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I Congresso s o b r e a

Diocese do Porto

Tempos e Lugares de Memória H o m e n a g e m a

D. Domingos de Pinho Brandão

ACTAS V O L U M E I

PORTOIAROUCA, 2002

Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão Universidade Catolica - Centro Regional do Porto Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Departamento de Ciéncias e Técnicas do Património

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RELAÇÕES ENTRE AS DIOCESES DO PORTO E DE BRAGA, NA IDADE MÉDIA ALGUNS ASPECTOS

José Marques

1. Introdução

As minhas primeiras palavras sáo para felicitar os promotores e organizadores deste I Congresso sobre a história da Diocese dó Porto, em homenagem a D. Domingos Pinho Brandáo, que, se na Faculdade de Letras, soube prestigiar o clero desta diocese, no episcopado continuou a honrar a Faculdade, que serviu e onde permanece como uma referência cultural.

Feita esta breve evocação, convém recordar que os congressos são sempre um espaço privilegiado não só para apresentar os resultados das mais recentes descobertas e aquisições científicas, mas também para a divulgaç2o de novos temas de investigação, metodologias e proposta de trabalho, que, doutra forma, só muito lentamente poderiam atingir as dimensões pretendidas. O tema que nos pro- pomos desenvolver integra-se nesta última perspectiva, isto é, como proposta de trabalho sobre as Relações entre as dioceses do Porto e de Braga, na Idade Média, período que melhor conhecemos e a que, normalmente, mais nos dedicamos.

É certo que a diocese do Porto é daquelas cuja história, apesar do muito que ainda há a investigar, é melhor conhecida, sendo-nos grato observar que as Me- rnórias archeológico-históricas da cidade do Porro. (Fastos episcopais e políti- cos). Sec. VI Sec. X X 1 , obra básica, de consulta obrigatória, é da autoria de um prestigiado membro do clero bracarense, o Cónego e depois Monsenhor, José Augusto Ferreira, que, assim, prestou um relevante serviço à Igreja diocesana do Porto.

I FERREIRA Cóncgo I. Augusto - Me,nori<rs orcheologico-i~istoricnr </o cidnrle (10 Porro. (Fnsros Ep"ccop"k e políricosj. Sec. V/ - Sec. XX. tomo I, Braga, Cruz e Comp.' - Editores, 1927.

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Desde então, outros estudos surgiram, como O censiial da Mitra do Porto' As freguesias da Diocese do Porto3, Teologia, Filosofia e Direito na diocese do Porto nos séculos XZV e XV. Algii~zs s~ibsídios para o seu estudo', Le monachisme ibériqiie et Cluny. Les moiiastères du diocèse de Porto de l'na mille à ZOO5, A Congregação do Orarório a norte do Doiiro6, além de outros trabalhos de carácter mais particular, que é desnecessário enumerar neste momento.

Mesmo assim, ainda há muitos aspectos desconhecidos na história da diocese do Porto, bem como de todas as outras dioceses portuguesas, merecendo referên- cia especial o relacionamento interdiocesano, cujo estudo, tanto quanto sabemos, não tem merecido a atenção sistemática de qualquer investigador, não fugindo, por isso, à regra o relacionamento secular entre as de Braga e do Porto.

Quando optámos por este tema, depois de sabermos que teríamos de falar numa sessão plenária, que nos obrigou a abandonar, em parte, o tema anteriormen- te anunciado, tínhamos consciência de que, embora sugestivo, se revestia de várias dificuldades, pois, se houve momentos e aspectos de inequívoca colaboraçáo entre estas duas instituições eclesiásticas, não faltaram também outros mais delicados pelas divergências que as opuseram e que não podemos silenciar, certos de que a História, como os quadros dos melhores pintores, se enriquece nos contrastes entre a luz e as sombras, com a diferenca de que, na fase da execução dos quadros, os seus autores podem livremente acentuar mais a luz ou os sombreados, conforme o gosto ou os efeitos que pretendem obter, mas quanto à História, além de nem sempre ser fácil captar os aspectos contrastantes na sua verdadeira dimensão e aferir a intensidade de cada um deles, não é legítimo deformar, por excesso ou omissão, qualquer das suas vertentes.

Acerca das relações concretas entre estas duas dioceses, com limites comuns numa extensão considerável, estão por definir em que sectores e níveis podemos

SANTOS, Cfindido Augusto Dias dos - O cetrstrol 810 Miiro do PorM, Si<bsidios pnm o esi8rrlo do dioerre nas i,L'spernr do Co>icílío rle Tretiro, Porto, Cfimura Municipal, 1973.

' MOREIRA, Pe. Domingos A. - Fregi<esins do Diocese c10 Porro. Ele~iieitror o~toiiiásricos olii- -?izediei,ais. I Parte Introdu$ão Histórica Geral. Porio. Cjmara Municipal. 1973.

' BRANDÁO, Domingos de Pinho - Teologi<i, Filorojin e Direiro na diocese (10 Porro tios séatlos XIV e XV AIgirits rirbridios para o seu esrudo, separata de "Studiurn generale", Parto. Centro de Estudos Humankticos, 1960, com paginufzo ;iuiónonin.

* MATTOSO. José - Lc r,io>rricl,ist,ie ibiriqrir r.1 Cll,>zy. Lei i~ionasrères <Ir< diocèse de Porto </e 1'u)t >,iille 6 2000, Louvain. 1968.

*SANTOS, Euginio dos - A CoiigrcgogNo do Or<irório o >torre (10 Doriro. Porto, INIC-CI-IUP, 1980.

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I CONGRESSO SOBRE A DIGCESE DO PORTO

e devemos t en ta surpreender as relações outrora existentes entre elas. Na falta de padrões já testados, que pudessem orientar a nossa exposição, a título de exem- plos, seleccionámos alguns momentos e aspectos, em que, a modos de primeira tentativa de estudo exploratório, podemos descobrir formas de relacionamento mais ou menos intenso, por vezes, mesmo de sentido contrário e de forte oposição, durante o período medieval. Trata-se de uma primeira abordagem deste tema, eventualmente polémica, mas que, se conseguir suscitar o interesse, o debate e o estímulo ao aprofundamento da investigação, terá cumprido a sua função.

Como fio condutor da exposição que pretendemos fazer, pareceu-nos de al- gum interesse fixar os seguintes pontos de referência:

- Origem da diocese do Porto, no quadro da metrópole eclesiástica suévica de Braga;

- A restauração e a questão dos limites; - Braga, meta almejada; - Circulação de capitulares; - Intercâmbio legislativo; - Ordenações em Braga, no século XV; - Participação em questões de interesse comum; - A obediência ao metropolita.

Delineado o plano geral da nossa intervenção, passemos à exposição de cada um destes aspectos, embora de forma, necessariamente, sucinta.

2. Origem da diocese do Porto, no quadro da metrópole eclesiástica suévica de Braga

A origem da diocese do Porto, bem como o de outras da metrópole bracarense, está ligada à profunda alteração sócio-religiosa operada no reino dos suevos, após a conversão do rei Carriarico, que, devidamente acompanhada pela acção apostó- lica desenvolvida pelo futuro abade-bispo Martinho de Dume e outros prelados, como Lucrécio de Braga, teve um grande impacto junto do seu povo, e contribuiu para aglutinar determinadas comunidades em torno de alguns centros urbanos elevados a sedes de dioceses, ainda antes do I concíiio de Braga, de 561. Estão neste caso as dioceses de Viseu e Coimbra, não sendo possível afirmar se a instituicão destas dioceses aconteceu ames ou depois de 556, ano da criação do bispado de Dume.

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Mansilla chega a esta conclusão, a partir da análise das subscrições das actas dos dois concílios provinciais bracarenses, de 561 e 572, conduzindo o seu racio- cínio com base no pressuposto de que a ordem das assinaturas dos prelados corresponde às respectivas precedências, definidas em função da antiguidade das suas dioceses. Felizmente, as actas do I1 concílio de Braga identificam as dioceses dos signatários. Através do cotejo dos nomes dos bispos presentes nestes dois concílios foi possível saber a que dioceses presidiam seis dos sete prelados que assistiram ao primeiro destes concílios provinciais. Na sequência desta metodologia, por exclusão de partes e semelhança com os casos de Viseu, Coimbra, Iria, Astorga e Lugo, que analisámos noutro estudo, seríamos levados a pensar que a diocese do bispo Coto, ainda por identificar, poderia muito bem ser a de Meinedo (Magnetum), pouco depois, transferida para Portucale castrizm novum.

A confirmar-se esta hipótese, a origem da diocese do Porto seria anterior a 561, mas na falta de tal confirmação, temos de nos limitar a afirmar que a sua c r ia~ão teve lugar entre o I concílio de Braga (561) e a divisão ou reorganização administrativa aprovada pelo rei Teodomiro (569), na qual já figura a diocese do Porto constituída por vinte e cinco paróquias. Três anos mais tarde, o seu bispo, Viator, assistiu ao I1 concílio provincial bracarense, de 572, cujas actas subscre- veu, ainda como bispo de Meinedo: "Viator Magnetensis ecclesie episcopiis his gestis ss ('subscribsi')"'. Face a estes dados, não podemos deixar de observar uma certa contradição entre o facto de em 569 se falar abertamente da diocese do Porto (castrrim novum) e das suas vinte e cinco paróquias e, em 572, o bispo Viator se designar ainda bispo de Meinedo. Seria que, apesar de o Porto já estar designado como nova sede desta diocese, ainda não se tinha operado a transferência? Parece mais plausível esta hipótese do que admitir que o prelado, já instalado no Porto, preferisse conservar a designação anterior. Em qualquer dos casos, no 111 concílio de Toledo, de 589, que condenou a heresia ariana, Arvito subscreveu as respec- tivas actas como bispo da cidade do Porto8.

O texto do Parochiale suevicrim ou Divisio Theodomiri, a que acabámos de nos referir, reabilitado pelo estudo crítico que Pierre David lhe consagroug, não

' Coiiciiios visigóricos y hispniio-ronzniior, edição preparada por José Vives com a colaboração de Tomás Marin Maiiincz, Barcelona-Madrid, 1963, p. 85.

Concílios visigóricos ..., p. 122. ' L'orgaiiisorioii ecclésiasriqi<e <li< royarotie siiève nir remps </e Sainr Marrins </e Brnga, in tiides

hisioriqlres a<? 10 Galice er le Porrirgol dt< Vl' nu X(l' siecles, Paris-Lisboa, 1947. pp. 1-82.

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

obstante algumas corruptelas, eventualmente, verificáveis em alguma lista toponí- mica e as conhecidas reservas quanto à carta introdutória atribuída a Teodomiro e a sua relaçáo com um hipotético concílio de Lugo, que alguns autores põem em dúvidalO, é considerado como uma fonte credível para se conhecer a divisáo ecle- siástica do reino suévico, não só das suas treze dioceses, mas também das paró- quias que integravam cada uma delas.

Dado que as listas destas dioceses e respectivas paróquias estão publicadas em obras de fácil acesso", parece-nos suficiente apresentar um quadro relativo às de Braga e do Porto, ambas constituídas por paróquias de vici ou villae, isto é, por núcleos populacionais mais desenvolvidos, com consideráveis territórios envol- ventes, e por simples pagi ou amplas áreas bastante despovoadas, onde se disper- savam reduzidos núcleos demográficos, tratando-se, nos dois casos, de paróquias marcadas por uma profunda ruralidade:

A leitura do presente quadro revela que, em 569, estas duas dioceses possuíam 55 paróquias, que representavam 67,9% das 81, distribuídas pelas sctc dioceses, então, existentes na área correspondente ao actual temtório português, com excep- ção do Entre Minho e Lima, que penencia à diocese de Tui, em cuja jurisdição se conservou até à cisão operada em 1381, como é sobejamente conhecido. Além disso, não é ousado concluir que este elevado número de paróquias, em relação às restantes 26, que integravam as cinco dioceses em que estava dividida a maior parte do

DIOCESES

Braga Porto

TOTAIS

' O Tal é o caso de MANSILLA, Demetrio - O. c., I. p. 214. " Veja-se. por exemplo. MANSILLA - O. c., I, pp. 215-217. e DAVID. Pierre - Eliiltdes Iiisto-

riyoes .... pp. 31-44. '? Os elementos relativos às carucrcristicas sociológicas destes dois tipos de paróquias da diocesc

de Braga foram recolhidos em DAVID, P i e m - O. c., pp. 31-33. " Os elementos relativos às paróquias do Pona encontram-se em DAVID, Pieme - O. c, pp. 34-35.

PAR~QUIAS de vici

18

18

36

de pagi

12

7

19

Total

30"

25 "

53

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lOS8 MARQUES

território, que hoje é Portugal, se por um lado corresponde a uma maior densidade populacional, indicia também uma maior adesão ao Cristianismo, sem dúvida, ma- ciça e pouco esclarecida, a que não será estranha a acçZo do apóstolo dos suevos, S . Martinho de Dume, e dos prelados coevos. Estavam, assim, preparadas as estru- turas para a acção pastoral que viria a ser estimulada pelo I1 concílio bracarense.

Atendendo ao generalizado desconhecimento dos prelados destas duas dioce- ses, nos períodos suevo e visigótico, até a invasão árabe, decidimos apresentá-los, num quadro sinóptico, elaborado a partir das subscrições das actas dos concílios de Braga e Toledo, que a seguir se apresenta.

É certo que a nossa atenção se tem fixado, essencialmente, nas dioceses de Braga e do Porto, cujo relacionamento pretendemos estudar, mas não esquecemos a existêu- cia da pequena diocese de Dume, nos subúrbios de Braga, e que o seu primeiro bispo, S. Martinho, a possuiu durante toda a sua vida, inclusive, em acumulação com a de Braga, após a sua elevação a dignidade de metropolita. Atendendo a que também outros arcebispos a possuíram em idênticas condições, acrescentamos uma coluna com o nome dos seus bispos, revelados pela mesma fonte que estamos a utilizar:

" Coitcíiior visigóricos. pp. 31-32. MANSILLA, O. c., - p. " COSTA, Pe. Avelina dc Jesus do - O bispo D. Pedro ..., 2." ed., p. 26. 'Vortcilios siri~óricur, p. 25. MANSILLA - O. c., I. p. 150. "Em 1-3-538, a papa Virçflio envia a Prafuturo, de Braça, a rcspostii sobre questMs liiiirçicas e sobre

aspectos do Prircilinnismo e da Arianismo (COSTA, Pc. A.J. da - O Dispo O. Peho .... 2." ed. p. 15. IS Estas duas daias assinalam a durilfão do episcopado de S. Martinho de Dume. desde a a criafia

do bispado e n sua clevaçia ao episcopado, em 556, acumulando-o. depois, com o arcebispada de Braga, até à sua morte. em 579.

'I Conciiios virigólicos. p. 77.

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L CONORESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

3. A restauração e a questão dos limites

Com a invasão árabe de 71 1 iniciou-se um longo processo de desorganização da sociedade hispânica, nos planos político, civil, eclesiástico e económico, onde não faltaram as perseguições, os mártires, as fugas e o despovoamento, de que só com o avanço tardio da reconquista se começou a recompor.

?O Este bispo de Dume, Ricimiro, dcvc ter falecido pouco tempo depois. parque, em 656, S. Fru- tuosa, que assistia ao X concilio de Toledo, como bispo de Dume. foi elevado a metropolita de Braga, após a deposição de Patamio. Nesse concilio, foram tomadas certas disposições relativas a execuçso do testamento do falecida prelado dc Dume, Ricitniro, que. neste VI11 concilio de Toiedo, se fcz representar pelo abade Osdulgo. (Co~ic. ui3igólicor. p. 322).

" Foi deposta ncste X concilio de Toiedo por ter tido relações com uma mulher. Foi substituido por S. Frutuaso, que já rubscrcvcu as actas conciliares (Cotic. visigóticos. pp. 320-321 c 319).

" Representado pelo abade Recesinda (Concílios visi~dticos, p. 448). " As referEncias aos bispos do Parto mencionados nesta coluna cnconrram-se nos Co>icíiios

visisdticos. a pp. 85, 136. 224, 247, 319, 378. 401, 407. 432. 472. Os nomes Proarico e Froarico dcsign~m, sem dúvida. o mesmo prelado Froarico. ALMEIDA, F. de - O. c. 1. 67-68.

" As informações desta coluna. referentes aos bispos de Braga. com excepfão das que dizem respeito a Paulo (?), Balcónio e Profuturo, cujas fontes. oponunnmelite. assinalámos. encontram-se na obra Co,,- cílios visigúticos, a pp. 31 e 32. 77, 85, 136, 222. 246. 287, 319, 378, 401, 432. 448, 471. 518. O bispo Félix. de Bragu, assina também como bispo de Dume. ALMEIDA, F. de - O. c., I, pp. 62-63.

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O decisivo ambiente de segurança que passou a sentir-se, após a reconquista de Coimbra, em 1064, e a crescente vitalidade religiosa, comprovada pelo número de paróquias e mosteiros do século X e, sobretudo, da centúria seguinte, quebra- ram as resistências a restauração das antigas dioceses, incluindo a dos bispos de Lugo, em relaçâo à restauração da diocese de Braga, que veio a concretizar-se, em 1071, iniciando-se, então, um movimento, que só terminou com a reconquista do Algarve, em 1249-1250.

A diocese do Pono, que agora nos ocupa, foi restaurada em 1112, tendo como primeiro bispo, o arcediago da Sé de Compostela, Hugo, que se revelou acérrimo opositor do arcebispo de Braga, Maurício Burdino. A importante acção desenvolvida pelo bispo D. Hugo na estruturaqão diocesana foi estudada por Cândido Augusto Dias dos Santos, que, além de definir os limites diocesanos e a divisão administrativa das paróquias por arcediagados, revelou o seu esforço no sentido de recuperar os bens que lhe tinham sido espoliados, de ampliar os limites a norte e a sul e de criar um bom relacionamento com as instituições monásticas, e t ~ . ~ ~

Apesar dos méritos que lhe são reconhecidos, interessa, agora, analisar o diferendo que sustentou com a arquidiocese de Braga, em ordem à definição do limite comum às duas dioceses, desde a foz do rio Corgo - ponto até onde o rio Douro, recortava, pacificamente, a fronteira sul da arquidiocese de Braga -, até se chegar ao rio Ave, que servia de divisória indiscutível, de Burgães até ao mar.

Conforme escrevemos sobre este assunto, em estudo recente, "o fulcro da questão residia em determinar o sentido da expressão terminos antiqrros, isto é, em identificar com rigor por onde passavam os limites comuns a estas duas dioceses vizinhas, na fase anterior a invasão árabe, assunto que se revestia de indiscutível dificuldade, merce das propostas interpretativas em confronto.

O bispo do Porto, D. Hugo, que pretendia impor a sua interpretação e foi expressamente a Roma tratar desta questão, propunha que o referido limite, par- tindo da foz do Ave, seguia até ao rio Vizela, e, depois, pelo Arco de Pombeiro, até ao monte "Temone", donde se orientava para os montes "Farinha" e Marão, descendo, de imediato, pelos rios Banduge e Corgo até ao Douro, limites confir- mados, em I8 de Fevereiro de 11 17, pelo legado pontifício.

" SANTOS. Cândido Augusto Dias dos - O ce>zsuol do Mirro do Pono. Si<lisidios para o esrirdo <Ia diocese rios vésperas do Co,icílio de Tre,iro, Porto, Csmara Municipal. 1973.

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

Os arcebispos de Braga defendiam uma linha divisória diferente, cujo traça- do se orientava em sentido contrário ao da proposta de D. Hugo, apoiando a defesa desta proposta na bula Sicrrr irzjusta, dirigida por Pascoal I1 a D. Maurício, em 41 11211 114, pela qual confirmava os limites do arcebispado estabelecidos no chama- do concílio de Lugo, de 569z6. Em relação a esta bula, impõe-se observar que, não obstante o Liber Fidei e o Rerurii e Memorabiliirni considerarem-na autêntica, sendo mesmo referida por outros Papas2', Karl Erdmann tem-na como falsa; apesar disso, o seu conteúdo harmoniza-se perfeitamente com a prática seguida pelos arcebispos e pela chancelaria arquiepiscopal de Braga na nomeação dos párocos para esta zona, conforme revelam os numerosos registos das Co~ifini~ações de D. Fernando da Guerra, no século XV, por certo, na sequência de uma tradição mul- tissecular, que a documentação portuense não consegue contraditar, o que, de algum modo, parece neutralizar a refrida posição de Karl Erdmann.

De acordo com a proposta bracarense, a linha divisória com a Diocese do Porto subia do Corgo até além da Ermida, pela margem direita do Banduge, passava a sul de Santa Eulália da Cumieira e de Santa Maria de Louredo, da terra de Panóias, rumo ao castro de Vila Chá, no Marão, contornava S. Martinho do Carneiro, dirigindo-se para a ponte de Amarante, por entre Bustelo, Gondar e Lufrei, da Arquidiocese de Braga, e Jazente, Lomba e Cepelos, do bispado do Porto. O Tâmega servia de limite até Santo Isidro, que pertencia a Braga. Depois atravessava as terras de Sousa, Ferreira e Negrelos, seguindo uma linha que pas- sava pelas paróquias de Braga: Santo Isidro, Santa Cristina de Toutosa, Vila Caiz, Banho, Real, S. Paio de Oliveira, Caíde de Rei, S. Salvador de Aveleda, S. Sal- vador de Lousada, Santa Cristina de Nogueira, S. Miguel de Silvares, Sousela, S. Tiago de Carvalhosa, S. João de Eiriz, S. Fins de Ferreira, S. Tomé de Negrelos e Burgáes, seguindo pelo Ave até ao mar, segundo pudemos apurar, para o século XV, pelas Confirniaçóes de D. Ferriarido da Guerra.

!"ERREIRA. Mons. Jose Augusto - Fo'<irios rpiucopncs do Igreja Pri~ilacinl de Bragn (Sec. 111 - Sec. XX, vol. 1, Braga. EdigZo da Mitra Brdciirenre, 1928, pp. 240-241.

" ERDMANN, Kurl - Popsri<rkir>~rlert i,, Porrr<~ol, Berlim, 1927: - per iln!rl <iqlin>ri de Slolrir?~ asqrte ir, Dorisrn er irsqitein foiice <Ir Corrogo er iiicle ad i?io>zrei>t Mar<roil e1 ilzd ad casrriirr? qrrod diliciri~ Villa Platia et ir& ad ill,ri,? potireor de Tn>,>ice et iirdc prr illni~t nqrrrim rrsqiie odfl~~vii<i?i de UrNb,is er i>,</< nd Ltorihoor er inde nd porrsiri Ps>g<r>ti per illnin nqi<n>,? de Avia iri cosrrio,,". Apesar da pos i~ão tornada por Carl Erdmon, outros autores, a Liber Ficlei, n." 554, e o Rrnlor Mer~tombilirrt~~. 1. fl. 11, consideram-nn autèntica e 6 referida por outros Papas.

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Por sua vez, Cândido dos Santos tinha apurado as freguesias do Porto que, no séc. XVI, confinavam com estas, sendo, por isso, fácil traçar o limite destas duas dioceses por entre os alinhamentos das respectivas paróquias de fronteira inventariadas e aqui mencionadas.

Vale, por isso, a pena referir e visualizar o limite proposto, em 11 15, por D. H~igo, transcrito na bula Egregias quoiidai~i, de Pascoal 11: "... a farrce aviae purninis usque in avicellamfli~viiiin er per avicellam ad arciis paliirnbaris. Iiide ad aiitani de tenioiie. iiide ad inoiirem farine. inde ad >riontem niaraiitis. inde ad caripeanani fluviui~i el per ipsuni fluviunr sic~nt defluit iii bandingiintii, er per band~fgiirin siciit decilrrit iii cori-egam et per corregant in dorium fluineii ... (Ver mapa).

Embora, depois do que acima expusemos quanto aos limites documentados e respeitados, nos séculos XV e XVI, entre as dioceses do Porto e de Braga, tenhamos de considerar a proposta apresentada pelo bispo do Porto como inacei- tivel, cumpre-nos esclarecer que as interpretações dadas i3 passagem citada diver- gem profundamente entre si. Com efeito, enquanto O Pe. Avelino de Jesus da Costa afirma que do monte Marão a linha divisória iria "até perto das vilas de Celorico de Basto e de Fafe", incluindo nos limites da diocese do Porto os mos- teiros de Arnóia e de Antime, dirigindo-se para o Arco de Pombeiro, donde seguia pelo Vizela e Ave até ao mar'9, 0 Pe. Domingos A. Moreira amplia muito mais o território pretendido pelo bispo D. Hugo. Na verdade, de acordo com a identifi- cação de alguns topónimos registados no extracto documental acima transcrito, feita pelo mesmo Pe. Domingos de Azevedo Moreira, o monte "Temone" ficava junto de Vila Mea, próximo de Pombeiro, Felgueiras; o monte "egiias" parece ser em Rio Douro, Cabeceiras de Basto; e o monte Farinha no monte da Senhora da Graça, em Mondim de Basto30. A ligação destes topónimos, feita, sem preocupa- ção de acompanharmos os contornos reais do traçado deste pretenso limite entre as dioceses de Braga e do Porto, a partir do chamado Arco de Pombeiro, local até onde o limite entre estas dioceses era marcado pelo rio Ave, conjugada com a divisão defendida e respeitada pelos prelados bracarenses, permite definir uma

Cerisri<rl do Cabido do Sé </o Porra, Porto, Biblioteca Pública Municipal. 1924, p. 2. '" COSTA, Pe. Avclino de Jesus da - O Bispo D. Pedia e o ors<i>8iufoo do Arqiri,liocexc de

Br<rsn, 2.' cdifjo. Irmandade de S. Bento <I& Parta Abeira, 1997, p. 36. 'WOREIRA. Pe. Dominços A. - Frrsocsior do Oiocrse do Porio. Eleirieiiros o,~oi>!ó.sricor olii-

-,i~ediev<iis. I Parte. Introdu+ía Histórica Geral, Porio. Municipal, 1973, p. 37.

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

vasta área, onde se incluíam o actual concelho de Amarante e parte de outros municípios limítrofes, cuja visão canográfica nos ajuda a compreendermos o motivo por que os Arcebispos de Braga não podiam admitir e, de facto, nunca aceitaram ceder à Diocese do Porto tão extensa região, mas continuaram a administrá-la, como a documentação registada nos livros de Co~ifirmaçóes, existentes no Arqui- vo Distrital de Braga e o Ce~tsaal da Mitra do Porto, publicado há mais de vinte e cinco anos, indiscutivelmente demonstram"".

Referimo-nos, com algum pormenor, à questão dos limites entre esta duas dioceses, porque, efectivamente, eles constituíram, originariamente, um grave pomo de discórdia entre o bispo D. Hugo, do Porto, e D. Maurício Burdino, de Braga. Mas esta questão não pode ser apreciada apenas na simples linearidade com que acima foi tratada, tomando-se necessário integrá-la no contexto bem mais comple- xo das tensões em que Maurício Burdino se viu envolvido para defender os seus direitos metropolíticos contra as pretensões de Bernardo de Toledo e as ambições de Diogo Gelmires, que alimentou a esperança de conseguir a transf~rência da dignidade metropolítica de Braga para Compostela. A gravidade destas dificul- dades vindas do exterior aumentou com a frontal oposição colectiva que os sufra- gâneos tomaram, em sínodos, contra o arcebispo de Braga, bastando salientar o alinhamento do bispo de Coimbra ao lado do arcebispo de Toledo, D. Bernardo, legado pontifício e primaz, e D. Hugo ao lado de Diogo Gelmires, não se devendo esquecer que ele era cónego de Compostela, quando foi escolhido para bispo do Porto.

Apesar de a questão dos limites com Braga ter sido, levantada, em 1197, por D. Martinho Rodrigues"', e, em 1253, por D. Julião Fernande~'~, nnâo teve os efei- tos que eles esperavam.

A questão dos limites revestia-se de grande importância para estas duas dioceses confinantes, não só pela extensão territoriai em discussão e consequentes interesses económicos, bastando pensar, entre outros, nas dízimas e nos votos de

" A questáo dos limites foi demamdumente apresentada na exposifão oral feita neste Congresso. Atcndenda, porém. a que tratamos esle mesmo ponto na comunica$áo A orgn>,ira~ão celrsiúsrieo i~icdievol itn regicio <lu T<i»ie~n, enviada para as ncr<rs do Congresso de Amarante. e considerando que n5o dispomos de nova documcntafáo que altere o que cntáa escrevemos. integramos lambém aqui parte desse tento, apenas com ligeiras alternfõees de forma, bem como o respectiva mapa.

'? FERREIRA, Cónego 1. Augusta - Meororins nrcheologico-liisruricns <Ia cidade do Porto ..., val. I . pp. 203-204.

"FERREIRA, Cóciego I. Augusto - O. c.. val. I, pp. 243-249.

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Santiago, mas também pelos diversos aspectos jurisdicionais relativos a toda esta vasta zona.

A esta luz, compreender-se-á melhor que a questão dos limites assumia outros contornos, que passavam muito além dos estritamente geográficos ... Paralelamente iam surgindo outras dificuldades, sendo uma das mais características a relativa à igreja de Santa Cruz de Riba Douro, que pertencia aos arcebispos de Braga in totum et in solidi<ni, por confirmação de Eugénio I11 a D. João Peculiar, feita pela bula Oficii nostri, de 8 de Setembro de 1149. Apesar disso, os bispos do Porto intervieram nessa igreja e exerceram actos de jurisdição nula. Por fim, o arcebispo de Braga, D. Martinho Pires de Oliveira, acabou por encontrar uma solução para esta contenda, permutando com o bispo de Lisboa, D. João Martins de Soalhães, em 30 de Novembro de 1307, a discutida igreja de Santa Cruz do Douro, pelo padroado de S. Tiago de Neiva (sita na sua diocese). Esta permuta, além dos dois prelado directamente intervenientes, interessava também ao bispo do Porto, D. Geraldo Domingues, que tendo instituído a colegiada de Soalhães a pedido do bispo de Lisboa, via agora a mesma valorizada com os direitos da igreja de Sania Cruz do Douro3".

Como acima ficou exposto, apesar das reclamações dos prelados ponuenses, os arcebispos de Brnga continuaram a proceder à nomeação e confirmação dos párocos para as paróquias desta região, podendo considerar-se questão relativa- mente pacífica, desde a Idade Média, só vindo a ser retomada e definitivamente decidida, em 30 de Setembro de 1881, pelo Cardeal D. Américo - mais em função de critérios políticos do que à luz de critérios históricos -, e, a contra-gosto, sancionada pela bula Gravissimum Cliristi Ecclesiarn regei~di er gabernaridi rnwiirs, que amputou à Diocese de Braza parte dos territórios pretendidos pela Diocese do Porto, no período medieval.

4. Braga, meta almejada

O subtítulo "Braga, niera almejada" surgiu na sequência da verificação de que diversos prelados portuenses acabaram a sua carreira ao serviço da Igreja, subindo ao sólio episcopal de Braga. Não pretendemos apresentar a caminhada para a cadeira metropolítica como uma fatalidade, mas não é de excluir que a

" FERREIRA, Mons. 1. Augusto - Fasros episcopoes .... 11, pp. 103-104.

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possibilidade de a atingir fosse totalmente estranha aos projectos individuais de muitos bispos portugueses, uma vez que, até finais do século XIV, Braga era a sede da única metrópole eclesiástica existente em Portugal, encontrando-se as dioceses portuguesas que não lhe pertenciam, incluindo a de Lisboa, integradas na metrópole de Santiago de Compostela, situação que, na perspectiva política, desa- gradava vivamente a D. Joao I. Não admira, por isso, que o fundador da dinastia de Avis, que prosseguia a luta pela consolidação da independência de Portugal, tudo fizesse para pôr termo, a esta situação, mediante a elevação da diocese de Lisboa a arcebispado e cabeça de uma nova província eclesiástica, integrada pelos territórios portugueses, até então dependentes de Santiago de Compostela.

Pretendemos, por isso, ver, apenas, na elevação dos bispos do Porto a arce- bispos de Braga mais um elo da cadeia de relações entre estas duas dioceses limítrofes, na fase subsequente à restauração destas antigas dioceses. É certo que o tempo de permanência destes prelados na diocese do Porto estava condicionado pela ocorrencia da vacatura de Braga, mas o tempo relativamente breve que alguns estiveram no Porto faz pensar no aproveitamento de um tempo estratégico para a promoção ao arcebispado primaz.

O primeiro caso de transferência, nestas condições é o de D. João Peculiar, que governou a diocese do Porto durante pouco mais de um ano, desde o princípio de 1137 até antes de Outubro de 1 13S3', tendo-se conservado à frente dos destinos da diocese de Braga, durante trinta e sete anos, até 1175, período, durante o qual, além da actividade pastoral, exerceu intensa actividade diplomática, em defesa dos privilégios da metrópole de Braga, contra as pretensões de Toledo, e para demons- trar aos sucessivos pontífices os méritos e a fidelidade de D. Afonso Henriques ao serviço da Igreja, que o tomavam credor do título de rei, que, finalmente, lhe viria a ser outorgado por Alexandre 111, pela bula Manifcstis probntnm, de 23 de Maio de 1179. É certo que este prelado não teve o privilégio e a felicidade de assistir a este reconhecimento por que tanto havia lutado, pois h leceu quatro anos antes, mas não há dúvida de que a sua acção foi decisiva neste sentido.

Neste momento importa apenas registar a sua transferência para Braga, re- servando para outro ponto deste estudo as intervenções que, da sua nova sede,

" FERREIRA, Cónego I. Augusto - Movorios orclteologico-liirrorici~s <I0 ci<lo<le r10 Porro (Forros Episcopnes e polí[icos). Sec. VI - Sec. XX, tomo I. Braga. Cruz e Comp." - Ediiorcs. 1923, p. 373-174. Ver também do mesmo autor, mas agora com a dignidade de Manscnhor - Frirros episcop<ie.s <Ia lsrejri Priiilnciol de B r n p (sec. 111 - Sec. XX), tomo 1, Briigu. Edi~ão da Mitru Brucnrense. 1928, p. 286.

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agora como metropolita, teve na diocese do Porto, o mesmo se podendo vir a fazer em relação a outros casos.

Durante o seu governo pastoral, a arquidiocese de Braga assistiu a dois acon- tecimento de grande importância histórica, não só pelo que representavam em si mesmos, mas também pela ressonância ou influência que tiveram noutras dioceses e até no âmbito da vida monástica. Referimo-nos 2 oposição L exigências que o I1 concílio de Latrão, de 1139, fazia aos cabidos e outras corporaçóes regulares no sentido de se reformarem, impondo aos seus membros a obrigação de fazerem votos de pobreza, obediência e castidade, segundo o modelo da Congregação de S. Rufo de Avinhão.

O regime de vida comunitária que o prelado e o Cabido observavam, de certo modo, configurava a vida monástica, que a emissão dos vntos, a realizar-se, acaba- ria por consagrar. Na prática, porém, o Arcebispo e o Cabido não permitiram que a confusão entre os conceitos de clero secular e regular se instalasse, procedendo, por isso, em 1145 à primeira divisão do património, das rendas e das igrejas, na proporção de dois terços para o prelado e um terço para o Cabido, que, por sua vez, subdividiu o seu terço em tantas prebendas quantos os capitulares, iniciando- -se, assim, a desarticulação da vida comunitária. Apesar disso, em 1165, ainda lhe outorgou novos estariiros, donde constam aspectos essenciais a este estilo de vida, como o refeitório, o dormitório e o claustro, mas, em 1173, o que então ainda restava de vida comunitária extinguiu-se. Em 1188, D. Silvestre Godinho efectuou alguns reajustamentos na panilha dos bens, o mesmo fazendo D. Estevão Soares da Silva, em 1214, e, bastante mais tarde, D. Martinho Pires da Charneca, em 1416.

Estas posições, aparentemente radicais, de que a diocese de Braga deu exem- plo, repercutiram-se também noutras dioceses e até no seio dos próprios mosteiros, aí, sim, atentando contra o que era especifico do estado religioso, como passamos a expor.

Quando, em 30 de Novembro de 1175, D. João Peculiar morreu, em Braga, com cem anos de idades6, era bispo do Porto, D. Pedro Martins, seu sobrinho, por ele sagrado no ano anterior. Para suceder a este prestigiado prelado, no contexto da contenda que se arrastava entre Braga e Compostela, foi escolhido o bispo de Viseu, D. Godinho, que viria a falecer em 1188. Assiste-se, então à transferência

'' FERREIRA, José Augusro - Mertzoriar nrcheolqico-Itisloricns .... I . I , pP. 174-175

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de mais um prelado do Porto para arcebispo de Braga, na pessoa de D. Martinho Pires. Na sua escolha terá pesado, sem dúvida, a intervenção do próprio Cabido Metropolitano, de que D. Martinho era deão, quando foi eleito bispo do Porto3', sendo evidente que na remodelação do Cabido portuense, a cuja vida comunitária pôs termo, a fim de clarificar os conceitos de clero regular e diocesano - que alguns parecia quererem impor -, e ao proceder a divisão das rendas e benefícios do bispado teve, sem dú-vida, presente o que se tinha realizado em Braga, respei- tando, inclusive, a proporcionalidade de dois terços para o prelado e um terço para o cabido".

Após estes casos, sabemos que D. Lourenço Vicente, apesar de eleito bispo do Porto, em 1373, não chegou a ser sagrado, porque logo foi designado para Braga, recebendo a ordenação episcopal das mãos de Gregório XI, em 14 de Ja- neiro de 1374".

No século XV, três dos cinco prelados bracarenses - D. Femando da Guerra, D. Luis Pires e D. Diogo de Sousa -, estiveram no Porto antes de chegarem a Braga.

Não queremos deter-nos em excessivos pormenores, aliás conhecidos, mas convém observar que a passagem de D. Femando da Guerra para o arcebispado de Braga verificou-se num período conturbado da vida da Igreja, abalada pelo Cisma do Ocidente, durante o qual e, especialmente, na fase da tr$lice obediêil- cia, não era fácil saber a qual dos três pontífices se devia solicitar a provisão dos bispados vagos. Mas ao nosso rei D. João I também não interessava que a situação se resolvesse rapidamente, porque, entretanto, socorrendo-se do atributo ou prer- rogativa régia de defensor da Igreja, ia colocando à frente das dioceses vagas pessoas da sua inteira confiança. Assim aconteceu, em relação à do Porto, vaga por morte de D. João Afonso Aranha, sendo nela oficialmente provido, em 18 de Junho de 1414, D. Fernando da Guerra, que desde 2 de Julho de 1409, era bispo eleito de Silves, mas residente em Itália, onde prosseguia estudos universitários, sem que, entretanto, tivesse recebido a sagração ou ordenação episcopal, utilizan- do-se, contudo, na bula de nomeação para o Porto a figura jurídica da "transferên- cia>.?"

'' FERREIRA. J. A. - O. c., pp. 185-186. FERREIRA, I. A. - O. C., pp. 187-188.

'' FERREIRA, 1. A. - O. C., pp. 387-388. 'O MARQUES, José - A Arqrridiocese </e B r q a no sçcrrlo XV, Lisboa, IN-CM, 1988, pp. 52-55.

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Dentro deste mesmo espírito, tendo vagado, em 1416, a Sé de Braga por morte de D. Martinho Afonso Pires da Charneca, D. João I insinuou, isto é, ordenou ao Cabido de Braga que, atendendo à conjuntura vigente na Cristandade, postulasse D. Fernando da Guerra, bispo do Porto, seu sobrinho, como governador do arcebispado de Braga, o que efectivamente aconteceu, em 4 de Julho de 1416, tendo-lhe sido cometido e transmitido "todo regime~ito, aministaçom e direito qiie a elle sobredito cabido0 aa se vagante perteeçam4'. Depois, bastava conseguir a bula que sancionava esta situação jurídica. Em relação à transferência definitiva de D. Fernando da Guerra para Braga, a situação foi tão bem preparada, que, cerca de um mês após o encerramento do concílio de Constança, que, em 15 de Novem- bro de 1417, elegeu Martinho V como pastor universal da Igreja, em 15 de De- zembro seguinte, era expedida a bula provendo-o canonicamente como arcebispo de Braga, e desligando-o, ao mesmo tempo, da diocese do Portob2.

No meio de todas estas circunstâncias, conferindo bem as datas, verifica-se que o tempo de presença efectiva de D. Fernando da Guerra na diocese do Porto não chegou a dois anos.

Os casos de D. Luis Pires e de D. Diogo de Sousa processaram-se em circunstâncias muito diferentes, pois o primeiro não passou directamente do Porto para Braga, tendo sido transferido para Évora e daqui, finalmente para Braga4?, enquanto D. Diogo de Sousa transitou directamente do Porto para o arcebispado de Braga, mediante a renúncia que o Cardeal D. Jorge da Costa dele fez a seu favor, quando foi a Roma como embaixador de D. Manuel I, em 1505, sendo logo confirmado pela bula Quam sit onirsfa, de 11 de Julho desse mesmo ano".

5. Circulação de capitulares

Um outro ponto susceptível de investigação mais aprofundada é o que se refere a circulação de cónegos entre Braga e o Porto e a acumulação de conezias das duas sés ou de algum canonicato com outro benefício na diocese vizinha.

" MARQUES, José - O. c., p. 56. '? MARQUES, Iasé - O. c., p. 60. 'I FERREIRA. Mans. José Augusto - Faslos epircopocs .... vol. 11. p. 299

FERREIRA, Mons. 1. A. - O. c., "01. 11. pp. 367-368.

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A titulo de exemplo, apontamos os casos de João Garcia, que, em 4 de Abril de 1416, era cónego de Braga e do Po r t~ '~ ; em 20 de Junho de 1432, João Gomes, cónego de Braga, era também abade de Idaes, na diocese do Portod6; em 20 de Julho de 1445, Afonso Vicente, cónego de Braga era titular também de uma conezia do Porto, em 16 de Abril de 14604'; por sua vez, em 16 de Agosto de 1453, Afonso Domingues fígura como capitular nas sés de Braga e do Portods.

Este apontamento pode ser ampliado, para os séculos XV e XVI, mediante o recurso à consulta sistemática dos livros das confirniações dos prelados braca- renses D. Fernando da Guerra, D. Jorge da Costa, D. Diogo de Sousa e D. Frei Bartolomeu dos Mártires, tomando-se indispensável também a consulta da obra do Prof. Doutor António Domingues de Sousa Costa, Morziinzerita Porttrgaliae Vati- cana49, com informaçóes para os séculos XIV e XV e, ainda, do Cliarralariiini Urliversiraris Portogalensis, de que estao já publicados doze grossos volumes.

6. Intercâmbio legislativo

Aludimos i transferência de prelados do Porto para Braga, situação que, na Idade Média, apesar das conhecidas crises demográfica, económica, social e reli- giosa, configurava o culminar de um currictrlttm episcopal, vindo a propósito as seguintes palavras relativas à situaçjo económica desta diocese - já no século XVI -, aduzidas na carta com que, em 30 de Novembro de 1524, D. Diogo de Sousa contornava, com verdadeiros requintes de diplomacia, a intençjo de D. Manuel I de o levar para Lisboa: - "... porqtte se hi(isto é, na intenção do rei) ha desejo de hornrra etr teriho a priricipal em vosso Reyno senido arcebispo rle Bragua, e se de remda, ey por mais a rninha que nenliíia ourrr~, porqne as rnettdezas deste arcebispado qtre riarn enitrarri ern rentda iaalent o qire mais podent renider as outras deriidades que esta. E a conira disto seria rrziiy booa rle dar e por ral se tor?iaria. E afora isto os arcebispos de Braga tein peru dar ninis igrejas de sua

" MARQUES. José - A Arquidiocexe de B r q o iio sicri10 XV, p. 344. ' O MARQUES, José - O. c., p. 347. " MARQUES. José - O. c.. p. 351.

MARQUES, José - O. c.. p. 354. '" Monriinenrn Porti<gnlinc Varicarta. Dacumenlos publicados com intioduçio e notas de António

Domingues de Sausa Costa, vol. I , Ronia - Parto, Editorial Franciscana, 1968: vol. 11, Montariol - Braça. Edit. Fanciscana. 1970; val. 11111 e IIli?. Montariol - Braga, Edit. Franciscana, 1982; vol. IV, Mantariol - Brann. Edil. Franciscana, 1970.

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colaçam que todollos prelados do Reyno a meu enitemder, porqrre rera[m] de sua apresentaçani mais de inil igrejas criradas afora denidades conesias terçanarias e raçoees. Quamto ao telnporal he seiihor desra cidade da qriall se pode dizer quarnto a mim o que diseram d'Octavinno por Roma que achara de ladrilho e a deixara de marmores; e eu achey esta de barro e sem teniplos nem gemre nem edificios e agora a tenho fecrn asy em edificios pubricos como privados com acrecemtameinto de ~ilriito povo e numero de mercadores e tracto e oficiaees das milhores coirsas do Reyno. E qrramto a esra See e edificios dela e asy prata e ornamentos que nela fiz e pus sey que estou muy deferençada de todalas outras. Pollo qiial avemdo respeito a esta cidade e corrtos e maneira de sua jiirdiça~n e gramdeza de sua diocese e niintero de beneficias, posro que os prelados do Reyno se posam chaninr prelados os arcebispos de Braga sam prelados e senhores. E nant falo aquy na fortaleza e coiito d'Erveredo (sic) em que os arcebispos tem aquela suprema jirrdiçai~t qrre os Reis de Castelo tiriliant qrrrndo lhe fezeroiri doaçani delle sem hi aver iieiiliNa ntenioria de sisa, iieni dereito real que posa tocar a Castela que o der1 e »ienes a este Reyiio a qrie i~rnnqua foy sogeilo, serirado anitre Gnliza e Portrrgal drras legoas de Mo1tterrey e111 terra »iuy chaa sem nenhuron inipedirnernro de portos nein rios que tolham pasar de huirnt rey~io ao

É certo que foi entre 151251 e 1545 que a arquidiocese de Braga atingiu a sua maior extensão, com a integração do Entre Minho e Lima, na primeira destas datas, iniciando-se na segunda a série de amputaçóes que foi sofrendo, até 1977, com a criação da diocese de Viana do Casteloi? Mesmo sem a zona de Entre Minho e Lima, podemos considerar válidas para o período medieval as menciona- das palavras de D. Diogo de Sousa, feitos, obviamente, os necessários reajusta- mentos numéricos.

Nas mudanças de diocese a que nos referimos, os prelados levavam sempre consigo as experiências adquiridas naquelas por onde tinham passado, sendo, naturalmente, a da última - neste caso, a do Porto - a mais forte, tal como já vimos que no século XII, bispos originários de Braga levaram para o Porto expe- riências por eles conhecidas ainda como capitulares bracarenses.

'O A. N. T. T.. Gm.ern 2. m a p 9. n" 31. Reproduzido em Pac-simile por COSTA. Pe. Avelino de Jesus da - Álbrrin de Pnleograji<r e Diploo,dricn Porrirgt<esns. Esni>tpas, 6" ediçáo, Coimbra, Faculdade de Letras - Instituto de Paleogr.afia c Diplomática, 1997, ".O' 179-180.

* ' FERREIRA. Mons. José Auçuito - Fnsios episcopaes ..., 11. pp. 306-308 e 396-397. MARQUES, José - A Arq8<i<iiocesr </c Brnga .... pp. 246-247.

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Queremos com isto chamar atenção para algum intercâmbio legislativo, ve- rificado nos séculos XV e XVI entre estas duas dioceses limítrofes. Não são muitos os elementos disponíveis para um tratamento aprofundado deste tema, mas bastam para se poder falar do assunto e empregar o termo "intercâmbio" com plena propriedade e segurança. E o caso é tanto mais interessante quanto é certo que foi, preciamente, mercê dessa circulação de legislação que se preservou uma constituição do arcebispo de Braga, D. Fernando da Guerra, criticamente datada de 1451-145253, que D. Diogo de Sousa salvou ao transcrevê-la nas Coristituições diocesanas do Porto, de 1496.

O facto pode resumir-se em poucas palavras: - Quando D. Diogo de Sousa preparava estas Constitiiições, que viriam a ser aprovadas na reunião sinodal de 24 de Agosto de 1496, sabendo que a actualização das taxas dos dízimos pessoais - que incidiam sobre os rendimentos do trabalho individual -, feita pelo arcebispo de Braga e que tinha desencadeado forte contestação dos mercadores de Santa Maria de Silvares, Guimarãess4, respondia perfeitamente ao que ele pretendia e, de certo modo, o aliviava do ónus e do incómodo de ser ele a fazer o necessário tabelamento, não hesitou transcrevê-la, tendo, assim evitado o seu completo desparecimento: - "E iiós porque as particiilaridades deste caso eram muitas c defeculdade graride de poermos preço per nós a todas as ditas coiisas, por tirar- mos toda lia duvida, deterininamos e poemos por constituiçani que se cumpra e guarde acerqua de hiia constitiriçaia feita eni este caso pello senhor da boa e landavel nienloria dom Fernando, arcebispo de Braaga, que Deus aja, seendo nosso ~iietropolitai~o. a qiral hé jurídica, razoada e copiosa, da qnal aqui manda- mos poer o trellado ao pee desta ... "5s.

Embora promovidas por D. Luís Pires, muito depois da sua transferência oficial de Évora para Braga, não devemos esquecer que as Constituições braca- renses de 1477 resultaram de um sínodo que este prelado convocou para o Porto, onde se realizou, em 11 de Dezembro do referido ano de 1477. O facto não deve causar estranheza, pois a sua retirada para o Porto, onde permaneceu cerca de dois anos, ficou a dever-se a graves desinteligências com D. Fernão de Lima, alcaide- -mor de Guimarães. A sua anterior presença no Porto como prelado diocesano pro-

I' MARQUES, José - A Arqi<idiocese de Brnga ..., p. 468, nota 405. I' MARQUES. José - O. c, pp. 406-468, nota 405. " Sy,iodico~l Ilispniiitin. vol. 11, Porlr<g<il, dirigido por Anrónio Garciu y Garcia. Madrid, B. A. C.,

1982. p. 390.

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porcionava-lhe algumas facilidades para desde esta cidade ir tomando medidas govemativas importantes para a vida da sua diocese de Braga. Este sínodo surgiu com bastante atraso em relação ao projecto inicial, pois, logo no início do seu governo arquiepiscopal, dado que a cidade de Braga estava atingida pela peste, convocou um sínodo para a Sé do Porto, com intuitos reformadores, mas a forte oposição que a convocatória desencadeou obrigou-o a desistir, então: da ideia, vindo a concretizar-se na mesma cidade, quase nove anos depois, pelos motivos atrás indicadoss6.

Não obstante a perturbação inicial, relativa ao contexto em que foi realizado o sínodo que lhes deu origem, temos de reconhecer que estas constituições de 1477 são o primeiro grande corpo legislativo medieval bracarense, a que, de algum modo, não terão sido estranhas as constituições do Porto, de 1496, devidas a D. Diogo de Sousa.

Em 1502, este prelado ascendeu ao sólio bracarense, onde pontificou até 1532. No conjunto da extraordinária acção pastoral, de renovação da cidade, de que ele próprio faz menção, comparando-se, ao jeito dos homens do Renascimento, ao imperador Octaviano, que transformou a cidade de Roma, enchendo-a de már- mores, e de promotor da cultura, chegando a pensar dotá-la de estudos superiores, avulta a sua obra legislativa, patente nas constituições sinodais de 1505, que são o melhor exemplo de transferência legislativa que podíamos encontrar para docu- mentar este ponto do nosso estudo. Na verdade, feitas as necessárias adaptações ao contexto bracarense, em muitos aspectos diferente da realidade social do Porto - bastando invocar, a título de exemplo, a actividade portuária e quanto dela decorre -, que obrigava a eliminar as disposições legislativas a elas respeitantes, é fácil verificar que muitas destas constituições bracarenses de 1505 reproduzem, em grande parte, textualmente, as do Porto, de 1496, ou, pelo menos, nelas se inspiram. O facto, que salta logo a vista do leitor que pela primeira vez a elas recorre, mereceu particular atenção ao director do Synodicon hispanrrm, Professor António Garcia y Garcia, que enriqueceu a sua publicação no vol. 11 da mencio- nada colecção, relativo a constituições sinodais portuguesas, com um breve, mas denso, estudo introdutório, onde não falta o quadro sinóptico, elucidativo da sua dependência em relação às do Porto, de 149657.

FERREIRA, Mons. José Augusto - Fasros episcopaes .... vol. 11, pp. 309-317. Syrtodicoii itispntrrr»? 11. Portugal, p. 74.

" Si>rodico!i hispanuni. 11. Portugal. pp. 138-139.

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Feitas estas observações, o melhor será cada um dos interessados, orientado por estas referências introdutórias, proceder ao desejado cotejo textual.

7. Ordenações em Braga, no século XVSS

No contexto das relações entre as dioceses do Porto e de Braga, há um aspec- to largamente documentado para o qual ainda não encontrámos uma explicação plausível. Referimo-nos ao elevado número de jovens que, ao longo do século XV, se deslocaram à diocese de Braga, a fim de receberem ordens sacras, tanto meno- res como maiores, incluindo o presbiterado. Conhecemos a situação em pormenor, porque para a nossa dissertação de doutoramento A Arquidiocese de Braga no sécirlo XV procedemos ao levantamento individual das matrículas de ordens, de 1430 a 1497, num total de mais de 12.500 registos, convindo observar que a colecção, a cuja descrição procedemos no referido estudo, apresenta muitas lacu- nas, sendo as mais notórias as de 1431 a 1440 e de 1458 a 1461.

Conforme então esclarecemos, a maior parte destas ordenações foram con- feridas pelos bispos auxiliares de D. Femando da Guerra: D. António, titular de Croa, e D. Frei Gil, titular de Titópolis, e por D. Gomes da Rocha, auxiliar do Arcebispo D. Jorge da Costa.

Como o núcleo central do nosso estudo incidia no arcebispado de D. Femando da Guerra (1417-1467), analisámos apenas as ordenações efectuadas durante esse período, relativamente curto, porque, além de as primeiras matrículas datarem de 1430, temos de contar as lacunas acima referidas, correspondentes, sensivelmente, a doze anos, pelo que os números que a seguir se apresentam abrangem, apenas vinte e sete anos, entre 1430 e 1468, incluídos no cômputo global.

Tendo procedido, oportunamente, & publicação do número de candidatos portugueses que no período em causa se deslocaram a diversos pontos da diocese de Braga - pois as ordenações não eram celebradas sempre na Sé Primacial -para receberem algum ou alguns dos graus de ordens, seleccionámos para aqui os resultados correspondentes aos candidatos das dioceses confinantes com a do Porto: Braga, Coimbra e Lamego, pois a visão sinóptica dos valores obtidos neste campo

'' Sobre a prohlemitica abordada neste ponio no 7, veja-se a nossa Arqrri<liocese rle Brngn, >,o séctrlo XV, pp. 953-1057.

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de observação, patentes no quadro seguinte, contribuirá para se apreciar melhor a estreita relação existente entre Porto e Braga:

Como afirmámos mais acima, ainda não temos uma explicação para o facto de afluir a Braga um tão elevado número de candidatos à recepção de ordens sacras, tanto mais que as matrículas dos candidatos extra-diocesanos, normalmen- te, fazem menção das dimissórias concedidas pelos respectivos prelados.

É certo que o facto de a Braga acorrerem candidatos de todas as dioceses portuguesas e de muitas estrangeiras, só por si, não permitiria atribuir-lhe um grande significado no âmbito das relações entre Porto e Braga, mas a circunstância de a documentação disponível, sem dúvida parcelar, para período em causa, sen- sivelmente de vinte e sete anos, ter revelado cerca de nove centenas de candidatos, para o que contribuiria também a relação de maior proximidade, obriga a considerá- -lo como mais um factor de aproximação entre estas duas dioceses limítrofes, podendo-se mesmo adiantar que um número significativo era oriundo da freguesia de Santa Maria da Sé do Porto e de outras da mesma cidade.

De acordo com o quadro apresentado, temos de concluir que esse recurso às ordenações celebradas na diocese de Braga não era exclusivo dos candidatos à clerezia, dependente da jurisdição do prelado diocesano, pois havia também mui- tos provenientes das ordens religiosas monásticas e mendicantes, instaladas na diocese d o Porto, o que torna ainda mais apertada, na prjtica. a rede destas rela- ções interdiocesanas.

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

S. Participação em questões de interesse comum

Nos séculos XIV e XV, estas duas dioceses tiveram de enfrentar problemas comuns, o que provocou, necessariamente uma certa aproximação entre os seus responsáveis, nomeadamente, entre os respectivos prelados e cabidos. Na impos- sibilidade de nos determos, de forma exaustiva na multiplicidade de situações que seria possível inventariar, convém observar que tanto o Porto como Braga sofre- ram, desde o século XIV, a pressão régia e da burguesia contra a sobrevivência dos respectivos senhorios eclesiásticos, instituídos no primeiro quartel do século XII. A situação era insustentável, particularmente no Porto, onde o poder episco- pal sofria também a oposição da burguesia da cidadesg. O arcebispo e o Cabido de Braga negociaram a transferência da jurisdição cível e crime da cidade e do seu couro para a Coroa, em 1402, mediante condições favoráveis, posteriormente am- pliadas e que hoje bem conhecemos, que mais tarde levariam D. Afonso V a de- volver a jurisdição aos arcebispos, a fim de recuperar o valor das compensações materiais, anualmente recebidas pelo prelado e pelo Cabido60. Por sua vez, o pre- lado e o cabido portuenses acabaram por ceder também a sua jurisdição, em 1406, em condições mais favoráveis ao monarca, que jamais dela abriu mão. A insusten- tabilidade das situações conduziu a negociações de resultados idênticos para a Coroa e vantagens desiguais para as duas Igrejas diocesanas.

Alguns anos depois, a pressão régia, conduzida na base das célebres leis jacobirias, de que foi principal redactor o doutor Diogo Martins (lacobrrs Martiflij6', obrigaram a clerezia portuguesa a unir-se em tomo do arcebispo D. Femando da Guerra, que, apesar de ser sobrinho de D. João I e a ele dever a promoção à cá- tedra arquiepiscopal bracarense, por ordem de Martinho V, conduziu o movimento de oposição ao monarca, em última instância, o principal responsável pelas difi- culdades e opressão, de que as várias dioceses eram vitimas. Era um grave caso de intolerável regalisrno, que hoje bem conhecemos, fomentado pelos legistas, que

I' Cf. SOUSA, Arminda de - Coiiflitos enrre o Bispo e o Chrini-ri do Porto. nos meados do séci~lo XV. Porto, Ediçjo da Cimara Municipal, 1983.

<a Pam mais pormenores, veja-se o nosso estudo O seiihorio de Brngn. rio sécido XV. separata do vol. XLVI de "Bracara Augusta", Braga, 1997, pp. 5-144.

" COSTA. António Dominçues de Sousa - Leis areirrarórins <Ias liberdr~des eclesiásticns e o papo Marriitltu V coi~trririo nos co>icílios gerais, in Slidin Itistorico-ecclcsins~icn. Festgube fiir Prof. Luchesius G. Spatlinç, O. F. M. hcrausgcgcben von Isuac Visquez. O. F. M., Rom. Pontiiicium Atheneum Antonianum, 1977, pp. 505-592.

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tinham assento na Corte, donde tinham saído todos os membros da clerezia, o úl- timo dos quais foi D. Fernando da Guerra, que, antes de transitar para o arcebispado de Braga, exercia as funções de chanceler. As queixas chegadas a Roma eram de tal ordem que o papa Martinho V intimou o arcebispo de Braga a convocar uma reunião dos prelados e dos representantes da clerezia, a fim de se proceder à ela- boração do rol dos agravos e ao estudo das medidas mais adequadas à resolução da insuportável situação. Conhece-se a extensa lista das queixas apresentadas em forma de agravos comuns e dos específicos de cada diocese, que serviu de base à redacção dos artigos da concordata celebrada em Santarém, em 1427, de que o mesmo prelado bncarense foi o negociador principal, por certo, no desejo de evitar ao monarca português eventuais situações inesperadas.

Na assembleia do clero reunida em Braga, de 15 a 22 de Dezembro de 14266' - peça fundamental em todo este processo -, esteve também presente o bispo do Porto, D. Antão Martins de Chaves, como interessado que era, e, nas movimen- tações subsequentes, a sua diocese esteve devidamente representada pelos capitu- lares para o efeito designados. Valerá a pena observar que um dos compromissos assumidos por esta assembleia de Braga era o de se reunirem anualmente, em lugar a designar oportunamente, de forma a contornar eventuais tentativas de impedimento por parte do rei e seus conselheiros.

O prelado e o cabido do Porto, além de serem atingidos pelas medidas re- feridas nos agravos gerais, tinham queixas específicas, que extraímos directamente do caderno então organizado:

"Agravos que a Igreja do Porto recebe e m spicial: Ireiri pri»ieiro diz o Bispo e Cabidoo da dicra Igreja que vos Senhor sodes rlieiido

pagar ou dicra Igreja ent cada ltuirrrrrr ario por rein»l da jitrisdiçon~ rres mil libras de boa nioeda amiga ou por ellas o seir verdudeiro e irirririseco valor segrirido a borr- dade da rnocda, o qilall por e i~tão ao reirtpo do corirrarito sriinasres que se pagase <lu moeda de tres libras e uieya qtte erirofii corria a tenro por /titita rio111 eniborganre qite todallas oi<tms rendas e pagas jeeraaes se pagaser,, per rodos vosos Regrros a L por hiitia segtitido rodo esro ffiais cotiipridnineiire Iie co~rrheiirlo e firrnado no diclo corirraiito sobre ello fecro nsiirin<lo por vos e per a Raiiil~a citja alnia Deitr aja e per vossofillio o lfanre Duorre. E qitai~do, Seitho,: rioiii quisestes ~rraridur dobrar a dicra paga ~ient foi des e>iroi>i pagado ~frois qtre as dicras qiririhcriras por hiiria onde a dicra Igreja recebe grniide perda e darto porque iiont recebe per esla paga u rrrearade do

'? Para mais infarma@es sobre cste assunto, veja-se a nossa Arqrridiocese de Bmgo ..., pp. 71-87.

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

qiie verdadeiranierrte avia a receber per o dicto coritraiiro porqrie a vosa niercee sabe qiie o verdadeiro e iiirriiiseco valor Iie segiiiido que a prata e oiiro se efitafii por ella podia achar.

Iterii a dicra Igreja do Porto lia d'aver a redizirria de torlnllas coiissas qiie entrareni pella foz do Doiro lia qiiall orrve alta qiiatro oii ci>iq[u]o aiios ha qiie vosos fillios aciisriiniaror~i iiiaridarenr trazer per niar aa dicta cidade joyas e goar~iirfienros e outras coiissas de grande vallor as quaees se logo levam da dicta cidade pera onde Ilies praz seir se mostrarido nenr abrindo >ie»i vee~ido iia vosa alfuadega rieni pagatido aa Igreja o seu direito co»io de direito som rliertdos rio qiie Senhor a dicta Igreja recebe niiii grande perda e agravo. E sobre esto a vosa mercee foy ja airiiras vezes per tios requerida sem avejido dello algiti~a snrisffaçor>i riei~i eiirerida.

Itern n dicta Igreja do Porto padece aqirelle rneesiiio agravo qrie padece a de Brngaa sobre os vodos.

Iteni qiie seetirlo Jogaiii Fogaça corregedor aiirre Doiro e Miirlio defendia e defeiide-o aos beneficiados qire >io»i de»iaiidase»i as rliziriias pesoaaees e niutidoii aos freigeses qiie as noi~i pagaseni.

Iter~r qrie os jrrizes e coricelho do Porro ~ i o » i qriereiii corrsiiltir qiie por as obradaçõoes sejar~i os freigeses de»~a>idado.s pera~ire a Igreja.

Irerri contra voiirade do Cabidoo do Porto foy jriidarlo acerca da See da dicra cidade o Mosreiro de Salira Clara na terra da dicto Igreja per [foi. 13, sub fine] aia>rdado do Se~ihor Rey co>itra a fontia da letra (10 Papa qiie pera d l o deti pera ar donas de Santa Clara d'Anrre Aribos os Rios. E porqiie Ilie foi reqiierido por parte do dicto Cabidoo que o iro»ifriiidase iio dicto logo iioni ciiroit dello e todavia niatido o j i n d a r conro qirer qiie Ilies ponriereo pcllo Mestre Frey Jolia??~ Xira qiie Ilres daria aqiiello erri qiie o dicto Cabidoo com e11 (licro Mestre cuisrr>i e depois Ilie foy pedido do dicto Cabidoo que Ilies dese os podroarlos das igrejas da Avelieeda de Soiisu e de Merlles de Ribo </e Doiro conro qiter qiie iiori era igoai ex-ti»iaço»~ a b o ~ i que a irojos e da»ip>ios qrie e», cndri hiiiirn dia recebera do dicto Mosteiro ~ioifi o quis fazer >iei>! Ilics fez oiirrn rieiililii<a reco~~iperisaço~~i".

Face a estas queixas especificas da Igreja diocesana do Porto compreende- -se que os seus representantes não podiam permanecer em silêncio, pois, além dos graves prejuízos que Ihes eram infligidos pelo Rei, que não pagava as três mil libras anuais, devidas como compensação esrabelecida no contrato de transferência da jurisdição cível e crime sobre a cidade do Porto e seu termo para a Coroa, já havia quatro ou cinco anos que não lhe pagava as redízimas das jóias, guarnições e outras coisas valiosas que entravam pela barra do Douro com destino ao Rei e seus familiares, dando, até, os Infantes, seus filhos, o mau exemplo de não abrirem as encomendas na alfândega, nem pagarem à Igreja o que lhe era devido, olvidan-

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do, sistematicamente, as compensações prometidas pela ocupação dos terrenos da Sé, onde tinha sido implantado o Mosteiro de Santa Clara, não obstante a oposição do Cabido.

Estruturalmente mais graves e verdadeiramente subversivas eram as doutri- nas subjacentes à proibição que o corregedor de Entre Douro e Minho impunha aos beneficiados para não demandarem judicialmente os devedores das dízimas e a ordem para que os fregueses não pagassem as dízimas pessoais, que incidiam sobre o valor do trabalho pessoal, situando-se, ao mesmo nível, a oposição das justiças da cidade do Porto a que a Igreja demandasse o correspondente às obradas que os fiéis não pagassem. Estava-se perante uma verdadeira invasão do poder civil no foro eclesiástico, cujas consequências, a continuar a esse ritmo, seriam imprevisíveis.

Por tudo isto, é bem compreensível a solidariedade do prelado e do Cabido do Porto com o movimento liderado pelo Arcebispo de Braga, não obstante certas reservas explicáveis pela relação familiar que o ligava ao Rei.

E náo foi esta a única vez que a Igreja do Porto dcu o seu apoio na defesa de causas comuns, bastando recordar a intervenção na posição colectiva por oca- sião das Cortes de 1455 e nas de 1456 e na oposição da clerezia à legacia do bispo eleito de Coimbra D. João Galvão, igualmente liderada pelo arcebispo D. Fernando da Guerra.

9. Obediência ao metropolita

Na estrutura hierárquica da Igreja, o cumprimento do dever de obediência é fundamental como garantia da unidade institucional.

Abordar este assunto é sempre muito delicado, mas a História tem as suas exigências de rigor e verdade que obrigam a tratar os diversos temas com espírito aberto, objectividade e isenção.

Embora com poucas fontes disponíveis, pareceu-nos importante abordar tam- bém este ponto, na esperança de que ele possa despertar a atenção dos investiga- dores para outras fontes ainda inaproveitadas.

O problema do juramento de fidelidade e obediência ao metropolita, não era específico de Braga, pois atingia todos os bispos sufragâneos, qualquer que fosse o seu metropolita. Se, em virtude da documentação disponível, neste caso, nos vamos fixar, essencialmente, no século XV, não deveremos esquecer que a ques-

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

tão assumiu curiosos contornos históricos, no século XII, quando a única metró- pole portuguesa.era a de Braga, tendo-se os bispos de Coimbra, por razões de ordem política, recusado a obedecer ao arcebispo de Braga, sob o pretexto de que, outrora, a sua diocese pertencia à província romana da Lusitânia e à metrópole de Mérida e advogando a sua preferência por Toledo, dado que Mérida continuava sob o domínio árabe, acabando Viseu, Lisboa e Évora por cairem na alçada de Santiago de Compostela, para onde foi transferida a dignidade metropolítica de Mérida.

Mesmo tratando-se de bispos, as relações neste domínio, por vezes, foram bastante tensas e complexas, como aconteceu entre D. Fernando da Guerra e o bispo de Coimbra, D. Fernando Coutinho, que se recusou pertinazmente a prestar juramento de obediência ao metropolita de Braga, que ao ter conhecimento da sua morte, não resistiu a escrever na margem de um pergaminho que "morreu impe- m li tente", valendo a pena remeter para ocasião oportuna a publicação integral da cópia do processo enviado para Roma sobre o longo diferendo que os opôs, du- rante toda a vida do bispo de CoimbraG3.

Dos casos conhecidos de bispos portuenses quatrocentristas que prestaram obediência a D. Fernando da Guerra, que agora nos interessam, só o primeiro, D. Vasco 11 (1421-1423) opôs forte resistência a cumprir o que lhe era solicitado, alegando para isso um conjunto de argumentos, que mais à frente vamos analisar.

Com efeito, quase dois anos após a sua provisão na diocese do Porto, o novo bispo, D. Vasco 11, ainda não tinha prestado juramento de obediência ao arcebispo de Braga, o que, na prática, poderia denotar o não reconhecimento da sua autori- dade metropolítica. Face a tão prolongado atraso, D. Fernando da Guerra decidiu tomar posição. E não se pense que se trata apenas de uma atitude de prepotência da parte do arcebispo, pois, apesar de o Cisma do Ocidente haver terminado com a eleição de Martinho V, pelo Concílio de Constança, em Novembro de 1417, as ideias co~lciliaristas, a que o prelado bracarense tão energicamente tinha resistido, continuavam vivas e operantes, sendo, por isso, necessária a manifestação expres- sa da obediência e comunhão hierárquica, no seio da Igreja.

Estranhando o silêncio do vizinho e sufragâneo bispo do Porto, em 30 de Janeiro de 1423, D. Fernando da Guerra, encontrando-se na aldeia de Linhares, mediante procuração datada desse mesmo dia, credenciou o seu criado, Vasco

" A. N. T. T., Cnbi<lo </e Coirnbrn, no 2054.

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Fernandes, escolar e abade de S. Martinho do Campo, para, em seu nome e como bastante procurador, requerer D. Vasco a fazer juramento de obediência e reconhe- cer-se como sufragâneo do prelado metropolita de Braga, dentro de um mês. Munido da referida procuração, Vasco Fernandes desempenhou-se desta missão, apresentando ao referido prelado portuense o requerimento que lhe tinha sido confiado, quando, no dia 25 de Fevereiro seguinte, se encontrava no local onde costumavam fazer as audiências.

Alegou, de imediato, o bispo do Porto que não era obrigado a prestar tal juramento, e fê-lo na presença de diversas pessoas, sobressaindo os nomes de João Martins, "escolar eni direito gregário", da diocese do Porto, Pedro Afonso e Fernão Vasques, notários na Igreja do Porto, João Vasques, criado de João Martins, Luís Afonso, criado do prior de Lordelo, Jofre (Xoffre) Vasques, escudeiro do arcebispo de Braga, e o do tabelião Afonso Anes.

No dia 27 do mesmo mês e ano, o referido procurador, Vasco Domingues, compareceu t3 porta do paço episcopal do Porto a pedir uma resposta para o metropolita, tendo-lhe sido comunicado que o bispo, anteriormente requerido, ain- da não recebera o treslado da afronta - à qual queria responder, como, efectiva- mente, respondeu, na segunda-feira seguinte, dia 1 de Março, tendo testemunhado este acto, elaborado pelo tabelião Afonso Eanes, Diogo Gonçalves, escudeiro do Conde de Barcelos, D. Afonso, Luís Lourenço, Pedro Afonso e Femão Anes, notários da Igreja do Porto.

Conforme tinha anunciado no dia 27 de de Fevereiro, no dia I de Março, o bispo do Porto deu a resposta que a seguir se transcreve, havendo, contudo, a lamentar o estado do documento, que, na parte final, apresenta partes ilegíveis, que não alteram o sentido da justificação apresentada pelo prelado portuense:

- "Resppdendo rios Dom Vasco bispo do Porto a affronta e reqiierinierlto que nos 1ie fecto da parte de Dom Fernarido arcebispo de Bragaa, dizernos e cor~essarnos que a sobredicta nossa Igreja Iie soffregntiha da dicta Igreja de Braga e que fomos proveudo quasi ha dous anos e fomos e somos em posse paciffica seu qirasi sem contradizimento de nenhua pessoa e sen nos seendo de- mandado nunca tal1 jura-mento. E somos prestes e nos offerecemos a obedecer ao dicto arcebispo e aaquelles que na dicta Igreja de Bragaa canonicamente entrarem en aquellas cousas que de direito somos theudos. Mas dizemos que nom somos obrigados fazer tal1 juramento qual1 nos ora o dicto Senhor manda demandar pois que bem sabe elle e he razom de o saber que nos fomos proveudo hordenado e consagrado em Corte de Roma e fezemos tal juramento a nosso senhor o papa

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

Martinho quinto que ora he presidem na Igreja de Deus como de direito eramos theudo assy nom podemos seer costrangido a o fazer outra vez ao dicto senhor arcebispo por muitas razoes:

- A primeira porque per o juramento que assy fezemos somos theudo goardar os canones fectos per os papas dos padres santos papas aprovados, nos quaes canones som contheudas todas as cousas em que os soffreganhos som theudos a seu metropolitano. E assy se ora nos jurassemos ao dicto arcebispo tall juramento seerya senpre firme.

-Item nos juramos qrre riom elieiieremos sem lecença do Papa e fazendo 110s segirndo este juramento conpria jurar que nom podessemos alieriar sem licença do arcebispo e assy seryamos a nos contrairo ca per o primeiro jrrraniento orrtro ne- nhnrrni nom pode dar licença, salvo o Papa ainda qire fosse seu legado conio se claramente pode mostrar do direito e per este segundo abastaria licença do arce- bispo per as qiraaes I-azoes susso dictas e outras que se a esto poder-om allegar clarai~rente se mostra que riom somos therrdo nem ainda devemos fazer tal1 jirrarneri- to. E se algiruns nossos antecessores que per Tio arcebispo o per seu niandarlo forom costrarigidos tall jirramento fazer esto noni podera obrigar a nos por o qrre dicto Iie. Com isto coiicorda o direito e a detenninaçoni dos doutores segundo o dicto senlior beni sabe e ha rezorn de saber. E poren querendo nos elle costranger aaqirello a que de direito rioni somos obrigado manifestamente se mostra que nos agravoir e agrava moonnente per qrre elle protesta a proceder contra nos segirndo rio dicto requerimento lie co~itlieudo. E porque o rernedyo da apellaçom foy acliado pera riom soomente os agravados mais ainda o que o temem seer per ella rellevados deffessos e enparados, porem sentindo nos muito agravado e temendo seer mais ao adiante, nos sobredicto Vasco bispo do dicto senhor arcebispo e de seus vigairos e ouvidores e d'outros qiraaesquer juizes horderiairos dellegado dellegados comissai- ros e logoteentes e de suas sentenças e processos aa Santa See Appostollica pro- vo[...]@ e apella~nos sometendo nos e a dicta nossa Igreja e bispado e de todos nossos familiares e servidores ..." ao que a Santa Sé determinasse ...

Ao que atrás ficou exposto acrescentou o seu protesto de obediência ao Papa e ao Arcebispo, mandando-o publicar, a fim de que o procurador de D. Fernando da Guerra dele tivesse conhecimento. Perante esta resposta, o procurador d o Ar-

A parte final desta pulaviu desapareceu, devido à humidade

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cebispo disse que não tinha poder para dar apelação. Se o Bispo a quisesse, que a fosse intimar ao Arcebispo.

Como testemunhas deste auto figuram: João Martins, escolar em direito gregório, e Martim Domellas, procuradores nas audiências do Porto, Álvaro Peres da Bainharia, Pedro Afonso, Luís Lourenço e Femão Anes, notários na Igreja do Porto, tendo sido tabelião Afonso Eanesh5.

A impressão com que se fica, após a leitura desta resposta, é que o bispo do Porto estava verdadeiramente decidido a não prestar obediência ao arcebispo e metropolita de Braga. Era claramente uma posição de força, que sabemos não ter sido a única, pois o bispo de Coimbra, D. Femando Martins Coutinho, recusou- se, durante toda a sua vida, a cumprir esse juramento de obediência e fidelidade, como já referimos.

Faltam-nos outros documentos sobre este assunto, se é que D. Vasco chegou a apelar para Roma. Se tal aconteceu, a questão não prosseguiu, porque nesse mes- mo ano foi transferido para a diocese de Évora," cessando, assim, o motivo do diferendo com o arcebispo de Braga.

No ano seguinte, já era bispo do Porto D. Antão Martins de Chaves (1424- -1447), que também parece ter diferido bastante tempo a prestação do mencionado juramento canónico, pois foi necessário que o arcebispo o mandasse intimar, como consta do documento de 19 de Dezembro de 142X6'. Com efeito, nesse dia, encon- trando-se no Mosteiro de Santo Tirso, na presença de Afonso Pires e João Nunes, notários jurados da Igreja do Porto e diversas testemunhas especificadas, Diogo Eanes, vigário, André Femandes, abade da igreja de Santo André de Canidelo, capelão, e João Afonso, seu escudeiro, segundo consta do auto lavrado pelo no- tário João Martins, D. Antáo, bispo do Porto "disse qiie era verdade que elle era requerido e cosfrai~gido per o rnriito horirrado padre e ser~hor- Dom Fernando per essa n~eesr~ia rrlcrcee arcebispo de Bragaa e prinias seii rneiropolitano que fie fosse fazerjiiramerito fidelitatis et obediencie", tendo logo designado e credenciado por procuração João Goncalves, bacharel em cânones e cónego na Sé do Porto, e Afonso Femandes, da diocese de Tui, para em seu nome prestarem o referido juramento ao arcebispo de Braga, reconhecendo-o como seu metropolita.

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1 CONGRESSO SOBRE A DIOCESE 00 PORTO

Nos casos seguintes de que temos notícia não se detecta qualquer vestígio de oposição. Assim, com data de 20 de Dezembro de 144968, conhecemos o auto notarial do juramento do bispo do Porto, D. Gonçalo Anes, de Óbidos, feito pelo seu pro- curador, João Vasques, escolar em direito canónico e vedor da sua casa, seguindo- -se-lhe, em 29 de Outubro de 145469, o de D. Luís Pires, feito igualmente em seu nome pelo licenciado Martim Alho, arcediago de Lisboa e seu procurador, no mosteiro de S. Domingos de Lisboa, na câmara onde pousava o senhor Arcebispo de Braga.

Estes autos notariais, ambos elaborados pela mão de Brás Afonso, vassalo do Rei, seu tabelião e notário geral em todos os seus reinos, além de nos permitirem verificar que eles possuem a mesma estrutura diplomática, constituída pelo neces- sário protocolo, a que se segue o teor das respectivas procurações, descrevem o cerimonial da prestaçáo do juramento e transcrevem a sua fórmula canónica, vindo a seguir escatocolo, com a respectiva validação, a que não falta o sinal notarial.

Atendendo a que este tipo documental é praticamente desconhecido, transcre- veremos em apêndice o referente ao juramento do bispo D. Gonçalo Anes, que se encontra em melhor estado de conservação, sendo, por isso, fácil apreciar aí, na íntegra, a fórmula do juramento, pelo que nos dispensamos de a incluir neste lugar do nosso estudo. Parece-nos, contudo, conveniente observar que no ceremonial do juramento permanecia inalterável a prática medieval da immixtio manuum, como a seguir se descreve. Uma vez apresentada a procuração o procurador declarou-se disponível para prestar o juramento em causa. "E o dicto senhor arcebispo respon- deu que prestes era de lho receber. E logo o dicto senhor se assentori em hZa cadeira. E o dicto procurador do dicto bispo en nome delle, em giolhos, ant'ella. Epos as siias inãaos aiztre as siias. E começori de ler em esta guisa que se segue ... ".

Pelos dois autos mencionados ficamos a conhecer o modo como se proces- sava a prestação do juramento de obediência e de fidelidade. Mais importante, porém, será conhecer os casos de recusa, com os respectivos fundamentos e o modo como foram solucionados, mas isso terá de ser objecto de outro estudo70.

A. D. B., Col. cro>~ol<jgicn, cx 27. S. n. A. D. B., Col. cro>tológicn, cx. 28, S. n.

'O Mons. Jose Augusto Ferreira teve a percepfiio da import8ncia deste assunto e, para o século XVI. anotou alguns casas de prcstaqão dc obcdi8ncia ao metropolita D. Diago de Sausu (Fosior epircopnrs ..., 11. pp. 399-400.

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10. Conclusão

Ao longo desta comunicação, após termos evocado os primórdios da diocese do Porto nos remotos tempos suévicos e as controvérsias com a arquidiocese de Braga, nos tempos imediatos à sua restauração, no século XlI, por causa dos li- mites, na parte comum, fomos apontando um conjunto de aspectos em que o rela- cionamento entre estas duas instituições eclesiásticas foi mais evidente, tanto em momentos de colaboração, como em fases, mais ou menos transitórias, de alguma tensão, nos séculos XII-XV.

Não temos conhecimento de estudos similares para outras dioceses limítrofes, num plano de longa duração, e o que aqui apresentamos pretende, apenas, contri- buir para uma leitura mais atenta da história destas duas dioceses nortenhas, so- correndo-nos, na maioria dos pontos abordados, de investigações nossas e de outros, sempre referenciadas em notas de rodapé, já que o nosso objectivo inicial era, essencialmente, acompanhar a dinâmica destas relações diocesanas, no período medieval, acima delimitado.

Em jeito de balanço final, julgamos que estas relações, apesar de alguns momentos de situações controversas, apresentam um saldo largamente positivo, como, aliás, seria de esperar, ficando-se a dever alguns dos momentos de tensão, a formas de perspectivar algumas interpretações cauónicas, eventualmente menos claras, podendo constituir um bom exemplo o problema dos juramentos de obedi- ência e de fidelidade ao metropolita, sem ignorarmos que, além dos fundamentos invocados, poderiam estar presentes também vestígios de divergências pessoais anteriores.

Os pontos seleccionados para esta exposição poderiam, certamente, ser mais numerosos, mas isso obrigar-nos-ia a prestar menor atenção a cada um deles e não olvidamos que alguns já foram apresentados de forma bastante sintética.

Pensamos que agora que a História de Igreja em Portugal parece entrar em fase de revisão poderá ser uma boa oportunidade para estender o que aqui se fez, como mero ensaio, à totalidade das dioceses portuguesas, embora reconheçamos as dificuldades, por falta de estudos de base.

Mas, a sugestão aqui fica.

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I CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

Apêndice documental Auto d a obediência d o bispo d o Porto, D. Gonçalo Anes.

1449, Dezembro, 20 (sábado) - Broga João Vasques, escolar em direito e procrrrador do bispo do Porto, D. Gonçalo Anes, de Óbidos (1449-1453), ein nonie do seri constitiiiiite, presta jurumeiito de fidelidade e obediência ao ai-cebispo e metropolira de Braga, D. Fernaiido da Guerra, como seu srflragâi~eo. A. D. B., Colecção cronológica, antiga caixa 27, S. li.

Em nome de Deus amen. Sabham quantos este estormento virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jhesus Christo de mil1 e quatrocentos e quarenta e nove annos sabado viinte dias do mes de Dezembro do dicto anno na cidade de Braguaa nos paaços do muito reverendo in Christo e senhor Dom Fernando per mercee de Deus e da Sancta Egreja de Roma arcebispo dessa meesma e primas, na camara dos dictos paaços, estando hii o dicto senhor arcebispo com seus letrados pera entrar a sua Rellacom como custuma, e em presença de mim notairo e testemunhas adiante scriptas, perante o dicto senhor pareceu ho senhor Dom Gonçalo per a dicta mercee bispo do Porto seu sofreganho per Joham Vaasquez escollar em direito canonico e veedor da sua casa seu suficiente procu- rador pera o aucto que se adiante segue, per virtude d'hüa procuraçom que logo hii apresentou, siignada per o dicto senhor bispo do Porto e seellada de seu seello da qual1 o teor tal1 he:

- "Dom Gonçallo per inercee de Deus e da Saticta Egreja de Ronia bispo do Porto. A quaiitos esta presente procnroçoin vireni foze>nos saber que nos confiando da bondade descripçoni e leteradura de Johom Vaasqriez escollar em direiro caiionico, veedor da nosso casa he portador desta procuraçoni, per estas presentes ho coiistituimos fazemos e Iiordenanios nosso procurador que por nos e ern nosso nome possa parecer e pareça perante ho muito reverendo ini Cliristo padre e senhor Doiil Feriiando per a dicto iiiercee arcebispo de Braguaa prinlas e nletropolitaiio da dicla iiossa Egreja do Porto pera eni nossa alnia lhe fazer e faço jiira>iielito rle obediencia e fieldade qrre nos de direito como seli sofreganho que per razom da dicta iiossa Egreja soinos e lhe devemos fazer. O quoll jirrarneii- to nloiidunios ao dicto nosso procurador que faça ao dicto senhor arce-

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bispo naquelle niodo e forma que o direito qirer. E 120s prornetenios aver e averernos por grato rato efirnie pera sempre o jirramento que sobr'ello pello dicto nosso procurador for fecto e jurado segundo dicto avemos sob obligaçom das beens da nossa mesa pontifica11 que pera e110 obligamos. E em tesfemirnl~a desto niattdamos seer fecta esta letra de procuraçom siignada per nos e seellada do nosso seello potit$call. Scripta na dicta cidade da Porto XII I dias de Dezembro. Gonçallo Vaasquez scripvam da nossa camara a fez. Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jhesus Cristo de mil1 e qrrarrcentos e quarenta e nove anr~os".

E apresentada assy a dicta procuraçom como dicto he, logo per o dicto pro- curador do dicto bispo foe dicto ao senhor arcebispo que elle era prestes de lhe fazer em nome do dicto bispo, cujo procurador era, o juramento de fieldade e obediencia que era theudo. E o dicto senhor arcebispo respondeu que prestes era de lho receber. E logo o dicto senhor se assentou em hGa cadeira. E o dicto procurador do dicto bispo em nome delle, em giollos, ant'elle. E pos as suas mãaos antre as suas. E começou de leer em esta guisa que se segue:

- "Ego Gondissalvus Ecclesie Porfircalensis episcopus proniicto in conspectu Onirripoterrtis Dei et fociiis Ecclesie qriod ab hac ora Ni arifea fidellis et obediens ero perpetuo vobis doriiino rneo Dono (sic) Fer~iando arcltiepis- copo ecclesie Bracharensis vestrisqire successoribiis caiionice iritrantibrrs, non ero iri conssillio vel facto ut vitam perda1 rtec me~lbrurn aut capiamini nialla capcione carissilliurn quod michi per vos aia per liferas vesfras vel per riuncinm magrzifestabiris ad vestrrrnt daprium nulli pandani. Vocatirs ad signodirni veniain nisi prepeditlrs firero canonica prepedicione. Vos quoque et nuncios vestros et Ecclesie vestre quos certos esse cognovero in erirido et redeirndo honor$ce tracrabo et i11 siris rtecessitatibus adiirvabo possessioiies ver0 ad nlenssain mei episcopatus perfinerites nan veiidam nec do~iabo nec de novo infeadabo et contra ius vel consuefudine Ecclesie non allieriabo vobis vel vestris si~bcessoribus inco~issirltis prout est a Sarictis Patribrrs. Sic me Deirs adiuvet et liec Sancta Dei Evangellia".

O qual1 juramento assy fecto per o dicto bispo do Porto pello seu procurador, nas maaos do dicto senhor arcebispo aos Santos Euvangelhos per e11 corporalmen- te tangidos como dicto he, ho senhor arcebispo assy o recebeu e ouve por recebido

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I CONORESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO

em seu nome e da dicta sua Egreja de Braguaa. E pediu a mym dicto notairo huum e mais stormentos. E o dicto procurador em nome do dicto bispo <do Porto> lhos mandou dar. Testemunhas que a esto forom presentes: os honrrados Martim Ayras dayam em adicta Egreja de Braga e Gil1 Afomso Leitom chantre e Joham Femandez arcediagoo d'Allabruja e Fernand'Afomso lecenciado em leix e Nuno Camello todos coonigos na dicta Egreja de Braguaa e outros. E eu Bras Afonsso vassallo de1 Rey e seu taballiam e notairo geerall em todos seus Regnos e Senhorios que a todo esto com as dictas testemunhas presente fui e este estormento em meu livro de notas notei e por minha maao ho screpvi e aqui meu signall fiz que tal he

(Sinal) ".

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