conhecimento e comportamento dos profissionais do segmento de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG ESCOLA DE ENFERMAGEM Juliana Ladeira Garbaccio CONHECIMENTO E ADESÃO ÀS MEDIDAS DE BIOSSEGURANÇA ENTRE MANICURES E PEDICURES Belo Horizonte 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG

ESCOLA DE ENFERMAGEM

Juliana Ladeira Garbaccio

CONHECIMENTO E ADESO S MEDIDAS DE BIOSSEGURANA ENTRE

MANICURES E PEDICURES

Belo Horizonte

2013

Juliana Ladeira Garbaccio

CONHECIMENTO E ADESO S MEDIDAS DE BIOSSEGURANA ENTRE

MANICURES E PEDICURES

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-

Graduao da Escola de Enfermagem da

Universidade Federal de Minas Gerais, como pr-

requisito para obteno do ttulo de Doutor.

rea de concentrao: Sade e Enfermagem

Linha de pesquisa: Preveno e controle de agravos

sade

Orientadora: Prof.a Dr.

a Adriana Cristina de Oliveira

Belo Horizonte

2013

Este trabalho parte integrante do Projeto Segurana do Paciente desenvolvido pelo

Ncleo de Estudos e Pesquisas em Infeces relacionadas ao Cuidar em sade

(NEPIRCS/CNPq) da Escola de enfermagem da UFMG.

Financiamentos: Fundao de Amparo Pesquisa de Minas Gerais. Edital do

Programa Pesquisador Mineiro - Processo 00340-11.

Fundo de Incentivo Pesquisa da PUCMinas (FIP) - Processo 2010/5790-S2.

Ao meu marido Rogrio e meu prncipe Gustavo pela fora e

apoio. Pela simplicidade de expressar seus

sentimentos de amor e carinho.

AGRADECIMENTOS

Professora orientadora Doutora Adriana Cristina de Oliveira pela dedicao, orientao e

pelo exemplo de trabalho rduo na busca constante da qualidade na pesquisa em Enfermagem.

s colegas do NEPIRCS Qusia, Maria Henriqueta, Adriana, Camila, Selma, Ivone, Sintia,

Marlene, Mara pelo carinho, disponibilidade e torcida.

Aos colegas de trabalho da PUC Minas dos campus Arcos, Barreiro e Betim em especial s

professoras Yara, Ana, rica, Zanja, Anna e aos professores Wiliam, Tlio e Andr que me

apoiaram e incentivaram desde o incio.

Aos acadmicos de enfermagem da PUC Minas, agora enfermeiros, Amanda, Alana, Taysa,

Rosana, Luiz Antnio, Rogrio, Wilson e a todos que me acompanharam nesta caminhada.

A toda minha famlia e s famlias Guimares e Villaa, pelo apoio e incentivo.

Aos profissionais do Servio de Medicina Laboratorial do Hospital das Clnicas da

UFMG/Setor de Soro-Imunologia.

As enfermeiras da Central de Material Esterilizado do Hospital das Clnicas da UFMG.

Ao Renato Teixeira, estatstico, que sempre me atendeu com pacincia.

A todos os entrevistados, por terem contribudo na construo desta pesquisa.

Ao programa de Ps Graduao da Escola de Enfermagem da UFMG; professores e

funcionrios do colegiado.

Fundao de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais e ao Fundo de Incentivo Pesquisa

da PUC Minas.

A Deus, por me guiar, proteger e iluminar.

Todo esforo produtivo, quando metdico e continuado. Disciplina liberdade."

Renato Russo

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, s a fazer outras maiores perguntas.

Joo Guimares Rosa

http://pensador.uol.com.br/autor/rudolf_steiner/

GARBACCIO, J.L. Conhecimento e adeso s medidas de biossegurana entre manicures e

pedicures, 2013. 145 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem,

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.

RESUMO As atividades desenvolvidas nos estabelecimentos de beleza e esttica vm despertando a

preocupao de pesquisadores quanto ao risco envolvendo a transmisso dos vrus das

hepatites B, C e da Imunodeficincia Humana. A inquietao est na possibilidade do

desconhecimento e falta de adeso entre os profissionais s recomendaes de biossegurana

preconizadas por agncias nacionais e internacionais, visando minimizao do risco

ocupacional. Este estudo teve por objetivo geral: Analisar o conhecimento e a adeso entre

manicures e pedicures em relao s medidas de biossegurana e como objetivos

especficos: Caracterizar o perfil sociodemogrfico de manicures/pedicures; Verificar a

adeso e o conhecimento dos profissionais s medidas de precaues padro e o estado

sorolgico para as hepatite B e C; Identificar as condies de processamento de artigos e

desinfeco de superfcie; Estimar a ocorrncia de acidentes com material perfurocortante;

Descrever a conduta imediata adotada aps os acidentes; Determinar os principais fatores

associados adoo das medidas de biossegurana pelos profissionais. Tratou-se de uma

pesquisa transversal, do tipo survey, realizada no perodo de junho de 2012 a maro de 2013,

em Belo Horizonte. A amostra foi calculada a partir de 600 estabelecimentos cadastrados,

com alvar de funcionamento. Os dados foram tabulados, tratados pelo programa Statistical

Package for the Social Sciences e analisados por mtodos estatsticos descritivos, teste qui-

quadrado de Pearson ou exato de Fisher e regresso logstica com proporo de acertos nas

questes de adeso e conhecimento dicotomizadas pela mediana. Foram entrevistadas 235

profissionais, todas do sexo feminino, com mediana de acertos nas questes de conhecimento

s medidas de biossegurana (66%) superior de adeso (61%). Houve maior adeso (p <

0,05) entre as profissionais com idade acima de 31 anos (58,6%), com menor nmero de

filhos (60%) e mais tempo de trabalho no ramo (57,3%). O conhecimento (p < 0,05) foi

melhor para aquelas com capacitao em cursos diversos (54,8%). Obteve-se maior adeso e

conhecimento entre aquelas com maior escolaridade (52,8% e 47,2%), formao regular

profissionalizante (55% e 48,8%), com capacitao em biossegurana (60% e 64,6%)

(p

GARBACCIO, J.L. Knowledge and adherence to biosafety procedures among manicures and

pedicures. 2013. 145 f. Thesis (Doctorate in Nursing) - Escola de Enfermagem, Universidade

Federal de Minas Gerais [Nursing School, Federal University of Minas Gerais], Belo Horizonte,

2013.

ABSTRACT

The practice inside Beauty and Aesthetic establishments have attracted the concern of

researchers regarding the risk involving the transmission of hepatitis B, C and Human

Immunodeficiency. The anxiety stays on the possibility of ignorance of the professionals and

their lack of adherence to recommendations of biosafety preconized by national and

international agencies, in order to minimize occupational risk and to the customers. This study

aimed in general: to analyze the knowledge and adherence of manicures and pedicures to

biosafety recommendations; and as specific objectives: to characterize the demographics of

manicures / pedicures; to check adherence and knowledge of the professional to the standard

precautions actions and the state of serology for hepatitis B and C; identify the processing

conditions of materials and disinfection of surfaces; estimate the frequency of accidents with

sharp materials; describe the procedure adopted immediately after the accident; determine the

main factors associated with the adoption of biosafety actions by the professionals. This was a

cross-sectional survey, realized between June of 2012 and March of 2013 in Belo Horizonte.

The sample was calculated from the 600 establishments registered officially. Data were

tabulated, processed by the Statistical Package for the Social Sciences and analyzed using

descriptive statistics, chi- square test or Fisher's exact test and logistic regression, with

proportion of right answers on the questions of adherence and knowledge, split by the mean.

235 professionals were interviewed, all female, with a median of correct answers in the

knowledge issues to biosafety actions (66%) higher than the adherence (61%). There was

greater adherence (p

LISTA DE ILUSTRAES

Figura 1: Fluxograma para diagnstico da infeco pelo vrus de hepatite B (VHB)....... 36

Figura 2: Distribuio dos sales por regies de Belo Horizonte e informaes

referentes seleo dos participantes. Belo Horizonte, MG, 2013.................................... 50

Quadro 1: Legislaes brasileiras aplicveis ao segmento de beleza e esttica, em

ordem cronolgica.............................................................................................................. 116

Quadro 2: Variveis relacionadas aos aspectos sociodemogrficos, laboral e de

formao de manicures/pedicures. Belo Horizonte, MG, 2013......................................... 45

Quadro 3: Variveis relacionadas as caractersticas dos acidentes ocupacionais com

exposio a material biolgico, condutas aps os acidente relatadas pelas

manicures/pedicures. Belo Horizonte, 2013....................................................................... 46

Quadro 4-Variveis relacionadas ao estado sorolgico das manicures. Belo Horizonte,

2013..................................................................................................................................... 46

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Regio dos sales de beleza com cadastro de funcionamento fornecido pela

prefeitura e confirmao telefnica. Belo Horizonte-MG,

2012........................................................................................................................... 41

Tabela 2- Perfil sociodemogrfico, laboral e de formao de manicures/pedicures

participantes do estudo. Belo Horizonte, 2013......................................................... 51

Tabela 3- Frequncia de acertos para a adeso e conhecimento s medidas de biossegurana

entre manicures/pedicures. Belo Horizonte, 2013.................................................... 53

Tabela 4- Distribuio das variveis sociodemogrficas em relao adeso e

conhecimento s medidas de biossegurana entre manicures/pedicures (N = 235),

categorizadas pela mediana de acerto nas questes. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 53

Tabela 5- Modelo de regresso logstica binria multivariada ajustado para as variveis

adeso e conhecimento s medidas de biossegurana entre manicures/pedicures

(N = 235). Belo Horizonte, 2013.............................................................................. 56

Tabela 6- Distribuio de acertos para as variveis componentes da precauo padro

segundo adeso e conhecimento pelas manicures/pedicures. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 58

Tabela 7- Doenas referidas por manicures/pedicures (N = 235) com possibilidade de

transmisso ocupacional e aos clientes nos sales de beleza. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 61

Tabela 8- Varivel acidente com material perfurocortante em relao adeso e

conhecimento s medidas de biossegurana entre manicures/pedicures (N = 235)

categorizadas pela mediana de acerto nas questes. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 61

Tabela 9- Acidentes com material biolgico por manicures/pedicures e clientes e condutas

adotadas. Belo Horizonte, 2013................................................................................ 62

Tabela 10- Respostas obtidas em relao prtica referida e o conhecimento sobre

processamento de artigos pelas manicures/pedicures. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 64

Tabela 11- Mtodos de limpeza/descontaminao de artigos utilizados pelas

manicures/pedicures. Belo Horizonte, 2013............................................................. 65

Tabela 12- Respostas obtidas quanto ao conceito de descontaminao, limpeza, desinfeco

e esterilizao citado pelas manicures/pedicures. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 66

Tabela 13- Mtodos de esterilizao de artigos, tempo e temperatura de exposio no

mtodo referido como utilizado por manicures/pedicures. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 67

Tabela 14- Conhecimento de manicures/pedicures acerca do processo de esterilizao. Belo

Horizonte, 2013......................................................................................................... 68

Tabela 15- Distribuio das respostas acerca do conhecimento das etapas do processo de

esterilizao de artigos por manicures/pedicures. Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 68

Tabela 16- Fatores intervenientes adeso s medidas de biossegurana citadas pelas

manicures/pedicures (N = 235). Belo Horizonte, 2013............................................ 70

Tabela 17- Distribuio de frequncia dos fatores intervenientes adeso vacinao

citadas pelas manicures/pedicures (N= 235). Belo Horizonte,

2013........................................................................................................................... 71

Tabela 18- Fatores intervenientes adeso a alguns dos equipamentos de proteo individual

referidos pelas manicures/pedicures. Belo Horizonte, 2013.................................... 71

Tabela 19- Respostas das manicures/pedicures s questes utilizadas para o teste de

confiabilidade. Belo Horizonte, 2013....................................................................... 73

Tabela 20- Respostas das manicures/pedicures s questes utilizadas para o teste de

confiabilidade. Belo Horizonte, 2013....................................................................... 74

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Aids - Acquired Immunodeficiency Syndrome; Sndrome da Imunodeficincia Adquirida

ANVISA - Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

CA-MRSA Community Acquired Methicillin Resistant Staphylococcus aureus;

Staphylococcus aureus Resistente Meticilina Isolado na Comunidade

CDC - Centers for Disease Control and Prevention; Centro de Controle e Preveno de

Doenas

CNAE - Classificao Nacional de Atividades Econmicas

CTA - Centro de Testagem e Aconselhamento

EPI - Equipamentos de Proteo Individual

HIV - Human Imunodeficiency Vrus; Vrus da Imunodeficincia Humana

HM Higienizao da mos

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IRAS - Infeces Relacionadas Assistncia Sade

MCR - Micobactrias no tuberculosas de Crescimento Rpido

MO - Micro-organismos

MRSA - Methicillin Resistant Staphylococcus aureus; Staphylococcus aureus Resistente

Meticilina

MS - Ministrio da Sade

NEPIRCS - Ncleo de Estudos e Pesquisas em Infeco Relacionadas ao Cuidar em Sade

OMS - Organizao Mundial de Sade

PEA - Populao Economicamente Ativa

PP - Precaues Padro

PNHV - Programa Nacional para a Preveno e o Controle das Hepatites Virais

SARS - Severe Acute Respiratory Syndrome

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UBS - Unidade Bsica de Sade

UFC - Unidades Formadoras de Colnias

VHB - Vrus da Hepatite B

VHC - Vrus da Hepatite C

SUMRIO

1 INTRODUO......................................................................................................................... 14

1.1 Objetivos.................................................................................................................................. 18

1.1.1 Geral.................................................................................................................................. 18

1.1.2 Especficos......................................................................................................................... 18

2 REVISO DA LITERATURA................................................................................................

2.1 A beleza e esttica como profisso - aspectos histricos e atualidade.....................................

2.2 Os riscos biolgicos sade do trabalhador e do cliente no segmento da beleza e esttica....

2.3 Regulamentaes Sanitrias.....................................................................................................

2.4 A pele e seus anexos: colonizao e infeco microbiana.......................................................

2.5 Aspectos epidemiolgicos, clnicos e de transmisso de alguns patgenos: HIV, VHB e

VHC...............................................................................................................................................

19

19

23

25

28

34

3 METODOLOGIA.....................................................................................................................

3.1 Tipo de Estudo.........................................................................................................................

3.2 Local do estudo, populao e amostra.....................................................................................

3.3 Coleta de dados........................................................................................................................

3.4 Instrumentos para coleta de dados...........................................................................................

3.4.1 Variveis do estudo e categorizao..................................................................................

3.4.2 Pr-testes e avaliao do instrumento de coleta de dados................................................

3.4.3 Exames laboratoriais sorolgicos para hepatites B e C....................................................

3.5 Tratamento dos dados ..............................................................................................................

3.6 Avaliao do funcionamento das autoclaves presentes nos sales de beleza..........................

3.7 Consideraes ticas................................................................................................................

40

40

40

41

42

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47

47

48

49

49

4 RESULTADOS..........................................................................................................................

4.1 Perfil sociodemogrfico dos profissionais...............................................................................

4.2 Adeso e conhecimento de manicures e pedicures em relao s medidas de biossegurana

4.2.1 Adeso e conhecimento s medidas de biossegurana entre as manicures/pedicures e

as variveis sociodemogrficas, laboral e de formao.....................................................

4.2.2 Fatores associados adeso e ao conhecimento em relao s medidas de

biossegurana entre as manicures/pedicures.....................................................................

4.2.2.1 Regresso logstica binria multivariada entre as variveis dependentes (adeso e

conhecimento em relao s medidas de biossegurana) e independentes....................

4.3 Adeso e conhecimento sobre higiene de mos, uso de equipamentos de proteo

50

51

52

53

55

55

individual, higiene pessoal e descarte de artigos....................................................................

4.4 Risco ocupacional, proteo vacinal e acidentes com material perfurocortante....................

4.4.1 Estado sorolgico para as hepatites B e C das manicure/pedicures.................................

4.5 Processamento de artigos utilizados nos sales por manicures/pedicures...............................

4.6 Limpeza das superfcies nos sales de beleza..........................................................................

4.7 Capacitao dos profissionais e as legislaes sanitrias.........................................................

4.8 Fatores intervenientes adoo das medidas de biossegurana..............................................

4.9 Observaes relativas estrutura e aos dispositivos presentes nos estabelecimentos.............

4.10 Avaliao da confiabilidade e concordncia das respostas dos entrevistados.......................

57

60

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64

69

69

70

71

72

5 DISCUSSO..............................................................................................................................

5.1 Adeso e conhecimento sobre higiene de mos, uso de equipamentos de proteo

individual, higiene pessoal e descarte de artigos....................................................................

5.2 Risco ocupacional, proteo vacinal e acidentes com material perfurocortante.....................

5.3 Processamento de artigos utilizados nos sales por manicures/pedicures...............................

5.4 Limpeza das superfcies nos sales de beleza..........................................................................

5.5 Capacitao dos profissionais e as legislaes sanitrias.........................................................

5.6 Fatores intervenientes adoo das medidas de biossegurana..............................................

5.7 Estrutura fsica e insumos presentes nos sales de beleza.......................................................

5.8 Confiabilidade e concordncia das respostas dos entrevistados..............................................

5.9 Limitaes da pesquisa.............................................................................................................

75

78

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100

6 CONCLUSES.........................................................................................................................

6.1 Contribuies da pesquisa........................................................................................................

101

102

REFERNCIAS........................................................................................................................... 103

APNDICE................................................................................................................................... 116

ANEXO......................................................................................................................................... 145

1 INTRODUO .

Introduo

Juliana Ladeira Garbaccio

14 14

1 INTRODUO

Os estabelecimentos que prestam servios na rea de beleza e esttica esto atendendo

um contingente cada vez maior de consumidores em todo o mundo. No Brasil, a populao

valoriza a esttica corporal, algumas pessoas precisam estar em perfeita sintonia com os

padres estabelecidos para alcanar um patamar socioeconmico; outras, para melhorar a

autoestima. Estudos realizados nos Estados Unidos e no Canad apontam evidncias de que a

aparncia tem impactos positivos, por exemplo, nos rendimentos, na empregabilidade e em

oportunidades diversas (DWECK, 1999; PEISS, 2000; DWECK, DI SABBATO, 2006).

A crescente insero da mulher no mercado de trabalho vem elevando seu nvel de

renda e, em 1970, a taxa de participao da mulher brasileira na populao economicamente

ativa (PEA) era de 11%, subindo para 40,1% em 2001 e chegando a 49,7% em 2009. Este foi

um dos fatores que provocou o aumento no consumo dos servios de beleza e esttica no pas

a partir da dcada de 1990 (DWECK, 1999; LAVINAS, 1997; INSTITUTO DE PESQUISA

ECONMICA APLICADA, 2010).

Oamplo acesso aos meios de comunicao tambm favoreceu a maior divulgao dos

padres de imagem e estilo, alimentados pela mdia e pelos astros do cinema e dos esportes,

atingindo todas as camadas sociais e faixas etrias. O resultado foi a sofisticao do mercado

de beleza e esttica como empregador de expressiva quantidade de mo de obra, pela

disposio das pessoas de trabalharem na rea e, principalmente, pela facilidade de ingresso

no ramo, que no exige importante investimento financeiro nem capacitao tcnica para

atuao (DWECK, 1999; MOORE; MILLER, 2007).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), os profissionais do

segmento de beleza e esttica situam-se na Classificao Nacional de Atividades Econmicas

(CNAE-2.0) na classe Cabeleireiros e Outras Atividades de Tratamento de Beleza. As

ocupaes desta classe contemplam: cabeleireiros, manicures, barbeiros, massagistas,

esteticistas, pedicures, calistas, trabalhadores de clnicas de esttica, institutos de beleza,

tratamento capilar e depilao (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E

ESTATSTICA, 2007). Cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e

maquiador foram reconhecidos em todo o territrio nacional pela Lei 12.595, de 2012

(BRASIL, 2012).

Os profissionais da esttica corporal manuseiam reas do corpo humano habitadas por

micro-organismos, tanto da microbiota normal quanto da transitria, que podem ser agentes

potencialmente infecciosos e transmitidos por contato direto, por artigos e substncias

Introduo

Juliana Ladeira Garbaccio

15 15

contaminadas ou por acidentes com materiais perfurocortantes. Os problemas relacionados

biossegurana com a classe trabalhadora do segmento de beleza e esttica passam pela

precria formao escolar/profissional, alm do desconhecimento acerca dos micro-

organismos e da susceptibilidade a desequilbrios constantes da trade epidemiolgica: agente,

hospedeiro e meio ambiente (MOORE; MILLER, 2007).

Embora milhares de atendimentos sejam realizados nos estabelecimentos de beleza e

esttica, h poucos registros de infeces resultantes de visitas da clientela a estes locais, no

pela falta dos eventos, mas pela ausncia de notificao e de estudos epidemiolgicos

especficos nacionais e/ou internacionais bem conduzidos e com impacto acadmico

direcionado a este tipo de atividade (MOORE; MILLER, 2007). A forma emprica de trabalho

dos profissionais do segmento da beleza e esttica, devido falta de preparo e de

conhecimento no aspecto da biossegurana, vem despertando a preocupao de profissionais e

pesquisadores com o risco de infeces relativas sade dos profissionais (ocupacional) e dos

clientes deste ramo de atividade (JOHNSON et al., 2001; MARIANO et al., 2004; MOORE;

MILLER, 2007; OLIVEIRA; FOCACCIA, 2010).

Um dos pontos altos dessa inquietao se fundamenta no desconhecimento e na

possibilidade de no adeso dos profissionais s recomendaes de biossegurana, que visam

minimizao do risco ocupacional e para o cliente, com relao no utilizao de

equipamentos de proteo individual (EPI), reutilizao de materiais de uso nico, adoo

de inadequadas tcnicas de processamento de materiais, reduzida adeso prtica de

higienizao das mos (HM) e falta de imunizao contra hepatite B e ttano.

O risco sade de profissionais e clientes envolve a possvel transmisso de patgenos

de transmisso sangunea o que pode levar a doenas de relevncia epidemiolgicas e de

impacto significativo na sade pblica, tais como as hepatites e a Sndrome da

Imunodeficincia Adquirida (Aids), alm de micoses, dermatites e furunculoses (JOHNSON et

al., 2001; TAKWALE et al., 2001; CANDAN et al., 2002; WINTHROP et al., 2002; MARIANO et

al., 2004; ZAHRAOUI-MEHADJI et al., 2004; MOORE; MILLER, 2007; CORRALES et al., 2007).

Quando o assunto a transmisso de agentes infecciosos, a adeso s medidas de

precaues padro (PP) por profissionais de sade e por qualquer outra categoria profissional

deve ser encorajada para atividades de risco no dia a dia, por representarem um meio de

preveno eficaz (ASKARIAN; ARAMESH; PALENIK, 2006; SIEGEL et al., 2007).

As medidas de PP so recomendadas na prestao de cuidados a qualquer pessoa

quando h riscos potenciais ou na presena de sangue, secrees e excrees da pele e/ou

mucosas. Essas precaues consistem em: lavar as mos, usar luvas, mscara, culos de

Introduo

Juliana Ladeira Garbaccio

16 16

proteo e avental/jaleco, fazer o descarte adequado de material contaminado e vacinar contra

hepatite B. Para os servios de esttica e beleza, as medidas de PP podem e devem ser

aplicadas, alm do processamento adequado de artigos e a desinfeco de superfcies

(GARNER, 1996; RUDDY; CUMMINS; DRABU, 2001; MOORE; MILLER, 2007).

Entre os profissionais de sade, a adeso s recomendaes de biossegurana, dentre

elas as medidas de PP, tem sido baixa e distinta, considerando-se algumas variveis, como

sexo, categoria profissional, turno de trabalho, tempo de experincia e formao profissional,

mesmo apresentando conhecimento suficiente sobre o tema Biossegurana (OBOYLE;

HENLY; LARSON, 2001; SAX et al., 2005; OLIVEIRA; CARDOSO; MASCARENHAS, 2009).

Isso pode estar relacionado a vrios aspectos do comportamento humano, incluindo a falsa

percepo de um risco invisvel e a subestimao da responsabilidade individual na resoluo

ou minimizao de um problema. Destaca-se que nem sempre essa adeso insuficiente refere-

se falta de conhecimento acerca dos perigos e das formas da transmisso de micro-

organismos. Alguns estudos mostraram que nem sempre o conhecimentoest incorporado

prtica do profissional, derrubando a premissa do vnculo direto entre o comportamento e o

conhecimento (FARR, 2000; OBOYLE; HENLY; LARSON 2001; PITTET, 2002;

MARTINI, 2004; ASKARIAN; ARAMESH; PALENIK, 2006).

No segmento da beleza e esttica, ao contrrio da vasta literatura encontrada no mbito

hospitalar, h escassez de estudos direcionados biossegurana sobre o conhecimento,

comportamento e adeso dos profissionais s medidas de PP (MOORE; MILLER, 2007).

Ainda assim, os poucos trabalhos que abordam este tema demonstram uma realidade

semelhante da rea da sade relativa adeso s medidas de biossegurana. Entretanto

diferem no aspecto da formao e conhecimento, revelando a existncia de profissionais

desinformados sobre as medidas e os protocolos de biossegurana discutidos e elaborados por

organizaes nacionais e internacionais responsveis pela recomendao de preveno de

agravos sade da populao (JOHNSON et al., 2001; WARD et al., 2005; WAZIR et al.,

2008; OLIVEIRA, 2009).

Infere-se, portanto, que na rea da beleza e esttica h riscos sade dos trabalhadores e

dos clientes, como a ocorrncia dos acidentes envolvendo material biolgico, com a

possibilidade de profissionais e clientes se infectarem com patgenos de transmisso

sangunea, especialmente os vrus da hepatite B (VHB), da hepatite C (VHC) e o vrus da

imunodeficincia humana (HIV). Estes patgenos podem causar doenas que trazem perdas

no apenas aos acidentados, mas tambm sociedade (FOCACCIA, 2007).

Apesar de no haver muitas pesquisas com dados epidemiolgicos sobre a prevalncia

Introduo

Juliana Ladeira Garbaccio

17 17

das hepatites B e C relacionada aos profissionais e clientes do segmento da beleza e esttica,

aquelas publicadas reforam a possvel associao. No Brasil, foi estimada a prevalncia de

8% para hepatite B e 2% para hepatite C entre manicures/pedicures (OLIVEIRA;

FOCACCIA, 2010). Na Itlia, os valores obtidos entre cabeleireiros/barbeiros foram de 4,9%

e 3,9% respectivamente (MELE et al., 1995). Na Turquia, a prevalncia dos marcadores

sorolgicos para barbeiros foi de 39,8% para o VHB e 2,8% para o VHC e, no Marrocos 2% e

5% respectivamente (CANDAN et al., 2002; ZAHRAOUI-MEHADJI et al., 2004).

Diante da escassez de pesquisas envolvendo profissionais de esttica e beleza no Brasil,

constata-se uma lacuna do conhecimento nesta rea. Neste sentido, prope-se esta

investigao acerca do conhecimento e adeso s medidas de biossegurana entre os

profissionais da beleza e esttica bem como dos fatores que interferem na adoo de medidas

de precaues padro, de manipulao, de descarte adequado de material perfurocortante, de

processamento de artigos e de desinfeco de superfcies.

Pretende-se com esta pesquisa subsidiar uma aproximao para o diagnstico da

situao, obtendo-se dados, a fim de delinear aes efetivas para a minimizao dos riscos

sade, favorecendo o entendimento e o cumprimento das recomendaes de biossegurana,

nos aspectos tcnico e legal, entre os profissionais de esttica e beleza no Brasil. Alm disso,

possibilitar um alerta da situao deste segmento s autoridades sanitrias.

As inquietaes descritas no contexto da biossegurana, considerando a possibilidade da

transmisso de patgenos pelo desconhecimento e da reduzida formao educacional dos

profissionais acerca do risco prpria sade e dos clientes, justificaram a realizao deste

estudo. Para tal, definiu-se como pergunta norteadora: Qual o conhecimento e a adeso s

medidas de biossegurana entre manicures e pedicures?

Como hiptese, partiu-se da seguinte premissa: Existe relao entre o conhecimento e

adeso s medidas de biossegurana entre manicures e pedicures.

Os benefcios previstos com o alcance dos objetivos deste estudo referem-se s

possveis repercusses para a sade dos profissionais do segmento e para os clientes, a partir

da identificao de acidentes com materiais perfurocortantes, da minimizao dos riscos de

disseminao microbiana, da identificao de fatores que interferem na adeso s condutas de

biossegurana, do encorajamento a outras pesquisas nesta rea e da publicao de dados que

promovam reflexes voltadas para a elaborao de polticas pblicas para o setor da esttica e

beleza nos contextos nacional e internacional. Alm disso, almeja-se destacar entre os

profissionais de sade, como os da enfermagem, a responsabilidade de descrever contextos

que possam pr em risco a sade da populao, propondo aes, especialmente, preventivas.

Introduo

Juliana Ladeira Garbaccio

18 18

1.1 Objetivos

1.1.1Geral

Avaliar o conhecimento e a adeso referidos entre manicures/pedicures em relao s

medidas de biossegurana.

1.1.2 Especficos

Caracterizar o perfil sociodemogrfico de manicures/pedicures.

Descrever o conhecimento dos profissionais no tocante s precaues padro, ao

processamento de artigos e desinfeco de superfcies.

Verificar a adeso relatada por profissionais s medidas de precaues padro e o estado

sorolgico para as hepatites B e C.

Relacionar o conhecimento e a adeso apresentados pelos profissionais no que se refere

s medidas de precaues padro.

Identificar as condies de processamento de artigos e de desinfeco de superfcies

referidas por manicures/pedicures.

Apontar os principais fatores associados adoo das medidas de biossegurana; aos

equipamentos de proteo individual e proteo vacinal.

Estimar a ocorrncia de acidentes envolvendo material perfurocortante nos ltimos doze

meses que antecederam a coleta de dados.

Descrever a conduta aps acidente com material perfurocortante adotada pelos

profissionais.

2 REVISO DA LITERATURA .

Reviso da Literatura

Juliana Ladeira Garbaccio

19 19

___________________________________________________________________________________________________

1- Sobre a idia de bom conceito, ver Nikelen Witter, Em busca do bom conceito: curandeiros e mdicos no sculo

XIX, Jlio Quevedo (Org.), Historiadores do Novo Sculo, So Paulo, Companhia Editora Nacional, 2001, pp. 123-153.

Lycurgo de Castro Santos Filho, Histria Geral da Medicina Brasileira (1 ed. 1948), Vols. I e II, So Paulo,

Hucitec/EDUSP, 1991.

2 REVISO DA LITERATURA

2.1 A beleza e esttica como profisso- aspectos histricos e atualidade

Vrias culturas vm ressaltando a importncia do atributo beleza e a possibilidade que

todos tm de melhorar sua aparncia fsica ou de se moldar segundo os padres de esttica

corporal (DWECK, 1999).

Aristteles j considerava a beleza pessoal uma apresentao melhor do que uma carta

de recomendao (HAMERMESH; BRIDDLE, 1994). Na Idade Mdia, os escravos e os

servos ficavam por conta de cuidar dos cabelos de seus senhores e ajud-los na higiene

corporal. A beleza era mais valorizada nas obras de arte, definida pelos pintores da poca

como algo que est para alm da alma. Nessa poca, a medicina no se preocupava com a

esttica corporal. A atividade mdica era exercida, basicamente, por mdicos, cirurgies,

cirurgies-barbeiros, boticrios e praticantes sem licena (FILHO, 1948 apud WITTER, 2005).1

At o sculo XVIII, os cirurgies-barbeiros e os prticos, que no possuam qualquer

formao acadmica, executavam cirurgias gerais ou dentrias e cuidavam de leses e de

feridas externas. Essas atividades eram consideradas menos nobres, pois manipulavam

sangue e reas definidas como sujas do organismo humano. Aos mdicos cabiam os estudos

e as descobertas com menor grau de trabalho manual (FILHO, 1948 apud WITTER, 2005).1

No Brasil colnia, boa parte dos barbeiros atuantes eram escravos e, identificados com o

trabalho manual, executavam sangrias, alm de cortarem e pentearem os cabelos dos seus

senhores. Os cirurgies-barbeiros eram referenciados como uma categoria difusa e quase

sempre marginal. O discurso mdico relativo s atividades dos barbeiros perpassava aquelas

marcadas pela ignorncia, superstio e ineficcia. As prticas eram comuns, no havia

mdicos suficientes e muitos povoados viviam isolados, especialmente durante o perodo

colonial (COSTA AGUIAR; SOARES; COSTA DA SILVA, 2009).

A profisso dos barbeiros constituiu-se em um pilar para a incorporao do cirurgio

classe mdica (BORGES, 2009). Ao longo do sculo XIX, os avanos nas tcnicas cirrgicas

em relao anatomia, anestesia e assepsia contriburam para que os mdicos passassem a

incorporar as habilidades cirrgicas, inclusive de cunho esttico, ficando os barbeiros com os

cuidados dos cabelos, barbas e unhas (WITTER, 2005; WARMLING; CAPONI; BOTAZZO,

Reviso da Literatura

Juliana Ladeira Garbaccio

20 20

2006). O incio da organizao da medicina esttica ocorreu em 1973, quando alguns

dermatologistas perceberam a insatisfao humana quanto s alteraes oriundas do

envelhecimento da pele e das alteraes morfolgicas no corpo (SOCIEDADE BRASILEIRA

DE MEDICINA ESTTICA, 2010).

As profisses dos cabeleireiros, manicures e podlogos so referidas na Antiguidade

datadas de 3.500 a.C. Os chineses e os egpcios foram os primeiros povos a cuidar das unhas,

pintando-as com uma pasta ou tintura de hena, cujas cores estavam relacionadas com a

posio social do indivduo (BORGES, 2009).

Nessa mesma poca, os podlogos tratavam as infeces e malformaes dos ps e das

unhas. Estes profissionais eram chamados calistas. J os cabeleireiros fabricavam perucas,

oque indicava as habilidades deles, pela sofisticao destes produtos. Tais profissionais

adquiriram grande prestgio na corte dos faras. Os sales de cabeleireiros com acesso

comunidade, alm da corte, tiveram origem em Atenas, na Grcia. Os cabeleireiros eram

escravos. No incio do sculo XX, os sales de beleza se espalharam por todo o mundo,

servindo no apenas para cuidar dos cabelos, mas tambm como local de encontro entre as

pessoas, como acontecia nas barbearias da Grcia antiga (BORGES, 2009).

Profisses como as de manicures, barbeiros e cabeleireiros tiveram suas origens em

tempos muito remotos. Apesar disso, demoraram a ser legalmente reconhecidas no Brasil

mesmo constituindo-se em uma categoria numerosa, considerada de grande importncia

social. O reconhecimento comeou a ser discutido a partir de um projeto de lei de 2002 e,

somente em 18 de janeiro de 2012 a lei foi sancionada (TEIXEIRA, 2002; BRASIL, 2012).

A partir do reconhecimento legal, os profissionais da rea podem se organizar para

regulamentar a profisso. Em consequncia desta ausncia, os profissionais que trabalham nos

sales, entre eles manicures/pedicures no possuem vnculo empregatcio formal, muitas

vezes, prestando servios e recebendo proporcionalmente sobre o que produzem. Alguns

trabalham apenas em dias de maior demanda de clientes, ficando responsveis pela aquisio

de seu prprio arsenal de artigos e produtos, no oferecidos pelo proprietrio do

estabelecimento (informao verbal).2

Outro aspecto constatado nesta categoria que os profissionais no so obrigados a

apresentar diploma que certifique sua formao e qualificao na rea e manuseiam

instrumentos cortantes, sem, conhecerem de forma sistematizada os procedimentos de higiene

indispensveis para garantir a segurana dos clientes e a prpria.

_________________________________________________________________________________________

2- Dados obtidos a partir de informaes em encontros com profissionais que trabalham em sales de beleza em

Belo Horizonte-MG.

Reviso da Literatura

Juliana Ladeira Garbaccio

21 21

A regulamentao da profisso se torna fundamental no sentido no apenas de valorizar

estes trabalhadores, mas tambm de exigir a habilitao formal em instituies de ensino, com

grade curricular mnima para o efetivo exerccio da profisso (TEIXEIRA, 2002; OLIVEIRA,

2009). Uma vez reconhecidos legalmente, os profissionais podem se articular de forma ativa

em conselhos de classe, associaes e sindicatos, permitindo maior proximidade e discusso

entre si, com rgos fiscalizadores, com empregadores e com autoridades sanitrias.

A exceo pode ser encontrada na atuao profissional do podlogo, que realiza

diagnsticos, prognsticos, tratamentos e aes preventivas de podopatias com ou sem o uso

de medicamentos tpicos. Sua formao est bem definida, sendo obrigatria a concluso de

um curso tcnico de podologia, de nvel mdio, com carga horria mnima de 1.200 horas/aula

(BRASIL, 1999). Apesar disso, a profisso de podlogo tambm no regulamentada no

Brasil, sendo uma demanda da classe, representada pela Associao Brasileira de Podlogos,

para garantir a segurana e a qualidade da assistncia poditrica no pas. A procura pela

assistncia destes profissionais tem aumentado, e com ela apareceram os cursos de curta

durao, alm dos prticos, ou leigos, que exercem atendimento sem o devido preparo, o que

pode representar riscos sade da populao (ASSOCIAO BRASILEIRA DE

PODLOGOS, 2010).

Mesmo sem o reconhecimento legal dos podlogos, verificam-se indicativos da

regulamentao da profisso, como a criao de conselhos fiscalizadores e a elevao da

profisso para nvel superior, segundo o Projeto de Lei 6.042, de 2005 (MENTOR; ZITO,

2005). Tal fato suscita uma grande contradio entre uma atividade profissional socialmente

consolidada, com espao conquistado, que no possui at os dias atuais as garantias legais

como categoria e que, porm poder ser diretamente elevada a uma profisso com formao

de nvel superior.

parte da atividade de manicure e de pedicure, a podologia uma lacuna na assistncia

sade, pela importncia que os cuidados aos ps exigeme que deve ser ocupada por

profissionais devidamente habilitados em cursos especficos, conforme determina a Portaria

16, de 23 de setembro de 1968, do Servio Nacional de Fiscalizao da Medicina e Farmcia

(SERVIO NACIONAL DE FISCALIZAO DA MEDICINA E FARMCIA, 1968).

Verifica-se um contrassenso no Brasil representado pela ausncia de regulamentao de

profisses, como na rea de esttica e beleza, que sofortemente inseridas na sociedade,

principalmente, pela segmentao que existe do mercado de trabalho, estimulando o

sentimento de vaidade e a preocupao com a aparncia, em homens e mulheres, aumentando

a procura pelos servios de beleza. Agrega-se a isso o receio de envelhecer, observado,

Reviso da Literatura

Juliana Ladeira Garbaccio

22 22

especialmente, no sexo feminino (LAVINAS, 1997).

Diante disso, so notrias a sofisticao e a diversificao da produo de cosmticos,

das tcnicas para o cuidado da pele, corte e hidratao dos cabelos e da reconstruo e

alongamento de unhas, com artefatos e decorao com variados desenhos e formas, em todo o

mundo (HUFF, 2007).

As antigas barbearias limitadas a barbear e cortar os cabelos masculinos foram dando

lugar, ao longo do tempo, aos sales de beleza voltados para ambos os sexos, ampliando os

servios prestados (DWECK, 1999).

Em relao renda, faixa etria e sexo dos trabalhadores desta rea (cabeleireiros,

manicures/pedicures, podlogos, esteticistas), levantamento feito entre 1985 e 1995 no Brasil

registrou menor renda para estes profissionais comparada quela recebida pelos trabalhadores

da indstria e dos servios em geral, mas apresentando tendncia de elevao a partir de 1990.

Percebeu-se, tambm, que o perfil de idade dos profissionais do ramo passou a reunir os mais

maduros, com quase 35% na faixa etria entre 30 e 39 anos, tendo crescido a proporo

daqueles com mais de 60 anos. A profisso tornou-se ainda mais feminina na dcada de 1990

passando de 77% para quase 80% (DWECK, 1999).

No Reino Unido em 2005 estatsticas apontavam uma mdia de 128.000 mulheres e

18.000 homens empregados como cabeleireiros, expressando a maior prevalncia feminina,

como a que foi encontrada no Brasil em 2001: 277.128 mulheres, contra 106.584 homens

(MOORE; MILLER, 2007). No Brasil, a participao feminina no ramo da beleza e esttica

alcanou aproximadamente 80% em 2003. Entre 2001 e 2003, o emprego feminino cresceu a

uma taxa mdia de 8% ao ano, enquanto o masculino cresceu 3,2% (INSTITUTO

BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2003).

A populao ocupada nas atividades de beleza e esttica (incluindo empregadores,

empregados formais e informais) no Brasil totalizava 679 mil pessoas em 1995. Em 2003, j

havia mais de um milho de pessoas, o que significa um aumento de 53,5% no emprego deste

segmento neste perodo, cuja mdia anual foi de 6%, sendo que nos ltimos dois anos chegou

a quase 7% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2003).

Dweck (1999) observou no Brasil uma significativa expanso de profissionais

disponveis, justificando tal aumento por se tratar de uma atividade que exige pequeno

investimento financeiro e escolar. No aspecto legal do exerccio profissional, no h uma

regulamentao nacional para os profissionais da beleza e esttica, mas apenas timidamente

em alguns municpios. Comprova-se, portanto, pouca exigncia quanto formao e

qualificao em instituies de ensino legalmente reconhecidas (apndice A) (CRUZ ALTA,

Reviso da Literatura

Juliana Ladeira Garbaccio

23 23

2000; PASSO FUNDO, 2002; MARLIA, 2006). Na realidade, a formao profissional vem

ocorrendo de forma prtica com conhecidos ou familiares, mas sem um aprofundamento ou

compreenso tcnica das conseqncias de suas atividades sade ocupacional e de clientes,

relacionadas ao seu exerccio profissional (DWECK, 1999).

Verifica-se, ainda, a existncia e formao de cursos preparatrios rpidos cuja

principal preocupao se volta para a habilidade tcnica para o corte e o uso de produtos nos

cabelos e unhas, atuando quase sempre como uma forma de divulgar as novidades do

mercado da belezae esttica, e no necessariamente na formao fundamental da profisso.

Infere-se que o tema Biossegurana seja pouco conhecido entre grande parcela dos

profissionais que atuam no setor da beleza e esttica por nem sempre passarem por cursos ou

capacitao, o que pode favorecer a transmisso de micro-organismos que muitas vezes

podem ser adquiridos, mas que acabam no sendo associadas ao ambiente, num processo de

transmisso silenciosa (JOHNSON et al., 2001; WAZIR et al., 2008).

Outra forte evidncia desta afirmativa se refere escassez de pesquisas sobre o tema

Biossegurana nos servios de esttica e beleza nos nveis nacional e internacional. De

outro lado, importantes aspectos decorrentes da atividade desempenhada pelos profissionais

deste segmento so levantados, como reuso de materiais descartveis, incorreta desinfeco e

esterilizao de instrumentais e equipamentos, baixa adeso ao uso de equipamentos de

proteo individual, falhas na preveno e condutas aps acidentes, incorreto descarte de

materiais perfurocortantes e baixo ndice de imunizao contra a hepatite B, considerando que

a principal forma de trabalho se baseia na ruptura da pele e na manipulao do corpo humano,

em suas diferentes reas, como uma forma potencial na disseminao de patgenos

(TAKWALE et al., 2001; CANDAN et al., 2002; WINTHROP et al., 2002; MARIANO et al.,

2004; ZAHRAOUI-MEHADJI et al., 2004; ARULOGUN; ADESORO, 2009).

2.2 O risco biolgico sade do trabalhador e do cliente no segmento da beleza e esttica

Os riscos ocupacionais so classificados em: biolgicos, qumicos, fsicos, mecnicos,

fisiolgicos e psquicos, cuja exposio a eles pode culminar em um acidente de trabalho.

Outra classificao a estabelecida pela Portaria 3.214/78, do Ministrio do Trabalho e

Emprego, em suas Normas Regulamentadoras (NR-5) de Medicina e Segurana do Trabalho,

que categorizam os riscos em: fsicos, qumicos, biolgicos, ergonmicos e acidentes

(BRASIL, 1978).

No segmento de beleza e esttica, o uso de esmaltes por manicures e pedicures e de

Reviso da Literatura

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substncias contendo formaldedo por cabeleireiros podem causar dermatoses nos

profissionais e clientes (LAZZARINI, 2005; MACHADO et al., 2010). No que refere aos

aspectos ergonmicos, estes profissionais esto sob o risco de desenvolver desordens

musculoesquelticas, por assumirem posies corporais incorretas e desconfortveis, em

jornadas de trabalho normalmente extensas. Manicures, pedicures e podlogos podem

apresentar com mais frequncia leses na coluna vertebral, em estruturas dos ombros, dos

braos e das mos, apesar de no se ter uma prevalncia conhecida detais agravos nestas

categorias profissionais (LAZZARINI, 2005; MACHADO et al., 2010).

Quanto ao risco biolgico, ao realizar a remoo do eponquio (cutcula) com exposio

do leito vascular, esta prtica constitui-se em uma porta de entrada parapossvel transmisso

horizontal de micro-organismos, entre eles o HIV, o VHB e VHC, que podem ser

transmitidos por via hematolgica decorrente de leso, visvel ou no, durante sua retirada

(OLIVEIRA; FOCACCIA, 2010).

Na atividade profissional, as manicures/pedicures podem entrar em contato com o

sangue dos clientes portadores sintomticos ou assintomticos do HIV, do VHB ou do VHC,

durante a retirada do eponquio. H, tambm, o risco de contaminao ocular por fragmentos

de unhas durante o corte (OLIVEIRA, 2009).

Apesar do reconhecimento dos riscos ocupacionais, a frequncia de infeco pelos VHB

e VHC no conhecida entre manicures e pedicures do Brasil. Porm, pela caracterstica das

atividades de tais profissionais, ora invasiva, acredita-se que eles possam ter contato com

sangue de clientes portadores assintomticos de VHB e VHC (OLIVEIRA; FOCACCIA,

2010). Isso se agrava ao considerar a possvel ausncia ou o uso incorreto de mtodos de

processamento para os instrumentais e a reutilizao de materiais de uso nico (JOHNSON et

al., 2001). Os artigos usados na prtica de manicures e pedicures, como alicates para corte e

remoo do eponquio, afastadores do eponquio, lixas para unhas e ps, palitos e bacias,

podem ser considerados importantes veculos na transmisso cruzada de micro-organismos

(OLIVEIRA, 2009).

Neste sentido, os EPI, como luvas descartveis, avental/jaleco e culos de proteo so

imprescindveis na prtica de manicures/pedicures, somados proteo de vacinas contra

hepatite B, ttano e influenza, alm de treinamento e informao sobre os riscos ocupacionais

e os mtodos de processamento de artigos (TAKWALE et al., 2001; CANDAN et al., 2002;

WINTHROP et al., 2002; MARIANO et al., 2004; ZAHRAOUI-MEHADJI et al., 2004;

ARULOGUN; ADESORO, 2009).

Os procedimentos realizados pelos podlogos podem gerar um nvel de contaminao

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intenso para os profissionais, os clientes e o ambiente, pois nos atendimentos de pacientes

com afeces como micoses, onicocriptose (unha encravada), verrugas ou fissuras plantares,

freqente observar o sangramento por traumas, drenagem de abscessos, remoo de resduos e

tecidos da pele com alta carga de fungos, bactrias e pequenas raspagens que geram

aerodisperses com alta quantidade microbiana (PIEDADE, 1999). No prtica e

recomendao dos podlogos a remoo do eponquio, pois estes valorizam a ao protetora

desse tecido, diferentemente de manicures e pedicures, que o retiram, aumentando o risco da

exposio aos agentes microbianos.

Na prtica do podlogo, as lminas de bisturi, lixas, alicates constituem a grande

preocupao (PIEDADE, 1999). Para esta categoria profissional, mscara, luvas descartveis,

avental, culos de proteo e touca so EPI essenciais, alm da importncia da vacinao

contra hepatite B, ttano e influenza. A touca indicada pelo risco de contaminao dos

cabelos e do couro cabeludopor fungos que causam dermatites. O descarte de lminas de

bisturi e de outros materiais cortantes e perfurantes deve seguir os mesmos princpios

indicados para os profissionais de sade, com a adoo de recipientes rgidos (RIO GRANDE

DO SUL, 2005a; PARAN, 2009; SIEGEL et al., 2007).

Em conjunto, manicures/pedicures e podlogos, assim como cabelereiros e esteticistas,

podem desempenhar um papel relevante na transmisso de micro-organismos. So

profissionais que, em geral, trabalham alm dos limites fsicos do salo de beleza, exercendo

tambm atendimentos em domiclios, instituies para idosos e hospitais, no sendo as suas

atividades inspecionadas por agentes da vigilncia sanitria.

2.3 Regulamentaes sanitrias

O conceito de biossegurana e de suas competncias vem sendo discutido ao longo do

tempo, mas constitui uma rea de conhecimento relativamente nova. Contudo, a preocupao

com as atividades que envolvam o manuseio de material biolgico que gera risco sade

uma caracterstica antiga da humanidade (MASTROENI, 2004).

A biossegurana compreende o conjunto de prticas e aes tcnicas destinadas a

conhecer, controlar, eliminar e prevenir os riscos que o trabalho pode oferecer aos seres vivos,

com preocupaes sociais e ambientais, dentre outras (ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2000).

Engloba, tambm, a proteo e a segurana na biotecnologia com organismos geneticamente

modificados. Contudo, no segmento da beleza e esttica a biossegurana tem o objetivo de

controlar e minimizar os riscos biolgicos e qumicos, reafirmando a importncia do uso de

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EPI, do descarte de material perfurocortante, da higienizao das mos, da cobertura vacinal e

do processamento de dispositivos usados na prtica (NEVES et al., 2007).

Com o advento da Aids e o primeiro relato de contgio acidental ocupacional em

profissionais da sade em, 1984, a biossegurana ganhou destaque como importante ao

preventiva e foco de investimentos para pesquisas (SOUZA, 2000).

Em decorrncia dessa forma de pensar, iniciativas de respeitveis agncias

internacionais, como o Centro de Controle e Preveno de Doenas, de Atlanta, EUA (CDC -

Centers for Disease Control and Prevention) foram propostas em 1987, como recomendaes

de preveno denominadas Precaues Universais, posteriormente renomeadas como

Precaues Padro (PP), em 1996, no intuito de prevenir a transmisso de patgenos

veiculados principalmente pelo sangue, em especial o HIV e o vrus da hepatite B (CDC-

GARNER, 1996; SOUZA, 2000; SIEGEL et al., 2007).

Outra condio fundamental para a segurana sade foram as normas e as

regulamentaes estabelecidas pela Vigilncia Sanitria (VISA), vinculada s secretarias de

sade, nos mbitos federal, estadual e municipal. A VISA tem como funo executar um

conjunto de aes capazes de prevenir os problemas sanitrios consequentes da prestao de

servios de interesse da sade individual e coletiva, bem como intervir sempre que houver a

possibilidade de ameaa sade pblica (SO PAULO, 1993; PARAN, 2009).

Regulamentaes sanitrias, baseadas nas indicaes de biossegurana e no risco de

disseminao microbiana nos estabelecimentos de esttica e beleza foram definidas

nacionalmente e internacionalmente.

Na Colmbia h a Resoluo 2.827, de 2006, determinada pelo Ministrio da Proteo

Social Colombiano, que trata de normas de biossegurana para estabelecimentos de esttica,

detalhando as medidas de PP, de higienizao das mos, de processamento de artigos e dos

cuidados com os materiais perfurocortantes (COLMBIA, 2006; CORRALES et al., 2007).

No Brasil, verificam-se poucas normas sanitrias, levando-se em conta a dimenso do

pas. No apndice A, encontram-se 22 legislaes sanitrias para o segmento da beleza e

esttica, sendo 14 leis, cinco portarias, dois decretos e uma resoluo. Categorizando-as por

estados da federao foram encontradas cinco legislaes no Paran, cinco no Rio Grande do

Sul, quatro em So Paulo, trs em Minas Gerais, duas em Santa Catarina, uma em Gois, uma

no Mato Grosso do Sul e outra no Rio de Janeiro. Entretanto, apesar de as profisses de

manicure, pedicure, cabeleireiro, barbeiro e esteticista no serem reconhecidas legalmente em

nvel nacional, at 2012 elas eram submetidas, em seus estabelecimentos, s legislaes

sanitrias estaduais e municipais (apndice A) (BARUERI, 1991; ARAUCARIA, 1992; SO

Reviso da Literatura

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PAULO, 1993; GOIS, 1995; BELO HORIZONTE, 1997; JI-PARAN, 1997; PAULINIA,

1998; CAMPO GRANDE, 1999; CRUZ ALTA, 2000; PARAN, 2002; BELO

HORIZONTE, 2002; PASSO FUNDO, 2002; RIO DE JANEIRO, 2004; JUIZ DE FORA,

2005; JARAGU DO SUL, 2005; RIO GRANDE DO SUL, 2005a; RIO GRANDE DO SUL,

2005b; MARLIA, 2006; JAGUARIAIVA, 2008; PARAN, 2009; PORTO ALEGRE, 2010;

FLORIANPOLIS, 2010).

O estado do Paran (PR) relaciona a responsabilidade dos estabelecimentos em oferecer

servios sob as diretrizes de biossegurana e sanitrias com o Cdigo de Proteo e Defesa do

Consumidor, a lei Federal 8.078, de 1990. Esta institui que um dos direitos bsicos do

consumidor a proteo da sade contra os riscos provocados por prticas no fornecimento

de servios. Assim, o segmento de beleza e esttica se enquadra nas disposies de tal cdigo

(BRASIL, 1990; PARAN, 2009).

Em geral, as leis, portarias e decretos brasileiros dispem sobre a obrigatoriedade da

esterilizao de instrumentais, do uso de aparelhos de esterilizao, do tipo estufa/forno de

Pasteur e autoclaves, douso de lminas e luvas descartveis e da estrutura fsica do local.

Algumas mais recentes, das cidades de Porto Alegre e Florianpolis, determinam que os

estabelecimentos comerciais devam providenciar a vacinao contra hepatite B e ttano para

manicures e pedicures, sendo as vacinas disponibilizadas pelas unidades bsicas de sade.

(PORTO ALEGRE, 2010; FLORIANPOLIS, 2010). Tais regulamentaes esto

esquematicamente apresentadas no apndice A (BARUERI, 1991; ARAUCARIA, 1992; SO

PAULO, 1993; GOIS, 1995; BELO HORIZONTE, 1997; PAULINIA, 1998; CAMPO

GRANDE, 1999; PARAN, 2002; RIO DE JANEIRO, 2004; JARAGU DO SUL, 2005;

RIO GRANDE DO SUL, 2005a; RIO GRANDE DO SUL, 2005b; JAGUARIAIVA, 2008;

PARAN, 2009; PORTO ALEGRE, 2010; FLORIANPOLIS, 2010).

Entre algumas das legislaes sanitrias estaduais e municipais, observa-se um ponto

comum: a normatizao do funcionamento destes estabelecimentos, sem, no entanto, deixar

evidentes e detalhadas as recomendaes especficas voltadas para a adoo de medidas de

biossegurana (apndice A) (BARUERI, 1991; ARAUCARIA, 1992; GOIS, 1995; JI-

PARAN, 1997; PAULINIA, 1998; PARAN, 2002; BELO HORIZONTE, 2002; JUIZ DE

FORA, 2005; JARAGU DO SUL, 2005; JAGUARIAIVA, 2008; PARAN, 2009; PORTO

ALEGRE, 2010; FLORIANPOLIS, 2010).

De outro lado, verifica-se que o teor das regulamentaes sanitrias se encontra

desatualizado, o que evidencia a importncia de sua reavaliao peridica e da anlise mais

detalhada de seu contedo, a fim de acompanhar o desenvolvimento terico e tecnolgico que

Reviso da Literatura

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28 28

envolve a biossegurana, pois elas se fundamentam em recomendaes de agncias e rgos

internacionais. A legislao mais antiga encontrada data de 1991, do municpio de Barueri, no

estado de So Paulo, e as mais recentes pertencem s cidades de Porto Alegre, no Rio Grande

do Sul, e Florianpolis, em Santa Catarina, publicadas em 2010 (Apndice A).

Constatam-se alguns problemas, como a indicao do uso de gua em ebulio (100oC)

na desinfeco de artigos. Sabe-se que gua fervente tem algumas restries enquanto agente que

no garante a reduo da populao microbiana e, sobretudo no sendo capaz de destruir esporos

bacterianos e alguns vrus. uma tcnica de efetividade questionvel, de operacionalizao

bastante dependente de aes humanas e diretamente influenciada pelo tempo e temperatura da

exposio dos artigos (BELO HORIZONTE, 1997; JARAGU DO SUL, 2005).

Para a adoo da fervura, outros esclarecimentos deveriam ser abordados, como a

tcnica preconizada que deve se basear na fervura prvia da gua por um perodo de dez

minutos, seguida por imerso do material, no mnimo, 2,5cm abaixo do nvel da gua. Aps a

imerso, a fervura deve se dar por 30 minutos, a fim de proporcionar a morte dos micro-

organismos. Ainda assim no h como garantir a efetividade deste procedimento em relao

diminuio da carga microbiana (BELO HORIZONTE, 1997; TRABULSI, ALTERTHUM,

2005). H tambm registros que sugerem o uso de panelas sob presso, o que desde 1994 no

recomendado por manuais de processamento, por no possibilitar ocontrole ideal da presso

e da temperatura interna (CAMPO GRANDE, 1999).

A atuao dos rgos de vigilncia sade, por meio das legislaes sanitrias para

normatizar a proteo dos trabalhadores da esttica, beleza e de seus clientes, alm do

desenvolvimento de mecanismos de informao acerca do contedo de regulamentaes para

a classe trabalhadora, constitui um dispositivo fundamental para a orientao, o

aconselhamento e a superviso das atividades profissionais destas categorias.

Estudos realizados no Marrocos e na Colmbia apontam para a insatisfao de barbeiros

quanto ausncia de assistncia por parte dos rgos de vigilncia sanitria no aspecto educativo

e na divulgao de diretrizes de biossegurana. Como reflexo, foram observadas inadequaes

sanitrias nas barbearias, com risco iminente de contaminao cruzada e de disseminao de

microbiota intestinal (ZAHRAOUI-MEHADJI, 2004; CORRALES et al., 2007).

2.4 A pele e seus anexos: colonizao e infeco microbiana

No segmento da esttica e beleza, a pele o stio corporal mais exposto aos

procedimentos dos profissionais. Portanto, a microbiota de cliente e dos profissionais est

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sujeita a alteraes e inoculao de micro-organismos em reas antes desprovida destes,

como em anexos da pele e na corrente sangunea (WINTHROP et al., 2002; ADELEYE,

OSIDIPE, 2004; REDBORD et al., 2006; WAZIR et al., 2008).

A pele o maior rgo do corpo em termos de rea. Tem por funorevestir o

organismo, isolar componentes orgnicos do meio exterior, impedir a ao de agentes

externos e proporcionar proteo imunolgica (TORTORA et al., 2006).

A estrutura bsica da pele composta por: epiderme, derme e hipoderme (subcutneo).

A epiderme, quando ntegra, deve funcionar como barreira fsica eficaz contra micro-

organismos, por estar em contato direto com o ambiente externo (AGNCIA NACIONAL DE

VIGILNCIA SANITRIA, 2009a). A derme contm os folculos pilosos, dutos de glndulas

sudorparas e sebceas, os quais possibilitam a passagem de micro-organismos da pele para os

tecidos mais profundos. A superfcie ntegra da epiderme saudvel raramente penetrada por

micro-organismos. Porm, quando rompida pode permitir infeces no tecido subcutneo

(AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA, 2009a; TORTORA et al., 2006).

A pele colonizada pela microbiota residente e, devido sua extenso e localizao,

constantemente exposta a diversos micro-organismos do meio ambiente, sendo colonizada

pela microbiota transitria (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005; TORTORA et al., 2006). A

microbiota transitria coloniza principalmente a superfcie do estrato crneo, parte superior

dos folculos pilosos, sulcos da pele e ductos das glndulas sebceas. De outro lado a

microbiota residente se encontra mais profundamente, concentrando-se nas reas mais midas

e quentes, como axilas e perneo. A colonizao microbiana da pele em diferentes reas do

corpo tem concentrao de bactrias variveis por centmetro quadrado (cm2), porm

semelhantes entre si (AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA, 2009a).

Citam-se como exemplo:

Couro cabeludo: 106 UFC (Unidades Formadoras de Colnias)/cm2

Axila: 105 UFC/cm2.

Abdome ou antebrao: 104 UFC/cm2.

Mos de profissionais de sade: 104 a 106 UFC/cm2.

O simples ato de lavar a pele com gua e sabo pode diminuir em 90% o nmero

demicro-organismos pertencentes principalmente microbiota transitria, que adere por

contatofracamente pele e encontra-se mais superficialmente, junto gordura e s sujidades.

No entanto, de duas a trs horas, em mdia, aps este procedimento, a populao bacteriana

totalmente reconstituda (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009).

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Os micro-organismos da microbiota residente no so totalmente removidos pelo

processo de lavagem. Contudo, o uso de alguns antisspticos consegue inativ-los. A

microbiota residente possui baixa virulncia e raramente causa infeco. Entretanto, pode

ocasionar infeces sistmicas em pacientes imunodeprimidos e aps procedimentos

invasivos (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005; AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA

SANITRIA, 2009a). H de se considerar que esta microbiotaage como um competidor a

outros micro-organismos, em especial aos transitrios. A remoo constante de grande parte

dos micro-organismos residentes pode causar desequilbrio na microbiota da pele e abrir

caminho para a colonizao de outros, levando a infeces (TRABULSI; ALTERTHUM,

2005; AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA, 2009a).

Fazem parte da microbiota residente da pele os gneros Staphylococcus,

Corynebacterium e Propioniobacterium, sendo as espcies mais comuns o Staphylococcus

epidermidis, o Staphylococcus aureus e o Propionibacterium acnes. A microbiota transitria

frequentemente constituda por Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Streptococcus

pyogenes, Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella sp (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005;

TORTORA et al., 2006). Deve ser lembrado ainda que fungos (Candida spp.) e vrus

(hepatites A, B, C; da imunodeficincia humana/HIV; respiratrios, de transmisso fecal-oral

como rotavrus; grupo herpes, como varicela; Epstein-Barr e citomegalovrus) podem

colonizar transitoriamente a pele, principalmente polpas digitais, aps contato com pessoas ou

superfcies inanimadas, podendo ser transmitidos ao hospedeiro susceptvel (KAMPF;

KRAMER, 2004).

Os servios de beleza e esttica podem ser responsveis pela transmisso e

disseminao demicro-organismos, alm de parasitas, como os causadores da escabiose e

pediculose. A pele e seus anexos so stios de interveno direta dos profissionais de beleza e

esttica, e os micro-organismos utilizam destes stios como vias de entrada mais eficiente no

organismo humano, quando ocorrem abrases ou feridas (TAKWALE et al., 2001; REDBORD

et al., 2006; CORRALES et al., 2007; MOORE; MILLER, 2007; WAZIR et al., 2008).

No ambiente dos sales de beleza h registros do isolamento de alguns tipos

microbianos, principalmente em instrumentais/materiais, sendo eles: Staphylococcus e

Streptococcus, Mycobacteria fortuitum, Pseudomonas sp, Clostridium tetanni,

Staphylococcus aureus resistente Meticilina (MRSA), Staphylococcus aureus resistente

Meticilina adquiridos na comunidade (CA-MRSA) e Enterobacteriaceae, este ltimo, em

especial, indicando ms prticas de higiene e limpeza (WINTHROP et al., 2002; ADELEYE,

OSIDIPE, 2004; REDBORD et al., 2006; WAZIR et al., 2008).

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Os Staphylococcus e os Streptococcus esto presentes na pele, no nariz, na boca e na

faringe. Podem causar uma gama de infeces, desde superficiais, como abscessos cutneos e

infeces de feridas, at algumas sistmicas, disseminadas com elevada gravidade, como

osteomielite, pneumonia, endocardite, choque txico e meningite (TRABULSI;

ALTERTHUM, 2005).

Devido ao uso indiscriminado de antimicrobianos exercendo presso seletiva sobre os

micro-organismos, em meados dos anos de 1950, foram descritos os primeiros surtos por

Staphylococcus aureus resistente Penicilina. No processo de seleo microbiana surgiram

micro-organismos multirresistentes que so assim definidos porapresentarem resistncia a

duas ou mais classes de antimicrobianos e, molecularmente, por usarem mecanismos naturais

(impermeabilidade ao frmaco) ou adquiridos (mutao ou transferncia horizontal de

material gentico) de resistncia (ALANIS, 2005; TRABULSI; ALTERTHUM, 2005;

TORTORA et al., 2006).

O Staphylococcus aureus resistente Meticilina (MRSA) uma das principais bactrias

multirresistente que causa infeces relacionadas assistncia sade (IRAS), sendo

resistente aos antibiticos -lactmicos em geral. O MRSA pode ser transmitido pelo contato

direto ou indireto e de fcil disseminao. Alguns micro-organismos resistentes

frequentemente encontrados no ambiente hospitalar, devido presso dos antimicrobianos

usados, vm sendo isolados tambm na comunidade. As amostras advindas da comunidade

recebem a denominao de CA-MRSA podendo causar leses cutneas ou leses de partes

moles, sendo capazes de aumentar a mortalidade em grupos sem fatores de risco associados

(ROHRER; MAKI; BERGER-BCHI, 2003; ZETOLA et al., 2005; AGNCIA NACIONAL

DE VIGILNCIA SANITRIA, 2009a; HUIJSDENS et al., 2008).

Apesar do isolamento de micro-organismos em diversos ambientes no se conhece a

real prevalncia de transmisso de patgenos, incluindo o Staphylococcus aureus e o CA-

MRSA, via utenslios utilizados por cabeleireiros, como escovas de cabelo, pentes e tesouras,

nemcomo se d a relao entre profissionais e suas atividades na disseminao destes micro-

organismos e possveis doenas associadas (MOORE; MILLER, 2007).

Mesmo no havendo uma ampla investigao da prtica de cabeleireiros como uma

fonte potencial para atransmisso microbiana cruzada, tanto na comunidade como na

prestao de servios s pessoas hospitalizadas ou institucionalizadas, o cabelo um stio

recomendado para pesquisa de MRSA emalguns hospitais na Europa e, em especial, os

dispositivos que entram em contato com ele (MOORE; MILLER, 2007).

Em um hospital de Londres, registros da recuperao de MRSA em utenslios de um

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cabeleireiro apontaram que dos pacientes atendidos pelo profissional (n= 49) em um ms

16,3% foram colonizados por MRSA aps receberem seus cuidados. A partir deste episdio,

uma investigao ampliada em vinte hospitais da cidade, para avaliar se eles possuam alguma

rotina de segurana microbiolgica para cabeleireiros que prestavam servio nas instituies,

revelou que apenas um hospital possua uma poltica especfica para orientar os cabeleireiros

(RUDDY; CUMMINS; DRABU, 2001).

Outro relato de disseminao de MRSA comunitrio ocorreu na Holanda, onde onze

pessoas, entre profissional, clientes, familiares e cnjuges foram positivos para a mesma

amostra microbiana aps desenvolverem abscessos. Evidncias da contaminao das pessoas

durante o processo de depilao com cera, pela sua reutilizao, mais o fato de que os demais

dispositivosusados nesta atividade no eramhigienizadosadequadamente, foram associadas

assepsia da pele realizada com lcool 70% diludo com gua, fazendo com que sua efetividade

fosse questionada (HUIJSDENS et al., 2008).

No contexto da transmisso microbiana envolvendo bactrias, o gnero Mycobacterium,

especificamente as Micobactrias no tuberculosas de crescimento rpido (MCR), ganharam

destaque a partir de 2008 em decorrncia de um surto ocorrido no Brasil na poca. As MCR,

como o Mycobaterium fortuitum, Mycobaterium chelonae, Mycobaterium abscessus e

Mycobaterium massiliense, podem ser recuperados do solo e de fontes naturais de gua, sendo

estas as espcies de MCR mais frequentes em infeces relacionadas assistncia sade

(AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA, 2005; AGNCIA NACIONAL

DE VIGILNCIA SANITRIA, 2008).

As infeces por MCR so caracterizadas clinicamente por atingirem praticamente

qualquer tecido, rgo ou sistema do corpo humano, sendo mais frequente o acometimento de

pele e subcutneo. Nenhum dos casos estudados em 2008 foi relacionado ao segmento de

esttica e beleza, mas a pessoas submetidas a procedimentos invasivos e, estiveram

fortemente vinculados s falhas nos processos de limpeza, desinfeco e esterilizao de

produtos mdicos hospitalares. Na maioria dos servios de sade investigados, os

instrumentais cirrgicos foram submetidos somente ao processo de desinfeco, e no ao

processo de esterilizao, como recomendado pela Anvisa (AGNCIA NACIONAL DE

VIGILNCIA SANITRIA, 2008).

O isolamento de Mycobacterium fortuitum em clientes frequentadores de sales de

beleza foi descrito em 2000 e 2006 com manifestaes de furnculo persistente em membros

inferiores de clientes que haviam recebido tratamento poditrico no mesmo salo de beleza.

Nestes casos, verificou-se que a transmisso microbiana envolvia pequenas leses na pele,

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causadas por depilao nos membros inferiores dos clientes acometidos e a imerso em bacias

usadas no cuidado dos ps (WINTHROP et al., 2002; REDBORD et al., 2006).

Os fungos tambm so encontrados nos estabelecimentos de beleza e esttica, e

numerosas espcies causadoras de micoses em unhas, cabelos e pele podem ser transmitidas

nestes locais (ADELEYE, OSIDIPE, 2004; CORRALES et al., 2007). Os fungos so ubquos,

pela sua capacidade de habitar diversos ambientes, e esto interligados com o ser humano sob

vrios aspectos, dentre eles infeces denominadas micoses, que podem acometer

indivduos com ou sem comprometimento sistmico e imunolgico. As micoses podem ser

oportunistas quando atingem pessoas com algum grau de comprometimento na barreira

protetora externa (pele), no sistema imunolgico, pelo uso contnuo de corticides e

antibiticos, e naqueles acometidos por doenas de base como diabetes e cncer.

As micoses podem ser classificadas em:

Superficiais: acometem as camadas mais superficiais da pele e plos.

Cutneas ou dermatomicoses: localizadas na pele, no plo, nas unhas e nas mucosas.

Subcutneas: acometem a pele e o tecido subcutneo.

Sistmicas: acometem rgos internos e vsceras.

Os fungos causadores de micoses tm como reservatrios principais o homem, os

animais e o solo. Nas micoses superficiais e cutneas, o homem o principal hbitat dos

fungos e, a transmisso se d por contato direto ou indireto com este reservatrio. Os gneros

mais relevantes como causadores de micoses superficiais, cutneas e subcutneas so:

Malassezia (Pitirase versicolor), Microsporum e Trichophyton (dermatofitoses de pele, unha,

plos), Candida (Candidases) e Phaeonneleomyces (Tinea Nigra) (TRABULSI;

ALTERTHUM, 2005).

Outro exemplo a Tinea capitis, um agente causador de micose que acomete o cabelo e

o couro cabeludo, descrita a partir do diagnstico de micose causada pelo Microsporum canis

em mulheres sem fatores de risco para a doena, entretanto elas visitavam regularmente o

mesmo cabeleireiro (TAKWALE et al., 2001). Fungos foram isolados tambm de

instrumentos como tesouras, pentes, escovas de cabelos e lminas em salo de beleza na

Nigria e Colmbia, indicando descuido/desconhecimento na descontaminao destas fontes

de contaminao (ADELEYE; OSIDIPE, 2004; CORRALES et al., 2007).

O grande problema das micoses que, diferentemente das infeces bacterianas, que

possuem um arsenal antimicrobiano varivel, com reaes adversas consideradas leves, o

nmero de antifngicos disponvel menor. So frmacos mais txicos s clulas humanas

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etm custo mais elevado. A terapia antifngica tpica ainda dificultada, em especial, nas

onicomicoses, em que os fungos se alojam sob a unha, local de difcil acesso aos

medicamentos, comprometendo a eficcia do tratamento (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005).

Portanto, a melhor estratgia quando se pensa na transmisso de fungos a preveno

de leses na pele e seus anexos, que servem como porta de entrada para os micro-organismos.

Na remoo do eponquio, as manicures e pedicures podem favorecer a definio de uma

porta de entrada para uma infeco fngica. O mesmo ocorre com o podlogo no tratamento

de micoses de unhas e outras podopatias (OLIVEIRA, 2009).

Os vrus tambm podem colonizar ou infectar a pele e seus anexos, causando, por

exemplo, verrugas (Papiloma vrus) e tumores cutneos por Poxvrus (molusco contagioso)

(TRABULSI; ALTERTHUM, 2005; TORTORA et al., 2006).

2.5 Aspectos epidemiolgicos, clnicos e de transmisso de alguns patgenos: HIV, VHB

e VHC

A populao mundial vem h sculos sendo desafiada por vrias doenas, dentre elas as

virais. Em humanos, so responsveis por algumas doenas com repercusses severas, como

alguns cnceres, poliomielite, Aids, hepatites e dengue (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005).

Podem ser eliminados ou controlados por meio dos mtodos de processamento e alguns

cuidados representados pelo uso de EPI e pela higienizao das mos (TORTORA et al.,

2006; BRASIL, 2009a).

Desde o sculo XX, tem-se deparado com o surgimento de novos vrus e com a

reemergncia de algumas doenas. A Aids um exemplo da emergncia de um vrus,

identificado inicialmente nos EUA e na Frana em 1983. Citam-se ainda o vrus Ebola, em

1976; o Coronavrus, responsvel pela Sndrome Respiratria Aguda grave, em 2003 (SARS

Severe Acute Respiratory Syndrome); e, mais recentemente, em 2009, o vrus H1N1

(TRABULSI; ALTERTHUM, 2005; BRASIL, 2009a). A Aids uma doena caracterizada

por uma disfuno grave do sistema imunolgico do indivduo infectado pelo HIV, que possui

material gentico do tipo RNA. do grupo dos retrovrus, havendo dois tipos conhecidos: o

HIV-1 e o HIV-2. A evoluo da doena marcada por uma considervel destruio de

linfcitos T CD4+. A transmisso se d por exposio a alguma das trs vias principais:

sexual, sangunea (por inoculao intravascular, percutnea e mucosa) e leite materno. O risco

est nas relaes sexuais sem preservativos e em todos os procedimentos que permitam o

rompimento da proteo de pele e mucosas, sendo por contato direto ou indireto com sangue

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contaminado, utilizao de sangue ou seus derivados sem controle de qualidade, uso

compartilhado de seringas e agulhas no esterilizadas, instrumentais contaminados e no

reprocessados adequadamente (BRASIL, 2005a).

A evoluo da Aids no Brasil, desde 1980, tem sido demonstrada pela identificao de

municpios com pelo menos um caso da doena. Observou-se a ampla distribuio dela, que

alcanou todas as regies do pas (BRASIL, 2009b).

Outro aspecto de doenas virais de impacto na sociedade a coinfeco (ou infeco

concomitante) pelo HIV e os vrus de hepatites. No Brasil, a prevalncia alcanada foi de 5%

a 8% de coinfeco HIV-VHB e de 17% a 36% de HIV-VHC. As hepatopatias (insuficincia

heptica crnica, cirrose e hepatocarcinoma) so importantes causa de hospitalizao e de

bito entre os pacientes com HIV (BRASIL, 2005a).

Os vrus das hepatites B e C foram descritos em 1965 e 1989, respectivamente, apesar

dos vrios relatos de epidemias desde o sculo XIX (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005).

Eles so transmitidos por sangue, via sexual e, verticalmente, de me para filho. O rgo

acometido, preferencialmente, o fgado, com risco para o desenvolvimento de carcinoma

hepatocelular, mas podem ocorrer manifestaes extra-hepticas, como vasculite necrotizante

aguda e glomerulonefrite. estimado que 40% da populao mundial tenha tido contato ou

portadora do VHB. Isso corresponde a um nmero prximo de 350 milhes de portadores

crnicos, sendo 2 milhes no Brasil (BRASIL, 2005a; GOLDSTEIN et al., 2005).

A infeco pelo VHB uma das mais importantes no mundo, pois cerca de um milho

de pessoas morrem anualmente em consequncia da doena. A taxa de prevalncia do vrus

diferente entre os continentes e pases, variando entre 0,1% e 20%. A Amrica do Sul foi

classificada como estando no nvel de mdia prevalncia (3%-5%), sendo os pases africanos

e a China classificados como alta prevalncia (10%-20%) (WASLEY; GRYTDAL;

GALLAGHER, 2008). A incidncia de novas infeces tem diminudo devido vacinao

em pases que valorizam esta estratgia de interveno. Entretanto, a real definio de pessoas

infectadas permanece desconhecida devido aos inmeros casos assintomticos de infeces

agudas e crnicas da hepatite B (RANTALA; VAN DE LAAR, 2008; MAUSS et al., 2010).

Em pessoas adultas com o VHB, 90% a 95% se curam e 5% a 10% permanecem com o vrus

por mais de seis meses, evoluindo para a forma crnica da doena (BRASIL, 2005a).

As formas percutneas e intravenosas parecem representar-se como mais efetivas na

transmisso do VHB, principalmente por meio de lminas cortantes e de agulhas. Em pases

classificados como de baixa prevalncia (0,1%-2%), como os da Europa e os EUA, cerca de

15% dos casos novos de hepatite B acometem usurios de drogas (WASLEY; GRYTDAL;

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GALLAGHER, 2008). Segundo o Ministrio da Sade brasileiro, outros dispositivos que

possibilitam inoculaes percutneas de vrus so: lminas de barbear e escovas de dente

almde algumas prticas, como acupuntura, tatuagem e colocao de piercing. Estes tm sido

associados transmisso de hepatite B, embora o nmero exato de contaminao por estas

fontes permanea desconhecido (BRASIL, 2005a; MAUSS et al., 2010).

O diagnstico de hepatite B no Brasil segue o fluxo apresentado pela Figura 1 e pode

ser realizado em todo territrio nacional.

Figura 1: Fluxograma para diagnstico da infeco pelo vrus de hepatite B (VHB), segundo

Ministrio da Sade.

Voluntrio = cidado com sorologia sob investigao

HBsAg + = presena do antgeno de superfcie do VHB

HBsAg - = ausncia do antgeno de superfcie do VHB

Anti-HBc total + = presena do anticorpo IgM contra o antgeno HBc

Anti-HBc total - = ausncia do anticorpo IgM contra o antgeno HBc

Fonte: BRASIL, 2005a, pg 29

O Programa Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais do Ministrio da Sade (PNHV

- MS) realiza a triagem sorolgica das hepatites virais e de informaes nos Centros de

Testagem e Aconselhamento (CTA), onde j so obtidas estas atividades para o HIV. O

Sistema nico de Sade (SUS) estabelece que sejam usados mecanismos de referncia e

contrarreferncia para a populao, representados pelas Unidades Bsicas de Sade (UBS) e

pelas CTA. (BRASIL, 2005a).

Criado em 1986, o departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais est vinculado

Secretaria de Vigilncia em Sade do MS. Seu objetivo reduzir a transmisso do HIV e

vrus de hepatite, alm de melhorar a qualidade de vida das pessoas com estes vrus. O

departamento trabalha com os chamados grandes eixos, com a prioridade de fortalecer a

Voluntrio

HBsAg +

anti-HBc total -

HBsAg +

anti-HBc total +

HBsAg -

anti-HBc total +

HBsAg -

anti-HBc total -

Indivduo suscetvel anti-HBs

no reagente reagente

encaminhamento infeco prvia

Infeo aguda ou

crnica

encaminhamento

Repetio sorologia

Sorologia

confirmada

encaminhamento

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rede de ateno s doenas sexualmente transmissveis, Aids e hepatites virais, com a

preveno e o diagnstico precoce das doenas, a promoo dos direitos humanos

aprimoramento do acesso aos medicamentos e das pesquisas na rea (BRASIL, 2006).

A hepatite C tambm uma doena impactante na sade pblica. De acordo com a

Organizao Mundial de Sade (OMS) existem 170 milhes de pessoas infectadas,

correspondendo a 3% da populao do mundo. A variao no nmero de casos, por pas e

continente, semelhante quela encontrada para hepatite B, sendo maior em pases africanos.

Na Europa e nos EUA, a hepatite C a doena crnica do fgado mais comum e responsvel

pela maioria dos transplantes hepticos (WASLEY; GRYTDAL; GALLAGHER, 2008).

O nmero de pacientes com o VHC-RNA est entre 80%-90% de todas aquelas pessoas

que apresentam anticorpos no sangue, o que indica alta taxa de cronificao. O grupo de

maior risco contempla os usurios de drogas, e muitos casos agudos e crnicos so

assintomticos, como na hepatit