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Conselhos de Direito da Criança e Adolescente e Tutelar CONSELHO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Felício Pontes Junior 1. FUNDAMENTOS A idéia dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente está diretamente relacionada com algo que se sentiu com mais intensidade durante o processo de redemocratização do Brasil na década de 80. Trata-se da ausência de mecanismos eficazes de controle da população sobre os atos do Poder Público. Isso quer dizer que as modalidades (formas de exercício) tradicionais do direito de participação política - como o direito de votar, de ser votado, o plebiscito, o referendo, etc. - não são suficientes para demonstrar, por exemplo, que os atos praticados por um prefeito, governador ou presidente da República, sejam aqueles que a população deseja. Daí a necessidade de se criarem novas modalidades de participação política, ou seja, novas formas pelas quais se exerce o direito fundamental da pessoa humana de "tomar no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes

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Conselhos de Direito da Criança e Adolescente e Tutelar

CONSELHO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 

Felício Pontes Junior

 

1. FUNDAMENTOS

 

A idéia dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente está diretamente relacionada com algo que se sentiu com mais intensidade durante o processo de redemocratização do Brasil na década de 80. Trata-se da ausência de mecanismos eficazes de controle da população sobre os atos do Poder Público. Isso quer dizer que as modalidades (formas de exercício) tradicionais do direito de participação política - como o direito de votar, de ser votado, o plebiscito, o referendo, etc. - não são suficientes para demonstrar, por exemplo, que os atos praticados por um prefeito, governador ou presidente da República, sejam aqueles que a população deseja. Daí a necessidade de se criarem novas modalidades de participação política, ou seja, novas formas pelas quais se exerce o direito fundamental da pessoa humana de "tomar no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos" ( artigo XXI, da Declaração Universal dos Direitos Humanos). Mas, se a necessidade de aproximar o Poder Público da população está ligada à idéia dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, devemos notar que isso é parte de um movimento maior que tinha por objetivo a mudança das leis brasileiras sobre a infância e a juventude. Vários fatores específicos concorreram para isso. Para melhor compreensão, dividimos esses fatores em dois grandes grupos, denominados Grupo de Fatores Objetivos e Grupo de Fatores Subjetivos. Vejamos, como forma de introdução ao tema, em que consiste cada um

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deles. 1º.) Grupo dos fatores objetivos está relacionado aos fatos retirados da própria realidade brasileira e tem como pano de fundo o processo de democratização do Brasil da década de 80. São eles: a situação jurídica de crianças e adolescentes pobres; a crise econômica e a má distribuição de renda; as políticas sociais ineficientes, e os assassinatos de crianças e adolescentes. A situação jurídica de crianças e adolescentes pobres foi um fator decisivo para a sensibilização da sociedade. As leis brasileiras durante quase todo o século XX estavam baseadas na concepção jurídica chamada de Doutrina da Situação Irregular, pela qual se penalizava tanto a criança em conflito com a lei, quanto aquela que não possuía recursos materiais. Essa doutrina realizou um verdadeiro controle social de crianças e adolescentes que não tinham seus direitos fundamentais respeitados. Como exemplo desse controle social tem-se a cassação do pátrio poder e a imposição de medida privativa de liberdade a crianças e adolescentes em risco pessoal ou social, sem tempo e condições determinados; limitação da participação sobre o tema da infância e da juventude à autoridade policial, administrativa e judicial; etc. O segundo fator foi a conjugação da crise econômica iniciada na década de 80 com a má distribuição de renda, como mostra o quadro abaixo:

40% mais pobres tinham 10% mais ricos tinham em 1970 10% da riqueza nacional 46,5% da riqueza nacional em 1980 9,7% da riqueza nacional 47,9% da riqueza nacional 1988 7,9% da riqueza nacional 49,5% da riqueza nacional(Fonte: IBGE)

O terceiro fator objetivo compreende as políticas sociais ineficientes que eram desenvolvidas com base na diretriz centralizadora da ditadura militar e que jamais teve a intenção de respeitar os direitos da criança e do adolescente. Por fim, aliado a todos esses fatores, a década de 80 é marcada pelo início de um fenômeno que, paulatinamente, mostrava-se com maior intensidade e se constituía na mais brutal forma de violência: os assassinatos de crianças e adolescentes. O primeiro sinal de que este fenômeno alcançava proporções alarmantes no Brasil foi registrado no I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em 1986, promovido pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e assim relatado pela instituição: "(...) quando pela primeira vez na história deste país eles (meninos e meninas de rua) puderam, de forma coletiva e de viva voz, contar à nação a situação de suas vidas." Não nos cabe aqui fazer uma análise conjuntural da violência contra crianças e adolescentes, mas simplesmente ressaltar que este fenômeno se constitui, ao mesmo tempo, num fator e na conseqüência final dos fatores acima mencionados. Estes foram os fatores objetivos que determinaram a sensibilização da sociedade brasileira para a mudança da legislação. Vejamos agora o 2º. Grupo de fatores. 2º.) Grupo de Fatores Subjetivos consiste no conjunto de normas internacionais e alguns projetos de

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resolução de normas internacionais que contribuíram no campo ideológico para esse processo. O conjunto desses documentos é a base de uma nova concepção sócio-jurídica da infância e da juventude chamada de Doutrina da Proteção Integral, a qual se fundamenta, resumidamente, em dois pontos centrais: a) crianças e adolescentes são sujeitos a direitos universalmente reconhecidos; b) estes direitos não são apenas aqueles comuns aos adultos, mas, além destes, direitos especiais em virtude da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Inclui-se nesse desenvolvimento como pessoa a preocupação com todos os seus aspectos - seja físico, espiritual, moral, social, etc. - que possam convergir para o estabelecimento de condições de vida digna, que garantam a satisfação de todas as suas necessidades. Em suma, que possam promover a proteção integral de crianças e adolescentes. Os mandamentos dessa Doutrina, que serviram de inspiração para a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, fazem parte das normas elaboradas e aprovadas pela comunidade das nações (normativa internacional), ressaltando-se que algumas delas ainda eram, à época, projetos de resolução, embora, hoje, todos já aprovados. Essas normas estão contidas nos seguintes documentos: Declaração Universal dos Direitos da Criança(1959), Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing, 1985), Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança(1989), Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade(1990) e Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad, 1990) O resultado da mobilização popular em favor dos direitos da criança, que tinha como argumento os fatores objetivos (realidade brasileira) e subjetivos (normativa internacional), foi a inclusão na Constituição do Brasil de 1988 de uma verdadeira Declaração dos Direitos e Garantias Infanto-Juvenis Fundamentais (art. 277), cujo conteúdo inaugurou no Brasil nova concepção sócio-jurídica sobre infantes e jovens, denominada Doutrina da Proteção Integral, e, ainda, consagrando o princípio da prioridade absoluta no atendimento de seus direitos. Entretanto, essa inovação não se resume ao aspecto de uma Constituição possuir uma Declaração específica para crianças e adolescentes. Nela estão incluídos, também, os modos pelos quais os direitos são assegurados, ou seja, as garantias dos direitos - daí a denominação de Declaração de Direitos e Garantias Infanto-Juvenis Fundamentais. A norma dessa Declaração que é considerada como fundamento do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente possui o seguinte conteúdo: "Toda a ação governamental que vise ao atendimento dos direitos da criança e do adolescente levará em consideração a diretriz da participação popular, por meio das organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis" (art. 207, § 7º., combinado com o artigo 204, inciso II, da Constituição Federal). Aí está concebida uma nova

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forma de exercício do direito de participação política. Trata-se do direito de participação nas políticas públicas para a infanto-adolescência. Embora a nova forma de exercício desse direito ficasse, como se viu, expressamente declarada na Constituição Federal, sua entrada em prática (aplicabilidade) estava condicionada ao surgimento de duas novas leis: uma para regulamentar o que disse a Constituição, ou seja, que viesse dizer como se daria a participação popular nos atos do governo relacionados aos direitos dos infantes e jovens. E, uma outra, a ser elaborada por cada nível da federação (União, Estados, Distrito Federal e municípios), criando o órgão pelo qual se exerceria esse direito e especificando suas atribuições. Para suprir a primeira necessidade (lei regulamentadora), foi elaborado, como extraordinária participação popular, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) que, sobre especificamente aquela norma da Constituição Federal, diz o seguinte: "Uma das diretrizes da política de atendimento é a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais"(art. 88, II). Com essas palavras está dada resposta à carência de mecanismos de participação nos processos decisórios das políticas que, a partir desse momento, deixam de ser política governamental apenas para tornar-se política pública, ou seja, aquela elaborada conjuntamente pelo governo e sociedade civil. Trata-se fórmula encontrada para que houvesse um autêntico controle popular do poder, tendo como pressuposto a democracia representativa. Isso significa que o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente é uma forma de exercício do direito de participação política que tem como pressuposto a existência de outras modalidades desse mesmo direito, como, por exemplo, o direito de votar e ser votado. Em suma, essa nova modalidade é forma de adensamento da relação Estado-sociedade civil, o que vem colaborar com o processo de alargamento da democracia nas sociedades contemporâneas, pois, com a consagração do sufrágio universal o cientista político Bobbio ensina que para se saber sobre o desenvolvimento da democracia em um determinado país, não se deve mais perguntar quem vota, mas onde se vota. Essa diretriz constitucional de participação popular nas ações governamentais que tenham como destinatários crianças e adolescentes deságua na idéia de co-participação, muito propícia nos dias de hoje, pois os cidadãos, associados em entidades representativas da sociedade civil diretamente ligadas a objetivos específicos, não mais apostam no fracasso das políticas a partir do momento em que participam ativamente de sua elaboração e controle. Como conhecedores de problemas, esses grupos de cidadãos são, também, conhecedores das estratégias de ação que possam trazer os resultados esperados, muitas vezes já testados em nível comunitário. No que se refere à forma pela qual a anuência da

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sociedade se materializa, vimos acima que a Constituição Federal já indicou o caminho: "por meio das organizações representativas". O Estatuto, por sua vez, a regulamentou declarando como diretriz da política de atendimento a criação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, cuja composição é paritária entre membros do Poder Público e da sociedade civil organizada, o que permite que a participação desta seja real, e não apenas formal como veremos no item 8. Partindo do pressuposto de que nas sociedades complexas seria impossível a realização da democracia participativa na formulação e controle na execução das políticas, ou seja, que seria impossível que toda a população de determinado local estivesse discutindo e decidindo a elaboração de projetos de educação, saúde, assistência social, etc., não havia outra forma de sua realização senão por meio das organizações não-governamentais (ONGs) representativas, como diz a Constituição Federal. Isso, em tese, reduz consideravelmente os riscos para a aferição concreta de que os programas formulados, aprovados e executados se constituam naqueles realmente desejados pela população. As normas constitucionais, que inspiram a criação dos Conselhos de Direitos referem-se não-somente ao controle na execução das políticas, mas, antes disso, ao processo de tomada de decisão que se dá por meio da participação, pois, sem ele, inexiste a transparência dos reais motivos que levaram a execução de determinado projeto e não um outro, já que a tendência internacional e a tradição brasileira de hipertrofia do Poder Executivo - dado o crescimento e a diversificação das atribuições do Estado nas sociedades pós-liberais - estão a requerer não apenas o seu controle por parte da sociedade, mas também, o direito de participação na formulação da política pública. Com isso, fica claro que o exercício desse direito se dá no processo decisório da ação governamental - daí o caráter deliberativo atribuído ao Conselho de Direitos - e que, uma vez nomeados os seus membros, são inconstitucionais todos os projetos governamentais que venham a ser executados para a infanto-adolescência sem a legítima participação da sociedade civil contida nas deliberações do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Uma outra imposição da Carta de 1988 sobre o assunto consiste em que seu exercício não está restrito ao nível Federal, e sim expandindo a todos os níveis da Federação. Dessa forma, União, Estados, Distrito Federal e municípios estão obrigados a respeitar o direito de participação nas políticas para a infanto-adolescência, criando, por lei, seus respectivos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, respeitada uma outra diretriz constitucional que trata sobre a repartição de competência: a descentralização político-administrativa. Por meio dela cabem "a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes de assistência social" (art. 204, I, c.c. art. 207, § 7º. Da Constituição Federal). A propósito, o princípio da descentralização político-administrativa como

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diretriz da ação governamental para a área da infanto-adolescência é fruto, de uma forma direta mas não exclusiva, da ineficácia das políticas sociais básicas que, salvo raríssimas exceções, nortearam a história do Brasil, onde predominou o modelo vertical de imposição da instância federal sobre as estaduais e municipais. Com essa descentralização promovida pela Constituição de 1988 é possível dar maior grau de eficácia aos Conselhos de Direitos em razão da estreita relação entre os órgãos públicos locais e a população, o que foi notado pelo legislador do Estatuto ao estabelecer como diretriz da política de atendimento a municipalização (art. 88, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA). Concretamente, isso significa que a União não pode, de forma alguma, elaborar e executar programas que visem ao atendimento dos direitos infanto-juvenis sob pena de ferir o princípio constitucional da descentralização político-administrativa e o princípio estatutário da municipalização. Constata-se, assim, que a função primordial atribuída à União não está na elaboração e execução de projetos que visem ao atendimento dos direitos de crianças e adolescentes, e sim no repasse dos recursos técnicos e financeiros aos Estados e municípios, os quais formularão a política social para a infanto-adolescência por meio dos respectivos Conselhos de Direitos, ocasião em que fica estabelecido o órgão estadual e municipal de execução. Em respeito à diretriz da municipalização, o Estado apenas formula e executa os projetos de nível regional, sempre articulados com os municípios envolvidos. Por expressa determinação do Estatuto, a criação do Conselho de Direitos, em cada nível, somente pode se dar por meio de lei. É, portanto, inválida sua criação por decreto, mesmo que tenha havido previsão de um conselho com objetivos e características iguais ao que estamos estudando aqui em lei orgânica municipal ou Constituição estadual. O decreto, neste caso, é utilizado apenas para a nomeação dos representantes dos órgãos governamentais definidos em lei e dos representantes das organizações não-governamentais definidos em processo próprio de escolha, como veremos detalhadamente no item 7, adiante. Com essas considerações iniciais sobre o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, as quais serão objeto de aprofundamento nos próximos itens, já é possível concebê-lo como um instituto sem precedentes na história do Brasil, cujas definições podem ser extraídas a partir de diversos ângulos: - do ponto de vista de seus elementos característicos, define-se Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente como órgão colegiado, integrante do Poder Público nos seus três níveis, de caráter deliberativo, composto paritariamente por membros do governo e da sociedade civil, com as finalidades de elaboração e controle na execução das políticas para o atendimento dos direitos infanto-juvenis; - do ponto de vista dos direitos infanto-juvenis, trata-se de uma das respostas encontradas para assegurar, em última análise, a proteção integral a crianças e adolescentes no Brasil; - do ponto de vista participativo, é o instituto jurídico-político realizador de uma modalidade do direito de

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participação política que exerce efetivo controle sobre os atos governamentais na órbita das políticas para a infanto-adolescência.

 

 

2. ANTECEDENTES

 

Em sendo o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente um instituto sem precedentes na história brasileira, deve causar estranheza o fato de nos determos na análise deste item.

Com efeito, o direito constitucional de participação nas políticas para a infância e juventude é, realmente, inovador. Entretanto, houve em nossa história legislativa a tentativa de criação de Conselhos relacionados a essa área, onde havia a participação de membros das organizações não-governamentais e, num passado recente, a criação de Conselhos Comunitários, com objetivo de interferência na gestão municipal, através, também, das organizações da sociedade civil, em determinados assuntos. Esse fato indica que a idéia dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente não surgiu de uma necessidade sentida apenas nos dias atuais e, por isso, aquelas experiências merecem ser analisadas, ainda que brevemente. Desde o nosso primeiro Código de Menores(1927) já havia a preocupação que entidades da sociedade civil e do Poder Público interferissem conjuntamente nas ações de atendimento a crianças e adolescentes. Nesse sentido, aquele Código, em seu último capítulo, criava no Distrito Federal o "Conselho de Assistência e proteção aos menores", que seria o espaço público para a discussão desse tema entre membros do Poder Público e de organizações não-governamentais(ONGs) ligadas à questão, embora fossem apenas aquelas organizações subvencionadas pelo Poder Público ou consideradas de utilidade pública.

Esse Conselho tinha por competência tanto questões individuais, como, por exemplo, auxiliar na ação do juiz de menores, quanto questões gerais, como a realização de programas que pudessem, por exemplo, prevenir a delinqüência juvenil. Para isso, aquele Conselho administraria os fundos colocados à sua disposição.

O assunto foi ventilado outra vez em 1956, quando o Executivo federal

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envia ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.000/56 que instituía o novo Código de Menores, o qual não chegou a ser votado e, conseqüentemente, nunca se tornou lei. Entretanto, merece destaque o capítulo II daquele Projeto por que previa a criação de Conselhos de Menores nos três níveis (federal, estadual e municipal). Vejamos suas características principais:

- Finalidade: Tratava-se de uma entidade orientadora, em seus respectivos níveis, "de assistência e proteção aos menores", desde a gestação até os dezoito anos de idade, ou seja, o Conselho Nacional estabeleceria normas e os Conselhos Estaduais e Municipais as executariam, sem que estes tivessem competência para estabelecê-las.

- Composição: O Conselho Nacional de Menores seria composto por quatorze membros, dentre os quais sete seriam provenientes de ONGs já nomeadas no Projeto de Lei, como, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil, mas com representantes escolhidos pelo Presidente da República. Quanto aos Conselhos Estaduais, dosa nove membros, seis seriam designados pelo dirigente estadual, e os três restantes já estabelecidos pelo referido Projeto de Lei, como o juiz de menores da capital. Quanto aos Conselhos Municipais, dos oito membros, cinco estariam designados pelo Conselho Estadual com origens, também, previamente estabelecidas, como um professor e um pároco, e os três restantes seriam o prefeito, o promotor e o juiz locais.

- Competência: O Conselho Nacional de Menores exerceria três espécies de competências, a saber: a) fiscalizadora, exercida quando estabelecesse as normas gerais para a fiscalização dos estabelecimentos públicos e particulares, destinados à assistência aos nascituros, infantes e jovens; b) educativa, exercida quando, por exemplo, o Conselho promovesse medidas de propaganda tendentes a educação popular sobre cuidados com a infância; e c) consultiva, ao tomar a iniciativa para sugerir a reforma e ampliação das leis de assistência aos infantes e jovens, elaborando e encaminhando ao governo anteprojetos de lei e regulamentos, ao realizar estudos sobre o abandono e a mortalidade infantil, e especificamente para "elaborar um anteprojeto de lei, criando um corpo de assistentes sociais, destinados a substituir as autoridades policiais nas questões referentes a menores".

Restava aos Conselhos Estaduais a competência para cumprir o que fosse determinado pelo Conselho Nacional e aos Conselhos Municipais cumprir as determinações do Conselho Estadual e, ainda, fiscalizar instituições. A análise das características principais desses órgãos mostra que eles funcionariam como especialistas nos problemas da parcela da população mais vulnerável, elaborando estudos cujos resultados se transformariam em normas para entidades de assistência

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a crianças e adolescentes ou propostas levadas ao governo. Não havia nenhuma preocupação com o controle do Poder Público. Apesar disso, é possível dizer que já havia mínima preocupação com que as ações voltadas para crianças e adolescentes não se restringissem à elaboração exclusiva do Poder Público e - o que é mais notável - a despolicialização da questão infanto-juvenil, notadamente quando institui a competência específica ao Conselho Nacional de Menores para elaborar um anteprojeto prevendo a criação de um corpo de assistentes sociais em substituição aos policiais no trato dessa questão, o que é revelador da consciência de uma política de promoção dos direitos ao invés de uma política repressora.

Tecidas essas linhas iniciais e analisando-as de acordo com o momento histórico da vida nacional em que esse projeto de lei foi apresentado - tempo em que eram buscados maiores exercícios para aperfeiçoamento da Democracia - nota-se que se tratava de um instrumento que, apesar da eficácia discutível, tinha por objetivo "fixar os direitos fundamentais da criança" (expressão utilizada na exposição de motivos que o Ministro da Justiça enviou ao Presidente Dutra), os quais já se encontravam, embrionariamente na Constituição de 1946(art. 164) e no Decreto 2.024 de 17.2.46, mas que não dispunham de garantias para a sua implementação.

De qualquer forma, constata-se que a criação de conselhos para a coordenação de ações públicas referentes a crianças e adolescentes já tomava corpo no pensamento da época, embora de participação restrita a determinadas organizações da sociedade civil.

Se a idéia desses órgãos específicos de interferência, ainda que pequena, na gestão governamental, já havia sido tentada nos anos 50, na década de 80 - com o início do processo de democratização do país - surgem as primeiras tentativas de participação autônoma e real da sociedade civil, não mais referente apenas à questão infanto-juvenil, nem mesmo voltada para o âmbito nacional. Mas, em um local onde essa ação pudesse ter mais consistência: o município.

Nesse sentido, a pressão popular em alguns municípios tentou instituir em seu âmbito os Conselhos Comunitários, como forma de garantir a participação popular, por meio de suas organizações, no encaminhamento das questões de determinados interesses coletivos, tendo em vista a inexistência de mecanismos que assegurassem real controle do governo.

Esses Conselhos Comunitários visavam, embora nem sempre demonstrado de forma clara, decidir sobre a política municipal. Eram compostos por ONGs representativas da sociedade civil - como

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sindicatos, associações de moradores, instituições religiosas, etc. - e representantes do Executivo Municipal. Em alguns casos, como estratégia de pressão, esses Conselhos eram compostos por membros dos Poderes Judiciário e Legislativo, além de membros do Ministério Público.

Contudo, quando esses Conselhos chegavam a integrar a organização municipal, por meio de lei ou decreto que os disciplinava, não eram considerados oficialmente órgãos deliberativos, ou seja, órgãos que decidem, ficando somente com a característica consultiva, embora, dependendo do grau de pressão, houvesse a implementação do que havia sido aconselhado. Concluí-se, assim, que a participação popular na gestão governamental já trazia a concepção de mecanismos propiciadores de sua implementação, os quais foram evoluindo de acordo com as conquistas político-sociais até a instituição dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, nos moldes da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e de suas leis regulamentadoras em todos os níveis. É nesse sentido que esses Conselhos e projetos de Conselhos são antecedentes do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.

 

 

3. FINALIDADES

 

Para se conhecer as finalidades do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente é necessário voltar à sua gênese. Vimos anteriormente que a Constituição Federal afirma que toda a ação governamental que vise ao atendimento dos direitos infanto-juvenis tem que ter a participação popular na formulação e controle na execução das políticas (art. 227, § 7º., c.c. art. 204, II).

Constata-se, assim, que o Conselho de Direitos possui dupla finalidade: 1ª.) a elaboração das políticas que assegurem o atendimento dos direitos da infanto-adolescência, e 2ª.) o controle na execução dessas políticas. A primeira finalidade, na prática, implica dizer que todo projeto de governo que vise - exclusivamente ou não - o atendimento dos direitos da criança e/ou do adolescente deve contar com a aprovação prévia do Conselho de Direitos para a sua execução, sob pena desta ser

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sustada pela Justiça por ocorrer inconstitucionalidade formal. Ou seja, o modo pelo qual o projeto foi elaborado, está em desacordo com o que estabelece a Constituição Federal. E, conseqüentemente, por ilegalidade, por estar em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso porque o ato do governo, que nesse caso é a deliberação no sentido de executar determinado projeto que envolva entre os destinatários crianças e adolescentes sem a aprovação prévia do Conselho de Direitos, desrespeita a Constituição quando esta manda que seja observada a diretriz da "(...) participação popular, por meio das organizações representativas, na formulação das políticas (...)" (art. 204, II). Ressalta-se que o Conselho de Direitos se dirige a todo o universo infanto-juvenil, e não apenas à sua parcela em situação de risco pessoal ou social. Nesse sentido, vale repetir que qualquer projeto que implique o atendimento dos direitos da criança e/ou do adolescente, independente de raça, cor, sexo, situação econômica, etc., necessita de aprovação desse Conselho para ser executado, sob pena de ocorrer a inconstitucionalidade formal.

A finalidade de elaboração de políticas não quer dizer que todas elas tenham que ser elaboradas exclusivamente no Conselho de Direitos. Os projetos podem surgir de várias frentes, governamentais ou não. Entretanto, se tiver que ser executado com recursos públicos é imprescindível que, antes, seja discutido e aprovado pelo Conselho - daí o caráter deliberativo. Na prática, para se inferir se inexiste a necessidade de certo projeto, que será executado com recursos públicos, ser ou não submetido ao Conselho de Direitos, basta que se indague sobre os seus destinatários. Quer dizer, se o projeto atinge as crianças e/ou jovens - mesmo que não exclusivamente - há necessidade de deliberação pelo Conselho antes de sua execução, sob pena de ser declarado formalmente inconstitucional. É bom lembrar aqui que, para fins jurídicos, considera-se criança a pessoa de até onze anos de idade (ou doze completos) e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (art. 2º., ECA).

Nos atos do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente estão mencionados, implícita ou explicitamente, os critérios de prioridade, conveniência e oportunidade ditados pelo governo e pela sociedade civil, quer sejam esses atos considerados individualmente - em cada deliberação - , quer sejam como normas editadas pelo Conselho para ser observadas em cada deliberação sua, como, por exemplo, a emergência na elaboração de projetos de educação e abrigo para atendimento a meninos e meninas de rua. Esses projetos poderiam ser elaborados por técnicos do governo, a partir dos critérios estabelecidos pelo Conselho de Direitos, retornando a este para a deliberação final sobre sua educação ao que foi determinado. Se o Conselho é a garantia da formulação de políticas públicas para o atendimento dos direitos infanto-

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juvenis, havendo deliberação no sentido de aprovar determinada política que desrespeite esses direitos, este ato do Conselho deve ser declarado inconstitucional (se ferir um direito reconhecido pela Constituição) ou ilegal ( se ferir um direito reconhecido em qualquer outra lei).

Como se trata de direitos de coletividade, é possível se ingressar na justiça com várias ações cíveis para sustar a execução do projeto. Entre essas ações destacamos duas, a saber: 1) ação popular, que pode ser promovida por qualquer cidadão, via advogado, e 2) ação civil pública, que pode ser promovida pelas seguintes instituições: a)o Ministério Público; b) os entes que compõe a Federação (União, Estados, Distrito Federal e municípios), e c) "as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos direitos infanto-juvenis, dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária" ( art. 210, ECA). Quanto à segunda finalidade que é o controle na execução das políticas públicas que atendam os direitos infanto-juvenis, sua existência é devida ao fato de não ser o Conselho de Direito o órgão executor de seus projetos, pois, caso tivesse essa missão, haveria necessidade de uma estrutura de secretaria de governo ou ministério, o que, decerto, desvirtuaria sua função, sobretudo em razão de sua composição: os conselheiros provenientes do setor não-governamental teriam que dedicar tempo integral ao Conselho. Assim, o Conselho de Direitos controla a execução das políticas que elaborou. Nunca as executa.

No exercício desse controle por um membro do Conselho não pode haver nenhum tipo de restrição por parte do órgão executor, quer seja o conselheiro proveniente da sociedade civil ou do governo. Aliás, essa diferenciação não mais existe a partir do momento que estes tomam posse, salvo quanto à forma de destituição dos mesmos e composição das comissões internas que, porventura, sejam criadas, como se verá no item 6.. Ainda quanto ao controle, não basta colocar a disposição dos conselheiros anualmente as contas públicas relativas à política para a infanto-adolescência, o que pode ser exigido por qualquer pessoa - física ou jurídica (arts. 5º., XXXIV, a, e 31, § 3º., CF). O controle efetivo permite a constante inspeção por membros do Conselho quanto a qualquer aspecto do desenvolvimento da política, seja financeiro, administrativo, pedagógico, etc.

 

 

4. LOCALIZAÇÃO NO PODER PÚBLICO

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Uma vez constatado que o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, em razão de suas finalidades, atua na esfera do Poder Público, depara-se com um outro problema que se mostra de importância capital para a compreensão da natureza jurídica desse órgão: saber se está atrelado a uma das três funções do Poder, o que implicará diretamente sua forma de composição. Vimos anteriormente que o art. 204 da Constituição Federal - que é fundamento do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente - menciona, em seu início, as palavras ações governamentais. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, abre o Título I, do Livro II, sobre a política de atendimento - da qual a criação dos Conselhos de Direitos é uma das diretrizes - frisando textualmente que a "política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios".(art. 86). É necessário, assim, que se extraia o significado de ações governamentais para a precisa localização do Conselho de Direitos em alguma função do Poder Público. Doutrinariamente, os autores usam duas acepções para o termo governamental:

1) "rótulo que se imprime ao executivo, por ser considerado o Poder que, em realidade, governa" e,

2)"conjunto de órgãos mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e realizada". Nota-se que a primeira encerra um sentido estrito à expressão e a segunda, por seu turno, sentido amplo, estendido a todas as três funções de Poder. Assim, percebe-se, desde logo, que o Conselho de Direitos é órgão do Poder Executivo ou estaria colocado de forma sui generis como órgão atrelado as três funções de Poder. Partiremos para a tentativa de dirimir a dúvida, com o apoio em alguns mestres do Direito e da Ciência Política. Sempre mereceram relevância dos pensadores políticos os estudos da divisão das funções do Poder, desde a antigüidade clássica com Aristóteles, passando pelo contratualista Locke e atingindo seu clímax com Montesquieu com a obra O Espírito das Leis. Devemos, pois, a estes dois últimos pensadores a expressão Poder Executivo que tinha a conotação central - segundo Rosah Russomano - de "simbolizar o ponto de apoio para os que desejavam se opor ao absolutismo, no sentido de combatê-lo ou mesmo de diluí-lo".

Montesquieu, assim, divide as funções do Poder em executiva, legislativa e judiciária. Iniciava-se, assim, em leitura histórica restritiva,

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o processo de declínio de importância do Poder Executivo, o qual se retraiu "à origem etimológica da expressão: tornou-se a autoridade que executava". Em compensação, aflorava o Legislativo com a precípua tarefa política. Um dos clássicos exemplos da flagrante redução de importância do Executivo estava na França de 1879, "onde inaugurou-se uma concepção de Presidência, de acordo com a qual o Presidente da República ficou submetido à vontade da Assembléia, sem constituir uma autoridade autônoma". O mesmo fenômeno ocorreu na Inglaterra no início deste século.

Entretanto, a transformação do Estado Liberal em Estado Social devolve ao Executivo, progressivamente, o poder de decisão até tornar-se "o coração das instituições políticas" e, ao mesmo tempo, "o tendão de Aquiles de toda a organização democrática".

Isso é devido ao fato de que hoje o Poder Executivo - na visão do Prof. José Afonso da Silva - "não se limita à simples execução das leis, como às vezes se diz; comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que não tenham caráter geral e impessoal; por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue em função de governo, com atribuições políticas, co-legislativas e de decisão, e função administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço público".

Quanto ao Legislativo, sua prerrogativa principal está em editar normas impessoais e abstratas; e o Judiciário, em compor os conflitos de interesses. Aliando isso ao que foi mencionado quanto à finalidade do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, elimina-se, imediatamente, a possibilidade de atrelá-lo ao Legislativo e ao Judiciário. De fato, a missão institucional do Conselho de Direitos se apresenta como função de governo - mais precisamente como atribuição política e de decisão -, e função administrativa, ambas ramificações da função executiva(Poder Executivo). Isso retira a possibilidade de o Conselho vir a ser composto por membros do Legislativo e do Judiciário.

Concluí-se, assim que o Conselho de Direitos é órgão autônomo, com caráter legitimador das políticas para a infanto-adolescência e, por conseguinte, situado na esfera do Poder Executivo, acima dos órgãos governamentais de auxílio direto à chefia desse Poder, quando desenvolvem projetos destinados à infanto-adolescência, razão pela qual normalmente a lei declara que os titulares dessas pastas são seus membros.

É bom ressaltar, por fim, que esse entendimento não é pacífico. Existe outra corrente de pensamento no sentido de que o Conselho de Direitos deve perpassar todo o Poder Público, sem distinção de funções. Isso, na

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prática, implica que na sua composição do lado público os representantes de outros órgãos que não façam parte do Poder Executivo possam ter assento no Conselho. Enquanto não houver um questionamento na justiça e a conseqüente decisão definitiva, não há como declarar qual a corrente que interpretou a lei corretamente. Entretanto, pelos argumentos acima apresentados e com base na vivência de Conselhos de Direitos que optaram por uma ou por outra corrente, defendemos a primeira.

 

 

5. RELAÇÃO COM O CONSELHO TUTELAR

 

Agora que já conhecemos as noções iniciais do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, podemos notar suas diferenças e conexões com o Conselho Tutelar.

O Conselho Tutelar se constituí em um dos mais importantes institutos para a política de atendimento dos direitos de crianças e adolescentes na medida em que é um órgão colegiado, composto por cinco pessoas do povo, escolhidas de conformidade com a lei de cada município e que possuí como atribuições, entre outras, o atendimento às crianças e adolescentes cujos os direitos tenham sido ameaçados ou violados; à criança a quem tenha sido atribuída a prática de ato infracional, e o atendimento aos pais ou responsável por crianças e adolescentes em risco pessoal e social (arts. 136 e 101, I a VI, ECA).

Numa visão ampliada, a criação do Conselho Tutelar deve ser encarada como resposta encontrada pelo legislador ao anseio de despolicialização e desjurisdicização da questão considerada exclusivamente social, que deve ser resolvida pela própria sociedade, e não pela Polícia ou Justiça. Isso já vinha sendo almejado há muito tempo, como pudemos notar ao estudar o projeto de Lei Federal 1.000/56 que atribuía ao Conselho Nacional de Menores a elaboração de um anteprojeto de lei que criasse um corpo de assistentes sociais "destinados a substituir as autoridades policiais nas questões referentes a menores". Se a despolicialização já era preconizada de forma explícita deste então, o anseio pela desjurisdicização veio, paulatinamente, sendo sentido com mais vigor, esperando apenas o restabelecimento do regime democrático e a

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conseqüente revogação do Código de Menores de 1979 para vir à tona, o que se deu com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

Nota-se que a flagrante diferença entre as atribuições do Conselho de Direitos e do Conselho Tutelar consiste no fato de aquele órgão atuar na elaboração e no controle na execução das políticas sociais que assegurem os direitos de crianças e adolescentes, enquanto que este - Conselho Tutelar - atua no atendimento a cada caso concreto de ameaça ou violação desses direitos, sendo exclusivamente de âmbito municipal e podendo haver tantos Conselhos Tutelares quantos forem necessários, para o fiel desempenho de suas funções no município, desde que criados por lei. Há, como se vê, complementaridade nessas atribuições, pois, para que a política pública estabelecida pelo Conselho de Direitos seja eficaz é necessário, em primeiro lugar, o conhecimento da realidade. Nesse sentido, o Conselho Tutelar é um dos melhores indicadores - se não for o melhor - dado o seu contato direto com o atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Tanto isso é verdade que o Estatuto atribui ao Conselho Tutelar o assessoramento ao "Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos de crianças e adolescentes" (art. 136, IX).

É evidente que o estreito relacionamento entre esses órgãos da política de atendimento é imprescindível para a eficácia na solução dos problemas relacionados à infanto-adolescência. E várias podem ser as formas desse relacionamento se dar. Desde a visita de membros de um às atividades de outro, até encontros periódicos formais entre eles. A propósito, esse relacionamento já é inaugurado com a responsabilidade do Conselho municipal de Direitos (não havendo aqui referência aos Conselhos Estaduais e Nacional) de presidir o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar (art. 139, ECA, redação dada pela Lei 8.242/91), no qual iremos nos deter no item referente à competência do Conselho de Direitos. Das afirmações acima, podemos retirar duas conclusões práticas: a) o representante de um órgão, governamental ou não, no Conselho de Direitos não pode candidatar-se a membro do Conselho Tutelar, e b) há necessidade de manter uma estreita ligação entre o Conselho Municipal de Direitos e o Conselho Tutelar para a eficácia da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

 

6. COMPETÊNCIA

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Competência é a capacidade para apreciar, decidir ou fazer alguma coisa. Em outras palavras é o conjunto de atribuições de alguém ou de algum órgão. Especificamente aqui, trata-se dos mecanismos utilizados pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente com vistas ao cumprimento de suas finalidades.

Trataremos aqui de elencar essas atribuições, ou seja, de declarar quais as prerrogativas legais atribuídas ao Conselho de Direitos para o desempenho da tarefa de formular as políticas públicas que assegurem o atendimento dos direitos da infanto-adolescência e controlar a sua execução. As competências que serão mencionadas aqui foram aquelas vislumbradas no acompanhamento da elaboração das leis criadoras dos Conselhos de Direitos em municípios de todas as regiões do Brasil. É importante ressaltar que em se tratando de um instituto novo, torna-se natural inferir que dificilmente uma lei municipal, por exemplo, esgota seu elenco de atribuições, por mais participativo que tenha sido o seu processo de elaboração. Entretanto, a falta de declaração na lei de uma atribuição em nada prejudica o desempenho do Conselho de Direitos, desde que sua ação esteja de acordo com a busca de suas finalidades.

Para melhor compreensão dessas ferramentas utilizadas para o alcance das finalidades do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, elas estão aqui classificadas em competências conscientizadoras, modificadoras e administrativas, assim definidas: - competências conscientizadoras são aquelas que promovem a conscientização da sociedade sobre os direitos e garantias infanto-juvenis. Elas servem de subsídios para as competências modificadoras. Estão aqui elencadas no item 6.1;

- competências modificadoras são aquelas que visam à interferência no modo de atuação dos órgãos governamentais e não-governamentais, responsáveis pelo atendimento direto de crianças e adolescentes. São as competências-chave do Conselho de Direitos. Estão exemplificadas no item 6.2; e - competência administrativas são imposições burocráticas ao Conselho de Direitos em decorrência de seus fins institucionais. Estão discriminadas no item 6.3.

Vejamos esses três grupos com mais detalhe.

 

 

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6.1. Competências conscientizadoras

 

a) Promover a divulgação dos direitos e garantias da criança e do adolescente.

O cientista político Dallari, citando o filósofo Marcuse, enfatiza que "o primeiro passo para um escravo conquistar sua liberdade é ele tomar consciência de que é escravo". Transformando-se essa máxima para a realidade da infância e da adolescência no Brasil, vê-se que há necessidade do conhecimento pela sociedade de seus direitos e, sobretudo, dos mecanismos asseguradores destes - incluindo-se aí o Conselho de Direitos - como primeiro passo para que sejam respeitados.Isso se torna mais necessário ainda quando se constata que crianças e adolescentes pobres somente passaram a ser tratados juridicamente como sujeitos de direitos, a partir da incorporação pelo Brasil da Doutrina das Nações Unidas da Proteção Integral, ou seja, com o advento da Constituição Federal de 1988, como vimos anteriormente.A não divulgação dos direitos humanos fundamentais e suas garantias no Brasil é uma das explicações para o contraste entre o grau exorbitado de violação desses direitos e a tradição constitucional brasileira que sempre incorporou notáveis declarações de direitos em cada carta constitucional, desde a nossa Constituição Imperial de 1824 - sendo, aliás, a primeira no mundo que trouxe em seu bojo uma Declaração de Direitos intitulada "Das Disposições gerais e das Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros". Portanto, essa competência do Conselho de Direitos vem como resposta para a diminuição do contraste acima exposto, pois é um instrumento para a violação dos direitos: ao se promover a divulgação dos direitos e suas garantias para a população, promove-se sua concretização. Como exemplo de garantias de direitos que merecem divulgação imediata, destacamos a forma legal de proceder a apreensão de um adolescente em flagrante de ato infracional (arts. 106 a 110, 1171 e ss., e 230, do ECA), as garantias contra a apreensão ilegal de crianças e adolescentes (arts. 5º., LXVIII, da CF; 106, 230 a 235, do ECA), o direito de petição aos poderes públicos contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º., XXXIV, a, da CF), a definição de Conselho Tutelar (art. 131 e ss., do ECA).Por outro lado, a utilização dessa atribuição acarreta garantia ao próprio Conselho de Direitos de que determinado programa esteja em consonância com a prioridade, conveniência e oportunidade para ser implementado, a partir da divulgação do direito qualquer cidadão tem de ser ouvido nas sessões do Conselho, seja nas comissões internas - se

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existirem -, seja nas plenárias. Tudo podendo estar previsto e regulamentado no Regimento Interno do Conselho. b) Promover intercâmbio entre órgãos governamentais e não-governamentais afetos à questão.Constatamos anteriormente que o caráter centralizador e vertical da "política nacional de bem-estar do menor", estabelecida pela Lei 4.513/64,"(...) baseada em padrões uniformes de atenção direta, implementados por órgãos executores inteiramente uniformes em termos de conteúdo, método e gestão(...)", o que trazia"(...) para o âmbito do Estado e do município programas de decisão e ações federais, desfigurando, desta forma, o caráter federativo da República", em muito contribuiu para que os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente incorporassem explicitamente a promoção de intercâmbios entre órgãos de sua competência.Esses intercâmbios, além de estabelecer coerência entre a elaboração da política e sua execução - uma influenciando na outra e vice-versa - , permitem, também, o indispensável conhecimento mútuo tanto entre órgãos governamentais quanto entre governamentais e não-governamentais, na tentativa de reverter uma outra característica básica do período compreendido entre os anos de 1964 e 1980 e que possui resquícios até hoje: "a ocorrência de paralelismos, desperdícios, superposição e até mesmo antagonismos entre programas de origens diversas".Entre outras virtudes que o salutar intercâmbio pode ter, destaca-se a capacitação do pessoal especializado para o trabalho com crianças e adolescentes em diferentes situações. Várias foram as experiências bem-sucedidas em áreas específicas de atendimento por organizações não-governamentais o que levou o Poder Público a promover, no início da década de 80, programas de identificação e aprendizagem com aqueles projetos. Essa foi uma medida concreta que o intercâmbio, ainda que nos passos iniciais, conseguiu lograr.São várias as maneiras pelas quais o intercâmbio pode acontecer. Entre elas, destacamos a promoção de seminários, encontros periódicos para a avaliação de resultados e demais métodos de trabalho que possibilitem a troca de experiência entre os profissionais envolvidos. Em suma, nota-se que é de extrema importância a promoção do contato entre as instituições, e destas com o Conselho, para a formulação de políticas públicas adequadas à realidade. c) Acompanhar casos de violação dos direitos de crianças e adolescentes. Mais do que uma atribuição do Conselho de Direitos, esse mecanismo se constitui numa missão institucional, pois no acompanhamento desses casos é possível a constatação "in loco" das necessidades básicas para a promoção de políticas que possam ajudar diretamente na diminuição - com vistas à eliminação - dos casos de desrespeito aos direitos infanto-juvenis universalmente consagrados.Não se trata aqui, como já foi mencionado, de providenciar atendimento

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a esses casos, já que isso constitui atribuição de um outro Conselho, também instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: o Conselho Tutelar. Trata-se de, no acompanhamento desses casos, ter consciência das espécies de deliberações proferidas pelo Conselho de Direitos que mais possam ter eficácia na solução do problema.Isso permite, em última análise, a essencial aproximação do Poder Público com os aspectos cotidianos da sociedade: suas decepções, suas dificuldades, suas relações com outras instituições e, acima de tudo, seus anseios.A inserção dessa atribuição no conjunto das competências conscientizadoras do Conselho de Direitos deve-se ao fato de ser um instrumento que lhe fornece os subsídios para as deliberações sobre as políticas públicas mais adequadas à realidade, como, por exemplo, propostas de alteração na legislação em vigor e nos critérios adotados para o atendimento dos direitos infanto-juvenis, que fazem parte do grupo de competências, chamado de "competências modificadoras". Isso demonstra, com maior clareza, por que as competências conscientizadoras servem de subsídios para as modificadoras.d) Visitar delegacias de polícia, hospitais, entidades de internação, centros de triagem, unidades de acolhimento e demais estabelecimentos, públicos ou não, onde possa ser encontrada criança ou adolescente.Trata-se, também, de uma atribuição conscientizadora, pois a partir dessas visitas pode haver melhor conhecimento das reais necessidades para a implantação de determinado projeto público.Não se trata, porém, de fiscalização. O membro do Conselho de Direitos não é possuidor de prerrogativas para tal alcance, quer seja ele representante de órgãos governamentais ou não, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente é claro em seu art. 95, ao declarar que as entidades que planejam e executam programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, "serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares", não tendo o legislador, sabiamente, incluído o Conselho de Direitos, o que não dá margem para dúvidas quanto à sua exclusão dessa atribuição.E assim deve ser, pois, para se almejar atingir as finalidades do Conselho de Direitos não deve haver a fiscalização caso a caso, posto que esse órgão atua no âmbito das políticas públicas, e a inclusão de atribuições pontuais, como a que está em epígrafe, visa, como foi dito acima, apenas aproximar o Conselho de Direitos da realidade, no sentido de lhe fornecer subsídios para a realização de suas finalidades.As ações que podem ser exercidas sendo constatados crimes ou irregularidades nessas visitas correspondem à de um cidadão comum, como, por exemplo, levar o fato ao conhecimento do Promotor da Infância e da Juventude ( ou quem exerça essa função da comarca) ou, ainda, do Delegado de Polícia para que possam ser tomadas as providências necessárias. Diferencia-se apenas no sentido de o membro

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do Conselho de Direitos estar respaldado legalmente para proceder tais visitas em qualquer horário desde que, como manda o bom senso, não haja comprometimento do trabalho da instituição.

 

 

6.2. Competências modificadoras

 

a) Estabelecer normas para registro das entidades de atendimento, governamentais ou não, que planejam e executam programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, mantendo registro das inscrições e suas alterações e comunicando-as ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária.Em coerência com uma das diretrizes básicas da política de atendimento - a municipalização essa atribuição não se refere nem ao Conselho Nacional - COMANDA - nem aos Conselhos Estaduais de Direitos da Criança e do Adolescente, mas tão-somente aos Conselhos Municipais de Direitos, por expressa determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como se infere da leitura de seu art. 90, parágrafo único: "As entidades governamentais e não-governamentais deverão proceder a inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária".Com efeito, cabe ao Conselho Municipal expedir, através de suas deliberações, as normas para registro de entidades que planejam e executam programas de proteção e sócio-educativos para a infanto-adolescência em um ou vários dos seguintes regimes: "I - orientação e apoio sócio-familiar; II - apoio sócio-educativo em meio aberto; III - colocação familiar; IV - abrigo; V - liberdade assistida; VI - semiliberdade; VII - internação"( art. 90, caput, ECA).Na prática, isso significa que o Conselho de Direitos baixa uma resolução dizendo que os programas que se encaixam em um desses regimes devem lhe ser enviados, em número "x" de vias, constatando a metodologia de trabalho, o número de crianças e/ou adolescentes a serem atendidos, os profissionais envolvidos, etc., juntamente com o requerimento da entidade pedindo a sua inscrição.É necessário, assim, que o programa venha a se enquadrar em um

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desses regimes para que seja obrigado a requerer seu registro junto ao Conselho Municipal e, conseqüentemente, passe a funcionar legalmente. Do art. 98 ao 125 do Estatuto, podem ser encontrados maiores detalhes sobre esses regimes. A exceção a essa regra consiste no fato de haver a inclusão de novos programas de entidades governamentais que venham a se adaptar a um desses regimes, pois estas poderiam iniciar seu funcionamento sem o registro junto ao Conselho Municipal (art. 91, ECA).Não se trata aqui de privilégio, mas de coerência , uma vez que, para a execução de qualquer programa governamental relativo à infanto-adolescência, necessário se torna que ele seja aprovado - quando não for inteiramente elaborado - pelo próprio Conselho de Direitos.Isso não quer dizer que não há necessidade de registro. Pelo contrário. Este continua existindo, mesmo porque vimos que todas as entidades que mantêm programas sob um dos referidos regimes são fiscalizadas pelo Conselho Tutelar, Poder Judiciário e Ministério Público(art. 95, ECA) e, para tal, deve haver a comunicação de seu registro pelo Conselho Municipal para as duas últimas instituições (art. 90, parágrafo único, ECA). Apenas o registro não constitui pré-requisito para o início do funcionamento do programa governamental, mesmo que seja um programa do governo estadual - no caso, por exemplo, da política para infratores que atenda a vários municípios de uma determinada região.Apesar de o Estatuto não estabelecer prazo para que o programa governamental venha a ser registrado, manda o bom senso que antes de seu funcionamento ele seja regularizado.Quanto às organizações não-governamentais, uma vez requerido o registro de acordo com as normas traçadas pelo Conselho Municipal, é necessário que este faça a averiguação, constituindo, se necessário, uma comissão interna, sempre respeitada a paridade, para elaborar parecer sobre instalações físicas, compatibilidade entre o plano de trabalho e a Lei 8.069/90, constituição regular e idoneidade de seus componentes. É recomendável que sejam elaborados, também, pareceres de especialistas requisitados junto às instituições governamentais ou não, se houver essa possibilidade e necessidade, sem que cause ônus ao Conselho Municipal.Essas normas estabelecidas pelo Conselho Municipal podem, inclusive, prever que uma comissão do próprio Conselho será competente para a concessão ou não do registro a determinado programa, cabendo recurso ao plenário do Conselho, caso não seja aceita a decisão, quer pela entidade, quer por qualquer cidadão do município. Tudo podendo estar previsto no regimento interno ou numa resolução específica do Conselho Municipal dos Direitos que institua essa comissão.Ressalta-se que essa atribuição do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente está limitada à concessão do registro para as entidades de atendimento, não cabendo mais nenhuma atribuição fiscalizadora uma vez concedido o registro. Isso pode parecer, à primeira

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vista, paradoxal. Entretanto, uma análise mais cuidadosa permite reconhecer que o Conselho Municipal de Direitos deve ter a competência para a concessão do registro de funcionamento das entidades de atendimento de crianças e adolescentes e não de sua fiscalização, pois, se esta tivesse que ser realizada caso a caso, desvirtuaria o Conselho de Direitos de suas finalidades, as quais dizem respeito ao aspecto global e não ao individualizado.Por outro lado, para a elaboração das políticas públicas é necessário que o Conselho Municipal de Direitos tenha o registro de todas as entidades e seus respectivos regimes, com o intuito de evitar a criação de programas em determinada área, quando nela houvesse um número significativo de instituições já os desenvolvendo, o que poderia levar o Conselho de Direitos a deliberar não pela criação de novos, mas pelo fortalecimento dos programas já existentes. Isso acarretaria, dentre outras conseqüências, economia de recursos públicos.A propósito, a fiscalização através da inspeção às entidades somente poderá se dar via Ministério Público (art. 201, XI, ECA) e Conselho Tutelar da área em que se encontra a entidade. Estes órgãos, ao constatarem irregularidades ou infrações administrativas às normas de proteção da infância e da juventude, deverão representar à autoridade judiciária. O Poder Judiciário (juiz da infância e da juventude, no caso) não poderá proceder à inspeção de ofício, ou seja, por sua iniciativa. Ele deverá ser acionado por qualquer pessoa - física ou jurídica - , além do Ministério Público e do Conselho Tutelar para expedir portaria iniciando o procedimento de apuração de irregularidades em entidade de atendimento (art. 191, ECA), dentro do qual, e se for o caso, poderá ser realizada inspeção judicial.É nesse sentido que deve ser entendida a fiscalização do Judiciário, pois para todo procedimento previsto no Estatuto "aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente" (art. 152, ECA). Sendo assim, diz o art. 2º., do Código de Processo Civil, que "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais". Trata-se do princípio da inércia inicial, que não era respeitado pela Doutrina da Situação Irregular, que promovia o fenômeno da jurisdicização da questão infanto-juvenil, como, por exemplo, ao conferir ao juiz de menores poderes discricionários, entre eles o de fiscalização, de ofício, das entidades.A inclusão dessa atribuição entre as modificadoras justifica-se pelo fato de que no estabelecimento dessas normas está implicitamente inserida a linha de atuação das entidades de acordo com o atendimento dos direitos de crianças e adolescentes, cuja interpretação é dada pelo Conselho Municipal de Direitos na análise dos requisitos para a concessão do registro (art. 91, parágrafo único, ECA).Em suma, é imprescindível que o Conselho Municipal de Direitos tenha o conhecimento dos serviços de atendimento de crianças e adolescentes

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prestados no município, da tendência de criação de novos serviços pelas entidades não-governamentais e, conseqüentemente, das omissões na órbita desse atendimento, além da tarefa de fazer as regras que devem ser observadas pelas entidades, visando à promoção da criança e do adolescente. b) Promover o reordenamento institucional dos órgãos do Poder Público de atendimento dos direitos infanto-juvenis.Essa competência está diretamente ligada ao posicionamento do Conselho de Direitos na hierarquia dos órgãos do Poder executivo federal, estadual ou municipal. Como ele, na área infanto-juvenil, posiciona-se acima das secretarias ou ministérios que, a seu turno, tornam-se órgãos executores da política pública formulada para a infanto-adolescência, compete ao Conselho de Direitos modificar a estrutura desses órgãos, caso se conclua pela necessidade de adequação da máquina estatal às legislações sobre infantes e jovens, com destaque para a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, e desde que essas modificações internas que visam à melhoria do atendimento não necessitem de lei, pois, se precisar, a modificação somente dará quando o chefe do Poder Executivo enviar projeto de lei ao Legislativo alterando a estrutura de determinado órgão governamental.Isso se deve ao fato, já reportado, de que uma nova concepção sócio-jurídica sobre a infância e adolescência foi inaugurada pela Constituição de 1988 - Doutrina da Proteção Integral - requerendo, em conseqüência, que os órgãos públicos se adaptem a ela, começando pela modificação de sua própria estrutura, se o Conselho de Direitos julgar necessário.Ressalta-se que os órgãos governamentais abordados nessa atribuição devem estar estritamente ligados ao atendimento dos direitos infanto-juvenis. Assim, por exemplo, a Secretaria ou Ministério do Bem-Estar Social estará subordinado diretamente às deliberações do Conselho de Direitos quanto à mudança de sua estrutura naquilo que afete especificamente a promoção ou defesa dos direitos infanto-juvenis e que não necessite ser modificado por lei.c) Opinar sobre a proposta que define o percentual de dotação orçamentária às políticas públicas para a infanto-adolescência.Como órgão do Poder Executivo com função precípua de elaboração da política de atendimento à criança e ao adolescente e controle de sua execução, o Conselho de Direitos deve ser ouvido na proposta que define o percentual de dotação orçamentária, quer quanto àquelas destinadas, por exemplo, à assistência social, saúde e educação infanto-juvenis; quer, e sobretudo, nos recursos públicos destinados diretamente ao fundo para Infância e Adolescência, já que cabe ao Conselho de Direitos deliberar sobre a aplicação de qualquer desses recursos, quando forem destinados ao atendimento dos direitos infanto-juvenis, pois é ele o órgão que vai estabelecer as prioridades nesse atendimento.No que se refere exclusivamente aos municípios, lembre-se que essa

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atribuição é exercida também pelo(s) Conselho(s) Tutelar(es) por expressa determinação do art. 136, IX, ECA.d) Gerir o Fundo para a Infância e Adolescência (FIA). O alcance das finalidades do Conselho de Direitos poderia estar comprometido em virtude das incertezas financeiras se inexistissem mecanismos alternativos de financiamentos que pudessem pôr em prática algumas de suas ações. Daí, o legislador do Estatuto ter previsto como diretriz da política de atendimento à criança e ao adolescente, a "manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos de direitos de criança e do adolescente" (art. 88, IV) que, em alguns Estados e municípios recebeu a denominação de Fundo para a Infância e Adolescência (FIA).Como se trata de um fundo público - embora sua receita possa ser constituída também de recursos privados - devemos observar as normas de Direito Financeiro que regulam esse assunto. Nesse sentido, recorre-se à Lei 4.320/64, para se tentar dirimir algumas dúvidas sobre o Fia.O princípio básico da administração pública é a unidade orçamentária, pela qual o recolhimento de todas as receitas públicas converge para o caixa único, vedada sua fragmentação em caixas especiais (art. 56, Lei 4.302/64). Esse princípio, entretanto, não é absoluto. A exceção consiste na criação de Fundos Especiais, constituídos pelo "produto de receitas especificadas por lei, e vinculadas, também por lei, à realização de objetivos e serviços específicos, sendo facultada a adoção de normas peculiares de aplicação"(art. 71, Lei 4.320/64).Infere-se, primeiramente, que para a existência do FIA é essencial a inclusão de uma artigo, geralmente na lei de criação do Conselho de Direitos, que preencha os seguintes requisitos: declaração de sua criação, seus objetivos e as receitas que o constituem.O primeiro e o segundo requisitos consistem num artigo de lei que pode ter a seguinte redação: "Fica criado o Fundo Municipal para a Infância e Adolescência (ou qualquer outro nome), que tem por objetivo criar condições financeiras e de administração dos recursos destinados ao desenvolvimento das ações que visem ao atendimento dos direitos de crianças e adolescentes." Se for conveniente, é possível especificar mais ainda esses objetivos como, por exemplo, dizer que se trata de financiar programas de proteção a crianças e adolescentes em risco pessoal e social, ou que se destinam, também, a programas de pesquisa ou de capacitação de recursos humanos, e /ou, ainda, de comunicação e divulgação dos direitos infanto-juvenis fundamentais e suas garantias, etc. É importante notar que a partir da definição desses critérios de emprego do FIA, o Conselho de Direitos fica na obrigação de lhes obedecer, não podendo empregar esses recursos em outras ações, mas apenas àquelas definidas na lei.Quanto às receitas previamente determinadas, nota-se que, além das dotações orçamentárias, podem integrar o FIA as receitas extra-orçamentárias, como, por exemplo, as doações em geral - como aquelas

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abatidas no imposto de renda (art. 260, ECA) - legados, o produto das aplicações dos recursos disponíveis, dos eventos realizados, da venda de materiais e de publicações e das multas referidas no art. 214, do Estatuto da Criança e do Adolescente ( este último é destinado apenas aos fundos municipais)."Art. 3º. Fica criado o Fundo para Infância e Adolescente(FIA), destinado a gerir recursos e financiar as atividades do CEDCA.§ 1º. Constituem o FIA :a) dotações orçamentárias;b) doações de entidades nacionais e internacionais, governamentais e não-governamentais(...);c) doações particulares;d) legados;e) contribuições voluntárias;f) o produto da aplicação dos recursos disponíveis;g) o produto das vendas de materiais, publicações e eventos realizados(...)".Uma vez declarados em lei esses pontos, regulamenta-se o FIA, ou seja, numeram-se as atribuições do seu órgão administrador, sua constituição e obrigações, o que se dá por meio de decreto do Executivo, de preferência um decreto que aprove o regulamento elaborado pelo Conselho de Direitos. Dito isto, não resta dúvida de que os Conselhos de Direitos, em cada nível, são responsáveis pela gerência de seus respectivos fundos, o que faz com que algumas leis já definam que o FIA, para efeito de operacionalização, seja gerido por um Conselho de Administração eleito entre membros do Conselho de Direitos, respeitada a paridade da representação, o que descarta qualquer possibilidade de um órgão governamental, estritamente técnico e estranho ao Conselho de Direitos, constituir-se como gerente do FIA. Isso não quer dizer que órgãos técnicos governamentais não possam assessorar os conselheiros na gerência do FIA. Pelo contrário. Devem fazê-lo, pois o FIA está submetido a regras financeiras específicas, fazendo com que as questões exclusivamente contábeis fiquem a cargo do órgão da administração pública responsável pela área, posto que, neste aspecto, o FIA é fiscalizado pelo órgão de controle das contas públicas, pelo Poder Legislativo e pelo Ministério Público. O essencial para o bom funcionamento do fundo é que o Conselho de Direitos possa, a partir de uma profunda análise da situação de crianças e adolescentes de sua área de abrangência , estabelecer as prioridades, formas de obtenção de recursos, etc. A partir daí, o Conselho de Direitos deve fixar os critérios de utilização desses recursos.Os projetos que serão financiados pelo Conselho de Direitos não podem, de forma alguma, competir com os projetos das políticas básicas para a infanto-adolescência, como saúde, educação, lazer, etc., mas, sim, o Conselho de Direitos, opinando na formulação do orçamento público, deve procurar garantir o volume de recursos suficientes para aquelas

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secretarias ou ministérios, argumentado com o princípio constitucional da prioridade absoluta (art. 227, CF), o qual deve ser observado, sobretudo em matéria orçamentária.Em respeito à diretriz da municipalização, o FIA, em cada nível, deve financiar programas diferenciadamente, como bem demonstra a lição de Edson Sêda:"Ao Fundo Nacional caberá a aplicação de recursos que fortaleçam municípios e Estados na execução de programas sócio-educativos e de proteção especial a crianças e adolescentes."O Fundo do Estado se voltará para programas estaduais e para apoio aos municípios suprindo eventuais deficiências que eles apresentem na condução de sua política de atendimento."Ao Fundo Municipal cabe a dotação de recursos para realizar a municipalização do atendimento prevista no art. 88 do Estatuto." Por fim, é importante mencionar que o FIA pode se constituir em um instrumento extremamente eficaz de garantia dos direitos de crianças e adolescentes, já que promove melhor distribuição de recursos, permite maior agilidade e, conseqüentemente, eficiência na resolução dos problemas relativos à infanto-adolescência , possibilitando maior controle dos recursos públicos pela sociedade civil.e) Elaborar proposta de alteração na legislação em vigor para o atendimento dos direitos de crianças e adolescentes.Tem-se, aqui, uma competência que já era ressaltada no Projeto de Lei n. 1.000, de 1956, que instruiria um novo Código de Menores, trazendo em seu bojo a criação dos "Conselhos de Menores" nos três níveis.Dizia aquele texto, como já vimos, que cabia ao Conselho Nacional de Menores tomar a iniciativa para "(...) reforma e ampliação das leis de assistência aos menores em geral, elaborando e encaminhando ao governo anteprojetos de lei regulamentos (...)", ressaltando-se que a sua finalidade era apenas de orientação ao governo, não possuindo a prerrogativa de deliberar sobre as políticas, o que acontece em relação aos Conselhos de Direitos, previstos no Estatuto. Nota-se, assim, que mesmo aquele Conselho com finalidade apenas orientadora possuía como previsão de competência a elaboração de anteprojetos de lei.Seguindo o mesmo raciocínio, é razoável que alguns municípios e Estados do Brasil tenham atribuído essas prerrogativas ao seu respectivo Conselho de Direitos, já que ele é o conhecedor das falhas que não permitem o atendimento integral à criança e ao adolescente, e como tal, está habilitado a enviar propostas de alteração na legislação em vigor para que a chefia do Executivo as encaminhe ao Legislativo.Conclui-se este sub-item alertando, mais uma vez, que as competências aqui mencionadas - sobretudo as modificadoras - não são exaustivas. Para se alcançar as finalidades do Conselho de Direitos, que é a elaboração e controle na execução das políticas públicas que assegurem os direitos da infanto-adolescência, é essencial que esse órgão elabore políticas que promovam a proteção integral de crianças e adolescentes,

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levando-se em conta a prioridade, conveniência e oportunidade estabelecidas por ele próprio. Nesse sentido, foram privilegiadas aqui as atribuições modificadoras que encontraram maior grau de resistência pela parcela conservadora da população brasileira, a qual não compreendeu, inicialmente, o alcance das funções atribuídas ao Conselho de Direitos de Crianças e do Adolescente.Por fim, menciona-se que para dirimir as dúvidas que possam pairar referentes a determinada ação ser ou não competência do Conselho de Direitos, basta indagar-se, em estando de acordo com as leis, ela auxilia na realização das finalidades deste. Em caso de resposta positiva, eis mais uma competência do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.

 

 

6.3. Competências administrativas

 

a) Presidir o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar. A responsabilidade exclusiva do Conselho Municipal de Direitos de presidir o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar diretamente das diretrizes traçadas pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da C Criança e do Adolescente. Aquela - a Lei Maior - determina que há de se obedecer ao princípio da descentralização político-administrativa no atendimento dos direitos infanto-juvenis, "cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal..."(art. 204, I). O Estatuto, por seu turno, enfatiza que a municipalização constitui diretriz da política de atendimento(art. 88, I).

Em obediência à combinação dessas normas , somente o município possui a prerrogativa de definir o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, daí essa competência dizer respeito somente ao Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o qual passa a ser pressuposto do Conselho Tutelar (art. 139, ECA, redação dada pela Lei 8.242/91). A lógica desse raciocínio está no fato de que o Conselho Municipal de Direitos tem a função de formular a política pública e o Conselho Tutelar possui função específica de atendimento a cada caso concreto de crianças e adolescentes cujos direitos estejam ameaçados ou violados. Em outras palavras, o Conselho Municipal de

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Direitos da Criança e do Adolescente atua no macro, e o Conselho Tutelar, nos casos concretos, ou seja, no micro, como vimos no item 5. Como presidente do processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, o Conselho Municipal de Direitos deve estabelecer certas normas de procedimento. Entretanto, ele não está livre para estabelecê-las ao seu bel-prazer. Há regras gerais, contidas no Estatuto (arts. 131 a 140), e regras específicas, contidas na lei do Conselho Tutelar. Ambas as leis devem ser respeitadas pelo Conselho Municipal, sob pena de ilegalidade do processo de escolha.

Assim sendo, cabe ao Conselho Municipal dos Direitos expedir resoluções que venham regulamentar o que já foi determinado na lei municipal que cria o Conselho Tutelar. Sobre o processo de escolha de seus membros, essa lei já tem que decidir sobre as seguintes questões:

1) se há mais requisitos para a candidatura além daqueles declarados no Estatuto (art. 133, ECA);

2) se esta candidatura será individual ou por chapas;

3) se o processo de escolha se dará pelo sufrágio universal ou restrito às entidades que trabalham com a questão infanto-juvenil;

4) se o voto será secreto ou público - já estando definido que este será facultativo, posto que a obrigatoriedade deve cingir-se tão-somente ao processo eleitoral para a investidura e mandato político, e não ao processo de escolha para a investidura de mandato tutelar, com atribuições específicas e inconfundíveis; e

5) sobre o número de Conselhos Tutelares e suas respectivas áreas de abrangência. Em relação ao ponto 1, cabe ressaltar que o Estatuto já contempla três requisitos que devem ser observados para a candidatura dos membros do Conselho Tutelar: reconhecida idoneidade moral, idade superior a 21 anos e residir no município (art. 133). Esses requisitos não podem ser vistos como únicos em virtude das diretrizes acima ressaltadas: descentralização político-administrativa e municipalização, pois a "Lei da Criança" (ECA) apenas estabelece as normas gerais. Se o município sentir necessidade de incorporar outros requisitos com objetivo de não deixar que aventureiros se lancem ao Conselho Tutelar sem nenhum conhecimento de causa, via por exemplo, comprovação de certo tempo de trabalho efetivo com crianças e adolescentes, e/ou teste de conhecimento sobre o assunto para poder candidatar-se, está legitimado a fazê-lo. Com essas questões sobre o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar já definidas na lei municipal, a responsabilidade do Conselho de Direitos fica restrita aos atos de registro das candidaturas, distribuição do material necessário,

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composição e localização das mesas receptoras e apuradoras, etc. Em suma, a responsabilidade do Conselho de Direitos fica restrita ao procedimento de escolha dos membros do Conselho Tutelar, ficando o processo já definido na lei municipal. Ressalta-se ser aconselhável que o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente eleja uma comissão responsável pela escolha dos membros do(s) Conselho(s) Tutelar(es), sempre respeitada a paridade, por dois motivos básicos:

1) para que, durante o processo de escolha, o Conselho Municipal de Direitos não fique restrito a essa atribuição administrativa em prejuízo de suas demais atribuições; e

2) para que haja a possibilidade de recurso ao plenário do Conselho Municipal de Direitos, caso haja impugnações de candidaturas, de votos, etc. E inconformidade da decisão prolatada na comissão responsável pela escolha dos membros do Conselho Tutelar, uma vez que, mesmo em órgão administrativo, não deve haver decisão única e irrecorrível no Estado Democrático de Direito. Note-se que o procedimento, por determinação do Estatuto, deve ser fiscalizado pelo Ministério Público em virtude de sua própria função de zelar pelo efetivo respeito às leis, e especificamente pelos direitos e garantias assegurados a crianças e adolescentes. Essa fiscalização pode constituir tanto na comunicação pessoal feita pelo Conselho Municipal dos Direitos ao Promotor da Infância e da Juventude (ou quem exerça essa função na comarca), de todos os atos da presidência do procedimento de escolha dos membros do Conselho Tutelar, como, também, no acompanhamento pessoal do referido promotor de todos os atos do Conselho Municipal dos Direitos quer versem sobre esse assunto. Em verdade, trata-se aqui de garantir a lisura do processo de escolha, uma vez que o Ministério Público está legitimado para impetrar ações judiciais na defesa dos interesses indisponíveis afetos à infanto-adolescência, se constatado desrespeito às leis (art. 201, VII e IX, ECA). b)Elaborar seu Regimento Interno Para o desenvolvimento regular da elaboração e do controle na execução das políticas públicas para a infanto-adolescência, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente deve estabelecer a forma pela qual se dá o seu funcionamento e, nesse sentido, elaborar seu regimento interno. Entre os assuntos básicos que devem constar em todo o regimento interno de um órgão colegiado, possuidor de caráter deliberativo, apontamos os seguintes:

1) as atribuições dos conselheiros, tais como o relato das matérias que lhes forem distribuídas, as intervenções para esclarecimento, etc.;

2) os órgãos que o compõem com suas respectivas competências, como plenário, as comissões setoriais - permanentes ou não - que em alguns casos deliberam sem necessidade de levar o assunto ao plenário, o qual,

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por sua vez, pode funcionar nesses casos, também, como instância superior - e os órgãos administrativos, competentes, por exemplo, para solicitar ao fórum de entidades não-governamentais ou ao chefe do Poder Executivo a escolha de um novo conselheiro em caso de vacância, respeitando-se sempre o princípio da paridade na composição desses órgãos; e

3) as reuniões, estabelecendo a periodicidade, a ordem dos trabalhos e a forma de deliberar.

 

 

7. O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO

O Conselho de Direitos é composto paritariamente por representantes da sociedade civil e do Poder Público, o que implica duas diferentes formas de sua composição. Iniciaremos essa análise a partir dos membros que representam o Poder Público.

Vimos que o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente integra o Poder Executivo em virtude de seus fins institucionais que são a elaboração e o controle na execução das políticas públicas para a área infanto-juvenil. Isso demonstra - apesar de haver abalisadas opiniões ao contrário - que os membros do Poder Público que o integram são apenas os representantes do Poder Executivo, uma vez que nem o Legislativo, nem o Judiciário são possuidores de prerrogativas similares àquelas do Conselho de Direitos, as quais são desempenhadas pelo Executivo. Trata-se do respeito ao princípio da separação das funções do poder (art. 2º., CF).

Em caso de desrespeito a esse princípio, é sempre bom recordar a lição dos escritores considerados clássicos como Barthélemy-Duez quando ensinam que, havendo a intromissão de membros do Legislativo no Executivo, corre-se o sério risco deles se dispensarem de obedecer às leis. No mesmo sentido, Montesquieu alerta para o fato de membros do Poder Judiciário se intrometerem no Poder Executivo, chegando ao ponto de declarar a inexistência de liberdade nesse caso, e que o juiz poderá, perigosamente, ter a força e de um opressor.

Essas sábias palavras são suficientes para extirpar, desde logo, a presença de qualquer representante dos Poderes Legislativo e Judiciário

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no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.

Não se deve pensar, porém, que o princípio da separação das funções do poder é absoluto, ou seja, que não comporta exceções. É evidente que comporta. Isso ocorre, por exemplo, quando o presidente da República baixa medidas provisórias, caso em que o Poder Executivo está legislando, ou seja, está exercendo função de deputados e senadores (Poder Legislativo), ressaltando que se a medida não se converter em lei pelo Congresso no prazo de trinta dias, perderá a eficácia (art. 50, CF).

Para que sejam consideradas exceções a esse princípio constitucional, elas precisam estar previstas nas constituições estaduais ou na Constituição Federal, ou ainda, na Lei Orgânica do Município, em se tratando do Legislativo municipal compor o Conselho de Direitos. Sendo assim, a norma que declara que um representante do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário faz parte do Conselho de Direitos é inconstitucional por ferir o princípio da separação das funções do poder. Dirimidas essas questões sobre o Legislativo e o Judiciário, vejamos duas razões básicas que justifiquem por que os órgãos do Poder Executivo com assento no Conselho de Direitos devem estar elencados em lei: 1) o conhecimento para a sociedade civil de quantos são seus representantes, para iniciar o seu processo de composição, já que o órgão é paritário; e 2) a necessidade de se relacionar órgãos da administração pública que sejam aqueles ligados à elaboração ou execução de políticas públicas que visam ao atendimento dos direitos da infanto-adolescência. Com efeito, a não descrição em lei dos órgãos públicos cujos titulares passam a ser membros efetivos do Conselho de Direitos, faz com que essa incumbência seja dada ao chefe do Poder Executivo que a determinará através de decreto. Mais um decreto. Isso revela uma das estratégias que as classes e grupos dominantes desde 1964 vêm utilizando como "condições institucionais para a reprodução do capital", chamada pelo professor j. Eduardo Faria de administrativização do direito público, ou seja, sua crescente redução "às normas dispositivas, como as portarias, os decretos, as instruções normativas(...) A legislação, desse modo, foi reduzida à simples expressão - sob o disfarce da generalidade e da impessoalidade de suas normas - de interesses corporativos e vontades privadas dos grupos e classes dominantes". Justifica-se essa afirmação pelo fato de que o chefe do Executivo ficaria livre para utilizar o decreto nomeando e exonerando seus representantes ao seu alvitre, o que, além de acarretar sérios prejuízos à atuação do Conselho, não mais condiz com o processo de consolidação do Estado Democrático de Direito. Não deve, pois, o Legislativo se furtar de descrever os órgãos governamentais mais relacionados ao tema que terão assento no Conselho de Direitos e, ainda, não deve deixar de ressaltar que o titular de cada pasta escolhida

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será membro efetivo do Conselho, restando a escolha do membro suplente de cada órgão para o titular da cadeira ou para o chefe do Executivo. As razões para que assim seja são extraídas dos próprios fins institucionais do Conselho de Direitos, pois, como vimos, nenhum projeto governamental que tenha por destinatários crianças e adolescentes poderá ser executado por um órgão público sem a deliberação, a favor, daquele Conselho, sob pena de o ato determinado a execução ser inconstitucional, o que indica a extrema necessidade de a composição governamental do Conselho de Direitos ser mencionada em lei e exercida pelos titulares das pastas que elaboram políticas de atendimento dos direitos infanto-juvenis. De tudo isso, infere-se que o mandato dos conselheiros governamentais está condicionado ao tempo em que estes estiverem à frente de suas pastas, sendo que a nomeação dos suplentes dependerá do que dispuser a legislação, ou seja, serão escolhidos pelo chefe do Executivo ou pelos respectivos conselheiros titulares.

Quanto à composição não-governamental do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, já sabemos que a Constituição Federal declara que a participação popular se consagra, neste caso, por meio de suas organizações representativas. Está claro, assim, que não se trata de um instituto de participação por via direta do cidadão, uma vez que qualquer forma de participação que se realize via escolha de representantes não é exercício de democracia direta em sentido estrito.

O Conselho de Direitos assenta-se, portanto, na participação por via indireta, porém, não gera o malsinado mandato político representativo, mas sim um mandato imperativo, porque é possível identificar o grupo de entidades que escolhe cada organização não-governamental (ONG) como membro do Conselho de Direitos. Isso tem por conseqüência o fato de haver a possibilidade de mudança dos representantes da sociedade civil pelas entidades que os escolheram, antes de findar o mandato. Trata-se, portanto, de um mecanismo para evitar que representantes de entidades manipuladas pelo Poder Público no exercício das funções do Conselho de Direito, continuem exercendo o seu mandato. Entretanto, para que isso aconteça é necessário que esse mecanismo esteja previsto na lei de criação do Conselho, ou no seu regimento interno, ou ainda no regimento interno do fórum de entidades que escolhe os representantes das ONGs.

Nota-se que não é qualquer ONG que poderá ter seu representante com assento no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. O critério é variável, devendo ser estabelecido em lei de acordo com o campo de atuação do próprio Conselho de Direitos e de acordo com as peculiaridades locais e regionais. Logo, apenas entidades ligadas à questão infanto-juvenil - não necessariamente de ligação exclusiva a

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essa questão - estão aptas para representar a sociedade civil naquele órgão, como por exemplo aquelas que incluem entre seus fins institucionais o atendimento direto, ou a pesquisa, ou a promoção, ou a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, etc. Na fixação desse critério levam-se em conta as causas que fizeram o legislador constitucional prever a participação popular por meio de entidades, como sua vivência cotidiana e o conseqüente conhecimento de causa, aliado ao fracasso dos projetos governamentais, sob pena de se deixar de fora aquelas com longa e bem-sucedida experiência no trato da questão, ou deixar entrar entidades oportunistas que desconhecem a amplitude do problema e são motivadas a participar pelo status pessoal de seus dirigentes. Nesse sentido, algumas leis estabelecem como requisito para o assento no Conselho, anos de funcionamento das entidades. Por outro lado, há municípios e regiões onde estas nasceram em um passado muito recente. Podem-se extrair dessa constatação duas lições interligadas:

1) a impossibilidade de se traçar um modelo para a fixação do critério das entidades que podem participar do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, e

2) a extrema necessidade de participação popular na elaboração da lei criadora desse Conselho, pois somente em cada comunidade ou em cada região pode aflorar a receita precisa para fazer com que, na composição do Conselho de Direitos, estejam presentes os representantes das entidades que muito tenham a acrescentar na formulação e controle das políticas públicas para crianças e jovens.

Uma vez formulados os critérios em lei para definir quais as ONGs que poderão, por seus representantes, fazer parte do Conselho dos Direitos, parte-se para o processo de escolha dessas entidades. Essas ONGs terão que se reunir em fórum próprio para fazer a escolha de seus representantes, o que estimula a articulação entre elas. A prática é indicadora de que algumas leis que criam o Conselho dos Direitos já prevêem a comunicação das entidades por meio de editais em jornais de grande circulação na região. O que se vem constatando é que a ínfima articulação das ONGs em determinadas localidades, ou a desconfiança por parte dos órgãos governamentais, acarreta a publicação do edital de convocação das entidades não-governamentais pelo Poder Executivo, o que configura ingerência do governo na sociedade civil, devendo, por conseguinte, ser rechaçada. Entretanto, quando algumas entidades promovem a convocação do fórum, para escolha de seus representantes, a pesquisa empírica revela que elas já acompanharam o processo legislativo e findam como protagonistas da articulação das demais, elaborando o edital de convocação, secretariando a reunião e levando a ata com o resultado da escolha ao cartório de registro de

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documentos e ao Poder Executivo. Tem-se , nesse procedimento, um verdadeiro exercício de mobilização da sociedade civil e a sua conseqüente conscientização.

Dito isto, fica evidente que a lei criadora do Conselho dos Direitos não poderá elencar algumas ONGs com assento obrigatório porque desvirtuaria completamente a autonomia da sociedade civil de escolher periodicamente seus representantes. Pergunta-se o que pode assegurar que determinada entidade mencionada na lei será considerada sempre representativa da sociedade civil? Não nem mesmo possibilidade de fiscalização por representantes do governo nesse processo de escolha, pois seria como se a sociedade civil tivesse que ser tutelada ou como se fosse possível alegar que esta não está preparada para o exercício desse novo canal de participação.

Da mesma forma, não há possibilidade de o chefe do Executivo não nomear qualquer representante escolhido pelo fórum de ONGs sob qualquer alegação que não seja a da entidade não preencher os requisitos legais para ter assento no Conselho de Direitos. Qualquer outro motivo como falta de instrução, de cultura, etc., é considerado ilegal, pois a democracia não requer pressuposto algum, nem de instrução, nem de cultura, nem de perfeição. "Basta a existência de uma sociedade". Qualquer ato de ingerência do Poder Público, mesmo que seja apenas com o intuito fiscalizador, não tem qualquer embasamento legal. É como se ainda estivéssemos no processo de liberalização do período autoritário, na fase denominada por Przeworski de "democracia tutelar: um regime de instituições competitivas, formalmente democráticas, mas no qual o aparato do poder(...) detém a capacidade de intervir numa situação indesejável". Se essa comparação tem fundamento, há uma tentativa de bloquear o processo seguinte: a democratização propriamente dita, cujo ponto mais saliente está em "ninguém ter certeza de que seus interesses sairão vitoriosos em última instância." Vale dizer: "Democratização é o processo de submeter todos os interesses à competição da incerteza institucionalizada". O célebre cientista político francês Burdeau ao levantar a tese das três formas de democracia - democracia governada, governante do tipo ocidental e governante do tipo marxista - dissertava assim sobre a primeira, o que se adapta completamente ao caso em estudo: "A democracia governada foi construída racionalmente, por que nasceu, não de uma rebeldia de fome, mas da especulação de escritores políticos; o impulso moral é o civismo, a virtude heróica; o impulso político, do cidadão, quer dizer, um tipo de homem que só a cultura e a razão produzem. Disso resulta que, em tal regime, quem governa é o cidadão, enquanto os homens reais, com suas vinculações pessoais, seus interesses e suas ambições são governados." Com efeito, havendo a ingerência dos homens cultos do poder na escolha dos conselheiros representantes das entidades não-

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governamentais, retifica-se o enquadramento da democracia brasileira como democracia governada, jamais chegando a se constituir numa democracia governante, seja com respeito ao pluralismo das idéias - tipo ocidental - , seja com estrutura de poder fechado - tipo marxista. Ou, por outras palavras, "jamais constituindo-se na vontade do povo real". Reunidas em fórum próprio, as ONGs deliberam sobre o processo de escolha: inscrição das entidades por meio da documentação que comprove os requisitos previstos em lei, tipo de candidatura individual ou por chapas, forma de escolha dos suplentes, etc. Tudo constando em ata. Ressalta-se que em algumas localidades há assembléias prévias de preparação do regimento do processo de escolha, onde há previsão de que o representante de cada entidade que se candidatar deverá comprovar seu vínculo à entidade. Vê-se, nesse fato, uma forma de coibir a presença de estranhos à causa que possam vir a alugar entidades e ter uma participação manipulada pelo Poder Público na relação com este.

 

 

8. O CARÁTER PARITÁRIO

 

A resposta encontrada pelo legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente para que houvesse a efetiva participação popular nas atividades do Conselho dos Direitos foi impor a característica de igual número de membros da sociedade civil e do Estado em sua composição, ou seja, a paridade. Isso confirma a análise de vários cientistas políticos sobre as respostas para a crise da democracia representativa, uma vez que foi constatada a necessidade de criar novos mecanismos de participação sem eliminá-la. Portanto, não existindo a paridade, ou a área governamental, ou não-governamental teria participação apenas formal, pois, tendo em vista a regra da deliberação por maioria de votos, comum nos órgãos colegiados, haveria superposição de uma na outra. Se nunca perderemos de vista as finalidades do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, fica claro que em nenhum momento o princípio da paridade pode ser quebrado, já que a elaboração e controle na execução das políticas públicas para crianças e adolescentes devem ser deliberados em conjunto, sociedade civil e Estado. Qualquer mecanismo que preveja a quebra desse princípio - como, por exemplo, o voto de qualidade atribuído ao presidente do Conselho - , esteja ele

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incluído na lei criadora do Conselho ou no regimento interno, está em confronto com o Estatuto da Criança e do Adolescente e, por conseguinte, é inválido. Aí estão incluídas, também, as comissões - ou câmaras - que se formam dentro do Conselho, destinadas a agilizar os trabalhos por assunto. Assim, por exemplo, a Comissão de Políticas Básicas ou de Garantia de Direitos, ou de Administração do Fundo da Infância e Adolescência, ou qualquer outra que venha a se formar, deve ser composta respeitando-se o princípio da paridade.

Esse princípio não significa paridade qualitativa - a não ser que o próprio fórum de ONGs assim deliberar no momento do processo de escolha. Ou seja, não quer dizer que para cada membro governamental de uma área deva-se ter um membro não-governamental da mesma área, como, por exemplo, secretaria de ação social/creche. Não. Se assim fosse, mais uma vez haveria tentativa de tutelar a sociedade civil já determinando, de forma menos explícita, quais as entidades com assento no Conselho por área de atuação, posto que em pequenos municípios, para algumas áreas de trabalho, existe apenas uma entidade, o que deturparia a possibilidade de a sociedade civil escolher seus representantes. Até mesmo em nível nacional isso pode acontecer, pois quantas entidades representativas da sociedade civil existem com atuação no território nacional, ou grande parte deste, lidando, por exemplo, exclusivamente com a questão da saúde infantil?

O que aflora dos comentários daqueles que sustentam a paridade qualitativa é a tentativa de formar o que o professor da Universidade de Buenos Aires, Warat, chama de opinião jurídica generalizada, ou seja, "crenças culturalmente institucionalizadas", formadas através do processo de estereotipação. Neste caso, a opinião generalizada é de que "apenas os especialistas da sociedade civil têm a possibilidade de discutir a formulação de políticas com especialistas do governo. É, assim, marcante a função ideológica cumprida aqui pelo estereótipo". É como se fosse possível dizer que os problemas que afetam os aspectos gerais da sociedade requeressem participação apenas de especialistas, vindo à tona, mais uma vez, uma nova roupagem para a velha e falsa noção preconizada pela "doutrina do elitismo democrático" - expressão contraditória em si mesma - segundo a qual" a democracia que é possível na realidade consiste no governo por uma minoria democrática, ou seja, por uma elite formada conforme a tendência democrática, renovada de acordo com o princípio democrático, imbuída do espírito democrático, voltada para o interesse popular: o bem comum". A chamada paridade qualitativa, em suma, revela a tentativa de restringir a modalidade do direito de participação em estudo, através da inibição à escolha pela sociedade civil de seus representantes, quando é sabido que a maior parte das ONGs nascem, predominantemente, com trabalho específico em setores onde há falha por parte do Poder Público,

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constatando-se daí que em determinadas áreas onde este atua com perfeição, não haverá estímulo à criação de entidades, o que prejudicará o processo de escolha se houver interpretação no sentido de que a paridade, imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, incluí não apenas a numérica, como, também, a qualitativa. Essa situação, em verdade, demonstra que o termo paridade é um termo vago. O já citado mestre Warat, em uma das passagens da obra "O Direito e sua Linguagem", analisa a vagueza dos termos jurídicos com o seguinte discurso: "Um termo é vago em sentido lato, nos casos onde não existe uma regra definida quanto a sua aplicação. Na prática, os critérios mediante os quais se pretende explicar o significado dos termos gerais da linguagem natural não permitem decidir, na totalidade dos casos, os limites precisos para a sua denotação, devendo os usuários decidir pragmaticamente se incluem ou não determinadas situações, objetos ou subclasses de termos dentro da denotação." No caso em estudo a decisão pragmática consiste em não incorporar a noção qualitativa ao se interpretar o termo paridade, sob pena, como já foi dito, de se restringir o processo de escolha dos representantes da sociedade civil organizada.

Com base nas investigações empíricas, é possível obter a definição do grau de defesa das conquistas democráticas pela sociedade civil e do grau de democratização dos governos em determinada localidade. Quando se incorpora a paridade qualitativa, demonstra-se o baixo grau de democratização do governo e fraca atuação da sociedade civil na localidade ou região. Quando se incorpora apenas a paridade numérica, pode-se estar demonstrando o alto grau de democratização do governo e/ou forte atuação da sociedade civil da localidade ou região, dependendo da existência do confronto direto entre a sua incorporação ou não. Não se trata de tentar justificar, aqui, a interpretação no sentido da paridade apenas numérica, mas de mostrar suas conseqüências de forma que o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente não se transforme num canal de participação apenas formal da sociedade. Uma vez definida a composição paritária, surge um problema: se o princípio da paridade em nenhum momento pode ser infringido, seja por via do voto de qualidade atribuído ao presidente do Conselho, seja por via da composição das comissões que porventura sejam criadas como forma de agilizar os trabalhos do Conselho, indaga-se como resolver o impasse de uma votação empatada. Por exemplo, de um projeto para novas escolas públicas, de método pedagógico não-convencional, já aprovado pelo Conselho, mas que obteve empate quanto à localização dessas escolas. Para qualquer resposta que diga respeito ao Conselho de Direitos há que se buscar sempre seus fins, quais sejam, a elaboração e controle na execução da política pública para o atendimento dos Direitos infanto-juvenis. Essas finalidades são oriundas da Constituição Federal que preceitua como requisito para a implantação das políticas nessa área a participação popular(art. 204, II), a qual se traduz na co-gestão

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sociedade civil-governo na elaboração de cada projeto específico.

Nesse sentido, se um determinado projeto, depois de analisado, é submetido à votação dos conselheiros, tendo por resultado o empate, não houve aprovação da sociedade civil-governo, devendo o mesmo, no item em que houve o impasse ser rechaçado. Não se pode contrapor nem mesmo no sentido de que os conselheiros que votaram contra foram parte da sociedade civil, parte do governo, ou vice-versa, pois, como já foi dito, não existe mais formalmente essa distinção, uma vez constituído o Conselho, salvo para fins de composição das comissões e forma de acesso e destituição dos conselheiros. Torna-se necessário, portanto, criar mecanismos no regimento interno do Conselho de Direitos que possam ajudar a resolver o impasse. Alguns regimentos prevêem, salutarmente, uma segunda votação para que haja a possibilidade de novos esclarecimentos e, persistindo o empate, recorre-se até à instalação de uma comissão composta paritariamente por membros que votaram contra e favor com vistas ao consenso, mesmo que seja necessário modificar parcialmente o projeto.

Persistindo a indefinição, aí sim, o item em discussão do projeto deve ser arquivado por não ter obtido a aprovação do Conselho, já que se torna essencial para isso que a maioria dos Conselheiros presentes esteja concorde, desde que obtido o quorum mínimo previsto no regimento interno para a para a instalação dos trabalhos. Essa posição não é pacífica. Há vários e fortes argumentos no sentido de que deve ser instituído pelo Regimento Interno do Conselho de Direitos o voto de qualidade. Um desses argumentos diz respeito ao prejuízo que o impasse - às vezes por questões politiqueiras - poderia causar com a demora no atendimento dos direitos de crianças e adolescentes. Ficaria comprometido, assim, o respeito ao interesse superior da criança, anunciando na cláusula 3 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, a qual o Brasil converteu em norma interna ao aprová-la pelo Decreto Legislativo n. 28, de 14.9.90.

Ressalta-se, por fim, que para evitar os impasses nas deliberações, é bastante profícua a criação de comissões(ou câmaras), as quais analisam cuidadosamente o projeto e emitem pareceres pelo arquivamento, aprovação com emendas, antes de a matéria chegar ao plenário, como aconteceu, em geral, nos órgãos colegiados.

 

 

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9. O CARÁTER DELIBERATIVO

 

Uma característica do Conselho dos Direitos da Criança e Adolescente que de peculiaridade marcante é sue caráter deliberativo. Deliberar - segundo o Aurélio - significa resolver depois de exame ou discussão, decidir. Fica estabelecida, assim, a coerência entre as finalidades do Conselho e seu caráter deliberativo, pois não haveria a possibilidade de elaborar e controlar a política para a infanto-adolescência sem a capacidade decisória(art. 88, II, ECA).

No estudo dessa característica fica mais evidente que o Conselho de Direitos da Criança e do adolescente é uma das respostas para os problemas brasileiros relatados no item I deste trabalho, sobretudo para a crise da democracia representativa e ineficácia das políticas governamentais para a área social. Isso porque o caráter deliberativo faz com que o Conselho institucionalize a participação real da sociedade civil, demonstrando que esta - a participação - ocorre na esfera decisória do Poder Executivo em questões relativas à infanto-adolescência.

É evidente, assim, que as características consultiva e normativa não possuem relevância alguma para o seu bom desempenho. A primeira - consultiva - porque o Conselho de Direitos é um órgão com atuação específica no atendimento aos direitos de crianças e adolescentes e, nesse campo de atuação, ele é formulador da política. Não restam, pois, espaços para a sua atuação como consultor. Poder-se-ia admitir, contudo, seu caráter consultivo no que se refere a dúvidas levadas pelo órgão executor das políticas públicas traçadas pelo Conselho, quando, por exemplo, não ficou clara para o executor a faixa etária das crianças envolvidas em determinado projeto. Mas essa função é inerente a quem delibera, ou seja, havendo dúvidas sobre a deliberação, procura-se o órgão deliberante para dirimi-las. Portanto, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente somente pode assumir característica consultiva quando for abordado pela Administração Pública sobre matéria estranha ao atendimento dos direitos de crianças e adolescentes.

Do mesmo modo, o caráter normativo está implícito na função deliberativa, pois as resoluções do Conselho estabelecem, em última análise, normas para a execução do projeto. Entretanto, nada obsta que o Conselho venha estabelecer normas gerais para a sua observância, como a forma de administração do Fundo para a Infância e Adolescência, ou para a observância de seus órgãos executores, como as secretarias, no que se refere, por exemplo, á forma de controle das

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despesas. Assim, constata-se que o caráter deliberativo, no âmbito de atuação do Conselho, compreende o caráter normativo.

Conclui-se, assim que as leis estaduais e municipais que criam os Conselhos de Direitos e lhes atribuem o caráter consultivo ou o normativo, em nada se diferenciam daquelas que seguem o Estatuto, ou seja, que consagram apenas o caráter deliberativo, pois, este compreende aqueles no desempenho das funções do Conselho de Direitos.

 

 

10. RELAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Com a leitura dos itens anteriores já foi possível notar a estreita relação do Ministério Público com o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente. Essa relação surge em razão da própria missão institucional do Ministério Público, que é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis(art. 127, CF), entendido estes como os bens considerados pela sociedade de extrema importância, ou seja, aqueles de que o titular não se pode desfazer, entre os quais se incluem os direitos infanto-juvenis fundamentais, consagrados no art. 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim, a missão institucional do Ministério Público referente especificamente à infanto-adolescência é de garantir o respeito aos seus direitos fundamentais, sejam direitos individuais - que dizem respeito apenas à criança ou ao adolescente sem relacioná-lo a outras situações jurídicas - ou meta-individuais - que dizem respeito a determinada categoria, como os alunos de uma escola (direito coletivo) ou, ainda, que dizem respeito a sujeitos indeterminados, como os habitantes de uma região quando, por exemplo, buscam a conservação de um parque público ( direito difuso).

Para o desempenho regular de sua missão institucional, é o Ministério Público, também, a instituição fiscalizadora das entidades não-governamentais (art. 95, ECA), estando, por conseguinte, legitimado a propor ações de responsabilidade contra o Poder Público ou particulares

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pela ofensa aos direitos infanto-juvenis (art. 208, ECA), não se limitando mais à persecução criminal e à defesa dos interesses individuais e do Estado, como outrora, mas sim atuando como verdadeiro referencial da sociedade na garantia dos direitos indisponíveis.

Nesse sentido, o Ministério Público está legitimado a exercer a fiscalização do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente da mesma forma que faz o controle de qualquer órgão público, o que é suficiente para demonstrar que em hipótese nenhuma um membro dessa instituição pode ter assento no Conselho de Direitos, apesar - mais uma vez - da existência de várias opiniões em contrário baseadas na tese de que a participação de órgãos públicos com assento no Conselho de Direitos deve ser a mais ampla possível, incluindo aí aqueles que não compõe o Poder Executivo, como anunciamos no item 3, acima. As atribuições do Ministério Público ensejam o contato direto de seus órgãos - sobretudo do Promotor da Infância e da Juventude( ou quem exerça essa função na comarca) no âmbito do Ministério Público Estadual - com a situação real da infanto-adolescência. Este fato nos permite notar, com mais clareza, que, além de fiscalizador das ações do Conselho de Direitos, o Ministério Público tem os dados necessários para que aquele elabore políticas públicas coerentes com a realidade.

 

 

11. RELAÇÃO COM A JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

 

A relação do Conselho de Direitos com a Justiça da Infância e da Juventude vem no mesmo sentido de sua relação com o Ministério Público no que se refere aos subsídios necessários para a implantação de políticas públicas adequadas à realidade sobretudo, quanto à relação Justiça da Infância e da Juventude-Conselho Municipal de Direitos, em virtude da diretriz de municipalização do atendimento (art. 88, I, ECA).

Para que melhor se possa notar a necessidade de aproximação da Justiça da Infância e da Juventude com o Conselho de Direitos, basta saber que entre as atribuições daquela está a apuração do ato infracional atribuído a adolescente; o julgamento das ações civis contra o Poder Público ou particulares fundadas em interesses individuais, coletivos e difusos afetos à criança e ao adolescente, e aplicação de

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penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente (arts. 148 e 149, ECA).

Em suma, essas atribuições permitem um relativo conhecimento das carências infanto-juvenis que devem ser levadas em consideração na definição das políticas a serem implementadas em determinada localidade ou região. Quanto à participação de representante do Judiciário no Conselho de Direitos, podemos agregar a tudo que já foi mencionado nos itens 1, 3 e 7, o fato de ser o próprio Judiciário competente para dirimir os conflitos de interesses envolvendo o Conselho de Direitos, o que, no mínimo, mostra que a representação do Judiciário no Conselho de Direitos é um contra-senso. Não há possibilidade de justificar essa presença nem mesmo afirmando que o representante do judiciário seria um determinado juiz, enquanto que um outro seja competente para dirimir os conflitos envolvendo o Conselho de Direitos. Este não é um Conselho de pessoas, mas sim de organizações. Tanto é assim, que a impossibilidade de o membro de determinada organização, em pleno mandato, continuar participando do Conselho não acarreta a saída da organização, mas sim a troca de representantes.

Mais uma vez, sabemos da existência de teses com outro entendimento. Entretanto, de todas as inconstitucionalidades apontadas até aqui, a mais flagrante é, sem dúvida, a participação de um membro do Judiciário como conselheiro de direitos da criança e do adolescente (art. 2º., CF).

 

 

12. INCENTIVANDO UMA CONCLUSÃO

 

Há uma palavra que perpassa as linhas deste trabalho, algumas vezes de forma explícita, outras, de forma implícita, mas, em todo caso, de forma constante. Trata-se da democracia. E a maior conclusão que se pode retirar aqui é justamente o que foi levantado nas páginas iniciais: as modalidades tradicionais do direito de participação política não mais correspondem ao anseio da sociedade civil de maior participação no Poder Público. Há necessidade, portanto, de um adensamento na relação representante-representado, o que somente pode ocorrer

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mediante a busca de novos canais de participação no Poder.

Partimos da análise das duas Leis brasileiras de maior participação popular em nossa história para estudar o significado de um dos instrumentos de consolidação da democracia no Brasil que nasceu inspirado pela nossa própria realidade, e não mais importado do pensamento do primeiro mundo. Essas Leis foram a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. E o instrumento colaborador para a consolidação da democracia consiste nos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente.

Se para a sua realização a vontade popular, consagrada nas leis, foi expressa na criação de Conselhos, e não de um Conselho apenas, devem ser respeitadas as peculiaridades locais e regionais no seu processo de implantação, guardados os fundamentos que são comuns a todos os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. E, em se tratando de processo de implantação, sabe-se que a primeira fase não consiste na elaboração da lei, mas na mobilização popular que têm sua gênese na própria sociedade civil. O essencial é, pois, que se inicie o processo de implantação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente pela sociedade civil, por meio do estímulo à participação política, e que este texto possa contribuir como incentivo à sua conclusão. Ou seja, que possam ser efetivados os direitos infanto-juvenis e realizado o que concebeu como forma de exercício de democracia no Brasil. 

Conselho Tutelar – alguns aspectos ainda controvertidos

 Dentro da sistemática estabelecida para o atendimento à criança e o adolescente pela Lei nº 8.069/90, uma das maiores inovações foi sem dúvida a previsão da criação dos conselhos tutelares, que por definição legal são órgãos permanentes e autônomos, de caráter não jurisdicional, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente definidos na própria legislação tutelar sem a necessidade de submeter os casos atendidos à burocracia e ao trâmite normalmente vagaroso da Justiça da Infância e Juventude (art.131 da Lei nº 8.069/90).

Ocorre que, passados 09 (nove) anos da entrada em vigor do Estatuto, os conselhos tutelares ainda são ilustres desconhecidos por grande parte da população e dos próprios governantes municipais, que não têm a exata compreensão de sua natureza jurídica, finalidade, atribuições e poderes.

Diversos artigos já foram escritos sobre as características do Conselho

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Tutelar, sendo que a presente exposição visa a eles se somar, através de comentários referentes a algumas particularidades e irregularidades envolvendo o funcionamento do órgão detectadas por este Centro de Apoio no desempenho de suas atribuições, que ainda são fonte de alguma confusão quando se trata da matéria.

O primeiro aspecto a ser observado diz respeito à investidura dos conselheiros tutelares em suas funções e a própria natureza destas, haja vista que os conselheiros tutelares, embora possam ser enquadrados no conceito de "servidores públicos latu sensu", não podem ser equiparados aos funcionários públicos municipais em geral, pois ao contrário destes, não ingressam no cargo através de concurso público, não possuem qualquer subordinação funcional a outros agentes públicos (nem mesmo ao Prefeito Municipal), não gozam dos mesmos direitos ou vantagens dos demais servidores municipais etc.

Diz o art.132 da Lei nº 8.069/90 que o Conselho Tutelar será composto de 05 (cinco) membros, escolhidos pela população local. O processo de escolha, dependendo do que estiver estabelecido na legislação municipal específica, deverá se dar por voto secreto, direto e facultativo dos eleitores do município OU por intermédio de um colégio eleitoral, ao qual deve ser garantida a mais ampla representatividade, de modo que todos os segmentos da sociedade civil local possam ao menos indicar delegados com direito a voto nesse colégio eleitoral.

De uma forma ou de outra, é imprescindível que a população tome conhecimento e participe do processo de escolha, servindo este momento para a reflexão, conscientização e discussão sobre as questões relativas à área da infância e juventude no município, a fim de que sejam escolhidas para a função pessoas realmente cônscias e comprometidas com o respeito à Lei, à Constituição à criança e ao adolescente.

Aqui surge um dos primeiros problemas relacionados à formação e composição do Conselho Tutelar, pois em certos municípios não se garante a mais ampla participação popular, seja através de restrições muitas vezes absurdas aos aspirantes ao cargo, seja através da falta de uma devida divulgação sobre o processo de escolha ou da falta de efetiva representatividade do colégio eleitoral que irá votar nos conselheiros tutelares.

Devemos lembrar que a função de conselheiro tutelar não é técnica, e embora sejam recomendáveis o domínio do vernáculo, de conhecimentos teóricos mínimos acerca da Lei nº 8.069/90, Constituição Federal e legislação esparsa correlata à área infanto-juvenil, bem como alguma experiência no trato com crianças e adolescentes, exigências

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tais quais o diploma em curso de nível superior, vários anos na lida diária com crianças e adolescentes, porte de habilitação para conduzir veículo ou outras que estabeleçam restrições exageradas aos candidatos são totalmente inadequadas, pois apenas "elitizam" o Conselho e, segundo a prática tem demonstrado, pouco ou nenhum benefício acarretam ao funcionamento do órgão.

Com efeito, mais importante que mil pré-requisitos, é a CAPACITAÇÃO PERMANENTE do Conselho Tutelar, devendo ser promovida a articulação com os demais órgãos e autoridades existentes no município que prestam atendimento à criança e ao adolescente.

Também deve o Conselho Tutelar ter, em sua "retaguarda", uma EQUIPE INTERPROFISSIONAL, composta de psicólogos, pedagogos e assistentes sociais que lhe irá proporcionar o SUPORTE TÉCNICO necessário, seja através do fornecimento de subsídios para que o órgão possa deliberar acerca da(s) medida(s) mais adequada(s) à criança, adolescente e/ou família atendida, seja para a própria execução e acompanhamento da(s) medida(s) aplicada(s), com avaliações periódicas acerca da necessidade de seu incremento, modificação ou extinção.

No mesmo sentido, IMPRESCINDÍVEL que o município mantenha uma ESTRUTURA MÍNIMA DE ATENDIMENTO à criança, ao adolescente e a suas respectivas famílias, com a criação e manutenção de PROGRAMAS DE ATENDIMENTO tais quais os previstos nos arts.90, 101 e 129 da Lei nº 8.069/90, para onde poderá o Conselho Tutelar encaminhar os casos atendidos.

Nunca é demais lembrar que, ao contrário do que pensam alguns, o Conselho Tutelar não é um "programa de atendimento" à criança e ao adolescente, nem é o órgão que irá, pessoal e diretamente, EXECUTAR a(s) medida(s) de proteção por ele próprio aplicada(s), pelo que a "retaguarda" acima mencionada, a nível de equipe técnica E criação/manutenção de programas de prevenção e proteção, é verdadeiramente IMPRESCINDÍVEL à implantação de uma efetiva POLÍTICA DE ATENDIMENTO MÍNIMA à população infanto-juvenil local.

 

Voltando à questão central, outro problema comum que vem sendo detectado diz respeito à COMPOSIÇÃO do Conselho Tutelar, que em muitos casos conta com MENOS DE CINCO membros, via de regra sob a alegação de "falta de recursos" ou "falta de demanda" de atendimento.

Ora, como sabemos, a composição do Conselho Tutelar é estabelecida em LEI FEDERAL, sendo o órgão INVARIAVELMENTE COMPOSTO POR

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CINCO MEMBROS (art.132 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Não há, portanto, margem alguma para que o legislador municipal estabeleça um número de conselheiros tutelares INFERIOR ao fixado pela Lei nº 8.069/90, e nem isto é de qualquer modo recomendável.

Importante frisar que o Conselho Tutelar é um órgão COLEGIADO, sendo sua composição INVARIÁVEL de 05 (CINCO) MEMBROS conditio sine qua nom ao seu regular funcionamento como tal.

Evidente que, em determinada sessão, onde serão apreciados e decididos os casos atendidos individualmente pelos conselheiros, poderá o Conselho estar desfalcado por faltas, licenças justificadas e/ou férias de um ou mais conselheiros, mas estas ausências, por serem temporárias e ocasionais, não desvirtuam o funcionamento do órgão como um colegiado, embora possam impedir a instalação da sessão respectiva pela falta de um quorum mínimo de conselheiros, que deve estar previsto no seu regimento interno.

Caso o Conselho Tutelar esteja funcionando com menos de 05 (cinco) membros, e não existam conselheiros suplentes a assumir a função, deve ser de imediato deflagrado novo processo de escolha para o preenchimento da(s) vaga(s) respectiva(s), sendo recomendável que este procedimento conste prévia e expressamente da lei municipal, inclusive para definir a duração deste verdadeiro "mandato-tampão".

Desnecessário dizer que, um órgão de atendimento à criança e ao adolescente composto por número diverso de 05 (cinco) membros (notadamente quando inferior), NÃO SERÁ UM CONSELHO TUTELAR, ainda que como tal seja denominado. Por via de conseqüência, não estará investido dos poderes e atribuições previstas nos arts.95, 136, 191 e 194 da Lei nº 8.069/90, com evidentes prejuízos ao atendimento da população infanto-juvenil do município.

Assim sendo, um município que mantém um órgão denominado de "Conselho Tutelar", porém composto por apenas 02 (dois) ou 03 (três) membros, NA VERDADE NÃO POSSUI UM CONSELHO TUTELAR nos moldes do previsto no art.131 e seguintes da Lei nº 8.069/90, mas sim conta com um mero serviço de atendimento à criança e ao adolescente, do tipo "S.O.S. Criança" com poderes muito mais restritos e em flagrante desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que OBRIGA TODO MUNICÍPIO a manter, ao menos UM Conselho Tutelar, com sua composição regulamentar de 05 (cinco) membros.

COISA ALGUMA JUSTIFICA o descumprimento da legislação federal que estabelece a referida composição INVARIÁVEL do Conselho Tutelar, pois o art.227, caput da Constituição Federal e o art.4º, caput e par. único,

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alíneas "b", "c" e "d" GARANTEM um tratamento PRIORITÁRIO para a área da infância e juventude por parte do Poder Público, inclusive na DESTINAÇÃO PRIVILEGIADA DE RECURSOS PÚBLICOS que evidentemente permitam o regular funcionamento do Conselho Tutelar e a ESTRUTURA MÍNIMA DE ATENDIMENTO à criança e ao adolescente alhures mencionada, que deve permanecer na "retaguarda" do órgão.

No mesmo diapasão, não tem sentido algum a alegada "falta de demanda" a tornar "desnecessária" a presença dos 05 (cinco) conselheiros tutelares regulamentares, pois uma vez que o Conselho Tutelar passe a atuar como deseja a legislação específica, de forma preponderantemente PREVENTIVA, deslocando-se até as comunidades mais carentes e aplicando medidas diante da simples AMEAÇA de violação de direitos de crianças e adolescentes, por certo surgirá uma IMENSA demanda reprimida que por sua vez irá gerar um trabalho DESCOMUNAL mesmo no menor dos municípios.

Recentemente este Centro de Apoio apreciou um peculiar caso em que o prefeito de um determinado município paranaense simplesmente "dispensou" TRÊS dos cinco conselheiros tutelares sob a alegação de falta de recursos para sua manutenção.

Salta aos olhos o absurdo dessa conduta arbitrária e mesmo criminosa, que fez tabula rasa dos mais elementares preceitos legais e constitucionais aplicáveis à matéria, que como vimos asseguram à área da infância e juventude um tratamento PRIORITÁRIO que foi absolutamente ignorado e vilipendiado por parte do administrador público municipal em questão.

Para fins da presente exposição, no entanto e em suma, interessante apenas destacar que a manifesta ilegalidade dessa atitude decorre dos seguintes fatores alhures mencionados:

a) o conselheiro tutelar é investido de verdadeiro MANDATO ELETIVO, não pertencendo aos quadros do funcionalismo público municipal em geral, e muito menos exerce cargo de provimento em comissão, passível de exoneração ad nutum pelo Prefeito Municipal;

b) a "dispensa" de 03 (três) dos CINCO conselheiros tutelares regulamentares, na prática, provocou a EXTINÇÃO do Conselho Tutelar, que como tal não pode funcionar sem sua composição FIXA estabelecida pela Legislação Federal, restando assim violado o caráter PERMANENTE do órgão, com NEGATIVA DE VIGÊNCIA ao disposto nos arts.131 e 132 da Lei nº 8.069/90;

c) a falta de recursos NÃO PODE SERVIR DE PRETEXTO para a diminuição

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da estrutura de atendimento à criança e ao adolescente no município (de regra já bastante reduzida), ex vi do disposto nos citados arts.227, caput da Constituição Federal e arts.4º, caput e par. único, alíneas "b", "c" e "d" e 88, incisos I e III, todos da Lei nº 8.069/90.

 

Esse tratamento dispensado ao Conselho Tutelar por parte do administrador público municipal bem sintetiza a idéia equivocada que ainda se faz a respeito do Conselho Tutelar: seria o órgão apenas mais um serviço assistencial prestado pela prefeitura municipal, à qual estaria diretamente subordinado.

Essa falsa noção, é bem verdade, em grande parte é de responsabilidade dos próprios conselhos tutelares em geral, que pouco capacitados e absolutamente inseguros quanto a seus poderes, autonomia e independência funcionais, acabam deixando a desejar no tocante ao efetivo desempenho de suas atribuições, não raro assumindo uma indesejável postura submissa frente ao Poder Executivo local.

Se esquecem os conselheiros tutelares que seus mandatos são conferidos pelo povo, tal qual o Chefe do Executivo local, sendo que dentro de sua esfera de atribuições, previstas nos citados arts.95, 136, 191 e 194 da Lei nº 8.069/90, o Conselho Tutelar goza de AMPLOS PODERES, que podem ser exercidos mesmo CONTRA o Poder Público municipal, via de regra o responsável, ainda que por OMISSÃO, de graves violações a direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Tal qual a autoridade judiciária e representante do Ministério Público, o conselheiro tutelar goza de plena AUTONOMIA FUNCIONAL, devendo as deliberações do colegiado respeito apenas à Lei, à Constituição da República, às consciências dos integrantes do órgão e à população que estes representam.

Assim sendo, para deliberar nesse ou naquele sentido, especialmente quando da REQUISIÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS na forma do previsto no art.136, inciso III, alínea "a" da Lei nº 8.069/90, não precisa o Conselho Tutelar buscar "autorização" para agir quer do Conselho Municipal de Direitos, quer da secretaria ou departamento municipal ao qual está administrativamente vinculado, quer do Prefeito Municipal, representante do Ministério Público e/ou Juiz da Infância e Juventude, devendo apenas justificar de forma adequada a necessidade da medida e, em sessão própria, atingido o quorum regulamentar, assim o determinar, notificando a autoridade para que cumpra a decisão respectiva, sob pena da prática da INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA prevista no art.249 da Lei nº 8.069/90.

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É claro que o Conselho Tutelar deve procurar evitar entrar em atrito com as demais autoridades e entidades públicas e privadas encarregadas de prestar atendimento à criança e ao adolescente, pois apenas a SOMA dos esforços garantirá a almejada PROTEÇÃO INTEGRAL a essa parcela da população, porém devem ser os conselheiros tutelares capacitados e devidamente preparados para o exercício da parcela de poder que detém de forma responsável e independente, com a coragem de enfrentar a quem for preciso para garantir o cumprimento da lei e a defesa dos superiores interesses infanto-juvenis dos quais são mandatários.

 

Nessa perspectiva, devem tanto o Promotor quanto o Juiz da Infância e Juventude buscar no Conselho Tutelar uma verdadeira "parceria" no sentido de garantir o mais completo atendimento à criança e ao adolescente no município, podendo ser traçadas estratégias de ação conjuntas, inclusive com o envolvimento dos comissários de vigilância da infância e juventude e equipe interprofissional a serviço do Poder Judiciário.

Assim agindo, se estará inclusive melhor capacitando os conselheiros tutelares para o desempenho de suas atribuições, evitando por outro lado ações equivocadas que são tão comuns em boa parte dos Conselhos Tutelares existentes, tais quais a retirada indiscriminada de crianças ou adolescentes da companhia de seus pais ou responsável, com o subsequente abrigamento ou - o que é PIOR, com seu encaminhamento para família substituta, a ingerência indevida em procedimentos de adoção, a aplicação de medidas apenas à criança e/ou adolescente atendidos, deixando de lado medidas destinadas ao pais etc...

Uma vez capacitado e exercendo regularmente suas atribuições, em sendo encontradas falhas na política para a área infanto-juvenil traçada pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (se é que existe tal política), deverá o Conselho Tutelar então buscar junto a este Conselho de Direitos a deliberação pela criação e/ou adequação de programas que venham a suprir as deficiências encontradas, intervindo inclusive quando da elaboração da proposta orçamentária que os contemple (art.136, inciso IX da Lei nº 8.069/90), de modo a garantir a destinação de recursos num patamar suficiente para sua criação e/ou manutenção, sempre na perspectiva de que cabe ao município manter uma ESTRUTURA MÍNIMA de atendimento à criança e ao adolescente.

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Para essa tarefa, o Conselho Tutelar por certo sempre irá contar com o apoio incondicional do Ministério Público, que também deve cobrar do Conselho Municipal de Direitos a elaboração de uma política de atendimento adequada à realidade do município, e do Poder Público a permanente destinação de recursos com vista à efetiva implantação dessa política, de modo a garantir o cumprimento dos mandamentos legais e constitucionais já mencionados, ainda que para tanto tenha de recorrer ao Poder Judiciário, que se espera também esteja comprometido com o respeito ao ordenamento jurídico e à nobre causa infanto-juvenil.

 

MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMOPromotor de Justiça

  

O Conselho Tutelar: poderes e deveres face a Lei nº 8.069/90.

 MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO[1] 

  

Dentre as grandes e oportunas inovações estabelecidas pela Lei nº 8.069/90 para a sistemática de atendimento à criança e ao adolescente, está sem dúvida a previsão de criação, em todos os municípios brasileiros, de ao menos um Conselho Tutelar, que por definição legal é "órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente..." (verbis/omissis - art.131). 

Como resposta ao Princípio Constitucional da Democracia Participativa, insculpido no art.1º, par. único, in fine, da Constituição Federal, quis o legislador que a própria sociedade não apenas delegasse poderes, mas sim participasse ativa e diretamente da solução dos problemas envolvendo suas crianças e adolescentes, na perspectiva de que a sistemática então vigente, na qual toda responsabilidade recaía na pessoa do "Juiz de Menores", era

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flagrantemente inadequada e ineficiente, na medida que centralizava decisões e submetia questões de cunho eminentemente social à burocracia e morosidade da máquina judiciária. 

A partir da Lei nº 8.069/90, através do Conselho Tutelar, de mera espectadora passiva a sociedade passou a assumir um papel decisivo na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, sendo que para o exercício desse fundamental mister, o legislador conferiu àquele órgão verdadeira parcela da soberania estatal, traduzida em poderes e atribuições próprias, que erigem o conselheiro tutelar ao posto de autoridade pública, investida de função considerada pela lei como "serviço público relevante" (verbis - art.135 do citado Diploma Legal). 

Importante mencionar que o conselheiro tutelar não pode ser considerado um simples ocupante de um "cargo público" qualquer[2], dada absoluta autonomia e independência funcional do Órgão Tutelar face a Administração Pública municipal, da qual não faz parte.  

Embora merecessem uma qualificação própria, dada natureza sui generis de suas funções e da relação que mantém com a municipalidade, na classificação tradicional é possível enquadrar os conselheiros tutelares no conceito de agentes políticos, assim definidos por HELY LOPES MEIRELLES: 

"AGENTES POLÍTICOS: São os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas pela Constituição e em leis especiais. Não são servidores públicos, nem se sujeitam ao regime jurídico único estabelecido pela Constituição de 1988. Têm normas específicas para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhe são privativos. 

"Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, (...), DECIDINDO E ATUANDO COM INDEPENDÊNCIA NOS ASSUNTOS DE SUA COMPETÊNCIA. SÃO AS AUTORIDADES PÚBLICAS SUPREMAS do Governo e da Administração NA ÁREA DE SUA ATUAÇÃO, pois NÃO ESTÃO HIERARQUIZADAS, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais e de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos TÊM PLENA LIBERDADE FUNCIONAL, EQUIPARÁVEL À

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INDEPENDÊNCIA DOS JUÍZES NOS SEUS JULGAMENTOS (...). 

"Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa das dos que simplesmente administram (...). Daí porque os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções (...)" (In Direito Administrativo Brasileiro. 22ª Edição. Malheiros Editores, São Paulo, 1997, págs.72/73 - grifamos). 

Como decorrência dessa peculiar condição, não é correto incluir o Conselho Tutelar na estrutura organizacional da Administração Pública municipal, havendo entre o órgão e a municipalidade mera vinculação administrativa, na medida em que o município está obrigado a destinar recursos orçamentários em patamar suficiente para garantir o seu adequado funcionamento, tal qual faz em relação à Câmara Municipal[3], sem que isto também importe em quebra de sua autonomia e/ou independência. 

De igual sorte, os conselheiros tutelares não devem ser considerados ocupantes de "cargo em comissão" (como ocorre em muitas leis municipais) e muito menos subordinados ao Chefe do Executivo local[4], a exemplo dos funcionário públicos municipais, com os quais como visto não se equiparam, sendo seu "regime jurídico" face a municipalidade também diferenciado. 

  

Na verdade, o conselheiro tutelar, na condição de agente político investido de mandato popular, possui poderes e atribuições equiparados aos do Juiz da Infância e Juventude, cujas funções substitui (nesse sentido, vide art.262 da Lei nº 8.069/90), sendo que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente coloca ambas autoridades públicas em absoluta igualdade de condições no momento em que considera crime, previsto em seu art.236, impedir ou embargar tanto a ação do Juiz da Infância e Juventude quanto do membro do Conselho Tutelar, também cometendo a mesma infração administrativa de seu art.249 aquele que descumpre, dolosa ou culposamente tanto a determinação da autoridade judiciária quanto a emanada do Órgão Tutelar[5]. 

  

Nesse contexto, sem jamais perder de vista que o Conselho Tutelar é um órgão colegiado, e que as atribuições relacionadas nos arts.95, 136, 191 e 194 da Lei nº 8.069/90 somente poderão ser validamente exercidas se resultarem de uma deliberação desse colegiado, ainda

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que a decisão respectiva tenha sido tomada por maioria de votos, a prática tem demonstrado que, muitas vezes, seja por desconhecimento seja por temor de represálias por parte do Poder Público local, o Conselho Tutelar acaba deixando de usar de seus poderes e prerrogativas na defesa de crianças e adolescentes, que assim acabam sendo prejudicadas pela omissão ou ineficácia da intervenção desse órgão que deveria protegê-las. 

  

Com efeito, quando a lei confere poderes a determinado órgão ou autoridade para agir, está também impondo a este(a) o dever de fazê-lo, sendo certo que constitui crime de prevaricação "RETARDAR OU DEIXAR DE PRATICAR, indevidamente, ATO DE OFÍCIO, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal" (verbis - art.319 do Código Penal - grifei). 

Em outras, palavras, quem tem o poder, também tem o dever, devendo a autoridade pública se empenhar e buscar meios para cumprir seus misteres, usando para tanto de todos os mecanismos e recursos legais que estiverem à sua disposição. 

  

Nesse particular, nota-se que os Conselhos Tutelares vêm encontrando uma certa dificuldade em fazer valer seu poder de requisição, previsto no art.136, inciso III, alínea "a" da Lei nº 8.069/90. 

  

Segundo o citado dispositivo, dada sua condição de autoridade pública investida de poder de decisão[6], o Conselho Tutelar não necessita de ordem judicial para fazer com que estas sejam cumpridas, notadamente quando dirigidas a outras autoridades ou órgãos públicos, bem como a pais ou responsável por criança e/ou adolescente. 

As decisões do Conselho Tutelar[7], em tais casos, já são naturalmente dotadas de coercibilidade, obrigando seu destinatário a cumprí-la fielmente, independentemente de formalidade outra além da requisição ou notificação propriamente dita. 

Em se tratando de uma requisição, expedida com base no citado art.136, inciso III, alínea "a" da Lei nº 8.069/90, uma vez cumpridas as

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formalidades procedimentais necessárias à tomada e materialização dessa decisão e sendo a ordem respectiva[8] corretamente endereçada à autoridade pública competente para atender o comando ali existente (para o que deve ser concedido prazo razoável), seu descumprimento injustificado importa, em tese, na prática de crime de desobediência, definido pelo art.330 do Código Penal, sem embargo da prática de infração administrativa definida no art.249 da Lei nº 8.069/90, podendo assim o refratário sofrer dupla sanção[9]. 

Sendo o Conselho Tutelar AUTORIDADE PÚBLICA investida de PODER DE MANDO, é mais do que elementar que o descumprimento injustificado de uma ordem legal dele regularmente emanada, caracteriza a infração penal acima referida, sendo também passível de sanção na esfera administrativa, tudo com o objetivo de fazer valer as prerrogativas - e deveres correspondentes conferidas ao órgão pela sociedade que representa. 

Caso não concorde com a decisão do Conselho Tutelar ou entenda tenha sido ela proferida em desacordo com as prescrições legais ou regimentais existentes, ao destinatário da requisição (diga-se ordem) do Conselho Tutelar restará o pedido revisional à autoridade judiciária, tal qual previsto no art.137 da Lei nº 8.069/90, somente ficando desobrigado de cumpri-la caso provido seu pleito. 

Ainda assim, o Conselho Tutelar pode não se dar por vencido, sendo-lhe facultado questionar junto à Superior Instância a decisão da autoridade judiciária, contra ela apelando ou mesmo impetrando mandado de segurança, em sendo constatado que dela resultou violação de direito líquido e certo (ou prerrogativa legal) do órgão[10]. 

Inadmissível, pois, o descumprimento puro e simples das requisições e demais determinações do Conselho Tutelar, o que demonstra pouco caso para com os poderes dos quais o órgão está investido, com o que este não pode se conformar. 

  

Assim sendo, uma vez deliberado pela expedição de requisição a autoridade pública municipal na forma do disposto no art.136, inciso III, alínea "a" da Lei nº 8.069/90 (no sentido da realização de um acompanhamento de determinado caso pelo serviço de assistência social da prefeitura ou de uma orientação psicológica sistemática a uma criança, adolescente ou família), bem como vencido o prazo concedido para o cumprimento da ordem legal emanada, sem que para tanto tenha sido apresentada justificativa plausível, deve o Conselho Tutelar: 

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1 - Oferecer, diretamente[11], representação ao Juiz da Infância e Juventude da Comarca para fins de instauração de procedimento para apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente, a teor do disposto no 136, inciso III, alínea "b" em combinação com o art.194 e seguintes da Lei nº 8.069/90; 

2 - Extrair e encaminhar cópias da mesma documentação utilizada para instruir a inicial do procedimento (referente ao caso atendido onde a medida foi aplicada, cópia da ata da sessão deliberativa onde se decidiu pela expedição da requisição, cópia da requisição em si e seu protocolo e, se houver, resposta da autoridade negando o cumprimento da ordem respectiva por motivos injustificados), ao representante do Ministério Público com atribuições junto à Vara Criminal da comarca, a título de delatio criminis; 

3 - Extrair e encaminhar cópias da mesma documentação acima referida ao representante do Ministério Público com atribuições junto à Vara da Infância e Juventude da Comarca, para que o órgão do Parquet, a seu critério de conveniência e oportunidade, ingresse com ação civil pública ou mandamental na defesa de interesse (ainda que individual) de crianças ou adolescentes que tenham sido de qualquer modo violados em decorrência do descumprimento da requisição do Órgão Tutelar. 

Restaria ainda, a meu ver, a possibilidade de, a depender da situação, o próprio Conselho Tutelar impetrar mandado de segurança para ver assegurado seu direito líquido e certo de "zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente..." (verbis/omissis), definido no já citado art.131 da Lei nº 8.069/90. 

  

Vale repetir que dada completa autonomia funcional do Conselho Tutelar, todas essas iniciativas devem ser tomadas independentemente da "autorização" autoridade pública outra qualquer, devendo o órgão ter a isenção e coragem de, se necessário, contrariar mesmo os interesses do Chefe do Executivo Municipal, ao qual não está subordinado e, por mandamento constitucional, tem também e acima de tudo o dever de tratar os assuntos referentes à criança e ao adolescente com a mais ABSOLUTA PRIORIDADE, o que importa, dentre outras, em assegurar que a área da infância e juventude tenha "preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas" e receba uma "destinação privilegiada de recursos públicos", tal qual determinam o art.227, caput da Constituição Federal e art.4º, par. único, alíneas "c" e "d" da Lei nº

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8.069/90. 

  

Destarte, por mais obstáculos que se lhe imponham, o Conselho Tutelar precisa a todo custo fazer valer sua autoridade, para que a instituição não venha a cair no descrédito por parte dos governante e da população e, em especial, para que não se veja impossibilitada de cumprir o papel fundamental na defesa dos direitos de crianças e adolescentes que lhe foi reservado pela Lei nº 8.069/90. 

  

  

 

 

[1] Promotor de Justiça integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente

[2] apesar da equiparação do conselheiro tutelar ao conceito de "funcionário público" em especial para fins criminais (vide art.327, caput do Código Penal). 

  

[3] com a ressalva, aliás, que a municipalidade deve garantir em primeiro lugar o repasse de verbas ao Conselho Tutelar, dada inevitável incidência do princípio constitucional da prioridade absoluta, que traduzido pela Lei nº 8.069/90 importa, dentre outras, na destinação privilegiada de recursos públicos para a área infanto-juvenil. 

[4] ou a qualquer outra autoridade pública de qualquer nível ou Poder constituído. 

[5] assim entendida aquela decorrente de deliberação do colegiado, ainda que tomada por maioria de votos. 

[6] embora tais decisões não possuam caráter jurisdicional, ex vi do disposto no citado art.131, terceira parte, da Lei nº 8.069/90. 

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[7] repita-se, desde que resultantes de deliberação do colegiado, nos moldes do previsto na legislação municipal específica e/ou regimento interno do órgão. 

[8] pois quem requisita não pede, manda. 

[9] sendo uma pelo Juízo criminal comum e outra pelo Juízo da Infância e Juventude, sem que isto importe em bis in idem, dada natureza jurídica diversa das penas criminal e administrativa. 

[10] embora o Conselho Tutelar a rigor não tenha personalidade jurídica, não restam dúvidas que o órgão possui personalidade judiciária, ou seja, capacidade de ser parte, para defesa em Juízo de seus interesses. Deverá, no entanto, em tal hipótese constituir advogado para patrocinar-lhe a defesa. 

[11] e aí sem a necessidade de intervenção de advogado. 

 

A sociedade e os Conselhos Populares: um saudável e necessário exercício de cidadania

 

                                                                 Murillo José Digiácomo[1] 

  

Nos dias tumultuados e violentos em que vivemos, muitas vezes não paramos para refletir acerca das verdadeiras causas dos maiores problemas enfrentados pela sociedade, sendo comum assumirmos a cômoda postura de a tudo culparmos nossos governantes e autoridades constituídas, nos colocando na condição de vítimas. 

Muito embora o Poder Público tenha significativa parcela de responsabilidade pela preocupante (para dizer o menos) situação em que nos encontramos, e que sejamos também vítimas dos desmandos e descaso de boa parte de nossos governantes principalmente para com as questões sociais, não podemos deixar de reconhecer nossa parcela de culpa para com tudo isso. 

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E isto ocorre não apenas em razão da elementar constatação de que somos nós, o povo, que colocamos os governantes no poder, e que o analfabetismo político, tal qual ensinou Berthold Brecht, é um dos piores males que acomete a sociedade, mas nossa condição de co-responsáveis pelo caos social em que vivemos também resulta de nossa omissão em ocupar os espaços democráticos que nos são reservados pela lei e pela Constituição Federal. 

Com efeito, tanto a Constituição Federal quanto a legislação ordinária, em vários de seus dispositivos convocam a sociedade para participar de forma ativa e decisiva não apenas da discussão, mas também na solução dos problemas sociais, tanto na elaboração quanto no controle de determinadas políticas públicas, que não mais fica apenas a cargo do "governante de plantão". 

Como exemplos vivos desses verdadeiros espaços de democracia participativa (na mais pura expressão do contido no art.1º, par. único, parte final, da Constituição Federal), temos os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, através dos quais a própria sociedade, diretamente e em absoluta igualdade de condições com os representantes do Poder Executivo, irá definir, a nível municipal, estadual e Federal, em que consistirá a política de atendimento à criança e ao adolescente, bem como para área da assistência social (arts.204 e 227, §7°, ambos da Constituição Federal). 

Quis o constituinte, diante da importância dos temas acima relacionados, bem como das omissões e abusos a eles historicamente destinados pelo Poder Público, que toda e qualquer ação estatal nas áreas respectivas tivesse a obrigatória participação da sociedade, quer para a formulação, quer para a fiscalização da execução das políticas públicas correspondentes. 

Assim sendo, a sociedade tem, em suas mãos, o poder de transformar a realidade que a desagrada e a aflige, bastando que para tanto se mobilize e, face a face com os representantes do Poder Público local - e repita-se, em absoluta igualdade de condições, discuta os problemas existentes, proponha soluções e exija sua implementação, cobrando inclusive que, no caso específico da área da infância e juventude, seja assegurada a prioridade absoluta de tratamento que lhe é devida por mandamento constitucional, que importa, dentre outras, na destinação privilegiada de recursos públicos, tornando assim inaceitável a tão comum quanto odiosa alegação da "falta de verba" para a implantação das políticas públicas que se fizerem necessárias. 

Sem a efetiva participação da sociedade em sua discussão, elaboração e

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controle, toda e qualquer política pública voltada às áreas da infância e juventude e assistência social será carecedora de legitimidade, por vício de origem, podendo não refletir os verdadeiros anseios da população, que terá então perdido a oportunidade ímpar de resolver, por iniciativa própria, os problemas sociais que mais lhe são caros. 

Importante saber, pois, que hoje em dia, mais do que nunca, o poder de transformar a sociedade se encontra nas mãos do povo, que por conseguinte tem o dever de usá-lo em benefício de toda a coletividade, sem jamais se curvar ante aqueles que, ocasionalmente, foram encarregados - também pelo povo - da administração dos diversos entes federados. 

Se estamos encontrando dificuldades em bem desempenhar essa verdadeira missão constitucional, devemos buscar a capacitação e o estímulo necessários junto a entidades representativas da sociedade civil com atuação nas áreas citadas, às quais devemos somar esforços para garantir o pleno cumprimento da lei e da Constituição Federal. 

Nesse sentido, sugere-se que, como exercício de cidadania, o leitor busque informações, em seu município, sobre o local, data e horário das reuniões dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, acompanhe os trabalhos e leve suas reivindicações e propostas aos referidos órgãos, bem como fiscalize sua atuação, em especial de suas alas não governamentais, que devem ser compostas por legítimos representantes da sociedade civil organizada, sem qualquer vinculação - e muito menos subordinação - à Chefia do Executivo local. 

Saiba que cabe a esses órgãos, dos quais faz parte também a sociedade, a discussão e solução dos problemas existentes nas áreas respectivas a nível de município, devendo sua atuação ser a mais efetiva e transparente possível, para que todos possam ver se eles estão ou não funcionando de forma adequada. 

Uma vez conscientizada, capacitada e mobilizada, a sociedade por certo não se furtará em desempenhar o papel que lhe foi reservado pela Constituição Federal, promovendo em especial através dos Conselhos Populares acima relacionados e outros instrumentos de cidadania colocados à sua disposição, a necessária transformação da triste realidade que hoje vivemos, pois não basta lamentar, devendo cada um de nós participar desse processo democrático. 

  

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[1] Promotor de Justiça integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente Curitiba/PR. 

 

"Agentes de Proteção” / “Comissários de Vigilância da Infância e Juventude": necessidade de sua coexistência com o Conselho Tutelar.

    Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente e, mais especificamente com a criação dos conselhos tutelares nele previstos, passaram a surgir questionamentos acerca da necessidade e da própria legalidade da existência da figura do "comissário de menores", cuja atuação era expressamente disciplinada no art.7º e par. único da Lei nº 6.697/79, o revogado "Código de Menores".Muito embora a Lei nº 8.069/90 de fato não contemple disposição semelhante, a presença do "comissário de menores", agora chamado de “comissário de vigilância” 1 ou “agente de proteção2 da infância e juventude”3, foi expressamente prevista pelo legislador estatutário, como fica patente da leitura do art.194, caput do referido Diploma Legal, que estabelece a possibilidade de o procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente tenha início por "...auto de infração elaborado por SERVIDOR EFETIVO ou VOLUNTÁRIO CREDENCIADO..." (verbis - grifamos), que vem a ser justamente o "agente de proteção" acima referido.Diante da disposição estatutária acima transcrita, é deveras evidente que a figura do "agente de proteção" não foi banida pela nova legislação, que dentro de seu espírito democrático e descentralizador apenas preferiu deixar a regulamentação da matéria para os demais entes federados4, que poderão prever sua existência e disciplinar melhor suas atribuições, de acordo com as particularidades locais.No estado do Paraná, as atribuições dos "agentes de proteção", bem como sua forma de investidura, posse e outras disposições estão

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devidamente disciplinadas no Código de Divisão e Organização Judiciária (Lei Estadual nº 14.277, de 30/12/2003), mais especificamente em seus arts.123, inciso V, 148, incisos I a IX e 149. Existem ainda referências aos "agentes de proteção" em diversas passagens do Capítulo III do referido Código de Divisão e Organização Judiciária e no Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Paraná (Provimento nº 47/2003), que em seu item 8.1.2 dispõe que "o registro de termo de compromisso dos comissários deverá se lavrado junto ao livro próprio da direção do fórum" (verbis).A grosso modo, e tomando-se por base o rol de atribuições contido no citado art.148 da Lei Estadual nº 14.277/20035, pode-se dizer que o "agente de proteção" atua como uma espécie de longa manus do Juiz da Infância e Juventude, exercendo basicamente a função de fiscalizar o cumprimento das normas de proteção à criança e ao adolescente existentes (dentre elas as portarias judiciais expedidas na forma do disposto no art.149 da Lei nº 8.069/90), e ainda realizar diligências ou outras atividades consoante determinação da autoridade judiciária, à qual o agente é subordinado.A subsistência da figura do "agente de proteção" é praticamente um consenso junto à doutrina, sendo que a respeito do tema PAULO LÚCIO NOGUEIRA com muita propriedade afirma que "o Juizado deve contar com um corpo efetivo de comissários (...) para o exercício constante da fiscalização, pois, se esta não for feita com freqüência, não haverá cumprimento das disposições estatutárias, bem como das portarias baixadas, o que tornará o serviço desacreditado" (In O Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Saraiva. São Paulo, 1991, pág.221).Já WILSON DONIZETI LIBERATI ressalta que "o 'comissário' ou 'agente de proteção', servidor efetivo ou voluntário credenciado é, por deliberação exclusiva do juiz da infância e juventude, credenciado para desempenhar tarefas que lhe são atribuídas através da portaria judicial. Nela serão estabelecidos os requisitos para o exercício do cargo, como a gratuidade, idoneidade, atribuição para exercer o serviço de fiscalização, além, é claro, da confiança do juiz."Embora não esteja expresso no Estatuto, o Poder Judiciário poderá manter um quadro de voluntários que servirá de 'suporte' para as funções administrativas do Juizado e as concernentes à fiscalização" (In Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4ª Edição. Malheiros Editores. São Paulo, 1995, pág.173).Claro está, portanto, que os "agentes de proteção da infância e juventude", ao contrário do que pensam alguns, não apenas ainda têm sua atuação contemplada pelo ordenamento jurídico pátrio, como esta é agora, mais do que nunca, fundamental para a plena eficácia do sistema de garantias idealizado pelo legislador estatutário, pois através dele o

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Juízo da Infância e Juventude se fará onipresente para impedir e/ou reprimir ameaças ou violações de direitos de crianças e adolescentes, no mais puro espírito da proteção integral preconizada pelo art.227, caput da Constituição Federal.Também é importante registrar que a criação e implantação do Conselho Tutelar no município, apesar do disposto no art.262 da Lei nº 8.069/90 (a contrariu sensu), não deve conduzir à "dispensa", pela autoridade judiciária, dos "agentes de proteção" já credenciados e em atividade, pois seus serviços continuarão sendo necessários para o adequado funcionamento do Juízo da Infância e Juventude.Com efeito, embora pareça despicienda diante da argumentação anteriormente efetuada, a observação supra tem sua razão de ser na constatação de que, em várias comarcas, após a criação e implantação do Conselho Tutelar: a) houve a "extinção" do corpo de "agentes de proteção" nomeados pelo Juizado da Infância e Juventude e b) os Juízes da Infância e Juventude passaram a utilizar o Conselho Tutelar para o desempenho de funções típicas dos "agentes de proteção", e o que é pior, em muitos casos considerando aqueles como seus subordinados.Ora, "agentes de proteção" e conselheiros tutelares exercem atribuições distintas (embora em alguns casos assemelhadas e com o objetivo comum de proteção a crianças e adolescentes), devendo ambas figuras coexistir e atuar de forma harmônica e absolutamente independente.Como vimos, os "agentes de proteção" são uma espécie de longa manus da autoridade judiciária, agindo nos limites do disposto no art.148 do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Paraná (Lei Estadual nº 12.277/03) e do que mais constar na portaria judicial que os nomeie6, valendo a observação feita por ADRIANO MARREY, citado por WILSON DONIZETI LIBERATI: "o comissário de menores é representante do juiz de menores, especializado ou não, nas comarcas. É pessoa de confiança, que irá fiscalizar o cumprimento das portarias e ordens de serviço relacionadas com as medidas de prevenção e proteção aos menores. A relevância das funções não equipara o comissário à autoridade, sob o ponto de vista de que possa ser arbitrário nas suas ações, muito menos lhe concede poderes para efetuar prisões, fechar estabelecimentos, encerrar espetáculos públicos, mesmo que estes não estejam funcionando nos moldes da legislação vigente, ou não tenham alvará fornecido pela Vara de Menores" (In op. cit. pág.129).Assim sendo, temos que o "agente de proteção" exerce suas atribuições de forma vinculada e diretamente subordinada à autoridade judiciária que o nomeia ou, no caso do servidor efetivo, perante a qual oficia, tendo no entanto atribuições e poderes bastante limitados.Já o Conselho Tutelar, por expressa definição legal7, é órgão autônomo, não sendo portanto de qualquer modo subordinado ao Juiz da Infância e Juventude ou a qualquer outra autoridade no âmbito do município, tendo

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dentro de sua esfera de atribuições amplos poderes, como melhor veremos a seguir. A investidura dos conselheiros tutelares se dá após processo de escolha conduzido pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, passando os 05 (cinco) mais votados a exercer mandato de 03 (três) anos, que somente perderão em hipóteses restritas, de acordo com a legislação municipal específica.Os conselheiros tutelares exercem atribuições definidas em Lei Federal8, gozando assim de parcela da soberania estatal e portanto não necessitando de ordem judicial para fazer valer suas deliberações, cujo descumprimento, além de caracterizar a infração administrativa prevista no art.249 da Lei nº 8.069/90, importa na prática, em tese, do crime de desobediência tipificado no art.330 do Código Penal.O Estatuto da Criança e do Adolescente, em várias de suas passagens9, equiparou o Conselho Tutelar à autoridade judiciária, que sob nenhum pretexto ou circunstância pode valer-se dos serviços daquele órgão como se seu subordinado fosse10, sendo que caso queira a colaboração do órgão para a realização de determinada atividade, terá de solicitar a intervenção respectiva, em requerimento que passará pelo crivo de sua plenária antes de ser ou não acatado.Vale observar que tanto o Conselho Tutelar quanto o Juiz da Infância e Juventude são autoridades públicas, com poderes e atribuições assemelhados (e em alguns casos idênticos). Como não há hierarquia entre qualquer delas, eventual tentativa da autoridade judiciária em colocar o Conselho Tutelar em posição de inferioridade será indevida, ilegítima e, dependendo da situação, poderá importar em abuso de poder passível de sanção administrativa (via Corregedoria da Justiça) e mesmo penal.As solicitações da autoridade judiciária, embora devam ser objeto de consideração e, sempre que possível, de acatamento por parte do Conselho Tutelar (pois todos lutam pela mesma causa: o bem estar de crianças e adolescentes, que para ser alcançado deverá contar com a participação e empenho de todos), devem ser devidamente analisadas em conjunto com os demais casos atendidos pelo órgão, a quem compete estabelecer os critérios de conveniência, oportunidade e prioridade para atendimento.A prática tem demonstrado que, em muitos casos, o Juízo da Infância e Juventude utiliza o Conselho Tutelar para realização de "estudos sociais" e outras diligências tendentes a instruir feitos em andamento.Solicitações dessa natureza não se justificam, pois em primeiro lugar o Conselho Tutelar, via de regra, não é composto por pessoas tecnicamente habilitadas a realizar estudos dessa natureza, tendo assim pouca ou nenhuma valia o "parecer" apresentado, e em segundo porque o cumprimento dessas atividades absolutamente atípicas e totalmente fora do âmbito de suas atribuições (e/ou capacidade de atuação – sob o ponto de vista técnico), faz com que o Conselho Tutelar não possa desempenhar a contento seu relevante mister, causando assim prejuízos

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a toda população.Importante não perder de vista que, longe de realizar diretamente estudos sociais e/ou outras diligências que demandem conhecimento técnico, o Conselho Tutelar deve contar com uma equipe interprofissional permanentemente à sua disposição11, ou então poderá requisitar ao município a intervenção de servidores habilitados a fazê-lo, ex vi do disposto no art.136, inciso III, alínea "a" da Lei nº 8.069/90.Claro está, portanto, que para os objetivos acima mencionados, não deve a autoridade judiciária socorrer-se do Conselho Tutelar (salvo para solicitar a disponibilização de equipe multidisciplinar que este tenha à sua disposição ou para que o órgão, usando da prerrogativa prevista no art.136, inciso III, alínea "a" da Lei nº 8.069/90, requisite do município o serviço público respectivo), mas sim buscar a intervenção de pessoas habilitadas a elaborar pareceres técnicos idôneos, que realmente atendam aos fins a que se destinam, pois apenas a título de exemplo, de nada valerá um "estudo social" realizado por um leigo.Nos demais casos, salta também aos olhos a inconveniência (para dizer o menos) da utilização do Conselho Tutelar pela autoridade judiciária, ainda que em regime de estrita colaboração, para realização de diligências rotineiras tão necessárias para instruir feitos que se encontram em tramitação junto à Vara da Infância e Juventude12, pois se estas não demandam conhecimento técnico, poderão perfeitamente ser realizadas por outras pessoas (inclusive e especialmente pelos "agentes de proteção" nomeados), sem a necessidade de comprometer as demais atividades do órgão tutelar, que se agir como desejado pela legislação, de forma preventiva e itinerante, por certo terá considerável demanda a atender no seu cotidiano.A exposição supra deixa clara a necessidade da criação e/ou manutenção, em cada município, de um corpo de "agentes de proteção da infância e juventude", composto de um número razoável de voluntários da confiança do Juiz da Infância e Juventude, que ficarão à sua disposição para a realização das diligências que não demandam conhecimento técnico e outras relacionadas na citada Lei Estadual nº 14.277/03 (e alterações posteriores), devendo tais agentes procurar atuar sempre em regime de colaboração com o Conselho Tutelar e demais órgãos de defesa dos direitos de crianças e adolescentes existentes no município.Em não havendo um serviço próprio diretamente subordinado ao Juizado, para os "estudos sociais" e outras diligências onde o conhecimento técnico se faz necessário, deverá a autoridade judiciária buscar a intervenção de servidores públicos que tenham habilitação específica nas áreas respectivas, ou então socorrer-se das equipes do Serviço Auxiliar da Infância (SAI) lotadas nas comarcas contíguas, tal qual previsto no item 8.8.10 do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Paraná (Provimento nº 47/2003)13.Apenas assim se estará garantindo a correta aplicação da lei, com a

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utilização de todas as estruturas idealizadas para o adequado funcionamento do sistema de garantias preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, com o que todos, em especial a população infanto-juvenil, serão beneficiados.Devemos sempre lembrar que, com a criação e implantação do Conselho Tutelar, o município passa a contar com um órgão especializado na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, que em boa parte dos casos irá substituir por completo a atuação da autoridade judiciária, à qual caberá, em tomando conhecimento da ocorrência de alguma das situações previstas no art.98 da Lei nº 8.069/90 que demandem a aplicação de medidas de proteção a crianças, adolescentes e pais ou responsável, limitar-se encaminhar o caso para atendimento pelo referido Conselho14, que por sua vez deverá tomar as providências necessárias para resolver o problema.Ao arremate, resta apenas dizer que a atuação dos órgãos acima relacionados (notadamente Conselho Tutelar, Juiz da Infância e Juventude, e "agentes de proteção"), pode ser complementada por outros órgãos e entidades existentes no município15, sendo que para evitar lacunas, antagonismos e paralelismos, todos devem se reunir periodicamente a fim de avaliar a sistemática de atendimento adotada, aprimorando-a cada vez mais, sendo certo que o foro adequado para tais reuniões não é outro senão o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, ao qual poderão ser formuladas diretamente reivindicações visando a melhora na política de atendimento para a área infanto-juvenil, que como sabemos este órgão tem a missão constitucional de elaborar.Reafirmando o que já dissemos em manifestações anteriores, devemos sempre lutar para uma melhor estruturação dos municípios, de modo que estes possam cumprir a contento a diretriz contida no art.88, inciso I da Lei nº 8.069/90 com a mais absoluta prioridade exigida pelo art.227, caput da Constituição Federal. MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMOPromotor de Justiça 

A necessária mobilização da sociedade

 Murillo José Digiácomo[1] 

  

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O Estatuto da Criança e do Adolescente, decorridos mais de 10 (dez) anos desde sua promulgação, ainda vem encontrando sérias dificuldades em sua implantação, até mesmo (e porque não dizer em especial) no que concerne à criação e funcionamento adequado de órgãos e estruturas básicas nele previstos com vista à prometida proteção integral de nossas crianças e adolescentes. 

Assim é que ainda convivemos com Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e Tutelares irregulares em sua composição, desprovidos da estrutura necessária a seu adequado funcionamento, total ausência ou insuficiência de programas de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, enfim, sem que mesmo os mecanismos básicos de prevenção e proteção previstos pela legislação específica tenham sido implantados de forma minimamente adequada. 

Como resultado, nos deparamos com municípios que, apesar de formalmente contarem com seus Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e Tutelar implantados, na verdade não possuem qualquer política de atendimento à criança e ao adolescente, o que atesta a inoperância daquele primeiro e acaba por inviabilizar a atuação deste último Órgão, que não terá para onde encaminhar os casos atendidos. 

Tal situação é obviamente inadmissível, haja vista que a materialização e operacionalização do Sistema de Garantias idealizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, com a implantação de uma rede de atendimento que permita a efetiva PROTEÇÃO INTEGRAL à criança e ao adolescente, constitui-se num direito público subjetivo de toda população, em especial de sua parcela infanto-juvenil, posto que amparado pelo princípio constitucional da PRIORIDADE ABSOLUTA insculpido no art.227, caput, de nossa Carta Magna. 

A esse direito de toda coletividade corresponde, por óbvio, o dever do Estado (em seu sentido lato[2]) que a serve, que em se omitindo, coloca em GRAVE SITUAÇÃO DE RISCO todas as crianças e adolescentes do município na forma do previsto no art.98, inciso I, da Lei nº 8.069/90, podendo acarretar na responsabilidade do administrador que para tanto contribui (conforme art.208 da Lei nº 8.069/90, art.1º, inciso XIV do Decreto-Lei nº 201/67 e art.11, caput, da Lei nº 8.429/92) e na intervenção judicial para o fim de compelir o município a cumprir a lei e criar a estrutura de atendimento devida. 

Mas, para que chegar a tanto? 

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Diante de comandos legal e constitucional tão cristalinos como aqueles contidos no art.227, caput da Constituição Federal e art.4º, caput e par. único, alíneas "c" e "d" da Lei nº 8.069/90, como pode o administrador público deixar de conferir à área infanto-juvenil o tratamento prioritário - e em regime de prioridade ABSOLUTA de que ela é credora? 

Como, aliás, pode a sociedade PERMITIR que o administrador público tenha tamanho descaso para com a área infanto-juvenil, quando, também por mandamento legal e constitucional, ELA PRÓPRIA PARTICIPA (ou ao menos deveria participar) DIRETA E ATIVAMENTE da DEFINIÇÃO da POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE? 

Devemos partir do princípio que todas as decisões políticas (na mais "pura" acepção da palavra) que dizem respeito à criança e ao adolescente no município, no Estado Federado e na União são da competência do Conselho de Direitos do respectivo nível, que afinal, na forma da Lei[3] e da Constituição Federal,[4] se constitui num órgão deliberativo e controlador das ações do próprio Poder Executivo, ações estas que, como dito acima, devem contemplar a criança e o adolescente com a mais absoluta PRIORIDADE. 

Assim sendo, a título de exemplo, a nível de município não é o Prefeito quem irá, sozinho ou em conjunto com o seu gabinete, definir se deve ou não criar determinado programa de atendimento à criança e ao adolescente; destinar mais ou menos recursos para adequar um programa já existente à demanda; conceder ao Conselho Tutelar melhores condições materiais de funcionamento; encaminhar à Câmara Municipal qualquer projeto de lei que verse sobre a área da infância e juventude[5], enfim, tomar qualquer decisão afeta direta ou indiretamente à criança e ao adolescente no município, mas sim o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, ao qual também caberá, a posteriori, fiscalizar e zelar para que a deliberação respectiva seja cumprida, inclusive pelo próprio Prefeito Municipal, que não poderá modificá-la sponte propria. 

Vale o registro que o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente não se constitui, como ironizam alguns, numa espécie de "governo paralelo", mas sim é o próprio "governo" (diga-se Poder Público), na medida em que é esse Órgão, e não o "Chefe" do Executivo, quem detém o poder de decisão, assim respaldado nada menos que por disposição constitucional expressa. 

Justamente em razão dessa competência (e portanto poder-dever) constitucional conferida ao Conselho de Direitos para deliberar sobre todas as questões relacionadas à criança e ao adolescente, conclui-se

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por ilegítima toda e qualquer ação nesse sentido tomada pelo "Chefe" do Executivo que não tenha passado pelo crivo daquele Órgão Deliberativo, podendo mesmo importar na prática de ato de improbidade administrativa[6], na medida em que o "boicote" ou a criação de embaraços, por parte do "Chefe" do Executivo, ao funcionamento e à autoridade do Conselho de Direitos, indubitavelmente afronta, na melhor das hipóteses, os princípios de legalidade e de lealdade às instituições que devem nortear as ações do administrador público. 

Nesse contexto, uma vez compreendidas a exata dimensão do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente como instância deliberativa de governo, órgão detentor de significativa parcela da soberania estatal que tem a prerrogativa de elaborar e controlar a execução da política de atendimento à criança e ao adolescente, zelando para que seja cumprido o mandamento constitucional da ABSOLUTA PRIORIDADE à área infanto-juvenil, necessário garantir seu adequado funcionamento, que somente ocorrerá caso dele faça parte - e atue de forma efetiva (e não apenas figurativa), a sociedade civil organizada, no mais puro espírito do ideal de democracia participativa preconizado pelo art.1º, parágrafo único, da Constituição Federal que o inspirou. 

Desnecessário lembrar que o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente possui uma composição paritária entre governo e sociedade civil, característica que se constitui em verdadeira conditio sine qua nom para seu legítimo funcionamento. Qualquer regra ou situação de fato, ainda que amparada na legislação municipal, que venha a burlar ou mesmo a ameaçar essa necessária paridade, padece do vício insanável da inconstitucionalidade, não podendo prevalecer. 

O princípio da paridade, que como visto é da própria essência do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, obviamente PRESSUPÕE a mais absoluta INDEPENDÊNCIA da ala representativa da sociedade civil em relação ao governo, na medida em que não pode ser considerado "paritário" um órgão no qual todos seus integrantes são igualmente nomeados ao talante do "Chefe" do Executivo, sejam a ele subordinados (funcionários públicos municipais), com ele mantenham laços políticos estreitos ou que apresentem qualquer vinculação que coloque em risco a autonomia e isenção daquele que deve exercer o mandato popular na ala não governamental do Órgão Deliberativo. 

A existência de alguma espécie de vinculação, seja de ordem política, funcional ou mesmo "moral" entre o conselheiro não governamental e o

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"Chefe" do Executivo (como ocorre no caso da nomeação daquele por este), acaba comprometendo o desempenho de suas atribuições da forma isenta e absolutamente independente idealizada pela Constituição Federal e legislação ordinária referidas. Com maior gravidade, pode gerar uma verdadeira relação de subordinação e mesmo de dependência entre ambos, na medida em que o conselheiro nomeado que tenha aspiração à recondução, não se sentiria livre para propor deliberações e/ou tomar decisões que desagradassem aquele que, no futuro, ficaria encarregado de tal tarefa. 

Desnecessário dizer que, como a prevenção se constitui num verdadeiro princípio inspirador e norteador de toda Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, bem como de todo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a mera possibilidade de que possa ocorrer a quebra da paridade entre governo e sociedade civil organizada junto ao Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente já determina a intervenção enérgica e imediata da Justiça da Infância e Juventude para impedir que a ameaça se transforme em dano efetivo. 

O correto, portanto, é que a escolha dos representantes da sociedade civil que irão compor a ala não governamental do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente ocorra em assembléia das próprias entidades representativas da população, sem qualquer ingerência da ala governamental do Órgão Deliberativo, que deve se limitar a acompanhar o desenrolar do processo respectivo, até mesmo para aferir sua lisura. 

  

Posto isto, a experiência tem demonstrado que, mesmo estando corretamente formado e tendo em sua composição conselheiros não governamentais conscientes de suas prerrogativas legais e constitucionais, o Conselho de Direitos vem encontrando sérias dificuldades em se afirmar como Órgão Deliberativo autônomo que é, continuando na maioria dos casos ainda "atrelado" ao "governante de plantão" e pouco ou nada atendendo aos verdadeiros anseios e interesses da sociedade. 

O que falta, então? 

Nossa reflexão mais uma vez deve remontar à análise das diretrizes traçadas pela Lei nº 8.069/90 para a política de atendimento à criança e ao adolescente, onde podemos perceber que o legislador já havia previsto essa dificuldade, que existe por razões até mesmo culturais (dentre outros fatores devido à falta de uma prática democrática, fruto

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amargo dos anos em que vivemos sob o regime ditatorial, e também de uma concepção equivocada do conceito de cidadania, ainda presente em muitos de nós), tendo estabelecido, paralelamente à criação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente em todos os níveis (art.88, inciso II), a necessária "MOBILIZAÇÃO da opinião pública, no sentido da INDISPENSÁVEL PARTICIPAÇÃO dos diversos segmentos da sociedade" (art.88, inciso VI - verbis). 

Tal previsão decorre da elementar constatação de que não basta garantir a existência de um espaço democrático para o exercício do poder pelo povo e para o povo como é caso do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, mas sim é fundamental mobilizar e conscientizar a sociedade para que esse espaço seja efetivamente ocupado, e não se torne, como infelizmente de regra vem ocorrendo com no exemplo dado, um órgão sectário, inoperante (quando não mero "chancelador" das decisões do "governante de plantão"), distante e completamente alheio à sociedade que deveria representar e à realidade que deveria transformar. 

No plano ideal, a citada mobilização em torno da nobre e necessária causa da infância e juventude deveria ser promovida pelo próprio Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, porém na sua omissão, ao menos num primeiro momento, deve ficar a cargo dos órgãos e entidades representativas da sociedade - dentre os quais podemos destacar o Conselho Tutelar, e mesmo de cidadãos imbuídos do mais puro espírito cívico e democrático, que devem se unir para defesa da causa. 

Essa necessária integração pode ocorrer notadamente através da criação do chamado Fórum de Direitos da Criança e do Adolescente - Fórum DCA, que deve procurar atuar junto aos conselhos comunitários ou associações de bairros, associações de pais e mestres, comunidades religiosas, enfim, onde quer que exista uma representação popular, que deverá ser esclarecida e conclamada a participar das reuniões do próprio Fórum e do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente local, fiscalizando seu funcionamento, propondo e cobrando soluções para os problemas existentes, geralmente relacionados à falta de estrutura do município para o atendimento minimamente adequado de suas crianças e adolescentes. 

O Fórum DCA deve ser a voz da sociedade inclusive junto àquelas entidades encarregadas de representá-la dentro do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, pois os integrantes da ala não governamental do citado Órgão Deliberativo não exercem um mandato em nome próprio ou em nome da entidade que ocasionalmente integram, mas sim exercem um mandato popular, que como tal não

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lhes pertence, razão pela qual não se concebe atuem de forma isolada e distanciada dos diversos segmentos da sociedade cujos interesses deveriam defender. 

De igual sorte, deve dar respaldo às ações do Conselho Tutelar que extrapolam o âmbito do singelo atendimento individual de casos, fazendo com que o Órgão assuma o desejado papel de "identificador de demandas", que após detectar as maiores deficiências estruturais que a "rede" de atendimento à criança e ao adolescente apresenta, irá provocar o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente no sentido da elaboração de uma POLÍTICA ADEQUADA a solucionar o problema, daí resultando na criação de programas específicos de proteção e voltados aos pais ou responsável[7]. 

Uma experiência que tem dado certo diz respeito à realização de reuniões do Fórum DCA "preparatórias" às reuniões do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, nas quais devem obviamente participar os membros do Conselho Tutelar e também da ala não governamental daquele Órgão Deliberativo, que ouvirão os demais segmentos da sociedade e com eles definirão estratégias para uma atuação articulada e uníssona por ocasião do citado evento. 

Assim, por ocasião da reunião do Conselho de Direitos, se evitam discussões desnecessárias entre os próprios representantes da sociedade, que já terão uma posição bem definida a defender, evitando ou minimizando a possibilidade de divergências que acabariam por inviabilizar a consecução dos anseios da maioria e fariam prevalecer a vontade do administrador, que nem sempre será a que melhor atende aos interesses de crianças e adolescentes. 

A citada reunião prévia poderá servir, inclusive, para inclusão de itens na pauta da reunião do Conselho de Direitos até então não previstos, procurando "amoldar" a atuação do Órgão Deliberativo com as reais necessidades e expectativas da sociedade. 

As reuniões do Fórum DCA, preparatórias ou não às reuniões do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, devem ser, por óbvio, amplamente divulgadas e abertas à comunidade em geral, bem como realizadas preferencialmente de forma itinerante (com prévia definição de locais e datas), junto a centros comunitários, escolas e universidades (a mobilização destas, dada sua vocação natural para se tornarem verdadeiros "centros de formação de cidadãos", inclusive por força do enunciado do art.205 da Constituição Federal, é de importância capital), salões paroquiais ou similares, enfim, em espaços comunitários que permitam a participação do cidadão comum e das

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lideranças comunitárias nas discussões que dizem respeito a suas crianças e adolescentes, de modo a despertar em cada um o espírito cívico e o senso de responsabilidade para com a causa. 

Igual orientação vale para as reuniões do próprio Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, ao qual incumbe, como dito acima, a imprescindível tarefa de mobilização e participação da sociedade, que se ainda não tem o hábito de comparecer espontaneamente ao Órgão, dele deve receber a "visita" e ser incentivada (quando não convocada) a participar, pois "se Maomé não vai à montanha...". 

Somente assim se estará cumprindo de forma efetiva um dos mais importantes, porém tantas vezes esquecido, princípios preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sem o qual a própria operacionalização da Lei fica deveras prejudicada. 

Conselho Tutelar: parâmetros para a interpretação do alcance de sua autonomia e fiscalização de sua atuação[1].

 MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO[2] 

                                                 

Dentre as inúmeras inovações advindas com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a obrigatoriedade da instalação, em todos os municípios brasileiros, de ao menos 01 (um) Conselho Tutelar, órgão que substituindo boa parte das atribuições do antigo "Juiz de Menores" é, por definição legal, "...permanente e AUTÔNOMO, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente..." (verbis art.131 da Lei nº 8.069/90 - grifei), foi sem dúvida um grande passo rumo à democratização e maior agilidade na solução de problemas relacionados à violação de direitos fundamentais de crianças e adolescentes. 

Peça-chave de todo o Sistema de Garantias idealizado pelo legislador estatutário, ao Conselho Tutelar cabe, dentre outras atribuições, o encaminhamento de crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco na forma do art.98 da Lei nº 8.069/90, bem como a criança acusada da prática de ato infracional (conforme art.105 do mesmo Diploma Legal), juntamente com seus pais ou responsável, a

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programas específicos também expressamente previstos em lei[3], cuja necessidade de criação, manutenção e ampliação o Órgão, melhor do que qualquer outro, tem condições de atestar - e cobrar junto ao Executivo local[4]. 

Importante aqui abrir um parênteses para deixar claro que, por "Executivo", deve-se também (e especialmente) compreender o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Órgão que detém a competência (e portanto o poder-dever) constitucional de formular a política de atendimento à criança e ao adolescente no município e também de fiscalizar o fiel cumprimento de suas deliberações por parte do administrador público[5]. 

Infelizmente, a falta de uma adequada compreensão acerca da importância do papel e das atribuições/poderes do Conselho Tutelar, tanto de parte das autoridades públicas e população em geral quanto, por vezes, de integrantes do próprio Órgão, tem levado a inúmeras distorções e problemas na sua forma de atuação e compreensão do exato sentido de sua "autonomia", seja em razão de sua omissão, seja como resultado de abuso ou desvio de poder, tornando necessária a criação de mecanismos de fiscalização de sua atuação e mesmo de controle e repressão da conduta inadequada de seus integrantes. 

Ora, se por um lado é certo que o Conselho Tutelar detém uma significativa parcela do poder e, por conseguinte, da soberania estatal, tendo sido em alguns aspectos equiparado à autoridade judiciária[6], cujas atribuições, como dito acima (e se extrai da inteligência do art.262 da Lei nº 8.069/90), substitui, não estando subordinado quer ao Prefeito Municipal (cuja atuação em prol da criança e do adolescente inclusive ajuda a monitorar), quer a qualquer outro órgão ou autoridade pública, por outro também é certo que esse mesmo poder, como de resto ocorre com todos os demais agentes políticos[7], está sujeito a limitações além, é claro, de uma contínua fiscalização por parte dos demais integrantes do Sistema de Garantias elaborado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, na clássica concepção de que um regime verdadeiramente democrático pressupõe a existência de "freios e contrapesos" entre os diversos poderes constituídos. 

E é nessa perspectiva que o conceito de "autonomia" do Conselho Tutelar deve ser analisado e interpretado, inconcebível que é, a qualquer órgão público, seja a qual poder pertença ou represente, uma atuação livre do controle de outros poderes, órgãos, instâncias e mesmo por parte do cidadão comum, na medida em que é o povo, em última análise o detentor de todo o poder (nesse sentido temos a expressa definição do art.1º, par. único, da Constituição Federal[8]), e o destinatário de toda atividade pública, que ideológica e

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presumivelmente tem por escopo o bem estar de toda coletividade. 

Assim sendo, a autonomia que, por definição, o Conselho Tutelar possui, se constitui não em um "privilégio" para seus integrantes, que estariam livres de prestar contas de seus atos quer à administração pública (à qual, queiram ou não, estão vinculados), quer a outras autoridades e membros da comunidade, mas sim importa numa prerrogativa indispensável ao exercício das atribuições do Órgão, enquanto colegiado, que por vezes irá contrariar os interesses do Prefeito Municipal e de outras pessoas influentes que, por ação ou omissão, estejam ameaçando ou violando direitos de crianças e adolescentes que devem ser objeto de sua tutela[9]. 

De fato, não seria lógico que o legislador concedesse ao Conselho Tutelar o status de "agente político", com poderes equiparados aos da autoridade judiciária, podendo inclusive promover diretamente a execução de suas decisões, para tanto expedindo requisições a órgãos públicos[10], sob pena da prática de infração administrativa (conforme art.249 da Lei nº 8.069/90) e mesmo, a depender da situação, de crime (conforme art.236 do mesmo Diploma Legal), sem dar-lhe a garantia de que poderia exercer suas atribuições de forma livre e independente, colocando-o a salvo da ingerência e/ou de repreensões por parte de outras autoridades públicas[11]. 

 A autonomia que detém o Conselho Tutelar, portanto, deve ser considerada como sinônimo de INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL que o Órgão colegiado possui, se constituindo numa indispensável prerrogativa para o exercício de suas atribuições, e não com a total impossibilidade de ser aquele fiscalizado em sua atuação cotidiana, pela administração pública ou outros órgãos e poderes constituídos. 

Como resultado dessa constatação, e também em razão da ausência de uma "hierarquização" entre os diversos integrantes do supramencionado Sistema de Garantias elaborado pela Lei nº 8.069/90, nenhum outro órgão ou autoridade pública pode interferir na atuação e decisões do Conselho Tutelar (que por sua vez independem do "referendo" ou aprovação de outras instâncias), desde que respeitados os preceitos legais que lhe servem de parâmetro, nem "determinar" que este pratique atos que são estranhos à função e/ou não contidos no rol de suas atribuições estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente[12]. 

Por outro lado, qualquer pessoa do povo pode questionar a atuação e mesmo a postura individual dos membros do Conselho Tutelar sempre que estas se mostrem de qualquer modo ilegais ou abusivas, seja por ação, ou por omissão[13], podendo nesse sentido provocar tanto a

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autoridade judiciária[14], quanto o Ministério Público[15], sendo a este facultada a expedição de recomendações administrativas visando a melhoria do serviço público prestado pelo Órgão[16] e, se necessário, a propositura de ação civil pública para fins de afastamento de um ou mais de seus integrantes que demonstrem total e comprovada incapacidade para o exercício responsável das relevantes atribuições que lhe são conferidas[17]. 

A propósito, uma questão interessante resulta da forma como se dá o controle da atuação dos conselheiros tutelares individualmente considerados, bem como a eventual aplicação de sanções administrativas àquele que descumpre seus deveres funcionais ou pratica atos que colocam em risco a própria imagem e credibilidade do Órgão ao qual integra. 

Tendo em vista a omissão da Lei nº 8.069/90 acerca da matéria, o legislador municipal, face o disposto no art.30, inciso II da Constituição Federal, encontrou maior liberdade para estabelecer os referidos mecanismos de controle de acordo com as necessidades locais, tendo em alguns casos criado situações que acabam por comprometer a própria autonomia do Conselho Tutelar, acarretando assim a inconstitucionalidade da norma respectiva, por afronta ao âmbito da competência legislativa do município. 

A delegação de tal tarefa ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, embora largamente difundida (ao menos no Estado do Paraná), não é a meu ver a melhor solução, na medida em que não há entre este e Conselho Tutelar qualquer relação de subordinação ou mesmo vinculação de ordem administrativa[18], tendo aquele Órgão deliberativo atribuições seguramente muito mais relevantes que esta para ocupar seu tempo e sua atenção.  

Vale aqui abrir mais um parênteses para reforçar a idéia de que o Conselho Tutelar é um Órgão colegiado, e que seu poder de decisão, tanto em relação às medidas que aplica, requisições que expede e outras atribuições previstas na Lei nº 8.069/90, resulta unicamente de seu funcionamento como tal (e não da iniciativa de um conselheiro isolado, ainda que seja este o "presidente" do Órgão[19], que a rigor não detém qualquer poder ou prerrogativa a mais que os demais), para o que deve seu regimento interno prever, a depender do volume de serviço, uma ou mais sessões deliberativas diárias ou semanais, onde os casos "atendidos" individualmente são levados à plenária para discussão e deliberação quanto às providências a serem tomadas. 

Nessa perspectiva, a atuação de um conselheiro tutelar isolado não pode (ou ao menos não deveria) ser automaticamente creditada (ou

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debitada, dependendo do ponto de vista) a todo o Conselho Tutelar, valendo lembrar que é a este, enquanto colegiado (e não a seus membros, individualmente considerados), que se atribui as prefaladas autonomia e independência funcional. 

Fechado o parênteses, de modo a evitar omissões e/ou abusos, por parte de integrantes do Conselho Tutelar, o mais correto, no entender do autor, seria criar, via lei municipal regulamentadora das atividades do Órgão, um mecanismo interno, a ser implementado no seu próprio âmbito, destinado ao controle "disciplinar" daquele conselheiro tutelar que descumpre seus deveres funcionais e/ou pratica atos atentatórios aos princípios que regem a conduta que se espera de todo servidor público (além de outros exigíveis especificamente daqueles que lidam com crianças e adolescentes), devendo é claro, a bem dos princípios constitucionais do "Juiz natural", da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa[20], haver expressa previsão legal das condutas que importam na violação de tais deveres e princípios, das sanções em tese a elas cominadas[21], autoridade processante e encarregada do julgamento administrativo e procedimento a ser observado. 

De modo a dar maior transparência à atuação dessa instância administrativa, que seria afinal composta pelos demais conselheiros tutelares, com ou sem a participação de outros órgãos e autoridades locais (representantes do CMDCA, Câmara Municipal etc.), seria interessante haver a previsão da comunicação obrigatória, por parte da autoridade processante, da instauração do procedimento administrativo (ou mesmo do oferecimento de representação por parte da vítima do abuso ou omissão do conselheiro acusado), ao CMDCA, Ministério Público e Poder Judiciário, de modo que possam exercer, querendo, a fiscalização de todo o processo, inclusive de modo a impedir ou minimizar a possibilidade de ocorrência do execrável "corporativismo". 

Importante mencionar que mecanismos similares de controle interno da ação de membros de um determinado órgão ou instituição, existem em profusão, sendo este exercido por intermédio das chamadas "corregedorias". Apenas quando tais mecanismos falham em decidir com isenção, imparcialidade e correção, é que se cogita na criação de mecanismos de controle externo, como se tem discutido deva ou não ser criado em relação ao Poder Judiciário. 

  

Nessa perspectiva, não nos parece que, antes de que seja dado ao Conselho Tutelar um "voto de confiança" no sentido da capacidade de o próprio Órgão controlar as ações abusivas de seus integrantes, tarefa

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que a princípio lhe interessa, até mesmo para que estes não venham a comprometer a imagem da instituição[22] perante a sociedade, devamos partir para a criação de outras instâncias de controle, pois afinal, é aquele composto, em razão do disposto no art.135 da Lei nº 8.069/90, por cidadãos que gozam de "presunção de idoneidade moral" (verbis), tendo assim, até que se prove o contrário, plenas condições de resolver, sponte propria e com isenção e responsabilidade, problemas envolvendo seus componentes. 

  

De qualquer sorte, seja qual for a "fórmula" encontrada pelo legislador para o controle (interno e/ou externo) da atuação dos membros do Conselho Tutelar, é importante que esta não venha a ferir ou de qualquer modo arranhar a autonomia e independência funcional de que goza o referido Órgão enquanto colegiado, cujas decisões, observados os princípios e parâmetros legais estabelecidos para sua atuação, são soberanas e devem ser respeitadas por seus destinatários, a menos, é claro, que em contrário decida o Poder Judiciário, após devidamente provocado, seja através do pedido revisional a que se refere o art.137 da Lei nº 8.069/90[23], seja através de outro remédio jurídico qualquer, como é o caso do mandado de segurança, manejável contra atos ilegais ou abusivos praticados pelas autoridades públicas em geral. 

Registre-se, por fim, que a existência de mecanismos de controle como os acima referidos (que também podem e devem ser criados em relação aos membros do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, muitas vezes omissos em comparecerem nas reuniões do Órgão e também em exercerem sua competência deliberativa e fiscalizatória das ações do administrador público), serve para "depurar" o Órgão e aumentar sua credibilidade e respeitabilidade perante a população, que em última análise será a maior beneficiada com sua atuação de forma adequada, transparente, competente e diligente. 

  

Conclui-se, portanto, que: 

1 - A "autonomia" a que se refere o art.131 da Lei nº 8.069/90 é sinônimo de independência funcional, que por sua vez se constitui numa prerrogativa do Órgão, enquanto colegiado, imprescindível ao exercício de suas atribuições;  

2 - Embora, como resultado de sua prefalada autonomia, o Conselho

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Tutelar não necessite submeter suas decisões ao crivo de outros Órgãos e instâncias administrativas, lhe tendo sido inclusive conferidos instrumentos para execução direta das mesmas (conforme art.136, inciso III, da Lei nº 8.069/90), estão aquelas sujeitas ao controle de sua legalidade e adequação pelo Poder Judiciário, mediante provocação por parte de quem demonstre legítimo interesse ou do Ministério Público; 

3 - A autonomia que detém o Conselho Tutelar para o exercício de suas atribuições não o torna imune à fiscalização de outros integrantes do Sistema de Garantias idealizado pela Lei nº 8.069/90, com os quais deve atuar de forma harmônica, articulada e cordial, com respeito e cooperação mútuas; 

4 - Fundamental que a lei municipal estabeleça mecanismos de controle da atuação dos conselheiros tutelares individualmente considerados, bem como regulamente a forma de aplicação de sanções administrativas àquele que, por ação ou omissão, descumpre seus deveres funcionais ou pratica atos que colocam em risco a própria imagem e credibilidade do Conselho Tutelar, podendo aqueles existirem tanto no âmbito interno quanto externo ao Órgão. 

 

 

[1] recomenda-se a leitura conjunta com o artigo "Conselho Tutelar: poderes e deveres face da Lei nº 8.069/90", que se encontra publicado na página do CAOPCA/PR na internet, além de outros contidos ali e alhures acerca do tema.

  

[2] Promotor de Justiça integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná (CAOPCA-PR).

  

[3] vide arts.90, 101, 112 e 129 do mesmo Diploma Legal citado.

  

[4] daí a atribuição prevista no art.136, inciso IX da Lei nº 8.069/90, por

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vezes esquecida.

  

[5] conforme art.227, §7º c/c art.204, ambos da Constituição Federal e art.88, inciso II da Lei nº 8.069/90.

  

[6] vide arts.236 e 249 da Lei nº 8.069/90, dentre outros.

  

[7] sobre o tema, vide definição de Hely Lopes Meirelles contida no artigo acima citado.

  

[8] Art.1º. ... 

   Parágrafo único. Todo o poder emana do povo... (verbis).

  

[9] valendo observar que, não por acaso, o art.98 da Lei nº 8.069/90 relacionou, como primeira hipótese de situação de risco envolvendo crianças e adolescentes, justamente a "...ação ou omissão da sociedade ou do Estado" (verbis).

  

[10] conforme disposto no art.136, inciso III, alínea "a", da Lei nº 8.069/90.

  

[11] desde que, é claro, tenham sido respeitados os parâmetros legais que norteiam sua atuação, dentre os quais se incluem aqueles expressos no art.37 da Constituição Federal, notadamente quanto à necessária observância dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade em todas as suas intervenções.

  

[12] embora seja desejável, no mais puro espírito de cooperação que deve existir entre os diversos integrantes do Sistema de Garantias, que

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uns auxiliem os outros no que for possível, em caráter emergencial e transitório, com o estabelecimento de uma estratégia conjunta para providenciar a criação da estrutura necessária, por parte do Poder Público local, da forma mais célere possível (sobre o tema vide artigo "Sugestões e subsídios para implantação de políticas e programas de atendimento a crianças, adolescentes, pais e responsáveis", também publicado na página do CAOPCA/PR na internet).

  

[13] inclusive no tocante à sua freqüência e conduta pessoal, inconcebível que é um conselheiro tutelar que não cumpre expediente nem comparece aos plantões (se houver), freqüenta bares e boates mal-afamadas, costuma se embriagar, mantém "casos" amorosos com adolescentes, utiliza o veículo do Conselho Tutelar para seu uso particular, deixa de exercer atos de ofício, seja por qual razão (preguiça, medo de represálias), não levando ao conhecimento do colegiado fatos que, em tese, representam violação de direitos de crianças e adolescentes, ainda que praticados por omissão das demais autoridades públicas etc.

  

[14] na hipótese do art.137 da Lei nº 8.069/90, que resulta do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, insculpido no art.5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

  

[15] conforme art.220 da Lei nº 8.069/90.

  

[16] ex vi do disposto no art.201, §5º, letra "c" da Lei nº 8.069/90.

  

[17] quando inexistentes e/ou inoperantes mecanismos de controle na via administrativa, que serão adiante comentados.

  

[18] registre-se, a propósito, que mesmo a previsão de condução do processo de escolha do Conselho Tutelar por parte do CMDCA, contida no art.139 da Lei nº 8.069/90, não existia na redação original do

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Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo resultante de questionamentos efetuados quanto à constitucionalidade daquele dispositivo.

  

[19] figura cuja existência, além de absolutamente desnecessária para o funcionamento do Conselho Tutelar, tem sido duramente criticada por muitos, inclusive integrantes do próprio Órgão.

  

[20] insculpidos no art.5º, incisos XXXVII e LIII; XXXIX; LIV e LV da Constituição Federal.

  

[21] podendo (e a meu ver devendo) haver alternativas à exclusão do Conselho, como seria o caso do afastamento temporário, com redução proporcional dos subsídios eventualmente devidos (com imediata assunção do suplente no período, de modo a não desfalcar e assim prejudicar o regular exercício das atribuições do Órgão, que como vimos somente pode funcionar enquanto colegiado).

  

[22] que lembremos, se quer seja permanente.

  

[23] chamamos a atenção para o fato de o art.137 da Lei nº 8.069/90 não autorizar que o Juiz proceda de ofício a revisão da decisão do Conselho Tutelar, o que de um lado reafirma o princípio da inércia da jurisdição e de outro reforça a idéia da ausência de qualquer relação de subordinação entre ambas autoridades públicas.   

O Conselho Tutelar e os programas de atendimento.

  

MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO[1] 

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A sistemática estabelecida pela Lei nº 8.069/90 com vista a proteção integral de crianças e adolescentes pressupõe a criação e manutenção obrigatórias, a nível de município[2], de programas específicos de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, como fica claro da leitura conjunta dos arts.88, inciso III, 90, 101, 112 e 129, todos do citado Diploma Legal. 

Os referidos programas devem ser elaborados por profissionais, contendo uma proposta de atendimento clara e articulada com outras estruturas existentes (vide enunciado do art.86 da Lei nº 8.069/90), executados por pessoas habilitadas e capacitadas (sempre sob a supervisão de técnicos da área social), bem como inscritos no Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (exigência contida no art.90, par. único, da Lei nº 8.069/90), de modo que possa o Órgão ter o necessário controle de toda "rede" de atendimento à criança e ao adolescente que o município dispõe, para evitar, de um lado, a ocorrência de "paralelismos" ou de superposição de ações e, de outro, a falta de atuação em determinada área, que talvez apresente uma demanda de atendimento ainda maior.   

Sem que tais estruturas de atendimento estejam disponíveis, as autoridades competentes para aplicação das correspondentes medidas específicas de proteção, sócio-educativas e destinadas aos pais ou responsável (Conselho Tutelar e Juiz da Infância e Juventude[3]), verão sua atuação prejudicada ou mesmo inviabilizada, na medida em que não terão para onde encaminhar os casos de crianças e adolescentes em situação de risco (na forma do previsto no art.98 da Lei nº 8.069/90), e de crianças acusadas da prática de ato infracional (conforme art.105, do mesmo Diploma Legal), aí compreendida a intervenção junto a suas respectivas famílias (pois não se concebe a aplicação de medidas a crianças e adolescentes sem que também sejam trabalhados seus pais ou responsável). 

Como decorrência dessa deficiência estrutural, todas as crianças  adolescentes do município estarão em grave situação de risco na forma do previsto no art.98, inciso I da Lei nº 8.069/90, que não por acaso destacou como primeira hipótese de ameaça ou violação de direitos infanto-juvenis justamente a ação ou, em especial, a omissão da sociedade ou do Estado (aí entendido o Poder Publico de um modo geral). 

Uma vez caracterizada a ameaça ou efetiva violação de direitos de crianças e adolescentes em razão da omissão do Poder Público

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municipal em criar e manter os programas de atendimento alhures mencionados, tarefa para qual deve canalizar os recursos orçamentários que se fizerem necessários[4], abre-se a possibilidade da propositura de demanda judicial (vide art.212 e seguintes da Lei nº 8.069/90) por parte do Ministério Público e demais entes relacionados no art.210 da Lei nº 8.069/90, no sentido da efetivação desses mesmos direitos, sem embargo da responsabilidade do administrador público faltoso (conforme art.208 e par. único da Lei nº 8.069/90[5]). 

A via judicial, no entanto, embora por vezes se mostre necessária, deve ser o último caminho a seguir, na medida em que a notória morosidade da Justiça e a falta de sensibilidade e preparo de muitos para o enfrentamento das causas de cunho coletivo, em especial aquelas relacionadas à área da infância e juventude, não nos dão qualquer garantia de que os superiores interesses da sociedade, em especial de sua parcela infanto-juvenil, serão reconhecidos e assegurados com a celeridade e eficácia almejados pelo legislador[6], em detrimento da vontade política (no pior sentido da palavra) e isolada do administrador público "de plantão". 

Antes que se pense no ajuizamento de qualquer demanda, portanto, deve-se tentar a solução dos problemas enfrentados por outros meios, através do acionamento de mecanismos outros previstos na legislação específica, que se corretamente manejados poderão surtir resultados positivos e duradouros. 

Para fins da presente exposição, merece destaque o papel do Conselho Tutelar nessa abordagem "alternativa" do problema, de modo a contribuir para sua solução pela via extrajudicial. 

  

Nesse sentido, devemos considerar que, por ser o Conselho Tutelar definido como um "órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente..." (verbis art.131 da Lei nº 8.069/90), sua atuação, ao menos sob o ponto de vista legal, em muito extrapola o simples "atendimento" de casos isolados de ameaça ou violação de direitos de crianças e adolescentes conforme preconiza a leitura fria do art.136, incisos I e II da Lei nº 8.069/90, devendo estar caracterizada e compromissada com a defesa intransigente dos direitos de todas as crianças e adolescentes do município, tendo um enfoque eminentemente preventivo. 

  

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O legislador claramente destinou ao Conselho Tutelar o permanente monitoramento de toda "rede" de atendimento à criança e ao adolescente alhures mencionada, tendo para tanto estabelecido a obrigatoriedade de ser a ele comunicado, pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, tanto o registro das entidades não governamentais quanto dos programas de atendimento executados por estas e pelas entidades governamentais (arts.90, par. único e 91, ambos da Lei nº 8.069/90), às quais o Órgão tem a incumbência de fiscalizar (conforme art.95 da Lei nº 8.069/90). 

  

Caso no exercício de suas atribuições o Conselho Tutelar se veja impossibilitado de aplicar a determinada criança, adolescente e/ou família alguma das medidas específicas previstas nos arts.101 e 129 da Lei nº 8.069/90, em razão da inexistência de programas de atendimento a elas correspondente e/ou falta de vagas naqueles disponíveis, restará instalada, em relação não apenas à criança e/ou adolescente atendidos, mas a todos os demais residentes no município, a já mencionada situação de risco na forma do previsto no art.98, inciso I da Lei nº 8.069/90, cabendo ao Órgão Tutelar, além da tentativa de solucionar o caso em particular através da requisição de serviços públicos específicos (conforme art.136, inciso III, letra "a" da Lei nº 8.069/90), a obrigação de: 

  

a) Em cumprimento ao disposto no art.136, inciso IX, da Lei nº 8.069/90, gestionar junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente e órgãos da administração pública locais, no sentido da inclusão, no plano orçamentário plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e orçamento anual do município, da previsão de recursos orçamentários necessários à implementação do programa ou programas que se fizerem necessários ao atendimento da demanda existente (que assim deve ser obviamente fornecida) e fiel cumprimento do comando legal respectivo, programas estes que, como dito acima, deverão ser executados por entidades governamentais ou não governamentais[7]. 

  

b) Em razão do disposto no art.220 da Lei nº 8.069/90, comunicar ao Ministério Público, através de petição endereçada ao Promotor de Justiça da Infância e Juventude, acompanhada de toda documentação necessária à comprovação do alegado, bem como de informes

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referentes à demanda de atendimento apurada ou estimada, que o Conselho Tutelar está se vendo impossibilitado de aplicar esta ou aquela medida de proteção e/ou voltada aos pais ou responsável em razão de o município não dispor de determinado(s) programa(s) de atendimento, o que logicamente tem causado prejuízo às crianças e adolescentes atendidas e risco às demais que, em necessitando, não terão para onde ser encaminhadas. 

A respeito do tema, vale destacar que, na forma da Lei, cabe ao Ministério Público "zelar pelo EFETIVO RESPEITO aos direitos e garantias assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis" (art.201, inciso VIII da Lei nº 8.069/90 - grifei), sendo tal regra decorrente do disposto no art.201, incisos V e VI da Lei nº 8.069/90 além, é claro, do contido nos arts.127, caput e 129, ambos da Constituição Federal, que colocam a instituição na condição de defensor intransigente da ordem jurídica, do regime democrático, e de todos os interesses sociais e individuais indisponíveis. 

  

As supramencionadas obrigações do Conselho Tutelar são inerentes à missão institucional do Órgão, constituindo-se em verdadeiro "ato de ofício" cuja omissão na prática ou retardamento injustificado, para satisfação de interesse ou sentimento pessoal caracteriza, em tese, o crime de prevaricação a que se refere o art.319 do Código Penal[8]. 

São elas decorrentes da condição de agente político que detém o Conselho Tutelar[9], devendo ser exercidas com responsabilidade e, acima de tudo, coragem, pois cedo ou tarde acabarão por contrariar os interesses dos administradores públicos de ocasião, que despreparados para a função que exercem e descompromissados para com o cumprimento de seus deveres legais e constitucionais decorrentes acima de tudo da Doutrina da Proteção Integral da Criança e ao Adolescente, não raro irão criar embaraços ao pleno exercício das atribuições do órgão e promover represálias a seus integrantes. 

Caso isto ocorra, deve o Conselho Tutelar buscar, junto aos órgãos competentes, a promoção da devida responsabilidade civil, administrativa e criminal do administrador e/ou agente público respectivo, pela prática, conforme o caso, dos crimes do art.236 da Lei nº 8.069/90, art.1º do Decreto-Lei nº 201/67 e/ou prática de ato de improbidade administrativa, na forma do previsto no art.11 da Lei nº 8.429/92 (sem embargo de outras imputações neste ou em outro Diploma Legal, a depender da conduta ilícita praticada). 

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O que não mais se pode admitir é que o Conselho Tutelar se preste ao papel de "bode expiatório" de todos os problemas envolvendo crianças e adolescentes no município, que na falta de uma verdadeira política de atendimento e de programas específicos para onde possa encaminhar os casos de violação de direitos infanto-juvenis que chegam a seu conhecimento, procura para tudo "dar um jeitinho", de acordo com os parcos recursos e serviços disponíveis no município. 

O compromisso do Conselho Tutelar não é com a solução de casos isolados "de qualquer jeito" ou "do jeito que der", como se diz, mas sim com a criação de uma verdadeira POLÍTICA DE ATENDIMENTO, que contemple estruturas (diga-se serviços e acima de tudo programas de atendimento tal qual previstos nos dispositivos estatutários alhures mencionados) articuladas em "rede" que permitam o encaminhamento de crianças e adolescentes que se encontrem em situação de risco, na forma do previsto no art.98 da Lei nº 8.069/90 e crianças acusadas da prática de atos infracionais, bem como suas respectivas famílias, dando-lhes assim a proteção integral que lhes foi há tanto prometida pela Constituição Federal. 

Chega de "jeitinho" ! 

A criança e o adolescente precisam de Políticas Públicas que os contemplem em caráter prioritário, tal qual preconizado pelo art.4º, par. único, alíneas "c" e "d" da Lei nº 8.069/90 e art.227, caput, da Constituição Federal.   Ao Conselho Tutelar foi reservado um papel primordial na busca do cumprimento desse verdadeiro mandamento legal e constitucional, cabendo ao Órgão assumir essa tarefa e assim qualificar sua atuação junto à comunidade, honrando assim o mandato popular que lhe foi confiado, na mais pura dicção do art.131 da Lei nº 8.069/90. 

  

  [1] Promotor de Justiça  integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná.

      [2] Pois afinal, a diretriz primeira da política de atendimento estabelecida pela Lei nº 8.069/90 é a municipalização (que no entanto não pode ser considerada sinônimo de "prefeiturização", dada clara dicção do art.86 da Lei nº 8.069/90 - que prevê a aticulação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cabendo àqueles fornecer a estes a cooperação técnico-financeira que se fizer necessária, que

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pode ser cobrada judicialmente, se necessário - razão pela qual o art.210 da Lei nº 8.069/90 relacionou os citados entes federados como legitimados para propositura de ação civil pública para defesa de direitos e interesses coltivos ou difusos afetos à criança e ao adolescente).       [3] Conforme arts.136, incisos I e II, 148 e 262, todos da Lei n.8.069-90.       [4] pois afinal, por força do disposto no art.227, caput, da Constituição Federal, a criança e o adolescente são destinatários da mais absoluta prioridade de tratamento, que o art.4º, par. único, da Lei nº 8.069/90 traduz, dentre outros, na “preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas” e, como não poderia deixar de ser, na “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude” (verbis).       [5] sobre o tema, vide também o disposto no art.216 da Lei nº 8.069/90.       [6] nesse sentido, e apenas a título de curiosidade, vide art.213 e parágrafos, da Lei nº 8.069/90, que dão ao Juiz da Infância e Juventude maior liberdade de atuação, justamente para que a prestação jurisdicional seja a mais adequada aos objetivos da demanda.       [7] a respeito do tema, vide art.96 da Lei nº 8.069/90, que prevê claramente a possibilidade de destinação de recursos orçamentários a programas mantidos por entidades não governamentais, com estrita observância, é claro, das regras referentes à aplicação e gestão de recursos públicos, inclusive aquelas decorrentes da Lei Complementar nº 101/00 - a Lei de Responsabilidade Fiscal.       [8] pois é certo que o conselheiro tutelar, ainda que não seja subsidiado pelo município, é considerado "funcionário público" para fins penais, na forma do disposto no art.327, caput, do Código Penal.       [9] consoante abordado em outros artigos de minha autoria publicados na página do CAOPCA/PR na internet: www.mp.pr.gov.br/institucional/capoio/caopca.