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1 Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do capitalismo Atenágoras Oliveira Duarte * RESUMO O propósito deste artigo é tratar da validade da contribuição da teoria de Marx para a análise da atual crise econômica internacional. Na primeira parte do artigo busca-se a apresentação dos principais indicadores sociais e macroeconômicos que indicam as circunstâncias históricas mais gerais da crise. Em seguida são consideradas algumas dimensões cruciais da teoria do valor de Marx. Busca-se mostrar a inexistência de um problema da transformação de valor-trabalho em preço de produção, a partir de uma abordagem centrada no método marxista de investigação. A lei de tendência à queda da taxa média de lucro, por sua vez, é analisada a partir de uma abordagem segundo a qual a realidade é constituída por tendências e contratendências cuja interação permite resultados distintos, a cada momento histórico. Neste sentido, o próprio Marx enuncia o que ele considerou serem as seis causas contrariantes mais genéricas da tendência à queda da taxa de lucro, admitindo, portanto, outros processos historicamente mais específicos. O artigo buscará mostrar que o processo de financeirização funcionou como uma causa contrariante à queda da taxa média de lucro, mas dentro de um processo contraditório de enfraquecimento da capacidade produtiva e de consequente crise econômica. Considera-se ainda que o processo de financeirização incorpora outra dimensão da teoria do valor de Marx, que se constitui em sua própria negação (ao menos no formato apresentado no livro I de “O Capital”), a partir de uma “desmedida” do valor decorrente do avanço científico e tecnológico. A parte final do artigo destina-se a interpretar a atual crise do capitalismo a partir das dimensões teóricas anteriormente expostas. PALAVRAS-CHAVES: Teoria do Valor, Tendência à Queda da Taxa de Lucro, Capital Fictício, Financeirização, Crise Econômica Internacional, Capitalismo. * Professor de Economia do Centro Acadêmico do Agreste UFPE.

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Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do capitalismo

Atenágoras Oliveira Duarte *

RESUMO

O propósito deste artigo é tratar da validade da contribuição da teoria de Marx para a

análise da atual crise econômica internacional. Na primeira parte do artigo busca-se a

apresentação dos principais indicadores sociais e macroeconômicos que indicam as

circunstâncias históricas mais gerais da crise. Em seguida são consideradas algumas

dimensões cruciais da teoria do valor de Marx. Busca-se mostrar a inexistência de um

problema da transformação de valor-trabalho em preço de produção, a partir de uma

abordagem centrada no método marxista de investigação. A lei de tendência à queda da

taxa média de lucro, por sua vez, é analisada a partir de uma abordagem segundo a qual

a realidade é constituída por tendências e contratendências cuja interação permite

resultados distintos, a cada momento histórico. Neste sentido, o próprio Marx enuncia o

que ele considerou serem as seis causas contrariantes mais genéricas da tendência à

queda da taxa de lucro, admitindo, portanto, outros processos historicamente mais

específicos. O artigo buscará mostrar que o processo de financeirização funcionou como

uma causa contrariante à queda da taxa média de lucro, mas dentro de um processo

contraditório de enfraquecimento da capacidade produtiva e de consequente crise

econômica. Considera-se ainda que o processo de financeirização incorpora outra

dimensão da teoria do valor de Marx, que se constitui em sua própria negação (ao

menos no formato apresentado no livro I de “O Capital”), a partir de uma “desmedida”

do valor decorrente do avanço científico e tecnológico. A parte final do artigo destina-se

a interpretar a atual crise do capitalismo a partir das dimensões teóricas anteriormente

expostas.

PALAVRAS-CHAVES: Teoria do Valor, Tendência à Queda da Taxa de Lucro, Capital

Fictício, Financeirização, Crise Econômica Internacional, Capitalismo.

* Professor de Economia do Centro Acadêmico do Agreste – UFPE.

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Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do capitalismo

Atenágoras Oliveira Duarte

1. A crise internacional de 2008

Em 15 de setembro de 2008 era anunciada a falência do Lehman Brothers,

quarto maior banco de investimentos dos EUA. Deflagra-se a maior crise financeira

internacional desde a Grande Depressão dos anos 30.

A atual crise financeira internacional tem seu início predominantemente

marcado em agosto de 2007, quando o Banco francês BNP Paribas congelou o resgate

de cerca de 2 bilhões de euros de fundos sob sua administração, alegando identificar um

risco relevante nos pagamentos de crédito “subprime” nos EUA. O resultado desta

medida foi a propagação de uma reação de pânico no mercado imobiliário dos EUA, ao

ponto da empresa American Home Mortgage (AHM), uma das 10 maiores empresas do

setor de crédito imobiliário e hipotecas, pedir concordata. A crise no setor seguiu uma

trajetória de piora gradativa, até que em março de 2008 o quinto maior banco de

investimentos dos EUA, o Bear Stearns, estava na iminência da falência. Nesta ocasião

o FED optou por estender uma linha de crédito de US$ 30 bilhões ao banco JP Morgan

Chase para que este adquirisse o Bear Stearns. Em julho de 2008 foi a vez das empresas

de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac, responsáveis por carteiras de ativos da ordem

de US$ 5 trilhões, darem sinais de iminência de falência. O Tesouro dos EUA interviu

neste processo, oferecendo, entre outras ações, uma injeção de liquidez da ordem de

US$ 200 bilhões. Em setembro de 2008, frente às sinalizações de risco oriundas do

mercado financeiro, o governo dos EUA optou por estatizar as empresas Fannie Mae e

Freddie Mac.

Quando a iminência de falência atingiu o banco Lehman Brothers, quarto

maior banco de investimentos dos EUA, contudo, o governo dos EUA optou por não

intervir, e permitir a quebra desta instituição. Logo na sequência do anúncio da falência

do banco Lehman Brothers, o governo dos EUA anuncia um empréstimo de US$ 85

bilhões à maior empresa de seguros dos EUA, a American Interegional Group (AIG),

que se converte na aquisição de cerca de 80% das ações da empresa. Esta medida não

impede o alastramento do pânico no mercado financeiro internacional, de maneira que a

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magnitude da crise, a partir da falência do banco Lehman Brothers, atinge a escala de

maior crise internacional desde o Crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.1

Um dos efeitos da crise internacional foi o amplo questionamento ao

pensamento econômico hegemônico que não só não a previu, como só a admitiu quando

ela estava em pleno curso.2 Por decorrência, correntes do pensamento econômico

heterodoxo que privilegiam o estudo das crises do capitalismo voltaram a ganhar

destaque, especialmente o legado teórico de Marx.

A comprovação da validade do legado de Marx para a análise da atual crise

internacional, contudo, remete às mais famosas controvérsias sobre algumas de suas

teses. No caso de serem efetivas as inconsistências alegadas a conceitos fundamentais

de sua obra, faria pouco sentido o uso da teoria de Marx como ferramenta de

compreensão da crise atual, podendo, no máximo, servir de provocação pontual para

pesquisas a partir de outros instrumentos teóricos. Para demonstrar que é legítima a

interpretação segundo a qual não existiriam tais inconsistências, a próxima seção é

destinada a defender a validade da teoria do valor e da lei de tendência à queda da taxa

de lucro, acrescentando ainda a importância do conceito de capital fictício.

2. Principais recursos da obra de Marx para análise da crise

2.1 Teoria do valor trabalho e a questão da transformação de valores em preços

Segundo a teoria valor trabalho de Marx, em síntese, o valor (enquanto

percepção social de importância) das mercadorias possui base objetiva, e esta base é a

quantidade de trabalho socialmente necessário incorporado em cada mercadoria.

O debate sobre a validade da teoria do valor-trabalho de Marx acabou por se

concentrar no chamado “problema da transformação de valores em preços de

produção”. É fácil encontrar significativa literatura sobre o assunto. Um dos trabalhos

que procuram organizar as diversas posições em agrupamentos semelhantes é o de

1 Descrição do processo baseada em Borça Jr & Torres Filho (2008), Borça Jr (2008), Carcanholo, Pinto,

Filgueiras & Gonçalves (2008). 2 Pelo menos dois casos podem ser citados. Em 20/04/2003 a Folha de São Paulo publica uma entrevista

com o historiador econômico Robert Brenner, sobre o lançamento de seu livro ''O boom e a bolha: os

Estados Unidos na economia mundial''. Na entrevista o pesquisador destaca que a bolha no mercado

imobiliário dos EUA estaria “perto de estourar”, com graves consequências para a economia dos EUA.

Um segundo caso, mais famoso, é o do economista Nouriel Roubini, que em 2006 defende a iminência e

a gravidade da crise internacional a partir dos EUA no auditório do FMI, tendo suas previsões

ridicularizadas na ocasião (conforme artigo obtido em http://www.hsm.com.br/artigos/nouriel-roubini-de-

louco-profeta).

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Guerrero (2000), que considera que o debate poderia ser definido em torno de quatro

posições:

1. A que considera a teoria correta e acabada, de maneira que suas re-

interpretações são tidas, pelos adeptos desta posição, como uma conversão a

uma teoria distinta;

2. A que considera a teoria incorreta, fundamentalmente em seu desenvolvimento

formal e lógico, mas passível de correção, desde que reformuladas algumas

conclusões obtidas pelo próprio Marx. Constitui-se no grupo majoritário dentro

do debate;

3. A que considera a teoria correta, mas inacabada, considerando ainda que o

desenvolvimento desta teoria deve incorporar algumas das contribuições “de los

críticos y modificar algunos aspectos concretos de las conclusiones de Marx

que, sin embargo, no hacen incorrecto el contenido de su teoría” (GUERRERO,

2000, cap.2, p.41)

4. A quarta posição seria uma variante da posição 3, sendo a posição adotada pelo

próprio Guerrero:

A mi juicio, de ese punto muerto sólo se puede salir añadiendo nuevos

elementos para completar la teoría de Marx; elementos que, a diferencia

de lo que ocurre en la posición 2, no sustituyen la teoría de Marx por

teorías opuestas, ni la subsumen en otra superior, sino que se incorporan

al cuerpo teórico y conceptual marxiano por absorción activa de éste, es

decir, quedando subsumidos ellos en el interior de la teoría que

consideramos superior, que es la que procede de Marx. (GUERRERO,

2000, cap. 2, p.41)

Na medida em que se demonstre que a “transformação de valores em preços de

produção” está de acordo com a metodologia de Marx e apresenta coerência e

consistência em sua formulação, ou seja, que a teoria está correta (ainda que não

necessariamente devidamente explicitada), não haveria necessidade, para os propósitos

deste artigo, de investigar outras posições. Pelo apanhado de obras investigadas,3

destaco dois argumentos fundamentais (embora não explicitamente abordados em todas

as obras citadas, constituem-se em argumentos compatíveis, no essencial, com a lógica

desenvolvida):

a) Não existe problema de transformação de valores em preços de

produção porque este último conceito, nos marcos da obra de Marx, não se

3 Carcanholo (1996), Paula (1996), Gontijo (1989).

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constitui, de fato, em preço, mas sim em um valor modificado.4 Por preço de

produção, Marx estaria considerando a parcela de valor apropriado por cada

capitalista, em horas trabalhadas, e não em preço do custo de produção no

sentido tradicional, que precisa incorporar as taxas de lucro das mercadorias que

compõem este custo de produção – no caso do custo com os trabalhadores, as

taxas de lucros incorporadas no preço da cesta de bens-salários.

b) O propósito fundamental de Marx não foi encontrar posições de

equilíbrio que mensurassem as quantidades das variáveis envolvidas, mas

identificar, logicamente, a dinâmica do processo através do qual a essência (a

formação do valor) iria se manifestar em sua aparência (a formação dos preços).5

A existência de contradições neste processo de transformação é da própria

essência da diferença entre essência e aparência da realidade, manifestando-se

enquanto processo de interações sociais, e não enquanto condição de equilíbrio

pré-estabelecido do sistema.6

O desenvolvimento deste conceito em Marx passa por um momento de maior

simplificação, no qual o trabalho complexo constitui-se em um múltiplo do trabalho

simples, de maneira que a maior complexidade do trabalho não atrapalha a cristalização

4 “Para Marx, como vimos, o preço de produção não é mais que um valor modificado, ou melhor, a

magnitude do valor apropriável por cada capital ou por cada setor de produção, se certo critério de

distribuição da mais-valia entre os capitais ocorrer: a uniformidade da taxa de lucro. A grandeza do valor

indica a magnitude da riqueza capitalista produzida em cada setor; a grandeza do preço de produção

mostra a quantidade apropriável, atendido o critério anterior. É por isso que podemos comparar a

magnitude do valor com a do preço de produção: este pode ser igual, maior ou menor que aquele. [...]

Coloquemo-nos um pouco na pele do preço de produção, tal como Marx o concebeu. O autor teria

cometido a infelicidade de chamá-lo preço de produção. Na verdade, trata-se de um valor transformado;

um valor que representa a riqueza apropriada pelo produtor de cada mercadoria, na venda, em condições

de existência de taxa de lucro uniforme, isto é, em condições de equilíbrio dado o não monopólio. A

infelicidade consistiria em não pensar que seus críticos, frente ao conceito de preço de produção, fixar-se-

íam menos no seu real conteúdo que na palavra preço.” (CARCANHOLO, 1996, p. 13 e 14) 5 “Pretende-se apresentar aqui um argumento, que busca apresentar o problema, a partir do que é

rigorosamente fundamental em Marx que é a centralidade da dialética como método e como ontologia.

Isto é, enfrentar a questão não mais no plano da afirmação da identidade, nos marcos de uma perspectiva

de equilíbrio geral, mas no terreno em que a contradição é o móvel e o conteúdo do processo de

determinação dos preços no regime capitalista. Significa, enfim, dizer que não há um “problema de

transformação” senão que uma dialética entre valores e preços” (PAULA, 1996, p. 24) 6 “Na verdade o processo de determinação dos preços resulta de uma série sistemática de interpelações

alternadas entre o plano de produção e da circulação, entre valores e preços. O processo inicia-se com um

conjunto de preços dados – o preço do capital constante; os salários; os juros; o aluguel; o lucro esperado

– é a avaliação destes preços que determinará a forma de produção. Neste sentido quando os capitalistas

iniciam o processo de produção estão cientes do conjunto de preços relevantes e só tomam a atitude de

produzir porque avaliam viável o negócio dados aqueles preços. O que é, então, incógnita neste processo,

que se inicia com o conhecimento, pelo produtor, das condições de mercado? São incógnitas neste

processo os elementos mesmo da concorrência: as modalidades concretas de extração da mais valia

operadas pelos outros capitalistas, a dinâmica do progresso tecnológico; a “politização” dos preços

decorrente da ação do Estado; a entrada de novos capitalistas no ramo de produção considerado; as

modificações no gosto e na preferência dos consumidores [...]” (PAULA, 1996, p. 25 e 26).

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de um valor social dado ao trabalho, em função da quantidade de horas socialmente

necessárias para sua realização – este momento investigativo é observado no livro I de

“O Capital”. Mas o método de Marx é agregativo, ou seja, parte do simples para o

complexo, de um menor número de variáveis para um maior número de variáveis, da

separação das variáveis para exame a parte até a integração das variáveis em processos

crescentemente complexos. No livro III de “O Capital” Marx tem condições de avaliar a

trajetória logicamente resultante de suas considerações anteriores. Se o sistema

capitalista constitui-se em fonte gerador de inovações tecnológicas enquanto

necessidade para a continuidade da acumulação de capital, se a inovação tecnológica é a

arma com a qual se enfrenta a concorrência, se é o principal instrumento para se fazer

frente à tendência à queda da taxa de lucros (tendência que será examinada adiante),

então a tendência é que o progresso tecnológico no capitalismo seja acelerado e

contínuo (ainda que não linear). O resultado lógico é o aumento da complexidade do

trabalho, a crescente incorporação da ciência ao processo produtivo, ampliando a

presença do trabalho complexo frente ao trabalho simples. Nos termos de Marx:

A troca de trabalho vivo por trabalho objetivado, ou seja, a posição do

trabalho social na forma de contradição entre o capital e o trabalho

assalariado, é o último desenvolvimento da relação de valor e da

produção baseada no valor. O pressuposto dessa produção é, e segue

sendo, a massa de tempo de trabalho imediato, a quantidade de trabalho

empregada como fator determinante na produção de riquezas. Todavia, à

medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real

torna-se menos dependente do tempo de trabalho e da quantidade de

trabalho empregada, passando a depender mais da capacidade conjunta

dos agentes postos em ação durante o tempo de trabalho, capacidade cuja

eficácia (...) não mantém nenhuma relação com o tempo de trabalho

imediato que sua produção exige; depende do estado geral da ciência e

do progresso técnico, ou da aplicação da ciência à produção.

[...] Nessa transformação, o que aparece como pilares fundamentais da

produção e da riqueza não são nem o trabalho imediato executado pelo

homem nem o tempo em que este trabalha, mas sim sua força produtiva

geral, sua compreensão da natureza e seu domínio sobre ela graças à sua

existência como corpo social; em uma palavra, o desenvolvimento do

indivíduo social.(MARX, 1973, p. 704-705, apud PRADO, 2005, p. 83)

Desenvolvendo considerações sobre estas formulações de Marx, Prado (2005)

observa que:

[...] as diminuições do tempo de trabalho deixaram de ser um objetivo sempre

dominante na produção da riqueza. O que, então, tornou-se importante para o

crescimento da força produtiva do trabalho foram as determinações qualitativas

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que informam o próprio trabalho e que advêm do progresso da ciência e da

tecnologia. O próprio tempo de trabalho perde relevância em relação ao tempo

fora do trabalho porque é aí que o trabalhador ganha as determinações

qualitativas que se tornam cruciais para o aumento da produtividade. Dito de

outro modo, o trabalho complexo – que agora é tecno-científico -, enquanto

gerador de valores de uso, não pode mais ser medido apenas pelo tempo de um

modo economicamente significativo. (PRADO, 2005, p. 85)

Além da origem da contribuição para a qualificação do trabalho ficar mais

indefinida (pois, em que espaço e em que tempo cada contribuição qualitativa foi

formada, fora do trabalho imediato, para ser incorporada posteriormente, dentro do

trabalho?), a própria dinâmica da geração e desenvolvimento do conhecimento

científico constitui-se em fonte de indeterminação. A ciência constitui-se em um

conjunto de certezas relativas e temporárias. A incorporação da ciência ao processo

produtivo não apenas incorpora conhecimentos já bastante consolidados na sociedade,

mas também incorpora as incertezas relacionadas a cada um destes conhecimentos.

Quanto mais a ciência é incorporada no processo produtivo, mais complexo se torna

tanto a avaliação do esforço social empreendido para o seu uso, quanto o entendimento

em relação “ao que virá”. Um trabalho complexo envolve um grau de incerteza maior

que um trabalho simples, de maneira que a definição de seu valor, pela sociedade,

adquire a complexidade de seu conteúdo cognitivo. Em um sistema econômico que

estabelece a apropriação do valor presente pela perspectiva do valor a ser gerado no

futuro – e este ponto será visto adiante –, a indeterminação da trajetória do produto

fortalece o desregramento de sua medida de valor.

2.2 Tendência à queda da taxa de lucro

O conceito marxista de tendência à queda na taxa de lucro constitui-se em uma

categoria com um histórico de grande polêmica. A teoria de Marx pode ser apresentada

a partir da definição da taxa de lucro enquanto função da mais valia (m) e do capital

total empregado, decompondo-se este em capital constante (c) e capital variável (v),

para salário e jornada de trabalho dados:

l = m/(c + v)

A tendência da queda da taxa de lucro decorre diretamente da tendência ao

aumento da composição orgânica do capital (do capital constante crescer mais que o

capital variável), do predomínio da extração da mais-valia relativa (pelo incremento das

inovações tecnológicas) e do processo de acumulação de capital. Se a equação acima for

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dividida, no numerador e no denominador pelo capital variável (procedimento não

realizado por Marx), a taxa de mais valia (m/v) e a composição orgânica do capital (c/v)

ficam explícitas na equação:

l = (m/v)/[(c/v)+1]

Nas palavras de Marx:

Com o desenvolvimento da força produtiva e a composição superior do

capital, que lhe corresponde, põem um quantum cada vez maior de meios

de produção em movimento por um quantum cada vez menor de

trabalho, cada parte alíquota do produto global, cada mercadoria

individual ou cada medida individual determinada de mercadoria da

massa global produzida absorve menos trabalho vivo e, além disso,

contém menos trabalho objetivado, tanto na depreciação do capital fixo

empregado quanto nas matérias-primas e auxiliares utilizadas. Cada

mercadoria individual contém, portanto, uma soma menor de trabalho

objetivado nos meios de produção e de trabalho novo agregado durante a

produção. Por isso cai o preço da mercadoria individual. (MARX, 1983,

pág. 172 e 173)

Na apresentação de sua teoria, Marx considera de imediato o cenário de

aumento da taxa de mais-valia, mas procura demonstrar que este eventual aumento não

pode conter a tendência à queda da taxa de lucro, por si só. Marx apresenta a “Lei da

queda tendencial da taxa de lucro” (que corresponde a seção III do livro III de “O

Capital”) em mais de um capítulo, tratando no capítulo XIII de “A Lei enquanto tal”, e

no capítulo XIV de “Causas Contrariantes”. Neste último capítulo, Marx inicia com as

seguintes considerações:

Se se considera o enorme desenvolvimento das forças produtivas do

trabalho social, ainda que somente nos últimos 30 anos, em comparação

com todos os períodos anteriores, se se considera a saber a enorme massa

de capital fixo que, além da maquinaria propriamente dita, entra no

conjunto do processo de produção social, então, no lugar da dificuldade

que até agora ocupou os economistas, isto é, explicar a queda da taxa de

lucro, aparece a dificuldade inversa, ou seja, explicar por que essa queda

não é maior ou mais rápida. Deve haver influências contrariantes em

jogo, que cruzam e superam os efeitos da lei geral, dando-lhe apenas

o caráter de uma tendência, motivo pelo qual também designamos a

queda da taxa geral de lucro como uma queda tendencial. As mais

genéricas dessas causas são as seguintes [...]. (MARX, 1983, pág. 177,

grifos meus)

Este é um dos trechos da obra de Marx em que seu método de pesquisa fica

mais destacado, no qual fica explícito e inequívoco que Marx não trabalhava com “leis”

sociais deterministas, mas sim com o conceito de ‘resultante de forças’, processo pelo

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qual tendências podem, ou não, ser anuladas por contratendências, enquanto processos

sociais antagônicos. Observe-se que Marx enfatiza que a queda da taxa de lucro

constitui-se em uma tendência, não em um processo determinado, certo de ocorrer. Já

nas causas contrariantes, Marx observa apenas aquelas que lhes parecem mais

genéricas, admitindo de imediato a possibilidade de outras causas mais específicas de

cada processo de recuperação ou de não redução das taxas de lucros (entre as quais

poderíamos citar a intervenção estatal e a financeirização da economia).

Nos termos de Marx, as causas contrariantes mais genéricas da tendência à

queda da taxa de lucro seriam:

I. Elevação do grau de exploração do trabalho

II. Compressão do salário abaixo de seu valor

III. Barateamento dos elementos do capital constante

IV. Superpopulação relativa

V. Comércio exterior

VI. Aumento do capital por ações

Na sequência da seção III, Marx vai explorar os “Desdobramentos das

contradições internas da lei”, em mais um momento de sua obra em que se destaca a

perspectiva filosófica de seu método, ou seja, a percepção da realidade enquanto

constituída por contradições que estabelecem sua dinâmica e sua transformação. Deste

capítulo XV, entretanto, não se pretende explorar o conjunto do desenvolvimento destas

contradições, mas apenas enfatizar um trecho a ser resgatado mais adiante:

Nenhum capitalista emprega um novo método de produção, por mais

produtivo que seja ou por mais que aumente a taxa de mais-valia, por

livre e espontânea vontade, tão logo ele reduza a taxa de lucro. Mas cada

um desses novos métodos de produção barateia as mercadorias. Ele as

vende, portanto, originalmente acima de seu preço de produção, talvez

acima de seu valor. Embolsa a diferença entre seus custos de produção e

o preço de mercado das demais mercadorias, produzidas a custos de

produção mais elevados. Pode fazê-lo porque a média do tempo de

trabalho socialmente exigido para a produção dessas mercadorias é maior

do que o tempo de trabalho exigido pelo novo método de produção. Seu

procedimento de produção está acima da média do social. Mas a

concorrência generaliza-o e submete-o à lei geral. Então se inicia o

descenso da taxa de lucro – talvez primeiro nessa esfera de produção, e

depois se equaliza com as outras –, o que é totalmente independente da

vontade dos capitalistas. (MARX, 1983, pág. 198)

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O histórico de debates acerca do tema é extenso, de maneira que ficaremos

apenas com uma obra panorâmica do debate estritamente teórico e com uma obra crítica

mais recente. Este recurso parece válido porque o propósito deste trecho não é

apresentar uma ampla resenha do assunto, mas tão somente apresentar exemplos de

contestação às categorias de Marx para demonstrar como o aspecto metodológico pode

ser crucial para a incompreensão de sua obra.

A obra panorâmica escolhida foi Carcanholo (1997), que serve de inspiração

para uma separação (não adotada explicitamente pelo referido autor) dos tipos de

questionamento à teoria da tendência à queda da taxa de lucro:

- Baseados no conjunto dos fundamentos teóricos e metodológicos:

Corresponde, basicamente, à rejeição da obra de Marx por parte da ortodoxia

econômica, centrada na tradição neoclássica. Para estes, como já foi observado, não há

como se estabelecer um debate razoável visto que seus próprios fundamentos envolvem

o conceito de equilíbrio geral e racionalidade substantiva dos agentes, (que são

categorias obviamente estranhas a Marx), a partir de um método científico que rejeita

categorias como dialética, contradição, processo e historicidade das categorias. Esta

rejeição não será tratada neste artigo, pois envolveria um conjunto teórico muito amplo,

e que não serviria adequadamente para a ilustração pensada para este trabalho de

mostrar como a questão metodológica pode gerar incompreensões mesmo entre

correntes de pensamento com vários pontos de semelhança e categorias aparentemente

iguais, o que não é o caso entre a ortodoxia e a heterodoxia do pensamento econômico;

- Baseados na antecipação das causas contrariantes enquanto impeditivo da existência

da tendência à queda da taxa de lucros

Não há, para este tipo de questionamento, uma rejeição a priori, como no caso

neoclássico, mas sim uma incompreensão para com o método de Marx, de separar, no

campo abstrato, os fenômenos envolvidos, como forma de explorar sua ontologia. O

propósito de Marx aparentemente foi identificar as fontes da resultante do processo,

separando as forças envolvidas e as investigando profundamente, ao invés de misturá-

las e tentar analisar fenômenos com dinâmicas e características distintas como se

fossem iguais. Só após um estudo específico dos condicionantes de cada fenômeno é

que a resultante de sua interação pode ser adequadamente investigada. O resultado desta

investigação separada lhe permitiu concluir que as causas contrariantes não seriam

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suficientes para anular, sistematicamente, a tendência à queda da taxa de lucro. Os

pesquisadores que defendem esta anulação sistemática (de maneira que a tendência de

queda sequer seria observada) é que precisam provar que tal acontece, e explicar

também porque se observa, na história econômica, períodos de queda das taxas médias

de lucro.

- Baseados na crítica à própria lógica da tendência à queda enquanto resultado das ações

empresariais

Na medida em que a mais recente crítica à própria existência da tendência

deriva da tradição sraffiana, é no campo desta crítica que vamos buscar a argumentação

a ser examinada. Com este propósito, apresenta-se o seguinte argumento de Serrano

(2007) para rejeição da teoria da tendência à queda da taxa de lucros:

O motivo é extremamente simples e é curioso quão pouco tem sido

compreendido. O ponto central da teoria de Marx da escolha das técnicas

em condições competitivas é o de que a nova técnica adotada gera lucros

anormais (“superlucros” na terminologia de Marx) para o inovador aos

preços de produção inicialmente vigentes (que vamos supor iguais aos

valores). Desta forma, somente se a partir de uma nova técnica for

possível vender a mercadoria por um valor igual ou menor ao valor

corrente tb e ao mesmo tempo ter custos totais em valor (cb+vb)

inferiores aos da técnica “a” já em uso, os capitalistas irão adotá-la,

independentemente de sua composição orgânica (cb/vb) ou do efeito que

sua adoção poderia ter posteriormente sobre a taxa geral de lucros da

economia como um todo, que evidentemente não é levado em conta por

quem está inovando. | Ao mesmo tempo, para a taxa geral de lucro cair

seria necessário que os custos totais em valor da nova técnica em relação

ao novo valor do produto fossem superiores aos custos da técnica

anterior. Porém se esta segunda condição ocorre, não é possível que esta

nova técnica gere superlucros quando a antiga estiver em uso. Ao

contrário, quem a adotar obterá uma taxa de lucro inferior à taxa geral de

lucros vigente. Mesmo que por um improvável descuido todos os

capitalistas adotassem a nova técnica e então a taxa geral de lucro caísse,

cada capitalista individual teria um incentivo a retornar à velha técnica

pois esta necessariamente, por ter custos menores em valor, estaria

gerando superlucros numa economia onde todos usam a técnica nova.

[NR25] Este raciocínio simples e geral é conhecido há mais de 40 anos

com o nome de “teorema de Okishio” [...], embora tenha sua origem em

Tugan Baranovski e Borktievcz há pelo menos 100 anos. Não depende da

natureza dos desvios dos preços de produção em relação aos valores nem

de nenhum resultado específico obtido por Sraffa (1960). (SERRANO,

2007, p. 17 e 18)

Page 12: Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do …€¦ · 2 Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do capitalismo Atenágoras Oliveira Duarte 1. A crise internacional

12

NR 25: “Formalmente temos que, chamando as duas técnicas de a e b, se os custos

unitários da técnica a forem menores que os da técnica b: (cb+vb)/tb < (ca+va)/ta ,

então necessariamente: tb/(cb+vb) > ta/(ca+va) e como, por definição t/(c+v)=(1+r),

então rb> ra.”

Pela própria argumentação de Marx exposta anteriormente, não há dúvida que o

custo unitário do produto obtido pela nova técnica terá que ser menor que o custo

unitário da técnica anterior, hegemônica entre as empresas do ramo. É exatamente a

partir deste custo unitário menor que a empresa poderá vender seus produtos a preços

inferiores aos preços então vigentes do mercado e ainda assim obter lucros maiores que

a concorrência. Até que a concorrência seja capaz de adotar a mesma técnica. Desta

ressalva é preciso desenvolver algumas decorrências:

a) A tendência à queda da taxa de lucro não corresponde a um fenômeno de

curto prazo, mas uma tendência decorrente do processo contínuo de concorrência

capitalista;

b) As empresas não funcionam em ambiente de certezas inequívocas. Suas

decisões são tomadas em ambiente de incerteza forte, ou seja, suas decisões são, a rigor,

apostas. Ao se adotar determinada tecnologia considera-se ser suficientemente provável

que a concorrência não consiga baixar seus próprios preços, de forma sustentável, antes

que a empresa tenha o retorno dos investimentos vinculados à inovação. Este cenário, a

rigor, é uma aposta da empresa, feita a partir dos conhecimentos e informações

disponíveis. Pode ocorrer, ou não.

c) A divergência fundamental, com a formulação de Serrano, é a discordância

que “para a taxa geral de lucro cair seria necessário que os custos totais em valor da

nova técnica em relação ao novo valor do produto fossem superiores aos custos da

técnica anterior”. Esta interpretação não considera adequadamente o papel da redução

do preço do produto, que cai como resultado da difusão da nova técnica em ambiente de

concorrência. A primeira empresa inovadora já faria o primeiro movimento neste

sentido, pois aproveitaria seus menores custos para reduzir o preço de seu produto

visando conquistar novas parcelas de mercado, obtendo uma mais-valia extraordinária

(gerada em outras empresas, mas apropriada na empresa inovadora). Acontece que, com

a difusão da nova tecnologia, as empresas concorrentes poderão baixar seus próprios

preços, parecendo razoável, inclusive, a possibilidade de baixarem os preços ainda mais

que a primeira redução de preços efetuada pela empresa inovadora, como forma de

tentarem retomar as parcelas perdidas de mercado. Como, em um sistema capitalista,

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13

não há coordenação entre as ações isoladas das empresas, este processo não tem um

ponto certo de ser concluído. Mas um aspecto é certo: com a inovação no processo, o

novo produto incorpora uma menor quantidade de horas de trabalho socialmente

necessário, ou seja, um menor valor. Para salário e jornada de trabalho constantes,

mesmo que a taxa de mais valia aumente, o limite máximo (que é o próprio valor da

mercadoria) é reduzido, visto que o propósito da inovação foi reduzir os custos unitários

(e não criar um novo produto, exclusivo), mas elevando os custos totais com o aumento

da produção, visto que o propósito da redução do preço é exatamente o de conquistar os

mercados dos concorrentes. A reação dos concorrentes pode até lhes restituir sua

participação no mercado, só que com uma tendência de aumento deste mercado, pela

entrada de novos consumidores para os novos preços, mais baixos. A decorrência deste

processo é que a concorrência entre as empresas passa a ocorrer em torno de um

patamar mais baixo de preços, com as empresas podendo ter maiores lucros totais, mas

com taxas de lucro (em relação ao capital total) menores, devido a uma maior proporção

de capital constante (trabalho morto, cujo valor só pode ser transferido para a

mercadoria) em relação ao capital variável (trabalho vivo, que é o gerador de valor e,

portanto, do excedente).7 A nova técnica que permite reduzir o custo unitário, e por

consequência o preço, ao ampliar o capital constante comparativamente ao capital

variável, estabelece também a necessidade de um maior capital total para a obtenção de

um mesmo excedente.

Neste processo, qualquer empresa que eleve seus preços tende a perder sua

clientela. Uma suposta maior taxa de lucratividade com a técnica anterior esbarraria na

não realização das vendas, no caso de retorno à mesma, pois o preço não poderia

retornar ao que era quando a taxa de lucro era maior enquanto existirem empresas

adotando a nova técnica e o seu respectivo preço menor – mesmo se ocorresse um

retorno coordenado de todas as empresas à técnica anterior, a possibilidade de lucros

extraordinários continuaria a disposição de qualquer empresa que optasse adotar, outra

vez, a nova técnica, fato que por si só inviabilizaria este retorno coordenado nos marcos

do capitalismo;

d) Os argumentos acima seriam suficientes, contudo, ainda se pode reforçar a

inconsistência da crítica sraffiana com duas considerações adicionais, não contidas

7 “É exatamente por isso que a taxa média de lucro tende a cair: a substituição do trabalho vivo por

trabalho morto provoca a queda da produção do excedente, em relação ao capital que é investido.”

(CARCANHOLO, p. 11 [246], 1997)

Page 14: Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do …€¦ · 2 Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do capitalismo Atenágoras Oliveira Duarte 1. A crise internacional

14

explicitamente na formulação de Marx. Trata-se de considerar duas dimensões

relevantes na decisão do empresário sobre a tecnologia a ser adotada: das limitações do

próprio processo tecnológico, e da alteração do porte da empresa. No primeiro caso, a

adoção de tecnologias envolve custos de implantação e modificação. Não se entra e sai

de padrões tecnológicos com facilidade. Existem custos de aquisição, de implantação,

de treinamento de pessoal. As tecnologias, por sua vez, envolvem diferentes níveis de

apropriabilidade, de cumulatividade e de oportunidades tecnológicas.8 Uma dada

tecnologia pode envolver uma menor taxa de lucros, mas pode ser muito mais

promissora para a continuidade do progresso tecnológico do que uma tecnologia

anterior, que oferece de imediato maior taxa de lucros, mas que apresente menores

perspectivas de desenvolvimento e apropriabilidade por parte do empresário inovador.

No segundo caso, a nova tecnologia permite a empresa expandir sua produção, elevar

sua escala produtiva. Retornar à tecnologia anterior, menos produtiva, resulta em uma

redução da capacidade instalada da empresa e o aumento do custo unitário do produto,

comparativamente ao da nova tecnologia difundida. Observe-se: a nova tecnologia foi

adotada para substituir parte do trabalho vivo por trabalho morto. A venda da nova

estrutura tecnológica – ignoremos, por facilidade, o fator depreciação – só poderia

permitir, no máximo, a aquisição da maquinaria anterior, no caso da mesma estar

disponível no mercado e ao mesmo custo, e a contratação da quantidade anteriormente

liberada de trabalhadores, restabelecendo-se, aproximadamente, a capacidade produtiva

anterior e, supondo-se um cenário de inexistência de custos financeiros e operacionais

adicionais neste retorno, a capacidade financeira (em termos de recursos próprios e

capacidade de endividamento) anterior. Esta capacidade financeira poderia ser usada

para expandir a tecnologia anterior, mas, por definição, esta não forneceria a capacidade

instalada que a nova tecnologia propiciaria. Isto significa que a escolha da empresa em

retornar à tecnologia anterior, abstraindo quaisquer custos adicionais e dificuldades

operacionais, reduziria o porte da empresa e seu poder econômico. Como a nova

tecnologia efetivamente permite a venda a preços menores, a empresa que regredisse a

tecnologia anterior teria que competir tendo seus produtos a preços mais elevados,

conduzindo a uma redução da receita e consequente queda da lucratividade. O erro da

crítica sraffiana, neste ponto, é projetar para o macro o que poderia ocorrer ao nível

micro, se não houvesse concorrência.

8 Malerba & Orsenigo (1993).

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15

2.3 A dimensão financeira em Marx

A hipertrofia da esfera financeira, na atual ordem econômica mundial, constitui-

se em consenso entre diferentes grupos de pesquisa.9. A partir deste consenso surge o

conceito de "financeirização", entendido enquanto um "padrão sistêmico de riqueza"10

no qual a lógica de acumulação de capital é hegemonizada pela esfera financeira.11

A

origem deste processo é identificada nos anos 60, nos EUA,12

que exerce o papel de

liderança em seu desenvolvimento, a partir da adoção de políticas que mudaram o

padrão monetário internacional, estabelecendo o chamado Padrão Dólar Flexível. Estas

políticas foram: o estabelecimento da inconversibilidade do dólar em ouro, em 1971; a

desvalorização do dólar e adoção do regime de câmbio flutuante, em 1973; a

desregulamentação do mercado financeiro e o aumento da dívida pública anglo-

americana, nos anos 70 em diante; e a elevação da taxa de juros em 1979/1980.13

9 Exemplos no Brasil: Fiori & Tavares (org.) (1997), Fiori (org.) (1999), Fiori & Medeiros (org.) (2001) e

Fiori (org.) (2004), intituladas, respectivamente, "Poder e Dinheiro", "Estados e Moedas", "Polarização

Mundial e Crescimento", e "O Poder Americano”. Fora do Brasil, um exemplo é o grupo de pesquisa

liderado por François Chesnais.. 10

Braga, 1997, p. 195. 11

Há outras definições possíveis como em Braga (1985:374-375): "A valorização e a concorrência

operam sob a dominância da lógica financeira [...] não se trata mais de que os capitais se utilizem da

intermediação financeira para um processo de produção que é o meio de valorização [...] [mas sim que]

buscam valorizar-se simultaneamente através do processo de renda (vinculado diretamente à produção) e

do processo de capitalização [...] formam [...] a partir de suas "microestratégias" de valorização do capital

próprio, uma macroestrutura financeira." (BRAGA, 1997, p. 195), ou "A financeirização do capitalismo

contemporâneo deve-se a que as transações financeiras (isto é: as operações situadas na esfera da

circulação) tornaram-se sob todos os sentidos hipertrofiadas e desproporcionais em relação à

produção real de valores – tornaram-se dominantemente especulativas." (NETTO & BRAZ, 2006, pág.

232. Grifos no original) ou ainda "O que vem se passando no capitalismo contemporâneo é o fabuloso

crescimento (em função da superacumulação e da queda das taxas de lucro) dessa massa de capital

dinheiro que não é investida produtivamente, mas que succiona seus ganhos (juros) da mais-valia

global – trata-se, como se vê, de uma sucção parasitária." (NETTO & BRAZ, 2006, p. 231 e 232. Grifos

no original) 12

Segundo Braga, 1997, p. 200. Outros autores tratam das condições de sua ocorrência: "[...] a razão

essencial da financeirização [...] resulta da superacumulação e, ainda, da queda das taxas de lucro dos

investimentos industriais registrada entre os anos setenta e meados dos oitenta". (NETTO & BRAZ, 2006,

p. 231) 13

A conjugação destes processos resultou nos fatores que caracterizaram a financeirização:"1) a mudança

de natureza do sistema monetário-financeiro com o declínio da moeda e dos depósitos bancários enquanto

substrato dos financiamentos, substituídos pelos ativos que geram juros; 2) a securitização que

interconecta os mercados creditício e de capitais; 3) a tendência à formação de "conglomerados de

serviços financeiros"; 4) a intensificação da concorrência financeira; 5) a ampliação das funções

financeiras no interior das corporações produtivas; 6) a transnacionalização de bancos e empresas; 7) a

variabilidade interdependente de taxas de juros e de câmbio; 8) o déficit público financeiro

endogeneizado; 9) o banco central market oriented; 10) a permanência do dólar como moeda estratégica

mundial." [BRAGA, 1997, p. 211]

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16

A lógica mais básica do processo de financeirização envolve a liderança do

processo global de acumulação de capital14

pelo capital financeiro, através do qual as

expectativas de ganho futuro15

envolveriam um descolamento dos valores dos ativos

produtivos da evolução dos valores dos ativos financeiros, com estes crescendo mais do

que os ativos produtivos.

A partir do conceito de capital fictício pode-se retornar às contribuições mais

tipicamente características de Marx no tratamento deste fenômeno de financeirização.

Considera-se que:

capital fictício não é valor que se conserva nem que se amplia, ao

contrário, é apenas um título que dá direito a apropriação de uma parte da

mais-valia produzida na sociedade. (CIPPOLLA, 2008, p. 15)

O capital fictício não gera valor, mas se apropria do valor gerado na esfera

produtiva. Contudo, no processo de financeirização, a diversificação, o entrelaçamento

e a expansão destes títulos estariam associados com o crescente poder desta forma de

capital de influir nas decisões tomadas nos marcos das atividades efetivamente

produtivas (geradoras de valor). Mas este fenômeno, nos marcos da teoria de Marx, não

pode ocorrer fortuitamente, sem conexões com o próprio processo de criação de valor. É

neste ponto que se estabelece uma conexão com as categorias anteriormente

consideradas, das teorias do valor trabalho e da tendência à queda da taxa de lucros. E é

com estas ferramentas que é possível se analisar a atual crise econômica mundial dentro

dos marcos das contribuições teóricas de Marx.

3. Elementos de uma análise marxista da crise

O processo especulativo gerado em torno de diferentes mensurações do capital

fictício está associado ao elevado crescimento da produtividade e ao crescimento do

14

"A autonomização do capital-dinheiro sob a forma de capital a juros e a correspondente expansão do

sistema de crédito são os elementos que permitem entender a centralização do capital e a fusão de

interesses entre os bancos e a indústria. [...] O controle da riqueza sob a forma líquida é que permite ao

sistema de crédito impor o seu comando sob todas as outras formas de riqueza." (BELLUZZO, 1999, p.

88) 15

"Se os ativos tangíveis podem ser avaliados pelo seu custo de produção ou reposição, aqueles de

natureza não-tangível só podem sê-lo através de sua capacidade líquida de ganho. Esta, por sua vez, só

pode ser estimada como o valor capitalizado da totalidade dos rendimentos futuros esperados, menos o

custo de reposição dos ativos tangíveis. É aqui, neste último elemento (ativos não-tangíveis), que reside a

elasticidade do capital, comumente utilizada pela "classe financeira" para ampliar a capitalização para

além dos limites da capacidade "real" de valorização." (BELLUZZO, 1999, p.90 e 91)

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17

conteúdo de trabalho intelectual, sendo este último caracterizado por oferecer uma

maior dificuldade de avaliação de sua importância social, ou seja, caracterizado por uma

crescente dificuldade na medição de seu valor. O aumento do conteúdo científico do

trabalho amplia as conexões com a incerteza do futuro e as conexões mais sofisticadas

com os fatores políticos do que a apropriação do trabalho físico pode gerar.16

Na medida

em que a definição de valor envolve um elemento comparativo, a 'desmedida' do valor

do trabalho intelectual possibilita a 'desmedida' de qualquer trabalho – o que não

elimina a existência de fatores objetivos que definam os limites inferiores destes

valores, visto que a contradição ocorre entre a redução dos valores objetivos decorrente

do aumento da produtividade, de um lado, e a lógica de contínua acumulação de capital,

do outro.

A financeirização corresponde ao poder do capital financeiro de estabelecer sua

própria lógica de autovalorização na liderança do processo de acumulação de capital, 17

alterando a mensuração do valor do trabalho socialmente necessário, já dificultado pelo

processo de “desmedida do valor”.18

Mais do que isso: o próprio processo de desmedida

do valor oriundo do avanço científico e tecnológico e de sua incorporação ao processo

produtivo de mercadorias constitui-se na raiz mais profunda (mas não única) do atual

estágio de financeirização da economia mundial. As incertezas do avanço tecnológico

tornam-se excelentes oportunidades de negócios especulativos, e somados com a

intensidade dos ganhos de produtividade fomentam gigantescas bolhas especulativas.

Destaque-se que tanto a financeirização quanto o avanço tecnológico são caminhos

alternativos e complementares da luta do capitalismo mundial contra a tendência à

queda da taxa de lucros. A busca pelo barateamento do capital constante, a partir de

novo desenvolvimento tecnológico, constitui-se em uma das causas contrariantes

16

"Embora o próprio trabalho médio simples mude seu caráter, em diferentes países ou épocas

culturais, ele é porém dado em uma sociedade particular. Trabalho mais complexo vale apenas como

trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de maneira que um pequeno quantum de trabalho

complexo é igual a um grande quantum de trabalho simples. [...] As diferentes proporções, nas quais as

diferentes espécies de trabalho são reduzidas a trabalho simples como unidade de medida, são fixadas por

meio de um processo social por trás das costas dos produtores e lhes parecem, portanto, ser dadas pela

tradição" (MARX, 1983/[1867], pág. 51 e 52. Grifos no original). Na financeirização este processo de

mensuração seria hegemonizado, por vias da lógica da acumulação de capital, pelo capital financeiro. 17

Daí surge uma outra definição da financeirização: "[...] após a profunda crise dos anos 70 do século

XX, o capitalismo entra numa nova etapa que será caracterizada pela desmedida do próprio valor, ou,

dizendo de outro modo, pela negação da possibilidade de cristalização do tempo de trabalho socialmente

necessário na produção de mercadorias." (PRADO, 2005, p. 14) 18

"[...] em razão do crescente conteúdo intelectual do trabalho, o valor encontra-se desmedido. Ao invés

de um tempo de trabalho socialmente necessário na produção de mercadorias, o qual se formava

objetivamente segundo a lógica de valorização do capital produtivo, agora se tem uma medida de tempo

de trabalho abstrato até certo ponto arbitrária, que se torna dependente da arbitragem do próprio capital

financeiro". (PRADO, 2005, p. 15)

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18

citadas por Marx, mas também – após a mediação da concorrência – na fonte da

próxima queda da taxa de lucro, e na continuidade no aumento do conteúdo científico

do trabalho. Por outro lado, a ampliação da inserção de parte das empresas produtivas

na esfera financeira decorre exatamente da busca por rendimentos e segurança tidos

enquanto insatisfatórios na esfera produtiva. Ou seja: o comando da lógica financeira

não decorre apenas do acesso ao crédito e do custo do dinheiro, mas em maior medida

da procura, por parte das empresas do setor produtivo, de capital fictício que lhes

permitam obter os resultados que não conseguem obter em sua atividade tida enquanto

principal. A contradição é óbvia: o capital fictício não gera valor, apenas pode se

apropriar de valor gerado na esfera produtiva. Sua liderança no processo de acumulação

pode até, sob certas condições, propiciar um estímulo ao desenvolvimento do capital

produtivo, mas dada a sua própria lógica de autovalorização e de descolamento dos

ativos reais, tende a predominar a retirada de recursos do processo produtivo para serem

esterilizados na esfera financeira, isto é, um desestímulo ao desenvolvimento do capital

produtivo.

Se o conteúdo científico da produção envolve uma complexa análise que permita

separar as reais contribuições dos diferentes setores da economia para um processo de

“desmedida do valor”, já não se observa tal dificuldade quanto à avaliação do papel dos

atuais níveis de produtividade para o processo de criação de bolhas especulativas,

porque, a rigor, está se tratando do tradicional problema de superprodução, no sentido

de uma geração de valor sem contrapartida compatível de poder de compra para

realização do valor. Ademais, considera-se aqui que uma bolha especulativa pode surgir

em um mercado distinto de onde ocorre a superprodução. A bolha no mercado

imobiliário nos EUA não nasce de uma eventual “super-oferta” de imóveis,19

mas sim

de um mecanismo financeiro de endividamento da classe assalariada para financiar o

consumo. A superprodução que está aí envolvida é de uma imensa carga de mais-valia

gerada, sobretudo na Ásia (com a China liderando este processo) mas transferida, em

forma monetária, para os EUA, na forma de compra de títulos do governo, que por sua

vez resulta no financiamento do consumo, e em forma material nas exportações dos

países asiáticos para os EUA, que constituem-se em parte significativa deste consumo.20

A bolha especulativa que surge neste processo é maior que a magnitude da mais-valia

19 Cippolla, 2010. 20 “Teoricamente, ela é uma crise clássica na interpretação marxista: é de realização do valor, mas aqui

está sua novidade: a produção do valor se dá na China e sua realização nos EUA.” (OLIVEIRA, 2009)

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19

transferida para os EUA, em conformidade com a essência do processo especulativo e

do papel do capital fictício, mas a base material que lastreia e autoriza, até certo ponto, a

especulação, veio desta relação econômica entre os EUA e, sobretudo, a China (ainda

que não somente ela). Sendo assim, retoma-se a hierarquia do processo nos marcos da

contribuição de Marx: a origem da crise está na esfera produtiva, na geração de valor e

nas dificuldades de sua realização, mas assume uma dimensão, uma especificidade e

complexidade incomuns pelo efeito da financeirização.

A gravidade da crise reside menos na magnitude da bolha especulativa

internacional gerada e mais na manutenção do mecanismo que a gerou. Uma diferença

fundamental da crise atual para a crise dos anos 30 é exatamente esta magnitude da

produtividade disponível, e a profundidade da incorporação da “ciência em geral” ao

processo produtivo. Não se conclui, desta consideração, qualquer especulação quanto a

uma eventual “crise final do capitalismo”, até mesmo porque ambos os processos estão

muito longe de serem homogêneos. Há que se considerar, inclusive, o potencial de

fomento ao processo de acumulação mundial de capital que ainda existe nos dois

principais polos atuais de crescimento econômico (China e Índia), ou até mesmo em

espaços econômicos atualmente quase que inteiramente excluídos do processo

internacional de acumulação de capital (no caso, a África). Entretanto, este potencial em

nada altera as contradições do capitalismo aqui tratadas. Pelos termos do problema

acima exposto, não será no campo estritamente econômico que a atual crise

internacional poderá vir a ser equacionada.

CONCLUSÃO

O propósito deste artigo foi explorar as categorias de Marx que permitam a

análise da atual crise econômica internacional. Exposto o contorno mais visível da crise,

em termos da dimensão de suas quebras financeiras, buscou-se avaliar a consistência de

categorias da teoria de Marx que possam ser úteis para compreensão da crise para além

de sua aparência. Em consonância com uma literatura já testada em anos de polêmicas

teóricas, desenvolveu-se a argumentação favorável à validade da teoria do valor, da lei

de tendência à queda da taxa de lucro e do conceito de capital fictício enquanto

ferramentas consistentes de análise do capitalismo contemporâneo. Ainda que tais

argumentos disponíveis na literatura da economia política não sejam hegemônicos entre

as interpretações do legado de Marx, sua mera existência dentro do campo das

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contribuições científicas autoriza e legitima esforços investigativos da realidade fazendo

uso dos mesmos. Ou seja, acredita-se ter demonstrado que existem elementos razoáveis

no campo da pesquisa científica que legitimam uma interpretação da atual crise

econômica internacional a partir do uso destas três categorias.

A intepretação aqui adotada é que o aumento do conteúdo científico incorporado

no trabalho e os baixos custos unitários observados em vários setores produtivos,

conjugados, favorecem um processo de “desmedida” do valor, ou seja, de um processo

de crescente dificuldade de atribuição do valor ao trabalho por parte da sociedade. Este

processo, conjugado por sua vez com a tendência de expansão do capital fictício

enquanto forma de combate, por parte do Capital, da tendência à queda da taxa de lucro,

favorece enormemente a formação de bolhas especulativas. No caso concreto observado

em 2008, a contribuição dos baixos custos unitários decorrentes de elevados níveis de

produtividade e de baixos salários, oriundos, sobretudo, da China, foi peça-chave na

formação da bolha especulativa nos EUA, ao longo dos anos 2000.

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