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CONFLITOS E LUTAS DE CLASSE NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO ALAGOANO
Tiago Sandes Costa Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano
Resumo O uso da Terra surge a partir de sua utilização como força de trabalho no qual sua função é o próprio trabalho. Tendo como base a teoria de Darwin, foi a partir dessa evolução que o homem se aperfeiçoou por meio do trabalho. No mundo contemporâneo, onde os meios de produção estão vinculados à concentração, a terra é vista como fator incondicional para se deter poder econômico. Os conflitos fundiários e sua regulamentação transpõem uma série de contradições a partir da atuação de agentes políticos que condicionam programas de reforma agrária como mera moeda de troca com o grande latifúndio improdutivo. A distorção na distribuição da terra retrata o abismo fundado no campo. Palavras-chave: Terra. Conflitos. Estrutura Agrária. Introdução O presente trabalho visa contribuir para análise da constituição do espaço agrário
alagoano por meio de um estudo do processo histórico de ocupação territorial
evidenciando as lutas de classes como fator preponderante na dialética entre o avanço
dos latifúndios e a luta pela terra.
Fundamentar historicamente a razão pelo qual o Estado de Alagoas tem como pilar uma
das maiores estruturas agrárias fundamentadas na concentração fundiária oligárquica,
bem como suas relações na construção do espaço geográfico.
Aprofundar o debate em torno de uma plataforma que possa equacionar os problemas
resultantes da atual matriz agrária estabelecendo patamares que possam sistematizar
possíveis trabalhos.
Caracterizar os aspectos que possam evidenciar a inserção dos movimentos sociais do
campo na luta pela reforma agrária.
Com o fim da era Vargas (década de 40), o Brasil passa por um período histórico
importante no tocante a reforma agrária. As discussões antes suprimidas pela conjuntura
opressiva desse período desencadearam a reorganização da luta no campo e a
construção de uma plataforma para a reforma agrária. Na década seguinte surgem as
Ligas camponesas, lideradas pelo pernambucano Francisco Julião, que impunha a
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bandeira da resistência frente às investidas do agronegócio. Cronologicamente na
década de 60 temos a criação da Superintendência de Reforma Agrária, em Outubro de
1964 o Estatuto da terra e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), década de 80 a criação do Ministério da Reforma agrária e do Plano Nacional
de Reforma Agrária, em 1988 é inserido o texto sobre reforma agrária na constituição e
na década de 90 a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Sauer (2001) afirma que a questão central da reforma agrária reside na perspectiva de
ruptura com a lógica da rentabilidade e não produtiva da propriedade da terra, que tem
sustentado o latifúndio em nosso país e penalizado o conjunto da população brasileira
desde, pelo menos, a Lei de Terras de 1850.
O processo de ocupação territorial é histórico, desde a divisão das capitanias passando
pela doação de terras, chamada Sesmarias, que se introduziu o perfil dos plantations na
estrutura agrária brasileira. Em contexto geral, a moldura agrária permanece
indissolúvel e atende as perspectivas capitalistas de modo a propiciar um domínio sobre
a terra e um controle sobre os meios mantendo-a como um negócio rentável e que
atende ao lucro e a especulação. Segundo afirma Octávio Ianni Quando uma área de economia natural é alcançada pela expansão da economia de mercado, as terras evidentemente são valorizadas; em consequência, o conflito de interesses se aguça (1959, p. 34).
O problema é bastante evidente no tocante a concentração de terras em Alagoas, e esse
contexto irão criar uma disparidade econômica muito grande proporcionando um
abismo social. Cerca de 70% das terras em Alagoas estão concentradas nas mãos de
latifundiários dos setores sucroalcooleiros e pecuarista. Conforme a análise de Andrade
(1998), a posse da terra doada em extensos latifúndios não era o suficiente para iniciar à
exploração. Era necessária a derrubada da mata para a expansão do plantio da cana, a
instalação de engenhos, casas-grandes, as senzalas e as lavouras de subsistência, como
de mandioca, algodão e milho, também necessitava de animais como cavalos e bois e de
mão-de-obra, essa última era solucionada com a compra de escravos, importados da
África.
Essa concentração provoca um debate eminente do uso da terra, partindo do princípio da
supremacia na produção de alimentos e que atenda as demandas sociais de combate a
fome e a miséria, portanto a terra deve atender a uma razão social. Além disso, a
centralidade do discurso é pertinente quando a alocação da monocultura resultante do
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antropismo causa impactos ambientais em larga escala. De acordo com Oliveira “a
agricultura em um negócio rentável regulado pelo lucro e pelo mercado mundial.”
(OLIVEIRA, 2004, p. 13). A expansão canavieira em Alagoas reproduz um cenário cada
vez mais evidente em nosso país, proporcionando a transformação da paisagem,
destruindo a vegetação nativa, primeira natureza, em um cenário de desagregação
socioambiental onde um exemplo enfático se explicita na mão de obra semiescrava e na
terra improdutiva. Neste contexto, o desmatamento da mata atlântica, localizada em
território alagoano, ocorreu através de queimada e derrubada de árvores, sendo
substituída pelos canaviais que se estendia imperialmente nesta região, onde se
apresentava terra fértil e clima favorável ao plantio de cana. (Freyre, 1985).
O contexto contemporâneo nos remete que a ocupação dessas terras é resultado de um
processo histórico, em que a opressão de classes disseminou espacialmente a
redefinição territorial no Estado. A abordagem histórica nos condiciona a impulsionar a
importância dos movimentos sociais do campo, na luta por uma reforma agrária de fato,
pela reordenação territorial, contra a opressão e a violência no campo, por uma
agricultura sustentável e pelo fim da propriedade privada.
Desenvolvimento Com a independência em 1822, o Brasil Imperial é pressionado pelos movimentos
políticos para a supressão do regime escravagista no Brasil e conseqüentemente do
regime sesmarial. As oligarquias rurais preocupadas em “perder” suas terras para os
negros “livres” e para os imigrantes e como estratégia para a manutenção de seus
interesses e poder de controle sobre a posse e o uso das terras, elaboraram e aprovaram
em 1850 a Lei de Terras.
Em oposição aos que relacionam a atual estrutura fundiária contemporânea às origens
da colonização, José de Souza Martins concebe que, “o latifúndio brasileiro
contemporâneo, enquanto latifúndio no sentido sociológico e político é produto da
questão agrária que se institucionaliza na segunda metade do século XIX” (2002,
p.164).
A Lei de Terras, afirma MARTINS (2002, p.168), “já nasce desqualificada na própria
origem e na prática de uma política agrária que tinha por objetivo assegurar a expansão
da grande lavoura e não a redistribuição de terras”, reforçando uma lógica
concentracionista, uma acumulação capitalista originária pelos grandes proprietários de
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terra e ainda, abrindo caminhos para a absorção do “trabalho livre” nas grandes
monoculturas. As características particulares do capitalismo agrário instaurado no caso
brasileiro instauraram os aspectos mais contraproducentes desse modo de produção. O
“subdesenvolvimento” da sociedade brasileira não é uma etapa anterior a condição de
“desenvolvimento”, mas deve ser considerado como uma feição do capitalismo no caso
do Brasil, corrompendo as estruturas sociais (pobreza e desigualdade), políticas
(autoritárias) e econômicas (concentração fundiária e de riqueza) (SILVA, 1981;
FERNANDES, 2008). Estava posta então a primeira forma de regulamentar em forma
de lei a propriedade, tendo como ponto de partida o mercado da terra, renegando o
campo àqueles que não tivessem como pagar por ela.
Paralelamente à configuração econômica da sociedade alagoana, o processo de
construção política do estado (que sabemos, não está dissociado do processo social e
econômico) foi balizado pela consolidação e ocupação dos espaços de poder na
administração pública atrelada às oligarquias rurais, numa conjugação dos poderes
econômicos e políticos. Nas palavras de LESSA (2008, p.02), Alagoas é “uma formação
social politicamente dominada pelo latifúndio”. A cultura da cana-de-açúcar se
consolidou também em Alagoas como a principal base de sustentação da economia
alagoana.
Como em todo o Brasil, Alagoas apresenta em seu espaço geográfico uma estrutura
agrária ladeada de latifúndios e monoculturas, vestígios de coronelismo e oligarquias
mantenedores da exploração no campo. O campo transformasse no velho engenho que
condiciona o campesinato a venda da força de trabalho e a exploração da mais-valia
além de remetê-lo a um trabalho “semiescravo”. A estrutura econômica baseia-se
literalmente na expressiva concentração de renda, resultante direto da má distribuição
fundiária, além de comportar terra como mera moeda especulatória. ANDRADE vem afirmar que
[..] os critérios para a classificação das propriedades em grandes, médias e pequenas variam consideravelmente de uma área para outra, em função da qualidade das terras, das condições naturais, da situação geográfica, da densidade demográfica, do desenvolvimento econômico-social, das facilidades de transporte, os sistemas agrícolas e de criação. (ANDRADE, 1986, p.51)
Essas caracterizações definem a estruturação do conservadorismo como alicerce
socioeconômico e tem como geradores conflitos que rescaldam além dos trabalhadores
rurais, índios e negros devido à exploração exacerbada no campo e sua expropriação.
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Segundo PRADO JR. (1979), ocorria uma extensão das precárias condições de vida da
população do campo aos trabalhadores dos grandes centros: Ora, a presença de tão considerável massa de trabalhadores sem outro recurso que alienar sua força de trabalho, faz pender a balança da oferta e procura de mão de obra decisivamente em favor da procura, que se encontra assim em situação de impor suas condições quase sem limitações, nas relações de trabalho. Essa razão principal dos ínfimos padrões do trabalhador rural brasileiro, inclusive nas regiões mais desenvolvidas do País. (...) Não pode haver dúvidas que os baixos salários relativos e as precárias condições de trabalho observadas na generalidade da indústria e outras atividades urbanas, sem excetuar os maiores centros do País, se devem em boa parte ao potencial de mão de obra de baixo custo que o campo oferece e que concorre permanentemente no mercado de trabalho urbano, deprimindo-lhe o preço. (p. 17-8).
Iniciamos a partir da análise gramsciana de concepção do Estado (BUCI-
GLUCKMANN, 1980; PORTELLI, 1977; GRAMSCI, 1980 e 1987) em que as
contradições se acentuam, massificando uma co-relação de forças sociais,
caracterizando a luta de classes onde se perpetua hegemonicamente a força econômica
por meio de lutas políticas e ideológicas. Contudo, a manutenção da hegemonia pela
classe dominante interfere de forma direta os anseios que cercam o proletariado.
Os aspectos que norteiam os Estado de Alagoas reproduz uma instabilidade não só no
campo agrário, más no campo político, econômico e social. O próprio processo histórico
da formação do Brasil passando pelas capitanias hereditárias fomenta todo um período
de formação que desencadeou na atual conjuntura. Neste contexto, se baseia um estudo
que possa contribuir nas discussões para o aprofundamento literário das questões
pertinentes a dinâmica do espaço rural.
Tendo como base estrutural o processo histórico findado no Brasil, Alagoas permeia
como na maioria dos estados brasileiros uma profunda estrutura agrária conservadora
baseada no latifúndio e monocultura mantendo suas relações de poder concentradas nas
grandes oligarquias coronelistas submetendo trabalhadores rurais ao trabalho precário.
Está estrutura condiciona a um processo de opressão social no qual resultam conflitos
eminentes por terra.
A estrutura fundiária concentradora é uma das principais causas dos problemas sociais
do Nordeste, implicando no êxodo rural, nos subempregos nas capitais, no adensamento
geográfico das grandes cidades e capitais do país, a violência no campo, etc
(ANDRADE, 1986, p.48).
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A produção da cana de açúcar é o fator condicionante na concentração de terras em
Alagoas, papel esse reduzido à medida que se aproxima do agreste e sertão do Estado
com sua produção diversificada. O baixo valor agregado a cana-de-açúcar é umas das
razões da agregação do espaço agrícola.
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Daí que é importante considerar essas diferenciações no caso de Alagoas. Uma vez que,
embora haja uma predominância de áreas ocupadas pela cana, esta não é uma realidade
hegemônica nas três regiões alagoanas, concentrando-se os canaviais apenas na região
leste. O fluxo de pessoas em direção aos centros urbanos esclarece a dimensão da
urbanização em detrimento a crescente ocupação dessas terras pelo latifúndio. Outro
problema evidente é a segregação social de uma sociedade estratificada pela
desvinculação das populações tradicionais do campo e sua perda de identidade. A tabela
a seguir revela um panorama da década de 50 e 60.
Tabela 1 - Aumento populacional por região e por zona rural e urbana. 1950-60 Região Urbana Rural Norte 64,9 26,9 Nordeste 58,2 10,9 Sudeste 62,9 11,4 Sul 88,5 33,7 Centro-Oeste 137,8 47,4 Brasil 66,7 16,9 Fonte: Merrick, 1986.
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Como é possível observar na tabela a seguir, nos anos 90 mais de 96% dos imóveis
rurais em Alagoas correspondiam a apenas 35% da área total ocupada por
estabelecimentos agrícolas com menos de 100ha.
Tabela 2 – Estrutura Fundiária de Alagoas (1996) Grupos de área total (ha) % nº de estabelecimentos % da área total
Até 10 80,6 10,3
10 até menos de 100 16,2 25,5
100 até 1.000 3,0 45,0
Mais de 1.000 0,2 19,2
Fonte: Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1995-96).
A classificação das propriedades rurais podem se diferenciar levando-se em conta
aspectos sociais e geoambientais de determinadas regiões. Assim, Andrade explica que Os critérios para a classificação das propriedades em grandes, médias e pequenas variam consideravelmente de uma área para outra, em função da qualidade das terras, das condições naturais, da situação geográfica, da densidade demográfica, do desenvolvimento econômico-social, das facilidades de transporte, os sistemas agrícolas e de criação. (ANDRADE, 1986, p.51)
Conclusão O levantamento de questões de interesse social relacionado diretamente a conflitos de
interesses leva-nos a projetar a pesquisa aplicada como fonte inicial de estudo visando à
adequação dos paradigmas pré-existentes na sociedade contemporânea.
Sendo o meio uma ferramenta de trabalho, a pesquisa busca compreender a dinâmica
territorial empreendida nas questões voltadas para a redefinição espacial do Estado de
Alagoas.
O processo de construção histórica de opressão social no Estado de Alagoas condiciona
o atual redesenho espacial no qual a terra nunca esteve tão concentrada e com fim de
subsidiar a produção em larga escala ao invés de suprir uma demanda social na
produção de alimentos.
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A luta pela terra empreendida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) torna-se historicamente uma emancipação do campesinato frente a uma ruptura
com a atual estrutura fundiária que atende a demanda do lucro e da especulação da terra.
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