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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA CONFLITOS E CONTRIBUIÇÕES ENTRE A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO 1

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Conflitos e contribuições

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

CONFLITOS E CONTRIBUIÇÕES ENTRE A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO

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UCG

TEODORO GONÇALVES SILVA

CONFLITOS E CONTRIBUIÇÕES ENTRE A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO

Trabalho de conclusão de Curso, em forma de Artigo Científico, apresentado à Coordenação de Pós-Graduação Lato Sensu da UCG, como parte dos requisitos para a obtenção do título de especialista em educação, na área de concentração Docência Universitária, sob a orientação do Prof. Ms. Norton Godinho Leão.

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

AVALIAÇÃO

_______________________________________________

Prof. Ms. Norton Godinho Leão

- Orientador -

___________________________________________

Coordenador do Curso

Resultado: ___________________________________

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Data: _______________________________________

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Dedico este trabalho a todos que, de uma forma ou de outra, me ajudaram a chegar ao final. À turma XVII, que certamente me lembrarei da caminhada juntos. Aos Pes. Mário Aldighieri, da Diocese de Cremona – Itália, e José Pereira de Maria, e a Wilson S. G. Júnior, pela paciência e dedicação em digitar este trabalho.

FOLHA DE AGRADECIMENTOS

AGRADECIMENTOS

“Bendito seja o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo”: (Ef 1, 3a).

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O apóstolo Paulo, dirigindo-se à comunidade de Éfeso, começa com essa saudação numa forma de hino de louvor e agradecimento a Deus. E é isso mesmo o que desejo fazer: agradecer a Ele, por tudo de bom que recebi e recebo. “Tudo é graça”: nossa vida, nossas lidas, trabalhos, realizações e estudos. É mais uma missão cumprida. Quando se começa uma tarefa, no mais profundo do nosso ser vem aquela pergunta silenciosa: será que vou chegar ao final? De mais uma tarefa, cheguei ao fim! Este, que poderá me possibilitar novos começos.

Agradeço também aos meus amigos e amigas pelo apoio, incentivo e confiança naquilo que me dizem que posso realizar.

Ao Edvar, colega dos tempos do Seminário Santa Cruz, em Goiânia, pela amizade e companheirismo que continuam. E pela sua paciência e bondade em corrigir, dar os retoques finais, no que diz respeito à língua portuguesa. Grato por tudo.

Ao professor Ms. Norton, pela gentileza de ter aceitado me acompanhar e orientar em mais uma jornada. Obrigado mesmo!

Obrigado ao Pai Criador e à Vida, devido essa coragem que tenho de, aos 58 anos de idade, enfrentar salas de aula, estar produzindo e me deliciando com a aventura de estudar! O que não fiz quando novo, a vida está me propiciando fazer agora. Isto me deixa feliz! Pois “tudo é graça”.

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RESUMO

Título: CONFLITOS E CONTRIBUIÇÕES ENTRE A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO

Autor: Teodoro Gonçalves Silva

Orientador: Norton Godinho Leão

Área de Concentração: Educação

RESUMO: Esta reflexão é, de certa forma, uma continuação de uma reflexão anterior, quando apresentei o artigo de conclusão do curso de Psicologia. Lá, a reflexão foi feita entre a filosofia e a psicanálise. Relações, Conflitos e Contribuições entre a Filosofia e a Psicanálise. Aqui a reflexão é feita entre Educação e Psicanálise. Procura-se perceber os conflitos e as contribuições entre ambas. Tendo como objetivo elencar os conflitos e as contribuições entre a Educação e a Psicanálise. Dificuldades que até mesmo os pensadores da educação, na atualidade, apontam. A psicanálise questiona e aponta essas dificuldades no campo educacional. E, se a educação, ou os educadores derem ouvido à psicanálise, esta poderá contribuir com a educação, no sentido de não deixá-la acomodar-se.

Palavras-Chave: Educação. Psicanálise. Conflitos. Contribuições. Pedagogia.

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CONFLITOS E CONTRIBUIÇÕES ENTRE A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO

Falar de psicanálise e educação, num primeiro momento, pode ser algo que desperte incômodo e provoque inquietação. Sobretudo no que diz respeito à psicanálise; falar da mesma, pode gerar uma série de interrogações, especulações e palpites.

No que diz respeito à educação, é fácil - se não se pretender ir além daquilo que se fala no quotidiano da mesma. Contudo, procurando-se entender melhor a questão da educação, os emaranhados que a envolvem, as aspirações daqueles que a pensam, que a planejam; olhando por este ângulo, será que é fácil falar de educação? Como ela é tratada? O que fazem com ela? Ao que ela se presta verdadeiramente na sociedade? A carga de significados, símbolos e as pretensões ideológicas que estão envoltas, embutidas nessa tão necessária educação. Será que é tão fácil assim falar da mesma?

As duas têm objetivos e propostas distintas: à psicanálise interessa o inconsciente, aquilo que no ser humano está presente e ausente: entra e sai quando bem entende e o indivíduo não se dá conta disso.

Quanto à educação, seu objetivo é a formação, o conhecimento, conduzir o indivíduo para bem se portar socialmente. Isso pode se dizer tem um preço. Nessa preparação da pessoa para se colocar, ou se apresentar socialmente, a educação tanto forma como pode deformar o sujeito.

E, nesse cruzar entre psicanálise e educação, o que uma pode provocar e dizer da outra? Tentando situar, ou pesquisar sobre uma e outra, é importante se recorrer a algumas fontes.

Segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1998),

Educação é a ação de criar; (reduzir) alimentação; instrução (...) conhecimento e prática dos atos sociais (...) O objetivo da sociedade é reproduzir, através da educação, os modelos de referência no interior dos quais situam-se os indivíduos de uma nova geração. Assim, a escola tem um papel positivo quando é percebida favoravelmente e quando funciona normalmente na vivência cotidiana da criança (...) A sociologia da educação busca refletir também sobre os efeitos uniformizadores do sistema escolar, (...) privilegia os valores da classe dominante: a aquisição da cultura está assim ligada à hierarquia dos valores que a veiculam (1998, v. 9, p. 2023).

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Segundo o conceito de educação acima, pode-se depreender que esta se presta mais a fortalecer as ideologias dominantes, das classes e elites privilegiadas da sociedade, do que para responder aos anseios e aspirações da mesma como um todo; para atender às necessidades dos discentes e seus familiares.

E para Abbagnano (2000), educação é um termo que designa a transmissão e o aprendizado de técnicas culturais; produção e comportamento. Uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não for transmitida de geração à geração. Os meios e os modos pelos quais se dá essa transmissão são chamados educação. Nas sociedades mais antigas, a questão educacional visava preservar a imutabilidade, sendo mais fechada ou ter até um caráter religioso, místico. Nas sociedades modernas a educação pode estar mais aberta a receber influências, modificar-se; contudo, isso não é norma geral.

Pode-se, portanto, distinguir duas formas principais de educação: a primeira, se propõe a transmitir técnicas de trabalho e maneiras de ser (comportamento) que já fazem parte do cotidiano, já estão em poder do grupo e pretendem garantir sua imutabilidade; a segunda, que através da transmissão das técnicas que já estão em poder da sociedade, têm como objetivo formar nos elementos da sociedade a capacidade de aperfeiçoar, corrigir essas mesmas técnicas. Há de certa forma, uma evolução e transformação delas.

Vê-se, assim, que o primeiro conceito de educação é colocado em prática pelas sociedades primitivas e também nas sociedades secundárias, de modo mais acentuado no que diz respeito à educação religiosa e moral. E, num segundo momento, o conceito de educação é transmitir as técnicas já adquiridas e que têm, sobretudo, a finalidade de aperfeiçoamento dessas mesmas técnicas através das iniciativas das pessoas na prática pedagógica, ou teorização sobre a educação.

Para Jaeger (2001), os povos antigos estavam certos de que a educação e a cultura não são uma arte formal, ou teoria meramente abstrata que se distinguem da estrutura objetiva da vida espiritual de uma nação; para eles, os povos antigos, esses valores são concretizados na literatura, expressão real de toda cultura superior. Segundo ele, todo o povo que atinge um certo grau de desenvolvimento se torna naturalmente voltado a praticar a educação. Ela é o instrumento por meio do qual a comunidade dos homens conserva e transmite aquilo que lhe é peculiar, física e espiritualmente. E só o homem consegue conservar e divulgar a sua forma de existir social e espiritualmente por meio das forças por ele criadas; entre esses, a educação tem importância fundamental. Esta, a educação, permite que se perceba como o homem é capaz de se organizar, manter e transmitir seus valores e estrutura, corpórea e espiritual.

Para ele, a educação não é uma propriedade individual, mas essencialmente pertence à comunidade e participa na vida e do crescimento da sociedade.

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(...) Grécia representa, em face dos grandes povos do Oriente, um ‘progresso’ fundamental, um novo ‘estádio’ em tudo o que se refere à vida dos homens na comunidade. (...) Por mais elevadas que julguemos as realizações artísticas, religiosas e políticas dos povos anteriores, a história daquilo a que podemos com plena consciência chamar cultura só começa com os gregos (Jaeger, 2001, p.15).

Ainda segundo Jaeger (2001), no século IV a.C. e durante o helenismo, no tempo de Sófocles, surgem os sofistas, que se preocuparam com a educação de modo mais incisivo: saíram pelas casas e praças ensinando aos jovens a arte do bem discursar, do falar bem. Com eles aconteceu a origem da educação, no sentido estrito da palavra: a paidéia, a formação do homem grego.

Também Abrão (1999), aborda a tarefa de educadores dos sofistas; se incumbiram de formar cidadãos para a vida pública, e a condição para tal era que eles se tornassem bons e grandes oradores, que soubessem argumentar bem em público. Assim, deveriam se tornar bons oradores, homens da palavra.

Para os gregos, educar era formar o homem vivo (Jaeger, 2001). Para o homem grego a idéia educação ou processo educativo representava todo o significado do esforço humano.

Ainda para Abbagnano (2000), pedagogia na sua origem significa a profissão ou prática daquele que educava, tinha a função de educar. E, com o passar do tempo, veio designar qualquer teoria sobre a educação. Teoria aqui significando não apenas uma elaboração organizada e genérica das modalidades, meios e possibilidades de educação, mas também um modo de refletir ocasionalmente ou quaisquer pressupostos da prática educacional; o que quer dizer que na antiguidade clássica a pedagogia não tinha o status de ciência autônoma, mas era apenas considerada parte da ética ou da política; e assim era elaborada, tendo em vista apenas o fim que a ética ou a política colocavam como proposta ao homem, objetivando apenas a primeira educação, ministrada na infância (ler, contar e escrever).

Havia na antiguidade um grande esforço pedagógico para formar o homem no assim chamado ethos pedagógico de Tirteu. (Jaeger, 2001), apresenta esta preocupação dos gregos em formar os jovens espartanos; a teoria, o discurso ético-filosófico para impregnar nos jovens os interesses comunitários e patrióticos.

Nas elegias, Tirteu vive a vontade política que faz a grandeza de Esparta. A sua poesia modelou-lhe a fisionomia espiritual. Ela é, por isso, demonstração vigorosa de sua força idealizadora, que se estendeu muito além da exigência histórica do Estado espartano e ainda não se extinguiu o ideal de Esparta – que impregnou a existência inteira dos cidadãos e inspirou com férrea conseqüência a vida total do seu Estado – é imorredouro, porque está profundamente enraizado na natureza humana. Guarda a sua verdade e o seu valor, embora a sua inserção no estilo de vida daquele povo possa parecer à posteridade uma realização unilateral e restrita (Jaeger, 2001, p. 117).

Apesar de todas as restrições na época ao ideal pedagógico espartano, este veio a ser aceito como legítimo por uma figura respeitadíssima da época: Platão reconheceu o esforço

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espartano no que dizia respeito à educação. Apesar de todas as ressalvas ao ideal de Esparta, este por final foi aceito e reconhecido como sendo legítimo (Jaeger, 2001).

(...) Platão é o grande organizador do tesouro espiritual da nação. No seu sistema objetivam-se e situam-se em sua justa relação as forças da vida espiritual grega. A ordenação que ele estabeleceu, não sofreu depois dele, mudança substancial. Esparta ocupa na cultura grega das épocas subseqüentes, e na posteridade em geral o lugar que Platão lhe atribuiu (Jaeger, 2001, p.p. 117-118).

Vê-se que no decorrer da história humana, a questão da educação e a preocupação com ela tem sido uma constante.

Posteriormente, na Idade Média, viu-se o nascimento das universidades. “As universidades medievais há muito atraíram a atenção dos historiadores, por serem uma das criações mais originais da civilização ocidental dessa época” (Verger, 1990, p. 13).

Segundo Verger (1990), no início do século XII, só na Itália existiam algumas escolas particulares nas cidades de Roma, Ravena, Bolonha e Pávia. Em todo o outro mundo europeu, as escolas estavam sobre a orientação e domínio da Igreja. Não havia nenhuma escola que não estivesse sob a orientação religiosa, ligada a um mosteiro ou catedral. Essas escolas estavam destinadas aos membros dos mosteiros (oblatos, irmãos, e clérigos); esses, mais tarde, se tornariam membros dos mosteiros ou clérigos. Mas, podiam também receber alunos de fora, desejosos de se tornar clérigos, ou mesmo filhos de nobres, cujos pais queriam dar-lhes uma formação intelectual, como Abelardo e Bernardo, mais tarde São Bernardo, confiado pela mãe, ainda criança, aos cuidados dos mestres da escola da Igreja Châtillo-Sour-Seine. Nos conventos haviam as escolas internas destinadas aos oblatos e as externas para os estranhos, os mestres destas escolas externas nem sempre eram monges.

De modo geral, essas escolas não tinham um bom nível; algumas ministravam apenas o nível elementar (leitura, escrita, cálculo); visavam apenas formar os futuros clérigos para as missões litúrgicas. Só algumas poderiam ser consideradas de nível superior. Algumas tinham renome, graças ao mestre; quando este partia, a fama ia com ele. Os bispos não tinham a preocupação de investir nesses centros de estudos.

Nessas escolas se ministravam as sete artes liberais: gramática, dialética, retórica, matemática, geometria, música e astronomia.

Pedro Abelardo se sobressaiu, retirou a dialética das escolas de arte, introduziu-a nas escolas de teologia, onde se tornou o essencial instrumento para o comentário da Sagrada Escritura e também um instrumento crítico. Todos os que se deixaram influenciar por Abelardo receberam a reprovação da Igreja. Assim, houve, entre avanços e recuos, um desenrolar dos acontecimentos, até chegar ao surgimento das primeiras universidades.

A universidade de Paris, a partir das escolas já existentes, e com a chegada de Abelardo tornou-se realidade, no início do século XII. Esses centros estudantis (universidades) foram

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se desenvolvendo e foram despertando o interesse da sociedade para lá enviarem seus filhos. Isso graças aos esforços e capacidades dos mestres e estudantes que para lá se dirigiram. Depois, houve o nascimento da universidade de Bolonha. O caráter da universidade era a intercionalidade.

Com o passar do tempo, surgiram os problemas e também as soluções eram encontradas. Nessa busca, entre avanços e recuos, surgem as universidades “espontâneas” e as universidades “criadas”. As primeiras receberam esse nome, por terem surgido de escolas já existentes, que se desenvolveram para que tal fato ocorresse. E, as segundas, por serem “criadas” pelo Papa ou pelo Imperador. Essas, em relação às universidades espontâneas, não tiveram um resultado satisfatório.

Assim, pode-se perceber que à medida que a humanidade foi se desenvolvendo, juntamente a esse crescimento, cresceu também o gosto pela cultura e sua conservação. A cada período da história foram surgindo pessoas preocupadas com essa questão pedagógico-educacional. Então, no século XVIII, surge a figura de J.- J. Rousseau (1712 - 1778) que, segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1998, v.21, p. 5145) foi um romancista e pensador suíço de língua francesa. Destacou-se no campo da educação com sua obra, Emílio: ou da educação.

Segundo ele, a educação deve ocorrer de modo mais acentuado na vida da pessoa de 2 a 12 anos. Depois há a idade da força, de 12 a 15 anos; e a educação deve estar aqui presente; e na idade das paixões e da razão, dos 15 aos 20 anos; e na idade da sabedoria e do casamento, dos 20 aos 25 anos.

Vê-se como metodicamente a educação foi pensada por Rousseau. E o nosso processo educativo, não tem algo de semelhante a essa linha, no decorrer da sua história?

A primeira educação é a mais importante; e esse papel é específico da mulher. Se o homem fosse bom educador, o criador da natureza teria dado a ele a capacidade de amamentar o bebê. Cabe à mulher a educação dos filhos. Elas são mais receptivas e cuidadosas, no que diz respeito aos cuidados com a vida. Também quando o marido morre, a mulher mãe fica aos cuidados dos filhos.

Assim, vê-se que, de uma forma ou de outra, a questão educacional foi e é, de um modo ou de outro, uma preocupação constante nas épocas passadas, como também na atual.

Segundo a Enciclopédia Larousse Cultural (1998, v. 23, p. 5616), no Brasil houve pessoas preocupadas com a educação, desde há muito tempo. Anísio Spíndola Teixeira (1900 - 1971), para ele a educação deveria se ajustar à diversidade das condições concretas; isto é, a educação deveria estar voltada para a realidade daquele que aprende. Esta deveria se prestar para que a mudança e o progresso acontecessem na realidade brasileira.

Ainda para Teixeira (1977), à medida que se amplia o conhecimento, sua área quando é aumentada, amplia-se também a abrangência da tolerância e o respeito pelo homem é uma conseqüência desse saber intelectual e também a reverência pela sua tarefa e missão de ampliar e fazer desenvolver sua aventura da vida sob o sol.

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“Todo saber é uma experiência de saber. Toda ciência é uma vitória da persuasão sobre a força”. (Teixeira, 1977, p.147).

Ainda para Teixeira (1977), a educação não pode ser vista por si mesma. Ela representa um conjunto de forças muito mais profundas que mantêm o controle da sociedade. Isso evidentemente faz perceber que Teixeira, sendo um homem que pensava a educação, já no seu tempo concebia a mesma com uma visão crítica. O que na atualidade, faz-se afirmar que a educação é pensada pelas elites, para que esta responda a seus objetivos e interesses.

Para ele, a escola é uma comunidade que tem seus membros, governo e interesses. Se contudo no governo dessa escola não estiverem presentes os moldes democráticos, ela evidentemente não formará para a democracia. Diretores, professores e alunos precisam se organizar e participar das tarefas de governo escolar que forem mais convenientes. O desempenho e participação de todos, a co-responsabilidade de interesses comuns, são sem dúvida essenciais para o feliz desenvolvimento da missão educativa da escola.

“A educação está intrínsecamente relacionada ao caráter da civilização de cada país”. (Teixeira, 1977, p. 237). Para ele, a qualidade, a capacidade e o desenvolvimento de cada país, se devem à qualidade educacional aplicada à nação.

Holanda (1995), afirma que, diferentemente do que ocorreu com os holandeses, os portugueses se aproximaram mais intimamente da população de cor; cederam mais docilmente ao prestígio da comunicação dos costumes, da linguagem, e das seitas dos índios e negros. Se americanizaram ou africanizaram, conforme foi necessário. Tudo leva a crer que a língua portuguesa, ao contrário da holandesa, encontrou disposição de modo particular mais simpática entre esses homens, índios e negros. Se tornou bem mais acessível que a língua holandesa. Inicialmente, a religião trazida pelos holandeses, não foi tão bem acolhida como a católica; essa não favorecia e não satisfazia à religiosidade no que diz respeito à transição, não correspondia e não favorecia a acomodar-se aos ideais cristãos. Não houve uma identificação do índio e do negro com os princípios calvinistas. O que pode ter realmente acontecido em tal contato foi o jeito simpático e comunicativo da Igreja Católica; mais universalista, menos exigente que os princípios do protestantismo. Assim, o protestantismo não conseguia seguidores, tanto quanto a Igreja Católica.

Os empecilhos colocados no que diz respeito ao desenvolvimento cultural do Brasil, eram uma precaução portuguesa (corte) para impedir idéias novas que viessem a colocar em risco a ordem e a estabilidade do domínio português na colônia.

A pedagogia moderna e as virtudes antifamiliares, os ideais de cultura, de uma vida intelectual, levaram os jovens a abandonar o convívio familiar. A aspiração pelos ideais culturais gerou, de certa forma, uma ruptura com o convívio familiar. E o desligamento da vida familiar levou os indivíduos a se adaptarem à vida prática, serem eles mesmos, tornarem-se donos das suas escolhas e decisões. Isso, sem dúvida, não foi feito sem sofrimento ou custo, deixavam suas famílias para estudar fora, Portugal (Coimbra, Lisboa).

A educação, no decorrer da história, tanto gerou alegrias, conquistas para os indivíduos, como também contribuiu para fazê-los sofrer e os reprimir.

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(...) É não só interessante, mas profundamente importante que os estudantes percebam as diferenças de compreensão dos fatos, as posições às vezes antagônicas entre professores, na apreciação dos problemas e no equacionamento das soluções. Mas é fundamental que percebam o respeito e a lealdade com que um professor analisa e critica as posturas dos outros. (Freire, 1996, p.18).

Segundo Freire (1996), não é possível ao sujeito ético viver sem estar continuamente sujeito à transgredir a ética. A luta do homem ético na história é exatamente o lutar pelos princípios éticos, sem se deixar cair no moralismo farisaico e no farisaísmo.

Para ele, não existe docência sem discência; ensinar não significa imposição de um saber sobre alguém (aluno), mas um partilhar do conhecimento. Professor e aluno são parceiros na construção do saber/conhecimento. Quem ensina, ensina aprendendo; quem aprende, aprende ensinando. O aprendiz, aluno, precisa ter os seus saberes respeitados por quem ensina, (docente). Ensinar requer risco, aceitação, tolerância, aceitação daquilo que é novo e rejeição de tudo aquilo que é discriminação, autoritarismo e dominação.

É dever do educador saber que deve respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do educando. Agir contrariamente a isso, só serve para irritar, impor um saber autoritário ao discente, que não serve senão para macular aquilo que é sede do homem: saber. Ensinar não quer significar dominar e impor uma educação bancária a alguém. Ensinar é fazer parcerias com aquele que aprende, para juntos, mestre/discípulo, se aventurarem na busca e no fascínio de aprender.

Nenhum professor passa pelo aluno sem deixar sua marca. Caberia aqui o questionamento: como o mestre queria ser lembrado pelo discípulo? Como autoritário, bom, amigo, desumano/humano, amigo do saber ou alguém que dele usa para desprezar e se tornar severo com os outros?

Patto (1999), afirma que a tarefa de entender a história da educação brasileira em seus encontros com a história do estado e da sociedade, não se deixa esgotar com uma reflexão analítica do ângulo dos interesses das classes dominantes e das precauções tomadas em seu nome pelo poder constituído. A história é cada vez mais entendida como obra de muitas mãos, inclusive a das chamadas classes populares, que no decorrer dos tempos foi relegada e sistematicamente esquecida pela história oficial. Assim, vê-se que a educação, como qualquer outra realidade brasileira, foi e é pensada para atender às aspirações de quem detem o poder. Então, como ela poderia e poderá atender às necessidades do educando, principalmente daquele que tem dificuldade no processo de aprendizagem? Os alunos-problema ficaram e ficam à margem do processo ensino/aprendizagem. Se o sistema ideológico das classes dominantes é que terá que ser observado e atendido, como fica a situação do indivíduo que não tem voz nenhuma em seu favor?

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Para Pimenta e Anastasiou (2005), o processo de educar significa traçar, percorrer, ou passar por um processo de humanização. Isto é gerar possibilidades para que os indivíduos se integrem na sociedade humana, que é historicamente construída, e está em construção. Sociedade esta que é rica em avanços e, ao mesmo tempo, tem seus retrocessos, no que se refere às questões econômicas, sociais e culturais. A tarefa da educação está em contribuir para que as crianças e jovens se insiram no avanço da civilização, para que dela possam usufruir, como também se descubram sujeitos no seu contexto social e histórico. Assim, os indivíduos vão se descobrindo e se fazendo presentes no espaço socio/histórico que ocupam.

Gil (2006) afirma que os desafios atuais do professor universitário requerem que ele seja um profissional com caracteres bem diferentes daqueles que foram tidos como importantes no passado. O professor universitário hoje precisa ser competente; isto é, ter qualidades e capacidades que o levem a solucionar uma série de fatores, contextuais e culturais. Um professor com visão de futuro; atento à velocidade dos fatos e transformações, às mudanças sociais, etc. Que aceite não ocupar o centro do cenário do ensino e aceite o estudante como parceiro do processo de aprender. Ninguém é dono da verdade; o saber é construído, e, se o professor leva o aluno a entender que ele é parte desse processo, meio caminho já foi andado em busca do conhecimento, ou da construção do mesmo.

Segundo Luckesi (2006), acolher amorosamente é aceitar a verdade como ela é. Isto significa aceitar a verdade minha e do outro, sem pré-julgamentos. Este ato amoroso é ato que acolhe atos, ações, alegrias e dores como elas são verdadeiramente. E permite que cada coisa seja o que é neste instante. Isto implica não julgar; erros poderão aparecer, mas de forma a levar os indivíduos a reconhecerem seus erros e, a partir destes, buscarem crescer e melhorar posteriormente. No processo avaliação e aprendizagem, o ato amoroso se manifesta tendo em vista que a avaliação, por si, deveria ser um ato acolhedor, que integra e inclui o indivíduo no processo. Avaliar não é julgar, mas permitir que o indivíduo perceba seu erro ou falha e procure melhorar; isto é humano e humanamente confortador, pois permite ao discente perceber que o erro faz parte do processo de aprendizagem.

E como a pedagogia se relaciona com a psicanálise ou vice-versa? Para isso deve-se ouvir o que diz alguém da área psicanalítica.

Freud (1996) em O Mal-Estar na Civilização, nos faz refletir sobre as três direções do sofrimento humano, onde, no entender dele, o homem estará sempre se esbarrando nas suas limitações humanas. A primeira realidade do sofrimento humano, diz respeito ao próprio corpo, que caminha para a sua decadência com a aproximação do envelhecimento e da degeneração. O homem caminha para a morte. A segunda limitação e forma de sofrimento, diz respeito ao mundo externo; este, podendo voltar-se contra o indivíduo com esmagadoras forças de destruição e impiedade; e, por último, a terceira forma de sofrimento se refere aos nossos relacionamentos com as outras pessoas. E o sofrimento advindo dessa fonte poderá ser mais penoso que qualquer outro sofrimento. Esse sofrimento, sem dúvida, pode ser pensado, pré-meditado da nossa parte em relação ao outro e vice-versa. Nessa relação de nossa parte para o outro e dele em relação a nós, muitas tentativas, intenções, vontades, quereres e racionalizações podem estar envolvidos, ou bem para um e mal para o outro e mal para o primeiro. É, sem dúvida, o que Freud queria dizer quando falava da

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criação das leis, normas e princípios éticos. Esses são pensados para facilitar, com o intuito de beneficiar o indivíduo, mas na realidade se tornam para ele uma escravidão. Até mesmo antes da pessoa nascer, ela já está condenada a obedecer normas e leis.

A vida humana em comum só se torna possível quando a maioria mais forte se sobrepõe ao indivíduo; este, em relação ao coletivo, sai sempre perdendo. Substituindo-se o poder individual pelo poder coletivo, eis o passo decisivo da civilização. O indivíduo vai sofrendo e recebendo da sociedade (comunidade) aquilo que ele não quis e não pensou. Os princípios éticos, filosóficos, e educacionais muito podem contribuir para a criação destas leis (são fundamentais), normas e princípios que contribuem para o mal-estar do indivíduo que, por sua vez, contribui para o mal estar da sociedade.

Logo, está o homem sempre procurando se libertar de algo que o angustia, o deixa infeliz e desconfortável, é o homem que cria o mal-estar para o próprio homem. A educação pode, sem dúvida, se prestar a isso: tanto para que a pessoa viva numa situação de mal-estar, como de bem-estar. Ela pode ter um duplo papel no processo formativo do indivíduo. Nessa crítica, Freud (1930, 1996), lembra, faz uma referência à afirmativa de Hobbes (1588 – 1679), que disse: homo homini lupus (o homem é o lobo do homem). Filosoficamente, ao pensar normas e princípios que dêem suas diretrizes à sociedade, o homem está criando embaraços e mais sofrimento para os que virão depois. Não é assim o andar da história? O homem em nome de um bem-estar pensado, querido e imaginado por um pequeno grupo, que cria princípios, leis para que o homem seja feliz! Freud e Hobbes não tinham razão? A educação como é administrada, não desempenha este papel de mantenedora de normas e princípios que escravizam o homem? Em nome do bem-estar, proíbe o homem de ser ele mesmo, e esse homem reprimido vai cada vez mais se tornando estranho a si mesmo. Portanto, o processo formativo do indivíduo na busca da felicidade não é impossível, mas é uma busca sofrida, uma luta de forças (Davi lutando contra Golias: I Sm 17, 48 s.), para lembrar uma passagem bíblica. Ao colocar o poder da sociedade sobre o indivíduo, queria demonstrar que a relação indivíduo e sociedade será sempre conflituosa, pois conflitivo é o homem; e, nessa busca de realização, de prazer, e de viver melhor, a angústia, o conflito e o descontentamento estão presentes. O superego é formado e fortalecido exatamente através dessa dinâmica, se o indivíduo nunca conhecer limites ele nunca saberá lidar com a frustração, a dor e a morte.

A questão ético-educacional ou a busca constante da felicidade poderá acontecer nessa dinâmica constante do ego se jogar no “mar bravio” em busca de algo que, ao mesmo tempo, atenda às exigências do id e negocia com o superego para que os dois sejam atendidos em suas exigências; embora a dialética ou a angústia do ego seja enorme, ele acaba sendo fortalecido também; pois, querendo ou não, ele quer realizar essa tarefa inteligente, no sentido de fazer essa negociação entre o id e o superego.

O mal-estar na civilização depreende que o homem está sempre criando, recriando, buscando ser feliz e está sempre na mesma situação, descontente com a sua realidade. Isto porque o homem de hoje cria embaraços para o de amanhã enfrentar. E, assim, as dificuldades estão sempre sendo criadas e recriadas.

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De acordo com Rouanet (2003), esse mal-estar, ora se acentua mais, ora menos. Pois, o próprio homem percebe os aspectos enfadonhos, pesados e repressivos da cultura por ele mesmo criada. No nosso mundo pós-moderno, essas características ou pesos culturais, se sobressaem de forma bastante acentuada.

De acordo com ele, se referindo ao sistema econômico predominante no mundo contemporâneo, há uma descrença que esse venha mesmo a responder aos anseios das populações. E isso vai também influenciando as questões sociais, morais, culturais, éticas, etc. Um sistema perverso vai gerar, sem dúvidas, nas pessoas uma situação de mal estar social. Segundo ele, no Brasil e no mundo, o projeto civilizatório da modernidade entrou em colapso. Trata-se de uma desilusão social, frente às falsas promessas de um sistema que visa o lucro para uma minoria e a maioria se torna massa de manobra das elites e dos grandes grupos que controlam o mundo ideologicamente. Isto, sem sombra de dúvidas, gerará e está gerando um mal-estar na modernidade.

Ressalta Molnar (1998), falando a respeito de um estudo de Freud sobre a cidade de Londres: “toda cidade é assombrada por traumas do passado comemorados por monumentos” (p.45). Isso leva a depreender que a sociedade representa na cultura, nos monumentos traços das dores e sofrimentos do passado; e, nesse conservar há, de certa forma, uma tentativa ou maneira de, através da dor (não compreendida nem detectada por muitos nos monumentos) ou traços de culturais, falar dessas dores passadas no presente; ou relembrando a afirmação de Freud “os pacientes histéricos sofrem de reminiscência” (p.45).

Trazendo isso para o contexto escolar, caberia aqui interrogações: Porque muita gente evadiu-se da escola ou porque há pessoas que não suportam uma determinada disciplina ou gostam de um professor(a) e não gostam de outro(a)?

“O coração tem razões que a própria razão desconhece” (Pascal, apud, Abrão, 1999. p. 205). Que parafraseando isso diz: o psiquismo humano tem segredos e dores guardados no mais recôndito do seu existir (inconsciente) que ele mesmo pode ser capaz (é) de não conhecê-los; nem sequer desconfiar desses segredos e dores. Contudo, eles existem e estão presentes no caráter do indivíduo, assim como Freud via nas estátuas e monumentos traços das dores humanas de épocas passadas retratadas aí.

Cifali (2005) afirma que: “para a concepção freudiana, a pedagogia quer designar à aplicação da psicanálise o seu inserir-se no mundo ou campo educacional e do ensino”. (Cifali, 2005, p. 1358.).

Qual o papel que Freud se reservou no que diz respeito a esta questão? Há algumas passagens onde ele se refere a essa psicanálise aplicada, são: “o interesse científico da psicanálise (1913 j); seu prefácio para a juventude desorientada, de August Aicchorn (1925 f) e a VI Conferência das novas conferências introdutórias sobre a psicanálise (1933 a)”, (Cifali, 2005, p. 1358). No que diz respeito à posição de Freud mediante essa aplicação, as leituras e posições são bastante divergentes. Elas se cristalizam antagonicamente em duas obras: Freud Anti-pedagogo, de Catherine Millot (1979) e Freud Pedagogo? Psicanálise e Educação, de M. Cifali (1982).

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Os primeiros que tentaram fazer essa aplicação e ligação psicanálise e educação foram: o pastor psicanalista da Suíça Oskar Pfister (A Psicanálise a Serviço dos Educadores, 1917); Sándor Ferenczi (Psicanálise e Pedagogia, 1908) e Ana Freud com sua obra (Iniciação à Psicanálise para Educadores, 1927). Há também as contribuições que se podem contar: August Aicchorn (1925), A Psicanálise na Escola, (1930, edição original, 1921), de Ernest Scneider e Hans Zuliger.

Por algum tempo, acreditou-se que poder-se-ia prevenir as dificuldades psíquicas das pessoas adultas, prevenindo-se de uma série de erros ocorridos no processo educativo, pela educação administrada profilaticamente da sexualidade, por exemplo. Renunciou-se a essa idéia, mas permaneceu a esperança na implantação de uma educação menos traumática.

Freud desejava que a psicanálise transpusesse-se para outros campos das ciências e que isso fosse para ela garantia de não ficar reduzida a um anexo da medicina. Esse desejo freudiano foi realizado apenas parcialmente.

Contudo, a psicanálise não conseguiu, por si só, determinar uma prática docente; tendo então que se renunciar a isso.

Mas, apesar disso, da dificuldade de a psicanálise por si só criar métodos educacionais e pedagógicos, não se pode esquecer trabalhos como os de Françoise Dolto, que criou uma estrutura com base na psicanálise para receber crianças com dificuldades escolares. No que diz respeito ao ensino, Célestin Freinet, na França. Foi a partir destes trabalhos e outros movimentos, na França, que os pontos de referência pedagógicos se conjugaram com os da psicanálise.

Para Martins (2007), imaginar uma conexão entre psicanálise e educação é provocar uma tempestade de idéias e uma reflexão sobre esse assunto tende a levar a um caminho cheio de bifurcações.

Os dois campos são extremamente diferentes, começando pelos objetos que interessam a cada um e aos sujeitos.

À psicanálise interessa o inconsciente e como funciona o aparelho psíquico, e à educação interessa o conhecimento. O psicanalista é aquele que analisa e o professor é aquele que propicia a educação; aquele que educa.

Kupfer (2006) afirma que a teoria psicanalítica busca constantemente dois princípios que, ao mesmo tempo, são opostos, estão em luta, movimentando-se e, com isso, o indivíduo se desenvolve. Indo para trás ou para a frente o conflito e o movimento que disso resulta permitem que o indivíduo saia do lugar. Se isso não ocorrer, o sujeito estaria condenado a permanecer na imutabilidade. Na relação, então, entre psicanálise e educação, isso gera um conflito constante: a psicanálise é questionadora constante das normas e regras; e a educação bancária, domadora pretende levar o indivíduo a uma pacificação e aceitação dessas regras e normas sociais.

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Ainda de acordo com Kupfer, a relação psicanálise e educação resultou num casamento desfeito. A primeira relação foi a tentativa de criar a pedagogia psicanalítica, na Suíça, no início do séc. XX. A segunda foi o esforço empenhado por alguns analistas para transmitir a professores e pais a teoria psicanalítica (Ana Freud encabeçou este trabalho). E a terceira e última, trata-se de transmitir a psicanálise a todos que representam a cultura e que estejam interessados em ampliar a visão ao mundo.

Para Martins (2007) a psicanálise, ao se desenvolver e tomar corpo, se constituiu num novo conhecimento. Ela não pode tomar e ocupar o lugar da educação e não poderá ser considerada salvação para todos os problemas da educação, mas, sim, pode dar auxílio para um maior conhecimento do funcionamento mental e inconsciente dos elementos que estiverem envolvidos no processo. Já para Freud (1976) o trabalho da educação é algo sui-generis: “não deve ser confundido com a influência psicanalítica e não pode ser substituído por ela” (Freud, 1976, p.342).

Freud via a educação como aquela que fabrica as neuroses; e o preço disso é a perda do prazer que o educador paga e a considera “normal”. A educação precisa ser iluminada e feita por uma visão psicanalítica esclarecedora desses pontos. A organização escolar é um ato violento contra aquilo que era natural à criança antes dela entrar na escola. Agora, terá que obedecer a normas, regras, tudo que até então não fazia parte do seu mundo (Martins, 2007).

Lembra Milot (2001)

Freud com conhecimento de causa, afirmava que era preciso incluir a psicanálise entre as profissões impossíveis, ao lado da educação e da arte de governar. As três repousam sobre os poderes que um homem pode exercer sobre outro mediante a palavra, e as três encontram os limites de sua ação, em última instância, no fato de que não se submete o inconsciente, pois é ele que nos sujeita (Milot, 2001, p.151).

A psicanálise poderá contribuir com a educação no que consiste essencialmente na descoberta de que esta é nociva e é, ao mesmo tempo, necessária. Não há como fazer uma aplicação da psicanálise à pedagogia; não existe pedagogia analítica no que diz respeito ao pedagogo alinhar sua posição subjetiva à do analista e ter uma “atitude analítica” para com o educando. O que o pedagogo pode aprender na análise e pela análise é, sem dúvida, colocar limites ao seu agir; e esse saber não corresponde a nenhum saber científico, mas, sim, à arte (Milot, 2001).

Para Alves (2003), a miséria da educação não aparece onde ela é pior. Essa miséria se revela, justamente, onde ela é excelente. E a universidade é uma fábrica que produz conhecimentos e técnicas que estão a serviço das burocracias sociais. E ainda, segundo ele, as escolas se assemelham a canteiros de mudas, todas terão que ser iguais, apenas separadas por fazes de crescimento. Se uma dessas mudas se torna diferente, o jardineiro (educador)

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vem e tira essa muda do meio das outras, para que estas não recebam influências daquela muda destonada. Isso faz ressonância ao que Paulo Freire chamava de pedagogia bancária. As crianças são cofres, onde os mestres depositam seus saberes. Educar assim é contribuir para que a pessoa seja deformada. A psicanálise, com sua crítica à educação castradora, não se aproximaria ou permitiria que sua dose de crítica desestabilizasse àquilo que vinha há anos consagrado na pedagogia? Ainda na visão de Alves, quando a escola é verdadeiramente educadora, a educação acontece quando se vê o mundo como um brinquedo e se brinca com ele como a criança brinca com sua bola. Segundo ele, o educador é aquele que mostra brinquedos ao aprendiz. Assim, a educação seria criativa, propiciadora de prazer e, quem sabe, não haveria tanta evasão escolar.

Diz Speller (2004) que a psicanálise tem muito a dizer ao educador. Esse pode se inspirar, tendo a figura do analista à sua frente para tal, ocupando o lugar e exercendo sua atividade, não como dono da verdade, que contém todo o saber, mas como aquele que produz bordas e marcas e com as quais a criança possa encontrar segurança, entrar no veio social. É papel da educação criar um efeito que organize ou que possa ajudar a criança a se organizar e a construir um símbolo onde possa viver nesta sociedade, tendo seus referenciais.

De acordo com Luckesi (2005), o papel da escola/universidade é formar leitor-sujeito, para que esse se torne leitor-autor para não só receber informações e mensagens, mas também as criar e as transmitir dando-lhes nova vida e nova dimensão. Somente o leitor-sujeito é capaz de multiplicar a cultura e a aprofundar. Este deveria ser o papel da educação em todos os níveis. Quanto à psicanálise, ela é um calo no campo da educação: instiga, questiona e é inconformada.

Garcia-Roza (2001) apresenta “A bruxa metapsicologia: é dessa forma que Freud se refere à metapsicologia. A bruxa, a feiticeira. E Freud mais do que ninguém, acreditava na bruxa, posto que ela existe” (1ª orelha). Ora, ninguém mais do que Freud, criador da psicanálise, sabia como esta é questionadora. Ela quer penetrar em todas as esferas da vida humana e, não seria do processo educacional que ela ficaria de fora. A bruxa é aquela que inferniza, que não dá sossego, que não dá trégua. E a educação poderá ganhar com isso, nessa relação conflituosa.

Comenius (1997), na sua época, aspirava: “que a proa e a popa da nossa didática sejam: buscar e encontrar um método para que os docentes ensinem menos e os discentes aprendam mais; que nas escolas haja menos conversa, menos enfado e trabalhos inúteis, mais tempo livre, mais alegria e mais proveito” (p.12). Vê-se, assim, que a história da educação, como a história humana, é feita de avanços e recuos; nos séculos XVI/XVII (1592-1670), Comenius teve essa visão crítica e humana da vida escolar. Dizia ele, que toda a juventude deveria ser instruída educacionalmente; defendia a idéia de que quem deveria ir à escola não eram só os filhos de ricos, nobres; mas que todos, todos igualmente, deveriam ser confiados à escola: meninos, meninas, nobres ou não. Todos igualmente deveriam ser educados dignamente.

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O reconhecimento dos desejos sempre teve uma virtude pacificante: eis o princípio da cura analítica. (...), Freud gostaria de ver fundar-se uma nova educação: (...), a psicanálise para a substituição do recalque pela condenação através do juízo: dizer não a um desejo é reconhecê-lo como dito, reconhecê-lo como desejo. O desejo se ‘realiza’ no dizer. Este poderia ser o programa de uma educação de orientação psicanalítica. Como a psicanálise o demonstra, a potência da razão reside nas virtudes da palavra. (Milot, 2001, pp.115-116).

Assmann (1998) ressalta que na educação precisa haver ternura e prazer. É necessário e urgente que o ambiente pedagógico seja um lugar fascinante e de inventividade; não um lugar de inibições, mas que propicie prazer, entusiasmo no educando e que este se perceba prazeroso em tomar ciência de que está verdadeiramente sendo sujeito no processo do conhecimento.

De acordo com Kupfer (2006) a psicanálise pode permitir ao educador e não à pedagogia como um todo, um jeito de ver, um agir ético e um modo de entender sua prática educativa; isso pode levar o educador a uma filosofia de trabalho e a um agir educacional que contemple mais o educando. Inspirado por idéias psicanalíticas, o professor tenha talvez, a possibilidade de, na relação professor/aluno, não ficar apenas preso ao conteúdo dado; mas, poderá ver o aluno além da sala de aula; um fio invisível poderá levar o professor a ver este aluno com suas dores, angústias e lágrimas. Ir, assim, além do escrever, ler e passar um conteúdo para ser estudado. Isto é, ir além do visto.

Saint-Exupéry (2000) afirma que o essencial é invisível aos olhos; assim, o olhar psicanalítico poderá permitir esse ver além de; não ficar preso apenas ao momento, mas, fazer um caminho imaginário para assim o enxergar do professor em relação ao aluno não se estancar em dificuldades que possam surgir em sala de aula ou algo de somenos importância.

E ainda: tu te tornas responsável por aquilo que cativas. Na sala de aulas, se o aluno se percebe amado e respeitado, valorizado em suas participações e intervenções nos assuntos tratados, com muita certeza a qualidade da aprendizagem e do saber será bem outra. O aluno aprende, participa e devolve esse saber produzido em sala com prazer, com sabedoria.

De acordo com Alves, (2000) “ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais” (2000, p.5).

E ainda,

o amor é o pai da inteligência. Mas sem amor todo o conhecimento permanece adormecido, inerte, impotente... As escolas: imensas oficinas, ferramentas de todos os tipos, capazes dos maiores milagres. Mas de nada valem para aqueles que não sabem sonhar. (Alves, 2000, p.p.92/93).

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Como diz Speller (2004), para o aprendizado ocorrer tem-se que desejar; e o desejo deve ser fisgado por alguma coisa. O bom professor é um bom pescador, aquele que provoca no aprendiz a curiosidade e o desejo de ser mais. E, assim, o desejo de saber mais, será sem dúvida estimulado.

Psicanálise e educação são caminhos cruzáveis: uma contribui com a outra, nessa relação conflituosa e instigante. Com sua postura questionadora, a psicanálise contribui com a educação, não deixando-a em paz e nem adormecer em seu acontecer pedagógico.

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