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CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS GEOGRÁFICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA: UMA CONTRIBUIÇÃO A PARTIR DOS OBJETOS E MUSEUS NO PROJETO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO Viviane Melo Santos [email protected] UFS Karine dos Santos Sobral [email protected] UFS GT6: Educação: formação, ensino e prática docente. RESUMO A execução do Projeto de Estágio pode ser considerada uma das mais importantes experiências vividas pelos alunos da Educação Básica e pelos estudantes universitários do curso de licenciatura, pois é no processo de ensino-aprendizagem que os sujeitos expressam na prática todo o conhecimento acumulado e adquirido, além de ser um campo de atuação que possibilita o intercâmbio de saberes e experiências sociais. Visto isso, o trabalho que se segue objetiva relatar as experiências dos sujeitos do processo de ensino cujas práticas estão intrínsecas à execução do Projeto de Ensino. Memórias, objetos e museus assinalam enquanto conceitos necessários, sobremodo trabalhados no Ensino de Geografia, para a análise do conteúdo geográfico presente, bem como para construção de memórias geográficas tendo nas relações cotidianas, o ponto de partida. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Geografia; Estágio Supervisonado; Memórias Geográficas; Prática Docente. INTRODUÇÃO Entendemos que através do resgate da memória para construção no presente sobre um passado, aqui entendido como processo para se chegar ao conhecimento geográfico historicamente produzido e socialmente acumulado, porque “o conhecer é um processo social e histórico, não um fenômeno individual e natural” (CAVALCANT, 2005, p. 189). Embora a

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CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS GEOGRÁFICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA:

UMA CONTRIBUIÇÃO A PARTIR DOS OBJETOS E MUSEUS NO PROJETO DE

ESTÁGIO SUPERVISIONADO

Viviane Melo Santos

[email protected] – UFS

Karine dos Santos Sobral

[email protected] – UFS

GT6: Educação: formação, ensino e prática docente.

RESUMO

A execução do Projeto de Estágio pode ser considerada uma das mais importantes

experiências vividas pelos alunos da Educação Básica e pelos estudantes universitários do

curso de licenciatura, pois é no processo de ensino-aprendizagem que os sujeitos expressam

na prática todo o conhecimento acumulado e adquirido, além de ser um campo de atuação que

possibilita o intercâmbio de saberes e experiências sociais. Visto isso, o trabalho que se segue

objetiva relatar as experiências dos sujeitos do processo de ensino cujas práticas estão

intrínsecas à execução do Projeto de Ensino. Memórias, objetos e museus assinalam enquanto

conceitos necessários, sobremodo trabalhados no Ensino de Geografia, para a análise do

conteúdo geográfico presente, bem como para construção de memórias geográficas tendo nas

relações cotidianas, o ponto de partida.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Geografia; Estágio Supervisonado; Memórias

Geográficas; Prática Docente.

INTRODUÇÃO

Entendemos que através do resgate da memória para construção no presente sobre um

passado, aqui entendido como processo para se chegar ao conhecimento geográfico

historicamente produzido e socialmente acumulado, porque “o conhecer é um processo social

e histórico, não um fenômeno individual e natural” (CAVALCANT, 2005, p. 189). Embora a

relação entre Geografia e Museu seja pouco explorada no ensino, os espaços-lugares [museus]

falam ou ocultam o conteúdo geográfico através dos tempos e espaços, podendo ser um

instrumento dialógico viabilizador, amplamente utilizado como recurso na mediação do

ensino de geografia em interdisciplinaridade e diálogo íntimo com outras ciências (SANTOS,

2016, KUNZ, 2016).

Explicita-se, portanto, para os propósitos de compreensão deste trabalho, analisar a

contribuição das memórias geográficas, dos objetos e museus para o Ensino de Geografia,

compreendendo a importância da execução do Projeto de Estágio para a prática docente.

Assim, foi resultado da disciplina de Estágio Supervisionado em Ensino de Geografia III,

aplicado no Colégio Municipal Clara Meireles Teles, com os alunos do 8º ano B. Nessa

leitura, a aplicação do Projeto de Estágio pode ser considerada uma das mais importantes

experiências vividas pelos alunos da Educação Básica, bem como estudantes universitários do

curso de licenciatura, pois é no processo de ensino-aprendizagem que os sujeitos expressam

na prática todo o conhecimento acumulado e adquirido, além de ser um campo de atuação que

possibilita o intercâmbio de saberes e experiências sociais.

1. Relação entre Geografia, Memórias Geográficas, Objetos e Museus

Materializado no espaço geográfico, os objetos devem ser lidos para além de um

vestígio na paisagem que explica um acontecimento histórico e geográfico, já que “muito

antes da escrita, para transmitir a memória coletiva do grupo usavam desenhos [pinturas

rupestres] para representar eventos importantes e preservar o saber acumulado pela

experiência” (PANIZZA, 2014. p. 175). Assim, o espaço geográfico como resultado da junção

dos sistemas de objetos e ações, concede aos geógrafos entender o resultado das ações

humanas mediante a análise do presente sobre o passado” (SANTOS, 1997). Por isso,

relaciona-se com a memória, consequentemente com a ciência geográfica e devem ser lidos,

os objetos como formas de garantia da preservação de uma memória passada, na qual se

estabelece uma linguagem complexa composta de signos, sentimentos e símbolos

representativos de uma dada realidade, pois “o objeto se manifesta não por palavras mas pelo

que representa” (SANTOS, 2000, p. 18).

Numa proposta de ênfase dada a articulação necessária entre a Geografia e a Memória,

Braga (2009) defende estimular os sentimentos de pertencimento de um espaço ou de um

objeto correspondente a um período, problematizar a mutação desse espaço a partir da

memória a fim de resgatar as lembranças e significados físicos ou não, sem priorizar a

memorização pura do conteúdo. O museu enquanto instituição de poder corrobora para

criação de uma identidade nacional – cultura, memória, língua, ciência, relações comerciais,

raça, educação - atribuindo-lhe materialidade e força simbólica, que por vezes, esteve

fortemente ligada à formação dos Estados Nacionais, além de explicação sistemática e

científica do universo (CARVALHO E FUNARI, 2011).

Numa visão geográfica da importância social e educativa das instituições

museológicas, os objetos contidos nos museus se constituem numa ferramenta de leitura

espacial, ao passo que carregam um conteúdo geográfico e ideológico a ser explorado no

ensino como ferramenta pedagógica na construção do conhecimento, além disso conforme

Santos (2000), contribui para reconstrução, preservação e difusão da memória da sociedade.

Partindo das nossas vivências e da percepção dos sujeitos envolvidos no processo de

ensino-aprendizagem alunos/estagiárias/professores, bem como das leituras teóricas

acumuladas em nosso processo de formação docente, cujo objetivo é a aproximação da

Geografia com o nosso lugar, nosso espaço vivido, trabalhado na compreensão de Cavalcant

(2013) a importância dos saberes, experiências, significados que os alunos já trazem para a

sala de aula, incluindo, obviamente, os conceitos cotidianos.

Nessa linha de pensamento, o fazer geográfico docente toma como ponto norteador o

lugar experienciado enquanto possibilidade para o saber ensinar-aprender, tendo o aluno

como principal sujeito no processo de ensino crítico e questionador das relações sociais

(CARVALHO, 2013). Portanto, há uma necessidade de fazer um resgate às memórias

geográficas contidas nos elementos de pesquisas: objetos e museus, enquanto recursos

necessários à construção de memórias geográficas.

2. Passos que nortearam a aplicação do Projeto de Ensino

O processo para se alcançar a construção do conhecimento no transcorrer da execução

prática do Projeto de Ensino “Construção de Memórias Geográficas: Uma leitura a partir de

objetos e museus”, contribuiu para apurarmos nosso olhar geográfico sobre os objetos e

museus. É preciso adquirir consciência da complexidade da mediação pedagógica em

interação social, tendo o outro como uma referência para se chegar na compreensão dos

significados dos conceitos que devem ser apreendidos (CAVALCANT, 2005), observando a

diacronia nas transformações sociais ocorridas no passado, porém lidas no presente, pois

como aborda Panizza (2014) o tempo como mutabilidade demanda por transformações no

espaço geográfico.

Das leituras teóricas sobre o tema proposto, entendida aqui enquanto “indissociável da

prática” (PIMENTA E LIMA, 2008), em sala de aula ocorreu a execução do Projeto, através

de aulas e recursos didáticos1 para compreensão do tema, a sistematização dos resultados

obtidos pelos alunos a partir da aplicação de questionários2 sobre os objetos escolhidos pelos

alunos, envolvendo-os diretamente na elaboração do projeto de ensino em que os alunos

foram incentivados a participarem do projeto na condição de pesquisadores (SILVA, 2011).

Além disso, houve a necessidade de um trabalho de campo para o Museu Artístico e Histórico

“Antônio Nogueira”, localizado em Itabaiana/SE.

Compreendemos as relações espaciais e temporais, exercitamos a comparação e a

linguagem oral e escrita, em forma de um evento expositivo na própria sala de aula, no qual

dos 28 alunos, apenas 10 além das 4 estagiárias, expuseram as experiências e os saberes novos

sobre os objetos escolhidos. Portanto, o resultado da aplicação do projeto proporcionou novas

memórias, novos olhares sobre a história e cultura de uma sociedade, ilustradas nas relações

mediatizadas pelos símbolos que podem ser uma realidade material heterogênea de diversos

povos qualitativamente distintos e que une-se a uma ideia, um valor, um sentimento

(CAVALCANT, 2005; COSTA, 2017).

A iniciativa em dialogar com os objetos e museus em interdisciplinaridade com a

ciência geográfica, busca o reconhecimento de um saber geográfico crítico produzido

socialmente, sob a perspectiva da „Geografia Cultural‟ como base teórico-metodológica ao

conhecer partindo dos fatos históricos culturais e perceptíveis, que os temas abordados trazem

uma originalidade, que por vezes foram negligenciados (CLAVAL, 2012). “Preservar a

memória é um exercício de cidadania, no processo contínuo de construção e formação de

gerações, objetivando interagir o passado com o presente, visando projeção para o futuro”

1 Produzimos um material didático para os alunos sobre o conteúdo.

2 Os alunos receberam os questionários para responder as questões referentes aos objetos escolhidos por eles.

(CARVALHO, 2007, p.17). Isto porque, a memória fornece o entendimento de que “o

presente é efêmero e com ele não temos o recuo necessário para entender o ambiente passado”

(PANIZZA, 2014, p.136). Portanto, pode ser concebida na compreensão do espaço geográfico

quando questionada a capacidade que os alunos possuem em refletir sobre as mudanças como

uma possibilidade de reconhecimento das relações sociais apreendidas no cotidiano.

Conforme abordagem levantada por Fontana e Fávero (2013, p. 3, grifo nosso):

“[...] o docente como profissional reflexivo não atua como um mero

transmissor de conteúdos, mas, em sua interação com os alunos,

professores, e toda a comunidade escolar, é capaz de pensar sobre

sua prática, confrontando suas ações e aquilo que julga acreditar

como correto para sua atuação profissional com as consequências a

que elas conduzem. Dessa forma, fica evidente a necessidade de

adequar as teorias utilizadas em sala de aula com a realidade e a

necessidade dos educandos [...]”.

A noção espacial adquirira pelos alunos no processo de ensino-aprendizagem a partir

da leitura sobre as memórias geográficas, os objetos e museus volta-se para um fazer

pedagógico crítico-reflexivo dos conteúdos, cujas práticas são revistas para atender as

necessidades dos sujeitos envolvidos com o propósito de alcançar a aprendizagem

significativa, quando alunos/estagiários/professores se reconhecem na construção de

conhecimento.

3. Em sala de aula: onde o fazer pedagógico desafiou os limites

O propósito do primeiro contato com a turma consistiu em apresentar o projeto, as

possiblidades e desafios a serem encarados. Destacamos a pertinência do assunto enquanto

um tema pouco trabalhado no Ensino de Geografia. As aulas predominantemente

caracterizaram-se por serem expositivas e dialogadas com debates de cunho crítico-reflexivo.

Objetivou-se problematizar como os objetos, museus e memórias na perspectiva do cotidiano

para a construção do conhecimento geográfico. Para isso, iniciamos com uma sondagem sobre

as memórias geográficas contidas nos elementos de pesquisas, objetos e museus, para saber o

que os alunos entendiam sobre esses elementos. Entre eles, indagou-se: Quais as

características esse objeto apresenta? Quem pertence? Qual o conteúdo geográfico presente

nele? Para que serve/utilidade? O que ele revela sobre o clima, vegetação, a sociedade?

A partir daí os alunos começaram a opinar acerca dos elementos sociais e físicos que

permeiam os objetos, além de contribuírem com mais exemplos que eles possuíam em seu

cotidiano. Dessa maneira, os alunos mostraram-se interessados e participativos na discussão.

Embora a escola não ofereça a estrutura adequada – salas apertadas e minúsculas, corredores

estreitos, sem acessibilidade - para o desenvolvimento das práticas pedagógicas, a execução

das mesmas ocorreram de forma satisfatória, sobretudo porque fomos bem recebidos pela

equipe de direção, alunos e funcionários de apoio da escola.

4. Das experiências no Trabalho de Campo

Ficou evidente que os alunos gostaram da ideia de serem os pesquisadores, visto que

sentiram-se com autonomia e determinação na escolha dos respectivos objetos. Além disso,

quando anunciada a visita ao museu local, o ambiente foi tomado por certa euforia pelo fato

de que nenhum deles havia tido a oportunidade de conhecer, embora tenham faltado 6 dos 28

alunos. (FIGURAS 01 e 02):

Figura 01: Alunos observando os objetos no museu, 2017

Fonte: Viviane Melo Santos, Trabalho de Campo.

Figura 02: Alunos interagindo com a museóloga, 2017

Fonte: Viviane Melo Santos, Trabalho de Campo.

No museu, fomos recebidos por uma museóloga, a qual estabeleceu de acordo com

Galvão (2001, p.4), “a informação museológica relacionada ao processo comunicacional

efetivado pela disseminação [do discurso]”. Dito de outro modo, o diálogo e a comunicação

museológica sobre a história dos objetos, em relação com a história local, do próprio

munícipio de Itabaiana, porém abrangeu-se para as escalas nacional e global. Fora solicitado

desde o primeiro encontro que os alunos começassem a pensar num objeto – a visita ao museu

contribui para escolha - o qual lhe remetesse alguma memória passada, pois eles trariam para

exposição e falar sobre o mesmo, partindo de um questionário que auxiliou na pesquisa sobre

este objeto. Assim, foi disponibilizado um ônibus da prefeitura, para efetivação do Trabalho

de Campo para o Museu Municipal de Itabaiana/SE - “Antonio Nogueira”, observar os

objetos contidos, bem como sua importância e contribuição para a construção do

conhecimento geográfico, a partir de suas respectivas memórias.

5. Socialização dos saberes geográficos sobre os objetos

Após a visita, realizamos um debate em sala, sobre as experiências adquiridas por eles.

Essa foi uma experiência legal, porque o museu não guarda apenas coisas „velhas‟, como

também objetos interessantes (informação verbal)3. Percebe-se com esse relato os conceitos

de „velho‟, „moderno‟, „antigo‟ remontando algo que não possui valor. Entretanto, com a

visita ao museu acaba sendo desconstruída essa ideia. Portanto, é reconhecida a importância

de preservar esse „velho‟. Na apresentação sobre as informações geográficas contidas nos

objetos, somente 10 dos 28 alunos apresentaram seus textos e expuseram os objetos.

(FIGURAS 03 e 04):

Figura 03: Apresentação dos textos e exposição dos objetos, 2017

Fonte: Viviane Melo Santos.

3 Relato do aluno A. na sala de aula sobre o Trabalho de Campo ao Museu “Antônio Nogueira”, em

Itabaiana/SE, em abril de 2017.

Figura 04: Objetos em exposição, 2017

Fonte: Viviane Melo Santos.

Em sala, pedimos a turma para formarem um círculo, e os que apresentariam, ficassem

no meio, para expressarem-se à vontade. Foi bem produtivo, principalmente por parte dos que

expuseram as memórias e o conteúdo geográfico contido nos objetos. Dentre as

apresentações, destacaram os depoimentos sobre o sentimento de pertencimento, valor e

apego que os objetos carregam, pois revelam as particularidades daqueles que os preservam.

Entre eles, os familiares próximos como os avós e pais foram em unanimidade, os

entrevistados. Descrições dos depoimentos dos alunos:

_ Esta cabaça pertenceu ao meu avô. Ele utilizava quando saía de casa para

trabalhar na roça. Ela era usada para colocar água, nos momentos que ele sentia sede. Meu

avô deu para o meu pai. Ele [avô] morreu faz 23 anos. E meu pai ainda guarda (informação

verbal)4.

_ “Este açucareiro de porcelana pertence a minha vó. Faz parte do enxoval do

casamento. Naquela época, a família que possuía um objeto como esse era conhecida por ter

„posses‟ ou „condições financeiras‟. Ele é feito de porcelana, um material raro para o tempo

dela” (informação verbal)5.

4 Relato do aluno V. na sala de aula sobre o objeto pesquisado, em Itabaiana/SE, abril de 2017.

5 Relato da aluna A. sobre o objeto pesquisado, em Itabaiana/SE, abril de 2017.

_ “Escolhi um pano feito de crochê. Esse pano foi feito artesanalmente pela minha tia

para enfeitar os móveis da casa. Ele é feito de algodão” (informação verbal)6.

_ “Trouxe esse chapéu de couro. Ele pertence ao meu avô. É feito do couro do gado, e

sua função serve para proteger a cabeça do sol, os olhos e o rosto dos espinhos das árvores,

quando ele ia pra „pega de boi no mato‟7. Essa é uma atividade comum aqui na região”

(informação verbal)8.

_ “Essa cédula e moeda são de um amigo meu. Elas representam a riqueza do nosso

país. É utilizada pelas pessoas para comprar alimentos e outras coisas. É fabricada de papel

que vem das árvores e de prata um mineral retirado do subsolo” (informação verbal)9.

Essas descrições revelam conteúdos geográficos a serem problematizados, como os

materiais que são feitos tais objetos, muitos deles utilizam-se de matérias primas com pouco

valor agregado no processo de transformação, ou seja, recursos minerais extraídos muitas

vezes por trabalhadores explorados sob condições precárias de trabalho nas minas, como por

exemplo a argila na fabricação da moringa, a prata na fabricação das moedas, as árvores na

fabricação das cédulas, em que as florestas nativas são desmatadas para dar espaço ao

eucalipto, a lã utilizada na confecção do pano de crochê, o qual trazia a resistência da cultura

através do artesanato. Sobre a moringa exposta, discutimos sobre esse recurso frequentemente

utilizado em nossas casas para armazenar água. Recentemente, está perdendo espaço para os

conhecidos „vasos de refrigerantes‟, „garrafas estrangeiras personalizadas‟ e filtros modernos.

Entretanto, ainda resistem como fora levantado pelos alunos.

Foram expostos ainda, imagens reveladas de uma antiga máquina de costura, disco de

vinil - nessa apresentação, foi abordado o gosto musical que o pai de um aluno em ouvir as

músicas do rei Roberto Carlos. Essa discussão em especial, nos levou a questionar sobre

alguns estilos musicais e cantores que foram exilados no contexto da Ditadura Militar porque

foram reprimidos em expor seus ideais. Enfim, foram criativos e atingiram o objetivo

esperado. E o mais importante, é que além de reconhecerem os valores dos objetos, sejam

sentimentais ou culturais, perceberam a relação com a Geografia.

6 Relato da aluna M. sobre o objeto pesquisado, em Itabaiana/SE, abril de 2017.

7 Expressão utilizada pelos vaqueiros quando estavam montados em um cavalo para laçar o boi. Essa

atividade ainda ocorre aqui em nossa região do Agreste e Sertão de Sergipe, nas matas da nossa caatinga. 8 Relato da aluna G. na sala sobre o objeto pesquisado, em Itabaiana/SE, abril de 2017.

9 Relato do aluno B. sobre o objeto pesquisado, em Itabaiana/SE, abril de 2017.

Travado o debate entre o „antigo‟ e o „moderno‟ que perfez nas apresentações

contribuiu para a conscientização de que não devemos sentir sentimentos de „vergonha‟,

„estranhamento‟ ou „desprezo‟ de um objeto que possuímos, que, mediante os discursos da

modernidade “perde valor” “deve se jogar fora porque é velho” para dar lugar a um “objeto da

atualidade, sustentável”. Sendo que, o que está oculto é a ideologia da sustentabilidade

irradiada pelos grupos financeiros com o propósito de aumentar a produção de mercadorias no

processo mundial de reprodução e acumulação capitalista, sem a preocupação com a

destruição da natureza e de comunidades tradicionais.

Portanto, nesse contexto Neoliberal, resulta da total transformação da natureza em

mercadoria necessária, apropriada pelo discurso sustentável como alternativa ao crescimento

econômico (CONCEIÇÃO, 2013; HARVEY, 2004). Trata-se portanto, de uma opção política

ou consenso determinados pelos países centrais aos países de economias subdesenvolvidas,

que ainda possuem alguma reserva natural, para o estabelecimento de fronteiras da soja, do

eucalipto, mineração, transgênicos, materializadas no espaço geográfico, principalmente

Latino Americano e Africano (MARTINEZ ALIER, 2014; SVAMPA, 2016).

6. Conclusão

Lembrar que, a Geografia não pode ser compreendida sem o espaço cotidiano

convalida para valorizar os saberes locais de um grupo ou sociedade, que historicamente

construíram de diversas formas as bases e elementos de interpretação de seus modos de vida.

Assim, o conhecimento geográfico está contido nos objetos, por sua vez nas instituições

museológicas, servindo para compreensão da realidade vivenciada, organizada, apropriada e

produzida socialmente pelos seres humanos em intermédio do trabalho.

A possibilidade de aprender a ler, aprendendo a ler o mundo; e escrever, aprendendo a

escrever o mundo, resgata na leitura de Callai (2005), o que estamos tentando demonstrar

neste trabalho, que, os museus constituem uma parte de leitura e compreensão desse mundo,

contendo também as paisagens, na medida que, estabelecem “ricos diálogos sobre as

construções dos espaços, dos lugares, dos territórios e, principalmente, da cultura de cada

tempo” (KARPINSKI, 2011, p. 26).

Em outros termos, como laboratórios vivos na construção do conhecimento,

consubstanciado na existência dos tempos que convergem para uma análise da identidade e

pertencimento, em contribuição para valorizar a memória geográfica, seja de um indivíduo,

grupo ou sociedade. Por isso, pretendeu-se ir além da Geografia Tradicional, entendida pela

enumeração de dados geográficos, espaços fragmentados, ao levantar questões desconexas,

isolando a realidade complexa, em vez de construir a ideia de espaço na sua dimensão

cultural, econômica, ambiental e social no contexto geográfico que é o mundo da vida

(CALLAI, 2011; CASTELLAR, 2005).

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