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PAULO MORGADO RODRIGUES Manoel de Barros: Confluência entre Poesia e Crônica Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica PUC/SP São Paulo 2007

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PAULO MORGADO RODRIGUES

Manoel de Barros:Confluência entre Poesia e Crônica

Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica

PUC/SP

São Paulo

2007

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PAULO MORGADO RODRIGUES

Manoel de Barros:Confluência entre Poesia e Crônica

Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica

PUC/SP

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em Comunicação e

Semiótica - Signo e Significação nas mídias, sob

a orientação do Prof. Doutor Amálio Pinheiro.

São Paulo

2007

RESUMO

Essa pesquisa tem como problema as possibilidades comunicativas e

tradutórias que resultam das relações entre crônica jornalística e poesia. Para

tanto, tomamos, como estudo de caso, alguns poemas de Manoel de Barros, na

tentativa de localizar, na construção de sua obra poética, a utilização de elementos

próprios à crônica jornalística. Esse trabalho assume o método da pesquisa

bibliográfica, de modo a obter dados acerca do poetar de Manoel, da estrutura da

crônica jornalística e da dinâmica semiótica da cultura, especificamente no que diz

respeito aos processos sígnicos operados na América Latina. Tomando como ponto

de partida a teoria dos fatores e funções da linguagem, conforme proposta por

Roman Jakobson, demarcamos as diferenças existentes entre as mesmas, em

especial entre a função referencial (tendencialmente ligada à crônica) e a função

poética. Por outro lado, vislumbramos suas possíveis relações, munidos do conceito

de texto e da noção semiótica de fronteira de Iuri Lotman e suas permeabilidades

possibilitadoras de trocas, diálogos e mestiçagens entre textos distintos. A partir de

autores como Lezama Lima, Severo Sarduy, Serge Gruzinsky, Amálio Pinheiro e

Haroldo de Campos, cartografamos as especificidades culturais da América

Latina, intensificadoras das conexões entre textos e séries culturais advindos de

diversos tempos/espaços. A paisagem cultural latino-americana vem sendo

estudada justamente por sua alta dinamicidade relacional e por sua complexidade

aberta e migrante, geradora de novas formas e procedimentos comunicativos.

Como corpus analisamos um poema de cada um dos dezoito livros de Manoel de

Barros. O critério utilizado para a eleição desses poemas foi escolher aqueles que

mais nos pareceram estarem imbuídos de elementos da crônica. Por fim, Manoel

de Barros se revela não apenas um poeta bastante sensível a seu contexto cultural,

mas, sobretudo, tão bom cronista quanto poeta.

Palavras-chave: Semiótica, Poesia, Crônica, Manoel de Barros, América

Latina.

ABSTRACT

This research aims at the communicative and translation possibilities that

result from journalistic chronicles and poetry. To do so, we have brought the

poetic construction of some poems of Manoel de Barros as an attempt to locate the

use of elements that are peculiar of the journalistic chronicle, as a case study. The

methodology of this work is that of a bibliographic enquiry, in order to obtain data

about the way in which Manoel makes poetry, and about the structure of

journalistic chronicle. Strictly concerning the signic processes operated in Latin

America, we also have studied the semiotic dynamics of culture. Starting from the

theory of factor and language functions by Roman Jakobson, we have pointed out

the differences between them, specially between the referential function (usually

linked with chronicle), and the poetic function. On the other hand, we have

visualized their possible relationships based on the text concept and on the semiotic

notion of boarders by Iuri Lotman, and their permeability, which makes it possible

to have exchanges, dialogues and hybridism between distinct texts. Authors such as

Lezama Lima, Severo Sarduy, Serge Gruzinsky, Amálio Pinheiro and Haroldo de

Campos help us to map cultural features of Latin América which intensify

connections between texts and cultural series from several points of time/space.

The Latin American cultural environment has been studied for its high relational

dynamism and for its open and migrant complexity which generates new ways of

communicative procedures. We have analyzed one of each of Manoel de Barros’ 18

books as theoretical corpus. The criterion used for the selection of the poems was to

choose the ones that seemed to incorporate most chronicle elements. Finally,

Manoel de Barros shows to be not only a very sensitive poet to his cultural context

but also, and above all, as good a chronicler as a poet, in that chronicle and poetry

supplement each other in his work.

Key words: Semiotics, Poetry, Chronicle, Manoel de Barros, Latin America.

SUMÁRIO

Introdução, 09

I - O Poeta Manoel de Barros, 16

1.1 - Manoel de Barros: vida e obra, 16

II - A crônica, a poesia e suas relações, 34

2.1 - Os diferentes fatores e funções da linguagem presentes na poesia e

na crônica, 34

2.2 - Crônica, 38

2.3 - Poesia, 43

2.4 - Dialogismo, 48

2.5 - Complexidade, 52

III - Confluência entre poesia e crônica, 56

3.1 - O dinamismo da cultura, 56

3.2 - O dinamismo cultural na América Latina: Neo-barroco, 66

3.3 - Processos dinâmico-culturais na literatura moderna brasileira, 79

3.4 - Confluência entre poesia e crônica em Manoel de Barros, 82

Conclusão, 120

Bibliografia, 123

− Gleba Expositiva Manoel de Barros, 129

7

Algumas considerações pescadas na canoa crítica sobre as águas poéticas do pantaneiro Manoel de Barros

"Este Manoel de Barros, mistura monumental de construtor subversivo, bandido, anjo e São Francisco de Assis, poeta talvez concebido sem pecado ou com todos eles..., é o maior poeta brasileiro vivo".

João Antônio, escritor

"Manoel de Barros retira seu vocabulário, sua sintaxe, seu idioma do cerne da matéria, da realidade mais profunda do corpo aquoso da terra. Ele se trabalha quando trabalha um texto e a natureza trabalha nele o ócio e o prazer da vida em germinação".

Reynaldo Jardim, Diretor Executivo da Fundação Culturtal - DF

"Custa crer que tanta inventiva, tanta força verbal, tanto colorido brasileiro tenham jazido tanto tempo no escuro!"

Ismael Cardim

"Manoel de Barros não é um divisor de águas porque antes dele não houve absolutamente nada".

Sérgio Medeiros, crítico

"Ele está para a poesia brasileira, talvez mais do que Guimarães Rosa possa estar para a prosa e a ficção. Ele é o próprio espanto".

Sérgio Rubens Sossélia

"A caminhar em direção ao coleante, ao úmido, ao viscoso, elementos mediadores que produzem impressões sensoriais ambíguas e não se ajustam sensorialmente a um sistema, a poética de Manoel de Barros incorpora o ambíguo, o difuso, o descentrado; desconcerta e arrebata o leitor."

Lúcia Castello Branco

"Acreditamos que o novo, em Manoel de Barros, não está na alça de mira: está na própria mão que aciona o gatilho".

Paulinho Assunção

"...este grande poeta chamado Manoel de Barros, que conhece a língua dos bichos do Pantanal e nada faz para atrapalhar a harmonia pré-homo sapiens. Como homo ludens, vem à Cidade para rir e volta ao mato para anotar".

Fausto Wolff

"Sobre essa realidade brasileira, mato-grossense e distante, vibra o super-real desse poeta, seus valores desvairados, um universo de puro destemor à memória a ao seu cruel encantamento".

Ismael Cardim

"Se você se detiver e analisar folhas, pelos, plumas, escamas, cristais e madrepérolas - o modo como se resolvem em si mesmos e se imbricam com seus pares - , você vai entender a poesia de Manoel de Barros. Um verbo orgânico que obedece ao mesmo plano diretor que orienta as teias de aranha, as cadeias de enzimas, as barreiras de coral."

Jamil Snege

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"Manoel de Barros extrai música do coração do chão rejeitado, pisado e mijado da civilização ocidental. Extrai música das lesmas, dos líquenes, das moscas e das formigas. Extrai música dos besouros, dos ciscos e das garças. Manoel de Barros passou de poeta. Como aquele cristal de Vallejo passou de animal. Como aquela flor que passou de borboleta. Como a minha mulher, que passou de orquídea."

Douglas Diegues

"Acompanho a poesia de Manoel de Barros humildemente: recebo-a como se em estado de graça, me comprazo com ela e - por instantes graças a ela - me comprazo com o mundo e até comigo."

Antônio Houaisss, filólogo

"É que Manoel de Barros é um usuário ou utente ou utilizante ou criante de palavras - havidas , haventes, havíveis - que sangram, sorriem, safadeiam, macaqueiam, lirizam, luziluminam, que convida o leitor a gozar - na bruteza da vida que corre - a infinita graça da disponibilidade mental para o gratuito absoluto - a nós, bichos da terra atarefadíssimos, que perdemos cada vez mais o dom do dado, a buscar macabramente o conquistado, o barganhado, o comprado, o negociado, o crocitado, o propagandeado: a pureza poética de Manoel de Barros acena-nos (dá-nos) a utopia da felicidade mental e verbal".

Antônio Houaisss, filólogo

"... confesso que sobre mim a ação, a influência, a percepção da obra de Manoel de Barros, transcende o cotidiano, o ordinário, o regular. Trata-se, repito, na minha opinião, de um dos grandes poetas que a língua portuguesa produziu, e um dos grandes poetas que o mundo no momento tem."

Antônio Houaisss, filólogo

"A poesia de Manoel de Barros, nesta nossa conjuntura, nacional e humana em geral, é um maravilhoso filtro contra a arrogância, a exploração, a estupidez, a cobiça, a burrice - não se propondo, ao mesmo tempo, ensinar nada a ninguém, senão que à vida."

Antônio Houaisss, filólogo

"seu manejo das palavras reserva surpresas até mesmo para quem está acostumado a lidar com elas. Sua originalidade sem par é dificilmente encontrada na poesia universal."

Antônio Houaisss, filólogo

"O poeta Manoel de Barros é único em sua obra, não merece, e sua obra não aceita, qualquer rótulo de classificação ou agrupamento forçado sob o ponto de vista de características comuns."

Pe. Afonso de Castro

"...é a poesia que abre seu lugar próprio em seu próprio território, sob sol próprio e sua própria paisagem física e moral, verbal e estética, em que há um humilde (e sábio) demiurgo"

Antônio Houaisss, filólogo

9

INTRODUÇÃO

Como toda introdução, esta também se pretende como alinhavo do texto

que se segue. Mas, igualmente, como toda introdução, foi confeccionada após

o término do texto em questão. Portanto, tal introdução funciona mais como

resumo ou panorama (talvez, com algumas alterações, até como um artigo) do

texto principal.

Desse modo, através dessa tessitura, pretendemos abordar o problema

das possibilidades comunicativas que resultam das relações entre a poesia e a

crônica. Para tanto, a semiótica se revela como extremamente adequada para

analisar as texturas de cada uma delas, bem como os virtuais entrelaçamentos

entre esses dois universos sígnicos distintos; pois quando se pretende captar

processos e mobilidades, o real se torna sobretudo devir, ainda que seja

congelado a todo momento em uma estrutura que é a sua atualização.

Essa dissertação assume, portanto, a técnica da bricolagem como

proposta de composição. A partir da junção ou encaixe de fragmentos, frases,

citações, traduções, advindas de diversas teorias pertinentes, pretendemos

alcançar o objetivo proposto, sem, contudo, esgotá-lo. Desse modo, o que

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aspiramos não é forjar uma verdade única e inquestionável, mas fazer emergir

circularidades e interações entre verdades possíveis.

No primeiro capítulo, tomaremos como referência o poeta pantaneiro

Manoel de Barros e sua poesia. Manoel, no alto de seus noventa anos, é

considerado, hoje, senão o maior, um dos maiores poetas brasileiros vivos da

atualidade. Sua poesia vigorosa, simples, orgânica e extremamente inovadora

vem ganhando prêmios e conquistando espaço entre leitores do Brasil e do

estrangeiro.

Através de uma breve biografia, baseada em alguns livros, artigos e

entrevistas concedidas pelo poeta, disponíveis no acervo da "Gleba Expositiva

Manoel de Barros" (cf. Bibliografia), abordaremos sua infância entre os seres

ínfimos do pantanal matogrossense; passaremos por sua adolescência e

juventude perambulando pelo Rio de Janeiro e outras cidades no exterior;

revelaremos suas influências, tanto em relação à literatura quanto à outras

artes e; chegaremos em seus procedimentos poéticos e em sua temática

repleta de insetos, aves, sapos, rios, pedras, lodos, trastes, latas, vagabundos,

andarilhos e toda sorte de gente que permearam sua infância e, para os quais,

Manoel de Barros empresta sua voz em incansável exercício de subversão da

gramática e da lógica instrumentalista. Pelas memórias inventa(ria)das de sua

infância, o poeta exprime a exuberante natureza do pantanal, a cosmovisão do

homem pantaneiro, a impórtância dos seres e coisas desimportantes e,

metalingüisticamente, seu próprio exercício de poetar.

No segundo capítulo, como toda aproximação demanda antes

delimitação, inicialmente, vislumbraremos as particularidades tanto da crônica

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quanto da poesia. Para só então, verificarmos as possibilidades relacionais de

ambas.

No âmbito das distinções, para compreendermos os diversos fatores e

funções presentes em toda linguagem, abordaremos, de modo resumido, a

teoria de Roman Jakobson, em especial a função referencial, comumente

atribuída à crônica, e a função poética, obviamente ligada à poesia.

No que se refere às possibilidades comunicativas, apresentaremos a

noção de dialogismo forjada por Mikhail Bakhtin. Formulado a partir dos modos

de utilização da linguagem, do diálogo entre o "eu" e o "outro", das interações

dialógicas entre gêneros discursivos, enunciados e contextos sociais, das

polifonias no interior de um mesmo texto tramado em fios de vozes que

polemizam entre si, se completam ou respondem umas às outras, o dialogismo

se mostra como um excelente recurso para procurar vestígios relacionais entre

a poesia e a crônica em Manoel de Barros. Dado que, por esse prisma, uma

linguagem pode se insurgir dentro de outra e vice-versa, de modo a que os

discursos e processos de transmissão das mensagens se deixem contaminar,

permitindo o surgimento de híbridos ou mestiços.

Abordaremos, ainda, a noção de complexidade, conforme proposta por

Edgar Morin. Esse método, que é na verdade, mais um modo de ver do que

propriamente um método estruturado e fechado, tem por princípio distinguir

sem separar e associar sem reduzir, a fim de descobrir possíveis ligações,

contatos, relações, envolvimentos, solidariedades, sugestões, imbricações,

interdependências, complexidades, entre distintas esferas do conhecimento

humano. Desse modo, revela-se como uma importante mirada para vislumbrar,

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em Manoel de Barros, as possíveis articulações organizacionais entre poesia e

crônica.

No terceiro e último capítulo, trataremos mais detidamente do dinamismo

da cultura, entendida, segundo o semioticista russo Iuri Lotman, como um

sistema sígnico composto por diversos elementos em vários níveis, que atuam

em interações uns com os outros, de modo que, no interior da cultura, existem

estruturas diferentemente organizadas em diferentes graus de organização.

Nesse sentido, devido às características de formação próprias a cada

cultura, esta pode ter uma maior ou menor abertura e, conseqüentemente, uma

maior ou menor dinamicidade em seu interior. Assim, toda cultura viva se

caracteriza por uma contradição gerada pela constante luta entre a aspiração a

levar o sistema até seus limites e o automatismo gerado como resultado disso.

O sistema ou a cultura, por sua vez, é entendida como um texto (no seu

sentido etimológico: tecido, entrelaçamento), onde, segundo Lotman, se

interatuam, se interferem e se auto-organizam hierarquicamente as linguagens.

Entendemos, portanto, na trilha de Lotman, que cultura-é-um-texto-tramado-

em-entrelaçamentos-de-textos.

Cultura, desse modo, é pensada como um texto organizado

complexamente, como um meio semiótico, chamado por Lotman de

semiosfera, onde diversos textos se organizam hierárquica e tradutoriamente.

Isso acontece porque a semiosfera possui fronteiras e é muitas vezes

atravessada por fronteiras internas. Essas fronteiras não são totalmente rígidas

e, em alguns casos, chegam a ser permeáveis ou, ainda, até mesmo fluidas.

A semiosfera pode, portanto, ser considerada sob uma perspectiva

fundamentada essencialmente na noção de sistemas complexos, nos quais o

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conjunto de distintos textos e linguagens relacionam-se uns com os outros,

interpenetrando-se e intercambiando-se em novos universos semióticos, o que,

assim como na língua natural, aumenta ainda mais a complexidade do sistema,

o que, por sua vez, possibilita outras novas relações ad infinitum.

Nesse sentido, regiões como a América Latina, que devido a sua

formação sócio-histórica tornou-se palco de diversas mesclas culturais,

exercem a mesma função da semiosfera, mas de maneira exacerbada. Isso

levou o sistema a tal grau de complexidade que ocasionou um rompimento com

os processos civilizatórios clássicos, vindo a desenvolver um outro processo

chamado Barroco ou Neo-barroco. Diferente do barroco europeu, no nosso

barroco há, segundo Lezama Lima, tensão, plutonismo e plenitude1. E isso se

dá dimensionalmente em todos os textos e séries da cultura: na culinária, na

ourivesaria, no vestuário, na arquitetura, no corpo, no jornal, na literatura etc.

Dito de outra forma, nosso barroco é proliferante, é uma ciência dos

encaixes por bordadura, é construção contínua de mosaicos móveis. Por isso,

a relação entre dois textos culturais cria fricções entre sistemas semióticos

distintos, podendo ou não resolver-se em sintaxes mais ou menos elaboradas,

de melhor “encaixe” ou não tão bem encaixadas.

Esses "encaixes" podem vir a gerar mestiçagens entre distintos textos

da cultura, pois, conforme Serge Gruzinsky, a mestiçagem ou hibridismo não

se refere às raças, mas a um modo de superar as fronteiras entre áreas,

linguagens e textos, pois a mestiçagem bem feita é um modo de resolver o

heterogêneo sem cair na fusão, mas de modo que aquilo sobreviva como

inclusão e como criação.

1 No livro "A expressão americana", pág. 79-80, Lezama Lima diz que o barroco americano é "plenário". Entretanto, para proporcionar uma leitura mais ágil e agradável, optamos pelo termo "plenitude". Cremos que essa troca não altera o significado proposto pelo autor.

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Assim, conforme Pinheiro, uma mestiçagem bem feita é aquela que se

dá quando uma linguagem insemina e é inseminada pela outra, de tal sorte que

uma remeta a outra, estabelecendo uma relação complementar entre ambas.

Nesse sentido, no que se refere à prática literária na América Latina,

Severo Sarduy afirma que o barroco faz da escrita uma prática de

artificialização, de modo que uma escrita contenha, comente, carnavalize

outras escritas. Como espaço do diálogo, o barroco realiza na escrita literária

um teatro citacional e paródico.

Existem, portanto, misturas entre os diversos gêneros literários, que por

sua vez, criam certa propensão à ruptura e, consequentemente, geram

dificuldades de classificação no que diz respeito à Literatura desenvolvida na

América Latina.

Esses processos de ruptura, que já estão presentes desde a “invenção”

de nossa América, por meio da descrição do choque entre culturas, precipitam-

se através das veias abertas pelos movimentos modernistas da Arte, que se

sucederam, um após outro, com pequenas diferenças de tempo, em toda

América Latina.

No Brasil, desde os descobridores até os contemporâneos, existe uma

tradição de autores que estabelecem uma ligação com os fatos, com o

cotidiano, com a história, com o jornal e com a poesia para tornarem-se

cronistas da história. E foi justamente o exercício da crônica, verdadeiro

laboratório experimental para os poetas e escritores modernistas, que

funcionou como estopim para as revoluções formais e temáticas empreendidas

pelos mesmos. E não poderia ter sido de outra forma, pois a crônica, através

da apropriação eclética de campos culturais e de gêneros díspares, próxima ao

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modo barroco que nos funda, embora tenha uma origem estrangeira,

aclimatou-se bem a nossa terra, adquirindo inclusive nosso(s) sotaque(s).

Desse modo, aproximar a crônica da poesia é, de saída uma tentativa de

entrever os meandros estruturais das culturas latino-americanas e brasileira.

Destarte, abordamos um poeta tão complexo quanto original como

Manoel de Barros para buscar possíveis confluências entre poesia e crônica.

Tomando como exemplo ou amostragem um poema de cada um de seus livros

publicados, esquadrinhamos as estruturas e as temáticas dos mesmos

procurando, neles, indícios da presença da crônica.

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I - O POETA MANOEL DE BARROS

1.1 - Manoel de Barros: vida e obra

Se ganhar prêmios for mesmo referência para avaliar um bom poeta,

Manoel de Barros é o maior poeta em atividade no Brasil, pois já conquistou

todos os prêmios de poesia, incluindo dois Jabutis. (MARTINS, 12/2006)

Apesar de tudo, continua praticamente desconhecido ante o grande público e

parte da crítica. Entretanto, o parco reconhecimento vem, aos poucos, se

ampliando. "Descoberto" pelo público quando já em idade avançada e tendo

então publicado vários livros, a crítica (como vimos acima) há tempos vem

cultuando sua poesia espelhada na fluida paisagem pantaneira e permeada da

beleza das inúteis pequenezas das coisas-insetos-plantas-aves. Poesia da

plasticidade, poesia dos restos, poesia da substantivação que revela uma

carga de comoção nascida de uma fonte objectual e não subjetiva, poesia do

chão. Estas são algumas definições que podem ser aplicadas à obra de

Manoel de Barros. (NETO, 1997 : 41)

Nascido em Cuiabá a 19 de Dezembro de 1916, Manoel Wenceslau

Leite de Barros, neto de bugres e de portugueses, logo foi levado para o

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pantanal de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde cresceu rente às cercas

que seu pai fazia, descobrindo o mundo ao brincar em árvores e com aquelas

coisinhas do chão, aqueles bichinhos, como ele mesmo afirma em uma

entrevista (COUTO, 14/11/93). Aos oito anos de idade vai estudar em Campo

Grande. Logo mais, aos 13, vai para o Rio de Janeiro estudar em colégio

interno, como ele mesmo diz (BORGES & TURIBA, 1990 : 323): estudei dez

(10) anos em colégio interno. Interno é preso. Se você prende uma água, ela

escapará pelas frinchas. Se você tirar de um ser a liberdade, ele escapará por

metáforas.

Talvez tenha sido por isso que, Manoel de Barros, depois de conhecer

Camões, Camilo, Bernardes e todo Antônio Vieira, descobriu que o que lhe

dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.

(BARROS, 2000a : 87). Principalmente com Vieira, a quem considera um

pregador da palavra e não da divindade, percebeu seu dom para gostar de

frases, para admirar as sintaxes, conforme sustenta em entrevista (CASTELLO,

18/10/97): Lendo o Vieira, descobri que qualquer palavra pode tornar-se

poética, desde que você a coloque no lugar certo. Com o Vieira aprendi o valor

da construção na poesia.

Foi também nessa época que o poeta, conforme afirma numa entrevista

(GUIZZO, 1979), percebeu sua timidez, manifestada através de um bloqueio,

uma barreira, um tremuleio para falar, pelo qual as conversas acabavam sendo

cortadas no meio, o que lhe deixava um saldo mortal de angústia. Diz que é

um bom escutador e um vedor melhor. Mas só trancado e sozinho é que

consegue se expressar. Mas, assim mesmo, sem linearidade, por trancos,

sugestões, ambíguo - como requer a poesia.

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Essa timidez acompanhou-o por toda vida e ainda hoje está presente.

Certa feita, por volta dos 23 anos, já formado em Direito - carreira que, salvo

algumas tentativas frustradas, nunca exerceu - diante de um juiz togado,

quando se preparava para começar uma defesa, vomitou em cima do

processo. (...) Tempos depois, convidado para ler uns versos de Louis Aragon

em um estúdio de rádio, o poeta desmaiou sobre o microfone. (CASTELLO,

1999 : 123) Seus limites começavam a aparecer, Manoel a se conhecer e a

poesia a se impor.

Aos 31 anos, após abandonar a militância do Partido Comunista, decide

"vagabundear em Nova Iorque", onde morou mais de um ano. Em suas

andanças correu boa parte do mundo, desde pequenas cidades da América

Latina, alcançando a Itália, Portugal e Paris. (CORREIA, 01/12/90) Essas

viagens lhe trouxeram, conforme afirma em uma entrevista (BORGES &

TURIBA, 1990 : 329), além do contato com a produção de outros artistas,

principalmente ligados ao cinema e às artes plásticas, a percepção de que os

meus viveres citadinos, ou civitantes, estão sempre cheios de um ver

envesgado, cheio de vozes de rios e de rãs em minha boca.

De volta ao Rio, casou-se e teve filhos. Desde 1960, após herdar uma

fazenda de gado em Corumbá, vive entre a mesma e Campo Grande, onde

mantém uma vida simples e com poucas extravagâncias. Além de cumprir,

anualmente, o ritual quase religioso de voltar ao Rio de Janeiro, onde

permanece um a dois meses, para rever amigos e se abastecer de livros

(CORREIA, 01/12/90), no seu dia-a-dia, em seu ancoradouro pantaneiro,

afirma que tem uma rotina quase militar:

19

Acordo às 5 horas, tomo um copinho de guaraná em pó,

caminho 25 minutos, tomo café com leite, subo para o meu

escritório de ser inútil. Desço meio dia, tomo dois uísques,

almoço e sesteio. O resto é pra ouvir música. E ver o dia

morrer. (MARTINS, 12/2006)

Entretanto, é perfeccionista. No seu inusitado "escritório", munido de um

dicionário do século XVIII - organizado em cinco volumes, que ostenta

extensos verbetes de uma página inteira - e de outros livros de filologia, Manoel

de Barros passa horas consultando, lendo, averiguando, anotando coisas. Nos

pequenos cadernos que ele mesmo prepara, caprichando nas capas que

exibem reproduções de obras de arte, chega a reescrever duzentas vezes um

mesmo poema, até alcançar a forma desejada. (CORREIA, 01/12/89) O que o

leva a atingir um alto grau de originalidade. Aliás, originalidade e inovação são

características marcantes desse poeta sul-mato-grossesnse. Como numa

brincadeira de criança, o poeta cria e transforma a linguagem, dando realce e

tornando mágicos seus versos. (SPIRONELLI & ISQUERDO, 2003 : 180)

Embora cronologicamente pertença à geração de 45, Manoel de Barros,

numa entrevista à André Luis Barros (24/08/96), sustenta que nunca na minha

vida fui de participar muito de grupo. Acho que em poesia também não

pertenço a nenhuma geração, a tal geração de 1945 não é a minha.

Entretanto, a obra de Manoel de Barros apresenta uma evolução

temática e estrutural que perfaz, grosso modo, todas as fases do modernismo.

(FERNANDES, 1987 : 87). É ele mesmo quem afirma que só depois que me vi

livre do internato, com 17 anos, talvez, foi que conheci o Oswald de Andrade e

Rimbaud. O primeiro me confirmou que o trabalho poético consiste em

20

modificar a língua. (BORGES & TURIBA, 1990 : 325). Outro autor importante

para Manoel de Barros foi outro Manuel: o Bandeira. Poeta

que trouxe para a lírica nacional uma nova maneira de

escrever e viver a poesia, vista como a descoberta do sublime

nas pequenas coisas do dia-a-dia. Poeta do cotidiano e da

humildade, Bandeira fundou uma maneira específica de poetar.

Barros desenvolveu este fazer poético, levando-o às últimas

conseqüências. (NETO, 1997 : 44)

Daí pode-se entender de onde vem sua outra fonte poética: o linguajar

popular. Como o próprio Manoel de Barros diz em entrevista (COUTO,

14/11/93), O que o povo diz é, para a gente, tão importante quanto ler Vieira.

Eu passo metade do meu dia conversando com gente pobre, com pessoas

ignorantes que sabem falar coisas diferentes. Ou ainda, em outra entrevista

(NAME, 02/03/96), Povo, criança, bêbados, psicóticos e primitivos renovam as

linguagens. Inventam maneiras de falar que me entusiasmam. Sou muito

abastecido por esses falares.

Suas influências passam também por outros caminhos. Na literatura,

passeou por Ovídio, Kafka, Gógol, Dostoiévski, Baudelaire, Mallarmé, Valéry,

Erza Pound, T. S. Eliot, Tinguely, Apollinaire, Guimarães Rosa, Fernando

Pessoa, Cesário Verde, Mário Sá Carneiro, Mário de Andrade, Jorge de Lima,

Murilo Mendes, João Cabral de Melo Neto, Antonio Nobre, Dalton, Machado de

Assis, Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Clarice Lispector. Do cinema e

das artes plásticas, onde muitas vezes sua poesia foi tomar soluções, bebeu

em Buñuel, Fellini, Kurosawa, Charles Chaplin, Bosch, Brueghel, Utamaro,

Hokusai, Picasso, Braque, Paul Klee, Joan Miró, Magrite, Modigliani, Giuseppe

21

Arcimboldo, Chagall, Van Gogh. E na filosofia, dialoga com Heidegger, Sartre,

Benjamim, Barthes. Além disso, é ouvinte atento de Chopin, Bach, Beethoven e

igualmente de Cartola, Lupicínio Rodrigues e Bezerra da Silva. Enfim, Manoel

de Barros é um observador atento dos movimentos estéticos desse e de outros

séculos. Em seus poemas é possível encontrar variações que vão desde a

elegância seiscentinta de um soneto camoniano aos mais provocadores efeitos

formais e semânticos que se ligam, de certa forma, aos idos de 22. (SILVEIRA

In BARROS, 2000a) Além disso e, também por isso, as palpitações e as

inquietações artísticas de nossa época transparecem em seus livros.

(CAMARGO, 1999 : 70) Acresce ainda que nenhum outro poeta brasileiro

transubstancia com igual intensidade a realidade e os significados das palavras

(FERNANDES, 1987 : 83). Assim, com uma dicção bastante pessoal, um

comportamento diverso do da maioria dos poetas, que inaugura novos

caminhos, desvela novas percepções e instaura novos mundos, Manoel de

Barros pôde, antropofagicamente, ter usado técnicas que outros poetas, ou

pintores, ou cineastas usaram. Apropriou-se delas e transformou-as ao

pantanalizá-las. (CASTRO, 1991 : 58)

Desse modo, Manoel de Barros é um autor extremamente sensível ao

seu cotidiano universo regional, repleto de ciscos, trastes, insetos, bichos,

aves, plantas, loucos, gentes e paisagens, sem, contudo, deixar de

transcender, através do trato com a palavra, para os grandes temas da

realidade universal humana. Pois como ele mesmo sustenta (CASTELLO, 1999

: 115/116), há sempre um lastro de ancestralidades que nos situam no espaço.

Mas não importa muito onde o artista tenha nascido. O que marca um estilo é a

maneira de mexer com as palavras. Poesia é um fenômeno de linguagem. E

22

continua, de minha parte, confesso que fujo do regionalismo que não dê em

arte, que só quer fazer registro.

Por conseguinte, sua temática perpassa a natureza e o pantanal mato-

grossense com o cotidiano de suas gentes, causos, anedotas, adivinhas,

histórias-da-carochinha, mitos e lendas, muitas vezes expressos através de

seus vários personagens; avança para tudo aquilo que a nossa civilização

rejeita, pisa e mija em cima (BARROS, 1990 : 180); resgata memórias de sua

infância - ao rés do chão - para melhor errar a língua e empoemar o sentido

das palavras; roça a incompletude humana, a vida e a morte, propondo uma

comunhão com a paisagem, uma transubstanciação recíproca entre homem,

terra, natureza, restos e outros seres e; como um caramujo, desliza

metalinguisticamente sobre a própria poesia, a arte de escrever, deixando

como rastro sua profunda interpretação da mesma. Manoel de Barros funda,

assim, sua poética da ordinariedade e leva a cabo seu objetivo de reinventar

sempre a linguagem.

Por fim, tudo pode ser eleito para matéria de sua poesia, como ele

afirma, em uma entrevista (TRIGO, 07/89): Elejo a palavra, o ser, o ente, a

coisa. Qualquer pedacinho de parede onde os caracóis escurecem de chuva.

Elejo o guspal e o vergel. Um homem de pé segurando um buquê de moscas.

Tudo.

Todavia, para Tudo há ressalvas! Em diversas circunstâncias, foi o

próprio Manoel de Barros quem delimitou melhor a matéria-prima de sua

poesia ao dizer que a infância que passou, entre gentes e bichos, no pantanal

deixou nele um lastro, que com certeza, aliado ao seu instinto lingüístico, veio a

configurar sua poesia. Afirma, ainda, que não busca o sublime e o espiritual no

23

seu poetar, mas ao escrever com o corpo (BARROS, 1990 : 212), busca as

coisas ínfimas, inúteis, insignificantes colhidas do chão; o que está em estado

de putrefação, de metamorfose, de renascimento.

Pode-se, portanto, conceber a matéria-prima de sua poesia como

intimamente relacionada à exuberante natureza do pantanal; às memórias

inventa(ria)das de sua meninice; à complexa cosmovisão do homem

pantaneiro; às coisas e seres desimportantes, bem como às insólitas relações -

geralmente, desvalorizadas pela sociedade - entre elas e os seres humanos e,

por fim; ao próprio exercício de construir poesia com tais materiais, o que inclui

ainda o poeta e a palavra.

Por outro lado, (agora sim!) Tudo: o universo, o homem, a natureza, as

relações, a alegria, a liberdade, os grandes temas da humanidade, as

reminiscências passam a ser reinventadas sob o filtro da poesia. (CASTRO,

1991 : 19) Pois, através da poesia, Manoel de Barros descobriu que poderia

intervir na realidade, recriando-a a seu modo.

Dessa maneira, o pantanal se apresenta como microcosmo elevado a

macrocosmo na produção poética de Manoel de Barros. (SILVA, 2003 : 137)

Da efervescente natureza do pantanal, que segundo Manoel (CASTELLO,

18/10/97) é um lugar primário, não terminado, sem feições definitivas, onde

não se pode passar a régua. Desse universo composto por caramujos, lemas,

formigas, lagartixas, cupins, cigarras, jacarés e outros seres insignificantes aos

olhos do atarefado homem urbano (RAMIRES & MARINHO, 2002 : 29), o

poeta incessantemente tira novas matizes. Deslumbrado com os devaneios da

mata, Manoel de Barros colhe do pantanal os seus andarilhos, os loucos, os

seres que vivem em promiscuidade com a natureza, a forte presença da água,

24

da árvore, dos animais do úmido (...), que dão ao poeta a lição de um viver

rasteiro, colado ao chão. (NETO, 1997 : 21) Mesmo quando se refere a

máquinas ou objetos artificiais o faz de modo que o mesmo se mescle à própria

poesia e à natureza (alicate cremoso, chevrolé gosmento, pregos primaveris).

Assim, sem deixar que sua poesia se reduza ao referente e ao pitoresco,

articula de forma insólita e tensa os elementos fornecidos pela natureza a uma

pesquisa lingüística intensa, a uma busca de formulações novas e engenhosas

(BARBOSA, 01/12/90). Desse modo, a sujeira que envolve os poemas de

Manoel de Barros não é obra da natureza; é, sim, o resultado de uma longa e

difícil depuração. (CASTELLO, 1999 : 117)

A natureza, portanto, para Manoel de Barros, não é apenas cenário,

mas, como dissemos acima, é matéria-prima para seus poemas. Afinal, a partir

dela, o poeta

busca ultrapassar os limites do que é possível ser dito; e busca

fazê-lo através de termos resgatados de sua infância e

modificados através de prefixos, sufixos e de todos os

possíveis processos de formação e derivação de palavras que

a língua portuguesa oferece, para assim expressar sua

particular cosmovisão. (RAMIRES & MARINHO, 2002 : 42)

Desse modo, o poeta utiliza-se de seus minadouros, i.e., das memórias

de sua infância, junto a outros procedimentos, para incidir na língua como

expressão; de modo que as palavras, como que encantadas, reclassifiquem o

mundo e todos os seres que o compõem e digam, de modo inaugural, o ínfimo,

o gratuito, o lúdico. Como ele mesmo afirma em entrevista (MARTINS,

TRIMARCO & DIEGUES, 12/2006), o que sei e o que uso para a poesia vêm

25

de minhas percepções infantis. Por isso, o pantanal - e suas águas, bichos,

trastes, gentes - é tão freqüente nos poemas de Manoel de Barros. Pois, na

mesma entrevista, ele diz que o

Pantanal é o lugar da minha infância. Recebi as primeiras

percepções do mundo no Pantanal. Meu olhar viu primeiro as

coisas no Pantanal. Minhas ouças ouviram primeiro os ruídos

do mato. Meu olfato sentiu primeiro as emanações do campo.

E assim com os outros sentidos.

De lá vêm também seus inúmeros personagens: oriundos do universo

biográfico de Manoel de Barros ou baseados em histórias e/ou pessoas reais,

que permearam sua infância e semearam no poeta o amor por aquilo que

comunga com o chão, já que o chão é um ensino. (BARROS, 1990 : 217) Tais

personagens, contaminados de natureza por aderências, vivem no limite entre

o natural e o humano. Além disso, como vivem à margem da produção e do

mercado, instauram por reentrâncias um outro mundo: o poético.

Desse modo, seus personagens - Bernardo, portador de referências

vegetais, que vive sem as químicas do civilizado e transfaz natureza, que um

dia apareceu na casa do avô de Manoel, pedindo emprego; Polina, menina de

8 anos que não sabe dizer Paulina, seu nome "correto"; Maria-Pelego-Preto,

tão abundante de pelos no pente que o pessoal pagava pra ver; Mário-pega-

sapo, freqüentador assíduo de velórios que esfola sapos a canivete para ver,

nas entranhas do bufo, seu futuro; Gedeão ou Gidian, que se inventou e gosta

de saber o que tem da pessoa na máscara; Andaleço, andarilho com feitio de

Homem do Saco, cuja função é ter a doce independência de não escolher;

Catre-Velho, traste pessoal que só presta para tocar violão e cantar com sua

26

voz de harpas destroçadas; Apuleio, de vulgo Seo Adejunto, por de dantes

cabo-adjunto por servimentos em quartéis; Sebastião, diz-que louco que

apostava corrida com peixes montado de sela em jacaré; Zezinho-Margens-

Plácidas, célebre fazedor de discursos patrióticos, hoje aposentado; Antoninha-

me-leva, que toda noite recebe três e até quatro comitivas de boiadeiros;

Salustiano, índio guató que ensina o saber que tem força de fontes; Claúdio,

que de tão só e sujo acabou por se irmanar com um jacaré; o Avô, que vivia em

cima de uma árvore e que, antes de morrer, deixou ao neto um "caderno de

apontamentos"; e muitos outros - são máscaras de um mesmo eu lírico que

quer interferir na realidade, estabelecendo uma ética poética, um pensar sobre

as coisas a partir do chão, do pequeno, do inútil. (CAMARGO, 1999 : 72)

Para tanto, Manoel de Barros precisa minar o terreno da lógica

utilitarista. Por isso, a eleição da pobreza, dos objetos que não têm valor de

troca, dos homens desligados da produção (loucos andarilhos, vagabundos,

idiotas de estrada, formam um conjunto residual que é sobra da sociedade

capitalista (WALDMAN apud. NETO, 1997 : 42).

Associado ao seu singular tratamento para com as palavras - já que o

poeta arroga-se o direito de errar e inventar a língua para poder dizer o

inefável, a excessividade de seu mundo (CASTRO, 1991 : 214); já que ele diz

que ama arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-

las (BARROS, 1990 : 206) - , a partir do qual seu objetivo é, como se as coisas

não tivessem nome, batizá-las, forçá-las a aceitarem o dizer inaugural das

coisas e do mundo, a dizer com precisão o impreciso, a desarrumar a cartilha,

a se contaminarem dele e da força do chão para instaurar um outro mundo.

Enfim, seu objetivo é empreender uma espécie de síntese entre o nome e o

27

objeto, é burlar a racionalidade numérica, é problematizar a linguagem, como

ele mesmo diz em entrevista (CANÇADO, 06/87): Para mim, escrever é

aprender a errar a língua. Um desvio da linguagem. As evidências não

importam. Eu estou sempre escrevendo uma espécie de guia de cego.

Assim, comprometido com um lirismo às avessas, Manoel de Barros põe

em evidência a necessidade de se reconhecer tudo aquilo que não se quer

reconhecer, porque são realidades que revelam aspectos desagradáveis da

condição humana. (NOGUEIRA & VALLEZI, s/d) E revela através do delírio do

verbo, pelo qual Manoel de Barros coisifica-se, incorpora-se ao mundo das

coisas para que elas se expressem pela sua voz. Inaugurando um mundo

onde, nos vôos da imaginação, articulam-se de modo ambíguo palavras e

erros, aproximam-se em comunhão realidades distantes, diversificam-se

dissonantemente falas populares e eruditas, desencadeam-se caoticamente

novos entendimentos, sem se preocuparem com as amarras das normas

gramaticais e da ordem estabelecida pelo pensamento lógico. Nesse mundo,

em que são constantes negativas que se renegam ao modo de afirmativas, o

homem aparece descentrado de seu papel de dominação sobre os seres da

natureza, nivelado à condição de coisa, submetendo-se a uma ordem geral

válida para todos os seres, os quais continuamente transformam-se. (CRUZ,

www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=literatura/docs/metapoesia>,

25/06/2006)

Desse modo, Manoel de Barros subverte a linguagem ao poetizá-la, pois

uma

linguagem conceptualizante não tem o vigor da vida, não fala

aos sentidos. (...) Quer ele uma linguagem voluptosa, rica de

28

imagens, cores, sons, incasta, corrompida e relacionada ao

sensível, livre, impregnada da luxúria da terra, do limo, do lodo,

de sangue e de putrefações férteis. Um linguajar que floresce

no agroval, no quente mundo da fermentação das

metamorfoses. (CASTRO, 1991 : 144)

Assim, Manoel de Barros, contesta o convencional e aproveita as

virtualidades da língua para melhor errá-la e, desse modo, desconstruir sua

codificação usual. Através de sua radical liberdade de criar sobre aquilo que a

sensibilidade lhe oferece, prefere as surpresas do sensível à iluminação e a

certeza da reflexão rotineira. (CASTRO, 1991 : 165)

E isso garante aos seus poemas uma feição de inocência poética, como

estado de ser (sendo as coisas), um estágio de vida nascente, onde a

ludicidade da vida expressar-se-ia numa linguagem inaugural, virgem enquanto

nascente. (CASTRO, 1991 : 61)

Entretanto, embora possam parecer simples, seus procedimentos

poéticos são bastante complexos: Com habilidade, Manoel de Barros,

emprega, em seus poemas, vocábulos provenientes de diversas áreas:

comunga palavras da fala cotidiana (sesso, pente em alusão a sexo, corgo em

vez de córrego) com outras da tradição clássica; absorve palavras cujas raízes

advêm de outros idiomas, como o inglês, o espanhol, o árabe; incorpora

palavras ouvidas na região do pantanal ou pesquisadas na língua regional

arcaica (ensaruou, bundura, avino) e; pare palavras inventadas, em níveis

vocabulares, sintáticos e semânticos, através dos processos comuns

oferecidos pela língua, como o emprego de sufixos (olhoso, pedral, areiento,

nadeiras), prefixos (desútil, desconformada, transpedregoso), substantivação

29

de verbos (uma rã me pedra, um passarinho me árvore), sinestesias (ver com

os ouvidos, escutar com a boca), variações fonéticas (taligrama, vãobora),

justaposições (nadifúndios, amareluz), onomatopéias (tibum, pispinicar),

metaplasmos (garampos, teriscos), derivações (estrelamente, vesúvios), entre

outros procedimentos. E já que o poeta não gosta de palavra acostumada,

soma-se isso a um incansável exercício de descascar as palavras, através do

qual ele limpa o lodo da civilização, areja as palavras, revivifica-as na terra,

enverba as insânias, busca contigüidades anômalas e moleca o idioma, numa

profusão de metáforas, metonímias e oxímoros.

Outro fator importante nas composições poéticas de Manoel de Barros

se dá em seus obscenos esfregamentos da poesia com a prosa. A recorrência

a personagens e coisas que se desenvolvem num tempo e num espaço quase

que narrativo, meio que descritivo ainda que altamente acometido da mais

singular manifestação de poeticidade (ROSSONI, 2003 : 59), associados a

versos que se equiparam a frases curtas, quase sem rimas, com ritmos

permeados de pausas bruscas e freios ligados à respiração e

pronunciamentos, dão aos poemas o feitio de contos, encadeados por imagens

poéticas. Na verdade, o que o poeta faz em sua faina é atravessar o outro

lado da linguagem, tentando, através do jogo sintático-semântico, construir o

equilíbrio incerto que separa o prosaico do poético. (NOGUEIRA & VALLEZI,

s/d)

Nesse sentido, os poemas de Manoel de Barros, como recorrência à sua

própria poética, são construídos por conexões de fragmentos, como um

brinquedo de montar, passível de decomposição e recomposição. (NETO, 1997

30

: 76). É ele mesmo quem expõe seu processo compositivo em uma entrevista

(VASSALLO, 1996 : 08):

Tenho um caderno de ter infância. Nele escrevo as minhas

fantasias. Anoto coisas desgualepadas. Boto frases dementes.

Depois de obter umas 300 frases ou versos, começo a montar

o poema. As frases no caderno estão esparsas, solteiras; mas

fazem parte de uma experiência minha e de meus

desentendimentos daquele período. Então, monto, remonto e

desmonto as frases. Depois que consigo ler o poema de baixo

para cima e de cima para baixo, dou por concluído o que não

tentei explicar. Ao gosto barroco.

Essa técnica de colagem fica ainda mais complexa quando Manoel de

Barros faz uso, em seus poemas, da intertextualidade. As filiações às palavras

de outros poetas e escritores, as referências, as epígrafes, as citações, as

notas de rodapé que permeiam seus poemas, como que faz pulular, nas

entrelinhas paratextuais, o desnome desse poeta que, como a lesma que lhe

agrada tanto, vai escrevendo com a gosma de seu corpo, os interstícios de sua

poética.

Há, ainda, nos poemas de Manoel de Barros, a utilização da

metalinguagem como processo crítico de sua própria obra artística, que leva,

concomitantemente, a um entendimento e a uma teorização metafórica de sua

proposta poética. Ao mesmo tempo em que se reflete sobre sua obra, o poeta

vai tecendo uma nova maneira de se fazer poesia.

Desse modo, Manoel de Barros, pratica uma verdadeira alquimia que

plasticiza a linguagem, fazendo-a soar estranhamente cristalina e humilde, sem

31

imponência. (WALDMAN, 27/05/89). Mas que, como um espelho, logra mostrar

o mundo do ponto de vista imagético, sem conceituá-las. (SILVA, 1998 : 10)

Entretanto, para Manoel de Barros, o mundo - assim como a natureza e

os seres e coisas excluídos dele - devem projetar-se uns sobre os outros de

modo a fermentarem-se e fundirem-se na retração das imagens. Por

conseguinte, sua poesia pode ser entendida como um ritual que depura e

elimina as disparidades da natureza, transformando-as em harmonia polifônica

e policrômica da fala expressiva das imagens. (FERNANDES, 1987 : 27)

Diferente do pensamento racional, onde as coisas são essencializadas

individualmente, ao poeta cabe voltar a confundi-las. Pois, pela poesia as

diferenças entre as coisas se desfazem. Desse modo, o poético não se

encontra no objeto real, nem tampouco na palavra denotativa, mas na

transubstanciação a que os mesmos são submetidos ao serem colocados em

um poema. Nesse sentido, o tido como feio, grotesco, caótico pode ser poético

a partir do momento em que, ao se transformar em linguagem, seus

significados referenciais cedam lugar ao poético. (PINHEIRO, 2000 : 26)

Assim, Manoel de Barros, sem obedecer as leis que regem as espécies,

desdenhando das fronteiras entre os reinos, ignorando a distância entre o

orgânico e o inorgânico, instaura um mundo de metamorfoses e transfaz a

natureza e a palavra equalizando-as em uma terceira realidade, porosa, sem

limites claros, onde os atributos humano, animal, vegetal, mineral e o próprio

poeta contagiam-se mutuamente e a linguagem se impregna de matéria viva.

Nesse universo em ebulição, onde há homens que arvoram, pedras que

cheiram água e galhos que ficam empassarados de sol, os sentidos se

embaralham, Manoel de Barros adoece dele suas palavras, inundadas pela

32

paisagem pantaneira, transmigra as essências das coisas e promove a

consubstanciação da realidade e das palavras, em busca da eucarística

transubstanciação dos seres para, epifanicamente, transfigurar o real.

Por outro lado, nesse processo, tem-se, por vezes, a sensação de que o

poeta Manoel de Barros também se transubstancia em cronista, pois as

narrativas imagéticas da paisagem pantaneira, dos animais e insetos, das

árvores e plantas, das pedras e rios e, principalmente, das histórias, costumes,

lendas, causos, personagens, vividas ou ouvidas da boca do povo, que

permeiam frequentemente seus poemas, fazem brotar a suspeita de que

Manoel de Barros, através de sua aglutinante poética, represa no texto, de

modo quase referencial, a realidade circundante.

Embora metamorfoseada pelos metabolismos lingüísticos e imagéticos,

a realidade, geralmente presente nos poemas de Manoel de Barros, reflete,

nas entrelinhas da poesia, o homem fincado em suas origens, em seu chão.

Com a ressalva de que o engendramento poético ao referencializar o mundo

por meio da imagem mostra-se mais belo que a própria realidade. (SILVA,

1998 : 12)

Assim, através do procedimento operado por Manoel de Barros, em que

o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê (BARROS, 1997 : 75), o

universo pantaneiro inunda a voz do poeta que, com seu estilo criador de

amálgamas, pinta com palavras uma tela do real. (SILVA, 1998 : 12)

Nesse sentido,

para retratar a vida pacata da cidade de Corumbá do início do

século, para descrever os personagens característicos que

conheceu na infância, Manoel de Barros recorreu ao poema-

33

retrato, ao poema-crônica. Os primeiros livros contêm o que a

memória conservou sobre a vida corumbaense, sobre o porto,

e sobre o pantanal. (CASTRO, 1991 : 11)

Vejamos, portanto, como se processa em Manoel de Barros a relação

entre poesia e crônica2. Como adiantado acima, ele utiliza elementos relativos

à crônica em seus primeiros livros. Entretanto, há a suspeita de que esse

procedimento se estenda a outros livros e, talvez, apareça na quase totalidade

de sua obra.

Mas, antes, para melhor entendimento da questão, vamos avaliar quais

são as possibilidades relacionais entre a poesia e a crônica, bem como as

diferenças entre elas. Além disso, abordaremos como se dá a dinamicidade

compositiva da cultura, principalmente na América Latina e, por conseguinte,

no Brasil; assim como, vislumbraremos de que modo se deram esses

processos dinâmico-culturais na literatura moderna brasileira.

2 Segundo Castro (1991 : 19-20), o próprio poeta afirma, em sua autobiografia oficial, que seus primeiros escritos publicados foram uma crônica intitulada Mano e um soneto de nome Bugrinha, publicados em 1932 no boletim da Nhecolândia, região onde se situa a fazenda de Manoel de Barros. Entretanto, oficialmente permanece Poemas Concebidos sem Pecado como o primeiro livro de Manoel de Barros. Infelizmente, não chegou a nossas mãos essas primeiras publicações do poeta, nem tampouco a autobiografia citada.

34

II - A CRÔNICA, A POESIA E SUAS RELAÇÕES

2.1 - Os diferentes fatores e funções da linguagem presentes na poesia e na crônica

A linguagem verbal humana, assim como a consciência, se vê apoiada

numa enigmática e complexa trama de fatores. Mudanças e alterações em

diversos níveis, de modo ao mesmo tempo complementar, concorrente e

antagônico, que ocorreram desde os primatas e nos ambientes em que estes

viviam, se engancharam de tal maneira que o homem pôde lançar-se na

aventura da consciência do mundo e de si e da articulação da linguagem verbal

para exprimi-lo e exprimir-se. (MORIN, s/d.) Muito provavelmente, sua

motivação se deve à necessidade de se auto-conservar. O homem precisava,

como o animal mais ameaçado, de auxílio, de proteção, ele precisava de seu

semelhante, ele tinha de exprimir sua indigência, de saber tornar-se inteligível

(NIETZSCHE, 1996 : 201). Assim, por necessidade, ao longo de seu processo

evolutivo, o homem cria meios ou signos para participar a outrem e a si mesmo

seus anseios, temores, esperanças etc.3

3 Embora tratemos aqui somente da linguagem verbal, os signos não se resumem à mesma.

35

Para isso, articula os dois modos básicos de arranjo utilizados no

comportamento verbal, seleção e combinação. (JAKOBSON, 1995 : 129) O

primeiro seleciona os termos dentro das possibilidades da língua, que, por isso,

podem ser substituídos e; o segundo trata de combinar em frase, os termos

selecionados.

Desse modo,

para toda comunidade lingüística para toda pessoa que fala,

existe uma unidade de língua, mas esse código global

representa um sistema de subcódigos relacionados entre si;

toda língua encerra diversos tipos simultâneos, cada um dos

quais é caracterizado por uma função diferente. (JAKOBSON,

1995 : 122)

Assim, para transmitir uma mensagem o homem necessita de alguns

fatores que arquitetam, de maneira inalienável, o processo comunicativo. Em

primeiro lugar, requer um remetente que emita a mensagem e um destinatário

para onde a mesma se encaminhe. Para que ela chegue ao seu destino é

necessário que se estabeleça um contato, tanto através de um canal físico (que

servirá de suporte aos sinais concretos da mensagem), quanto de uma

conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a

ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. (JAKOBSON, 1995 :

123) Os sinais, ainda, devem ser articulados de acordo com um código pré-

convencionado, aceito pelo remetente e pelo destinatário. Desse modo, só há

mensagem quando os sinais são convertidos em regras; isto é, só há

mensagem quando houver codificação. (CHALUB, 1988 : 12) O código é,

portanto, a língua ou dialeto sobre o qual a mensagem é formada. Resta ainda,

36

para completar o rol de fatores estruturantes de todo ato de comunicação

verbal, demarcar o tema ao qual a mensagem se refere, isto é, fixar o contexto:

este nada mais é do que o assunto sobre o qual a mensagem está organizada.

Todos esses fatores estão envolvidos em toda e qualquer mensagem.

São fatores constitutivos de todo processo lingüístico, de todo ato de

comunicação verbal. (JAKOBSON, 1995 : 122-3).

Igualmente, a cada um desses fatores corresponde uma função de

linguagem. A saber, a função EMOTIVA, centrada no remetente, produz

mensagens de caráter confessional, em 1ª pessoa, auto-biográfica, sentimental

(a carta de amor é um exemplo de mensagem elaborada a partir da função

emotiva). A CONATIVA busca convencer, induzir o destinatário a agir ou a

pensar de determinado modo (esta é a função utilizada na mensagem

publicitária, que tem como objetivo levar o destinatário a aceitar uma idéia

como verdadeira ou a consumir o produto anunciado). A FÁTICA expõe o fator

contato e tem como objetivo, ou apenas testar o canal físico (quando, ao

telefone, digo: Alô! Está me ouvindo?) ou para atrair a atenção do interlocutor,

ou ainda, para enfatizar o próprio contato para transmitir outras mensagens (se

usar como suporte um pergaminho darei a impressão de que esta mensagem é

mais antiga do que ela realmente é). A METALINGUÍSTICA enfatiza a própria

língua, isto é, o código, pois fornece informação apenas a respeito do código

lexical do idioma (JAKOBSON, 1995 : 127) (quando procuro no dicionário o

significado de uma palavra o resultado é metalinguagem, já que este está

expresso em outras palavras). A REFERENCIAL produz mensagens com a

finalidade de informar, seu fator predominante é o contexto (a linguagem

científica e a jornalística são exemplos de mensagens organizadas a partir da

37

função referencial). Enfim, a função POÉTICA pende para a mensagem como

tal. É o enfoque da mensagem por ela própria. Ou seja, a mensagem dobra-se

sobre si. Desse modo – e por ser a mensagem o lugar onde se pode apreender

o perfil da linguagem – a mensagem poética torna-se topos privilegiado para se

delimitar o fator estético da linguagem, presente em maior ou menor grau em

toda e qualquer mensagem.

Entretanto, é importante abrirmos um parêntese para salientar que tais

características estruturais da linguagem têm desenvolvimentos e

aplicabilidades irregulares em decorrência das diversas culturas nas quais as

mesmas se encontram, pois

as culturas cuja memória se satura fundamentalmente com

textos criados por elas mesmas, a maioria das vezes se

caracterizam por um desenvolvimento gradual e demorado; ao

contrário, as culturas cuja memória converte-se periodicamente

em objeto de uma saturação massiva com textos elaborados

em outra tradição, tendem a um "desenvolvimento acelerado"

(LOTMAN, 1996 : 161).4

Nesse caso, culturas como a latino-americana, que no seu interior

abrigam textos advindos de diversas outras culturas, possibilitam radicais

reorganizações dos fatores e funções da linguagem conforme proposto por

Jakobson. Desse modo, como veremos adiante, aqui se geram textos que,

tendencialmente, rompem com as estruturas estanques do modelo

4 las culturas cuya memoria se satura en lo fundamental con textos creados po ellas mismas, la mayoría de las veces se caracterizam por un desarollo gradual y retardado; en cambio, las culturas cuya memoria deviene periódicamente objeto de una saturación masiva con textos elaborados en otra tradición, tiendem a un "desarollo acelerado". No artigo: "La memoria a la luz de la culturología".

38

jakobsoniano através de uma proliferante assimilação estrutural mútua entre

textos, fatores e funções.

Contudo, isso é assunto para logo mais. Por ora, o fundamental é

delimitarmos que dessas seis funções da linguagem, aqui nos interessa

sobretudo a função REFERENCIAL por estar tendencialmente relacionada à

crônica, com seus temas de modo geral calcados na vida social, na política,

nos costumes, no cotidiano imediato etc. ou até mesmo em trazer o

excepcional para o cotidiano; e a função POÉTICA, por, obviamente,

relacionar-se com a poesia, embora nem a poesia seja totalmente submissa à

função poética, nem a função poética se esgote estritamente na poesia. Pelo

contrário, as particularidades dos diversos gêneros poéticos implicam uma

participação, em ordem hierárquica variável, das outras funções verbais a par

da função poética dominante. (JAKOBSON, 1995 : 129).

Desse modo, faz-se necessário uma delimitação mais apurada do que

vem a ser crônica e, igualmente, do que caracteriza poesia.

2.2 - Crônica

Derivada da palavra grega chronos, o que a relaciona com a idéia de

tempo, a crônica ocupou-se, ao longo das eras, de acontecimentos temporais:

históricos e cotidianos. Em sua evolução, seu sentido se alterou. Foi desde

descrições em ordem cronológica da vida e história de reis, padres, reinos,

abadias e até do mundo, que abrangiam desde a Criação até os próprios dias

do cronista (LOYN, 1997 : 109) 5, na Idade Média, até nossos dias onde o estilo

ficou mais leve no que diz respeito à estrita fidelidade aos fatos, porém, tornou-

se mais complexo quanto a seus assuntos e quanto a sua estrutura. Entretanto, 5 Verbete “crônicas”.

39

de maneira geral, a crônica nunca perdeu os vínculos com o sentido

etimológico que lhe é inerente e que está em sua formação. (BENDER &

LAURITO, 1993: 11)

Modernamente, o termo é usado de modo constante para designar um

texto jornalístico que aborda os mais diversos assuntos, que se dedica aos

fatos menores e cujo interesse principal não é informar, mas divertir. (ROTKER,

1993 : 11)6 Fazendo parte do jornal impresso, surgiu no século XIX, na França,

como folhetim de variedades: um espaço livre no rodapé do jornal, destinado a

entreter o leitor e dar-lhe uma pausa de descanso em meio à enxurrada de

notícias graves e pesadas que ocupavam (...) as páginas dos periódicos.

(BENDER & LAURITO, 1993: 15) Com o passar do tempo, popularizou-se e

tornou-se um chamariz para atrair leitores e, claro, assinaturas, para os jornais,

onde os fatos contavam, porém entreter era tão importante quanto informar.

(ROTKER, 1993 : 15)7

Embora esteja diretamente ligada à idéia de tempo, seus principais

assuntos geralmente não são os grandes fatos, as comemorações de datas

importantes etc., mas sim a própria vida com seus

pequenos acontecimentos de todo dia, envolvendo o calo, a

dor de dente, a árvore que cortaram na minha rua, a própria

rua, as crianças, os velhos, os animais de estimação, os

aniversários, (...) a conversa fiada, os pequenos sentimentos,

as coisinhas, nossas ou alheias. (BENDER & LAURITO, 1993:

42-43)

6 Que se dedica a los hechos menudos y cuyo interés central no es informar, sino divertir.7 (Los) hechos contaban, pero entretener era tan importante como informar.

40

Enfim, por tudo isso, como disse Antonio Candido, professor e crítico

literário,

a crônica não é um “gênero maior”. Não se imagina uma

literatura feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho

universal dos grandes romancistas, dramaturgos e poetas.

Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por

melhor que fosse. Portanto, parece mesmo que a crônica é um

gênero menor.

“Graças a Deus”, — seria o caso de dizer, porque sendo assim

ela fica perto de nós. (CÂNDIDO, 1992 : 13)

Isso acontece porque crônicas não têm pretensões de durar (embora

muitas sejam publicadas em livros e dessa forma perdurem), já que nasceram

com o jornal – que, depois de lido, geralmente adquire funções menos nobres –

e com a era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Entretanto, como

arqueologia do presente, tornar o transitório definitivo é a essência da crônica.

(BENDER & LAURITO, 1993: 59)

Nesse sentido, o fato jornalístico pode ser um mero pretexto para o

cronista, que dele se apropria para tratar de outros assuntos, que podem ser

mais gerais ou, até mesmo, quase completamente fictícios. E é justamente aí

que reside a maior grandeza da crônica, pois

o espaço em que acontece o fato analisado pelo cronista não

fica no mundo real que nos rodeia. Mesmo quando há verdade

inquestionável no que diz, as entrelinhas e as analogias é que

interessam. (BENDER & LAURITO, 1993: 44)

41

Entretanto, embora a crônica seja um gênero do disfarce, não é, todavia,

totalmente ficcional, já que sua intrínseca relação com a realidade cotidiana é

evidente. Por isso, a crônica se caracteriza por uma ambigüidade, já que existe

no limiar entre Jornalismo e Literatura. O que, por sua vez, lhe imprime alguns

traços distintivos, tais como, a utilização do humor e da simplicidade; de leveza

e tom coloquial, casual, descontraído no trato com a linguagem; de crítica de

arte, teatro, filme, música, livro etc. e de autocrítica em relação ao cronista e

sobre a própria arte de cronicar; o aproveitamento do espaço textual para tecer

considerações literárias, bem como para propor debates sobre questões

sociais; a freqüente utilização de um narrador que narra o assunto da crônica e

o costumaz uso de recursos vocativos que chamam o leitor a participar da

mesma; outras vezes, as crônicas são escritas como cartas ou epístolas

endereçadas a alguns ou a muitos ou até como respostas a cartas recebidas

pelo autor; há também uma certa brevidade e a utilização de frases telegráficas

em decorrência do pouco espaço disponibilizado na página do jornal; a

utilização de “tipos” e “tipas”, personagens que representam papéis sociais

como o professor, o boêmio etc., parentes de longe, amigos, amigo do amigo,

animais e que, em alguns cronistas, acabam se tornado constantes; a

descrição, muitas vezes pormenorizada, de objetos banais, tornando-os

importantes; o dizer sobre o tempo, seja um dia de semana ou um domingo,

seja o que passa depressa ou o que nunca passa, seja uma recordação de

infância – do tempo perdido, que não volta mais – ou um exercício de

futurologia ou até de ficção científica; o caráter de flagrante do cotidiano e, no

âmbito formal, a agilidade textual imprimida por esse cotidiano; e um ecletismo

42

de gêneros literários com a freqüente inclusão da oralidade no texto,

reproduzindo, no mesmo, o burburinho das ruas.

Assim, o cronista goza de uma liberdade, tanto em relação ao assunto

abordado quanto no diz respeito à estrutura utilizada em sua crônica, que

acaba permitindo que, às vezes, ele transcenda o meramente fatual e faça um

texto de alto teor literário. (BENDER & LAURITO, 1993: 49) Pois, em relação à

Literatura, podem

ser encontrados na crônica os mesmos recursos estilísticos

dos outros gêneros. Linguagem metafórica, alegorias,

repetições, antíteses, paradoxos, gradação, metonímia,

hipérbole, eufemismo, ironia, diminutivos afetivos,

aumentativos depreciativos, suspense... (BENDER &

LAURITO, 1993: 76)

Tudo que a elaboração literária possibilita pode estar na crônica, sem,

contudo, deixar de ser um texto jornalístico. Portanto,

a estrutura da crônica é uma desestrutura; a ambigüidade é a

sua lei. A crônica tanto pode ser um conto, como um poema

em prosa, um pequeno ensaio, como as três coisas

simultaneamente. Os gêneros literários não se excluem:

incluem-se. (PORTELLA apud BENDER & LAURITO, 1993: 53)

Mesmo porque, conforme Pinheiro (2004), desde os relatos dos nossos

primeiros cronistas, dos primeiros padres e dos viajantes estrangeiros, que, nos

limiares da formação sociológica brasileira, perante o assombro em face de um

mundo novo e desconhecido, caprichosa extensão de terras povoada de

imagens, e a busca de termos apropriados numa curiosa mescla de histórias,

43

mitos e lendas, ensaios de prosa e poesia, onde a linguagem, cheia de

angústias, de frutos estranhos e saborosos, retorce-se em orações

desordenadas e em contrastes de imagens e de idéias (VARGAS, 1979 : 459),

já indicavam uma capacidade de se aproximar e apreender o movimento vivo

do cotidiano – seja na descrição de relações, amigáveis ou não, entre as

diferentes populações que aqui viviam e se entrecruzavam, seja nas tentativas

de cartografar as paisagens mutantes que por aqui encontraram, seja nas

descrições relativas às exuberantes e, ao mesmo tempo, aterradoras fauna e

flora americanas, seja nos olhares relatados sobre a variação de luz e refração

num espaço tão solar ou, ainda, seja nos tormentos provocados pelas

distâncias ou pelos massacres promovidos ou assistidos –, a crônica

jornalística

atualiza estética e socialmente a relação absolutamente

indispensável, neste continente, entre a tecnologia do jornal e

uma escritura migrante e do aberto, que viria a contribuir

decisivamente para a reinvenção da prosa e do verso

(PINHEIRO, 2004 : 22).

2.3 - Poesia

A poesia, por sua vez, se volta para o aspecto material dos signos

lingüísticos. Já foi dito antes que selecionar e combinar são os dois pilares de

organização de toda e qualquer linguagem. Assim, o poeta também seleciona,

escolhe, exclui, dentro das possibilidades do código ou paradigma – o eixo

metafórico, que diz respeito às relações de similaridade –, os signos que vai

utilizar para compor a combinatória, o sintagma – o eixo metonímico, que diz

44

respeito às relações de contigüidade. Desse modo, a função poética projeta o

princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação.

(JAKOBSON, 1995 : 130) Pois, a seleção e a recusa de signos, operada pelo

poeta, é feita baseada nas relações de semelhança entre eles.

Isto é, a seqüência de uma frase é determinada pela equivalência de

seus termos. Assim, como numa vitrine em que peças soltas de vestuário

conformam o corpo definido do manequim, os termos escolhidos no paradigma

moldam o realce preciso do sintagma. Esse arranjo se dá porque a lógica da

poesia é a da atração analógica. (CHALUB, 1988 : 26) Por isso que uma

mensagem poética acarreta diversos problemas tradutórios: pois ela cria – e

fixa – seu próprio contexto.

Assim, o que marca a diferença entre uma mensagem cujo fim é,

predominantemente, apenas comunicar e uma mensagem poética, é a forma

de arquitetar, de organizar os signos com o intuito de expor um modo de

construção, o aspecto sensível, material, significante, para então propor

significado(s). É fazer viver uma relação intensa e indissociável entre Som &

Sentido.

Mesmo porque, um poema criativo é

um poema no qual cada parte constitutiva, e todo o conjunto,

mostra um fato novo, independente do mundo externo,

desligado de qualquer outra realidade que não seja a própria,

pois toma seu lugar no mundo como um fenômeno singular,

separado e distinto dos demais fenômenos. (HUIDOBRO apud

CAMPOS, 1979 : 291)8

8 (Poema creado) es un poema en el que cada parte constitutiva, y todo el conjunto, muestra un hecho nuevo, independente del mundo externo, desligado de cualquiera outra realidad que no sea la propia, pues toma su puesto en el mundo como un fenómeno singular, aparte y distinto de los demás fenómenos.

45

Nesse aspecto, a

linguagem poética revela a existência de dois elementos que

agem no agenciamento fônico: a escolha e a constelação dos

fonemas e de seus componentes; o poder evocador destes

dois fatores, ainda que fique escondido, existe entretanto de

maneira implícita no nosso comportamento verbal habitual.

(JAKOBSON, 1995 : 114)

Entretanto,

a “composição não-versificada” (verselles composition),

conforme Hopkins chamou a variedade prosaica da arte verbal

– em que os paralelismos não são tão estritamente marcados

ou tão estritamente regulares quanto o “paralelismo contínuo” e

em que não existe nenhuma figura de som dominante – ,

apresenta problemas mais complicados para a Poética, da

mesma forma que qualquer domínio lingüístico de transição.

Neste caso a transição se situa entre a linguagem estritamente

poética e a linguagem estritamente referencial. (JAKOBSON,

1995 : 156)

Acresce ainda que, segundo Oswald de Andrade – na abertura de seu

“Manifesto da Poesia Pau-Brasil” – a poesia está nos fatos (ANDRADE, 1978 :

05), o que corrobora com a posição do poeta russo Boris Pasternak, para quem

a poesia está nas coisas, está no mundo. (CAMPOS & CAMPOS &

SCHNAIDERMAN, 1985 : 136-137)9

Desse modo, no que se refere ao poeta, no domínio da inspiração, sua

liberdade não pode ser menor que a de um jornal cotidiano que trata numa

9 Cf. em especial os poemas “Definição de poesia” e “Poesia”.

46

mesma página de matérias tão diversas, percorre os países mais distanciados.

(APOLLINAIRE apud CAMPOS, 1999 : 28)

Assim, como já foi sugerido, embora distingamos seis aspectos básicos

da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens que

preenchessem uma única função. (JAKOBSON, 1995 : 123) Desse modo, a

diversidade dos tipos de mensagens se dá nas várias possibilidades de jogar,

de graduar, de hierarquizar as funções da linguagem. A estrutura verbal de

uma mensagem insinua uma função dominante, que, entretanto, não é

exclusiva. Como em toda mensagem está presente os seis fatores da

linguagem verbal, toda mensagem exercerá também, em maior ou menor grau,

as seis funções correspondentes.

Nesse sentido, é possível estabelecer relações entre quaisquer funções

em qualquer mensagem, tal como acontece durante uma partida de futebol,

quando as atenções se voltam para quem está com a bola em determinado

momento, embora os demais jogadores (e até mesmo a torcida) também

influenciem no jogo.

Desse modo, mesmo que a poesia seja predominantemente baseada na

função poética, e a crônica seja tendencialmente atribuída à função referencial,

uma sempre poderá projetar-se na outra, poderá conter em si, em diversos

graus, elementos da outra; assim como elementos de outras funções. Esses

processos relacionais são o que garantem a dinamicidade da linguagem verbal,

sua constante transformação e, no caso da função poética, a capacidade de

fazer-falar a própria língua, de tratar a palavra pelo seu devir, de estar sempre

desautomatizando a linguagem, sem o que a poesia perde sua poeticidade,

sua “literariedade”, e acaba por submeter-se a outras funções. Pois como o

47

próprio Jakobson comenta, a linguagem poética se desgasta de tempos em

tempos, e então se torna preciso absorver do linguajar cotidiano outras formas

e construções. (JAKOBSON apud TOLEDO, 1971 : xiv).

Nesse sentido, essas relações entre funções distintas podem acarretar

diversas situações – que deverão ser examinadas – que vão desde a perda

gradativa ou total da especificidade de uma das funções presentes, baseada

numa hierarquia entre elas; até, como já sugerimos a respeito de culturas como

a latino-americana, o estabelecimento de dialogismos, de migrações, entre

todas. Podendo, ainda, inaugurar novas formas comunicativas ou até mesmo

uma outra função de tipo híbrida ou mestiça.

A primeira hipótese é, de pronto, eliminada por Jakobson, já que, para

ele, a

adaptação dos meios poéticos a algum outro propósito

heterogêneo não lhes esconde a essência primeira, assim

como elementos da linguagem emotiva, quando utilizados em

poesia, conservam ainda sua nuança emotiva. (JAKOBSON,

1995 : 131)

Desse modo, numa determinada mensagem, por maior que seja a

preponderância de uma das funções da comunicação verbal sobre as outras,

estas ainda conservam suas “essências”, que se expressam através de

“nuanças”, matizes, sutilezas, presentes em dada mensagem. Isso ocorre,

obviamente, como já foi dito acima, pela presença inalienável em toda e

qualquer mensagem, dos seis fatores básicos estruturantes da comunicação

verbal. Aos que são correspondentes as seis funções da linguagem. Assim, o

mesmo deve ocorrer nas possíveis relações entre a poesia e a crônica, onde a

48

supremacia da função poética sobre a função referencial não

oblitera a referência, mas torna-a ambígua. A mensagem de

duplo sentido encontra correspondência num remetente

cindido, num destinatário cindido e, além disso, numa

referência cindida (JAKOBSON, 1995 : 150).

Nesse caso, fica patente a possibilidade do estabelecimento de

dialogismos entre as diversas funções da linguagem, o que, por seu turno,

pode vir a gerar mestiçagens entre as mesmas. Senão, vejamos...

2.4 - Dialogismo

O conceito de dialogismo10 é proposto por Bakhtin – a partir dos modos

de utilização da linguagem, do diálogo entre o eu e o outro, das interações

dialógicas entre gêneros discursivos, enunciados e contextos sociais, das

polifonias no interior de um mesmo texto tramado em fios de vozes que

polemizam entre si, se completam ou respondem umas às outras – como

característica essencial da linguagem e princípio constitutivo, muitas vezes

mascarado, de todo discurso. O dialogismo é a condição do sentido do

discurso. (PESSOA de BARROS, 1994 : 02)11

Desse modo, como princípio constitutivo da linguagem, a noção de

dialogismo propõe

que toda a vida da linguagem, em qualquer campo, está

impregnada de relações dialógicas. A concepção dialógica

10 Esse conceito é muito mais complexo e abrangente do que será exposto adiante. Porém, nosso objetivo é vislumbrar a hipótese da possibilidade de dialogismos entre a poesia e a crônica. Desse modo, outros conceitos importantes à teoria de Bakhtin, como Polifonia, Intertextualização, Carnavalização etc., serão deixados de lado ou tratados de modo implícito. 11 Essa autora é comumente citada apenas como “BARROS”. Entretanto, por se tratar de uma pesquisa que tem por objeto poemas de Manoel de Barros, optamos por essa denominação de modo a evitar eventuais enganos.

49

contém a idéia de relatividade da autoria individual e

conseqüentemente o destaque do caráter coletivo, social da

produção de idéias e textos. (LUKIANCHUKI,

<www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2>, 17/12/2006)

Nesse sentido, o dialogismo rege a produção e a compreensão dos

sentidos, enquanto fronteira em que eu/outro se interdefinem, se

interpenetram, sem se fundirem ou se confudirem. (BRAIT, 2005 : 80)

Assim, por uma articulação sempre fluida, derivada de uma tensão

permanente entre os diversos diálogos que compõem um determinado texto, o

dialogismo

consiste em propor que há entre o particular e o geral, o prático

e o teórico, a vida e a arte uma reação de interconstituição

dialógica que não privilegia nenhum desses termos, mas os

integra na produção de atos, de enunciados, de obras de arte

etc. (SOBRAL, 2005 : 105)

Desse modo, o dialogismo se mostra como um excelente recurso para

“radiografar” o hibridismo, a heteroglossia e a pluralidade de sistemas de

signos na cultura. (MACHADO, 2005 : 153). E, é claro, para procurar vestígios

relacionais entre a poesia de Manoel de Barros e a crônica. Dado que, por esse

prisma, uma linguagem pode se insurgir dentro de outra e vice-versa, de modo

a que os discursos e processos de transmissão das mensagens se deixem

contaminar, permitindo o surgimento de híbridos ou mestiços.

Mesmo porque, a palavra de um texto se transfigura num contexto novo.

(BAKHTIN, 2000 : 408) Assim, um diálogo perde sua relação com o contexto

da comunicação ordinária quando entra, por exemplo, para um texto artístico,

50

uma entrevista jornalística, um romance ou uma crônica. (MACHADO, 2005 :

155-6) E, por que não, para um poema?

Essa pergunta é bastante pertinente, já que, é atribuída a Bakhtin a

concepção de que o dialogismo funciona plenamente no romance, mas não no

teatro nem na poesia. (SCHNAIDERMAN,

<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-40141998000100007>

: 17/12/2006) Segundo ele, a poesia, ao contrário de dialógica, seria

monológica, já que o lirismo presente na poesia estaria centrado no eu-lírico do

poeta.

Entretanto,

para Bakhtin, não existem afirmativas categóricas e definitivas.

Ele sempre muda, sempre vai mudando. Então, depois de ter

falado tanto sobre o monológico da poesia, que a poesia é

monológica e tal, num outro escrito, num texto... É verdade que

não é um texto que tenha sido publicado. É um texto que foi

encontrado entre os papéis dele. Grande parte de sua obra é

constituída de anotações que ele não chegou a trabalhar para

publicação. Então, ele tem um texto sobre Maiakóvski em que

ele o apresenta como a expressão da multiplicidade da vozes,

como um poeta que tinha a polifonia ligada a sua obra. Então,

Bakhtin não pode ser encarado apenas pelo que ele escreveu

num determinado texto. Ele é múltiplo. Ele hoje diz uma coisa e

depois vai dizer o contrário. Mas é que isso está ligado à

própria visão que ele tem do mundo, da literatura e das artes.

51

Quer dizer, é a multiplicidade, é o polifônico, é o entrechoque

das vozes.12

Desse modo, já que, conforme vimos acima, para Oswald, Pasternak e,

também, para Manoel de Barros a poesia está nos fatos, nas coisas, no

mundo, como então, excluí-la do grande diálogo universal para o qual Bakhtin

aponta? A cor, o palpável dos objetos, todo o mundo que nos rodeia, a prosa, a

poesia, tudo isso faz parte do imenso simpósio a que sua obra nos convida.

(SCHNAIDERMAN, <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-

40141998000100007> : 17/12/2006)

Além disso, contrariando a distinção estabelecida pelo próprio Bakhtin,

as categorias por ele estudadas com relação à prosa de ficção funcionam

admiravelmente, no exame de um texto poético. (SCHNAIDERMAN,

<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-40141998000100007>

: 17/12/2006)

E isso atende também ao estudo das possíveis relações entre a poesia

de Manoel de Barros e a crônica. Pois, o

diálogo das linguagens não é somente o diálogo das forças

sociais na estática de suas coexistências, mas é também o

diálogo dos tempos, das épocas, dos dias, daquilo que morre,

vive, nasce; aqui a coexistência e a evolução se fundem

conjuntamente na unidade concreta e indissolúvel de uma

diversidade contraditória e de linguagens diversas (BAKHTIN

apud REGIS, <www.cce.ufsc.br/~nupill/ensino/dialogismo> :

17/12/2006)

Acresce, ainda, o fato de que as

12 Excerto de entrevista concedida a mim por Bóris Schnaiderman em 07/12/2006.

52

relações transtextuais estão a evidenciar que o texto literário

não se esgota em si mesmo: pluraliza seu espaço nos

paratextos; multiplica-se em interfaces; projeta-se em outros

textos; perpetua-se na crítica; estabelece tipologias; repete-se

em alusões, plágios, paródias e citações. (GENETTE apud

REGIS, <www.cce.ufsc.br/~nupill/ensino/dialogismo> :

17/12/2006)

Desse modo, por tudo isso, a questão do dialogismo aqui deve ser

entendida em relação à palavra diálogo, pois, além do seu sentido estrito — o

ato de fala entre duas ou mais pessoas —, pode-se tomá-la também em seu

sentido amplo, a saber, qualquer tipo de comunicação verbal, oral ou escrita,

exterior ou interior, manifestada ou não. (LUKIANCHUKI,

<www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2> : 17/12/2006)

Assim, entre vários, um dos aspectos do dialogismo a ser considerado (e

o que aqui nos interessa) é o do diálogo entre os muitos textos da cultura, que

se instala no interior de cada texto e o define. (PESSOA de BARROS, 1994 :

04)

2.5 - Complexidade

Nesse sentido, para que possamos apreender as relações entre os

diversos textos, bem como entre as diversas funções da comunicação verbal –

e então, podermos vislumbrar possibilidades relacionais entre a poesia de

Manoel de Barros e a crônica –, faz-se necessário uma mirada, um método,

que não dissocie, não fragmente, não atomatize tais funções. Mas que, pelo

contrário, tente captá-las em movimento, em processo, em comércio. Enfim,

53

que seja menos substancial e mais relacional, que as aborde menos pelas suas

unidades e mais pelas suas complexidades.

Para Morin, complexo é um conhecimento em que se busca distinguir

sem separar, associar sem reduzir, a fim de compreender a complexidade do

real, já que qualquer conhecimento contém em si componentes biológicos,

cerebrais, culturais, sociais, históricos etc. Complexidade é, portanto, uma

relação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e

hologramática entre estas instâncias co-geradoras do conhecimento. (MORIN,

1992 : 19)13

Assim, baseado nos novos “achados” da física quântica e da biologia

molecular, sem, contudo, abandonar plenamente os conhecimentos

estabelecidos, Morin desenvolve sua reflexão tendo em vista a emergência de

um novo paradigma capaz de articular os conhecimentos que se encontram,

academicamente, isolados nas diferentes disciplinas das diversas ciências e

em outros variados saberes como a arte, o mito, a religião etc.. Pois, a

limitação trazida pela física quântica ao conhecimento determinista/mecanicista

se transforma num alargamento complexifixador do conhecimento e adquire

um sentido plenamente epistemológico. (MORIN, 1992 : 167)

Sua busca, entretanto, não é por um conhecimento geral ou por uma

teoria unitária, mas a de um método que possa articular o que, até então, está

separado, que possa religar o que está desarticulado. Um método que, longe

de desprezar ou ocultar, descubra possíveis ligações, contatos, relações,

envolvimentos, solidariedades, sugestões, imbricações, interdependências,

complexidades, partindo de uma nova consciência da ignorância, da incerteza,

13 Por essa ser uma edição portuguesa, nas citações alguns termos podem apresentar grafia diferente da brasileira.

54

da confusão. Assim, Morin procura não ceder aos determinismos e aos

reducionismos simplificantes e mutilantes do real, ao mesmo tempo em que

desenvolve um pensamento, de partida, potencialmente relativista e relacional,

que aborda e respeita o objeto estudado em sua riqueza e em suas múltiplas

dimensões, sempre numa dialógica ininterrupta de

ordem/desordem/organização, que já não se pauta pela busca da certeza

absoluta, que agora é substituída por uma plausibilidade ou por uma

probabilidade.

Entretanto, Morin não pretende esgotar o assunto: a complexidade pela

sua própria maneira de olhar o real, promove desafio e motivação para pensar,

pois toda vontade não mutilante ou não mutiladora do real faz com que

apareçam incertezas, ambigüidades, paradoxos, ou mesmo contradições.

(MORIN, 1992 : 170) O que, por seu turno, garante um conhecimento aberto e

integrador acerca do real, por comportar, em seu interior, um princípio de

incompletude.

Assim, noções como organização recursiva (organização cujos efeitos e

produtos são necessários à sua própria causação e à sua própria produção),

princípio hologramático (em que não apenas a parte está no todo, mas o todo

está na parte), sistemas circulares (retroativos), dialógica, são fundamentais

para a complexidade, onde se busca entender o real a partir de uma integração

complexa: ao mesmo tempo, complementar, concorrente e antagônica. Pois, o

que se procura são os conhecimentos cruciais, as contradições lógicas, os

pontos estratégicos, os nós de comunicação, as articulações organizacionais

entre esferas distintas. São as tramas dos fios que se entrecruzam e se

entrelaçam para tecer o entendimento do real.

55

Assim, para a complexidade, as teorias e a lógica de que se serve mais

o método, que é a própria atividade pensante do sujeito, são centrais e vitais.

Contudo, o método somente pode se formar durante a pesquisa, levando

sempre em conta a consciência do inacabamento de toda obra, assim como o

direito à reflexão.

56

III - CONFLUÊNCIA ENTRE POESIA E CRÔNICA

3.1 - O dinamismo da cultura

Uma relação de proximidade e diferença, e não de igualdade, é o que

torna a pesquisa necessária, já que são as diferenças que geram as

aproximações. Por isso, investigar as semelhanças e disparidades entre dois

textos de universos comunicativos distintos – como a crônica jornalística e a

poesia de Manoel de Barros – é, de saída, uma tentativa em entrever os

meandros culturais e seus desdobramentos, já que, no interior da cultura, todo

texto está em contato contínuo com outros textos e, assim, os mesmos sempre

estão numa situação de expansão textual. Ou seja, há continuamente um

estado potencial de relações e interações entre todos os textos da cultura.

Com efeito, tradição, educação, linguagem são os constituintes

nucleares da cultura (MORIN, 1992 : 13) e perfazem, em conjunto, as

determinações socioculturais que influenciam todo o conhecimento. Desse

modo, são possíveis várias e diversas configurações culturais, que variam no

espaço e ao longo do tempo, pois cada cultura historicamente determinada

57

gera um modelo de cultura determinado, inerente a ela. (LOTMAN, 2000 :

168)14

Assim, de modo geral, a cultura, como característica da sociedade

humana,

é organizada/organizadora via o veículo cognitivo que é a

linguagem, a partir do capital cognitivo coletivo dos

conhecimentos adquiridos, das aptidões aprendidas, das

experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas

de uma sociedade. (MORIN, 1992 : 17)

Dessa forma, na base de todas as definições está colocada a convicção

de que a cultura tem peculiaridades. (LOTMAN, 2000 : 168)15 Ou seja, a cultura

nunca é um conjunto universal, mas somente um subconjunto organizado de

determinada maneira. (LOTMAN, 2000 : 169)16 Entretanto, cada subconjunto,

i.e., cada cultura particular tende a se auto-reconhecer como universal e acaba

por negar as outras culturas, percebendo-as como não-cultura. Contudo, essa

é a condição para que uma cultura possa se auto-reconhecer.

Sendo assim, dentro da oposição cultura/não-cultura, todas as

diferentes delimitações da cultura em relação com a não-cultura, na realidade,

se resumem a uma: sobre o fundo da não-cultura, a cultura se apresenta como

sistema sígnico. (LOTMAN, 2000 : 169)17

14 cada cultura históricamente dada genera um modelo de cultura determinado, inherente a ella. No artigo “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.”15 en la base de todas las definiciones está colocada la convicción de que la cultura tiene rasgos. No artigo: “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.”16 nunca es un conjunto universal, sino solamente un subconjunto organizado de determinada manera. No artigo: “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.” 17 todas las variadas delimitaciones de la cultura respecto de la no-cultura, em realidad, se reducen a uma: sobre el fondo de la no-cultura la cultura se presenta como sistema sígnico. No artigo: “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.”

58

Contudo, esse sistema sígnico – que é a cultura – é composto por

diversos elementos em vários níveis, que atuam em interações uns com os

outros. Há estruturas diferentemente organizadas em diferentes graus de

organização. Assim, na cultura,

o aumento da ambivalência interna corresponde ao momento

da passagem do sistema a um estado dinâmico, no curso do

qual a indefinição se redistribui estruturalmente e recebe, já no

âmbito de uma nova organização, um novo sentido unívoco.

(LOTMAN, 1998 : 75)18

Desse modo, a necessidade de auto-renovação constante, de, sem

deixar de ser ela mesma, tornar-se outra, constitui um dos mecanismos de

trabalho fundamentais da cultura. (LOTMAN, 2000 : 189)19

Entretanto, devido às características de formação próprias a cada

cultura, esta pode ter uma maior ou menor abertura e, conseqüentemente, uma

maior ou menor dinamicidade em seu interior. Assim, toda cultura viva se

caracteriza por uma contradição gerada pela constante luta entre a aspiração a

levar o sistema até seus limites e o automatismo gerado como resultado disso.

E é justamente nas condições de dialógica aberta (...) que os desvios podem

enraizar-se e transformar-se depois, eventualmente, em tendências. (MORIN,

1992 : 30)

Por isso, dentro de um amplo universo de informações que perpassam

todos os tempos e todos os espaços, cada cultura tem especificidades

18 el aumento de la ambivalencia interna corresponde al momento del paso del sistema a un estado dinámico, en el curso del cual la indefinición se redistribuye estructuralmente y recibe, ya en el marco de una nueva organización, un nuevo sentido unívoco. No artigo: “Un modelo dinámico del sistema semiótico.”19 (La) necesidad de autorrenovación constante, de, sin dejar de ser uno mismo, devenir otro, constituye uno de los mecanismos de trabajo fundamentales de la cultura. No artigo: “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.”

59

sígnicas. Dessa forma, carregam algo como texturas, que existem como linhas-

de-força não identificáveis de modo explícito, mas que lhe servem de substrato

e de base para seu próprio porvir.

Pois, a cultura,

em correspondência com o tipo de memória inerente a ela,

seleciona em toda essa massa de informações o que, desde

seu ponto de vista, são “textos”, isto é, está sujeito a inclusão

na memória coletiva. (LOTMAN, 1996 : 85)20

Nesse sentido, podemos dizer que a cultura é um conjunto de textos ou

um texto construído de maneira complexa. (LOTMAN, 1998 : 167)21 Ou, cultura

é em princípio poliglota, e seus textos se realizam no espaço de pelo menos

dois sistemas semióticos. (LOTMAN, 1996 : 85)22 Ou, ainda, conjuntamente,

cultura-é-um-texto-tramado-em-entrelaçamentos-de-textos.

Por sua vez, texto é um espaço semiótico no qual se interatuam, se

interferem e se auto-organizam hierarquicamente as linguagens. (LOTMAN,

1996 : 97)23

Assim, é legítimo afirmar que a

cultura em sua totalidade pode ser considerada como um texto.

Porém, é extraordinariamente importante sublinhar que é um

texto complexamente organizado que se decompõe em uma

hierarquia de “textos nos textos” e que forma complexos

20 (La cultura,) en correrspondencia con el tipo de memória inherente a ella, selecciona en toda esa masa de comunicados lo que, desde su punto de vista, son “textos”, es decir, está sujeto a inclusión en la memoria colectiva. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.”21 podemos decir que la cultura es un conjunto de textos o un texto construído de manera compleja . No artigo: “El texto y la función.”22 (La) cultura es em principio políglota, y sus textos se realizan en el espacio de por lo menos dos sistemas semióticos. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.”23 (El) texto es un espacio semiótico en el que interactúan, se interfieren y se autoorganizan los lenguajes. No artigo: “El texto en el texto.”

60

entrelaçamentos de textos. Posto que a própria palavra “texto”

encerra em sua etimologia o significado de entrelaçamento.

(LOTMAN, 1996 : 109)24

Dessa forma,

o texto se apresenta a nós não como a realização de uma

mensagem em uma só linguagem qualquer, mas como um

complexo dispositivo que guarda diferentes códigos, capaz de

transformar as mensagens recebidas e de gerar novas

mensagens. (LOTMAN, 1996 : 82)25

Assim, as complexas correlações dialógicas e lúdicas entre as diferentes

subestruturas do texto, que constituem o poliglotismo interno do mesmo, são

mecanismos de formação de sentido. (LOTMAN, 1996 : 88-89)26

Entretanto, o que aquece ainda mais o sistema semiótico, garante ainda

mais complexidade e promove novas linguagens e novos sentidos são as

fricções, os contatos de um texto com outros textos, já que o mínimo gerador

textual operante não é um texto isolado, mas um texto em um contexto, um

texto em interação com outros textos e com o meio semiótico. (LOTMAN, 1996

: 90)27

24 (La) cultura en su totalidad puede ser considerada como un texto. Pero es extraordinariamente importante subrayar que es un texto complejamente organizado que se descompone en una jerarquía de “textos en los textos” y que forma complejas entretejuras de textos. Puesto que la propia palabra “texto” encierra en su etimología el significado de entretejura. No artigo: “El texto en el texto.” 25 el texto se presenta ante nosotros no como la realización de un mensaje en un solo lenguaje qualquiera, sino como un complejo dispositivo que guarda variados códigos, capaz de transformar los mensajes recicidos y de generar nuevos mensajes. No artigo: “La semiótica de la cultura y el concepto de texto.”26 (Las) complejas correlaciones dialógicas y lúdicras entre las variadas subestructuras Del texto que constituyen el poliglotismo interno de éste, son mecanismos de formación de sentido. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.” 27 el mínimo generador textual operante no es un texto aislado, sino um texto en un contexto, un texto en interacción con otros textos y con el medio semiotico. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.”

61

Esse meio ou espaço semiótico recebe o nome de semiosfera.

Considerada como um mecanismo único ou como um organismo, a semiosfera

é o espaço semiótico fora do qual é impossível a existência mesma da

semiose. (LOTMAN, 1996 : 24)28 Pode, portanto, ser considerada sob uma

perspectiva fundamentada essencialmente na noção de sistemas complexos,

nos quais o conjunto de distintos textos e linguagens relacionam-se uns com os

outros, interpenetrando-se e intercambiando-se em novos universos

semióticos, o que, assim como na língua natural, aumenta ainda mais a

complexidade do sistema, o que, por sua vez, possibilita outras novas relações.

Por esse complexo mecanismo de seleção e combinação, a semiosfera

põe em processo as relações entre os diversos sistemas ou séries culturais,

que se dão pelo facto da omnipresença potencial de todas as funções, o de

cada acto vir acompanhado de todo um conjunto delas (MUKAROVSKY, 1990 :

102).29

Isso acontece porque a semiosfera possui fronteiras e é muitas vezes

atravessada por fronteiras internas. Essas fronteiras não são totalmente rígidas

e, em alguns casos, chegam a ser permeáveis ou, ainda, até mesmo fluidas.

Sendo que cada uma delas é um mecanismo bilíngüe que traduz as

mensagens externas para a linguagem interna da semiosfera e vice-versa.

(LOTMAN, 1996 : 26)30 Esses contatos, essas traduções não apenas garantem

como promovem relações entre textos distintos, sendo que texto é entendido

28 (La semiosfera) es el espacio semiótico fuera del cual es imposible la existencia misma de la semiosis. No artigo: “Acerca de la Semiosfera.” 29 Por se tratar de uma edição portuguesa, a grafia dos termos foi mantida.30 (La frontera) es un mecanismo bilingüe que traduce los mensajes externos al lenguaje interno de la semiosfera y a la inversa. No artigo: “Acerca de la semiosfera”

62

aqui como um espaço semiótico no qual interatuam, interferem e se auto-

organizam hierarquicamente as linguagens. (LOTMAN, 1996 : 97)31

Lembrando que a função poética não é a única função da arte verbal,

mas tão somente a função dominante, determinante, ao passo que, em todas

as outras atividades verbais ela funciona como um constituinte acessório,

subsidiário (JAKOBSON, 1995 : 128), o que, como vimos acima, pode ser

estendido às outras seis funções básicas da comunicação verbal, podemos, em

certa medida, se acatarmos o princípio de não-rigidez das fronteiras, aceitar a

definição de texto de Lotman como próxima não às funções jakobsonianas

como tais e muito menos ao estabelecimento de hierarquias inflexíveis entre

elas, mas às complexas relações que estão a todo tempo se processando entre

as mesmas. Relações essas que, sob determinadas circunstâncias, são

exacerbadas a ponto de se expandirem para todos os lados, favorecendo o

surgimento de novos textos ou universos semióticos.

Desse modo, todo texto pertence a duas ou várias linguagens

simultaneamente, podendo vir a gerar sintaxes, mestiçagens, entre essas

linguagens, o que, por sua vez, constituem novos textos. Ou seja, textos

independentes e fronteiriços postos em relação mútua, podem promover o

surgimento de nova informação, quando se interpenetram, se “contaminam” e

adquirem estruturas, funcionamentos e sentidos outros, que, contudo, só

existem enquanto relações que funcionam em conjunto, o que gera uma

especificidade, uma nova fronteira deste texto em relação aos demais.

31 (El) texto es un espacio semiótico en el que interactúan, se interfieren y se autoorganizan los lenguajes. No artigo: “El texto en el texto”.

63

Assim, nenhum mecanismo semiótico pode funcionar como um sistema

isolado, imerso num vazio. Uma condição inevitável de seu trabalho é ele estar

imerso na semiosfera. (LOTMAN, 1998 : 144)32

Contudo, a semiosfera não se confunde com um caldeirão onde tudo

que nele entra se funde numa mesma massa uniforme. A mescla existe, mas

não se dá de maneira homogênea. Funciona antes como esse texto que você

tem em mãos. É óbvio que o mesmo é apenas um texto dentro de um contexto

muito mais amplo e complexo. Entretanto, ele serve como ilustração. Se

considerarmos cada palavra nele contida como um texto em particular, com

estruturas, funcionamentos e sentidos próprios, o conjunto de todas elas,

dispostas em frases, parágrafos, pontos, linhas, citações e traduções, podem

ser comparados, numa escala – metaforicamente – microscópica, à

semiosfera. Ou seja, como textos independentes e fronteiriços que postos em

relação uns com os outros, promovem o surgimento de nova informação, se

interpenetram, se “contaminam” e adquirem estruturas, funcionamentos e

sentidos outros, que, contudo, só existem enquanto relações que funcionam

em conjunto, o que, por sua vez, gera uma especificidade, uma fronteira, deste

texto em relação a outros.

Desse modo, entendendo cada texto como uma mônada, a semiosfera

se apresenta para nós como intersecção, coincidência,

inclusão de uma dentro de outra, de um número enorme de

mônadas, cada uma das quais é capaz de operações

32 ningún mecanismo semiótico puede funcionar como un sistema aislado, inmerso en un vacío. Uma condición ineludible de su trabajo es el estar inmerso en la semiosfera. No artigo: “La cultura como sujeto y objeto para sí misma.”

64

geradoras de sentido. É um enorme organismo de organismos.

(LOTMAN, 1998 : 147)33

Nessa direção, em que contatos entre textos distintos se dão nos

interstícios de fronteiras internas e externas, podemos afirmar que

todos os mecanismos de tradução que estão a serviço dos

contatos externos pertencem à estrutura da fronteira da

semiosfera. A fronteira geral da semiosfera se intersecta com

as fronteiras dos espaços culturais particulares. (LOTMAN,

1996 : 26)34

Nesse sentido, as relações existentes nas fronteiras da semiosfera,

responsáveis pelos estados dinâmicos dos sistemas semióticos, se alteram em

determinados momentos, pois

no curso de um lento e gradual desenvolvimento, o sistema

incorpora a si, textos próximos e facilmente traduzíveis para

sua linguagem. Em momentos de “explosões culturais (ou, em

geral, semióticas)”, são incorporados os textos que, desde o

ponto de vista de determinado sistema, são os mais distantes e

intraduzíveis (ou seja, “incompreensíveis”). (LOTMAN, 1996 :

101)35

33 (la semiosfera) se presenta ante nosotros como intersección, coincidência, inclusión de una dentro de outra, de un enorme número de mónadas, cada una de las cuales es capaz de operaciones generadoras de sentido. Es un enorme organismo de organismos. No artigo: “La cultura como sujeto y objeto para sí misma.”34 todos los mecanismos de traducción que están al servicio de los contactos externos pertenecen a la estructura de la frontera de la semiosfera. La frontera general de la semiosfera se interseca con las fronteras de los espacios culturales particulares. No artigo “Acerca de la Semiosfera.”35 en el curso de un lento y gradual desarollo el sistema incorpora a sí mismo textos cercanos y fácilmente traducibles a su lenguaje. En momentos de “explosiones culturalres (o, en general, semióticas)”, son incrporados los textos que, desde el punto de vista del sistema dado, son los más lejanos e intraducibles (o sea, “incommprensibles”). No artigo: “El texto en el texto.”

65

E não necessariamente a cultura do conquistador desempenhará o

papel de estimulante frente a cultura do conquistado. O contrário também pode

acontecer. Pois, o

texto tirado do estado de equilíbrio semiótico, torna-se capaz

de um auto-desenvolvimento. As poderosas invasões textuais

externas na cultura considerada como um grande texto, não só

conduzem à adaptação das mensagens externas e à

introdução destes na memória da cultura, mas também servem

de estímulos para o auto-desenvolvimento da cultura, que dá

resultados imprevisíveis. (LOTMAN, 1996 : 100)36

Isso ocorre porque a

fronteira da semiosfera é um domínio de atividade semiótica

elevada, na que trabalham numerosos mecanismos de

”tradução metafórica”, onde “trafegam”, em ambas direções, os

textos correspondentemente transformados. Aqui se geram

intensivamente novos textos. (LOTMAN, 1998 : 150)37

Assim, o momento do encontro entre dois ou mais textos é um momento

de libertação e de resgate do entorpecimento e do transe que eles costumam

impor aos nossos sentidos. (CAMPOS, 1979 : 286)

Entretanto,

36 (El) texto sacado del estado de equilíbrio semiótico, resulta capaz de un autodesarollo. Las poderosas irrupciones textuales externas en la cultura considerada como un gran texto, no sólo conducen a la adaptación de los mensajes externos y a la introducción de éstos en la memoria de la cultura, sino que también sirven de estímulos del autodesarollo de la cultura, que da resultados impredecibles. No artigo: “El texto en el texto.”37 (La) frontera de la semiosfera es un domínio de actividad semiótica elevada, en la que trabajan numerosos mecanismos de “traducción metafórica”, que “trasiegan” en ambas direcciones los textos correspondientemente transformados. Aquí se generan intensivamente nuevos textos. No artigo: “La cultura como sujeto y objeto para sí misma.”

66

os estudos teóricos e análises concretas sobre as culturas e

seus textos se complicam quando se trata de regiões ou

processos civilizatórios (Península Ibérica, América Latina)

onde não vigora o conceito progressivo e linear de sucessão,

esta que tornaria qualquer produto uma variante

hierarquicamente determinada pela suposta influência de algo

anterior e pretensamente mais acabado. (PINHEIRO,

<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio> : 26/04/2006)

3.2 - O dinamismo cultural na América Latina: Neo-barroco

Regiões como a América Latina, palco de diversas mesclas culturais,

desempenham essa mesma função de fronteira da semiosfera, mas com uma

exacerbada mobilidade. Acontece que, entre nós – conforme Pinheiro

(26/04/2006), por aquilo que Lezama Lima chama de “arribada de

confluências”, i.e., pelo choque súbito ou encontro excessivo entre várias

culturas diversas em um mesmo espaço-tempo – deu-se um rompimento com

os chamados processos civilizatórios clássicos, que, por sua vez, veio a

desenvolver um outro processo chamado de Barroco ou Neo-barroco. Por isso,

alguns

medievalistas afirmam que foi uma Idade Média tardia a que

passou pela América, e podemos acrescentar que com a

incorporação de uma técnica e com o espírito fragmentário de

uma civilização que incorporamos pela metade, esse

medievalismo continuou sendo a raiz da América Latina.

(LIMA,1979 : 481)

67

Entretanto, como afirma Pinheiro (26/04/2006), aqui o Barroco obteve

um desenvolvimento ímpar e, por isso, não foi meramente um movimento

reacionário ibérico frente ao Renascimento cultural europeu como se deu na

velha Europa, mas um modo fundante de percepção e escrituração do mundo,

que aqui se aclimatou muito bem e prosperou viçosamente em textos

movediços e proliferantes. Já que, o americano não recebe uma tradição

verbal, mas a coloca em atividade, com desconfiança, com encantamento, com

atraente puerícia (LIMA, 1988a : 135). Suas palavras, continua Lezama Lima,

foram reunidas a partir das exigências da paisagem, em incessantes trocas

culturais. Pois o barroco na paisagem das Américas é a natureza,

é o festejo da algazarra excessiva da fruta, o barroco é o

opulento sujeito defrutante, prezo ao corpanzil das delícias,

que nas miniaturas da Pérsia ou Arábia eram vaidosos

escarlates, gema dos dedos, penugenzinhas. (LIMA, 1981 :

134)38

Por isso, dos sucessivos encontros entre as diversas culturas que já

habitavam a terra e as diferentes culturas que por aqui passaram a aportar,

produz-se a Conquista e cria-se aquilo que poderia ser a base

do homem latino-americano: uma superposição e um

entrecruzar-se de possibilidades que forjam uma consciência

determinada, muito diferente daquela do peninsular espanhol

ou português. (VARGAS, 1979 : 460)

Desse modo, diferentemente do homem clássico, renascentista, com

sua repressão moral e seu endeusamento da razão,

38 (Lo barroco, en lo americano nuestro,) es el fiestón de la alharaca excesiva de la fruta, lo barroco es el opulento sujeto disfrutante, prendido al corpachón de unas delicias, que em las miniaturas de la Persia o Arabia, eran sopladas escarlatas, yema de los dedos, o pelusillas. Tradução de Amálio Pinheiro.

68

a viagem do homem barroco é entre a luz e a sombra. O seu

quotidiano é um deserto de desassossego dominado pela

desmedida importância de todos os pormenores, uma ponte

para a transcendência. (...) que (...) implica um outro corpo:

ágil, leve, esculpido pela tentação, em tensão permanente. Um

corpo em festa, animado pela paixão. (VASCONCELOS, 1988 :

15-16) 39

No que se refere à Literatura, por ser um modo específico de utilizar a

linguagem, de dispor a frase, conferindo ao texto um sentido que é o da sua

premeditada teatralização (VASCONCELOS, 1988 : 08), a atitude barroca faz

com que a escrita seja

uma prática de ‘artificialização’. Cada escrita contém uma

outra, comenta-a, ‘carnavaliza-a’, torna-se o seu duplo

pintalgado; a página, enxertada de diferentes texturas, de

múltiplos estratos lingüísticos, tornou-se espaço de um diálogo:

como um teatro em que os actores fossem os textos. E esse

teatro é por excelência cultural, ‘citacional’, paródico. (SARDUY

apud VASCONCELOS, 1988 : 08)

Através desse estalido que provoca uma falha no pensamento, na

episteme, na ideologia renascentista e que inaugura um espaço novo,

do dialogismo, da polifonia, da carnavalização, da paródia e da

intertextualidade, o barroco se apresentaria, pois, como uma

rede de conexões, de sucessivas filigranas, cuja expressão

gráfica não seria linear, bidimensional, plana, mas em volume,

espacial e dinâmica. Na carnavalização do barroco insere-se,

39 Essa é uma edição portuguesa. Porisso, existem diferenças na grafia que foram mantidas.

69

traço específico, mescla de gêneros, a intrusão de um tipo de

discurso em outro. (SARDUY, 1979 : 170)

Assim,

o policulturalismo combinatório e lúdico, a transmutação

paródica de sentido e valores, a hibridização aberta e

multilingüe, são os dispositivos que respondem pela

alimentação e realimentação constantes desse almagesto

barroquista: a transenciclopédia carnavalizada dos novos

bárbaros, onde tudo pode coexistir com tudo. (CAMPOS, 1983

: 122)

Portanto, por tudo isso e sobretudo por isso, uma possível relação entre

textos presentes na América Latina, como entre a crônica jornalística e a

poesia de Manoel de Barros, deve levar em consideração a dinâmica de uma

atitude barroca de produção de linguagem, na qual a imaginação e a realidade

se entrelaçam, os confins entre a fabulação e o imediato se apagam.(LIMA,

1988b : 101)40 e novos textos se formam. Pois, o encontro abrupto entre

diversas culturas, como ocorreu aqui, explicitou até ao máximo a fratura

existente na relação entre os símbolos e as coisas. Tornando – perante as

“trocas” e “apresentações” de seres, objetos e condutas até aquele momento

ignorados – sem serventia os signos então conhecidos. E isso vale para todas

as várias culturas envolvidas. Desse modo,

a tarefa de renomear o mundo, encontrar uma nova adequação

dos signos às coisas é própria de todos os habitantes de um

continente que irrompeu no desconhecido a partir da

40 la imaginación y la realidad se entrelazan, los confines entre la fabulación y lo inmediato se borran. Tradução de Amálio Pinheiro.

70

confluência mágico-épica do alheio e do diverso (PINHEIRO,

2002 : 334).

Assim, na luta por expressar todo um mundo novo e desconhecido, na

vã tentativa sempre reiterada de superar o abismo existente entre o signo e a

coisa, o falar barroco se desdobra em analogias, aproximações e reversões

que se resolvem em eróticas e erosivas invenções e inversões tropicais. Já

que,

desde a descrição de uma fruta à de uma igreja, os signos se

agigantam luminosos na direção das coisas que nunca

poderão ser, porém degustam suas comissuras; e as palavras

desdobram seu arsenal mestiço-migrante numa sintaxe

descentrada, proliferante e amplificante, em que se perde o fio

e o fôlego. Por isso que o continente americano já nasceu

barroco nas formas produtivas de base, os gestos e grafismos,

da curva e suas variantes, na luz, no ouro, na água e na fruta,

que migram para versos ou igrejas. (PINHEIRO, 2002 : 334)

Ou então, frente às necessidades tradutórias operadas, como um beijo

ardente e sôfrego, entre as diversas línguas que aqui se encostaram e

sortiram palavras como quem prepara salada-de-frutas, pois a

palavra traduzida adquire uma nova andadura, em virtude,

como diria Lezama, desse novo cruzamento entre paisagem e

distância nas terras americanas, propiciador de uma nova

espécie de mobilidade cultural impressa nas linguagens.

(PINHEIRO, 1993 : 24)

É por isso que a

71

imagem poética entre nós, e essa é sua característica mais

reiterada, habita não só essa suspensão e essa refração, como

que adquire algo como um primeiro plano, desprendida como

uma flecha pelo azul do ar. A atmosfera reluzente nos permite

ver o distante com uma voluptuosidade táctil (LIMA, 1988b :

115)41

Desse modo, luminosamente, concordamos que

nossa arte sempre foi barroca, desde a esplêndida escultura

pré-colombiana e a arte dos códigos, até a melhor novelística

atual da América, passando pelas catedrais e mosteiros

coloniais de nosso continente. Até o amor físico se faz barroco

na encrespada obscenidade do guaco peruano. Portanto, não

temamos o barroquismo no estilo, na visão dos contextos, na

visão da figura humana enlaçada pelas trepadeiras do verbo...

o barroquismo nosso, nascido de árvores, de lenhos, de

retábulos e altares, de talhas decadentes e retratos caligráficos

até neoclassicismos tardios; barroquismo criado pela

necessidade de nomear as coisas... (CARPENTIER apud

VARGAS, 1979: 475)

Assim, por ser nódulo geológico, construção móvel e lamacenta, de

barro, pauta da dedução ou pérola, dessa aglutinação, dessa proliferação

incontrolada de significantes (SARDUY, 1979 : 161), o barroco, acompanhando

Sarduy, opera através do artifício – e suas substituições, proliferações e

41 (La) imagen poética entre nosotros, y ésa es su característica más reiterada, habita no sólo esa suspensión y esa refracción, sino que adquiere como un primer plano, desprendida como una saeta por el azul del aire. La atmósfera espejeante nos permite ver lo lejano con una voluptuosidad táctil.

72

condensações de termos e sentidos – e da paródia ou procedimentos de

intertextualidades e intratextualidades entre textos distintos.

Nesse sentido, as fronteiras que separam dentro / fora, antigo / novo,

centro / periferia dão lugar a modos barroquizantes de organização da cultura

na tentativa em combinar elementos díspares: dobras-e-curvas espelham as

mestiçagens que por aqui se sucederam e sucedem e permitem entrever que a

maioria dos sistemas mestiços manifesta comportamentos flutuantes entre

diversos estados de equilíbrio, sem que exista necessariamente um

mecanismo de retorno à "normalidade”. (GRUZINSKY, 2002 : 59) E isso

aparece na arquitetura, no corpo, na culinária, no jornal, na poesia etc. E,

nesse caso, nas possíveis relações entre a poesia de Manoel de Barros e a

crônica.

Contudo, parafraseando Gruzinsky (2002), a mestiçagem ou hibridismo

não se refere às raças, mas a um modo de superar as fronteiras entre áreas,

linguagens e textos, pois a mestiçagem bem feita é um modo de resolver o

heterogêneo sem cair na fusão, mas de modo que aquilo sobreviva como

inclusão e como criação.

Dessa forma, não

só os elementos pertencentes a diferentes tradições culturais,

históricas e étnicas, mas também os constantes diálogos intra-

textuais entre gêneros e ordens estruturais de diferente

orientação, formam esse jogo interno de recursos semióticos,

que, manifestando-se com a maior nitidez nos textos artísticos,

deriva, na realidade, uma propriedade de todo texto complexo.

Precisamente essa propriedade faz do texto um gerador de

73

sentido, e não somente um recipiente passivo de sentidos

colocados nele desde fora. (LOTMAN, 1996 : 86)42

Assim, dentro de unidades semióticas mestiças e, portanto, complexas,

o surgimento de áreas culturais,

por um lado, está ligado ao fato de que diferentes culturas (...)

criam mecanismos de convivência intercultural, reforçam as

linhas da unidade recíproca. Entretanto, por outro lado, o

interesse de um no outro se nutre precisamente da

especificidade intraduzível de cada um. (LOTMAN, 1998 :

145)43

Nesse caso, culturas como as latino-americanas

que no seu interior abrigam um número maior e crescente de

culturas têm de aumentar sua capacidade de tradução,

acelerar a imbricação entre códigos, textos, séries e sistemas,

afinar a complexidade estrutural, a sintaxe combinatória das

intersemioses. (PINHEIRO,

<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio>:26/4/2006)

Assim, não se pode pensar a crônica jornalística, nem tampouco a

poesia de Manoel de Barros e, ainda, uma possível conexão entre ambas, sem

levar em conta outros textos decorrentes de processos tradutórios que

imbricam cultura cotidiana, jornal, folhetim, paisagem, culinária, ourivesaria,

42 (No) solo los elementos pertenecientes a diferentes tradiciones culturales históricas y étnicas, sino también los constantes diálogos intra-textuales entre gêneros y ordenamientos de diversa orientación, forman esse juego interno de recursos semióticos, que, manifestándose con la mayor claridad en los textos artísticos, resulta, en realidad, una propiedad de todo texto complejo. Precisamente esa propiedad hace al texto un generador de sentido, y no sólo un recipiente pasivo de sentidos colocados en él desde afuera. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.”43 (El surgimiento de áreas culturales) por una parte, está ligado al hecho de que diferentes culturas (...) crean mecanismos de trato intercultural, refuerzan los rasgos de la unidad recíproca. Sin embargo, por otra parte, el interés de uno en el otro se nutre precisamente de la especificidad intraducible de cada uno. No artigo: “La cultura como sujeto y objeto para sí misma”.

74

literatura etc., pois a aceleração dos dispositivos tradutórios inscritos nos

mecanismos produtivos das culturas plurais intensifica reticularmente o pendor

para a incorporação material do alheio. (PINHEIRO,

<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio> : 26/04/2006)

Dito de outra forma, o barroco é proliferante, é uma ciência dos encaixes

por bordadura, é construção contínua de mosaicos móveis. Por isso, a relação

entre dois textos culturais cria fricções entre sistemas semióticos distintos,

podendo ou não resolver-se em sintaxes mais ou menos elaboradas, de melhor

“encaixe” ou não tão bem encaixadas.

Numa sintaxe bem feita,

as subestruturas que participam nela não têm que ser

isomorfas uma em relação a outra, mas devem ser, cada uma

por seu turno, isomorfas a um terceiro elemento de um nível

mais alto, de cujo sistema elas fazem parte. (LOTMAN, 1996 :

32)44

Assim, conforme Pinheiro (1995), uma mestiçagem bem feita é aquela

que se dá quando uma linguagem insemina e é inseminada pela outra, de tal

sorte que uma remeta a outra, estabelecendo uma relação complementar entre

ambas.

Ocorre, portanto, a perda da supremacia, no sentido jakobsoniano, de

uma função da linguagem sobre outra, sem, contudo, acarretar no

aniquilamento das “essências”, das nuanças, dos matizes, das sutilezas

próprios a cada uma delas, pois o encontro dialógico entre elas não lhes

acarreta a fusão, a confusão; cada uma delas conserva sua própria unidade e

44 las subestructuras que participan en ella no tienen que ser isomorfas uma respecto a la outra, sino que deben ser, cada una por separado, isomorfas a un tercer elemento de un nivel más alto, de cuyo sistema ellas forman parte. No artigo “Acerca de la Semiosfera.”

75

sua totalidade aberta, mas se enriquecem mutuamente (BAKHTIN, 2000 : 368).

Tal como se deu entre nós pela mistura de arroz e de feijão num mesmo prato.

O que, ao longo do tempo, em decorrência de processos assimilatórios, tornou-

se arrozefeijão. Pois, a mestiçagem enfatiza, mistura e combina

particularidades e elementos de universos distintos de modo a inserir novos

procedimentos comunicacionais na cultura.

Desse modo, o processo de mestiçagem não gera apenas o produto da

mestiçagem, mas influencia todo o material que o compõe, de modo a tornar

possível uma nova linguagem. Em relação ao texto, não só transmite a

informação depositada, de fora, nele, mas também transforma mensagens e

produz novas mensagens. (LOTMAN, 1996 : 80)45

Assim, a complexidade e a relevância das ações recíprocas entre mídia,

séries culturais e processos criativos ampliam-se largamente, pois os

elementos de uma linguagem, ao misturar-se com elementos de outra, criam

uma situação móvel. Por exemplo, uma

pesquisa das relações entre jornal e livro, por exemplo,

mostrará os intercâmbios entre marcas culturais (espaços

performáticos multi-informacionais, conjunções urbano-

arquitetônicas) e séries jornalísticas (diagramações de páginas,

simultaneísmo das crônicas) que viriam a redundar nos foto-

poemas de um Oswald ("Abro a janela / como jornal") e depois

na modificação do próprio formato físico-táctil do livro, como

em "Último Round", de Cortázar: jornal-livro composto de dois

45 no sólo transmite la información depositada em él desde afuera, sino que también transforma mensajes y produce nuevos mensajes. No artigo “La semiótica de la cultura y el concepto de texto.”

76

andares (primeiro e térreo). (PINHEIRO,

<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio>26/04/2006)

Nesse processo, a comunicação é fundamental, pois ser significa

comunicar-se dialogicamente. Quando o diálogo termina, tudo termina. (CLARK

& HOLQUIST, 1998 : 108) Já que tudo se dá em combinações de séries

culturais que são séries de linguagem. E é justamente dessa forma, como

afirma Kristeva (1974), que os processos de apropriação e reutilização são

possíveis nas práticas criativas, onde as atividades de “absorção e

transformação” de conteúdos são capazes de transformar um sistema de

signos em outro sistema de signos.

E isso se complica quando,

a semiosfera do mundo contemporâneo, que, dilatando-se

constantemente no espaço ao longo dos séculos, tendo

adquirido na atualidade um caráter global, inclui dentro de si

tanto os sinais dos satélites quanto os versos dos poetas e os

gritos dos animais. A interconexão de todos os elementos do

espaço semiótico não é uma metáfora, mas uma realidade.

(LOTMAN, 1996 : 35)46

Desse modo, entre nós, latino-americanos, pela nossa condição histórica

de formação, que veio a gerar aquilo que Oswald de Andrade (1978) chamou

de Antropofagia, inaugura-se

um outro tipo de tradição que risonhamente digere o passado,

ao mesmo tempo em que engasta as mais variadas linguagens

46 la semiosfera del mundo contemporâneo, que, ensanchándose constantemente en el espacio a lo largo de los siglos, há adquirido en la actualidad un carácter global, incluye dentro de sí tanto las senãles de los satélites como los versos de los poetas y los gritos de los animales. La inter-conexión de todos los elementos del espacio semiótico no es una metáfora, sino una realidad. No artigo “Acerca de la Semiosfera.”

77

do enorme arquivo da cultura nativa nos procedimentos

construtivos provenientes do jornal, das artes visuais etc,

sempre privilegiando associações descontinuamente

intercomplementares, combinações entre séries próximas e

distantes (Tynianov), que deixam à mostra, para quem sabe

ver, a treliça das operações tradutórias postas em ação.

(PINHEIRO, <revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio>:

26/4/2006)

Nesse sentido, existem misturas entre os diversos gêneros literários, que

por sua vez, criam certa propensão à ruptura e, consequentemente, geram

dificuldades de classificação no que diz respeito à literatura desenvolvida na

América Latina. Mesmo porque, a mestiçagem é por natureza barroquizante,

enquanto que a tendência à estrita delimitação literária dos gêneros, à precisa

elaboração de um cânon dos gêneros, é um corolário natural da concepção

reguladora e normativa da linguagem característica do Classicismo. (CAMPOS,

1979 : 281)

Desse modo, aqui,

o gênero é despojado de seus atributos normativos e mesmo

de suas prerrogativas classificatórias, para ser reformulado em

termos de um simples “horizonte de expectativa”, que nos

permite avaliar a novidade e a originalidade da obra,

perfilando-a de encontro a uma tradição, a uma série histórica

e às regras do jogo nela prevalentes. (CAMPOS, 1979 : 282)

Assim, um texto singular posto em relação com a série de textos que

constituem um gênero literário – no nosso caso, a poesia e a crônica – aparece

78

como um processo de criação e de modificação contínua de

um “horizonte de expectativa”, e a “mistura dos gêneros” que,

na teoria clássica, seria o correlato negativo dos “gêneros

puros”, transforma-se desse modo numa categoria

metodicamente produtiva. (JAUSS apud CAMPOS, 1979 : 282)

Esses processos de ruptura, que já estão presentes desde a “invenção”

de nossa América, por meio da descrição do choque entre culturas, precipitam-

se através das veias abertas pelos movimentos modernistas da Arte, que se

sucederam, um após outro, com pequenas diferenças de tempo, em toda

América Latina, pois

o modernismo foi um movimento latino-americano, que

renovou os modos de expressão e que trouxe um inequívoco

sentido de liberdade na metáfora e no tratamento do verso. (...)

Desde o modernismo até nossa época, profundas correntes de

inovação, de rápida maneira de assimilação dos modos de

expressão no resto do mundo, tem sido as características da

poesia latino-americana. (LIMA, 1988b : 126)47

E no Brasil, nossa herança cultural, onde

as culturas primitivas se misturam à vida cotidiana ou são

reminiscências ainda vivas de um passado recente (...), nos

predispunha a aceitar e assimilar processos artísticos que na

Europa representavam ruptura profunda com o meio social e

as tradições espirituais. Os nossos modernistas se informaram

47 el modernismo fue un movimiento hispanoamericano, que renovó los módulos de expresión y que trajo un inequívoco sentido de libertad en la metáfora y en el tratamiento del verso. (...) Desde el modernismo hasta nuestra época, profundas corrientes de innovación, de rápida asimilación de las maneras de expresión en el resto del mundo, han sido las características de la poesía hispanoamericana.

79

pois rapidamente da arte européia de vanguarda, aprenderam

a psicanálise e plasmaram um tipo ao mesmo tempo local e

universal de expressão, reencontrando a influência européia

por um mergulho no detalhe brasileiro. (CANDIDO apud

CAMPOS, 1979 : 293)

3.3 - Processos dinâmico-culturais na literatura moderna brasileira

Dentre as diversas Artes, a Literatura foi uma das beneficiárias desses

atlânticos encontros e desencontros. Já que toda literatura, fechada em si

mesma, acaba por definhar no tédio, se não se deixa, renovadamente, vivificar

por meio da contribuição estrangeira. (GOETHE apud CAMPOS, 1983 : 125)

Foi justamente o exercício da crônica, verdadeiro laboratório

experimental para os poetas e escritores modernistas, que funcionou como

o lugar do nascimento e transformação da escritura, o espaço

de difusão e contágio de uma sensibilidade e de uma forma de

entender o literário que tem a ver com a beleza, com a seleção

consciente da linguagem, com o trabalho com imagens e

símbolos, com a mistura do estrangeiro e do próprio, dos

estilos, dos gêneros, das artes. (ROTKER, 1993 : 09)48

Por isso que a crônica, através da apropriação eclética de campos

culturais e de gêneros díspares, próxima ao modo barroco que nos funda,

embora tenha uma origem estrangeira,

48 el lugar del nacimiento y transformación de la escritura, el espacio de difusión y contagio de una sensibilidad y de una forma de entender lo literario que tiene que ver con la belleza, con la selección consciente del lenguaje, con el trabajo con imágenes sensoriales y símbolos, con la mixtura de lo extranjero y lo próprio, de los estilos, de los géneros, de las artes.

80

aclimatou-se bem à nossa terra, assim como a cana-de-açúcar

e o café. Não se pode dizer que seja um gênero

exclusivamente brasileiro, mas tem o nosso sotaque e

encontrou, aqui, nos nossos leitores e jornais, seu hábitat ideal.

(BENDER & LAURITO, 1993: 45)

E isso se deu de tal modo que chegou a modificar a concepção e a

desbordar os limites dos temas passíveis de serem poetizados. Na busca em

tirar poesia de qualquer contexto, no afã em poetizar o real, o fato concreto, o

trivial, a vida do dia-a-dia, o instante, tudo foi capaz de converter-se em poesia.

(ROTKER, 1993 : 26)49 Desse modo, o jornalismo foi uma das fontes de

aprendizagem natural para esta nova sensibilidade que devia encontrar poesia

em uma cotidianidade invasora. (ROTKER, 1993 : 17)50

Entretanto, não apenas os temas, mas, sobretudo as formas foram

ampliadas. E, nesse movimento, a

expressão poética foi a que mais radicalmente alterou-se com

a viragem modernista. Mário de Andrade, Manuel Bandeira e

Oswald de Andrade, com o rompimento dos códigos

acadêmicos, incorporaram à lírica brasileira as formas livres.

(SILVA, 1998 : 07).

Acresce ainda, o fato de que, entre nós, desde os descobridores até os

contemporâneos, existe uma tradição de autores que estabelecem uma ligação

com os fatos, com o cotidiano, com a história, com o jornal e com a poesia para

tornarem-se cronistas da história, como atestam os poemas de abertura do

Pau-brasil, verdadeiros desvendamentos da espontaneidade inventiva da

49 el hecho concreto, lo prosaico, la vida diaria, el instante, todo fue capaz de convertirse em poesía50 Lo periodismo fue una de las fuentes de aprendizaje natural para esta nueva sensibilidad que debía encontrar poesía em uma cotidianidad invasora.

81

linguagem dos primeiros cronistas e relatores das terras e gentes do Brasil

(CAMPOS, s/d. : 25). Na verdade, é justamente pela crônica que se dá a

invenção do Brasil. Através das significações e resignificações operadas pelos

relatos dos Cronistas das Índias acerca das gentes, bichos, frutas, paisagens,

aqui encontradas, o Brasil vai sendo inaugurado em misturas de povos e

línguas por um exercício de linguagem que, como uma pedra que abriga um

fóssil, busca imbricar (e até amalgamar), o signo com a coisa.

Desse modo, pela expressão através de encontros e diferenças na

produção poética no Brasil, a partir da qual nas Memórias Sentimentais de

João Miramar (concluídas em 1923, publicadas em 1924), Oswald já fizera

essa experiência de limites, abolindo as fronteiras entre poesia e prosa

(CAMPOS, 1989 : 145-146), foi possível o desabrochar de uma literatura que

desborda dos cediços compartimentos dos denominados

“gêneros literários”, evoluindo para uma idéia mais válida e

mais atual de texto: informação estética materializada num

sistema de signos dotado de autonomia e coerência, avaliável

por seu teor de originalidade (CAMPOS, s/d : 51)

Já que, texto é algo que se faz com a linguagem, de linguagem portanto,

mas algo que, ao mesmo tempo, modifica, amplia, aperfeiçoa, rompe ou reduz

a linguagem. (BENSE apud CAMPOS, 1979 : 301)

Assim, sob uma perspectiva em que se toma a cultura como um

complexo processo relacional, como cruzamentos e combinações entre textos

próximos e distantes, como um jogo constante de relações entre as

especificidades dos diversos sistemas ou séries culturais e seus possíveis

modos de conjunção, como mecanismo tradutório entre linguagens, como

82

aprendizado para caminhar entre trilhas, como possibilitadora de combinatórias

flutuantes, como propiciadora de encaixes móveis que se interpenetram e se

intercalam, fica, portanto, aberta a possibilidade de relações, conexões,

imbricamentos e até de mestiçagens entre as diversas funções básicas da

comunicação verbal e, com isso, entre a poesia de Manoel de Barros e a

crônica jornalística.

Mesmo porque,

pode-se quase afirmar que as mais significativas experiências

e inovações feitas por pintores, escultores, compositores e

romancistas derivam não apenas da exploração total das

qualidades inerentes ao seu instrumento de trabalho, mas,

sobretudo, precisamente de suas tentativas em transcendê-lo e

introduzir efeitos e ilusões além das estritas capacidades do

instrumento limitativo. (MENDILOW apud CAMPOS, 1979 :

303)

3.4 - Confluência entre poesia e crônica em Manoel de Barros

Após nos termos apropriado dos processos dinâmico-relacionais da

cultura – e especialmente da cultura latino-americana, conforme vimos acima –

voltemos agora para a relação entre poesia e crônica presente na obra poética

de Manoel de Barros.

De imediato, é preciso perceber que tal relação enreda não somente

uma dimensão literária, mas, também, envolve, em larga medida, um proceder

histórico, pois

83

aceitar uma literatura que incorpore não só a referencialidade,

mas também a temporalidade, em termos da atualidade do

narrado, implicaria considerar a formação de uma literatura que

é também a história que se está fazendo (ROTKER, 1993 :

27)51

E foi justamente essa a (ir)responsabilidade da crônica em terras

latinoamericanas. Desde o descobrimento, a crônica, pelos relatos das terras,

faunas, floras, gentes, forjou nossa história, ao mesmo tempo em que instutiu

nossa literatura, pois perdida com os anos a significação principal que puderam

ter as crônicas para o público leitor de então, são discursos literários por

excelência. (ROTKER, 1993 : 16)52

Por isso, já não é preciso reiterar a importância de se estudar relações

como as que sobre a qual estamos nos aplicando. Voltemos, portanto, às

relações entre crônica e poesia em Manoel de Barros.

Para tanto, abordaremos não apenas seus três primeiros livros em que,

como já dissemos, o poeta, segundo Castro (1991 : 11), recorreu ao poema-

crônica; mas comentaremos um poema de cada um de seus livros publicados

(inclusive dos três primeiros), pois como igualmente já levantamos, existe a

suspeita de que elementos próprios à crônica permeiem, em maior ou menor

grau, quase toda sua poesia. Para isso, retornaremos, por via da

complexidade, às considerações acerca da crônica levantadas ao longo deste

trabalho e, principalmente, aos elementos da mesma arrolados na seção

"crônica" do segundo capítulo deste.

51 Aceptar una literatura que incorpore no sólo la referencialidad, sino también la temporalidad, en términos de la actualidad de lo narrado, implicaría considerar la formación de una literatura que es también la historia que se está haciendo 52 perdida con los años la significación principal que pudieron tener las crónicas para el público lector de aquel entonces, son discursos literarios por excelencia.

84

Além disso, apesar de não ser esse o objetivo dessa dissertação, ao

longo das análises dos poemas, podemos nos deparar com alguns dos

procedimentos e processos culturais presentes na América Latina e que,

conforme vimos acima, imprimem, na mesma, a dinamicidade que permite

transpor as fronteiras textuais em traduções e mestiçagens entre textos

distintos. Esses procedimentos – que, como já foi dito, se manifestam na

cultura latino-americana a partir de sua estrutura e acabam por patenteá-la

como Barroca ou Neo-barroca – são polifonia, paródia, intertextualidade,

aglutinação, proliferação, condensação e a presença num mesmo texto de

elementos advindos de linguagens díspares. Assim, quando aparecerem tais

procedimentos e os mesmos forem importantes para as análises dos poemas,

estaremos, despretensiosamente, elucidando-os.

Serão, portanto, dezoito poemas – selecionados por apresentarem maior

assimilação de elementos da crônica e por serem mais representativos da

poética de Manoel de Barros – colhidos nos seus dezoito livros até então

publicados. Os mesmos serão apresentados e comentados a partir da ordem

cronológica de sua publicação.

Entretanto, é de suma importância lembrar que o objetivo aqui se

restringe a avaliar se e em que medida Manoel de Barros se utiliza de

elementos da crônica em sua produção poética, e não em analisar os poemas

no sentido de extrair deles entendimentos quaisquer e de ordem alguma, pois

como afirma o poeta, poesia não é para compreender, mas para incorporar. E

continua, entender é parede; procure ser uma árvore. (BARROS, 1990 : 212)

85

A obra de estréia data de 1937 e se intitula "Poemas Concebidos sem

Pecado". É composto por quatro poemas, sendo os três primeiros subdivididos

em várias partes numeradas ou nominadas. O primeiro é "Cabeludinho", o

segundo é "Postais da Cidade", o terceiro, "Retratos a Carvão" e o quarto e

último é "Informações sobre a Musa". Escolhemos para ilustrar esse livro o

segundo poema e dele um de seus trechos:

A draga

A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, no Porto, como um pé de árvore ou uma duna.

— E que fosse uma casa de peixes?Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela,

enraízados em suas ferragens.Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-

pega-sapo.Ele de noite se arrastava pela beira das casas como um

caranguejo trôpegoÀ procura de velórios.Gostava de velórios.Os bolsos de seu casaco andavam estufados de jias.Ele esfregava no rosto as suas barriguinhas frias.Geléia de sapos!Só as crianças e as putas do jardim entendiam a sua

fala de furnas brenhentas.Quando Mário morreu, um literato oficial, em

necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo!Ai que dor!

Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.Queria captura em vez de pega para não macular (sic)

a língua nacional lá dele...O literato cujo, se não me engano, é hoje senador pelo

Estado.Se não é, merecia.A vida tem suas descompensações.Da velha dragaAbrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as ex-

pressões: estar na draga, viver na draga por estar sem dinheiro, viver na miséria

Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Hollanda

Para que as registre em seus léxicosPois que o povo já as registrou.

(BARROS, 1990 : 44-45)

86

Nesse trecho do poema, fica clara a utilização de vários elementos da

crônica, tanto em relação ao assunto quanto no que diz respeito à forma da

mesma. Sobre o assunto, há, por exemplo, o fato inicial do poema se

apresentar como uma lembrança da infância do poeta e, ao mesmo tempo, um

Postal da Cidade; a referência a uma lembrança coletiva (A gente não sabia) e

a um local (o porto); a referência a pessoas simples e suas "moradias" (loucos

e bêbados moravam na draga); a utilização de personagem (Mário-pega-sapo),

bem como a descrição de seu comportamento cotidiano; a discussão sobre o

linguajar formal e a fala coloquial (a diferença entre o capricho lingüístico-

nacionalista do literato e a fala de furnas brenhentas de Mário e o exercício de

pegar expressões na fala cotidiana e ironicamente oferecê-las ao léxico oficial);

a utilização do humor (tanto ao vincular o termo macular à expressão sic – de

modo a sugerir que o literato é quem falava de maneira estranha ou "errada",

indicando, ainda, que o narrador, antropofagicamente, se apropria desse termo

"alheio" –, quanto ao imputar ao literato o merecimento da descompensação de

ser senador pelo Estado); e a citação paródica do nome de um outro autor

bastante conhecido (o filólogo Aurélio Buarque de Hollanda).

Sobre a forma utilizada, notam-se incorporações da crônica ao poema

através da brevidade do texto – que se insinua já no título geral do poema

("Postais da Cidade" remete a instantâneo fotográfico); da simplicidade dos

termos; do tom descontraído no trato com a linguagem; no emprego da forma

narrativa em prosa; e na própria utilização de um narrador.

Sua segunda obra foi publicada em 1942 e se intitula "Face Imóvel".

Neste livro, fica patente a influência da Segunda Grande Guerra. Afinal, a

87

mesma ainda estava em curso quando de seu lançamento. É composto por

vários poemas, dos quais um se segue abaixo:

Balada do Palácio do Ingá

Na sala de espera do Palácio do IngáVou abanando a cara com o jornal do Brício.Benjamin Constant da parede me olha.Mas eu olho é pras medalhas do Duque de Caxias.Ai que riquezas no Palácio do Ingá!

Os varões na parede me inspiram brasilidade.Será que o Duque de Caxias por cima de suas medalhasE de sua suspicácia está descobrindo meu olhar gulosoPara as coxas daquela mulher entreabertas na minha

frente?

Na sala do Palácio do Ingá com uma ficha na mãoEspero para falar com o chefe do Gabinete do Interventor.Na sala de espera do Palácio do Ingá tem uma pele de

onça.Ai que saudades do Pantanal!Senhor, nem é tanto deste emprego que eu preciso tan-

toO que eu preciso e quanto! nesta mísera tardeÉ daquela mulher com as coxas entreabertas na minha

frente.E isso não tem mandamentos e nem ofende a discipli-

na militar.(BARROS, 1990 : 70-71)

A crônica se insinua nesse poema de modo mais velado do que no

anteriormente visto. E isso se deve, provavelmente, a um maior hermetismo

presente no poema. A principal assimilação da crônica se dá pelo caráter

descritivo do Palácio do Ingá e pela sintonia com as implicações históricas do

momento caracterizado pelo comportamento aflitivo pelo qual a humanidade

passava. Outras presenças possíveis seriam a incorporação crítica de nomes

conhecidos na história nacional (Duque de Caxias, representa o pensamento

militar imperialista e Benjamim Constant, o pensamento racional positivista,

ambos pensamentos que, de certa maneira, acabaram por instigar a Guerra); a

88

discussão entre o homem ilustre e o homem comum, sinalizando a crise do

indivíduo solitário frente a história da humanidade (o ilustre e desconfiado

Caxias estaria à espreita de seus ermos anseios eróticos); as lembranças de

sua terra natal (Ai que saudades do Pantanal!), bem como a relação predatória

entre a racionalidade opressora e a natureza (pele de onça); e por fim, a

utilização de um humor um tanto ácido em relação à ordem bélica, opressora e

anti-humana instituída (estar com uma mulher é algo íntimo e privado que,

portanto, "escapa" aos controles sociais). Há, ainda, clara alusão ao jornal

impresso (utilizado como abanador).

Seu terceiro livro, intitulado simplesmente "Poesias", foi publicado em

1956. Entretanto, reúne poemas escritos de 1942 até o ano de sua publicação.

Nesse sentido, escolhemos para ilustrar esse livro um longo poema que já

havia sido publicado, em 08/10/1944, segundo consta na Gleba Expositiva

Manoel de Barros (disponibilizada na bibliografia deste), num jornal cujas

referências não são claras na dita bibliografia:

Olhos Paradosa Mário Calábria

Ah, ouvir mazurcas de Chopin num velho bar, domingo de manhã!

Depois sair pelas ruas, entrar pelos jardins e falar com as crianças.

Olhar as flores, ver os bondes passarem cheios de gente, E encostado no rosto das casas, sorrir...

Saber que o céu está lá em cima.Saber que os olhos estão perfeitos e que as mãos estão

perfeitas.Saber que os ouvidos estão perfeitos. Passar pela Igreja.Ver as pessoas rindo. Ver os namorados cheios de

ilusões.

89

Sair andando à-toa entre as plantas e os animais.Ver as árvores verdes no jardim. Lembrar das horas mais

apagadas.Por toda parte sentir o segredo das coisas vivas.Entrar por caminhos ignorados, sair por caminhos

ignorados.

Ver gente diferente de nós nas janelas das casas, nas calçadas, nas quitandas.

Ver gente conversando na esquina, falando de coisas ruidosas.

Ver gente discutindo comércio, futebol e contando anedotas.

Ver homens esquecidos da vida, enchendo as praças, enchendo as travessas.

Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.

Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.

Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.

Lembrar que eles estão longe e ter saudades deles...

Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho.

Rir de coisas passadas. Ter saudade de pureza.Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que

a gente já teve.Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas

que a gente já viu.

Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.

Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.

Saber que a gente tem amigos de fato!Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir

os ventos pelo rosto...

Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.Gostar de estar alí caminhando. Gostar de estar assim

esquecido.Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia

de riquezas íntimas.Pensar nos livros que a gente já leu, nas alegrias dos

livros lidos.

Pensar nas horas vagas, nas horas passadas lendo as poesias de Anto.

90

Lembrar dos poetas e imaginar a vida deles muito triste.Imaginar a cara deles como de anjos. Pensar em

Rimbaud,Na sua fuga, na sua adolescência, nos seus cabelos cor

de ouro.

Não ter idéia de voltar para casa. Lembrar que a gente, afinal de contas,

Está vivendo muito bem e é uma criatura até feliz.Ficar admirado.Descobrir que não nos falta nada. Dar um suspiro bom

de alívio,Olhar com ternura a criação e ver-se pago de tudo.

Descobrir que, afinal de contas, não se possui nenhuma queixa

E que se está sem nenhuma tristeza para dizer no momento.

Lembrar que não sente fome e que os olhos estão perfeitos.

Para falar a verdade, sentir-se quite com a vida.

Lembrar dos amigos. Recordar um por um. Acompanhá-los na vida.

Como estão longe, meu Deus! Um aqui. Outro lá, Tão distantes...

Que fez deste o destino? E daquele?Quase vai se esquecendo do rosto de um ... Tanto

tempo!

Ter vontade de escrever para todos os amigos.Ter vontade de lhes contar a vida até o momento

presente.Pensar em encontrá-los de novo. Pensar em reuní-los em

torno de uma mesa,Uma mesa qualquer, em um lugar que a gente ainda não

escolheu.

Conversar com todos eles. Rir, cantar, recordar os dias idos.

Dar uma olhadela na infância de cada um. Aquele era magro, Venício...

Aquele outro era gordo, Abelardo ... Aquele outro era triste.

Ai, não esquecer jamais este último, porque era um menino triste.

Como andarão agora? Naturalmente, mais velhos.Talvez eu não conhecerei alguns. Naturalmente,

mais senhores de si.

91

Imaginar todos eles com ternura. Pensar nos mais fracos,Naqueles, naturalmente, para quem o mundo deve ter

sido menos bom.

Pensar que eles já vêm. Abrir os braços.Procurar descobrir, no mundo que os envolve,Alguma voz que tenha acento parecido,Algum andar que lembre o andar longínquo

de algum deles...

Ah como é bom a gente ter infância!Como é bom a gente ter nascido numa pequena

cidade banhada por um rio.Como é bom a gente ter jogado futebol no Porto de

Dona Emília, no Largo da Matriz,E se lembrar disso agora que já tantos anos são

passados.

Como é bom a gente lembrar de tudo isso. Lembrar dos jogos à beira do rio,

Das lavadeiras, dos pescadores e dos meninos do PortoComo é bom a gente ter tido infância para poder

lembrar-se delaE trazer uma saudade muito esquisita escondida no

coração.

Como é bom a gente ter deixado a pequena terra em que nasceu

E ter fugido para uma cidade maior, para conhecer outras vidas.

Como é bom chegar a este ponto de olhar em tornoE se sentir maior e mais orgulhoso porque já conhece

outras vidas...

Como é bom se lembrar da viagem, dos primeiros dias na cidade,

Da primeira vez que olhou o mar, da impressão de atordoamento.

Como é bom olhar para aquelas bandas e depois comparar.

Ver que está tão diferente, e que já sabe tantas novidades...

Como é bom ter vindo de tão longe, estar agora caminhando

Pensando e respirando no meio de pessoas desconhecidas

Como é bom achar o mundo esquisito por isso, muito esquisito mesmo

92

E depois sorrir levemente para ele com os seus mistérios...

Que coisa maravilhosa, exclamar. Que mundo maravilhoso, exclamar.

Como tudo e tão belo e tão cheio de encantos!Olhar para todos os lados, olhar para as coisas mais

pequenas,E descobrir em todas uma razão de beleza.

Agradecer a Deus, que a gente ainda não sabe amar direito,

A harmonia que a gente sente, vê e ouve.A beleza que a gente vê saindo das rosas; a dor

saindo das feridas.Agradecer tanta coisa que a gente não pode acreditar

que esteja acontecendo.

Lembrar de certas passagens. Fechar os olhos para ver no tempo.

Sentir a claridade do sol, espalmar os dedos, cofiar os bigodes,

Lembrar que tinha saído de casa sem destino, que passara num bar, que ouvira uma mazurca,

E agora estava alí, muito perdidamente lembrando coisas bobas de sua pequena vida.

(BARROS, 1990 : 85-91)

Esse poema poderia, exceto pela sua extensão, certamente ser

classificado como crônica. Seu tema é fortemente calcado na vida cotidiana

(sair pelas ruas, bondes, pessoas rindo, gostar desse momento etc.); na

descrição do ambiente (árvores verdes do jardim, calçadas, quitandas) e do

burburinho das ruas (gente discutindo comércio, futebol e contando anedotas);

na noção de tempo (domingo de manhã!, fechar os olhos para ver no tempo);

nas lembranças da infância (lembrar da cidade, da casa da gente, irmãos, pais,

amigos, jogos de infância) e de viagens (os primeiros dias na cidade, o mar);

na citação de personalidades importantes (Chopin, Rimbaud); na descrição de

sensações (sentir o sol, emoção tão cheia de riquezas íntimas); e em

considerações metafísicas (sorrir para o mundo com os seus mistérios,

93

agradecer a Deus). Nesse poema, percebe-se, limpidamente, pelo que vimos

em sua biografia, que Manoel de Barros escreve uma intensa e bela

autobiografia, na qual deixa transparecer sua euforia de ter tido uma infância

feliz e pura, que, por sua vez, lhe ilumina a vida presente.

No âmbito formal, igualmente elementos da crônica são bastante

presentes, como o teor altamente discursivo, em tom descontraído e prosaico,

a simplicidade da linguagem, a utilização de um narrador e, em especial, o

emprego da locução "a gente" como um irresistível convite ao leitor a participar,

com todo o corpo, desse estado pleno da alma.

Em 1961, Manoel de Barros publica seu quarto livro, intitulado

"Compêndio para Uso dos Pássaros". O livro se divide em duas partes

compostas por vários poemas: "I - De meninos e de Pássaros" e "II -

Experimentando a Manhã nos Galos". Desta última, abordaremos o poema:

Na Fazenda

Barrulhinho vermelho de cajuse o riacho passandonos fundos do quintal...

Dali se escutavam os ventos com a bocacomo um dia ser árvore.

Eu era lutador de jacaré.As árvores falavam.Bugre Teotônio bebia marandovás.

Víamos por toda parte cabelos misgalhadinhos de borboletas...

Abriu-seuma pedracerta vez:

94

os musgos eram frescos...

As plantasme ensinavam de chão.Fui aprendendo com o corpo.

Hoje sofro de gorjeiosnos lugares puídos de mim.Sofro de árvores.

(BARROS, 1990 : 147-148)

Percebemos, pelo título desse poema, que se trata de uma descrição

poética da fazenda e dos ensinamentos que a infância passada na mesma

proporcionaram para a vida presente de Manoel de Barros.

Estão presentes elementos da crônica na descrição prosaica do

ambiente e do burburinho da natureza (o riacho passando nos fundos do

quintal); nas lembranças da infância (eu era lutador de jacaré); na utilização de

personagens (Bugre Teotônio) e de costumes locais (bebia marandovás); no

tom coloquial (misgalhadinhos); em lições de vida (fui aprendendo com o

corpo); nas conseqüências desse aprendizado para o tempo presente (sofro de

árvores) e; na brevidade do texto.

O quinto livro de Manoel de Barros chama-se "Gramática Expositiva do

Chão" e foi publicado em 1969. É composto por vários poemas, dos quais

escolhemos um para ilustrar a obra:

A Máquina:A Máquina Segundo H.V.,

o Jornalista

A Máquina mói carne excogitaatrai braços para a lavouranão faz atrás de casausa artefatos de couro

95

cria pessoas à sua imagem e semelhançae aceita encomendas de fora

A Máquinafunciona como fole de vai e vemincrementa a produção do vômito espaciale da farinha de mandiocainflui na Bolsafaz encostamento de espáduase menstrua nos pardais

A Máquina trabalha com secos e molhadosé ninfômanaagarra seus homensvai a chás de caridadeajuda os mais fracos a passarem fomee dá às crianças o direito inalienável ao sofrimento na forma e de acordo com a lei e as possibilidades de cada uma

A Máquina engravida pelo ventofornece implementos agrícolascondecoraé guiada por pessoas de honorabilidade consagrada, que não defecam na roupa!

A Máquinadorme de toucadá tiros pelo espelhoe tira coelhos do chapéu

A Máquina tritura anêmonasnão é fonte de pássaros (1)etc.etc.

____________________________ (1) isto é: não dá banho em minhoca / atola na pedra / bota azeitona na empada dos outros / atravessa períodos de calma / corta de machado / inocula o virus do mal / adota uma posição / deixa o cordão umbelical na província / tira leite de veado correndo / extrae víceras do mar / aparece como desaparece / vai de sardinha nas feiras / entra de gaiato / não mora no assunto e no morro (...)

(BARROS, 1990 : 172-174)

96

Nesse poema, a crônica se apresenta, principalmente, pela clara

preocupação, embora diluída em irônica poesia, com os problemas sociais

(ajuda os mais fracos a passarem fome). Outras incorporações da mesma se

dão pelo uso do humor, tanto de modo a "negar" a escatologia própria da

infância (não faz atrás da casa, não defecam na roupa!) quanto de maneira

ácida (vai a chás de caridade) e jocosa, quando usa termos comumente

associados ao direito para fazer objeção a ordem social estabelecida (o direito

inalienável (...) de acordo com a lei); pelo questionamento zombeteiro da

cotidiana relação entre a máquina, como símbolo da racionalidade técnica, e a

falta de transcendência humana (cria pessoas à sua imagem e semelhança),

bem como da relação entre a máquina, a produção e a economia (incrementa

a produção, influi na Bolsa) e, ainda, da relação – erótica e trágica – da

máquina com a humanidade (agarra seus homens) e com a natureza

(menstrua nos pardais). Além disso, temos o uso do etc. repetido conferindo ao

poema um caráter de continuidade que sugere temporalidade: outra

característica da crônica.

No âmbito formal, a contribuição da crônica se dá pelo uso da prosa em

frases telegráficas, que resulta em uma linguagem simples, leve e ágil. Dá-se,

ainda, pela utilização da nota-de-rodapé, que, na verdade, não advém da

crônica. Pelo contrário, é mais apropriada em textos ou compêndios científicos.

Contudo, essa nota tem a função de (des)explicar o fato de a máquina não ser

fonte de pássaros, pois na mesma são ar(rola)dos, em colagem, frases e

clichês, a maioria de uso cotidiano e em linguagem coloquial e outros que, por

estarem com estes, passam a soar como tal. Além disso, na tal nota, Manoel

de Barros faz uso do artifício da proliferação, que consiste em ir enunciando

97

expressões de modo a multiplicar seus sentidos até o quase irrompimento

semântico. Esse situação é, ainda, reforçada pelo emprego das reticências ao

final da mesma.

A sexta obra publicada de Manoel de Barros saiu em 1974 e se chama

"Matéria de Poesia". É composta por três partes subdivididas em poemas

menores: "I - Matéria de Poesia", "II - Com os Loucos de Água e Estandarte" e

"III - Aproveitamento de Materiais e Passarinhos de Demolição". Da primeira

dessas partes escolhemos, para ilustrar a obra, o poema de número 1:

Todas as coisas cujos valores podem serdisputados no cuspe à distânciaservem para poesia

O homem que possui um pentee uma árvoreserve para poesia

Terreno de 10x20, sujo de mato – os quenele gorjeiam: detritos semoventes, latasservem para poesia

Um chevrolé gosmentoColeção de besouros abstêmiosO bule de Braque sem bocasão bons para poesia

As coisas que não levam a nadatêm grande importânciaCada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimotem seu lugarna poesia ou na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira:caco de vidro, garampos, retratos de formatura,servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como

98

por exemplo: pedras que cheiramágua, homensque atravessam períodos de árvore,se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhumae que você não pode vender no mercadocomo, por exemplo, o coração verdedos pássaros,serve para poesia

As coisas que os líquenes comem – sapatos, adjetivos –têm muita importância para os pulmões da poesia

Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima,serve para poesia

Os loucos de água e estandarteservem demaisO traste é ótimoO pobre-diabo é colosso

Tudo o que explique o alicate cremoso e o lodo das estrelasserve demais da conta

Pessoas desimportantesdão pra poesiaqualquer coisa ou escada

Tudo que explique a lagartixa de esteira e a laminação de sabiásé muito importante para a poesia

O que é bom para o lixo é bom para a poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;a palavra repositório eu conheço bem: tem muitas repercussõescomo um algibe entupido de silêncio sabe a destroços

As coisas jogadas foratêm grande importância– como um homem jogado fora

99

Aliás é também objeto de poesiasaber qual o período médioque um homem jogado forapode permanecer na terra sem nasceremem sua boca as raízes da escória

As coisas sem importância são bens de poesia

Pois é assim que um chevrolé gosmento chegaao poema, e as andorinhas de junho.

(BARROS, 1990 : 179-181)

A presença da crônica nesse poema se singulariza pela preocupação

"teórica" de Manoel de Barros em fazer – através do uso da metalinguagem

num texto crítico-poético sobre poesia – considerações literárias sobre o

horizonte poético no qual ele se inscreve.

Outras assimilações da crônica se insinuam no caráter descritivo em

prosa dos materiais utilizáveis em poesia; na simplicidade desses materiais

(lata, caco de vidro, traste) e da própria linguagem utilizada para descrevê-los;

no humor fluido oriundo da desautomatização em relação às (des)importâncias

(o que é bom para o lixo é bom para a poesia); no trato descontraído para com

a linguagem (disputados no cuspe à distância); na descrição pormenorizada de

objetos banais, tornando-os importantes (o ninho de joão-ferreira); na

referência à obra de outro artista (o bule de Braque); na preocupação social e

cotidiana (um homem jogado fora); no dizer sobre o tempo (qual o período

médio, andorinhas de junho); e na tentativa de reconstrução do mundo sobre

bases que estejam fora dos parâmetros instituídos pela racionalidade técnica e

econômica: uma cosmovisão povoada pelas coisas ínfimas do chão.

Em 1982, Manoel de Barros publica seu sétimo livro, cujo título é

"Arranjos para Assobio". É composto por cinco partes, a saber: "Sabiá com

100

Trevas", "Glossário de Transnominações em que Não se Explicam Algumas

Delas (Nenhumas) – ou Menos", "Exercícios Cadoveos", "Exercícios Adjetivos"

e "Arranjos para Assobio". Da primeira destas, escolhemos o terceiro poema

para ilustrar o livro:

Quando houve o incêndio de latas nos fundosda Intendência, o besouro náfego saiucaminhando para alcançar meu sapato ( e eu lhedei um chute ? )

Parou no ralo do bueiro, olhoso, como um boique botaram no sangradouro dele

(Intrigante : não sei de onde veio nem de quelado de mim entrou esse besouro. Devo ter maltratado com os pés, na minhainfância, algum pobre-diabo. Pois como explicaro olhar ajoelhado desse besouro? )

Com o seu casaco preto, chamuscado nas pontas,ele em seguida nafegou no rumo do jardim eentrou no porão de um coreto por ondese comeu como um papel sem gosto

De manhã, catando pelas ruas toda espécie decoisas que não pretendem, sempre eu revejoesse ente que tem por abrigo o céu, como conchas ao contrário.

(BARROS, 1990 : 203/205)

A crônica se mostra nesse poema através da alegre descrição de um

flagrante do cotidiano (o besouro náfego caminhando), tendo como motivo algo

aparentemente inusitado (o incêndio de latas nos fundos da Intendência); há,

ainda, o recurso ao absurdo com certa pitada de humor pela incerteza das

ações (e eu lhe dei um chute?); a leveza e simplicidade da linguagem prosaica

utilizada; a recorrência intrigada à infância para explicar algo presente (devo ter

maltratado com os pés, na minha infância, algum pobre-diabo. Pois como

explicar...); o uso explicativo dos parênteses como recurso íntimo de

101

estabelecer uma conversa à parte com o leitor (Intrigante: ...); a utilização de

termos da fala coloquial (pobre-diabo); a presença de um narrador-personagem

(alcançar meu sapato, eu revejo esse ente); uma certa brevidade; e a presença

da temporalidade (quando houve, de manhã).

Em relação ao modo barroco de nossa literatura, Manoel de Barros,

nesse poema (mas não só nesse!), busca reunir termos advindos de universos

lingüísticos ou léxicos distintos, como Intendência e náfego em comunhão com

fundos e besouro.

O oitavo livro de Manoel de Barros foi publicado em 1985. Tem como

título "Livro de Pré-Coisas" e como sub-título "(Roteiro para uma excursão

poética no Pantanal)". É composto por quatro partes: "Ponto de partida",

"Cenários", "O Personagem" e "Pequena História Natural". O próprio Manoel de

Barros afirma no primeiro poema-prefácio do livro, Anúncio, que este não é um

livro sobre o Pantanal. Seria antes uma anunciação. Enunciados como que

constatativos. Manchas. Nódoas de imagens. Festejos de linguagem. (...)

(BARROS, 1990 : 227)

Contudo, o livro é em quase sua totalidade prosaico e descritivo – assim

como as crônicas do descobrimento – em relação ao Pantanal e seus rios,

suas cidades, seus recantos, sua gente, seu clima, seus costumes, seus

bichos... Sem, contudo, perder a poeticidade. Destarte, é possível tomá-lo

como um exercício poético cometido em prosa.

Para ilustrá-lo, abordaremos o segundo poema-prosa da primeira parte

do livro:

102

Narrador Apresenta Sua Terra:Corumbá, Cidade Branca. Capital do

Pantanal. Com orgulho

Arremeda uma gema de ovo o nosso pôr-do-sol do la-do da Bolívia. A gema vai descendo até se desmanchar atrás do morro. (Se é tempo de chover, desce um barrado escuro por toda a extensão dos Andes e tampa a gema.)

"Aquele morro bem que entorta a bunda da paisa-gem!"

Deste lado é Corumbá. Além de cansação, nós temoscuiabanos, chiquitanos, paus-rodados e turcos. Todos porcima de uma pedra branca enorme que o rio Paraguai bor-da e lambe.

Falando em cansação: "Há plantas que aceitam, comextraordinário gosto, nascer e florescer nestas pedras bran-cas. Dentre elas o cansação. E tão desenvolvidos se acham neste lugar os cansações, que se dizem haver deles taludosa ponto que se os apliquem por madeira de lei." (do livroA PRINCESA DO PARAGUAI, de J. Santos)

"Turma que tira o sarro..."Não indo para oeste, de qualquer lado que frechar, co-

rumbaense cai no pântano. "Nosso chão tem mais estrelas. Nossos brejos têm mais sapos" ( do livro CORUMBÁ GLORIO-SA, de R. Araújo).

"Povo que gosam no poeta..."Contudo, o que mais nos transporta, de orgulho em

riste, é o Episódio da Retomada de Corumbá, na Guerrado Paraguai. Foi assim:"De noite os paraguaios tomaram porre e dormiram. Nóstacamos chumbo em cima. Sairam correndo sem rumo... Es-tão correndo até hoje." (Por isso, de vez em quando, a gen-te encontra no frio desse mato, algum trabuco ou espadaenferrujados, que eles foram largando na corrida...)

Nós temos demais de campos para guerreiro correr."Pessoal que inventam..."Descendo a Ladeira Cunha e Cruz, a gente imbica no

Porto. Aqui é a Cidade Velha. O tempo e as águas escul-pem escombros nos sobrados anciãos. Desenham formas delarvas sobre parede em podre. São trabalhos que se fazemde rupturas. Como um poema.

Arbustos de espinhos com florimentos vermelhos de-sabrem nas ruínas.

"Nossos sobrados enfrutam!"Há sapos vegetais entre pedras e águas. O homem des-

te lugar é uma continuação das águas.Arruados que correm na beira do rio, esbarram em bar-

racos de latas, adonde se vendem pacus fritos e se bebemcaldos de piranha.

"Devia de ficar no altar o nosso caldo de piranha!"

103

"Acho de acordo."Por mim, advenho de cuiabanos. Meu pai jogou canga

pra cima no primeiro escrutínio e sumiu no zamboada. Háum rumor de útero que muito me repercute nestes brejos.Aqui o silêncio rende. Assim na pedra como nas águas. De-cretadamente, senhores.

(BARROS, 1990 : 228-229)

Como dissemos acima, fica clara a dimensão narrativa nesse poema. E

ainda mais clara a incorporação de elementos da crônica no mesmo. A

começar pelo título (narrador apresenta sua terra...), há a descrição orgulhosa

do ambiente (nosso pôr-do-sol do lado da Bolívia), do clima (se é tempo de

chover), da geografia da cidade (por cima de uma pedra branca, rio Paraguai,

aqui é a Cidade Velha), do povo (nós temos cuiabanos, chiquitanos, paus-

rodados e turcos) e dos costumes culinários (pacus fritos, caldos de piranha).

Há, ainda, o recurso ao humor (Estão correndo até hoje); à leveza e tom

coloquial da linguagem, com aproveitamentos de corruptelas e termos

regionais (frechar, gosam, zamboada, paus-rodados), bem como de

expressões populares (turma que tira o sarro, pessoal que inventam); à

citações de livros e outros autores (do livro CORUMBÁ GLORIOSA, de R.

Araújo); à referência a episódios históricos (a Retomada de Corumbá, na

Guerra do Paraguai); a um certo ecletismo de gêneros entre a linguagem

formal (arremeda, escrutínio) e a coloquial (florimentos, a gente encontra); uma

breve consideração literária (trabalhos que se fazem de rupturas. Como um

poema); e óbvio, à utilização de um narrador.

Manoel de Barros emprega, ainda, nesse poema, o artifício da

aglutinação ao combinar elementos de universos distintos, como entre

arquitetura e vegetação (nossos sobrados enfrutam).

104

A nona obra de Manoel de Barros chama-se "O Guardador de Águas" e

foi publicado em 1989. É formado por quinze poemas iniciais e mais quatro

partes denominadas retrospectivamente, "Passos para a transfiguração", "Seis

ou treze coisas que eu aprendi sozinho", "Retrato quase apagado em que se

pode ver perfeitamente nada" e "Beija-flor de rodas vermelhas". Da penúltima

parte, tomaremos o poema VIII como ilustração dessa obra:

Nas Metamorfoses, em duzentas e quarenta fábulas, Ovídio mostra seres humanos transformados em pedras, vegetais, bichos, coisas.Um novo estágio seria que os entes já transformados falassem um dialeto coisal, larval, pedral etc.Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural –Que os poetas aprenderiam – desde que voltassem às crianças que foramÀs rãs que foramÀs pedras que foram.Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar a língua.Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?Seria uma demência peregrina.

(BARROS, 1990 : 299)

A incorporação da crônica a esse poema, dá-se, para começar, pela

recorrência a um autor da antiguidade clássica e à sua obra (As Metamorfoses

de Ovídio); passa por uma simplicidade de linguagem – apesar da presença de

neologismos (pedral, coisal, larval), que, no contexto, são de fácil entendimento

–; pelo tom coloquial e descontraído do texto escrito em prosa; pela crítica, não

à obra de Ovídio propriamente dita, mas à não continuidade da transformação

física para a lingüística (um novo estágio seria...); pela brevidade do texto em

relação à complexidade do assunto; pela noção temporal ao propor uma volta à

infância (desde que voltassem às crianças que foram) e vaticinar uma outra

linguagem (madruguenta, adâmica, edênica, inaugural); e, ainda, por tecer

105

considerações literárias ao afirmar que o poético autêntico passa pelo

reaprender a errar a língua.

Em 1991, é lançado o décimo livro de Manoel de Barros, cujo título é

"Concerto a Céu Aberto para Solos de Ave". Este é composto por três partes: a

primeira é "Introdução a um Caderno de Apontamentos", prosa poética que

"explica" como se conseguiu a segunda parte denominada, obviamente, por

"Caderno de Apontamentos" e uma terceira e última parte chamada "Caderno

de Andarilho". A modo de ilustrar esse livro, apontamos o XIV poema da

segunda parte do mesmo:

(lembrança)

Entrei na Vila do Livramento ( Vila de NossaSenhora do Livramento – ao completo )puxando uma égua aviciada.No Largo do Tanque, onde existe ainda hojeuma Igreja Romana, a égua estancou.Aviciada.O sacristão apareceu ( puxava um cavalo ).Aquela chapoleta do cavalo na égua por detrásadentro, eu vi de perto.Meu olho crepusculou-se.Uma aranha espirrou pessoalmente.Deu para apreender concepção sem ler o Pentateuco.

(BARROS, 1998a : 20)

Esse poema é outro em que há alto grau de assimilação da crônica. Seja

pelo caráter de flagrante do cotidiano que o mesmo apresenta, seja pela

descrição do ambiente e da situação que o motiva. Outros elementos

encontrados na crônica e presentes nesse poema são: a recorrência à

memória apontada pelo próprio subtítulo (lembrança) do poema; a

denominação de locais públicos (Vila do Livramento, Largo do Tanque), de

106

arquiteturas definidas (Igreja Romana) e o uso do parênteses para melhor

delimitar locais, como fica evidente pelo (... ao completo); a conseqüente

alusão ao costume popular de encurtar nomes (Vila do Livramento por Vila de

Nossa Senhora do Livramento); a prosa em tom coloquial (por detrás adentro)

que inclui a oralidade (aviciada, chapoleta); o convite intelectual de participar

da situação – que o narrador faz ao leitor menos avisado – ao justapor a égua

aviciada ao cavalo, de modo que o leitor possa antecipadamente adivinhar o

que se seguirá; o humor ágil que se inicia pela contradição (o cavalo do

sacristão), perpassa, surrealisticamente, o absurdo (uma aranha espirrou

pessoalmente) e desemboca em revelações (deu para apreender concepção

sem ler o Pentateuco); o texto breve com frases telegráficas; e como já

insinuado, a presença de um narrador-personagem.

A décima primeira obra de Manoel de Barros é "O Livro das Ignorãças",

publicada em 1993. Divide-se em três partes, a saber, "Uma Didática da

Invenção", "Os Deslimites da Palavra" e "Mundo Pequeno". Desta última,

escolhemos o poema VII para ilustrar a obra:

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.— Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.Ele fez um limpamento em meus receios.O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...E se riu.Você não é de bugre? — ele continuou.Que sim, eu respondi.Veja que bugre só pega por desvios, não anda em

107

estradas —Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.Há que apenas saber errar bem o seu idioma.Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática.

(BARROS, 2000a : 87)

A presença da crônica nesse poema se faz notar, principalmente, por se

tratar de uma página da memória do autor (descobri aos 13 anos), conforme

vimos em sua breve biografia exposta acima. O poema incorpora, ainda,

outros elementos estruturais da crônica; como, o tom de diálogo presente na

quase totalidade do poema (o Padre me disse, eu respondi); o ecletismo entre

a linguagem formal (fazer defeitos na frase) e a coloquial (a doença delas); a

utilização, embora em pequena escala, do humor (E se riu.), que acaba por

induzir o leitor a imaginar a expressão facial do Padre frente ao, então, confuso

menino e, ainda, do humor advindo da contradição entre termos (professor de

agramática); a leveza e descontração no trato com a linguagem em prosa; a

inclusão da oralidade no poema (Que sim, eu respondi., peschibeque em lugar

de pechisbeque); a referência aos costumes (bugre só pega por desvios, não

anda por estradas) e aos frutos locais (ariticuns maduros); a tessitura de

considerações literárias (Há que apenas saber errar bem o seu idioma.); a

brevidade do texto; e a utilização de um narrador-personagem.

O décimo segundo livro veio a público em 1996 e se chama "Livro Sobre

Nada". O Pretexto de Manoel de Barros ao escrevê-lo se situa como prefácio e

diz que

(...) o nada de meu livro é nada mesmo. É coisa nenhuma por

escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer,

108

pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc etc.

O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer

coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o abandono por

dentro e por fora. (BARROS, 1997 : 07)

Através dessa verdadeira declaração de amor à linguagem, Manoel de

Barros, como sempre ocorre aos amantes, traz à tona seu desejo de aniquilá-

la. Contudo, tal desejo busca se realizar somente frente aos chavões literários,

por um processo de apropriação, negação e aniquilação de conceitos

estratificados.

E intenta fazê-lo por meio dos relatos de recordações da sua meninice,

já que sobre esse livro, ele afirma em entrevista (NAME, 02/03/96), estou tendo

um borbulhamento das memórias da minha infância, das memórias fósseis dos

meus antepassados.

Fica, então, desde já, pelo caráter de páginas de memórias, a indicação

da presença de elementos da crônica nesse livro que se compõe em quatro

partes, sendo "Arte de infantilizar formigas", "Desejar ser", "O livro sobre nada"

e "Os Outros: o melhor de mim sou Eles". Da primeira delas, optamos pelo

poema de número 4 para ilustrar a obra:

Apenas de mês em mês aparecia uma carreta de mas-cate, puxada por 4 juntas de bois no fim daquele lugar.Levava caramelos, bolachinhas, pentes, argolas paralaço, extrato Micravel, peças de algodoin para fazer saia branca, filó de mosqueteiro, vidros de arnica para curarmachucaduras, brincos de peschibeque, – essas coi-sinhas sem santidade...Nossa mãe comprava arnica e bolachinhas.Dona Maria, mulher do Lara, comprava brincos e extrato Micravel.Meu avô abastecia o abandono.De tudo haveria de ficar para nós um sentimentolongínquo de coisa esquecida na terra —

109

Como um lápis numa península.(BARROS, 1997 : 17)

Além da incorporação da crônica operada pela lembrança de situações

passadas, conforme vimos acima, podemos constatar outros elementos da

mesma no texto leve, escrito em prosa poética, de tom coloquial; a referência

ao tempo (apenas de mês em mês); a descrição pormenorizada da carreta de

mascate e dos objetos e coisinhas oferecidos (argolas para laço, vidros de

arnica para curar machucaduras), que acabam por conferir grande importância

a tais objetos ordinários, como, aliás, haveriam mesmo de ter nesse contexto; o

recurso ao humor sacro-profano (essas coisinhas sem santidade...), que

finalmente joga por terra as "importâncias" adquiridas pelos objetos; a

referência às pessoas do lugar e aos objetos adquiridos por elas (nossa mãe,

Dona Maria e mesmo o avô); o reconhecimento de sensações passadas

(haveria de ficar para nós um sentimento longínquo); a brevidade do poema; e,

por fim, a utilização do narrador.

Há, ainda, o recurso literário da proliferação de termos aos elencar os

objetos vendidos na tal carreta de mascate.

Seu décimo terceiro livro é publicado em 1998 e se chama "Retrato do

Artista Quando Coisa". É dividido, por Manoel de Barros, em duas partes,

sendo que a primeira, de título idêntico ao do livro, compreende dezesseis

poemas e a segunda intitulada como "Biografia do Orvalho", outros doze. Para

ilustrar esse livro comentaremos o poema de número 7 da primeira parte do

mesmo:

110

O lugar onde a gente morava era uma IlhaLingüística, no jargão dos Dialetólogos (comperdão da má palavra).Isto seja: que a gente morava em lugar isolado:núcleo de dez a vinte pessoas, onde poderiagerminar um idioleto.Na enchente só entravam batelões e bois de selaque iam levar mantimentos.Senão a gente teria que chupar bocaiúva, comerovo de ema e tirar mel de pau para sobremesa.Os anos passavam por longe, ninguém enxergava.Nas campinas só havia trilheiros de anta.Quase toda extensão era tomada porfrangos-d'água.O resto ia no invento.Pois que inventar aumenta o mundo.A gente aprendia coisas de sexo vendo oscachorros emendados, vendo os cavalos naséguas e os touros nas vacas.Camões chamava a isso "Venéreo ajuntamento".Mas a gente não sabia de Camões e nem de venéreos.De novidade tinha por lá uma simpatia paraobter namoro.Era rabo de lagartixa torrado.O pó se jogava nos cabelos da moça.Na primeira poção a moça cede — diziam.Mas a Ilha Lingüística para nós ainda era umdesnome.

(BARROS, 1998b : 29)

Novamente o relembrar de um tempo passado (o lugar onde a gente

morava) é o que mais situa esse poema em proximidade com a crônica.

Acresce, ainda, como assimiliação de elementos também característicos da

crônica a descrição do povoado (núcleo de dez a vinte pessoas), das

constantes e regulares intempéries do lugar (na enchente), das decorrentes

dificuldades (iam levar mantimentos), das conseqüências e simplicidade

alimentares (chupar bocaiúva, comer ovo de ema e tirar mel de pau para

sobremesa), da presença abundante de animais (anta, frangos-d'água) e dos

"métodos" pedagógicos praticados ali (aprendia coisas de sexo vendo os

cachorros emendados, ...); a simplicidade textual em linguagem prosaica; a

111

justaposição eclética de termos da linguagem formal (idioleto, venéreo) a

outros da linguagem coloquial (a gente, emendados); o recurso ao humor

crítico (com perdão da má palavra); a referência a um tempo "inexistente" (os

anos passavam por longe); a citação crítica de um poeta magistral da língua

portuguesa (Camões); a recorrência supersticiosa às tradicionais novas

simpatias presentes na cultura popular (uma simpatia para obter namoro); a

proposta de alargamento, pela inocência criativa da infância, da cosmovisão

científica-racional (Pois que inventar aumenta o mundo.); a brevidade do relato

da situação; e, novamente, a utilização de um narrador.

No ano de 2000, é publicada a décima quarta obra de Manoel de Barros,

intitulada "Ensaios Fotográficos". A mesma é dividida em duas partes, sendo a

primeira homônima ao livro e a segunda chamada de "Álbum de família". Da

primeira delas, o primeiro poema será aqui comentado:

O Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.Entretanto tentei. Eu conto:Madrugada a minha aldeia estava morta.Não se ouvia um barulho, ninguém passava entreas casas.Eu estava saindo de uma festa.Eram quase quatro da manhã.Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.Preparei minha máquina.O silêncio era um carregador?Estava carregando o bêbado.Fotografei esse carregador.Tive outras visões naquela madrugada.Preparei minha máquina de novo.Tinha um perfume de jasmin no beiral de um sobrado.Fotografei o perfume.Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.Fotografei a existência dela.Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.

112

Fotografei o perdão.Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.Fotografei o sobre.Foi difícil fotografar o sobre.Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.Representou para mim que ela andava na aldeia debraços com Maiakovsky — seu criador.Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupamais justa para cobrir a sua noiva.A foto saiu legal.

(BARROS, 2000b : 11-12)

Nesse poema, a crônica se insinua pelo relato pormenorizado das

noturnas perambulações fotográficas do narrador (Não se ouvia um barulho,

ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa). Percebe-se

também sua presença pelas referências temporais (madrugada, eram quase

quatro horas da manhã); pela linguagem em prosa simples e casual; pelo tom

coloquial (lesma pregada na existência, Ninguém outro); pela utilização do

humor ao confirmar o absurdo (O silêncio era um carregador? / Estava

carregando o bêbado., A foto saiu legal.); pelo uso de frases telegráficas

(Fotografei o perfume) na tentativa de captar a essência do objeto focado; pela

citação de outro poeta (Maiakovski); pelas elogiosas considerações literárias

que faz ao mesmo (Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa

para cobrir a sua noiva.); pelo caráter de flagrante-flash dos seres e coisas ao

seu redor; pela presença de um narrador (eu conto:); e por uma certa

brevidade do texto.

O décimo quinto livro de Manoel de Barros intitula-se "Tratado Geral das

Grandezas do Ínfimo" e foi publicado em 2001. É composto por duas partes,

sendo que a primeira tem título homônimo ao do livro e a segunda é

113

denominada como "O Livro de Bernardo". Para ilustrar esse livro,

comentaremos um poema de sua primeira parte:

Joaquim Sapé

Os ornamentos de trapo de Joaquim Sapé já estavamcriando cabelo de tão sujos.Joaquim atravessava as ruelas da Aldeia como se fosseum PríncipeCom aqueles ornamentos de trapo.Quando entrava na Aldeia com o saco de lata àscostasCrianças o arrodeavam.Um dia me falou, esse andarilho ( eu era criança ):— Quando chove nos braços de uma formiga, ohorizonte diminui.O menino ficou com a frase incomodando na cabeça.Como é que esse Joaquim Sapé, que mora debaixo dochapéu, e que nem tem aparelho de medir céu, podesaber que os horizontes diminuem quando chove nos braços de uma formiga?Se nem quase formiga tem braço!Igual quando ele me disse que do lado esquerdo do sol voam mais andorinhas do que os outros pássaros?Pois ele não tinha aparelho de medir o sol, comopodia saber!Ele seria um ensaio de cientista?Ele enxergava prenúncios!

(BARROS, 2003a : 37)

A incorporação de elementos da crônica nesse poema se faz notar por

vários indícios, tais como a utilização do humor ao vincular o sublime ao

humilde (ornamentos de trapo); a leveza e o tom coloquial do uso de metáforas

(criando cabelo, mora debaixo do chapéu) e expressões cotidianas (Se nem

quase); a utilização de "tipos" (esse andarilho), personagens que representam

"papéis sociais" (Joaquim Sapé); a descrição da passagem, e da recepção, do

andarilho pelo local (atravessava as ruelas da Aldeia, Crianças o arrodeavam);

o estabelecimento de diálogos entre as personagens (me falou, esse

andarilho); a recorrência à temporalidade (Um dia) e às lembranças da infância

(eu era criança); o emprego da prosa breve; a presença de um narrador-

114

personagem; e a proposta velada de desvendamento do mundo, não pela

racionalidade quantificadora, mas por meio de prenúncios, de indícios, que,

diga-se de passagem, tão caros são à semiótica.

Em 2003, Manoel de Barros publica seu décimo sexto livro ou o primeiro

de uma trilogia anunciada, "Memórias Inventadas: a Infância". O prefácio do

mesmo, intitulado "Manoel por Manoel", funciona como uma pequena

justificativa com feição de autobiografia poética – aspecto, aliás, que perpassa

o livro todo – e elucida muito de seu modo arteiro de desarrumar a linguagem.

Senão vejamos:

Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo

não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não

fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na

infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando criança eu

deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia

vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de

fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo

era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de

gafanhoto.

Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre

e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as

coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de

ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua

aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua

árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão

115

comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que

o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que

eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu

ter sido criança em algum lugar perdido onde havia tansfusão

da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os

bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o

menino e as árvores. (BARROS, 2003b)

Esse livro é composto por quinze poemas-prosa soltos e encaixotados,

de modo a que o leitor possa embaralhar as memórias a seu bel-prazer.

Desses, elegemos como parte, para ilustrar o todo, o poema XIV:

Achadouros

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que acidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que sermedido pela intimidade que temos com as coisas. Há deser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de grandes baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estava um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estava um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Hoje encontrei um baú cheio de punhetas.

(BARROS, 2003b : XIV)

Nesse poema, os principais elementos da crônica assimilados são, para

começar, o uso hilariante do humor frente à dimensão "inocente" da infância

116

(encontrei um baú cheio de punhetas); as considerações sobre as relativas

importâncias da cidade e do quintal, medidas pelo tamanho da intimidade que

temos com as coisas; a recorrência às histórias que ouvia quando menino

(contava aos meninos); o trazer-à-cena questões sociais e suas consequências

históricas (remanescente de escravos); a referência à própria história do país

(os holandeses, na fuga apressada do Brasil); os artifícios utilizados para

convidar o leitor a participar da narrativa (a gente, nosso quintal); as

lembranças de pessoas conhecidas em outros tempos (a negra Pombada) e de

situações vividas no dia-a-dia de sua infância pantaneira (subir na goiabeira,

agarrar no rabo de uma lagartixa); a referência a lugares ou cidades (Recife,

Corumbá); a dimensão temporal (Sou hoje); o texto em prosa simples e leve; a

linguagem coloquial utilizada; a presença do narrador; a brevidade textual; e a

utilização de palavras (achadouros), que, forjadas e instituídas pela fala

popular, remetem à imbricamentos semânticos ocorridos ao correr do tempo

(achadouro = achado + ouro).

Sua décima sétima obra, "Poemas Rupestres", veio a público em 2004.

Manoel de Barros dividiu-a em um longo poema, composto por nove partes,

chamado "Canção do ver" e em outras duas seções intituladas "Desenhos de

uma voz" e "Carnaval". Do primeiro poema, elegemos, como ilustração dessa

obra, a terceira parte:

Por forma que o dia era parado de poste.Os homens passavam as horas sentados naporta da Vendade Seo Mané Quinhentos Réisque tinha esse nome porque todas as coisasque vendiacustavam o seu preço e mais quinhentos réis.

117

Seria qualquer coisa como a Caixa Dois dos prefeitos.O mato era atrás da Venda e servia também para a gente desocupar.Os cachorros não precisavam do mato paradesocuparNem as emas solteiras que despejavam correndo.No arruado havia nove ranchos.Araras cruzavam por cima dos ranchosconversando em ararês.Ninguém de nós sabia conversar em ararês.Os maridos que não ficavam de prosa na portada VendaIam plantar mandiocaOu fazer filhos nas patroas.A vida era bem largada.Todo mundo se ocupava da tarefa de ver o dia atravessar.Pois afinal as coisas não eram iguais às cousas?Por tudo isso, na Corruptela parecia nadaacontecer.

(BARROS, 2004 : 15-16)

A crônica nesse poema se instaura como crônica do vagar, como

crônica da lentidão cotidiana (o dia era parado de poste, na Corruptela53

parecia nada acontecer). E se dá pelo caráter de rememoração; pela descrição

do ambiente, tanto natural (O mato ficava atrás da Venda), quanto arquitetônico

(No arruado havia nove ranchos), dos costumes da população local (homens

passavam as horas sentados, servia também para a gente desocupar) e dos

animais que por lá habitavam ou simplesmente passavam (cachorros, emas,

araras); pela utilização do humor crítico-político-social (os mais quinhentos réis

como a Caixa Dois dos prefeitos) ou, ainda, do humor jocoso (fazer filhos nas

patroas); pela participação de um personagem (Seo Mané Quinhentos Réis);

pela prosa breve em tom coloquial (desocupar, despejavam por defecar); pela

presença de um narrador; e por sugerir, como consideração literária, que, na

53 No poema anterior, Manoel de Barros apresenta a Corruptela como o lugar onde a gente vivia. O termo, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, tem, entre outros, dois sentidos que aqui mais nos interessam: tanto de "acampamento temporário", quanto de "palavra distanciada de uma linguagem com maior prestígio social". Parece ser um achado de Manoel...

118

Corruptela, a linguagem formal e a coloquial se irmanam (Pois afinal as coisas

não eram iguais às cousas?)

Em 2006, sai a décima oitava e última, até então, obra publicada de

Manoel de Barros. Se chama "Memórias Inventadas: a Segunda Infância" e é,

como o próprio nome diz, o segundo livro54 de sua trilogia autobiográfica escrita

por invencionices poéticas, conforme adiantado acima. Portador do mesmo

formato caixa-de-brinquedos de seu precursor, contém dezesseis poemas em

prosa, dos quais comentaremos, coincidentemente, o XIV:

Tempo

Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou: tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra eu posso conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora eu sou quando um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar quando infante por um gosto de voltar. Como quem aprecia de ir às origens de uma coisa ou de um ser. Então agora eu estou quando infante. Agora nossos irmãos, nosso pai, nossa mãe e todos moramos no rancho de palha perto de uma aguada. O rancho não tinha frente nem fundo. O mato chegava perto, quase roçava nas palhas. A mãe cozinhava, lavava e costurava para nós. O pai passava o seu dia passando arame nos postes de cerca. A gente brincava no terreiro de cangar sapos, capar gafanhoto e fazer morrinhos de areia. Às vezes aparecia na beira do mato com a sua língua fininha um lagarto. E ali ficava nos cubando. Por barulho de nossa fala o lagarto sumia no mato, folhava. A mãe jogava lenha nos quatis e nos bugios que queriam roubar nossa comida. Nesse tempo a gente era quando crianças. Quem é quando criança a natureza nos mistura com as suas árvores, com as suas águas, com o olho azul do céu. Por tudo isso que eu não gostasse de botar data na

54 O terceiro, como o leitor já deve ter suspeitado, ainda está por vir. Esperamos, com certa ansiedade, que Manoel nos agracie com esta e muitas outras obras.

119

existência. Por que o tempo não anda pra trás. Ele só andasse pra trás botando a palavra quando de suporte.

(BARROS, 2006 : XIV)

A principal assimilação da crônica nesse poema é a tematização do

tempo (data, tempo, quando, tardes). Outras incorporações da mesma são,

mais do que recordar, a tentativa de conjungir-se às coisas e, principalmente, à

infância; a utilização de um narrador, bem como o uso de pronomes

possessivos que chamam o leitor a participar do poema (nossos irmãos, nosso

pai, nossa mãe); a descrição da moradia na infância (o rancho não tinha frente

nem fundo), das atividades diárias (a mãe cozinhava, lavava e costurava, O pai

passava o seu dia passando arame nos postes de cerca), das brincadeiras

cotidianas – muitas vezes cruéis que "reproduzem" o mundo adulto – na

infância (a gente brincava no terreiro de cangar sapo, capar gafanhotos), dos

bichos que os rodeavam (sapo, gafanhoto, lagarto, quatis, bugios) e das

dificuldades da vida na mata (os animais que queriam roubar nossa comida); a

prosa em linguagem coloquial; a brevidade textual com um linguajar simples; e,

até certo ponto, o uso do tempo verbal diferenciado no vocábulo andar como

indicativo do tratamento literário da linguagem, com o intuito de, pela palavra,

voltar no tempo, embora de modo incompleto (o tempo não anda para trás –

com o verbo no tempo presente – Ele só andasse pra trás botando quando de

suporte – com o verbo no pretérito imperfeito).

120

CONCLUSÃO

Pelo que vimos acima, podemos afirmar que a crônica se faz presente,

se não em toda a obra literária de Manoel de Barros, ao menos em boa parte

dela.

Vimos que existem, em maior ou menor grau, elementos da crônica em

todos os seus livros, até então, publicados. E não apenas nos seus três

primeiros livros, como sustenta Afonso de Castro (1991). Na verdade, notamos

que no segundo livro ("Face Imóvel") – composto por poemas mais herméticos

– a presença da crônica nem é tão evidente quanto nos primeiro ("Poemas

Concebidos sem Pecado") e terceiro ("Poesias") livros, ficando quase que

restrita ao contexto histórico de sua escrita e lançamento.

Por outro lado, é notável que os poemas de Manoel de Barros, nos livros

seguintes ("Compêndio para Uso de Pássaros", "Gramática Expositiva do

Chão", "Matéria de Poesia" e "Arranjos para Assobio"), adquirem maior

poeticidade, ao mesmo tempo em que diminui o grau de assimilação da crônica

nos mesmos. Nesses livros descortina-se, com maior clareza, além da força

121

poética de Manoel, seu projeto poético-estético; em especial no "Matéria de

Poesia", por seu alto teor metalingüístico.

Já no próximo ("Livro de Pré-Coisas"), a crônica volta com carga total. A

ponto de Manoel de Barros se sentir impelido a Anunciar que não se trata de

um livro sobre o Pantanal, apesar do grande peso narrativo manifestado nos

poemas.

O livro seguinte ("O Guardador de Águas"), como num titubeio, alivia a

carga de cronicidade dos poemas. Contudo, ela volta à investida em seus

próximos livros, que, com exceção de "Ensaios Fotográficos", têm forte

presença da crônica, principalmente motivada pelas recordações de infância do

poeta.

Desse modo, podemos dizer que Manoel de Barros, até então, vem

operando um ciclo que se inicia em lembranças e sensações de sua infância

nas matas pantaneiras e de sua juventude entre muros e asfaltos; parte em

busca da redenção de um horizonte poético próprio; e volta, já em idade

avançada, a conceber sem pecado poemas plasmados em recordações

infantis; pois como ele mesmo admite em entrevista (BIRAM, 03/10/94),

Poemas Concebidos sem Pecado é meu breviário.

Como a parte que contém o todo, Manoel de Barros consegue, a partir

de suas recordações poeticamente revividas, atingir as mais elementares

instâncias humanas. Confirmando, assim, o que foi dito no início deste

trabalho:

Manoel de Barros é um autor extremamente sensível ao seu

cotidiano universo regional, repleto de ciscos, trastes, insetos,

bichos, aves, plantas, loucos, gentes e paisagens, sem,

122

contudo, deixar de transcender, através do trato com a palavra,

para os grandes temas da realidade universal humana. (pág.

21)

Opera-se, também, no cuidado dispensado à linguagem por Manoel de

Barros, uma ruptura dos diques delimitadores dos diversos fatores e funções

da linguagem jakobsonianos – ao menos em relação à poesia e à crônica –

para, ao modo da tradição latino-americana, conforme vimos acima,

transbordar em proliferantes e criativos inundamentos formais, que, por sua

vez, irrigam a aridez das estanques lógicas identitárias e desaguam em novos

florescimentos semânticos. Enfim... Barros é Barroco!

Desse modo, pode-se afirmar que Manoel de Barros é um poeta

sensível ao contexto cultural no qual habita. E que, com sua poesia fecundada

pela crônica – de tal maneira que, nos poemas, ambas se complementam –

engendra-se poeta de originalidade única. A ponto de, parafraseando-o,

podermos dizer que, para ele, crônica não é para compreender, mas para

incorporar.

Destarte, Manoel de Barros, esse homem que se tornou árvore, com seu

verbo torto e sinuoso como um jacaré pantaneiro, carrega o passado, está no

presente e perpassa o futuro para sacramentar-se, não somente – pelo feliz

epíteto forjado por Amálio Pinheiro durante nossas conversas – como Cronista

da mata pantaneira, mas, também, como Cronista da infância na mata

pantaneira.

123

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55 Os livros “A loucura da palavra” de José Fernandes e “Achados do Chão” de Miguel Sanches Neto, assim como a tese de doutoramento “A Poética do Fragmentário: Uma leitura da poesia de Manoel de Barros” de Goindira de F. Ortiz Camargo, pertencentes a este acervo, foram, também, adicionados à Bibliografia Geral no intuito de facilitar eventuais consultas.56 Essa matéria, apesar de inserida no acervo, não traz nenhuma informação sobre Manoel de Barros. Nem mesmo chega a citar seu nome.

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57 Essa matéria, na verdade, foi publicada no dia 03/09/1994. Entretanto, face a essas e outras discrepâncias, foram mantidos os dados constantes no Acervo “Gleba Expositiva Manoel de Barros”.58 Essa indicação foi posta por engano, já que o nome do autor é somente Éverson Faganelo.

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