conhecimento e cidadania - tecnologia social

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CONHECIMENTO E CIDADANIA 1 TECNOLOGIA SOCIAL INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL FEVEREIRO 2007

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CONHECIMENTO E CIDADANIA 1TECNOLOGIA SOCIAL

INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL FEVEREIRO 2007

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Apresentação

Introdução

O que Ciência & Tecnologia têm a ver comigo? C&T permeando a vida

C&T são socialmente construídas A sociedade da informação

Tecnologia Social: um outro modo de pensar e agir

Tecnologia Social: o que isso envolve?Breve histórico

A construção de um conceito de TS

Quem são os atores da Tecnologia Social?

Tecnologia Social e suas implicações 1. Tecnologia Social implica compromisso com a transformação social2. Tecnologia Social implica a criação de um espaço de descoberta de

demandas e necessidades sociais3. Tecnologia Social implica relevância e eficácia social

4. Tecnologia Social implica sustentabilidade socioambiental e econômica5. Tecnologia Social implica inovação

6. Tecnologia Social implica organização e sistematização7. Tecnologia Social implica acessibilidade e apropriação das tecnologias

8. Tecnologia Social implica um processo pedagógico para todos os envolvidos

9. Tecnologia Social implica o diálogo entre diferentes saberes10. Tecnologia Social implica difusão e ação educativa

11. Tecnologia Social implica processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação

12. Tecnologia Social implica a construção cidadã do processo democrático

Valores da Tecnologia Social

Referências bibliográficas

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Bendita sejas,poderosa matéria,evolução irresistível,realidade sempre nascendo,que a cada momento fazes em estilhaços nossos limitese nos obrigas a procurarcada vez mais profundamente a verdade.

Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955)

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Aexperiência internacional mostra, de maneira clara e inequívoca, que a cons-trução de um Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação diversificado, denso

e com sensibilidade social é essencial para o desenvolvimento socioeconômico ehumano de uma nação. Muitos dos países mais inovadores do ponto de vista tec-nológico são também os que têm sido mais bem-sucedidos em dar solução aosproblemas vividos por suas populações. E isto está estreitamente ligado à capaci-dade de produzir conhecimento e inteligência, de maneira autônoma e soberana.

Atualmente, o Brasil tem um sistema de pesquisa científico-tecnológica ro-busto e dinâmico. São cerca de 500 mil cadastros na plataforma Lattes do Con-selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que cen-traliza o registro de currículos acadêmicos no País, 100 mil pesquisadores atuan-tes nas universidades e centros de pesquisa, sendo 10 mil deles contempladoscom a bolsa do CNPq por alta produtividade. Produzimos quase 2% da Ciência doplaneta; na América Latina, participamos com quase a metade do total de traba-lhos científicos publicados. Além disso, a produção científica brasileira cresce auma taxa anual de aproximadamente 20%. Se compararmos estes percentuaiscom a nossa participação no PIB, no comércio ou na população globais, concluí-mos que a Ciência é um setor que se desenvolve com grande êxito no Brasil.

No entanto, ainda não conseguimos fazer que essa competência e produtivi-dade acadêmica se revertam em desenvolvimento socioeconômico. O tema tempolarizado o debate em torno de C&T nos últimos anos e há um esforço do gover-no em que universidades e empresas interajam para o fortalecimento de umSistema Nacional de Inovação. Ou seja, que as pesquisas científicas saiam doslaboratórios e promovam aprimoramentos e novidades no setor produtivo oucheguem à população como produtos e serviços. Estas ações são importantes erepresentam um grande desafio para toda a nação.

Diversos atores de nossa sociedade, entretanto, vêm enfrentando outro desafio,não desvinculado do primeiro: conferir à Ciência e à Tecnologia um papel decisivo

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na inclusão social. Destaca-se o trabalho dos movimentos sociais e das organiza-ções da sociedade civil que – muitas vezes em parceria com universidades, gover-nos e/ou empresas – buscam produzir e incorporar conhecimento altamente sofis-ticado para superar problemas que se perenizam na sociedade brasileira.

Uma particularidade dessas ações, metodologias, processos, produtos e servi-ços é que são construídos num diálogo profícuo entre o saber acadêmico e umapluralidade de outros saberes, que geralmente reunimos, talvez de maneira sim-plista, sob a denominação de “saber popular”. As pesquisas são, nestes casos, in-teiramente articuladas com a sociedade e se produzem pelo aprendizado mútuode especialistas e, na expressão de Ivan Rocha Neto, dos “protagonistas do dia adia”. Assim, a inclusão já está presente no próprio reconhecimento do direito detodo cidadão de obter e produzir conhecimento e de se autodeterminar. Nessadinâmica, elaboram-se mecanismos poderosos para alavancar o processo detransformação social que o País tanto necessita e que pode representar um saltoqualitativo nas condições de vida da população.

Ao longo da nossa história, o empenho do Estado brasileiro em adicionar ovetor “social” à produção de Ciência, Tecnologia e Inovação se deveu muito maisa iniciativas pontuais do que a uma política integrada e continuada de desenvol-vimento social e humano. Os esforços para criar uma infra-estrutura com esteobjetivo são bastante recentes e ainda precisam ser ampliados e fortalecidos paraque correspondam às dimensões de nossas necessidades. Destacam-se a criação,em 2003, da Secis/MCT – Secretaria de Ciência e Tecnologia para a InclusãoSocial do Ministério de Ciência e Tecnologia e a sua atuação no apoio a organiza-ções da sociedade civil e na difusão de C&T no País.

Nossa marcha para nos tornarmos capazes de criar um verdadeiro sistemade Inovação Social já começou. Precisaremos aceitar o grande desafio de ampliarpráticas e estratégias de C&T para lidar com problemas como: a exclusão social noacesso e produção do conhecimento; a fome – mesmo com os avanços consegui-

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dos com o programa Fome Zero –, o acesso e a produção de alimentos e a geraçãode trabalho e renda; o acesso à água e ao saneamento; a questão da violência urba-na e rural; o desemprego e as relações humanas, entre muitos outros.

A série CONHECIMENTO E CIDADANIA, que se inicia com este caderno, tem comoobjetivo ampliar o debate sobre Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade. Nesteprimeiro número, procuramos explicitar os diversos aspectos envolvidos naTecnologia Social (TS), inspirando-nos em reflexões construídas em anos de par-ceria com organizações da sociedade civil brasileira; inspirando-nos também empráticas de TS desenvolvidas pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS) ou por orga-nizações parceiras. Nos próximos números, trataremos de temas como as estraté-gias de TS inseridas em processos de Desenvolvimento Local Participativo e Sus-tentável, Agricultura Familiar, Educação e Ajudas Técnicas/Políticas Assistivas.

É assim que, articulando centenas de pessoas e dezenas de ONGs e com oapoio do MCT, o ITS identifica, pesquisa e divulga experiências construídas nodiálogo permanente entre comunidades organizadas e pesquisadores científi-cos, lideranças populares e universidades. ÉÉ nnaa aattiittuuddee ddiiaallóóggiiccaa ddoo ssaabbeerr aaccaa--ddêêmmiiccoo ccoomm oo ssaabbeerr ppooppuullaarr qquuee ooss ddiiffeerreenntteess aattoorreess ssoocciiaaiiss aapprreennddeemm aa sseerr,, aaccoonnhheecceerr ee aa ffaazzeerr,, eennffrreennttaannddoo ooss ddeessaaffiiooss ddaa rreeaalliiddaaddee.. E, como diz ElenGeraldes, “não há retorno possível: ao experimentar um saber plural fecundadopelo cotidiano, a universidade se humaniza... Que os clássicos sejam lidos e quea história seja vivida; sem hierarquias”.

Colocar C&T a serviço da vida, fazer acontecer o desenvolvimento social ehumano, aproximar os problemas das soluções. Esse é o nosso propósito ao par-tilhar com vocês este registro de Tecnologia Social, que está aberto a contribui-ções, críticas e sugestões. Boa leitura!

Irma Passoni Gerente-executiva do ITS

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soluções foi anterior à aproximaçãocom a C&T. Naquele momento, já haviaum esforço de compreensão da reali-dade complexa que se vivia, mas aindanão se enxergava a centralidade que oconhecimento pode ter no processo deconstrução de soluções efetivas para osproblemas. Alguns momentos impor-tantes marcaram este percurso. Ini-cialmente, destaca-se o relatório finalda Comissão Parlamentar Mista deInquérito (CPMI) “Causas e Dimen-sões do Atraso Tecnológico no Brasil”,presidida pelo senador Mário Covas erelatada pela deputada federal IrmaPassoni, atual gerente-executiva doITS, em 1992. No ano seguinte, fun-dou-se o IIISis – Instituto Internacio-nal de Integração de Sistemas, que de-finia sua missão da seguinte maneira:“A qualquer um, em qualquer tempo,em qualquer lugar, a informação”. Porfim, houve a fundação do ITS, em 2001.Simultaneamente, muitas outras orga-nizações da sociedade civil brasileirarealizam suas trajetórias próprias, em-penhando-se com sua inserção no pro-cesso de produção, desenvolvimento edisseminação de C&T para a transfor-mação social. A partir de 2001, inicia-se um processo de formulação coletivado conceito de TS.

Atualmente, entendemos que oponto principal está em construir“pontes” que aproximem os proble-mas de suas soluções. Essas pontes sefazem, tijolo a tijolo, num percursoque vai da observação da realidade –não uma “observação fria”, mas mobi-lizada pela necessidade vivida – até odesenvolvimento da capacidade deproduzir soluções. A arquitetura destepercurso pode ser traduzida da seguin-

te forma: a partir do reconhecimentode necessidades concretas, colhem-seos dados sobre a realidade, geram-seinformações precisas (que são a estru-turação desses dados de modo a confe-rir-lhes uma função no processo),produz-se conhecimento (fazendoconvergir as informações numa com-preensão mais completa da realidade ede suas possíveis transformações) e,finalmente, desenvolve-se a inteli-gência necessária para alavancar astransformações. A inteligência é entãocompreendida como o conhecimentocom potencial transformador; é aomesmo tempo saber e saber fazer.

A TS está cada vez mais em pauta,em virtude, principalmente, dos exce-lentes resultados que vêm demons-trando os projetos de desenvolvimen-to que a incorporam em suas metodo-logias de atuação e também por suacapacidade de gerar novas soluções emcontextos diferentes daquele para oqual foi originalmente concebida. Noentanto, uma de suas característicasprincipais é a diversidade de aborda-gens, que enriquece o debate e ali-menta de idéias e experiências os seusmúltiplos atores. Assim, é com o intui-to de fortalecer este debate que apre-sentamos, neste caderno, a abordagemque o ITS vem dando ao tema. O quetemos em mente quando falamos emTecnologia Social? O que a TS tem deespecial e como se diferencia da cha-mada “tecnologia convencional”? Quetipo de “desenvolvimento socioeconô-mico” queremos e o que ele implica?Estas questões nortearam a elaboraçãodeste texto.

A Ciência – que envolve o estudo edescrição dos fenômenos – diz respeito

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OInstituto de Tecnologia Social (ITS)nasce de um desafio: buscar, por

meio de Ciência e Tecnologia (C&T),soluções às necessidades e demandasda sociedade brasileira, de modo a tor-ná-la mais justa e menos desigual. Asinjustiças sociais que enfrentamos to-dos os dias exigem ações urgentes eeficazes para a inclusão social e a solu-ção de problemas efetivamente en-frentados pela população. É da neces-sidade que procuramos extrair a forçade transformação, mas esta só se tornapossível com o desenvolvimento deuma inteligência que atue no foco dosproblemas e potencialize ao máximoos esforços de cada um de nós.

Do ponto de vista dos movimentossociais e do terceiro setor, as discussõesem torno de conceitos como desenvol-vimento sustentável, desenvolvimentolocal participativo e Tecnologia Social,que vêm ganhando terreno desde o pro-cesso de redemocratização do Brasil esobretudo na última década, represen-tam um amadurecimento. Anterior-mente, o foco das ações estava na pres-são popular, ou seja, na organização dapopulação para, coletivamente, exigirsoluções do Estado. Hoje, os movimen-tos continuam reconhecendo a impor-tância e fazendo uso da pressão popular,mas são, além disso, muito mais propo-sitivos. Assim, buscam participar dire-tamente da elaboração e implantaçãodas soluções aos seus problemas.

Nós do ITS também reconhecemosalgumas de nossas raízes em movi-mentos sociais que, na década de 1970,contestavam a ditadura que se instala-ra no Brasil e sua política econômicageradora de exclusão. O enfrentamen-to de fortes necessidades e a busca de

INTRODUÇÃO

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à compreensão que temos das coisasnaturais e humanas; a Tecnologia – queenvolve técnicas e métodos, produtos eprocessos – diz respeito à aplicação doconhecimento na transformação domundo e do próprio homem. Se pen-sarmos que estamos lidando com acompreensão e a transformação domundo, a criação e o aprimoramentode técnicas, métodos, produtos e pro-cessos que facilitam nossas vidas e nostornam capazes de fazer mais e melhordo que antes, então é desde tempos re-motos que as vidas humanas são per-meadas pela C&T (em sentido amplo).A particularidade de nosso tempo é quesistemas tecnológicos muito elabora-dos participam de nosso cotidiano, fa-zendo que o poder de interferir etransformar o mundo dependa cada vezmenos da força e de recursos físicos ecada vez mais de capacidade intelec-tual. Por isso mesmo, a falta de acessoao conhecimento e aos benefícios queele traz, aliada ao não-reconhecimentodo direito de todos de serem produto-res de conhecimento, tende a ser umdos principais fatores de exclusão. Senão enfrentarmos essas desigualdadesimediatamente, corremos o risco deque elas aumentem de modo progres-sivo, num ritmo que pode tornar o pro-cesso praticamente irreversível.

Dentro do campo da C&T, a especi-ficidade da Tecnologia Social é a de tercomo objetivos a se buscar, direta eimediatamente, aquilo que outras ma-neiras de pensar e agir muitas vezestratam como “externalidades”, comoconseqüências “naturais” do processoou até mesmo como fatores limitantesdo “desenvolvimento”: a inclusão so-cial, a sustentabilidade socioambien-

tal e a construção do processo demo-crático. Trabalhamos com estes obje-tivos imediatos e urgentes, sem pos-tergá-los a um futuro hipotético que,afinal, nunca chega.

Se o modelo atual de desenvolvi-mento nos faz enxergar um futuro decaos social e destruição do meio am-biente, com recursos escassos, climadescontrolado, pobreza e miséria,nós nos opomos a este modelo e noscolocamos ao lado daqueles que,desde já, trabalham na construção docenário contrário: um mundo justo edemocrático, em equilíbrio com omeio ambiente, que permita vislum-brar um futuro de bem-estar durável.Esta é a razão de ser do ITS, que estápresente em cada uma de suas ações ena formulação de seus métodos detrabalho. Queremos, afinal, conhecero mundo onde vivemos – em todas assuas dimensões – para poder trans-formá-lo num outro mundo, nummundo melhor para todos. E dar anossa contribuição para que o Brasilseja uma nação capaz de refletir, pen-sar e gerar inteligência, tendo sempreem mãos o que há de mais eficaz paraa transformação.

É por isso que a inclusão social éuma condição imperativa para o de-senvolvimento. Estamos acostumadosa associar diretamente “desenvolvi-mento” a “crescimento econômico”,como se fossem a mesma coisa. Defato, o aumento na produção de rique-zas (o crescimento) é fundamental,mas não é o suficiente. Pois não hágarantia de que o crescimento se re-verta em melhorias para a sociedade,pelo menos se a considerarmos em suatotalidade. É certo que uma parte dela

da comunicação por gestos e sons…

…ao registro de desenhos em cavernas…

…dos hieróglifos ao alfabeto…

…e à reprodução de textos pela imprensa…

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que se vê na pobreza é uma das maisgraves de nossa sociedade, mas não é aúnica. Há vários tipos de exclusão. ATS não é feita só para pessoas de baixarenda, mas para todos os cidadãos.Um exemplo claro disso é o da Tecno-logia Assistiva, que auxilia na inclusãode pessoas que têm sua acessibilidadelimitada pela sociedade.

Muitos de nossos espaços e equipa-mentos foram concebidos e confeccio-nados tendo em vista um certo padrãode ser humano, sem contemplar toda adiversidade que compõe a sociedade.Muitas calçadas, por exemplo, são fei-tas sem levar em conta uma pessoa queusa uma cadeira de rodas, assim comoos assentos de ônibus são feitos parauma pessoa de estatura mediana, quenão seja, por exemplo, alta “demais”para o padrão. Com o envelhecimentoda população brasileira, todos podemser diretamente beneficiados com tec-nologias que ampliem a autonomia etornem a vida em sociedade mais aces-sível. Sem esquecer, além disso, queuma calçada acessível a um usuário decadeira de rodas também melhora oacesso para um carrinho de bebê oumesmo para qualquer carrinho decarga. Todos se beneficiam. Destaforma, entende-se que as pessoas comdeficiência, os mais idosos, os paiscom bebês pequenos etc. não são“estados de exceção”, mas cidadãoscom os mesmos direitos de acessibili-dade que quaisquer outros.

Com essa introdução queremosapenas preparar o leitor para as ques-tões principais que vai encontrarneste caderno. A partir de agora va-mos explicar, ponto por ponto, comoo ITS enxerga o desenvolvimento so-

cioeconômico com Tecnologia Sociale como esta maneira de pensar e agirpode auxiliar na transformação donosso mundo.

sempre será beneficiada, mas, da ma-neira como este crescimento tem sidoconduzido hoje, ele engendra concen-tração de renda e exclusão.

O desenvolvimento socioeconômi-co sustentável, entendido como umprocesso multidimensional, do qualparticipam vários fatores, dentre osquais o aumento real do bem-estar eda inclusão, pode desempenhar umpapel importante na construção doprocesso democrático participativo.Lembremos que a democracia não éalgo acabado, que se possa criar pordecreto, mas um processo de promo-ção da justiça social, que não escondeseus conflitos internos e, sim, os traz àtona para buscar o equilíbrio peloconfronto e pelo diálogo.

A democracia não pode ser entendi-da apenas como um sistema de repre-sentação política, ela é muito mais queisso. Na democracia, justiça e paz socialsão inseparáveis. Quando há verdadei-ro respeito às diferenças (que não seconfundem com as desigualdades),todos têm voz na sociedade, sem queum grupo se arrogue o direito de falarpelo outro, ou calá-lo de forma violen-ta. Este rompimento do processodemocrático pode ser mais ou menosexplícito. Muitas vezes acontece pormecanismos sutis, que consistem emdesqualificar a voz do outro. E C&T nãoestão de forma alguma isentas desteprocesso. Ao contrário, quando C&Tsão acessíveis e exercidas por todos,podem cumprir um papel central naconstrução da democracia; no entanto,quando são postas a serviço de apenasalguns, podem fortalecer a exclusão.

Salientemos ainda um último as-pecto importante: a exclusão social

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…da transmissão por telégrafos à televisão…

…e à teia mundial de comunicação.*

* Ilustrações inspiradas em quadro que apresenta a evolução dos meios de comunicaçãodesde a pré-história até os nossos dias, elabora-do pelo Prof. Dr. João Antônio Zuffo (2003a).

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cessário conhecer as propriedades dosmateriais de que são feitos (assimcomo de muitos outros materiais, paraque se escolhessem os melhores),saber manipulá-los e desenvolver pro-cessos produtivos. Também foi precisodesenhar os formatos mais adequadospara cada componente (alongados oucurtos, curvos ou retos etc.), tipos deencaixe e conexões, materiais que“colam” uma peça à outra e que não sedissolvem com a passagem da água.Além disso, para transportar a água deuma represa até a nossa casa é precisoconhecer suas propriedades, a melhorforma de distribuí-la com um gastopequeno de energia (senão ela seriamuito cara). Voltando ainda mais atrás,na própria construção da represa há aaplicação de uma enorme cadeia deconhecimentos, técnicas e produtos.Há tecnologia em todo o sistema deabastecimento. Aliás, na própria águatambém: ela é tratada, passa por pro-cessos de purificação. Isso não é sim-ples: como eliminar bactérias, semtorná-la tóxica pela adição de produtosquímicos? Enfim, como fazer com quea água chegue, com qualidade, às casasde milhões de pessoas e saia pelatorneira como num “passe de mágica”?Com muita C&T. E o ciclo não terminaaí, pois, ao ir-se pelo ralo, a água fluipor encanamentos de esgotos e terá deser novamente tratada, para ser reuti-lizada ou para ser reconduzida a algumdepósito natural, como o mar.

Observando as coisas ao nosso re-dor, encontraremos mais e mais his-tórias de C&T em cada objeto, em cadaproduto. Mas C&T não estão apenas noconhecimento e na transformação dosmateriais, na manufatura de produtos.

Há também áreas do conhecimento, aschamadas Humanidades, que estudamo próprio ser humano. Neste caso, sãoestudadas as dimensões simbólicas, ossignificados que os homens e mulheresatribuem às suas coisas e às relaçõesque estabelecem entre si. Como exem-plos, podemos citar a estrutura políticade uma sociedade, os métodos de ensi-no e aprendizagem, a experiência deprodução e apreciação estética, o fun-cionamento da psique humana, o com-portamento em sociedade, a linguageme muitas outras dimensões. Não se lidacom “materiais” naturais que podemser conhecidos e transformados.

Uma particularidade das Huma-nidades com relação às chamadasCiências “duras” é que não é possíveltratar o homem como um “objeto deestudo” no sentido estrito. Há sempreuma relação de construção conjuntaentre “aquele que estuda” e “aqueleque é estudado”, mesmo quando issonão é dito. Não há propriamente umsujeito e um objeto, mas uma interaçãoentre sujeitos. Dessa maneira, aqueleque estuda, para ser rigoroso e real-mente compreender o que está aconte-cendo, vê-se obrigado a estudar o seupróprio envolvimento no processo.

Assim, ao buscar um aprimora-mento das relações que se estabelecementre as pessoas, também estamos li-dando com tecnologias. Pensando, porexemplo, num método pedagógico, omodo de se conceber as próprias rela-ções entre pessoas numa sociedade sereflete diretamente nos livros e obje-tos utilizados, na maneira como os es-paços são desenhados, na maneira es-pecífica de se utilizar a linguagem. Po-demos encontrar inovações incríveis,

C&T permeando a vida

ACiência e a Tecnologia estão pre-sentes em cada momento de nos-

sas vidas. No alimento que comemos,nas roupas e nas ferramentas que usa-mos, na energia utilizada para iluminarambientes ou para pôr em funciona-mento utensílios e máquinas. A origemdisso é longínqua, remonta aos pri-mórdios da humanidade: desde quehomens e mulheres existem, transfor-mam as coisas que encontram no mun-do para torná-las úteis. Dessa maneira,passaram a poder fazer coisas que antesnão podiam, de modo mais eficaz oumais fácil, e tornaram-se capazes deproduzir mais com um esforço menor.Neste processo, buscaram conhecercada vez melhor as coisas do mundo, àsvezes movidos pela curiosidade dedesvendar seus mistérios, mas princi-palmente movidos pela necessidade epelas possibilidades novas que as pró-prias transformações foram revelando.Por exemplo, é provável que o controledo fogo tenha sido necessário primeiropara enfrentar a escuridão e o frio danoite. Depois, se percebeu que era pos-sível cozer alimentos, tratar madeiras,fundir metais, queimar barro, esquen-tar a água, e assim por diante.

Para chegarmos mais próximos aonosso cotidiano atual, tomemos umexemplo corriqueiro para quem viveem uma cidade: abrir a torneira e com aágua lavar as mãos. Para que este gestosimples seja possível, colocamos emoperação uma imensa malha de conhe-cimentos, técnicas, produtos e proces-sos. A torneira, assim como a pia, o raloe o encanamento são todos produtostecnológicos. Para produzi-los foi ne-

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O QUECIÊNCIA &

TECNOLOGIATÊM A VER

COMIGO?

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piratórios. E se olhamos de nossa janelapor volta das 6h da tarde de um dia dasemana, vemos um engarrafamentoenorme, onde milhares de pessoasficam paradas dentro de seus carros,sem usufruir da grande velocidade queeles poderiam desenvolver. Nesta hora,é possível que a pé se vá mais rápido, etênis confortáveis sejam um produtotecnológico mais eficaz. Portanto, aTecnologia gera soluções e benefícios,mas também resíduos e problemas,diretos e indiretos, os quais não po-dem ser ignorados.

Ao mesmo tempo, há outras solu-ções tecnológicas para um mesmo pro-blema, que geram outros impactos,positivos e negativos. O metrô, porexemplo, leva um número enorme depessoas. Embora não tenha problemade congestionamento nas linhas, ometrô pode enfrentar superlotação noschamados “horários de pico”. É muitomenos poluente que o carro; porém,consome muita energia – e então é pre-ciso saber de onde vem e como essaenergia é produzida, para se averiguarqual é o seu impacto.

Assim, o fato de que o desenvolvi-mento tecnológico sempre traz impac-tos socioambientais e, dependendo docaso, pode determinar de maneiramarcante toda a vida em sociedade é aprimeira razão pela qual ele nunca éneutro. Outra razão é que os própriosbenefícios não são distribuídos e usu-fruídos igualmente por toda a socie-dade. Um produto sempre nasce tendoem vista um público, mesmo quandoisso não é explicitado. E, mesmo quan-do se considera a hipótese de que opúblico poderia ser mais amplo, é pre-ciso que existam reais condições de

com grandes conseqüências para a vidaem comum, alterando-se apenas amaneira de se utilizar as palavras.

Ciências “duras” e Humanidadessão, portanto, igualmente importantesna geração, desenvolvimento e aplica-ção de tecnologias que promovem obem-estar social e exercem papéis fun-damentais no desenvolvimento socio-econômico. Há sujeitos agindo sobreobjetos e sujeitos agindo mutuamenteentre si, produzindo coisas e se relacio-nando. Nos dois casos, conhecimentosmuito sofisticados podem estar presen-tes nas aplicações pertinentes, sempretendo em vista suprir necessidades ouaprimorar nossas capacidades.

Podemos supor que as pesquisastecnológicas, ao buscar o aprimora-mento de técnicas, métodos, produtos eprocessos, visem em geral a trazer me-lhorias à sociedade. No entanto, é pre-ciso considerar que não existe tecnolo-gia que seja “100% boa”, isto é, quetraga apenas benefícios para todas aspessoas, sem efeitos negativos. As tec-nologias trazem também efeitos que vãoalém dos previstos, ou que afetam omundo e as pessoas de uma maneiraque a análise simples de seus objetivosimediatos não mostra. Ela também geraresíduos e impactos não benéficos.

Um exemplo: o carro. O carro podefacilitar a vida, ao transportar pessoas ecargas com grande velocidade e razoá-vel segurança. Só que, para exercer essafunção, o carro consome combustível –gasolina, por exemplo – e produz resí-duos. O ar poluído que respiramos nocentro da cidade de São Paulo – ondefica a sede do ITS –, é também conse-qüência da Tecnologia, e faz com quemuitas pessoas tenham problemas res-

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IAacessibilidade a toda a sociedade paraque o benefício seja de fato com-partilhado por todos.

Decorre disso uma responsabilida-de compartilhada entre os diferentesatores envolvidos no processo dedesenvolvimento de C&T – o Estado, asempresas, as universidades, a socie-dade civil –, no sentido de avaliar osseus impactos e riscos e escolher asmelhores opções. Decorre disso tam-bém a necessidade de que os chamados“cidadãos comuns”, e não apenas ostécnicos, participem dos processos detomada de decisão sobre C&T, uma vezque as conseqüências lhes dizem res-peito diretamente.

C&T são socialmente construídasCiência e Tecnologia têm sempre im-pactos socioambientais. Atualmente,está cada vez mais presente o esforçopelo avanço da responsabilidade socio-ambiental de empresas, governos e dasociedade em geral. Isto não está acon-tecendo por acaso. Vivemos um mo-mento em que não é mais possível ser-mos ingênuos. Se continuarmos comoestamos, vamos devastar nosso plane-ta, tornando-o inabitável. E tambémvamos condenar uma parcela conside-rável da população à miséria e à fome.

Em 2 de fevereiro de 2007, o GrupoIntergovernamental para as MudançasClimáticas (Intergovernmental Panelon Climate Change – IPCC), da Orga-nização das Nações Unidas (ONU), di-vulgou relatório que atribui às açõeshumanas a responsabilidade sobre asmudanças climáticas observadas emnosso planeta, conhecidas pelo nomede “aquecimento global”. Segundo es-te relatório, a julgar pelos níveis de

emissão de gases do efeito estufa –principalmente o gás carbônico (CO2)– na atmosfera, a temperatura médiado planeta subirá de 1,8ºC a 4ºC até2100, provocando um aumento donível dos oceanos de 18 a 59 cm. Comoconseqüência, prevêem-se inun-dações e ondas de calor mais freqüen-tes, além de ciclones mais violentospor vários séculos.

No final de outubro de 2006, o go-verno do Reino Unido havia publicadouma pesquisa sobre os efeitos socio-econômicos do aquecimento global,conhecida como “Relatório Stern”(divulgada na edição n.º 418 da revistaCartaCapital), em que são apresenta-das as “contas” do aquecimento globalnum futuro próximo. Estima-se queem dez anos os gastos mundiais che-guem a pouco mais de US$ 7 trilhões, oque resultaria em forte recessão glo-bal. O relatório explicita que os paísesindustrializados – como EUA e asemergentes China e Índia, mas tam-bém países europeus – são os maioresresponsáveis pela emissão de carbono,embora os maiores prejudicados como provável aumento dos níveis dosoceanos sejam países subdesenvolvi-dos, que não dispõem de recursos parasocorrer as milhões de pessoas quedeverão ficar desabrigadas em virtudedas catástrofes climáticas.

Estes relatórios mostram uma reali-dade que confirma as teorias defendi-das pelo sociólogo alemão Ulrich Beck,da Universidade de Munique, em seulivro A Sociedade do Risco, lançado em1986 com grande repercussão em todoo mundo. Em entrevista concedida aojornal francês Le Monde (publicada naFolha de S.Paulo em 20 de novembro de

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2001), Beck diz que, neste livro, desen-volveu “uma argumentação segundo aqual a ciência e a tecnologia são hoje acausa dos principais problemas dasociedade industrial”. Segundo o autor,“A produção e a distribuição dos ‘bens’,das riquezas, se baseiam num princípioregulador de escassez. O problema vemdo fato de que as instituições da so-ciedade industrial não foram pensadaspara tratar da produção e da dis-tribuição dos ‘males’, isto é, dos riscos eacasos ligados à produção industrial”.

A noção de responsabilidade socio-ambiental aponta para a necessidadede se tratar em toda a sua complexi-dade a gestão do desenvolvimento tec-nológico, de maneira a minimizar osseus riscos e dar sustentabilidade a to-do o processo. Aponta-se então paraum fato: a Ciência não é neutra comose acreditava até poucas décadas atrás.Segundo López Cerezo (1998), profes-sor da Universidade de Oviedo (Espa-nha) e coordenador acadêmico da Re-de de Investigação Ciência, Tecnologiae Sociedade (Organização dos EstadosIbero-Americanos), acreditava-se quea Ciência geraria quase que automati-camente benefícios sociais, por ummecanismo simples que podia serresumido na seguinte fórmula:

+ ciência = + tecnologia = + riqueza = + bem-estar social

Era como se não fosse necessáriobuscar o bem-estar, ele seria umaconseqüência natural da pesquisacientífica. Se C&T fossem neutras, deuma objetividade “absoluta”, como sepensava, haveria um único caminho“correto” para o desenvolvimento,

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IAEfetivamente, nos ambientes polí-

ticos mais diversos bem como entreespecialistas em políticas públicas,observa-se um crescente reconheci-mento da importância da democracia,não apenas como alicerce jurídico ins-titucional, mas também por seu poten-cial operativo. Ou seja, por sua capa-cidade de fazer com que a formulação, aimplementação e a abrangência daspolíticas públicas se desenvolvam deforma mais eficiente e sólida.

Neste sentido, observa-se que aqualidade de vida e bem-estar da so-ciedade dependem em grande parte dograu de cidadania ativa ou participativa.Conforme pontuou o economistaAmartya Sen, prêmio Nobel de Econo-mia de 1998, a existência de “grandesfomes” para uma parte da sociedade,por um período determinado, explica-se menos pela escassez ou diminuiçãoda produção de alimentos – justificati-va que se poderia esperar de um econo-mista politicamente correto – do quepela fragilidade da democracia. Isto é,as fomes (de conhecimento, inclusive)tendem a ser superadas ou mi-nimizadas nas sociedades em que hádemocracia e participação cidadã.

É certo também que as tecnologiaspodem vir a ter usos e impactos posi-tivos que não estavam necessariamen-te entre os objetivos das pesquisas queas geraram. Exemplos claros são os dealgumas tecnologias de guerra, como otelefone celular (desenvolvido paramelhorar a comunicação em campo debatalha) e o GPS (desenvolvido paraguiar mísseis com precisão aos seusalvos), que depois acabaram se rever-tendo em melhorias importantes paraa sociedade. No entanto, esta capaci-

dade de incorporar tecnologias origi-nalmente destinadas à guerra jamaisservirá para justificar a indústria béli-ca. A engenharia militar só produzmuitas tecnologias porque lhe sãodedicados investimentos descomu-nais. Se estes mesmos recursos fosseminvestidos para a produção da paz, nãohá dúvida de que teríamos solucionadoou minimizado boa parte dos proble-mas sociais globais.

É por todos estes fatores que defen-demos que as necessidades e deman-das sociais devem ser fontes priori-tárias para as pesquisas científico-tec-nológicas, no sentido de se buscaremas soluções mais eficazes para ainclusão dos diversos setores – atual-mente excluídos – na construção de-mocrática da sociedade. Mais que isso,a própria pesquisa deve ser vista comoum processo pedagógico de construçãoda sociedade num diálogo envolvendotodos os seus atores sociais. É nestanecessária construção coletiva que osconflitos sociais vão buscar, constan-temente, o seu equilíbrio.

A razão pela qual este processo aindaocorre apenas de maneira periférica,apesar de sua extrema importância,reside em parte na própria estrutura so-cial da educação e da pesquisa no Brasil.Afinal, as melhores universidades – e,paradoxalmente, muitas delas são públi-cas – são freqüentadas majoritariamentepor membros das classes sociais maisaltas, que não vivem na pele os problemasmais graves que urgem por soluções. Poroutro lado, ainda sobrevive em muitossetores do meio acadêmico o mito de quea Ciência deve ser “pura”, sem se deixarinfluenciar nem prestar contas à so-ciedade na qual está inserida.

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segundo critérios técnicos e objetivos.Acontece que as inovações técnicassão produzidas e aplicadas num mun-do em que diferentes sujeitos, comdiferentes lugares e interesses soci-ais, vão se relacionar, buscando oequilíbrio dos conflitos. O direciona-mento que se dá à pesquisa tem,então, conseqüências diretas na so-ciedade. Os caminhos do desenvolvi-mento tecnológico são fruto de escol-has feitas socialmente, dentro dosmecanismos de representação e pres-são social que historicamente se con-figuram. O desenvolvimento tecno-lógico participa, portanto, das com-posições de forças da sociedade, dosseus embates políticos.

Embora muitas vezes se defendauma solução como sendo a “única”possível, é freqüente que, depois quegrupos prejudicados denunciem osdanos que sofreram ou que podem vira sofrer, outros cientistas se posicio-nem apontando soluções diferentes.Isso ocorre porque, como diz Boaven-tura de Souza Santos, “para problemascomplexos, existe sempre mais deuma solução” (2004). O fato de nãohaver consenso quanto às pesquisascientíficas e às soluções tecnológicasmostra que não se pode confundirobjetividade com neutralidade. Poisas tomadas de decisão que se revestemde um caráter de “pureza técnica”muitas vezes refletem interesses soci-ais que transcendem o campo de C&T.Assim, o desenvolvimento econômicoe o democrático devem vir juntos, umnão precede o outro. E o desenvolvi-mento tecnológico está totalmenteinserido nesta dinâmica, não sendo demodo algum algo que se possa isolar.

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Hoje em dia, já se aceita que assoluções tecnológicas precisam ser ava-liadas não apenas por sua sofisticaçãotécnica e seu potencial mercadológico,mas também pelo seu impacto socio-ambiental. Consideramos, no entanto,que isso deve ter um peso realmenterelevante. Assim, o pensamento e a açãoem TS implicam não apenas minimizaros impactos socioambientais negativos,mas principalmente a busca direta emetódica de impactos positivos para oconjunto da sociedade e tendo em vistaa sustentabilidade a longo prazo, inclu-sive para as futuras gerações. A trans-formação da sociedade e o amplo bene-fício social não podem ser protelados aum futuro hipotético, mas devem serbuscados imediatamente como umobjetivo previsto em metodologia. Deum ponto de vista mercadológico, nãose trata de ir contra o mercado, mas deenxergar o próprio mercado em per-spectiva. A inclusão social representa,em grande medida, o desenvolvimentode novos mercados.

A sociedade da informaçãoA tendência de nossa época é que ostrabalhos repetitivos não sejam maisfeitos pelas pessoas. Na chamada so-ciedade da informação, o bem maisvalioso é o conhecimento e a capacida-de de lidar com ele e produzi-lo. O di-nheiro, o trabalho e os serviços sãopautados pela tecnologia da informa-ção, que permite hoje uma fluidez queseria inimaginável tempos atrás, umacirculação extremamente rápida de ca-pital e informações ao redor do mundo.Cada vez mais nossas vidas serão per-meadas pelas chamadas NTICs (novastecnologias de informação e comuni-

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IAcação). A tal ponto que não ter acesso acomputadores significa estar excluídode muitos campos de interação social e,do ponto de vista do mercado de trabal-ho, estar em grande desvantagem.

Hoje, muitos países ricos têmtransferido os setores produtivos e ad-ministrativos a países que oferecemum custo menor, e realizam em seu ter-ritório apenas o trabalho de pesquisa edesenvolvimento, que é economica-mente o mais valioso. Os exemplosmais notáveis de países que hoje absor-vem boa parte dos trabalhos menosvalorizados são a China, para a pro-dução industrial, e a Índia, para trabal-hos administrativos e de serviços.

Algo similar ocorre internamenteno Brasil. Por um sistema gerador deexclusão que vai desde a dificuldadede acesso à educação de qualidade atéa falta de acesso da grande maioria dapopulação ao mundo digital, ainda éuma elite que produz e veicula co-nhecimento acadêmico no país. Issonão significa que a população não pro-duza uma diversidade enorme de con-hecimentos e técnicas, mas estes con-hecimentos têm maior dificuldade desobreviver quando devem entrar emcompetição com outros, num mundomarcado pela alta sofisticação técnicaaliada à exclusão social.

Conforme advertia, já em 1996,Pekka Tarjore (então secretário geralda União Internacional das Telecomu-nicações), “se a comunidade mundialnão intervir, existe o perigo real de quea sociedade mundial da informação sóseja mundial por sua dominação; deque o mundo se divida em duas catego-rias, a saber: os ‘ricos em informação’e os ‘pobres em informação’; e de que

as diferenças entre os países desen-volvidos e em desenvolvimento seconvertam num abismo insuperável”(citado em IIISis, 2001).

Daí a necessidade urgente de seampliarem e se criarem novos meca-nismos de inclusão social, que sejauma inclusão pelo conhecimento. Semdúvida, o Estado tem um importantepapel a exercer neste sentido, mas nãosó ele. As universidades, a sociedadecivil e mesmo as empresas têm umaresponsabilidade comum e podembeneficiar-se com a inclusão. Em to-das estas instâncias, há setores quevêm aprofundando essa discussão.

É bom que se diga, no entanto, queinclusão não quer dizer a absorção dosexcluídos pelos atuais incluídos. Sig-nifica a construção conjunta, com ademocratização não só das informa-ções mas do processo de produção deconhecimento como um todo. E assimtambém a produção de soluções àsnecessidades e demandas sociais. Ainclusão é mais que um dado técnico,é um fenômeno cultural amplo. É pre-ciso criar as condições para que as so-luções sejam de fato elaboradas, aces-sadas e apropriadas por todos. Hoje,quem tem acesso ao conhecimento équem terá os melhores trabalhos,mais bem remunerados e com mel-hores condições, pois estará maiscapacitado a lidar com um mundo emrápida transformação e poderá inter-ferir de maneira mais eficaz na socie-dade. É isso que Thomas Stewart cha-ma de “capital intelectual”, o valoreconômico que a capacidade de ad-quirir e produzir conhecimento rep-resenta para uma pessoa, uma empre-sa, um país.

Dentre as transformações que leva-rão à configuração de uma sociedademais inclusiva, uma melhor distribui-ção do capital intelectual tem uma po-sição central. Isso passa, por exemplo,por uma valorização de saberes que,embora importantes, muitas vezes sãomenosprezados, como os conheci-mentos de populações tradicionais –indígenas, quilombolas, ribeirinhasetc. Muitos desses conhecimentos,aliás, já têm sido incorporados empesquisas científicas, com grandesvantagens econômicas.

Tecnologia Social: um outro modo de pensar e agirA seguir, procuraremos elucidar de ma-neira mais detida aquilo que chamamosde Tecnologia Social. Compreenda-seque, ao fazer aderir a palavra “social” à“tecnologia”, pretende-se trazer adimensão socioambiental, a construçãodo processo democrático e o objetivo desolucionar as principais necessidadesda população para o centro do processode desenvolvimento tecnológico.Assim, a TS busca recompor o código devalores que orienta a pesquisa e odesenvolvimento de inovação, agindoem função dos interesses da sociedadenum sentido amplo e inclusivo.

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ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DO ITSDESENVOLVIMENTO LOCAL PARTICIPATIVO E SUSTENTÁVEL EM CIDADE IPAVADesde o final de 2004, a comunidade de Cidade Ipava,bairro que fica na zona Sul de São Paulo, à beira darepresa Guarapiranga, se mobiliza para alavancar oprojeto Desenvolvimento Local Participativo eSustentável com Tecnologia Social. O projeto tem criado oportunidades para que osmoradores participem da resolução dos problemascomuns e criem soluções adequadas à sua realidade,identificando o potencial do bairro e as habilidades daspessoas que nele vivem, e implementando ações comTecnologia Social para desenvolver este potencial. Oobjetivo é gerar inclusão social e melhorar ascondições de vida da população de forma sustentável. Para pôr o projeto em marcha, o primeiro passo foi a cri-ação do Conselho de Desenvolvimento Local, grupo quereúne lideranças comunitárias e moradores antigos nobairro, com histórico de lutas pela melhoria dascondições de vida na região. Para eles, a formaçãodeste Conselho significou superar o antigo “jeito defazer” a luta popular, baseado sempre – e quase queexclusivamente – na reivindicação ao Estado. Issoporque o Conselho procura ir além, chamando para si aresponsabilidade de articulador e condutor do processode desenvolvimento local. Participam dessa articulaçãoas associações da sociedade civil que realizam trabalhono bairro, representantes da Igreja Católica e de escolaspúblicas, os agentes de saúde e a subprefeitura doM’Boi Mirim, responsável pela administração regional.

PESQUISA POPULARNas reuniões iniciais do projeto, a comunidade enxer-gou a Pesquisa Popular como um instrumento impor-tante para conhecer a sua realidade (apontando não sóos problemas, mas também as potencialidades) e iden-tificar as necessidades e demandas da população.Conseguiu-se uma nova qualidade para este conjuntode informações, ao juntar o conhecimento popular, dacomunidade, com o conhecimento científico. O estudo foi realizado por moradores capacitados peloITS em técnicas de entrevista, coleta e registro dosdados, digitação das respostas e organização dosdados em gráficos e tabelas. Além disso, contaramcom uma formação em desenvolvimento local, edu-cação ambiental e cidadania. Eles entrevistaram 1.163famílias (cerca de 25% do total) e todos os 144 pontosde comércio e serviços, aplicando um questionário quetambém ajudaram a construir. Desde o momento da formação e, logo depois, quandosaíram às ruas, os pesquisadores populares e os mem- �

Na vertente em que a TS se insere,uma referência importante foi o que sechamou de Tecnologia Apropriada(TA), cujo berço seria reconhecido naÍndia do final do século XIX (Dagnino,2004, p.19). O exemplo da atuação deGandhi é bastante representativo:

Entre 1924 e 1927, Gandhi dedicou-

se a construir programas, visando à

popularização da fiação manual rea-

lizada em uma roca de fiar reconhe-

cida como o primeiro equipamento

apropriado, a Charkha, como forma

de lutar contra as injustiças sociais e

o sistema de castas que as perpetuava

na Índia. Isso despertou a consciên-

cia política de milhões de habitantes

das vilas daquele país sobre a neces-

sidade de autodeterminação do povo

e da renovação da indústria nativa

hindu, o que pode ser avaliado pela

significativa frase por ele cunhada:

“Produção pelas massas, não produ-

ção em massa”. (Idem, ibid.)

Gandhi tinha uma clara proposta deemancipação política, social, cultural eeconômica, compreendendo o papelcentral da tecnologia. Sua ação, comuma profunda raiz cultural, tinha emvista a dominação de caráter sistêmicoque a indústria têxtil britânica exercianaquele momento na Índia. Inspiradonesta experiência, o economista ale-mão Schumacher reconheceu ali “umatecnologia que, em função de seu baixocusto de capital, pequena escala, sim-plicidade e respeito à dimensão am-biental, seria mais adequada para ospaíses pobres” (Idem, p.20).

A evolução deste debate, que se pro-longou até os anos 1960, fortaleceu a

Breve histórico

Oque hoje concebemos como Tec-nologia Social é o resultado de um

processo histórico de algumas décadas,que vem envolvendo atores sociais dediversos campos de atuação. É impor-tante esclarecer que este modo de pen-sar e agir no campo de C&T se desen-volve em paralelo e em contraposição auma tendência que, no imediato pós-Segunda Guerra, defendeu e imple-mentou a idéia de que a pesquisa cien-tífica deveria ter total autonomia comrelação às outras instâncias da socieda-de, visão que predominou no meio aca-dêmico e de divulgação científica até ofinal dos anos 1950. Acreditava-se sereste o caminho para o desenvolvimen-to e o bem-estar social.

Quando se começou a testemunhar aeclosão de acidentes nucleares, vaza-mentos de petróleo, tragédias pelo usoindiscriminado de pesticidas, envene-namento farmacêutico, a visão otimistado “progresso” científico e tecnológicotambém começou a se relativizar. Mes-mo porque este otimismo havia desem-bocado em mais e mais guerras, princi-palmente as do Vietnã e da Coréia, nocontexto da Guerra Fria. López Cerezositua o nascimento de uma “consciênciaglobal” junto com a efervescência domovimento contracultural e cita algunsmarcos deste período. Como exemplo,podemos mencionar o lançamento dolivro Silent Spring, de Rachel Carson,em 1962, em que a autora denuncia osmales causados pelo uso do pesticidaDDT e, assim, questiona a fé cega noprogresso científico e tecnológico. Olivro é considerado por muitos o “fun-dador” do movimento ecológico.

TECNOLOGIASOCIAL:

O QUE ISSOENVOLVE?

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a Inclusão Social – Ministério de Ciên-cia e Tecnologia (Secis/MCT), com oobjetivo de “identificar, conhecer, sis-tematizar e disseminar práticas deTecnologia Social”. O conceito de Tec-nologia Social foi então formulado nosseguintes termos:

Conjunto de técnicas e metodologias

transformadoras, desenvolvidas e/ou

aplicadas na interação com a popula-

ção e apropriadas por ela, que repre-

sentam soluções para inclusão social

e melhoria das condições de vida.

Esta definição não pretende ser umaetiqueta que se possa colocar sobre umproduto afirmando que ele é ou não éuma TS. Mas tem uma função opera-cional importante. Ao evidenciar al-guns dos seus fundamentos – a trans-formação social, a participação diretada população e o sentido de inclusãosocial e de melhoria das condições devida –, ela facilita a comunicação entreos diferentes atores da sociedade quepromovem, desenvolvem e/ou utilizamTSs em suas práticas.

Quem são os atores da Tecnologia Social?A TS não é privilégio de alguns e dizrespeito a todos. Mas é preciso reco-nhecer o papel central daqueles quehistoricamente têm se dedicado àprodução de conhecimento e de so-luções inovadoras para as necessida-des e demandas de nossa população.São eles:

• As associações civis;• As populações tradicionais e/oucomunidades locais de povos

expressão Tecnologia Apropriada. Em-butidas nas várias concepções de tec-nologia que surgem das pesquisasneste sentido, estabeleceram-se carac-terísticas como:

a participação comunitária no proces-

so decisório de escolha tecnológica, o

baixo custo dos produtos ou serviços

finais e do investimento necessário

para produzi-los, a pequena ou média

escala, a simplicidade, os efeitos posi-

tivos que sua utilização traria para a

geração de renda, saúde, emprego,

produção de alimentos, nutrição, ha-

bitação, relações sociais e para o meio

ambiente (com a utilização de recur-

sos renováveis). (Idem, ibid.)

Os avanços que o movimento da TApropôs são extremamente positivos einspiram em muitos níveis as práticasatuais relacionadas à Tecnologia So-cial – expressão que ganha força a par-tir de meados da década de 1990. A TSse diferencia sobretudo por superar aconcepção de “transferência de tec-nologia” ainda presente na TA ao in-cluir, como elemento central das prá-ticas que designa, a construção doprocesso democrático participativo e aênfase na dimensão pedagógica.Assim, as populações, antes conside-radas como “demandantes” de tecno-logias, passam a ser atores diretos noprocesso de construção do desenvol-vimento tecnológico, sem se limitarmais à “recepção” de tecnologias.

Um esclarecimento é necessário.Como ficará claro na seqüência destecapítulo, a TS não pode ser descritacomo um movimento de organizaçõesunidas em torno de uma bandeira,

partido ou instituição. Trata-se, issosim, de uma denominação que temsido utilizada por diversas organiza-ções e movimentos que trabalham,separadamente ou em conjunto, nacriação, desenvolvimento e aplicaçãode tecnologias visando à satisfação denecessidades sociais e a melhoria daqualidade de vida das populações.

A construção de um conceito de TSAo longo de 2004, o Instituto de Tec-nologia Social se dedicou a identificare reunir informações sobre uma sériede experiências de Tecnologia Socialem curso no Brasil. Realizou uma ex-tensa pesquisa, chamada “Mapeamen-to Nacional de Tecnologias SociaisProduzidas e/ou Utilizadas por ONGs”,a partir do qual foi possível selecionarexperiências bem-sucedidas nas áreasde Desenvolvimento Local Participati-vo e Sustentável, Educação e Agricul-tura Familiar. As organizações promo-toras destas experiências foram convi-dadas a apresentá-las em semináriostemáticos, com o objetivo de discutir esistematizar conhecimentos sobreTecnologia Social, com um amplo con-junto de atores.

Mais de oitenta instituições – entreONGs, associações comunitárias, mo-vimentos sociais, cooperativas, univer-sidades, centros de pesquisa, poderpúblico e órgãos financiadores de CT&I– participaram das atividades, que cul-minaram com a busca de uma formula-ção para o conceito de Tecnologia So-cial. Este esforço se realizou no âmbitodo projeto Centro Brasileiro de Refe-rência em Tecnologia Social (CBRTS),viabilizado pela parceria do ITS com aSecretaria de Ciência e Tecnologia para

bros do Conselho atuaram como agentes de transfor-mação social, sensibilizando e envolvendo a populaçãono projeto. As pessoas se viram implicadas numprocesso de transformação do lugar onde vivem, o queafetou diretamente tanto a aceitação em responder àpesquisa (os índices de recusa foram próximos a zero)e a própria qualidade e confiabilidade das respostas,que foi bastante alta. Com os dados já computados, os pesquisadores pude-ram construir uma visão diferente sobre o lugar ondevivem e, nas discussões que se seguiram, partiram paraa formulação de projetos, com a assessoria do ITS. APesquisa Popular tornou-se, dessa forma, um instru-mento importante para a comunidade definir as priori-dades para melhorar sua condição de vida, desenhar asestratégias e as ações do desenvolvimento local, naforma de um Plano de Ações, e fazer as parceriasnecessárias para viabilizar as primeiras ações. O asfalto e o esgoto foram as principais reivindicaçõesapontadas na pesquisa, o que favoreceu a intervençãoda subprefeitura, com as obras para ampliar o asfalto,e da Sabesp, com as obras de saneamento.

TELECENTRO COMUNITÁRIO AUTO-SUSTENTÁVELA Pesquisa Popular realizada em Cidade Ipava tambémrevelou que a população queria ter oportunidade de secapacitar em informática. Esta demanda deu origem aoTelecentro Comunitário de Cidade Ipava, que se tornouauto-sustentável pelas mãos da comunidade. Cadaaluno paga R$ 15 por mês para aprender a linguagemdos computadores e da internet, com a ajuda de moni-tores que também são pesquisadores populares. Atédezembro de 2006, duas turmas tinham se formado erecebido os certificados de conclusão do curso básicoem informática, no total de 158 alunos.

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Lmundo no sentido de torná-lo maisjusto e menos desigual. As desigual-dades estão aí, diante de nós, basta terolhos para ver. De um ponto de vistasocioeconômico, isso significa saberver nos desafios as oportunidades ereconhecer que onde há falta tambémpode haver um enorme espaço paracrescer, um enorme mercado por sedesenvolver. Desde que se enxergue arealidade de modo menos imediatistae mais justo.

O papel do Estado neste processoé evidentemente da maior relevân-cia. Mas, para além da responsabili-dade estatal, há um papel a ser exer-cido por cada ator social na transfor-mação de realidades que sabemosinjustas e desiguais.

Neste sentido, muitas ações de TSenvolvem, logo de início, mobilizaçãoe conscientização. O objetivo é des-pertar a democracia ativa e canalizarenergias no sentido da busca de solu-ções e da garantia de direitos. Inicia-se assim um processo pedagógico,criando condições para que os gruposenvolvidos se apropriem dos seusdireitos e partam ativamente em buscade satisfação a suas necessidades.

2. Tecnologia Social implica a criação de um espaço de descoberta de demandas e necessidades sociaisO ponto de partida de qualquer açãoem TS são as necessidades e deman-das da população. Assim, como atitu-de básica, são necessários olhos eouvidos bem abertos para a realidadee para as diferentes maneiras de sesentir e observar o mundo. A trans-formação só pode ocorrer a partir de

um “olhar que vê”, ou seja, que buscaconhecer a realidade da maneira maisfiel possível, sem deixar de lado aqui-lo que é incômodo. Neste incômodoestão em geral os pontos críticos,então é preciso enxergar também“aquilo que não se quer ver”. As desi-gualdades têm que ser muito bemexplicitadas para que possamos bus-car soluções que resultem num pro-cesso de inclusão.

Os que sentem na pele as necessi-dades não precisam de muito esforçopara enxergar problemas muito gravesque fazem parte de suas vidas. Muitasvezes, porém, essas pessoas não sãoouvidas e assim suas demandas, querepresentam problemas centrais paranossa sociedade, não são considera-dos e/ou ficam sem solução. Percebe-se a necessidade de se criarem meca-nismos ou instâncias em que as dife-rentes vozes sociais possam ser ouvi-das nos processos decisórios queenvolvem C&T.

Os diferentes atores sociais, sejapor suas capacidades e formaçõespróprias, seja pelos lugares que ocu-pam na sociedade, desenvolvem olha-res distintos para uma mesma reali-dade. Saber ouvir o que cada um tem adizer é, portanto, fundamental para secompor uma visão mais completa dosfenômenos socioambientais. Uma so-ciedade só será democrática quandotodos os setores que a compõem tive-rem espaço para se manifestar.

3. Tecnologia Social implica relevância e eficácia social As tecnologias passam a ser valoriza-das não tanto pelo seu grau de sofisti-cação técnica, mas por sua eficácia na

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indígenas, quilombolas, ribeirinhos,caiçaras, extrativistas, pescadores,agricultores familiares e catadores;• Os assentados e reassentados nosProgramas de Reforma Agrária;• As instituições de ensino superior e tecnológico, especialmente a exten-são universitária;• Os poderes públicos;• As empresas, preferencialmente pormeio da responsabilidade social;• Os sindicatos e centrais sindicais;• As cooperativas;• Os movimentos populares.

Tecnologia Social e suas implicações Vamos discutir a seguir algumasimplicações da Tecnologia Social. Seas TSs são “técnicas e metodologias”,“produtos e processos”, como quais-quer tecnologias, elas também envol-vem de maneira intrínseca um modopróprio de pensar e agir. Muitas ve-zes, é no modo de aplicação que umatecnologia torna-se social. Este “mo-do” é então compreendido como umaabordagem sistêmica que leva emconta todo um conjunto de fatores,desde o reconhecimento das necessi-dades e da mobilização para a mudan-ça, até os métodos de gestão e a eficá-cia da solução tecnológica desenvol-vida, passando pela avaliação deimpactos socioambientais e a buscadireta de impactos positivos para oconjunto da sociedade.

1. Tecnologia Social implica compromisso com a transformação socialPara se desenvolver TS é preciso, an-tes de tudo, querer transformar o

inclusão social e na melhoria dascondições de vida. Ou seja, são tam-bém avaliadas por critérios sociais,culturais, ambientais etc. É umamudança no seu código de valores.Um carro que corra a 300 km/h não émelhor que um ônibus que vá a 80km/h. Nada contra a velocidade em si,mas para andar a 300 km/h é precisousar mais combustível, acarretandomais poluição e um custo muito altopara transportar uma ou duas pes-soas. Ele não resolve as dificuldadesde transporte nem os danos provoca-dos pela poluição, tanto nas cidadescomo nas estradas. Visto pelo ângulonão do desempenho de velocidade,mas da capacidade de solucionar pro-blemas enfrentados pela sociedade, oônibus é melhor que o carro. Por suavez, um ônibus movido a biodiesel oua gás natural é ainda melhor, emcomparação com o ônibus a dieselconvencional, pois é menos poluentee seu combustível é renovável.

É imprescindível, para que umatecnologia tenha características de TS,que ela seja capaz de resolver os pro-blemas ou necessidades sociais paraos quais foi desenvolvida e, assim,promover real melhoria nas condi-ções ou na qualidade de vida do públi-co beneficiado. Esta melhoria passapela inclusão social e/ou pelo fortale-cimento da autonomia, entendidacomo o poder de decidir o própriodestino e de viver pelo próprio esfor-ço, sem depender da rede de assistên-cia social estatal.

É neste sentido que a TS deve serreconhecida como um direito funda-mental e estratégico para a sobrevi-vência e a garantia da qualidade de

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Lmano precisa dos recursos queencontra no meio ambiente, por issomesmo deve utilizá-los de maneiranão-predatória. Mas o planeta Terradeixa de ser visto como um simplesfornecedor de insumos para ser con-siderado como a nossa morada, com aqual devemos estar integrados. Daí aimportância de se buscarem fontes dematéria-prima e de energia renová-veis, de se estabelecerem novos pa-drões de consumo e de se ter um cui-dado especial com os resíduos desde aprodução até o consumo ou utilizaçãodas tecnologias.

Para se garantir que isso aconteça,inclusive com monitoramento, asavaliações de riscos e impactos am-bientais, sociais, econômicos e cultu-rais passam a ser elementos necessá-rios integrados na produção e aplica-ção de tecnologias e dos conhecimen-tos científicos. E assim, trabalharpara que as chamadas “externalida-des” sejam cada vez mais “internali-zadas”. Isso acontece, por exemplo,quando se desconsidera um prejuízoambiental decorrente de um processoprodutivo, transferindo “para fora”(ou para toda a sociedade) o custo quehaveria em produzir de maneiraambientalmente correta. À medidaque se eliminem as externalidades,produtos ambientalmente muito no-civos tendem a tornar-se economica-mente inviáveis.

A sustentabilidade econômica, porsua vez, implica que a TS pode buscara rentabilidade e a geração de riqueza.Para que possa garantir a inclusão so-cial e a melhoria das condições devida, a TS pode precisar produzir suascondições de sustentabilidade, o que

vida de milhões de pessoas excluídasdas condições mínimas da existênciahumana. A TS está estreitamenteancorada no direito ao acesso e à pro-dução de conhecimento, à educação e àautodeterminação. Por sua finalidade,vincula-se também aos direitos à vida,à alimentação e à saúde. É assim que setem, no horizonte do pensamento edas ações com TS, a realização do serhumano como um todo, aumentandosua auto-estima e sua felicidade.

Tendo isto em vista, compreende-sepor que as necessidades e demandassociais devem ser fontes prioritárias dequestões para as investigações científi-cas. Uma vez que a produção de conhe-cimento e de inovações esteja compro-metida com a transformação da socie-dade no sentido da promoção da justiçasocial, aumentam-se as chances de seobter um desenvolvimento sustentável.Ressalte-se que muitos dos países maisinovadores em termos de tecnologiasão também aqueles que têm sido maisbem-sucedidos em dar solução aosseus problemas sociais, e isso se deve,entre outras razões, a que foram sensí-veis a eles em suas pesquisas científi-co-tecnológicas.

4. Tecnologia Social implica sustentabilidade socioambiental e econômicaSociedade e meio ambiente são partesintegradas de uma mesma totalidade.A sociedade existe num meio ambien-te e este só ganha sentido quando éintegrado no desenvolvimento social.Assim, a questão da preservação am-biental, que é um aspecto fundamen-tal, passa a ser tratada a partir do con-ceito de sustentabilidade. O ser hu-

ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DO ITSINCUBAÇÃO DE EMPREENDIMENTOSSOLIDÁRIOS COM TECNOLOGIA SOCIAL EM OSASCOA Incubação de Empreendimentos Solidários represen-ta, para muitas pessoas de baixa renda na cidade deOsasco, uma alternativa para romper o ciclo da pobrezae, pelo trabalho, alcançar uma condição de vida melhor. Nesta cidade localizada na Região Metropolitana deSão Paulo, a incubação e o fomento à Economia Popu-lar e Solidária fazem parte da estratégia de Desen-volvimento, Trabalho e Inclusão da prefeitura. É umapolítica pública, que leva o nome de programa OsascoSolidária e pretende dar o “passo adiante” dos progra-mas de transferência de renda – como o Bolsa Família(federal), o Renda Cidadã (estadual) e o Renda Mínima(municipal), entre outros –, ao promover a emancipa-ção das pessoas que estão na pobreza, com inclusãono trabalho. O papel de ONGs como o ITS, que presta assessoriatécnica ao projeto, é municiar os futuros empreende-dores com os conhecimentos necessários para a sus-tentabilidade de seus negócios e sua inserção em umoutro mercado possível, justo e solidário.“Incubação” é o nome que se dá a todo este processoeducativo prático. Neste programa, significa ofereceros meios e os instrumentos necessários para que osgrupos interessados em formar empreendimentos soli-dários se organizem e se desenvolvam, de forma sus-tentável. É um processo que envolve a capacitaçãotécnica e em autogestão, o aprendizado pela prática epela convivência, a assessoria de especialistas e osuporte aos negócios formados, com a garantia deacesso a tecnologias e instrumentos que permitam aosempreendedores “andar com as próprias pernas”,como o microcrédito e as redes de produção, distribui-ção, comercialização e consumo.

OFICINA-ESCOLA TÊXTIL E PÃO SOLDesde o começo de 2006, no bairro Rochdale, periferiada cidade, funciona a Oficina-Escola de confecção ecostura, montada pela prefeitura para oferecer capaci-tação técnica e qualificação profissional para gruposde mulheres que, até então, contavam com os progra-mas públicos de transferência de renda (ProgramasRedistributivos) como única fonte de renda estável.Na oficina, essas mulheres aprendem técnicas de cos-tura, ganham habilidade nas máquinas, incorporamqualidade no produto que fazem e vão descobrindo, naconvivência, na discussão, no trabalho, laços deamizade e de solidariedade que poderão ser decisivospara o desafio que irão enfrentar: o de montar �

pode ser conseguido, por exemplo,por sua inserção no mercado. Tec-nologias de interesse público podemainda ser integradas em políticaspúblicas, obtendo, assim, financia-mento estatal.

5. Tecnologia Social implica inovaçãoConsiderando-se que sempre têm co-mo ponto de partida necessidades edemandas sociais, as pesquisas em TSnão podem existir desvinculadas deseus resultados na sociedade. A me-lhoria efetiva das condições de vida é,afinal, um de seus objetivos primei-ros. Por essa razão, pode-se afirmarque as práticas que envolvem TSencontram-se em sintonia com adefinição de “inovação” presente nas“Disposições preliminares” da LeiFederal 10.973/04: “introdução denovidade ou aperfeiçoamento noambiente produtivo ou social queresulte em novos produtos, processosou serviços”.

No entanto, quando se fala em ino-vação, no campo da TS, não se pensanecessariamente em tecnologia “deponta”. Ela pode efetivamente repre-sentar um avanço do ponto de vista dasfronteiras do conhecimento, mas issonão é um valor em si. O foco principalestá em sua eficácia e relevância social,de modo a representar uma inovaçãorelativa ao grupo beneficiário.

Acreditamos que a geração de ino-vações sociais será tanto maior, quan-to mais as demandas e necessidadessociais se tornarem temas de pesqui-sas científico-tecnológicas. Primei-ramente porque, como se sabe, assoluções para os problemas sociais

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não estão dadas. Porém, também assoluções encontradas pelas própriaspopulações passarão a ser mais co-nhecidas, podendo gerar e inspirarnovas soluções. O uso da inteligênciapode e deve potencializar novas solu-ções, que sejam acessíveis, eficazes esustentáveis, construídas num pro-cesso democrático e inclusivo.

6. Tecnologia Social implica organi-zação e sistematizaçãoA TS leva em conta um amplo conjun-to de fatores, compreendidos de ma-neira sistêmica, o que implica umaconcepção sofisticada de tecnologia. Aelaboração de planos de desenvolvi-mento estruturados torna-se impres-cindível para que todos estes fatoressejam contemplados e possam intera-gir organicamente. A clareza e a preci-são nos métodos utilizados oferecegrandes vantagens quando é neces-sário enxergar as múltiplas relaçõesimplicadas no desenvolvimento so-cioambiental e econômico. Assim, aação organizada e consciente torna-seum pressuposto das TSs.

Há ainda uma especificidade quemerece atenção. A TS tem como ca-racterística a conjugação de diferentessaberes num processo multidiscipli-nar. Alguns desses saberes – comométodos tradicionais de cultivo, porexemplo – são desenvolvidos ao longode muitos anos de experimentação,sem que tenha havido a necessidadede uma sistematização em moldescientíficos. É a experiência de gera-ções que permitiu o desenvolvimentode métodos integrados a determina-do ambiente e a determinada cultura.A sistematização destes saberes é

ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DO ITSTECNOLOGIA ASSISTIVA OU AJUDAS TÉCNICASAté pouco tempo atrás, nossa sociedade estava poucoou nada preparada para lidar com a diversidade denecessidades que as pessoas têm ou passam a ter nodecurso de suas vidas. Em decorrência disso, aindahoje direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros –direito de ir e vir, à informação, à escola, à cultura, aolazer, ao trabalho, entre outros – não têm sido garanti-dos para uma parcela significativa da população. Aspessoas com deficiências e os idosos já conquistarammuitos avanços, e a legislação exige que os equipa-mentos, serviços e espaços de uso público sejam aces-síveis a todos. Mas ainda há muito o que avançar emtermos de soluções práticas e mudanças de cultura.A Tecnologia Assistiva – ou ajudas técnicas – refere-seàs pesquisas e ações (produtos, instrumentos, estraté-gias, serviços e práticas) que vêm em auxílio principal-mente de pessoas com deficiência e pessoas idosas,para prevenir, compensar, reduzir ou neutralizar as difi-culdades e obstáculos de acesso que a sociedade, talcomo ela se configura, coloca a elas, e assim melhorarsua autonomia e qualidade de vida.No Brasil, além de 24,6 milhões de portadores de defi-ciência identificados pelo Censo 2000, a população deidosos ultrapassa os 16 milhões. Em 20 anos, deverá serde 32 milhões, número que colocará o país como osexto em população idosa no mundo (IBGE). Essas cifras dão a dimensão da demanda por Tec-nologia Assistiva no Brasil. Seja porque não encontramas informações ou a orientação adequada sobre asajudas técnicas que procuram, seja pelo alto custodestas tecnologias (muitas vezes são produtos impor-tados), o fato é que muitas pessoas com deficiênciapoderiam ser beneficiadas, mas não estão sendo.

O ITS E A TECNOLOGIA ASSISTIVAAmpliar o apoio à pesquisa e ao desenvolvimento deprodutos pode ser um passo importante para que oBrasil avance na produção de suas próprias soluções eo acesso à Tecnologia Assistiva se democratize. Comessa perspectiva, a Secretaria da C&T para a InclusãoSocial do Ministério da Ciência e Tecnologia(Secis/MCT) e o ITS deram início, no ano de 2005, àPesquisa Nacional de Tecnologia Assistiva. O levanta-mento procurou identificar as instituições que estu-dam, produzem e disseminam Tecnologia Assistiva noBrasil. O objetivo foi gerar informações capazes desubsidiar políticas de apoio às iniciativas de CT&I quepromovam a inclusão social das pessoas com deficiên-cia e/ou idosos. �

importante para que sejam incorpo-rados ao processo de desenvolvimen-to e aplicação de TS.

A sistematização da experiênciacomo um todo é importante, não ape-nas por proporcionar rigor no acom-panhamento e na avaliação dos proje-tos, como também para que possagerar aprendizagens que sirvam dereferência para novas experiências.Ao descrever os métodos, técnicas,produtos e processos de uma TS, tor-namos esta tecnologia acessível a ummaior número de pessoas, aumentan-do sua capacidade de solucionar pro-blemas sociais.

7. Tecnologia Social implica acessibilidade e apropriação das tecnologiasA inclusão buscada pelas TSs, semacessibilidade, seria um contra-senso. O baixo custo e a facilidade deacesso são valores a serem buscados,pois podem ser essenciais para o seusucesso. Tome-se o exemplo do “sorocaseiro”. Ele é constituído de água, sale açúcar, coisas que a maioria de nóstem em casa. O custo é praticamentezero e qualquer um pode aprender afazer. E a sua eficácia na prevenção dadesidratação infantil é enorme. Trata-se então de uma Tecnologia Socialaltamente acessível.

Isso não quer dizer que toda TSdeva ser barata, mas apenas que obaixo custo facilita o acesso e deve servalorizado por isto. Há situações emque tecnologias de alto custo são utili-zadas em projetos cujas metodologiastêm características de TS. Para citarum exemplo, veja-se o caso da ONGPró-Batalha, que defende o rio Ba-talha (um afluente do Tietê). Em suas

empreendimentos de Economia Popular e Solidária emOsasco. A prefeitura de Osasco, em parceria com aAssociação Eremim, organizou-as para que confec-cionassem uniformes escolares para 47 mil alunos doensino público fundamental, de modo a utilizar o poderde compra do município para fortalecer a iniciativa epotencializar os resultados dos investimentos públicos.Como contrapartida, as participantes do projeto rece-bem uma bolsa de R$ 450 por mês, mais vale-transporte.Os grupos que participam do Pão Sol, projeto que éfruto de parceria da prefeitura de Osasco com o ITS,trilham um caminho parecido. Aprendem técnicas depanificação e confeitaria nas aulas-laboratório, reali-zadas em uma cozinha industrial, e também se dedi-cam à formação teórica e em cidadania. Em dezembrode 2006, muitas alunas, mesmo antes de terminar acapacitação, já estavam levando o que aprenderam noprojeto (novas receitas, técnicas de higienização ecuidados com a apresentação dos alimentos) paraincrementar seus pequenos negócios, montados, emgeral, dentro de casa, na informalidade. Assim, acres-centam ao seu ganha-pão um ingrediente que faltava:profissionalismo. Para ajudar a sustentação dasfamílias, no período de formação, elas recebem umabolsa de R$ 180 mensais.

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ações, a Pró-Batalha utilizou-se deserviços de geo-referenciamento porsistema GPS (fazendo uso de satélite,entre outros equipamentos), que sãocaros e foram disponibilizados peloCentro de Tecnologia em Geopro-cessamento – CTGEO, de Lins. O GPS,neste caso, tornou-se uma TS.

Outro aspecto importante a se con-siderar é que a acessibilidade será tantomaior quanto mais a população envol-vida se apropriar dos meios de produ-ção e reprodução das TSs, pois dessamaneira se apodera do processo.Muitas vezes, esta apropriação nãoimplica ser capaz de produzir a tecno-logia. Também há apropriação noaprendizado, na compreensão do sen-tido e das implicações sociais que umatecnologia tem. Incluem-se aí o seuprocesso de produção e difusão, e tam-bém o conhecimento de quem se bene-ficia ou quem se prejudica com ela.

Vejamos um exemplo histórico. Noinício do século XX houve no Rio deJaneiro um episódio que ficou conhe-cido como Revolta da Vacina. Em 1904,uma lei federal tornara obrigatória avacinação contra a varíola. Quando seespalhou a notícia de que a vacina erafeita com o próprio vírus, muita gentepensou que o governo queria era con-taminar as pessoas e eliminar parte dapopulação. E houve grande rebeliãocontra a vacina. O que aconteceu? Obenefício social que a vacina pode tra-zer não se discute. O problema foi amaneira autoritária como ela foi trazi-da à população, sem que esta se sen-tisse incluída no processo. Mal infor-madas e desconfiadas do governo jus-tamente por seu intervencionismoautoritário, as pessoas não se apro-

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LOs resultados da primeira etapa da pesquisa foramdivulgados, em março de 2006, no Portal Nacional deTecnologia Assistiva – www.assistiva.org.br. Tanto osresultados quanto o questionário da pesquisa conti-nuam disponíveis. O portal foi desenvolvido e é gerido pelo ITS. A idéiadessa ferramenta é facilitar a troca de conhecimentossobre as iniciativas existentes na área, interligandoquem pesquisa, quem produz, quem faz a gestão públi-ca e quem usa Tecnologia Assistiva. Construído deacordo com as normas de acessibilidade do GovernoFederal e os princípios do Desenho Universal, o portalé acessível a qualquer pessoa. Na segunda etapa de implantação do portal, será cons-truído um Catálogo Brasileiro de Ajudas Técnicas, reu-nindo informações sobre os produtos disponíveis noPaís. Já a terceira fase deverá contemplar os serviçosexistentes para o atendimento a esta população.

TEMAS URGENTES PARA A TECNOLOGIA SOCIAL

• Segurança alimentar• Geração de trabalho e renda• Economia solidária• Microcrédito produtivo• Meio ambiente• Tecnologia assistiva• Agricultura familiar• Agroecologia• Sementes crioulas• Raças animais crioulas• Reforma agrária• Saneamento básico• Educação• Desenvolvimento Local Participativo• Saúde pública• Moradia popular• Promoção da igualdade em relação à raça, ao gênero e às pessoas com deficiência

priaram dessa tecnologia que, ao fim eao cabo, representaria um benefícioenorme à saúde da população. Para quetivesse características de TS, seria pre-ciso que a vacinação fosse feita naforma de uma campanha informativa edemocrática, ao invés de um decretoimposto de cima pra baixo.

8. Tecnologia Social implica um processo pedagógico para todos os envolvidosA dimensão pedagógica é transversala todas as ações que envolvem TS.Não pensamos apenas nas atividadesde capacitação e treinamento quesempre estão presentes. Mas sim nofato de que a TS se constrói numespaço de aprendizagem em quetodos os envolvidos se vêem implica-dos. Todos aprendem sobre uma rea-lidade específica – do ponto de vistasocial, econômico, cultural e am-biental –, todos aprendem com ainteração e novos conhecimentos sãogerados. Uma vez que essa dimensãopedagógica seja tomada como umelemento chave do processo e secuide para que ela seja efetiva, gera-se permanentemente as condiçõesfavoráveis que tornaram possível aelaboração das soluções, de forma aaperfeiçoá-las e multiplicá-las.

O objetivo final é que as populaçõesconquistem autonomia, o que só seconsegue num processo pedagógico ede redução das desigualdades sociaisque representam verdadeiras barreirasao desenvolvimento socioambiental eeconômico. Trata-se de distribuirmelhor o acesso ao capital intelectual. Afalta de acesso à educação formal é umadas graves exclusões que se busca com-

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Lengenheiro pode ajudá-lo na reestru-turação sanitária do bairro. E tambémque um ambientalista provavelmenteestará melhor preparado que o enge-nheiro para avaliar o impacto ambien-tal dessas transformações. Ou aindaque um administrador pode vislum-brar e estruturar mais claramente asoportunidades de negócios que surjamali. Ao contemplar os diferentes pontosde vista, pode-se chegar a projetosmelhor embasados para a redução dasincertezas e riscos inerentes a qualquerprojeto – por um planejamento maiscompleto e integrado. Potencializam-se os recursos investidos, seja por umagestão melhor dos riscos e oportunida-des, seja porque todos se engajam noprocesso, se apropriam dele e se sen-tem contemplados.

Num outro plano, é preciso supe-rar o desprezo que muitas vezes se tempelos saberes populares. Para citar umexemplo, foi na luta por sua sobrevi-vência, enxergando a possibilidade degerar renda onde outros só viamdetritos, que pessoas com pouco estu-do desenvolveram diversas maneirasde se reciclar lixo, sem qualquerapoio, antes que isso fosse visto comoalgo fundamental à sobrevivência dasgrandes metrópoles. As pesquisascientíficas sobre reciclagem podem edevem ser realizadas, trazendo ganhosenormes à sociedade. Mas essas pes-quisas terão vantagens se souberemaprender com a experiência dos cata-dores de materiais recicláveis.

Todos têm a ganhar com essa inte-ração, em que os diferentes atores sevêem participando na produção dosaber, no fortalecimento do bemcomum e na conquista de direitos.

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bater, dando àquele que não pôde fre-qüentar cursos qualificados e participarde pesquisas elaboradas a oportunidadede se aproximar desta realidade, quali-ficando-se também. Há assim transfe-rência de tecnologias para os membrosdas comunidades envolvidas.

Considera-se que todos são essen-cialmente capazes de produzir conhe-cimento e soluções aos seus proble-mas, e são também capazes de efetuarescolhas para suas vidas. Está claro,portanto, que as soluções devem serconstruídas sempre no diálogo, nuncaimpostas. Isto não é fácil, mas é destamaneira que se constrói um processode aprendizado democrático.

Daí a importância de se desenvol-verem mecanismos de escuta e parti-cipação nas instâncias locais, assimcomo nas regionais e nacionais.Quanto mais localizada for a ação,mais importante será a participaçãodireta dos envolvidos. Mas mesmo nasesferas mais altas, a democracia sebeneficia. Alguém que tenha partici-pado de um processo decisório naesfera local estará melhor preparadopara o aprendizado implicado nasescolhas numa eleição ou num plebis-cito, por exemplo.

9. Tecnologia Social implica o diálogo entre diferentes saberesOs diferentes atores de nossa socieda-de têm pontos de vista distintos que,juntos, podem gerar uma visão maiscompleta de nossa realidade. Assim,um morador de uma favela, por exem-plo, tem um conhecimento de sua rea-lidade que não pode ser substituído pornenhum estudo acadêmico ou visão defora. Mas também quer dizer que um

Neste sentido, o papel das organiza-ções não-governamentais tem sido degrande importância, pois sua expe-riência em grande medida se produzno contato entre os diferentes saberes.E também os movimentos sociais, poissomente com mobilização os “excluí-dos” têm avançado em conquistas porseu espaço próprio na sociedade,fazendo valer os seus direitos.

10. Tecnologia Social implica difusão e ação educativaAs ações de desenvolvimento com TSse consolidam e se fortalecem com adifusão. Ao se difundir a idéia de que atecnologia deve estar socialmenteimplicada, busca-se sensibilizar aspessoas para que estejam atentas aosriscos de efeitos danosos ao meioambiente e à sociedade decorrentesde inovações tecnológicas. As campa-nhas informativas têm a capacidadede envolver a sociedade nos proces-sos, promovendo o debate públicoqualificado, em todos os níveis. Nestesentido, o trabalho de divulgação –por publicações, pela internet, pelaimprensa e pelo “boca-a-boca”, entreoutros – exerce um papel de primor-dial importância na sociedade.

Além disso, é preciso que a TS façaparte da formação dos futuros cida-dãos, para que saibam compreendê-lae talvez se tornem mais receptivos aenfrentar as grandes dificuldadesencontradas quando se busca o pensa-mento e a ação sistêmicos e que con-templam as várias vozes sociais. Essaformação se dá em ações educativasdiretas, que podem ocorrer desde oensino fundamental até a universida-de. Podem ser parte direta do currícu-

lo escolar ou universitário, participarcomo atividades transversais que reú-nam várias disciplinas e tambémacontecer em atividades complemen-tares ou de extensão.

11. Tecnologia Social implica processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação

Uma parte importante do processopedagógico ocorre na forma de pro-cessos participativos de planejamen-to, acompanhamento e avaliação dospróprios projetos de TS. Há toda umadimensão de aprendizado que se ad-quire “pondo a mão na massa”, quepode e deve ser compartilhado portodos os envolvidos. A autonomia daspopulações se constrói neste proces-so, em que se consolidam sua atuaçãona esfera pública e o seu direito àautodeterminação. Caso seja necessá-ria preparação específica para garan-tir a qualidade da participação, deve-se prover imediatamente os cursos eoficinas de capacitação pertinentes.

Outra vantagem é que todos aque-les que participam das etapas de pla-nejamento, acompanhamento e ava-liação se responsabilizam pelo êxitodo projeto. A chance de que as pes-soas envolvidas se empenhem émaior, pois se percebem contempla-dos e implicados.

12. Tecnologia Social implica a construção cidadã do processo democráticoAutonomia é o contrário de desigual-dade. Atores sociais são autônomosquando estão em condições igualitá-rias de decidir sobre seus próprios

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destinos e de participar na construçãodo destino coletivo. A adoção de for-mas democráticas de tomada de deci-são, a partir de estratégias especial-mente dirigidas à mobilização e à par-ticipação popular, é um caminho quetraz grandes vantagens, mas não éfácil. Pois o processo democrático éconstruído a cada momento, por umaprendizado continuado.

A participação da sociedade civil naformulação de políticas públicas refe-rentes a C&T mostra-se, por issomesmo, essencial. A interação virtuo-sa das implicações apresentadasacima tende a fomentar o espíritodemocrático, que muitas vezes sedifunde “por contágio”. A experiênciado ITS é a de que, na medida em que aspessoas se envolvem, participam, sesentem respeitadas e respeitando unsaos outros e, finalmente, começam acolher os frutos do seu esforço, o espí-rito de cidadania se fortalece. Na ela-boração e implementação de projetosque nascem de necessidades edemandas sociais, planejados, geridose avaliados de maneira participativa edemocrática, ambientalmente sus-tentável e com diálogo entre diferen-tes atores da sociedade, encontramosreunidos os fatores necessários àconstrução de um desenvolvimentosocioeconômico sustentável, partici-pativo e democrático.

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LVALORES DA TECNOLOGIA SOCIAL01 Inclusão cidadã 02 Participação03 Relevância social04 Eficácia e eficiência05 Acessibilidade06 Sustentabilidade (econômica e ambiental)07 Organização e sistematização08 Dimensão pedagógica09 Promoção do bem-estar10 Inovação

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REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

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Projeto de Comunicação do Instituto deTecnologia Social apoiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia –Secretaria da Ciência e Tecnologia para aInclusão Social

Ministro da Ciência e TecnologiaDr. Sérgio Machado Rezende

Diretor do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e TecnologiaDr. Ildeu de Castro Moreira

Caderno Tecnologia Social - Conhecimento e Cidadania 1Coordenação Irma PassoniOrganização e textos Maurício AyerTextos Beatriz RangelAnálise e edição dos textos Jesus CarlosDelgado Garcia, Gerson José Guimarães,Marcelo Elias de Oliveira, Philip Hiroshi UenoProjeto gráfico Lia AssumpçãoIlustrações Ohi

Instituto de Tecnologia SocialConselho DeliberativoPresidenteUraci Cavalcante de Lima

Vice-PresidenteRoberto Vilela de Moura Silva

MembrosRogério Cezar de Cerqueira LeiteMoysés Aron PluciennikMaria Lúcia Barros ArrudaJoão Antônio ZuffoRoberto Dolci

Conselho FiscalJosé Maria de Sousa VenturaSandra Magalhães

Suplente do Conselho FiscalMarli Aparecida de Godoy LimaAlfredo de Souza

Gerente ExecutivaIrma Passoni

Equipe de Projetos

Coordenador de ProjetosJesus Carlos Delgado Garcia

EquipeBeatriz RangelFlávia Torregrosa HongGerson José GuimarãesMarcelo Elias de OliveiraPhilip Hiroshi UenoRoberto de Albuquerque

SecretariaMaria Aparecida de SouzaEdilene Luciana Oliveira

Rua Rego Freitas, 454, cj. 73 - RepúblicaCEP: 01220-010 - São Paulo - SPtel/fax: (11) 3151-6499e-mail: [email protected]