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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020 1 A Construção Discursiva das Prisões de Lula e Temer nas Capas da Veja 1 Andrezza STECK 2 Síntia Mara OTT 3 Maria Nazareth Bis PIROLA 4 Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo, ES RESUMO Analisa a construção discursiva das prisões dos ex-presidentes do Brasil Lula e Temer em duas capas da revista Veja. Objetiva compreender os efeitos de sentido produzidos e como estes intencionam conduzir o olhar do leitor. Busca verificar, ainda, se houve tratamento e abordagem diferenciados de um fato em relação a outro nas referidas capas. Traz para o debate teóricos do fazer jornalístico e inclui no diálogo os pressupostos teóricos e metodológicos da Semiótica Discursiva, compreendendo os planos de expressão e de conteúdo nas análises do corpus selecionado. Para além da análise interna do texto, traça, também, um breve histórico dos acontecimentos abordados, contextualizando-os. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; Veja; Temer; Lula; Semiótica Discursiva e Plástica. INTRODUÇÃO As construções discursivas elaboradas pelos meios de comunicação têm sido, cada vez mais, objetos de análise e de debate da sociedade. Em contextos de crise política, tal fenômeno toma uma relevância ainda maior. Dessa forma, esse artigo tem por objetivo compreender mais de perto a construção discursiva de duas capas publicadas pela revista Veja noticiando, respectivamente, as prisões dos ex-presidentes da República Federativa do Brasil Luís Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Miguel Elias Temer Lulia (MDB). Lula foi condenado em primeira instância no dia 12 de julho de 2017, pelo então juiz Sérgio Moro, a 9 anos e 6 meses de prisão, acusado pelos crimes de corrupção 1 Trabalho apresentado na IJ01 Jornalismo, da Intercom Júnior XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Gaduação 6º. Semestre do Curso de Jornalismo da UFES, e-mail: [email protected] 3 Estudante de Graduação 6º. semestre do Curso de Jornalismo da UFES, e-mail: [email protected] 4 Orientadora do trabalho. Professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades da UFES, em Vitória/ES. Email: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020

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A Construção Discursiva das Prisões de Lula e Temer nas Capas da Veja 1

Andrezza STECK2

Síntia Mara OTT3

Maria Nazareth Bis PIROLA4

Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo, ES

RESUMO

Analisa a construção discursiva das prisões dos ex-presidentes do Brasil Lula e Temer

em duas capas da revista Veja. Objetiva compreender os efeitos de sentido produzidos e

como estes intencionam conduzir o olhar do leitor. Busca verificar, ainda, se houve

tratamento e abordagem diferenciados de um fato em relação a outro nas referidas

capas. Traz para o debate teóricos do fazer jornalístico e inclui no diálogo os

pressupostos teóricos e metodológicos da Semiótica Discursiva, compreendendo os

planos de expressão e de conteúdo nas análises do corpus selecionado. Para além da

análise interna do texto, traça, também, um breve histórico dos acontecimentos

abordados, contextualizando-os.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; Veja; Temer; Lula; Semiótica Discursiva e

Plástica.

INTRODUÇÃO

As construções discursivas elaboradas pelos meios de comunicação têm sido,

cada vez mais, objetos de análise e de debate da sociedade. Em contextos de crise

política, tal fenômeno toma uma relevância ainda maior. Dessa forma, esse artigo tem

por objetivo compreender mais de perto a construção discursiva de duas capas

publicadas pela revista Veja noticiando, respectivamente, as prisões dos ex-presidentes

da República Federativa do Brasil Luís Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Miguel Elias

Temer Lulia (MDB).

Lula foi condenado em primeira instância no dia 12 de julho de 2017, pelo então

juiz Sérgio Moro, a 9 anos e 6 meses de prisão, acusado pelos crimes de corrupção

1 Trabalho apresentado na IJ01 – Jornalismo, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Gaduação 6º. Semestre do Curso de Jornalismo da UFES, e-mail: [email protected] 3 Estudante de Graduação 6º. semestre do Curso de Jornalismo da UFES, e-mail: [email protected] 4 Orientadora do trabalho. Professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades da UFES, em Vitória/ES. Email: [email protected]

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passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá (SP), no âmbito da

Operação Lava Jato (FONSECA et al., 2017). Mais tarde, é condenado em segunda

instância pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e a sua

pena aumenta para 12 anos e 1 mês de prisão (RAMALHO; MATOSO, 2018).

Temer, por sua vez, foi acusado pelo Ministério Público Federal do Rio de

Janeiro (MPF-RJ), em uma investigação relacionada à usina nuclear de Angra 3, de

chefiar uma organização criminosa envolvendo empresas estatais e órgãos públicos,

tendo sido prometido, pago ou desviado ao grupo mais de R$ 1,8 bilhão. No dia 9 de

março de 2019 o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro,

expediu um mandado de prisão preventiva contra o ex-presidente (G1, 2019). Preso no

dia 21 de março de 2019, Temer foi solto quatro dias depois, favorecido por habeas

corpus provisório concedido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), mas

volta à prisão no dia 9 de maio de 2019, após derrubada do habeas corpus pelo TRF-2

(SHALDERS, 2019). E volta a ficar em liberdade no dia 14 de maio 2019, após passar

mais seis dias preso, com a decisão do STJ em substituir a prisão preventiva do ex-

presidente por medidas cautelares (MELLIS, 2019). Lula, por sua vez, é solto no dia 8

de novembro de 2019, após passar 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba (PR),

dada a derrubada de possibilidade de prisão em segunda instância pelo Supremo

Tribunal Federal (STF) (BARAN, 2019).

Partindo do princípio de que os discursos jornalísticos têm influência sobre a

opinião pública e o pensar social (McCOMBS, 2009), a mensagem das duas capas da

Veja que tomamos como objeto de análise teve um papel importante junto às demais

mídias na construção do imaginário da sociedade sobre os presos. Analisar esses

discursos permite compreender que o sentido produzido por eles não é dado, mas

construído, e que qualquer texto envolve processos de escolha (BARROS, 1994).

Dessa forma, esse artigo objetiva analisar a construção discursiva das prisões de

Lula e Temer nas capas das edições 2577 e 2627 da Veja, compreendendo os efeitos de

sentido produzidos e como estes intencionam conduzir o olhar do destinatário-leitor.

Busca verificar, ainda, se houve tratamento e abordagem diferenciados de um fato em

relação a outro. Para isso, além de discorrer sobre os aportes teóricos do fazer

jornalístico, inclui no diálogo, os pressupostos teóricos e metodológicos da Semiótica

Discursiva, compreendendo os planos de expressão e de conteúdo nas análises do

corpus selecionado.

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O FAZER JORNALÍSTICO – CONSTRUÇÃO DOS TEXTOS E EFEITOS DE

SENTIDO

É fundamental compreender o fazer jornalístico para melhor ler e compreender

os discursos veiculados nas duas capas que aqui tomamos como objeto de estudo. Dessa

forma, cabe destacar que o jornalismo possui técnicas para captar o cotidiano e o

transformar em notícia. Sua função, no imaginário da sociedade enxergada como

‘divulgador da verdade’, explora um acontecimento e constrói uma narrativa baseada

em fatos, seja a partir do testemunho direto de acontecimentos ou a partir de

depoimentos ou dados (LAGE, 2011).

Objetividade, contudo, não é sinônimo de imparcialidade. Tema de debates para

a sociedade, comunicadores e acadêmicos, a imparcialidade no jornalismo é um dos

argumentos para a garantia de sua função. Contudo, todo ser político carrega suas

interpretações em seus discursos. Segundo Filho (1987), o enquadramento dos fatos, sua

hierarquização e a escolha das fontes evidenciam a ausência de imparcialidade nas

narrativas jornalísticas.

Certamente que há um “grão de verdade” na ideia de que a notícia não deve emitir juízos de valor explícitos, à medida que isso contraria a natureza da

informação jornalística tal como se configurou modernamente. Mas é

igualmente pacífico que esse juízo vai inevitavelmente embutido na própria forma de apresentação, hierarquização e apresentação dos fatos, bem como na

constituição da linguagem (seja ela escrita, oral ou visual) e no relacionamento

espacial e temporal dos fenômenos através de sua difusão (FILHO, 1987, p. 33).

Consideramos, portanto, que a forma como os fatos foram enquadrados pela

revista Veja não é dada. Trata-se de um processo que envolveu escolhas e

posicionamentos. Os textos das capas são munidos de efeitos de sentido, cuja origem

advém de um conjunto de valores que configuram a linha editorial do veículo.

Em oposição a uma abordagem analítica do papel político e ideológico da mídia

centrada apenas na questão “objetividade” vs “imparcialidade”, insta destacar que a

produção de conteúdos pelos jornalistas parte de uma matriz ideológica limitada.

Segundo Hackett (1993 apud PORTO, 2002), essa matriz é formada por uma estrutura

profunda, composta de conjuntos de regras e conceitos, ativada consciente ou

inconscientemente pelos jornalistas durante o processo produtivo. De acordo com o

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autor, “um dos fatores mais importantes da "estrutura profunda" que rege a produção do

noticiário são os "enquadramentos" aplicados pelos jornalistas em seus relatos”

(HACKETT, 1993, p. 120-122 apud PORTO, 2002, p. 2).

Por enquadramento midiático compreendemos a definição proposta por Gitlin,

onde “padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase

e exclusão” constituem recursos usados para organizar discursos verbais ou visuais

(1980, p.7 apud PORTO, 2002, p. 6). Tais padrões são responsáveis pela construção de

determinadas linhas interpretativas que influenciam a leitura dos fatos pelo público que

é alcançado pela mensagem jornalística.

Porto (2002) traça distinções entre os enquadramentos noticiosos e os

enquadramentos interpretativos. Considerando os objetivos deste trabalho, optou-se por

embasar as análises jornalísticas no conceito de enquadramento noticioso, que constitui

[...] padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizados por jornalistas para

organizar seus relatos. No jargão dos jornalistas, este seria o "ângulo da notícia", o ponto de vista adotado pelo texto noticioso que destaca certos

elementos de uma realidade em detrimento de outros. Nesta categoria estão, por

exemplo, o "enquadramento de interesse humano", que focaliza a cobertura em indivíduos, ou o "enquadramento episódico", com sua ênfase em eventos

(PORTO, 2002, p. 15).

Os enquadramentos noticiosos são, dessa forma, resultado de escolhas realizadas por

jornalistas no que tange à ênfase e ao formato das matérias e que orientam a percepção

de uma realidade observada (PORTO, 2002). No campo político, os enquadramentos

noticiosos possuem um importante papel na construção simbólica dos eventos. Isso se

deve à centralidade que a mídia ocupa nas atividades sociais da contemporaneidade, em

especial, na esfera política brasileira. E é por meio da representação de diferentes

facetas da vida em sociedade que a mídia detém poder sobre a construção e a percepção

da realidade. Como argumenta Lima, “é através da mídia – em sua centralidade – que a

política é construída simbolicamente, adquire um significado” (LIMA, 2004, p. 51).

Para lançar luz a esse fazer jornalístico na construção do texto das duas capas de

revista aqui analisadas, recorremos ao referencial teórico e metodológico da semiótica

discursiva e plástica, a partir da análise do plano de conteúdo e de expressão dos textos.

A Semiótica Discursiva “procura descrever e explicar o que o texto diz e como

faz para dizer o que diz” (BARROS, 1994, p. 7). Ou seja, busca compreender como um

dado texto produz um ou mais efeitos de sentidos, como ele gera determinadas

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interpretações, desvendando a sua estrutura de enunciação. Por texto tomamos qualquer

manifestação de linguagem, seja verbal, visual ou gestual, ou uma combinação desses,

que gere efeitos de sentido (RAMALDES, 2010). As capas da Veja que analisaremos,

por exemplo, congregam elementos verbais e visuais. Segundo Barros (1994), o texto

resulta da junção de dois planos: o de conteúdo e o de expressão. O plano de expressão,

“[...] se dedica ao exame da articulação interna dos sistemas visuais e a minuciosa

observação dos elementos de composição das imagens, indo além da dimensão

figurativa dos textos” (RAMALDES, 2010, p. 57), e é onde são analisados os formantes

eidéticos, cromáticos e topológicos de uma obra ou texto.

O formante eidético contempla as formas que os elementos assumem no plano

de expressão, e estas podem assumir aspectos retos ou curvos, horizontais ou verticais,

perpendiculares ou diagonais, angulares ou arredondados (OLIVEIRA, 1995). A

dimensão cromática está relacionada à cor, tais como cores puras, complementares,

tonalidades e sub-tonalidades; saturação; luminosidade; jogos entre claro vs. escuro,

luminoso vs. sombrio (OLIVEIRA, 1995). O formante topológico diz respeito à

distribuição dos elementos visuais e verbais no espaço, como, por exemplo, parte

superior ou inferior, esquerda ou direita, central ou periférica (PIROLA; SOUZA,

2017).

O plano de conteúdo constitui a segunda etapa de análise dos nossos objetos.

“Para construir o sentido do texto, a semiótica concebe o seu plano de conteúdo sob a

forma de um percurso gerativo” (BARROS, 1994, p. 8), a partir dos níveis

fundamental, narrativo e discursivo. Cabe destacar que, neste trabalho, empregaremos

apenas os níveis narrativo e discursivo, tendo em vista sua maior relevância para a

compreensão dos efeitos de sentido gerados pelas capas da revista Veja.

No nível narrativo, os sujeitos estão em busca de objetos de valor, condizentes

aos seus desejos, e performam, ou agem, para materializá-los. Na sintaxe narrativa

“examina-se a relação entre sujeitos e objetos-valor, classificados como objetos modais

(meio) e objetos descritivos (finais)” (RAMALDES, 2010, p. 49). As aspirações dos

sujeitos podem resultar em junção ou disjunção em relação a seus objetos de valor. Na

semântica narrativa, segundo eixo desse nível, é analisada a atribuição de valores aos

objetos. O nível discursivo converte o nível narrativo em discursos assumidos por um

sujeito da enunciação, que se relaciona com outro, designado enunciatário. “O sujeito da

enunciação faz uma série de “escolhas”, de pessoas, de tempo, de espaço, de figuras, e

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“conta” ou passa a narrativa, transformando-a em discurso” (BARROS, 1994, p. 53).

Ou seja, nesse patamar o sujeito se projeta em um “eu-aqui-agora”. Na sintaxe

discursiva o enunciador reveste o texto de pessoas, espaço e tempo a fim de criar um

efeito de realidade/verdade ou de proximidade/distanciamento. Quando o sujeito assume

um discurso em terceira pessoa, há um efeito de distanciamento (debreagem enunciva),

e quando ele o assume em primeira pessoa, cria um efeito de proximidade (debreagem

enunciativa), tornando a fala mais persuasiva (RAMALDES, 2010). Esses mecanismos

são necessários para persuadir o destinatário, ou enunciatário, criando uma ilusão de

verdade. Por fim, na semântica discursiva, “os valores assumidos pelo sujeito da

narrativa são [...] disseminados sob a forma de percursos temáticos e recebem

investimentos figurativos” (BARROS, 1994, p. 68). “O procedimento de figurativização

produz isotopias figurativas que concretizam as temáticas dos textos” (RAMALDES,

2010, p. 52).

A PRISÃO DE LULA SOB A ÓTICA DA REVISTA VEJA

Figura 1 – Capa da revista Veja, “O Corrupto Encarcerado”

Fonte: Veja (acesso em 05 jun. 2019)

Iniciamos a análise com o plano de expressão. É importante ressaltar que o

trabalho de análise a partir do método da semiótica discursiva e plástica contempla a

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descrição dos elementos construídos no texto pelo enunciador e a interpretação dos

possíveis efeitos de sentido a serem lidos pelo enunciatário. Isso porque, o sentido não

é dado, mas construído. Significa dizer que, o fazer-persuasivo ou fazer-crer do

enunciador implica também o fazer-interpretativo ou o crer do enunciatário (BARROS,

1994).

No nível eidético, há três linhas verticais de espessura grossa, que se

assemelham a grades de uma prisão, sobrepondo um conjunto de formas curvilíneas que

presentificam o rosto de uma pessoa. Esse rosto é composto por formas finas ao centro,

com exceção das sobrancelhas, e outras mais grossas no entorno. O acabamento do

cabelo e barba também é composto de linhas finas em algumas partes. As linhas abaixo

dos olhos caracterizam o sujeito como alguém cansado, embora seus olhos estejam em

estado de alerta. O traço da boca, levemente curvado, delineia um sorriso contido e

enigmático, dificultando a interpretação dos sentimentos do sujeito, pois pode significar

tanto uma conformação com a sua situação de encarceramento quanto de ironia, de

resistência. Em algumas partes da ilustração se veem granulados indicando o estado de

desgaste e corrosão das grades e do rosto, como se ambas as figuras estivessem se

contaminando mutuamente com a deterioração. Nessa linha interpretativa, imagem e

mensagem estão sujeitas ao desaparecimento, a envelhecerem e sucumbirem da

memória dos indivíduos. A frase "Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia

misturada com as ideias de vocês”5, proclamada por Lula na ocasião de sua despedida

momentos antes de se entregar à Polícia Federal, dialoga com o apontamento anterior,

visto que o político se tornou discurso, memória e história para uma coletividade. Os

elementos verbais, por sua vez, possuem formas diversas, desde grossas e impactantes a

finas e suaves, o que hierarquiza as informações.

No nível topológico, que trata da espacialidade ocupada pelos elementos na

capa, as figuras estão sobrepostas em três camadas. Na parte superior da primeira estão

presentes todos os textos verbais, a saber: o logotipo da revista Veja e do grupo Abril,

um retângulo com os dizeres "Exemplar de Assinante, Venda Exclusiva", a

identificação de 'Edição Especial' e, em menor destaque, o site, o número e a data de

publicação da edição; na segunda, as grades; e na terceira a ilustração do rosto de um

sujeito. O logo da Veja é o que mais chama atenção. As informações referentes à

publicação e à edição são as menos visíveis, enquanto as demais possuem tamanho

5 Disponível em: <https://bit.ly/2X33u9Z>. Acesso em: 9 mar. 2020.

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mediano. Essa variabilidade de formas guiam o caminho a ser percorrido pelos nossos

olhos quando miramos a capa e atribuem uma ordem de importância à leitura. O efeito

de sentido provocado por essa disposição é o isolamento da figura que está no terceiro

nível em detrimento dos elementos que estão no primeiro, já que as grades

presentificadas no segundo nível sinalizam a delimitação entre dois espaços: um que

salta aos nossos olhos e um mais distante, que nos exige enxergar em profundidade,

ainda que o rosto do sujeito ocupe o maior espaço na capa.

No nível cromático há a predominância das cores preto, branco e bege. O preto

colore as grades, o fundo e alguns traços da face; o branco, a barba, o cabelo e o

logotipo Veja; e o bege a face. Em menor quantidade estão o verde, o marrom-

avermelhado e o cinza. A cor preta se destaca entre todas as demais, pois é a que mais

ocupa espaço na capa. Além disso, ela está presente em duas camadas, ao fundo e nas

grades. Essas duas dimensões se fundem, causando a sensação de indefinição de

espacialidades a partir da segunda camada, como se das grades para dentro não

houvesse horizonte e formas a serem vistas, apenas breu. Já o uso do preto e do branco

em grandes quantidades produz contrastes, evoca a associação das cores do xadrez com

o ambiente carcerário e atribui dramaticidade à ilustração.

Partindo, agora, para a análise do plano de conteúdo, no nível narrativo todo o

percurso gerativo de sentido está pressuposto, com a exceção da sanção. O modo como

o sujeito é presentificado no plano de expressão revela que ela – a sanção - é negativa.

O sujeito está, portanto, em disjunção de seu objeto de valor, a liberdade. Nas estruturas

discursivas o sujeito é revestido e projetado na pessoa do ex-presidente Lula, e suas

competências e performances para permanecer em liberdade se materializam no aparato

jurídico dos quais se utiliza, tais como direito à defesa por meio de advogados, provas e

depoimentos alegando a própria inocência. Já o destinador-manipulador presentifica um

grupo de indivíduos misto, oriundos das classes política e sociedade civil, que acusam

Lula de corrupção e/ou outros crimes. Esse grupo é contrário à permanência do ex-

presidente em liberdade e se utiliza das competências de instituições jurídicas do Estado

brasileiro para juntos performarem em prol da condenação de Lula. A prisão do

condenado é a materialização da sanção negativa para o ex-presidente.

Embora os efeitos de ‘realidade’ e de ‘verdade’ estejam ancorados, ao invés de

em uma fotografia, numa ilustração, o discurso não permite interpretações ambíguas

sobre o fato apresentado na capa: o de que Lula está preso. Além disso, o enunciador

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pressupõe a existência de um conhecimento prévio do enunciatário sobre o caso de

Lula, pois outros veículos já haviam anunciado a sua prisão antes da revista Veja. A

data de publicação fixada abaixo do logotipo Veja reforça a ancoragem da ilustração e

cria um efeito de distanciamento e de ‘verdade’ histórica. A narrativa na capa é

revestida pelos temas político e judicial-moral. Os temas são figurativizados pelas

formas que compõem a prisão e o personagem Lula. Algumas formas são recorrentes na

ilustração: há três linhas verticais e uma face subdividida em quatro partes formando

simetria em pares. O resultado é uma isotopia figurativa, com recorrência de elementos

que presentificam um rosto coberto por grades, remetendo ao ambiente de um

encarcerado.

A PRISÃO DE TEMER SOB A ÓTICA DA REVISTA VEJA

Figura 2 – Capa da revista Veja, “A Prisão de Temer”

Fonte: Veja (acesso em 05 jun. 2019)

Iniciaremos a análise, assim como a da capa anterior, pelo plano de expressão,

elencando os formantes topológicos, eidéticos e cromáticos que a constituem, seguido

pelo plano de conteúdo, compreendendo os níveis narrativo e discursivo.

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No nível topológico há elementos em duas camadas. Em uma, ao fundo, temos

uma fotografia e uma faixa preta na margem superior da capa. O espaço urbano é

ocupado por carros e pessoas. O sujeito principal, Michel Temer, está de perfil e é o

único com o rosto visível devido ao enquadramento da fotografia. A sua fisionomia

expressa seriedade e desapontamento e no seu olhar, baixo e fixo, podemos ler um

sentimento de ira com a situação em que se encontra.

Na outra camada, em primeiro plano, temos o logotipo da revista Veja na parte

superior; o título da reportagem “A prisão de Temer” em caixa alta na parte inferior; a

citação “É convincente a conclusão ministerial de que Michel Temer é o líder da

organização criminosa” do juiz Marcelo Bretas em caixa baixa e também na parte

inferior; uma chamada intitulada “O cerco ao STF”, acompanhada de uma linha fina por

baixo, e outra "Exclusiva", com linha fina ao lado, sobre a faixa preta na margem

superior; uma imagem retangular de tamanho reduzido e o logotipo do grupo Abril na

parte superior à esquerda; a edição e a data de publicação sobre a última letra do logo

Veja e o site da revista ao lado dessa letra; e, por fim, um retângulo no lado superior

direito identificando o produto como destinado apenas a assinantes.

Os textos verbais que predominam na espacialidade da capa são o logotipo Veja

e o título da matéria principal. A foto colorida preenche quase todo o segundo plano,

menos a margem superior. Essa disposição indica que houve um processo de

hierarquização das informações com o objetivo de assegurar a leitura dos elementos

elencados como mais importantes. A fotografia ancora a chamada principal e visa

facilitar o seu entendimento, no entanto, a interpretação dela é passível de ambiguidade,

pois não é possível deduzir se o sujeito está saindo ou entrando do carro e se o indivíduo

à esquerda o está escoltando ou protegendo.

A disposição do logo da Veja na parte superior e do título “A prisão de Temer”

na parte inferior da capa, se lidos em sequência, instruem e direcionam o olhar dos

leitores ao elemento principal da fotografia – a pessoa de Michel Temer - e conferem

ainda maior ambiguidade ao efeito de sentido evocado na chamada principal. Nesse

caso, se leria algo como “Veja, a prisão de Temer é esta que está presentificada na

fotografia”.

No plano eidético as formas que predominam são linhas grossas na chamada

principal e no logo da revista. As caixas altas atribuem maior legibilidade e impacto às

chamadas “A prisão de Michel Temer” e “O cerco ao STF”. Há predominância de

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formas curvas e orgânicas na fotografia. Assim, não estamos diante de uma mera capa

de revista, mas de um espaço, de uma cena. Dessa forma, a mensagem se torna mais

palatável, já que, além da mensagem na chamada principal, podemos testemunhar o

acontecimento.

No plano cromático há predominância do preto e do cinza, cores frias. Elas

conversam com o teor da chamada principal. O uso do branco para os textos verbais

contrasta com as cores escuras da fotografia, tornando-os mais legíveis. O preto está na

borda superior onde se lê as frases “O que está por trás dos ataques e ameaças contra a

corte” e “Pressionado por procuradores, delator lança suspeita sobre Luiz Fux”. O

amarelo do “Cerco ao STF” e “Exclusivo” ajudam a destacar as matérias secundárias

entre os demais elementos. Vale ressaltar que, ao inferir sobre os efeitos de sentido, a

semiótica não opera a partir de significados simbólicos, mas semissimbólicos. Isso

significa dizer que os formantes do plano de expressão – cor, forma, topologia -, devem

ser analisados em sua correlação com o plano de conteúdo (OLIVEIRA, 1995). Assim,

não cabe nessa linha de raciocínio colocar “etiquetas” a priori nas cores ou em outros

elementos plásticos. Sabemos que, numa leitura padrão ou simbólica dos textos em uma

dada cultura, a cor branca significa “paz”, o preto “luto”. Entretanto, com o

semissimbolismo, os efeitos de sentido de cada cor ou forma, devem ser analisados na

construção própria de cada texto.

No nível narrativo é possível vislumbrar apenas o percurso do destinador-

julgador, a sanção. Fica implícito que o objeto-valor do sujeito presentificado por

Michel Temer é sair ileso de uma investigação, assim como o objeto-modal, elemento

necessário para entrar em conjunção com seu objeto-valor, são seus advogados, que

performam em prol de sua inocência. O resultado, entretanto, é uma sanção disfórica

para o sujeito, evidenciado a partir das frases “A prisão de Temer” e “É convincente a

conclusão ministerial de que Michel Temer é o líder da organização criminosa”.

No nível discursivo, todos os elementos verbais da capa estão encadeados por

haver neles ocorrência de isotopia temática, pois se recorreu ao uso das palavras

“prisão”, “juiz”, “STF”, “procuradores”, “delator” e “suspeita”, que fazem referência a

assuntos do judiciário. Esses termos são reforçados pelas frases “organização

criminosa” e “7ª Vara Federal Criminal”.

Os discursos da capa, além de tematizados, foram atados a pessoas, espaços e

datas. Os sujeitos estão, portanto, figurativizados pelos atores “Michel Temer”,

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“Marcelo Bretas” e “Luiz Fux”, mas apenas o primeiro recebe investimento figurativo

em nível exaustivo por meio de iconização fotográfica. Logo, a ancoragem imagética é

investida na chamada principal a fim de intensificar o efeito de ‘realidade’ por ela

produzida, relacionando-a com uma pessoa e um espaço. Contudo, isso não ocorre,

porque o espaço em que o sujeito Michel Temer está inserido é o de um carro preto com

a porta traseira semiaberta, em uma rua, um ambiente que não é o da prisão evocado na

chamada principal. O único elemento que pode ser associado ao ato da prisão é a figura

de um sujeito, cujo rosto não podemos ver na fotografia, empunhando, com um braço

musculoso e tatuado, uma arma de grande porte que repousa sobre seu ombro. Ainda

assim, não fica claro se esse sujeito escolta a pessoa de Michel Temer para a prisão ou

se zela pela segurança do ex-presidente. Dessa forma, o revestimento figurativo da

sanção negativa apresentada no nível narrativo produz um efeito de ambiguidade.

Ainda no nível discursivo, o tempo é o do presente, do imediato, da atualização,

característico da abordagem jornalística. Na capa ele é materializado por meio do uso

dos verbos “é” - duas vezes, “está”, “lança” e “Veja” – logotipo da capa. Além disso, o

tempo é datado: “27 de março de 2019”, informação que acompanha a assinatura e o

número da edição da revista acima do logotipo. Portanto, o efeito que a fotografia causa

junto ao texto verbal não é objetivo, isto é, o sentido produzido pela construção a partir

das escolhas dos textos (imagéticos e verbais) são passíveis da subjetividade do leitor.

A ancoragem para essa ambiguidade na interpretação se deve à apresentação de

outra matéria na parte superior da capa intitulada “O cerco ao STF”. A escolha da

palavra “ataque” contra o Supremo Tribunal Federal, na linha fina da matéria, somado à

citação direta da reportagem principal, alegando ser convincente a prisão do emedebista,

gera a interpretação de que ambas são frutos de uma perseguição injusta e um possível

risco contra a democracia.

A matéria "O cerco ao STF" é ancorada pela imagem ao lado esquerdo da

margem superior. Nela vemos uma estátua iconizando a justiça, circundada por uma

linha traçada por um serrote, mas mais que à justiça de modo geral, ela se refere à

justiça brasileira, pois assemelha-se à escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti,

localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília (DF). O serrote é a

materialização das ameaças e ataques contra a Corte e, aliado à linha que envolve a

estátua pela base, adquire o status de objeto sorrateiro, usado estrategicamente com o

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intuito de fazer o poder da justiça brasileira desmoronar pelos alicerces, mas não é

possível saber quem o empunha.

Na época em que ocorreu a prisão de Temer, contudo, os embates entre o STF e

procuradores da força tarefa da Lava-Jato estavam acirrados. Decisões vencidas pelo

STF, como a que instituiu o envio de crimes eleitorais e conexos à Justiça Eleitoral

(STF, 2019) chegaram a desagradar procuradores, pois interferiam no andamento da

Operação da Lava-Jato. Visando demonstrar sua força, após derrotas perante a Corte, a

Operação empreendeu esforços para prender Michel Temer e outras nove pessoas

suspeitas de envolvimento em crimes de corrupção. Encarado dessa forma, o cerco ao

STF perde mistério e passa a ser revestido por uma entidade, a força tarefa da Lava-

Jato. O jogo de forças antes implícito nas manchetes se torna, agora, evidente, e a

relação entre os diferentes elementos que compõem a capa muito mais forte e coesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho teve como objetivo analisar a construção discursiva das prisões

dos ex-presidentes Lula e Michel Temer nas capas da revista Veja. Contextualizamos os

fatos apresentados e analisamos os planos de conteúdo e de expressão das capas. Após

as análises, constatamos que houve abordagem diferenciada dos acontecimentos em

cada uma das edições. Na primeira capa se optou pela presentificação da prisão de Lula

por meio de uma ilustração, sem nenhum tipo de ancoragem em textos jornalísticos. A

capa apresenta poucos textos verbais e preza por uma composição minimalista. A

imagem fala por si e não necessita de textos de apoio para ser compreendida. A

mensagem transmitida é clara: Lula está preso. A identificação da revista enquanto uma

‘edição especial’ indica que o assunto tratado na capa merece uma atenção diferenciada

em relação a outras edições. A escolha em presentificar Lula isolado contrasta com a

ideia do líder popular rodeado por multidões. Não se usou uma foto de sua despedida ou

do momento exato em que se entregou à Polícia Federal, mas uma ilustração com ares

dramáticos.

Na segunda capa, por sua vez, foi escolhida uma fotografia para ilustrar a prisão

de Temer. Há muitos recursos de ancoragem, tais como títulos, linhas finas e citação e,

ainda assim, o efeito de sentido é ambíguo. A fotografia não remete a uma prisão

propriamente dita, tendo em vista a composição do cenário em que Temer está inserido.

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A mensagem do enunciador é, portanto, ambígua. E para além do conteúdo das capas, é

interessante notar que a nomeação de cada edição no site da Veja revela a preferência

em dar um enquadramento mais objetivo para um fato e mais opinativo para outro.

Enquanto o título da figura 1 é “O Corrupto Encarcerado”, a da figura 2 é “A prisão de

Temer”, ou seja, um é subjetivo e de caráter interpretativo e o outro factual. Dessa

forma, concluímos que o tratamento diferenciado decorre, em suma, de um fazer

jornalístico da revista Veja que não universaliza o método objetivo. O veículo elege os

fatos que merecem ou não ser narrados objetivamente, relativizando um princípio que

legitima a atividade jornalística. Em ambas as capas, contudo, faz uso do

enquadramento de interesse humano, focalizando a cobertura de indivíduos, aliado ao

enquadramento episódico, dando enfoque a eventos específicos do cenário político

brasileiro – a prisão de dois atores políticos.

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