conselho de direitos humanos (cdh) · 2016-05-06 · 2 prezados delegados, sejam bem-vindos aos...

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Conselho de Direitos Humanos (CDH) United Nations Human Rights Council (UNHRC) GUIA DE ESTUDOS Construção da tolerância política e religiosa em meio a expansão do terror TEMA:

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Conselho de Direitos Humanos (CDH) United Nations Human Rights Council (UNHRC)

GUIA DE ESTUDOS

Construção da tolerância política e religiosa em meio a expansão do terror

TEMA:

2

Prezados delegados,

Sejam bem-vindos aos estudos preparatórios para as sessões do Conselho de Direitos

Humanos das Nações Unidas, agendadas entre os dias 19 e 22 de maio, na IX SIMUNA.

Em nossas sessões, avaliaremos a situação da intolerância no mundo, especialmente aquelas

ações relacionadas com as práticas de terror ou com as mais diversas reações a elas. Neste

caso, caberia uma pergunta: até que ponto os recentes atentados perpetrados por grupos

radicais islâmicos são uma manifestação de intolerância em si ou até que ponto se configuram

como uma consequência de manifestações semelhantes por parte das potências ocidentais?

Uma questão relevante, especialmente porque nos leva a pensar nas relações de causa e

efeito. Mas podemos aproximar ainda mais o debate.

Pensar na intolerância é, antes de qualquer coisa, avaliar nossas próprias ações, cotidianas

ou não, envolvas por estereótipos, preconceitos, generalizações maniqueístas, xenofobia e

outras formas de rejeição do outro, daquele que, por suas diferenças naturais ou culturais, não

se aproxima do grupo ao qual pertencemos. Em um mundo marcado pelo recrudescimento das

relações líquidas, ou ainda, pelo retorno de manifestações nacionalistas e religiosas radicais, o

debate sobre tolerância se faz urgente e constitui-se ao mesmo tempo como um enorme desafio.

Nosso desafio não é novo, é verdade. Afinal, a humanidade enfrenta este problema há séculos.

As guerras mundiais do século XX e as inúmeras ações de genocídio, separação e negação de

direitos, terrorismo e contraterrorismo - pensando em um cenário mais recente - apenas nos

fazem lembrar quão difícil é administrar as diferenças. Por outro lado, o último século viu nascer

também inúmeros movimentos culturais e políticos pelos direitos civis, a transformação nos

valores, a tolerância religiosa, a incorporação das minorias étnicas e de gênero no processo

político, a redução das desigualdades sociais, fortalecendo os Estados democráticos. Um

processo que não consegue avançar sem a construção da tolerância.

Neste caso, precisamos considerar o problema de forma ampla, propositiva, saindo do lugar

comum dos debates acadêmicos e diplomáticos. Nossa agenda não poderá reproduzir os velhos

argumentos por tanto tempo presentes dentro do Conselho de Direitos Humanos, muitos dos

quais responsáveis por travar os debates e qualquer possibilidade de consenso.

Elaborem seus dossiês, estudem o problema, desenhem os perfis de cada delegação, refinem

suas respectivas políticas externas, procurem seus aliados e identifiquem seus adversários.

Façam tudo isto, senhores. Mas façam também um compromisso propositivo, pelo qual suas

falas no comitê possam enriquecer as discussões com novas ideias. Nós precisamos

urgentemente delas.

Por fim, um último exercício: a alteridade. Não se esqueçam que a construção da tolerância

passa necessariamente pela capacidade de se colocar no lugar do outro.

Sendo assim, desejo a todos um excelente trabalho.

Délcio Garcia Gomes.

Professor Conselheiro da IX SIMUNA.

3

“O mal não está confinado às guerras ou às ideologias totalitárias. Hoje ele se releva com mais

frequência quando deixamos de reagir ao sofrimento de outra pessoa, quando nos recusamos a

compreender os outros, quando somos insensíveis ou evitamos o olhar ético silencioso”.

Leonidas Donskis. Filósofo e cientista político, no livro Cegueira Moral.

4

SUMÁRIO

1. O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS............................................................... 5

1.1 Novos desafios

1.2 A criação do Conselho

1.3 A delegações presentes na IX SIMUNA

2. SITUAÇÃO-PROBLEMA......................................................................................... 11

2.1 JE SUIS CHARLIE?

2.2 11 de Setembro: novos desafios.

2.3 As novas faces do terror

3. RECOMENDAÇÕES AOS DELEGADOS............................................................... 18

4. REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 20

5. ANEXOS.................................................................................................................. 21

5.1 Homofobia

5.2 Um alerta que vem da Europa

5.3 Declaração Universal dos Direitos Humanos.

5

1. O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

Artigo XVIII Declaração Universal dos Direitos Humanos;

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;

este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de

manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela

observância, em público ou em particular.

A preocupação com os direitos humanos, tal como nos conhecemos hoje, no âmbito das

Nações Unidas, acompanha o próprio surgimento desta organização1. Afinal, a ONU foi criada

logo após a Segunda Guerra, momento em que a comunidade internacional estava sensibilizada

pelos excessos militares e humanitários perpetrados durante o conflito, como é o caso da

“solução final” nazista, que exterminou milhares de pessoas nas câmaras de gás, em

fuzilamentos, pelo trabalho forçado ou mesmo em práticas de tortura. Deste modo, fez-se

necessário definir princípios e aprimorar a legislação internacional com a finalidade de

resguardar a paz, a segurança, o desenvolvimento e os direitos humanos em todo o globo.

Dentro deste contexto foi criada pela ONU, em 1946, a Comissão de Direitos Humanos2,

a qual, logo nos seus primeiros trabalhos, ficou encarregada de preparar uma declaração

internacional de direitos, baseando-se em um esboço que havia sido apresentado a Assembleia

Geral em 1946 e que foi aprimorado dentro da Comissão, entre 1947 e 1948, a partir de um

comitê com representantes de várias nacionalidades. O trabalho deste comitê foi presidido por

Eleanor Roosevelt, viúva do Presidente Americano Franklin D. Roosevelt e a Declaração

Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de

1948:

O primeiro rascunho da Declaração foi apresentado em setembro de 1948 e mais de 50 países

participaram de sua redação final. Pela resolução 217 A (III) de 10 de dezembro de 1948, a

Assembleia Geral, reunida em Paris (França), adotou a Declaração Universal dos Direitos

Humanos (DUDH) com a abstenção de voto de oito nações, mas com nenhuma discordando.

Hernán Santa Cruz do Chile, membro do subcomitê de Redação, escreveu: “percebi

claramente que estava participando de um evento histórico verdadeiramente relevante no qual

o consenso foi alcançado para a valorização suprema da pessoa humana, um valor que não

se originou de uma decisão de poder, mas sim do fato de existir – que deu voz ao direito

inalienável de viver livre da necessidade e da opressão e de desenvolver completamente sua

própria personalidade. Nesse Grande Salão (...) havia uma atmosfera de genuína

1 A preocupação com os direitos humanos, apesar de nem sempre se posta nestes termos, acompanha a história

humana, presente em várias civilizações, como a persa, a árabe ou mesmo no Ocidente durante o desenvolvimento o liberalismo político, em especial na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa. Mais adiante, em 1899, 25 nações se reuniram em Haia na Conferência Internacional da Paz, com o objetivo de formular princípios gerais de proteção aos direitos em guerras. Durante a Liga das Nações, os debates continuaram amadurecendo, mesmo com os reveses postos pela expansão do totalitarismo e durante a própria 2º GM. 2 Como um órgão subsidiário ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC).

6

solidariedade e irmandade entre homens e mulheres de todas as latitudes de forma que nunca

havia presenciado antes em nenhum outro encontro internacional”.3

Em 1950, no segundo aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, alunos da Escola Internacional das Nações Unidas, em Nova York observam um pôster do documento. Depois de adotá-lo em 1948, a Assembleia Geral da ONU apelou a todos os Estados-Membros para divulgar o texto da Declaração e "para fazer com que seja disseminada, exibida, lida e exposta principalmente em escolas e outras instituições

de ensino, sem distinção com base no estatuto político de países ou territórios."4

A aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) constitui-se como

etapa importante no amadurecimento das relações internacionais na segunda metade do século

XX, em especial para a compreensão de que existem direitos inerentes e fundamentais a

todos os seres humanos, sem distinções de raça, de cor, gênero, idioma, opiniões políticas,

nacionalidade, origem social, propriedade, nascimento ou outro status qualquer5. E dentro deste

processo, deve-se considerar não só a atuação da Comissão de Direitos Humanos (1946-2005),

mas também a ação das organizações não governamentais e dos movimentos sociais, como

também de outros organismos do sistema das Nações Unidas, como é o caso do Alto

Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos e da própria Corte Internacional de

Justiça.

Mas estes sucessos devem ser vistos com cautela, considerando que a proteção aos direitos

humanos não raro fica relegada a um segundo plano, perante todo um conjunto de outros

interesses e prioridades. Apesar do otimismo presente durante o encontro histórico que levou a

adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a “valorização suprema da pessoa

humana” e a “genuína solidariedade” ressaltadas por Hernán Santa Cruz acerca do encontro

jamais ocorreram em sua plenitude, sofrendo, inclusive, vários retrocessos ao longo da segunda

metade do século XX. Neste caso, seria bom recordarmos episódios como a Guerra do Vietnã,

os regimes militares latinoamericanos, as guerras civis e genocídios praticados no continente

africano, os crimes cometidos durante o processo de desintegração da Iugoslávia nos anos 90,

3 In. O primeiro documento global sobre a igualdade e a dignidade de todos. Histórico da DUDH, do site:

http://www.dudh.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=58 . Consulta em 06/09/2010. 4 Foto: ONU. Fonte: http://www.un.org/en/documents/udhr/history.shtml. 5 O primeiro documento global sobre a igualdade e a dignidade de todos. Histórico da DUDH, do site:

http://www.dudh.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=58 .

7

as guerras civis no Iraque e na Síria (veja a atuação da Al Qaeda e do Estado Islâmico6), entre

outros tantos exemplos de situações nas quais os direitos humanos foram desconsiderados, isto

para não citar os graves problemas sociais e a violência7 crescente presentes até mesmo

naqueles países que não se encontram em estado de guerra, como é o caso do Brasil.

1.1 Novos desafios

No ano de 2005, diante do agravamento dos atentados terroristas no mundo e das ações de

retaliação empreendidas por muitos Estados, o então secretário-geral da ONU Kofi Annan

publicou um relatório intitulado “Um conceito mais amplo de liberdade”8. Neste relatório,

Annan tentou resgatar os princípios presentes na Carta das Nações Unidas e que justificaram as

ações da própria ONU ao longo da história, mas que perderam legitimidade nos últimos anos,

dentro do contexto de combate ao terror. Afinal, os Estados Unidos e seus aliados, além da

Rússia, da China e outros Estados constantemente empreendem ações unilaterais que não só

fragilizam o sistema de relações internacionais, pondo em questão a credibilidade das Nações

Unidas, como também proporcionam resultados que muitas vezes acabam ampliando o

problema, ao invés de resolvê-lo. Além do mais, o combate ao terrorismo não pode tornar-se o

único foco das ações de um Estado, e muito menos do sistema internacional, marginalizando

outros desafios, ainda mais graves e persistentes e que precisam de solução.

Deste modo, Kofi Annan propôs no relatório uma noção de liberdade que considerasse não

somente a segurança do Estado e seus indivíduos (o que geralmente justifica as ações de

retaliação como a invasão do Iraque, do Afeganistão, a repressão russa sobre a Chechênia, entre

outras), mas também a valorização da dignidade humana e da qualidade de vida, ressaltando

a proximidade existente entre segurança, desenvolvimento e direitos humanos. Do contrário,

continuaremos a ter um sistema internacional pautado em ações violentas, no crescimento da

intolerância e das desigualdades sociais, ampliando as agressões diretas aos direitos humanos

sob a justificativa de preservação da segurança interna dos Estados em ações que tendem a ser

muito mais falhas do que se imagina:

“Mas o relatório exprime ainda uma preocupação velada com as consequências da

adoção de determinadas estratégias de combate ao terrorismo, em especial a

flexibilização – quando não a eliminação explícita – dos direitos fundamentais de

pessoas suspeitas de participação em atividades terroristas. (...)”9.

6 ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria); ISIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante); DAESH (a sigla em árabe), cuja grafia mais coerente no português seria DAEXE. Existem muitas formas de se referir ao movimento. * Veja a indicação de um texto nas referências. 7 Neste caso, o desrespeito aos direitos humanos ocorre devido a ineficácia das instituições públicas em zelar pela

segurança e a dignidade dos seus cidadãos, o que acaba permitindo situações como o trabalho forçado infantil, prostituição, sequestros, escravidão, assassinatos, fome, falta de acesso aos serviços básicos como saúde, moradia. 8 In Larger Freedom: towards development, security and human rights for all. UN DOC. A/59/2005. Kofi Annan.

9 DIAS, P. Caio Gracco. ONU, terrorismo e direitos humanos. In. No sec. XXI: Perspectivas. SP: Desatino, 2006, p.148

8

1.2 A criação do Conselho

Nos últimos anos, dentro dos crescentes desafios aos direitos humanos postos na ordem

internacional, a Comissão de Direitos Humanos, criada em 1946, perdeu progressiva

legitimidade. Marcada por problemas internos e críticas cada vez maiores, a comissão tornou-se

incapaz de alcançar seus objetivos, entre eles o de analisar e investigar situações que

desrespeito aos direitos humanos, não obstante os avanços alcançados nas últimas décadas.

Os exemplos que ilustram a perda de credibilidade da Comissão são vários, entre eles: a

incapacidade de prevenir ou mesmo de atuar sobre os genocídios na África (caso de Ruanda em

1994) e na Bósnia, a expulsão dos Estados Unidos da Comissão em 2001, a eleição da Líbia

(um país que sofre críticas graves de desrespeito aos direitos humanos) para a presidência em

2003, entre outros problemas10.

Diante desta situação e do agravamento da tensão internacional após os atentados de 11 de

Setembro, o secretário-geral da ONU na época Kofi Annan propôs, no relatório “Um conceito

mais amplo de liberdade” a substituição da Comissão pelo Conselho de Direitos Humanos, o

qual foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) na resolução 60/251, aprovada

em março de 2006:

O Conselho de Direitos Humanos é um órgão intergovernamental que forma parte do sistema

das Nações Unidas e que está composto por 47 Estados Membros11 responsáveis pelo

fortalecimento, promoção e proteção dos direitos humanos no mundo. Foi criado pela

Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de março de 2006, com o objetivo principal

de considerar as situações de violação dos direitos humanos e fazer recomendações a

respeito destes problemas.

Um ano depois de celebrar sua primeira reunião em 18 de junho de 2007, o conselho adotou

seu “pacote de construção institucional”, o qual proporciona elementos que visam guiar o

trabalho futuro do comitê. Entre estes elementos se destaca o novo mecanismo de exame

periódico universal, através do qual se examinará a situação dos direitos humanos nos 192

Estados membros das Nações Unidas. Outras características incluem o novo Comitê

Assessor que serve como um “think tank” do Conselho, assessorando-o em diversas

questões temáticas relativas aos direitos humanos em um novo mecanismo de método de

denúncias que permite que indivíduos e organizações apresentem denúncias sobre

violações dos direitos humanos a apreciação do Conselho. O Conselho de Direitos Humanos

também continuará trabalhando com os procedimentos especiais das Nações Unidas

estabelecidos pela extinta Comissão e admitidos pelo respectivo Conselho.12

10 A comissão sofreu várias críticas por autorizar alguns dos piores violadores dos direitos humanos do mundo

pudessem julgar os outros. Nos últimos anos, entre esses países membros contaram-se o Sudão, a Líbia, o Zimbábue e Cuba. In. http://www.voanews.com/portuguese/news/a-38-2006-03-20-voa2-92231509.html 11 Os quais são definidos conforme a seguinte distribuição geográfica: 13 do Grupo dos Países Africanos; 13 do Grupo dos Países Asiáticos; 06 do Grupo dos Países do Leste Europeu; 08 do Grupo dos Países da América Latina e do Caribe; e 07 do Grupo dos Países da Europa Ocidental e Outros. 12 Consejo de Derechos Humanos. In. http://www2.ohchr.org/spanish/bodies/hrcouncil/ Consulta em 07/092010.

9

Em síntese, o Conselho de Direitos Humanos, se por um lado preserva muito das

responsabilidades da antiga Comissão, por outro lado traz novos mecanismos visando tornar

mais efetiva as ações de defesa dos direitos humanos, combatendo as mais diversas formas de

abusos, práticas de discriminação, além de proteger aqueles que são mais vulneráveis e expor

quem não respeita os direitos fundamentais afirmados na Declaração de 1948.

1.3. As delegações presentes na IX SIMUNA

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é um órgão de caráter recomendatório,

subsidiário da Assembleia Geral, cujo objetivo principal é a promoção dos direitos humanos,

mantendo observadores em vários países e regiões de conflito. Nesta direção o CDH pode

aprovar resoluções contra países responsabilizados pela violação dos direitos fundamentais,

encaminhando a resolução para a Assembleia Geral e, dependendo do caso, até mesmo para o

CSNU. Trata-se do “sistema de procedimentos especiais”, em grande parte desconhecido do

público geral, haja visto que seus trabalhos não aparecem com frequência nos meios de

comunicação.

São os relatores especiais, representantes, peritos independentes e grupos de trabalho que

vigiam, aconselham, examinam e informam publicamente sobre uma questão temática

(mandatos temáticos) ou sobre a situação em matéria de direitos humanos num determinado

país (mandatos por países). Os relatores especiais realizam, com frequência, missões de

investigação em países, para apurar supostas violações de direitos humanos. Também recebem,

avaliam e verificam as queixas de possíveis vítimas de violações dos direitos humanos e

asseguram o prosseguimento do caso com o governo interessado.

Reportagem da ONUBr13.

Para avaliar estas questões, o Conselho se reúne ordinariamente três vezes ao ano, podendo

agendar sessões extraordinárias com a aprovação de 1/3 dos seus Estados-Membros. Para a

aprovação das demais questões dentro do comitê, basta uma maioria simples.

Atualmente, o Conselho de Direitos Humanos é presidido pelo diplomata sul-coreano Mr. Choi

Kyong-lim, possuindo uma composição de 47 Estados, cuja representação se divide por região

do planeta. Destes, 23 delegações foram convidadas a participarem da IX SIMUNA e

consequentemente assumirem a responsabilidade de pensar em uma nova agenda para um

problema que assumiu proporções ainda maiores nos últimos anos.

13 Página da ONUBR. Disponível em: https://nacoesunidas.org/a-promocao-e-a-protecao-dos-direitos-humanos-o-papel-

dos-procedimentos-especiais-do-conselho-de-direitos-humanos/ Consulta: 01 de maio de 2016.

10

Representantes da África14

África do Sul Argélia Etiópia Nigéria Quênia Representantes da América Latina e Caribe

Brasil * (Não está presente na atual formação do CDH, mas foi convidado pela pertinência nos debates).

Cuba México Paraguai Venezuela

Representantes da Ásia e do Pacífico

Arábia Saudita China Índia Indonésia Vietnã

Representantes do Leste Europeu

Federação Rússia Geórgia

Representantes da Europa Ocidental e outros Estados

Alemanha Bélgica França Holanda Portugal Reino Unido

14 Membros atuais da Comissão. Muitos países foram excluídos para adaptar o comitê ao padrão do SIMUNA.

http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/Pages/CurrentMembers.aspx

Mecanismo de Revisão Periódica Universal

Trata-se de um novo mecanismo criado pelo Conselho de Direitos Humanos (não existia até 2006, ao tempo da Comissão de Direitos Humanos), com a função de analisar, periodicamente, a situação de direitos humanos em todos os países do mundo. Esta análise é efetuada por um Grupo de Trabalho criado pelo Conselho, que discute a situação de todos os países em ciclos de 4 anos. No âmbito do debate ocorrido no seio deste Grupo de Trabalho, são formuladas recomendações ao Estado visado, que escolhe as que deseja aceitar.

Fonte: http://direitoshumanos.gddc.pt/2_1/IIPAG2_1_1.htm

11

2. SITUAÇÃO-PROBLEMA

“Um choque de fanatismos, não de civilizações”.

Boaventura de Sousa Santos. Charlie Hebdo: Uma reflexão Difícil.

Grande manifestação na Praça da República, em Paris, após os atentados. 07/01. Uma multidão silenciosa. Fonte: JeSuisGodefroyTroude.

2.1 JE SUIS CHARLIE?

Poucos temas se fizeram tão presentes nos debates nos últimos anos como aqueles

relacionados as manifestações de intolerância. Isto se deve especialmente devido a série de

atentados perpetrados por organizações radicais islâmicas contra alvos europeus e em outras

partes do mundo nas últimas décadas, estendendo-se desde as já tradicionais ações dos radicais

palestinos contra a ocupação israelense – por sua vez também radical -, ações estas que

chamam a atenção do mundo desde os atentados em Munique de 197215, passando por

sequestros do Boko Haram na Nigéria16 e do Al Shabaab na Somália, os constantes atentados

15 Trata-se, neste caso, do sequestro de 09 atletas da delegação israelense pelo grupo palestino Setembro Negro,

durante as Olimpíadas de Munique, em 05 de setembro de 1972. 16 Vale destacar aqui o sequestro de 276 meninas pelo Boko em uma escola predominantemente cristã no norte do país,

em abril de 2014. Aproximadamente 50 meninas conseguiram escapar, mas as demais permanecem sob controle do grupo.

Procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos

Mandatos exercidos por especialistas em direitos humanos, independentes, que acompanham questões ou situações de direitos humanos e reportam sobre elas ao Conselho (e por vezes também à Assembleia Geral). Podem ser temáticos (acompanham certo tema de direitos humanos no mundo inteiro) ou por países (acompanham a situação geral de direitos humanos em determinado país). Podem ainda ser individuais (exercidos por sujeito singular, designado por Relator Especial, Perito Independente ou Representante Especial do Secretário-Geral) ou grupos de trabalho (compostos por 5 membros, um por cada grupo regional).

Os procedimentos especiais têm jurisdição sobre todos os Estados membros da ONU, independentemente do país em causa ser ou não parte em qualquer tratado de direitos humanos em concreto. Apesar de os seus mandatos serem diferentes – definidos pelas resoluções que os instituíram – em regra efetuam visitas ao terreno (a convite do Estado visado), recebem e analisam informação proveniente de qualquer fonte fidedigna e apresentam ao Conselho de Direitos Humanos e à Assembleia Geral relatórios com recomendações. Muitos deles recebem também queixas e pedidos de ação urgente, que transmitem aos governos.

Fonte: http://direitoshumanos.gddc.pt/2_1/IIPAG2_1_1.htm

12

da Al Qaeda em áreas diversas como Madri, Londres, Nova Iorque (com as Torres Gêmeas17),

ou mesmo no Iêmen, no Paquistão – onde atacam em consonância com os também radicais

Talibãs, além de toda uma gama de ações de “terror e propaganda” do mais bem sucedido grupo

extremista dos últimos quatro anos: o Estado Islâmico. Neste último caso, somando-se as ações

de treinamento das quais participam também a Al Qaeda, entende-se os atentados terroristas

mais recentes na Turquia, na Bélgica e de forma semelhante na França, em Paris, ao longo do

ano de 2015.

O caso mais simbólico, mas não o mais trágico, ocorreu entre os dias 07 e 09 de janeiro de

2015, quando os irmãos Chérif e Said Kouachi e o descendente de malineses Amédy Coulibaly,

todos cidadãos franceses, atacaram a redação do Charlie Hebdo e um mercado judaico,

deixando um saldo de 17 mortos, além daqueles que fizeram os ataques e também morreram.

Neste instante, em meio à comoção nacional e internacional que tomou conta das redes

sociais, o lema “Je Suis Charlie” simbolizava uma solidariedade em prol das vítimas e um clamor

pela tolerância em um mundo marcado pelas guerras e constantes manifestações de ódio.

Paradoxalmente, a mesma Europa vivencia o crescimento dos movimentos neoconservadores e

neofascistas, especialmente após a crise financeira de 2008. Uma onda que se faz sentir também

dentro das democracias mais consolidadas do continente. Na França, por exemplo, o governo

do ex-presidente Nicolas Sarkozy (2007-2012) proibiu em 2010 o uso do véu (o hijab ou

qualquer roupa que esconda o rosto) nos espaços públicos18, protagonizando uma polêmica que

se espalhou pelo mundo. Mais recentemente, a mesma Europa alvo dos atentados reafirmou

seu compromisso em combater o terror ampliando a militarização no Oriente Médio e reforçando,

em determinados Estados, o controle das fronteiras, além da política de expulsão dos

imigrantes – ou seriam refugiados - considerados “ilegais” em uma polêmica parceria com a

Turquia, em vigor desde março deste ano19.

Em um cenário como este, marcado pela “democratização” dos excessos e as contradições,

valeria a pena perguntarmos o seguinte: até que ponto a intolerância se deslocou para um grupo

de radicais islâmicos que distorcem os preceitos religiosos e usam combatentes das mais

diversas partes do mundo com a finalidade de atingir seus objetivos políticos?

Certamente estes grupos compõem o trágico cenário manifestações de ódio, reforçam o

sentimento de insegurança e intolerância, as quais, por sua vez, estendem também suas

responsabilidades para inúmeras outras partes do mundo, inclusive para as ações das grandes

potências e seus respectivos parceiros econômicos. Não se trata, portanto, apenas de ações

sistemáticas de alguns grupos radicais. A temática envolvendo o ódio e a intolerância envolve

questões mais amplas, as quais precisam de consideração em um comitê que trata exatamente

dos direitos humanos.

17 A Al Qaeda não assumiu publicamente a autoria dos atentados as Torres Gêmeas. O mesmo não ocorreu com os

ataques ao metrô de Madri, em 2004, e ao sistema de transporte de Londres, em 2005. 18 Seria interessante ressaltar que no próprio Charlie Hebdo, em 2008, o cartunista Maurice Siné foi despedido por ter

escrito uma crónica alegadamente antissemita. Além disto, podemos pensar sobre os limites da liberdade de expressão. Afinal, até que ponto um jornal, ainda que satírico, pode explorar símbolos de outras culturas sem se mostrar desrespeitoso? Ou seria exatamente estas abordagens inerentes a liberdade de expressão presente no jornal? 19 Veja a reportagem: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/07/internacional/1457352301_920991.html

13

Logo após os atentados ao Charlie Hebdo em Paris, o professor e sociólogo Boaventura de

Souza Santos, em um artigo intitulado “Charlie Hebdo: uma reflexão difícil”, procurou delinear os

dois lados da questão envolvendo os atentados, propondo uma análise sobre as

responsabilidades dos países ocidentais neste problema. Segundo o professor,

(...) Trata-se de um choque de fanatismos, não de civilizações. Não estamos perante um choque

de civilizações, até porque a cristã tem as mesmas raízes que a islâmica. Estamos perante um

choque de fanatismos, mesmo que alguns deles não apareçam como tal por nos serem mais

próximos. A história mostra como muitos dos fanatismos e seus choques estiveram relacionados

com interesses económicos e políticos que, aliás, nunca beneficiaram os que mais sofreram com

tais fanatismos. Na Europa e suas áreas de influência é o caso das Cruzadas, da Inquisição, da

evangelização das populações coloniais, das guerras religiosas (...). Fora da Europa, uma

religião tão pacífica como o budismo legitimou o massacre de muitos milhares de membros da

minoria tamil do Sri Lanka; do mesmo modo, os fundamentalistas hindus massacraram as

populações muçulmanas de Gujarat em 2003 e o eventual maior acesso ao poder que terão

conquistado recentemente com a vitória do Presidente Modi faz prever o pior; é também em

nome da religião que Israel continua a impune limpeza étnica da Palestina e que o chamado

califado massacra populações muçulmanas na Síria e no Iraque.

A defesa da laicidade sem limites numa Europa intercultural, onde muitas populações não se

reconhecem em tal valor, será afinal uma forma de extremismo? Os diferentes extremismos

opõem-se ou articulam-se? Quais as relações entre os jihadistas e os serviços secretos

ocidentais? Por que é que os jihadistas do Emirado Islâmico20, que são agora terroristas, eram

combatentes de liberdade quando lutavam contra Kadhafi e contra Assad? Como se explica que

o Emirado Islâmico seja financiado pela Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Turquia, todos aliados

do Ocidente? Uma coisa é certa, pelo menos na última década, a esmagadora maioria das

vítimas de todos os fanatismos (incluindo o islâmico) são populações muçulmanas não fanáticas.

Boaventura de Souza Santos. Fonte

21.

No final, as vítimas do extremismo político e da intolerância são as populações muçulmanas,

budistas, judaicas, cristãs ou de qualquer outro tipo alvos de atentados cujas razões mesclam

questões religiosas, políticas ou mesmo socioeconômicas – vejam a situação das comunidades

imigrantes marginalizadas na Europa ou das populações locais nas áreas de conflito que

sofrem com a destruição causada pelas ações das grandes potências. Um sofrimento que se

renova constantemente22, chamando a atenção da comunidade internacional para o problema.

20

O professor se refere ao grupo Ansar al Sharia, que atua no Iêmen e outras áreas e é ligado à rede terrorista Al

Qaeda. Em 2012 o grupo declarou a instauração de um "emirado islâmico" na rica província petrolífera de Shabua, no sul do Iêmen. 21 Charlie Hebdo: uma reflexão difícil. Boaventura de Souza Santos. 13/01/2015. Carta Maior.

http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Charlie-Hebdo-Uma-reflexao-dificil/32618 22 Um bom exemplo são os palestinos. Alvo de constantes ataques por parte de Israel, como aqueles que ocorreram

entre 08 de julho e 27 de agosto de 2014, com um saldo superior a 2100 palestinos mortos e uma destruição ainda maior da Faixa de Gaza. As mortes e a violência do exército israelense produzem novos combatentes do lado palestino.

14

Não obstante os esforços dentro das Nações Unidas e do próprio Conselho de Direitos Humanos

no sentido de construir uma agenda mais democrática e tolerante, o cenário internacional tornou-

se mais tenso nos últimos 15 anos.

2.2 11 DE SETEMBRO: NOVOS DESAFIOS

s.

11 de Setembro de 2001. N.Y. Foto: Greg Semendinger/Ap.

Durante a Guerra Fria, as discussões sobre o racismo, a xenofobia e a intolerância, esbarravam

constantemente nos interesses geopolíticos típicos da competição entre comunismo e

capitalismo, que acabavam por justificar a sobrevivência de muitos regimes autoritários e o

respaldo de muitos Estados “democráticos” aos mesmos. Nas décadas seguintes à Guerra Fria,

se por um lado caíram as barreiras da bipolarização, por outro subsistiram velhos conflitos (como

ocorre com a questão palestina e os problemas decorrentes do colonialismo e das guerras civis

na África) que acabaram por inviabilizar muitas ações no sentido de se construir um mundo mais

justo e tolerante. Novos desafios também se somam a este debate, como ficou evidente com os

atentados de 11 de Setembro de 2001.

Os atentados terroristas aos Estados Unidos trouxeram como principal consequência, além de

uma quantia de aproximadamente 3000 mortes, uma ofensiva política internacional contra o

terror. Os Estados Unidos, sob a presidência de George W. Bush e seus aliados, invadiram o

Afeganistão (2001), o Iraque (2003) e ampliaram sua presença militar no mundo. Neste sentido,

os atentados criaram possibilidades de se ampliar as práticas de intolerância, a xenofobia e o

autoritarismo, por meio de ações que ameaçam diretamente os princípios democráticos, as

normas internacionais e os direitos básicos da pessoa humana. Novos desafios foram lançados

para as Nações Unidas e para às nossas sociedades, do ponto de vista da política interna.

As relações internacionais tornaram-se mais tensas e frágeis dentro deste novo contexto. Um

bom exemplo desta fragilidade é a polêmica estratégia de “ações preventivas” desenvolvida pela

política norte-americana entre 2001 e 2009, durante a administração neoconservadora de

George W. Bush, a qual admite um ataque antes mesmo da ameaça direta, de qualquer

15

declaração de guerra ou aprovação internacional. As alianças forjadas para tal são

heterogêneas, reunindo, em prol da cooperação internacional contra o terror, Estados

democráticos e regimes autoritários, além de legitimar, em especial no caso destes últimos, as

mais diversas perseguições políticas aos grupos dissidentes, movimentos separatistas e aos

movimentos sociais.

Por mais que a administração de Barack Obama (2009- atualidade) tenha modificado muitos pilares

desta política, retirando boa parte das tropas do Iraque e do Afeganistão, procurando uma

aproximação com Cuba, um acordo com o Irã, um novo posicionamento frente a inúmeros

conflitos no mundo, o problema das intervenções estrangeiras ainda continua.

Encontro entre Obama e Raúl Castro na Cúpula das Américas em abril de 2015. Fonte: AFP.

2.3 AS VÁRIAS FACES DO TERROR

Durante a Guerra Fria, a articulação internacional contra o racismo, a xenofobia e as formas

de intolerâncias correlatas acabava comprometida pela lógica de contenção do comunismo.

Atualmente, o comunismo foi substituído pelo perigo invisível e permanente do terror. “Em nome

da luta antiterrorista, criou-se uma sociedade global dividida e apavorada, pronta para aceitar

práticas desumanas de tortura”, afirma Didier Bigo, cientista político francês e conferencista do

Institut d'Études Politiques de Paris23. Nos últimos anos, segundo esta lógica, muitos Estados

intensificaram as ações armadas contra movimentos separatistas ou grupos oposicionistas,

além das minorias étnicas e religiosas.

No plano interno, cresceram no mundo as políticas de vigilância e controle, que se

desdobram, muitas vezes, na criminalização dos movimentos sociais, na invasão da privacidade

23 O contraterrorismo global. Artigo publicano no Caderno Le Monde Diplomatique Brasil, outubro de 2008.

16

dos cidadãos e no reforço dos mecanismos repressores, um processo que também recai sobre

as comunidades imigrantes, como é o caso daqueles de origem árabe-muçulmana. Assim,

conforme o “senso comum antiterrorista”, o islamismo passa a ser visto como um problema que

deve ser evitado, alimentando a xenofobia.

Em muitos casos o mundo passa a ser enxergado de forma maniqueísta, dividido entre o “bem”

e o “mal”, ou por meio de um já tradicional discurso de conflito entre civilizações, o qual distorce,

manipula e alimenta ainda mais a intolerância. De um lado, a civilização cristã-ocidental, de outro

lado, a civilização árabe-muçulmana. Um discurso que cresceu nos últimos anos não apenas

nos Estados Unidos ou nos países europeus, mas também dentro do mundo islâmico.

Os grupos extremistas, como é o caso da Al-Qaeda e do ISIS, alimentaram-se do ódio de

muitos árabes com o Ocidente – e até mesmo de populações árabes ou de outras nacionalidades

que antes não eram hostis – para recrutar homens-bomba e ampliar suas bases de apoio. Neste

caso, oferecem como resposta um retorno as configurações supostamente originais do Islã

(fundamentadas em uma interpretação radical da sharia), além da reconstrução do califado,

afirmando-se as tradições em contraposição ao recente movimento de ocidentalização ou

modernização das sociedades islâmicas. Alimentam-se também da própria marginalização das

comunidades muçulmanas em território europeu.

Como afirma com propriedade o professor Boaventura de Souza Santos, o discurso

civilizacional distorce o que na verdade é um choque de manifestações extremistas e

fanáticas, de ambos os lados, no Ocidente e no Oriente, dificultando o diálogo.

Neste sentido, quando nos dispomos a pensar em construir um mundo mais tolerante perante

as manifestações de terror, faz-se necessário, a priori, reconsiderarmos nossas próprias

definições de intolerância e terrorismo. Afinal, existe uma única forma de terror?

O terrorismo permanece como uma abstração conceitual. A comunidade internacional não

conseguiu, até agora, atribuir-lhe uma definição. Desde 1937, a Liga das Nações tenta

adotar uma convenção para preveni-lo e reprimi-lo, por falta de um acordo entre os

Estados-membros. Pelo mesmo motivo, a ONU, apesar dos diversos debates, ao longo

de 60 anos de existência, não pôde determinar sua natureza. Recentemente, durante sua

criação, em 1998, o Tribunal Penal Internacional teve que excluir o terrorismo internacional

de suas competências, ainda que seja encarregado de sancionar um largo elenco de

crimes, que inclui até o genocídio. Eric Rouleau 24

A verdade é que não existe um consenso na comunidade internacional sobre a melhor

conceituação de terrorismo, por mais que o mesmo venha acompanhando a história humana há

muito tempo e passe a um uso mais sistemático após a Revolução Francesa. Trata-se de uma

questão cuja definição envolve necessariamente fortes interesses ideológicos que variam

conforme a época, os grupos sociais envolvidos ou mesmo entre os próprios Estados Nacionais.

Veja, por exemplo, o caso dos Estados Unidos.

24 Disponível em O Bem, o Mal e o Terrorismo. Le Monde. 2007. http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=2111

17

Segundo aponta o linguista e pensador estadunidense Noam Chomsky, “nos manuais militares

norte-americanos, define-se como terror a utilização calculada, para fins políticos ou

religiosos, da violência, da ameaça de violência, da intimidação, da coerção ou do medo”25,

uma definição que permite as mais diversas interpretações, não excluindo, inclusive, as próprias

ações norte-americanas e de outras potências no Oriente Médio ou mesmo de outras partes do

mundo.

Na mesma medida, quando pensamos em ações que visam disseminar o medo, ou que o fazem

de qualquer forma, não podemos deixar de considerar aspectos mais específicos, internos,

cotidianos de nossas próprias instituições. Veja o caso das práticas de tortura dentro dos

sistemas prisionais, na ação das forças policiais, ou de forma sistemática durante a existência

de governos autoritários, tão comuns na América Latina nos anos 60 e 80. Ou ainda, as inúmeras

ações violentas contra as minorias, as quais se estendem desde a privação de direitos básicos,

passando pela violência física propriamente dita até as mais diversas formas de agressão verbal

e marginalização social. Soma-se, neste caso, as práticas de violência sistemática sofridas pelas

mulheres, na maioria dos casos vítimas de seus próprios parceiros, além das constantes

agressões motivadas pela intolerância de gênero (Veja o anexo 5.1). Não podemos desconsiderar

também o papel dos meios de comunicação na disseminação do “terror” em sociedades

marcadas pelo pânico e uma dificuldade em construir relações duradouras.

Por fim, vale lembrar, mais uma vez, que atentados armados não se restringem aos grupos

radicais islâmicos, mas também ocorrem em outros grupos políticos e religiosos. Um exemplo foi

a agressão feita pelo jovem estadunidense Dylann Roof26, adepto de ideias de supremacia

branca, contra a Emanuel African Methodist Episcopal, uma igreja tradicional da comunidade

negra dos Estados Unidos. Comunidade negra que, por sinal, sofre historicamente com as

manifestações de intolerância.

25 Segundo artigo de 2001 intitulado “Terrorismo, a arma dos poderosos”. Disponível na página do Le Monde

Diplomatique Brasil. http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=346 26

O atentado ocorreu no Estado da Carolina do Sul, em 17 de junho de 2015.

Foto 01: Cerimônia em lembrança aos mortos no atentado na Carolina do Sul. Entre os mortos estava o senador Clementa Pinckney. Foto: Win McNamee/Getty.

Foto 2: Polícia transfere Dylann Roof, a uma corte em Shelby, na Carolina do Norte (Foto: REUTERS/Jason Miczek).

18

3. RECOMENDAÇÕES AOS DELEGADOS

Todas as considerações feitas até agora procuraram apresentar o comitê e delimitar um

problema, que precisa de solução. Assim sendo, possibilitaram apenas um conhecimento inicial

da temática, assim como procuraram lançar as bases para que os senhores delegados (as)

possam aprofundar nos estudos e pensar em propostas. Lembrem que o Guia de Estudos é

apenas um ponto de partida. Para um bom desempenho é recomendável que cada delegação

procure saber mais sobre o comitê, acerca do tema e da legislação vigente, sem desrespeitar a

política externa do Estado representado.

Além das questões postas acima, recomenda-se também que:

Elabore seu DPO (DOCUMENTO DE POSIÇÃO OFICIAL) de forma objetiva, sem extensões

desnecessárias sobre a história do país ou informações geográficas. O mais relevante é o

posicionamento de sua delegação quanto ao problema e possíveis propostas de solução.

As informações básicas sobre o DPO serão fornecidas durante os eventos preparatórios

para a IX SIMUNA. Portanto, procure seus diretores de mesa e informe-se.

Durante os debates, tenha o máximo possível de clareza e objetividade em suas

argumentações, observando as regras de decoro e a seriedade do problema e ser tratado.

Não fuga do tema central, isto é, a construção da tolerância política e religiosa em meio

a expansão do terror. Trate de temas relacionados apenas como forma de reforçar seu

posicionamento dentro do comitê.

Por outro lado, considere como pertinente ao tema questões mais amplas a respeito do

“terror” e da “intolerância”. O comitê poderá considerar também as manifestações de

intolerância política e religiosa em outras partes do mundo, além da Europa e do Oriente

Médio.

Enquanto integrantes do sistema de relações internacionais, os senhores delegados

deverão considerar nos debates os principais acordos já estabelecidos sobre o tema. O

conhecimento daquilo que já foi proposto é fundamental. Neste caso, recomenda-se a

consulta das reuniões anteriores do CDH ou mesmo os encontros diplomáticos entre as

partes envolvidas ocorridos ao longo dos últimos dois anos.

Estude as convenções e possíveis acordos existentes sobre o tema.

Um bom exemplo é a Declaração e Programa de Ação Adotado pela Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância de 2001.

Procure estudar a questão de forma ampla, analisando o problema sobre vários pontos de

vista. Afinal, o problema da intolerância religiosa ou política está presente em todas as

19

sociedades, democráticas ou não, potencializando-se em áreas de conflito, regiões

marcadas por graves problemas econômicos ou mesmo nos regimes autoritários.

Estude os demais países presentes no comitê. Qual delegação possui problemas

internos e interesses semelhantes? Quais defendem interesses divergentes a sua delegação?

Conheça o máximo possível sobre o tema. (Se possível, construa um dossiê com informações

pertinentes aos debates. Registre propostas, dados estatísticos, documentos que possam reforçar sua

argumentação, sugestões de documentos de trabalho, entre outros).

Não se esqueça de pesquisar no site da ONU, ou do Alto Comissariado das Nações Unidas

sobre Direitos Humanos, de organizações não governamentais como a Anistia Internacional

e a Human Rights Watch, além de publicações em revistas acadêmicas.

O Estado que você representa possui problemas semelhantes aquele tratado no comitê?

Elabore propostas para o problema. NÃO deixe para fazê-lo apenas com o comitê em

andamento.

Por fim, lembre-se: não é o país que determina o desempenho dos seus delegados, mas

são os delegados que, com sua competência, desenvoltura, interesse e preparo acadêmico

que determinarão o desempenho de cada Estado.

20

4. REFERÊNCIAS

Carta de Princípios da ONU: http://nacoesunidas.org/carta/

Declaração Universal dos Direitos Humanos: http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf

Publicação Fichas Informativas sobre Direitos Humanos do ACNUDH: Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos.http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Ficha_Informativa_13.pdf

Site da organização não governamental Conectas Direitos Humanos http://www.conectas.org/pt/acoes/sur/edicao/19/1000469-politica-externa-e-direitos-humanos-em-paises-emergentes-reflexoes-a-partir-do-trabalho-de-uma-organizacao-do-sul-global

Para saber mais sobre Direito Internacional Humanitário

http://www.gddc.pt/direitos-humanos/direito-internacional-humanitario/sobre-dih.html

Página do Escritório Regional para a América do Sul do ACNUDH

http://acnudh.org/pt-br/home-2/

ESPECIAL: A intolerância contra as religiões de matrizes africanas no Brasil

https://nacoesunidas.org/a-intolerancia-contra-as-religioes-de-matrizes-africanas2/

Boaventura de Sousa Santos. Charlie Hebdo: Uma reflexão Difícil http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Charlie-

Hebdo-Uma-reflexao-dificil/32618

Excelente reportagem do El País sobre a vida no bairro belga de Molenbeek

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/30/internacional/1451471467_101355.html

Vídeo sobre o Direito Humanitário e as normas da guerra. https://www.youtube.com/watch?v=ysPbhu8zY3c

Site da Anistia Internacional.

https://anistia.org.br/anistia-em-acao/para-onde-vao-armas/

Human Rights Watch https://www.hrw.org/pt-br

BONELLI, LAURENT. Os caminhos da radicalização. Le Monde Diplomatique Brasil. Ano 8, nº 91, fevereiro de 2015.

Páginas 08-10.

21

5. ANEXOS

ANEXO 5.1 Homofobia

Outro exemplo de prática intolerante que preocupa é a homofobia e a transfobia. Crimes de

ódio contra gays, bissexuais, lésbicas e transexuais. Ataques aparentemente isolados ou

feitos por grupos de forma localizada, na verdade traduzem uma dificuldade de conviver com

o outro e de respeito aos princípios democráticos da diversidade.

Assim como as restrições excessivas aos imigrantes, a perseguição aos negros, índios, judeus,

ciganos, a grupos que compartilham outras crenças, a homofobia geralmente traz consigo outras

formas de intolerância correlatas e precisa entrar na agenda de discussão sobre os direitos

humanos.

Em declaração recente, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi

Pillay, enfatizou a necessidade de se discutir e pensar em ações para combater o problema. Ela

também apresentou alguns dados que traduzem a sua gravidade:

“Aqui em Nova York, apenas nas últimas seis semanas, pelo menos quatro jovens foram brutalmente

atacados em diferentes incidentes. Dois deles mais tarde morreram devido aos ferimentos. Em todos os

casos, os agressores gritaram insultos homofóbicos enquanto chutavam, batiam ou esfaqueavam suas

vítimas.

Estatísticas oficiais mostram que crimes de ódio contra homossexuais agora são quase 20% de todos os

crimes de ódio registrados nos Estados Unidos, um aumento de 15% em relação há alguns anos atrás. No

ano passado, no Brasil, 250 pessoas foram assassinadas em ataques homofóbicos ou transfóbicos.

Em Honduras, uma onda de violência recentemente tirou a vida de 34 membros das comunidades gay,

lésbica, bissexual e transgênero ao longo de 18 meses. E na África do Sul, temos assistido ao terrível

fenômeno chamado “estupro corretivo”, cometido por homens que estupram lésbicas e em seguida tentam

justificar suas ações afirmando estarem apenas tentando “corrigir” a sexualidade de suas vítimas”27.

A homofobia conta com outros agravantes. Primeiramente, a impunidade dos criminosos

acaba ocorrendo, muitas vezes, pela fragilidade das políticas públicas e certa “tolerância” de

muitas pessoas, dentro das mais diversas sociedades, perante este tipo de violência. Algo

semelhante ocorre com a violência contra as mulheres, por exemplo.

Um bom exemplo da fragilidade das instituições e políticas públicas ocorre no continente

africano, onde os movimentos defensores dos direitos dos homossexuais e transexuais ainda

são muito fracos, dificultando o debate acerca do assunto. Muitos líderes africanos, inclusive,

defendem abertamente a homofobia, como é o caso do Zimbábue e Gâmbia:

“O presidente de Gâmbia, Yaya Jammeh, deu em 2009 um ultimato: "24 horas para os homossexuais e

outros criminosos deixarem o país". "Se não os contraventores terão a cabeça cortada", ele acrescentou.

Não sabemos se muitos obedeceram, mas eles sabem que não são realmente apreciados nesse

27 Artigo publicano em 10/05/2011. Disponível em ONU no Brasil: http://www.onu.org.br/no-brasil-250-pessoas-foram-assassinadas-em-ataques-homofobicos-ou-transfobicos-em-2010-alerta-alta-comissaria-de-direitos-humanos-da-onu/

22

pequeno país que separa a Casamance do norte do Senegal.

Robert Mugabe, o velho presidente de Zimbábue, no poder desde 1980, também se especializou nas

diatribes homófobas. Ele apresenta a homossexualidade como uma "doença ocidental", retomando

assim uma tese muito popular na África: a ideia segundo a qual a homossexualidade teria sido

"importada" pelos ocidentais para o continente negro (...)” 28.

Tais atos de intolerância, entretanto, não são prerrogativas da África. Como ficou claro no

próprio depoimento Navi Pillay (Alta Comissária para Direitos Humanos), o problema se

estende pelos Estados Unidos, Brasil, Honduras, manifestando-se por todo o globo.

Outro agravante para o problema é o perigoso discurso sobre a “novidade” para se referir

às agressões que vem ocorrendo. Há quem afirme que tais crimes são recentes, assim como

conceitos como orientação sexual e identidades de gênero29. O debate público, as

campanhas de conscientização e combate até podem ser recentes, mas os atos de

intolerância acompanham a história da humanidade.

______________________________________________

ANEXO 5.2. Um alerta que vem da Europa

"Nós, a livre população nativa da Europa, por este meio declaramos uma guerra

preventiva contra todas as elites marxistas/multiculturalistas da Europa Ocidental...

Sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês" (...). "Estamos no

processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão

punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus."

Manifesto de Anders Breivik, extremista que executou dois atentados em julho na Noruega.

Anders Behring Breivik, um norueguês de 32 anos e militante de extrema-direita, protagonizou

um dos maiores atentados terroristas da história recente da Europa. No dia 22 de julho de 2011,

primeiramente no centro de Oslo, capital da Noruega, Breivik explodiu um carro-bomba no

complexo de prédios do governo do país, matando oito pessoas e deixando um rastro de

destruição. Duas horas depois, outro ataque foi feito na ilha de Utoya, em um acampamento do

Partido Trabalhista, o mesmo do atual primeiro-ministro Jens Stoltenberg. Cerca de 69 pessoas

morreram, a maioria jovens entre 14 e 19 anos. Todos noruegueses.

O que justificou um ataque deste porte contra a própria população do país? O conserva-

dorismo, a intolerância e a xenofobia do extremismo político que voltou a ganhar terreno no

continente europeu nos últimos anos, em decorrência de vários fatores, como, por exemplo, os

problemas econômicos agravados pela crise de 2008 e também pela crescente imigração na

Europa, com destaque para os muçulmanos do norte da África. Mudanças que aquecem o debate

28 Homofobia, um fenômeno muito difundido na África. Texto do Jornal Le Monde Diplomatique. 2010. 29 Navi Pillay argumente sobre esta questão na declaração citada anteriormente.

23

político no velho continente entre partidos e movimentos sociais progressistas e os grupos de

direita. Na interpretação do extremismo, a imigração afeta a nacionalidade europeia, centrada

na origem, na religião e nas tradições comuns. Além do fator étnico, os imigrantes tornam-se

também, segundo este ponto de vista radical, ameaça aos empregos e a própria estabilidade

econômica de muitos países. Anders Breivik compartilhava destas ideias.

Em um manifesto com mais de 1500 páginas divulgado na internet, intitulado “2083 - Uma

declaração de independência europeia”, o terrorista norueguês deixou claro suas posições

ideológicas contrárias ao “domínio muçulmano”, ao multiculturalismo e ao marxismo, acusando

os partidos democratas e socialistas de traidores dos europeus.

Nota-se um crescimento do discurso civilizatório, racista, voltado para o confronto com as

minorias que pertencem a outras etnias, religiões, preferências políticas e nacionalidades. Deste

modo, os atentados na Noruega lançaram um novo alerta sobre o continente europeu e para o

mundo: é preciso tomar ações efetivas para promover a tolerância, ampliar a cidadania e dificultar

a expansão de partidos, movimentos e indivíduos ultranacionalistas. Apesar de ter agido sozinho

nos ataques em Oslo e na ilha de Utoya, Anders Breivik não pode ser visto como um

“personagem” isolado no continente.

Um novo extremismo?

Em primeiro lugar, não existe uma extrema-direita única e homogênea no continente europeu.

Por exemplo, “não há como definir todos os movimentos de anseios nacionalistas como

neonazistas”30. Alguns intelectuais preferem, inclusive, substituir a alcunha de “extrema-direita”

por outras denominações, como é o caso do cientista político francês Jean-Yves Camus. Para

ele, melhor seria qualificar o que ocorre na Europa de grupos “radicais, xenófobos e populistas”31,

isto, é claro, quando tratamos dos partidos e políticos que disputam o sistema democrático

almejando alcançar o poder. Ainda sobrevivem na Europa e no mundo grupos sectários que

procuram preservar ou resgatar as ideias clássicas do nazismo e do fascismo dos anos 30 e 40,

utilizando-se da internet e toda uma rede de comunicações para difundir suas ideias.

Também não seria adequado, para muitos analistas, tratar os radicais de direita por “europeus”,

apesar de o termo aparecer no discurso do extremista Anders Breivik, citado anteriormente. Na

medida em que tais grupos se pautam em elementos nacionais, raciais ou culturais, torna-se

difícil aceitar uma defesa da aproximação de âmbito continental. Muitos se opõem

veementemente ao projeto da União Europeia, como é o caso dos ultranacionalistas do Frente

Nacional de Jean-Marie Le Pen.

Nas eleições francesas de 2002, por exemplo, os xenófobos conseguiram surpreender a

opinião pública internacional e a própria esquerda na França ao alcançar o segundo turno com

30 Citação presente no artigo “Neonazismo: nova roupagem para um velho problema”, de Carlos Gustavo N. de Jesus. Em: Revista Akrópolis, Umuarama, V.11, nº02, abril-junho de 2003. 31 Conforme discussão proposta pelo historiador Dominique Vidal em artigo publicano no Le Monde: “A perseguição do Islã e o neofascismo”. Le Monde Diplomatique Brasil. Janeiro de 2011, p. 4. Quanto ao termo “populismo”, é bom resguardar as diferenças com o conceito latinoamericano.

24

a surpreendente faixa de 18% dos votos. Atualmente, com uma estratégia de promoção da filha

de Le Pen – Marine Le Pen – o partido tenta amenizar o seu discurso com o intuito de ampliar

sua base de voto, com esperanças para as próximas eleições do país que se realização em

2012.

A modificação “suave” no discurso dos partidos ultranacionalistas não pode ser vista como um

abandono da intolerância e do racismo, mas sim como uma estratégia de poder para se adaptar

aos novos tempos, modernizando-se. Neste sentido, o tradicional discurso voltado para a

superioridade branca, a violência contra os judeus e a exaltação das práticas do autoritarismo

nazifascista (como, por exemplo, as divisões de elite Waffen-SS), cede espaço para o combate

ao inimigo muçulmano e os demais imigrantes, além de certo esquive de problemas clássicos

como o Holocausto. Para ganhar popularidade dentro de um contexto democrático, muitos

partidos de “extrema-direita” tentam minimizar a violência empreendida pelo nazismo durante a

Segunda Guerra Mundial, como é o caso das câmaras de gás. O nacionalista francês Jean-Marie

Le Pen chegou a afirmar certa vez que as câmaras de gás passavam de “detalhe na história”.

Mas este tipo de discurso não esconde preconceitos e a simpatia pela extrema-direita clássica,

além de render críticas ferrenhas da imprensa e dos partidos de esquerda.

Carlos Gustavo de Jesus sintetizou, no artigo Neonazismo: nova roupagem para um velho

problema, parte das mudanças observadas dentro do extremismo europeu deste os anos 80:

Em um primeiro momento, estes ultradireitistas ficaram diluídos nos partidos conservadores ou de

centro-direita. Nos anos 80, a aproximação dos partidos de centro direita com outras linhas

ideológicas, principalmente aquelas ligadas à socialdemocracia, fez com a extrema-direita passasse

a agir independentemente. Tal acontecimento está no centro da discussão sobre o surgimento da

Nova Direita, pois para se fazer presente no jogo político democrático, tais partidos teriam que

se desligar do estigma do nazifascismo. Assim, a extrema direita iria promover o que Paul Hockenos

chamou de “revolução cultural da direita”. Os neofascistas modernos, “através de uma revolução

cultural de direita, buscaram criar um clima social e político que, mais uma vez seria receptivo às

ideias fascistas”. Realmente, pode-se notar que os partidos de extrema–direita tentaram revigorar

sua imagem, para assim agradar a um número maior de adeptos32.

Assim, no lugar do discurso racista, vieram as críticas exaltando as diferenças culturais e

religiosas, em defesa das fronteiras econômicas e das restrições à circulação de não-europeus

no continente. Em alguns casos, as lideranças de direita chegam a propor o fortalecimento de

algumas reivindicações sociais, como, por exemplo, o apoio aos pequenos produtores, melhorias

na aposentadoria, defesa do poder de compra e até mesmo redução de impostos. Fato que

justifica a denominação de “populistas” atribuída por Jean Yves Camus33.

Outro fator que contribui para a expansão da direita ultranacionalista no continente europeu

relaciona-se com o enfraquecimento dos tradicionais partidos conservadores e da própria

32 “Neonazismo: nova roupagem para um velho problema”, de Carlos Gustavo N. de Jesus. Em: Revista Akrópolis, Umuarama, V.11, nº02, abril-junho de 2003, p.69. 33 Cientista político do Centro Europeu de Pesquisas e de Ação sobre o Racismo e o Antissemitismo. Autor de O extremismo na Europa. Frente Nacional: um risco para a democracia francesa. Fonte: Le Monde.

25

socialdemocracia, incapazes de oferecer respostas aos problemas socioeconômicas que

atingem a população.

_________________________________________________

ANEXO 5.3

Enunciados pela Organização das Nações Unidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração

Universal dos Direitos Humanos cujo texto, na íntegra, pode ser lido a seguir. Logo após, a Assembleia

Geral solicitou a todos os Países - Membros que publicassem o texto da Declaração ”para que ele fosse

divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas escolas e em outras instituições educacionais,

sem distinção nenhuma baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados”.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de

seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que

ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de

liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado

como a mais alta aspiração do ser humano comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser

humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos

humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e

mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade

mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações

Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses

direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para

o pleno cumprimento desse compromisso,

Agora portanto

A ASSEMBLEIA GERAL

proclama

26

A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada

indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do

ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas

progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância

universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos

territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e

consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo II

1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta

Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou

de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país

ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem

governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos

em todas as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo VI

Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm

direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer

incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII

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Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos

que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal

independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer

acusação criminal contra ele.

Artigo XI

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua

culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido

asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito

perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que,

no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII

Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua

correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei

contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV

1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito

comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV

1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o

direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua

duração e sua dissolução.

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2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do

Estado.

Artigo XVII

1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a

liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino,

pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

Artigo XIX

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem

interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideais por quaisquer meios e

independentemente de fronteiras.

Artigo XX

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI

1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de

representantes livremente escolhidos.

2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições

periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a

liberdade de voto.

Artigo XXII

Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço

nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos

direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua

personalidade.

Artigo XXIII

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1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de

trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure,

assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão,

se necessário, outros meios de proteção social.

4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV

Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a

férias remuneradas periódicas.

Artigo XXV

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-

estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,

e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda

dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas

dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e

fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a

todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do

fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá

a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará

as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será minis trada a seus filhos.

Artigo XXVII

1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das

artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.

2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer

produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII

Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades

estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

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Artigo XXIX

1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua

personalidade é possível.

2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações

determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos

direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-

estar de uma sociedade democrática.

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos

e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer

Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à

destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.