rs - guerras e conflitos

Upload: alexyztorres

Post on 14-Apr-2018

220 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    1/25

    Memorial do Rio Grande do SulCaderno de Histria, n 38

    Moacyr Flores

    Rio Grande do Sul:Guerras e Conflitos

    Governo do Estado do RS Yeda CrusiusSecretaria de Estado da Cultura Mnica Leal

    Memorial do RS Voltaire Schilling

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    2/25

    A identidade luso-brasileira

    A formao do corpo social luso-brasileira no extremo Sul do Brasil rea-lizou-se em territrio de conquista aos espanhis, com constantes atritos, a-

    vanos e recuos, formando um quadro de intolerncia e de violncia de ambas

    as partes. Os ncleos urbanos do sculo XVIII surgiram junto a uma fortaleza,

    como Rio Grande, Rio Pardo, Santo Amaro; dentro de uma fortificao como

    Porto Alegre; a partir de uma guarda como Cachoeira do Sul, Santo Antnio

    da Patrulha, Encruzilhada; ou ainda, no sculo seguinte, de acampamento mi-

    litar como Santa Maria e Bag.

    Todos os ncleos urbanos foram planificados a partir de uma capela, com

    uma praa na frente, de onde de cada ngulo partiam ruas. A religio, ligada

    ao Estado, com bispos e sacerdotes como funcionrios pblicos, a distncia do

    bispado, a falta de templos, de conventos e de seminrios fez com que a popu-

    lao fosse igreja por obrigao, participasse das festas e dos rituais para ter

    registro de batismo, de casamento e de bitos. A religio no conseguiu por

    freio violncia e nem intolerncia que faziam parte da poltica de Espanha

    e de Portugal, porque a evangelizao era considerada como uma luta contra

    os infiis, tidos como soldados do demnio.

    A populao pobre, sem sesmaria, sobrevivia como agregado ou como

    peo das fazendas de criao, espera de uma guerra para matar e roubar os

    bens do inimigo. Os homens entre 16 a 60 anos faziam parte da milcia e ti-nham que ter uma arma em casa para repelir o espanhol que vinha retomar o

    territrio que pertencera Espanha, de acordo com o Tratado de Tordesilhas,

    pois a fronteira era viva, formada por habitantes de cada reino, de acordo com

    o sistema de uti-possidetis.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    3/25

    Colnia do Sacramento

    A poltica externa orientava-se para o domnio da foz, como o rio Ama-

    zonas e rio da Prata, que permitiria a conquista do interior. O controle da na-

    vegao pelos rios Uruguai, Paran e Paraguai, dependia do domnio do rio

    Prata.

    Em segredo, Dom Manuel Lobo, governador da capitania do Rio de Ja-

    neiro, fundou a Colnia do Santssimo Sacramento, em 22.1.1680, no rio da

    Prata, com inteno de estabelecer uma fortificao militar, para se apropriar

    do grande esturio platino. Os espanhis reagiram, contando com auxlios dos

    ndios missioneiros, fiis sditos do rei de Espanha, que massacraram os por-

    tugueses. Com seu exrcito nos Pases Baixos, a coroa de Espanha devolveu a

    Colnia a Portugal, em 7.5.1681, pelo tratado Provisional. O governador Se-

    bastio da Veiga Cabral transformou a Colnia num entreposto de contraban-

    do. Os espanhis retomaram a Colnia em 1705, devolvendo-a em 1715.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    4/25

    O povoamento dos Campos de Viamo surgiu ao longo da trilha que li-

    gava Laguna colnia de Sacramento. O gado da Vacaria do Mar, que perten-

    cia aos ndios das Misses, foi conduzido para as sesmarias dos Campos de

    Viamo, transformadas em fazenda de criao. Em 1736, toda regio, desde o

    Mampituba at o lago Guaba, estava povoada.

    A fim de dar apoio logstico Colnia do Sacramento, o governador do

    Rio de Janeiro, Jos da Silva Pais fundou a comandncia de Rio Grande com

    as vilas de Rio Grande e de Santana, trs fortes Jesus, Maria e Jos, Santana e

    So Miguel, avanando pelo litoral em direo ao sul. A primeira capela era

    dentro do forte de Jesus, Maria e Jos, tendo como orago a Sagrada Famlia.

    Procurando organizar o espao portugus nos Campos de Viamo, a Pro-

    viso Eclesistica de 14.9.1741 criou a capela de Nossa Senhora da Conceio

    de Viamo. A religio catlica e a fidelidade ao rei eram sinais da identidade

    portuguesa.

    Em 1742 aconteceu a primeira revolta no Extremo Sul, os cabos e solda-dos do forte de Jesus, Maria e Jos, prenderam os oficiais, acusando-os de

    maus tratos, de falta de pagamento de soldo, de no pagamento de uniformes,

    do confisco de arreios e montarias dos soldados por oficiais, e por corrupo.

    Os oficiais estavam abatendo o gado na Real Fazenda de Bojuru, destruindo a

    carne e vendendo os couros a contrabandistas em Castilhos Grandes, forne-

    cendo abbora e farinha para alimentao dos soldados. Uma comisso de ofi-

    ciais apurou as denncias, transferiu os oficiais e atendeu as reivindicaes

    dos cabos e soldados, sem conseguir identificar o chefe da revolta que deveria

    ser punido por indisciplina.

    Com objetivo de expulsar os luso-brasileiros da Colnia do Santssimo

    Sacramento e terminar com a sangria do contrabando, a coroa espanhola pro-

    ps o Tratado de Madrid, que foi assinado em 1750. A linha de fronteira seria

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    5/25

    assinalada por marcos em acidentes geogrficos. Os portugueses instrudos

    pelo padre jesuta Alexandre de Gusmo e com mapa com acidentes geogrfi-

    cos alterados, conseguiram trocar a Colnia do Sacramento e as ilhas Molucas

    pelos Sete Povos, oeste de Santa Catarina, oeste de Paran e regio Amazni-

    ca.

    Havia uma clusula que determinava a transmigrao dos ndios dos Sete

    Povos para a outra margem do rio Uruguai. Na poca no havia mais terras

    disponveis entre os rios Uruguai e Paran para a fundao de novos povoados

    com lavouras e fazendas de criao de gado. Os missioneiros se negaram a

    transmigrar.

    Forte de Jesus, Maria e Jos, na confluncia do Rio Jacu com o Rio Pardo.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    6/25

    Gomes Freire de Andrade determinou a fundao do Forte Jesus, Maria e

    Jos na confluncia dos rios Jacu e Pardo, a fim de ter um ponto estratgico

    para atacar e expulsar os ndios das Misses. Distribuiu as terras da estncia e

    dos ervais do Povo de So Lus, na margem esquerda do rio Jacu, aos luso-

    brasileiros em forma de sesmarias. Montou tambm uma guarda no passo do

    Fandango, que deu origem Cachoeira do Sul.

    Drages de Rio Pardo

    Com intenes de povoar o territrio das Misses com sditos portugue-

    ses, depois da expulso dos guaranis, Gomes Freire de Andrade determinou a

    vinda de aorianos que foram assentados provisoriamente em Rio Grande,

    Porto do Dorneles, Viamo, Taquari e Rio Pardo.

    Nicolau Neenguiru, cacique de Concepcin, povoado da Mesopotmia

    entre o Paran e Uruguai, conseguiu levantar os missioneiros contra a trans-

    migrao, mas no a uni-los, pois cada misso continuou lutando em separa-

    do, porque s aceitavam chefe de sua misso. Assim, os ndios de So Miguel

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    7/25

    lutaram sem apoio das outras misses, quando os exrcitos ibricos avana-

    ram pela estncia de So Miguel.

    Apesar das guerrilhas comandadas pelo miguelista Sep Tiaraju, os ibri-

    cos bem armados e treinados avanaram em direo a Caiboat, onde massa-

    craram os missioneiros, que mesmo durante o combate, ainda discutiam em

    grupo, quem seria o chefe.

    O exrcito espanhol entrou nas misses saqueando e estuprando mulheres

    e meninos, enquanto os luso-brasileiros, por ordem de Gomes Freire, foram

    proibidos de pilhar e de estuprar. A desobedincia seria punida com fuzila-

    mento. Diante dessa atitude, os missioneiros correram para se abrigar em San-

    to ngelo, onde acamparam os luso-brasileiros.

    Graas a esse estratagema, Gomes Freire conseguiu retirar 10 mil ndios

    e mais o gado das Misses, quando retornou a Rio Pardo. Os missioneiros fo-

    ram colocados em So Nicolau da Cachoeira, So Nicolau de Rio Pardo e Al-

    deia dos Anjos. Esta migrao dos guaranis para o territrio portugus, retiroundios milicianos dos espanhis e recursos de gado bovino e cavalar.

    A guerra guarantica serviu de tema para literatos, como Baslio da Ga-

    ma, Simes Lopes Neto, Manuelito de Ornelas, Mansueto Bernardi e Walter

    Spalding, que criaram ou modificaram o mito de Sep Tiaraju, conforme os

    interesses do momento que escreviam. Na poca s havia dois sentimentos no

    extremo sul: ser sdito do rei de Portugal ou sdito do rei de Espanha. Sep

    Tiaraju e os ndios missioneiros se consideravam sditos de Fernando VI, rei

    de Espanha.

    Quando foi rompido novamente o equilbrio poltico entre Espanha e Por-

    tugal, em 1762, os conflitos se refletem na regio platina e na populao da

    Comandncia de Rio Grande. A Inglaterra e a Prssia estavam em guerra com

    a ustria, Frana e Rssia, na chamada Guerra dos Sete anos. A Frana fir-

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    8/25

    mou o Pacto de Famlia, com as casas reinantes da dinastia Bourbon. Sem na-

    vios de guerra para manter suas colnias, Portugal ficou ao lado da Inglaterra,

    que na poca dominava os mares e podia se apossar dos domnios portugueses

    de alm-mar. Tentando reaver os territrios perdidos, Dom Pedro de Ceballos,

    novo governador de Buenos Aires, ataca a Colnia de Sacramento, em

    29.10.1762, e toma a fortaleza de Santa Teresa, ainda em construo, e o forte

    de So Miguel.

    Fortaleza de Santa Teresa

    As autoridades de Rio Grande fogem para Viamo, abandonando vila

    aos invasores. O governador Jos Marcelino de Figueiredo, a fim de enfrentar

    a invaso espanhola, determinou a fundao de novas povoaes: Porto dos

    Casais (depois Porto Alegre), Bom Jesus do Triunfo, So Jos do Taquari,

    Mostardas, com as famlias aorianas que ainda estavam esperando a transmi-

    grao para as Misses, reorganizando o espao luso-brasileiro.

    Os espanhis transformam em porto livre o de Rio Grande. D. Vertiz y

    Salcedo, em 1772, planejou expulsar os luso-brasileiros do vale do Jacu e dos

    Campos de Viamo, mas fracassou em seu intento, quando no conseguiu to-

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    9/25

    mar o forte de Jesus, Maria e Jos, em Rio Pardo, tendo que retornar acossado

    por Rafael Pinto Bandeira.

    .Em 1776 a vila de Rio Grande foi retomada e o Tratado de Santo Ilde-

    fonso, de 1777, incorporou capitania de Rio Grande o territrio entre os rios

    Jacu e Camaqu, que j estava ocupado por luso-brasileiros com fazendas de

    criao de gado.

    A poltica portuguesa intensificou o domnio militar, enviando mais tro-

    pas para o sul. H um equilbrio entre as polticas ibricas com longo perodo

    de paz, at ser rompido pela invaso de Portugal pelo exrcito espanhol, em

    1801. O governador Veiga Cabral, que j esperava a guerra, perdoou os deser-

    tores e conseguiu emprstimo com comerciantes para aparelhar o exrcito no

    sul. Um bando de desertores e contrabandistas chefiado por Jos Borges do

    Canto, invadiu as Misses contando com a conivncia do governador espa-

    nhol Dom Rodrigo que estava ameaado de uma devassa. Patrcio Correa da

    Cmara, comandante de Rio Pardo, avana para o sul, com inteno de invadirMontevidu, mas a morte do governador Veiga Cabral, detm sua marcha. A

    paz entre Espanha e Portugal estabelecia que os territrios onde estivessem os

    exrcitos seriam a nova fronteira.

    Estancieiros rio-grandenses e ranchos de pobres saquearam as estncias

    missioneiras e espanholas, destruindo inclusive a povoao de S. Gabriel do

    Batovi.

    Numa guerra rpida, com poucas perdas, as regies das Misses e da

    Campanha foram incorporadas Capitania do Rio Grande do Sul. Os ndios

    missioneiros abandonaram os Sete Povos, esparramando-se pelas estncias do

    Rio Grande do Sul e do Uruguai, trabalhando como pees, tropeiros ou sendo

    incorporados ao exrcito.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    10/25

    Quando as tropas de Napoleo invadiram a Espanha, depondo o rei Fer-

    nando VII, o Cabildo de Buenos Aires declarou sua emancipao. Dom Fran-

    cisco Javier lio, vice-rei da Provncia do Rio da Prata, estabeleceu residncia

    em Montevidu e pediu auxlio D. Joo, casado com Carlota Joaquina, contra

    as tropas de Jos Gervsio Artigas.

    Carlota Joaquina

    D. Diogo de Souza, governador do Rio Grande do Sul, reuniu trs mil

    soldados no acampamento em Bag, formando o Exrcito Pacificador, inva-

    dindo o Uruguai em 17.7.1811.. Lorde Stangford, temendo perda do porto de

    Montevidu, negociou a paz. Artigas no aceitou a paz e marchou com 16 mil

    pessoas para a outra margem do rio Uruguai. O territrio abandonado foi ocu-

    pado por estancieiros luso-brasileiros. Francisco Frederico Lecor, com um e-

    xrcito de dez mil homens, invadiu pelo arroio Chu e conquistou Montevi-

    du, em 1817. O cabildo de Montevidu, representando o povo cansado das

    lutas dos caudilhos, votou pela incorporao do Uruguai ao Reino Unido de

    Portugal, Brasil e Algarves, com o nome de Provncia Cisplatina. A regio da

    Campanha uruguaia continuou em mos dos caudilhos patriotas.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    11/25

    Jos Gervsio Artigas

    A identidade brasileira

    At ento os conflitos tinham como objetivo conquistar e

    povoar o territrio, dando aos povoadores uma identidade lu-

    so-brasileira que apoiasse a poltica de levar a fronteira at o

    rio da Prata, garantindo a navegao livre para o interior.

    O processo de independncia do Brasil realizou-se com diviso de fac-

    es polticas. Os monarquistas conservadores pretendiam permanecerem co-mo sditos do Reino Unido a Portugal, os monarquistas liberais desejavam a

    independncia; os republicanos queriam mudar a forma de governo e uma no-

    va nao. O ministro Jos Bonifcio trabalhou politicamente para que Portu-

    gal e Brasil formassem uma s nao, um s imprio. D. Pedro, como regente

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    12/25

    do Reino do Brasil tornou-se o denominador comum das diferentes correntes

    polticas, proclamando a independncia, evitando que a repblica.

    Dom Pedro - I

    O fato de ser formado primeiro o Estado brasileiro, sem que a nao se

    identificasse e lutasse pela sua formao, fez com que os polticos abandonas-

    sem o povo brasileiro. Outra conseqncia que os chamados partidos polti-

    cos no Brasil so apenas grupos de interesses, conforme se v em cada semana

    que passa, os escndalos no Poder Executivo, Legislativo e Judicirio. Caben-

    do aos que pagam impostos, suprir o errio para o esbanjamento da farra da

    corrupo.

    Inicia-se o longo processo de lutas com a regio platina, onde surge o na-

    cionalismo como novo componente que identifica os adversrios. Os rio-

    grandenses em relao aos uruguaios e argentinos identificaram-se como bra-sileiros, pois durante o sculo XIX o termo gacho designava o excludo soci-

    al, geralmente um bandido.

    O Congresso Geral e Constituinte de Buenos Aires, em 25.10.1825, de-

    clarou a Banda Oriental do Uruguai reintegrada s Provncias Unidas do Prata,

    provocando a guerra com o imprio do Brasil.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    13/25

    Mapa dos deslocamentos das foras que se bateram na batalha do Passo do

    Rosrio.

    Dom Carlos Maria Alvear planejou atacar o Rio Grande do Sul para des-

    viar as tropas brasileiras que ocupavam cidades uruguaias. D. Pedro I esco-

    lheu o marqus de Barbacena para comandar o exrcito do Sul, com seis mil

    homens, com 12 peas de artilharia e mais 1.500 cavalarianos comandados

    por Bento Manoel Ribeiro.

    As foras de Alvear, com oito mil homens e 24 canhes avanou para

    Bag e depois seguiu em direo s Misses. O marqus de Barbacena sem

    conhecimento do terreno e de tticas de guerra, seguiu os invasores at o pas-

    so do Rosrio, quando em 20 de fevereiro de 1827 aconteceu a nica batalha

    no Rio Grande do Sul, com os contendores abandonando o campo de luta. Os

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    14/25

    oficiais rio-grandenses creditaram a derrota inexperincia do marqus de

    Barbacena.

    Nova invaso ocorreu em 1828, quando o caudilho Frutuoso Rivera fu-

    gindo de D. Manoel Oribe atacou o territrio das Misses, recebendo a adeso

    das pequenas tropas de milicianos. Em So Borja o caudilho reuniu um con-

    gresso de habitantes, contando com o apoio de todos por causa da m adminis-

    trao e do abandono da regio. A Conveno de Paz de 27 de outubro de

    1828, assinada no Rio de Janeiro, determinou a retirada de Rivera das Mis-

    ses, que ao se retirar levou mais de 60 carretas com produtos de pilhagem,

    alm de ndios missioneiros que o acompanharam.

    At ento o Rio Grande do Sul era um acampamento armado para lutar

    pela poltica externa do Brasil de domnio do rio da Prata, e para repelir as

    invases dos espanhis que tentavam recuperar o antigo territrio, traado pe-

    la Linha de Tordesilhas. Formou-se um povo aguerrido que estava distante do

    poder central, tinha 2/3 de seus impostos levados para S. Paulo e para o Rio deJaneiro, para obras inteis na Corte, conforme artigo de jornal da poca. O

    liberalismo negava a origem divina do monarca, tratando o governante como

    um empregado pblico; a constituio deveria estar de acordo com o costume

    do povo; as leis garantiriam a liberdade, que estava colocada na propriedade,

    portanto s considerava como cidado quem era proprietrio. A federao ga-

    rantiria a autonomia provincial, com os impostos recolhidos permanecendo no

    local de origem. Os liberais moderados acreditavam em mudana da socieda-

    de atravs de leis e os liberais exaltados ou farroupilhas, atravs de uma revo-

    luo.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    15/25

    Proclamao da Repblica Rio-Grandense, de Antnio Parreiras.

    A guerra civil chegou a implantar a primeira repblica que funcionou du-

    rante quase nove anos, com seis ministrios, servio de correio, servio de po-

    lcia, exrcito organizado, tribunal eclesistico, seis tratados com o exterior,

    leis e decretos prprios publicados no jornal O Povo, espcie de rgo oficial

    do governo republicano.

    O Brasil no reconheceu a Repblica Rio-Grandense, por isso a guerra

    civil terminou com anistia e com indenizao aos chefes militares, comercian-

    tes e estancieiros. Durante os 10 anos da guerra civil a imigrao estrangeira

    esteve suspensa, estncias e campos ficaram despovoados, as charqueadas

    destrudas, pontes arruinadas e mais de quatro mil famlias emigraram.A guerra civil acentuou o esprito regionalista dos rio-grandenses e se

    transformou num smbolo de identidade na construo da memria. No fim do

    imprio, tanto o Partido Liberal, como o Republicano usaram a Guerra Civil

    dos Farrapos para dizerem que eram continuadores de seus ideais.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    16/25

    Braso Farroupilha

    O equilbrio platino foi rompido por D. Manuel Rosas quando ele centra-lizou o governo da Argentina, retirando a autonomia dos caudilhos provinciais

    e pretendendo incorporar o Uruguai. Em 1851, Rosas declarou guerra ao Bra-

    sil. Caxias organizou o Exrcito brasileiro que contava com a participao de

    mercenrios alemes, os Brummers. O general Urquiza, governador de Entre

    Rios, e foras brasileiras derrotam Rosas em 3 de fevereiro de 1852, na bata-

    lha de Monte Caseros. A fuga de Rosas restabeleceu o equilbrio platino.

    Durante o governo de Atansio Aguirre, do partido Blanco, houve vrios

    atentados contra brasileiros residentes no norte da Repblica do Uruguai. O

    ditador do Paraguai, Francisco Solano Lpez tentou ser o rbitro poltico, mas

    no foi aceito pelo Brasil, que apoiava as foras de Venncio Flores, do parti-

    do Colorado. O presidente argentino Bartolom Mitre tambm apoiava o par-

    tido colorado e no aceitava a interveno de Solano Lpez no rio da Prata.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    17/25

    O almirante Tamandar sitiou Montevidu e depois com as foras de Flo-

    res atacou e conquistou Paisandu. Lpez tinha um tratado de auxlio mtuo

    com os blancos, mas o Imprio no tomou nenhuma providncia para evitar a

    invaso paraguaia no Mato Grosso e no Rio Grande do Sul. Apesar dos avisos

    constantes, o tenente-coronel Estigarrbia transps o rio Uruguai sem maior

    oposio, saqueou So Borja, Itaqu e foi sitiado em Uruguaiana a partir de 4

    de agosto de 1865. As foras aliadas acamparam em torno de Uruguaiana es-

    perando o imperador, que viajou lentamente at Rio Grande, seguindo por

    Porto Alegre, Rio Pardo, Cachoeira, Caapava, So Gabriel, parando alguns

    dias para participar de bailes, receber homenagens e discursos, enquanto os

    soldados brasileiros passavam fome e frio. Somente em 15 de setembro o im-

    perador chegou a Uruguaiana, no dia 18 os paraguaios se renderam.

    O conde DEu observou que os rio-grandenses evitavam o general Cana-

    barro, que possua muitos inimigos do tempo dos farrapos e por ser considera-

    do o responsvel pela invaso paraguaia. A guerra do Paraguai teve as maio-res batalhas das trs Amricas, oportunizou a alforria de escravos para que

    lutassem como soldados, e criou o imaginrio militarista no exrcito brasilei-

    ro: s os oficiais eram capazes de gerir o imenso Imprio e depois a Repbli-

    ca.

    A campanha republicana dos positivistas elaborou a memria da Revolu-

    o Farroupilha, como um sinal de rebeldia ao governo central e como teste-

    munho da identidade rio-grandense.

    O golpe militar de 15 de novembro de 1889 aprofundou a crise poltica

    no Rio Grande do Sul, a renncia de Deodoro e a permanncia de Floriano no

    poder abalaram o pas. Em 1890 o Rio Grande do Sul possua quase 900.000

    habitantes, predominando a populao rural. Como herana do Imprio, 74%

    da populao no sabia ler nem escrever.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    18/25

    As mudanas tecnolgicas na pecuria como cerca de arame, brete e in-

    troduo de gado de raa, provocaram o desemprego e consequentemente a

    marginalizao do campeiro, que ser utilizado como lutador na revoluo de

    1893 e 1923.

    O Partido Federalista (antigo partido Liberal) pretendia a centralizao e

    o parlamentarismo; o Partido Republicano propugnava pelo sistema presiden-

    cialista e pela autonomia provincial. As duas faces tornaram-se irreconcili-

    veis, gerando conflitos e perseguies polticas. A ditadura positivista de Jlio

    Prates de Castilhos no permitia a participao da oposio no governo e, pela

    Constituio de 1891, transformou o Poder Legislativo em mera comisso pa-

    ra aprovar as contas do governo. Em 25. de janeiro de 1893 Jlio de Castilhos

    assumiu o governo e no dia 5 de fevereiro, as foras de Gumercindo Saraiva,

    chamadas de maragatas, invadiram o Rio Grande do Sul.

    Trincheira da Panela do Candal, em Bag.

    Os maragatos no dispunham de armamento, de logstica e nem de uma

    chefia comum. Os coronis lideravam suas tropas, muitas vezes sem conexo

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    19/25

    entre si. As tropas em movimento no ameaaram a capital e nem a pessoa do

    execrado Jlio de Castilhos, percorreram o Rio Grande do Sul, invadindo pre-

    feituras, sem meios de manter a ocupao, aguardavam uma interveno do

    governo federal, porque Castilhos apoiou a ditadura do Marechal Deodoro da

    Fonseca e o ditador Floriano Peixoto estava intervindo nos estados deodoris-

    tas.

    A revoluo terminou depois de 31 meses, em 23.8.1895, com a deposi-

    o das armas por parte dos rebeldes. Jlio de Castilhos no participou das

    negociaes de paz, realizadas entre o General Silva Tavares e o General Ino-

    cncio Galvo de Queiroz.

    O governo estadual marcou uma mensagem na ornamentao do prdio

    da Intendncia de Porto Alegre: na fachada esto os medalhes de Floriano

    Peixoto e Jlio de Castilhos, vencedores da revolta da Armada e da revolta

    dos Maragatos; na platibanda v-se a esttua que simboliza a Repblica, com

    um cetro e uma ave de rapina na mo, olhando para baixo; o conjunto escult-rico representa a Liberdade, a Histria, a Democracia e as Cincias; no outro

    lado a esttua da Justia com uma balana pequena, uma enorme espada e est

    sem a venda, significando que parcial, dentro da afirmao de Castilhos:

    para os adversrios o rigor da lei. Outro conjunto escultrico representa a

    Agricultura, ladeada pelo Comrcio e pela Indstria.

    A identidade do gacho

    Joo Cezimbra Jacques, procurando unir os sul-rio-grandenses divididos

    pela sangrenta revoluo de 1893-95, funda o Grmio Gacho que propaga o

    gauchismo como uma identidade regional. Os literatos contribuem com poesi-

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    20/25

    as, contos e romances que elaboram o mito do gacho, entre eles Simes Lo-

    pes Neto, Alcides Maya, Jorge Salis Goulart, Vargas Neto e Darcy Azambuja.

    Em 1898, no governo de Campos Sales, a poltica brasileira marcada

    pela poltica dos governadores, numa federao formada por oligarquias regi-

    onais e pelos emprstimos externos para pagamento de antigos emprstimos.

    Essas oligarquias utilizam o gauchismo como nova identidade, em confronto

    com o governo central.

    A maior oposio ao governo estadual veio do movimento operrio, or-

    ganizado pelos anarquistas atravs de passeatas, sabotagens, greves e artigos

    em jornais. O movimento envolvia ao de sindicatos de categorias de traba-

    lhadores, provocando a violenta represso da polcia, com priso, deportao e

    morte. A Federao Operria do Rio Grande do Sul aproveitou a greve dos

    funcionrios da Viao Frrea para desencadear uma greve geral que paralisou

    o Estado, obrigando o governador Antnio Augusto Borges de Medeiros a

    negociar com a comisso dos grevistas, aceitando a baixa o preo dos trans-portes, do po, do arroz e do feijo, s no a diminuir a jornada de trabalho

    porque isto seria uma negociao com os patres.

    Conforme a doutrina positivista, a mulher deveria ocupar o espao do-

    mstico, pois ela seria a guardi da moral da famlia, com a misso de ter fi-

    lhos e educ-los para formar cidados. Os anarquistas lutaram pela emancipa-

    o da mulher, inclusive para que ela recebesse o mesmo salrio dos homens,

    quando desempenhando a mesma funo, e no apenas 50% do salrio, como

    eram de praxe. Em 1919 foi preparada nova greve, mas a polcia prendeu an-

    tecipadamente os chefes grevistas, esvaziando o movimento.

    Em 1921 o Rio Grande do Sul entrou em crise com o baixo preo do ga-

    do pago pelos frigorficos Swift e Armour, com os altos preos do frete da Vi-

    ao Frrea recm encampada, pela retirada de capital, por parte do Estado,

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    21/25

    para encampao da companhia que construiu o porto e os molhes de Rio

    Grande. Em 1923, a oposio pegou em armas contra a eleio fraudulenta de

    Borges de Medeiros, esperando a interveno federal. Novamente no havia

    um chefe geral das operaes blicas, tropas mal armadas e mal preparadas

    percorriam o interior do Estado, sem condies de ocupar por longo tempo as

    prefeituras invadidas. O governador Borges de Medeiros usou o telgrafo para

    o comando e o trem para o deslocamento rpido das tropas.

    A paz de Pedras Altas, assinada em 7.11.1923, estabeleceu que Borges de

    Medeiros, assim que terminasse seu mandato, indicaria um candidato neutro

    para as prximas eleies.

    Os operrios estavam marginalizados na sociedade castilhista-positivista,

    por suas condies de trabalho e de vida. Predominava o paternalismo nas re-

    laes entre empregado e patro. O governo s intervinha no movimento ope-

    rrio, porque considerava a questo social como caso de polcia. Por este mo-

    tivo as revoltas de 1893 e de 1923, no apresentaram reivindicaes sociais outrabalhistas. Como sempre, os polticos se afastaram das causas sociais do po-

    vo brasileiro.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    22/25

    O movimento operrio contou com a imprensa anarquista.

    Na dcada de 1920 a sociedade brasileira mudava rapidamente com a ur-

    banizao, que ampliou os setores secundrio e tercirio proporcionando no-

    vos empregos, inclusive para as mulheres. O rdio e o cinema trouxeram no-

    vos valores de culturas estrangeiras, o movimento anarquista questionou a re-

    ligio e criticou o governo, os imigrantes foram incorporados economia na-

    cional gerando nova crise scio-poltica, pois os polticos continuavam os

    mesmos sem conseguir apresentar solues, cuidando apenas de se manteremno poder e dos interesses dos grupos.

    o momento em que na Europa se questiona a validade da democracia,

    considerada como ineficiente e morosa para buscar solues crise mundial

    gerada pela quebra da Bolsa de Valores de New York, que atingiu os Estados

    exportadores de caf, como So Paulo e Minas Gerais.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    23/25

    No cenrio nacional, Minas Gerais possua o maior eleitorado do Brasil;

    So Paulo era a grande fora econmica e poltica, sua fora militar estava

    bem armada; o Rio de Janeiro tinha o poderio econmico por causa do porto e

    de seu parque industrial; o Rio Grande do Sul possua poder poltico com o

    Partido Republicano militante e coeso, o poder militar com a Brigada Militar

    bem armada e preparada, e a economia forte e em desenvolvimento. Conside-

    rando estes fatores, Antnio Carlos, governador de Minas Gerais, apresentou

    Getlio Vargas como candidato presidncia da Repblica e Joo Pessoa co-

    mo vice-presidente. Teoricamente os eleitores de Minas Gerais, do Rio Gran-

    de do Sul e do Nordeste poderiam eleger Vargas, mas todos sabiam que as

    eleies eram fraudadas e que dariam a vitria a Jlio Prestes, candidato de

    Washington Lus.

    Como reflexo dessa sntese sobre a poltica externa brasileira que envol-

    veu o Rio Grande do Sul na luta pelo equilbrio poltico na regio platina,

    conclumos que o povoamento e o avano territorial empurraram a fronteiraem direo ao oeste at o rio Uruguai e ao sul at o Quarai e Jaguaro. A soci-

    edade organizada sem escolas e sem seminrio, baseada na pecuria, pois era

    fcil retirar o gado em caso de ataque do inimigo e tambm busc-lo no outro

    lado da fronteira, formou-se inculta e cruenta. As guerras contnuas banaliza-

    ram a morte, gerando relaes violetas que eclodiram nas lutas fratricidas,

    com o a Guerra Civil dos Farrapos e a Revoluo dos Maragatos, em 1893-95.

    Nas guerras e nos movimentos armados, os polticos sempre abandona-

    ram o povo, no atendendo suas reivindicaes e nem dando proteo nos

    momentos de crise e de invaso do territrio. As lutas constantes, desde o pe-

    rodo colonial deram uma identidade ao sul-rio-grandense que ser revela nas

    relaes com os demais brasileiros, no hino estadual, no uso da bandeira e na

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    24/25

    maneira de ser. Lutou-se para ser brasileiro nos conflitos externos e pela pai-

    xo poltica nos conflitos internos.

    Moacyr Flores

    Possui graduao em Histria pela Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio Grande do Sul (1964) e doutorado em Histria pe-

    la Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (1993).

    Atualmente professor titular da Pontifcia Universidade Catlica

    do Rio Grande do Sul. Tem experincia na rea de Histria, com

    nfase em Histria do Brasil.

    Bibliografia

    ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposies e a Revoluo de 23. Porto Alegre:

    Mercado Aberto, 1981.

    CALGERAS, J. Pandi. A poltica exterior do Imprio. Rio de Janeiro: Imprensa Ofici-

    al, 1928.

    CASTRO, Celso. (Organizador). Nova histria militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV,

    2004.

    DOBERSTEIN, Arnoldo W. Porto Alegre, 1900-1920. Estaturia e Ideologia. Porto A-

    legre: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

    DOURADO, ngelo. Os voluntrios do martrio. Porto Alegre: Martins, 1977.

    FLORES, Moacyr. Histria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ediplat, 2006, 8 edi-

    o.

  • 7/29/2019 RS - Guerras e Conflitos

    25/25

    FLORES, Moacyr/FLORES, Hilda A. H. - Rio Grande do Sul: aspectos da Revoluo de

    1893. Porto Alegre: Martins, 2005. 3 edio.

    SOARES, Jos Carlos de Macedo. Fronteiras do Brasil no regime colonial. Rio de Janei-

    ro: Jos Olmpio, 1939.

    VIANA, Francisco Jos Oliveira. O ocaso do imprio. Braslia: Senado Federal, 2004.

    VIANNA, Hlio. Histria diplomtica do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito,

    1958.