conferência estadual de segurança alimentar e nutricional ... · no presente texto discorreremos...

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Por um Desenvolvimento com Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional com Sustentabilidade. Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais. 4 ª Caderno de Textos Belo Horizonte, março de 2007.

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Por um Desenvolvimento com Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

com Sustentabilidade.

Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais.4ª

Caderno de Textos

Belo Horizonte, março de 2007.

umário

Diretriz I A Promoção e Incorporação do Direito à Alimentação Adequada nas Políticas Públicas Joaquina Júlia Martins / Marco Antonio Dieguez

Diretriz II A Promoção do Acesso à Alimentação de Qualidade e de Modos de Vida Saudável José Divino Lopes Filho

Diretriz III A Promoção da Educação Alimentar e Nutricional Elido Bonomo

Diretriz IV A Promoção da Alimentação e Nutrição Materno-infanto-juvenil Ann Kristine Jansen

Diretriz V O Atendimento Suplementar e Emergencial a Indivíduos ou Grupos Populacionais em Situação de Vulnerabilidade Nilce Heloísa Campos de Araújo

Diretriz V O Atendimento Suplementar e Emergencial a Indivíduos ou Grupos Populacionais em Situação de Vulnerabilidade Flávia de Oliveira Nascimento Silva

Diretriz VI O Fortalecimento das Ações de Vigilância Sanitária dos Alimentos Beatriz Leandro de Carvalho

Diretriz VII O Apoio à Geração de Emprego e Renda Gilberto Boaventura / Joaquina Júlia Martins

Diretriz VIII A Preservação e a Recuperação do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos Dany Sílvio Amaral

Diretriz IX O Respeito às Comunidades tradicionais e aos Hábitos Alimentares Saudáveis Maria Aparecida de Souza

Diretriz X A Promoção da Participação Permanente dos Diversos Segmentos da Sociedade Civil Meiry Andréa Borges David

Diretriz XI A Municipalização das Ações Gildázio Alves dos Santos

Diretriz XII A Promoção de Políticas Integradas para Combater a Concentração Regional de Renda e a Conseqüente Exclusão Social Nadja Maria Gomes Murta / Celi Márcio Santos

Diretriz XIII O Apoio à Reforma Agrária e ao Fortalecimento da Agricultura Familiar Ecológica Celi Márcio Santos / Marco Antonio Dieguez

SS4 Joaquina Júlia Martins / Marco Antonio Dieguez

Elido Bonomo

José Divino Lopes Filho

Ann Kristine Jansen

Nilce Heloísa Campos de Araújo

Flávia de Oliveira Nascimento Silva

Beatriz Leandro de Carvalho

Gilberto Boaventura / Joaquina Júlia Martins

Dany Sílvio Amaral

Maria Aparecida de Souza

Meiry Andréa Borges David

Gildázio Alves dos Santos

Nadja Maria Gomes Murta / Celi Márcio Santos

Celi Márcio Santos / Marco Antonio Dieguez

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iretriz IDDA PROMOÇÃO E INCORPORAÇÃO DO DIREITO

À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

No âmbito do Estado de Minas Gerais a segurança alimentar e nutricional sustentável – SANS é respaldada por uma legislação básica que versa sobre a política estadual de SANS. A lei 15982, de 200�, dispõe que o poder público deve garantir o direito à segurança alimentar e nutricional sus-tentável em toda a extensão do território estadual. No intuito de garantir este direito, a lei defi ne 13 diretrizes que orientam e regem a política estadual de SANS. No presente texto discorreremos sobre a primeira destas diretrizes, “A promoção e incorporação do direito à alimentação adequada nas po-líticas públicas”. Nosso objetivo em discuti-la não é o de esgotar o tema sobre o qual se fundamenta, mas sim suscitar questões e fomentar o debate acerca do Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA no âmbito das políticas públicas.

Como pressuposto inicial salienta-se que falar de “promoção e incorporação do direito à ali-mentação adequada nas políticas públicas” requer o reconhecimento e articulação de três conceitos básicos: Direitos Humanos, Direito Humano à Alimentação Adequada e Políticas Públicas. Os desdo-bramentos destes conceitos são convergentes na estruturação de uma política de segurança alimentar e nutricional sustentável.

O tema dos Direitos Humanos tem sido debatido nos diversos segmentos, seja acadêmico, go-vernamental e outros. Mas, para MORELLI3, a noção atual sobre direitos humanos como um conjunto de prerrogativas que todos os indivíduos possuem por serem parte da espécie humana tem sua fun-damentação na Declaração do Homem e Cidadão da Revolução Francesa, na Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas e demais tratados. São reconhecimentos de princípios inerentes à natureza humana e que, por isso, são universais, indivisíveis e interdependentes aplicados a todas as pessoas do mundo, invioláveis, exigindo respeito incondicional, e sobrepõem as normas estabelecidas pelos Estados signatários, devendo estes respeitá-los.

Nos direitos humanos afi rma-se e reconhece-se que todo ser humano tem direito a um desen-volvimento humano digno. E que para se desenvolver dignamente é necessário terem supridas as necessidades humanas básicas, como a alimentação, nutrição e outras. Segundo o Ministério Público Federal4, essas duas necessidades básicas e suas correspondentes foram normatizadas internacional-mente e ratifi cadas pelo Brasil como Direito Humano à Alimentação Adequada - DHAA5 após consta-tação em nível mundial que o alimento era usado como forma de afi rmação de poder e dominação de um ser humano sobre outro e de um Estado sobre o outro.

1 Assessora Técnica do CONSEA-MG; graduada em Direito e pós-graduada em Direito Criminal.

2 Assessor Técnico do CONSEA-MG; Psicólogo e mestrando em Bioética pela Universidade Católica Argentina. ([email protected])

3 MORELLI, Mariano G. Bioderecho: elementos de introducción y filosofía del derecho. Apuntes del Master en Bioética UCA – 2006.

4 Ministério Público Federal – Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Manual de Direito Humano à Alimentação Ade-quada. Portaria PFDC Nº 001/04. (mimeo.)

� Consultar Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 2� e Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Cul-turais - PIDESC, artigo 11.

Joaquina Júlia Martins1 / Marco Antonio Dieguez2

Segundo o CONSEA�, o DHAA só é assegurado quando, indistintamente, homens, mulheres e crianças têm acesso físico e econômico, em todos os momentos, à alimentação adequada, ou meios para sua obtenção. O acesso a alimentos saudáveis e seguros deve ser estável e permanente, em quantidade sufi ciente, culturalmente aceitos, produzidos de forma sustentável e sem prejuízo ao aces-so a outros direitos para as presentes e futuras gerações.

todo ser humano é, portanto, titular deste direito. Entretanto, segundo MORELLI�, toda pessoa portadora de direito é implicitamente portadora de obrigações, ou seja, direito e dever são duas con-cepções intrínsecas. Cabe ao Estado, através de seus poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o pa-pel de garantir vias e condições para assegurar o DHAA. Mas cabe ao portador destes direitos o com-promisso no ativo papel de parceiro no zelo dos mesmos e mobilizar-se na sua garantia e efetividade.

A união destas duas instâncias, Estado e sujeitos de direito, tem sido efetuado através do plane-jamento e execução de políticas públicas. Apesar de não se ter um conceito unânime sobre políticas públicas, GUEDES8 aponta que as mesmas se confi guram como ações que o governo implementa para todos os membros da sociedade.

GUEDES aponta ainda que as políticas públicas emergem da parceria entre sociedade civil or-ganizada e o governo, que pensam e planejam juntos como os recursos do Estado serão utilizados, e como será a atuação governamental e da sociedade em áreas específi cas, bem como a forma pela qual os serviços serão prestados à população em geral.

Completando este pensamento, Cunha e Cunha9 apontam que as políticas públicas formam linhas de ação coletiva que concretizam os direitos sociais declarados e garantidos em lei. É median-te as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade de mudanças na situação de vulnerabilidade social ou outras de grupos e ou segmentos da sociedade dentro do espaço social. Por isso, o direito que as fundamenta é um direito social assegurado pela Constituição da República10 que traz como fundamento “a dignidade da pes-soa humana”.

Se a política pública envolve os segmentos Estado e Sociedade Civil, tanto para execução, como para planejamento, sua agenda é aberta para envolver um conjunto de atores que a disputam buscando objetivos específi cos. Neste caso, o objetivo é de se combater a fome em respeito ao DHAA, com vias de se garantir um estado de segurança alimentar e nutricional e um desenvolvimento humano digno.

Neste contexto, o poder público se manifesta enquanto ente responsável para garantir a efe-tividade da política, de modo a respeitar, proteger, promover e prover o DHAA. A promoção e in-corporação do DHAA nas políticas públicas se realizam por meio do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, instituído pela Lei Orgânica Nacional de Segurança Alimentar e Nu-tricional - LOSAN, que tem a fi nalidade de articular uma política nacional de SAN. Já em Minas Gerais esta incorporação foi consolidada com a Lei 15.982, de 200�, que institui o Sistema Estadual de SANS integrado pelo CONSEA-MG, a Coordenadoria Geral da Política Estadual de SANS e os Conselhos Municipais de SANS - COMSEAs.

6 CONSEA. Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional. Brasília: Positiva, 2004.

7 MORELLI, Mariano G. Elementos de teoria general del derecho. Apuntes del Master en Bioética UCA – 2006.

� GUEDES, Pedro H. O que são políticas públicas. Disponível em: http://www.ybnews.org.br/system=news&action=read&id=��6&eid=231

9 CUNHA, E.da P. e CUNHA, E.S.M. Políticas Públicas Sociais. In: CARVALHO. A. et al. Políticas Públicas. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

10 MEDAUAR, Odete. Constituição República Federal. 6 ed. S/L: RT, 2006

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iretriz IIDDA PROMOÇÃO DO ACESSO À ALIMENTAÇÃO DE QUALIDADE

E DE MODOS DE VIDA SAUDÁVEL

O verbo “promover” signifi ca “fazer que se execute, que se ponha em prática; favorecer o pro-gresso de; fomentar”. São signifi cados que implicam ação continuada, isto é, processo decorrente de atitudes e atividades que não devem sofrer interrupções até que se atinjam as metas pretendidas. Já “alimentação de qualidade” refere-se à prática alimentar, social e culturalmente determinada2, capaz de prover os indivíduos de uma quantidade sufi ciente de alimentos seguros e nutritivos, que satisfa-çam as suas necessidades alimentares e os protejam de enfermidades, favorecendo uma vida ativa e saudável.

Quanto ao entendimento de “modos de vida saudáveis”, os mesmos podem ser entendidos como a incorporação, no cotidiano das pessoas, de certos hábitos reconhecidamente associados à manutenção de um adequado nível de saúde. Dentre esses hábitos estão: atividade física, ausência do tabagismo e consumo limitado de bebidas alcoólicas.

Assim, quando a segunda diretriz da lei 15.9823 recomenda a promoção do acesso à alimen-tação de qualidade e de modos de vida saudável, entende-se que haja esforços dos governos e da sociedade que favoreçam os indivíduos a terem uma alimentação adequada, bem como hábitos sau-dáveis que os protejam contra doenças e outras situações que deterioram a qualidade de vida. Com uma freqüência cada vez maior, os estudos e pesquisas têm demonstrado a estreita relação entre hábitos alimentares e estilo de vida saudável e a ocorrência de doenças, especialmente as doenças não-transmissíveis (obesidade, câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, osteoporose, etc.). Além disso, bons hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis contribuem para garantir o crescimento e desenvolvimento adequado de crianças e de adolescentes.

Em que consiste uma alimentação saudável? Para os brasileiros, a referência mais adequada para se conhecer minuciosamente o que é e quais são as vantagens de uma alimentação saudável é o Guia Alimentar para a População Brasileira4, uma publicação da Coordenadoria Geral da Política de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde. Por este Guia, as recomendações dietéticas para população e indivíduos fundamentam-se nos seguintes princípios:

1 – Manutenção do Balanço Energético e do Peso Saudável, através da redução do consu-mo de alimentos de alta densidade calórica (doces, frituras, salgadinhos, bebidas açucaradas, etc.); aumento regular da atividade física; aumento da ingestão de fi bras (presentes em frutas, verduras, alimentos integrais,...) e aumento da ingestão de frutas e vegetais.

1 Nutricionista (UFV). Doutor em Saúde Pública (USP). Professor Adjunto da UFMG. [email protected]

2 Santos LA da S. O Campo das práticas Alimentares no âmbito da Nutrição. Revista CFN. 2006; ano V, n.20: 6-7.

3 Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (CONSEA/MG). Lei 1�.9�2/2006: Política Esta-dual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais. Disponível em: http://www.consea.mg.gov.br/lei_1�.9�2_2006.asp

4 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia Alimentar para a População Brasileira: Promovendo a alimentação Saudável. Brasília, 2006, 210p. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/nutricao/documentos/guia_alimentar_conteudo.pdf

José Divino Lopes Filho1

A construção dos sistemas municipais de segurança alimentar e nutricional sustentável torna-se um dos pilares para a promoção e incorporação do DHAA nas políticas públicas, por aproximar os sujeitos de direitos no seu monitoramento.

Ressaltamos, ainda em Minas Gerais, as Comissões Regionais de SANS – CRSANS, organizadas in loco para serem instrumentos de promoção, incorporação e garantia de participação social, a fi m de se facilitar o acesso às informações nas realizações e monitoramento das políticas de SANS e incorpo-rar práticas sistemáticas das comunidades organizadas nas ações governamentais.

A promoção e a garantia do DHAA passa pela implementação de políticas públicas que envol-vem diversos fatores, como o apoio à agricultura familiar, à reforma agrária, à vigilância sanitária dos alimentos, alimentação escolar e outras. Entretanto, para consecução destas políticas públicas é fun-damental que o Estado, enquanto detentor da obrigação, institua e disponibilize ao sujeito de direitos instrumentos que lhes garantam exigir suas realizações administrativas e/ou judiciais e monitorar casos de possíveis violações ao DHAA.

Assim, o sujeito de direitos terá como exigir que o Estado cumpra suas obrigações legais, seja administrativamente por meio dos Gestores (secretaria, escolas, etc.), ou através das ouvidorias, cor-regedorias, das Comissões Legislativas de Direitos Humanos; ou através do Ministério Público - insti-tuição incumbida da defesa da ordem jurídica, regime democrático e interesses sociais e individuais indisponíveis.

A Defensoria Pública é outra instituição essencial à função da justiça e garantidora de direitos quanto à orientação jurídica e defesa dos necessitados, de forma integral e gratuita aos que compro-varem insufi ciência de recursos.

Por fi m, ressaltamos que pensar em DHAA e Políticas Públicas, além de nos remontar ao Estado como provedor deste direto, nos faz pensar igualmente que vale a vontade de cada cidadão em pro-mover e garantir o DHAA nas políticas públicas de Estado, pois, só assim, há que se falar em direito e cidadania.

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2 – Limitar consumo total de gorduras, substituir o consumo de gorduras saturadas por insa-turadas e eliminar o consumo de gorduras hidrogenadas (trans). Isto é, substituir o toucinho, banha e outras gorduras pelos óleos vegetais. Para serem utilizados pela indústria de alimentos, os óleos vegetais sofrem alterações químicas e se convertem em “gordura trans”, altamente prejudiciais para a saúde. Ao serem adquiridos, os alimentos industrializados, ricos em gordura, devem estar isentos de gordura trans, sendo que esta informação deve constar no rótulo do produto.

3 – Aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras e de cereais integrais. A Organi-zação Mundial de Saúde recomenda consumo mínimo diário de 400g de frutas, legumes e verduras. Essa atitude está associada à obtenção dos seguintes benefícios: efeitos na prevenção da obesidade; aumento da ingestão de fibras; efeitos na prevenção do diabetes tipo 2; efeitos na prevenção das do-enças cardiovasculares; efeitos na prevenção do câncer.

4 – Limitar o consumo de açúcares livres. Refere-se especialmente ao açúcar utilizado nos do-micílios e indústrias para adoçar bebidas e preparações de diversa natureza.

5 – Limitar o consumo de sódio e garantir a iodação. Significa reduzir o consumo do sal de cozinha e, ao usá-lo, exigir que o mesmo esteja enriquecido com o iodo, nutriente essencial para o organismo.

6 – Manter-se suficientemente ativo durante toda a vida. A prática regular de 30 minutos de atividade física de moderada intensidade, na maior parte dos dias, reduz o risco de doenças cardio-vasculares e diabetes, câncer de cólon e de mama. O treinamento de resistência muscular e equilíbrio podem reduzir quedas e aumentar a capacidade funcional nos idosos.

A estas recomendações unem-se duas outras:

7 – Redução do consumo de bebidas alcoólicas. O consumo de álcool não é recomendado por motivos nutricionais e sociais. O seu consumo em excesso pode provocar problemas como violência, suicídio, acidentes de trânsito, causar dependência química e outros problemas de saúde como des-nutrição, doenças hepáticas, gastrintestinais, cardiovasculares, respiratórias, neurológicas e do sistema reprodutivo. Interfere também no desenvolvimento fetal e ainda aumenta o risco de desenvolvimento de vários tipos de câncer.

8 – Eliminar o consumo de tabaco. O consumo do cigarro ou outros produtos derivados do tabaco é prejudicial à saúde e mata cerca de 5 milhões de pessoas por ano no mundo, 200 mil no Brasil. O tabagismo é amplamente reconhecido como uma doença crônica gerada pela dependência da nicotina. No âmbito da política de saúde, deve-se atentar para o Programa Nacional de Controle do Tabagismo que orienta suas ações a partir das seguintes estratégias: prevenção da iniciação do ta-bagismo, tendo como público-alvo crianças e adolescentes; ações para estimular os fumantes a deixar de fumar; adoção de medidas que visam proteger a saúde dos não-fumantes, expostos à fumaça do tabaco em ambientes fechados; implementação de medidas que regulam os produtos de tabaco e sua comercialização.

No contexto das ações de segurança alimentar e nutricional sustentável, que estratégias devem ser desenvolvidas para que se garanta a “a promoção do acesso à alimentação de qualidade e de mo-dos de vida saudável”? No plano das políticas públicas é imprescindível: erradicar a pobreza, visto que um grande número de pessoas não tem acesso a alimentos de qualidade e quantidade convenientes5; assegurar a disponibilidade qualitativa e quantitativa de alimentos a todos, através de mecanismos de estímulos à produção e distribuição de alimentos, tendo como base a sustentabilidade deste proces-

� FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations. Declaração de Roma Sobre a Segurança Alimen-tar Mundial e Plano de Ação da Cimeira Mundial da Alimentação. Roma, 13-17 de Novembro de 1996. Disponível em: http://www.fao.org/docrep/003/w3613p/w3613p00.htm

so; dirigir, concomitante com a disponibilização de alimentos, ações de educação nutricional para a população urbana e rural; instituir mecanismos ágeis de vigilância alimentar e nutricional de tal forma que seja possível detectar e tomar decisões de intervenção, diante de situações de vulnerabilidade alimentar e nutricional.

No contexto da sociedade civil organizada, um conjunto de ações pode ser concebido e de-senvolvido, não apenas na perspectiva de pressionar os poderes públicos a atuarem positivamente na promoção de hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis, como também na perspectiva de forta-lecimento da cidadania, tendo em vista que a segurança alimentar e nutricional é um direito absoluto, intransmissível, indisponível, irrenunciável, imprescritível e de natureza extrapatrimonial.

As seguintes ações podem contribuir para a promoção do acesso a hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis: promover a discussão do direito à alimentação adequada nos fóruns comunitários; estimular e promover ações de educação nutricional na comunidade; promover o controle social de mecanismo de monitoramento do nível de insegurança alimentar da população; criar fóruns perma-nentes de discussão e observação do abastecimento alimentar e situação nutricional de comunidades urbanas e rurais; acompanhar as ações governamentais de vigilância alimentar e nutricional da popu-lação, exigindo relatórios regulares de suas atividades; cobrar, através dos fóruns constituídos, o forta-lecimento das ações de vigilância sanitária dos alimentos; apoiar e propor mecanismos de geração de emprego e renda, de preservação e recuperação do meio ambiente e dos recursos hídricos; debater e estimular o respeito às comunidades tradicionais e aos hábitos alimentares locais.

Portanto, a promoção do acesso à alimentação de qualidade e de modos de vida saudável é uma diretriz meio e fim da busca pela segurança alimentar e nutricional. Nos termos evocados pelas diretrizes voluntárias expressas pela FAO:

existe segurança alimentar quando todas as pessoas têm, em todo o mo-mento, acesso físico e econômico a uma quantidade suficiente de alimen-tos seguros e nutritivos para satisfazer as suas necessidades alimentares e suas preferências em relação aos alimentos, a fim de levar uma vida ativa e saudável. Os quatro pilares da segurança alimentar são a disponibilidade, a estabilidade do abastecimento, o acesso e a utilização�.

6 Comitê de Segurança Alimentar Mundial. Diretrizes Voluntárias em apoio à realização progressiva do direito humano à alimen-tação adequada no contexto da segurança alimentar nacional, Roma, 20-23 de setembro de 2004. – Brasília: Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH), 200�. 44p.

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A PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃOALIMENTAR E NUTRICIONAL

É incontestável a importância da alimentação saudável e adequada, completa, variada e agradá-vel ao paladar para a promoção da saúde, sobretudo para os jovens, em fase de crescimento, e para a prevenção e controle de doenças crônicas não transmissíveis, cuja prevalência vem aumentando signifi cativamente.

O componente “adequada” deve expressar os aspectos do desenvolvimento social e econô-mico baseado no modelo de produção de alimentos que expresse a soberania alimentar. Ao mesmo tempo, que estimule a revalorização de métodos tradicionais de manejo e gestão ambiental baseados nos conhecimentos acumulados de populações locais em sua íntima convivência com o meio natural. Neste sentido, a opção agroecológica deve ser referência de construção de modelo de produção de alimentos que promovam a alimentação adequada e saudável.

Embora distintos, os adjetivos adequada e saudável se complementam. O termo saudável ex-pressa a dimensão biológica, enquanto o adequado está explícito no comentário geral nº 12 dos Direitos Econômicos e Sociais, abrangendo outras dimensões como cultura, prazer, hábitos, comensa-lidade, regionalidade, etnia, gênero, além do acesso, da sustentabilidade e da biodiversidade.

Estudos recentes advertem para o padrão de consumo alimentar do brasileiro com baixa inges-tão de frutas, legumes, hortaliças. E apontam alta ingestão de sal, de gorduras em geral e saturadas e de açúcar, o que potencializa como fator de risco para as doenças como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemias, obesidade e certos tipos de câncer que estão relacionados à dieta.

Assim, o incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras constitui-se no pilar de discussão e organização dos debates na perspectiva de se atingir uma alimentação adequada e saudável. No entanto, necessita ser abordada a questão dos impactos do uso de agrotóxicos, a dos transgênicos, a rotulagem de alimentos e a necessidade de se garantir o princípio da precaução, tendo em vista os riscos para a saúde da população e o meio ambiente, conforme as diretrizes da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

À luz desse debate, o CONSEA Nacional, através do Gt Alimentação Saudável da Câmara téc-nica de Saúde e Nutrição2, apresentou o seguinte conceito:

A alimentação adequada e saudável é o direito ao acesso e à garantia per-manente de alimentação variada, equilibrada, moderada, prazerosa, livre de contaminantes físicos, químicos, biológicos e de organismos geneticamente modifi cados, pautada no referencial tradicional e cultural local, provida de for-ma socialmente justa e ambientalmente sustentável, capaz de transmitir pelo ato de comer as propriedades nutritivas e quimio-protetoras dos alimentos.

1 Nutricionista docente da UFOP. Mestre em saúde pública área de epidemiologia. Doutorando em Ciências da Saúde área de concentração em Saúde da Criança e do Adolescente da UFMG. Conselheiro do CONSEA nacional e mineiro, do CAE estadual e do CRN4.

2 GT de alimentação saudável e adequada - CT de Saúde e Nutrição - Consea Nacional - site: www.planalto.gov.br/consea.

Élido Bonomo1

iretriz IIIDD O incentivo ao resgate do patrimônio alimentar de populações e à valorização do componente simbólico-cultural na representação do alimento, alimentação e comida, tem sido considerado como principal recomendação para a promoção da alimentação adequada e saudável.

A alimentação adequada é um direito básico, reconhecido no Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais, em 19��, do qual o Brasil é signatário. Como princípio, está consubstanciado segundo o Comitê dos Direitos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (ONU) em 1999, em seu Comentário nº 12 como “alcançado quando todos os homens, mulheres e crianças, sozinhos ou em comunidades com outros, têm acesso físico e econômico, em todos os momentos, à alimentação adequada ou a meios para a sua obtenção.” Neste sentido, a dimensão de acesso à ali-mentação adequada está acima de qualquer outra razão que possa tentar sua negação.

No conceito de Segurança Alimentar e Nutricional já conhecido, incorpora-se o princípio que supera a dimensão meramente biológica e valoriza o componente nutricional dos alimentos, amplia a visão que os alimentos e a alimentação humana devem expressar, os requisitos de disponibilidade, sustentabilidade social, econômica e ambiental a partir da diversidade cultural da nação brasileira. O conceito de SAN se relaciona ainda com o da soberania alimentar segundo o qual cada país tem o direito de defi nir as suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e con-sumo de alimentos na perspectiva da promoção do direito humano à alimentação adequada.

Assim, considerando que a nutrição é a base sobre a qual se desenvolvem todos os processos fi siológicos e patológicos, que nenhum mecanismo no organismo ocorre sem que haja um componen-te nutricional envolvido e ainda que o papel primordial da nutrição é o da promoção, manutenção e recuperação da saúde, pressupõe-se a necessidade de um adequado preparo dos profi ssionais da área de saúde em relação ao assunto.

Portanto, deve-se priorizar a educação nutricional e alimentar como principal estratégia de pro-moção da alimentação adequada e saudável nas ações governamentais e não-governamentais en-volvidas no tema e na SAN. todavia, deve-se levar em conta que programas verticais de Educação Alimentar e Nutricional conduzem a certo descrédito, segundo estudiosos3, dizendo que a responsabi-lidade direta dos profi ssionais da área de nutrição, com possibilidade de ação efetiva e cotidiana, está nos serviços de saúde.

Entretanto, entendemos que uma abordagem direta por profi ssionais que têm essa qualifi cação na sua formação poderá contribuir decisivamente para o sucesso do programa, desde que tenha a concepção que as mudanças de hábitos alimentares estão associadas a outras mudanças necessárias nos componentes social, cultural, econômico e político.

Embora vários espaços institucionais ou não possam se transformar ou serem utilizados no pro-cesso de educação alimentar e nutricional, cabe-nos chamar a atenção para a responsabilidade do estado brasileiro em promover e prover políticas públicas, com pessoal qualifi cado e com formação no tema em questão, para que tenhamos êxito nos programas preventivos sobre mudanças nos hábitos alimentares da população na perspectiva da alimentação saudável e adequada.

3 Consultar: BOOG, M.V.F. Educação nutricional em serviços públicos de saúde. Cad. Saúde Pública, RJ, 1�(supl.2):139-147. 1999.

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A PROMOÇÃO DA ALIMENTAÇÃO E DA NUTRIÇÃOMATERNO-INFANTO–JUVENIL

Antes de abordar o tema da promoção da saúde por meio de uma alimentação e nutrição ade-quadas, é importante entender a situação nutricional das crianças, adolescentes e gestantes no Brasil e sua condição de vida. Dados do IBGE2 mostram que a taxa de mortalidade infantil vem caindo. Há mais casas com água, esgotamento sanitário adequado, iluminação elétrica e coleta de lixo. A popu-lação tem mais acesso à educação e saúde levando a um aumento da longevidade e à redução na prevalência da desnutrição de crianças, adolescentes e gestantes, além de aumento na estatura de adolescentes.

No entanto, continuam existindo profundas desigualdades sociais e regionais e a exclusão de parcelas signifi cativas da população tem sido forte obstáculo à redução mais signifi cativa dos níveis de mortalidade infantil e de desnutrição.

Isto pode ser ilustrado por meio dos dados de défi cit de peso em crianças menores de 5 anos, população mais vulnerável a defi ciência nutricional. Enquanto a média nacional de baixo peso é de 4,�%, a média de défi cit de baixo peso nas crianças pertencentes a famílias que recebem até ¼ de salário mínimo per capita é de 11,9% 3. Ou seja, enquanto em algumas regiões e alguns estratos so-ciais há fortes indícios de que há uma presença residual da desnutrição infantil, em outros o problema continua sendo grave. Além disto, outros transtornos nutricionais atingem nossas crianças, tais como: carências específi cas como a defi ciência de vitamina A e principalmente de ferro que está longe de ser resolvida.

Paralelo à existência de defi ciências alimentares, problemas relacionados ao consumo alimentar excessivo e à atividade física insufi ciente têm sido freqüentes, principalmente em escolares e ado-lescentes de todas as regiões e estratos econômicos, onde observamos um crescimento intenso na prevalência de sobrepeso e obesidade.

Portanto nossas crianças, gestantes e adolescentes convivem com dois problemas distintos, mas ambos relacionados à insegurança alimentar: por um lado a defi ciência e, por outro, o excesso alimentar.

Assim, ao abordarmos o tema Promoção da Alimentação e Nutrição, deve estar claro que este deve ser abordado do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Ou seja, não basta pensarmos e re-solvermos o problema da defi ciência de nutrientes, mas também do excessivo consumo de calorias, gorduras e açúcares que levam à obesidade e seus problemas associados. Neste sentido, a problemá-tica deve ser abordada, enfocando tanto a questão da maior disponibilidade de alimentos saudáveis e de custo acessível, como também se deve promover um estilo de vida saudável, caso contrário nossas crianças desnutridas de hoje serão obesas amanhã.

1 Nutricionista; Doutora em Nutrição (UNIFESP); professora adjunta da UFMG, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfer-magem Básica, Curso de Nutrição. [email protected]

2 Brasil. IBGE. Brasil em Síntese. Disponível em www.ibge.gov.br

3 Brasil. IBGE. Pesquisa de Orçamento Familiar 2002/2003. Medidas Antropométricas de Crianças e Adolescentes. Disponível em www.ibge.gov.br

Ann Kristine Jansen1

iretriz IVDD Segundo o Ministério da Saúde, promoção da saúde signifi ca capacitar a comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação neste processo4. Nes-te sentido, para crianças e mães, promover saúde e nutrição adequada, inicia-se por meio do estímulo ao aleitamento materno. Este deve ser exclusivo (sem água nem chá) até os 5 a � meses de idade, e, após, deve-se introduzir alimentação complementar apropriada, continuando a amamentação até 2 anos de idade5. O aleitamento materno não somente previne a desnutrição e melhora a imunidade do bebê, mas reduz o risco de obesidade na infância. Além disso, é essencial para formação de bons hábitos alimentares como também auxilia a mãe a reduzir seus depósitos de gordura acumulados du-rante a gestação, juntamente com uma alimentação saudável e não excessivamente calórica durante a lactação.

A prática do parto normal, o alojamento conjunto e a garantia da exclusividade do aleitamento materno nas maternidades, bem como a criação de bancos de leite materno, são essenciais para o sucesso do aleitamento.

Mães sem vínculo empregatício, sem proteção da legislação trabalhista ou que trabalham como autônomas difi cilmente conseguirão amamentar seus fi lhos exclusivamente até � meses de idade. Neste caso deve-se prolongar o aleitamento exclusivo ao máximo, se possível, até pelo menos 3 a 4 meses. Após este período, a mãe deve procurar intercalar a amamentação com alimentos complemen-tares (papas de frutas e salgadas). O leite de vaca deve ter sua introdução retardada preferencialmente até o fi m do primeiro ano de vida, visto que o mesmo pode provocar alergias e sérios problemas de saúde ao bebê.

Os alimentos complementares devem ser variados, coloridos e introduzidos um por um. Frutas e verduras da época são mais nutritivas, além de mais baratas. Alimentos excessivamente doces, refrige-rantes e alimentos industrializados devem ser evitados, assim como as frituras e alimentos gordurosos5.

Nessa fase estamos ensinando a criança a comer, experimentar novos sabores e texturas. Isto requer tempo e paciência. Uma criança que recusa um alimento da primeira vez não signifi ca que ela não gostou, signifi ca que ela rejeitou simplesmente por ele ser diferente. Oferecer em até 10 mo-mentos diferentes pode ser necessário até que ela goste do sabor. Afi nal os sabores salgado, azedo e amargo somente são adquiridos ao longo da vida, por isto é fundamental que os oferecemos a criança para que ela possa aprender a gostar. Essa fase é vital para o resto da vida. Aprender a comer uma ali-mentação variada nos primeiros anos de vida levará a uma saúde melhor no futuro. Assim, o momento da alimentação não pode ser estressante e é fundamental que os demais membros da família sejam exemplo.

Durante toda a fase de crescimento e na gestação a alimentação deverá ser variada, utilizan-do ao máximo alimentos naturais, resgatando o sabor e o modo de preparo saudável e criativo, de múltiplas colorações, culturalmente valiosos, em quantidade e qualidade adequados, seguros para o consumo e acessível física e fi nanceiramente�, evitando o açúcar, o óleo (e gordura), o sal em excesso e os alimentos industrializados ricos nestes componentes, no entanto sem radicalismos e restrições muito severas.

As ações de promoção da alimentação e nutrição a serem implementadas em serviços públicos de saúde e educação devem considerar os aspectos abordados acima. A educação nutricional a ser desenvolvida junto a crianças, adolescentes, pais e gestantes deve possibilitar ao educando se auto-educar, despertar a consciência e a responsabilidade quanto a sua alimentação. Deve modifi car cren-

4 Brasil, Ministério da Saúde. As Cartas da Promoção da Saúde. Brasília, 2002.

� Brasil, Ministério da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Dez Passos para uma Alimentação Saudável: Guia Alimen-tar para Crianças Menores de 2 anos. Brasília, 2002.

6 Brasil. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira – Promovendo a Alimentação Saudável. Brasília, 200�

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ças, valores, atitudes, práticas e desenvolver estratégias para que o indivíduo possa mudar e melhorar seus hábitos alimentares. Para isto não basta o acesso, é fundamental a informação. Não é adequada a excessiva padronização de cardápios, pois estes devem ser individualizados e adaptados às diferen-tes realidades, visto que convivemos com dois problemas distintos: a desnutrição e a obesidade. E fi nalmente é essencial a regulamentação da comercialização de alimentos em unidades escolares e da propaganda de produtos alimentícios não saudáveis, potencialmente prejudicais à saúde, destinados a crianças e adolescentes. Esta regulamentação é de extrema importância, principalmente em relação àquelas veiculadas pela tV, visto que a população infantil é facilmente infl uenciável às informações, nem sempre verdadeiras, presentes nas propagandas.

iretriz VDDO ATENDIMENTO SUPLEMENTAR E EMERGENCIAL

A INDIVÍDUOS OU GRUPOS POPULACIONAIS EM SITUAÇÃODE VULNERABILIDADE

Os Direitos Humanos foram fi rmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e preconizam a indivisibilidade e interdependência, a universalidade, ou seja, sua aplicação a todos os homens indistintamente e o respeito à diversidade, não admitindo nenhum tipo de discriminação política, ética, cultural, religiosa e de gênero.

A alimentação é reconhecida como direito humano no Pacto Internacional sobre Direitos Eco-nômicos, Sociais e Culturais2, do qual o Brasil é signatário, e foi incorporado à legislação nacional em 19923.

Em 1999 o Comitê dos Direitos Econômicos e Sociais4 da Organização das Nações Unidas – ONU discorreu sobre alimentação da seguinte forma: O direito à alimentação adequada é alcançado quando todos os homens, mulheres e crianças, sozinhos, ou em comunidade com outros, têm acesso físico e econômico, em todos os momentos, à alimentação adequada ou meios para sua obtenção5.

O Comentário nº12 do Comitê dos Direitos Econômicos e Sociais indica a necessidade de ins-trumentos legislativos e judiciais que permitam a garantia desses direitos, bem como a defi nição de metas e estratégias para a alocação de recursos por meio de políticas públicas planejadas de forma transparente.

A preocupação com as culturas alimentares surge no Brasil já no século XVI e traz, desde a inter-rupção do tráfi co negreiro, ao abastecimento das comunidades européias em guerra, compromissos internacionais assumidos com a ONU� e problemas com o mercado interno de preços, a necessidade de intervenção pública no abastecimento.

No Brasil, de uma forma geral e especialmente antes da Constituição Federal de 1988, as políticas não geraram um sistema de proteção social, mas uma assistência de grande expressão fi nanceira, sem efi ciência e sem efi cácia. “Os programas compensatórios integram o arcabouço institucional das políticas sociais. Sua matriz tem origem na prática assistencialista, inicialmente em mão da Igreja”�. A precarieda-de e fragmentação da assistência não trouxeram nenhuma contribuição à necessária cidadania social, o que pode ser constatado pelo crescimento das regiões de pobreza e pela desigualdade social.

1 Assistente Social; Socióloga; Conselheira do CONSEA-MG.

2 Datado de 16 de dezembro de 1966.

3 Aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 226, de 12.12.1991. Assinado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Entrou em vigor no Brasil em 24.2.1992. Promulgado pelo Decreto n.º �91, de 6.7.1992

4 O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi instituído em 19�� pelo Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas a fim de controlar a aplicação, pelos Estados Partes, das disposições do Pacto Internacional sobre os Di-reitos Civis e Políticos.

� Comentário Geral n.º 12, sobre o direito a uma alimentação adequada - artigo 11.º do Pacto (adaptado na 20.ª sessão do Comitê, 1999).

6 Conferência de Hot Springs ( EUA) como base para a criação da Food and Agriculture Organizatio – FAO.

7 Texto para Discussão nº 74�, Combinando Compensatório e Redistributivo: o desafio das políticas sociais no Brasil,Ipea, Rio de Janeiro, 2000.

Nilce Heloísa Campos de Araújo1

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A partir da Constituição de 1988, a assistência social pela primeira vez adquire status de política pública e, juntamente com a saúde e a previdência social, passa a compor a seguridade social. Isso sig-nifica que deve ser prestada a todos que dela necessitarem, independentemente de contribuições.

Assim,

Se por um lado, a Constituição de 1988 trouxe a Seguridade Social e os direitos sociais para o campo da responsabilidade pública e da universaliza-ção dos acessos, por outro, o quadro social mais amplo caracteriza-se por uma perspectiva de retração dos investimentos públicos no campo social e pelo seu reordenamento e crescente subordinação das políticas sociais às políticas de ajuste da economia, com suas restrições aos gastos públicos e sua perspectiva privatizadora que transformam em simulacro as possíveis saí-das inovadoras estabelecidas constitucionalmente para a seguridade social. (YASBEK, 2004)8

Pobreza e exclusão social são situações que apresentam muitas dimensões e tendem a se mo-dificar em função das circunstâncias históricas, dos fatores econômicos, culturais, dentre outros. Na prática, a pobreza é associada à insuficiência de renda, de forma a não satisfazer as necessidades bá-sicas de alimentação, educação, saúde, transporte etc. Num conceito mais abrangente e na ótica das políticas públicas, outros fatores constituem-se em novas variáveis de mensuração da pobreza: acesso aos serviços básicos (educação, saúde, habitação, etc.) e outras de natureza psicossocial (auto-estima, autonomia, participação, etc.)9.

Exclusão social está ligada, além da renda, à mobilidade social originada de suas condições como sexo, raça, ocupação, condição socioeconômica. Sua ênfase está pautada nas relações sociais, direcionada a grupos e diz respeito a processos, caracterizando-se pelo seu caráter dinâmico.

No Brasil, com altos índices de exclusão e desigualdade, o papel do Estado é fundamental para a garantia das necessidades de sobrevivência de grande parte da população e obviamente as pesso-as pertencentes às camadas pobres ou miseráveis estão mais expostas às situações de precariedade social.

A segurança alimentar e nutricional, que extrapola o problema da desnutrição, não se constitui em uma única identidade com o problema da pobreza. MONtEIRO (2003)10 afirma: “fome, desnutrição e pobreza são problemas de natureza distinta no país, e, mais importante, que comportam soluções distintas, ainda que compartilhando causas e vítimas.”

O reconhecimento das diferentes causas que caracterizam o problema da vulnerabilidade11 su-põe a promoção de uma articulação das políticas. Através de um planejamento dessas políticas pú-blicas, calcado na integração, é possível que se tenha coordenação, monitoramento e avaliação sob a ótica do controle social, da eficiência do poder público, transitando na intersetorialidade, combinando as políticas de saúde, educação, alimentação, saneamento, dentre outras.

� YASBEK, Maria Carmelita. O programa fome zero no contexto das políticas sociais brasileiras. São Paulo em Perspectiva, 2004.

9 Bronzo, Carla – XII Congresso Brasileiro de Sociologia, 200�, Belo Horizonte, MG.

10 MONTEIRO ( 2003 ) “Fome, desnutrição e pobreza: além da semântica”. Jornal da USP, ano XVIII, n. 621. São Paulo: USP.

11 Para o Secretariado Técnico de Segurança Alimentar – SETSAN a Vulnerabilidade à insegurança alimentar refere-se aos riscos que os indivíduos, famílias e ou comunidades estão expostos pondo em causa o acesso e disponibilidade dos alimentos. Isso ocorre nos agregados familiares que não satisfazem as suas necessidades alimentares (2100 Kcal/dia/pessoa) num período longo ou curto. A vulnerabilidade à insegurança alimentar está portanto ligada a fatores: (i) históricos ou estáticos (ex. tipo de clima, qualidade dos solos, infra-estruturas, educação, acesso à saúde, pobreza, etc.) conhecida por vulnerabilidade à inse-gurança alimentar crónica ou estrutural; ou(ii) fatores esporádicos ou sazonais (ex. seca, cheias, ciclones, pragas das plantas, cólera, não funcionamento temporário do mercado, etc.) normalmente conhecida por vulnerabilidade à insegurança alimentar transitória ou corrente. Conceito disponível em: http://www.setsan.org.mz/indexvulnerabilidade.htm

Assim, somente políticas que desencadeiem uma redistribuição da renda e da riqueza e façam valer o direito à terra e de acesso à água; o direito ao tra-balho com dignidade e a salários justos; o direito à educação e aos serviços de saúde, além do próprio direito à alimentação, entre outros, farão cessar o processo de exclusão a que está submetida parte significativa da população brasileira (CONSEA).12

A garantia de alimentação de boa qualidade, na perspectiva das políticas públicas, deve prever ações de caráter estrutural, ou seja, aquelas que têm por objetivo precípuo combater os fatores gera-dores da pobreza e insegurança alimentar, por conseqüência. Deve ainda, dentro de políticas públicas emergenciais, suprir imediatamente carências alimentares das pessoas em condição de extrema vul-nerabilidade. A segurança alimentar e nutricional implica combinar ações assistenciais-compensatórias frente a questões emergenciais, como a fome, com políticas de caráter estruturante.

A política de segurança alimentar e nutricional deve estar dentro de um sistema de políticas pú-blicas que preveja atuação de vários atores, além, é claro, da sociedade civil e daqueles oriundos das relações do sistema de mercado. A focalização e a universalização das políticas sociais não devem ser vistas como alternativas, mas como estratégias de um amplo plano das políticas governamentais.

Uma política de segurança alimentar deve

permear e articular, horizontal e verticalmente, todas as políticas e ações das áreas econômica e social de todos os níveis de governo e ser perse-guida por toda a sociedade, comprometendo todos os segmentos so-ciais, seja em parceria com os distintos níveis de governo ou em iniciativas cidadãs.(CONSEA)13.

Ao tomarmos os indivíduos como cidadãos, as políticas passam a ter sustentação universal pela ótica dos direitos e as intervenções assistenciais assumem caráter de excepcionalidade, delimitadas, pontuais, não isoladas. A coletividade passa a ser o foco das ações superando uma visão míope, cen-trada nos indivíduos, e a intervenção passa a ser a própria sociedade, os meios e as causas da vulne-rabilidade.

Pobreza, fome, exclusão social, vulnerabilidade e direitos não devem estar vinculados somente pela ótica legal. O direito a uma vida digna é um direito fundamental, mas deve ser entendido sob o ponto de vista moral, a partir de uma decisão de prioridade política e ética.

12 Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Princípios e Diretrizes de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Caderno de Textos II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Brasília, 2004.

13 Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Princípios e Diretrizes de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Caderno de Textos II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Brasília, 2004.

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iretriz VDDO ATENDIMENTO SUPLEMENTAR E EMERGENCIAL

A INDIVÍDUOS OU GRUPOS POPULACIONAIS EM SITUAÇÃODE VULNERABILIDADE

Este texto apresenta uma avaliação sobre a questão assistencial em relação às situações de vul-nerabilidade social, a exemplo da fome. O objetivo desse estudo é, portanto, analisar como a fome se encontra inserida nas políticas governamentais de corte social.

torna-se um desafi o para nós, cidadãos, pensarmos nas possíveis formas de atendimento emer-gencial a indivíduos ou grupos em situação de vulnerabilidade no que se refere à Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável.

As ações de atendimento emergencial têm sido questionadas por diversos estudiosos como for-ma de assistencialismo, embora a Política de Segurança Alimentar e Nutricional não possa se destinar apenas a uma camada social.

Percebe-se que os grupos mais vulneráveis à falta de alimentos e ao não acesso a alimentos de boa qualidade integram, justamente, a parcela populacional com menor poder aquisitivo, cujos indivíduos são, socialmente, denominados “pobres”. Portanto, é para esse público que o atendimento emergencial torna-se necessário e deve ser assegurado, visando, assim, a garantia do Direito Humano à alimentação adequada.

O agravamento das precárias condições de vida da população brasileira e suas formas de ar-ranjos sociais delimitaram a análise da Política de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável no Estado de Minas Gerais como forma de:

garantia do acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quan-tidade sufi ciente, com base em práticas alimentares saudáveis, que respei-tem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. 2

torna-se importante destacar que a construção desse estudo não segue um caminho linear, uma vez que vários movimentos permitiram a análise do atendimento emergencial frente à situação de fome. Conjugando, dialeticamente, a teoria com a realidade vigente na sociedade (leia-se as causas que geram o subdesenvolvimento, a fome e a miséria), observou-se a necessidade de criação de ini-ciativas públicas capazes de contribuir para a suplementação alimentar de alguns segmentos sociais, como por exemplo, os restaurantes populares, os bancos de alimentos, além dos programas voltados para nutrição alimentar, como o Mesa Minas e outros. Esses programas são, portanto, o resultado e a revitalização das discussões sobre o fenômeno da fome.

1 Assistente Social, graduada e pós-graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC - e especialista em Violência Doméstica pela Universidade de São Paulo - USP - Assistente Social do Departamento de Recursos Humanos da Ceasa/Minas.

2 Lei 1�.9�2 Cria o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. Disponível em: http://www.consea.mg.gov.br/lei_1�.9�2_2006.asp

Flávia de Oliveira Nascimento Silva1

Adormecido durante anos, como se tivesse deixado de existir, o tema fome e suas conseqüências, bem como a necessidade de combatê-la, volta à pauta dos intelectuais e da população brasileira agora impulsionado por uma deci-são governamental. 3

Com o advento de programas sociais, como o Fome Zero, veio à tona a preocupação com a vulnerabilidade de uma grande parcela da população em relação às causas que geram o subdesenvol-vimento, tais como a fome, compreendida como calamidade social, penúria, ausência de alimentos ou de saber, e a miséria.

Segundo Josué de Castro, vivemos, atualmente, em uma sociedade dividida em dois grupos: “os que não comem e não dormem porque têm fome e os que comem mas não dormem com medo dos que têm fome”4. Portanto, é exatamente a partir da existência dessa lacuna social que os convido a pensar sobre a necessidade de atendimento suplementar e emergencial sempre que indivíduos ou grupos se apresentarem em situação de vulnerabilidade.

Nesse caso, diferente de ser assistencialista, penso que a posição do poder público mediante tal situação deve ser de imediata assistência, instituindo uma mediação em prol da garantia de um direito social.

Em termos gerais, não podemos continuar discutindo a fome como “tema proibido”. Assim, faz-se necessária a criação de mecanismos assistenciais para a promoção do indivíduo, para que, bre-vemente, possamos permear a verdadeira construção da cidadania.

A sociedade atual é constituída por uma imensa diversidade e o Estado Democrático de Direito prevê o tratamento dos desiguais como desiguais com vistas à eqüidade. Então, somente a partir da identifi cação dos grupos sociais em situação de risco, seja pela ausência de alimentos ou pelo não acesso à alimentação de boa qualidade, é que se tornará possível a promoção de efetiva mudança da realidade desses grupos.

IMPACTOS SOCIAIS DA FOME.

De acordo com Josué de Castro, dois terços da humanidade sofrem os efeitos destruidores da fome de forma parcial, oculta ou específi ca. Contudo, o fenômeno mais grave da fome é aquele que corrói, silenciosamente, inúmeras populações do mundo.

Os efeitos nocivos da fome não se limitam ao meio em que ela se insere, estende-se e repercute social e economicamente na sociedade. “Age desorganizando ciclicamente a economia regional e criando um meio social extremamente receptivo às atividades tanto do bandidismo quanto do misti-cismo.”5

A fome age em todos os contextos inerentes ao ser humano, seja na sociedade, em sua subjeti-vidade, no psíquico ou ainda nas suas relações sociais.

Diante disso, acredito na importância de elucidar uma refl exão – Quantas vezes nos deparamos com pedintes nas ruas, com anúncios em noticiários sobre desnutrição, baixo rendimento escolar e analfabetismo, índice de criminalidade, dentre outras calamidades sociais – Sendo assim, pergunto: É possível erradicarmos a desnutrição sem tomarmos providências perante a falta de alimento, o baixo rendimento escolar, o analfabetismo e sem o investimento na educação? Conseguiríamos diminuir a criminalidade investindo apenas em segurança?

3 Josué de Castro – organizadora Anna Maria de Castro – Fome: um tema proibido. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização, 2003.

4 Josué de Castro – organizadora Anna Maria de Castro – Fome: um tema proibido. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização, 2003.

� Josué de Castro – organizadora Anna Maria de Castro – Fome: um tema proibido. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização, 2003.

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Penso que não será necessário ir muito longe para encontrar algumas respostas para tais ques-tionamentos. Acredito, todavia, que para falarmos em Política de Segurança Alimentar precisamos utilizar “remédios emergenciais”, para, assim, termos condições mínimas e, posteriormente, um de-senvolvimento sustentável.

Longe de acreditar que seria a solução, avalio a importância de investimentos em programas, como o Fome Zero, em restaurantes populares, em banco de alimentos, bem como em orientação nutricional e na agricultura familiar de subsistência, que se constituem como intervenções positivas no sentido de amenizar o subdesenvolvimento social trazido pela ausência de alimento.

Convém destacar que a análise aqui desenvolvida não tem por objetivo a particularização de uma determinada prática. O interesse desse estudo é, sobretudo, discutir as políticas públicas direcio-nadas ao desenvolvimento sustentável, com o intuito de mostrar os cortes de análise do aspecto as-sistencial como um mecanismo recorrente. Além disso, pretendo salientar a importância da assistência como mediação fundamental da prática sustentável, evitando assim o ciclo do subdesenvolvimento ocasionado pela pauperização dos indivíduos.

Nessa perspectiva, penso que este texto poderá contribuir para uma visão sistematizada e re-alista da signifi cação social da fome, bem como de suas repercussões econômicas e políticas, que causam a grave lacuna frente à análise da miséria alimentar; ou seja, a fome aqui compreendida como “um fenômeno geografi camente universal, cuja ação nefasta nenhum continente escapa�”. Convido-os, ainda, a pensar sobre o assistencialismo “irreal” dos programas de atendimento suplementar e emergencial.

Por fi m, agradeço a colaboração das publicações de Josué de Castro, Ernesto Cohen, Anna Maria de Castro e Aldaíza de Oliveira Sposati, as quais permitiram a refl exão sobre a possibilidade de ruptura entre a teoria e a prática, o real e o imaginário, proporcionando a construção de uma prática capaz de combater o fenômeno da fome.

6 Josué de Castro – organizadora Anna Maria de Castro – Fome: um tema proibido. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização, 2003.

iretriz VIDDO FORTALECIMENTO DAS AÇÕES DE VIGILÂNCIA

SANITÁRIA DOS ALIMENTOS

A Vigilância Sanitária de Alimentos é uma importante ação na política de saúde e promoção da segurança alimentar e nutricional - SAN. Esse entendimento está expresso na Lei nº 15.982, de 200�, que dispõe sobre a Política Estadual de SAN, quando defi ne uma de suas 13 diretrizes como “fortale-cimento das ações de vigilância sanitária dos alimentos”2.

Na discussão da política de SANS é importante compreender como a vigilância sanitária - VISA e, mais especifi camente, a vigilância sanitária de alimentos contribui para a garantia do direito humano à alimentação adequada; como esta participa do Sistema Único de Saúde – SUS; onde está inserida; e como a articulação criada pela SANS pode fortalecer as ações de VISA nas três esferas. Faz-se ne-cessário esclarecer, ainda que brevemente, o que é esse campo da saúde pública. A lei 8080/903, que organiza o Sistema Único de Saúde, defi ne a Vigilância Sanitária nos seguintes termos:

Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capazes de elimi-nar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitá-rios decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:I – o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionam com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II – o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indireta-mente com a saúde.

Percebe-se a abrangência de sua ação:

a natureza essencialmente preventiva e sua ‘missão’ de intervir na reprodu-ção das condições econômico-sociais, ambientais e de vida, isto é, em ampla esfera dos fatores determinantes do processo saúde-doença-qualidade de vida e que se confi guram como riscos à saúde relacionados ao meio ambien-te e à produção, circulação e consumo de bens e serviços.4

As ações de VISA abrangem o controle sanitário de uma gama de produtos e serviços, como: medicamentos, drogas e correlatos; produtos fi tossanitários e agrotóxicos; alimentos, bebidas e águas minerais; os serviços de atendimento à saúde; meio ambiente e ambiente de trabalho.

Aqui podemos perceber a importância da VISA na proteção e promoção da saúde da população e seu signifi cativo impacto nas condições de segurança alimentar e nutricional. Mais especifi camente a Vigilância Sanitária de Alimentos tem papel fundamental na garantia das condições sanitárias daquele que é o meio objetivo e natural de prover níveis nutricionais adequados às pessoas: o alimento.

1 Especialista em Política e Gestão da Saúde da SES. Atualmente compõe a equipe da Coordenadoria Geral de Política de Segurança Alimentar e Nutricional - CGPSAN

2 Lei nº 1�.9�2/2006 – Política Estadual de Segurança alimentar e Nutricional de Minas Gerais.

3 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L�0�0.htm

4 Apostila do V Curso de Especialização em Vigilância Sanitária da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais – Belo Horizonte, 2004.

Beatriz Leandro de Carvalho1

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Enquanto as diversas ações de saúde contribuem na promoção da segurança alimentar ao ga-rantir as condições mínimas de qualidade de vida individual e coletiva, a Vigilância Sanitária de Alimen-tos atua nos processos e ambientes que envolvem o alimento, da produção ao consumo final, devendo regular, controlar e intervir em todas as etapas. A capacidade da Vigilância de Alimentos exercer essas funções depende da garantia do direito humano à alimentação adequada, como por exemplo a orga-nização da saúde e como as ações de caráter preventivo são apoiadas.

Apesar da construção participativa da política de saúde, onde as representações de usuários e de trabalhadores nas instâncias do SUS, historicamente pautaram a importância das ações de promo-ção da saúde e de prevenção de doenças, ainda são as ações curativas que predominam e carreiam a maioria dos seus recursos orçamentários. Além de refletir o nível de comprometimento da saúde da população, esse fato reflete o caráter curativo do modelo atual de assistência à saúde, intensificado pelo avanço tecnológico do setor onde as indústrias de medicamentos e de métodos diagnósticos a cada ano lançam no mercado novos produtos e pressionam o setor.

Apesar de esforços na organização do SUS para melhorar a sua gestão, ainda estamos aquém de um atendimento que garanta as ações preventivas necessárias à saúde da população. Nesse quadro todas as ações com foco na promoção e prevenção ficam prejudicadas. A Vigilância Sanitária dos Ali-mentos recebe recursos muito limitados para cumprir adequadamente suas atribuições. Isso se reflete no número insuficiente de técnicos e fiscais sanitários, na dificuldade de qualificar esses profissionais e na insuficiência de recursos materiais e de infra-estrutura. Comprometendo ainda mais o sistema temos, por um lado a indefinição da obrigatoriedade do financiamento federal para o setor saúde com a PEC- Proposta de Emenda Constitucional nº 29 aguardando por votação no Congresso Nacional e, por outro lado, o não cumprimento dos orçamentos de estados e municípios para a saúde.

Outros fatores agravam esse quadro, a saber: a dificuldade de ações intersetoriais no setor público e, deste, com outros atores sociais; a pouca informação da população sobre seus direitos de saúde e segurança alimentar e dos meios de pressionar o sistema público para atender suas demandas e, ainda, a ingerência muitas vezes verificada de grupos locais de interesses alheios aos princípios da saúde pública.

Apesar destas dificuldades, é a vigilância sanitária que fornece à sociedade meios de se prote-ger e coibir as ações nocivas à saúde pública. A fiscalização dos diversos produtos e serviços de inte-resse da saúde tem acontecido com significativos avanços nas diversas áreas sob controle da VISA. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA5, em conjunto com as VISAs estaduais, tem buscado permanentemente a qualificação e autonomia dos municípios para as ações de vigilância, atendendo ao princípio de municipalização do SUS. A recente consulta pública aberta pela ANVISA sobre a propa-ganda de alimentos mostra o interesse do sistema de vigilância em regulamentar essa área importante para a segurança alimentar e nutricional.

Os diversos atores sociais envolvidos com a construção da política de SANS reconhecem a Vigi-lância Sanitária de Alimentos como um importante conjunto de ações intersetoriais a serem priorizadas e fortalecidas. Reconhecer a Vigilância para garantir a segurança alimentar deve se relacionar com as demais diretrizes da política, como o apoio à agricultura familiar e à reforma agrária, promoção da educação alimentar e nutricional, preservação do meio ambiente e recuperação dos recursos hídricos. Construir a intersetorialidade é o desafio das políticas sociais e particularmente da Política de Seguran-ça Alimentar e Nutricional, já que seu objetivo será conseqüência de programas e ações executados em diferentes áreas das políticas públicas.

� Site da ANVISA: www.anvisa.gov.br

Para atender a �ª diretriz da Política Estadual de SANS de “fortalecimento das ações da vigilân-cia sanitária dos alimentos” é necessário que as instâncias do Sistema Estadual de SANS iniciem um processo de interação com suas correlatas no Sistema Único de Saúde. É necessário entender como se organiza a participação e controle social no SUS, interagir com suas instâncias (conselhos e comissões de saúde), participar dos espaços de construção e deliberação da política de saúde (conferências) e, respeitando a organização do setor, pautar a segurança alimentar e nutricional como objetivo também da saúde.

No que diz respeito à vigilância sanitária, faz-se necessário, no âmbito das Secretarias Muni-cipais de Saúde, e em cada área de abrangência das CRSANS e das Gerências Regionais de Saúde, conhecer a realidade das ações executadas. Ponto importante nessa busca de informação é saber de quais recursos dispõe a vigilância sanitária naquele nível, número de profissionais envolvidos, área de abrangência das ações (número de estabelecimentos e distâncias a percorrer), projetos específicos de-senvolvidos em cada localidade, demandas mais freqüentes de cada região. Esses são alguns pontos importantes para que o movimento de SAN conheça a VISA em suas possibilidades e limitações. A partir desse entendimento e interação é possível começar a construir o fortalecimento proposto pela diretriz da Política de SANS. Mas para fortalecer as ações da VISA necessitamos ainda de um outro nível de atuação, que é o envolvimento político na luta do campo da saúde por recursos e condições de trabalho. Garantir que os governos invistam as parcelas devidas do orçamento na saúde e priorizem ações de promoção e proteção à saúde da população é fundamental.

Na construção da intersetorialidade, a segurança alimentar pode trazer para a vigilância sanitá-ria as demandas de grupos específicos de produtores de alimentos e consumidores, que nos últimos anos têm se aproximado das discussões de SANS e que estão pouco presentes nas construções da política de saúde locais. Porém, o campo da SANS não deve trazer apenas mais demandas para o já sobrecarregado sistema de saúde, mas propor ações intersetoriais, especialmente no que diz respeito à educação e mobilização da população nos temas de saúde e segurança alimentar.

Por outro lado, a Vigilância tem muito a contribuir com a construção da Política de SANS. Ela tem um acúmulo de conhecimento, tanto dos problemas relacionados à qualidade sanitária dos ali-mentos, como de medidas que devem ser adotadas. A Vigilância de Alimentos tem hoje, no Estado e em vários municípios, o entendimento da importância de se trabalhar em parceria com outros setores e da necessidade de uma ampla ação de educação para saúde, o que vem ao encontro das propostas da Segurança Alimentar. Mas é necessário envolver a Vigilância Sanitária de Alimentos nos espaços de construção da Política de SANS: COMSEAs Municipais, Comissões Regionais de SANS, CONSEA Estadual e Nacional. Essa interação entre os campos da Segurança Alimentar, da Saúde com outros espaços de construção de políticas sociais envolvendo SANS é um esforço imprescindível e desafiador. Precisamos o quanto antes iniciar esses diálogos intersetoriais, construir agendas comuns e, dentro destas, formular propostas e estabelecer as prioridades.

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iretriz VIIDDO APOIO À GERAÇÃO DE EMPREGO E RENDA

A discussão acerca da importância das políticas e ações de geração de emprego e renda para a segurança alimentar e nutricional da população passa, necessariamente, pelo entendimento que se tem do conceito de segurança alimentar e nutricional. Por meio do trabalho o cidadão gera sua própria renda e, assim, garante o seu sustento e o de sua família. Isto é, garantir o acesso regular e permanente a alimento de qualidade, em quantidade sufi ciente, com base em práticas alimentares saudáveis, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais3.

Entretanto, hoje a realidade sobre o mundo do trabalho é muito diversa do almejado. O que se apresenta, atualmente, é um crescente aumento do desemprego que, para MANNRICH4, é refl exo da crise e das mudanças deste mundo. Concomitante ao desemprego, temos a diminuição do número de empregos formais, que se apresentam como conseqüências dessas transformações. tal situação gera a exclusão de um signifi cativo contingente de trabalhadores no mercado e aumenta o índice de cidadãos vivendo em estado de insegurança alimentar e nutricional.

A sabedoria adquirida no cotidiano faz com que o trabalhador do campo e da cidade saiba que é através de esforço em gerar renda que ele assegurará sua segurança alimentar e nutricional de forma contínua e em quantidade sufi ciente.

Dizer que o mercado de trabalho formal não atende sufi cientemente à demanda por emprego é entender que num país capitalista a geração de emprego jamais irá absorver a totalidade dos traba-lhadores. O sistema capitalista exclui uma parcela de sua população economicamente ativa do mundo do trabalho, garantindo uma reserva de trabalhadores para assumir os empregos daqueles que não se sujeitam à baixa remuneração e más condições de trabalho.

Para POCHMANN5, a solução da realidade de desemprego depende fundamentalmente de como a sociedade pode reagir. Se a sociedade for capaz de se conscientizar de que tem a capacidade de enfrentar os problemas do mundo do trabalho, certamente poderemos ingressar em condições mais positivas, pois o enfrentamento do desemprego e a descoberta de uma alternativa a essa realida-de dependem de uma reação da sociedade por se tratar de uma questão política.

A pressão do desemprego em massa, a situação dos trabalhadores desde a fl exibilização à pre-carização do trabalho trouxeram, implicitamente, oportunidades de enfrentamento, obrigando-os a buscar saídas para superar a crise e se inserirem em um sistema de produção alternativo e solidário.

Neste contexto emerge a economia solidária enquanto uma proposta de construção de um modelo socialmente justo e economicamente viável, tendo como direção os princípios da cooperação

1 Jornalista, especialista em Filosofia e Políticas Públicas, professor do curso de Comunicação Social da Universidade do Vale do Rio Doce.

2 Assessora Técnica do CONSEA-MG; graduada em Direito e pós-graduada em Direito Criminal

3 Lei 1�.9�2/06. Disponível em: http://www.consea.mg.gov.br/lei_1�.9�2_2006.asp

4 MANNRICH, Nelson. Empregabilidade, ocupação e novas formas de trabalho. S/L: 2004.

� POCHMANN, Márcio. O mundo do trabalho em mudança. In: NABUCO, Maria Regina. NETO, Antônio Carvalho (orgs.). Rela-ções de trabalho contemporâneas. IRT/PUC/MG.1999.

Gilberto Boaventura1 / Joaquina Júlia Martins2

e da ajuda mútua. Ressaltamos que a economia solidária representa práticas fundadas em relações de colaboração, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e fi nalidade da atividade econômica em detrimento à concentração da riqueza nas mãos dos detentores do capital. É, contudo, promotora de ações de geração de ocupação e renda em larga escala e um instrumento de combate à exclusão social�. Para SINGER�, a economia solidária nos chama à atenção em dois pon-tos: a crítica ao modo capitalista de produção e o sonho da sociedade socialista tendo perspectiva à coletividade.

Portanto, se queremos garantir a segurança alimentar e nutricional de uma população, devemos nos mobilizar para a efetivação de políticas de geração de trabalho e renda. O próprio cidadão pode lançar-se nesta tarefa, desde que organizado em associações, cooperativas, microempresas e empre-sas autogestionárias.

Muitas dessas experiências são realidade no Brasil, através das ONGs, Igrejas, redes, movimen-tos sociais e poder público que constituem, assim, os atores da economia solidária que vêm se arti-culando desde a década de 90 na construção de uma identidade para o referido campo. Um avanço a ser considerado é a criação de uma Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES, ligada ao Ministério do trabalho e Emprego, e na criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária - FBES.

Segundo BERtUCCI8, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária é um instrumento de interlocu-ção política que visa a conquista de políticas públicas para a economia solidária e exige interlocução permanente com os processos de mobilização nas bases. Na busca por institucionalizar uma política de apoio à economia solidária, implantou-se o Conselho Nacional de Economia Solidária que realizou a 1ª Conferência Nacional e vem discutindo e propondo a criação de programas acerca da economia solidária nos diferentes ministérios do Governo Federal.

Essas iniciativas têm demonstrado que os empreendimentos baseados na economia solidária são mais efetivos e obtém melhores resultados quando são apoiados pelo Poder Público e organiza-ções não governamentais. Um exemplo exitoso dessa parceria é o Programa de Aquisição de Alimen-tos - PAA.

Há muitas formas de se gerar trabalho e renda, mas todas necessitam de apoio fi nanceiro e técnico, organização e capacidade de gestão. Por isso é importante que políticas públicas sejam im-plantadas visando suprir estas necessidades dos trabalhadores excluídos do mercado formal e outros que delas necessitarem.

Em Minas Gerais foi aprovada a lei que visa promover a melhoria da renda dos agricultores familiares, bem como estimular as formas de comercialização direta entre agricultores familiares e consumidores, para garantir o acesso regular a alimentos e produtos saudáveis com baixo custo, con-ciliando geração de renda com garantia a segurança alimentar.9 Isto nos remete à união de esforços no âmbito federal a garantir, por lei, ampliação do acesso aos alimentos por meio da produção familiar10 e, no âmbito estadual, apoio à geração de emprego e renda11 de modo a garantir com assiduidade o direito humano à alimentação adequada.

6 LIMA, S.T. Schievano. Iniciativas de Economia Solidária: um estudo de caso por uma produção e consumo sustentável. 2006. 42f.Monografia (conclusão do curso) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Departamento de Economia, Adminis-tração e Sociologia.Piracicaba-SP.

7 SINGER, Paul. Economia Solidária: a autogestão como resposta ao desemprego. S/L: [S/D]

� BERTUCCI, Ademar. Fórum Brasileiro da Economia solidária: três anos de construção de uma outra economia. 2006.

9 Lei 166�0/07

10 Lei 11346/06. Disponível em http://www.in.gov.br/materias/xml/do/secao1/2319�37.xml

11 Lei 1�.9�2/06. Disponível em: http://www.consea.mg.gov.br/lei_1�.9�2_2006.asp

26 27

iretriz VIIIDDA PRESERVAÇÃO E A RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

E DOS RECURSOS HÍDRICOS

Josué de Castro, médico e geógrafo, em 194�, já atentava para os problemas ambientais, quan-do escreveu que a fome é o problema ecológico número um 2. Com o advento da Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (SANS) como prática social e política, a questão passou a ter duas vias: a fome é, sim, um problema ecológico, mas os problemas ambientais são também causadores da fome. temos como grande desafi o, vencer a insegurança alimentar que, direta e indiretamente, afeta a po-pulação mundial, sobretudo a brasileira. É necessário repensar nossa forma de intervenção na natureza e buscar alternativas de preservação e recuperação do meio ambiente.

Atualmente, experimentamos um processo em que a produção de bens de consumo e o aumen-to da população urbana, dentro da ordem capitalista mundial, vêm gerando a degradação dos recur-sos naturais, melhor defi nidos como patrimônios naturais, e reduzindo a perspectiva de manutenção da vida humana. Nossas técnicas, entendidas aqui como ferramentas de controle da natureza, pouco refl etem sobre os efeitos colaterais do desenvolvimento socioeconômico. Enquanto preocupa-se com o crescimento indefi nido, a desigualdade social e a degradação ambiental aumentam de forma ace-lerada.

Em Minas Gerais, a degradação ambiental tem exemplos incontestáveis, como a poluição do Rio Muriaé com lançamento de 2 bilhões de m3 de lama em seu curso, a devastação do cerrado e da mata atlântica com a monocultura do eucalipto, a extração e alteração da água mineral de São Lourenço, sul de Minas, por empresa transnacional, a alta concentração de agrotóxicos em alimentos produzidos no Campo das Vertentes, o desgaste de recursos hídricos na região metropolitana de Belo Horizonte pela ação de mineradoras, a perda de biodiversidade através de construção de barragens hidrelétricas, como Irapé (Norte de Minas), Aimorés (Leste de Minas), Capim Branco (triângulo Mineiro).

A PEGADA ECOLÓGICA

Na relação de poder e troca com a natureza, como vimos acima, são três os recursos naturais estratégicos: a energia, a diversidade biológica e a água (recursos hídricos) 3. Devido ao modelo atual de produção e reprodução, desde o fi m da última década, a demanda humana por patrimônios natu-rais cresceu 25% a mais do que a capacidade de reposição do planeta. Com o aumento do consumo de recursos, geram-se cada vez mais resíduos, os quais proporcionam a poluição do ar, da água e do solo, a perda de terras férteis e de cobertura vegetal.

Um conceito criado para avaliar o impacto do ser humano sobre o ambiente é a pegada ecoló-gica, que se dá pela relação entre o consumo humano e a capacidade de suporte da natureza, medida em hectares. Ou seja, a área produtiva de terra e mar necessários para o sustento de uma população.

1 Engenheiro Agrônomo, mestrado em Manejo Ecológico de Pragas. Assessor Técnico-Parlamentar Gabinete do Deputado Estadual Padre João.

2 Josué de Castro – Geografia da Fome. – 10 ed.– Editora Antares – Rio de Janeiro, 19�4.

3 Carlos Walter Porto-Gonçalves – O Desafio Ambiental – Editora Record – Rio de Janeiro, 2004.

Dany Sílvio Amaral1

A pegada ecológica média no Brasil é de 2,5 ha/pessoa. Nos EUA é de 12 ha/pessoa, enquanto que a capacidade do planeta é de 1,8 ha/pessoa. A pegada ecológica nos é dada como parâmetro para medirmos nossa sustentabilidade, podendo ser usada para entendermos, também, a conexão entre o meio ambiente e a SANS 4.

A agricultura e o consumo de alimentos chegam a corresponder a pelo menos �0% da capacida-de regenerativa do planeta. O que nos leva a concluir que a preservação do meio ambiente e dos re-cursos hídricos estão intimamente ligados à SANS. Desta forma, coloca-se a questão: como a prática de SANS, aliada às políticas públicas, podem criar alternativas para a redução dos impactos ambientais?

Para início de discussão podemos concentrar esforços em dois eixos de mudança: o modelo de produção agroalimentar e de organização das cidades.

RECONSTRUÇÃO DOS SISTEMAS AGROALIMENTARES

A Agricultura, não diferindo de outras atividades humanas, caracteriza-se pelo uso inadequado dos patrimônios naturais, o que pode ser observado na dependência de energia externa para pro-dução (combustíveis, adubos químicos), no consumo exagerado de água (�9% da água utilizada no consumo humano é empregada na irrigação), na alteração de espécies naturais (transgênicos) e no uso intensivo dos solos. Esta prática leva ao desperdício de matérias-primas e à geração acentuada de resíduos, criando impactos ambientais como a contaminação de cursos d’água por agrotóxicos e car-reamento de adubos, a degradação e desertifi cação de áreas e a redução da diversidade biológica.

Cabe ressaltar que, tanto o agronegócio, quanto a agricultura familiar, contribuem no processo de degradação da natureza, em contra-senso aos que defendem os agricultores familiares como estri-tamente preservacionistas. Apesar dos sistemas de base familiar terem mais condições ecológicas de executar atividades que protejam o ambiente, muitas vezes empregam o pacote tecnológico adotado pelo agronegócio. Este é o desafi o que deve ser superado, pois “o fortalecimento da agricultura fami-liar e de pequenas empresas agroindustriais e alimentares permite um manejo agrícola mais adequado e diversifi cado dos recursos naturais” 5.

Na reconstrução da agricultura devemos assumir uma posição mais comprometida com a SANS ao incentivar práticas agroecológicas, nascidas das experiências dos próprios agricultores familiares. É necessário construir uma nova forma de integrar a propriedade com o ecossistema, pensando em paisagens e bacias hidrográfi cas. Devemos imitar a natureza, onde várias plantas crescem em equilí-brio, cultivando a diversidade e conservando as Áreas de Preservação Permanente (APP). Precisamos cuidar da água como elemento e alimento precioso que permeia toda a vida, construindo pequenas barragens, cisternas e protegendo os mananciais. Ao rever a matriz energética, utilizando o que temos próximo e gerando alternativas (microdestilarias de álcool, biodiesel), podemos criar autonomia. É fun-damental proteger o solo, respeitando seus ciclos e empregando a matéria orgânica como fertilizante. Devemos resgatar e aprender da agroecologia constituindo saberes e sabores de cultivar a terra como um todo. As organizações populares e políticas públicas devem ser refl exo claro dessas mudanças importantes para uma relação igualitária com a natureza.

4 II Conferencia Nacional de SAN – Princípios e Diretrizes de uma Política de SANS – Brasília, 2004.

� Renato Maluf. Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável. Rev. Agricultura Sustentável, 1994.

2� 2�

REPENSANDO AS CIDADES

As cidades e as áreas urbanas que abrigam mais de metade da população mundial são man-tidas com quantidades massivas de recursos naturais (�5% do que é cultivado ou industrializado), constituindo, assim, ecossistemas com grandes impactos ambientais. Podemos dizer que as maiores pegadas ecológicas se concentram nas cidades, que transformam em resíduo 80% do que consumem. Isto pode ser verifi cado na imensa quantidade de lixo produzido diariamente (�5% são resíduos orgâ-nicos).

Para garantir meios de preservação do ecossistema urbano as pessoas precisam entender e responsabilizar-se por seus padrões de comportamento. O resgate de práticas alimentares que apro-veitem integralmente os alimentos e de atividades de coleta seletiva e reciclagem de materiais são essenciais para a sustentabilidade das cidades. A produção de alimentos nas cidades, através da agri-cultura urbana, pode ser uma ferramenta poderosa para a utilização de resíduos, a proteção da biodi-versidade, a melhoria dos benefícios nutricionais e a reconstrução da idéia de comunidade, essência da ecologia humana. É necessário revermos a utilização dos recursos hídricos, lutando por políticas de saneamento e reuso da água. As casas, com pequenas modifi cações, podem diminuir impactos e economizar energia. A educação, com participação das crianças, adolescentes, pode ser reconstruída tendo como base a ecologia e o cuidado.

Devemos discutir que nova política queremos, envolta pelo amor à terra e proteção da vida, capaz de responder a vontade de fazer da natureza nossa casa-comum. Precisamos de pessoas imersas numa nova ideologia, voltada para o consumo responsável e a produção de meios para sua mínima manutenção e convivência harmoniosa.

iretriz IXDDO RESPEITO ÀS COMUNIDADES TRADICIONAISE AOS HÁBITOS ALIMENTARES SAUDÁVEIS

A questão da cultura alimentar tem sido bastante discutida pelo movimento de segurança ali-mentar, seja relacionando-a às comunidades tradicionais, ou às mudanças de hábitos alimentares em decorrência das transformações dos alimentos, padronização e dedicação de tempo cada vez menor para preparar e para alimentar-se.

Ao longo do tempo as sociedades estabeleceram diversas práticas alimentares que vão, desde sua produção e preparação, até o consumo. As escolhas feitas no ato de alimentar são carregadas de valores e marcam a identidade dos diversos grupos sociais. O que se come, com quem se come, quando, como e onde se come: as opções e proibições alimentares – que, eventualmente distinguem os grupos humanos – são defi nidos pela cultura2.

O arroz com feijão é o prato que marca a cultura alimentar brasileira do cotidiano, mas a extensa dimensão territorial, as diferenças no processo de colonização do país e de apropriação e fatores am-bientais propiciaram a formação de culturas alimentares diversifi cadas e regionalizadas.

Indígena, paulista, portuguesa, africana: são múltiplas as infl uências deixadas nas culturas ali-mentares de Minas Gerais, mas tão ou mais importante que as heranças foram e continuam a ser a capacidade de acesso dos diferentes grupos aos alimentos.

Para exemplifi cação, em termos históricos, MENESES3, a partir de estudos sobre o abastecimen-to alimentar na Minas Gerais setecentista, apresenta que, embora a comida dos escravos fosse feita com produtos mais baratos, isto não quer dizer que não pudessem reforçar a alimentação com produ-tos cultivados nas roças ou pela caça, para os escravos rurais, e os escravos urbanos pela compra. “De todo modo, o fubá acompanhado de feijão com toucinho e o ‘fato’(intestinos e tecidos gordurosos de porcos abatidos) também era matéria-prima muito importante na dieta deles.”

Na Minas do século XVIII, as famílias pobres, de homens pardos, pretos libertos, nascidos na miséria, eram criados na indigência e sem a menor condição de subsistência. De acordo com MELO E SOUZA4, no Distrito Diamantino:

“o Tijuco seria dos locais mais pobres que jamais vira: cento e cinqüenta desses infelizes vinham todas as semanas receber a farinha que o Intendente lhes dava. São absolutamente desocupados, porque não há agricultura nem manufaturas para lhes dar trabalho”.

Para estes, o milho e água eram os alimentos básicos e disponíveis na região.

1 Assessora Técnica do CONSEA-MG. Assistente Social e Historiadora pela PUC Minas.

2 MACIEL, Maria Eunice & MENASCHE, Renata. Alimentação e cultura, identidade e cidadania: Você tem fome de quê? Dispo-nível em: http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=920

3 MENESES, José N.C.. À mesa com uma família “mineira” do Século XVIII. [S/L].[S/D]. (mimeo.)

4 MELLO E SOUZA, Laura. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 19��. pág.146.

Maria Aparecida de Souza1

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No caso dos lavradores do Sertão Mineiro, o milho, o feijão e a mandioca eram os principais produtos agrícolas, utilizados na alimentação da população. O milho também era utilizado no trato de animais, como galinha, porcos e animais de carga, no início do século XIX. Na alimentação, os sertane-jos também utilizavam os frutos nativos, especialmente os do Cerrado, e garantiam o sustento através de frutos silvestres como imbu, pequi, araticum, guabiroba, cagaiteira, macaúba, dentre outros, que eram consumidos in natura, cozidos ou em doces. A caça e pesca também eram fontes importantes para obtenção do alimento para consumo ou para comercialização5.

As culturas alimentares de Minas foram se formando a partir destes vários aspectos e continuam em processo contínuo de formação e transformação. Entretanto, nas últimas décadas, no mundo e no Brasil, ocorreram grandes transformações nos alimentos levando à padronização dos hábitos alimenta-res, isto em decorrência da ampliação e intensificação do processamento industrial de alimentos.

O consumo de alimentos regionais tem sido substituído por alimentos já prontos e mais práticos. A maioria das pessoas opta por adquirir esses alimentos por não disporem de tempo para dedicarem ao preparo ou por se encontrarem distantes de suas residências, tendo que fazer as refeições fora.

O movimento de globalização e padronização dos hábitos alimentares coexiste com a tendência oposta de valorização dos alimentos regionais. Vários produtos alimentícios de origem regional estão, hoje, disponíveis para serem consumidos nos centros urbanos. Mesmo considerando a existência de movimentos opostos faz-se necessário colocar na ordem do dia a questão das intensas mudanças da cultura alimentar e perda do patrimônio alimentar�.

Diversos grupos sociais, comunidades negras e povos indígenas mantêm hábitos alimentares tradicionais. As populações tradicionais são definidas por SANtILLI� como:

Grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reprodu-zem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Tal noção re-fere-se tanto a povos indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos.

Em Minas Gerais são identificadas como comunidades tradicionais os povos indígenas (Krenak, Pataxó, Xakriabá, Aranã, Caxixó, Pankararu, Xukuru-Kariri, Maxakali e Mucurim), as comunidades rema-nescentes de quilombos, de terreiro, os geraizeiros8, vazanteiros9 e outras comunidades que mesmo não tendo construído uma identidade política, mantêm hábitos, valores que as caracterizam como tal.

Essas comunidades tradicionais têm sido atingidas pelos processos de globalização e padroni-zação de hábitos alimentares, seja na influência exercida pelos meios de comunicação e sociedade em geral, seja porque tais processos têm ocasionado a perda da terra, das águas e dos recursos naturais, impossibilitando a extração e o cultivo de alimentos para consumo e comercialização.

A discussão da segurança alimentar e nutricional e as populações tradicionais está ligada às lutas de resistência dessas populações contra toda e qualquer forma de violência que vai, desde a ocupação

� RIBEIRO, Ricardo Ferreria. Florestas anãs do Sertão: o Cerrado na História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 200�. pág. 23� a 241.

6 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar: resgate e valorização da cultura alimentar. Disponível em: http://www.sescsp.org.br/sesc/images/upload/conferencias/290.rtf .

7 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos, IEB/ISA. P. 131-133. (ANO)

� Populações tradicionais que vivem no Cerrado do Norte de Minas e praticam, historicamente, uma agricultura que associa diversos cultivos adaptados aos ecossistemas locais, e buscam na vegetação nativa o complemento para sua subsistência.

9 São comunidades que vivem nas ilhas e barrancas do Rio São Francisco e sobrevivem da pesca, do extrativismo, da criação de pequenos animais e da agricultura, estando esta associada aos ciclos de enchente, cheia, vazante e seca do rio.

indevida de territórios, passando pela degradação dos recursos naturais, que afeta a sustentabilidade da reprodução social e, particularmente, as formas tradicionais de segurança alimentar e nutricional destas populações.

Em Minas Gerais, a partir das décadas de 19�0 e 1980 foram implantados, principalmente nas regiões Norte, Vale do Jequitinhonha, Vale do Aço e Vale do Rio Doce, mais de um milhão de hecta-res10 de eucalipto para utilização na indústria siderúrgica e de celulose, em áreas ocupadas por comu-nidades tradicionais.

Além disso, a ocupação agrícola do Cerrado com a monocultura da soja, da cana e outras; a construção de barragens no Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas, Zona da Mata; a utilização das águas nos grandes projetos agrícolas de irrigação, tudo isso tem provocado a expulsão e ou remoção das comunidades tradicionais.

A questão da valorização e respeito à cultura alimentar foi evidenciada na Lei 15.982, de 200�, que dispõe sobre a Política Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, principalmente na Diretriz IX, na qual se pondera o respeito às comunidades tradicionais e aos hábitos alimentares saudáveis.

Uma política de SANS que respeite as comunidades tradicionais e os hábitos alimentares locais deve garantir a autonomia dessas comunidades na escolha de sua alimentação, assegurando-lhes o direito à diferença e à diversidade. Para que isto seja possível deve assegurar a permanência das co-munidades tradicionais na terra, o acesso aos recursos naturais, preservando-os e recuperando-os.

10 Já foram plantados eucalipto e pinus, em Minas Gerais, em 1.67�.700 de hectares de terra. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT32�774-1719,00.html

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iretriz XDDA PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO PERMANENTE

DOS DIVERSOS SEGMENTOS DA SOCIEDADE CIVIL

Vivemos um momento histórico, importante e singular na construção de uma Política Nacional e Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável - SANS. A aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - LOSAN2, elaborada de forma participativa, envolvendo diversos setores da sociedade civil e do governo, nos âmbitos estadual e nacional, pode ser considerada como um grande marco na luta pela transformação da SANS como política de governo para política de Es-tado.

Ainda temos muitos desafi os pela frente. Apesar dos avanços e conquistas, através do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional - CONSEA, sabemos que a lei por si só não garante o Direito Humano à Alimentação Adequada. Uma coisa é o direito ser reconhecido e outra ser implementado.

A participação permanente da sociedade civil é fundamental nesse processo de mobilização social, onde os diversos atores em nível local, regional e estadual, através das Conferências Regionais e Estaduais, aprofundam a discussão das diretrizes e deliberam propostas para a formulação da Política e do Plano estadual e também a implementação do Sistema Estadual que prevê as ações e programas integrados e intersetoriais que precisam ser inseridos na construção do Plano Plurianual de Ação Go-vernamental – PPAG, que defi nirá o orçamento do Governo Estadual para o período de 2008 a 2011.

Outro enorme desafi o, além da participação na construção das Políticas Públicas de SANS, é o controle social destas políticas. A avaliação de como estão, ou não, sendo implementadas. É preciso criar mecanismos de monitoramento, de avaliação, de acompanhamento do orçamento público.

Diante de tantos desafi os, impasses e potencialidades existentes, faz-se urgente passarmos de um modelo de democracia representativa para um modelo de democracia participativa. Para tanto, é fundamental qualifi carmos a intervenção da sociedade civil através de um processo permanente de for-mação continuada para exercermos o protagonismo e a cidadania de forma plena, consciente e ativa.

Somos desafi ados e convocados, atentos ao clamor de milhões de brasileiros e brasileiras que não têm o que comer, ou seja, que têm o seu direito humano à alimentação violado, diante da dura realidade do Brasil e do mundo, a lutarmos pela superação da miséria e da fome. Vamos lá fazer o que será!3

PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

No Brasil, temos uma antiga trajetória de mobilização da sociedade civil no esforço da erradica-ção da fome e na promoção da segurança alimentar e nutricional sustentável, incorporando o princípio do Direito Humano à Alimentação Adequada.

1 Coordenação Nacional da Rede de Educação Cidadã. Educadora Social e teóloga da área social.

2 Minas Gerais: Lei 1�.9�2 de 19 de abril de 2006. Nacional: Lei 11.346 de 1� de setembro de 2006.

3 Tema do livro da Rede de Educação Cidadã/Talher Nacional, 2006.

Meiry Andréa Borges David1

A participação social e a mobilização no Brasil devem ser observadas considerando-se dois as-pectos essenciais: forma muito variada de participação e a complexidade de nossas relações sociais que se expressam, também, em variadas possibilidades de engajamento, organização e atuação so-cial.

Existem multiplicidades de ações e de organizações em nível local, regional e estadual. É neces-sário mapear estas ações e estabelecer parcerias entre os diversos atores, segmentos da sociedade, para promover a articulação e a participação ativa e consciente na formulação e controle social das políticas estruturantes de SANS.

A sociedade civil organizada é capaz de gerir os recursos públicos e principalmente demandar as políticas públicas. Mas para tal, é fundamental se capacitar através de cursos, seminários, fóruns e outros, num processo contínuo de formação.

Em Minas Gerais, o Fórum Mineiro de Segurança Alimentar e Nutricional -FMSAN, Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Minas Gerais – CONSEA-MG e a Rede de Educação Cidadã - talher MG, se articulam e desenvolvem junto às Comissões Regionais de SANS processos de formação e capacitação com diversos atores locais, potencializando a participação da sociedade civil.

O objetivo da IV Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável e da III Conferência Nacional é a construção do Sistema Estadual e Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Com o tema, “Por um Desenvolvimento Sustentável com Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional”4, teremos uma tarefa histórica de participação na construção da Política de Segurança Alimentar e Nutricional.

CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS DE SANS

Ao falarmos de controle social muitas vezes o reduzimos à fi scalização das Políticas Públicas. É preciso aprofundar este conceito e suas implicações como a capacidade que tem a sociedade organi-zada de atuar e intervir nas políticas públicas, em conjunto com o Estado, para estabelecer suas neces-sidades e interesses, controlar a execução destas políticas e contribuir na construção e elaboração dos planos municipais, estaduais e federal. Além de avaliar e monitorar processos e resultados.

O exercício do Controle Social exige:

• Consciência do nosso papel• Democratização e socialização do acesso às informações das Políticas de SANS em todos os

níveis: federal, estadual e municipal• Acompanhamento das ações governamentais• Controle do orçamento público• Fiscalização dos Fundos• Avaliação de desempenho das políticas públicas• Realização de reuniões abertas• Realização de Conferências e outros fóruns para ampliar a participação da sociedade• Conhecimento da legislação

Pode-se afi rmar que o controle social começa com a participação da sociedade civil nas suas diversas formas de organização, na elaboração, aprovação, acompanhamento, monitoramento e ava-liação de políticas públicas.

4 Deliberação do Consea Nacional, 26/09/06.

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A sociedade civil tem como tarefas, não só manter viva a consciência do Direito Humano à Ali-mentação Adequada - DHAA na sociedade, mas potencializar a cidadania no sentido de capacitar os atores sociais para exigirem este direito e participarem da construção de espaços públicos que ense-jem a formulação e o controle social de políticas públicas.

tornar o DHAA uma questão importante e central na vida cotidiana e na ação política das diver-sas organizações da sociedade civil é tortuoso. Nosso desafi o é construir novas dinâmicas de gestão e conferir à área de Segurança Alimentar Nutricional o verdadeiro caráter de políticas públicas conce-bidas e organizadas para assegurar direitos e proporcionar melhoria da qualidade de vida. Além de envolver a sociedade nos assuntos de governo de forma a torná-la mais REIVINDICATIVA, PROPOSI-TIVA e COOPERATIVA e, assim, construir um Estado de Direito, Governos Públicos e uma sociedade civil apta ao exercício da cidadania participativa.

iretriz XIDDA MUNICIPALIZAÇÃO DAS AÇÕES

A institucionalização e a legitimação dos sistemas Estadual2 e Nacional3 de segurança alimentar e nutricional sustentável - SANS, incorporada no ordenamento jurídico brasileiro, refl etem os anseios e reivindicações históricas dos movimentos sociais pela realização integral do direito humano à alimen-tação adequada.

tal arcabouço jurídico cria as condições políticas necessárias para a construção dos sistemas municipais de segurança alimentar e nutricional sustentável, pressuposto fundamental de sustentação, efetivação e integração das políticas de SANS, estruturadas nas diretrizes presentes, tanto no sistema Estadual, quanto no Nacional.

O Sistema Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável é, na realidade, a com-plementação dos sistemas que ainda fi guram no campo da proposição e da intencionalidade. Para o CONSEA-MG4:

Um Sistema Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável é um conjunto articulado, orgânico e descentralizado de mecanismos, órgãos e atores sociais, que se somam visando a concretização da política municipal como garantia do direito humano à alimentação adequada no âmbito do Município.

Esse aparato institucional, pautado em princípios, diretrizes e ações concretas descentralizadas no âmbito municipal, sistematizado e organizado no sistema local, defi nidos em Lei Municipal, confi -gura condição indispensável para a efetivação e integração dos sistemas Estadual e Nacional.

Para isso, se faz necessário que os municípios constituam espaços institucionais, criem instru-mentos ou equipamentos de intervenção que possibilitem o reconhecimento, valorizem e se articulem com o que já existe em sua abrangência.

É ainda incipiente o processo de integração das iniciativas de governos municipais com a socie-dade civil. Para êxito de qualquer proposta de política pública de SANS, é imprescindível a formatação e implementação de projetos que integrem e potencializem as ações.

também há que fortalecer a abrangência do conceito de SANS, ou seja, garanti-la como objeti-vo estratégico do governo. Da mesma forma, a intersetorialidade, a eqüidade e a participação social devem ser consideradas em todo o processo.

Concomitante ao processo de institucionalização, expresso nas leis, nos decretos e acordos, vê-se a necessidade dos municípios desenvolverem tecnologias sociais para melhorar os impactos das

1 Assessor Técnico do Consea MG. Filósofo pela PUC Minas.

2 Lei 1�.9�2 Cria o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. Disponível em: http://www.consea.mg.gov.br/lei_1�.9�2_2006.asp

3 Lei 11.346 Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada e dar outras providências. Disponível em http://www.in.gov.br/materias/xml/do/secao1/2319�37.xml

4 Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais. Orientações para Uma Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. Belo Horizonte: S/E, 2006.

Gildázio Alves dos Santos1

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ações, construírem indicadores de avaliação, monitoramento, qualificarem cada vez mais a implanta-ção e otimização das políticas de segurança alimentar e nutricional sustentável em parceria com orga-nizações da sociedade civil, iniciativa privada e outros atores sociais envolvidos.

O destaque da “Municipalização das Ações”, como uma diretriz fundamental da Lei 15.982, e a inserção dos municípios nos Sistemas Estadual e Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável reforçam de maneira significativa a importância da descentralização para uma política in-tegrada de SANS. Nesse sentido, conforme CAStRO5, pode-se afirmar que é por meio da municipa-lização que surgem as diversas experiências de práticas, projetos, ações, favorecidas pela distribuição do poder e a maior participação popular nas decisões, situação que permite a criatividade e sinaliza para a solução de problemas locais, dificilmente solucionados pelas instâncias estadual ou federal isoladamente.

Por ser o município o ente federado mais próximo do cidadão, deste lugar será possível realizar transformações que alterem a conjuntura social local, e melhorem decisivamente a qualidade de vida de todos os munícipes. Espera-se que, no âmbito municipal, seja feita a gestão para a garantia do acesso permanente ao alimento de qualidade a todos os cidadãos. Cabe ao poder público local ter firmeza no enfrentamento de grupos de maior poder econômico e evitar que esses sejam privilegiados em detrimento da maioria, que não tem acesso aos bens públicos e, como conseqüência, vêem seu direito humano à alimentação adequada violado diuturnamente.

O desenvolvimento de ações nos municípios poderá orientar-se por diagnósticos que contem-plam estudos da realidade e priorização de áreas e públicos específicos e ter como horizonte os eixos abaixo mencionados:

1) É importante que o trabalho de segurança alimentar e nutricional no município tenha como ponto de partida um bom diagnóstico local e estudos que levem em consideração a situação de inse-gurança alimentar nutricional; que sejam identificados os maiores problemas que atingem as pessoas; que o material produzido sirva de base para a mudança e melhoria necessárias; e que sejam criados e/ou fortalecidos instrumentos de monitoramento, como Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN.

2) O município pode atuar também na caracterização dos diversos segmentos sociais, identificar e priorizar os públicos mais vulneráveis e melhorar as condições dos consumidores e dos produtores de alimentos. O Município e os demais atores sociais envolvidos poderão organizar suas ações, orien-tados nos seguintes eixos:

a) Produção de alimentos: incentivar a produção local dos alimentos, gerar renda e aumentar a oferta, dinamizar e diversificar o acesso aos alimentos, apoiar a agricultura de base familiar, ajudar no fortalecimento da organização social dos produtores, capacitá-los, facilitar o acesso ao micro–crédito. A prefeitura e as entidades articuladas na promoção de SANS poderão desenvolver a implantação de pomares caseiros e comunitários, hortas comunitárias e escolares.

b) Abastecimento e garantia de acesso aos alimentos de qualidade: o município poderá organizar ações para facilitar o acesso da população local a alimentos produzidos por pequenos pro-dutores e grupos comunitários. Para tal, poderão criar espaços para compra direta do produtor com preços mais acessíveis e qualidade garantida e a origem dos alimentos assegurada. Concretamente, o município, em parceria com as empresas e a sociedade civil organizada, pode criar centrais de abas-tecimento, feiras fixas e móveis e mercados regionais. Segundo MAttOS�, juntamente com outros

� CASTRO, Maria Helena G. Estado, Município e Desenvolvimento Social. Jornal da Tarde, São Paulo 1� fev. 2004. Opinião.

6 MATTOS, Janaina Valéria. Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Disponível em: http://www.polis.org.br/publicaco-es/dicas/dicas_interna.asp?codigo=219 Acessado em 06.jan.07.

municípios da região pode-se criar consórcios intermunicipais que favoreçam a comercialização de alimentos da região, ainda que não tenha sido produzido no município.

c) Saúde, nutrição e educação alimentar: o município e os demais atores envolvidos, ao prio-rizarem esse eixo, deverão criar alternativas que favoreçam o consumo de alimentos de qualidade; trabalhar a educação alimentar e nutricional e ter como meta a organização dos consumidores. Cabe aqui ressaltar a necessidade da promoção de hábitos alimentares saudáveis, a diversidade no consu-mo de alimentos, o aprofundamento e disseminação do conceito de segurança alimentar e nutricional em sintonia com um consumo responsável. Os envolvidos deverão atentar-se às normas que regulam a comercialização de alimentos, a verificação da rotulagem adequada, e o atendimento dos grupos populacionais com carências alimentares e nutricionais específicas, com vistas a proporcionar uma ali-mentação nutricionalmente adequada para garantir a saúde desses públicos.

d) Programas Alimentares Suplementares: Esse eixo deve ser garantido no conjunto de ações de SANS, com vistas ao atendimento de grupos vulneráveis e de pessoas atendidas por programas de suplementação alimentar. Destacam-se programas como: a alimentação escolar, apoio a creches e entidades assistenciais, o acompanhamento e fiscalização dos programas de transferências de renda, como Bolsa Família, o Programa Leite pela Vida e outros. Apoiar iniciativas de mutirões e campanhas de coleta e doação de alimentos: apoio emergencial� a famílias e grupos em situação de vulnerabi-lidade alimentar e social, até iniciativas mais ousadas de superação do quadro de miséria e fome no âmbito do município.

A constituição de sistemas municipais de SANS apresenta-se como uma alternativa de fortaleci-mento da política municipal que resulta em maior efetividade das ações e menos dispersão de recursos e energias. Dentro do sistema, a estruturação e o funcionamento dos Conselhos Municipais de SANS – COMSEAs, como espaços de interlocução entre setores governamentais e a sociedade civil orga-nizada, figuram como iniciativa de relevância e de amplo alcance social. Há que se destacar também que a realização de Conferências Municipais de SANS, dentro de um processo de mobilização social e de participação dos diversos segmentos populares, a construção de um Plano Municipal de SANS e a garantia de orçamento para as ações são condições fundamentais para a municipalização das ações.

Portanto, a diretriz XI da Lei 15.982 “A Municipalização das Ações”, além de transversal em relação às outras diretrizes da Lei, aponta para um caminho que tem como meio de execução da polí-tica a descentralização. Essa opção abre perspectivas para a construção de novos modelos a partir do fortalecimento dos equipamentos e espaços públicos, repercutindo positivamente em toda sociedade e nos governos.

7 Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Princípios e Diretrizes de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Caderno de Textos II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Brasília, 2004.

3� 3�

iretriz XIIDDA PROMOÇÃO DE POLÍTICAS INTEGRADAS PARA

COMBATER A CONCENTRAÇÃO REGIONAL DE RENDAE A CONSEQÜENTE EXCLUSÃO SOCIAL

Nós, brasileiros, vivemos num país onde a concentração de renda e desigualdade social são alarmantes. A desigualdade que predomina na sociedade brasileira causa situações de extrema po-breza e exclusão social que assola um contingente cada vez maior da nossa população. Entretanto, precisamos entender que a concentração de renda e a exclusão social não são processos naturais. São fenômenos construídos ao longo da nossa história de país capitalista. E um dos primeiros passos para o rompimento desta noção naturalista da pobreza, miséria, falta de recursos e outros é a tomada de consciência social acerca dos direitos e de como acessá-los.

A discussão sobre concentração regional de renda tem gerado diversas compreensões. Por esta razão, temos atuações políticas também diversas e, quase sempre, pouco efetivas. Pensar polí-ticas integradas de combate à desigualdade regional e à exclusão social implica, primeiramente, em distinguir os tipos de desigualdades aí incorporadas. Segundo PESSOA3, são dois os enfoques que envolvem o problema da desigualdade de renda. O primeiro diz respeito à diferença de renda per ca-pita entre regiões. Algumas pessoas de determinada região podem ter acesso a altos salários e, assim, elevar a renda per capita da região, mesmo que tenha um número muito grande de pobres. Neste enfoque é necessário investigar a realidade e propor políticas que reduzam as diferenças de renda per capita entre regiões.

Outro enfoque é da concentração da produção que acontece quando não se tem distribuição uniforme da mesma entre as regiões. Neste caso, uma região se torna mais desenvolvida por deter melhor infra-estrutura (estradas, aeroportos, etc.) e maior capacidade produtiva (indústrias, agricultura, etc.), havendo desigualdade de renda absoluta de cada região. Dessa forma são problemas que de-mandam políticas diferentes.

Para o problema da desigualdade de renda per capita da região devem ser destinadas políticas que alterem as características dos indivíduos, como por exemplo: melhoria do sistema educacional ou promoção da qualifi cação profi ssional. Para o problema da desigualdade gerada pela concentração da produção devem ser destinadas políticas que alterem as características da região, como o fomento à agricultura familiar ou a promoção da reforma agrária.

No caso do Estado de Minas Gerais, QUEIROZ4 aponta como uma das regiões mais heterogêne-as do país. Coexistem no Estado regiões dinâmicas, modernas e com indicadores socioeconômicos de alto nível com localidades atrasadas, estagnadas, que não oferecem a mínima condição de vida para sua população. Os diversos estudos já realizados apontam três regiões do Estado como em situação crí-

1 Nutricionista. Professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

2 Secretário Executivo do CONSEA-MG.

3 PESSOA, Samuel de Abreu. Economia Regional, Crescimento Econômico e Desigualdade Regional de Renda. Disponível em: http://epge.fgv.br/portal/arquivo/1197.pdf

4 QUEIROZ, B.L. Diferenciais regionais de salários nas microrregiões mineiras. Belo Horizonte, 2001. Dissertação de mestrado – UFMG.

Nadja Maria Gomes Murta1 / Celi Márcio Santos2

tica de pobreza, a saber, o Vale do Jequitinhonha, o Vale do Mucuri e o Norte de Minas5, que integram a região semi-árida mineira. Nestas regiões, mais da metade da população é considerada pobre, e um dos principais condicionantes da desigualdade entre as pessoas ocupadas nestas regiões é a educação. Contudo, entre a população nela residente há grupos que são ainda mais excluídos (as mulheres, os atingidos pelas barragens, as diferentes etnias, os pequenos produtores de alimentos, etc.).

Entretanto, a questão da injustiça social ultrapassa os limites geográfi cos, chegando até às regi-ões ditas mais ricas do Estado, incluindo a capital, onde existem grupos com enormes problemas de sobrevivência, como os moradores de vilas e favelas, os desempregados, os biscateiros, os moradores de rua, dentre outros.

Importante papel na formatação das (des)igualdades regionais tem a educação.

No Brasil, observa-se que o nível de escolaridade está signifi cativamente associado ao nível de renda das regiões, sendo os anos médio de estudo muito maiores nas regiões ricas do que nas regiões pobres. Essa correlação coloca uma questão importante: qual o papel das diferenças em escolarida-de na formação das desigualdades de renda entre as regiões? O resultado desse exercício tem uma lição fundamental para a política governamental: se a desigualdade residual de renda após descontada a desigualdade de escolaridade for muito menor do que antes da consideração da escolarida-de, conclui-se que uma política de equalização regional de rendas deveria centrar-se na educação�.

No entanto, não devemos repassar à educação toda a vinculação acerca do nível de renda das pessoas e regiões. Em grande parte, as desigualdades regionais resultam da falta de investimento em in-fra-estrutura, da falta de incentivo aos setores produtivos regionais (indústria, agricultura, comércio), mas, sobretudo, da falta de um modelo de desenvolvimento regional sustentável democrático e includente.

tomemos como exemplo a insegurança alimentar defi nida pelo CONSEA� como a falta de aces-so regular e permanente aos alimentos de qualidade, podendo ser leve, moderada e grave. Em Minas, entre as residências pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística – IBGE, verifi cou-se que 31,�5% das pessoas nelas residentes estavam sujeitas a alguma insegurança alimentar. E os percentuais mais elevados entre pessoas com menos anos de estudo, menos rendimento, negros e pardos, e outras.8

Uma das grandes causas dos problemas de insegurança alimentar da população é a desigualda-de social e a concentração de renda e dos meios de produção. Se a distribuição não é eqüitativa, tam-bém não serão os seus resultados. Embora a insegurança alimentar não se manifeste exclusivamente nas camadas sociais mais pobres, é nestes grupos que encontramos o maior grau de vulnerabilidade à falta de alimentos, seja por não disporem de renda sufi ciente para sua aquisição, seja por não terem acesso aos bens de produção necessários (terra, insumos, equipamentos, etc.)9.

Diante das desigualdades existentes devemos juntos (estado, mercado e cidadãos) e em dife-rentes esferas (federal, estadual, municipal e local) pensar em políticas estruturantes e integradoras que visem a Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, de forma que as “pessoas excluídas” possam de-senvolver suas habilidades e autonomia, com conseqüente resgate da dignidade de um ser humano.

� SIMÃO, Rosycler Cristina Santos. Distribuição de renda e pobreza no Estado de Minas Gerais. Piracicaba: 2004. Dissertação de mestrado – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.

6 AZZONI, Carlos Roberto. Desigualdades e convergências regionais de renda. In: www.nemesis.org.br

7 CONSEA. Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional. Brasília: 2004

� IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Segurança Alimentar 2004. Rio de Janeiro, 2006.

9 CONSEA. Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional. Brasília: 2004

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Desta forma, não há alternativa para a erradicação da exclusão social se não forem desencade-adas políticas públicas que redistribuam a renda e a riqueza e garantam o direito à terra e de acesso à água para a população. Acrescente-se aqui o cumprimento dos direitos básicos dos seres humanos, como: o direito ao trabalho com dignidade e a salários justos, o direito à educação e à saúde, além do próprio direito à alimentação10.

Cabe a todos nós, atores envolvidos com a Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável no Estado, tendo como diretriz o combate à concentração regional de renda e a conseqüente exclusão social, nos debruçarmos mais sobre a realidade regional do Estado, propor políticas e ações públicas que interfi ram sobre essa realidade. O fato de Minas Gerais já contar com uma Lei que dispõe sobre a política estadual de segurança alimentar e nutricional sustentável – Lei 15.982, de 200�, já é um grande avanço, mas que não pode fi ndar-se em si mesmo.

São necessários investimentos regionais, por parte do Governo Federal ao Governo Estadual, dos governos municipais, do setor empresarial e da sociedade civil, que promovam a eqüidade, a jus-tiça social, a democracia e a inclusão. Para tanto, é imprescindível o engajamento da sociedade civil e dos governantes no compromisso democrático do poder, dando prioridade às políticas redistributivas dos benefícios do crescimento11.

10 CONSEA. Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional. Brasília: 2004

11 COSTA, Fernando Nogueira da. Se Brasil fosse Brasília. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/artigos/artigo190.htm

iretriz XIIIDDO APOIO À REFORMA AGRÁRIA E AO FORTALECIMENTO

DA AGRICULTURA FAMILIAR ECOLÓGICA

Das 13 diretrizes apontadas na Lei 15.982, de 200�, que dispõe sobre a política e segurança alimentar e nutricional sustentável no Estado de Minas Gerais, ressalta-se na 13ª diretriz o apoio à re-forma agrária e ao fortalecimento da agricultura familiar ecológica, como um dos instrumentos para a efetivação de políticas de segurança alimentar e nutricional.

Para compreender o fundamento desta diretriz, faz-se necessário o resgate e articulação de conceitos norteadores, a saber: segurança alimentar e nutricional sustentável - SANS, reforma agrária e agricultura familiar. Na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional3, realizada em 2004, SANS é defi nida como:

a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade sufi ciente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômi-ca e ambientalmente sustentáveis.

A partir deste conceito pode-se pressupor que, tanto a reforma agrária, quanto a agricultura familiar confi guram-se como atividades estratégicas para um modelo de desenvolvimento sustentável realizado em bases socialmente eqüitativas, democráticas e inclusivas. Neste caso, desenvolvimento refere-se à criação de condições nas quais as pessoas possam ter igualdade de oportunidades para além dos limites da subsistência. (CONDRAF, 2005)4

No Brasil, a falta de acesso eqüitativo à terra confi gura-se como um dos principais problemas geradores de insegurança alimentar. Mesmo os agricultores já assentados encontram-se, em grande parte, em situação precária, sem garantia de permanência na terra (LEROY, 2002)5. Faz-se, portanto, imprescindível a defesa da realização de uma ampla reforma agrária que reveja o caráter exclusivamen-te distributivista e produtivista para se garantir acesso à terra aos agricultores e redefi nir conceitos e rumos do próprio desenvolvimento rural como parte imprescindível do desenvolvimento sustentável nacional.

O processo de democratização do acesso à terra é um caminho para democratizar também os meios de produção de alimentos. Dentro deste contexto, é fundamental colocar à disposição dos agricultores assentados o acesso aos insumos e recursos básicos que viabilizem, em curto prazo, a pro-

1 Secretário Executivo do CONSEA-MG.

2 Assessor Técnico do CONSEA-MG; mestrando em Bioética pela Universidade Católica Argentina; psicólogo pela PUC-Minas.

3 Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Princípios e Diretrizes de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Caderno de Textos II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Brasília, 2004.

4 CONDRAF - CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL. Desenvolvimento rural, eqüidade so-cial e sustentabilidade: reforma agrária, agricultura familiar e atores sociais. In: Plenária Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável: Documento base. Brasília: MDA, 200�.

� LEROY, Jean Pierre. et al. Tudo ao mesmo tempo agora: desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que isso tem a ver com você? Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

Celi Márcio Santos1 / Marco Antonio Dieguez2

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dução dos alimentos para auto-consumo e/ou comercialização. tal disponibilização se faz importante por entender que uma política de segurança alimentar e nutricional deve contemplar não somente os segmentos que têm dificuldade de acesso aos alimentos, mas também aqueles responsáveis pela produção e oferta dos mesmos, os pequenos agricultores e assentados, uma vez que parte destes também se encontra em situação de vulnerabilidade social (CAUME)�.

Em se tratando de agricultura familiar, com suas características agroecológicas e potencialidades social e ambientalmente sustentáveis, pode-se considerá-la como uma indutora de desenvolvimento local por gerar emprego, renda, abastecimento alimentar e outros serviços de suporte ao meio rural, possibilitando a movimentação de recursos humanos, materiais e financeiros. Bem como, estimular a permanência da população no meio rural ou nas pequenas cidades, contribuindo na redução do fluxo de populações para os grandes centros urbanos, que tem gerado violência e desagregação do tecido social. (CAUME�; CONSEA-MG8).

Apoiar a reforma agrária e a agricultura familiar significa assegurar a auto-suficiência produtiva do país, ou seja, o pleno abastecimento dos produtos agrícolas considerados primordiais e estra-tégicos para suprirem as necessidades alimentares da população. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, citados por HECK9, 40% do valor bruto da produção agropecuária são de responsabilidade da agricultura familiar. Além disto, suas cadeias produtivas correspondem a 10% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) do País. A agricultura familiar representa 84% dos estabelecimentos rurais do Brasil e emprega �0% da mão-de-obra do campo. Com relação à produção de alimentos, basta saber que é a agricultura familiar a responsável pela maioria dos alimentos na mesa dos brasilei-ros: 84% da mandioca, ��% do feijão, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura do leite, 49% do milho, 40% das aves e ovos e 32% da soja.

As políticas públicas de apoio à reforma agrária e de fortalecimento da agricultura familiar, enquadrada nos parâmetros agroecológicos, devem ser implementadas considerando as principais demandas e problemas hoje enfrentados pelas pessoas envolvidas nas duas atividades. Devem con-siderar ainda um modelo de desenvolvimento, para além do caráter assistencial, compensatório e emergencial conferido erroneamente à maioria das políticas de SANS.

Empiricamente, pode-se dizer que dentre as dificuldades vivenciadas pelos atores da agricultura familiar está a dificuldade para produzir e comercializar o excedente. Outras dificuldades aparentes são as relacionadas às técnicas agrícolas e administrativas, constatando-se a necessidade de aprimo-ramento das habilidades e competências dos trabalhadores rurais assentados para o empreendimento de negócios, incentivo à implantação e/ou desenvolvimento de negócios viáveis economicamente que possam competir no mercado com produtos ou serviços de qualidade.

Para a REBRIP10, em sua declaração do Gt Agricultura, direcionada ao Governo Brasileiro, são muitas as ações que ainda precisam ser implementadas pelo Governo. Sendo que uma das ações mais prementes diz respeito ao aumento dos recursos públicos para o desenvolvimento rural, incluindo aí, o crédito diferenciado para os pequenos agricultores e assentados, a pesquisa voltada para essas ati-vidades, e também assistência técnica e extensão rural específicas.

6 CAUME, David José. Segurança alimentar, reforma agrária e agricultura familiar. In: Extensão e Cultura: Revista da PROEC. Consultado em: http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/fome/seguranca.html

7 CAUME, David José. Segurança alimentar, reforma agrária e agricultura familiar. In: Extensão e Cultura: Revista da PROEC. Consultado em: http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/fome/seguranca.html

� CONSEA-MG. Dignidade e Vida: plano integrado e prioritário de segurança alimentar e nutricional sustentável.

9 HECK, Selvino. A força da agricultura familiar. Disponível em: www.mds.gov.br/noticias/artigo-a-forca-da-agricultura-familiar/?searchterm=agricultura%20familia

10 REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos. Pelo Direito a Promover o Desenvolvimento Sustentável, a Soberania e Segurança Alimentar e Proteger e Fortalecer a Agricultura Familiar e Camponesa. Disponível em: http://www.rebrip.org.br/_rebrip/pagina.php?id=649

Faz-se imprescindível e urgente, também, o bloqueio a todo e qualquer acordo de propriedade intelectual que dificulte o acesso e o controle dos agricultores sobre as sementes, a biodiversidade e outros recursos, bem como a manutenção, ampliação e garantia de qualidade dos serviços públicos necessários para o desenvolvimento rural, como saneamento, energia, educação, saúde, previdência e seguridade social, entre outros.

A agricultura familiar e os assentados da reforma agrária carecem de alternativas de mercados para seus produtos, além da incorporação de instrumentos legais que protejam e garantam preços ou a aquisição de sua produção pelos governos, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, do Governo Federal.

Outra demanda que se coloca é a necessidade de incentivo para projetos associativos que ga-rantam a diversificação da produção e a agregação de valor aos produtos agrícolas, além de adequa-ção da legislação e dos serviços de vigilância sanitária à realidade dos agricultores.

A discussão e construção de um desenvolvimento sustentável que apóie a reforma agrária e fortaleça a agricultura familiar, tanto do ponto de vista político e social como o ambiental, requer op-ções radicais que rompam com os atuais interesses, estruturas e formas de organização da sociedade brasileira. Desta forma, a reforma agrária, como medida de transformação da atual estrutura fundiária e de consolidação da agricultura familiar, é fundamental para dar um caráter democrático e interiorizar esse desenvolvimento (LEROY, 2002)11.

Nesses dois instrumentos, a reforma agrária e a agricultura familiar, podem estar as respostas para muitos problemas de insegurança alimentar e nutricional tão presentes hoje no Brasil. É preciso que governantes e sociedade tenha consciência do quanto que, se bem aplicados, esses instrumentos podem, efetivamente, contribuir não apenas para o combate à fome no Brasil, mas também para a geração de trabalho, distribuição de renda, produção de alimentos e conseqüente democratização da sociedade brasileira.

11 LEROY, Jean Pierre... (et al.). Tudo ao mesmo tempo agora: desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que isso tem a ver com você? Petrópolis, RJ: Vozes, 2002

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COMISSÃO ORGANIZADORA DA 4ª CONFERÊNCIA ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

SUSTENTÁVEL

COORDENAÇÃO GERAL

• D. Mauro Morelli

• Manoel Costa

• Celi Márcio Santos

GRUPO DE TRABALHO DE METODOLOGIA, CONTEÚDO E RELATORIA

• Creusa Ferreira dos Santos

• Euza Maria Santos Rabelo

• Virgínia Lima Pires

• Elido Bonomo

• Adnéia Vieira Santana

• Maria Beatriz Monteiro de Castro Lisboa

• Domingos Sávio da Silva

• Josimar José Rocha

GRUPO DE TRABALHO DE LOGÍSTICA

• Analúcia Guimarães Couto

• Marcini Araújo Ulhoa

• José Salviano de Souza

• Pedro Fernandes de Souza

• Zélia Alves de Oliveira Veloso

GRUPO DE TRABALHO DE CULTURA

• Isaías de Freitas

• Martin Wilhelm Kuhne

• terezinha Evangelista Silva

• Ana Amélia de Melo Medeiros

SECRETARIA EXECUTIVA DO CONSEA-MG

• Eliana da Cunha Messias

• Gildázio Alves dos Santos

• Joaquina Júlia Martins

• Marco Antônio Dieguez

• Maria Aparecida de Souza

• Maria de Lourdes Paixão de Resende Neves

• Maurício da Silva Martins

• Rosângela Ferreira Bortot Coelho

Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas GeraisCONSEA-MG

Rua Guajajaras, 40 – 23º andar – CentroCEP 30.180-910 – Belo Horizonte/MG

Tel.: (31) 3250-2141 – Fax: (31) 3250-2139www.consea.mg.gov.br

[email protected]

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notaçõesAA