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Sociedade e Cultura ISSN: 1415-8566 [email protected] Universidade Federal de Goiás Brasil D´arc Bernardes, Genilda; Azevedo Soares, Ademar Condomínios horizontais fechados: reflexão sobre a configuração do espaço intrametropolitano de Goiânia Sociedade e Cultura, vol. 10, núm. 2, julho-dezembro, 2007, pp. 209-225 Universidade Federal de Goiás Goiania, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70310207 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Sociedade e Cultura

ISSN: 1415-8566

[email protected]

Universidade Federal de Goiás

Brasil

D´arc Bernardes, Genilda; Azevedo Soares, Ademar

Condomínios horizontais fechados: reflexão sobre a configuração do espaço intrametropolitano de

Goiânia

Sociedade e Cultura, vol. 10, núm. 2, julho-dezembro, 2007, pp. 209-225

Universidade Federal de Goiás

Goiania, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70310207

Como citar este artigo

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Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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A proposta deste texto consiste em compre-ender a formação do espaço urbano de Goiânia,cidade planejada nos anos 30 para ser a capitaldo estado de Goiás. Mais especificamente, éuma reflexão com base em três estudos, reali-zados junto ao programa de Mestrado em Socio-logia da Universidade Federal de Goiás (UFG),1

que abordam as transformações na estruturamorfológica urbana derivadas dos impactosgerados pelos chamados condomínios horizon-tais fechados (CHFs), no espaço intrametropo-litano de Goiânia.

Goiânia, desde a sua concepção, resulta deum projeto político marcado pela intervenção doEstado e representa hoje a efetiva modernizaçãodo Centro-Oeste. O mercado imobiliário, a partir

da década de 1970, passa a constituir, ao ladodo Estado, um agente de intervenção importantena formatação do espaço urbano da cidade. Com1.093.007 habitantes (Censo/IBGE, 2000), Goiâ-nia, apesar de jovem, a exemplo das metrópolesbrasileiras, apresenta uma expansão urbanamarcada por processos de auto-segregaçãourbana (CHFs), redes formadas por grandesequipamentos como shopping centers, hiper-mercados e crescentes bolsões de miséria quese localizam em seus bairros periféricos.

Essas formas de ocupação são típicas deprocessos segregatórios no contexto da cidade,sobretudo a partir dos anos 90. A polarizaçãosocial e a busca de segurança instauram nasmédias e grandes cidades, em particular emGoiânia e em sua Região Metropolitana (RM),os chamados “condomínios fechados”, assimcomo é crescente a tendência da auto-segrega-ção nos bairros residenciais das classes médiase altas. Essa tendência se expressa por meio daexpansão do mercado que comercializa vários

Condomínios horizontais fechados:reflexão sobre a configuração do espaço

intrametropolitano de Goiânia

GENILDA D’ARC BERNARDES* eADEMAR AZEVEDO SOARES JÚNIOR**

Resumo: O presente trabalho buscou evidenciar os impactos que os chamados condomínioshorizontais fechados têm provocado na Região Metropolitana de Goiânia. Essa novatipologia habitacional se mostra como marca evidente de um novo padrão de segregaçãosocioespacial urbana, um processo social crescente de migração de parcelas significativasda população para bairros fechados, cercados por muros e sistemas de segurançasofisticados. O setor de habitação sempre exerceu importante papel na indução doadensamento e da expansão urbana dessa área, processo este que vem apresentando novasdinâmicas a partir da implantação dos condomínios fechados, contribuindo para aconfiguração de um novo espaço intrametropolitano de Goiânia.

Palavras-chave: condomínio horizontal fechado; Região Metropolitana de Goiânia;reestruturação socioespacial; desenho urbano; eixos de expansão.

* Doutora em Sociologia, professora da UFG e coordenadorado Mestrado em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente daUniEvangélica/Anápolis – GO. E-mail: [email protected].

** Mestre em Sociologia e professor da UFG e da UEG. E-mail: [email protected].

1. Soares Junior (2005); Silva (2003); Macedo (2002).

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sistemas sofisticados de segurança (grades,muros altos, cães adestrados e ferozes, cercaselétricas, circuito fechado de TV), além dopujante mercado imobiliário voltado para ospossuidores de renda alta.

Ao mesmo tempo, a configuração da cidadereflete transformações próprias daquilo que osteóricos têm definido como cidade global, oucidade na pós-modernidade (Sassen, 1998), ouseja, a concepção de que cidades e regiõesresultam da ação de atores econômicos, políticose sociais, nacionais e globais (Castells, 1992).

A cidade, na contemporaneidade, tem-seconstituído objeto de reflexão, no tocante aosprocessos de globalização geradores de redesconstituídas por grandes equipamentos comoshopping centers, hipermercados e CHFs(Sassen, 1998). A reflexão sobre essa temáticaconsidera as mudanças históricas recentes ocor-ridas em nível global, que repercutem na confi-guração das metrópoles, com efeitos drásticos,principalmente, nas grandes cidades dos paísesem desenvolvimento.

Resguardando as especificidades dascorrentes de pensamento que interpretam odesenvolvimento histórico recente, parece haverum consenso de que, nos anos 60 e 70, ocorre-ram mudanças históricas, que modelaram asdimensões econômicas, políticas, sociais eculturais da sociedade mundial, com ênfase nospaíses do capitalismo central, como EUA eEuropa ocidental. Porém, os impactos dessasmudanças atingem outras localidades comoconseqüência dos processos de integração dassociedades contemporâneas, derivadas daglobalização da economia, da criação das insti-tuições supranacionais, da chamada sociedadeinformacional: acumulação flexível, sociedadepós-industrial (Touraine, 1994), pós- moderni-dade (Jameson, 1997), entre outros.

Como conseqüência desse processo, obser-vam-se mudanças significativas no contexto dasmetrópoles, ao estabelecer novos sistemas dehierarquias urbanas mundiais e nacionais,resultando dele novas formas de organizaçãoespacial. São também observadas mudanças naconfiguração do Estado.

Segundo Harvey (1987), a explicação des-ses acontecimentos gravita em torno do processode produção, que esquematicamente pode ser

traduzido a partir do deslocamento do modelofordista de produção baseado nas economias deescala (produção em massa de bens homogê-neos, padronização, alto grau de especializaçãodas tarefas desempenhadas pelo trabalhador,divisão espacial do trabalho, homogeneização domercado de trabalho, fragmentação da classetrabalhadora, ampliação do setor de serviços;no tocante ao Estado: regulação, rigidez danegociação coletiva, socialização do bem-estar;no tocante à ideologia: sociedade de consumo;modernismo, mudanças a partir da totalidade eda estrutura) para uma configuração da acumu-lação flexível (declínio do Estado de Bem-Estar,motivada pela emergência no cenário interna-cional de novas economias representadas peloJapão, pela Europa e por países recém-indus-trializados como o Brasil, que desafiam a econo-mia norte-americana).

Para os objetivos deste estudo, nesse pro-cesso destacam-se o redimensionamento dasformas de organização espacial e cultural. Noprimeiro, os impactos das transformações eco-nômicas advindos da perda de importância dascidades industriais, devido à transferência dosinvestimentos para cidades menores ou parapaíses em desenvolvimento, geram não apenasnovos modelos de cidade, mas também criamuma massa de desempregados, que, quando nãoabsorvidos pelo setor de serviços, passam a inte-grar o setor informal de trabalho ou engrossamos índices de desemprego. Uma vez margina-lizados do setor produtivo, essa categoria ocupaos centros decadentes das grandes cidades ouhabitam regiões periféricas, em situações dedegradação humana e ambiental, passando acompor os chamados excluídos da cidade, ouos “condenados da cidade”, na linguagem deWacquant (2001).

No segundo, emergem traços caracterís-ticos da chamada “pós-modernidade”, por uns,ou da “sociedade pós-indústrial”, por outros,como a pluralidade de discursos, pluralidade deespaços e temporalidades heterogêneas (a local,a étnica, a religiosa, a ideológica, a de gênero, oefêmero e o fragmentário).

Harvey (1987) reflete sobre o abandono dos“modelos de planejamento integrado modernista”dos anos 60, sobrepondo a esses formas deestratégias pluralistas e orgânicas, através das“cidades colagens” de espaços, nas quais a

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renovação urbana cede lugar aos chamadosprocessos de revitalização.

A reestruturação econômica afeta a geo-grafia política dos territórios, das cidades e dasregiões, estabelecendo, principalmente, nospaíses em desenvolvimento uma convivênciaentre o urbanismo moderno e o pós-moderno,em uma espécie de bricolagem entre tradição,modernidade e pós-modernidade.

Nesses termos, a globalização estabelece“uma nova hierarquia de espaços, o apareci-mento de novas funções desempenhadas emnovos locais, e a reconfiguração física, econô-mica e social dos espaços existentes” (Levy,1997). Nesse contexto, a “cidade global”, ou aschamadas “cidades mundiais”, funciona comosede do capital transnacional, abrigando nelacentros financeiros, bancos e sedes adminis-trativas. Essas cidades constituem espaçoshíbridos, ao abrigar as instituições políticas,econômicas e culturais já existentes e as novasconfigurações urbanas e espaciais. Por outrolado, assistimos a um crescimento vertiginosodas cidades metrópoles dos países emergentes.Modernas? Sim. Com os signos das estruturasurbanas pós-modernas? Sim. Porém, com gra-ves problemas de desemprego, de pobrezaurbana, de carência de infra-estrutura e comgraves processos segregatórios.

A atuação do mercado globalizado, emboranão o único, interfere nas dimensões do bairro,da família, da comunidade, “uma vez que consti-tuem microestruturas, o elo capaz de unir a expe-riência individual e a ação coletiva à políticaurbana” (Smith e Tardanico, 1987, apud Levy,1997).

A constatação de que a globalização gerauma nova hierarquia de espaços é relevante paraa compreensão de Goiânia e região nesse pro-cesso. Pois, embora não possamos transferir deforma automática o conceito de cidade mundial,ou cidade global, para a compreensão dascidades dos países em desenvolvimento, Goiâniae região, ao mesmo tempo, se inserem na novatrama através da assunção de funções relacio-nada ao processo de reestruturação econômica,como conseqüência da dispersão das empresas,dos lugares de trabalho, do declínio do modelode cidades industriais tradicionais, da descen-tralização de empregos e da polinucleação de

centros marcados pela presença de grandesequipamentos urbanos.

No caso de Goiânia, pesa ainda o fato dea região ter como função regional articular aexportação de produtos provenientes do agrone-gócio com o mercado internacional. Essa lógicaganha novos parâmetros, conforme Castells(1992), ao destacar a ascensão dos atores naeconomia internacional ao imporem uma lógicaglobal, em detrimento das cidades e regiões.

Historicamente, no Brasil, verificamos nasdécadas de 1950 e 1960, caracterizadas peloperíodo desenvolvimentista, o início de umprocesso mais intenso de urbanização nas cida-des. Data desse período o começo da trajetóriairreversível de metropolização de algumascidades, conformando-se em grandes manchasurbanas, que se espalham além dos seus limites,de uma forma desordenada.

Além da crescente industrialização, acom-panhada por um processo migratório intenso,muito contribuiu para esse panorama a espe-culação imobiliária, presente em várias cidades,fazendo com que a mancha urbana se expan-disse de forma inédita no Brasil, proporcionandoa valorização do solo urbano. Desses processossurgem os vazios urbanos, criando o distan-ciamento das áreas centrais, a periferização e ouso dos automóveis e ônibus como base damobilidade urbana.

Diante dessa nova realidade urbana, per-cebe-se que o acesso às zonas mais bem assis-tidas, tanto em termos de infra-estrutura quantode oferta de bens e serviços, passa a conferirvalores diferentes às diversas localidades, sendoas áreas mais valorizadas habitadas pelas classesde mais alta renda. Estas, por sua vez, desem-penham papel importante na estruturação dessesespaços, uma vez que acabam por agregar valo-res a eles. A elite brasileira migra à procura demelhores locais para residência, de acordo como crescimento da cidade. Regiões centrais e suasadjacências são privilegiadas. A classe média,por sua vez, passa a habitar as zonas verticali-zadas de média e alta densidade, enquanto asclasses baixas ocupam as franjas das cidades.

Dentro do setor de habitação, vamos ter,na década de 1970, a implantação de bairrospreviamente organizados e planejados, onde aforma de ocupação é conseqüência previsível

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de planos racionalmente traçados. Surgem osapartamentos racionais em série e é desse perío-do também o aparecimento dos grandes condo-mínios verticais, comportando nos bairros maiscentrais uma população composta por pessoasda classe média e média alta. Registra-se o inícioda implantação dos primeiros CHFs, comdestaque para o surgimento do empreendimentoAlphaville Barueri.2 Segundo Tramontano(1999), a concepção de condomínio surgiu nosEUA na década de 1950, quando os arredoresdas cidades foram invadidos por casas de cam-po. No Brasil, inicialmente, os condomíniossurgiram ao redor da cidade de São Paulo,ocupando grandes glebas, ao longo das rodoviasCastelo Branco e Raposo Tavares. “A ChácaraFlora foi o primeiro loteamento fechado de SãoPaulo, executado antes mesmo de existir qual-quer legislação municipal regulamentando estetipo de empreendimento”3 (Tramontano, 1999,p. 21).

De lá para cá, a urbanização brasileira tem-se caracterizado por um processo crescente deproblemas acumulados no espaço de suas cida-des: trânsito intenso e indisciplinado, poluiçãosonora, aumento da violência, decadência dasáreas centrais, entre outros. Os males internosde algumas cidades agora se projetam em áreasmais amplas, chamadas regiões metropolitanas,gerando um ambiente urbano caótico e desu-mano. Os espaços dos condomínios horizontaisfechados apresentam-se como contrapontoperfeito a essa cidade desfigurada, pelo menosa uma parcela da população brasileira.

O mercado imobiliário soube se utilizarmuito bem dessa situação. A fórmula que surgena década de 1970 cresce exponencialmentenos anos 90 em grande parte do territórionacional.4 No entanto, não era só uma questão

de segurança, uma vez que o próprio condomíniovertical assegurava esse fator. Abria-se ummercado promissor, oferecendo, além da segu-rança, um espaço mais homogêneo, distante damalha urbana, relativamente funcional e commuita área verde. Além disso, o condomíniofechado acena como um elemento novo dediferenciação e distinção, demarcando distancia-mentos com os não-iguais.

Temos hoje, no Brasil, uma realidade urbanaconsideravelmente demarcada por loteamentosfechados, localizados, em sua absoluta maioria,nos subúrbios das cidades, acessíveis por umamalha rodoviária de fluxo rápido. O espaço docondomínio fechado está muito ligado ao usointenso do automóvel, como também ao modelonorte-americano da moradia no subúrbio.

Os condomínios fechados, em si, não sãouma novidade completa, haja vista as experiên-cias verificadas nas décadas de 1970 e 1980. Oque desperta a atenção, dos anos 90 até os diasde hoje, é o aumento do seu número e suadisseminação pelo país. Alguns condomínios,inclusive, estão sendo instalados em cidades queapresentam índices baixos de violência, secomparados às grandes cidades brasileiras.Além disso, temos um processo de popula-rização dessa fórmula, hoje oferecida paraparcelas de menor poder aquisitivo. Essa rápidadisseminação situa-se em um cenário maisamplo de modificações na esfera urbana e temfomentado processos de reestruturação doespaço das cidades, que comportam tais con-domínios.

A metrópole goiana constitui-se hoje naterceira capital do país em número de condo-mínios. É interessante verificar, em Goiânia, umacidade de médio porte, a proliferação dessesespaços. Segundo dados da Secretaria de Plane-jamento Municipal (Seplam), de 1995 para cá,cerca de 14 CHFs5 foram implantados. Istodemonstra modificações na arquitetura da habi-

2. O Alphaville constitui a experiência mais conhecida e demaior sucesso desse tipo de habitação no Brasil e está insta-lado hoje em várias cidades brasileiras, além de contar comuma unidade em Lisboa, Portugal. Esse modelo habitacionalestá assentado no tripé: casa própria–autoconstrução–lotea-mento periférico.

3. Hoje inúmeras cidades no país já têm legislação munici-pal que trata dessa forma de ocupação.

4. Nesse período, vamos verificar a reprodução dos condo-mínios horizontais fechados, extrapolando os limites geo-gráficos das grandes cidades e se instalando em muitas cida-des do interior do país.

5. A Secretaria de Planejamento Municipal de Goiânia fazuma diferenciação entre condomínios horizontais fechadose conjuntos de habitações seriadas, apesar de os dois seremhorizontais, cercados e com sistema de segurança próprio.O primeiro se caracteriza por ocupar grandes glebas comparcelas ideais, em geral acima de 500m², chegando até a12.000 m² e caracterizando-se por construções de alto po-der aquisitivo; o segundo são como vilas, apropriando-se doconceito de segurança dos primeiros, ou seja, pequenas

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tação em Goiânia, indicando mudanças na suavida urbana.

Em termos descritivos, devemos entendero condomínio horizontal fechado como:

[...] conjuntos de habitações cercados pormuros, com entrada única, geralmente contro-lada por dispositivos como guarita. São conjun-tos, como sugere a denominação, não verticali-zados, nos quais as unidades habitacionaispossuem acessos independentes e geralmenteestão dispostas em lotes definidos. Constituemuma modalidade de ocupação do solo na qualverificam-se vários tipos de agrupamentos, dasunidades habitacionais, desde unidades isola-das até blocos de unidades térreas, de doispavimentos ou sobrepostos, passando porunidades geminadas por um só lado, podendoser térreas ou de dois pavimentos. (Tramon-tano, 1999, p. 1)

Sem dúvida, o elemento mais emblemáticodos condomínios é o muro, que acaba porestabelecer uma ruptura, seja ela física oumesmo simbólica, diante do aglomerado maiorda cidade. Conjunto de habitações horizontais,isolado em um sítio urbano comum, caracteriza-se principalmente pelo seu caráter privado epelo espaço relativamente autônomo e funcionalem relação à cidade. “Uma espécie de versãoburguesa das conhecidas comunas socialistassegundo uns, um gueto ao contrário, para outros”(Almada, 1998, p. 40).

Na Região Metropolitana de Goiânia, conta-bilizamos um total de 19 condomínios, com ascaracterísticas próprias dessa tipologia: o tripé– casa própria, autoconstrução e loteamentoperiférico –, sendo que, destes, 14 estão implan-tados na cidade de Goiânia, dois no municípiode Aparecida de Goiânia, dois no município deGoianira e um no município de Santo Antôniode Goiás. São eles: Privê Atlântico (1978),Jardins Viena (1995), Jardins Florença (1997),Aldeia do Vale (1997), Residencial Granville(1998), Jardins Madri (2000), Jardins Mônaco(2000), Portal do Sol I (2001), Complexo

Alphaville Flamboyant6 – 3 etapas: ResidencialCruzeiro do Sul, Residencial Goiás e Residencialdos Ipês (2001), Portal do Sol II (2002), JardinsParis (2003), Jardins Atenas (2003), ResidencialCalifórnia (2004), Residencial Araguaia (2004),Goiânia Golfe Residence (2005), Jardins Milão(2005), Recanto das Águas CondomínioFechado (2005), Villaggio Baiocchi CondomínioHorizontal (2005) e Condomínio do Lago (2005).Como estamos trabalhando também comconjuntos residenciais classificados pela Seplam,como habitações seriadas, este número seamplia para 24, se somados aos condomínioshorizontais fechados propriamente ditos. Épreciso ressaltar que, para nosso estudo, foramselecionados os conjuntos residenciais seriadosde maior porte. São eles: Privê dos Girassóis(1999), Housing Alphaville Flamboyant (2001),Residencial Monte Verde (2001), Fontana DiTrevi (2001) e Condomínio Alto da Boa Vista(2004).

Os condomínios horizontais fechados cons-tituem espaços eminentemente residenciais,apesar de a maioria deles agregarem a seusprojetos outras funções. Sua função básica é ade moradia; nesse sentido, o condomínio, aomesmo tempo em que amplia a diversidade detipologias habitacionais na cidade, reestruturasignificativamente seu espaço urbano, refazendoa “periferia da cidade, sua identidade, seu teorde classe e seus símbolos [...], emoldurandonovas paisagens na metrópole goianiense”(Almeida, 2004, p. 55).

O primeiro condomínio fechado de Goiâniafoi implantado no final da década de 1970. OPrivê Atlântico nasceu primeiro como conjuntohabitacional, voltado para classe média, finan-ciado pelo BNH e formado por casas pré-cons-truídas e lotes para posterior construção. Só nadécada de 1990 que o conjunto vai receber statusde condomínio fechado pelo poder público.

parcelas com construções padronizadas e cercadas. Paraefeito deste estudo, o número de condomínios se amplia,uma vez que adotaremos o conceito de CHFs e conside-raremos também as unidades residenciais seriadas de grandeporte, sendo os principais em número de cinco.

6. São denominadas complexo Alphaville Flamboyant astrês primeiras etapas desse empreendimento, que têm ca-racterísticas diferenciadas em relação às etapas dos demaiscondomínios, pois cada uma conta com cercamento e guaritaindividualizada, dando a impressão de três condomínios emuma única área. Já os outros empreendimentos daFlamboyant Urbanismo, o Housing Alphaville Flamboyante o Residencial Araguaia, foram contabilizados à parte dessecomplexo, uma vez que o primeiro é classificado comoconjunto residencial seriado e o segundo está em processode implantação, não tendo, portanto, residentes.

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Todos os outros condomínios de grande portevão ser implantados a partir da metade da décadade 1990 para cá, configurando-se como íconesda paisagem urbana da Grande Goiânia atual-mente.

No Brasil, ainda não temos uma legislaçãofederal que versa sobre a tipologia habitacionalcondomínio horizontal fechado. A Lei nº 6.766,de dezembro de 1979, regula o parcelamentodo solo urbano7 em todo território nacional, per-mitindo que o estado e os municípios estabele-çam sua normatização.8 Em 1991, foi promul-gada em Goiânia a Lei de nº 7.042, que dispõesobre a aprovação de planos urbanísticos inte-grados, bem como define suas características,cria nova zona de uso e demais critérios. Segun-do essa lei, plano urbanístico integrado refere-se ao parcelamento do solo, destinado à forma-ção de núcleo diversificado de unidades habita-cionais singulares ou coletivas, com previsão deáreas de comércio, serviço, entre outros. A leipermite também a formação e a implantaçãode núcleos residenciais fechados. Como núcleoresidencial fechado, temos o parcelamento dosolo urbano, caracterizado por ser um lotea-mento comum, onde as vias de circulação, asáreas livres e verdes internas poderão serutilizadas com exclusividade pelos adquirentesdos lotes, através da concessão administrativade uso, dada à associação, constituída pelosadquirentes, autorizando o seu fechamento e autilização de vigilância exclusiva e particular.

Segundo uma técnica da Secretaria dePlanejamento Municipal (Seplam), no queconcerne à cidade de Goiânia,

[...] não temos uma legislação específica paracondomínios fechados. Nós temos a Lei 4.526,

convencional e, dentro de um artigo dela, foifeita uma permissão para condomínio fechado.A gente tem dificuldades dentro da análise, comrelação a questões como localização, áreasinstitucionais, devido a equipamentos e áreasverdes. [...] os equipamentos são colocadosfora dos condomínios, para o atendimento dapopulação do entorno, e as áreas verdes ficamlá dentro dos condomínios, as áreas de preser-vação obedecem a este critério. Agora, o fecha-mento ocorre realmente, com a concessão admi-nistrativa de uso, que é dada pra associaçãodos proprietários, dos compradores do terreno.Não é para a incorporadora que faz, essaassociação forma-se e recebe a permissão, aconcessão administrativa de uso. Com isso, éfechado. Você sabe que, em âmbito federal, leique ordena condomínio fechado não existe?Agora é que me parece que estão querendofazer alguma coisa, né! [...] então, geralmenteos condomínios fechados são glebas grandes,e a gente olha mais ou menos assim, a questãodo sistema viário da cidade, próximo a esteespaço fechado, para não engessar e nós játemos certas regiões, onde já não são maispermitidas a implantação de condomíniosfechados, por vários motivos, como por exem-plo o limite do município e o possível engessa-mento. (Técnica da Seplam, em entrevistaconcedida em 8 de março de 2005)

São nesses termos e segundo essa legisla-ção que a Prefeitura de Goiânia tem abertoconcessão ao uso do solo urbano, para a implan-tação dos condomínios horizontais fechados.

É na metade da década de 1990 que perce-bemos o surgimento dos condomínios horizontaisfechados em Goiânia. Em alguns bairros comoo Jardim América, verificava-se a existência depequenos condomínios, além da existência dopróprio Privê Atlântico. No entanto, os com-plexos maiores, com todas as característicaspróprias dos condomínios mais atuais, sócomeçaram de fato a serem divulgados eimplantados de 1994 para cá. Uma reportagemde O Popular, jornal de maior circulação doestado, do ano de 1994, já dava indícios da ofertadesse tipo de modalidade habitacional no espaçoda cidade.

Viver com qualidade. Há muito tempo essedesejo vem habitando os sonhos de milhõesde brasileiros. Certamente ao lado dele, avontade de ganhar algumas vezes na loteria –

7. Conforme essa lei, considera-se como loteamento a sub-divisão da gleba em lotes destinados à edificação, com aber-tura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ouprolongamento, modificação ou ampliação das vias exis-tentes.

8. Ainda em nível federal, temos a Lei nº 4.591, de dezem-bro de 1964, que dispõe sobre edificações em condomíniose as incorporações imobiliárias (Lei dos Condomínios). Emsíntese, essa lei regulamenta sobre as edificações ou os con-juntos de edificações construídas na forma de unidade isola-da, para fins residenciais ou não, e que constitui propriedadeautônoma. Prevê, entre outros instrumentos jurídicos, acriação dos regimentos internos dos condomínios que esta-belecem normas e condições de uso de cada unidade, para osfins que foram construídos.

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uma “mãozinha” de Deus! –, de ver o Brasilcampeão e a URV de Fernando Henrique darcerto, pelo menos, nos seus sofridos bolsos.De todos esses sonhos mais que justos, um jáé possível. E está bem ao alcance dos goianos.Qualidade de vida é sinônimo de conforto,comodidade, liberdade e segurança. De morarbem. Hoje, tudo isso é diretamente proporcionalao que chamamos de “condomínios horizon-tais”, verdadeiras réplicas da casa-de-campode nossos sonhos, só que dentro da cidade.(O Popular, 24 abr. 1994, p. 16)

Essa tendência mundial chegava à Goiânia,estando ao alcance de uma parcela da populaçãoda cidade. “Longe da poluição sonora e am-biental dos centros urbanos, os condomínioshorizontais surgem como um achado, princi-palmente para os habitantes do Centro-Oeste,a maioria com raízes no interior e que preferemviver mais próximos ao chão, do que nas alturasde um condomínio vertical” (O Popular, 29 deabril de 1995, p. 13).

A busca por maior qualidade de vida,segurança e status social, pelas famílias de

maior poder aquisitivo da população de Goiânia,ativou um mercado promissor. O sucesso doJardins Viena (Região Sudoeste) levou o mer-cado imobiliário a lançar inúmeros outros projetosnos anos posteriores, com investimentos daordem de R$ 500 milhões em diversos outroslançamentos. Empreendimentos como Aldeia doVale, Residencial Granville, Alphaville Flam-boyant (primeira etapa) e Portal do Sol juntossomaram cifras da ordem de R$ 209 milhões.

Com a consolidação dos condomínios hori-zontais fechados como uma alternativa de mora-dia para a classe média e média alta da cidade,o mercado imobiliário acena hoje com modelosmais acessíveis, para bolsos não tão afortunados.A metrópole goiana apresenta, nos últimos anos,uma paisagem profundamente demarcada poressa tipologia, em um total de 19 condomínios.Somam-se a esses mais cinco outros, localizadosem municípios vizinhos, que integram sua regiãometropolitana.

Como unidades residenciais segregadas, oscondomínios fechados tocam em algumas ques-

Mapa 1 – Condomínios horizontais fechados da Região Metropolitana de Goiânia

Fonte: SEPLAM(Organizado pelos autores)Agosto de 2007

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Mapa 2 – Condomínios horizontais fechados da cidade de Goiânia

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tões importantes da vida urbana na cidade. Ocaráter segregacionista, evidenciado por seuespaço, torna-se forte agente na determinaçãoe na reprodução de critérios, quanto a quem podecircular ou estar naquele local, mexendo de certaforma na questão da cidadania (Roberts, 2002).

Os altos muros estabelecem rupturas drás-ticas na paisagem urbana, que conformam doiscampos distintos: privado e público, evidenciandoainda processos mais intensos de reproduçãode desigualdades sociais. A Grande Goiâniademonstra uma opção crescente pela segre-gação física e pela estética dos muros, restrin-gindo o acesso de estranhos às suas ruas inter-nas. A apartação (Buarque, 1993) aqui é repre-sentada pela configuração de um espaço públicoem privatização. Os condomínios, em suamaioria, encontram-se nos subúrbios da cidade,compartilhando o espaço da periferia com apopulação pobre e evidenciando uma repro-dução social perversa do espaço urbano.

Nos dias de hoje, as intensas atividadesurbanas, principalmente no setor habitacional,têm propiciado uma extensão do espaço públicoem direção ao espaço privado e vice-versa.9

Mesmo que esse acesso ao uso público doespaço privado muitas vezes seja temporário,assistido ou monitorado, ele ocorre em grandeescala e é reflexo de uma explosão das atividadesoriundas de mudanças estruturais das profissões,principalmente no setor de serviços, comércio eplanejamento.

Por outro lado, a rua, ou conjunto de ruas –“O Bairro” –, que se caracteriza por ser umespaço genuinamente público, sem fechamentoe que não necessita de identificação para circu-lação de público, veículos e algumas espéciesde animais, encontra-se hoje sendo “privatizada”.Fatos registram uma nova era, novos conceitosquanto ao modo de vida das pessoas, quanto aopoder e a abrangência do capital.10

Assim como os condomínios horizontais sãoexemplos de privatização de ruas, os edifícios de

empresas de caráter privado acabam assumindouma função pública. É o caso dos shoppingcenters. As pessoas transitam com toda facili-dade por esses locais, entram e saem quandoquerem, sem ter de se identificar, mas estãoconstantemente na mira dos seguranças, dascâmeras, sujeitas a um sistema montado paraesse tipo de ambiente.

Pode-se compreender, portanto, que essaampliação do espaço “público” dentro do espaço“privado” é mais uma forma de atrair e dealimentar o sistema capitalista, gerando lucrosem prol da acumulação do capital e vice-versa.Compreende-se ainda que o poder do capital semostre ainda mais audaz, à medida que subtraiespaço público da cidade, transformando-o em“quartéis de segurança” diante de uma socie-dade “perigosa”. Por outro lado, mas dizendorespeito ao mesmo processo, presenciamos aexpansão de inúmeros espaços privados, comoé o caso dos condomínios horizontais fechados.

Em um recente estudo, Macedo (2002)buscou um dimensionamento de tal realidade,enfocando a tendência de privatização dosespaços públicos em Goiânia. O autor procurouverificar em que medida os condomínios fecha-dos desqualificam o espaço da cidade, indicandoa emergência de um processo de valorizaçãodos espaços privados em detrimento dos espaçospúblicos. Sua hipótese é confirmada ao mostrarque essa tipologia habitacional lança tendênciano que tange a uma forma particular de vivenciaro espaço público da capital goiana, privilegiandoespaços privados ou semipúblicos (condomínioshorizontais fechados, shopping centers etc.)como locais próprios para a realização de inte-rações diversas. No entanto, o próprio autorressalta que tal questão não pode ser consideradade forma conclusiva, uma vez que essa é umarealidade ainda não muito cristalizada emGoiânia, destacando dessa forma o caráterexploratório de seu estudo. Este finaliza deforma interessante, ao questionar a futurageração que de fato está sendo gestada nessesespaços.

Internamente, o condomínio vai figurarcomo espaço de novas sociabilidades. Silva(2003), estudando esse fenômeno, a partir deum caso específico na cidade de Goiânia, o PrivêAtlântico, visualiza uma nova cultura de morar,

9. Para maiores informações sobre as transformações doespaço público e da vida urbana moderna, consultar: Sennet(1988), Harvey (1992), Davis (1993), Caldeira (2000) eJacobs (2000).

10. Essa tendência, por mais que venha revestida de umacerta modernidade, reforça hábitos tradicionais entre nós,caracterizando uma cultura patrimonialista brasileira.

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gestada por grupos específicos, grupos estes queapresentam um estilo de vida próprio, podendodenotar aqui um habitus, nos termos de Bour-dieu. A referência à teoria de Bourdieu (1996 e2001) se torna interessante, uma vez que Silvatambém vai entender o espaço físico comoespaço social e daí perceber a formação de umhabitus particular no espaço do condomínio. Noentanto, parece-nos que aquilo que figurou comoproposta acabou não sendo efetivado – os dadosapresentados se mostraram insuficientes naconfirmação da existência desse habitus, nãopodendo ser dimensionadas as implicações destena vida urbana de Goiânia.

O que percebemos é que os condomíniostêm figurado como pólo de atração de serviços,contribuindo para o processo de desconcen-tração, intensificando dessa forma a polinuclea-ção da cidade, como nos ajuda a entender a teo-ria da produção social do espaço, de Gottdiener(1993). Embora Goiânia, tradicionalmente, tenhatido uma centralidade muito forte. O que per-cebemos, no entanto, é que o processo depolinucleação, em Goiânia, intensifica-se a partirda metade de 1980 e se estende até recente-mente. A criação de novos lugares, com aconstrução dos condomínios fechados, temprovocado um aumento da população e deatividades comerciais e sociais nessas áreas.Essas mudanças são percebidas e sentidas pormoradores do entorno; seus relatos nos dão umaidéia de como eles estão sentido tais alterações.

[...] Ah, se houve alterações! Com certeza, [...]eu moro nesta região há mais de 13 anos. Eunão sou daqui não, eu nasci em Palmeiras deGoiás, mas aí você sabe né? Cidade pequena[...], sem oportunidades [...], a gente acaboumudando pra cá, veio toda a minha família, logoque a gente veio, fomos morar no Novo Mundo,perto do Água Branca, não sei se você conhece,ali na Rua Tabatinga, pertinho da Av. Olinda.Meus pais ainda tão lá. Depois que eu casei,comprei esse lote aqui, no Jardim Brasil, foi oque a gente conseguiu comprar né? Fizemosesse barracão, mas com planos de construiruma casa maior aqui na frente. [...]. Quando eue minha mulher mudamos pra cá, não tinha nadaaqui no bairro, até pra gente ir trabalhar eracomplicado, transporte você sabe como é queé aqui em Goiânia né? Pegar ônibus é muitodifícil, mais no meu caso eu nem tô falando de

ônibus, porque eu tenho uma moto e trabalholá no Jardim Bela Vista, numa oficina de lanter-nagem, perto do HDT. Antes, pra ir pra lá, eugastava um tempão, o bairro aqui não tinhasaída. Agora, com o condomínio aqui do lado,a gente tem outra ligação, pra ir pro serviçomesmo, eu acho melhor ir aqui por dentro doAlphaville, porque eu já saio lá na frente, semter que voltar na Av. Olinda todinha e passarpela BR, que é triste pra motoqueiro [...].(Entrevista concedida em 9 de abril de 2005)

É interessante verificar, no depoimentotranscrito, como o morador aponta algumasalterações na região, em função da instalaçãodos condomínios horizontais fechados. Para amaioria dos moradores dos bairros do entorno,algumas melhorias são visíveis, interferindo naqualidade de vida daquelas pessoas. Algumasbenfeitorias de infra-estrutura são constante-mente ressaltadas, entre outras.

[...] valorização da área, a expansão da cidade ea vinda de novos moradores pra esta região.Na questão comercial foi maravilhoso, valorizoua área, essa área tá expandindo muito né? Aí,aqui passou a ser mais conhecido, antesninguém sabia onde ficava o Parque Atheneu,e muito menos o Mariliza, hoje mudou tem atémelhor linha de ônibus. (Morador do JardimMariliza, próximo aos Jardins; entrevistaconcedida em 16 de abril de 2005).

[...] houve melhoria sim, energia à noite, não tátão perigoso como antes. Aqui era muitoescuro, agora tá uma beleza, à noite fica atébonito. E depois tem também o emprego né.

[...] tudo tá muito diferente, houve melhoria sim[...], hoje já temos clientes moradores doscondomínios; [...] além da valorização, só pravocê ter uma idéia, eu tenho um lote, aqui maisà frente, na Av. das Gameleiras, que há seisanos atrás eu coloquei à venda, por R$ 40.000,00,mas acabei não vendendo na época, hoje járecebi oferta de até R$ 120.000,00. (Proprietáriade um estabelecimento comercial no BairroÁgua Branca, situado na Av. Olinda; entrevistaconcedida em 9 de abril de 2005)

Estruturalmente, a Região Metropolitana deGoiânia, tem sofrido alterações bastante signi-ficativas com a implantação dos condomíniosfechados. A malha urbana foi profundamente

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modificada para suportar a implantação de taisempreendimentos, houve a criação de um siste-ma viário exclusivo e de uso coletivo (avenidas,ruas e viaduto), que interliga regiões, antesseparadas e modifica vias intermunicipais,alterando o cotidiano da região. Como exemplosdessa reestruturação na Região Metropolitana,temos a abertura da avenida, ligando os Jardins,até o Campus II da UCG e o viaduto AlphavilleFlamboyant, feitos pelas incorporadoras doscondomínios, em parceria com a PrefeituraMunicipal. Essas duas estruturas viárias possi-bilitaram uma integração com a malha urbanada região e da Grande Goiânia. Tais mudançasna infra-estrutura da Região Sudeste alteraramsensivelmente a área. Bairros que antes tinhamapenas uma saída para as áreas mais centraisde Goiânia contam hoje com outras alternativasde deslocamento. O Parque Atheneu e o JardimMariliza, dois grandes bairros no entorno dosJardins, passaram a ter, com as alterações,ligação com a GO-020 que, por sua vez, se ligaà BR-153, fazendo com que a população dosdois bairros e de outros próximos tenham acessomais rápido à parte leste da capital.

Essa ação das incorporadoras (FGR Cons-trutora, Flamboyant e Alphaville Urbanismo), emparceria com o poder público, dá-nos uma noçãode como tem sido as relações entre esses doisatores nessa região. Percebemos que, apesarde as incorporadoras estarem à frente da im-plantação dos condomínios, o processo nãoacontece sem a presença do poder público, aindaque essa presença se dê mais em termos legais,no que se refere à aprovação e à fiscalizaçãotanto dos projetos dos condomínios quanto dosprojetos de alteração da infra-estrutura da área.Queremos ressaltar a força de ação do capitalimobiliário à frente desse processo, redefinindoos limites e a expansão da cidade. A prefeitura,através da sua Secretaria de Planejamento, pormais que tente disciplinar o uso do solo na cidade,tentando fazer cumprir sua função social, vê-seimpotente diante do capital, que acaba orientandoo crescimento da cidade, de acordo com seusinteresses. Percebemos que interesses conver-gentes entre capital e poder público muitas vezessão nocivos à cidade.

A discussão sobre expansão urbana é umadas mais problemáticas para a Seplam. O alar-

gamento horizontal da cidade traz ônus e quempaga o preço disso é o conjunto da população.Quanto mais se aprovarem loteamentos distan-tes da malha urbana, mais caro custa levar osbenefícios sociais, como eletricidade, água,esgoto, asfalto, transporte, escolas, segurançae lazer a esses novos bairros. Esta é uma dis-cussão mais problemática ainda, por esbarrarna existência de inúmeros espaços centrais aindavazios que poderiam abrigar edificações. Con-forme vimos, os interesses da iniciativa privadaé que dão o tom e a direção ao crescimento dacidade.

A implantação dos condomínios fechadostem atraído outros investimentos, ativando umcírculo de crescimento, ainda incalculável.Houve uma valorização dos terrenos nos bairrosdo entorno. Os preços subiram, não só dos bair-ros fronteiriços aos condomínios, mas tambémdos outros bairros que compõem as regiões. Essavalorização é sentida por todos os entrevistados,moradores dos bairros do entorno, e ressaltadapelos agentes imobiliários.

Mensurar essa valorização em dados maissubstanciais se torna uma tarefa complexa.Diante dessa lacuna, achamos interessante con-ferir a planta de valores,11 organizada pelo órgãode planejamento de Goiânia, já que ela poderianos fornecer informações que nos mostrassema evolução dos preços de setores próximos acondomínios fechados, antes e depois de suasimplantações.

Para nossa análise, foram consultadas asplantas de valores imobiliários dos últimos dezanos. Porém, trabalhamos apenas com quatroplantas elaboradas pela Seplam: a de 1995, exer-cício de 1996; a de 1998, exercício de 1999; ade 2001, exercício de 2002, e a planta elaboradaem 2003, exercício de 2004 (Tabela 1). Emalguns momentos, ao longo desse período, taisplantas foram complementadas e/ou atualizadas,com registro em portarias específicas.

11. A planta de valores imobiliários elaborada pela Secreta-ria Municipal de Planejamento determina o valor por m² doterreno, que serve de base de cálculo do valor venal dosimóveis, a ser utilizado para o lançamento do Imposto so-bre a Propriedade Predial e Territorial urbana (IPTU) , doImposto sobre a Transmissão “Inter Vivos” (ISTI), bemcomo a cessão de direitos a sua aquisição e também base decálculo para a indenização dos imóveis desapropriados pelomunicípio por interesse social.

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BERNARDES, GENILDA D’ARC; SOARES JÚNIOR, Ademar A. Condomínios horizontais fechados:...

oãigerrorciM oãçisopmoC 6991 9991 %VM 9991 2002 %VM 2002 4002 %VM

omordótuA-85 ed.nretnIomordótuA–1ainâioG

00,7 00,7 0,0 00,7 00,58 3,4111 00,58 92,49 9,01

)etrap(sáioGmidraJ–2 00,05 00,56 0,03 00,56 00,511 9,67 00,511 00,061 1,93

siossariGsodêvirP–3 - - - - 00,06 - 00,06 65,66 9,01

ãnaurAlaicnediseR–4 - - - - 00,02 - 00,02 91,22 0,11

)etrap(airótiVmidraJaliV–5 00,9 00,21 3,33 00,21 00,52 3,801 00,52 37,72 9,01

sednazoLeuqraP–6 00,7 00,01 9,24 00,01 00,001 0,009 00,001 39,011 9,01

sednazoLeuqraP–7).tsnIaerÁ(

- - - - 00,08 - 00,08 47,88 9,01

sednazoLeuqraP–8).vreserPedaerÁ(

- 08,4 - 08,4 00,94 8,029 00,94 00,15 1,4

sadeuqraP-16sariejnaraL

GCU-IIsupmaC–1 - 00,1 - 00,1 00,03 0,0092 00,03 82,33 9,01

airólGadotlAaracáhC–2 08,5 00,7 7,02 00,7 02,61 4,131 02,61 05,71 0,8

rodanrevoGodaracáhC–3 00,01 00,21 0,02 00,21 00,07 3,384 00,07 56,77 9,01

areugnahnAotnujnoC–4 00,31 00,51 4,51 00,51 00,04 7,661 00,04 73,44 9,01

anaibaFotnujnoC–5 00,21 00,81 0,05 00,81 00,04 2,221 00,04 73,44 9,01

atsiValeBmidraJ–6 00,01 00,51 0,05 00,51 02,13 0,801 02,13 82,33 7,6

)etrap(zuLadmidraJ–7 00,51 00,81 0,02 00,81 00,04 2,221 00,04 73,44 9,01

aziliraMmidraJ–8 00,7 00,11 1,75 00,11 00,03 7,271 00,03 82,33 9,01

oinôtnAotnaSmidraJ–9)etrap(

00,41 00,81 6,82 00,81 00,04 2,221 00,04 73,44 9,01

sadeuqraP-16sariejnaraL

otnalacAeuqraP–01)sájaraC.jnoC(

00,02 00,03 0,05 00,03 00,55 3,38 00,55 00,16 9,01

uenehtAeuqraP–11 00,9 00,41 6,55 00,41 00,03 3,411 00,03 82,33 9,01

sariejnaraLsadeuqraP–21 00,02 00,42 0,02 00,42 00,54 5,78 00,54 29,94 9,01

.dseReuqraP–31)ainâioG(tnayobmalF

- - - - 00,51 - 00,51 46,61 9,01

zurCatnaSeuqraP–41 00,8 00,01 0,52 00,01 00,51 0,05 00,51 46,61 9,01

eDelliVlaicnediseR–51ecnarF

- - - - - - - - -

)etrap(airótiVmidraJ–61 - - - - - - - - -

sairánoigeLaliV–71 00,8 00,21 0,05 00,21 00,52 3,801 00,52 37,72 9,01

edésoJanitneciValiV–81suseJ

00,8 00,01 0,52 00,01 00,81 0,08 00,81 02,91 7,6

otlAaliV-77airólGad

airólGadotlAaliV–1 00,7 00,8 3,41 00,8 00,61 0,001 00,61 01,71 9,6

odlatroP-87loS

IIeIloSodlatroP.toL–1 - - - - 00,06 - 00,06 09,86 8,41

ellivahplA-97tnayobmalF

ellivahplA.toL–1tnayobmalF

- - - - 00,531 - 00,531 67,941 9,01

snidraJ-08 snidraJ.toL–1 - - - - - - - - -

)serotuasolepsodazinagrosodad(malpeS:etnoF

Tabela 1 – Planta de valores dos bairros da Região Sul

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SOCIEDADE E CULTURA, V. 10, N. 2, JUL./DEZ. 2007, P. 209-225

Observamos, mediante a análise dos dadosda tabela da Região Sudeste de Goiânia, quehouve um aumento dos preços dos terrenos noperíodo entre 1999 e 2002. Esse aumento evi-dencia uma valorização ascendente, com certaexpressividade. Fica evidente na análise dosdados desta tabela que principalmente a micror-região Autódromo, entre os anos de 1999 e 2002(período de implantação dos principais condo-mínios), teve o valor dos terrenos aumentadosubstancialmente. Os índices dessa valorizaçãosó são comparáveis ao mesmo período deimplantação de outros equipamentos no bairro,como o Shopping Flamboyant, na década de1980, que constituiu um pólo de atração de novos

empreendimentos, como edifícios de aparta-mentos, para o entorno próximo.

Ao comparar os principais bairros do entor-no e próximos aos condomínios da RegiãoSudeste de Goiânia – Alphaville, Portal do Sol,Privê dos Girassóis e Jardins –, temos uma idéiamais clara desse processo de valorização, jáanalisado anteriormente (ver Tabela 2).

O Gráfico 1 reforça os índices de valoriza-ção dos bairros do entorno, nos períodos de 1999a 2002, em que verificamos um aumento nospreços dos terrenos em todos essas localidades.

Sabemos que não podemos isolar os condo-mínios, apresentando-os como único elementode impacto no processo de valorização dos

oãigeR oãigerrorciM oãçisopmoC 9991-6991 2002-9991 4002-2002

luS sáioGmidraJ-45odaerÁ(sáioGmidraJ

).bmalF.pmoC%0,02 %3,38 %9,01

etseLacnarBaugÁ-65 acnarBaugÁorriaB %0,02 %2,221 %9,01

areiviR-75 lisarBmidraJ %3,33 %0,051 %9,01

etseduS

omordótuA-85 )etrap(sáioGmidraJ %0,03 %9,67 %1,93

sariejnaraLsadeuqraP-16

aziliraMmidraJ %1,75 %7,271 %9,01

sariejnaraLsadeuqraP %0,02 %5,78 %9,01

uenehtAeuqraP %6,55 %3,411 %9,01

)serotuasolepsodazinagrosodad(malpeS:etnoF

Tabela 2 – Valorização dos principais bairros do entorno dos condomínios horizontaisfechados da Região Sudeste

Gráfico 1 – Valorização dos principais bairros do entorno dos condomínios horizontaisfechados da Região Sudeste

Fonte: Seplam (Dados organizados pelos autores)

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BERNARDES, GENILDA D’ARC; SOARES JÚNIOR, Ademar A. Condomínios horizontais fechados:...

Tabela 3 – Quadro comparativo entre bairros (Parque Atheneu e Vila Canaã)

oãigeR oãigerrorciM oãçisopmoC 9991-6991 2002-9991 4002-2002

etseduS sariejnaraLsadeuqraP-16 uenehtAeuqraP %6,55 %3,411 %9,01

etseoduS aporuEmidraJ-71 ãanaCaliV %7,61 %0,91 %0,21

)serotuasolepsodazinagrosodad(malpeS:etnoF

Gráfico 2 – Comparativo entre bairros (Parque Atheneu e Vila Canaã)

Fonte: Seplam (Dados organizados pelos autores)

terrenos dos bairros do entorno,12 mas verifica-mos uma relação direta entre valorização eimplantação dos condomínios, mexendo em todaa estrutura daquela área, fato confirmado quandocomparamos os índices de valorização dessesbairros com outros, de características seme-lhantes, em outras regiões da cidade e que nãose encontram sob a influência de condomíniosfechados. Para confirmação desses dados,foram confrontados os índices de valorizaçãode alguns desses bairros com outros bairros dacidade, que apresentavam alguns elementoscomuns, como período de criação, classe, des-tino e ocupação (Tabela 3).

No geral, esses bairros apresentam algumassemelhanças, como período de implantação,características estruturais e composição social.No entanto, demonstram processos distintos devalorização, com índices mais acentuados paraos circunvizinhos a condomínios (ex: ParqueAtheneu).

É importante pontuar que a planta de valo-res indica o valor venal do terreno, podendo ounão coincidir com o de mercado. Se fôssemosanalisar os valores indicados pelo mercado, comcerteza, essa projeção de valorização se mostra-ria maior. Outra questão importante a ser ressal-tada é que nossa compreensão não se dá a partirde uma análise causal, na qual o condomínioestaria determinando diretamente o aumentodos preços dos terrenos nos bairros próximos.O condomínio não constitui o elemento deter-minador dessa valorização. Consideramos, noentanto, que ele figura como elemento dessacomposição, sendo hoje o mais importante.

Tendo os condomínios fechados como ele-mento importante na reestruturação da RegiãoMetropolitana de Goiânia, vamos verificar umavalorização, com a constatação de preços maiselevados não só em lotes vazios, mas tambémem espaços edificados, ocupados ou não. Opróprio marketing urbano em cima dos condo-

12. Temos visto na imprensa um marketing imobiliáriomuito grande, voltado para a Região Sudeste. A ação dasimobiliárias, com base nas propagandas, tem direcionado eativado uma valorização grande da área. Inclusive parte daspropagandas é divulgada tendo os condomínios como coad-juvantes na venda de outros empreendimentos. A área écomercializada a partir do atrativo dos condomínios fecha-dos.

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SOCIEDADE E CULTURA, V. 10, N. 2, JUL./DEZ. 2007, P. 209-225

mínios acaba gerando expectativas que, semsombra de dúvida, influenciam nos preços.

O que observamos é que a implantação e amanutenção dos condomínios dependem dacriação de toda uma estrutura, o que gera, porexemplo, empregos de prestadores de serviço ea atração de novos comércios. Os serviços desegurança, principalmente externos, oferecemuma sensação de segurança para os moradoresdo entorno. Esses fatores todos produzem umaumento do valor do solo, valorizando a região.

Mas o que percebemos é que as mudançasnão são somente físicas e espaciais, são tambémsociais. Notadamente tais espaços representamuma mudança no padrão residencial urbano,acenando para a gestação de uma nova culturade morar na cidade. Diferentes classes passama viver mais próximas, mas mantidas separadaspor barreiras físicas, como os altos muros doscondomínios (Caldeira, 2000).

A produção de espaços exclusivos, na Gran-de Goiânia, é recente13 e atrela-se a uma ten-dência de perda funcional dos espaços públicos.Isso, sem dúvida, fomenta uma cultura de auto-segregação, informando práticas distintas dehabitar e morar na cidade. O movimento daclasse média-alta goiana, para as franjas dacidade, significa muito mais do que um simplesdeslocamento espacial, mas indica a formaçãode um habitus, no sentido verdadeiramentebourdiano, condicionado a valores como (auto)segregação, segurança, exclusividade e quali-dade de vida.

A busca por segurança, qualidade de vidae status é o aspecto fundante do que estamoschamando de um habitus, no contexto da GrandeGoiânia. Esse habitus é ele mesmo um conjuntoverbal, discursivo e de práticas, representandoformas novas de apropriação do espaço urbano,com implicações e reflexos ainda de difícildimensionamento.

Sabemos que nem sempre ocupar fisica-mente um lugar implica necessariamente habitá-lo, no entanto, observamos a importância doespaço físico do condomínio fechado como lugarda moradia, espaço percebido e base de percep-ção da realidade. Foi essa observação que nos

indicou a formação de uma cultura diferenciada.Sendo assim, talvez o aldeão, o alphavilense,o jardinense ou o granvilense14 sejam osmetropolitanos típicos, aquele cosmopolita bem-sucedido que quer estar na cidade sem vivenciara complexidade urbana dela.

Assim, acreditamos que as mudanças noespaço da Região Metropolitana de Goiânia, quenão são somente físicas, mas também sociais,vinculam-se a uma mudança no padrão resi-dencial urbano, acenando para a gestação deuma nova cultura de morar na cidade.

O estudo reflete sobre a localização terri-torial como reprodutora das desigualdadessociais interclasses na metrópole (Ribeiro, 2004).Locus onde “iguais” estão próximos de “dife-rentes” (as áreas periféricas desprovidas deequipamentos de infra-estrutura passam a teruma outra conotação, seja ela imobiliária ou deserviço valorizado). Como também, em funçãoda consolidação dessa nova tipologia residencial,é gestado um novo tipo de vivência socialcomposta por habitus (Bourdieu,1996) e culturade grupos distintos.

Parece evidente que essa nova maneira dehabitar a cidade, tolerada pelo poder público,constitui uma solução menos democrática, namedida em que segrega em vez de unir, deso-brigando o Estado do cumprimento de deverespara com a população. O estágio alcançado poressa nova forma de “viver na cidade” é resultadode um processo de mão dupla: de um lado, osetor imobiliário que se aproveita da situaçãoem que se encontra a sociedade e cria nichosde mercados seletivos para os possuidores dealta renda; estes, por sua vez, para fugir dacidade caótica em termos de violência e parabuscar privacidade, procuram refúgios maisseguros, com medo de criminosos e marginais.Essas várias modalidades de habitar interferemnas formas urbanísticas da cidade, no desenhoarquitetônico e nas dimensões sociopolíticas, noque tange ao direito à cidade, como processocoletivo de apropriação desigual, ocasionando aprivatização do espaço público, da segurança eda infra-estrutura básica e, conseqüentemente,os processos de isolamento e uma aparente

13. Entendemos aqui como recente a implantação dos con-domínios horizontais fechados nos modelos atuais.

14. Para nos referirmos aos moradores do Aldeia do Vale,Alphaville Flamboyant, Jardins e Granville.

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BERNARDES, GENILDA D’ARC; SOARES JÚNIOR, Ademar A. Condomínios horizontais fechados:...

“autonomização” com relação à cidade (Ber-nardes, Moysés, 2006).

A insegurança e o medo da violência criamnovos códigos arquitetônicos. Emerge, dessaforma, a “cultura pública do medo”, comentadapor Bauman (2003), que se efetiva em umprocesso de mercadorização das formas quegarantem a segurança não apenas por interven-ções a posteriori. Empresas, edifícios residen-ciais, habitações isoladas ou na forma condo-minial são projetados tendo como referênciaprojetos modernos de segurança. Esse movi-mento constitui uma nova forma de ocupar acidade, marcado, por um lado, pela fuga dashabitações verticalizadas e, por outro, pelaprivatização do espaço público. É claro que apreocupação com a segurança por vezes encer-ra um elemento que vai além do cálculo objetivodo risco.

Abstract: This paper focus the impacts that have beencaused by closed horizontal condominiums intoMetropolitan of Goiânia. The new sort of housing showsitself as a new way of urban social and space segregation,an increasing social process were great parcels of thepopulation have moved to those closed districts,surrounded by huge walls and sophisticated securitysystems. The housing sector has always played animportant role the crowding and urban development ofthis area, this process has demonstrated new featuressince the introduction of closed horizontal condominiums,contributing to the development of a new Goiâniaintrametropolitan space.

Key-words: closed horizontal condominiums; Metro-politan Region of Goiânia; social and space reorganization;urban design; extension centers.

Referências

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