, suplantada pela mão de obra negra

africana, Eloy de Souza e sua família apresentavam distinção social e participação

política, sobretudo, por sua situação econômica. Membro de uma família abastada,

possuidora de escravos, Eloy de Souza ao que tudo nos indica não se via como negro, e,

também não era visto por seus aliados. No silêncio em relação a sua cor, percebemos a

sua não identificação com ela.

Page 37: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

34

FIGURA 02 – PAIS DE ELOY DE SOUZA

FONTE: ARQUIVO PESSOA DE REJANE CARDOSO.

FIGURA 03 – AUTA DE SOUZA

(IRMÃ)

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE

REJANE CARDOSO.

FIGURA 04 – HENRIQUE CASTRICIANO

(IRMÃO)

FONTE: ARQUIVO PESSOA DE

REJANE CARDOSO.

Page 38: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

33

Em sua carteira de trabalho Eloy de Souza é caracterizado como pardo e em suas

Memórias, quase inexiste a referência a sua cor. Percebe-se que sempre ao retratar os

membros de sua família, na maioria das vezes, ele se utiliza de termos como “mais escuro” ou

“moreno”. Uma das poucas, talvez única vez que Eloy faz menção a sua cor foi ao tratar das

revanches políticas ocorridas no ano de 1937. Acerca das disputas afirma,

[...] os que me não podem responder pensam injuriar-me aludindo a minha cor.

Saibam estes que a minha maior saudade e a minha maior admiração não são pelo

meu avô branco e rico, mas pelo que era preto e pobre, porque foi desde [sic] que

herdei a bondade dos fortes e a coragem estóica dos humildes. (SOUZA, E., 1975, p.

71 -72)

Neto de um ‘avô branco e rico’, e um ‘avô preto e pobre’, o que podemos ressaltar em

sua trajetória de vida é que a posição social de um e as relações sociais estabelecidas pelo

outro, sobressaíram-se aos possíveis entraves que a cor de sua família poderia lhes oferecer.

Bem como possibilitaram o ingresso de alguns dos membros dela na vida pública do Rio

Grande do Norte. De acordo com Lilia Mortiz Schwarz, “A percepção difusa e pouco

verbalizada parecia ser a de que não se era “negro para sempre”, até porque, muitas vezes,

ascender podia significar embranquecer” (SCHWARZ, 2017, p.26). Este foi o caso de sujeitos

como André Rebouças, Eloy de Souza e Lima Barreto, este último biografado pela autora.

Contudo, se sua mestiçagem não foi motivo de diferenciação entre seus aliados

políticos, os seus adversários não deixaram que ela passasse despercebida. A referência a sua

cor, é levada a termo em meio as disputas políticas no estado. Isto pode ser observado na obra

Itamar de Souza (2008), na qual relata “O ‘Caso do Molecote’”, ao fazer alusão as disputas

políticas entre os grupos norte-rio-grandenses, no período. O fato, ocorreu no ano de 1903,

durante o lançamento das candidaturas para as eleições na Câmara e Senado. Pleito político,

no qual Eloy de Souza participou como candidato a deputado federal pelo Partido

Republicano Federal (SOUZA, I., 2008, p. 243).

Uma vez lançada a chapa oposicionista Eloy de Souza teceu um comentário crítico

publicado no jornal A Republica, no dia 16 de fevereiro de 1903. Vale salientar que o órgão

era utilizado como veículo de expressão política de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão e

seus aliados políticos, entre os quais se enfileirava Eloy de Souza, como veremos mais

adiante.

A oposição formada por Amaro de Brito, capitão Francisco de Oliveira, José Ferreira,

Dr. Manuel de Souza e Augusto Leopoldo Raposo da Câmara, não tardou em revidar. Assim,

Page 39: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

34

Érico Solto, filho de Elias Souto aliado político dos opositores, escreveu um artigo violento,

atingindo pessoalmente Eloy de Souza. E, entre réplica e tréplica, o caso foi parar na justiça.

Eloy de Souza acusou judicialmente Érico Souto por injúria. Esse acabou sendo

condenado em unanimidade pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, que

de acordo com Itamar de Souza “naquela época estava repleto de desembargadores dóceis e

aquiescentes aos imperativos do senador-chefe", ou seja, aliados aos Albuquerque Maranhão.

Não aceitando a condenação, por se tratar de disputas “politiqueiras” (SOUZA, I., 2008, p.

245), Souto recorreu ao Tribunal Federal, sendo, por fim, absolvido. A vitória jurídica foi

comemorada e a oposição registrou sua conquista em prosa, publicadas pelo Diário do Natal,

em 20 de setembro de 1904. Nela Elias Souto, sob o pseudônimo de Zé Brasão, fazia

referência a Eloy de Souza nos versos que diziam “Moço preto é molecote” (SOUZA, I.,

2008, p. 247).

Além de transparecer as intrigas presentes nas disputas do campo político norte-rio-

grandense, o caso evidencia-nos a “percepção difusa” em relação a cor, existente àquela

época. O fato é que dependendo da situação em que estavam, os mestiços, como Eloy de

Souza podiam “mudar de cor”. Assim, fosse pela posição social do seu ‘avô rico’, ou pelas

relações sociais do seu ‘avô preto e pobre’, ou ainda pela participação econômica e política de

seu pai no estado, Eloy de Souza, teve oportunidades de ingressar na vida pública norte-rio-

grandense. Participação essa, efetivamente conquistada após seu ingresso na Faculdade de

Direito de Recife, como veremos no capítulo seguinte.

Nesta perspectiva a relação de Eloy de Souza com a política norte-rio-grandense vem

de “berço”, pois seu pai “muito cedo alistou-se nas fileiras do Partido Liberal do qual era

chefe o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.” (SOUZA, E., 2008, p.32) As relações

políticas e comerciais de seu pai o inseriram no espaço norte-rio-grandense, onde passou boa

parte da infância, mais precisamente em Macaíba. Foi também para esta cidade que Eloy de

Souza mudou-se, no ano de 1894, logo após a convocação de Pedro Velho, onde foi nomeado

delegado de polícia, durante a administração de do governador Ferreira Chaves (SOUZA, E.,

2008, p. 32). Fato que marcou inicialmente sua participação na vida pública no Rio Grande do

Norte.

Pedro Velho de Albuquerque Maranhão (1856-1907) era filho de Amaro Bezerra de

Albuquerque Maranhão e de Feliciana Maria da Silva Pedrosa e neto de Fabrício Pedroza.

Herdeiro de família rica, formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1881.

Casou-se com Petronila Florinda Pedrosa, sua tia e prima, filha do terceiro casamento de seu

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avô Fabrício Gomes Pedrosa com Luísa Florinda de Albuquerque Maranhão.16

Membro de família rica, cujos interesses firmaram-se em torno, principalmente, da

produção açucareira (ARRAIS, 2008, p. 67), foi um dos fundadores do Partido Republicano

do Rio Grande do Norte (PRRN) e tornou-se um forte articulador político no Estado.

Exercendo seu mando e gerando a aliança e admiração de vários correligionários como foi o

caso do nosso personagem, Eloy de Souza. Tendo sua imagem construída, na História do Rio

Grande do Norte, como o “organizador” do regime Republicano no Estado (BUENO, 2016,

p.15).

Pedro Velho foi um dos principais responsáveis pelo o domínio de sua família no Rio

Grande do Norte, nos anos iniciais do período republicano. A historiografia relaciona a

história dos Albuquerque Maranhão com a história do próprio Estado, pois assim fizeram seus

integrantes através dos discursos produzidos e da atuação política. Na obra de Tavares de

Lyra, a História do Rio Grande do Norte, o escritor e genro de Pedro Velho, afirma,

Todos aqueles que conhecem ou estudam a marcha ascensional da propaganda

democrática em nosso país, no período que vai do abolicionismo à República, sabem

que, no Rio Grande do Norte, a alma do movimento foi o dr. Pedro Velho, que

concluído o seu curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde deixou

entre os seus colegas justo renome pelo seu talento e pelo seu saber, se retirou em

1881, para a província, dedicando-se - inteiramente alheio às competições dos

partidos - à clínica e ao magistério. Parecia um indiferente; e, no entanto, era um

revoltado que se preparava na reflexão do estudo para descer oportunamente à liça,

honrando, pela sua ação patriótica, a memória inolvidável de seus antepassados

ilustres, que tinham tido Jerônimo de Albuquerque, no tempo da conquista, e André

de Albuquerque, na revolução de 1817, duas figuras máximas da história norte-rio-

grandense. (LYRA, 2008, p. 319)

Os discursos posteriores passaram a reforçar esse pensamento e cristalizar as conexões

estabelecidas por esta família com a própria história do aparelhamento do sistema republicano

estadual. Nas palavras de Itamar de Souza,

A história da sociedade nordestina e, particularmente do Rio Grande do Norte, está

marcada pela presença dessa família desde o início da Colonização. Só conseguimos

entender o peso dessa afirmativa, quando atentamos para as ramificações que a

família Albuquerque teve, ao longo de quatro séculos, com as famílias Cavalcanti,

16 Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930(Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual do CPDOC – FGV,endereço eletrônico: <http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/VELHO,%20Pedro.pdf>

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Melo, Arcoverde, Lins, Siqueira Cavalcanti, Holanda Cavalcanti, Lacerda, Rêgo,

Barros, Paes Barreto, Pires e outras. (SOUZA, 2008, P.159)

Ao longo da história dos Albuquerque Maranhão as “ramificações” foram sendo

realizadas e o fortalecimento do nome concretizado através de enlaces matrimoniais, alianças

e conchaves. Termos, que aliás, expressavam bem a dinâmica do campo político norte-rio-

grandense e brasileiro nos primeiros decênios da República. Pois, falar do mando político na

Primeira República é necessariamente falar de uma política dos grupos marcada pelo poder de

famílias, compadrio, mandonismo e nepotismo.

Assim, para podermos abranger estas relações que caracterizam o conjunto de práticas

política brasileira deste período, faz-se necessário compreender as especificidades de cada

espacialidade estudada. Em nosso caso a cultura política dos grupos e o poder no Estado do

Rio Grande do Norte e sua relação com a política nacional.

No caso norte-rio-grandense, notamos que o mando político estava nas mãos do que

chamaremos, aqui, de “Organizações Familiares”. Tomando emprestado o termo construído

pelo estudo já alinhavado por Renato Amado Peixoto (2010) no trabalho intitulado

“Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do

século XX”, no qual as nuances locais são apresentadas e analisadas através das alianças

familiares e políticas realizadas por intermédio de enlaces matrimoniais, ligações de parentela

e de afiliação concorrentes nas várias porções espaciais do Rio Grande do Norte e cujas

competições ficaram reproduzidas na elaboração da identidade e espacialidade estadual por

meio da geografia e da historiografia.

Uniões estas nem sempre estabelecidas por casamentos, mas por muitas vezes feitas

através de troca de favores políticos e afiliações como veremos ser o caso da relação

estabelecida entre Pedro Velho e Eloy de Souza. Utilizamos, aqui, desta concepção para

designar as estruturas políticas que articulavam e dominavam o poder do Estado no período.

Acreditamos que devemos observar as nuances locais para além do naturalismo adotado na

utilização do termo oligarquias, concepção genericamente utilizada para denominar os

detentores do poder político e econômico na primeira República.

O fenômeno político oligárquico foi analisado por Edgard Carone, sendo caracterizado

como um modelo de “governo baseado na estrutura familiar patriarcal” (CARONE, 1975,

p.269). Temos, portanto, o termo oligarquia como um conceito em torno da dominação

política de grupos restritos. Contudo, no caso específico do Brasil estes grupos são

orquestrados e dirigidos por o que chamamos de “organizações familiares”. Carone afirma

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37

ainda que apesar de terem as origens de seus poderes fundadas no Império, estas famílias

passaram a expandir sua dominação econômica e política durante o período republicano,

utilizando o discurso federalista e a máquina pública a seu favor (CARONE, 1975).

Neste pressuposto, dentro do período da Primeira República brasileira encontramos no

poder do Rio Grande do Norte, a “organização familiar” Albuquerque Maranhão, comandada

por Pedro Velho. Chefe e articulador político, que através do seu poder e de suas relações

políticas e sociais suscitou interesse em Eloy de Souza.

Eu não conhecia Dr. Pedro Velho nem sequer de vista. Mas do Recife acompanhei

suas campanhas no Rio Grande do Norte pela Abolição e pela República com todo

meu entusiasmo juvenil. Seus descendentes tinham em grande conta os méritos de

meu Pai, que iniciara sua vida comercial como aprendiz de guarda-livros na casa

comercial de Guarapes, fundada pelo major Fabrício Gomes Pedroza, que veio a ser

seu sogro e era seu avô. Por tais motivos a ele dirigi telegramas de calorosa

solidariedade política. [grifo nosso] (SOUZA, E., 2008, p.102)

De acordo com as Memórias, Eloy de Souza, mostrava-se interessado pelos

movimentos da política brasileira desde muito jovem. Acompanhou os discursos

abolicionistas de Joaquim Nabuco, em Recife, mesmo não tendo total conhecimento da causa.

“Verdade, verdade, eu não fazia ideia precisa do que fosse Abolicionismo. Muito pouco ou

quase nada sabia a esse respeito [...].” (SOUZA, E., 2008, p.86), mas com uma curiosidade

juvenil interessava-se pelo mundo da política. Sobre a propaganda republicana Eloy de Souza,

afirmou não ter muito para contar, pois não viu, nem ouviu os discursos de Silva Jardim, mas,

Meditando sobre este passado longínquo, tenho muitas vezes pensado que o desejo

de me queimar na fogueira política data daqueles dias gloriosos. Estes dias

chegaram sem solicitação minha, sem desejo sequer esboçado, quando o Dr. Pedro

Velho lembrou-se de atrair-me ao sacrifício. (SOUZA, E., 2008, p. 88)

“Liquide este bacharelato e dize à velhinha tua vó que se mude para o Rio Grande do

Norte, onde preciso de teus serviços.” (SOUZA, E., 2008, p.337), foram as palavras de Pedro

Velho ao então estudante de Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade do Recife, no ano de

1894. Eloy de Souza desde muito cedo mostrou-se interessado nas práticas e ideias políticas

do republicano norte-rio-grandense17.

17 O próprio Eloy de Souza em suas Memórias informa-nos e seu interesse em relação a política no RioGrande do Norte e a figura política de Pedro Velho, afirmando ter por diversas vezes revelado apoio através detelegramas as de tal figura política.

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38

Atendendo à convocação feita por Pedro Velho, ele, abandonou o curso de Ciências

Jurídicas e engajou em uma longa trajetória política no Rio Grande do Norte. Aos 24 anos,

Eloy passou a ter participação ativa na política do estado, ao lado de seu padrinho político,

Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Contudo, sua trajetória ultrapassa a existência dessa

figura e perdura diante as mudanças da dinâmica estadual. Passando pela ruptura política no

segundo governo de Ferreira Chaves (1914-1920), que afastou a “organização familiar” da

gerência do Estado, e nacional, com o advento da Revolução de 1930.

Como dito, Eloy de Souza recém-formado adentrou na política norte-rio-grandense.

Convém destacar que dentro da formação histórica da política brasileira a figura do político e

do intelectual estiveram imbricados por uma série elementos constitutivos dos grupos de

políticos e intelectuais, que a maioria das vezes tenderam a convergir em um único. Sérgio

Buarque de Holanda (1995) afirma que “Em quase todas as épocas da história portuguesa uma

carta de bacharel valeu quase tanto como uma carta de recomendação nas pretensões a altos

cargos públicos” (HOLANDA, 1995, p. 157). Tal prática foi trazida para o Brasil e refletida

em sua atividade política.

De um modo geral os sujeitos que tinham acesso ao capital cultural no Brasil àquele

período, tinham-no, justamente, por serem integrantes de uma classe mais abastada da

sociedade. Sujeitos aos quais a educação e a formação superior era possível, ou seja, é

coerente afirmar que os detentores do capital cultural e econômico, no Brasil, experienciavam

o mesmo espaço social (BOURDIEU, 1996).

No que se refere ao Rio Grande do Norte a intelectualidade era representada por

indivíduos que “[...] exibiam prestígio político ou força econômica ou ainda um saber técnico

que lhes permitia ocupar um lugar dentro da estrutura do Estado e, assim, num entrelaçamento

de funções, intervir nos rumos da cidade [...]” (ARRAIS, 2008, p.75) do Natal e do próprio

estado18.

No Brasil os cursos de direito, medicina e engenharia serviam como locais de

formação e sociabilização cultural e política para estes intelectuais. Dava-lhes visibilidade e

conhecimentos considerados importantes ao exercício da administração pública, ou seja, a

formação intelectual do sujeito ajudava a projetá-lo para o campo político (VENÂNCIO,

1972).

As faculdades de direito de São Paulo e do Recife, sendo esta última a que Eloy de

Souza frequentou, seriam essencialmente as escolas políticas, sociais e jurídicas que

18 Ademais para o aprofundamento das questões relativas a participação dos intelectuais na atuaçãopública estadual ver: NONATO, Raimundo. Bacharéis de Olinda e Recife: Norte-Rio-grandenses Formados de1832 a 1932. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1960.

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formavam futuros administradores para o Estado. Em maioria sujeitos que integravam

famílias ricas e que já exerciam forte participação política. Estes cursos, assim como os

jornais, partidos políticos e os institutos históricos, tornavam-se para estes intelectuais espaços

de convivência, sociabilidade, construção e reprodução conhecimento (GONTIJO, 2005).

Ambientes de aproximação e trocas de ideias.

A formação de grande parte destes intelectuais, portanto, estava envolta de discussões

políticas. Eloy de Souza, por exemplo, desde criança presenciou as atuações políticas do pai,

segundo ele: “Esta referência explica um pouco do meu interesse prematuro pela política. Já

nessa era remota ficava atento nas minhas idas e vindas do colégio às discussões travadas

entre passageiros do trem Arraial no ano de 1884, [...]” (SOUZA, E., 2008, p. 86). Ademais

em sua formação intelectual manteve o contato com a política, pois boa parte dos seus

professores, à época, possuíam engajamento político.

A intelectualidade brasileira, desta forma, estava ligada ao poder e utilizava-se deste

para a propagação de suas ideias19 e defesa de seus interesses. Em um período que o campo de

atuação para os intelectuais era limitado, o engajamento em agremiações políticas, jornais e os

cargos públicos eram as principais opções profissionais destes sujeitos.

Eloy de Souza, bem como outros intelectuais da época viam-se inseridos em uma rede,

um grupo “fechado”, mas atuante na sociedade. Pessoas que interferiam nas tomadas de

decisão políticas e falavam em nome de uma sociedade pouco instruída, em função de um

benefício pessoal e social do qual acreditavam serem porta-vozes. Sua atividade intelectual

esteve relacionada intrinsecamente as atividades jornalística e política. Muitas de suas ideias e

discursos foram publicados nos jornais e revistas da época e suas obras construídas através

das análises e conhecimentos adquiridos no exercício de sua função.

O papel de Eloy de Souza no Rio Grande do Norte será ditado, assim, por suas

aspirações intelectuais e políticas. Estas pretensões o colocaram em contato com Pedro Velho,

que tinha como perfil político a prática de cercar-se de aliados com conhecimento e

capacidade intelectual de levar à frente seus projetos e os planos do partido. Em resumo, o

que pudemos observar é que as trajetórias políticas e familiares de Eloy de Souza e Pedro

Velho entrecruzaram-se. E possivelmente este encontro tenha se dado por haver identificação

de ambas as partes, o primeiro pelo interesse pela política e, o segundo, pelo interesse

político.

19 Em 6 de agosto de 1900, o então governador Dr. Alberto Maranhão deu patrocínio a Lei Nº 145, queautorizava as administrações do Rio Grande do Norte a custear a impressão de trabalhos de intelectuais da terra,lei esta que foi mantida pelos governadores seguintes: Tavares de Lyra e Antônio de Souza. Para maioresinformações ver CÂMARA, Amphilóquio. Scenários Norte-Riograndenses (1923). SEBO VERMELHOEDIÇÕES. Natal, 2016. p.129-131.

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Os interesses interessados os fizeram correligionários, amigos e foi a partir desta

relação que Eloy de Souza ganhou espaço na política nacional, podendo presenciar e

vivenciar os acontecimentos e decisões políticas do período republicano. Na convivência Eloy

adquiriu grande estima por Pedro Velho, o qual considerava mais que um padrinho político,

um amigo e uma espécie de mentor. Afirmou ele, sobre Pedro Velho, na conferência realizada

no Palácio do Governo, publicada em 1909,

Devo-lhe ter por tal forma influído na minha formação mental e política, que um dos

meus maiores prazeres é recordá-lo numa visão sempre presente, de vida e atividade,

como hoje faço á passagem de mais um aniversário da A República, que foi minha

primeira tenda de trabalho e de contato com a valorosa gente norteriograndense.

(SOUZA, E., 1982, p. 61)

A relação de Eloy de Souza com Pedro Velho o insere nesta “organização familiar” e

será a porta de entrada para o acesso de nosso personagem as vivências e informações da

Primeira República, que, posteriormente, serão registradas em suas Memórias. Portanto, sua

identificação com o espaço norte-rio-grandense fez parte de sua escolha frente aos campos

possíveis de atuação e aos interesses deste sujeito que perpassaram também os interesses

múltiplos de poder dos diversos personagens envolvidos na trama política do Estado. Deste

modo, interessa para ao nosso estudo a produção realizada por Eloy durante as décadas

iniciais da República brasileira. Sendo, pois, neste período que principiou a sua atuação na

política norte-rio-grandense, bem como o momento em que produziu boa parte de seus

discursos que colaboraram para a construção da espacialidade e uma identidade nordestina.

Na medida em que defendia verbas para a resolução do problema das secas do

Norte/Nordeste e, se afirmava como um sujeito identificado com a vida do sertão, Eloy de

Souza, construía imaginariamente uma visão e uma perspectiva sobre a região na mentalidade

daqueles que apreciavam o seu discurso. Uma identidade imaginária, que segundo Cornelius

Castoriadis (1982) resultaria na formação da própria sociedade, pois de acordo com sua

perspectiva o imaginário “É criação incessante e essencialmente indeterminada (social-

histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se

de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos “realidade” e “racionalidade” são seus

produtos.” (CASTORIADIS, 1982, p. 14)

Assim, através da história que busca analisar as imagens produzidas por uma

sociedade, sendo estas não apenas imagens visuais, mas também discursivas, buscamos em

Eloy de Souza uma face desta construção imagética. Elaboração encontrada em sua forma de

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dizer e vivenciar politicamente o Rio Grande do Norte e defender os interesses deste através

de um projeto de desenvolvimento para os “estados seviciados pelas secas”. Nessa

perspectiva, Eloy de Souza constrói imaginária e discursivamente uma espacialidade

nordestina e uma identidade político-social de si. Em nosso estudo as espacialidades

vivenciadas e construídas discursivamente por ele, o Rio Grande do Norte e o recorte

Norte/Nordeste, tornam-se espaços também construídos imaginariamente através de seu

discurso, considerando que este é carregado de toda uma concepção e intencionalidade

(FOUCAULT, 1996).

Faz-se, portanto, importante observar o lugar de onde fala este sujeito e a que

concepções culturais, sociais e políticas ele esteve atrelado, ou seja o lugar social de sua

preleção. Convém-nos saber que Eloy de Souza fazia parte de uma elite econômica com forte

representatividade política, da qual se fez membro. Que viera ao Rio Grande do Norte aliado a

um grupo, de grande influência à época no estado, liderada por Pedro Velho e que fora

detentor de uma prática discursiva que atendia aos interesses dessa elite, do grupo político

nacional do qual fez parte, bem como de suas convicções pessoais.

Como podemos constatar, no decorrer de sua vida, Eloy de Souza entrou para a

política norte-rio-grandense através do apadrinhamento de Pedro Velho de Albuquerque

Maranhão. Construindo uma estreita relação e colaboração com este chefe político norte-rio-

grandense, ele teve como resultado a sua inserção no campo político local. Acontecimento

que irá possibilitá-lo a realizar uma série de posicionamentos e atuações político-sociais em

defesa deste Estado e dos interesses da região.

A proximidade com Pedro Velho colocou-o, também como atuante no cenário

nacional e em convivência direta com fortes articuladores políticos da Primeira República

brasileira. Eleito deputado federal à terceira Legislatura 1897-1899, em 20 de junho de 1897,

Eloy de Souza passou a fazer parte da rotina política republicana, e é deste lugar social que

adota uma visão sobre a política e o espaço norte-rio-grandense e nacional.

1.3 A REPÚBLICA PROCLAMADA NO RIO GRANDE DO NORTE.

Como toda gente sabe, a proclamação da República operou-se quase por um golpe

de mágica. Foi um golpe imprevisto a que o Povo, na frase de Aristides Lobo,

“assistiu bestializado”. Durante algum tempo a paz continuou a reinar em todo

território do Brasil [grifo nosso]. Os antigos presidentes foram transformados em

governadores. Suas assembléias legislativas após a promulgação da Constituição que

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traçou normas para eleições gerais e estaduais elegeram normalmente sues

representantes e o poder executivo. (SOUZA, E., 2008, p. 193)

O novo regime proclamado, em 15 de novembro de 1889, pelas mãos dos militares,

como bem se sabe, chegou sem a participação popular e não trouxe grandes mudanças sociais.

Nas palavras de Eloy de Souza o regime recém instaurado chegou sem perturbar o “ritmo do

passado” (SOUZA, E., 2008, p. 193). Um “golpe de mágica” realizado claramente por

interesses e articulações políticas.

A dinâmica política local e nacional foi aos poucos estabelecida, os interesses vigentes

defendidos e as questões mais sérias “[...] resolvidas da maneira mais conveniente à

expectativa dos políticos mais credenciados” (SOUZA, E., 2008, p. 193). Na medida em que

os debates sobre a organização do novo regime surgiam, as alianças, os conchavos e as

indicações políticas foram sendo instituídas.

À época da proclamação da República brasileira, Eloy de Souza estudava em Recife,

de onde acompanhou as agitações. Ingressando na política apenas após a convocação feita

pelo chefe do PRRN, Pedro Velho. O Partido Republicano do Rio Grande do Norte foi

fundado em 27 de janeiro de 1889, alguns meses antes da Proclamação da República, por

Pedro Velho d’Albuquerque Maranhão (CASCUDO, 2010, p. 464). O representante da

“Organização Familiar” Albuquerque Maranhão, foi também o responsável por anunciar o

Novo Regime no Estado e instaurá-lo.

Vários autores versaram e estudos foram produzidos acerca do período, alguns dos

quais apresentaram o que caracterizamos anteriormente, como discursos construtores de uma

memória política norte-rio-grandense. Tais falas tendem a uma linha interpretativa que vê o

movimento republicano como parte de um processo inevitável da política e da sociedade

brasileira no final do século XIX e início do século XX. Nestes discursos a inevitabilidade do

“progresso” era vigente e o regime foi instaurado com “paz” e naturalidade. Narrativas que

colocam Pedro Velho como um elemento crucial no processo, atrelando sua figura a de um

herói da República norte-rio-grandense.

Nesta perspectiva Eloy de Souza, afirmou que o “chefe político”

Não visou à consolidação propriamente partidária porque, evidentemente, quando

atingiu esta culminância já era chefe onímodo da política do Estado desde o Seridó

até às fronteiras do Estado do Ceará. Por que motivo e também pela compreensão

que nele madrugou no tocante às necessidades e à marcha ajustada dos negócios do

Estado, foi buscar para o exercício dos cargos administrativos conterrâneos os mais

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competentes, embora adversários. (SOUZA, E., 2008, p. 334)

Tavares de Lyra, por sua vez, registrou que

Estabelecido o regime republicano, dissolveram-se os antigos partidos,

congregando-se em torno e sob a direção de Pedro Velho as maiores influências

políticas e eleitorais da ex-província. Dele só ficaram afastados alguns dos

elementos que tinham acompanhado Amaro Bezerra nos últimos tempos ou aqueles

a quem incompatibilidades pessoas com representantes em evidência da nova

situação impediam uma aproximação imediata. (LYRA, 2008, p. 328-329)

Faz-se importante salientar que dentro do campo político as alianças e as ações dos

homens não devem ser simploriamente categorizadas como heroísmo ou vilania. O que temos

são sujeitos dentro de uma dinâmica política na qual circundam interesses, sejam particulares

ou de grupos, que devem ser analisados dentro da sua estrutura. Portanto, longe de

desconsiderar a importância dos registros e das ações ministradas por tal político norte-rio-

grandense, ou de sua “organização familiar”, o que procuramos explicitar é a discussão acerca

destas obras. Bem como suscitar um diálogo acerca das revisões já elaboras sobre este

período. Movimento de grande importância à compreensão do campo político norte-rio-

grandense.

“O regime republicano foi proclamado em Natal às quatro horas da tarde de 17 de

novembro de 1889 [...]” (CASCUDO, 2008, p.29), por Pedro Velho de Albuquerque

Maranhão. O líder do PRRN passou, assim, a fazer parte de um restrito grupo, composto por

figuras políticas que articulavam o futuro administrativo do país, através da escolha dos

candidatos aos governos dos Estados e a presidência da República. Estes últimos escolhidos a

maioria das vezes dentre os “republicanos históricos”. Pedro Velho, logo conviveria com as

grandes figuras do mundo político brasileiro. Aliado a sujeitos como o general Pinheiro

Machado20, “um dos orientadores da política nacional” (SOUZA, E., 2008), José Bernardo e

Manoel Vitorino21. Posição alcançada, mas não sem antes passar por um período de

20 Pinheiro Machado participou ativamente do cenário político brasileiro, chefe do Partido Republicanodo Rio Grande do Sul.21 José Bernardo de Medeiros, conhecido como bispo do Seridó, integrou-se, na Proclamação daRepública, ao Partido Republicano do Rio Grande do Norte, chefiado pelo o líder republicano Pedro Velho deAlbuquerque Maranhão. Com a convocação das eleições para o Congresso Nacional Constituinte, em 15 desetembro de 1890 foi eleito senador na legenda da agremiação; Manuel Vitorino assumiu a secretaria dodiretório do Partido Liberal na Bahia, em abril de 1885. Foi empossado como governador do mesmo estado em23 de novembro. Em 1891, ocupou uma cadeira no Senado Federal, na vaga aberta pela renúncia de JoséAntônio Saraiva. A partir de então, aproximou-se do grupo político do vice-presidente Floriano Peixoto,afastando-se de Rui Barbosa, que lhe fazia oposição. Em 1893 participou ativamente da reunião de fundação doPartido Republicano Federal (PRF), o primeiro partido criado com o objetivo de obter representatividade

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instabilidade registrado durante o processo de transição política.

Como afirmou Itamar de Souza,

A instabilidade política do novo regime transformou cada província num carrossel

de governadores nomeados e, logo depois, substituídos. Dentro desse contexto

político, Pedro Velho, qual marinheiro navegando em mar revolto, fez tudo para

conquistar o timão do poder. (SOUZA, I., 2008, p. 157)

Na contramão desta visão de instabilidade política, Tavares de Lyra, afirma que a

proclamação da República no Estado deslizara sem grandes agitações e, assim, permaneceu

até à eleição indireta do primeiro presidente da República realizada, em fevereiro de 1891

(LYRA, 2008, p. 329). O autor da primeira obra sobre a História do Rio Grande do Norte

trouxe em seu discurso uma perspectiva que, como já afirmamos, foi partilhada por outros

autores como Rocha Pombo e o próprio Eloy de Souza. Faz-se importante salientar, ou

melhor, elucidar as relações, bem como o lugar da fala de Tavares de Lyra.

Augusto Tavares de Lyra (1872- 1958) era natural de Macaíba, filho de Feliciano

Pereira de Lira Tavares e de Maria Rosalina de Albuquerque Vasconcelos de Lira Tavares.

“Aluno do colégio do Dr. Pedro Velho, diretor de métodos revolucionários naquele tempo, ali

se conduziu calmo, metódico, aplicado e por tais qualidades ficou vivo na memória dos

professores.” (SOUZA, E., 2008, p. 324-325). Estudou à mesma época de Eloy de Souza na

Faculdade de Direito do Recife e logo após sua formação, por sugestão de Pedro Velho,

habilitou-se em concurso para a cadeira de História do Ateneu22, na qual lecionou. Foi

governador do Estado em 1889 -1890 e 1892 - 1896, deputado federal de 1891 a 1892 e 1896;

senador de 1897 a 1907 e ministro no governo de Afonso Pena.

O “segundo bem amado do Dr. Pedro Velho” (SOUZA, E., 2008, p. 324), tornou-se

seu genro ao casar com Sofia Eugênia de Albuquerque Maranhão, filha do “grande chefe

político”. Era formado pela Faculdade de Direito de Recife e como Eloy de Souza e muitos

outros da época atuou como jornalista, político e intelectual. Tavares de Lyra foi membro do

Instituto Histórico e Geográfico Nacional, do qual recebeu a incumbência de escrever sobre a

história, a geografia e a etnografia do Rio Grande do Norte. Pesquisa que terminou

transformando-se na obra “História do Rio Grande do Norte” (ROCHA, 2009, p.03). Sua

nacional. Informações fornecidas pelo Dicionário histórico-biográfico da Primeira República, produzido peloCentro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas(CPDOC-FGV), versão on-line, 2010.22 Carta de Eloy de Souza à Manoel Rodrigues. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RioGrande do Norte, v. 52. p. 46 -50.

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História do Rio Grande do Norte, que aborda o período colonial ao início do período

republicano, buscou legitimar a participação da “organização familiar” a que estava atrelado,

na formação do província e desenvolvimento do estado. Para tanto Tavares de Lyra utilizou-

se do próprio testemunho, visto seu posicionamento privilegiado, para favorecer a escrita,

dando-lhe uma a ideia de verdade absoluta.

Integrante da “organização familiar” Albuquerque Maranhão, membro do PRRN,

Tavares de Lyra, registrou a ideia de uma República implantada de forma quase que natural.

Deixando de lado a efervescência política e os impasses da instauração do Novo Regime no

Estado. Ele afirmou que após a criação do Partido Republicano, “[...] os efeitos do movimento

iam se manifestando a cada passo” (LYRA, 2008, p. 324). Dentro dessa mesma linha de

interpretação Rocha Pombo afirmou que,

[...] a proclamação da República na capital do paiz não foi, portanto, uma surpresa

ali senão para os incrédulos que viviam desapercebidos na comodidade das posições

e dos empregos. Naturalmente houve espanto geral e, até entre os próprios

republicanos, diante de um acontecimento que não se julgaria tão propinquo. Mas o

directorio de Natal não se deixou immobilizar de susto, como aconteceu em muitas

províncias, onde só elemento militar tomou atitude decisiva. (POMBO, 1921, p.458

-459)

José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933), autor da segunda “História do Rio

Grande do Norte”, era natural de Morretes no Paraná, apesar de não ter concluído o ensino

superior foi autor de muitos trabalhos. Professor, político, historiador, poeta, jornalista,

também foi membro do IHGB. Rocha Pombo redigiu uma “História do Rio Grande do

Norte”, sob encomenda do Governo do Estado, no mesmo ano que Tavares de Lyra.

Podemos nos questionar: porque escrever duas Histórias do Estado, em um mesmo

ano? A resposta à esta questão está nas disputas políticas locais. Primeiramente, é preciso

saber que a ideia da escrita de uma História do Rio Grande do Norte, fazia parte de um plano

traçado pelo IHGB, no qual cada estado deveria apresentar sua própria história, em razão dos

preparativos para a comemoração do centenário da Independência (GALVÃO, 1959, p.75).

Neste movimento, Tavares de Lyra, membro do Instituto e da “organização familiar”

Albuquerque Maranhão, formulou sua obra. Composta pelas “Notas históricas sobre o Rio

Grande do Norte”, um conjunto de informações pesquisadas sobre o Estado para a Questão

Grossos23, somadas a outros documentos levantados com a ajuda de Vicente Lemos, Antônio

23 Estas Notas, foram fruto de um trabalho Tavares de Lyra e Vicente Lemos, os quais foram incumbidosda pesquisar e adquirir documentos para a defesa dos interesses estado na disputa territorial com o Ceará pela

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de Souza, Antônio Soares e outros (GALVÃO, 1959, p. 75). Contudo, "[...] político em plena

ascenção, encontrava-se nesse tempo em oposição, e o govêrno queria fazer sua própria

história, convidando Rocha Pombo, historiador eminente, autor de uma notável história do

Brasil em seis volumes"(GALVÃO, 1959, p.75). A posição política referida no trecho, deu-se

devido o rompimento de Joaquim Ferreira Chaves, com os Albuquerque Maranhão, em seu segundo

mandato como Governador do Estado, nos anos de 1914 a 1920. Tavares de Lyra afirmou que,

Ao publicar o primeiro volume das “Notas Históricas”, não me animava o propósito

de escrever uma história completa do Estado. Outros que a escrevessem. Meu

objetivo era mais modesto: evitar que se perdesse o material que acumulara em

penosas pesquisas. Modifiquei-o por motivos supervenientes. Pouco antes da

publicação daquelas <<Notas>> me desligara do situacionismo local e a alguém,

dominado pelo espírito partidário, pareceu que a mim, oposiciónista, não devia

pertencer, ainda que cronologicamente, o título de primeiro historiador do Estado

[...]. O caso foi discutido em rodas oficiaes, e como consequência, comvidado Rocha

Pombo para preparar, às pressas, uma história da ex-província. Dêle informado,

resolvi encarregar-me de trabalho de idêntica natureza que me fôra solicitado pelo

Instituto Histórico Brasileiro. E puz mãos à obra, refundindo minhas produções

anteriores e adicionando-lhes subsídios novos, adquiridos, aqui e ali, com paciência

de beneditino. Publicado, em 1921, o livro, - História do Rio Grande do Norte

- ,que tem mais de oitocentas páginas impressas, ofereci um exemplas a Rocha

Pombo, meu amigo de muitos anos. Deu-me suas impressões de leitura, em longa e

honrossissima carta, cujo fecho é êste: <<uma obra definitiva>>. Exagêro de sua

bondade, pois nela há enganos e imperfeições que eu mesmo corrigiria, si pudesse

publicá-la em edição revista e aumentada... (LYRA, 1951, p. 19-20)

Assim, obra de Tavares Lyra não se trata apenas de uma construção narrativa sobre a

história norte-rio-grandense. Trata-se, sobretudo, de uma autoafirmação da participação e do

poder político dos seus pares no desenvolvimento e na história do Estado. Ou seja, ao relatar

os acontecimentos republicanos, ele também mostrava a história exitosa do seu partido, do seu

grupo. De acordo com Tavares de Lyra, Rocha Pombo teve contato com a obra, antes de ter a

sua publicada. Podemos, portanto nos questionar o quanto ele fora influenciado por ela e o

quanto as informações levantadas pelas “Notas” de Tavares de Lyra, fizeram-se presentes em

seu trabalho. Não há como precisar tal influência, mas diante dos indícios relativos aos tons e

similaridades presentes nos discursos esta hipótese não pode ser descartada.

porção de terra que se estendia da atual fronteira do estado do Ceará até a cidade de Grossos, no Rio Grande doNorte.

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Distante das disputas políticas em torno da primeira História do Rio Grande do Norte,

mas não alheio a política norte-rio-grandense, Luís da Câmara Cascudo, nos dá uma outra

visão sobre o processo de mudança de regime governamental. Vale ressaltar que a relação de

Cascudo com a política do Estado, ou melhor com o grupo político Albuquerque Maranhão,

vem, assim como a de Eloy de Souza da influência de seus pais.

Francisco Justino de Oliveira Cascudo e Ana Maria da Câmara Pimenta, nativos da

vila de Campo Grande, interior do Rio Grande do Norte, pais de Luís da Câmara, mudaram-se

para Natal no início da década de 1890. Ao chegarem a cidade aproximaram-se da

“Organização Familiar” que administrava o governo e geria a economia local (SALES NETO,

2009). Essa proximidade rendeu a Francisco Cascudo, por diversas vezes, cargos públicos,

como o de alferes do Batalhão de Segurança do Estado, em 1892. No ano de 1898, ano de

nascimento de Luís da Câmara Cascudo, a relação entre sua família e os Albuquerque

Maranhão já eram bem estreitas (SALES NETO, 2009).

Nessa perspectiva, assim como Tavares de Lyra e Eloy de Souza o espaço de

sociabilidade, bem como lugar social de fala de Câmara Cascudo estavam diretamente

relacionados a cultura política deste grupo. De acordo com Renato Amado Peixoto,

Os historiadores posteriores, dos quais Luís da Câmara Cascudo é o de maior

relevância, receberam a influência e/ou repetiram os principais temas da narrativa

fundada por Tavares de Lyra a partir dos interesses aos quais se coligavam.

Organizações estaduais instituídas e coligadas com o arranjo político como o

IHGRN possibilitaram a produção, construção, disseminação e reelaboração do

discurso historiográfico (PEIXOTO, 2012, p. 11-36)

Assim, por diversas vezes em seus discursos, Câmara Cascudo reitera o que havia sido

dito pelos outros autores, sobretudo, no que se refere construção da figura de Pedro Velho

como o articulador da República no estado. Afirma ele,

A Comissão Executiva parecia gabinete de Ministros. Os membros eram as criaturas

mais sérias, circunspectas e cultas da época. Mostravam a habilidade de Pedro

Velho, congraçando os conservadores, republicanos mais íntimos e liberais não-

amaristas.

Amaro Bezerra era o único inimigo interno capaz de enfrentar, pela astúcia, o jovem

Presidente aclamado que se tornou a seguir Governador. (CASCUDO, 1995)

Assim, ele também procura fazer uma construção narrativa ligada a “organização

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48

familiar” Albuquerque Maranhão, apropriando-se por vezes de parte da obra de Tavares de

Lyra, do qual foi leitor. Contudo, ao escrever a História da Cidade do Natal, em 1947, o autor

mostra-nos parte dos impasses políticos que ocorreram pós-Proclamação e antes da

instauração do regime no Estado. Cascudo escreve,

A 16 de novembro, 24 horas depois do Brasil ser uma República, Umbelino Freire

de Gouveia Melo, liberal amarista, então no Recife, recebeu um telegrama do dr.

Amaro Bezerra comunicando a vitória da revolução militar e aconselhando-o a

aderir e fazer com que os amigos aderissem. Umbelino retransmitiu o telegrama para

Antônio Basílio, vice-presidente em exercício. Não faltou quem sugerisse a Antônio

Basílio dar o golpe nos republicanos históricos. Consistia a manobra em fazer

proclamar a República por um correligionário liberal menos visado. Afastaria dos

postos administrativos o grupo de Pedro Velho.” [Grifo nosso] (CASCUDO, 2010,

p. 465)

O quadro é que nos dias 16 e 17 de novembro de 1889 ainda haviam muitas incertezas.

José Murilo de Carvalho referindo-se aos momentos que sucederam a proclamação da mais

nova República no Rio de Janeiro, afirmou: “Pela expectativa despertada, pelas lutas a que

deram início e mesmo por razões diretamente vinculadas à política, os primeiros anos da

República foram de repetidas agitações e de quase permanente excitação para os

fluminenses.” (CARVALHO, 1987, p.22).

Não longe dessa realidade, no Rio Grande do Norte pairava uma certa dúvida sobre

quem tomaria posse do governo do Novo Regime no Estado. De acordo com Câmara

Cascudo, o padre João Manuel havia procurado o Aristides Lobo, ministro da pasta do

Interior, requerendo os direitos de dirigir a política republicana local. Ato que foi impedido

pelo prestígio de José Leão Ferreira Souto, que intercedera pelo PRRN.

Souto era companheiro de chapa de Pedro Velho e para ele conseguiu um telegrama

do ministro, ordenando que fosse o chefe do PRRN a assumir o governo em Natal

(CASCUDO, 2010, p. 466). No entanto, Pedro Velho não foi o único a receber um telegrama

a este respeito. Filipe Bezerra Cavalcanti, também havia sido notificado, por Benjamim

Constant, ou por Floriano Peixoto, Cascudo não informa precisamente.

O fato é que, Cavalcanti autorizado a tomar o poder, ofereceu o posto à José Paulo

Antunes, que desconfiado recusou (CASCUDO, 2010, p. 466). É bem verdade que a

desconfiança sobre a consistência do movimento republicano e sua instauração ainda pairava

no ar. Existia um receio de resistência e represálias do Antigo Regime, que não ocorreram.

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Movidos por cautela alguns políticos aguardaram.

Assim, mesmo após ter recebido o telegrama de Aristides Lobo, Pedro Velho, não

assumiu de imediato o governo. Não sem antes consultar alguns líderes políticos. No entanto,

para a surpresa de seus correligionários, buscou conselho com “conservadores decaídos e

liberais”. O que já demonstrava os traços e sua forma de articulação política.

Não consultando “os poucos republicanos que haviam na capital” (CASCUDO, 1965,

p.209), Pedro Velho buscava apoio para instituir as bases de seu governo. O “organizador do

governo do Rio Grande do Norte” (SOUZA, E., 2008, p. 334), como bem veio a destacar

Lindoso “Compôs o seu secretariado com elementos que representavam facções dos Partidos

Liberal e Conservador e alguns republicanos mais ligados pessoalmente, como seu primo,

João Avelino Pereira de Vasconcelos, e fez alianças com os grandes “coronéis” do Seridó e

do Oeste do Estado, firmando, assim, bases eleitorais seguras” (LINDOSO, 1992, p.09).

A tática política de Pedro Velho era de agregar forças que pudessem ser úteis na

construção de uma base aliada forte. Assim, finalmente, na tarde do dia 17 de novembro de

1889, Pedro Velho compareceu ao palácio, onde foi “aclamado Presidente e não Governador

pelo Capitão dos Portos” (CASCUDO, 2008, p.30), Filipe Cavalcanti. Apesar de passadas as

confusões sobre o momento oficial de instauração do Novo Regime, a instabilidade política

não havia chegado ao fim. Podemos ter uma breve noção desta inconstância política,

observando o quadro abaixo, construído a partir das informações fornecidas por Itamar de

Souza, em sua obra intitulada “A República Velha no Rio Grande do Norte: 1889 – 1930”,

2008.

QUADRO 01 - GOVERNADORES DO RIO GRANDE DO NORTE – RN (1889 A 1930)

ANO PERÍODO GOVERNADORES

1889 17/11/1889 à 06/12/1889 Pedro Velho de Albuquerque Maranhão

1889 – 1890 06/12/1889 à 08/02/1890 Adolfo Afonso da Silva Gordo

1890

08/02/1890 à 10/03/1890 Jerônimo Américo Raposo da Câmara

10/03/1890 à 19/09/1890Joaquim Xavier da Silveira Junior

VICE: Pedro Velho19/09/1890 à 08/11/1890 Pedro Velho de Albuquerque Maranhão08/11/1890 à 07/12/1890 João Gomes Ribeiro07/12/1890 à 03/03/1891 Manoel do Nascimento Castro e Silva

1891

03/03/1891 à 13/06/1891 Francisco Aminitas da Costa Barros

13/06/1891 à 06/08/1891José Inácio Fernandes Barros (vice-governador

eleito que tomou posse pela ausência do governadoreleito Almeida Castro.

06/08/1891 à 09/09/1891Francisco Gurgel de Oliveira (segundo vice-

governador)09/09/1891 à 28/11/1891 Miguel Joaquim de Almeida Castro

1891 – 1892 28/11/1891 à 22/02/1892 JUNTA GOVENRATIVA: Col. Francisco da Lima

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e Silva, Manoel do Nascimento Castro e Silva eJoaquim Ferreira Chaves.

1892 – 1895 28/02/1892 à 25/10/1895 Pedro Velho de Albuquerque Maranhão1896 – 1900 25/03/1896 à 25/03/1900 Joaquim Ferreira Chaves1900 – 1904 25/03/1900 à 25/04/1904 Alberto Maranhão1904 – 1906 25/04/1904 à 05/11/1906 Augusto Tavares de Lyra1906 – 1907 05/11/1906 à 23/02/1907 Manoel Moreira Dantas (vice-governador)1907 – 1908 23/02/1907 à 25/03/1908 Antônio José de Melo Souza1908 – 1913 25/03/1908 à 31/12/1913 Alberto Maranhão (segundo governo)1914 – 1920 01/01/1914 à 01/01/1920 Joaquim Ferreira Chaves (segundo governo)1920 – 1923 01/02/1920 à 31/12/1923 Antônio José de Melo Souza (segundo governo)1924 – 1928 01/01/1924 à 01/01/1928 José Augusto Bezerra de Medeiros1928 – 1930 01/01/1928 à 05/10/1930 Juvenal Lamartine

FONTE: ELABORADO PELA AUTORA (2018)

Neste quadro observamos a grande rotatividade, no governo do Estado norte-rio-

grandense, nos dias que sucederam a implantação da República. Deixando-nos claro a

situação política no processo de transição da forma de governo. Da proclamação, passando

pela a eleição do primeiro Presidente até a posse do vice Floriano Peixoto, as forças políticas

norte-rio-grandenses ainda buscavam arranjar-se no poder do Estado.

Eloy de Souza afirmou que, “Da enumeração dos nossos governadores da Velha

República até o dissídio que deu causa à inauguração de uma nova política, o primeiro que

deles foi o Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, eleito pelo Congresso do Estado em

fevereiro de 1892.” (SOUZA, 2008, p. 334) Contudo, pelas informações levantadas o

primeiro governo de Pedro Velho ocorrera na verdade em 1889, e em sua primeira ação como

governador deixou de fora da Comissão Executiva que o auxiliaria a governar o Estado e por

ele mesmo convocada, os “republicanos históricos” (SOUZA, I., 2008, p. 297). Nesta

Comissão nomeou para

Relações Exteriores - Dr. José Brandão Castelo Branco;

Interior - coronel José Bernardo de Medeiros;

Justiça - Dr. Francisco Amintas da Costa Barros;

Agricultura, Comércio e Obras Públicas - João Avelino Pereira de Vasconselos;

Fazenda - Luís Emídio Pinheiro da Câmara;

Guerra - capitão Felipe Bezerra Cavalcanti;

Marinha - capitão-tenente Leôncio Rosa. (SOUZA, I., 2008, p. 297)

Portanto, em seu primeiro governo, que durou apenas 19 dias, Pedro Velho procurou

cercar-se de antigos adversários políticos, o que lhe deu força, mas também abriu margens a

formação de novas oposições políticas. Porém, antes mesmo de dar prosseguimento ao seu

projeto político, “o proclamador da República norte-rio-grandense”, foi substituído por

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Adolfo Afonso da Silva Gordo (SOUZA, I., 2008, p. 300), dando início a um período de

grande rotatividade no Governo deste Estado.

Observarmos que no primeiro ano da República, de novembro de 1889 a dezembro de

1890, o Rio Grande do Norte possuiu sete governadores e mesmo após da eleição de Deodoro,

primeiro Presidente de República, a instabilidade permaneceu, contrariando os discursos

memorialísticos como o de Tavares de Lyra, Rocha Pombo e Eloy de Souza.

A continuidade do quadro de inconstância política no Estado, em parte deu-se como

reflexo das posições políticas tomadas por Pedro Velho e José Bernardo, à época senadores da

República. No pleito eleitoral de 1891, referente a escolha do primeiro Presidente da

República, para a surpresa dos partidários norte-rio-grandenses (CASCUDO, 1965, p. 170-

171), ambos votaram em Prudente de Morais, ao invés de Deodoro da Fonseca para o cargo.

Fato que causou intenso estremecimento das relações dos políticos locais com o Governo

Federal.

Segundo Câmara Cascudo, não haviam indícios nos periódicos da época que

apontassem para tal posicionamento político por parte destes representantes do PRRN. Sobre

o jornal, de propriedade de Pedro Velho, ele afirma que “A República, expressão tradicional

dos "históricos", verbo de Pedro Velho e solidariedade de José Bernardo, não dissentia dêsse

modo de entender. Estava absolutamente cônscia de seus deveres propagandista exaltando

Deodoro, cuja espada pesara à monarquia vacilante..." (CASCUDO, 1965, p. 168).

Porém, na votação do dia 25 de fevereiro de 1891, “Dos sete membros da bancada

federal, apenas Pedro Velho e o senador José Bernardo de Medeiros haviam de fato votado

em Prudente de Morais.”(BUENO, 2016, p.139) Na análise realizada por Almir Bueno, a

atitude do chefe do PRRN deveu-se a sua aproximação com poderosos representantes do

Partido Republicano Paulista (PRP) (BUENO, 2016, p.140). Assim, tal postura na eleição

presidencial teria sido um reflexo de seu alinhamento político com o PRP. Aliança, que havia

sido estabelecida com Francisco Glicério24 e Moraes de Barros25, com os quais Pedro Velho

obteve contato em suas viagens ao Rio de Janeiro, no período do Governo Provisório.

Em suas visitas à cidade para tratar de assuntos relativos as destituições dos

24 Francisco Glicério de Cerqueira Leite, conhecido como general Glicério, era Deputado Federal eSenador pelo Estado de São Paulo. Membro do Partido Republicano Paulista (PRP), intencionava a criação deuma agremiação Federal, juntamente com Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva, Prudente de Morais, ManuelVitorino e Júlio Mesquita. Contudo, o Partido de começou como Partido Republicano Constitucional (PRC),fundado no Rio de Janeiro em julho de 1893, não teve continuidade e desfez-se em 1897. Informações retiradasdo Dicionário da República. CPDOC. Encontradas no endereço eletrônico:<http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeirarepublica/GLIC%C3%89RIO,%20Francisco.pdf>25 Manuel de Morais Barros, irmão do ex-presidente Prudente de Morais e membro do PRP. Informaçõesretiradas do Dicionário da República. CPDOC. Encontradas no endereço eletrônico:<http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/BARROS,%20Morais.pdf>

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governadores nomeados para o Rio Grande do Norte, Pedro Velho, percebera que só poderia

consolidar seu poder e de sua “organização familiar”, no Rio Grande do Norte, se obtivesse

apoio e estivesse alinhado as forças de atuação Federal.

Pedro Velho e José Bernardo, no entanto, deram “como uma das razões para o voto

em Prudente o protesto contra “a falta de orientação republicana nas altas regiões

governamentais” (BUENO, 2016, p.36). Devido ocorrido só no ano de 1891 o Estado do Rio

Grande do Norte possuiu 4 governadores. Deodoro da Fonseca “[...] em represália pelo voto

de Pedro Velho e José Bernardo a Prudente, nomeou novo governador, foi ao juiz aposentado

Amintas Barros e aos ex-Conservadores da Botica que entregou o poder, [...]” (BUENO,

2016, p.164).

O ano atribulado de 1891 encerrou-se com uma Junta Governativa no poder, que por

fim optou por entregar o governo nas mãos de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. A

partir de então, este político ganhou forças na propagação do poder de sua família no Estado.

Porém, não estava inteiramente livre da instabilidade política, havendo em seu governo uma

forte possiblidade de intervenção federal por parte do então presidente, Floriano Peixoto.

Resquícios dos embaraços causados por sua posição política na primeira escolha presidencial.

(SOUZA, I., 2008, p. 308).

Diferente do que consta nos relatos de Eloy de Souza sobre o governo de Pedro Velho

(1892 – 1895), as informações fornecidas por Cascudo e Itamar de Souza, são de uma

administração que passou por forte instabilidade política. Os reveses ocorreram no âmbito

local e nacional. No Estado do Rio Grande do Norte o impasse político dera-se em torno da

indicação do irmão Augusto Severo, para a vaga que deixara na Câmara dos Deputados. José

Bernardo, antigo aliado, exigira a pasta para um de seus correligionários, Januário da

Nobrega. Pedro Velho recusou. Como resultado houve um “rompimento” (CASCUDO, 1965,

p.221-229) dentro do PRRN.

Ao passo dos problemas internos referente as indicações políticas, Pedro Velho, pelo

mesmo motivo enfrentavam dissídios com o presidente Floriano Peixoto. Segundo Cascudo,

Floriano nunca pôde ver Pedro Velho com os olhos da amizade. Não o viu também

com os do ódio. Em caso contrário, apesar de tôda a coragem do político norte-rio-

grandense, não seria êle entidade impossível de ser deposta como o Marechal fizera

aos dezenove presidentes.... (CASCUDO, 1965, p.230-231)

Contudo, o posicionamento político de Pedro Velho o colocara em desavença com o

administrador federal, tendo negado os pedidos do Presidente para indicações de cargos

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políticos, o chefe norte-rio-grandense colocou-se em uma situação bastante delicada, sofrendo

inclusive a possibilidade de deposição do cargo de Governador do Estado.

O primeiro passo em direção da animosidade entre Pedro Velho e Floriano Peixoto,

proviera das nomeações para o Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, no ano

de 1892. Por ocasião o presidente, indicara o nome do desembargador Lourenço Justiniano

Tavares de Holanda, seu afilhado. Nome que fora recusado por Pedro Velho, pois, já havia

convidado um amigo, para o cargo (CASCUDO, 1965, p.231). Na realidade Pedro Velho, não

apenas recusara o nome proposto, por já haver prometido a outro, mas principalmente por

Justiniano Holanda pertencer a oposição. E ademais, por este ter denunciado, no pleito de

1891 para a escolha do Congresso estadual, as irregularidades realizadas pela “organização

familiar” Albuquerque Maranhão. Sendo por este motivo perseguido, transferido e processado

pelos pedrovelhistas (BUENO, 2106, p. 184-185).

Ao negar o “favor” ao Presidente da República, Pedro Velho colocou-se em uma

situação política delicada. Segundo Cascudo, após o ocorrido, iniciou-se por parte de Floriano

Peixoto uma verdadeira “[...] guerra-de-alfinetes. Pedia nomes de "amigos" para a Guarda

Nacional. Pedro Velho mandava uma lista. Floriano nomeava-os todos numa semana e na

outra demitia-os com uma naturalidade deliciosa..." (CASCUDO, 1965, p. 231). Aos poucos

as forças locais opositoras, configuradas pelos seridoenses José Bernardo e Amaro Cavalcanti,

e forças nacionais, orquestradas pelo Presidente da República, foram aproximando-se, no

intuito combativo antipedrovelhista. Contudo, Pedro Velho tentou garantir-se no poder e em

julho de 1892 enviou uma carta oferecendo “ao vice-presidente “máxima lealdade”, tentando

afastar o fantasma da intervenção federal, ao apelar a Floriano para que este reafirmasse seus

intuitos não intervencionistas ao comandante do 34º B.I.” (BUENO, 2016, p. 191)

Em 1894, porém, a distância entre Pedro Velho e Floriano Peixoto aumentou quando o

governador do Rio Grande do Norte negou outro pedido do então presidente. Desta vez o

“favor” era relativo a renovação da cadeira do Senado para Amaro Cavalcanti. Pedro Velho

como resposta a solicitação afirmou que o partido já havia escolhido outro nome, Almino

Afonso (CASCUDO, 1965, p. 232). O ápice da instabilidade política veio no final de 1894.

As animosidades deram-se em torno das rixas entre os militares do 34º Batalhão de Infantaria

e os militares do Corpo Militar de Segurança (CMS), que fora criado por Pedro Velho, na lei

estadual de maio de 1892. A CMS havia sido criada para ser uma “força pública” estadual.

No início de outubro de 1894, por decisão de Floriano o tenente-coronel Virgínio

Napoleão Ramos desembarcou em Natal para tomar posto no comando do 34º Batalhão de

Infantaria do Exército, seria o responsável por administrar uma intervenção caso fosse

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necessário. Somada a esta ação o Presidente passou a afastar diversos pedrovelhistas de

cargos públicos. O estopim viera com um tiro disparado contra a casa de Manoel Dantas,

florianista e os ânimos acirram-se (CASCUDO, 1965, p. 238).

Em 13 de outubro o 34º descera o bairro da Ribeira, com o intento de depor Pedro

Velho (CASCUDO, 1965, p. 236). O governador, porém, tinha preparada uma resistência

armada. A CMS que havia sido afastada no início de 1894, voltara na mesma época que

Ramos chegava em Natal. Haveria confronto armado. Contudo, sopesadas as implicações da

batalha as negociações foram realizadas. E por fim ficou acertado “o afastamento do

comandante pedrovelhista do CMS e também o do Chefe de Polícia, em troca da neutralidade

das forças federais na política local.” (BUENO, 2016, p. 211) O 34º recuou.

Observando estes eventos e principalmente os motivos das dissidências entre Pedro

Velho e Floriano Peixoto, podemos averiguar que dentro da cultura política brasileira na

Primeira Republica, os favores e acordos eram práticas comuns. Favorecer os seus em

detrimento dos adversários, nomear parentes e amigos para cargos públicos faziam parte da

dinâmica local e da política nacional. O mandonismo, clientelismo, nepotismo e compadrio

imperavam.

Nosso personagem, Eloy de Souza, fez parte, testemunhou e registrou em suas

Memórias muitas destas relações que configuravam o campo político local e nacional na

Primeira República. Ingressando na vida pública do Rio Grande do Norte, neste mesmo ano

de 1894, em meio ao turbilhão de acontecimentos locais e nacionais, Eloy de Souza passou a

fazer parte dessa dinâmica política. Afirmou ele,

Ainda muito jovem fui investido na direção política daquele município por

determinação sua e aquiescência das grandes figuras que constituíam ali o estado-

maior do Partido Republicano Federal. A este castigo foi-me acrescentado o de

delegado da política em momento muito delicado. Foi assim que iniciei minha vida

pública e política no Rio Grande do Norte, terra natal de meu Pai e avós maternos e

de todos meus irmãos. (SOUZA, E., 2008, p.337)

Podemos cogitar que o “momento muito delicado” ao qual Eloy de Souza se refere,

seja justamente os acontecimentos que envolveram a quase deposição de Pedro Velho e os

impasses políticos entre o governador do Estado norte-rio-grandense e o Presidente da

República. Assim, ao passo dos impasses e negociações políticas, o ano de 1894 marca o

ingresso de Eloy de Souza no campo político local, bem como o início de sua projeção para o

nacional, pelas mãos do seu padrinho político, Pedro Velho, e ao lado da “organização

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familiar” liderada por este.

1.4 ELOY DE SOUZA E O CAMPO POLÍTICO LOCAL E NACIONAL

Toda história política da primeira república passara ao alcance de seus olhos e

muitas vezes com sua participação, conhecimento, colaboração de Prudente de

Moraes e Getúlio Vargas, vira todos os Chefes de Estado, as batalhas e as

escaramuças partidárias. (CASCUDO, 1978, p.148)

Em novembro do atribulado ano de 1894, Eloy Castriciano de Souza, foi eleito para

triênio 1895-1897, do Congresso do Legislativo. Antes mesmo de concluir a Legislatura teve

a notícia, dada pelo próprio Pedro Velho, de que comporia a Câmara Federal, fato que não

fora consumado como previsto, pois o chefe político teve de ceder às pressões de Francisco

Glicério e Lauro Muller, para indicar o nome de Amaro Cavalcanti (SOUZA, 2008, p.160-

161).

Apesar disso a ascensão política de Eloy de Souza foi rápida. Atrelado a “organização

familiar” Albuquerque Maranhão teve seus primeiros passos rumo a uma atuação na política

nacional. Ao lado de Pedro Velho ganhou prestígio e para além da figura do chefe político

norte-rio-grandense e de grupo familiar, Eloy de Souza, firmou-se no campo político nacional

atuando até o ano de 1937.

De suas vivências e sobre práticas políticas realizadas por ele e por outros sujeitos,

registrou lembranças e opiniões. Da Câmara de seu tempo historiou, em suas Memórias, as

discussões acaloradas regidas pela “oratória inglesa” e “estilo de urbanidade” (SOUZA, E.,

2008, p.183). Traços marcantes dos discursos intelectuais e políticos do período. Em seus

depoimentos retratou fatos marcantes da história da política brasileira, como o fato de ter

quase presenciado o atentado contra a vida de Prudente de Moraes que levou a morte do

Marechal Machado Bethencourt. Bem como ter visto de perto as perseguições políticas que se

sucederam após o ocorrido, das quais Pedro Velho e outros correligionários também foram

alvos.

Eloy de Souza presenciou algumas das adversidades, pelas quais passou o governo

Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, administração que chegara ao fim, no ano de 1895.

Bem como viu a confirmação do poder da “organização familiar” Albuquerque Maranhão,

com eleição de Ferreira Chaves, o primeiro dos sucessores de Pedro Velho. Sobre o governo

de Pedro Velho (1892 a 1895), em suas Memórias afirmou, “Todo o seu governo foi de

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compreensão e tolerância. Não ouvia intrigas nem se enredava nelas. Confiante na

honestidade de seus auxiliares, muito embora divergências partidárias, continuou a aglutinar

elementos com esta finalidade [...]” (SOUZA, E., 2008, p. 335). Contudo, como bem sabemos

as intrigas houveram e para se proteger Pedro Velho deu vazão a práticas comuns da Primeira

República, dentre as quais a mais forte em seu governo foi o nepotismo.

Enquanto a oposição crescia ao seu redor, Pedro Velho protegia-se através da família e

amigos, nomeando-os para os mais diversos cargos públicos. A exemplo disso, em julho de

1893, nomeou Alberto Maranhão (seu irmão) como secretário do governo, para as cadeiras de

senatoria, em 1894, conseguiu que quatro de seus candidatos fossem eleitos, entre eles seu

outro irmão Augusto Severo e seu primo (posteriormente genro), Tavares de Lyra, além dos

políticos Francisco Gurgel e Junqueira Aires, seus aliados (SOUZA, I., 2008, p.168).

Ao dar apoio a candidatura e conseguir votos para a eleição de Prudente de Morais, à

presidência, no ano de 1894, Pedro Velho consegue cada vez mais prestígio. Passando a

conquistar cada vez mais espaço para sua "organização familiar". Em decorrência desta

consideração adquirida junto ao administrador federal, Itamar de Souza afirmou que

[...] Pedro Velho conseguiu a nomeação do Sr. João Lyra Tavares, seu primo e

funcionário da casa comercial de Fabrício Pedrosa, para o cargo de Administrador

dos Correios no Rio Grande do Norte. Numa sociedade sem rádio e sem televisão,

controlar o correio postal significava controlar quase todas as comunicações.

(SOUZA, E., 2008, p. 168)

Vale ressaltar que na ausência de rádio e televisão as comunicações ocorriam com

grande frequência através dos jornais. Os periódicos serviam como órgãos propagadores de

notícias, mas também como espaços de embates políticos, nos quais jornalistas e intelectuais

registravam suas opiniões públicas, levantavam suas bandeiras e propagavam seus ideais

políticos. Dentre os jornais da época, órgão de expressão oficial do Partido Republicano do

Rio Grande do Norte, tivemos “A República”, cuja a primeira publicação saiu em 1º de julho

de 1889 (CASCUDO, 1965, p. 103-1909). O periódico, no qual Eloy de Souza também foi

redator, era de propriedade de Pedro Velho. De tal modo, podemos afiançar que além de um

órgão de comunicação a seu serviço a “organização familiar” Albuquerque Maranhão passara

também a ter domínio sobre as informações que circulavam no Estado, através do Correio

estadual.

Não parando por aí, em 1895, Pedro Velho, nomeou Afonso de Albuquerque

Maranhão para o cargo de promotor público da Comarca de São José do Mipibu (SOUZA, I.,

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57

2008, p. 168). A ação de alargamento do poder da “organização familiar” intensificou-se

durante a República, todavia a realidade é que os Albuquerque Maranhão, dominavam desde

antes da proclamação várias Intendências municipais como a de Natal, de Canguaretama, e

agora firmava-se no domínio do Poder Legislativo, do Senado e da Câmara Federal."

(SOUZA, I., 2008, p. 169).

Lindoso afirmou que,

[...] a instauração do regime republicano abriu espaço à consolidação das oligarquias

na medida em que a descentralização conferiu maior autonomia ao aparelho regional

de Estado, permitindo às frações regionais das classes dominantes um maior

controle sobre a máquina administrativo-repressiva (definição da política fiscal,

contratação de empréstimos externos, emissão de apólices, criação de novas

repartições e serviços, nomeação de autoridades e funcionários estaduais, etc.).

(LINDOSO, 1992, p. 11)

Estas oligarquias, ou no caso do Rio Grande no Norte, “organizações familiares”

utilizavam-se a máquina pública para aumentar seu poder econômico. De acordo com Câmara

Cascudo os "coronéis" (oligarcas ou chefes das organizações familiares) eram proprietários de

terras que exerciam também o mandonismo político, praticavam seu poder o tanto político

quanto econômico (CASCUDO, 1965). Contudo, este poder não se dava apenas pela

propriedade da terra ou mandonismo político, mas também pelas relações de poder entre os

sujeitos políticos.

Na visão de Tavares de Lyra,

A Pedro Velho ofereceu-se nesse posto o ensejo afortunado de afirmar, com brilho

inexcedível, as suas excepcionais qualidades de administrador e de chefe de partido.

Dá até sua morte - pranteada ainda hoje como a do maior e do mais benemérito dos

filhos do Rio Grande do Norte - não houve ali empreendimentos nem iniciativas de

ordem administrativa a que tenham sido estranha a sua ação segura, previdente,

fecunda e patriótica. (LYRA, 2008, p.336)

Durante a estada da “organização familiar” Albuquerque Maranhão no domínio, as

discussões, decisões e ações políticas passavam pelo “chefe do partido”. Acerca disso Eloy

de Souza relata que terminadas as sessões da Câmara estadual os deputados procuravam o

chefe do partido para conversar sobre os assuntos tratados no Congresso (SOUZA, E., 2008).

Assim, para estar a par de todos os acontecimentos e dar deliberações, Pedro Velho, utilizou

Page 63: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

58

de seu domínio sobre a máquina pública para nomear seus parentes, amigos e aliados.

Políticos que foram procurados também fora do Estado, como foi caso de Eloy de Souza, para

servirem de porta-vozes na defesa dos projetos de fortalecimento econômico do Rio Grande

do Norte, o que claramente beneficiaria sua própria “organização familiar”.

A este respeito Eloy de Souza rememora uma ocasião na qual Pedro Velho enviara ao

Congresso Legislativo estadual um projeto de lei que estabelecia o mesmo regime de

arrecadação do dízimo do gado, para o algodão e açúcar (SOUZA, 2008, E., p. 161). Não

concordando com a proposta, terminada a seção, Eloy de Souza, rapidamente procurou o

chefe político, antes dos demais correligionários. Convencendo-o da inconveniência do

projeto. Eloy de Souza, assim, retrata-nos as rotinas partidárias e a proximidade com Pedro

Velho. Em seu discurso faz transparecer também as práticas de favoritismo e nepotismo

imbricadas no processo político local e nacional.

O patronato em relação a familiares e amigos era um processo naturalizado e

enraizado na política da Primeira República. Este fato presente nas Memórias, de nosso

personagem, quando faz menção ao processo de escolha do nome de Antônio José de Melo

Souza para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte, em 1907. Um ano antes de tal

ocasião, em 1906, o então Presidente Afonso Pena havia esboçado interesse pelo nome de

Tavares de Lyra, à época, governador do Rio Grande do Norte, para a pasta ministerial.

Eloy de Souza conta-nos que o presidente havia anteriormente conversado com Carlos

Peixoto e arguindo-o “se havia possibilidade de ser aquele amigo substituído por algum

parente no governo” [grifo nosso] (SOUZA, E., 2008, p.328), referindo-se a Tavares de Lyra

e sua sucessão. Carlos Peixoto por sua vez conduzira a pergunta a Eloy de Souza,

representante parlamentar do Estado e integrante da “organização familiar” Albuquerque

Maranhão, sobre a dúvida do chefe do estado maior. Mesmo não recordando imediatamente

de nenhum familiar que pudesse suceder a Lyra, Eloy de Souza categoricamente responde que

“podia tranquilizar o presidente Pena.” E, assim, Tavares de Lyra recebeu a pasta.

Contudo, no desenrolar da escolha de sucessão de Tavares de Lyra ao governo, Pedro

Velho havia optado por Augusto Bezerra, amigo e não membro da família. Receoso em ter

sua palavra anulada Eloy de Souza interveio e indicou a Pedro Velho outro nome, o de

Antônio de Souza e segundo ele o “chefe acatou” (SOUZA, E., 2008, p.329). Aliás, segundo

suas Memórias a relação entre ele e Pedro Velho eram bastante estreitas, por várias vezes

conselhos e opiniões de Eloy foram levadas em conta pelo “grande chefe”. E também por

intermédio de Pedro Velho, Eloy de Souza fez amizade com vários políticos como Belizário

de Souza, líder da maioria na Câmara, Pinheiro Machado e Carlos Peixoto, um dos

Page 64: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

59

participantes do “Jardim de Infância” dentre tantos outros citados na obra.

Eloy de Souza, foi por muitas vezes, porta-voz das “vontades” de Pedro Velho,

quando este se via impossibilitado de viajar ao Rio de Janeiro, levando inclusive mensagens

referentes a escolha de presidentes. Do contato e prestigio adquirido, Eloy de Souza, pôde em

várias ocasiões interpelar a nomeação de políticos a cargos. Presenciando o desenrolar da

política nacional como senador e deputado federal. Ocupando a cadeira na Câmara dos

Deputados pela 5ª legislatura presenciou a criação da “Política dos Governadores”, pacto

estabelecido para dar prestigio do governo federal apenas aos políticos ligados aos governos

estaduais.

De acordo com as Memórias de Eloy de Souza a iniciativa de tal política não fora do

então presidente Campos Sales, como por muitos fora dito. Ele, afirmou que ao ingressar

jovem na Câmara buscou inteirar-se da situação política e econômica do país, podendo

testemunhar, assim, que

[...] no conhecimento desta necessidade reconhecida pelo presidente e o desejo de

objetiva-la, alguns deputados resolveram dar um balanço minudente da situação e

sugerirem como remédio único ao Dr. Campos Sales o reconhecimento dos

representantes filiados aos Partidos Governamentais dos Estados, muito embora

derrotados nas urnas. Foram autores desta sugestão Lauro Müller, Nilo Peçanha e

Augusto Montenegro, além de outros, notadamente, Pedro Augusto Borges [...] Não

foi assim o Presidente Campos Sales o criador da Política dos Governadores.

Aceitou-a por imperativo inelutável. [grifo nosso] (SOUZA, E., 2008, p. 196).

Tal política fora reafirmada no governo de Rodrigues Alves (1902-1906), pois para o

presidente recém empossado, era de vital importância para a União a manutenção do acordo

firmado no governo anterior, ou seja, o Governo Federal dependia do pacto estabelecido com

os governos dos Estados (SOUZA, E., 2008, p. 196). A postura política de Rodrigues Alves

selava, assim, a aliança entre o Poder Legislativo e o Executivo. Pacto que fora essencial,

como bem sabemos, à manutenção do poder local das “organizações familiares”, as quais

realizavam o rodízio de amigos e aliados no poder através de manobras políticas e fraudes

eleitorais.

No caso do Rio Grande do Norte, a hegemonia política dos Albuquerque Maranhão,

que durou até 12 anos após da morte de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Falecido

anos antes, em 1907, deixou a chefia da família para seu irmão Alberto Maranhão que dera

prosseguimento a política familiar o quanto pôde. Atrelado a política norte-rio-grandense

Page 65: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

60

Eloy de Souza continuou a ocupar cadeiras de representação federal. Fora eleito pela primeira

vez como deputado federal à terceira Legislatura 1897-1899, entrando em substituição de

Amaro Cavalcanti, eleito nomeado para a pasta de Ministro da Justiça e de Negócios.

Assim, em 20 de junho de 1897, Eloy de Souza passou a fazer parte da rotina política

entre as sessões na Câmara, reuniões com os chefes de partidos, almoços, conferências, bem

como passou a residir no Grande Hotel da Lapa26, onde teve proximidade com os “políticos de

nova raça” que formariam o “Jardim de Infância”. A proximidade com estes políticos coloca

Eloy de Souza em uma nova perspectiva de abordagem política: a defesa da solução do

problema das secas no Norte. Através dessa bandeira ele construirá discursivamente todo um

imaginário sobre o Rio Grande do Norte e sobre a delimitação espacial dentro da região, na

qual estavam inseridos também o Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí.

26 O Grande Hotel era um hotel de luxo situado na atual Sala Cecília Meireles, na Lapa, Rio de Janeiro,foi edificado em 1896. Muito utilizado pelos políticos, por sua proximidade com a sede da Câmara e do Senadona época. <http://www.cultura.rj.gov.br/apresentacao-espaco/sala-cecilia-meireles>.

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61

CAPÍTULO 2 - ELOY DE SOUZA: PARTICIPAÇÃO POLÍTICO DISCURSIVA.

No exercício de minha atividade parlamentar pronunciei muitos poucos discursos.

Ainda não tinha chegado a liberdade dos deputados lerem discursos, escritos na

meditação do gabinete, e eu infelizmente não podendo emparelhar com os oradores,

nem mesmo os menores, retrai-me e resolvi ser apenas um representante do meu

Estado na atividade extra parlamentar de promover e servir os seus interesses junto

aos ministérios e às comissões da Câmara e do Senado. (SOUZA, E., 2008, p.308)

A participação inicial de Eloy de Souza na Câmara dos Deputados, foi tímida no que

se refere a discussões e pronunciamentos. Jovem na vida pública, aos poucos foi apreendendo

a dinâmica estabelecida naquele espaço.

Em suas Memórias ele registra parte de suas vivências no campo político nacional e a

partir delas apreendemos as especificidades daquele espaço. As informações contidas nesse

documento, até então pouco conhecido e pouco trabalhado na academia, são valiosas para

uma melhor compreensão do período. Na medida que se trata dos registros de um sujeito que

esteve envolvido nas tramas, debates e embates políticos locais e nacionais.

Uma posição privilegiada, que como vimos anteriormente, foi estabelecida a partir de

sua proximidade com Pedro Velho. Sendo essa ampliada para o campo político nacional em

decorrência dos laços firmados por este “chefe político” estadual, principalmente, devido a

relação dele com fortes articuladores políticos do novo regime, como Francisco Glicério e

Pinheiro Machado.

Eloy de Souza faz registros dos debates ocorridos no “velho edifício da Cadeia Velha”

que em algumas ocasiões eram tumultuosos e “os grandes oradores por vezes se tornavam

agressivos no desrespeito aos colegas com quem mantinham relações até cordiais” (SOUZA,

E., 2008, p.167). As discussões mais acaloradas, segundo Eloy de Souza, deviam-se,

especialmente, às paixões partidárias e determinados temperamentos (SOUZA, 2008, p.167).

Eleito, em 20 de junho de 1897, para a 3ª Legislatura (1897–1899), em substituição à

Amaro Cavalcanti, que havia assumido a pasta da Justiça no governo de Prudente de Morais.

Eloy de Souza passou a ocupar, finalmente, a cadeira que havia sido prometida por Pedro

Velho no ano anterior, mas que por preferências políticas dos aliados do “chefe político” não

tinha sido efetivada27.

No quadro abaixo temos um resumo da representação da bancada Norte-rio-grandense,

27 Como já afirmado Pedro Velho que prometera a candidatura de Eloy de Souza à Deputado federal, em1896, voltou atrás em sua palavra, pois aliados como Francisco Glicério, Lauro Muller e alguns outrospreferiram a lançar Amaro Cavalcanti como candidato.

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62

tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, nas três primeiras décadas da República

brasileira.

QUADRO 02 - REPRESENTAÇÃO FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – RN (1891 – 1920)

REPRESENTAÇÃO FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – RN(1891 – 1920)

Legislatura SenadoCâmara dosDeputados

Substituições

1ª(1891 – 1893)

- Cel. José Bernardo deMedeiros (9 anos);

- Ten Cel. José Pedro deOliveira Galvão (6 anos)- Dr. Amaro Cavalcanti

(3 anos).

- Almino AlvaresAfonso

- Pedro Velho deAlbuquerque

Maranhão- Miguel Joaquim de

Almeida Castro- Antônio de Amorim

Garcia.

- Pedro Velho devido aaceitação de governador do

RN foi substituído porAugusto Severo de

Albuquerque Maranhão.

2ª(1894 – 1896)

- Almino AlvaresAfonso (9 anos)

- Cel. José Bernardo deMedeiros (6 anos)

- Ten Cel. José Pedro deOliveira Galvão (3

anos).

- Augusto Severo deAlbuquerqueMaranhão.

- Cel. FranciscoGurgel de Oliveira

- Augusto Tavares deLyra

- Luís FranciscoJunqueira Aires de

Almeida.

-Faleceu Luís FranciscoJunqueira Aires de Almeida,

sendo eleito em sua vagaPedro Velho de

Albuquerque Maranhão.

3ª(1897 – 1899)

- Pedro Velho deAlbuquerque Maranhão

- Almino AlvaresAfonso

- Cel. José Bernardo deMedeiros

- Augusto Severo deAlbuquerqueMaranhão.

- Augusto Tavares deLyra

- Cel. FranciscoGurgel de Oliveira- Amaro Cavalcanti

- Faleceu o Senador AlminoAlvares Afonso, sendo

eleito para substituí-lo oCel. Francisco Gomes da

Rocha Fagundes.- Nomeado Ministro da

Justiça e NegóciosInteriores, Amaro

Cavalcanti, deixou o cargo,sendo eleito para preenchersua vaga Eloy Catriciano

de Souza.

4ª(1900 – 1902)

- Cel. José Bernardo deMedeiros

- Pedro Velho deAlbuquerque Maranhão- Cel. Francisco Gomes

da Rocha Fagundes

- Augusto Severo deAlbuquerqueMaranhão.

- Augusto Tavares deLyra

- Eloy Castriciano deSouza

- Manuel Pereira Reis

- Cel. Francisco Gomes daRocha Fagundes renunciouao mandato, sendo eleitopara sua vaga Joaquim

Ferreira Chaves.- Faleceu Augusto Severo

de Albuquerque Maranhão,sendo eleito para sua vagaCel. Francisco Víctor da

Fonseca e Silva.5ª

(1903 – 1905)- Joaquim Ferreira

Chaves- Cel. José Bernardo de

Medeiros- Pedro Velho de

Albuquerque Maranhão

- Augusto Tavares deLyra

- Eloy Castriciano deSouza

- Manuel Pereira Reis- Cel. Francisco Víctor

da Fonseca e Silva

- Augusto Tavares de Lyrafoi eleito Governador noRio Grande do Norte, emsua vaga foi eleito Alberto

Maranhão.- Faleceu Cel. Francisco

Víctor da Fonseca e Silva,em sua vaga assumiu

Page 68: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

63

Juvenal Lamartine de Faria.

6ª(1906 – 1908)

- Pedro Velho deAlbuquerque Maranhão

- Joaquim FerreiraChaves

- Cel. José Bernardo deMedeiros

- Alberto Maranhão- Eloy Castriciano de

Souza- Juvenal Lamartine de

Faria- Manuel Pereira Reis

- Faleceram Cel. JoséBernardo de Medeiros e

Pedro Velho deAlbuquerque Maranhão e

em suas vagas foram eleitos,respectivamente, Francisco

de Sales Meira e Sá eAntônio José de Melo e

Sousa.- Renunciou ao cargoAlberto Maranhão e

assumiu em seu lugar JoãoLindolfo Câmara.

7ª(1909 – 1911)

- Francisco de SalesMeira e Sá

- Antônio José de Meloe Sousa

- Joaquim FerreiraChaves

- Eloy Castriciano deSouza

- Juvenal Lamartine deFaria

- Sérgio Pais Barreto- João Lindolfo

Câmara

- Renunciou ao mandatoFrancisco de Sales Meira eSá e em sua vaga foi eleitoAugusto Tavares de Lyra.

8ª(1912 – 1914)

- Joaquim FerreiraChaves

- Augusto Tavares deLyra

- Antônio José de Meloe Sousa

- Eloy Castriciano deSouza

- Juvenal Lamartine deFaria

- Augusto Carlos deVasconcelos Monteiro- Augusto LeopoldoRaposo da Câmara.

- Renunciou ao mandatoJoaquim Ferreira Chaves eassumiu Eloy Catriciano de

Souza.- Na vaga deixada por Eloyde Souza, foi eleito Alberto

Maranhão.- Renúncia de Augusto

Tavares de Lyra, nomeadoMinistro da Viação e ObrasPúblicas, sendo sua vaga só

preenchida na legislaturaseguinte.

9ª(1915 – 1917)

- Antônio José de Meloe Sousa

- Eloy Castriciano deSouza

- Cel. João Tavares deLyra

- Alberto Maranhão- Juvenal Lamartine de

Faria- José Augusto Bezerra

de Medeiros- Afonso Moreira de

Loiola Barata

10ª(1918 – 1920)

- Cel. João Tavares deLyra

- Augusto Tavares deLyra

- Eloy Castriciano deSouza

- Alberto Maranhão- Juvenal Lamartine de

Faria- José Augusto Bezerra

de Medeiros- Afonso Moreira de

Loiola Barata

- Renuncia Augusto Tavaresde Lyra, assumindo o cargode Governador em 1920 e

em sua vaga é eleitoJoaquim Ferreira Chaves.

FONTE: ELABORADO PELA AUTORA (2018)

Como podemos observar, desde seu ingresso, em 1897, Eloy de Souza esteve presente

como representante político daquele estado, primeiro como Deputado Federal e

posteriormente como Senador. Sua participação na vida pública do Rio Grande do Norte, bem

como sua atuação no campo político a nível nacional perdurou mesmo ante as mudanças

políticas no seu estado, a saber a saída do grupo de Pedro Velho no poder político estadual e a

Page 69: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

64

ascensão do polo seridoense, a partir do rompimento estabelecido durante o segundo governo

estadual de Ferreira Chaves.

Assim, a atuação contínua de Eloy de Souza, na política federal, possibilitou-o

conhecimento e estabelecimento de novas relações políticas, como sua participação no grupo

“Jardim de Infância”. Estando presente no centro da vida política do Brasil suas impressões

possuem grande relevância tanto no que se refere a compreensão das nuances da dinâmica

política nacional, quanto do entendimento sobre o movimento de formulação regional, do qual

em grande medida, teve parte.

Foi em seu primeiro mandato que Eloy de Souza como Deputado Federal,

acompanhou de perto crises políticas como a ocasionada pelo atentado contra o então

presidente, Prudente de Morais e, que resultou na morte do marechal Machado Bettencourt,

Ministro da Guerra. Ocorrido em 05 de novembro do mesmo ano, o crime gerou

desconfianças e perseguições a adversário políticos. Eloy de Souza afirma,

Quase assisti ao tentado contra Prudente de Moraes e morte do marechal Machado

Bethencourt. Naquela tarde chegava ao Rio de Janeiro, regressando de Canudos, o

general Artur Oscar, que comandara as forças vitoriosas. Na mesma lancha que

tomamos no Arsenal de Guerra fomos, Manoel Vitorino, Augusto Severo, Pedro

Velho e eu, além de outros políticos”. (SOUZA, E., 2008, p. 167)

E continua,

“Pelas notícias que uns aos outros transmitiam firmou-se a convicção de que dentro

em pouco as perseguições começariam de maneira implacável. Resolveu-se então

que os correligionários do general Francisco Glicério na Câmara dos Deputados não

comparecessem às sessões, até que ficasse apurada a conduta do Governo. Esta

abstenção durou dois dias.” (SOUZA, E., 2008, p. 168)

Francisco Glicério, também conhecido como General Glicério, era “republicano

histórico” e um dos idealizadores e fundadores do Partido Republicano Federal (PRF).

Embora tivesse sido no passado amigo de Prudente de Morais, sua relação com o presidente, à

época, fez com que fosse acusado de participar da trama. Por conseguinte, seus apoiadores,

como Pedro Velho, também se tornaram alvos de suspeitas.

Os dois, Prudente e Glicério, tiveram suas relações rompidas por questões

relacionadas a posicionamentos e entendimentos políticos divergentes28. O primeiro deles

28 Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930

Page 70: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

65

deu-se logo após a Proclamação e, em torno da eleição presidencial de 1891, na qual os

membros da Assembleia Nacional Constituinte desejavam eleger Prudente de Morais ao cargo

de Presidente.

Contudo, mesmo amigo do possível candidato, Glicério não permitiu uma totalidade

nos votos dos representantes paulistas para o lançamento de tal candidatura. Seu

posicionamento foi baseado na intensa agitação política ainda existente pós-proclamação e na

temeridade de que tal postura pudesse criar riscos a recente República. E mesmo após ter

participado da escolha e apoiado o nome de Prudente de Morais para a sucessão presidencial

de Floriano Peixoto, as relações entre o futuro presidente e Francisco Glicério iriam passar

por outros revezes.

A outra questão que levou ao abalo da amizade, foi a discussão sobre a anistia a ser

dada aos envolvidos na Revolução Federalista, ocorrida de 1893 a 1895, no sul do país,

quando Prudente de Morais era presidente. Entre os assuntos que teriam grande importância

nos debates do período, destacou-se as divergências em relação a anistia dos revoltosos e a

questão de essa ser total ou limitada. Glicério era contra o perdão em amplo sentido ser dado

aos revoltosos. Prudente de Morais, no entanto, visando acalmar os ânimos enviou um projeto

de anistia para a Câmara dos Deputados. Contudo, antes mesmo de uma posição ser tomada

por Glicério na Câmara, o Senado Federal recusou a mensagem enviada pelo presidente29.

O golpe final a amizade veio no ano de 1897, quando

O Deputado J.J. Seabra foi instrumento da conspiração que em discurso caloroso,

maio de 1897, apresentou uma monção de aplausos à energia e coragem com que o

governo agira em defesa do princípio da autoridade e da ordem. Glicério pretendeu

evitar o golpe, mas o presidente interveio colocando a questão no terreno da

confiança política. (SOUZA, E., 2008. p. 182)

Francisco Glicério foi contra a proposta do deputado J. J. Seabra de formar uma

comissão para congratular Prudente de Morais pelo estabelecimento da ordem e superação da

crise com a Escola Militar, do Rio de Janeiro. Tensão essa ocasionada por uma revolta entre

os cadetes, que haviam se negado a entregar as armas e munições que ali estavam guardadas.

(Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual do CPDOC – FGV,endereço eletrônico: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/GLIC%C3%89RIO,%20Francisco.pdf29 Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930(Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual do CPDOC – FGV,endereço eletrônico: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/GLIC%C3%89RIO,%20Francisco.pdf

Page 71: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

66

Provisões essas que seriam enviadas pelo governo ao Rio Grande do Sul, onde se anunciavam

novos movimentos dos federalistas.

Glicério, que a época era líder da maioria, opusera-se a proposta de Seabra. Sua

postura devia-se, segundo ele, em razão de a Escola Militar ser considerada um símbolo do

movimento republicano. A falta do apoio de Glicério à Prudente em todas estas situações, fez

com que a amizade dos dois chegasse ao fim. Tendo como consequência a realização de uma

campanha do presidente contra o general, que desejava ser Presidente da Câmara. Outro

reflexo dessa diferença foi a própria cisão do PRF.

Disputas políticas, atentados, ruptura de partido, dentre outras recordações presentes

nas Memórias de Eloy de Souza, permitem-nos observar as peculiaridades do campo político

pós-proclamação, bem como do perfil de República que se instaurara no Brasil. Esta estava,

segundo ele, “tão perto da Monarquia que tais acontecimentos pareciam ressureições de outras

batalhas em que o Poder Legislativo era o governo pela voz da maioria dos seus Partidos.”

(SOUZA, E., 2008. p. 183). Assim, em análise, Eloy de Souza ressalta o particularismo da

política brasileira nos primeiros anos da República, no qual a ação de posicionamento de

sujeitos influenciava diretamente na vida pública nacional. Ao assinalar as práticas políticas

do período, das quais foi participe, ele reforça a ideia de que apesar da mudança de regime,

havia a manutenção de uma política pautada nos interesses, dissidências e admirações

pessoais.

A realidade é que a dinâmica presente no campo político da Primeira República

brasileira, foi grandemente marcada por estes interesses pessoais e um forte personalismo. A

“coisa pública” era tratada como uma extensão da privada e as resoluções tomadas na

administração do Estado estavam atreladas ao mandonismo dos chefes políticos, dependendo

de suas simpatias ou dissidências.

Para além das disputas ocorridas na Câmara, Eloy de Souza, relembra a peculiaridade

dos discursos, nos quais o poder da oratória, moldados nos processos clássicos ingleses,

tornava-se muitas vezes decisivos para conseguir o apoio necessário a esse ou aquele certame.

Isso quando não eram utilizados como estratégia política, nas quais os oradores utilizavam-se

da eloquência discursiva para tardar decisões no plenário.

A esse respeito, podemos citar como exemplo, a escolha de Pedro Velho por Junqueira

Aires para o cargo de deputado federal na legislatura de 1894 – 1896. Esse, de acordo com as

informações levantadas por Renato Amado Peixoto, foi escolhido justamente por ser bom

orador, qualidade primordial na defesa dos interesses do estado no Congresso. Aires também

foi um defensor de verbas para combater os “flagelos das secas”, sobretudo, através de ações

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67

no Rio Grande do Norte, como a construção de açudes (PEIXOTO, 2010).

Assim, os discursos parlamentares eram marcados pelo poder da eloquência. Eloy de

Souza afirma,

Quem abrir os Anais da Câmara e do Senado encontrará nas suas páginas uma

maneira de debater assuntos, de qualquer ordem que fossem e, principalmente, os de

ordem política, vazados no estilo da urbanidade que só raramente era infringido pela

paixão partidária obediente a determinados temperamentos. (SOUZA, E., 2008. p.

183)

Os discursos, assim, mostravam-se não só reveladores dos interesses políticos, mas

também uma expressão de uma cultura política e intelectual. A retórica política nos aparece

como uma instância instauradora e reveladora do poder, ou seja, apresentava-se à serviço e

como uma expressão desse. Mas também com um indício da formação intelectual destes

sujeitos, suas aspirações e identidades. Assim, os discursos políticos devem ser vistos para

além da perspectiva da ação pública, devendo também serem encarados como uma expressão

sociocultural dos sujeitos que o interpelam e dos grupos sociais aos quais estão relacionados.

Sendo, este capaz de revelar suas estratégias, intencionalidades, bem como sua identidade.

Compreendemos, pois o discurso político como meio, instrumento pelo qual os

sujeitos e/ou grupos constroem e desconstroem verdades, valores, identidades e exercem seu

poder (FOUCAULT, 1996). Entendemos que a ênfase dada, por Eloy de Souza, a estas

alocuções, revela-nos a importância delas para a dinâmica presente no campo político

brasileiro da primeira República. E é justamente através destas falas que Eloy de Souza firma

sua participação como representante político norte-rio-grandense e como colaborador na

construção da delimitação regional Norte/Nordeste.

2.1 PRIMEIRO DISCURSO: SECAS DO NORTE E CABOTAGEM NACIONAL

Primeiro observador, depois participante de comissões e redator pareceres. Eloy de

Souza foi, por fim, portador de um discurso em defesa de uma legislação que estabelecesse a

concretização de obras nos estados seviciados pelas secas. Familiarizando-se com a política e

apreendendo as características e práticas deste local de fala, ele realizou seu primeiro discurso

na Câmara, em 29 de novembro de 1906.

O discurso de Eloy de Souza teve como tema duas questões de grande importância

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68

econômica para o estado do Rio Grande do Norte: o comércio de cabotagem e as secas.

Sr. Presidente, não será um discurso. Trouxe-me à tribuna tarefa modesta,

circumscripta à justificativa de emendas que atendem com a realização de serviços

no Estado que tenho a honra, bem immerecida, em verdade, de representar nesta

Casa.

Duas destas emendas, pela natureza dos melhoramentos que ellas visam prover,

merecem considerações, embora desvaliosas, mas em todo caso necessarias, ao

menos como informação no voto que a Camara tiver de proferir para approva-las ou

rejeital-as.

Umas refere-se ao problema das seccas; a outra diz respeito ao porto de Natal, [...]”.

(BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906)

O ponto relativo ao comércio marítimo era importante para o estado, visto que as

navegações por cabotagem formavam a verdadeira “espinha dorsal do sistema de viação

brasileiro” (PRADO JUNIOR, 1977). Com um vasto litoral, que teve sua fundação e

desenvolvimento priorizado a partir dos interesses coloniais, a malha aquaviária brasileira foi

por muito tempo utilizada com principal forma de transporte de mercadorias e comunicação

(PRADO JUNIOR, 1977, p. 240).

No que diz respeito aos estados do Norte esta era uma importante via de acesso de

pessoas, produtos e informações. Contudo, no caso norte-rio-grandense, essa atividade à

época vinha sofrendo prejuízos econômicos causados pela empresa de transportes marítimos

Lloyd30, que estava colocando empecilhos para a ancoragem no porto de Natal. Fato que, de

acordo com Eloy de Souza, prejudicava não só o Rio Grande do Norte, mas também o

comércio da Paraíba (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906).

Além da reclamação acerca da postura da empresa de transportes, Eloy de Souza

também tece uma crítica às restrições que pesavam sobre a navegação nacional e que tinham

por resultado nos fretes altos e a limitação do desenvolvimento desse setor no país. O

Deputado propôs uma emenda, em nome da bancada do Rio Grande do Norte: a proposta

requeria uma verba de 250 contos para “destruir a Baixinha, rochedo que constitui o único

obstáculo à entrada dos grandes vapores no porto de Natal.” Visando melhorar o escoamento

e a chegada de produtos ao estado (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906, p.54).

Contudo, cabe-nos fazer notar que a maior parte do seu discurso não foi voltado à esta

questão. O pronunciamento de Eloy de Souza, àquele dia 28, teve como tema principal a

30 Até meados de 1950, com as poucas vias rodoviárias o transporte marítimo era um dos meios maisutilizados no Brasil. As três principais empresas de navegação eram o Lloyd Brasileiro, a Companhia Nacionalde Navegação Costeira e o Lloyd Nacional.

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constituição de obras e ações de combate as secas que atingiam o Rio Grande do Norte e

outros estados da região. Tomando a maior parte do discurso, Eloy declarava que as secas,

circunscreviam uma determinada “área problema”, vista a partir de elementos que uniam e

identificavam um recorte especifico dentro da região Norte. Este espaço tinha em comum

além dos aspectos climáticos, os elementos históricos, econômicos e culturais.

O pronunciamento trazia uma abordagem diferenciada sobre o tema, bem como

esboçava a delimitação de uma espacialidade, na qual as ações e as verbas governamentais

deveriam ser aplicadas. Essa circunscrevia os “estados seviciados pelas secas”, os quais

deveriam ter seus problemas solucionados para o desenvolvimento econômico daquela região.

Ideia que passou a ser tema central dos discursos. Nesse intuito, em 1906, o problema das

secas foi tratado sob

[...] o ponto de vista da geografia humana, considerados o valor da vida humana; a

capacidade de trabalho do sertanejo em condições normais de saúde; o montante dos

salários como fator da economia doméstica; a produtividade agrícola e o desfalque

incomensurável deste conjunto econômico na vigência das secas calamitosas.

(SOUZA, E., 2008, p. 243)

Ao realizar seu discurso, Eloy de Souza, deu início ao seu trabalho parlamentar em

defesa de verbas para obras de irrigação, não só para o Rio Grande do Norte, mas para todos

os estados que sofriam com o problema. Esse projeto consistia-se na construção de açudes,

perfuração de poços e na elaboração de um fundo fixo de ajuda aos estados seviciados pelas

secas, que nomeou de “Fundo de Irrigação”, mas que ficou popularmente conhecido como

“Caixa das Secas”.

As ideias defendidas por Eloy de Souza não eram inovadoras, muito menos o assunto

era inédito. Na realidade estudos anteriores e projetos idealizados, no Brasil, bem como

realizados em outros países inspiraram-no na elaboração de uma solução para o caso dos

estados do Norte. Além disso ações pontuais a respeito vinham sendo tomadas desde o

Império, tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada. Contudo, os esforços não

eram suficientemente contínuos para o desfecho da questão. Nessa perspectiva o discurso de

1906 foi um importante passo em direção ao desenvolvimento de um projeto político de

recuperação econômica destes estados e da própria delimitação regional deste espaço.

Vale salientar que a historiografia acerca da elaboração de uma espacialidade

nordestina, no que se refere mais precisamente aos estudos realizados por Durval Muniz de

Albuquerque Junior e Gadiel Perruci, apontam que a formulação deste espaço se deu apenas a

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partir das décadas de vinte e trinta, do século XX.

Gadiel Perruci (1996), em seu trabalho “Nordeste: uma revisão necessária” relaciona

a construção do Nordeste as estratégias de ação política realizadas a partir da década de 1930.

Em sua análise aborda a construção regional do que ele denomina de “questão nordestina”

como sendo uma "mera tática dentro da estratégia global do Modo de Produção Capitalista"

(PERRUCI, 1996, p. 36). Constituída historicamente pelos grupos agrários dominantes do

período e posteriormente reconstruída pela classe dominante em nível nacional.

Em sua perspectiva a compreensão de um espaço nordestino só pode ser feita a partir

do estudo das nuances do Modo de Produção Capitalista. Tomando-o como base para a

criação de uma “Formação Econômica e Social”, bem como de todas as relações decorrentes

dessa, a saber as relações de produção no nível político-jurídico e sociais de produção. Esta

“Formação Econômica e Social”, sendo, pois, compreendida como uma sociedade

historicamente determinada. Assim, a formação desta espacialidade sua construção e

reconstrução estava intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento das relações

econômicas, políticas e sociais que se desenrolaram em torno da instauração e do acúmulo do

Capital no Brasil, desde o século XIX até metade do século XX.

Durval Muniz de Albuquerque Junior, por sua vez, trabalha sob a perspectiva de uma

construção discursiva e imagética estabelecida através das relações de poder e saber acerca da

espacialidade nordestina. Em seu estudo “A Invenção do Nordeste e outras artes”, o autor

aborda “a história da emergência de um objeto de saber e de um espaço de poder: a região

Nordeste” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2001, p.32). Espaço esse construído, de acordo com

seus estudos, a partir do final da primeira década do século XX e durante a segunda década,

“como produto do entrecruzamento de práticas e discursos ‘regionalistas”. Assim, sendo

constituído por um movimento realizado, sobretudo, no campo de produção cultural e como

instrumento de luta dos grupos dominantes.

Nessas perspectivas o Nordeste como uma região foi erigido, fosse por um movimento

tático dentro da estratégia global do Modo de Produção Capitalista, ou por um movimento

intelectual e de produção cultural que o recortou, em uma fase posterior ao período por nós

assinalado. Contudo, dentre os caminhos que levaram a produção de uma ideia de uma Região

Nordeste observamos nas pesquisas e leituras em torno da produção do discurso político,

sobretudo, relacionadas a atuação de Eloy de Souza, que que os primeiros esboços desta

espacialidade já tiveram seus apontamentos nos anos iniciais da primeira década do século

XX. Portanto, ao entrarmos em contato com as Memórias de Eloy de Souza, mais

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precisamente nos capítulos acerca do tema das secas e sobre o próprio espaço nordestino31,

adquirimos os apontamentos necessários a fundamentar essa perspectiva.

Assim, ao analisar os discursos parlamentares, periódicos e relatórios técnicos, no

período, encontramos menções subjetivas, apresentadas tanto na utilização de expressões que

apontavam o mesmo significado valorativo de uma região Nordeste, como “estados

seviciados pelas seccas”, “estados irmãos”, “zona flagelada periodicamente pela seca”

(BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906). Bem como referências diretas a este

espaço, através da própria utilização do termo Nordeste para designá-lo.

Deste modo, compreendemos que ao abordar o problema em comum entre os “estados

irmãos”, Eloy de Souza imprime sua participação da formulação de um esboço desta

territorialidade para além dos limites Norte-rio-grandenses. Ao incorporar em seu discurso os

relatos, crônicas e estudos relativos as secas em outros estados, ele aos poucos vai delineando

um recorte espacial regional.

Eloy de Souza começa sua preleção fazendo um breve resumo sobre as calamidades

que atingiam “os povos da bacia de São Francisco”. O rápido histórico das secas atentava

principalmente para as percas da produção (gado, plantio) e das vidas humanas. Danos

gravíssimos para os estados, mas também custosos aos cofres federais.

Para definir sua perspectiva sobre o problema, Eloy de Souza, dialoga com outras

obras e estudos técnicos relativos ao problema. Análises que há tempos eram elaboradas e

discutidas, apresentando desde as possíveis causas até soluções que pudessem diminuir, ou

mesmo sanar a dificuldade causada pelas secas. O tema era objeto de discussão de comissões

e instituições como o Instituto Politécnico (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados,

1906).

Contudo, mesmo sendo o tema bastante debatido, a maior parte das ações tomadas

pelo governo eram emergenciais. Desde o Império, quando os primeiros incidentes do

fenômeno climatério foram registrados a preocupação com a questão – sua compreensão e a

elaboração de soluções do problema – restringia-se aos socorros públicos enviados pela Coroa

(GUERRA, 1981). As medidas tomadas eram geralmente tardias e limitadas ao agravo da

estiagem.

O primeiro registro de seca na região Norte do país foi no ano de 1559, de acordo com

31 Em sua obra Memórias, Eloy de Souza faz apontamentos sobre a temática das secas e sobre as ideiasem torno de um projeto de desenvolvimento econômico dos “estados seviciados pelas secas” nos capítulos:“Jardim de Infância”, O Calvário das Secas”, Viagem ao Egito e à Europa”, Obras contra a seca”, dentre outrasmenções realizadas do decorrer de toda a obra. Ver: SOUZA, Eloy de. Memórias. Org., notas e índiceonomástico de Rejane Cardoso. 2. Ed. Macaíba, RN Brasília, DF: Instituto Pró-Memória de Macaíba SenadoFederal, 2008

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a obra “História de Companhia de Jesus do Brasil”, do Padre Serafim Leite (GUERRA,

1989). Segundo tal registro, o fenômeno climatério não teve grandes repercussões devido o

pequeno número de habitantes, em relação aos recursos naturais da terra. No entanto, o

quadro não permaneceu o mesmo nos séculos seguintes.

Os relatos da seriedade do fenômeno apresentam-se no início do século XVIII, no qual

se teve registro da primeira grande seca. Segundo Thomaz Pompeu “a primeira grande secca

de que resta vaga tradição, em memórias fora da província, foi a de 1711, que se estendeu ao

norte até o Maranhão [...]”(SOUZA BRASIL, 1877, p. 14).

Thomaz Pompeu de Souza Brasil, o Senador Pompeu, foi uma das referências de Eloy

de Souza, no que se refere ao conhecimento acerca das calamidades ocasionadas pelas secas,

no Norte do país.32

Conhecia eu a literatura demográfica do problema. Dele tinha informações precisas

através dos trabalhos do Senador Pompeu, ilustre, político e estadista cearense que

estudara o problema sob este aspecto desde o século XVIII até o século XIX. No seu

trabalho fixou dados pungentes a respeito da seca que veio de 1790 até 1793, de

todas elas a mais mortífera e desoladora.” (SOUZA, E., 2008, p. 244)

Em sua obra “Memória sobre O Clima e seccas do Ceará”, publicada no ano de 1877,

Pompeu apresenta um apanhado geral sobre a geografia física, composição do solo, vegetação

e hidrografia do Ceará. A ênfase do seu trabalho, porém são as estiagens suas prováveis

causas e graves consequências.

Na coletânea de artigos que compõem a obra, Pompeu afirma que os registros sobre o

fenômeno, na província do Ceará, passaram a ser documentados a partir da seca de 1723.

Sendo os seus impactos informados nos documentos oficiais da província a partir desta data

(SOUZA BRASIL, 1877, p. 15). As informações sobre as secas, porém, não era apenas

restrita aos registros públicos, pois os relatos e crônicas daqueles que presenciavam ou

interessavam-se pelo problema, também compunham uma vasta documentação33.

De acordo com Thomaz Pompeu as secas que causaram maiores danos aos nortistas,

durante o século XVIII foram: a de 1723-1727, “em que não só morreram numerosas tribos

indígenas, como também o gado; e até as feras e as aves se encontravam mortas por toda

parte.” (SOUZA BRASIL, 1877, p. 15) Tendo ela atingido o território Piauí, Ceará até a

32 Além de uma Memória sobre o Clime e seccas do Ceará (1877), Thomaz Pompeu de Souza Brasil,também escreveu acerca dos “problemas climáticos” do Ceará em: Memória sobre a conservação das matas earborização como meio de melhorar o clima da Província do Ceará. Fortaleza (1859).33 Depoimentos reproduzidos sobre a calamidade são encontrados também na obra de Pompeu e citadospor Eloy de Souza em seu discurso. Dentre os relatos citados temos o de Ayres Cabral, do capitão-mor FranciscoGomes da Silva e a obra “Os sertões” de Euclides da Cunha.

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Bahia; a seca de 1777-1778, na qual a população do Ceará ficou reduzida “a menos de um

oitavo” (SOUZA BRASIL, 1877, p. 16); E a que ficou conhecida como a “secca grande”,

ocorrida de 1790 -1793, estendendo-se pelo território do que hoje em dia são os estados de

Pernambuco, Bahia, Sergipe, Piauí, Maranhão e Rio Grande do Norte (SOUZA BRASIL,

1877, p. 17).

No século seguinte, até os limites estudados por sua obra, os registros apontaram

também para os períodos de seca de 1824-1825 e 1844-1845 (SOUZA BRASIL, 1877, p. 20-

22). Os prejuízos causados pelas secas, porém, não vinham sozinhos. Seguiam-se muitas

vezes aos danos causados pelos anos demasiadamente chuvosos. Entre estiagens e

inundações, causadas por “invernos rigorosos”, o território que englobava os atuais estados do

Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Bahia, sofreu grandes

perdas tanto econômicas, quanto populacionais.

Através de observações e estudos dos índices pluviométricos do estado do Ceará,

Thomaz Pompeu, elenca a “causas presumíveis das seccas” (SOUZA BRASIL, 1877, p. 34)

Dividindo as motivações para o fenômeno em duas categorias: causas naturais e permanentes

e causas acidentais.

Acerca da naturalidade do fenômeno afirma, “a posição dessa região com relação às

correntes aereas, que sopram constantemente parallelas, ou quasi parallelas ao equador, é a

causa principal da falta de chuvas regulares.” (SOUZA BRASIL, 1877, p. 34). Assim, a

irregularidade das chuvas de acordo com seus estudos, podia ser em sua maior parte,

explicadas pelas correntes de vento e a posição geográfica do estado do Ceará.

Já as causas acidentais, estavam relacionadas a ação humana que, segundo ele,

colaboravam para deixar a atmosfera mais seca que o natural. Dentre as ações citadas, temos

as “queimadas e roteaduras” (SOUZA BRASIL, 1877, p. 40), ou seja, as práticas utilizadas

pelos sertanejos ao preparar a terra para o plantio. Entretanto, nem toda a ação da população

sertaneja era voltada para o agravamento do problema. Pois, em detrimento da falta de ação

governamental a iniciativa privada, mesmo que de forma limitada, realizava tentativas de

suprimir a dificuldade de abastecimento e irrigação através das construções de açudes ou

represas.

Os sertões, compreendido como “o terreno (e constitui a maior parte da provincia),

que fica fora do litoral e das serras, onde se faz a criação de gados” (SOUZA BRASIL, 1877,

p. 08), assim, apresentavam um problema recorrente, com tentativas limitadas de diminuição

desse. Nessa perspectiva tanto os grupos políticos locais, quanto nacionais pouco se

mobilizavam para a solução definitiva da questão.

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Além dos estudos de Senador Pompeu, outras pesquisas sobre as secas foram

realizadas no estado do Ceará. Algumas delas contemporâneas aos estudos e produções

discursivas de Eloy de Souza. Obras como as de Rodolfo Teófilo e Thomaz Pompeu (filho),

que deu continuidade ao trabalho realizado pelo pai (BRASIL, Annaes da Câmara dos

Deputados, 1906).

Thomaz Pompeu, outro autor citado por Eloy, era comumente conhecido como Dr.

Pompeu e herdou do pai além do engajamento político, o interesse pelas pesquisas sobre o

tema, publicando, no ano de 1909, o trabalho intitulado “O Ceará no começo do século XX”,

obra em que amplia as investigações realizadas até 1862, pelo Senador Pompeu. O autor

dedica maior parte dela “ao problema capital do nordeste brasílico, isto é – o da instabilidade

ou irregularidade de chuvas na estação propria [...]” [grifo nosso] (SOUZA BRASIL, 1909, p.

04).

Em seu estudo Dr. Pompeu reitera a noção de que “a zona nordeste brasileira”

(SOUZA BRASIL, 1909, p. 06) diferente do que antes podia-se imaginar, não era

desfavorecida de chuvas, nem seu solo infértil. Sendo a principal causa do problema a

irregularidade das precipitações. A solução, segundo ele, estava na realização de medidas que

completassem a ação dos fenômenos meteorológicos. Represando ou escoando as águas que

atingiam os solos, de acordo com a chuvas. Em seu discurso os poderes públicos são

chamados a agir, no intuito de “fomentar as fontes de riqueza desta região e minorar os

esmagadores encargos, que lhes traz cada umas daquellas crises.” (SOUZA BRASIL, 1909, p.

04).

É importante salientar que o fenômeno das secas não era um problema que se

restringia ao sertão, pois a repercussão da falta de água e alimentos atingiam também o litoral.

Este, por sua vez, em tempos das calamidades era o centro de emigração das populações

sertanejas, sendo as capitais os pontos de maior densidade demográfica. A cerca das

migrações, Thomaz Pompeu, afirma

Em tempo de penúria o terror influe mais do que a realidade do mal. O povo com as

recordações das grandes secas de 1792 e 1825 desanimou em grande parte, e

emigrou, affluindo as praias e às cidades, principalemente à capital.

Essa agglomeração de população adventícia, que na capital elevou-se a mais de

30000 pessoas, concorreu para a carestia dos generos, e logo para certo estado de

miséria. (SOUZA BRASIL, 1909, p. 261)

Esse quadro corroborava não só para um grande aumento populacional nas cidades e a

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carestia dos gêneros alimentícios, mas também para a criminalidade, propagação de doenças e

aumento do índice de mortalidade. Epidemias, como a varíola alastravam-se e agravavam

ainda mais o quadro.

Um dos combatentes da propagação desta doença, no estado do Ceará, foi Rodolfo

Teófilo. Nascido na Bahia, mas tendo migrado muito jovem para o Ceará, vivenciou e

registrou os impactos da calamidade em várias de suas obras.34 Médico sanitarista, Teófilo

atuou sozinho na vacinação das populações pobres nos bairros da capital (TEÓFILO, 1890, p.

19).

Analisando o problema, escreveu no ano de 1901 a obra “Seccas do Ceará”. Nela sua

preocupação estava voltada a falta de auxílio do governo federal que acabava por deixar a

cargo da população e do governo estadual a responsabilidade da realização medidas contra o

problema. Dentre as ações a serem tomadas Teófilo cita a arborização do solo, como forma de

atrair as chuvas (TEÓFILO, 1898, p. 05).

Rodolfo Teófilo aborda também a questão da açudagem como uma das soluções do

problema e aponta outras medidas como a isenção de imposto sobre o roçado da mandioca.

Outra proposta lançada por ele é o cultivo de outras culturas, como o cacau. (TEÓFILO, 1898,

p. 20).

Não temos referências sobre o contato de Eloy de Souza com as obras de Rodolfo

Teófilo, mas a título de informações sobre as mais variadas visões do fenômeno à época

poderíamos aventá-lo como fonte de Eloy, ou, pelo menos, como inspiração, considerando a

sua semelhança de suas abordagens. Tendo assistido as agruras das secas e intervindo dentro

de suas possibilidades para diminuição do problema, no Ceará, Rodolfo Teófilo, bem como

Eloy de Souza, no Rio Grande do Norte, participou de ações para reduzir as mazelas que

atingiam a população atingida pelas secas.

Por ensejo, podemos nos questionar quanto ao interesse destes sujeitos em relação ao

tema. Em sua grande maioria são intelectuais com engajamento político: preocupados e

envolvidos com o desenvolvimento de seus estados, estes sujeitos são construtores de uma

memória sobre as secas.

Lembremo-nos que estes sujeitos não pertenciam ao mesmo campo social dos

retirantes sertanejos. Que eram possuidores de uma capital social e cultural privilegiado,

dentro de um espaço possuidor de grandes diferenças geográficas e sociais. Coabitaram, mas

34 Entre as obras de Rodolfo Teófilo sobre as secas no Ceará podemos citar: TEÓFILO, Rodolfo(1922a). A seca de 1919. Rio de Janeiro, Ed. Imprensa Inglesa. __________ (1922b). História da seca do Ceará1877-1880. Rio de Janeiro, Ed. Imprensa Inglesa __________ (1979). A fome, 3ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio.__________ (1983). História da seca do Ceará (1877 e 1880). Typ. Do Libertador. Fortaleza.

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não vivenciaram na pele as agruras da seca. O que temos, pois são opiniões baseadas em

relatos, estudos técnicos, cenas vistas e sobretudo interesses, sejam eles pessoais ou políticos.

Mas, estas teriam sido construídas através dos relatos e experiências da proximidade com a

fome, miséria, desespero e morte, sendo importante salientar que suas análises decorrem de

cenas assistidas e de vivências daqueles que realmente sofriam com o fenômeno.

Podemos, assim, voltarmo-nos para as motivações que levaram Eloy de Souza a

preocupar-se com o tema. Para assim, tentarmos estabelecer os diversos fatores que o levaram

a estudá-lo e defendê-lo junto ao parlamento. Dentre os elementos geradores de seu interesse

podemos citar: o fato de ter nascido e crescido na região assolada pelos efeitos do fenômeno;

sua identificação pessoal, segundo suas afirmações, com as causas e a identidade sertaneja; e

seu papel de representante dos interesses políticos e econômicos de um dos estados

prejudicados pela questão.

Como sabemos Eloy de Souza nasceu em Recife, mas mudou-se ainda muito jovem

para o Rio Grande do Norte. Aos quatro anos presenciou os prejuízos da seca de 1877. “Desta

seca guardo a reminiscência de ter visto morrer a primeira criatura humana, um pobre

retirante abarracado nas proximidades da casa paterna em Macaíba” (SOUZA, 1983, p.23).

Já na vida adulta, atuante na política, Eloy de Souza resgata as memórias relativas a

seca de 1904 -1905. Na qual assistiu de perto o impacto da chegada de milhares de retirantes a

cidade de Natal. Memorando o ano de 1904, relata

Estas leituras eram compungentes, e as senti dentro deste drama, vivendo a tragédia

que me aguardava o ano de 1904 na cidade de Natal. Suas ruas e arrabaldes

acumularam-se muitos milhares de criaturas famintas, maltrapilhas e desnuas. Fiz

parte da comissão vacinadora e como era ainda relativamente moço e sadio coube-se

a tarefa de percorrer a cidade inteira, entre os limites da Solidão, hoje Tirol, até

entestar com as Dunas de Fortaleza. (SOUZA, E., 2008, p.245)

Eloy de Souza afirma ter vacinado cerca de 800 pessoas. As imagens da destruição

causada pela seca, tanto da natureza como da própria vida humana, as queixas e lamentos da

população sofrida, somaram-se, assim, aos relatos e dados levantados por ele. A seca que já

apontara seus primeiros sinais no ano de 1901 se estendera pelos anos seguintes. Intercalada a

períodos chuvosos insuficientes trouxe uma grande leva de imigrantes para as cidades e levou

tantos outros a imigrarem para o extremo norte e sul do país (SOUZA BRASIL, 1901, p.

279).

Associando a visão da aflição da seca à suas lembranças saudosistas de infância, Eloy

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de Souza constrói uma imagem do sertão de outrora, vívido e vigoroso, em contraposição com

o do seu presente. Firmando uma identidade de resignação e força de uma população que,

para ele, é responsável tanto pelo fundamento quanto pelo próprio desenvolvimento do Brasil.

Uma grande parte da minha meninice está no sertão. Os dias mais alegres da minha

juventude, neto de vaqueiros, eu os vivi entre vaqueiros, ouvindo-os contar os lances

arriscados de profissão, assistindo e muitas vezes acompanhando-os na pega do gado

manso ou arisco, nesse entusiasmo febril que me fazia segui-los inconsciente do

perigo, através o juremal embastido dos baixios, ou rompendo os cardos dos

tabuleiros pedrogosos. (SOUZA, 1983, p. 31 -32)

Eloy de Souza constrói em seus discursos uma identidade e uma identificação com o

sertão e seu povo. Delegando a proximidade e interesse pela região e população, à uma

herança do seu avô materno, Félix José de Souza, que como já bem sabemos era

administrador de fazendas e, de acordo com Eloy de Souza, afeito a vaquejadas.

Por fim somado memória e a identificação temos o engajamento político de Eloy de

Souza. Seu alinhamento político com Pedro Velho e a “organização familiar” Albuquerque

Maranhão e sua vida pública no Rio Grande do Norte, um dos estados seviciados pelas secas,

com certeza pode ser elencado como uma das motivações para o interesse pelo tema.

Responsável por defender os interesses do estado junto a Câmara e posteriormente ao

Senado, Eloy de Souza, toma como ponto crucial para o desenvolvimento da região e

desmonte dos entraves econômicos, o combate aos problemas causados pelas estiagens.

Afirma ele, “O que nos cumpre é promover com tenacidade e esforço a regeneração do nosso

meio econômico, e para tanto temos os fatores que justificam as obras destinadas a essa

finalidade: o homem, a terra e a água.” (SOUZA, 1983, p. 31 -32).

Não pretendemos aqui categorizar a importância de um determinado fator, que levou

ao interesse de Eloy de Souza a defender a questão, em detrimento de outro. O pretendemos,

pois, é atinar para que dentro do campo de possibilidades possíveis na sua vida pessoal e

pública o tema das secas fez-se presente. E tomando parte desse, construiu sua imagem

política de defensor da causa nordestina.

O discurso de 1906, no entanto apresenta implicações para além das questões aqui

elucidadas. A proclamação dele esteve também intimamente relacionada ao agravamento da

seca de 1904 e as ações política iniciadas no governo de Rodrigues Alves (1902-1905) e

continuadas pelo no governo de Afonso Pena (1906-1909).

De acordo com Otto Guerra, no período referente a Primeira República, as primeiras

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atitudes mais sólidas e organizadas no combate as secas, pelo governo federal, deram-se na

presidência de Rodrigues Alves. Eloy de Souza, afiança essa informação em suas Memórias,

afirmando

O governo do Dr. Rodrigues Alves foi altamente proveitoso para o Rio Grande do

Norte. A seca iniciada no período anterior havia se prolongado. Os apelos do

governador Tavares de Lyra continuaram. A imprensa, desabridamente, atacava os

governos, estadual e federal, sobretudo a este, pela falta e auxílios e providências

remediadoras. Estas não tardaram. Foi mandado para aqui o Dr. Sampaio Correia,

incumbido de socorrer os retirantes e realizar os serviços permanentes,

principalmente obras de açudagem e caminhos de ferro.” (SOUZA, E., 2008, p. 209)

A comissão responsável por organizar estas medidas foi chefiada por Lauro Müller,

que à época ocupava o cargo de Ministro da Viação, Industria e Obras Públicas. As obras de

açudagem e a construção de linhas férreas no norte do país estavam em consonância, com o

plano de governo de Rodrigues Alves. Entre suas propostas governamentais também estavam

as reformas na estrutura urbana da capital, o Rio de Janeiro, expansão da malha ferroviária

nacional, erradicação da febre amarela com a campanha de vacinação obrigatória.

Os recursos advindos do governo federal eram essenciais para a luta contra as secas.

De acordo com Eloy de Souza, “Durante muitos anos, os grandes e pequenos Estados não

ousaram pleitear a consignação de recursos orçamentários para serviços que não fossem

estritamente federais, considerados pelo governo da União na proposta orçamentária anual.”

(SOUZA, E., 2008, p. 314). Na perspectiva das zonas flageladas periodicamente pelas secas, a

problemática das verbas vindas do governo era limitada aos períodos em que o fenômeno

climatério se manifestava. Cabia, portanto, a seus representantes políticos através dos laços

políticos buscarem apoio no sentido de obras mais substanciais que atingissem o problema

como um todo.

As ações do governo de Rodrigues Alves, assim, vieram como uma espécie de alivio

atendendo aos apelos governamentais. Contudo, cabe salientar que estas obras receberam

atenção devido a calamidade ter mais uma vez se instaurado nas cidades. O foco das ações

governamentais de Rodrigues Alves era a cidade do Rio de Janeiro. Assim, as ações

continuavam a ser pontuais ao fenômeno, posto que uma legislação que atendesse aos

interesses e necessidades dos estados seviciados pelas secas, ainda não havia sido posta em

questão. O discurso de Eloy de Souza, no final no ano de 1906, portanto, veio neste intento.

Referendando-se em crônicas, obras e documentos Eloy de Souza cria também uma

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perspectiva sobre a questão das estiagens. No parlamento ele lança pela primeira vez suas

impressões sobre o tema.

Não sou dos que pensam que preferencias geographicas tenham deixado os Estados

do norte na situação de inferioridade em que muitos ou quasi todos se encontram,

em confronto com os seus irmãos do sul, alguns dos quaes fazem justamente o nosso

orgulho.

Prefiro buscar entre as causas de retardamento do progresso do norte aquella que,

sendo a mais antiga o constante, melhor parece explical-o - um passado de lutas, em

verdade orientadas pela missão que durante largos annos nos coube de defender o

littoral, para que se pudesse realizar, com o sucesso conhecido, a obra dos

bandeirantes, na aspera conquista do sertão." [grifo nosso] (BRASIL, Annaes da

Câmara dos Deputados, 1906)

No Parlamento, o Sertão é explicitado por Eloy de Souza como a região não-litorânea

(IVO, 2009). Vale ressaltar que a concepção sobre o termo, pode ser variada, a depender do

período ou sujeito que a postula. A noção de sertão, portanto, é abordada em diversas

perspectivas dentro da historiografia podendo ser compreendida em diferentes significações

(lugar, paisagem, imaginário e/ou representação).

Para Eloy de Souza, o sertão era o espaço de valor e tradição, formado sob a égide da

“fatalidade histórica” e dos “vícios de organização” que lhe podaram o desenvolvimento

merecido. Dentro dessa perspectiva Eloy de Souza assinala a disparidade de desenvolvimento

econômico existente entre o norte e o sul do país. Fato que por muitos era delegado a posição

geográfica de um e de outro.

Considerando a questão para além dos determinismos geográficos, visão que considera

inevitável o atraso econômico da região dada suas características naturais, Eloy de Souza,

remete o retardo do crescimento econômico não a sua localização geográfica, mas a História

da região. O determinismo, rebatido por Eloy, tratava-se de uma corrente geográfica que teve

seu auge na segunda metade do século XIX. De acordo com essa perspectiva existia, a grosso

modo, uma relação intrínseca de causa e efeito. Na qual os elementos naturais, ou seja, o

meio, influenciava e determinava direta e inevitavelmente os fatos geográficos e

organizacionais humanos.

No Brasil, essa corrente teve vazão a partir do debate do conceito de raça, no final do

século XIX e início do século XX. Fazendo parte de um movimento de mudança das bases

intelectuais brasileiras neste período, atrelada também ao naturalismo e ao evolucionismo

Page 85: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

80

darwiniano, como veremos mais adiante. Essa lógica também adentrou nas discussões sobre

as inferências do clima e do relevo sobre o a organização social e desenvolvimento

intelectual, tratando-os como algo intrinsecamente relacionado.

O que observamos no discurso de Eloy de Souza, no entanto, é o fato de não

considerar essa perspectiva válida. Em seus estudos acerca do tema, ele observou a existência

do mesmo fenômeno em outras regiões do planeta. Territórios assolados pelas mesmas

características climáticas e problemas, mas que obtinham resultados diferentes a partir de

determinadas medidas. Apresentando dados, analisando as situações e as ações tomadas em

territórios dos Estados Unidos, Argélia, Austrália e Índia, Eloy constrói a justificativa de sua

visão. Tanto em relação as possíveis soluções a serem tomadas, quanto aos benefícios que o

desenvolvimento da região traria para o país. Dentro de sua perspectiva o desenvolvimento

nortista, foi tolhido não pela determinação natural, mas pelo passado de resignação e batalha

em prol do desenvolvimento da nação. Sendo as províncias do Norte principais responsáveis

pela base deste crescimento político e econômica brasileiro.

Duas vezes precisámos de assegurar a integridade da Patria, e quando o sangue das

tres racas que entraram na nossa formação ethinica ensopava o solo de onde o

estrangeiro invasor teve de recuar desbaratado e vencido, mas sabiam os que o

derramaram, na inconsciencia com que os factos sociaes se processam, o

extraordinario valor que aquelle obscuro sacrificio representava para a nossa

grandeza commum.

Os que me ouvem sabem os vicios de organização que dahi resultaram, já influindo

no modo definitivo por que se operou o povoamento daquellas regiões, já creando

um regimen economico e social determinante de reacção políticas posteriores, si

bem que justificadas pela grandeza dos sentimentos que as dictaram; em todo caso,

mal objectivadas e desastrosas, si, porventura, o sonho daquelles patriotas se

houvesse reaalizado. (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906)

A referência a História da região aparece, pois, como justificativa para os problemas,

ou seja, para o retardo do desenvolvimento econômico dos estados nortistas. As lutas em

defesa do território contra as invasões Holandesas e os “vícios de organização” ocasionados

por esta presença, são, de acordo com Eloy, a motivação para os entraves. Delegando o atraso

econômico da região à “profunda fatalidade histórica”, Eloy de Souza, enaltece as lutas da

região em prol do país. Assim como também marca o estabelecimento de uma espécie de

dívida histórica que o desenvolvimento econômico brasileiro tem para com os estados do

Norte.

Page 86: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

81

Segundo sua visão, esta “dívida” pesava não só sobre os estados nortistas, mas

principalmente à limitação do crescimento econômico nacional, visto o grande potencial da

região. Eloy de Souza passa então a tratar a questão não como um problema dos estados

seviciados pelas secas, mas como um tema de grave ônus aos cofres públicos brasileiros e

cara ao desenvolvimento geral da união.

Um problema que precisa da atenção para ser sanado, podendo ser realizado através de

medidas simples e definitivas. Sem apelar para o lado emocional da calamidade, trata a

assunto de forma prática. Aplicando em seu discurso o mesmo método usado pelos

higienistas, atendo-se aos prejuízos causados pelas calamidades, evitáveis ao erário.

Desprezando o lado moral, encaro a questão, Sr. Presidente, sob o ponto de vista

economico, applicando, aliás com proriedade, o mesmo processo dos hygienistas

comtemporaneos, que, para tornarem mais positivos os prejuizos causados à

sociedade pelas doenças evitaveis à vida humana, caculando por ella a perda

soffrida. (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906)

Ao atentar para o “valor de cada homem” no sentido econômico e produtivo, Eloy

apela para o prejuízo econômico nacional ocasionado pela inutilização da mão-de-obra

atingida pela seca. Causado pela fome, miséria, doenças e a queda do quantitativo produzido,

o dano financeiro, de acordo com os seus cálculos, é muito maior do que os valores gastos

com os socorros.

Verbas essas que muitas vezes chegavam tardiamente, quando não eram utilizadas

para finalidades diversas ao combate as secas. Acerca desta utilização dos recursos Otto

Guerra, em sua obra “A batalha das secas: O Nordeste e a missão do Departamento

Nacional de Obras contras Sêcas”, ressalta através das palavras de José Américo de Almeida

que

[...] a assistência oficial consistia na distribuição de esmolas. Parte das verbas de

socorro aos flagelados eram empregadas na construção de igrejas e cadeias,

naturalmente para dar serviço ao povo, que se aglomerava nas localidades mais

próximas ao litoral, constituindo fócos de epidemia. (GUERRA, 1981, p.156)

O assistencialismo ao qual essas verbas eram direcionadas, tanto não eram suficientes

a proporção da calamidade, quanto não buscavam prevenir os flagelos futuros. A regularidade

das secas era bem conhecida, mas as soluções estavam longe de serem atingidas.

Page 87: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

82

Em seu cálculo, Eloy de Souza estabelece um valor especifico de cada vida humana

para o Estado. A noção do custo de cada sujeito é emprestada da Lei de Engel. Por essa, o

economista alemão, Ernest Engel (1821-1896), pretendia estabelecer uma relação entre os

rendimentos familiares, o consumo destes sujeitos e o bem-estar social.

Eloy de Souza emprega essa teoria na relação homem-estado, estabelecendo um custo

para de cada família a partir do valor de criação e educação, do seu nascimento até a idade

produtiva. Segundo ele, "Este calculo póde ser tentato com a mmensa relatividade do preço da

alimentação, habitação, vestuário e educação nas varias zonas do paiz.” (BRASIL, Annaes da

Câmara dos Deputados, 1906).

Baseando-se nessa concepção, Eloy de Souza, apresenta os dados elaborados por

Carneiro de Mendonça, relativos aos valores da vida de homens e mulheres pelo que

produziram entre dos 16 aos 55 anos de idade. O custo de cada "[...] brazileiro acclimado, que

nos custou dinheiro para produzir, que será para sempre fracção dessa nossa nacionalidade

política e econômica, valha, apenas, o conto de réis [...]"(BRASIL, Annaes da Câmara dos

Deputados, 1906).

Dentro dessa perspectiva as perdas com as secas iam muito além das verbas

despendidas pelo governo federal e estadual às zonas flageladas. Elas chegavam a números

muito elevados levando-se em consideração o montante do que seria produzido por cada vida

perdida durante as estiagens. Assim, Eloy de Souza assegura que se o dinheiro empreendido

nos socorros tivesse sido voltado para as obras contra as secas teria sido muito mais

proveitoso.

Portanto, as medidas a serem tomadas para sanar essa vazão de dinheiro público seria

as obras permanentes de combate as secas, compostas pela grande e média açudagem, como

já havia sido indicado em estudos no ano de 1878, realizados Zózimo Barroso, Beaurepaire

Rohan, Buarque de Macedo, Álvaro de Oliveira, dentre outros estudiosos do Instituto

Politécnico. Além da perfuração de poços tubulares em áreas, onde a dupla perda “pela

evaporação e infiltração” (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906).

Eloy de Souza ainda afirma, referindo-se ao trabalho realizado no governo de

Rodrigues Alves que além das obras férreas fazia-se de extrema importância a construção de

açudes na região. Em especial, nos territórios do estado ao qual representava, o Rio Grande do

Norte. Segundo ele, "Dous grandes açudes no Rio Grande do Norte, com os medio e menores

que em maior numero se poderá construir e teremos resolvido o problema no sertão

propriamente dito.” (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906). Obviamente o

problema dos sertões não se restringia ao estado do Rio Grande do Norte, como ele explicita

Page 88: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

83

em todo seu discurso. Contudo, o seu papel político era de representante do estado e requerer

obras para ele era sobretudo seu papel.

No encerramento de seu discurso, Eloy de Souza, atina novamente para a importância

da questão ao interesse e desenvolvimento econômico nacional. E afirma,

Attenuar os effeitos as crises climatéricas do Norte é contribuir par ao povoamento

de uma região que pelas condições de seu meio physico creou no Brasil o typo

ethnico capaz de trabalhar a terra feraz, que é toda essa vasta Amazonia, hontem

apenas começada a ser desbravada pelo braço sertanejo e já cemitério de milhares de

vidas. Contrista dizer, Sr. Presidente, que para poupar capital tão valioso, teria

bastado o carinho intelligente do pode publico si, por ventura, lhe houvesse ocorrido

com a experiencia de annos fazer dos Estados seviciados pela secca o viveiro de

onde devessem sahir os pioneiros de um novo Estado e de uma nova civilização.

Nunca será demias repetir que população é riqueza: nunca será demais affirmar que

a solução de nossa política economica tem no povoamento um dos seus maiores

factores e no modo de realizal-o a melhor garantia da nossa integridade.

[...]

Peior do que caminhar quarenta annos no deserto é chegar á terra da promissão e ter

saudades do deserto. (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados, 1906)

O discurso de 1906, encerra-se com a celebre frase, pela qual Eloy de Souza será

lembrado em várias obras. Contudo, a força de sua fala está na exortação da região, chamando

à atenção para aquilo que era então apresentado como o Norte do país. Embora os dados

contundentes e as memórias ainda recentes acerca do fenômeno climatério, o discurso

proferido por Eloy de Souza não logrou os resultados imediatos esperados. Havia uma grande

movimentação e preocupação dos políticos sulistas em relação ao café, carro chefe das

exportações brasileiras. A causa dos estados do Norte, portanto, não era prioritária.

Contudo, sua fala deu-lhe uma certa visibilidade e seu conhecimento sobre o tema

chamou a atenção de outros jovens políticos que tinham em mente uma espécie de programa

de renovação política e econômica brasileira. Esses formaram um grupo, do qual Eloy de

Souza será integrante, que ficou conhecido como o “Jardim de Infância”

2.2 O “JARDIM DE INFÂNCIA”: “POLÍTICOS DE NOVA RAÇA”

Quando recordo os presidentes do meu tempo, recordo também a influência que

tiveram na política do Brasil alguns deles, a contar de Afonso Pena e Washington

Page 89: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

84

Luís. No Grande Hotel fiz muitos amigos e de lá, na mudança definitiva, trouxe

muitas saudades de alguns deles, quase todos deputados e senadores por Minas

Gerais. (SOUZA, E., 2008, p.286)

Dentro das relações políticas e intelectuais construídas por nosso personagem em sua

trajetória de vida, uma delas em especifico nos é bastante cara para a compreensão do seu

papel em defesa da luta contra as secas e para a sua produção espacial: a participação de Eloy

de Souza na agremiação política que ficou conhecida como “Jardim de Infância”. De acordo

com Eloy,

O Jardim de Infância viveu praticamente desde pouco antes do governo do

presidente Afonso Pena até a morte deste. Se não fora esta calamidade, acredito que

o grupo teria realizado uma política inteiramente nova no campo eleitoral,

educacional, financeiro e social, sem falar nas idéias renovadoras da nossa economia

coletiva. (SOUZA, E., 2008, p.223)

Nosso personagem afirma que a agremiação “não chegou propriamente a ser um

partido” (SOUZA, E., 2008, p. 222), pois não teve estatutos, comissão executiva, publicidade

ou programa. Segundo a discussão realizada por Serge Berstein sobre “Os Partidos”, na obra

“Por uma história política” organizada por René Rémond, o historiador político francês faz

uma reflexão acerca dos critérios estabelecidos para caracterizar um grupo como partido

político, que bem servem a nossa análise.

A discussão realizada na obra elenca quatro critérios que identificam uma agremiação

como partido, de acordo com o proposto pelos cientistas políticos americanos. Para ser

considerado partido um grupo precisa apresentar as seguintes características: 1- a duração de

tempo, ou seja, ter uma existência maior que a dos seus fundadores (mais de uma geração); 2-

a extensão no espaço, uma estrutura organizada, hierarquia (direção nacional, estruturas

locais); 3- a aspiração ao exercício do poder; 4- a vontade de buscar o apoio da população,

recrutamento de militantes (RÉMOND, 2003, p. 62). Tais condições constatam e esclarecem a

natureza do fenômeno do surgimento de um partido político.

A partir desta visão o “Jardim de Infância”, bem como assinalou Eloy de Souza, não

podia ser considerado um novo partido. Durou poucos anos, tinha uma hierarquia que estava

implícita no poder da visibilidade e liderança política. Contudo, “[...] se não havia, porém,

um programa escrito e divulgado, as idéias de alguns parlamentares identificados com a

política nova valiam certamente muito mais do que se poderia prometer num tal documento.”

Page 90: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

85

[grifo nosso] (SOUZA, 2008, p. 228). Reiterando essas afirmações de Eloy de Souza, James

Darcy35 deixou sua impressão sobre o movimento, afirmando,

Foi uma tentativa ainda uma vez malograda de transformar o ideal em realidade,

uma quimera, sonho vão da mente humana. Conceber e elevar a vida ao mais alto

plano dominando tudo, submeter-lhe tôdas as vontades e atos, num incessante afã,

tal o arrojado tentame. (RIBEIRO, 1950, p. 106)

Um conjunto de ideias. Um sonho. Afinal como classificar o "Jardim de Infância",

visto que era formado por políticos, mas não um partido? Para compreendermos melhor o

cerne do grupo tomamos emprestado o conceito de “campo intelectual” de Bourdieu, sendo

este

Irrreductible a un simple agregado de agentes aislados, a un conjunto de adiciones

de elementos simplesmente yuxtapuestos, el campo intelectual, a la manera de um

campo magnético, constituye un sistema de líneas de fuerza: esto es, los agentes o

sistemas de agentes que forman parte de él pueden describirse como fuerzas que, al

surgir, se oponen y se agregam, confiriéndole su estructura específica en un

momento dado del tiempo. (BOURDIEU, 2002, p. 09 -10)

Cada um destes agentes (intelectuais) deve sua posição no campo intelectual, às

particularidades deste, o sistema de relações existentes nele e a sua própria força de ação e

atuação dentro do campo. De acordo com Bourdieu a concepção desse só tem fundamento na

medida que o campo intelectual possui uma autonomia relativa. Independência essa que lhe

permita uma "autonomizacíon metodológica”, ou seja, a criação de um método estrutural que

trata o campo intelectual "como un sistema regido por sus propias leyes." (BOURDIEU,

2002, p. 10).

Contudo, em nosso caso temos de ter o esclarecimento que estes intelectuais, como

dito anteriormente, estavam fortemente atrelados e circunscritos pela instância do político. E

que apesar de suas visões, postura política e produção intelectual apresentarem uma nova

leitura sobre os problemas do desenvolvimento brasileiro, diferindo-se e distanciando-se dos

velhos chefes políticos, eles estavam diretamente relacionados ao campo político. Fosse por

35 James Fitzgeral Darcy nasceu na cidade de Rio Grande (RS) em 9 de julho de 1876, filho de JamesDarcy e de Josefa Maria de Sá Darcy. Foi representante político sul-rio-grandense,e integrante do “Jardim deInfância”. Eleito deputado estadual, em 1901;Deputado federal, de 1903 a 1908. Informações disponíveis noDicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930 (Verbetes), sob a coordenação de AlziraAlves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual do CPDOC – FGV, endereço eletrônico:https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/DARCY,%20James.pdf .

Page 91: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

86

sua trajetória de vida, vindos de famílias abastadas e/ou das classes dirigentes do país, ou por

sua formação profissional, nossos intelectuais tinham, em um país de poucos letrados, uma

gama limitada de ação. Voltando-se, assim, principalmente para atividades como a política, o

jornalismo (estando os periódicos de maior circulação atrelados aos partidos), o magistério e

funcionalismo burocrático.

Deste modo, no Brasil, o campo político e o campo intelectual, por nós estudado, só

podem ser compreendidos, se, diretamente relacionados. A autonomia que este grupo pleiteou

e até certo ponto adquiriu, encontrava-se em meio as estruturas possíveis de sua existência.

Sua liberdade estava na ruptura com os velhos grupos políticos, buscando traçar sua própria

trajetória.

A “política nova” assinalada por Eloy de Souza, consistia na visão baseada em ideias

que tinham como foco principal o tema do desenvolvimento econômico nacional. De acordo

com o estudo realizado por Giovanni Stroppa Faquin (2007), intitulado “Políticos da nova

raça”: Jardim de Infância e a experiência do poder na Primeira República”, havia por parte

destes sujeitos uma intensa preocupação com a “má sorte da indústria e agricultura nacional”

(FAQUIN, 2007, p. 86). Nesse intento uma ampla discussão sobre a estrutura social brasileira,

à época essencialmente agrária, era realizada no Parlamento.

Projetos que possibilitassem o auxílio as lavouras dos pequenos e grandes agricultores,

bem como estimulo a inciativa privada no Brasil, foram propostos por alguns dos integrantes

do “Jardim de Infância”. Dentre eles podemos citar o de David Campista36, que em 1904

defendeu a instituição do crédito agrícola, como uma forma de “estimular o cooperativismo e

o mutualismo entre os produtores” (FAQUIN, 2007, p. 80). Estes créditos seriam fornecidos

por instituições privadas nacionais, em detrimento das estrangeiras que tomavam conta do

nosso sistema financeiro. O projeto tornar-se-ia lei, resultando na reforma do Banco do Brasil,

que estenderia sua atuação por todo o país.

Leovigildo Filgueiras, por sua vez, tinha uma outra proposta para o crédito. Baseada

da Homestead, um dispositivo popularmente adotado nos EUA, nos meados do século XIX,

que tinha por objetivo promover o povoamento de áreas ainda desabitadas. O estimulo seria

dado através da isenção de obrigações do arrendatário das terras por cinco anos, sendo por fim

concedido a ele sua propriedade (FAQUIN, 2007, p. 81).

36 Davi Moretzsohn Campista,outro integrante do “Jardim de Infância”, foi representante parlamentar doestado de Minas Gerais, sendo eleito deputado federal de 1903 a 1906 e convocado no governo Afonso Pena aocupar a pasta da Fazenda (1906-1909).Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico daPrimeira República 1889-1930 (Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível napágina virtual do CPDOC – FGV, endereço eletrônico: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/CAMPISTA,%20Davi.pdf .

Page 92: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

87

Somado a estas propostas de “colonização do interior” e redução tarifária, está o

discurso proferido em 1906, por Eloy de Souza. Nele existe uma preocupação com a questão

demográfica nos estados seviciados pelas secas, bem como com o prejuízo causado por essa

ao desenvolvimento econômico nacional.

Outra questão abordada por ele é a “colonização” do extremo Norte, realizado pelos

sertanejos, que segundo seu relato não obtinham os resultados esperados. Bem como não

atingiam os lucros possíveis devido as péssimas condições de saúde com que chegavam os

trabalhadores. Todos estes problemas teriam, de acordo com sua perspectiva, como origem as

secas. A proposta das obras de açudagem, perfuração de poços, “Caixa das secas”, bem como

as questões levantadas sobre as altas tarifas impostas a navegação de cabotagem, iam ao

encontro dessa preocupação com o desenvolvimento da indústria e agricultura nacional. De

certo, ao reclamar sobre o “problema do Norte”, Eloy de Souza estava requerendo atenção

econômica para seu estado. Contudo, as ações por ele fomentadas abrangiam uma área

(região) bem mais ampla que os limites norte-rio-grandenses.

João Luís Alves37 também abordou as “medidas protecionistas”, sendo estas para ele

não apenas voltadas a questão tarifária. Para Alves, o protecionismo estaria ainda presente na

formulação de políticas que previssem prêmios aos produtores e diminuição do custo de

transportes. A ideia da premiação também se fará presente no projeto formulado por Eloy de

Souza, estabelecendo a regulamentação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), no

ano de 1909, como veremos mais adiante.

Essas eram, portanto algumas das ideias da “política nova” pretendida pelos políticos

do “Jardim de Infância”. A denominação da agremiação foi dada, em maio de 1906, pelo

deputado baiano Augusto de Freitas. Em um discurso inflamado acerca da predileção de

Afonso Pena por determinados políticos, membros do grupo, na formação de seu Ministério.

Bem como sua em insatisfação em relação a postura de Pinheiro Machado ante a situação.

Afirmou ele,

O chefe do Partido Republicano, (referia-se a Pinheiro Machado), de quem neste

momento nos despedimos saudosos, é um prisioneiro, eu o disse prisioneiro de

políticos de nova raça, aparecidos como de improviso na representação dos poderes

37 João Luís Alves, outro representante de Minas Gerais, também integrou o grupo conhecido como“Jardim de Infância”. Eleito deputado federal pelo estado, de 1903 a 1908; senador pelo Espírito Santo (1909-1918); foi ministro da Justiça do governo de Artur Bernandes (1922-1924); e ministro do Supremo TribunalFederal de 1924 a 1925. Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico da Primeira República1889-1930 (Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual doCPDOC – FGV, endereço eletrônico: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/ALVES,%20Jo%C3%A3o%20Lu%C3%ADs.pdf .

Page 93: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

88

públicos, convertendo êste país em um verdadeiro Jardim de Infância. (FREITAS,

1906, apud RIBEIRO, 1950, p. 96)

O motivo pelo qual Freitas acusou Pinheiro Machado de ter se tornado um "prisioneiro

de políticos de nova raça", foi a questão envolvendo a cisão da bancada baiana. Tal querela

deu-se em torno da disputa ao cargo governamental do Estado, na qual o senador Severino

Vieira e o governador José Marcelino disputaram. De acordo com o professor Leonídio

Ribeiro no texto “O “Jardim de Infância” e Afrânio Peixoto”, realizado em conferência no

Instituto Histórico Geográfico Nacional, no ano de 1950, o governo representado pela figura

do então Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas Miguel Calmon, apresentou apoio a

Marcelino.

Aurelino Leal, um deputado que havia sido recém-eleito, mas ainda não empossado,

saiu em defesa de Severino de Lima. Em represália a posição de Leal "A maioria, aos acenos

do poder. anula o diploma de Aurelino, sem que lhe viessem em auxílio os velhos elementos

obedientes à chefia de Pinheiro Machado..."(RIBEIRO, 1950, p. 96). Longe de ter uma

postura acovardada ante a situação como insinuou Augusto de Freitas, Pinheiro Machado ao

que tudo indica, ciente do quadro político que se instaurara, aguardava o momento mais

profícuo para agir. Esse veio com a ascensão, a presidência da Câmara, de James Darcy

político ligado a Carlos Peixoto e ao “Jardim de Infância” como veremos mais adiante.

Carlos Peixoto e Pinheiro Machado "representavam mentalidades opostas" (RIBEIRO,

1950, p.96). A “política nova” que pretendiam os “políticos de nova raça” contrapunha-se em

termos de atuação aos sujeitos que integravam o grupo político liderado por Pinheiro

Machado, que ficou conhecido como o “Bloco”, formado pelos mais tradicionais e

republicanos históricos. Nas palavras de Eloy de Souza, no “Jardim de Infância” "[...] não

havia combate aos homens senão quando êstes eram atrasados no tempo e placentados a uma

política detrimentosa ao progresso do país e ao fortalecimento do regime presidencial, do qual

Carlos Peixoto era devoto ortodoxo." (SOUZA, E., 1950, apud RIBEIRO, 1950, p. 105).

A alcunha dada por Augusto de Freitas, veio assim, batizar o “Jardim de Infância”,

que, “nasceu de conversações de deputados e jornalistas mais íntimos de Carlos Peixoto e

João Pinheiro” (SOUZA, E., 2008, p. 222). Seu grupo era formado por jovens políticos que

faziam parte de uma elite intelectual com forte atuação na vida pública do país. Seu programa

político estava voltado, em parte, para a solução de problemas econômicos, jurídicos e sociais

brasileiros. Cerca de 15 políticos, em sua maioria nascidos entre as décadas de 60 e 70 do

século XIX, compunham esse campo intelectual. Em sua maioria vindos de Minas Gerais. No

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quadro abaixo temos uma relação dos integrantes do grupo.

QUADRO 03 - INTEGRANTES DO “JARDIM DE INFÂNCIA”

NOME LOCAL DE NASCIMENTOANO DE

NASCIMENTOJoão Pinheiro da Silva Serro, MG 1860

Gastão da Cunha São João Del Rei, MG 1863David Moretzohn Campista Rio de Janeiro, RJ 1863Estevão Lobo Leite Pereira Campanha, MG 1869

João Pandiá Calógeras Rio de Janeiro, RJ 1870João Luís Alves Matias Barbosa, MG 1870

Afrânio de Melo Franco Paracatu, MG 1870Carlos Peixoto de Melo Filho Ubá, MG 1871

Augusto Tavares de Lira Macaíba, RN 1872Elói Castriciano de Souza Recife, PE 1873

Celso Baima Assunção, Paraguai 1874James Fitzgerald Darcy RIO Grande, RS 1876Miguel Calmon du Pin e

AlmeidaSalvador, BA 1879

Leovigildo de AmorimFilgueiras

BA Não identificado

Primitivo Moacir Não identificado Não identificadoFONTE: FAQUIN, 2007, p. 02.

Ao quadro fornecido por Giovanni Stroppa em seu trabalho, acrescentamos as

informações não identificadas: Leovigildo Ipiranga do Amorim Filgueiras nasceu, em Salvador, no

dia 7 de setembro de 185638 e Primitivo Moacyr, também baiano, nasceu no ano de 1867

(VENÂNCIO FILHO, 1943, p. 94). Estes jovens que ingressaram na política nacional através

dos velhos chefes políticos estaduais, realizaram uma política marcada pela intelectualidade e

“por uma sólida formação humanista, a familiaridade com os temas mais polêmicos da

filosofia política europeia e ao estudo técnico dos problemas nacionais, fossem estes pelo

prisma econômico, jurídico ou sociológico."(FAQUIN, 2007, P.08).

A formação intelectual destes sujeitos teve suas bases ainda na Monarquia e

adentraram, já no ensino superior, no regime republicano. Foram das faculdades que a maioria

deles puderam acompanhar, e, em alguns casos como o de João Pinheiro participar, da

propagação das ideias liberais e dos movimentos abolicionista e republicano. Em sua maioria

formados em Direito e/ou Ciências Sociais, como bem podemos observar no quadro abaixo,

eles representaram uma tentativa de renovação política na história da Primeira República

brasileira. Utilizando-se, entretanto, da dinâmica preestabelecida pelas práticas políticas da

época, adquiridas e vivenciadas através do seu ingresso na vida pública.

38 Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930(Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual do CPDOC – FGV,endereço eletrônico: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/FILGUEIRAS,%20Leovigildo.pdf

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QUADRO 04 - FORMAÇÃO ACADÊMICA DOS INTEGRANTES DO “JARDIM DE INFÂNCIA”

NOME

INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

Faculdade deDireito de São

Paulo

Faculdade deDireito de

Recife

Escola deMinas de

Ouro Preto

EscolaPolitécnica doRio de Janeiro

João Pinheiro da Silva XGastão da Cunha X

David M. Campista XEstevão Lobo Pereira XJoão Pandiá Calógeras X

João Luís Alves XAfrânio de Melo Franco X

Carlos Peixoto de M. Filho XAugusto T. de Lira X

Eloy Castriciano de Souza XCelso Baima X

James Fitzgerald Darcy XMiguel Calmon du Pin e

AlmeidaX

Leovigildo de AmorimFilgueiras

X

Primitivo Moacir (?) (?) FONTE: ELABORADO PELA AUTORA (2018)

Após a independência do Brasil e sua desvinculação administrativa de Portugal, fazia-

se necessário a formação de quadros dirigentes, ou seja, pessoas que fossem capazes de

executar as atividades estatais. Assim, os cursos jurídicos vieram ao encontro dessa

necessidade, formando uma elite intelectual que pudesse atender aos imperativos burocráticos

do país. Dentro dessa perspectiva, depois de várias discussões sobre as possíveis localizações

destes centros jurídicos, firmou-se que estes deveriam atender tanto as populações do Norte,

quanto do Sul do país. Assim, foram criadas as Faculdades de Direito do Recife para atender a

população nortista (originariamente sediada em Olinda e transferida para a outra cidade em

1854) e atendendo Região Sul, a Faculdade de Direito de São Paulo (SCHWARCZ, 1993, p.

142).

A figura do bacharel passou a incorporar além da imagem de uma intelectualidade

brasileira, um grande prestigio social, em função das possibilidades de engajamento político.

As instituições, assim, passaram rapidamente a atrair os filhos das elites rurais. Os primeiros

problemas enfrentados por estes estabelecimentos eram: a falta de "um grupo forte de

educadores" com "legitimidade intelectual para dirigi-los" e uma "uma clientela pouco

acostumada ao estudo e à reflexão" (SCHWARCZ, 1993, p. 142).

Apesar das similaridades entre as concepções de sua fundação e os problemas com a

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91

qualidade de ensino estas instituições apresentaram inicialmente diferenças significativas em

relação as orientações teóricas e o perfil profissional característicos de cada escola. Enquanto

São Paulo fora influenciada por um modelo político liberal, formando majoritariamente as

classes dirigentes políticas, a escola de Recife, de caráter mais doutrinador, teve como seus

maiores modelos de análises o darwinismo social e o evolucionismo (SCHWARCZ, 1993, p.

143).

Nos primeiros anos na Escola de Olinda, havia ainda uma forte presença do

catolicismo, sediada no mosteiro de São Bento a partir de 15 de maio de 1828, a faculdade de

direito apresentava em seu quadro de professores, alguns clérigos. A falta de material teórico

também foi um problema apresentado. Em resumo limitavam-se a reprodução de obras

jurídicas do estrangeiro, sobretudo de Coimbra, a qual muito se assemelhava a estrutura

curricular. Contudo, a mudança para Recife em 1854, trouxe também mudanças na estrutura e

produção intelectual da instituição. Transformando-se de centro reprodutor para criador de

ideias e polarizador de "intelectuais engajados com os problemas de seu tempo e de seu

país"(SCHWARCZ, 1993, p. 146). A alteração mais significativa no currículo veio em 1879,

na qual estabeleceu-se o "ensino livre", abolindo a obrigatoriedade de frequência nas aulas e

dividindo o curso em duas seções: as Ciências Jurídicas e as Ciências Sociais.

No programa das Ciências jurídicas estavam as cadeiras de direito natural, romano,

constitucional, civil, criminal, comercial, legal, pratica e teoria do processo. Já no de Ciências

Sociais as disciplinas de direito natural, público, universal, constitucional, eclesiástico, das

gentes, administrativo e diplomacia. Além da história dos tratados, ciência da administração,

higiene pública, economia e política.

A reforma das bases no ensino do direito em Recife estava, de acordo com Schwartz,

fortemente atrelada a fundação do Instituto Arqueológico Geográfico Pernambucano (IAGP),

em 1863. Esse buscou atuar como locus de preservação do passado da província e da

produção de conhecimento histórico, em detrimento da polaridade exercida pelo Instituto

Histórico do Rio de Janeiro. Além disso as mudanças estiveram relacionadas a um movimento

dos próprios intelectuais que buscavam dar ao direito um "estatuto científico" afastando as

influencias metafisicas e religiosas dominantes (SCHWARCZ, 1993, p. 147). Esta mudança

no pensamento intelectual foi denominada por Roque Spencer Maciel de Barros como a

“Ilustração Brasileira”.

De acordo com ele “os homens das décadas de setenta e oitenta se propõem,

realmente, a ilustrar o País, a “iluminá-lo” pela ciência e pela cultura; a fazer das Escolas

“focos de luz”, donde haveria de sair uma nação transformada” (BARROS, 1959, p 23-27).

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92

Para o autor de "A ilustração brasileira e a idéia de universidade", publicada no ano de 1959,

essa concepção era uma herança das ideias iluministas. Assim, os intelectuais formados neste

período, bem como seus sucessores, teriam suas visões voltadas para a crença no poder das

ideias, espírito científico, para a importância da educação e o desenvolvimento de uma visão

histórica (BARROS, 1959, p 23). Possibilitando a entrada as ideias do positivismo,

darwinismo, evolucionismo, crítica religiosa, naturalismo e cientificismo, as quais Silvio

Romero denominou de "um bando de ideias novas". As teorias evolucionistas de Darwin e

Spencer tiveram difusão em Recife sobretudo através de Tobias Barreto. Uma noção de

cientificismo aliada a biologia evolutiva tomou conta da escola, onde o subjetivismo e a

metafisica deram espaço a novas teorias e uma nova visão de nação (SCHWARCZ, 1993, p.

149).

A Escola de Direito de São Paulo, por sua vez, foi inaugurada em 1º de março de

1828, sediada no Convento de São Francisco. Bem como a Escola de Recife sofreu tanto com

problemas de infraestrutura quanto com organização do corpo docente. Além da falta de

moradia para receber todos os estudantes que vinham da Região Sul e Sudeste, que se

espalhavam entre pequenos aposentos pertencentes ao mosteiro e em “republicas”

(SCHWARCZ, 1993, p. 174). A marca da escola estava na estima pela função social da

prática do direito. A ciência da justiça era vista como a detentora da "alma mater" dos rumos

da civilização. O Direito, assim, seria a garantia de entrada do Brasil no mundo civilizado.

Quase como uma missão, um ato de fé a elite de "eleitos" da Faculdade de São Paulo,

formava os treinados para conduzir os destinos da nação. A diferença em relação a Faculdade

de Recife estava na autonomia dos "homens de direito" de São Paulo. Enquanto Recife estava

voltada à teoria e a formação de "homens de ciências" a escola de São Paulo voltava-se para

as práticas políticas e para a formação de juristas que servissem de políticos e burocratas do

país.

Alberto Venâncio Filho (1982) fornece-nos um apanhado geral das obras fornecidas

pelo programa destas instituições. Dentre as leituras estavam os economistas: Adam Smith

(1723-1790), defensor do livre-mercado e um dos precursores da economia política; Jeremy

Bentham (1748-1832), um dos fundadores do utilitarismo filosófico nos tempos modernos;

Jean-Baptiste Say (1767-1832), autor da lei dos mercados; Thomas Malthus (1766-1834), que

tratava da relação deficitária entre o crescimento da população e a produção de alimentos;

David Ricardo (1772 – 1823), economista que daria as bases para o nascimento da ciência

econômica do século XIX; Jean-Charles-Léonard Sismondi (1773-1842), historiador e

economista suíço que defendia a regulamentação da concorrência e o equilíbrio entre

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produção e consumo.

Das leituras mais voltadas para o universo jurídico podemos citar Samuel Puffendor

(1632-1694), alemão que influenciou na doutrina internacional da sua época, principalmente

em relação a soberania e Cesare Beccaria (1738-1794), criminalista italiano que preconizou

um novo sistema penal que abolia as torturas e outras penas desumanas (VENÂNCIO FILHO,

1982). Na análise das relações entre o homem e o Estado a influência mais forte foi do

Positivismo de August Comte (1798-1857) sendo, este inclusive uma das correntes

ideológicas que disputavam a Proclamação da República, juntamente com o jacobinismo e o

liberalismo (CARVALHO, 2017). Longe de serem consideradas deterministas para a

formação de seu pensamento, as leituras feitas pelos estudantes de direito nos dão

minimamente uma perspectiva do pensamento filosófico, jurídico e econômico ao qual eles

foram submetidos em sua formação.

De todo modo, a grande parte das discussões político filosóficas tiveram como caixa

de ressonância essas instituições de ensino superior, que foram tanto criadoras de novas

visões, quanto produtoras de novas perspectivas políticas. Essas, sobretudo, fundamentadas

nos ideais liberais de ensino. Além das faculdades citadas temos também a Faculdade de

Direito de Ouro Preto, criada em 1892. Essa teve inclusive a participação contundente de

alguns integrantes do “Jardim de Infância”, principalmente no que se refere ao quadro de

docentes. Fundada por Afonso Pena, a escola de direito de Ouro Preto, esteve também

baseada na concepção de “ensino livre”.

Podemos, assim, afirmar que uma boa parte dos integrantes do grupo, foram formados

dentro dessas concepções. Além de apresentarem uma instrução superior “comum”, os

integrantes deste campo intelectual tinham, em sua maioria, trajetórias de vida a marca da

presença familiar na política estadual e nacional. Sujeitos que herdaram o engajamento

político dos pais como foi o caso de um de seus organizadores, Carlos Peixoto de Melo Filho.

Carlos Peixoto, o principal articulador do grupo, era neto e filho de deputado e senador

do império. Teve seu ingresso na política federal no ano de 1903, apresentando uma rápida

ascensão na Câmara. Esta visibilidade política esteve relacionada a um incidente envolvendo

o deputado Alfredo Varela. Mesmo não tendo relação direta com as atividades parlamentares

o caso teve grande repercussão tanto no plenário quanto nos periódicos da época. A querela

deu-se em torno de uma ação de Varela, na qual utilizando-se de sua posição política, entrou

em defesa de uma de seus correligionários, preso após seu comício. Invadindo a delegacia,

Alfredo Varela forçosamente retirou-o, desacatando as autoridades presentes.

O caso foi parar na Câmara, onde o ato do deputado foi malvisto por alguns colegas

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que propuseram seu afastamento. Barbosa Lima, foi quem fez o discurso em defesa de Varela.

A resposta ficou a cargo do estreante Carlos Peixoto integrante da bancada mineira, a maior

em número de integrantes. Após discorrer sobre a questão e apresentar seus argumentos,

Peixoto encerrou sua fala declarando que a bancada mineira seria a favor da licença e assim

foi feito.

A partir de então, a visibilidade política conquistada por Carlos Peixoto em

decorrência de seu discurso torna-se cada vez maior. Por muitas de suas ideias passa a ser

acompanhado não só por jovens, como Eloy de Souza, mas também por outros políticos

intelectuais. Eloy de Souza afirmou que,

Os nossos primeiros encontros, para troca de idéias, se deram num modesto quarto

do Grande Hotel, ocupado durante longo tempo por Carlos Peixoto. Os mais

assíduos a estas tertúlias eram Afrânio Peixoto, Celso Baima, Miguel Calmon,

Euclides da Cunha, João Luís Alves. Ali também aparecia, diariamente, o almirante

Alexandrino de Alencar, Ministro da Marinha, que mandava sempre seu automóvel

para transportar aquele inolvidável amigo à Câmara dos Deputados, da qual era

presidente. (SOUZA, E., 2008, p.122)

Com a eleição de Afonso Pena à presidência da República, firmava-se mais ainda o

poder político de Minas Gerais. Aumentado a força da bancada e sobretudo a de Carlos

Peixoto, que foi elevado a líder da maioria e logo depois presidente da Câmara.

João Pinheiro, outro baluarte do grupo, não tinha a mesma relação política familiar

que Peixoto, Gastão da Cunha, David Campista, Eloy de Souza e tantos outros. Viera de uma

família humilde da cidade do Serro, em Minas Gerais. Filho de um imigrante italiano, não

teve como alguns dos “políticos de nova raça”, a oportunidade de frequentar escolas

regulares. Aos dez anos perdeu seu pai e a mãe não tendo condições de financiar seus estudos,

deixou ele e o irmão aos cuidados do tio, o padre João de Santo Antônio. Ele os matriculou no

seminário de Mariana (FAQUIN, 2007).

Contudo, João Pinheiro não seguiu o caminho eclesiástico. Optou pelo Direito e ao

ingressar na Faculdade de São Paulo, teve contato com ideias e figuras republicanas, como

Silva Jardim. Grande propagandista do Regime republicano, Jardim, dedicou-se a propagar as

ideias em diversas províncias, contudo o radicalismo de suas ideias não era muito bem aceito.

Em relação a aproximação entre João Pinheiro e Silva Jardim, Giovanni Stroppa

afirma ter sido realizada através da ocupação do cargo de zelador, por Pinheiro, na Escola

Normal de São Paulo, onde Jardim lecionava. Além do contato com Silva Jardim, a

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95

proximidade com as ideias positivistas de Cipriano Carvalho, seu professor, o fariam um fiel

defensor da República e do abolicionismo. Pinheiro frequentou a faculdade de direito no

mesmo período que Carlos Peixoto, Afrânio de Melo Franco, João Luís Alves, Afonso Arinos

de Melo Franco, Delfim Moreira, Wenceslau Bráz, dentre outros. Observemos que os três

primeiros citados, assim como Pinheiro, compunham o campo intelectual do “Jardim de

Infância”.

De volta a Minas em 1888, João Pinheiro iniciou suas atividades como advogado, em

uma firma aberta em conjunto com Francisco de Assis Barcelos Correia, na cidade de Ouro

Preto. No entanto, logo iniciaria sua vida pública. Seu interesse pela República o levou a

participar da primeira Comissão Executiva do Partido Republicano, na mesma cidade,

fundado em 03 de junho de 1888(FAQUIN, 2007). Pandiá Calógeras, com apenas 17 anos à

época, também está entre as assinaturas da reunião. Em 1889, Pinheiro torna-se candidato

pelo Partido Republicano, juntamente com David Campista para as eleições das Assembleias

Provinciais. Ambos os candidatos também foram responsáveis pela criação de clubes

republicanos pelo estado.

Já na República, João Pinheiro, que desde antes já havia empenhando-se e participado

dos movimentos de propaganda republicana, torna-se vice-governador do estado de Minas

Gerais do Governo Provisório, em 12 de abril de 1890. E foi, posteriormente, eleito deputado

em 15 de setembro de 1890. Contudo, passados apenas três anos após sua posse como

deputado, decepcionado com a ação dos políticos e dos partidos, abandona a política. Sua

descrença devia-se a politicagem profissional e as lutas pessoais que se estabeleceram como

cerne da política brasileira, deixando pouco espaço para o comprometimento destes com a

administração do Estado (FAQUIN, 2007).

Apesar disso, João Pinheiro volta a vida pública, em 1903, chamado pelo presidente de

Minas, Francisco Sales, a presidir o Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas

Gerais. Assim, de volta à cena política, lança sua candidatura ao Senado Federal em 1905,

pois ao que tudo indica, àquela hora, havia uma perspectiva de mudança. Essa contava com

um grupo de políticos que tinham, assim com ele, uma visão diferenciada para o

desenvolvimento político e econômico brasileiro. Nas palavras de Eloy de Souza,

João Pinheiro sempre constituiu o centro daquelas palestras, nas quais seus temas

prediletos eram os grandes problemas administrativos do Brasil, que expunha com

invulgar conhecimento e uma penetração que nunca deixou de alcançar horizontes

futuros. (SOUZA, E., 2008, p.288)

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96

Através destes exemplos podemos observar que estes intelectuais com engajamento

político tiveram as mais diversas trajetórias de vida pública. Levando-os a ocupar cargos

federais, seja na Câmara, no Senado ou ainda em Pastas Ministeriais.

QUADRO 05 - CARREIRA PARLAMENTAR DOS POLÍTICOS IDENTIFICADOS AO JARDIM DE

INFÂNCIA

Nome FormaturaInício dacarreirapolítica

Ingresso noParlamento

Idade aoingressar noParlamento

David Moretzohn Campista 1883 1891 1903 40Gastão da Cunha 1884 1900 1900 37

João Pinheiro da Silva 1887 1890 1890 30João Luís Alves 1889 1889 1903 33

Carlos Peixoto de Melo Filho 1889 1903 1903 32Estevão Lobo Leite Pereira 1890 1897 1900 31

João Pandiá Calógeras 1890 1896 1897 27Afrânio de Melo Franco 1891 1895 1903 33Augusto Tavares de Lira 1892 1893 1894 22Elói Castriciano de Souza 1894 1895 1897 24

Celso Baima 1895 1909 1909 33James Fitzgerald Darcy 1896 1903 1903 27

Miguel Calmon du Pin e Almeida 1900 1902 1906 26FONTE: FAQUIN, 2007, p. 50.

A aproximação política de Eloy de Souza com o grupo se dá tanto por sua formação

intelectual, suas ideias, como pelo fato de coabitar no mesmo espaço político. Ao tornar-se

deputado, ele passa a residir no Grande Hotel, um dos pontos de moradia, encontros e

discussões dos políticos da época. E “Na mesa do salão de jantar do Grande Hotel, onde se

assentavam habitualmente mineiros e norte-rio-grandenses [...]” (SOUZA, E., 2008, p. 292)

entre confabulações surgiu o “Jardim de Infância”.

Naquele espaço,

Durante algum tempo ali residiu João Pinheiro, que habitualmente reunia no salão

do Grande Hotel os mesmos e outros amigos, principalmente mineiros. Do Grande

Hotel, mudou-se Peixoto para a rua das Laranjeiras, 294, onde passou a residir

comigo, Afrânio Peixoto e Primitivo Moacir. Não é preciso dizer que desde esse dia

até sua renúncia de presidente da Câmara, a casa não esvaziava, quase do amanhecer

até altas horas da noite." (SOUZA, E., 2008, p. 233)

Das “frequentes conversas na casa das Laranjeiras”, entre os integrantes, ficou

acertado que caberia a Eloy, “procurar solução adequada para o problema das secas”

(SOUZA, 2008, p, 228). A escolha foi motivada justamente pelo interesse e conhecimento do

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tema, já esboçados por Eloy de Souza, no discurso de 1906. A participação de nosso

personagem neste grupo, portanto, é marcada pela sua produção parlamentar acerca da

solução para o problema das secas do Norte. Assim, “Pondo de parte iniciativas que a outros

caberiam concretizar em projetos” (SOUZA, E., 2008, p, 228), o “Jardim de Infância”

conquistou também o apoio do presidente Afonso Pena. Contudo, o grupo também adquiriu

muitos opositores. Esses, sobretudo, estavam agregados ao “chefe político”, também mineiro,

Pinheiro Machado, como afirmamos anteriormente.

O primeiro golpe contra o grupo foi proferido por Germano Hasslocher, um dos porta-

vozes de Machado na Câmara, ao então líder da maioria, James Darcy. Hasslocher acusou

publicamente Darcy de ser indiferente as aos ataques proferidos por Pinheiro Machado. Não

aceitando ser visto sob uma postura duvidosa ou acovardada, James Darcy renuncia ao

mandato.

De acordo com Giovanni Stroppa poucos dias depois do ocorrido circulava a

informação que Pinheiro Machado havia dito acerca do sucedido: "Despencou o primeiro

galho do Jardim de Infância; agora vai a árvore." (FAQUIN, 2007, p. 98). Se tal afirmação foi

verdadeira, Machado não estava enganado. O golpe certeiro a existência do grupo como força

política veio meses depois com a repentina morte de Joao Pinheiro. Uma das mais fortes bases

de apoio de Carlos Peixoto e o nome que desejavam lançar em candidatura à presidência,

como forma de concretização da ação do grupo.

Eloy de Souza afirmou que, "A morte de João Pinheiro destruiu, simultaneamente, o

prestígio de Carlos Peixoto na direção da política nacional e, ao mesmo tempo desarticulou,

com o falecimento posterior do conselheiro Afonso Pena, o eixo da política." (SOUZA, E.,

2008, p 102). Na falta de Pinheiro, o outro nome cogitado como representante na corrida pela

presidência, foi o de David Campista. Recebendo também o apoio do presidente Pena a sua

possível candidatura. Em relação a ter seu nome na disputa, Eloy afirma que Campista não

tinha o menor interesse em ser presidente. Sua verdadeira ambição era de ser ministro do

Brasil em Paris, tanto que recusou o convite feito por seus colegas (SOUZA, E., 2008, p 102).

A morte de João Pinheiro e a recusa de David Campista em concorrer à presidência,

enfraqueceu a força política de Carlos Peixoto. A situação que se instalara fez com que

mesmo reeleito presidente da Câmara, ele renunciasse pouco tempo depois.

O fim do Jardim de Infância havia sido decretado. Com a morte de Afonso Pena, em

junho de 1909, uma das poucas forças de sustentação política que restavam ao grupo chega ao

fim. Apesar do pouco tempo de existência o "Jardim de Infância" deu frutos. Possibilitou um

aprofundamento de questões importantes na política nacional. Discussões sobre a economia e

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98

desenvolvimento brasileiro foram realizados no parlamento, sendo a questão das secas uma

delas. Eloy de Souza conseguiu através do grupo unir forças e recursos para aprofundar as

questões relativas aos interesses da região dos estados seviciados. Foi durante sua participação

no grupo que recebeu a incumbência, do presidente Afonso Pena, de redigir a regulamentação

do primeiro órgão para a resolução do problema: a Inspetoria de Obra Contra as Secas

(IOCS).

2.3 ELOY DE SOUZA E A INSPETORIA DE OBRAS CONTRA AS SECAS

“Até hoje não sei se o Dr. Rodrigues Alves teve o nome do conselheiro Afonso Pena

como primeiro candidato provável à sua substituição. Foi este um dos segredos impenetráveis

de sua vida pública” (SOUZA, E., 2008, p 218). O nome de Afonso Pena para o cargo não foi

algo imediato. Lembremo-nos que os nomes dos candidatos à presidência eram de escolha dos

chefes dos partidos. Para a sucessão de Rodrigues Alves, pirava a dúvida de qual seria o nome

indicado. De acordo com Eloy de Souza, Pinheiro Machado e Pedro Velho discutiram sobre a

questão sem chegar em uma decisão.

Foi a oportunidade que os “políticos de nova raça”, João Pinheiro e Carlos Peixoto,

esperavam para tentaram indicar um nome. Ao que tudo indica a dissidências políticas entre

eles e Machado, só seriam agravadas após a eleição. O nome indicado por eles foi o de

Francisco Sales, “republicano histórico”, então presidente de Minas Gerais. O intermediador

da proposta foi Eloy de Souza. Tendo proximidade com ambos os grupos - dos “republicanos

históricos”, conquistado por intermédio de Pedro Velho e dos “políticos de nova raça” -, foi

incumbido de levar o nome de Sales à Pinheiro Machado. A ideia de a sucessão presidencial

estar a cargo de um mineiro já havia sido cogitada e Machado acatou a sugestão. Contudo, o

nome de Francisco Sales não era o único conjecturado. Ao que tudo indica o presidente

Rodrigues Alves tinha uma predileção para o cargo.

O candidato de sua preferência era Afonso Pena, seu vice-presidente. A fidelidade de

Francisco Sales à Rodrigues Alves, fizera-o declinar ao convite. O conselheiro Afonso Pena,

também mineiro, foi então o nome escolhido. Sendo apoiado pelo grande líder político

Pinheiro Machado. Bacharel em direito pela Faculdade de São Paulo, matriculado na turma de

1866, Afonso Pena, teve uma trajetória política ascendente. Primeiro como presidente de

Minas Gerais de 1892 a 1894, depois assumindo a Presidência do Banco da República, em

1895. Foi Vice-Presidente, em 1903, no governo de Rodrigues Alves e, por fim, Presidente da

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99

República, em 1906. Escolhido e eleito presidente Afonso Pena formou seu Ministério

(HORTA, 1994).

Dentre os nomes escolhidos havia uma forte presença dos “políticos de nova raça”.

Para a pasta do Ministério da Justiça e Negócios Interiores nomeou Augusto Tavares de Lyra,

para o Ministério da Marinha escolheu Alexandrino Faria de Alencar; como Ministério da

Guerra nomeou marechal Hermes da Fonseca; para o Ministério das Relações Exteriores

optou por José Maria da Silva Paranhos Júnior, barão do Rio Branco; Ministério da Fazenda

escolheu David Morethson Campista; Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas

nomeou Miguel Calmon du Pin e Almeida;

A formação deste Ministério e a suposta intervenção de Carlos Peixoto na indicação

dos nomes de integrantes do seu campo intelectual (SOUZA, E., 2008, p 224), custaram a

simpatia de Pinheiro Machado e de outros velhos chefes políticos. A predileção de Afonso

Pena pelos “políticos de nova raça”, em detrimento dos nomes a contento de Machado, não

agradou nem a ele, nem aos políticos do “Bloco”. Podemos nos questionar: qual a relação de

Afonso Pena com os “políticos de nova raça” e quais motivos levaram ao seu apoio político as

ideias e ações do grupo? Primeiramente, a origem de Pena o colocava no mesmo campo

político e intelectual que muitos dos integrantes do grupo. O então presidente também havia

se formado, como tantos outros mineiros, na Faculdade de Direito de São Paulo.

Afonso Pena fez parte da sociedade secreta conhecida como “Bucha”, a qual alguns

integrantes do “Jardim” também participaram. Foi idealizador e fundador da Faculdade de

Direito de Ouro Preto, da qual foi presidente e teve como professores João Pinheiro, David

Campista, João Alves, Gastão, dentre outros (HORTA, 1994). Dentre as particularidades do

mundo acadêmico brasileiro, à época, temos menção a existência de sociedades secretas. A

mais comum no conhecimento popular era a Maçonaria, da qual Eloy de Souza foi integrante.

Contudo, nas instituições de ensino superior, elas também se fizeram presentes e cada uma

estava ligada essencialmente a uma faculdade. Tivemos a Landmanschaft na Escola

Politécnica de São Paulo, a Tugendsbund na Faculdade de Direito de Recife e a

Burschenschaft, conhecida como “Bucha” que se fez presente na Faculdade de Direito de São

Paulo (FAQUIN, 2007, p. 19).

A Burschenschaft, fundada pelo professor Júlio Frank, teve como alguns de seus

integrantes Afonso Pena, Pinheiro Machado, Rui Barbosa, Rodrigues Alves, Campos Sales,

Arinos de Melo Franco, Wenceslau Brás, Artur Bernardes, dentre outros grandes nomes da

política brasileira, no período. Alguns integrantes do “Jardim de Infância” também

participaram do grupo, entre eles estavam João Pinheiro, Afrânio de Melo Franco e David

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100

Campista. Essas fraternidades tinham por característica a prática do auxílio assistencial aos

estudantes mais necessitados, mas devido ao seu caráter secreto, muito pouco sabe-se sobre

estes grupos.

De todo modo, o fato de Afonso Pena ter em sua trajetória um contato, para além das

atividades políticas, com tais jovens, nos remete à uma possível proximidade e identificação

intelectual existente entre eles. Assim, a relação de Pena com alguns integrantes do grupo ia

além da participação desses na política nacional. A escolha por nomes de “políticos de nova

raça” para a composição de seu Ministério não fora desinteressada. Havia uma identificação

de ideias entre o presidente e seus apoiadores, conceitos compartilhados inclusive no modelo

de ensino da Faculdade de Direito Livre de Ouro Preto.

Dentre os compromissos firmados por Pena, na sua plataforma de governo, havia a

preocupação com as taxas cambiais brasileiras em relação aos produtos da lavoura, comércio

e indústria. Outra proposta de governo foi o comprometimento de tomar medidas para a

solução do “problema do Norte”, dando segmento a ações já iniciadas no governo anterior do

qual fora vice. Eloy de Souza, referindo-se à fixação da taxa cambial, afirmou

A lei aprovada fixou a taxa cambial de 15 dólares e vigorou até a Primeira Guerra,

com os resultados previstos. Na discussão do projeto de autoria do deputado David

Campista, posteriormente ministro da Fazenda, o que há de ressaltar,

principalmente, é a graça, a aparente ligeireza com que o orador justificou e

defendeu tese tão árida (SOUZA, E., 2008, p 221)

Assim, a preferência por alguns nomes do “Jardim de Infância” não foi ao acaso.

Acerca da escolha de Tavares de Lyra, em detrimento de Augusto de Freitas, Eloy de Souza

ressalta que opção se deu devido o reconhecimento de Afonso Pena ao trabalho e ideias do

então governador do Rio Grande do Norte. Em suas viagens de campanha Afonso Pena “[...]

teve a feliz iniciativa de viajar parra conhecer alguns Estados do Norte." (SOUZA, E., 2008, p

220). E visitando as capitais do Estados pôs-se a parte dos problemas desta “porção territorial

do Brasil” (SOUZA, E., 2008, p. 220). Ao passar pelo Rio Grande do Norte demorou alguns

dias em conversações do Tavares de Lyra e “Prometeu nesta oportunidade dar

desenvolvimento aos serviços já em início e expedir regulamento organizando a Inspetoria”

(SOUZA, E., 2008, p 220).

O projeto inicial IOCS, assim, foi um compromisso firmado durante o governo de

Afonso Pena à Tavares de Lyra. De acordo com Eloy de Souza,

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101

Os compromissos do Dr. Afonso Pena relativos à solução do problema das secas

foram manifestados em Natal ao Dr. Tavares de Lyra, seu ministro da Justiça

quando na Presidência, compromissos igualmente formais tomados comigo em

conversas anteriores no Rio de Janeiro. Estava assim eu certo de que o assunto não

demoraria a ser tratado, tanto mais quando, era seu ministro da Viação o Dr. Miguel

Calmon, intimo amigo meu e igualmente empenhado pela redenção do Nordeste.

(SOUZA, E., 2008, p. 241)

O Jornal o Commercio publicou, em 03 de junho de 1907, a esse respeito,

Na legislatura passada, na Câmara dos Deputados, entre os inúmeros discursos

pronunciados, um houve que despertou a atenção dos seus membros, entre os quais

figurava o Sr. Dr. Miguel Calmon, hoje Ministro da Industria, Viação e Obras

Públicas.

O orador foi o Deputado Eloy de Souza, representante do Rio Grande do Norte, que

pronunciou um discurso sobre a seca implacável que há muitos anos vem assolando

o seu Estado natal, o Ceará, a Paraíba e outros. [grifo nosso] (SOUZA, 1983, p. 184)

Como estabelecido pelo “Jardim de Infância”, e agora requerido pelo próprio

presidente, Eloy de Souza dá continuidade ao seu trabalho na luta contra as estiagens e no

mesmo ano, redige o regulamento para a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas

(IOCS). Instituição que posteriormente será denominada de Inspetoria Federal de Obras

Contra as Secas (IFOCS) e hoje designada de Departamento Nacional de Obras Contra as

Secas (DNOCS).

O projeto é elaborado em conjunto com outro integrante do grupo, Miguel Calmon du

Pin e Almeida. Esse representante político da Bahia tinha entre suas preocupações o

desenvolvimento agrícola, sendo o fundador do Instituto Agrícola da Bahia, em 1905. De

acordo com Eloy de Souza, Calmon e ele foram incumbidos por Afonso Pena de redigir o

Regulamento da IOCS, que foi entregue antes mesmo do prazo estabelecido, visto o

conhecimento anterior deles sobre o assunto. Uma vez pronto o projeto foi levado “à

apreciação mais esclarecida dos Drs. Orville Derby, Euclides da Cunha, Paulo Queiroz,

Gravatá, Francisco Sá e Sampaio Correia.” (SOUZA, 1983, p. 104).

Contudo, essas consultas acabaram por retardar a aprovação do projeto e com o

falecimento de Afonso Pena, acabou por “engavetado”. No ano de 1909, “uma vez no

ministério e não tendo encontrado na secretária o nosso projeto, mandou-nos o Dr. Francisco

Sá por intermédio do Dr. Gracho Cardoso, indagar o seu paradeiro.” (SOUZA, 1983, p. 104).

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102

O engenheiro Francisco Sá que era, à época, senador pelo Estado do Ceará, membro do grupo

familiar cearense Nogueira Accyoli, foi escolhido pelo governo de Nilo Peçanha para o cargo

de Ministro da Viação e obras Públicas. Tendo conhecimento anterior do projeto de Eloy de

Souza e de suas benesses econômicas para "os estados seviciados pelas secas" optou por

colocá-lo em prática.

Eloy de Souza apresentou novamente o projeto. Assim, dois anos depois de sua

formulação, a Inspetoria de Obras Contra as Secas é criada, expedida pelo Decreto nº 7.619,

em 21 de outubro de 1909. O órgão configurava-se em uma divisão especial do Ministério de

Viação e Obras Pública e tinha por responsabilidade:

Art. 49. A essa inspectoria incumbe:

1º, organizar o serviço de levantamento das zonas mais assoladas pelas seccas e a

collecta dos dados meteorologicos, geologicos, topographicos e outros necessarios á

systematização do serviço de estudos e de construcção de obras contra os effeitos

das seccas;

2º, o estudo, projecto, orçamento e execução das obras especiaes que forem

ordenadas pelo Ministerio da Viação e Obras Publicas;

3º, a conservação e exploração das obras que ficarem a cargo do Governo Federal;

4º, a fiscalização das obras executadas pelos Estados, pelas municipalidades ou

pelos particulares, com auxilio ou premios da União;

5º, a celebração de contractos e accôrdos relativos ao concurso da União nas obras

por esta fórma executadas. (BRASIL, Decreto nº 7.619 de 21/10/1909, p.01)

No escopo do projeto de regulamentação do órgão estavam a criação de estradas de

penetração e rodagem, açudes pequenos, médios e grandes, canais de irrigação, poços

tubulares e prêmios à açudagem particular. Este último em muito remete à ideia de João Luís

Alves.

A área de atuação da inspetoria foi dividida em três seções. A primeira tinha por

responsabilidade executar trabalhos nos Estados do Ceará e Piauí, a segunda seção no Rio

Grande do Norte e Paraíba e pôr fim a terceira realizar ações na zona entre Pernambuco e o

norte de Minas Gerais (BRASIL, Decreto nº 7.619 de 21/10/1909, p. 07). O órgão, assim,

tinha por finalidade administrar e fiscalizar as obras em todo o território marcado pelo clima

semiárido.

Assim, mesmo findo o “Jardim de Infância”, a participação política de Eloy de Souza

e suas ideias de desenvolvimento econômico para a região dos “estados seviciados pelas

secas”, tiveram continuidade. Essas estiveram alinhadas aos interesses dos “políticos de nova

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103

raça”, que visavam a expansão da Nação, na qual, naquele momento, a ideia regional integrar-se-ia a

partir da formulação de um avanço nacional, conquistado através da superação dos antagonismos

provocados pela seca.

Deste modo, a partir das Memórias de Eloy de Souza e de suas ações parlamentares

posteriores ao discurso de 1906, é possível afirmarmos que sua participação no “Jardim de

Infância” possibilitou-o um aprofundamento nas questões relativas as secas e que estas

corroboraram para formulação de uma nova espacialidade, o Nordeste, em meio à ideia da Nação.

Podemos afirmar ainda que seu alinhamento com o grupo, abriu-lhe a possibilidade de

novas relações políticas, para além das estabelecidas sob o apadrinhamento político de Pedro

Velho. E que o discurso de 1906 e sua participação no “Jardim de Infância”, foram os

primeiros passos em direção a Lei Epitácio Pessoa. Legislação de suma importância para o

reconhecimento dos “estados seviciados pelas secas” como uma região especifica dentro do

espaço regional e nacional.

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104

CAPÍTULO 3 - ESTADOS SEVICIADOS PELAS SECAS: DISCURSO POLÍTICO,CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO E IDENTIDADE REGIONAL

Traçamos até aqui a trajetória de vida pública de Eloy de Souza, sua relação com o

campo político local, sua projeção nacional e os vínculos estabelecidos por ele nesses espaços.

Bem como ressaltamos a emergência do tema das secas em seus discursos e tentamos

minimamente balizar os caminhos que o levaram a abordá-lo e defendê-lo como projeto

político-econômico. Observamos que a inserção de Eloy de Souza no campo político norte-

rio-grandense e sua posterior participação no grupo “Jardim de Infância” talhou-o não só

como um defensor de um combate as secas, mas também como um participe em torno da ideia

de uma “nova política”.

Assim, nosso personagem tornou-se porta voz de um discurso de recuperação

econômica para determinados estados do Norte do país. Sua posição privilegiada tanto na

política, quanto em torno do discurso sobre a espaço, nos permite uma aproximação com as

questões relativas a construção de um recorte dentro no Norte. Por conseguinte, uma

elaboração de uma nova espacialidade dentro do espaço já definido (PEIXOTO, 2005).

Mesmo após o fim do grupo político, nosso personagem continuou na legislatura uma

atuação que visava o combate aos problemas econômico-sociais causados pelas estiagens,

tanto no Rio Grande do Norte como nos demais Estados “seviciados” por ela. Podemos,

portanto, considerar Eloy de Souza um dos principais elaboradores da construção identitária e

delimitação espacial da região Nordeste e um dos colaboradores na elaboração das leis de

combate as secas, voltada para esta parte do país. Contudo, antes de prosseguirmos pelos

caminhos que levaram à inscrição da ideia dos "estados seviciados pelas secas" no espaço, e

sua transformação no invólucro da região, faz-se necessário fazermos algumas considerações

acerca da elaboração do espaço brasileiro. Construção essa que teve seus primeiros traços

esboçados durante o Império, no período posterior a Independência.

Vale ressaltar que desde o início do século XIX até meados do século XX, ainda se

estava trabalhando por uma elaboração de um espaço nacional. Movimento esse realizado por

intermédio da atuação do IHGB e de órgãos como a Secretaria de Estado dos Negócios

Estrangeiros (SENE) 39, depois Ministério das Relações Exteriores (MRE), que buscavam

através de seus discursos dar legitimação ao território brasileiro e possibilitar o exercício do

39 Sobre a atuação do SENE na formulação do espaço nacional brasileiro ver: PEIXOTO, Renato Amado.A Máscara da Medusa: a construção do espaço nacional brasileiro através das corografias e da cartografia noséculo XIX. Tese de doutoramento defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em História Social/ Institutode Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2005.

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105

poder do Governo Central, fosse pela construção histórica deste espaço, ou, pela delimitação

de seu recorte geográfico.

É importante salientar também que até o começo do século XIX, o "saber sobre o

território" brasileiro era limitado. O desconhecimento e a "indeterminação do espaço"

dificultava a ação do Estado e o domínio do poder deste sobre seu território. Essa falta de

conhecimento dava-se em parte por conta das iniciativas isoladas realizadas pela Metrópole,

durante o período colonial, bem como pelo fato de boa parte das informações levantadas

serem direcionadas a Portugal (PEIXOTO, 2005).

Após a Independência essa falta de informações e essa não determinação precisa do

território precisavam ser resolvidas. Assim, a ação de pensar o espaço demandava uma

"inscrição da Nação num território", sua delimitação, ou seja, a sua materialização física no

espaço (PEIXOTO, 2011, p. 14-15). Essa perspectiva não estava apenas relacionada a

demarcação de um território, ou a delimitação do espaço brasileiro em relação aos outros

países. Ela estava também ligada a ideia de unir as partes o que compunham a Nação.

Buscando, assim, estabelecer uma relação "dos grupos dispersos no território com um espaço

e um centro comum" (PEIXOTO, 2005, p. 14), formulando deste modo a própria Nação.

A construção de um material sobre o espaço e de uma “narrativa territorial”

(PEIXOTO, 2005, p. 29), estava ligada tanto ao interesse das elites políticas, que através das

narrativas das instituições como o IHGB e suas sedes locais, afirmar-se-iam como parte de

“um conjunto espacial ordenado em torno do Estado centralizado no Rio de Janeiro”

(PEIXOTO, 2005, p. 09). Bem como também serviriam para aumentar a efeito da ação dos

agentes do Estado, no espaço. Essa “centralidade, ou seja, uma visão de centro” (PEIXOTO,

2005, p. 10) vislumbrada pelo Estado e seus agentes, exercida e difundida através dos

mecanismos de reconhecimento e estabelecimento do território, constituía-se de acordo com

Renato Amado Peixoto, de uma "reelaboração da cosmologia da Metrópole" (PEIXOTO,

2005, p. 10). Sendo assim, uma nova apreensão do olhar colonizador. Este não mais relativo a

ligação entre Metrópole e Colônia, mas, sim, entre o Estado, como centro do poder e o seu

território, as províncias, como área de atuação deste poder.

Para estabelecer o domínio do Estado sobre o espaço, fazia-se necessário delimitar,

identificar as áreas de atuação de sua soberania. Assim, a produção de um material que

pudesse suplantar esse interesse deveria ser resgatada e/ou produzida. Isto ficaria,

principalmente, a cargo do IHGB, que organizaria comissões de reconhecimento do território,

estudos e produções no intento de desenvolver um projeto histórico atrelado a questão

nacional. No processo de centralização, da construção do projeto histórico e da elaboração

Page 111: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

106

espacial do Estado brasileiro, os saberes produzidos acerca do espaço, - as descrições do

território, os mapeamentos, as delimitações do espaço urbano -, acabaram por evidenciar duas

regiões distintas. Uma, mais privilegiada, pois participava mais diretamente dos interesses do

Estado, através da produção agrícola e atividades comerciais e imobiliárias, que correspondia

aos agrupamentos urbanos nas regiões mais próximas ao litoral. A outra porção, por sua vez,

correspondente as demais parcelas do território ocupadas ou reconhecidas (PEIXOTO, 2005).

O estabelecimento desta distinção dava-se em relação aos interesses do Estado, que

tinha como ponto referencial a Corte, no Rio de Janeiro. Esse, ainda de acordo com Peixoto

era o centro da Nação e elemento coordenador não apenas do espaço nacional, mas deste em

relação às partes do espaço (PEIXOTO, 2011). Esta diferenciação pode ser impressa, aqui,

tanto em relação as disputas entre Norte e Sul, no espaço nacional a partir da década de 1870,

como no estabelecimento das diferenças existentes entre Norte e “Nordeste”, no âmbito

regional. Por fim, podemos ainda estender essa dicotomia à relação existente entre as visões

acerca do litoral e o sertão.

Assim, nas disputas observamos elementos que compreendiam tanto a afirmação de si,

formação de uma identidade, quanto a busca de uma diferenciação em relação ao outro.

Convém salientar que o estabelecimento de “diferenciação regional” e autoafirmação destes

territórios, sobretudo, do Norte em relação ao Sul, deu-se em torno das questões relativas ao

status de periferização constituídos pelos nortistas. De acordo com a visão daqueles que

produziam então o Norte, sendo este compreendido inicialmente como a parte do território

nacional que estava situada acima do Rio de Janeiro, havia por parte do Governo Central o

estabelecimento de um verdadeiro ostracismo, realizado desde o início da crise açucareira.

O esquecimento econômico da região dava-se, principalmente em detrimento do surto

de desenvolvimento econômico cafeeiro, no Sul. Sendo este a porção territorial, que, por

conseguinte, englobava tudo o que estava da sede unidade administrativa brasileira. Essas

disputas entre Norte e Sul, tiveram seus primeiros apontamentos na década de setenta do

século XIX. De acordo com Renato Amado Peixoto, numa análise dos estudos de Evaldo

Cabral de Mello e Rosa Maria Godoy, pode-se chegar à conclusão que essa regionalização fez

parte de um movimento que

foi constituído numa tensão entre a estratégia inter-regional e a reafirmação da

inscrição intrarregional, tensão essa que teria se inflectido na elaboração do discurso

nortista, uma vez que sua estrutura narrativa articulou metáforas claramente opostas

na busca de uma unidade de sentido. (PEIXOTO, 2011, p.130)

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107

Essas metáforas assinalas por Peixoto podem ser, aqui, explicitadas através do

discurso de Eloy de Souza, trabalhado no capítulo anterior. Nele observamos uma exaltação

do Norte em relação ao Sul. Primeiro quanto à referência a “dívida histórica” nacional com

aquele espaço, decorrente do papel da região no resguardo e manutenção do território e,

consubstanciado através de seu papel nas lutas contra as invasões holandesas.

Bem como na elaboração de um discurso em torno da essencialidade do território, na

própria formação da Nação, sem o qual a atuação dos bandeirantes no desbravamento do

brasileiro, não teria sido possível. Nesse sentido o desenvolvimento sulista e, sobretudo, o

nacional, só tiveram possibilidade de êxito em decorrência da ação do Norte. Ao se referir ao

"passado de lutas, em verdade orientadas pela missão que durante largos annos nos coube de

defender o littoral, para que se pudesse realizar, com o successo conhecido, a obra dos

bandeirantes, na aspera consquista do sertão" (BRASIL, Annaes da Câmara dos Deputados,

1906, p.40), Eloy de Souza utiliza-se da visão de uma essencialidade e superioridade do Norte

em relação ao Sul, numa perspectiva da estratégia inter-regional.

Ainda em seu discurso, ele realiza uma digressão em relação a reafirmação de uma

inscrição intrarregional, ao tratar do problema dos “estados seviciados pelas secas”,

elucidando de maneira valorativa os aspectos da identidade do sertaneja. Através da ideia de

força, da capacidade de luta e resignação do sertanejo, Eloy de Souza, formula discursiva e

imaginariamente esse “tipo brasileiro” como um elemento simbólico de um recorte espacial,

estabelecendo, assim uma diferenciação do sertanejo em relação a outros brasileiros, a saber,

do extremo Norte do país.

Dentro dessa distinção regional haveria, ainda, as subdivisões entre o Norte e

“nordeste”, e entre o litoral, serra e sertão. Sendo essas diferenciações elaboradas, sobretudo,

em torno dos elementos físicos, climáticos e econômicos destes espaços. Nessa perspectiva, o

Norte é compreendido a partir da visão elaborada pelos representantes dos “estados seviciados

pelas secas”. Sendo aquele visto como a porção territorial não atingida pelas secas e voltada a

produção da borracha. E o “nordeste”, aqui com N minúsculo, por ainda não ser constituído

como região legitimada e espacialmente delimitada, compreendido como a área atingida pelas

secas.

Nesse discurso o “nordeste” é elaborado como um espaço que possui grande

potencialidade econômica, que com a devida ação e investimento estatal conquistaria seu

amplo desenvolvimento. Tanto com a recuperação da indústria açucareira, quanto com a

produção do “ouro branco”, o algodão. Podemos ainda, dentro da complexidade e

multiplicidade espacial existente nesta porção territorial, genericamente, chamada de Norte,

Page 113: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

108

apontar a diferenciação existente entre os espaços do litoral, serra e sertão. Esses

apresentados, principalmente, em relação as suas características e especificações físicas e

climáticas. O primeiro, o litoral, sendo nas palavras do Senador Pompeu, “[...] uma zona de 2

a 4 leguas, é mais fresco e tambem mais constante.”. O segundo, “muito mais fresco e menos

húmido que o do litoral.”. E o último, o sertão, o qual a maior parte dos discursos irão apontar

como elemento de conexão entre determinados Estados do Norte, é reconhecido pelo clima

“mais secco e mais quente.” (SOUZA BRASIL, 1877, p.08).

Nessa mesma perspectiva da diferenciação existente dentro do espaço dos “estados

seviciados pelas secas”, no que se refere as características climáticas, Miguel Arrojado

Lisboa, Inspetor da IOCS, no ano de 1913 assinalava, “Habitualmente differença-se no

Nordeste tres climas: o do littoral, o das serras e o do sertão. No littoral e nas serras, por via

de regra, ha chuvas sufficientes. O clima caracteristico das seccas é o do sertão” (LISBOA,

1980, p. 116). Assim, a visão impressa e compartilhada a partir das informações e afirmações

sobre aquele espaço, erigiam a Seca como elemento de conexão e identificação entre os

“estados irmãos”. E é justamente em torno dela que os discursos em defesa de uma

recuperação econômica para a região girariam.

Portanto, a escolha das falas e atuação parlamentar de Eloy de Souza, serve-nos muito

bem para conduzir a formação dessa associação imagética, entre “nordeste” e as secas, bem

como construção de uma dissociação territorial entre o Norte e o “nordeste”. Deste modo

compreendemos que uma narrativa acerca de um determinado espaço, dentro do espaço

brasileiro, tomava sentido e forma de identificação e delimitação. Falar dos "estados

seviciados pelas secas" era falar de um espaço a ser reconhecido como distinto e constituído

como tal. Espacialidade a ser elaborada como região a partir dos conhecimentos e discursos

erigidos sobre ela.

Vale ainda ressaltar que, aqui, adotamos a ideia de região como uma categoria de

pensamento do mundo social, a partir das acepções de Pierre Bourdieu (2004). Nelas a noção

de região é compreendida a partir da concepção de poder simbólico. Sendo este "o poder de

constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a

visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo"(BOURDIEU. 2004,

p.14). Assim, a regionalização, ou melhor a ideia de construção de uma região, seria antes de

tudo, expressão desse poder, que dá existência aquilo que enuncia. Uma ideia instituída não

apenas pelo poder das palavras, mas sobretudo pela “crença na legitimidade que elas possuem

e de quem as pronuncia” (BOURDIEU, 2004, p.15).

Deste modo aquele que enuncia pode utilizar-se da carga simbólica presente, por

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109

exemplo, no discurso científico, tomando para si o ideal de objetividade nele presente. Na

busca de uma legitimação, dessa inscrição do espaço dos “estados seviciados pelas secas”

dentro do espaço nortista e, por conseguinte dentro da nação, fazia-se necessário levar em

consideração os interesses do grupo ao qual o discurso se dirigia (BOURDIEU, 2004). Nessa

perspectiva ao se tratar o problema das secas como um “problema nacional”, Eloy de Souza,

buscava uma congregação de forças dos “Estados interessados”. Além de tentar conseguir o

apoio dos demais estados, para o projeto de desenvolvimento político-econômico pretendido.

Há de se destacar que o arcabouço físico desta espacialidade só pode ser cogitado a

partir dos discursos e das imagens produzidas sobre ele. Mesmo estas não sendo

declaradamente constituídas como uma tentativa de construção regional, acabaram por

configurar uma impressão de uma região, dentro do espaço nacional. Espacialidade que teve

sua construção discursiva e imagética, também realizada através do campo político. Que por

sua vez utilizou-se das análises e estudos técnicos para dar fundamentação ao seu propósito.

Portanto, a atividade parlamentar de Eloy de Souza, no qual e pelo qual observamos esse

movimento, veio a contribuir para o delineamento deste espaço, concebido como Nordeste.

Ao abordar o problema dos “estados seviciados pelas secas”, em discursos políticos de âmbito

nacional, ele, chamou novamente a atenção para este espaço” (BRASIL, Annaes da Câmara

do Deputados, 1906).

Nessa perspectiva a regulamentação e atuação da IOCS, foi um importante passo rumo

à institucionalização, delimitação deste recorte espacial, bem como da associação da imagem

dele às secas. Seu discurso foi fundamentado por todo um conhecimento técnico e cientifico.

Estudos realizados por comissões compostas por engenheiros, topógrafos, botânicos e

geólogos tanto nacionais quanto estrangeiros. A partir das discussões, análises e falas sobre as

secas e sobre espaço acometido por elas, observamos a construção de uma imagem identitária.

Pensar em determinados estados no Norte passou, a partir destas alocuções, a significar pensar

sobre o sertão, o semiárido, a dificuldade do trato com a natureza, a luta e resignação da

população em busca da sobrevivência, as misérias causadas pela falta de instrução e,

sobretudo, as secas.

Todas as imagens associativas a este espaço foram sendo paulatinamente elaboradas:

pelos relatórios dos presidentes das províncias e posteriormente, já na República, pelos

governadores dos estados; nas publicações jornalísticas denunciando o descaso e

conclamando ações para a solução do problema; através das discussões técnicas realizadas

pelo Instituto Politécnico brasileiro, a partir de 1877; pelos relatórios elaborados por

comissões e posteriormente pela Inspetoria de Obra contra as Secas; nos discursos políticos

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110

nas Assembleias Legislativas, Câmara e Senado; pelos estudos e obras literárias sobre o

assunto.

Aqui nos interessa essencialmente as imagens associativas elaboradas pelo campo

político e intelectual, que aos poucos fizeram apontamentos para o território que hoje

concebemos como uma região. Contudo, vale ressaltar que não temos por objetivo

hierarquizar e tomar o político como uma instância superior as demais estruturas sociais,

muito menos desvencilha-lo do todo. O que consideramos, em nosso estudo, é este campo

como parte integrante, mas também articulador do todo social.

O político, portanto, relaciona-se intrinsecamente com a produção intelectual e cultural

da época, sobretudo, pelos elementos constitutivos destes campos, já assinalados

anteriormente. Este discurso político que no final do Império e na Primeira República esteve

incrustado de um cientificismo, formulou retratos e teorias sobre os “estados flagelados pelas

secas”. Nessa perspectiva a solução para o “problema dos estados do Norte” estava nas mãos

da ciência, que por sua vez apresentava-se a serviço da política e do desenvolvimento do país.

Dentro da visão cientificista propagada nas instituições de ensino superior, o

desenvolvimento e o progresso do país estaria a cargo dos intelectuais fossem eles bacharéis,

engenheiros ou médicos. Ideias e concepções já explicitadas, a exemplo das Faculdades de

Direito, mas que não se restringiam a elas. O movimento presente nessas escolas a partir das

décadas de 70 e 80 do século XIX, que inseriu as ideias do positivismo e naturalismo nessas

instituições, tiveram vazão também nas Escolas de engenharia.

Não obstante a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, foi marcada por esse

pragmatismo cientifico, no qual os engenheiros tomaram para si a ideia do papel de superar o

atraso estrutural e econômico do país. Um dos pontos discutidos nesse âmbito foram os

problemas causados pelas secas, vislumbrados como um dos principais entraves para este

desenvolvimento (MORAES, 2010). O Instituto Politécnico Brasileiro tornou-se um centro

debates e produções acerca do tema.

Um dos intelectuais ligados ao instituto que produziu obras a esse respeito foi Euclides

da Cunha, autor do clássico "Os Sertões", publicado pela primeira vez em 1902. A obra que

foi por diversas vezes citada em discursos nos relatórios do IOCS, tornou-se uma referência

sob a perspectiva da luta travada entre o homem e a natureza e do homem contra ele mesmo,

ou seja, contra sua falta de conhecimento. Contudo, há de se destacar que a ciência viria

justamente solucionar a disputa. Este seria, portanto, o papel dos engenheiros, que foi

considerado primordial nas discussões sobre o fenômeno climatério.

Análises sobre as causas, efeitos e as ações científicas para evitar ou pelo menos

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111

minimizar as secas, foi tema de discussão em algumas das reuniões do Instituto Politécnico. A

primeira delas foi realizada ainda no Império, em 18 de outubro de 1877, sob a presidência do

Conde d'Eu. Na liderança intelectual do debate estava André Rebouças, outra das grandes

referências de Eloy de Souza, no estudo e elaboração de uma ação legislativa contra as secas.

Além de Rebouças, outros nomes estiveram presentes, ou participaram através de suas

correspondências no debate. Dentre os convidados estavam Henrique de Beaurepaire Rohan,

Guilherme Schüch Capanema, além de José Américo, Viriato de Medeiros e Bezerra de

Menezes.

Os estudos realizados por Senador Pompeu, bem como as análises e obra de Giacomo

Raja Gaba40 serviram como base para o debate sobre as "secas no norte do Império". Nele

duas vertentes de abordagem foram formadas: uma voltada para a prevenção das secas e outra

pautada na concepção da solução definitiva do problema. Essa última configurou boa parte

das fontes utilizadas e partilhadas por Eloy de Souza, embasando sua produção.

Ao chegar ao Rio de Janeiro procurei inteirar-me mais objetivamente sobre o

problema das secas em correlação com a legislação de outros países também

atormentados por iguais, senão maiores sofrimentos causados por tais calamidades.

Por felicidade encontrei na Livraria Alves um alentado volume com a legislação

simultânea em francês e inglês da Inglaterra, relativamente à Índia e mais tarde, na

Livraria Quaresma, deparei um volume esgotado de vários estudos raros sobre o

assunto. Nesses estudos destacava-se a série de artigos escritos e publicados no

“Jornal do Commércio” pelo grande André Rebouças que os escreveu com a alma

inteira de uma criatura verdadeiramente sensível aos nossos sofrimentos.

O livro comprado na Livraria Quaresma, além dos artigos de André Rebouças,

contém toda a discussão realizada no Instituto Politécnico Brasileiro, reunido em

outubro de 1877 [...].” (SOUZA, E., 2008, p.265)

Capanema e Viriato de Medeiros, que não estiveram presentes fisicamente na reunião,

eram os defensores da concepção da inevitabilidade das secas. Sua principal bandeira era

utilizar a ciência para auxiliar e fornecer os instrumentos necessários aos homens, de forma

40 Matemático, engenheiro das construções hidráulicas do Arsenal da Marinha e professor do ensinosuperior, Giácomo Raja Gablagia, foi membro da seção astronômica e geográfica da comissão científicaencarregada da exploração de algumas províncias do Império, que ficou conhecida como “Comissão dasBorboletas”. Participou de várias outas comissões: foi nomeado para fiscalizar e observar a construção de diquesno Maranhão, em 1860; nomeado para inspecionar o trabalho de escavação do porto do Rio Grande do Sulexaminar os trabalhos de desobstrução do rio São Gonçalo, em 1862; dentre outras. Suas obras foram: Ensaios,parte I: porto da cidade de Fortaleza ou do Ceará. Rio de Janeiro, 1860, 16 p. – Ensaios, parte II: a questão dassecas na província do Ceará. Rio de Janeiro, 1861, 24 p. – Relatório sobre o dique do Maranhão. Rio de Janeiro,1862, 23 p. – Relatório sobre a exposição nacional de 1866. Parecer sobre a memória do Conde de la Tture:exploração do rio Paraíba do Sul.

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112

que pudessem lidar com o fenômeno. Utilizando-se dos dados e estudos meteorológicos

fornecido pelos técnicos, os sertanejos e o governo poderiam estabelecer a periodicidade das

secas e, assim, conseguir antevê-las.

Com essas informações o Estado poderia tomar as medidas necessárias: fosse para

deslocar as populações afetadas, ou enviar os socorros para as regiões atingidas. Contudo, isso

só seria possível com a construção de uma infraestrutura que poderia ser realizada com a força

trabalho dos próprios retirantes. Na outra vertente, a que concebia o problema como evitável e

solucionável, estavam os apoiadores das ideias do Senador Pompeu e Gabaglia. Entre os que

comungavam com essas ideias encontrava-se André Rebouças, Rohan e outros membros do

Instituto.

A tese da "escola pluvífera", como foi ironicamente chamada pelos seus contestadores,

era que a solução estava em aumentar os pontos de evaporação, para assim "fazer chover"

(MORAES, 2010). Nessa teoria a solução da questão estaria na construção de açudes e no

plantio de árvores em grande escala. Bezerra de Menezes, médico cearense, também defendia

a proposta da açudagem e arborização. Contudo, seu foco destinava-se a ideia da “mudança

do clima” das regiões assoladas pelas secas.

Bezerra considerava que a causa das secas estava resumida na falta de vapores

próprios, não havendo grandes massas de água que a produzissem. Assim, a solução não seria

outra, senão realizar na área compreendida pelo São Francisco e Parnaíba grandes depósitos

de água, nivelando do ponto de vista meteorológico as províncias da Paraíba, do Rio Grande

do Norte e do Ceará as do Maranhão, Pará e Amazonas (MORAES, 2010).

André Rebouças, por sua vez, utilizou a análise das medidas tomadas na Índia

britânica para sugerir as ações que deveriam ser utilizadas no Norte do Brasil. Publicando no

mesmo ano de 1877 um estudo sobre o tema intitulado, “A seca nas províncias do Norte”.

Obra que também foi utilizada por Eloy de Souza como arcabouço para a proposição de

muitas das ações contra as secas, no seu projeto, em 1911.

A partir do estudo do modelo britânico e das ideias já formuladas por Thomaz Pompeu

e Gabaglia, Rebouças indicou as seguintes medidas a serem tomadas: açudagem de todos os

rios e torrentes para conservar água ainda mesmo em dois ou três ano de seca; drenagem da

foz dos rios, construção de represas nos vales a fim de formar inexauríveis depósitos para o

continuo abastecimento dos rios, engenhosamente represados; drenagem dos vales sujeitos à

inundações; irrigação de todas as terras secas; melhoria das vias de comunicação

(REBOUÇAS, 1877, apud ROSADO, 1983).

Ideias que se fizeram presentes no projeto de regulamentação da IOCS,

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113

Art. 1º Os serviços de estudos e obras, destinados a prevenir e a attenuar os effeitos

das seccas que assolam alguns Estados do Norte do Brazil, são os seguintes:

I, estradas de ferro de penetração;

II, estradas de ferro affluentes das estradas principaes;

III, estradas de rodagem e outras vias de communicação entre os pontos flagellados

e os melhores mercados e centros productores;

IV, açudes e poços tubulares, os artezianos e canaes de irrigação;

V, barragens transversaes submersas e outras obras destinadas a modificar o regimen

torrencial dos cursos de agua;

VI, dredagem dos valles desaproveitados no littoral e melhoramento das terras

cultivaveis do interior;

VII, estudo systematizado das condições meteolologicas, geologicas e

topographicas das zonas assoladas;

VIII, installação de observatorios meteorologicos e de estações pluviometricas;

IX, conservação e reconstituição das florestas;

X, outros trabalhos cuja utilidade contra os effeitos das seccas a experiencia tenha

demonstrado. [grifo nosso] (BRASIL, Decreto, 7.619 de 21/10/1909, p.565)

Além dos pontos relativos as obras, abordado por Rebouças, outra preocupação era

com a empregabilidade da mão de obra retirante. Que deveria ser direcionada tanto para as

obras públicas, quanto para lotes de terras organizados ao lado das vias de comunicação, os

quais deveriam ser fornecidos pelo governo juntamente com as sementes e instrumentos

agrícolas. Estas ações serviriam como uma forma de combater a ociosidade e os vícios

sociais. Ambos vistos à época como um "mal" ao desenvolvimento brasileiro e que tinha por

remédio o trabalho. A ideia também estava voltada para uma preocupação com a demografia

brasileira, pois havia um interesse de "colonizar" este território, em grande parte ainda

inculto.

As proposições de subdivisão do solo em pequenas propriedades e cultura intensiva

estava em consonância com esta intenção. Os estudos realizados a partir de 1877

apresentaram ao país mais do que as características da região e resultados do efeito climático,

puseram a mostra também as estruturas sociais daquele espaço: sua organização, condutas e

identidades. Traços identitários que já haviam recebido as primeiras linhas, alguns anos antes,

quando a Comissão Científica de Exploração do IHGB, percorreu as províncias do Piauí,

Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco entre os anos de 1859 e 1861. A

“Comissão das Borboletas” como ficou anedoticamente conhecida, tinha por objetivo explorar

“algumas das províncias menos conhecidas do Brasil” (PEIXOTO, 2011, p. 133), ou seja,

Page 119: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

114

entender aquele vasto “deserto” pelo viés científico.

A imagem projetada pelos relatos das secas e o distanciamento do governo central da

região davam-na uma projeção de um território árido, inóspito, desértico. O sertão nessa

perspectiva tomava o significado de deserto. Trajados “com bermudas e em fraldas de

camisa” (PEIXOTO, 2011) e importando dromedários os pesquisadores utilizaram grandes

quantias do dinheiro público, sem apresentar resultados contundentes. Há de se salientar que a

preocupação governamental e científica com relação às secas estavam mais voltadas para os

problemas ocasionados pelas estiagens, - seus reflexos na demografia, saúde, economia e

organização das cidades -, do que propriamente com o desenvolvimento econômico daquele

espaço. As migrações que ocasionavam o vazio demográfico nos sertões e o inchaço nas

cidades litorâneas traziam transtornos e prejuízos econômicos.

Nessas acepções o imaginário criado sobre o espaço e as pessoas que habitavam os

“estados flagelados” foi sendo construído. Os discursos políticos e os registros jornalísticos

eram em grande parte colaboradores desta ideia de que “alguns estados do Norte” eram os

sertões e que o sertão era a seca. Uma região que precisava ser socorrida, modificada e

desenvolvida.

Encontramos o primeiro dispositivo legal a endossar essa perspectiva na Constituição

Imperial de 1824, que previa os “socorros públicos” como um auxílio aos “estados

flagelados”. Contudo, uma legislação que viesse a abordar uma solução para o problema só

viria mesmo com a República, apesar das propostas apresentadas ao governo imperial, por

André Rebouças, como um resumo das conclusões levantadas no debate de 1877. O texto de

23 de outubro do mesmo ano, após concisos debates, afirmava

O Instituto considera também da máxima vantagem que o governo ative ou faça

executar, a fim de dar trabalho e salários aos retirantes:

(1º) a construção de vias férreas já estudadas na região flagelada pelas secas;

(2º) o melhoramento dos portos marítimos e fluviais

(3º) a construção de linhas telegráficas gerais;

(4º) a desapropriação dos terrenos marginais dessas vias férreas para serem divididos

pelos retirantes. (REBOUÇAS, 1877, apud ROSADO, 1983, p.158)

Algumas dessas ações foram realizadas como: a construção de açudes, estradas de

ferros e portos. A este exemplo temos a Estrada de Ferro de Baturité, iniciada no ano de 1878,

e a construção do açude Cedro, em Quixadá, iniciada em 1884. Contudo, as verbas

insuficientes arrastaram essas construções por muito tempo, sendo suas obras concluídas

Page 120: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

115

apenas no final da primeira década do regime republicano.

Foi também, André Rebouças, que em 1878 esboçou cartograficamente a região

assolada pelas secas, no sentido de demarcar o território onde essas ações seriam necessárias

(FIGURA 05).

FIGURA 05 - “MAPA DA REGIÃO FLAGELLADA PELA SECCA DE 1877”, PRODUZIDO

POR ANDRÉ REBOUÇAS, DE 1878.

FONTE: SETOR DE CARTOGRAFIA DO ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO, SOB

DENOMINAÇÃO BR_RJ_ANRIO F2. ACERVO DIGITAL DO HCURB/UFRN.

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116

No mapa Rebouças demarca o território dos “estados flagelados pelas secas”,

apontando as estradas de ferro que deveriam ser construídas. A “região problema”, portanto,

de acordo com os estudos de Rebouças, englobava os estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do

Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, ou seja, grande parte do que hoje

conhecemos como Nordeste. Vale ressaltar que território delineado por Rebouças, constituído

sob o ponto de vista das secas, era na realidade um mosaico, formado por várias províncias

que possuíam suas singularidades. A exemplo das diferenças existentes podemos citar as

atividades econômicas realizadas nestes espaços.

Enquanto Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte eram voltados para a

produção açucareira, os territórios do Ceará e Piauí desenvolviam atividades subsidiárias ao

cultivo da cana, como a pecuária também e o cultivo do algodão. Já os territórios que hoje

correspondem ao Sergipe e Bahia, tinham a especificidade de uma classe proprietária mais

autônoma, embora apresentassem também produção agrícola da cana-de-açúcar.

Contudo, se não existia uma unidade econômica entre estes espaços, havia as

similaridades referentes as características físicas e climáticas do território. Como exemplo

temos a divisão clássica, já salientada anteriormente entre litoral, serra e sertão, que é

observada nos vários discursos sobre estes espaços41. Neles fenômeno das secas aparecia

como um elemento de identificação, principalmente do ponto de vista do observador. E foi

em torno deste elemento que os discursos políticos buscaram paulatinamente angariar verbas,

durante a República, para o desenvolvimento econômicos de seus Estados.

A demora destas construções, bem como a não realização de muitas das obras

propostas, mostram que o foco do governo não estava na questão das secas e no entrave do

desenvolvimento econômico dos nortistas. Nesse âmbito fazia-se necessário uma mudança de

perspectiva. Reclamar recursos para recuperar a economia destes estados passava a ideia de

tirar de um, do Sul, para dar ao outro, o Norte. Visão carregada de regionalismos e disputas.

Era necessário reinventar. Incorporar os discursos dos estados do Norte ao novo regime, ao

ideal republicano. Carregá-los de nacionalismos, de benesses econômicas federais, de

progresso e de modernidade.

As falas e estudos dos intelectuais, - técnicos, geólogos, engenheiros -, serviriam,

portanto, para embasar e suplantar os discursos políticos. O objetivo era imprimir a visão da

imparcialidade científica, de forma a angariar mais recursos para esses espaços. O discurso de

41 Sobre a característica física e geográfica destes espaços ver: SOUZA BRASIL, Thomaz Pompeu de.Memória sobre o Clima e seccas do Ceará. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1877; SOUSA BRASIL,Thomaz Pompeu de, (1852-1929) O Ceará no começo do século XX. Fortaleza: Typo-lithographia a vapor. 1909;LISBOA, Miguel Arrojado, O Problema das Secas. Conferência pronunciada na Biblioteca Nacional, em 1913.In: Memoria da seca. Coleção Mossoroense – Vol. CXXXIV. Mossoró, RN: 1980

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117

Eloy de Souza em 1906 e o pronunciamento do senador paraibano Coelho Lisboa, em 1 de

julho de 1908, apresentam-se nessa perspectiva. Ambos realizaram a defesa do combate as

“secas do norte”, reclamando ações governamentais para solucionar, o "problema nacional".

Dentre as medidas propostas por Lisboa, em 1908, temos: a realização de estudos

topográficos e geológicos na zona estabelecida; a construção de açudes, barragens submersas

e perfuração de poços; experimentação de culturas que mais convenham a cada zona;

realização de pesquisas; multiplicação de reservatórios meteorológicos, concentrando os

estudos e observações em uma repartição especial; a subordinação das atividades a uma

direção geral; construção das obras a partir de determinações governamentais ou auxilio a

particulares na construção, não podendo esse ajuda exceder a mil contos de réis para cada

Estado compreendido na "zona árida" (BRASIL, Annaes do Senado Federal, 1908, p.376).

A “zona” a qual se referia Lisboa circunscrevia os sertões dos Estados de Pernambuco,

Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí (BRASIL, Annaes do Senado Federal, 1908,

p.376). Embasando-se nos estudos realizados pelo engenheiro de minas Antonio Olyntho dos

Santos Pires, inicia seu discurso chamando a atenção do Senado para a questão das secas,que

segundo ele assemelhava-lhe em seriedade a febre amarela. Afirma,

Sr. Presidente. venho submetter á alta consideração do Senado um projecto de lei

systematizando os serviços contra os effeitos da secca nos Estados do Norte.

Problema o mais urgente de quantos se apresentam á resolução da geração moderna,

as seccas do Norte encontram, Sr. Presidente, um parallelo no flagello que durante

annos e annos, victimou a Capital do paiz e diversas cidade do littoral e do centro do

Imperio, hoje Republica Brazileira - a febre amarela. (BRASIL, Annaes do Senado

Federal, 1908, p. 364)

O senador chama, ainda a atenção para as grandes despesas que as secas trazem ao

erário público, bem como critica a utilização das verbas pelos Estados. Estas, segundo ele, são

utilizadas na construção de estradas, calçamentos de ruas, melhoramentos e embelezamentos

das cidades, construção de prédios públicos como cadeias e Câmaras Municipais. Obras que

não estavam realmente relacionadas a solução do problema.

A comparação dos problemas das regiões assoladas pelas secas, no Brasil, com as

zonas flageladas pelas mesmas calamidades em outros países, como os Estados Unidos,

também se faz presente em seu discurso. Coelho Lisboa, nessa perspectiva ressalta a

utilização "dos recursos da engenharia", ou seja, do conhecimento técnico para a solucioná-

los. A solução, pois, devia estar de acordo com "as conquistas do mundo scientifico e

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118

economico" (BRASIL, Annaes do Senado Federal, 1908, p. 367).

Coelho Lisboa, assim como Eloy de Souza, ressalta a altivez e força do sertanejo, o

qual denomina de “nortista”. As semelhanças entre os projetos também se encontram nas

referências utilizadas, entre elas as obras do Senador Pompeu e André Rebouças. A identidade

nortista é então formulada em torno da imagem da força, coragem e resignação. Afirma ele,

"O nortista, Sr, Presidente, não pede auxilio. A altivez do filho do norte é conhecida no sul.

Bravo soldado de guerra, laborioso operario na paz, o nortista luta contra a natureza, ha

seculos. e guarda o seu lar, o seu roçado ou a sua fazenda com amor que só o nortista mesmo

pode comprehender" (BRASIL, Annaes do Senado Federal, 1908, p. 367). Assim, há em seu

discurso uma romantização da população dos sertões do Norte, retratado pelo forte apego e

amor por sua terra.

A perspectiva de Coelho Lisboa, em torno de uma exaltação sertaneja, também foi

impressa, como vimos, no discurso de Eloy de Souza, em 1906. Lembremo-nos que ao tratar

do “passado de luta e resignação em defesa do litoral” e do “valor de cada homem” (BRASIL,

Annaes da Câmara do Deputados, 1906, p. 40) para o país, Eloy de Souza buscava construir

bases que justificassem a importância de um investimento econômico contundente na região.

Ao mesmo tempo que erigia uma identidade para aquele espaço. Esta postura é por nós

encontrada outros discursos por ele proclamados, como conferências locais e textos

jornalísticos. A este exemplo temos o discurso intitulado “Costumes Locais”, proferido em

uma Conferência no salão de honra do Palácio do Governo, em Natal, no dia 20 de fevereiro

de 1909. Na Conferência Eloy de Souza trata das características do povo norte-rio-grandense,

“imprimindo” o litoral como local de mudança e desenvolvimento e o sertão como um

símbolo daquela espacialidade.

Se quereis amar de um amor melhor a nossa terra, minhas senhoras e meus senhores,

ide ao sertão. Lá existem as nossas energias latentes, e lá vivem tradições que não

prezamos uma coragem ignorada, a fortaleza simples, a bondade dos fortes, a alegria

dos sãos e todo o lento martírio de uma raça em desesperada luta contra a natureza

madrasta. (SOUZA, E., 1982, p.23)

Nessa perspectiva observamos encontramos um movimento que buscava imprimir

uma identidade ao povo e ao seu território. Espaço composto pelo sertão “terra viril e nobre”,

lugar de tradição e beleza, mas também pelas dificuldades e de secas, e pelo litoral lugar da

civilidade, inspirado pelos requintes europeus (SOUZA, 1982, p.29). Pois, tanto na fala de

Eloy de Souza, como no discurso de Coelho Lisboa, as calamidades das secas aparece como

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119

um elemento de identificação espacial e a “raça” sertaneja apresenta-se como a identidade do

povo que habita essa região. Uma população que tem sua vivência marcada pela coragem,

força e luta habitual contra as dificuldades impostas pelos fenômenos climatérios. Símbolo

identitário de um recorte espacial.

Observamos, portanto, que a afirmação da identidade nortistas e/ou sertaneja, como

uma parte de uma construção discursiva e simbólica daquele espaço. Ao se destacar a luta

resignação, força e a capacidade produtiva e adaptativa da "raça" sertaneja, erigia-se também

uma imagem dessas qualidades em torno do espaço. O sertanejo enquanto filho da terra

"seviciada pelas secas" só podia carregar consigo tais virtudes, em detrimento de sua vivência

naquele espaço. Assim, falar do sertanejo, era falar do sertão. Na exaltação daquele tipo

brasileiro, fazia-se também a exaltação da terra. Ambos impressos como bens valiosos, que

quando valorizados dariam grandes benefícios ao país.

Nessa visão fazia-se necessário desconectar a imagem do sertão a da mendicidade,

impressa por meio dos “socorros públicos” enviados aos povos flagelados e associa-la à ideia

de um espaço acometido por um problema, que solucionado possibilitaria o desenvolvimento

potencial da região. Coelho Lisboa, assim afirma que não se tratava de pedir “socorros”, o

que o nortista sempre desejou, antes do Império e agora da República era "[...] que a resolução

deste problema, que se impõe neste momento, reclama a attenção desses governos, como a

resolução do mais urgente problema economico”. Uma questão, que de acordo com sua visão,

"Não é um problema regional, é um problema nacional"(BRASIL, Annaes do Senado Federal,

1908, p.367). A ideia era desvencilhar o combate as secas da visão relativa a mendicância das

verbas federais e do gasto ordinário do dinheiro público.

O projeto de lei apresentado por Lisboa, junto ao Senado buscou a criação de uma

sistematização para as obras de combate as secas. O texto em muito se assemelha com as

disposições presentes na regulamentação da IOCS, criado por Eloy de Souza. É provável que

Eloy de Souza, tenha tido conhecimento de tal projeto, visto que ambos participaram em 16

agosto de 1909, de uma ação em prol de uma solução definitiva do problema da secca. Esse

movimento buscou reunir todas as associações formadas pelos “filhos dos Estados do norte”.

A ideia publicada no Jornal do Commércio, ocorria,

Por iniciativa do Centro Parahybano, de que é Presidente o Tenente-Coronel

Jonathas Barreto, parece que se reunirão brevemente todas as associações

constituídas de filhos dos Estados do norte aqui residentes, para assentarem num

procedimento collectivo tendente a interessar todas as classes sociaes na solução

definitiva do problema da secca.

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120

A’ frente desse movimento figuram, entre outros os Srs. Senador Castro Pinto. Drs.

Eloy de Souza, João Maximiliano de Figueiredo, Coelho Lisboa, Duarte, Dantas e

Vicente Labatut. Tenente-Coronel Jonathas Barreto. Major Meira de Figueiredo,

Julio Pimentel e Ananias de Albuquerque. [grifo nosso] (JORNAL DO

COMMERCIO, RIO DE JANEIRO, 16/08/1909)

O juízo de unir forças em benefício do desenvolvimento dos “estados irmãos” e em

prol de uma solução para o problema das secas, foi também defendida, em 15 de novembro de

1909, pelo senador pelo Piauí, Ribeiro Gonçalves. A solução para a questão das secas mais

uma vez é vista sob o ponto de vista técnico. Ademais, fazia-se necessário um “esforço

conjunto" dos estados atingidos.

Mas, Sr. Presidente, quaes os meios a empregar para salvar as populações dos

Estados periodicamente acossados pela secca?

Eu não sei dizer ao Senado. Falta-me a competência, faltam-me os estudos especiaes

para isso.

Mas Sr. Presidente, os nossos scientistas, os que teem se dedicado a este assumpto,

que teem procurado as lições recebidas da experiência e, mais ainda, com os

exemplos de outros paizes, dizem que o problema da secca será definitivamente

resolvido, desde que se organize um trabalho permanente, systematizado, para o

levantamento de açudes á beira dos rios, protegido por arvores plantadas ao redor,

por irrigações, por poços, por cultura extensiva; finalmente, como disse, sob o

regimen de um trabalho permanente e systematizado, de tal ordem que os governos

futuros sejam obrigados a mantel-os e a continual-os. [...]

Pareceu-me, porém, a mim, que, não sendo o Estado do Piauhy o único

representante flagellado pela secca, poderia parecer egoísmo nosso, si não nos

entendêssemos com os representantes dos outros Estados igualmente flagellados.

Então resolvemos convidal-os a que nos acompanhassem para, em um esforço

conjunto, conseguirmos dos poderes federaes que iniciassem as medidads que os

Estados necessitam para a resolução do probelam das seccas. [grifo nosso]

(BRASIL, Annaes do Senado Federal, 1909, p. 76)

Nesse contexto, em 19 de setembro de 1909, na sede do Centro Paraibano, localizada

no Rio de Janeiro, reuniu-se um grupo de intelectuais e políticos com o objetivo de discutir a

questão das secas no Norte do país. Desta discussão nasceu a Liga Nacional de Combate as

Secas. Na sua primeira reunião estavam representantes de vários "estados seviciados pelas

secas" além de jornalistas de grandes periódicos do Rio, para cobrir o evento (O PAIZ, RIO

DE JANEIRO, 23/09/1909).

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121

Entre os representantes dos “estados flagelados”, estavam figuras ilustres como Ruy

Barbosa, que firmou o compromisso de estar à frente das comissões em seu estado de origem,

a Bahia, e, Epitácio Pessoa que apesar de não ter comparecido à reunião, justificou sua

ausência mediante um telegrama. O representante paraibano, ex-Ministro da República e

futuro Presidente, Epitácio Pessoa, apresentou apoio ao combate as secas, ressaltando que a

criação da Liga seria o “primeiro passo decisivo contra a maior desgraça do norte. Desgraça

que começa a ser também vergonha para a República” (O PAIZ, RIO DE JANEIRO,

20/09/1909).

Presididas por Severino Vieira, as reuniões , tinham por intuito “collaborar com os

poderes publicos, afim de debellar esse flagelo, de que sofrem periodicamente os Estados do

norte do Brazil” (O PAIZ, RIO DE JANEIRO, 20/09/1909). Uma das primeiras preocupações

da liga foi com o estabelecimento da área que receberia os melhoramentos do governo.

Inicialmente empreendida entre as bacias do São Francisco e o Parnaíba, a zona por fim

incluiu o Estado do Maranhão, estendendo a delimitação da zona vitimada pelas secas do S.

Francisco ao Gurupy, bacia hidrográfica localizada no Maranhão. Dentre as ações da Liga,

houve a organização de uma comissão para tratar dos assuntos relativos às secas como o

Ministro da Viação, Francisco Sá. O intuito era cobrar os compromissos firmados por Afonso

Pena em relação ao problema. (O PAIZ, RIO DE JANEIRO, 20/10/1909)

Com o falecimento de Afonso Pena, Nilo Peçanha assumiu à presidência. Desde

quando presidente do estado do Rio de Janeiro, ele já apresentava interesse pelo cientificismo

como meio de desenvolvimento agrícola. Nilo Peçanha era um apoiador da união entre

agricultura e ciência, tanto que pouco depois de assumir o governo criou a pasta do Ministério

da Agricultura, que tinha por objetivo criar políticas voltadas para outras culturas, além do

café. Em sua formação ministerial, Peçanha optou pelo engenheiro Francisco Sá que, à época,

era senador pelo Estado do Ceará, para o cargo de Ministro da Viação e obras Públicas.

Temos ciência que, através das Memórias de Eloy de Souza, que o senador Francisco

Sá obteve conhecimento do projeto relativo à IOCS, bem como tinha dimensão das benesses

econômicas possibilitadas por ele aos " estados seviciados pelas secas". Representante de um

dos Estados mais interessados na ação e a frente de um Ministério, Francisco Sá, em apenas

três meses colocou em prática a aprovação do projeto da IOCS. Vale ressaltar que a

apresentação do projeto de regulamentação do órgão deu-se apenas três dias após a reunião

que selava a criação da Liga Nacional de Combate as Secas.

As reuniões realizadas pela Liga, foram de 19 de setembro de 1909 até o fim de

novembro de 1910, de acordo com as notas presentes no jornal O Paiz, do Rio de Janeiro.

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122

Contudo, o nome de Eloy de Souza, não aparece entre os integrantes das reuniões. Nem há

referência de sua participação no movimento nas suas Memórias. A lacuna existente, relativa

a presença de Eloy de Souza, entre a ideia de reunir “as associações constituídas de filhos dos

Estados do norte” e a formação e atuação da Liga, foi algo que não conseguimos preencher.

Apesar disso observamos que a criação desse grupo, bem como as discussões suscitadas por

ele, colaborou no sentido criar reforços para a institucionalização da Inspetoria de Obras

Contra as Secas.

A construção das secas como um problema econômico nacional, visava abrir caminho

para discussões e medidas que possibilitassem angariar fundos, muito além dos “socorros

públicos” para o desenvolvimento da agricultura regional. O início de uma sistematização do

combate as secas vieram com a criação da IOCS. Todavia as verbas não eram regulares e as

obras da Inspetoria passavam por constantes cortes orçamentários. Fazia-se necessário uma lei

que possibilitasse a sustentação da atuação do órgão. Nessa perspectiva, em 1911, Eloy de

Souza levou mais uma vez o tema a Câmara de Deputados. Desta vez buscando a aprovação

de uma legislação que solucionasse a questão.

Os artigos de André Rebouças, bem como as leituras das obras de Thomaz Pompeu,

anteriormente citadas, fizeram parte da bibliografia consultada por Eloy de Souza. A esse

conjunto de informações ele somou a pesquisa de campo realizada em uma viagem pela

França e Egito. Dessa excursão e de suas leituras reuniu material necessário a elaboração da

proposta de lei, que posteriormente, será aprovada como a Lei Epitácio Pessoa, no ano de

1919.

3.1 UM PROBLEMA NACIONAL: PROJETO E JUSTIFICAÇÃO (1911)

Estudei a solução do problema da seca nos países onde ela existia ou havia existido,

e em 1910 resolvi, a conselho de Afrânio Peixoto, ir ao Egito visitar suas grandes

barragens e o sistema de irrigação perene que já havia quase substituído totalmente o

plantio das lavouras nas bacias artificialmente inundadas. Faltava-me, porém,

dinheiro para custear minha viagem. (SOUZA, E., 2008, p. 249)

O financiamento para a excursão veio por intermédio do coronel Miguel Faustino do

Monte, um cearense nascido em Sobral que foi para Mossoró em busca de oportunidades. Por

seu trabalho e por enlace matrimonial, cedo conseguiu posição de destaque como chefe de

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123

poderosas organizações comerciais. Tornou-se comerciante de sal, algodão, cera de carnaúba,

fibras e borrachas. O interesse comercial e o conhecimento político de Faustino, que de

acordo com Eloy de Souza “conhecia a intimidade de minhas relações com Carlos Peixoto”,

fizeram-no disponibilizar a quantia necessária a viagem de Eloy de Souza. Em 04 de agosto

de 1910, Eloy recebia a concessão de sua licença na Câmara dos Deputados para viajar.

Em sua viagem ele visitou Paris, Jerusalém, Suíça e Egito, neste último buscou

inteirar-se sobre a produção algodoeira, visitou as “poderosas usinas de beneficiamento do

algodão” (SOUZA, E., 2008, p.254), a Sociedade Real de Agricultura e a barragem de

Assuam, uma das maiores barragens do mundo. Além de realizar os passeios turísticos às

Pirâmides, Esfinge e o Vale dos Reis (FIGURA 06).

FIGURA 06 – ELOY DE SOUZA NO EGITO

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE REJANE CARDOSO42

Afora as informações sobre o cultivo algodoeiro e os sistemas de irrigação do Egito,

Eloy de Souza também visitou as salinas da região. Em Paris, buscou obras relativas aos

temas de interesse político-econômico do Rio Grande do Norte, bem como aos demais

“estados irmãos”. Em Lausanne, na Suíça, hospedou-se no “Palace Hotel”, onde encontrou

42 Eloy de Souza encontra-se ao lado de Francisco Mutie, o Embaixador do Ouro. Gaúcho, funcionáriosda Expansão Econômica.

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124

Afrânio Peixoto, amigo, aliado político e também integrante do findo grupo, “Jardim de

Infância”.

A Afrânio muito devo, no desempenho do meu mandato como deputado e senador.

Se não fôra sua insistência clarividente eu não teria ido visitar no Egito suas grandes

barragens e seu maravilhoso serviço de irrigação. Sem essa viagem de informação e

estudo não me teria sido possível apresentar à Câmara do Deputados, em agôsto de

1911, um projeto sobre a matéria, posteriomente base da lei Epitácio Pessoa, [...]

(RIBEIRO, 1950, p.104-105)

De volta ao Brasil, Eloy de Souza pôs-se a par da bibliografia produzidas sobre as

secas, tanto nacional, quanto a legislação relativa as ações tomadas na Índia, pelo governo

britânico. As informações levantadas, bem como o conhecimento prévio da região foram

subsídios para a elaboração do projeto apresentado à Câmara dos Deputados em 11 de agosto

de 1911 (SOUZA, E., 2008, p.266).

No discurso de apresentação e justificação do projeto, Eloy de Souza utilizou-se pela

primeira vez da nomenclatura “nordeste” para definir a área de realização das obras

necessárias ao combate as secas. Não foi a primeira vez que o “nordeste” apareceu em falas

tanto políticas quanto intelectuais como já pudemos observar, mas a presença tanto do termo

quanto da concepção dada a ele, - como uma região à parte do Norte do país -, torna forte a

perspectiva do delineamento que se estabelecia. Publicado em 30 de agosto, o texto intitulado

“Um problema nacional (projecto e justificação)”, trazia a defesa de obras contra as secas e a

visão destas não como um problema regional, mas, sim, nacional. Além da busca pelo

incentivo e valorização econômica do algodão, considerada como o “ouro branco”.

Eloy de Souza logo no início de sua fala ressalta a importância do projeto para a

agricultura do país e enfatiza a utilização do conhecimento técnico-cientifico sobre o tema

como fonte e embasamento para suas propostas. Ele dispõe-se das ideias relativas a “política

da hydraulica agrícola”, na qual de acordo com os economistas estudados por ele, deve-se

“[...] governar pela irrigação as culturas peculiares a cada região, pedindo e obtendo a terra o

maximo que ella póde produzir valorizando em estabilidade, preço e tempo essa produção”

(SOUZA, E,. 1911, apud, ROSADO, 1981, p.25). Mantendo a linha de raciocínio já apontada

no discurso de 1906, em relação as perdas econômicas nacionais causadas pelas secas e pelas

verbas não utilizadas a contento, Eloy de Souza aponta a possibilidade de ganhos econômicos

para o país. Esses seriam resultantes de decisões mais acertadas sobre a questão. Afirma ele,

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125

E’precizo, porém, reflectir que estamos diante de um problema para solução do qual

gastar muito, e o mais depressa possivel, é obter mais cedo as vantagens das

quantias só assim utilmente empregadas. Accresce que até aqui, para discutir no

dominio dos factos, a região do nordeste brasileiro, onde as seccas periodicas

determinaram a construcção de obras defensivas contra seus efeitos, têm consumido

alguns milhares de contos sem proveito equivalente. Antes da presidencia de

Rodrigues Alves era attribuida a improductividade dessas despesas á falta de

systematização do serviço. [grifo nosso] (SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981,

p.25)

A sistematização a que se refere, são as ações empreendidas desde o governo de

Rodrigues Alves, no qual foram criadas várias comissões federais temporárias para tratar do

problema. A este exemplo temos a Comissão de Estudos e Obras contra os Efeitos das Secas e

a Comissão de Perfuração de Poços, em 1904. Além das medidas realizadas pela IOCS, que

sob a direção do engenheiro de minas Arrojado Lisboa, reuniu uma equipe formada por

engenheiros, agrônomos, botânicos, geólogos e hidrólogos e vários técnicos estrangeiros.

Com o objetivo de estudar o meio físico daquele espaço, analisando as características do solo,

da água e da flora nativa e a possibilidade de adaptação de outras espécies na região.

Dentre as ações da IOCS, tivemos a construção de barragens no Rio Grande do Norte,

Ceará e Paraíba. Não obstante esses são os três estados mais citados nos relatórios, tanto das

Comissões, quanto da Inspetoria. Estados, onde se apresentam o maior número de

informações e estudos, bem como de contribuições financeiras para os serviços (SOUZA, E.,

1911, apud ROSADO, 1981, p.26).

Contudo, as medidas tomadas até então não se apresentavam eficazes. A causa da

ineficácia, segundo Eloy de Souza, estaria na “questão financeira”, ou seja, às limitadas

verbas. Assim, o projeto de lei de 1911, tem como intenção sanar esse problema. A lei tinha

por objetivo “apressar a construção dessas obras e de outras obras tendentes todas ao

desenvolvimento agrícola do paiz, com recursos maiores e independentes das dotações

orçamentarias annuaes.” (SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981, p.26). Mais uma vez o

problema era elevado ao nível nacional. Nessa perspectiva, o discurso de Eloy de Souza,

limita-se a apresentar os dados financeiros, os quais julgava mais interessar ao país e aos

ouvintes, em detrimento dos benefícios sociais. Ele elucida acerca as contribuições financeiras

que estariam divididas: entre os Estados, que colaborariam com 5% de suas receitas, e a

União, que despenderia 2% de sua receita anual, para o financiamento das obras necessárias.

Podendo estas contribuições serem realizadas “[...] em dinheiro ou em terras

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126

devolutas, accresciddos das taxas de irrigação e aforamento, produto da venda das terras

irrigadas e das cedidas pelos Estados, além das taxas de conservação das obras, [...]”

(SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981, p.26). Contudo, estes financiamentos, de acordo

com o plano de Eloy de Souza, teriam o reembolso integral, estabelecidos conforme os artigos

do projeto de lei.

Art. 6.º - A União terá a administração e exploração das obras, até pagar-se da

importancia que houver dispendido, entregando-a a cada Estado, logo que a

exploração de todas ou parte delas, houver coberto as despesas efetuadas.

Art. 7.º - O governo cobrará taxas anuais de arrendamento das terras irrigadas, taxas

de fornecimento de agua para irrigação e taxas de conservação das obras.

Art. 8.º As taxas de irrigação serão calculadas sobre o custo total de cada obra, e

dividida por anuidades fixas por hectar.

Parágrafo unico – Uma vez e por esta forma pago do custo total da obra, o governo

deixará de perceber a taxa de irrigação respectiva. (SOUZA, E., 1911, apud

ROSADO, 1981, p.34).

O projeto de Eloy de Souza também visa criar uma “caixa especial destinada a receber

estas contribuições e pagar todas as depezas que tenham de ser effectuadas incluindo as de

pessoal da Inspetoria e suas secções” (SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981, p.26). Caixa

que foi nomeada de “Fundo de Irrigação”. As medidas propostas foram, segundo ele,

inspiradas principalmente nas legislações da Argentina e dos Estados Unidos. Na perspectiva

apresentada, os valores despendidos pela União tomavam aspectos de investimentos e não de

gastos ordinários. A ideia consistia em angariar fundos para as obras de combate as secas, que

seriam realizadas nos “estados seviciados” por ela, mas principalmente para o

desenvolvimento agrícola da região.

A visão desse crescimento econômico, através da atividade agrícola, que já havia

aparecido nas primeiras linhas do discurso, são em seu desenvolvimento fundamentados a

partir dos dados apresentados por Eloy de Souza. Ele aborda o aumento da produção e da

lucratividade advinda do cultivo do milho, feijão, arroz, cana, fumo e forragens, na medida

que desconstrói a ideia de improdutividade do solo da região. Baseando suas afirmações nos

estudos realizados pelo “Dr, Phillippe Guerra, a quem tão bons serviços devem os sertanejos

desse ainda ignorado nordeste brasileiro, [...].” [grifo nosso] (SOUZA, E., 1911, apud

ROSADO, 1981, p.28).

Felipe Nery de Brito Guerra foi mais uma das fontes utilizadas por Eloy de Souza.

Memorialista e historiador das secas no Rio Grande do Norte, Guerra foi ainda fundador e

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127

presidente, em 1915, da “Sociedade de Defesa do Nordeste” e Presidente da Comissão de

Socorro aos flagelados da Seca, no mesmo ano. Juntamente com o seu irmão Teófilo Olegário

de Brito Guerra redigiu a obra “Secas Contra a Seca”, em 1909, além de outros estudos sobre

o tema43. No trecho resgatado por Eloy de Souza, em seu discurso, Guerra faz referência a

produtividade dos terrenos quando bem cultivados. Assim, em sua visão,

nos haveria de espantar a desproporção dessa relação, entre nós, se ella é constante

por toda parte onde a mesma necessidade de melhorar as terras seccas tem levado os

Governos a construirem as obras de irrigação que reclamo para o nosso Paiz. [grifo

nosso] (SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981, p. 28)

As obras propostas seriam não para uma região, mas para o país. Eloy de Souza segue

discorrendo sobre os benefícios trazidos pela irrigação em relação ao valor das terras,

utilizando-se de exemplos na Argentina e Estados Unidos. Por fim o último ponto abordado

no discurso é o incentivo e valorização do cultivo do algodão, considerado por ele como o

“ouro branco”. Uma possível e viável solução econômica à crise da borracha, o “ouro negro”.

E é neste momento de sua narrativa que Eloy de Souza separa o “nordeste”, do Norte do país.

Afirma ele, “Ha hoje, Sr. Presidente, um problema do Norte; mas ha tambem o problema do

“nordeste”, e de um modo geral, há, principalmente, o problema agricola do paiz.” (SOUZA,

E., 1911, apud ROSADO, 1981, p.29). Em muitos discursos o Norte e Nordeste aparecem

como sinônimos. Nomenclaturas utilizadas para denominar um mesmo espaço, mas, na fala

de Eloy de Souza, em 1911, são apresentados como regiões diferenciadas.

Eloy de Souza, aponta então o cultivo do algodão como uma saída para a restauração

do “equilibro econômico”. As experiencias e informações levantadas, por ele, na viagem ao

Egito, serviram para fundamentar a ideia da capacidade produtiva e da qualidade do produto

brasileiro. Mais precisamente do “algodão do sertão do Rio Grande do Norte, principalmente

o do Seridó [...]” (SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981, p.30). Assegura ele que,

Há Sr. Presidente, no Seridó, uma especie conhecida por “algodão mocó”, que é a

preferida, sendo já muito raros os agricultores que plantem outra. [...]

Não só a qualidade deste algodão é excellente, como seu rendimento, conforme pude

verificar pelo inquérito que fiz, dá uma média de 300 capulhos por arvore, porque é

43 Felipe Nery de Brito Guerra foi autor de várias obras sobre o tema das secas, dentre elas temos: Secacontra a seca. Rio de Janeiro. Livraria Cruz Coutinho, 1909; Ainda o Nordeste. Natal, A República, 1927; A secade 1915 – crônica documentada. Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do Comércio. 1947; O Porto de Mossoró –1947; Nordeste semi-árido. Mossoró, coleção Mossoroense, 1980; Seca do Nordeste – resumo histórico desde1558 a 1948. Natal, Centro de Imprensa, 1951.

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128

uma arvore, e por safra. (SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981, p.30-31)

A ideia foi anos depois endossada por um projeto de lei apresentado por Juvenal

Lamartine, então deputado pelo Rio Grande do Norte. A proposta divulgada no ano de 1916,

na Câmara dos Deputados, tinha como objetivo a criação de um “Instituto Agronomico” no

Horto da Penha, em aproveitamento dos trabalhos realizados pelos laboratórios existentes no

Rio de Janeiro. O conceito consistia em estudar, fazer levantamento de dados, realizar

experiências e dar consultas nas mais “diferentes zonas de produção do paiz” (LAMARTINE,

1980, p. 68). Contudo, o foco de sua proposição estava voltado ao cultivo do “ouro branco”

nos estados da região “nordeste”.

A preocupação com produção algodoeira da região é apontada no corpo do projeto,

estando explicitado

Art. 3.º As Estações Experimentaes terão instalações modestas e serão dotadas de

todos os aparelhos necessários ao seu bom funcionamento.

Paragrapho unico. Uma destas Estações Experimentaes terá a sua sede na zona do

Seridó, no Rio Grande do Norte, por ser ali o centro da cultura do algodão mocó, de

fibra longa sendo outra no Ceará e uma outra na Parahyba do Norte. (SOUZA, E.,

1911, apud ROSADO, 1981, p.30-31)

Enquanto o projeto de Eloy de Souza, em 1911, buscava subsídios para a construção

de obras de irrigação nas regiões que necessitavam, ou seja, no “nordeste” do país, o projeto

de Juvenal vinha, em complemento, buscar apoio técnico para as produções agrícolas nos

estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba. O projeto de lei, apresentado em 26 de

junho de 1916, veio completar as ideias já esboçadas por Juvenal em 13 de junho do mesmo

ano, na Conferência Algodoeira, sob convite de Miguel Calmon. O discurso foi realizado

frente aos presentes, incluindo o então Ministro da Viação no governo de Venceslau Brás, o

representante norte-rio-grandense, Augusto Tavares de Lyra. Falando como um “Filho do

nordeste brasileiro, dessa região constantemente flagellada pela maior das calamidades – a

seca” [grifo nosso] (SOUZA, E., 1911, apud ROSADO, 1981, p.81), Lamartine defende a

importância desse gênero para a região e para a economia do país.

Assim, aos poucos os interesses econômicos iam sendo esboçados através do discurso

político e a região sendo destacada. O discurso de Eloy de Souza em 1911, teve muitos

aplausos, mas pouca atenção na esfera política. Todavia, no campo intelectual houveram

respostas, tanto do ponto de vista analítico, quanto em apoio ao projeto. Estas opiniões foram

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129

manifestadas pelos geólogos Roderic Crandall, geólogo e G. A. Waring. Ambas as

considerações publicadas no Jornal do Commércio, no dia 22 de setembro de 1911, sob o

título de “O Problema do Nordeste”.

Roderic Crandal afirma,

Sr. Redactor – Em vista da importancia nacional que tem a medida a ser considerada

pelo Congresso Nacional este anno e o pouco que é conhecido pelo publico o

assumpto, desejaria pedir a publicação das seguintes notas, como observações de

quem está muito interessado no assumpto, comquanto de modo alguém seja

affectado pelos seus resultados.

Nesta ultima decada o Brasil deu um enorme impulso no sentido do

desenvolvimento do paiz em geral. Os que olham para o Brasil e procuram ver o que

ha por baixo das dissenções, que são constantemente trazidas as vistas do publico,

reconhecem que estas são apenas uma parte essencial e desagradável deste despertar

nacional.

Uma das provas mais importantes deste progresso manifesta-se no programma de

desenvolvimento dos Estados menos favorecidos pela natureza, que foi

recentemente apresentado ao Congresso pelo Dr. Eloy de Souza, Deputado pelo Rio

Grande do Norte. [grifo nosso] (JORNAL DO COMMERCIO, RIO DE JANEIRO,

21/09/1911)

Discorrendo sobre a relevância do tema e analisando alguns dos artigos presentes no

projeto, Crandall reforça a ideia da importância nacional da questão. Ao mesmo tempo que

assinala o “programma de desenvolvimento”, voltado para os “estados seviciados pelas

secas”, visto, como necessário do movimento de crescimento brasileiro.

Vale ressaltar que para além do interesse e conhecimento intelectual sobre o tema,

Roderic Crandall, trabalhava para o Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro (SGMB),

comandado pelo geólogo norte-americano Orville A. Derby. Órgão que teve uma comissão

criada, sob o financiamento do IOCS, em 1909, composta por geólogos, topógrafos e

auxiliares do SGMB. Tal comissão teve como coordenadores Horace Williams e o próprio

Crandall. Portanto, podemos cogitar que ao contrário de sua afirmação, sobre o fato de não ser

afetado pela aprovação do projeto, Crandall também possuía interesses acerca da efetivação

dessas verbas. Visto a relação existente entre o órgão que trabalhava e o Inspetoria, que como

afirmado no projeto de lei,

Art. 21.º Os estudos, projétos, construção exploração das obras ficarão a cargo da

atual Inspetoria de Obras Contra as Sêcas, que passará a denominar-se “Inspetoria

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130

de Irrigação”, continuando subordinada ao Ministério da Viação e Obras Publicas.

Paragrafo único – O governo poderá aumentar o numero de secções regionais da

Inspetoria, conforme a necessidade e desenvolvimento do serviço.” (SOUZA, E.,

1911, apud ROSADO, 1981, p. 35)

Assim, pode-se conjecturar que a possibilidade de mais verbas para a Inspetoria,

acarretaria em maiores condições para os estudos e perpetuação das comissões existentes. G.

A. Waring, por sua vez, em carta dirigida a Arrojado Lisboa, afirma

Caro senhor. – Com grande interesse acabo de lêr o projecto de lei apresentado ao

Congresso pelo Sr. Eloy de Souza, para a construcção de obras de irrigação no

nordeste do Brasil.

Os lucros que elle apresenta como devendo ser obtidos pela irrigação são

provavelmente dignos de confiança, mas o assumpto tende a crear a opinião de que

uma grande renda immediata advirá dahi ao Governo Federal. Não acredito que isto

aconteça, pois a população actual da região é muito exigua ara o cultivo de áreas

extensas. Depois, porém, que esteja conhecido em outros paizes quanto é saudavel o

clima do nordeste do Brasil, a região terá um rapido desenvolvimento agricola; é

assim que as grandes obras comquanto só produzam uma renda pequenas durante

alguns annos, mais tarde se tornarão grademente e permanentemente valiosas. [grifo

nosso] (JORNAL DO COMMERCIO, RIO DE JANEIRO, 21/09/1911)

O hidrólogo estadunidense, também fez parte do IOCS, tendo sido designado chefe-

hidrólogo, em 1910. Ele ainda visitou a região do “nordeste” brasileiro e das observações

realizadas produziu algumas obras sobre o tema44. Apesar de sua concordância em relação as

irrigações como solução para a questão, Waring chama a atenção para a relação existente

entre as expectativa econômicas decorrentes do projeto de Eloy de Souza e a demografia da

região. E finda por apontar a imigração como uma possibilidade maior de crescimento,

desenvolvimento econômico e de retorno finaceiro a União. As ideias presentes tanto

discurso, quanto no projeto de lei, em 1911, e nos comentários posteriotes relativos a esse,

trazem um perspectiva de comunhão entre ciência e política. Além de estabelecerem visões

destes campos sobre a seca e o espaço acometido por elas.

Nessas visões o “nordeste” não é mais representado como uma região inculta e

mendicante, lugar de vazão de receitas publicas, mas como um espaço de promissão. Um

44 Obras publicadas por Waring: WARING, G.A. Irrigation in Northeastern Brazil. San Francisco: FromWestern Engineering, 1912. WARING, Gerald. Suppimento dágua no nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: IOCS,1912.

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131

terriório que recebendo a atenção e tratamento necessário tornarse-ia um forte centro de

produção agrícola, uma grande fonte de lucros para o país. Apesar da tentativa de estabelcer o

programa de desenvolvimento econômico dos “estados seviciados pelas secas” como uma

questão de relevancia nacional, o projeto proposto não foi encarado como uma necessidade

imediata. “Aplaudido depois que deixei a tribuna, focalizado o assunto na imprensa, nas

colunas editoriais e apreciado pelos técnicos estrangeiros de renome com autoridade para

opinar foi, todavia, esquecido pelo Poder Legislativo durante oito anos, de 1911 a

1919”(SOUZA, E., 2008. p. 266).

Podemos minimamente tentar estabelecer as razões deste “esquecimento” do projeto

de Eloy de Souza. Delegando-o a duas possíveis questões: uma refere-se ao quadro da

hegemonia econômica brasileira estar no Sul, pois como bem sabemos as atenções estavam

voltadas para a cultura do café, sobretudo a produção agrícola paulista e a outra refere-se ao

quadro político estabelecido no governo de Hermes da Fonseca (1910 – 1914), ocasionado,

especialmente, por sua ação intervencionista nos estados.

Quanto ao foco econômico podemos observar as disputas regionais existentes entre o

Norte e o Sul do país. Nelas a região representada por Eloy de Souza é vista como um ponto

de vazão de dinheiro público, no qual as verbas eram aplicadas sem maiores resultados.

Imagem construída desde os “socorros publicos” para os “estados flagelados”. E em relação a

situação da política nacional, Eloy de Souza afirma que Hermes da Fonseca, então presidente

“não foi, todavia, feliz por uma condescendência criminosa, com a política de reação contra

os governadores de alguns Estados, sob o pretexto de extirpação de oligarquias reinantes.”

(SOUZA, E., 2008, p 296).

A “política de salvações” proposta pelo presidente, que tinha por objetivo depor as

oligarquias, acabou por substituí-las por interventores ligados ao próprio Chefe de Estado. A

presença de militares e de muitos parentes do marechal na política federal, foi mais um

elemento perturbador do seu governo (SOUZA, I., 2008, p. 195). Além disso as insurreições

ocorridas em 1910 e entre 1912 e 191645, contribuíram ainda mais a instabilidade

governamental. Apesar de seu projeto não ter ido para discussão e votação, Eloy de Souza,

procurou ainda participar de ações referente ao tema das secas durante o governo de Hermes.

Ele relata-nos sua interferência na escolha do chefe da Inspetoria de Obra Contra as Secas.

Afirma,

45 Os levantes enfrentados pelo governo de Hermes da Fonseca foram: a revolta de marinheiros, no Riode Janeiro, que ficou conhecida como Revolta da chibata, em 1910, e a Guerra do contestado, entre as fronteirasdo Paraná e Santa Catarina, de 1912 a 1916.

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132

Durante o governo do marechal Hermes, a primeira vez que entrei no Catete, foi por

motivo de assunto que ao meu ver interessa, visceralmente ao Rio Grande do Norte,

em relação ao problema da seca. Com a demissão do Dr. Arrojado Lisboa da

Inspetoria de Obras Contra as Secas ficou assentada a nomeação do Dr. Piquet

Carneiro. (SOUZA, E., 2008, p 234).

A ingerência deu-se devido uma querela existente entre ele e o futuro Inspetor, que

havia “se recusado a aplicar à importância de 60.000$ no deslocamento da bacia hidráulica do

açude Santana, no município de Pau dos Ferros.” A negativa foi dada por considerar que tal

verba seria para “engordar chefes políticos”, referindo-se ao coronel Joaquim José Correia

(SOUZA, E., 2008, p. 234).

Eloy de Souza não aceitando tal insinuação rompeu relações com Piquet Carneiro. Ao

saber de seu nome para chefe da Inspetoria, tratou de apresentar sua discordância ao

Presidente. Não obtendo resultado positivo, buscou ainda junto ao Senado, solicitar que

Ferreira Chaves organizasse um movimento dos “senadores nordestinos”, na tentativa de em

comitiva apelar ao presidente a mudança. Ato que também não lograra êxito.

O motivo da recusa de Hermes, dava-se em decorrência da promessa feita ao “seu

amigo Dr. Moura Brasil” (SOUZA, E., 2008, p. 235). E como bem sabemos a prática de pedir

e prometer cargos públicos a amigos e aliados, era um traço bastante comum na política

republicana. No dia seguinte a visita de Eloy de Souza ao Presidente da República, ele

recebeu uma comunicação em nome de Moura Brasil, através do deputado Jaime de

Vasconcelos. O recado visava informá-lo que apesar da tentativa de interferência dele, Piquet

Carneiro seria nomeado. Tomando como afronta e na tentativa de um último recurso, Eloy de

Souza, enviou uma carta a ser publicada nos periódicos “Tribuna” e “Jornal do Commércio”,

direcionada à Moura Brasil. A carta trazia os seguintes termos:

Rio. 19 de Setembro de 1912. – Exmo. Sr. Dr. Moura Brasil – Sómente hontem pude

saber por amigos communs que V. Ex. restringe á minha pessoa o numero dos

Deputados que lamentam haver V. Ex. levado ao Sr. Presidente da Republica o

nome do Dr. Piquet Carneiro para substituir o Dr. Arrojado Lisboa na Inspetoria de

Obra contra as Seccas. Peço permissão para rectificar esse juízo, affirmando a V.

Ex. que a unanimidade das dançadas dos Estados interessados, sem excepção da do

Ceará, onde o Dr. Piquet Carneiro conta apenas entre dez deputados, dous ou três

devotos seus – considera a lembrança de V. Ex. pouco acertada, podendo contribuir

e contribuindo certamente para a desorganização de um serviço contra o qual até

hoje não vi, ainda, reclamações, com ou sem fundamento. Conheço o patriotismo de

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133

V. Ex. e estou seguro de que agindo por essa forma não o faz senão por estar

convencido de prestar mais um bom serviço ao Estado do Ceará e aos seus irmãos

igualmente flagellados pelas seccas, não tendo influído no animo de V. Ex., ao

tomar a responsabilidade de uma iniciativa tão grave as relações affectuosas que

prendem V. Ex. ao Dr. Piquet Carneiro. A competência deste profissional deverá ter

sido, pois, determinante do conselho com que V. Ex. acudiu ao Chefe do Estado, no

provimento de um cargo por nós outros considerado tão melindroso que nenhum

deputado da região interessada se terá julgado com autoridade bastante para indicar

candidato a conveniência de ouvir a opinião dos Ministros com quem sérvio o Dr.

Piquet Carneiro, na qualidade de engenheiro-chefe da Comissão de Açudagem e

Irrigação. Penso que só esses poderão dizer com maior autoridade a perfeita isenção

sobre os predicados que V. Ex. em boa fé reconhece no seu paranymphado, e dos

quaes nós outros os representantes dos Estados interessados temos sobradas razões

para suspeitar.

Pedindo permissão para dar publicidade a esta carta, subscrevo-me de V. Ex. maior

admirador e menor criado. – Eloy de Souza. [grifo nosso] (JORNAL DO

COMMERCIO, RIO DE JANEIRO, 19/09/1912)

A mensagem circulada publicamente chegou às mãos de Pinheiro Machado, que

segundo ele, “depois de ler a minha carta na porta d’A Tribuna” monologara: - “Mas esse

homem não pode ser nomeado”. [...] Vou agora mesmo ao Catete conversar com o Hermes”.

No dia seguinte o nomeado era o Dr. Aarão Reis.” (SOUZA, E., 2008, p. 236).

Os relatos de Eloy de Souza, veem a endossar as afirmações de Itamar de Souza

quanto ao governo de Hermes da Fonseca. Afirmou ele, “Esse governo sofria

permanentemente a interferência política do general José Gomes Pinheiro Machado, chefe da

política gaúcha e líder de todas as oligarquias a quem Hermes da Fonseca devia praticamente

sua vitória.” (SOUZA, I., 2008, p. 195).

A participação política de Eloy de Souza, conforme seu relato também se deu em

torno das “salvações do Norte”. Os ataques a políticos norte-rio-grandenses, incluindo ao

próprio Eloy de Souza, proferidos por José da Penha Alves de Souza em suas propagandas e

discursos acalorados em favor do filho do marechal Leônidas Hermes da Fonseca, fizeram-no

ir novamente ao Catete. Desta vez, conseguindo uma resposta afirmativa do presidente, sob a

forma de um telegrama destinado a José da Penha (SOUZA, E., 2008, p. 236).

As salvações, as sublevações, a força e interferência política de Pinheiro Machado,

fizeram o governo de Hermes da Fonseca bastante conturbado, mas apesar dos problemas

enfrentados ele conseguiu concluir o seu mandato. Seu sucessor foi Venceslau Brás (1914 –

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134

1918), que por sua vez, teve de enfrentar logo no segundo ano de governo os problemas

causados por mais uma grande seca, a de 1915. O fenômeno climatério pôs a prova a atuação

da IOCS, que à época tinha a frente Aarão Reis. Munido dos poderes dados pelo presidente,

Reis, reorganizou a Inspetoria. O Inspetor começou enxugando o quadro e extinguindo

aqueles voltados a pesquisa, como: os de chefe topógrafo, chefe botânico e chefe hidrólogo.

Ficando apenas com um corpo essencialmente técnico.

Pereira Reis buscava fazer com que as obras não ficassem susceptíveis as diminuições

frequentes no orçamento (MORAES, 2010). Contudo, mais uma vez a atenção governamental

teve suas vistas voltadas para o Sul, devido à crise do setor cafeeiro, ocasionada pela Primeira

Grande Guerra, que resultou na diminuição das exportações do produto. A IOCS mais uma

vez sofreu com a diminuição do seu orçamento e a limitação de sua atuação (MORAES,

2010). Em meio as disputas, fossem elas econômicas ou políticas, as preocupações com o

“problema do nordeste”, bem como o projeto de Eloy de Souza, foram como ele afirmou

“esquecidos”. E só vieram a ser resgatados, durante a presidência de Epitácio Pessoa.

3.2 ELOY DE SOUZA E A LEI EPITÁCIO PESSOA: DELIMITAÇÃO ESPACIALNO DISCURSO INSTITUCIONAL

A ascensão de Epitácio Pessoa, a presidência da República, trouxe a possibilidade da

retomada de um programa de desenvolvimento econômico para região dos “estados

seviciados pelas secas”. O paraibano, que já havia esboçado interesse e apoio a questão, em

um telegrama destinado a Liga Nacional Contra as Secas, foi quem “ressuscitou” o projeto de

1911. Advogado, bacharelado pela Faculdade de Direito de Recife em 1886, como tantos

outros intelectuais da época, Epitácio Pessoa, teve uma trajetória política ascendente.

Começou sua carreira política como deputado federal pelo seu Estado (1891 – 1893). No ano

de 1898 assumiu a pasta da Justiça e Negócios Interiores, mantendo-se no cargo até 1901. Foi

ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de 1092 a 1912.46

Após o término da Primeira Grande Guerra, foi convocado para chefiar a delegação

brasileira na Conferência de Paz realizada em Versalhes, na França. Exercia essa função

quando, em janeiro de 1919, teve seu nome escolhido a sucessão presidencial de Rodrigues

46 Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930(Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual do CPDOC – FGV,endereço eletrônico: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PESSOA,%20Epit%C3%A1cio.pdf

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135

Alves, que havia falecido logo após sua vitória nas eleições. Sobre a escolha do nome de

Epitácio Pessoa para à Presidência, Eloy de Souza afirma

Afrânio, Raul Soares e Arthur Bernardes tiveram grande atuação, mas Álvaro de

Carvalho foi no Rio de Janeiro a laçadeira que mais trabalhou na costura dos

remendos da política brasileira, depois do falecimento de Pinheiro Machado e do Dr.

Rodrigues Alves. As reuniões entre os líderes políticos foram frequentes. Todavia

não foi fácil acertar na escolha de um nome que pudesse reunir a unanimidade dos

partidos.

A sugestão do nome de Epitácio Pessoa veio sem possível contestação dos chefes

mineiros. (SOUZA, E., 2008, p. 299).

Havia, porém, a contraposição de Rui Barbosa, que tinha vislumbrado o cargo de

Chefe da Delegação ao Congresso de Versalhes, sendo preterido em favor de Epitácio Pessoa.

Não esquecendo tal acontecimento, não só negou apoio à candidatura, como lançou seu nome

na chapa opositora (SOUZA, E., 2008, p. 299). A força das estruturas políticas estabelecidas

na Primeira República, trouxeram a vitória a Epitácio Pessoa, sem que este nem mesmo

estivesse presente no país. Vencendo as eleições em abril de 1919, retornou ao Brasil em

julho do mesmo ano, para assumir a presidência da República.

A primeira medida relativa ao problema das secas, no governo de Epitácio Pessoa veio

dias após sua posse. Em 09 de julho de 1919, o Decreto nº 13.687, aprovava a mudança da

IOCS, para Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFCOS). O texto de regulamentação

do órgão especificava a área de atuação da Inspetoria, que em sua primeira forma visava

atender a “alguns Estados do Norte do Brazil”. O documento de 1919 estabelecia uma

delimitação mais precisa de qual seria esse espaço de ação. E o objetivo do órgão seria,

Art. 1º A Inspectoria Federal de Obras contra as Seccas destina-se a construir obras

e fomentar serviços que attenuem ou previnam os effeitos das seccas no Ceará, Rio

Grande do Norte, na Parahyba, no Piauhy, em Pernambuco, Alagoas, Sergipe, na

Bahia e no norte de Minas. [grifo nosso] (BRASIL, Decreto nº 13.687 de

09/07/1919)

Assim, o recorte espacial especificado no documento dava mais clareza em torno de

quais seriam os territórios “estados seviciados pelas secas”. Esses em grande parte comporiam

o que posteriormente será denominado oficialmente como uma região, o Nordeste. Pois, de

acordo com o estudo realizado pelo professor e historiador Durval Muniz Albuquerque Junior

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136

em seu trabalho “A invenção do Nordeste e outras artes”, o decreto que estabelecia a IFCOS

marcou o início do uso institucional do termo Nordeste (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2001,

p.81). Contudo, tal designação já havia sido utilizada em outros dois decretos anteriores, no

ano de 1915, durante o governo de Venceslau Brás e, como pudemos bem observar, já

aparecia nos discursos técnicos e políticos sobre as secas.

Os decretos nº 2.974 e nº 11.641, ambos de 15 de julho, apresentaram a “zona do

nordeste assolada pela secca” para designar aquela espacialidade. O primeiro autorizando o

Poder Executivo a abrir créditos extraordinários de até 5.000.000$, para serem aplicados na

“zona do nordeste”. O segundo estabelecendo a abertura de um crédito extraordinário de

5.000.000$ ao Ministério da Viação e Obras Públicas para ser aplicado em obras nesta região.

Assim, a delimitação espacial dantes apontada nos discursos parlamentares e técnicos agora se

fazia presente nos textos institucionais. Ao espaço sob a designação de “nordeste”, mostrava-

se como uma parte específica e diferenciada da região Norte. Além disso também consolidava

sua identificação com as secas.

Pouco tempo depois da mudança da IOCS para IFOCS, Eloy de Souza, já como

senador, foi convidado pelo presidente para “conversar sobre assuntos referentes ao

Nordeste.” (SOUZA, E., 2008, p.268) Como resultado da reunião recebeu a incumbência de

redigir uma mensagem ao Congresso Legislativo “em termos decisivos e concludentes” sobre

o tema. Firmava-se, assim, o tão esperado reconhecimento legislativo do problema e

determinava-se sua solução. As ideias estabelecidas na lei, foram as mesmas apresentadas na

Câmara, em agosto de 1911, as quais, segundo Eloy de Souza, o presidente já tinha

conhecimento. Afirmou ele,

Perguntei-lhe então quais eram as idéias que eu deveria mencionar como base ao

projeto a ser organizado, debatido e votado pelo Poder Legislativo. Disse-me ele,

então: - “Ponha as idéias do seu projeto apresentado na Câmara em agosto de 1911,

porque eu não tenho outras e elas me parecem as mais adequadas ao fim em vista.

(SOUZA, E., 2008, p. 268)

A mensagem concisa enviada à Câmara teve como relator o deputado Otacílio de

Albuquerque, representante da Paraíba. O parecer sobre o projeto também foi redigido por um

representante paraibano, o senador Cunha Pedrosa. Parte da conclusão de seu parecer, foi

transcrita por Eloy de Souza, em suas Memórias. Afirmava ele,

Os recursos financeiros que a execução dos trabalhos planejados reclama, serão

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137

provenientes de uma caixa especial constituindo fundo de irrigação segundo as bases

calculadas no projeto de 20 de agosto de 1911 do então deputado Sr. Eloy de Souza,

obra de admirável previsão política que ficou sendo ponto de partida de todas as

providências capitais adotadas para a defesa eficaz do Nordeste pois assegura a

continuidade de ação que a inconstância dos programas governamentais e

parlamentares não têm até agora permitido. [grifo nosso] (SOUZA, E., 2008, p. 268)

O projeto foi sancionado e aprovado no dia 25 de dezembro do mesmo ano, recebendo

por este motivo a denominação de Lei de Natal e posteriormente designado como Lei Epitácio

Pessoa. O documento produzido por Eloy de Souza, autorizava a construção de obras

necessárias a irrigação de terras cultiváveis no “nordeste brasileiro”, além de outras

providencias.

A lei firmava o recorte espacial estabelecido pelo Decreto nº 13.687 de 09 de julho de

1919, ou seja, determinava que as obras estariam destinadas aos Estados do Ceará, Rio

Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e para o norte de

Minas. Criava também uma caixa especial com a finalidade de custear as despesas de

construção, conservação das obras e serviços nestes estados (BRASIL, Decreto nº 13.687 de

09/07/1919). Eloy de Souza alegava que,

Foi com estes recursos que o presidente Epitácio Pessoa organizou e iniciou a

execução dos trabalhos gigantescos considerados pela engenharia nacional e

internacional como indicados e insubstituíveis na solução de igual problema na

Índia, nos Estados Unidos, na República da Argentina, na Argélia. (SOUZA, E.,

2008, p. 269).

Os representantes dos “estados seviciados pelas secas” tiveram a possibilidade de voz

e efetivação de seu programa, com a ascensão de um dos “filhos do nordeste” ao Catete.

Contudo, a situação não perdurou. Logo as críticas relativas às vultuosas quantias utilizadas

para as obras começaram a circular na imprensa. De acordo com Eloy de Souza, estes

julgamentos foram utilizados como “arma de oposição” ao presidente e ao Inspetor da IFOCS,

Arrojado Lisboa. Mesmo ante as críticas algumas das obras foram concluídas como as “[...]

estradas de ferro e de rodagem e em via de execução açudes de grande capacidade destinados

à irrigação no Ceará e Paraíba; sem falar no açude Gargalheiras no Rio Grande do Norte, a

única grande barragem cuja construção teve prosseguimento.” (SOUZA, E., 2008, p. 269).

A regulamentação da IFCOS e da Lei Epitácio Pessoa conseguiram angariar grandes

quantias para a região, valores que eram frequentemente estampados nos impressos. A cada

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138

novo período de seca, mais quantias e mais publicidade. Contudo, as soluções propostas pelas

obras não foram imediatas. O interesse, transforou-se rapidamente em desconfiança e as

verbas tornavam-se, cada vez mais, motivos de disputas políticas.

Denúncias sobre aumentos orçamentários de empreiteiras, importações desnecessárias

de materiais e gastos vultuosos do dinheiro público eram frequentes. Acerca disso em 03 de

dezembro de 1921, em entrevista ao periódico A Noite, do Rio de Janeiro, o deputado

Pamphilo de Carvalho que visitou a região em excursão política com J.J Seabra, registrou

suas impressões sobre as “obras do nordéste”.

Afirmando sobre a ação da IFCOS, que segundo ele “bons serviços já estão

prestando”, assinalou ter recebido queixas referentes a ganancia e interesse dos empreiteiros

em aumentar as despesas atraídos “pela percentagem de 15%, que lhes cabe por clausula

contratual” (A NOITE, RIO DE JANEIRO, 03/12/1921). Mesmo considerando importante a

realização das obras, Carvalho, encerrando seu comentário sobre a questão apresenta uma

informação em tom de denúncia. Afirma ele,

Ha, no emtanto, um facto que me parece está a merecer explicação, e que até o

presente momento não logrei obter. Vi, na Alfandega de Fortaleza, onde

pessoalmente fui certificar-me da informação que todos me era dada, vi, digo eu,

centenas e centenas de barricadas e saccos contendo areia e pedrinhas – esses seixos

roliços, que formam o leito dos nossos riachos, e importados da America do Norte!

(A NOITE, RIO DE JANEIRO, 03/12/1921)

As verbas dispendidas para IFOCS, apresentava pela primeira vez na República, cifras

consideravelmente altas. O que significava maior injeção de recursos nas localidades

atingidas pelas secas.

QUADRO 06 – ORÇAMENTO E DESPESA DO IOCS/IFOCS (1909-1930)

GOVERNOSVALORES EM CONTOS DE REIS (valores nominais)

ORÇAMENTO DESPESAS1909 – 1914Nilo Peçanha

Hermes da Fonseca23.736:000$000 19.517:783$802

1915 – 1918Venceslau Brás

19.992:960$000 19. 112:027$303

1919 – 1922Delfim MoreiraEpitácio Pessoa

325.210:650$043 316.507:785$899

1923 – 1926Artur Bernardes

105.757:003$547 87.056:275$526

1927 – 1930Washington Luiz

64.954:057$000 35.644:119$847

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139

FONTE: BOLETIM DA INSPETORIA FEDERAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS. VOL. 12, Nº1,JUL/SET. RIO DE JANEIRO: IFOCS.

As verbas direcionadas ao “nordeste”, acabavam por favorecer tanto a grupos

políticos, quanto a empreendimentos particulares. Assim, as ações do órgão basicamente

estiveram direcionadas a construção de açudes públicos e privados.

Findo o governo de Epitácio Pessoa, o apoio federal as obras reduziram drasticamente,

como podemos observar no quadro acima. As críticas em relação aos gastos da IFOCS e a

política do sucessor presidencial, Artur Bernardes (1923 – 1926), estabeleceu uma nova

contenção de gastos e colocou novamente a região sobre o problema da falta de verbas.

A política econômica de diminuição de despesas ordinárias fez com que durante o seu

governo, as verbas destinadas as obras do IFCOS fossem suspensas. Ademais o retorno da

estação chuvosa a região endossava a visão de que estas não eram mais necessárias. No

imaginário dos políticos sulistas se não havia secas, não havia “zona do nordeste assolada pela

secca”.

Em 07 de janeiro de 1925, o decreto nº 16.769, estabelecia

Considerando que a situação do Thesouro, com cujas difuculdades vem o actual

Governo lutando, desde os primeiros dias de sua existencia, o obriga a extremo rigor

na politica de economia que tem adoptado e, por conseguinte, a não somente reduzir

ao minimo as despezas ordinárias, mas também a adiar todas as obras e serviços

extraordinários,

DECRETA:

Art. 1º Ficam suspensas, durante o exercicio financeiro de 1925, todas as obras

publicas que estão sendo executadas pelos diversos ministérios.

Art. 2º Para aquellas que são objecto de contractos serão celebrados accôrdos que

prorroguem os prazos de sua execução, de modo a evitar rescisões onerosas.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário. (BRASIL, Decreto nº 16.769 de

07/01/1925, p. 01)

Consideradas ordinárias as obras nos “estados seviciados pelas secas” foram mais uma

vez paralisadas. De acordo com Eloy de Souza “[...] tudo foi obra de intriga e da perversidade,

da maldade que encontrou execução no prestígio constitucional do presidente Artur

Bernardes[...]” (SOUZA, E., 2008. p.2 70). Mesmo ante as ponderações de seu Ministro da

Viação, Francisco Sá, os recursos dantes tão volumosamente destinados ao “nordeste”

minguaram. Eloy ainda afirma que “vários Estados do Sul com ela se locupletaram. Só para o

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140

Estado de Minas Gerais foram transferidos da Caixa das Secas 35.000 contos, ao que se disse

na época e não foi contestado, para estradas de ferro.” (SOUZA, E., 2008. p.2 70).

Os Estados do Sul, não compreendiam a dimensão da importância dessas obras para o

“nordeste”. Arrojado Lisboa, Inspetor da IFCOS, ressaltava isso em uma Conferência

pronunciada na Biblioteca Nacional, em 1913, intitulada “O problema das secas”. Em suas

palavras,

E’ conveniente lembrar aqui que nós de outros Estados difficilmente

comprehendemos as cousas do Nordéste. Independente de outras razões a isso se

oppõe, por vezes, a variabilidade da significação dos proprios termos.

Quando no Sul pronunciamos a palavra “açude” a imagem que se fórma em nossa

mente é a de um lago artificial, cheio d’agua, de nível constante todo o anno, e de

onde invariavelmente se desvia o liquido para tocar uma roda ou moinho. Para o

homem do Nordéste a palavra tem significação muito differente que, sem

explicação, ninguem no Sul será capaz de comprehender. Para o sertanejo a imagem

que vem á mente ao enunciar a palavra é muito outra. E’ justamente opposta, a da

vasante onde faz a sua cultura. Cultura da vasante é cousa que ninguem entende no

Sul. [grifo nosso] (LISBOA, 1980, p.126)

A diferença não estava apenas estabelecida na significação dos vocábulos, mas

também nos interesses econômicos entre as regiões. O Sul estava fortemente voltado para a

produção cafeeira, carro chefe de nossas exportações, enquanto o “nordeste” buscava mais

espaço para desenvolvimento econômico do seu “ouro branco”, o algodão. A construção

discursiva dessa espacialidade no campo político, portanto procurava criar a perspectiva de

uma importância econômica daquele espaço para o país. Nos debates ocorridos dentro e fora

do parlamento, a ideia de nordeste foi sendo construída em torno do sertão e do combate as

secas.

Um ambiente retratado com potencialidade produtiva e econômica, mas que se via

gravemente prejudicado pela falta de políticas que solucionassem o problema das estiagens.

Portanto, era necessário para o desenvolvimento do país “fazer cessar o êxodo desta pobre

gente. Impedir que se arrastem, sofrendo vergonhas e humilhações[...]” (SOUZA, E., 2008

p.267). Era necessário acabar com os “socorros” e criar definitivamente um programa de

desenvolvimento econômico para o “nordeste”.

Os discursos e projetos de Eloy de Souza fizeram parte desse movimento que uniu os

“estados flagelados” em torno de um problema comum: as secas. E através dela começou-se a

criar uma imagem político-discursiva da região já na primeira década do século XX. A partir

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141

de sua atuação no campo político ele foi partícipe na construção da “zona do nordeste

assolada pela secca”, mas também do “nordeste” da promessa da prosperidade agrícola e

econômica.

Presente nos discursos institucionais e percebido como um espaço diferenciado do

extremo Norte, o esboço do “nordeste” recebeu seus primeiros recursos federais. Apesar de

não sacramentada institucionalmente, esta espacialidade, foi minimamente desenhada através

das falas políticas, técnicas e dos instrumentos legislativos. A ideia de um “nordeste”, foi

esboçada nos dois primeiros decênios da República, contudo, ainda seria construída e

reconstruída no campo político, cientifico e literário, nos decénios seguintes. Até chegar a sua

formalização territorial, vários seriam os caminhos percorridos discursiva e imaginariamente

pelo “nordeste”.

As articulações realizadas no campo político nacional em torno de um programa de um

desenvolvimento político-econômico dos “estados seviciados pelas secas”, do qual Eloy de

Souza foi participe, foi parte importante nessa construção. De tal modo, quando nos

deparamos com a atividade política de Eloy de Souza, deparamo-nos também com a trajetória

discursivo e imagética deste espaço. Ainda não formalizado, mas esboçado nas mais sutis

expressões, formulado através nos mais variados discursos e, sobretudo, elaborado sob o

estigma das secas.

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142

CONCLUSÃO

Nosso trabalho buscou contribuir para a compreensão do fenômeno de elaboração do

Nordeste, buscando fomentar novos estudos sobre a construção deste espaço, - do sertão, das

secas, da promessa de desenvolvimento econômico -, mas também de tantos outros que são

construídos e reconstruídos a partir dos discursos políticos, do imaginário popular, da

literatura e do mundo acadêmico. Onde a imagem e a ideia de uma espacialidade nordestina

tiveram e até hoje tem no meio acadêmico muitas abordagens. Nesse âmbito, aqui,

apresentamos mais um dos caminhos que levaram a esta construção.

Erigimos o discurso político como parte do processo de formulação do Nordeste.

Traçamos a trajetória de vida pública de Eloy Castriciano de Souza como base para a

compreensão da elaboração dos “estados seviciados pelas secas” como uma espacialidade

definida e recortada dentro da região Norte. Estabelecendo a relação existente entre o discurso

político e a espacialidade nordestina, a partir da trajetória de vida pública desse personagem,

que representou um dos estados interessados nesse processo, o Rio Grande do Norte.

Assim, aliamos a trajetória Eloy de Souza, a própria trajetória discursiva de elaboração

do Nordeste como uma região. Partindo da atuação deste sujeito, que como político e

intelectual interessado em um projeto de desenvolvimento econômico da região, que construiu

discursivamente uma imagem deste espaço já na primeira década do século XX. Elaboração

realizada a partir de seus discursos parlamentares sobre a temática das estiagens, com os quais

nos apropriamos como forma de constituirmos um olhar sobre o Nordeste, a seca, a vida

política do Rio Grande do Norte. Neste âmbito podemos observar à correlação existente entre

o nacional, o regional e o local, na configuração dos espaços.

Junto às memórias de Eloy de Souza, observamos sua trajetória de vida, em conjunto

com à sua socialização no espaço político social norte-rio-grandense, a partir de sua história

familiar. Eloy de Souza veio de uma família de cor, contudo, possuidora de bens e relações

políticas. Cursou a Faculdade de Direito de Recife, uma das instituições formadoras de

políticos. Fatos que lhe delegaram a atenção de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, líder

e articulador político do Rio Grande do Norte, que tinha como característica agregar

colaboradores que pudessem levar adiante projetos de interesse do estado e de sua

“organização familiar”.

Aliado a interesses locais, a partir de sua relação com a “organização familiar”

Albuquerque Maranhão, sob a figura articuladora de Pedro Velho, este sujeito teve sua

inserção no campo político norte-rio-grandense. Dessa participação Eloy de Souza, obteve a

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143

possibilidade de enraizar-se na política local e nacional. Registrando suas vivências em suas

Memórias, das quais encontramos diversas referências sobre as “tramas” políticas existentes

na Primeira República. Pois, partindo dos interesses do grupo que representava, ele formulou

suas ideias acerca de uma solução para o problema das secas. Identificado como o entrave

para o desenvolvimento econômico não só do estado que representava, Rio Grande do Norte,

mas de todos aqueles que eram acometidos sucessivamente por elas.

Ideias essas que foram esboçadas desde seu primeiro discurso como deputado federal,

em 1906. Nele tentou angariar verbas para o Rio Grande do Norte, mas sobretudo, fez

apontamentos sobre a identidade de uma regionalidade a qual este estado pertencia. Atrelou o

desenvolvimento econômico dos “estados seviciados pelas secas” à solução do problema das

estiagens e esse ao próprio desenvolvimento nacional. Eloy passou a infância entre Rio grande

do Norte e Pernambuco, presenciando as agruras dos sertões. Na qual as atuações econômicas

de seu avô e de seu pai foram as que inseriram sua família no estado. Teve proximidade desde

criança com as “tramas” políticas, por intermédio da participação de seu pai no Partido

Liberal, bem como em sua formação acadêmica, por intermédio das discussões políticas que

envolviam os estabelecimentos de ensino superior.

Contudo, a inserção de Eloy de Souza, no campo intelectual do “Jardim de Infância”,

fora determinante tanto para sua fixação na política nacional, quanto para o aprofundamento

das questões relativas ao projeto por ele esboçado. Dessa relação obteve meios de participar

da formulação da IOCS, em 1909. Órgão que não só vislumbrava uma atuação permanente de

combate as secas, mas também circunscrevia e explicitava a área a ser atendida. Espaço esse

que partindo dos estudos feitos por técnicos e utilizados como subsídios para os discursos

políticos, como o de Eloy de Souza, realizava um recorte dentro do Norte.

Delimitação que explicitava uma região diferente do restante do Norte, por seus

elementos geográficos, físicos, climáticos e históricos. E que como tal merecia ser

reconhecido. Foi também de sua relação com o grupo “Jardim de Infância” que Eloy de

Souza, conseguiu meios para estudar mais a fundo as questões relativas as secas. Problema

pelo qual passou-se a costurar uma ligação e identificação entre alguns estados nortistas. A

partir dos seus estudos, no ano de 1911, mais uma vez levou o tema a Câmara dos Deputados.

Desta vez com um projeto formulado, no qual os interesses do “nordeste”, agora como uma

região sobre uma denominação, foram defendidos.

O discurso de apresentação do projeto, em 1911, configurou a consolidação de suas

ideias. Tanto em torno da solução do problema das secas, que delineava discursivamente um

recorte no Norte e o apresentava ao país, como de um projeto desenvolvimento desta região

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144

em torno dos interesses de seu próprio estado, em relação ao cultivo do algodão. O “ouro

branco”, assim foi apresentado como uma saída para a crise da borracha, o “problema do

norte” (SOUZA, 1911, apud. ROSADO, 1981). Ideias essas que foram fortalecidas por outros

discursos políticos e pela formação da Liga Nacional de contra a seca, no ano de 1919. Essa

visava criar uma associação e fortalecer os estados do “nordeste”, no que se refere ao combate

dos males de seu desenvolvimento: as secas e a não institucionalização deste problema pelo

governo federal.

Institucionalização conquistada por intermédio da Lei Epitácio Pessoa, em 1919, na

qual Eloy de Souza também teve participação decisiva. Tanto no que se refere a formulação

das ideias, pois estas haviam sido esboçadas no seu projeto em 1911, quanto na reelaboração

do texto apresentado em 1919. Esta lei não só reconhecia a existência de um “nordeste

brasileiro”, como também ratificava que este era formado pelos estados citados no texto de

reformulação do IOCS, que em 1919, foi denominado IFOCS. A região assinalada englobava

os estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,

Bahia e o norte Minas (SOUZA, 1911, apud. ROSADO, 1981). Área delimitada por estar no

mapa das secas. Apesar de alguns textos legislativos posteriores, como o decreto

constitucional de 1934, ainda utilizarem termos como “Estados do norte” (BRASIL, 1934), a

ideia de uma Nordeste já estava esboçada. Sendo ele uma espacialidade paulatinamente

delimitada já na primeira década do século XX, a partir da atuação política de Eloy de Souza,

como desdobramento da produção central e de sua tradução para um recorte da região Norte.

Vale salientar assim que este trabalho buscou, sobretudo, observar e compreender este

recorte espacial, descrito em obras literárias, técnico-cientificas e acadêmicas, como uma

construção que teve também seus traços elaborados através dos discursos políticos e textos

parlamentares. Mesmo não havendo, por parte de Eloy de Souza, um movimento intencional e

consciente de uma construção regional, acreditamos, que este espaço foi por ele

discursivamente construído. Porquanto, se não havia um objetivo preciso para a formação de

um Nordeste, existia na perspectiva da defesa do combate as secas uma elaboração de um

recorte espacial fundamentado na identificação dos estados seviciados pelas estiagens, em um

espaço diferenciado do restante do Norte do país. E a partir daí a formulação de uma junção

de forças dos estados que se consideravam esquecidos e preteridos pelo governo central.

Portanto, o que procuramos foi agregar o “nordeste” construído no campo político de

Eloy de Souza, através da elaboração dos instrumentos legislativos, aos demais Nordestes

instituídos por tantos outros discursos. Procuramos, assim, estabelecer os laços existentes

entre o movimento de construção da região, o discurso político e o estabelecimento de traços

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145

identitários deste recorte espacial. Esta construção territorial chamada Nordeste que teve sua

égide nas ideias, nos estudos técnicos e nos pronunciamentos parlamentares, fez-se consolidar

posteriormente na produção cultural também. Uma imagem construída e uma identidade

forjada antes mesmo de ser reconhecida. Espaço plural, composto por diversas cenas, visto

em várias perspectivas.

Eloy de Souza contribuiu com seu discurso e criação de ações para o combate as secas

para o contorno desta espacialidade. Através de suas falas e da repercussão delas pudemos

observar a delimitação discursiva e imaginária não só do espaço, mas do próprio termo

Nordeste. Uma região esboçada por ele como: o Rio Grande do Norte, o Ceará e os “povos da

Bacia do S. Francisco” (BRASIL, Annaes da Câmara do Deputados, 1906). Espaço

denominado de “nordeste”: na apresentação de seu projeto, no ano de 1911; nas discussões

parlamentares; em relatórios e conferências dos técnicos e estudiosos do tema; e nos

comentários jornalísticos. Por mais não estivesse oficializado como região, este Nordeste ia

sendo delineado na medida que era citado.

Ora aparecendo como “estados do Norte”, ora denominado como “estados irmãos”,

“estados seviciados pelas secas”, “nordeste brasílico”, “nordeste”, “zona do nordeste assolada

pela secca”, dentre tantas outras designações. As denominações dadas iam aos poucos

costurando este espaço, através de discursos que usavam como linha condutora as secas.

Vale ainda ressaltar que não existe uma hierarquia de poder sobre os discursos de

construção desta espacialidade. Portanto, não se encontra o campo político acima do cultural,

ou seja, o discurso político acima de qualquer outro. Trata-se de procurar preencher lacunas,

buscando, assim, a partir da participação política de Eloy de Souza incorporar o discurso

político nesse processo de construção espacial. Não o delegando papel de superioridade ou

inferioridade, mas colocando-o como mais uma peça nesse quebra-cabeças conceitual que

constituiu o Nordeste.

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146

FONTES

OBRAS E DISCURSOS DE ELOY DE SOUZA

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__________. Costumes Locais e outros temas. Coleção Mossoroense. Ano XV da ESAM.Vol CCXXXIV, 1982.

_________. Cartas de um sertanejo. Brasília: O Autor, 1983.

_________. O Calvário das Secas. 3ª edição. Natal: Fundação José Augusto, 1983,

_________. Carta de Eloy de Souza à Manoel Rodrigues. In: Revista do Instituto Histórico eGeográfico do Rio Grande do Norte, v. 52.

_________. Secas do Norte e Cabotagem. Discurso pronunciado no Congresso Nacional nasessão de 28.11.1906. Annaes da Câmara dos Deputados. Volume I. 1906

_________. Um Problema Nacional - Projecto e Justificação – Congresso Nacional – Câmara dosDeputados, sessão de 30.08.1911 – Tip. Do Jornal do Commércio, Rodrigues & C. – Rio de Janeiro,RJ, 1911. In: ROSADO, Vingt-Un (org.) Memorial da seca. Mossoró, RN: Fundação GuimarãesDuque. Coleção Mossoroense – Volume CLXXIII, 1981.

JORNAIS

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Page 152: ELOY DE SOUZA E O NORDESTE: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO

147

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ANEXOS

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Anexo 01 - PARTE DO DISCURSO PRONUNCIADO PELO DEPUTADO FEDERALELOY DE SOUZA NO CONGRESSO NACIONAL NA SESSÃO 28 DE NOVEMBRO DE1906.

Senhor Presidente, não será um discurso. Trouxe-me à tribuna tarefa mais modesta,circunscrita à justificativa de emendas que entendem com a realização de serviços no Estado,que tenho a honra, bem imerecida, em verdade, de representar nesta Casa.

Duas destas emendas, pela natureza dos melhoramentos que elas visam prover,merecem considerações, embora desvaliosas, mas em todo caso necessárias, ao menos comoinformação no voto que a Câmara tiver de proferir para aprová-las ou rejeitá-las.

Uma refere-se ao problema da secas; a outra diz respeito ao porto de Natal,oferecendo-me o ensejo de discutir o contrato do Loyd, os seus fretes, os ônus e obstáculosopostos à navegação nacional, no pensamento de que resultará desta crítica algum bem ànossa cabotagem, que pode e deve viver como complemento de uma política econômica,racional e eficaz.

Relativamente às secas, a circunstância de representar um Estado dos mais flageladospela visita periódica de crises climatéricas, altamente prejudiciais ao desenvolvimento e aoprogresso de uma vasta região do norte, me fez vencer a natural timidez, reflexo de umaincompetência que não dissimulo, para vir dizer, sinceramente e sem paixão, o meudepoimento, na esperança de ver problema de tal relevância definitivamente resolvido.

Tenho, Sr. Presidente, uma grande e imensa fé na obra da federação.Não desdenhando o passado, antes o amando no quinhão de glórias por ele

conquistadas para a civilização – formando, à custa do tato dos grandes homens, que oserviram uma nacionalidade forte, tolerante e culta – estou, entretanto, convencido de queencontramos na federação a forma definitiva de governo, o aparelho mais perfeito paraatingirmos melhor e mais depressa os altos destinos que nos estão reservados. (Muito bem).

É tão certo não devermos à República os predicados primordiais do nosso caráter noque respeita à bondade nativa, à probidade nos negócios, à moralidade na família, ao carinhona hospitalidade, à confiança no acolher e amar o estrangeiro, como é certo o termosadquirido com a nova forma de governo qualidades dinâmicas, assinaladas por uma atividademais vasta, ambições legítimas e maiores, melhor compreensão dos deveres do Estado, apegomais forte e interesse mais acentuado pelos negócios públicos. Assim enriquecidas as forçasativas da nação puderam contribuir para um progresso material acelerado e ascendente, tantomais real e positivo, quanto o vemos realizado, ainda nas menores circunscrições políticas.

Criando um patriotismo novo, o do amor a terra onde cada um de nós nasceu ouelegeu por sua, a federação vai assegurando, com a prosperidade década um dos Estados, aprosperidade da própria nação, transmudando assim para breve tempo uma desarmoniaaparente na mais perfeita unidade.

Não sou dos que pensam que preferências geográficas tenham deixado os Estados donorte na situação de inferioridade em que muitos ou quase todos se encontram, em confrontocom os seus irmãos do sul, alguns dos quais fazem justamente o nosso orgulho.

Prefiro buscar entre as causas de retardamento do progresso do norte aquela que,sendo a mais antiga e constante, melhor parece explicá-lo – um passado de lutas, em verdadeorientadas pela missão que durante largos anos nos coube de defender o litoral, para que sepudesse realizar, com o sucesso conhecido, a obra dos bandeirantes, na áspera conquista dosertão.

Duas vezes precisamos assegurar a integridade da Pátria, e, quando o sangue das trêsraças que entraram na nossa formação étnica ensopava o solo de onde o estrangeiro invasorteve de recuar desbaratado e vencido, mal sabiam os que o derramaram, na inconsciência comque os fatos sociais se processam, o extraordinário valor que aquele obscuro sacrifício

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representava para a nossa grandeza comum.Os que me ouvem sabem os vícios de organização que daí resultaram, já influindo no

modo definitivo por que se operou o povoamento daquela região, já criando um regimeeconômico e social determinante de reações políticas posteriores, se bem que justificadas pelagrandeza dos sentimentos que as ditaram; em todo caso, mal objetivadas e desastrosas, se,porventura, o sonho daqueles patriotas se houvesse realizado.

Encaro, Senhor Presidente, esses fenômenos da nossa vida nacional, aquiimperfeitamente esboçados, com a calma de quem, os tendo meditado com o desejo de tirardeles algum ensinamento, chegou à convicção profunda de que uma fatalidade histórica crioupara o norte um ambiente político-social em que o homem, possuidor de qualidadesintelectuais superiores, somente agora as vai disciplinando para as lutas da vida prática,produtiva e fecunda.

Deixando consignadas estas idéias, o meu fim principal é assinalar a superioridade dosmeus intuitos, quando venho dizer aos poderes públicos do meu país que é urgente e inadiávelresolver eficazmente o problema das secas do norte, medida econômica de alcanceincalculável, como pretendo demonstrar. Desejando tratar o assunto, sob todos os seusaspectos, embora sucintamente, releve-me a Câmara começar por fazer o resumo de algumasdaquelas calamidades que mais prejuízos acarretaram aos povos da bacia do São Francisco,segundo o excelente testemunho do Senador Pompeu e dos documentos, crônicas e tradições aque recorri.

Um fato, Senhor Presidente, cumpre destacar desde logo, e é que nas repetidas secasque têm assolado o norte do Brasil, desde os tempos coloniais até hoje, a intervenção doGoverno pouco tem aproveitado, e, por mais de uma vez, foi de efeitos desastrosos, pela faltade método na distribuição dos dinheiros públicos, sempre a título de socorros, enviados àsregiões flageladas, à hora nona do seu aniquilamento, quando não é possível aplicá-losconvenientemente. Foi assim em 1791 a 1793, por ocasião da grande seca, que, abrangendotoda a antiga capitania geral de Pernambuco, começando na Bahia e Sergipe, estendeu-se atéo norte do Maranhão e Piauí, nada poupando, nem homens nem terras, combatendo a vidaonde quer que ela existisse. As crônicas desses tempos remotos narram tragédias quenenhuma imaginação ousaria criar.

Ayres do Casal afirma que sete das freguesias existentes no Ceará ficaram desertas. Aviúva do capitão Nobre de Almeida, de Pernambuco, em um memorial dirigido a El-Rei, dizque muitas pessoas, famílias inteiras, que não puderam emigrar a tempo, foram encontradasmortas pelos caminhos e casas. Seu marido, proprietário no Recife, possuidor de muitasfazendas na Paraíba e Ceará, tendo ido ao sertão com sua família, pereceu com as pessoas queo acompanharam, todos vítimas da inominável calamidade. Uma informação do capitãogeneral de Pernambuco a El-Rei assegura que mais de um terço da população da capitania foidizimado pela seca. O padre Joaquim José Pereira, do Rio Grande do Norte, diz, em umamemória dirigida ao ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho, que, além do flagelo da seca,apareceu nos sertões do Apodi uma tal quantidade de morcegos, que mesmo à luz solar,atacavam as pessoas e os animais, já inanidos pela fome, não tendo mais força nem ânimo deafastá-los: homens, mulheres e crianças eram encontrados pelas estradas mortos emoribundos; a par de cadáveres em putrefação se achavam miseráveis ainda vivos prostradosno chão ou no leito, cobertos pelos vampiros, que as vítimas não podiam sequer enxotar.

Ao caírem as primeiras chuvas, em 1793, verificou-se que tinha morrido quase todo ogado da capitania: o comércio das carnes secas extinguiu-se; e a população continuaria asofrer, se os raros a quem a fortuna ainda permitiu alguns recursos não fossem ao Piauí fazercompras de reses para o consumo e para recomeçar a criação.

A farinha elevou-se de $240 a 8$ o alqueire.O sertão ficou deserto e a morte colheu no caminho muitos dos que procuravam

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refugiar-se no litoral.O capitão-mor Francisco Gomes da Silva, dono de uma das mais abastadas casas do

Seridó, foi obrigado a emigrar a pé para o litoral, fazendo transportar pelos escravos o restodos seus haveres, em sacos com moedas de ouro e prata.

Não sei de que ordem foram os recursos enviados aos colonos, tão impiedosamentecastigados pelo clima ingrato e incerto. As crônicas falam apenas de alguns barcos mandadosao Aracati, conduzindo cereais de Pernambuco e Maranhão. A medida mais notável dogoverno colonial, em época tão remota, assinala-se pelas cartas régias de 17 de março de1796, nomeando um juiz conservador das matas, e a de 11 de junho de 1799, decretando quese “coíba a indiscreta e desordenada ambição dos habitantes (da Bahia e Pernambuco) quetêm assolado a ferro e fogo preciosas matas... que tanto abundavam e já hoje ficam adistâncias consideráveis”, atribuindo assim o fenômeno climatérico à destruição das florestas,assunto que o vinha preocupando desde 1713, como salienta Euclides da Cunha no seu forte eformoso livro “Os Sertões”.

De um século antes (1692), data a primeira seca verificada no Ceará, comum, ao queparece, a toda a bacia do São Francisco. Em Pernambuco, segundo refere Gama nas suasMemórias Históricas, “constantemente os socorreu o bispo, mandando a sua custa conduzirem barcos farinha para distribuir com a pobreza”. Seguiram-se outras secas até a época a quealudi, mais ou menos extensas, mais ou menos perniciosas na sua obra de devastação.

Entre essas cumpre destacar a de 1722 a 1727, que não só compreendeu todo o RioGrande do Norte e Ceará, mas ainda o Piauí e a Bahia, onde até as fontes da capital ficaramestanques, conforme refere o Senador Pompeu.

No Ceará, o gentio que habitava o interior emigrou para as serra mais frescas. Osbrejos e correntes do Cariri, região abundante, de fertilidade pasmosa, secaram a tal ponto queos habitantes de Missão Velha mudaram-se a falta de água.

Morreram numerosas tribos indígenas; as aves e as feras eram encontradas mortas portoda parte. O sol era tão abrasador que abriu largas e profundas tendas no solo ressequido, poruma extensão de muitas léguas.

No Rio grande do Norte, refere Ignácio Nunes Correa de Barros, “morreram muitascriaturas humanas a fome a necessidade, e outras escaparam sustentando- se em couros ebichos imundos”.

A Câmara da capital representou à metrópole contra o lançamento do imposto pelocapitão-general de Pernambuco para aumentar o donativo destinado ao casamento dospríncipes, alegando a extrema miséria a que a capitania havia ficado reduzida, após seis anosde uma seca, na qual os gados se tinham perdido quase totalmente, decrescendo osemolumentos das carnes de 800 a 160 réis por cabeça de gado vacum.

No século passado, os anos de 1824 e 1825 foram de excepcionais sofrimentos para aspopulações de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Além dos horrores da secae das epidemias, a calamidade maior que todas – a guerra civil – infringiu, principalmente àsdos dois últimos Estados mencionados as mais dolorosas provações. E pior que o castigo dosol inclemente foi a maldade dos homens. Não era só o morrer a fome e a sede pelas estradaspedregosas e escaldantes, mas o sucumbir testemunha da desonra da mulher e das filhas,estupradas pelos assassinos que em numerosos bandos cruzavam, em toda as direções, aquelasmíseras províncias.

Uma só a intervenção do governo: vingar a rebeldia dos patriotas que haviam ousadosonhar uma reforma política que lhes desse melhores e mais felizes dias, proclamando essaefêmera e desventurada Confederação do Equador. Ao bastava criar comissões militares emPernambuco e Ceará; fuzilar doze dos chefes da mal lograda revolução; recrutar os poucosbraços validos que haviam sobejado da terrível crise climatérica, era preciso mais, era precisofavorecer o roubo e o assassinato com a idéia preconcebida, senão de exterminar, ao menos de

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afligir e torturar aquela sub-raça de fortes e trabalhadores. É assim que o interior da provínciaquase ficou despovoado, tantos os criadores e fazendeiros que procuraram no litoral abrigocontra os audaciosos quadrilheiros, tanto mais destemidos e perversos, quanto maior era acerteza da impunidade. O Senador Pompeu, fazendo a narração desses amargos e tristíssimostempos, acrescenta: “Os infelizes que fugiam aos ladrões e à fome corriam em bandos aosgrandes povoados; e, pelas estradas, pelos campos, praças e ruas, iam deixando insepultos oscadáveres dos que não podiam resistir.

A intervenção que houve em Sobral, em Fortaleza e, provavelmente, em outrosgrandes povoados, consistiu em mandarem as municipalidades cercar de estacas um campo,para nele sepultarem-se os cadáveres que se encontravam nas praças e ruas”. E acrescenta: “Ogoverno geral só em fins de 1826 ou já em 1827 quando o mal passou, mandou algumafarinha para o Ceará, que nada aproveitou”.

O ano de 1845 foi também calamitoso.No Ceará, algumas ribeiras sofreram graves perdas nos seus gados; e se não houve

grande mortandade, deve-se à compaixão das províncias irmãs, e ao auxílio do poder público.O Rio Grande do Norte, porém, sofreu mais duros rigores, e não só a criação ali ficou

muito reduzida, como no alto sertão, morreram muitas pessoas a fome e a moléstias própriasda miséria.

Chego, Senhor Presidente, à seca de 1877: e como não tenho o interesse nem apretensão de emocionar a Câmara narrando o que foi essa inominada odisséia, contando ascenas de horror jamais excedidas e raramente igualadas na história do sofrimento humano,fujo com pena de mim mesmo à dor exaustiva de relembrar que um dia houve no meu país,em que o pai faminto devorara o filho pequenino, e fogueiras crepitaram em plena Fortaleza,num ensaio infeliz de incineração dos cadáveres que as valas extensas e profundas não maiscomportavam. Deixo que fale a eloqüência incontrastável dos algarismos.

Em novembro de 1878 (pasme a Câmara!) morreram na capital do Ceará 10.926pessoas; em dezembro, 15.352; e, em um só dia deste mês, mil e doze criaturas foramdevoradas pela varíola e outras epidemias.

Os cemitérios de Lagoa Funda e São João Batista, receberam, nesse ano, 118.927cadáveres. Não é absurdo calcular a mortandade da província, durante a seca, em 180.000pessoas, e o número das que emigraram em 60.000, aproximadamente. Computar em 90.000os mortos do Rio Grande do Norte não será exagerado, atendendo-se a que, somente emMossoró, pequena cidade do litoral sucumbiram a fome e de várias doenças 35.000. Ouçamoso Dr. Rodrigo Lobato, ilustre e benemérito paulista, então presidente da província:

“Mossoró foi, nesta província, o teatro das mais tristes cenas da miséria.A nudez, a fome, as epidemias ceifaram grande número de vidas, e iam abrindo espaço

aos recém chegados. De janeiro de 1878 até agora (27 de outubro de 1879) foram sepultadosno cemitério público daquela cidade, conforme a relação de óbitos organizada pelo respectivoe muito digno vigário, 31 mil vidas, podendo, sem perigo de erro, calcular-se em cinco mil onúmero dos que foram enterrados fora do cemitério, pela impossibilidade de enterrar-se oscadáveres dos que morriam nos abairramentos situados a alguma distância da cidade”.

Desprezando o lado moral, encaro a questão, Senhor Presidente, sob o ponto de vistaeconômico, aplicando, aliás, com propriedade, o mesmo processo dos higienistascontemporâneos que, para tornarem mais positivos os prejuízos causados à sociedade pelasdoenças evitáveis, atribuem um certo valor monetário à vida humana, calculando por ela aperda sofrida.

Esse valor, como Vossa Excelência sabe, pode ser considerado.1.º. – Em fração de riqueza pública, isto é, cada pessoa vale a riqueza nacional

dividida pelo total dos habitantes do país. É bem de ver que, sem estatísticas capazes demarcar certamente o divisor, sem uma noção exata do dividendo – a riqueza nacional –

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nenhum cálculo, mesmo provável, poderia, por tal feição, ser tentado no Brasil;2.º. – (Engel). Em custo de criação e educação, isto é, do nascimento até à idade útil à

produção, o homem consome para sua instrução, tamanho, cultura, quantia que é o seu custo,ou indiretamente o seu valor. Esse cálculo pode ser tentado com a imensa relatividade dopreço de alimentação, habitação, vestuário e educação nas várias zonas do país;

3.º. – Em valor ou juro de produção, isto é, o homem é um utensílio de trabalho ou umcapital capaz de produção; o seu trabalho é o juro ou prêmio do seu valor. Conhecido um,pode-se calcular o outro. Onde o trabalho é mais barato, o homem vale menos. Tendo emvista o juro normal do nosso dinheiro em média e a média do salário, tem-se facilmente ovalor de cada homem.

Convém neste cálculo levar em conta o sexo e a idade, em que não são iguais àscondições de trabalho útil. A idade útil de 16 a 60 anos figura como 84% da população (16%representam os menores de 16 e maiores de 60). Dos maiores de 16 e menores de 60, 57% sãohomens e 43% mulheres de pouca utilidade produtiva, pelas nossas condições sociais. Entrenós tem-se tentando cálculos dessa natureza, especialmente em relação à febre amarela.

Cálculo do Dr. Aureliano Portugal, adotado pelo Dr. Carlos Seidl. Rio de janeiro, juro12%, salário médio 1$500 (Portugal).

Cálculo do Dr. Carneiro de Mendonça:Levando em conta a quantidade de trabalho, segundo as idades, e o custo da vida,

segundo as mesmas.

Variando-se os dados, outros números se obterão; mas, mesmo um menino qualquer, éútil para, flagrantemente, perceber-se o prejuízo material que nos custam a doença e a morte.

Ainda uma observação: se nas enfermidades é mister juntar a esse prejuízo a chamadataxa de invalidação e despesas com a doença (médico, remédios, dietas, etc), que é dinheiroperdido, deve-se, no caso das calamidades naturais, igualmente computar os lucros cessantes,as criações e plantações perdidas, emigrações e outros prejuízos.

Para não ir além, compare-se o brasileiro flagelado pelas secas com o imigrante. Estenada nos custou até o momento de ser válido e deixar a mãe-pátria; despendemos compassagem, alimentação e vários encargos com o seu primeiro estabelecimento um conto deréis, arriscando-nos a perder esse dinheiro por morte precoce ou inadaptação do mesmoimigrante, o qual, se nos dá a sua atividade, ordinariamente envia para o país do seunascimento o dinheiro ganho entre nós, repatriando-se muitas vezes.

Com o brasileiro, é bem diverso o caso, ele custou dinheiro nacional, até ser útil, nadadespendemos com a sua instalação ou estabilidade, não corremos o risco, relativo aoimigrante, de perder o conto de réis, se morre precocemente, sendo que é um aclimado e,como tal, mais valioso, além de incorporar a sua fortuna à fortuna nacional.

Pois bem, embora esse real valor do indígena sobre o estrangeiro - real sob o ponto devista em que nós estamos colocados – demos, para o cálculo, que o brasileiro aclimado, quenos custou dinheiro para produzir, que será sempre fração da nossa nacionalidade política eeconômica, valha, apenas, o conto de réis despendido com o transporte e colocação doestrangeiro, e teremos, como se vai ver, um prejuízo material assombroso.

Homem ...........................................4$000 (Seidl)Mulher .............................................2$000“Valor do homem ..............................8:333$340 (Seidl)Valor da mulher ...............................4:166$670 “

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Considerando que no Brasil existem mais homens do que mulheres (na CapitalFederal, 57 homens para 43 mulheres), em falta de dados estatísticos exatos, tomarei paracalcular a média de 50 para 50%, de preferência a essa averiguada no Rio de Janeiro.

Assim figuremos a idade útil de 16 a 60 anos como 84%. Destes, 50% são homens e50% mulheres, o que equivale a 42% em condições de produzirem utilmente.

Na seca de 1877 a 1879, o Ceará e o Rio Grande do Norte perderam270.000 habitantes; 42% de 270.000 é igual a 113.400 homens de utilidade produtora.O prejuízo material é igual a 113.400:000$.Tomarei outro número, preferindo por sua simplicidade o salário valorizado em

1$000.Assim, em 250 dias úteis do ano, cada um terá ganho 250$000 ou seja o total de

113.400 homens a soma de 28.350:000$000.Se considerarmos um acréscimo de população de 4%, temos no período de 1879 a

1905 uma perda de trabalho em valor de salário correspondente à fabulosa soma de1.105.650:000$000.

Com relação à agricultura, poderemos tomar o algodão para exemplo. Supondo queum homem produza 81 quilogramas, teremos que os 113.400 homens teriam produzido9.185.400 quilogramas por ano, 358.230.600 quilogramas, de 1879 a 1905, admitindo omesmo crescimento de população. Dando ao quilograma de algodão o valor mínimo de 400réis (quer dizer 6$000 por 15 quilos) temos que o prejuízo no período referido seria de143.292:240$000.

Como a Câmara sabe, o Império não teve mãos a medir nos socorros enviados noCeará.

Impressionado pelos justos reclamos da imprensa, diante das notícias emocionantesque dali chegavam, dia a dia mais terríveis e dolorosas, a bondade natural do Imperador foipor tal forma dadivosa que mandou vendessem as jóias da coroa, quando o erário público nãomais pudesse socorrer às populações famintas.

Simplesmente, isto se fez, Senhor Presidente, sem orientação nem resultado. Em vezde aproveitar a calamidade para a construção de obras defensivas contra os efeitos das secasfuturas, como a Inglaterra faz na Índia, desde muitos anos, deu-se a esmola aviltante, mal einjustamente distribuída, origem de conflitos e acusações nada abonadoras da probidade demuitos comissários.

E foi assim, Senhor Presidente, que o Ceará e o Rio Grande do Norte consumiram, empura perda, 79.000:000$000.

É curioso calcular que, se esta quantia tivesse sido aproveitada em estradas de ferro eobras hidráulicas, dando-se metade a cada aplicação, ter-se-iam 1.000 quilômetros deestradas, e açudes e poços com uma capacidade produtiva equivalente a 400 bilhões de litrospor ano.

Diante desta narrativa seria natural que a Câmara perguntasse pelas causas dessascrises e pelos remédios aconselhados para extingui-las.

Não tenho, Senhor Presidente, opinião formada sobre as causas determinantes dassecas do norte, coisa, aliás, nada estranhável em um profano, quando os homens do ofício,não só em nosso país, em relação às nossas crises, como na França, na Inglaterra e nosEstados Unidos, em relação às da Argélia, Índia, Austrália e Far West, nada sabem, que asexplique completamente.

Entre essas causas mencionam os cientistas as manchas solares, os ventos reinantes e adevastação das florestas. Não me proponho discutir nenhuma delas; apenas lembrarei que ohomem é impotente para mudar a direção dos ventos, e regular a marcha do sol.

Quanto à desflorestação, a Câmara já viu que em períodos os mais remotos ofenômeno climatérico se repetiu com a marcha cíclica que o caracteriza.

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Pelo conhecimento que tenho do interior do Estado do Rio Grande do Norte, ousoafirmar não haver ali o menor vestígio de matas que o homem tivesse feito desaparecer. Aprópria natureza do solo e da vegetação parece antes indicar que ainda se está processandonaquela zona um fenômeno geológico primitivo. A luta das cactaceas, lichens, parmelias, everrucarias, com o granito e seus decompostos confirmarão talvez esta minha incompetenteafirmativa.

Não quer isso dizer, porém, Senhor Presidente, que desconheça o elemento salutar dasflorestas na climatologia de uma dada região, já como fator importante na conservação daumidade do solo, já impedindo a sua erosão, com o corrigir o regime torrencial das grandeschuvas. Resta, pois, e é isto o que nos importa, indicar os remédios aconselhados para atenuaros efeitos das secas.

Em 1878, o assunto foi largamente debatido no Instituto Politécnico. A discussão foiluminosa e nela tomaram parte os homens mais competentes daquele tempo, alguns dos quaisainda vivem cercados da estima e do respeito dos seus concidadãos, prestando ao pais osserviços de uma larga experiência aliada a um grande saber.

As providências insistentemente recomendadas, quase que em sua unanimidade,acertaram em indicar a grande e pequena açudagem como os meios mais eficazes pararesolver o problema.

Vejamos a opinião de alguns desses ilustres cientistas. O Dr. Jozimo Barroso: “Tenhopara mim que na construção de açudes em grande escala está o principal remédio ao mal.Superfícies de evaporação entretendo um certo grau de umidade atmosférica, além deproduzirem permanentemente grande bem a vegetação, fornecerão os vapores aquososnecessários à formação das chuvas... No meu entender, a construção de açudes na provínciado Ceará, principalmente, é obra de grande alcance... A província do Ceará deve ter umserviço especial de açudes, assim como a Holanda tem seu serviço de diques”.

O Sr. Conselheiro Rohan: “Consistem os melhoramentos que proponho noestabelecimento, em larga escala, de açudes e na plantação de arvoredo em torno deles...”.

O Dr. Coutinho: “Mostra-se favorável à construção de alguns grandes açudes, de umae duas léguas de extensão, que serão considerados como centros de abastecimento, sendo paraesse fim escolhidas localidades convenientes”.

O Dr. Buarque de Macedo: “Não conheço país nenhum do mundo onde se tenhapodido modificar o regime das causas naturais, que são as únicas inevitáveis... Felizmente,não são estas que mais atuam na província do Ceará.

Referindo-se às medidas mais próprias a serem tomadas, acrescenta:“As mais urgentes, não há duvidar, são os açudes, a estrada de fero de Baturité. Os que

conhecem os sertões do norte sabem que a medida pela qual mais pugna o sertanejo é aconstrução de um açude na sua localidade.

Creio que não exagero lembrando que se poderiam construir cerca de 200 açudes naprovíncia do Ceará, com capacidade não inferior a 100 milhões de litros e com o dispêndio dedez mil contos”.

O Dr. Álvaro de Oliveira: “É dos açudes que devemos tratar; não em número de 5 ou6... Os açudes devem ser feitos nos vales dos rios, nos sítios, nas fazendas, em todos os pontosdo sertão...”.

Na representação enviada ao governo imperial pelo Instituto, entre outras medidasindicadas, destaca-se: “construir, quanto antes, no interior da província do Ceará e outrasassoladas pela seca, represas nos rios e açudes nas localidades que para esse fim forem maisapropriadas”.

Anteriormente, o Dr. Antonio de Macedo e o Senador Pompeu tinham escrito duaseruditas monografias em que a construção da grande e pequena açudagem era recomendadacomo bastante para resolver o problema.

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A Câmara compreende que, falando em açudagem como um dos meios de se obterágua para as necessidades da lavoura e da indústria pastoril em uma região como a de que mevenho ocupando, é do meu dever provar que esta região não é desfavorecida pela queda dechuvas.

A Câmara vai ver que, tomadas as médias qüinqüenais dos invernos do Ceará (o maisseco dos Estados da bacia do São Francisco), a altura da chuva caída é muito superior àsnecessidades da sua vida pastoril e agrícola.

É assim que temos de 1850 a 1855 as médias seguintes:

Convém salientar que, de 1849 a 1877, só duas vezes a média anual foi inferior a1.000 milímetros; em 1857, de 883 milímetros e em 1874 de 855 milímetros.

Será curioso, Senhor Presidente, para melhor destacar os caprichos do nosso regimeclimatérico, grupar os anos diluviais, quase tão calamitosos como as maiores secas.

Assim é que tivemos:

Nas crônicas e documentos antigos, há impressionantes vestígios dos prejuízoscausados por esses invernos à população do Rio Grande e Ceará.

Como prova ainda mais robusta do que venho afirmando, devo dizer à Câmara que, de1724 a 1877, período correspondente a 153 anos, tivemos 136 anos mais ou menos chuvososcontra 19 que o não foram.

Comparando o Estado do Ceará com algumas zonas do país, verifica-se que ali a alturamédia de chuvas durante 28 anos foi maior do que em outros lugares.

Média de chuvas em 28 anos, comparada com a média de alguns lugares do país emanos favorecidos.

O ilustre Dr. Thomaz Pompeu, um trabalhador e um capaz, a quem o Ceará deve osmelhores serviços, oferece o seguinte interessante quadro comparativo entre a quantidade de

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chuva caída no Ceará e em diversas regiões do mundo:

REGIÕESCH. ANUAL em

Mill.Colorado (Estados Unidos 175

Barnal (Ásia Cont.) 190

Sind (Índia) 200

Nevada (Estados Unidos) 200

Iakustsk (Sibéria) 225

Califórnia (Estados Unidos) 230

Salamanca (Espanha) 250

Murcia (Espanha) 334

Kazan (Rússia) 350

Breslau 353

Athenas 382

Cidade Real (Espanha) 382

Praga 388

Upsal 397

Punjab (Índia) 400

Orenburgo 432

S. Petersburgo 432

Vienna (Áustria) 446

Londres 489

Marselha 512

Berlim 522

Stockolmo 530

Maiaga 532

Christiania 538

Paris 538

Palermo 579

Copenhague 583

Abo (Finlândia) 602

Barcelona 607

Hobart-Town (Tasmânia) 610

Stuttgart 615

Pekin 620

Toulouse 626

Edimburgo 632

Metz 660

Lisboa 638

Dijon 696

Cabo (África) 700

Bruxelas 723

Dublin 740

Nancy 751

Lannaston (Tasmânia) 760

Ruão 784

Gand 777

Roma 785

Geneve 821

Montpellier 822

Pádua 862

Manchester 902

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Florença 931

Turim 954

Milão 967

Lauzanne 1.021

Bogotá 1.107

P. Arthur 1.143

Besançon 1.163

Taiti 1.210

Nantes 1.303

Ceará 1.315

Genova 1.345

S. Cerque 1.345

Buenos Aires 1.345

Sandwich 1.400

Nocolaief 1.598

Bergen 1.853

É possível que se objetive serem as médias referidas limitadas à chuva caída no litorale terras convizinhas, ficando o interior, mesmo nos anos mais favorecidos, muito aquémdaquelas cotas. Não contesto o fato, antes o confesso, Senhor Presidente, como intuitolealmente prometido de trazer à Câmara o maior número de informações, para melhor exameda matéria.

É assim que, segundo os dados que passo às mãos dos colegas, tão bondosos emescutar-me, a média verificada no observatório de Quixeramobim, durante seis anos, é apenasde 651,6 mil. Mas á anotar: primeiro, que esse período compreende uma grande e ma pequenasecas; segundo, que, ainda assim, esta média é muito superior a dos 16 Estados e territóriosque formam a região árida e semi-árida da União Americana.

A TABELA DETALHADA DE QUIXERAMOBIM É A SEGUINTE

Esses dados mostram, Senhor Presidente, que naquela extensa zona não há escassez dechuvas; há, sim, uma demorada estiagem que normalmente se prolonga por sete meses no

Janeiro 1897 1898 1899 1900

190 1902

59.5 1.5 82.8 63.6 19.1 32.9Fevereir

o103.6 169.

7206.1 91.4 130.

219.8

Março 270.3 52.6 277.4 40.4 213.8

52.0

Abril 122.2 120.4

145.7 25.9 108.4

97.6

Maio 285.8 14.3 78.1 24.3 66.0 111.0

Junho 119.4 9.1 129.5 9.9 52.9 2.2

Julho 35.1 1.7 73.2 3.9 33.9 16.1

Agosto 25.4 0.0 14.3 0.0 0.0 9.0

Setembro

0.0 0.0 0.0 0.0 3.4 0.0

Outubro 0.2 0.0 0.7 0.0 0.0 1.2

Novembro

1.0 2.2 0.2 0.1 8.1 0.2

Dezembro

0.0 61.8 0.5 167.8

0.0 0.9

Total 1.022.1

4333.3

1.048.4

427.3

635.8

342.9

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sertão, e cinco a seis meses no litoral, durando o inverno quatro meses apenas; acrescendoainda que as chuvas caídas nesse espaço de tempo são inconvenientemente distribuídas.Muitas vezes acontece (eu tenho testemunhado o tato) uma ou duas chuvas bastarem parafazer transbordarem todos os riachos e rios, sem proveito para as plantações, enquanto que umexcelente inverno criador, abundante e farto não chega sequer a encher os pequenos lagosexistentes nas fracas depressões das chapadas.

Conhecido o relevo do solo sertanejo, sua impermeabilidade, a miséria da vegetaçãodos tabuleiros, o declive desses para o talweg dos rios e dos rios ainda mais acentuadamentepara o mar, denunciando um franco regime torrencial, claro é, Senhor Presidente, que anatureza está indicando ao homem que o único meio de retardar a precipitação das águas éfazer a açudagem onde e como for possível.

O Sr. J. J. Revy assim se exprime a respeito da impetuosidade das enchentes no norte:“O suprimento de água, provindo de chuvas, é, em regra, abundante; a quantidade de

água que o vale do Jaguaribe recebe anualmente é muito superior às necessidades das maisalta agricultura estendida a cada hectare das suas vastas e férteis planícies. Assim, em anosregulares, chuvas torrenciais e enchentes fornecem a rega durante três meses; durante seismeses não há chuva alguma de valor para a agricultura”.

O marechal Beaurepaire Rohan, contando a sua viagem pelo Piauí, diz com muitaobservação:

“Tive ocasião de notar que a palavra rio nem sempre exprime naquelas paragens aidéia de um curso de água permanente. Entendem por ela as grandes torrentes que se formamna estação pluvial. Verdade é que essas torrentes tomam então dimensões consideráveis, queas tornam bem semelhantes aos mais caudalosos rios; mas, logo que cessam as chuvas que asalimentam acidentalmente, sem que nenhum obstáculo se oponha à sua corrente, a pouco epouco, vão diminuindo as águas, até desaparecerem completamente, à exceção de certoslugares mais depressos do leito, nos quais, por efeito da impermeabilidade do terreno, seconservam alguns meses e se tornam o único recurso da população ambiente”.

Outro observador inteligente, competência profissional das mais subidas, o Dr.Gabaglia, acrescenta:

“Profundamente convencido de que o céu concede ao solo cearense água emabundância, e que as condições topográficas e geológicas concorrem para que o preciosolíquido seja na sua maior porção improficuamente restituído ao primitivo leito, o oceano,acrescendo que o homem nada ou pouco mais de nada tem feito para aproveitar-se do que aProvidência lhe concede, asseguro que a questão se reduz aos limites de distribuição de águas,pois fica nos raios do trabalho de engenharia”.

Por tal forma demonstrada, Senhor Presidente, que na zona assim flageladaperiodicamente as secas raramente duram mais de dois anos; verificada a possibilidade dereter as águas pluviais ali caídas em abundância nos invernos regulares, resta examinar asvantagens daí resultantes, e eu o farei com o exemplo do que se há obtido em regiões de climamuito mais ingrato que praticam a irrigação por meio de poços, açudes e canais.

Começarei pelos Estados Unidos.Antes da construção da estrada de ferro, todo o comércio do Kansas, entre o Atlântico

e o Pacífico, era feito pela velha estrada de rodagem de Santa Fé, através do grande desertoamericano, cujas planícies infindas, varridas pelo vento impetuoso e mortífero, lembravam oSaara estéril. Quem quer que visitasse aquela região jamais poderia supor que terra tãodesfavorecida passasse da fase pastoril em que sempre tinha permanecido. Pouco e pouco,porém, à medida que a construção da estrada caminhava, a idéia da possível fertilidade dazona começou a tomar vulto, e milhares de dólares foram infrutiferamente despendidos noaproveitamento das águas do rio Arkansas, que nasce nas montanhas Rochosas. Verificado,porém, que o rio secava quando a água era mais preciosa, o desânimo não abateu os

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audaciosos empreendedores do arrojado tentamen, e, em 1889, a irrigação com a água do sub-solo começou a ser experimentada. As bombas, acionadas por moinhos de vento, começarama trazer do fundo dos inúmeros poços, perfurados em grande parte da região, a água destinadaa fazer a sua prosperidade. Os fazendeiros abandaram a mania de cultivar grandes extensões eatiraram-se resolutamente à policultura com o mais notável sucesso. É verdade que aaprendizagem custou muitos sacrifícios; mas a compensação não se fez esperar, e a zona,dentro em pouco, tornou-se notável pelo crescimento das suas árvores e riqueza das suasculturas. Os moinhos custam de 100 a 200 dólares. Acionados por vento ordinário, enchemum reservatório (de terra ou madeira) de 75 por 150 pés e 6 de profundidade, em dois dias.Um moinho e um reservatório dão água suficiente para irrigar de 10 a 20 acres. O sucesso deGarden City (nome dado à cidade por um desconhecido, que, parecendo um sonhador, foiprofeta) teve amais larga repercussão, determinando uma salutar e benéfica imitação.

O Colorado é outro exemplo frisante dos milagres da irrigação. É sabido que entre osEstados das terras áridas esse é um dos menos favorecidos, bastando dizer que a chuva anualé ali de 175 milímetros. Terreno arenoso, estéril e rochoso, onde só brotavam cactus e plantasmiseráveis, era pelos naturais chamado, com justiça, o esquecido da natureza.

Solo absolutamente safaro, a opinião geral só o julgava propício à vida de certasplantas, capazes de medrar no deserto, tal como era considerada aquela vasta extensão dooeste. O Congresso de Irrigação, discutindo as diversas faces do problema, viu as suasresoluções aprovadas pelo povo e sancionadas pelo Congresso Federal, que expediu o ato de17 de junho de 1902, estabelecendo, clara e positivamente, que o dinheiro proveniente davenda das terras públicas seria aplicado na construção de barragens, reservatórios e canais,para serem usados na irrigação dos distritos áridos do oeste. Graças a esta e a outrasprovidências já anteriormente tomadas, a terra maldita tornou-se próspera e fecunda, e osEstados assim melhorados (Montana, Idaho, Wyoming, Colorado, Utah, Nevada, Arizona,Novo México, os dous Dakotas, Kansas, Califórnia, Washington, Oregon, Oklehoma e Texas)adquiriram uma importância extraordinária, pelo aumento da produção e rapidez assombrosado seu povoamento.

Um canal trazido de 60 milhas do rio Colorado beneficiou o vale do sueste daCalifórnia, e dezenas de milhares de poços completaram a obra econômica e civilizadora.Conforme refere Leroy Beaulieu, em onze desses Estados, onde a colonização só começoudepois de 1870, não se encontrava, nessa época, pelos três milhões de quilômetrosquadrados, mais que 990.000 habitantes, dos quais

560.000 somente na Califórnia, para onde as minas de ouro tinham atraído, desde omeado do século, uma importante imigração. Os 430.000 restantes eram distribuídos pelosoutros dez Estados.

Em 1880 a população da mesma região não passava de 7.767.000 almas, das quais903.000 fora da Califórnia. Já em 1890 esta cifra elevava-se a 3.102.000 habitantes, paraatingir em 1900 a 4.091.000 habitantes. Este efetivo humano, continua Leroy Beaulieu,relativamente fraco, já tem obtido resultados surpreendentes.

Aí vivem nove milhões de bovinos e caprinos, e mais de 33 milhões de carneiros. Airrigação estendeu-se por 2.900.000 hectares e as colheitas produzidas em 1899 atingiram aovalor de 437.000.000 de francos. Um acre de terra pobre não vale mais de 100 dólares,enquanto que a mesma quantidade de terra irrigada, como acontece na Califórnia, vende-sepor 1.800 dólares, assegurando uma produção quinze a vinte vezes maior do que a das regiõesque dependem exclusivamente das chuvas. Segundo dados publicados em 1900 pelarepartição respectiva, a proporção das terras irrigadas e das denominadas melhoradas –improved land é a seguinte: Nevada, onde a quantidade de chuva anual não excede de 200milímetros, 88% das terras melhoradas são irrigadas; no Wyoming, 80%; em Arizona, aproporção é de 72%; no Colorado 71%; no Novo México, 62%; no Utah, 61%.

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Em Montana, onde a quantidade de chuva caída é um pouco maior e melhor a suadistribuição, esta proporção é ainda de 54%; e no Idaho, cuja parte de noroeste compreendealtas encostas onde as nuvens do Grande Oceano se vêem condensar, ela desce a 43%.

Sobre 2.863.000 dólares, que valiam em 1899 as colheitas do Nevada,2.853.000 provinham das terras irrigadas. No Colorado, que tem a produção agrícola

mais importante da zona árida (excetuados os Estados do Pacífico), 15.100.000 dólares dosseus produtos, sobre, 16.860.000, foram colhidos nas terras irrigadas em uma proporção de90%. No Arizona, Utah, Wyoming, a proporção do valor das colheitas produzidas pelasmesmas terras era igualmente superior a 90%; em Montana, atingia 70 e no Idaho 60%. NaCalifórnia, ainda que as terras irrigadas não formem mais que um oitavo do conjunto dasterras melhoradas, o valor dos produtos obtidos sobre as primeiras atingiam a mais do terçodo valor total: 33 milhões de dólares sobre 93 milhões e meio.

O número dos agricultores que se entregam à irrigação na zona árida era de 102.819,em 1899, contra 52.584, dez anos antes. As superfícies irrigadas passaram, no mesmodecênio, de 1.436.000 a 2.905.000 hectares.

Quanto à percentagem da produção, as vantagens da irrigação são extraordinárias. NoColorado um hectare irrigado dá 19 hectolitros de trigo, mais que a média em França, sendoque nesse mesmo Estado os raros hectares de trigo cultivado sem irrigação não produzemmais que cinco hectolitros e meio. O que espanta, porém, é chegarmos à evidência de que asdespesas com todos os serviços de irrigação realizados até 1899 atingiram apenas a64.289.000 dólares, cifra inferior a 30% do valor das colheitas dos terrenos irrigados.

Passemos à Austrália, onde o clima, como se sabe, é dos piores.Os poços artesianos ai quer públicos, quer privados, atingiram em 20 anos a mais de

2.000. Exceção de Victória, eles têm prestado, em todas as outras colônias, à lavoura e àindústria pastoril, os mais assinalados benefícios, resolvendo, por assim dizer, o problemaagrícola daquela desfavorecida região. Das duas bacias artesianas, aí encontradas, a maior e amais abundante é a que está colocada no flanco ocidental da cadeia chamada “DividingRange”.

Estende-se por uma superfície duas vezes maior do que a França e compreende umalarga parte das províncias de Queensland, da Nova Galles do Sul e da Austrália Meridional. Opreço da perfuração dos poços varia conforme a natureza do sub-solo, a sua profundidade, e omaior ou menor afastamento das estações dos caminhos de ferro, ou portos fluviais, sendo queestas duas últimas condições representam obstáculos que muito encarecem ali a construção detais obras. No “Far-West”, por exemplo, é preciso contar com despesas excessivas, devido àcarestia dos transportes, feitos em costas de camelos. Pode-se, porém, avaliar o custo médiode um poço em 25 a 50 mil francos. A duração dos trabalhos não é menos variável. O poço deWilli, em Nova Galles, tem 308 metros de profundidade. Dez operários aí trabalharam, sob adireção de um contra mestre, durante 77 dias. Um operário ganha de 10 a 15 francos por dia,sendo as despesas da alimentação por conta do empreiteiro. Atualmente o Queensland possui960 poços públicos e privados, dos quais 628 jorrantes. A profundidade total desses poços éde 327 quilômetros e o fornecimento líquido diário de 1.750.192 metros cúbicos. Na AustráliaMeridional os poços estão extraordinariamente disseminados. Alguns deles são notáveis porsua produção.

O de Coward, por exemplo, dá 2.448 metros cúbicos por dia. Na Austrália Ocidental abacia artesiana é pouco extensa e ainda hoje mediocremente aproveitada. Em Nova Galles ospoços públicos e privados produzem diariamente 631.741 metros cúbicos. Como os deQueensaland, eles fornecem à principal região criadora da Austrália 2.831.933 metros cúbicospor dia, ou sejam 869.405.545 metros cúbicos por ano. O poço mais profundo é o deBimorakun, que atingiu à profundidade de 1.539 metros, e o mais raso é o de ManfredDowns, situado igualmente no Queensland, com 3 metros apenas. O mais abundante é o de

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Kerribree, em Nova Galles, que dá um suprimento equivalente a 7.945.000 litros por dia.Estes dados foram colhidos em um artigo muito interessante que o Sr. Paul Privat Deschanelfez publicar na “Génie Civil”, quando regressou da missão que o governo francês lhe confioupara estudar o assunto no país a que me venho referindo.

A legislação que regula a matéria é mais ou menos a mesma em todas as colôniasaustralianas. Quando se trata de um poço público, o Estado fixa a sua colocação medianteinquérito. Jamais ele recusa solicitação para tal fim, quando pedida por dois terços doshabitantes de um distrito, se representam também dois terços da propriedade das terrascultiváveis. Determinada a colocação, o governo estabelece uma taxa especial a percebersobre os proprietários a quem os poços vêm aproveitar e põe os trabalhos em concorrência. Oproponente fornece os utensílios e a mão de obra; é o governo, porém, quem fornece etransporta o revestimento.

Esta partilha, um tanto extravagante, é devida ao preço dos transportes, que, pordemais elevado, afugentaria os concorrentes, se o governo não os tomasse à sua conta. Emrelação aos poços privados, o governo não tem a menor interferência. Há, porém, um tipointermediário, interessante, que merece referência. Como se sabe, o Estado é na Austrália opossuidor de direito de todas as terras não alienadas regularmente. Com o fim de valorizá-las,ele cede grandes extensões aos particulares a preços reduzidos (20 fr. O. acre ou seja 50 fr. Ohectare), por 24 anos, com a faculdade indefinida de renovação, mediante a obrigação doarrendatário abrir um poço artesiano de cujas vantagens, ele gozará sem limitação. Findo ocontrato e não lhe convindo a renovação, a cláusula reversiva empossa o estado napropriedade arrendada e seus benefícios. O poder público, para atender às necessidades dosrebanhos nas longas travessias para os caminhos de ferro, tem mandado perfurar às margensdas estradas de rodagem poços suficientes. Uma grande parte do interior da Nova Galles e doQueensland tem sido colonizada pela facilidade com que o governo oferece a água aos que alise queiram localizar. É assim que nessas colônias, como em outras, ele tem mandado dividiras terras convizinhas a cada poço em lotes de 6 a 8 hectares, que arrenda a preço módico,cedendo a água correspondente à irrigação das culturas realmente existentes. A Câmara sabe,e sabe o ilustrado relator deste orçamento, o extraordinário progresso que a agricultura e acriação na Austrália devem a essas providências, tomadas para beneficiar terras muito maispobres do que as terras nortistas.

Vejamos ainda Senhor Presidente, outros exemplos.Na Argélia, região de regime torrencial semelhante ao do norte do país, mas com uma

altura pluviométrica inferior, sujeita às mesmas crises periódicas que flagelam a bacia doSãoFrancisco, o problema teve solução eficaz e compensadora.

Não falando nos 13.135 poços ali perfurados de 1850 a 1895, alguns de grandeprofundidade, a Argélia conta sete grandes açudes-reservatórios, dos quais cinco estão naprovíncia de Oran e dois na de Argel, construídos de 1849 a 1896. O governo francês mantémuma comissão permanente com a incumbência especial e efetiva de superintender todos osserviços de irrigação, seja pela açudagem, seja pelo suprimento do subsolo.

O governo tem sido ali verdadeiramente pródigo em auxiliar as empresas de irrigação,tendo chegado a despender em 1902 a soma de 1.626.243,00 francos.

Na Índia, V. Ex.ª e a Câmara conhecem os resultados das obras realizadas pelogoverno inglês.

Madras, Mysora, Kistnah, Sind e outras províncias possuem um número positivamentefantástico de reservatórios, que já têm custado ao governo mais de 200 mil contos. Orendimento tem chegado a ser em algumas províncias de 22.72% sobre o capital empregado.A capacidade produtiva de algumas circunscrições aumentou na relação de 250%.

O problema, Senhor Presidente, tem tido, como V. Ex.ª vê, solução vantajosa em todaparte onde tem sido tentada. Não só nos países que acabo de citar, como ainda na República

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Argentina, na Arábia, no Egito e tantos outros.Um único motivo deveria, pois, determinar a adoção de procedimento diverso no

nosso país, e esse viria a ser a esterilidade da zona a melhorar.Examinemos, Senhor Presidente, esse novo aspecto da questão, e ainda desta vez

deixo aos números o encargo da resposta.A Câmara vai ver e julgará se tenho ou não motivos de insistir na construção de

barragens para utilizar as águas represadas na irrigação.Dentre alguns açudes existentes no Rio Grande do Norte escolherei em primeiro lugar

o do Cauassú propriedade do Sr. Joaquim da Virgem Pereira, encravado no município doAcari um dos mais secos do Estado.

Ouçam os meus colegas.Área inundada – 1.452.000 metros quadrados.Comprimento da barragem – 330m; altura – 7m7; espessura da base – 30m,8. A

barragem é toda de terra e o custo de construção foi apenas de8:000$000.Rendimento:A sua renda líquida tem sido, desde 1903, época em que foi construído, de

20:000$000, incluída a produção do terreno de jusante, correspondente a 841.840 metrosquadrados, irrigados com a água do açude.

O proprietário dividiu todo o terreno cultivável em pequenos lotes que distribuiu com famílias pobres para trabalharem de parceria.

Produção:140.000 litros de arroz, a 100 réis o litro (metade) 7:000$000.6.000 arrobas de algodão, a 3$, 15 quilogramas (metade) 9:000$000. Cereais e

engorda do gado, 4:000$000.Um Sr. Deputado – Mas isto é prodigioso!O Sr. Thomaz Cavalcanti – Mas é a expressão da verdade.O Sr. Eloy de Souza – Ainda no município do Acari existe o açude dos Garrotes,

construído pelo Sr. Félix de Araújo Pereira.A sua barragem é de terra e tem 214 metros de comprimento e 13m,20 dealtura.Preço da barragem – 12:500$000. É o açude mais bem construído do RioGrande do Norte.Rendimento:Não obstante a grande profundidade e, conseguintemente, o maior volume de água,

esse açude fertiliza uma área menor do que o do Cauassú, do Sr. Joaquim da Virgem Pereira,porque o vale é mais estreito.

A sua renda líquida pode ser avaliada em uma média de 10:000$ anuais, incluído opeixe. Produz muito bem o algodão, cana de açúcar e arroz.

No município do Caicó há também dois açudes regulares. Um deles, o do Sr. JanuncioSalustiano da Nóbrega, além de produzir admiravelmente cereais, e cana, é riquíssimo empeixe.

Seu proprietário já tem conseguido realizar pescarias, na época apropriada, de outubroa dezembro, que lhe têm rendido até 10:000$000. Ano já houve em que foram apanhados80.000 peixes.

Quem conhece, Senhor Presidente, a zona do Seridó, áspera e desnudada, habitada porum povo viril, trabalhador e honesto, sabe os sacrifícios que a ele tem custado a construçãodas barragens ali existentes e graças às quais puderam melhorar as condições da vida,fundando um centro de trabalho digno da imitação dos conterrâneos.

O Sr. Juvenal Lamartine – Muito bem.

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O Sr. Eloy de Souza – Um rápido exame do crescimento da população nos Estados doCeará e Rio Grande do Norte, o aumento da sua riqueza, acumulada nos anos normais, paraquase desaparecer na voragem das secas, embora a deficiência dos dados que passo a oferecerà Câmara, darão bem a idéia do quanto venho afirmando.

É assim, Senhor Presidente, que em 1845, a exportação do Ceará foi de 124.757quilogramas e em 1871, apesar dos prejuízos causados pela calamidade daquele ano, elaatingia a 7.906.944 quilogramas.

O dizimo do gado grosso, que rendeu em 1846, 6.180$300, em 1865, no curto espaçode 19 anos, chegou a produzir 124:309$629, para baixar em 1878, na constância do flagelo de1877 a 1879, à miserável quantia de 1:199$800.

A fortuna pastoril era avaliada, em 1876, em 22.388:000$000; em 1878 não valia maisque 31:300$000.

A população duplicou em menos de 25 anos nos dois estados referidos. Documentos antigos dão os seguintes algarismos para o Ceará:

Em 1876 não era exagerado calcular a população deste Estado em 750.000 almas. No Rio Grande do Norte, dados colhidos em documentos de 1844 dão à

província uma população de 149.072 habitantes; em 1876 esta população era estimada em253.000 habitantes, atualmente não é exagero calculá-la em 400.000 criaturas.

O seu orçamento era de 45:085$826. Após a seca, a receita orçada para 1846 a 1847reduziu-se a 19.504$000; em 1876 a receita orçada foi de 291:277$000 e a arrecadada de332:258$136.

O gado bovino, depois da seca de 1845, ficou reduzido a 42.000 cabeças; em 1876esse número podia ser razoavelmente avaliado em 500 mil reses.

Estes algarismos evidenciam, Senhor Presidente, que a prosperidade desses Estadosirmãos, rivalizaria com os mais felizes do país, se a orientação dos governos os houvessemelhor acautelado contra crises remediáveis, dever que hoje, mais do que ontem, se impõe,dada a multiplicidade dos exemplos conhecidos.

Cumpro um dever de lealdade agradecendo ao governo passado o início de umserviço sistemático contra os efeitos da seca no Estado que represento.

O Dr. Rodrigues Alves e seu digno e competente ministro da Viação, compenetradosda necessidade de prover eficazmente o desastre de calamidades futuras, nomearam umacomissão de engenheiros para construir a estrada de penetração, do Natal ao Seridó, e projetaras obras que fossem necessárias.

O chefe desta comissão foi o Dr. Sampaio Correia, profissional que, pelos seustalentos, dentro em breve será uma glória da engenharia brasileira.

O Sr. James Darcy – V. Ex.ª pode afirmar eu já o é.O Sr. Eloy de Souza – V. Ex.ª faz uma justa correção que a nossa conhecida estima

por esse ilustre professor e o nosso agradecimento pelos bons serviços que tem prestado aoRio Grande do Norte poderiam tornar suspeita.

Graças à sua atividade, zelo e probidade, correspondida pela dedicação e esforço dosseus dignos auxiliares, em pouco tempo pudemos, com notável economia, inaugurar o trecho

1775 ........................................... 34.0001810 ........................................... 130.0001812 ........................................... 149.0001819 ........................................... 201.1701835 ........................................... 240.0001857 ........................................... 486.0001860 ........................................... 504.000

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da estrada que já está servindo ao vale do Ceará- Mirim.Além deste melhoramento, cuja importância para o progresso da nossa vida econômica

seria ocioso encarecer, o referido profissional projetou cinco açudes em vários municípios doEstado.

Ainda hoje li, com sumo prazer, na Gazeta de Notícias, as seguintes palavras do Dr.Miguel Calmon:

“Uma das minhas preocupações é o problema do norte – a extinção das secasperiódicas, com o seu cortejo de desastres e de infelicidades. Os governos só se lembram deque há seca quando o flagelo assola regiões, mata milhares de pessoas, implanta a ruína, odesastre e a morte. O meu desejo é sistematizar os serviços de tal forma, que se consigaimpedir os efeitos da seca. A maneira pela qual se há de fazer isso? Açudagens, barragens derios, cultura intensiva, poços artesianos, irrigações, um trabalho intenso, que mesmo umgoverno futuro se veja obrigado a concluir.

Essa sistematização pode bem ser chamada: o problema do norte. Só quem conhece asriquezas daquela vastíssima região é que o pode avaliar.

Depois, pelos processos modernos de irrigação não há mais terreno safaro.Veja os resultados obtidos na Índia, no Egito, na América do Norte.Os americanos têm mesmo uma frase: “Irrigação não é sucedâneo de chuva, chuva é

que o é de irrigação. Nas secas do norte os governos, no fundo, esperam a chuva e o bandoprecatório”.

Sua Excelência, que é, entre os mais formosos talentos desta geração formosíssima;dotado de uma atividade pouco comum, aliada ao trato prático das questões de governo, filhode uma terra igualmente sofredora, muito poderá fazer, e certamente o fará, em benefíciodaquelas populações (Apoiados gerais).

Tudo leva a crer que Sua Excelência já tem mesmo um vasto plano metódico eprofícuo, tanto mais acertado quanto o vem meditando desde os tempos em que serviu comotitular da pasta da Agricultura no seu glorioso Estado.

Consola assinalar, Senhor Presidente, a perfeita identidade entre os francos desejos dojovem ministro e a promessa que, com o mesmo liberado propósito, o Senhor Presidente daRepública, na visão do conjunto que tanto o distingue, fez inserir como programa de governona plataforma de outubro do ano passado. (Muito bem).

Tomo, entretanto, a liberdade de ponderar a Sua Excelência que não o exclua do seuplano de obras preventivas contra os efeitos das secas a grande açudagem.

Não a quero nem a pleitearia jamais como tipo comum e normal; mas ela serecomenda e impõe em pleno coração da terra sertaneja para evitar que nas calamidadesexcepcionais busquem o litoral, favorecendo as epidemias, as grandes massas tangidas pelafome.

Dois grandes açudes no Rio Grande do Norte, com os médios e menores que em maiornúmero se poderão construir, e teremos resolvido o problema no sertão propriamente dito.

Na zona a leste da Borborema, na faixa mais próxima ao litoral, eu preferiria os poçostubulares.

A açudagem aí não tem provado bem.Os açudes secam como por encanto, devido à dupla perda pela evaporação e

infiltração, o que não acontece no interior onde a impermeabilidade do solo quase os preservadesta última. Além de que, Senhor Presidente, eu não creio que em terreno de formaçãoprimitiva se possa encontrar água o subsolo. Não fora esta vã suspeita, e motivo de orgulhoseria para todos nós vermos o vento terrível que varre aquelas paragens em um sopro demorte, transformado no auxiliar poderoso da nossa vida, movendo por toda parte as asas dosmoinhos benfazejos.

Entre os açudes projetados pelo Dr. Sampaio Correia, um existe para cuja construção

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eu ousarei pedir a boa vontade do governo. Referi-me ao açude de Sabugi, no município doCaicó, cuja bacia hidrográfica tem 700 milhões de metros quadrados, sendo o volume de águaa armazenar de 106 milhões de metros cúbicos.

A capacidade da área de irrigação é de 5 mil hectares, ou uma faixa cultivável de 50quilômetros de comprimento por um quilômetro de largura.

Admitindo que o açude deva resistir a três anos de seca e distribuindo a água emproporção conveniente às diversas culturas próprias da zona, a área irrigada pode fornecerprodutos cujo valor de venda no mercado mais próximo é de cerca de 720 contos.

Supondo que os gastos de produção e transporte, bem como o benefício do plantador,correspondam a 80% do valor do preço de venda, os 20% restantes representam uma taxa dearrendamento do terreno irrigado, equivalente a 150 contos anuais.

Os quatro restantes são médios e com uma capacidade variável de 59 a 60 milhões demetros cúbicos.

A Câmara não vá supor que o cálculo da produção equivalente a 720 contos tenha sidofeito de acordo com os dados, para muitos exagerados, que serviram na avaliação da rendados açudes do Acari.

Não. O tipo que preferi foi o das terras do Egito, muito inferiores às nossas, utilizando-me para tal fim dos algarismos extraídos do livro de Julien Barois “Irrigação no Egito” e quepor interessante passo a ler à Câmara.

Rendimento das terras:Segundo Girard, da expedição francesa, a distribuição para cultura de 100 hectares de

boas terras, bem situadas no Delta, fazia-se outrora do seguinte modo:

hectares

Dentre 100 hectares, um quarto recebia culturas de estio e outono, seja:

Atualmente 100 hectares de boas terras do Delta podem ser cultivados do modoseguinte:

A proporção das culturas do estio está, pois, atualmente aumentadaconsideravelmente, em conseqüência dos trabalhos compreendidos durante o século último.

Para as boas terras médias do baixo Egito, bem situadas em relação ao nível das águas

Trevo ............................................ 25Cereais .......................................... 30Cevada .......................................... 10Trigo e cevada misturados ............. 35

100

Em milho ....................................... 13Em sesamo ................................... 6Em algodão ................................... 6

25

Milho, uma seção de trevo e algodão.. 33Cereais ............................................... 33Favas ................................................. 17Trevo ................................................. 17

100

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dos canais de irrigação, eis, aproximadamente, como se pode estabelecer a proporção atual dasua cultura, com a divisão para a cultura indicada acima, e no caso de um grande domínioexplorado diretamente pelo proprietário:

Despesa para uma superfície de 100 hectares:

Francos

Receita para uma superfície de 100 hectares:

O que representa uma receita de perto de 180 francos por hectare, não compreendido opagamento de impostos ou de 190 francos por hectare, deduzidos os impostos.

Para um domínio do Egito médio, onde se cultiva a cana de açúcar, podem- se admitiras cifras seguintes, supondo que, como na região do canal de Ibrahimich, não há despesas deelevação de água.

Despesas para uma superfície de 100 hectares:

Receita para uma superfície de 100 hectares:

Diferença que representa um produto de 310 francos por hectares, não incluídos os impostos, ou de 220 francos por hectare, deduzidos estes.

Quando se é obrigado à irrigação por meio de máquinas a vapor, que utilizam as águasdo Nilo, é preciso deduzir destas somas perto de 85 francos por hectare de cana e 50 francos

1.º Colheita de milho sobre 33 hectares, deduzidaa despesa de armazenagem.............................................................................................................2.7232.º Trevo cultivado junto ao milho (33 hectares).............................................................................3.6303.º Algodão (33 hectares)............................................................................................................27.6874.º Colheita de cereais (33 hectares)................................................................................................8.4155.º Favas (17 hectares)...................................................................................................................3.8056.º Trevo, deduzida a ração dos animais............................................................................................1207.º Locação ao camponês de 8 hectares e 50ares, a 100 francos o herctare………………………………….850

Receita total………………………………………………..47.830

Deduzida a despesa de……….…………………………….19.400Saldo………………………………………………………27.830

Cana do primeiro ano, despesas de cultura ........ 7.600Cana do segundo ano, despesas de cultura ......... 3.600Terras em repouso (2 hectares) ........................... 3.600Cultura nili e chetoui sobre 40 hectares............... 3.100Amortização das construções e dos materiais...... 1.100

Despesa total, não compreendidos os impostos... 15.400

Canas do primeiro não, compreendidas as folhas,68 toneladas a 15 frs., 75 cada uma………………………………………..…………...………21.792Canas de segundo ano (compreendidas as folhas no valor de 12 frs, 40) 38 toneladas a 15fr, 75 cada uma…….…….12.218Produto das culturas do Nilo e chetoui.......................................................................................12.400

46.410

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do Nilo, é preciso deduzir destas somas perto de 85 francos por hectare de cana e 50 francospor hectare de cultura de Nilo e chetoui (culturas de inverno e intermédias) pela despesa deelevação d’água, o que, em relação à superfície total de 100 hectares, dá uma média de 54francos de redução de renda, por hectare.

As melhores terras de irrigação no baixo e no Egito médio arrendam-se a 300 francoso hectare, dedução feita do imposto e as boas terras a 220 francos; as boas terras de inundaçãoa 180 francos o hectare.

Compreendendo, por conseguinte, de acordo com as cifras acima, que o ideal de todoo egípcio é possuir uma porção de terra no vale do Nilo.

É como a Câmara vê, mais um valioso subsídio para provar as vantagens da irrigação.Sinto na própria fadiga, Senhor Presidente, o enfado dos meus colegas.O Sr. Simões Lopes - A atenção e o prazer com que o estamos escutando são uma

prova do contrário.O Sr. Eloy de Souza – Agradeço a gentileza de V.Ex.ª e passo a dizer, ligeiramente,

embora, como penso que essas obras altamente produtivas devem, pela sua urgência serconstruídas.

Sou, Senhor Presidente, francamente partidário do consórcio hidráulico para arealização de tais melhoramentos.

Atendendo por um lado ao custo elevado dessas obras, e por outro lado à presa quedevemos ter em atacar o problema enérgica e resolutamente, entendo que, tanto os Estados,como a União e mais remotamente os Municípios devem concorrer para elas.

Aliás, Senhor Presidente, não é outro o intuito do ilustrado relator deste orçamento,quando, no número XIX, autoriza o governo “a entrar em acordo com os governos dosEstados e dos Municípios, para a construção e conservação de açudes, aberturas de poços eaplicação de outras medidas tendentes a prevenir os efeitos da seca”.

A emenda que ofereço completa esse dispositivo salutar, facultando ao poder públicoos meios que permitirão agir proveitosamente.

Em todos os países não é por outra forma que a espécie tem sido resolvida. Dentro das leis e dos regulamentos da França na Argélia, da Inglaterra na

Índia, da Austrália, dos Estados Unidos, da Itália e do Egito, a União e os Estados encontrarão certamente um tipo que servirá de modelo a um acordo útil e profícuo.

O que não desejo é ver a demora indefinida na realização desses melhoramentos; o quenão quero é assistir ainda uma vez ao sacrifício dos dinheiros públicos com os resultadosnegativos conhecidos.

O meu desvalioso concurso, dentro dos moldes assim superficialmente esboçados, estápor tal forma posto ao serviço de causa tão patriótica.

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Anexo 02 – DECRETO DE REGULAMENTAÇÃO DO IOCS, 1909.

DECRETO Nº 7.619, DE 21 DE OUTUBRO DE 1909

Approva o regulamento para organização dos serviços contra os effeitos das seccas

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, para dar execução á lei n. 1.396, de10 de outubro de 1905, e ás autorizações constantes dos ns. XXV e XLII, art. 16, da lei n.2.050, de 31 de dezembro de 1908,

DECRETA:

Artigo único. Fica approvado o regulamento que com este baixa, assignado peloministro deEstado da Viação e Obras Publicas, para organização dos serviços contra os effeitos dasseccas.

Rio de janeiro, 21 de outubro de 1909, 88º da Independencia e 21º da Republica.NILO PEÇANHA.Francisco Sá.

REGULAMENTO A QUE SE REFERE O DECRETO N. 7.619 DESTA DATA

CAPITULO I

DOS SERVIÇOS CONTRA OS EFFEITOS DAS SECCAS

Art. 1º Os serviços de estudos e obras, destinados a prevenir e a attenuar os effeitos das seccasque assolam alguns Estados do Norte do Brazil, são os seguintes:I, estradas de ferro de penetração;II, estradas de ferro affluentes das estradas principaes;III, estradas de rodagem e outras vias de communicação entre os pontos flagellados e osmelhores mercados e centros productores;IV, açudes e poços tubulares, os artezianos e canaes de irrigação;V, barragens transversaes submersas e outras obras destinadas a modificar o regimentorrencial dos cursos de agua;VI, dredagem dos valles desaproveitados no littoral e melhoramento das terras cultivaveis dointerior;VII, estudo systematizado das condições meteolologicas, geologicas e topographicas daszonas assoladas;

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VIII, installação de observatorios meteorologicos e de estações pluviometricas;IX, conservação e reconstituição das florestas;X, outros trabalhos cuja utilidade contra os effeitos das seccas a experiencia tenhademonstrado.Art. 2º Os serviços de que trata o artigo precedente serão executados pela União, ou por esta epelo Estado conjunctamente, nos termos da lei n. 1.396, de 10 de outubro de 1905, e maisdisposições em vigor.Art. 3º A União executará por sua conta as obras que julgar mais urgentes e necessarias,comprehendidas nestas as que estiverem especificadas na lei de orçamento.Art. 4º As outras obras com o mesmo fim poderão ser executadas pelo Estado, medianteauxilio da União.Art. 5º O auxilio da União consistirá no seguinte:§ 1º Mandar proceder ao estudo dos Estados assolados pelas seccas, entregando aosrespectivos governos cópias das cartas levantadas, com as indicações dos logares onde aconstrucção de açudes e a perfuração de poços artezianos ou tubulares fôr conveniente eexequivel.§ 2º Entregar ao governo estadual a quantia em que fôr fixado o referido auxilio, para que sejaconvenientemente applicado, mediante fiscalização da União.Art. 6º A União será obrigada, sempre que o Estado o solicitar, nos termos da citada lei n.1.396, a prestar o seu concurso e auxilio, que não poderá ser inferior a 200:000$,annualmente.Art. 7º O Estado que pretender o auxilio da União deverá requerel-o ao Ministro da Viação eObras Publicas, comprovando:a) que é periodicamente assolado pela secca;b) que em seus orçamentos consigna verbas especiaes para a construcção de obras preventivase attenuantes dos effeitos da secca, não sendo as quantias votadas inferiores a 5 % da suareceita ordinaria:c) que taes verbas, escripturadas á parte, constituem deposito especial e não são desviadaspara outros fins (lei citada, Art. 2º).Art. 8º A requisição do auxilio declarará a obra a que este se destina. Si esta não fôr daquellascujos estudos já tenham sido feitos por alguma commissão do Governo Federal e por esteapprovados, o Estado apresentará, juntamente com o pedido, o respectivo projecto eorçamento, feitos por comissão technica por elle nomeada, e verificados pela secção de obrasdo Governo Federal, que deverá ter acompanhado os trabalhos do governo estadual. Os estudos poderão ser feitos por aquella secção de obras, mediante solicitação do governo doEstado, e, neste caso, a despeza que custarem será lançada á conta do auxílio requisitado daUnião.Art. 9º Approvados pelo Governo Federal os planos e orçamentos dos trabalhos e autorizada asua execução, serão no mesmo acto fixadas a importancia total a despender, a despeza annualque ficará a cargo do Estado e a despeza animal que ficará a cargo da União.Art. 10. O auxilio da União será entregue ao Estado em duas prestações semestraes. A entregade cada uma das que seguirem a primeira se fará, depois de provada a applicação da anterior eda quota a cargo do Estado, por meio de contas approvadas pelo Governo.Art. 11. O auxilio não será dado para a execução de mais de uma obra ao mesmo tempo, salvosi o valor das obras a executar fôr inferior ao correspondente ao limite do auxilio fixado noart.6º.Art. 12. Immediatamente após a entrega da primeira parte do auxilio deverão ser iniciadas asobras a executar por parte do Estado e designado o engenheiro da secção de obras federalincumbido da fiscalização.Art. 13. Cessará o concurso da União sempre que o Estado deixar de observar o que está

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determinado no art. 7º, lettras b e c.Art. 14. Cessará tambem o concurso da União sido Estado desviar para outros fins as quantiasrecebidas do Governo Federal e destinadas á execução das obras de que trata o presenteregulamento.Art. 15. O Estado que já houver realizado o auxilio de que se occupa o art. 6º, e concluidas asobras a que se destinava, poderá solicitar novo auxilio para conclusão dos serviços jáestudados ou de outros tendentes ao mesmo fim.

CAPITULO IIDA EXECUÇÃO DAS OBRASa) AçudesArt. 16. Os açudes serão grandes, médios e pequenos.Art. 17. São considerados grandes açudes aquelles que offereçam capacidade superior a dezmilhões de metros cubicos e profundidade média maior de seis metros.Art. 18. São considerados médios os açudes cuja capacidade seja de dous milhões de metroscubicos, no minimo, e que tenham profundidade não inferior a cinco metros.Art. 19. São considerados pequenos os açudes de capacidade não inferior a meio milhão demetros cubicos e de profundidade de quatro metros, no minimo.Art. 20. Os grandes açudes serão construidos de preferencia á margem das estradas de ferro,ou nas suas proximidades, e só poderão sel-o em terras publicas ou previamentedesapropriadas.Art. 21. Os grandes açudes serão, em regra, construidos por empreitadas, totaes ou parciaes,mediante concurrencia publica.Excepcionalmente, quando a urgencia da obra ou a necessidade de soccorro á população oreclamar, ou quando a concurrencia não houver dado resultado satisfactorio, serão construidospor administração.Art. 22. Concluida a construcção, o Governo da União estabelecerá o regimen que lhe parecermais conveniente para a utilização das aguas e dos canaes, ou entregará o açude ao governodo Estado mediante, condições que assegurem conservação da barragem e das obrascomplementares.Art. 23. Os açudes médios e pequenos serão construidos pelo Estado ou pelos particulares,Art. 24. Os projectos dos açudes médios e pequenos, já approvados pelo Ministerio da Viaçãoe Obras Publicas, serão igualmente remettidos aos Estados para terem execução.Art. 25. Nos periodos de calamidade, reconhecida a urgencia de multiplicar os trabalhospublicos, a União poderá tomar a seu cargo a construcção de açudes médios.b) Perfuração de poçosArt. 26. Além dos poços construidos por iniciativa da administração publica, a Inspectoria deObras mandará construir os que lhe forem solicitados por municipalidades, agricultores oucriadores, nos logares onde se houver verificado a existencia de agua no sub-solo.Art. 27. Os individuos a quem o poço houver de beneficiar pagarão apenas as despezas demão de obra no revestimento, de maneio e de installação.Art. 28. O modo de pagamento será por annuidades, conforme fôr convencionado.Art. 29. No contracto, a clausula de fornecimento de agua para fins domesticos ás populaçõescircumvisinhas é essencial.c) Estradas de rodagemArt. 30. As estradas de rodagem a serem construidas entre os pontos flagellados e os melhoresmercados e centros productores terão, no minimo, quatro metros de largura e vinte metros deraio nas curvas, a sua declividade maxima será de 5 %.d) Barragens transversaes no leito dos riosArt. 31. As barragens transversaes no leito dos rios teem por fim corrigir-lhes o regimen

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torrencial e conservar a humidade.Art. 32. Estas barragens deverão ser acompanhadas da protecção das margens dos rios, jáguardecendo-as pelos meios que a sciencia e a experiencia indicarem, já prohibindo-se ádestruição das arvores marginaes e outros obstaculos que impeçam a corrosão das mesmas.e) Drenagem dos vallesArt. 33. A drenagem e dessecamento dos valles desaproveitados do littoral e o melhoramentodas terras cultivaveis do interior serão leitos para o fim de localizar familias de retirantes queo requererem.Art. 34. Feito o melhoramento a que se refere o artigo precedente, as terras drenadas, se foremde propriedade da União, serão entregues ao Ministerio da Agricultura, para providenciarsobre a localização nellas das familias retirantes.f) Estações pluviometricas e observatorios meteorologicosArt. 35. As estações pluviometricas serão installadas pela União e ficarão a cargo dos agentesdo Correio e empregados do Telegrapho, e os observatorios serão confiados a observadoresidoneos.g) PremiosArt. 36. Serão distribuidos premios aos individuos ou syndicatos agricolas que construiremaçudes médios ou pequenos.Art. 37. Os projectos e orçamentos de taes açudes serão organizados gratuitamente, arequerimento do proprietario do terreno, instruido com a demonstração das vantagens doaçude a construir, certidão affirmativa da municipalidade de ser agricultor ou criador orequerente; prova legal de que nenhum onus real grava a propriedade onde o açude houver deser construido.Art. 38. O premio será conferido mediante novo requerimento do proprietario ao GovernoFederal, acompanhando o attestado do fiscal da União de haver sido o açude construido deaccôrdo com o projecto préviamenle organizado e approvado, e de que a barragem e obrascomplementares satisfazem as exigencias da utilidade a que se destinam.Art. 39. O proprietario requerente comprometter-se-ha a fornecer agua para as necessidadesdomesticas das populações circumvizinhas.Art. 40. O premio será conferido na razão da metade da importancia do orçamento approvado.Art. 41 Os açudes existentes, quando melhorados, conforme o projecto organizado, nostermos do art. 37, serão tambem premiados na razão da metade do preço dos melhoramentosexecutados.Paragrapho unico. As obrigações dos proprietarios serão as mesmas e idênticas ás exigenciaspara realização das obras e obtenção do premio.Art. 42. Si aquelle que houver construido ou melhorado um açude fizer junto a este aplantação e conservação ulterior, por tres annos, de arvores em área não inferior a doushectares, terá um premio supplementar correspondente á metade da despeza feita com essetrabalho.Art. 43. Terão as mesmas vantagens os syndicatos agricolas regularmente organizados, sendo-lhes facultada a construcção de mais um açude.Art. 44. Poderá igualmente fazer jús aos premios o município que, a expensas proprias esempre mediante as exigencias dos arts. 37, 38 e 39, construir em terras de seu patrimonio, oupreviamente desapropriadas, açudes de utilidade publica, ou que realize o serviço florestalindicado no art. 42.Art. 45. O Governo poderá adeantar parte do premio a ser conferido, si entenderconveniente.Paragrapho unico. Para effeito desse adeantamento, é mister que, pelo menos, metade dabarragem já esteja construida.Art. 46. A propriedade onde estiver encravado o açude premiado será previamente avaliada

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para os effeitos da desapropriação pelo Governo, caso a construcção não se ultime, ou aconservação se não faça, ou se faça por tal modo imperfeita que ponha em risco a segurançada barragem e obras complementares.Art. 47. Todas as condições impostas neste regulamento constarão do acto queconceder o premio e se consideram tacitamente acceitas pelo requerente. No caso deomissão, a sua obrigatoriedade será a mesma.

CAPITULO IIIDA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOSArt. 48. A direcção e fiscalização das obras contra os effeitos das seccas executadas pelaUnião, ou com o concurso desta, ficarão a cargo de uma divisão especial do Ministério daViação e obras Publicas, intitulada Inspectoria das Obras Contra as Seccas.Art. 49. A essa inspectoria incumbe:1º, organizar o serviço de levantamento das zonas mais assoladas pelas seccas e a collecta dosdados meteorologicos, geologicos, topographicos e outros necessários á systematização doserviço de estudos e de construcção de obras contra os efeitos das seccas;2º, o estudo, projecto, orçamento e execução das obras especiaes que forem ordenadas peloMinisterio da Viação e Obras Publicas;3º, a conservação e exploração das obras que ficarem a cargo do Governo Federal;4º, a fiscalização das obras executadas pelos Estados, pelas municipalidades ou pelosparticulares, com auxilio ou premios da União;5º, a celebração de contractos e accôrdos relativos ao concurso da União nas obras por estafórma executadasArt. 50. A inspectoria das Obras Contra as Seccas se comporá de uma secção central e tressecções districtaes. Estas serão designadas por 1ª, 2ª e 3ª secções.Art. 51. A secção central, que funccionará junto ao Ministerio da Viação e Obras Publicas,será constituida pelo inspector, sub-inspector, um secretario e um servente.Art. 52. O inspector percorrerá, ao menos duas vezes por anno, as zonas em que houvertrabalhos contra os effeitos das seccas.Art. 53. Cada uma das secções districtaes será constituida por um engenheiro chefe de secção,engenheiros de 1ª classe, engenheiros de 2ª classe, conductores de1ª classe, conductores de 2ª classe, um desenhista-escripturario, um pagador e um almoxarife.Art. 54. A 1ª secção terá a seu cargo os trabalhos a executar nos Estados do Ceará e Piauhy. A2ª secção terá a seu cargo os trabalhos a executar nos Estados do Rio Grande do Norte eParahyba. A 3ª secção terá o seu cargo os trabalhos a executar nas zonas seccascomprehendidas entre Pernambuco e o norte de Minas Geraes.Art. 55. As sédes das secções serão estabelecidas nos pontos indicados pela intensidade dophenomeno das seccas e pela importancia das obras em execução. Constarão assim como oquadro do pessoal e a distribuição dos trabalhos deste, de instrucções especiaes.Os quadros não serão fixos, mas serão preenchidos a medida das necessidades do serviço.Art. 56. Os empregados de uma secção poderão ser designados para trabalhar em outrasecção, quando a inspectoria o julgar necessario para o serviço.Art. 57. Serão nomeados: por decreto do Presidente da Republica, o inspector; por portaria doministro: o sub-inspector, os chefes de secção, os engenheiros de 1ª e 2ª classes, o secretarioda inspectoria; pelo inspector: os escripturarios, pagadores e almoxarifes. Os demaisempregados serão nomeados pelos chefes de secção.Art. 58. Todo o pessoal da Inspectoria de Obras Contra as Seccas será considerado emcommissão.Art. 59. Não se comprehende nas attribuições da Inspectoria de Obras Contra as Seccas adirecção de estradas de ferro, as quaes ficarão sob o regimem especial estabelecido para as

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outras estradas de ferro da União.Art. 60. Os vencimentos dos empregados serão os fixados na tabella annexa. O Governopoderá contractar pessoas idoneas para serviços compreendidos neste regulamento, sendo-lhesfixados vencimentos não superiores aos da tabela annexa ou aos que já perceberem em outroscargos officiaes.Os empregados nomeados ou removidos para terem exercido em logares onde não estiveremresidindo terão uma ajuda de custo correspondente a um mez de vencimentos.Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1909. - Francisco Sá.

TABELLA DOS VENCIMENTOS QUE COMPETEM AOS EMPREGADOS DOSSERVIÇOS CONTRA OS EFFEITOS DAS SECCASCLASSES VENCIMENTOSInspector............................................................................................... 18:000$000Sub- Inspector........................................................................................ 15:000$000Chefe de secção..................................................................................... 15:000$000Engenheiro de 1ª classe............................................................................. 9:00$000Engenheiro de 2ª classe........................................................................... 7:200$000Conductor de 1ª classe................................................................................ 4:800$000Conductor de 2ª classe................................................................................ 3:600$000Desenhistaescripturario................................................................................4:800$000Secretario.................................................................................................... 6:000$000Almoxarife.................................................................................................. 3:600$000Pagador....................................................................................................... 4:800$000Servente (diaria).................................................................................................5$000

Uma terça parte do vencimento annual será considerada como gratificação de exercicio. Ao pessoal technico e ao pagador será arbitrada pelo inspector uma diaria de cinco a quinzemil réis.

Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1909. - Francisco Sá.Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 de08/01/1910

Publicação:Diário Oficial da União - Seção 1 - 8/1/1910, Página 156 (Republicação)

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Anexo 03 - PROJETO APRESENTADO À CÂMARA DOS DEPUTADOS EM AGOSTO DE 1911.

O deputado pelo Rio Grande do Norte, sr. Eloy de Souza, apresentou, ontem, justificando, oseguinte projeto de lei:Art. 1.º – O governo construirá as obras de irrigação necessárias ao desenvolvimento agrícolado país.1.º – As obras de que trata o presente artigo serão construídas, de preferência, nos Estados quese comprometerem a contribuir, durante dez anos, com cinco por cento do total de sua rendaordinária.2.º – A contribuição dos Estados poderá ser feita em dinheiro, anualmente, ou de uma só vezem terras devolutas.3.º – Nos casos em que a contribuição dos Estados for feita em terras devolutas, a área totaldessas será determinada segundo a media da receita geral do Estado no último decênioanterior ao ato de cessão, e pelo preço das tabelas oficias, em vigor ao tempo da promulgaçãoda presente lei.Art. 2.º – As despesas de construção e do custeio que houverem de ser executadas, correrãopor conta duma caixa especial, denominada “Fundo de Irrigação”, e constituída com osrecursos seguintes:1.º – 2% da receita geral da República, durante dez anos, sob a base arrecadação do anoanterior;2.º – 5% da receita ordinária dos Estados que quiserem concorrer, durante dez anos, para aconstituição e contribuição da caixa, na forma do disposto nos parágrafos 1º e 2º do art.primeiro;3.º – produto da venda das terras cedidas pelos Estados;4.º – renda proveniente da exploração das obras de irrigação; 5.º – contribuições ou donativosde qualquer procedência.Art. 3.º – As obras de irrigação poderão ser construídas diretamente pelo governo; contratadascom quem melhores vantagens oferecer em concorrência pública; ou ainda por associações oucompanhias que se proponham executá-las mediante o pagamento em apólices da dívidapública, contanto que neste caso os compromissos anuais daí decorrentes não excedam asforças do “Fundo de Irrigação”.

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Parágrafo único – A exploração das obras em caso algum poderá ser atribuída às empresasconstrutoras.Art. 4º. – As quantias do “Fundo de Irrigação” serão depositadas no tesouro federal e nãopoderão ser aplicadas para fins diferentes dos da presente lei.Art. 5.º – São consideradas de utilidade pública, para os efeitos da desapropriação, todas asterras irrigáveis; as necessárias à construção das barragens e obras complementares; asinundadas; e bem assim indispensáveis à manutenção dos cursos dágua.Parágrafo único – As terras dos proprietários que se comprometerem a pagar as taxas deirrigação, e a conservação das obras, não serão desapropriadas, salvo caso de falta aocompromisso, ficando convencionado que, nesta hipótese, a desapropriação será feita por umaavaliação correspondente ao estado anterior das mesmas terras.Art. 6.º – A União terá a administração e exploração das obras, até pagar-se da importânciaque houver despendido, entregando-a a cada Estado, logo que a exploração de todas ou departe, houver coberto das despesas efetuadas.Art. 7.º – O Governo cobrará taxas anuais de arrendamento das terras irrigadas, taxas defornecimento de água para irrigação e taxas de conservação das obras.Art. 8o. – As taxas de irrigação serão calculadas sobre o custo total de cada obra, e divididaspor anuidades, fixas por hectare.Parágrafo único – Uma vez e por esta forma pago do custo total da obra, o governo deixará deperceber a taxa da irrigação respectiva.Art. 9.º – A taxa de conservação será permanente e cobrada simultaneamente com a deirrigação, e corresponderá à décima parte desta.Art. 10.º – A taxa de arrecadação deverá guardar uma relação determinada pelo valor dadesapropriação, não podendo exceder a 10 % desse valor.Art 11o. – o modo de percepção dessas taxas será regulado pelo governo.Art 12o. – A terras desapropriadas serão vendidas ou arrendadas, preferentemente a famíliasde agricultores, e por um prazo fixo nunca superior a dez e inferior a quatro anos.Parágrafo único – Todas serão vendidas ou aforadas, com direito a irrigação, que seráobrigatória.Art. 13o. – No caso de venda, as terras deverão ser pagas em quotas anuais, começando opagamento no ano imediato à primeira colheita, e entregue o titulo de prosperidade depois desatisfeita a última prestação.Art, 14o. – A família proprietária ou arrendatária deverá residir no terreno adquirido. Art. 15o.– A falta de pagamentos de alguma das quotas anuais determina a perda de direito à terravendida, sem que o prejudicado possa reclamar ao “Fundo de Irrigação” as anuidades jápagas.Art. 16o. – O proprietário que deixar de cultivar sua porção pelo espaço de dois anos, serádesapropriado pelo preço por quanto a houver adquirido, acrescido da importância dasbenfeitorias, segundo avaliação judicial.Art. 17o. – A taxa de arrendamento começará a ser paga no primeiro ano após a colheita, e nossubseqüentes, semestralmente.Art. 18o. – A inovação de arrependimento não poderá ser recusada, salvo por falta depagamento de algumas das quotas.Art. 19o. – A família arrendatária terá preferência na aquisição definitiva do seu quinhão.Art. 20o. – O governo continuará a premiar os indivíduos, municipalidades ou sindicatosagrícolas, que construírem açudes médios e pequenos, na forma e segundo as condições dosartigos 37 a 47 do regulamento expedido com o decreto nº 7.619, de 21 de outubro de 1909 e,bem assim, a executar todas as obras destinadas a atenuar os efeitos das secas, e constantes domesmo regulamento.Parágrafo único – Para esse fim, o “Fundo de Irrigação” contribuirá anualmente com uma

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importância nunca inferior a 70% de sua receita, até a completa ultimação dessas obras.Art. 21o. – Os estudos, projetos, construção exploração das obras ficarão a cargo da atualInspetoria de Obras Contra as Secas, que passará a denominar-se “Inspetoria de Irrigação”,continuando subordinada ao Ministério da Viação e Obras Públicas.Parágrafo único – O governo poderá aumentar o número de secções regionais da Inspetoria,conforme a necessidade e desenvolvimento do serviço.Art. 22o. – Esta lei entrará imediatamente em execução, independente dos atos que o governotenha de expedir para a sua regulamentação.Art. 23o. Revogam-se as disposições em contrário.

DUAS OPINIÕES VALIOSAS

Trechos da carta dirigida ao Jornal do Comercio, do Rio de Janeiro, pelo geólogo RodericGrandall, e publicada na edição de 22 de setembro de 1911, a propósito do projetoapresentado pelo deputado Eloy de Sousa sobre irrigação.

“Uma das provas mais importantes deste progresso do Brasil, manifesta-se no programa dedesenvolvimento dos Estados menos favorecidos pela natureza, que foi recentementeapresentado ao Congresso pelo Dr. Eloy de Sousa, Deputado pelo Rio Grande do Norte.A intenção desta lei no seu todo é de, se aprovada, permitir a construção de obras de irrigaçãoe prevenção de todo o gênero, em qualquer Estado que delas vinha a precisar, ao mesmotempo ativando, auxiliando e promovendo a introdução de métodos agrícolas novos e maisadiantados, que trarão consigo uma melhor escala de vida e de educação.Tais resultados não poderão ser imediatos, mas demandarão tempo, e uma década ou umageração não será período demasiado para permitir que sejam realizados os resultados de taisobras.O fim desta lei é o estabelecimento de um fundo permanente, do qual possam ser retiradas asquantias necessárias à construção de diversas obras ao passo que forem precisas.Este dinheiro não é dado pelo governo, mas simplesmente emprestado aos Estados,temporariamente, sem juro, e será mais tarde restituído. Isto equivale às condições em que nosEstados Unidos foi adiantado dinheiro ao “Reclamation Service”, pelo governo federal.As disposições do Artigo 1.º determinam que parte das despesas seja feita pelos Estados aserem beneficiados, o que é como dever ser. Isto é semelhante ao que tem sido feito nosEstados Unidos, mas lá o dinheiro do Fundo de Irrigação era obtido pela venda de terrasfederais dentro dos limites dos Estados, que desde então têm sido auxiliados pelas obras deirrigação.As condições do artigo 5.º que permite ao proprietário de terras reter todas as suaspropriedades e receber água para elas, não parecem apropriadas às necessidades do caso. Éfácil de imaginar um caso extremo desta disposição, em que toda a terra esteja nas mãos deum só homem e o governo construa um sistema de irrigação para beneficiar e enriquecer oproprietário somente. O que é muito desejável é que as grandes propriedades sejam um poucoretalhadas, de modo que a gente mais pobre possa ao menos ter a oportunidade de tentar serproprietária de terras. Por esta razão, uma certa área deveria ser desapropriada e vendida ouarrendada aos que quisessem obtê-la e em termos razoáveis. Como os atuais proprietários sãopresentemente os mais competentes e sem dúvida alguma os mais capazes de desenvolver aregião, parece justo permitir-lhes possuir ou reter áreas equivalentes a várias vezes a área queserá vendida ou arrendada como uma unidade.O artigo 6.º estipula a retenção das obras pela União até que tenha sido feito o pagamentocompleto das mesmas, transferência delas ao Estado em que estiverem situados, depois defeito esse pagamento. Considerando as reconhecidas condições atuais de muitos dos governos

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dos Estados, e a extensão em que poder de fiscalização de obras irrigação pode ser usadocomo uma política, parece que melhor política estatuir o regime que foi adotado pelocongresso dos Estados Unidos, na letra de sua lei de irrigação. Com as disposições daqueleato, a posse de todas as obras é dada ao Governo Federal até a ocasião de ser feita novadisposição especial.No artigo 9.º poderia com mais vantagem ficar estabelecido que a verba de conservação paracada projeto fosse determinada pelo cálculo das verdadeiras necessidades de obras emquestão, em lugar de ser fração da taxa de água, com a qual não tem necessariamente relaçãoalguma definida.As disposições dos artigos 10 a 20, relativas aos direitos do individuo, no que diz respeito aágua e terra, não deixam nada a desejar.O artigo 20 estipula a continuação da concessão de auxílios a indivíduos para a construção deaçudes pequenos, o que constitui parte muito importante do trabalho presente da Inspetoria,tão importante mesmo que merece o aumento de verbas, que serão afetadas a isso nalegislação proposta.Este projeto de lei se for aprovado como está, ou antes, com pequenas modificações,permanecerá um monumento ao estadista que o concebeu e projetou e ao Congresso que forbastante esclarecido para votá-lo.”

Ao Sr. Dr. Arrojado Lisboa, Inspetor de Obras Contra as Secas, dirigiu o Sr. G. A Waring aseguinte carta:“Caro senhor – Com grande interesse acabo de ler o projeto de lei apresentado ao Congressopelo Sr. Eloy de Souza, para construção de obras de irrigação no nordeste do Brasil.Os lucros que ele apresenta como devendo ser obtidos pela irrigação, são favoravelmentedignos de confiança, mas o modo pelo qual ele apresenta o assunto tende a criar a opinião deque uma grande renda imediata advirá dali ao Governo Federal. Não acredito que istoaconteça, pois a população atual da região é muito exígua para o cultivo de áreas extensas.Depois, porém, que esteja conhecido em outros paises quanto é saudável o clima do nordestedo Brasil, a região terá um rápido desenvolvimento agrícola; é assim que as grandes obras,com quanto só produzam uma renda pequena durante alguns anos, mais tarde se tornarãograndemente e permanentemente valiosas”.Examinei com cuidado cada artigo da lei proposta. Algumas disposições são necessariamentediferentes das contidas na lei da Reclamation Service dos Estados Unidos, mas tanto quantome permite julgar o conhecimento que tenho das condições no Brasil, os detalhes do projetome parecem conducentes ao desenvolvimento adequado das regiões a serem irrigadas.No seu conjunto creio que este projeto oferece a única solução do problema das secas. Este setornou um problema sério no Brasil, mas não acredito que a sua solução, por meio de obras deirrigação, seja mais dificultosa do que tem sido em outras regiões áridas; e não creio que hajaoutra alternativa a seguir.Os projetos de irrigação devem ser construídos porque são necessários:1.º – Para proteger a população atual contra os períodos de fome; 2.º – Para permitir odesenvolvimento natural da região, pois esta não pode progredir nem como região agrícola,nem como região de criação de gado sem possuir um suprimento permanente de água.

O custo total dos projetos de irrigação será grande, mas não serão eles maisdispendiosos do que têm sido os semelhantes em outros paises, e enquanto eles não foremconstruídos, o Governo Federal estará sujeito a grandes e contínuas despesas com aconcessão de auxílios à população em tempos de seca. Vosso G.

A. Waring, em 11 de Setembro de 1911.”

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Anexo 04 - DECRETO Nº 2.974, DE 15 DE JULHO DE 1915

Autoriza o Poder Executivo a abrir creditos extraordinarios, até a importancia de5.000:000$,

para serem applicados em obras dereconhecida utilidade na zona do nordeste assolada pela secca

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil: Faço saber que o CongressoNacional decretou e eu sanciono a seguinte resolução:Art. 1º E' o Poder Executivo autorizado a abrir, pelo Ministerio da Viação e Obra Publicas, oscreditos extraordinarios que forem necessarios, até a importancia de 5.000:000$, para applicarem obras de reconhecida utilidade na zona do nordeste assolada pela secca, preferindo as quederem occupação ao maior numero de trabalhadores e conservem nos seus domicilios aspopulações flagelladas e possam ser concluidas dentro do tempo de duração da crise.Art. 2º As obras de que trata o artigo antecedente serão executadas como auxilio da União,nos termos do art. 5º da Constituição Federal, aos Estados que o solicitarem e que, emconsequencia da secca e da insufficiencia dos proprios recursos financeiros, se encontraremem estado de calamidade publica.Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.

Dados da NormaRio de Janeiro, 15 de julho de 1915, 94º da Independencia e 27º da Republica.WENCESLAU BRAZ P. GOMES.Augusto Tavares de Lyra.

Publicação:Diário Oficial da União - Seção 1 - 21/7/1915, Página 7765 (Publicação Original)

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Anexo 05 - DECRETO Nº 11.641, DE 15 DE JULHO DE 1915

EMENTA: Abre ao Ministerio da Viação e Obras Publicas o credito extraordinario de5.000:000$, para ser aplicado ás obras de reconhecida utilidade na zona do nordeste assoladapela secca.

TEXTO - PUBLICAÇÃO ORIGINALDiário Oficial da União - Seção 1 - 21/7/1915, Página 7765 (Publicação Original)Origem: Poder ExecutivoSituação: RevogadaVide Norma(s): Decreto nº 99999 de 11 de Janeiro de 1991 (Poder Executivo) -(Revogação).

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Anexo 06 – DECRETO DE REGULAMENTAÇÃO DO IFOCS, 1919.

DECRETO Nº 13.687, DE 9 DE JULHO DE 1919

Approva o regulamento para a Inspectoria Federal de Obras contra as SeccasO Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, em exercicio, usando daautorização que lhe confere o n. XXXVI do art. 99 da lei n. 3.674, de 7 de janeiro do correnteanno,Decreta:Artigo único. Fica approvado o regulamento que com este baixa, assignado pelo ministroda Viação e Obras Publicas, para a Inspectoria Federal de Obras contra as Seccas.Rio de Janeiro, 9 de julho de 1919, 98º da Independencia e 31º da Republica.DELFIM MOREIRA DA COSTA RIBEIRO.Afranio de Mello Franco.

Regulamento da Inspectoria Federal de Obras contra as Seccas a que se refere o decreton.13.687, desta dataArt. 1º A Inspectoria Federal de Obras contra as Seccas destina-se a construir obras efomentar serviços que attenuem ou previnam os effeitos das seccas no Ceará, Rio Grandedo Norte, na Parahyba, no Piauhy, em Pernambuco, Alagoas, Sergipe, na Bahia e no nortede Minas.

OS SERVIÇOSArt. 2º As obras e os serviços que a Inspectoria deve executar para prevenir ou attenuar oseffeitos das seccas discriminam-se em seguida:I. Estudos systematizados das condições meteorologicas, geologicas, hydrometricas etopographicas da região onde se manifestam as seccas;II. Cultura de essencias florestas e plantas forrageiras em terras de açudes publicos;

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III. Estradas de rodagem;IV. Perfuração de poços;V. Estudos e construcção de açudes;VI. Barragens submersiveis;VII. Piscicultura;VIII. Levantamento cartographico das regiões assoladas pelas seccas;IX. Conservação e exploração das obras que ficarem a cargo do Governo Federal;X. Fiscalização de obras;XI. Celebração de contractos e accôrdos.Art. 3º Os serviços de que trata o art. 2º serão executados pela União e por intermedio daInspectoria Federal de Obras contra as Seccas.EXECUÇÃO DAS OBRAS E DOS SERVIÇOSArt. 4º As obras e os serviços, de que tratam as diversas alineas do art. 2º são reguladospelos artigos que seguem sob o titulo acima: - Execução das obras e dos serviços.METEOROLOGIAArt. 5º A Inspectoria installará estações pluviometricas em toda área que esteja sob o seudominio, tendo o cuidado de distribuil-as convenientemente, de modo que se não apresentemlogares onde haja grande quantidade de pluviometros em sacrifios de outros em que ellesrareiam. Cada pluviometro será entregue a um observador que terá a remuneração de 15$mensaes. Devem ser preferidos os agentes do Correio, empregados de Telegrapho oufunccionarios estaduaes.Art. 6º Em pontos convenientes das regiões mais castigadas pelas seccas, a Inspectoriafica autorizada a estabelecer progressivamente as observações anemometricas eanemoscopicas, adquirindo para esse fim os instrumentos necessarios. O observadorpluviometrico encarregar-se-há dessas observações, em conformidade com as instrucçõesque receber, e perceberá um accrescimo de 15$ á recompensa que se lhe dá para registraras alturas das chuvas.Art. 7º Nos grandes açudes, a Inspectoria installará uma estação para observação do quesegue:a) altura das chuvas, por mio do pluviometro;b) direcção dos ventos, por meio do anemoscopio;c) força dos ventos, por meio do anemometro;d) temperatura, por mio do thermometro;e) humidade, por meio do hygrometro;f) direcção das altas correntes, por meio do nephoscopio;g) duração da insolação, por meio do heliographo;h) quantidade de agua evaporada, por mio do evaporómetro.GEOLOGIAArt. 8º Fica o inspector autorizado a providenciar que se estudem geologicamente, quandofor preciso, regiões do dominio da Inspectoria, nomeando para esse fim um especialista, queinformará a Inspectoria da marcha de seus trabalhos conforme as instrucções que lhe foremcommettidas.HYDROMETRIAArt. 9º O inspector fica autorizado a organizar o serviço hydrometrico nos rios principaes,devendo, porém, evitar a dispersão desse serviço pelos rios secundarios e para systematizaçãodo serviço, estabelecerá uma classificação dos rios, cujo conhecimento doregimen interesse o programma da Inspectoria.TOPOGRAPHIAArt. 10. A Inspectoria organizará turmas de topographia para acquisição dos dadosnecessarios ao projectos de obras e providenciará para se demarcarem as terras sob sua

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dependencia e pertencentes á União, devendo para isso redigir instrucções que orientem ostechnicos demarcadores, tendo em vista que as linhas divisorias fiquem bem implantadas pormeio de marcos principaes e dos de alinhamento; aquelles devem ser cravados, orientados etestemunhados.CULTURA DAS ESSENCIAS FLORESTAES E PLANTAS FORRAGEIRAS EM TERRASDE AÇUDES PUBLICOSArt. 11. A Inspectoria creará em cada açude publico, sem sacrificio do cultivo dos cereaes,viveiros de plantas florestaes, forrageiras e fructiferas, indigenas ou exoticas, distinguindo nasessencias florestaes as especies do genero eucalypto que mais resistirem á inclemência domeio; e nas terras improprias á florestação desenvolverá a cultura da opuntia ficus indica e daopuntia anacantha de Burbank. O encarregado da cultura florestal em cada açude deverá curardo terreno e de seu preparo, da conservação das sementes para a propagação das especies, dosmeios de transplantação dos viveiros para os logares definitivos, dos processos dealinhamento e da equidistancia das plantas.ESTRADAS DE RODAGEMArt. 12. As estradas de rodagem serão do typo que se denomina «estrada de terra» e serãolançadas de modo que facilitem a circulação entre partes centraes das regiões assoladas pelasseccas, onde haja actividade agricola e industrial, e as vias ferreas e fluviaes. No traçadodeve-se attender a que os grandes açudes publicos, quer construidos, quer em construcção ouem projectos, são pontos obrigatorios. A construcção só poderá seriniciada por ordem do Governo.POÇOSArt. 13. A Inspectoria perfurará poços em propriedades de agricultor, criador, industrial e desyndicatos que se organizarem regularmente para cultivar as terras e desenvolver a industriapastoril, si na região não houver rios, açudes que as abasteçam, nas condições seguintes:a) o interessado dirigirá requerimento ao inspector;b) pagará o pessoal operario submettendo a folha de pagamento ao visto do perfurador queenviará á séde do districto ou do sub-districto uma cópia, e fornecerá o combustivel para aperfuradora;c) depositará na séde do districto ou sub-districto as quantias que a Inspectoria dependeupara acquisição de bombas, cataventos, tubos de revestimento, etc., necessarios á installaçãodo seu poço; essa quantia será restituida no caso do poço não ser concluído efficazmente.Paragrapho único. Correrão por conta da Inspectoria os vencimentos do perfurado e o trabalhoda perfuradora.Art. 14. A requerimento dos chefes de municipios, a Inspectoria perfurará poços para usopublico e nas condições estabelecidas pelo art. 13.Art. 15. No termo das obrigações, que deve preceder o inicio da construcção do poço, aclausula essencial é o fornecimento de agua para attender as necessidades domesticas daspopulações circumvizinhas.Art. 16. Nas regiões em que a topographia não favoreça a açudagem, mas que se presteao estabelecimento de um systema de poços, a Inspectoria estudará o plano geral deperfuração com os elementos fornecidos por estudos topographicos e geologicos. Nos casosde perfuração intensa para beneficiar uma vasta região, os trabalhos só serão iniciados depoisde desapropriadas as terras, com o assentimento do Governo da União.Art. 17. Para uso dos viandantes e para abastecimento dos bebedouros, a Inspectoriaprovidenciará que se perfurem poços ao longo das estradas, espaçando-os convenientemente eattendendo aos logares em que as formações geologicas favoreçam.Art. 18. Terminada a perfuração de cada poço publico, conforme prescreve o art. 17, aInspectoria montará todos os dispositivos indispensaveis para o levantamento da agua econstruirá reservatorios e bebedouros.

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Art. 19. Os poços que se perfurarem ao longo das estradas a cargo da Inspectoria, que deveassegurar sua conservação.Art. 20. Cada districto terá um livro especial para o registro das despesas correspondentes acada poço, de modo que fiquem bem discriminadas as que se fizerem por conta da Inspectoriae as que correrem por conta do particular.AÇUDESArt. 21. Para a direcção dos serviços da Inspectoria, os açudes dividem-se em três categorias -pequenos, médios e grandes.Art. 22. É pequeno o açude cuja capacidade oscilla entre 500 mil metros cubicos e trêsmilhões de metros cubicos, devendo a profundidade ter no minimo seis metros.Art. 23. É medio o açude cuja capacidade oscilla entre tres e dez milhões de metros cubicos,devendo a profundidade minima ter oito metros.Art. 24. É grande o açude cuja capacidade é superior a dez milhões de metros cubicos,devendo a profundidade ter no minimo dez metros.Art. 25. Os açudes publicos só poderão ser construidos em terras publicas, ou préviamentedesapropriadas, ou doadas por escripta publica.Art. 26. Nenhuma construcção será iniciada sem approvação prévia do seu projecto eorçamento, pelo ministro.Art. 27. A construcção far-se-há de preferencia por contracto relativo ao conjunto da obra oupor contractos de empreitadas parciaes, mediante concurrencia publica, salvo nos casos de:a) urgencia da obra;b) necessidade de soccorrer a população flagellada;c) impossibilidade de concurrentes idoneos.Art. 28. Concluida a construcção, o Governo da União estabelecerá o regimen que lhe parecermais conveniente para utilização das aguas e dos terrenos beneficiados.Art. 29. Ao Estado, comprehendido na zona secca, que quizer tomar a seu cargo a construcçãode açudes, a Inspectoria remetterá os projectos e orçamentos.Art. 30. Passarão para o pleno dominio da União, para os fins do art. 28, os açudes que,entregues ás municipalidades ou aos Estados, forem reparados pela Inspectoria.Paragrapho único. A execução do projecto do reparos se não iniciará sem que a Inspectoriareceba de quem competir o instrumento publico, na fórma da lei, de doação áUnião, de tudo o que constitua o açude, e mais o accrescimo da área, si além das reparaçõesindispensaveis, houver utilidade em augmentar a extensão da represa.Art. 31. A Inspectoria gratuitamente os estudos, projectos e orçamentos de açudes paraagricultores, criadores e industriaes, e tambem para os syndicatos agricolas ou criadoresregularmente organizados.Art. 32. Alem das vantagens do art. 31, a Inspectoria auxiliará a construcção de açudes com aquantia correspondente á metade do orçamento.Art. 33. O proprietario que requerer a construcção de um açude deverá instruir seurequerimento com a demonstração das vantagens do açude, com attestado affirmativo daMunicipalidade, de ser agricultor, criador, ou industrial e com certidão passada pelo Registrode Hypothecas da comarca a que pertencer o açude, de quem nenhum onus grava apropriedade, e declarar que se compromette a fornecer agua para as necessidadesdomesticas das populações circumvizinhas.Paragrapho único. Tratando-se de Municipalidade, exige-se sómente que o requerimentoseja instruido com a certidão do Registro de Hypothecas e as vantagens do açude.Art. 34. Concluida a construcção do açude, o seu proprietario requererá o auxilio constante doart. 32 deste regulamento. O requerimento será dirigido ao inspector, por intermedio dodistricto, ou do sub-districto, que o encaminhará convenientemente informado e acompanhadodo attestado documentado do fiscal, em que se verifique ter sido construido o açude, de

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conformidade com o projecto approvado pelo Governo. Assim informado, o inspector deferiráo requerimento e providenciará para ser pago o auxilio.Art. 35. Os açudes existentes, quando forem melhorados em conformidade com o projectoorganizado nos termos do art. 31, serão tambem auxiliados na razão da metade do orçamentodas melhorias: os melhoramentos serão requeridos pelo interessados, estudados, projectados eorçados pela Inspectoria, e approvados pelo ministro.Paragrapho único. O Governo melhorará sómente os açudes que foram construidos sob osauspicios da União.Art. 36. Si aquelle que construir um açude, plantar arvores fructiferas e essenciais florestaesjunto ao açude e em área não inferior a dous hectares e conserval-as por três annos, terá umpremio de duzentos mil réis (200$000) por hectare plantado, si a avaliaçãorevelar que existe uma média de mil arvores por hectare, a qual corresponde a um afastamentoapproximado de tres metros entre arvores.Art. 37. Terão as mesmas vantagens os syndicatos agricola e industriaes regularmenteorganizados.Art. 38. O auxilio á construcção de açudes de que trata o art. 32 só será pago depois deinteiramente concluida a execução da obra e de feita a sua medição final.Art. 39. No contracto para a construcção do açude particular figurará o prazo maximo para aconstrução da obra.Art. 40. A inspectoria poderá, mediante termo de responsabilidade, fornecer aos proprietariospelo custo o material de excavação e transporte, destinado á construcção dabarragem, devendo a quantia ser descontada por occasião do pagamento do auxilio dadopela União, em conformidade com as normas que forem estabelecidas no termo, segundo opagamento do auxilio for feito integralmente ou por partes.Art. 41. No caso de ter o Governo de desapropriar a propriedade, onde estiver encravadoum açude particular, caso a construcção não se ultime ou a sua conservação se não faça, ou sefaça de tal maneira imperfeita que ponha em risco a segurança da barragem e obrascomplementares, não entrará no calculo a importancia total do orçamento do açude.Art. 42. Todas as condições impostas neste regulamento, referentes á construcção de açudeparticular com auxilio da União, constarão do acto que conceder esse auxilio e serãotacitamente acceitas pelo requerente.Art. 43. A União construirá os grandes açudes; quando, porém, for reconhecida a necessidadeda construcção de açudes medios ou pequenos, proximo ás estradas geraes eaos nucleos de população, ella a tomará a seu cargo.Art. 44. Em derredor dos grandes açudes construir-se-hão nucleos de populações agricolassob as bases que abaixo se descrevem:a) qualquer região, que se prestar a esses nucleos será estudada topographicamente paraprojectar a distribuição das habitações de modo que não sejam construidas a esmo;b) toda habilitação será construida sob a direcção do engenheiro encarregado do serviçodo açude;c) as habilitações communs devem girar em torno de typos basicos approvados pelo inspector,os quaes deverão satisfazer as condições hygienicas, e, nos limites da simplicidade dessashabitações, deve ser respeitada a harmonia do conjunto;d) construir-se-hão predios que se destinem a escolas de ensino primario, respeitando-seos preceitos aconselhados pelos hygienistas;e) no inicio da construcção, o engenheiro chefe creará uma escola mixta para instruir osfilhos dos obreiros, a qual deverá funccionar á noite para o ensino dos adultos, o engenheiroadmittirá um professor que tenha moralidade, e a instrucção necessaria para ministrara oensino primario aos ignorantes, e organizará modestamente a escola que será a origem das que

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se fundarem, quando os nucleos, de que trata este artigo, se desenvolverem em consequenciados beneficios que á região trará o açude.BARRAGENS SUBMERSIVEISArt. 45. As barragens submersiveis deverão ser construidas transversalmente ao leito dosrios em posição que não acarretem pesados sacrificios ao Thesouro, e destinar-se-hão a reterhumidade nos terrenos durante as estiagens, produzindo grandes beneficios aos cultivadores;além desses beneficios, a barragem submersivel dará origem a uma pequenarepresa, que abastecerá os arredores, quando o rio seccar.PISCICULTURAArt. 46. Os serviços de piscicultura consistirão nas medidas destinadas a desenvolver a pescanos açudes, na introducção e no melhoramento das especies boas, e na destruição das especiesdamninhas.LEVANTAMENTO CARTOGRAPHICOArt. 47. A Inspectoria, para melhorar os mappas que existem da zona de seu dominio,organizará opportunamente o serviço cartographico, devendo antepor ao levantamento dequaesquer regiões e das mais castigadas pelas seccas e menos conhecidas.EXPLORAÇÃO E CONSERVAÇÃO DAS OBRASArt. 48. A Inspectoria compete conservar e explorar as obras a cargo da União, redigindoinstrucções, para esse fim, accommodadas á natureza de cada obra. As instrucções pararegular a exploração das obras devem ser approvadas pelo Ministro da Viação e ObrasPublicas.FISCALIZAÇÃO DE OBRASArt. 49. A Inspectoria fiscalizará as obras executadas pelos particulares ou pelos municipios,que forem auxiliados pela União, e as que se construirem por empreitada, a fiscalização far-se-há por intermedio dos districtos e do sub-districto.ORGÃOS DA INSPECTORIAArt. 50. Serão orgãos da Inspectoria:Um gabinete do inspector.Uma secção technica.Uma secção de contabilidade e estatistica.Tres districtos.Um sub-districto.Commissões de estudos e construcção.GABINETE DO INSPECTORArt. 51. As attribuições do gabinete do inspector são as seguintes: abrir a correspondênciaofficial, apresental-a ao inspector, protocollar a correspondencia, preparar o expedienteinterno e externo, archivar os documentos, preparar os relatorios, as publicações e fiscalizaros serviços da portaria. Além dessas attribuições executará todos os serviços que constaremdas instrucções do inspector. Para execução desses serviços, além do pessoal da tabela n. 1, oinspector poderá nomear tres auxiliares de gabinete, arbitrando a cada auxiliar uma diaria quenão exceda a 20$, correndo as despezas pela consignação de execução de obras (pessoal ematerial), sem prejuizo dos vencimentos dos respectivos cargos si os nomeados foremfunccionarios publicosSECÇÃO TECHNICAArt. 52. A secção technica compete a execução dos projectos e orçamentos de obras, a revisãodas medições, e o desempenho de quaesquer outros trabalhos tecnhicos da Inspectoria. Asecção divide-se em «serviço de estudos e projectos» e «serviço de poços,SECÇÃO DE CONTABILIDADE E ESTATISTICAArt. 53. A secção de contabilidade e estatistica compete a fiscalização do destino dos

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creditos relativos ás despezas em conformidade com as disposições das leis vigentes;organização das folhas do pessoal da séde; exame das folhas do pessoal dos districtos,subdistrictos e commissões, revisão das folhas de medição, fiscalização das despezas comacquisição de material e das indispensaveis para outros fins; balanço bimensal de todas asdespezas de modo que a séde possa acompanhar como teem sido applicadas; colligir todos osdados procedentes de observações meteorologicas, hydrometricas, traçando os gráficos quefacilitem os estudos dos diversos phenomenos; preparar mappas das obras construídas e dasque se construem, e organizar estatisticas dos demais serviços.A secção divide-se em duas partes «contabilidade» e «estatistica».Paragrapho único. Além dos serviços discriminados, á secção compete estudar todos aquellesque forem apontados pela experiencia e que se ajustem com os fins para que ellafoi creada.DISTRICTOSArt. 54. Aos districtos competem dos trabalhos normaes de estudos, que o inspector autorizar,a fiscalização, medição e organização das folhas das obras contractadas ou em exploração, aconservação e exploração das obras executadas pela União emquanto estiverem a seu cargo; oserviço de perfuração de poços e montagem de cataventos, bemcomo, os serviços de meteorologia e hydrometria. Na séde de cada districto, será mantidoapenas um pequeno almoxarifado, onde deverá ser recolhido o material das commissões, depoços, meteorologia, etc.SUB-DISTRICTOArt. 55. Ao sub-districto competem as mesmas attribuições dos districtos, consistindo adifferença entre os dous orgãos em ser o dominio desses mais vasto que o daquelle.COMMISSÕES DE ESTUDOS E CONSTRUCÇÕESArt. 56. As commissões de estudos e construcções competem os serviços que lhes foremcommettidos de accordo com as instrucções expedidas para o governo de cada chefe decommissão.Art. 57. A Inspectoria disporá de pessoal effectivo, constante dos quadros annexos, paracoadjuvar o inspector na execução de todos os serviços.Paragrapho único. Para os trabalhos das commissões, serão aproveitados de preferenciaos funccionarios addidos, si dentre elles houver habilitados para a effectuação, plena dostrabalhos relativos a cada commissão. O funccionario não pertencente á Inspectoria, e quefor admittido nas commissões, será mantido emquanto seus serviços forem necessarios,podendo ser livremente dispensado pela autoridade que o admittiu.NOMEAÇÕESArt. 58. Para o cargo de inspector será nomeado em commissão, engenheiro de reconhecidacompetencia profissional, e que se tenha distinguido por serviços valiososprestados ao paiz, o inspector será nomeado por decreto.Art. 59. O chefe da secção technica, e da secção de contabilidade e estatistica, os chefesde districto, os engenheiros ajudante, os engenheiros de primeira classe, e os de segunda,serão nomeados por portaria do ministro da Viação e Obras Publicas.Art. 60. Todos os demais funccionarios serão nomeados ou admittidos pelo inspector.Paragrapho único. A nomeação do chefe de gabinete recahirá em pessoa de confiança doinspector, a quem compete nomeal-o em commissão.Art. 61. As nomeações obedecerão ás normas abaixo prescriptas:a) para o cargo de chefe de secção será nomeado engenheiro da classe dos engenheirosajudantes ou da dos engenheiros de primeira classe, por merecimento, cujas aptidões sequadrem com a natureza de cada secção;b) para o cargo de engenheiro ajudante será nomeado engenheiro de primeira classe;c) para o cargo de engenheiro de primeira classe será escolhido por merecimento

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engenheiro da classe dos de segunda;d) para o logar de engenheiro de segunda classe só poderá ser nomeado o que tiver otitulo registrado na Secretaria de Estado da Viação e Obras Publica, em cumprimento da lei n.3.004, de 9 de outubro de 1880; teem preferencia os conductores de primeira classe, querevelarem aptidão nos serviços que lhe forem confiados.Art. 62. O chefe do districto será nomeado em commissão e escolhido dentre os engenheirosdo quadro, podendo ser de primeira classe ou de segunda, e manter-se-há namissão emquanto convier ao serviço.Art. 63. O engenheiro chefe de sub-districto será nomeado em commissão pelo inspector,a quem compete escolher, das duas classes de engenheiros do quadro, o que for por elledistinguido.Art. 64. A nomeação do conductor de primeira e de segunda classe recahirá em engenheiro oupratico de provada competencia.Art. 65. As nomeações para os logares de primeiros, segundos e terceiros officiaes serãofeitas por accesso, metade por merecimento e metade por antiguidade; quanto ás nomeaçõesde quartos officiaes, serão feitas mediante a classificação por concurso, tomando-se emconsideração a ordem dos classificados. O concurso reger-se-há por instrucções approvadaspelo ministro da Viação e Obras Publicas e valerá durante um anno.Art. 66. Para as commissões serão designados por portaria do ministro os chefes decommissão e por portaria do inspector os auxiliares technicos e administrativos, o chefe decada commissão, de concerto com as instrucções que forem expedidas, admittirá os demaisempregados necessarios.SUBSTITUIÇÕESArt. 67. Nas faltas e nos impedimentos, a norma para as substituições é a seguinte:a) o inspector será substituido pelo chefe da secção technica e no impedimento deste,pelo chefe da secção de Contabilidade e Estatistica;b) o chefe da secção technica pelo engenheiro ajudante; na falta ou no impedimentodeste, o inspector designará um engenheiro;c) o chefe da secção de Contabilidade e Estatistica, pelo engenheiro ajudante; si qualquermotivo impedir o ajudante de assumir a direcção da secção, o inspector designará umengenheiro;d) o chefe do districto, pelo engenheiro mais graduado dentre os que estiverem servindono districto;e) o chefe de sub-districto, pelo conductor mais graduado em serviço effectivo nosubdistricto;f) o almoxarife, por quem o inspector designar;g) o conservador por um dos ajudante.Art. 68. Nos casos de substituição remunerada não comprehendidos nas disposições da lei n.2.756, de 10 de janeiro de 1913, e decreto n. 10.100, de 26 de fevereiro do mesmo anno, aosubstituido caberá, além do respectivo vencimento, uma gratificação igual ao excesso dovencimento do substituido em relação ao do substituto.Art. 69. O empregado que exercer interinamente logar vago, perceberá todos os vencimentosdo effectivo.Art. 70. O funccionario que ficar encarregado do expediente, quando o inspector se afastarda séde em serviço de inspecção, não terá direito a gratificação.Paragrapho único. O funccionario que, na ausencia do chefe de districto ou do chefe desub-districto, ficar encarregado de assignar o expediente, não terá direito a gratificação.VANTAGENSArt. 71. Os funccionarios, e os commissionados de accôrdo com o art. 66, quando emserviço da Inpectoria, teem direito ao transporte de sua pessôa e familia.

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Paragrapho único. O inspector e o pessoal technico teem direito ás diarias constantes databella n. 2, annexa, quando se deslocarem de suas sédes, a serviço da Inspectoria.Art. 72. Os funccionarios de primeira nomeação e os removidos que tiverem de ir exercerseus cargos em logares, onde não estejam residindo, terão uma ajuda de custo correspondenteao ordenado mensal.§ 1º O funccionario removido perceberá seus vencimentos durante o curso da viagem; éobrigado, porém, para não incorrer nas penas disciplinares a assumir o exercicio do logar,para que fora removido, no prazo marcado pelo inspector.§ 2º Os chefes e os auxiliares commisdionados, na fórma do art. 66, terão ajuda de custocorrespondente a trinta vezes os dous terços de sua diaria.§ 3º Quando a remoção de funccionario for a pedido, não dará direito ás vantagens desteartigo.Art. 73. O empregado nomeado ou removido tem o prazo de 45 (quarenta e cinco) diaspara entrar no exercicio do cargo, sob pena de perder o logar, o prazo contar-se-há do diaem que sahir publicada no Diario Official a nomeação, ou remoção.Art. 74. Ao empregado que enfermar em consequencia de accidente no trabalho, aInspectoria prestará todo o auxilio, em conformidade com o regulamento a que se refere odecreto n. 13.498, de 12 de março de 1919.Art. 75. Todo o funccionario do quadro desta Inspectoria terá direito ao goso de quinze diasuteis de férias, si no correr do anno anterior não tiver dado mais de quinze faltas justificadas,nem soffrido pena disciplinar. Os 15 dias serão concedidos pelo chefe immediato, poderá ofunccionário gosal-os ininterruptamente ou alternal-os, ad-libitum, si as exigencias do serviçopermittirem; o funccionario receberá integralmente seus vencimentos. Os quinze diascorrespondentes a cada anno podem ser accumulados até dous annos, isso significa que ofunccionario só terá no maximo direito a trinta dias de férias.PENAS DISCIPLINARES E PERDA DO EMPREGOArt. 76. O funccionario da Inspectoria, nos casos de negligencia, falta de cumprimento dedeveres, desobediencia, desrespeito ás ordens dos seus superiores hierarchicos, ausenciasem causa justificada, revelação de assumptos não publicados, ficará sujeito ás seguintespenas disciplinares:a) simples advertencia;b) reprehensão;c) suspensão.Paragrapho único. Da pena de suspensão, poderá o empregado recorrer, dentro do prazode cinco dias, para a autoridade immediatamente superior, com cuja decisão tem que seconformar.Art. 77. Só ao ministro cabe suspender por mais de trinta dias; ao inspector, até trinta dias:aos chefes de secção, chefes de districto, de sub-districto e chefes de commissão, até dezdias.Art. 78. O ministro é a única autoridade que poderá suspender o funccionario incurso emalgum dos seguintes casos:1º, prisão por motivo não justificado pelo funccionario;2º, cumprimento de pena que obste ao desempenho das funcções do empregado;3º, exercicio de qualquer cargo que prive o funccionario de cumprir exactamente seusdeveres;4º, pronuncia em crime commum ou de responsabilidade, embora o funccionario se livre;5º, medida preventiva ou de segurança.Art. 79. O funccionario que faltar ao serviço durante oito dias consecutivos, sem praticar

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por escripto ao seu chefe perderá os vencimentos e incorrerá na pena disciplinar de suspensãodo exercicio com perda de antiguidade e vencimentos relativos aos dias da ausencia, si asfaltas excederem oito dias.Art. 80. A suspensão privará o funccionario, pelo tempo correspondente, do exercicio doemprego, da antiguidade e dos vencimentos, excepto nos casos de medida preventiva ou depronuncia. No caso de suspensão preventiva, o funccionario perderá sómente a gratificação eno de pronuncia, a gratificação e metade do ordenado, até o dia da comdemanação ouabsolvição.Art. 81. O funccionario da Inspectoria, á excepção dos funccionarios em commissão, queserão sempre livremente demissiveis, só poderá ser destituido do cargo que exercer, no casode contar 10 ou mais annos de serviço publico federal, sem ter soffrido penas no cumprimentode seus deveres:a) por abandono do emprego por mais de trinta dias;b) em virtude de sentença judicial, ou mediante processo administrativo.§ 1º O processo administrativo consiste apenas em ser ouvido o interessado no prazo quelhe for marcado, sobre a falta arguida, e bem assim o chefe immediato do serviço a que elepertença, se houver, despachando depois o ministro, mantendo-o no cargo, ou o demittidodelle.§ 2º Si o funccionario ou empregado for de nomeação e demissão de outra autoridade, quenão o proprio ministro, nesse caso o demittido poderá reclamar contra o acto perante oministro, que, ouvida a autoridade em questão, decidirá como for de justiça.§ 3º Fica subentendido que, em se tratando de funccionario ou empregado nomeado pordecreto do Presidente da Republica, o ministro não poderá despachar no progressoadministrativo sem prévia deliberação do mesmo Presidente, a esse respeito.Art. 82. O funccionario em commissão é sempre demissivel livremente pela autoridade que anomeou: os conhecimentos technicos e os predicados moraes é que manteem ofunccionario em seu logar e habilitam-no para as promoções.ATTRIBUIÇÕES E DEVERES DOS FUNCCIONARIOSDo inspectorArt. 83. Além da superintendencia geral dos serviços, compete ao inspector as seguintesprescripções:a) corresponder-se directamente com quaesquer autoridades, ou associações dos Estadosassolados, requisitando as informações e os esclarecimentos precisos para instrucção dosnegocios da competencia da Inspectoria;b) fazer preparar, instruido com os necessarios documentos e informações, todos os negociosque tenham de subir ao conhecimento do ministro;c) propôr ao ministro todas as medidas e providencias que lhe pareçam necessarias para obom andamento dos negocios da Inspectoria;d) representar ao ministro o que convier relativamente á execução de contractos de obrasa cargo da Inspectoria e á distribuição dos auxilios a particulares, aos syndicatos e ásmunicipalidades;e) prestar ao ministro todas as informações que lhe forem pedidas sobre negocios a seucargo e executar os trabalhos respectivos que por elle lhe forem commettidos;f) informar ao ministro sobre a aptidão, serviços ou faltas do seus subordinados;g) determinar a séde onde devem servir os funccionarios da Inspectoria, cujo logar deexercicio não seja determinado pela natureza do cargo, ou removel-os de uma séde para outra,quando a conveniencia do serviço assim o exigir;h) dar posse, nos respectivos cargos, aos funccionarios da Inspectoria;i) manter a disciplina nos serviços da Inspectoria, podendo, para isso, advertir, suspender

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e demittir ou propôr a demissão dos funccionarios que, provadamente, o merecem. Osfunccionarios nomeados pelo ministro poderão a este recorrer da pena de suspensão, quenão será maior de trinta dias;j) revêr e visar todos os documentos de despezas que lhe forem submettidos e remetter aoThesouro os attestados de frequencia do respectivo pessoal;k) apresentar, annualmente, ao ministro um relatorio dos negocios da Inspectoria;l) autorizar, dentro dos creditos distribuidos, a execução dos projectos approvados peloministro, serviços e reparos de obras feitas ou obras novas não excedentes de 50 (cincoenta)contos, assim como ordenar a acquisição dos materiaes necessarios á Inspectoria e propôl-a aoministro, quando o seu custo fôr superior a dez (10) contos; m) solicitar do ministro que pelasdelegacias fiscaes sejam feitos, mediante requisições dos funccionarios designados, ospequenos supprimentos em dinheiro que forem indispensaveis á execução do serviço,trabalhos e obras no interior, acautelando-se, comomelhor convier, a devida prestação de contas;n) inspeccionar, como melhor convier, os serviços a cargo de Inspectoria, de modo a seachar sempre habilitado a dizer e providenciar a respeito, com pleno conhecimento de causa;o) autorizar a acquisição ou desapropriação dos terrenos e suas bemfeitorias, indispensaveispara a construcção e regular funccionamento das obras autorizadas e dassuas dependencias;p) presidir o acto de julgamento da idoneidade dos concurrentes, da abertura e exame daspropostas para as adjudicações publicas;q) expedir instrucções de natureza technica para a execução dos differentes serviços e obras acargo da Inspectoria, inclusive sobre o processo das concurrencias publicas, observada alegislação em vigor, e submetter á approvação do ministro os complementares referentes áparte administrativa deste regulamento, não só quanto aos trabalhos das secções comotambem sobre a organização de commissões para execução de obras;r) promover a regular publicação de mappas, boletins memorias e impressos referentes aosserviços a cargo da Inspectoria ou que se destinem á divulgação de medidas ouconhecimentos que interessem ás populações flagelladas pelas seccas;s) velar pelo bom credito e pela reputação scientifica e technica da Inspectoria nas suaspublicações ou em quaesquer escriptos que, dependentes de sua autorização, forem publicadospelo pessoal sob sua direcção relativamente aos trabalhos e assumptos queconstituem o objecto da repartição;t) impôr as multas applicaveis aos contractantes pela violação dos seus contractos;u) acceitar as obras depois de concluidas pelos arrematantes;v) conceder licença a qualquer funccionario da Inspectoria, até 30 dias, no maximo,observadas as respectivas disposições deste regulamento e demais disposições quevigorarem;x) adoptar medidas provisorias, de caracter technico e administrativo, que, em casos urgentes,lhe pareçam necessarias, devendo communical-as ao ministro;y) propôr ao ministro, em casos especiaes que advenham, a mudança provisoria da sede dequalquer districto ou sub-districto;z) fazer contractos, cujas minutas dependerão da approvação do ministro, si elles se referirema empreitadas de construcção, bem assim, prorogar mediante termo, com annuencia doministro, o prazo daquelles, quando requeridos pelos interessados;a') autorizar o pagamento dos auxilios pecuniarios a que se refere o art. 32.O chefe da secção technicaArt. 84. Ao chefe da secção technica compete:a) dirigir pessoalmente os serviços da secção, providenciando para que se executem comordem, regularidade e proficiencia os estudos e projectos , o serviço de poços, meteorologia

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e hydrometria, distribuindo os diversos trabalhos em conformidade com a natureza de cadaum;b) emittir parecer sobre assumptos sujeitos ao exame da secção technica;c) estudar e projectar açudes, obras de irrigação, saneamento, drainagem, estradas derodagem, defesa contra a invasão das aguas em regiões araveis, captação de agua do subsolo eo systema de poços, quando as circumstancias geologicas permittirem e a topographia nãofavorecer á açudagem;d) fiscalizar os desenhos de cartas geographicas e geologicas;e) redigir instrucções technicas relativas á secção que orientem a execução dos serviços,mantendo ou modificando nórmas conforme os ensinamentos da experiencia;f) manter a disciplina nos serviços da secção applicando aos funccionarios as penasdisciplinares que não forem da alçada exclusiva do inspector; da pena de suspensão, que nãoexcederá a 10 dias, poderá o funccionario recorrer para o inspector;g) rubricar os livros da secção e pôr o «visto» nos documentos que forem estudados nasecção;h) redigir, datar e assignar, os termos de abertura e encerramento dos livros que se destinemao registro dos documentos e factos da secção;i) substituir o inspector em suas faltas e impedimentos.Do chefe da secção de Contabilidade e EstatisticaArt. 85. Ao chefe da secção de contabilidadee e estatistica, auxiliado pelo pessoal da secção,compete:a) dirigir os serviços da secção;b) providenciar para a regular escripturação do movimento dos creditos annuaes autorizados,e expedir guias para o recolhimento e deposito de valores;c) organizar a folha de pagamento e os attestados de frequencia do pessoal;d) rever as folhas de medição, e informar em que condições está o credito por conta de quedeve correr o seu pagamento;e) verificar documentos e conferir calculos, tudo relativo a pagamentos;f) proceder a rigoroso exame de todos os documentos das despesas da Inspectoria e bem assimcotejal-os;g) crear os livros necessarios para a escripturação, protocollos especiaes e registros dasecção;h) arrolar annualmente todo material pertencente á Inspectoria de modo que a administraçãocentral conheça com precisão as condições em que elle se encontra nos almoxarifados dosdistrictos, nas commissões e em outros destinos;i) dispor os dados relativos ás observações meteorologicas, hydrometricas, etc.. á vidaeconomica (agricultura, industria e commercio), á sucessão e duração das seccas einundações, e traçar os graphicos relativos a esses phenomenos;j) manter a disciplina nos serviços da secção, applicando aos funccionarios as penasdisciplinares que não forem da alçada exclusiva do inspector; da pena de suspensão quenão excederá a 10 (dez) dias, poderá o funccionario recorrer para o inspector;k) rubricar os livros da secção e por o «visto» nos documentos que forem estudados nasecção;l) providenciar sobre os meios para a guarda e conservação da bibliotheca;m) redigir, datar e assignar os termos de abertura de encerramento dos livros que se destinemao registro dos documentos e factos da secção;n) organizar os dados necessarios aos orçamentos da Inspectoria;o) colligir todos os dados indispensaveis ao historico de cada obra e ao conhecimentos deseu custo effectivo.Do engenheiro ajudante

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Art. 86. Cumpre ao engenheiro ajudante de cada secção executar os serviços que o chefeda secção lhe commetter.Do chefe de districtoArt. 87. Ao chefe de districto compete:a) fiscalizar as obras contractadas;b) explorar as obras executadas pela União, dentro das instrucções que receber;c) dirigir o serviço de perfuração de poços e montagem do apparelhamento indispensavelpara elevação de agua, conforme a importancia do poço;d) fiscalizar o serviço meteorologico e o hydrometrico;e) executar reparos nas obras que estejam a cargo do districto;f) conservar o material que for entregue ao districto;g) inspeccionar, no maior numero de vezes, as obras, as estações meteorologicas, asperfuradoras, etc.;h) desempenhar dentro de seu districto qualquer missão que o inspector lhe commetter;i) levantar annualmente o cadastro de toda a zona em que a Inspectoria estenda seudominio, colligindo todos os dados relativos á orographia - (denominação de suas serras, deseus contrafortes, orientação approximada de seus eixos principaes, condições em que seapresentam sob o ponto de vista agricola, etc.) - potamographia - (nome do rio, nascente,curso, onde desaguam os tributarios, descripção do valle, quanto á sua utilidade agricola, áspropriedades ao longo de suas margens, locação do rio pela discriminação, da fóz para ascabeceiras, de cidades, villas, povoados, fazendas, serras cujas abas vão ás suas margensdistribuição da população ao longo do seu valle, etc.) - vias de communicação - (estradas derodagem, estradas de ferro, viação fluvial) - riqueza dos municipios, sua agricultura, indústriapastoril, seus mineraes, seu commercio, sua população, suas escolas, etc.Do chefe de sub-districtoArt. 88. Ao chefe de sub-districto competem as obrigações estabelecidas no art. 87, emque se determinam os deveres fundamentaes do chefe de districto.Do chefe de commissãoArt. 89. Ao chefe de commissão compete o desempenho pleno da missão que lhe for confiadanos limites das instrucções que receber do inspector, sob cuja direcção trabalhará emquanto osactos merecerem delle a sancção.Do chefe de gabineteArt. 90. Ao chefe de gabinete, auxiliado pelo pessoal que estiver sob sua direcção, compete:a) preparar o expediente;b) fiscalizar o ponto da entrada e sahida do pessoal que trabalha sob suas ordens;c) manter a disciplina nos serviços do gabinete e, quando qualquer funccionario commetterfalta, propor ao inspector a pena em que incorreu;d) ter sob sua responsabilidade o archivo da administração central, a correspondencia e oregistro do movimento dos documentos que circularem pelo gabinete;e) prestar informações ao inspector sobre o andamento de qualquer papel;f) attender a qualquer interessado em serviços da Inspectoria dando todas as explicaçõesconvenientes;g) authenticar as cópias, certidões deferidas pelo inspector e demais papeis que exigirem essaformalidade;h) rubricar os livros necessarios aos serviços do gabinete, cuja escripturação fará manterrigorosamente em dia;i) ordenar o registro dos actos de nomeação, remoção, licença, suspensão, demissão, etc. dosfunccionarios da Inspectoria, os assentamentos para a fé de officio dos mesmos, o preparodosque estiverem na alçada do inspector e fazer as necessarias communicações a respeito;j) preparar e remetter ao Diario Official, com assentimento do inspector, contractos e

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outras materias que devam ser publicadas;k) apresentar semanalmente ao inspector uma nota dos papeis, cujo exame, preparoeexpediente não forem feitos dentro de quinze dias, com declaração do motivo da demora:l) lavrar as actas relativas a concurrencias e contractos etc., redigir e assignar os editaes;m) expedir guias para inspecção de saude e apresentação de pessoal;n) preparar os dados para o relatorio do inspector;o) executar outros serviços que forem determinados pelo inspector.Dos officiaesArt. 91. Aos officiaes incumbe executar todos os serviços conforme as instrucções que lhesforem commettidas pelo chefe da secção, onde cada um tiver que prestar serviços.Do almoxarifeArt. 92. Ao almoxarife incumbe:a) dirigir e guardar o almoxarifado, que comprehende os depositos de materiaes na sede dodistricto, cujos encarregados serão da sua inteira confiança;b) guardar e arranjar as machinas, os instrumentos, moveis e outros materiaes, pertencentes árepartição, que estejam fóra da séde do districto e não estiverem sob aguarda especial de outrem, devidamente autorizada;c) fazer o inventario, em livros competentes, de todo o acervo do districto, notificando ocusto, destino, estado de uso e conservação, etc., tudo para que o almoxarifado seja o órgão deinformações acerca de todo o material áquelle pertencente ou confiado, podendo, para estefim, praticar o almoxarife, dentro do districto, todas as diligencias a seu alcance;d) dar carga e descarga nos competentes lançamentos dos objectos que forem remettidos,e daquelles que forem recambiados ou despachados;e) velar pela limpeza e conservação do material depositado no almoxarifado, do qual nãosahirá, mesmo para o serviço, nenhum material sem ordem escripta do chefe do districto;f) diligenciar sobre o transporte de machina, instrumentos e materiaes, solicitando aochefe de districto as providencias necessarias;g) informar o chefe do districto sobre o concerto de que necessitem, as machinas,instrumentos, materiaes, etc., e sobre os mesmos prestar os esclarecimentos necessarios;h) preparar o balanço semestral do movimento do material, para que o chefe do districto oenvie á administração central;i) inteira-se, no mercado, da existencia, qualidade e preços correntes dos materiaes cujacompra se torne necessaria e communical-os ao chefe de districto;j) verificar o material inservivel recolhido ao almoxarifado ou aos depositos, a cargo dodistricto, e, mediante ordem superior, providenciar para a venda ou baixa, preenchidas asformalidades legaes.Art. 93. Os encarregados de deposito ficarão subordinados immediatamente ao almoxarife eserão responsaveis, perante este, pela direcção e guarda dos materiaes que lhes foremconfiados.Art. 94. Para o almoxarife entrar no exercicio do cargo deve prestar fiança de dous contos deréis (2:000$000).Dós demais funccionariosArt. 95. Aos demais funccionarios compete executar com zelo e diligencia o que asinstrucções do inspector prescreverem e bem assim as ordens de seus chefes immediatos. DoconservadorArt. 96. Ao conservador, auxiliado pelos ajudantes e serventes, compete:a) abrir e fechar a repartição;b) fiscalizar o asseio do edificio;c) comprar os objectos necessarios ao serviço da administração central, apresentando ascontas e os documentos á contabilidade;

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d) executar outros serviços por ordem do chefe de gabinete e dos chefes de secção;e) receber e expedir a correspondencia official;f) escripturar o livro de registro da correspondencia expedida, discriminando o numero dodocumento, o endereço e o nome do empregado encarregado de leval-a ao destino;g) fazer acompanhar a correspondencia expedida de um protocollo de remessa, em que serãomencionados o numero do documento e o seu destino; esse livro do protocollo de remessa ser-lhe-ha devolvido com o recibo do funccionario competente da repartição a que se destina acorrespondencia ou do proprio destinatario;h) prohibir a entrada de pessôas estranhas aos serviços da repartição antes e depois do tempoconsagrado ao expediente;i) fiscalizar os serviços dos ajudantes e serventes e distribuil-os conforme as necessidades domomento;j) obrigar o pessoal sob suas ordens a se manter em logar em que possa attenderpromptamente aos mandatos.VENCIMENTOS, E DESCONTOS POR FALTASArt. 97. Competirão aos funccionarios da Inspectoria os vencimentos annuaes fixados natabella annexa a este regulamento.Art. 98. Não soffrerá desconto o empregado que deixar de comparecer ao serviço, por seachar incumbido:a) de qualquer trabalho, ou commissão de ordem do inspector;b) de serviço da Inspectoria que exija trabalho fóra della, quer durante as horas doexpediente, quer nas demais horas do dia, com autorização do seu chefe;c) de qualquer serviço gratuito obrigatorio, em virtude de lei. Em qualquer destas hypothesesfar-se-ha declaração no livro do ponto e no attestado de frequencia.Art. 99. O empregado perderá:a) todos os vencimentos, quando faltar ao serviço sem causa justificada, retirar-se antes defindos os trabalhos, sem autorização do seu chefe ou de quem suas vezes fizer, ou fôrsuspenso do empregado, de accôrdo com o que preceitúa o art. 80;b) toda a gratificação, quando faltar com causa justificada, comparecer, depois deencerrado o ponto, sem causa justificada, ou retirar-se com autorização do seu chefe antesde encerrados os trabalhos;c) metade da gratificação, quando comparecer com causa justificada, depois de encerradoo ponto, nas tres primeiras faltas durante o mez, e, se houver excesso, dahi em deante todaa gratificação.Art. 100. Poderão ser consideradas causas justificativas de faltas unicamente:a) molestia do empregado ou molestia grave de pessôa de sua familia, provada com attestadomedico, quando o numero de faltas exceder a tres em cada mez;b) luto, no periodo de sete dias;c) festa por nupcias, no periodo de sete dias.Art. 101. Só se justificarão mais de oito faltas, se o empregado obtiver licença, cujo tempode goso será diminuido de tantos dias quantos forem as faltas além daquelle numero.Art. 102. As faltas contar-se-hão, á vista do livro do ponto, que deverá haver em cada secção,districto e sub-districto, e será assignado pelos empregados, sendo contada uma falta aos quenão comparecerem para assignar o ponto durante o primeiro quarto de hora que seguir ámarcada para o começo dos trabalhos, aos que deixarem de fazêl-o ao retirarem-se findo oexpediente do dia, e áquelles que se ausentarem durante as horas doexpediente.Art. 103. Sempre que, á hora marcada, não estiver presente o funccionario incumbido deencerrar o ponto, fará as suas vezes o que dever substituil-o, ou, na falta deste, o mais antigo,dentre os de igual ou immediata categoria, que tiver comparecido.

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Paragrapho unico. Immediatamente depois do encerramento do ponto, será remettida aochefe respectivo uma relação dos empregados que não tiverem comparecido.Art. 104. O desconto por faltas interpolladas não comprehenderá os dias feriados; sendo,porém, successivos, comprehenderá todos os dias.Art. 105. A' excepção do inspector, dos chefes de secção, dos chefes de districto, do chefedo sub-districto, e dos engenheiros que chefiarem commissões, todos os demaisfunccionarios, effectivos, addidos ou em méra commissão, ficarão sujeitos ao ponto.LICENÇASArt. 106. As licenças dos funccionarios da Inspectoria só poderão ser concedidas naconformidade do disposto nos decretos ns. 2.756 e 10.100, de 10 de janeiro e 26 de fevereirode 1913, a saber:I. As licenças por mais de trinta dias serão concedidas pelo ministro, por molestia provadaem inspecção de saude, que impossibilite o exercicio do cargo, ou qualquer outro motivojusto, allegado por escripto.§ 1º As licenças até trinta dias serão concedidas pelo inspector, de accôrdo com as condiçõesdo n. I, deste artigo.§ 2º A licença concedida por motivo de molestia dará direito á percepção do ordenado atéseis mezes e de metade do ordenado, por mais de seis mezes até um anno.§ 3º A licença por qualquer outro motivo justo e attendivel será concedida sem vencimentoalgum e até um anno.§ 4º Em todas as concessões de licenças marcar-se-ha o prazo dentro do qual o funccionariodeverá entrar no goso dellas, prazo que não poderá exceder a 60 dias.§ 5º E' licito ao funccionario publico renunciar, em qualquer tempo, a licença que lhe foiconcedida ou em cujo goso se acha, reassumindo o exercicio do seu cargo.§ 6º Nenhum funccionario poderá gosar de uma licença, uma vez esgotado o prazo maximo aque se referem os §§ 2º e 3º deste artigo, antes de decorrido um anno da ultima que lhe foiconcedida.§ 7º. Não serão concedidas licenças aos funccionarios interinos e, bem assim, aos que,nomeados, promovidos ou removidos, não houverem assumido o exercicio do respectivocargo.§ 8º. Quando a licença fôr concedida pelo inspector, deverá este communicar o facto aoministro, dentro do prazo de 15 dias, sob pena de responsabilidade procedendo de igualmodo, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena, quando o funccionario licenciadoreassumir o exercicio.II. O tempo da licença prorogada ou de novo concedida dentro de um anno, contado dodia em que houver terminado a primeira, será junto ao da antecedente ou antecedentes, afimde fazer-se o desconto de que trata o artigo anterior.III. Para formar o maximo de seis mezes, de que trata o art. 106, § 2º deverão ser levadosem conta o tempo das licenças concedidas pelo inspector e as interrupções do exercicio doemprego.IV. Os funccionarios que substituirem os licenciados perceberão apenas, além do seuordenado, a gratificação do substituido.Paragrapho unico. Esta disposição será observada em todos os casos de substituição, demaneira que o substituto em hypothese alguma venha a perceber mais do que o substituido.V. A qualquer pedido de licença dirigido ao Congresso Nacional e a ser encaminhado peloministro, deverá o requerente juntar prova de ter obtido das autoridades competentes aslicenças que estes podiam conceder, nos termos dos §§ 2º e 3º, do n. I, deste artigo. Sem opreenchimento destas exigencias, nenhum pedido de licença poderá ser tomado emconsideração.APOSENTADORIAS E MONTEPIO

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Art. 107. As aposentadorias dos funccionarios da Inspectoria só poderão ser concedidasde accôrdo com os dispositivos do art. 121, da lei n. 2.924, de 5 de janeiro de 1915, a saber:I. Os funccionarios que se invalidarem no serviço da Nação serão aposentados, quando aesse favor tenham direito, com as seguintes vantagens:a) se contarem menos de 25 annos de serviço, com tantas vigesimas quintas partes doordenado quantos forem os annos de serviço;b) se contarem 25, com o ordenado;c) se contarem mais de 25 e menos de 35, com o ordenado e mais dous por centoaddicionaes correspondentes a cada anno que exceder a 25.§ 1º. Para os effeitos legaes, os vencimentos dos funccionarios que percebem ordenado,gratificação e representação serão constituidos sómente pelo ordenado e gratificação.§ 2º. O funccionario que se inutilizar em consequencia de desastre ou accidente, ocorridonodesempenho da função de seu cargo, poderá ser aposentado com a metade do ordenado, sitiver mais de 10 annos e menos de 25. Si tiver 25, com os vencimentos integraes.II. Para o calculo dos vencimentos do aposentado não serão levadas em conta asgratificações addicionaes, nem as abonadas a titulo de representação.Paragrapho unico. Ficam resalvados, quanto a essas gratificações addicionaes, os direitosgarantidos por leis anteriores aos actuaes funccionarios, mas apenas quanto áquelles emcujo goso estiverem.III. Os vencimentos da aposentadoria só poderão ser os do cargo que o funcionário estiverexercendo desde dous annos pelo menos; no caso contrario, serão os do cargo anterior, igualdisposição se observará quando haja augmento de vencimentos por tabela posterior ánomeação.IV. Para o effeito da aposentadoria só será computado o tempo de serviço federal.V. O processo dos exames de invalidez para os effeitos da aposentadoria obedecerá aoregulamento approvado pelo decreto n. 11.447, de 20 de janeiro de 1915.Art. 108. Para verificar a invalidez do empregado da Inspectoria em actividade addido, oem disponibilidade, poderá o inspector mandal-o á inspecção de saude, independentementede requerimento.Art. 109. O montepio dos empregados será regulado pelas leis n. 942 A, de 31 de outubrode 1890; n. 1.045, de 21 de novembro de 1890, pelo decreto n. 8.904, de 16 de agosto de1911, que dá instrucções para a execução do art. 84, da lei n. 2.356, de 31 de dezembro de1910, e pelo que, em modificação ou derogação destas, haja disposto o poder competente.DISPOSIÇÕES GERAESArt. 110. As despezas de prompto pagamento poderão correr por conta dos adeantamentosfeitos.Art. 111. Os pagadores, que estão sujeitos á fiança de cinco contos (5:000$), e os almoxarifes,a de dous contos (2:000$), só poderão ser empossados e entrar em exerciciodepois que a tiverem prestado.Paragrapho unico. Se a fiança fôr em dinheiro, titulos de divida publica da União ecadernetas da Caixa Economica Federal, conforme a lei n. 2.095, de 2 de setembro de 1909, aposse e exercicio lhes poderão ser concedidos desde logo.Art. 112. em todas as representações, ordens, ou communicações de serviços entrefunccionarios da Inspectoria. observar-se-hão as relações de hierarchia afim de que osrespectivos papeis cheguem ao seu destino já devidametne informados.Art. 113. Os pedidos de fornecimento de material serão feitos por escripto e assignados pelochefe de gabinete e visados pelo inspector; nos districtos serão feitos pelo official que estiversecretariando, e visados pelo chefe de districto para o sub-districto a mesma regra em queprocede o districto: para o sub-districto a mesma regra com que procede o districto.

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Art. 114. Todos os papeis dirigidos á administração central ou aos districtos e sub-districtoserão protocolados.Art. 115. Na administração central, nos districtos e no sub-districto, o expediente começará eterminará nas horas fixadas pelo inspector, chefe de districto ou de sub-districto, que poderãoprorogal-o, por conveniencia de serviço.Art. 116. Os chefes de districto, de sub-districto e o de commissão, quando forem chamados aserviço, terão direito a seus respectivos vencimentos e transportes.Art. 117. O engenheiro designado para chefiar um districto terá direito a uma diaria de dezmil réis, que correrá pela consignação de execução de obras (pessoal e material).Art. 118. O engenheiro designado para chefiar um sub-districto terá direito a uma diaria decinco mil réis, conforme o art. 117.Art. 119. O chefe de gabinete terá uma diaria que não excederá de vinte e cinco mil réis(25$), que correrá pela consignação a que se refere o art. 117, sem prejuizo dos vencimentosdo respectivo cargo, si o nomeado fôr funccionario publico.Art. 120. O primeiro districto comprehende o Ceará; o segundo, Rio Grande do Norte,Parahyba e Pernambuco; o terceiro, Bahia, Sergipe, Alagoas e norte de Minas.Em Fortaleza, é a séde do 1º districto; em Natal, é a séde do 2º districto; em S. Salvador, é aséde do 3º districto.Art. 121. O sub-districto comprehende o Estado do Piauhy: a séde é em Therezina.Art. 122. As remoções dos funccionarios dependem exclusivamente das necessidades deserviço e serão feitas pelo inspector.Paragrapho unico. O funccionario removido para districtos, sub-districto, ou designadopara commissão, qualquer que seja sua categoria, terá o destino que lhe der o cheferespectivo.Art. 123. O concurso para provimento do cargo de quarto official será regulado porinstrucções do inspector e approvadas pelo ministro, as quaes deverão ser uma adaptação áInspectoria das normas prescriptas no regulamento da Secretaria de Estado da Viação eObras Publicas, approvado pelo decreto n. 11.442, de 13 de janeiro de 1915.Art. 124. Para satisfazer ás exigencias impostas pela prorogação dos serviços afastadosdos centros districtaes, o inspector creará o numero de sub-districtos que fôr necessario.Art. 125. Cada funccionario receberá seus vencimentos conforme a tabella n. 1.Art. 126. As diarias do pessoal technico em serviço de campo serão dadas de accôrdocom a tabella n. 2. O funccionario começará a perceber diaria a contar do momento em quefôr desligado da séde, e cessará de percebel-a no momento em que se apresentar.Art. 127. Os funccionarios da administração central que forem commissionados paraserviços em região, onde estiver flagellando a secca, terão direito a uma ajuda de custocorrespondente ao ordenado de um mez, e uma gratificação mensal de um terço dosvencimentos.Paragrapho unico. Terão as mesmas vantagens os funccionarios de um districto que foremtrabalhar, nas condições deste artigo, em outros districtos.Art. 128. Os chefes de secção poderão dirigir-se ao chefe de districto, de sub-districto e decommissão, pedindo informações, requisitando dados, elucidando duvidas que occorrerem;não é, porém, da alçada dos chefes de secção qualquer acção imperativa, porque só aoinspector cabe o mando.Art. 129. As vagas que se derem no quadro dos conductores de segunda classe serãopreenchidas em conformidade com o art. 64.Art. 130. O inspector commissionará, quando as necessidades do serviço impuzerem,engenheiros de reconhecida competencia para inspeccionarem trabalhos que se executarem ese exploram nos districtos e sub-districto, devendo redigir instrucções por que oscommissionados se regulem.

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Art. 131. Aos chefes de secção poderá o inspector delegar missão em qualquer logar emque se estenda a diligencia da Inspectoria, quando motivos de ordem technica eadministrativa implicarem a presença de um dos chefes de secção: no curso da missão, queterminará quando se apresentar á séde, cada chefe de secção receberá uma diaria deaccôrdo com a tabella n. 2.Art. 132. Em caso de calamidade causada por seccas nas regiões em que a inspectoria tenhaacção, o inspector tomará as medidas necessarias, na proporção da intensidade do flagello,iniciando serviços, impulsionando as construcções, organizando commissões de concerto coma natureza de cada serviço, e communicará ao ministro, podendo commissionar funccionariosdo quadro da Inspectoria aos quaes arbitrará as diarias quejulgar de direito.Art. 133. Serão mantidos os vencimentos do actual chefe da secção technica; quando,porém, vagar o logar, o substituto perceberá vencimentos iguaes aos do chefe da secção decontabilidade e estatistica.Art. 134. Os casos não previstos neste regulamento, e que por sua natureza necessitamde regimento para o bom funccionamento do serviço publico, e as duvidas que se suscitaremserão resolvidas pelo ministro.DISPOSIÇÕES TRANSITORIASArt. 135. Em virtude da reforma da repartição constante do presente regulamento, um dosactuaes inspectores technicos passará a occupar o logar de chefe da secção de contabilidade eestatistica; o encarregado meteorologista passará para o cargo de segundoofficial.Art. 136. Os funccionarios effectivos do quadro actual que não forem aproveitados napresente reforma, ficarão addidos na fórma das disposições de lei em vigor.Art. 137. Revogam-se as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 9 de julho de 1919. - Afranio de Mello Franco.

TABELLA N. 1

Vencimentos annuaes Totalde um funccionario

1 inspector........................................................................ 27:000$000 27:000$000

Gabinete:1 segundo official...............................................................4:800$000 4:800$0001 terceiro official................................................................3:600$000 3:600$0001 quarto official...................................................................3:240$000 3:240$000

Portaria:1 conservador........................................................................3:240$000 3:240$0003ajudantes.............................................................................2:160$000 6:480$000

Secção technica:1 engenheiro chefe de secção................................................21:000$000 21:000$0001 engenheiro ajudante............................................................ 13:200$000 13:200$0002 conductores de 1ªclasse..........................................................7:200$000 14:400$0001 conductor de 2ª classe.............................................................5:400$000 5:400$0001 desenhista de 1ª classe..............................................................6:000$000 6:000$000

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1 desenhista de 2ª classe..............................................................4:800$000 4:800$0001 desenhista de 3ªclasse...............................................................3:600$000 3:600$0001 primeiro official........................................................................6:000$000 6:000$0001 terceiro official..........................................................................3:600$000 3:600$0002 quarto officiaes..........................................................................3:240$000 6:480$000

Secção de Contabilidade e Estatistica: 1 chefe de secção........................................................................18:000$000 18:000$0001 engenheiro ajudante.................................................................13:200$000 13:200$0001 conductor de 1ª classe................................................................7:200$000 7:200$0001 primeiro official.........................................................................6:000$000 6:000$0003 segundos officiaes.....................................................................4:800$000 14:400$0002 terceiros officiaes....................................................................3:600$000 7:200$0002 quartos officiaes......................................................................3:240$000 6:480$000

Tres districtos:3 engenheiros de 1ª classe.........................................................13:200$000 39:600$0003 engenheiros de 2ª classe........................................................ 10:800$000 32:400$0004 conductores de 1ª classe..........................................................7:200$000 28:800$0008 conductores de 2classe............................................................5:400$000 43:200$0003 desenhistas de 2ªclasse.............................................................4:800$000 14:400$0003 desenhistas de 3ªclasse.............................................................3:600$000 10:800$0002 primeiros officiaes....................................................................6:000$000 12:000$0004 segundos officiaes....................................................................4:800$000 19:200$0002 terceirosofficiaes......................................................................3:600$000 7:200$0002 quartosof ficiaes........................................................................3:240$000 6:480$0003 pagadores..................................................................................7:200$000 21:600$0003 almoxarifes...............................................................................6:000$000 18:000$0006 encarregados de deposito..........................................................3:600$000 21:600$000

Um sub-districto:1 engenheiro de 2ª classe.......................................................... 10:800$000 10:800$0001 conductor de 1ª classe..............................................................7:200$000 7:200$0002 conductores de 2ª classe...........................................................5:400$000 10:800$0001 segundo official........................................................................4:800$000 4:800$000

514:200$000TABELLA N. 2Inspector..................................................................................................................20$000Chefe da secçãotechnica....................................................................................................................15$000Chefe da secção de Contabilidade eEstatistica.................................................................................................................15$000Chefe de districto.....................................................................................................10$000Chefe de subdistricto...............................................................................................10$000Engenheiro de 1classe...............................................................................................8$000Engenheiro de 2ªclasse..............................................................................................8$000Conductor de 1ª e 2ªclasse........................................................................................7$000

Rio de Janeiro, 9 de julho de 1919 - Afranio de Mello Franco.

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Publicação:Diário Oficial da União - Seção 1 - 13/7/1919, Página 9923 (Publicação Original)

Anexo 07 – Lei Epitácio Pessoa, 1919.

DECRETO Nº 3.965, DE 25 DE DEZEMBRO DE 1919

Autoriza a construcção de obrasnecessarias á irrigação de terras

cultivaveis no nordeste brasileiro edá outras providencias.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil:Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanc ciono a resolução seguinte:

Art. 1º O Governo construirá por administração ou por contracto e, neste caso, medianteconcurrencia publica, sempre que fôr possivel, as obras necessarias á irrigação de terrascultivaveis no nordeste brasileiro, nellas comprehendidas todas as que forem julgadaspreparatorias e complementares da sua execução, mantidas, igualmente, aquellas de que tratao decreto n. 13.687, de 9 de julho de 1919.Art. 2º As despezas de construcção, de custeio e de conservação das obras e serviçosmencionados no artigo precedente correrão por conta de uma caixa especial constituida comos seguintes recursos:

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a) operações de credito, externas ou internas, que o Governo fica autorizado a realizar até omaximo de duzentos mil contos e nunca excedentes de quarenta mil contos em cada exercicio;b) dous por conto da receita geral da Republica;c) dous até cinco por cento da receita ordinaria dos Estados em que as obras e serviços terãode ser executados, entrando paraeste fim o Poder Executivo em accôrdo com os respectivosGovernos e podendo receber a mesma contribuição em terras devolutas e irrigaveis;d) producto da venda ou do arrendamento das terras cedidas pelos Estados e das que foremdesapropriadas nos termos desta lei;e) rendas provenientes das obras e serviços mencionados no art.1º;f) contribuições e donativos de qualquer outra procedencia.Paragrapho unico. Os recursos comprehendidos nas lettras b, c, d, e e f serão tambemdestinados ao serviço de juros e amortização dos emprestimos autorizados na lettra a;Art. 3º São considerados de utilidade publica, para os effeitos da desapropriação, as terrasnecessarias á construcção das barragens e obras complementares e preparatorias, asinundadas, as irrigaveis e bem assim as florestas indispensaveis á manutenção dos cursos deagua.§ 1º As terras irrigaveis, porém, sómente serão desapropriadas quando seus proprietarios serecusarem a entrar em accôrdo com o Governo sobre a construcção das obras necessarias áirrigação, deixarem de pagar durante dous annos as taxas de que trata a presente lei, ou nãocultivarem as mesmas terras segundo as determinações constantes dos regulamentos queforem expedidos.§ 2º Esta obrigação constará de termos de compromisso que deverão ser assignados após aapprovação dos projectos de cada obra.§ 3º No caso dos paragraphos primeiro e segundo deste artigo, a importancia de indemnizaçãoserá determinada pelo valor das terras antes da approvação dos projectos de captação eirrigação consequente, devendo esse valor constar dos termos de compromisso.Art. 4º A União terá a administração e exploração das obras, até pagar-se da importancia quehouver despendido, entregando-as aos Estados respectivos logo que a exploração dellashouver coberto as despezas effectuadas.Art. 5º O Governo cobrará as taxas que forem fixadas em regulamento, tendo em vista asdespezas effectuadas, de capital e de conservação e custeio das obras e, bem assim, a naturezadas culturas exploradas nas zonas irrigadas.Art. 6º As terras irrigaveis que forem desapropriadas serão cedidas por venda ouarrendamento, mas sempre em pequenos lotes e, de preferencia, a agricultores residentes nosrespectivos Estados.§ 1º No caso de venda, as terras terão o valor da desapropriação e deverão ser pagas emquotas annuaes e por prazo nunca superior de dez annos, começando o pagamento no annoimmediato á primeira colheita.§ 2º No caso de arrendamento, as prestações deverão ser pagas annualmente, a partir do fimda primeira colheita, devendo o Governo, para fixar o seu preço, attender tambem ao valor dadesapropriação.Art. 7º O Governo providenciará para que os serviços agricolas na região tenham a assistenciade agronomos e veterinarios, e tambem para que os lavradores sejam fornecidos, por venda ouarrendamento, os instrumentos, sementes, adubos e outros auxilios necessarios a maiorproducção do sólo, conservação, beneficiamento, transporte e colocação commercial dosproductos.Art. 8º O Governo expedirá regulamentos para o funccionamento da caixa especial, para aarrecadação das taxas e prestações e para a exploração e administração das obras,providenciando para que os contractos de que falla o art. 1º tenham a mais ampla publicidade.Art. 9º Revogam-se as disposições em contrario.

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Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1919, 98º da Independencia e 31º daRepublica.EPITACIO PESSÔA.J. Pires do Rio.Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União -Seção 1 de 27/12/1919Publicação:Diário Oficial da União - Seção 1 - 27/12/1919, Página 19086(Publicação Original)