concordÂncia nominal, contexto linguÍstico e

408
CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E SOCIEDADE por NORMA DA SILVA LOPES Orientadora: Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva Salvador 2001 Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística Curso de Doutorado em Letras

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Page 1: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

SOCIEDADE

por

NORMA DA SILVA LOPES

Orientadora: Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva

Salvador

2001

Universidade Federal da Bahia

Instituto de Letras

Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística

Curso de Doutorado em Letras

Page 2: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

2

CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

SOCIEDADE

por

NORMA DA SILVA LOPES

Orientadora: Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva

Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Marta Pereira Scherre

Salvador

2001

Universidade Federal da Bahia

Instituto de Letras

Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística

Curso de Doutorado em Letras

Tese de Doutoramento apresentada ao

Programa de Pós-Graduação de Letras e

Linguística do Instituto de Letras da

Um iversidade Federal da Bahia, como

parte dos requisitos para obtenção do

grau de Doutor em Letras.

Page 3: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

3

A Deus e ao mundo espiritual, que me deram condições para a elaboração

deste trabalho,

Aos meus pais, Jaime e Julita,

pela base,

Aos meus filhos, Alessandra, Maurício e Mariana,

pela paciência de saber esperar.

Page 4: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

4

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Alan Norman Baxter, pela orientação deste trabalho durante a

realização da Bolsa Sanduíche, em Macau, pela confiança na minha

produtividade, pela amizade e disponibilidade, de papel decisivo no

percurso de elaboração desta tese.

À Dra. Myrian Barbosa da Silva, pela orientação recebida, imprescindível à

elaboração deste trabalho, além da atenção dispensada durante todo o

curso.

À Dra. Maria Marta Pereira Scherre, pela disponibilidade, pela atenção,

pela orientação e por todo o carinho com que passou a sua experiência

sobre a concordância.

À Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva, pelo encorajamento, desde o início do

curso, tendo servido de ponto de partida para muitas das ações que levaram

à apresentação desta tese.

A Emília Helena Portella Monteiro de Souza, Constância Maria Borges de

Souza e Olímpia Ribeiro de Santana, amigas de muitos anos, pela

companhia e apoio constantes.

A Maria Cristina Burgos de Paula por ter servido de veículo de tantos

ensinamentos.

Page 5: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

5

Aos meus pais, Jaime Teixeira Lopes e Julita da Silva Lopes, e aos meus

irmãos Antônio Alberto, Jaime, Maria Ângela, Emanuel Carlos, Marlene,

Carlos Antônio e Marco Antônio, por terem suportado, com paciência, a

minha ausência.

À Universidade do Estado da Bahia pela minha liberação para a realização

da Bolsa Sanduíche e pela compreensão e colaboração durante os anos de

curso.

Ao CNPQ, por ter possibilitado a realização da Bolsa Sanduíche, em

Macau, na China, que foi um marco de grande importância no percurso da

elaboração desta tese.

À Dra Maria Antónia Espadinha, diretora do Departamento de Língua

Portuguesa da Universidade de Macau, pela confiança, apoio e atenção

dispensados durante a minha atividade naquela instituição.

Aos meus alunos, amigos de hoje e de sempre, que vibram com cada uma

das minhas conquistas.

Page 6: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

6

SINOPSE

Análise da relação entre estrutura lingüística dos enunciados,

características sociais dos falantes, procedência étnica dos diversos grupos

e a variação da concordância de número entre os elementos flexionáveis do

sintagma nominal em Salvador, Bahia. Estabelecimento da conexão entre a

constituição do povo, a aquisição de língua e a variação da concordância

no português brasileiro.

Page 7: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

7

SUMÁRIO

Índice das Tabelas e Quadros

Abreviaturas

Índice dos Gráficos

Introdução

1. A Formação do Português do Brasil

1. 1 Introdução

1. 2 A hipótese da língua crioula

1. 3 Os lingüistas atuais

1. 4 As controvérsias

1. 5 Um pouco sobre a Cidade do Salvador, a região de estudo

1. 5. 1 Contexto sócio-histórico

1. 5. 2 Considerações finais

1. 6 Português europeu e português brasileiro: uma ou duas línguas?

1. 7 Conclusões

2. Pressupostos teórico-metodológicos

2. 1 Fundamentação teórica

Page 8: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

8

2. 1. 1 Linhas gerais da sociolingüística variacionista

2. 1. 2 A aquisição

2. 1. 2. 1 A aquisição em condições especiais

de movimentação populacional

2. 1. 3 Competição de gramáticas e mudança lingüística

2. 2 Aspectos Metodológicos

2. 2. 1 Constituição da amostra

2. 2. 2 Realização dos inquéritos PEPP

2. 2. 3 Dados sociais dos informantes

2. 2. 4 Descrição das variáveis independentes

2. 2. 4. 1 Formação de plural

2. 2. 4. 2 Tonicidade

2. 2. 4. 3 Posição linear

2. 2. 4. 4 Categoria morfológica

2. 2. 4. 5 Grau dos substantivos e adjetivos

2. 2. 4. 6 Posição relativa

2. 2. 4. 7 Marcas precedentes

2. 2. 4. 8 Contexto fonológico subseqüente

2. 2. 4. 9 A coexistência com o Tudo

Page 9: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

9

2. 2. 4. 10 Escolaridade

2. 2. 4. 11 Gênero

2. 2. 4. 12 Faixa etária

2. 2. 4. 13 Tempo

2. 2. 4. 14 Etnia (a partir dos sobrenomes)

2. 3 Suporte computacional: o Varbrul

3. Análise dos dados: a década atual

3. 1 Variáveis sociais

3. 1. 1 Escolaridade

3. 1. 2 Gênero

3. 1. 3 Faixa etária (Tempo aparente)

3. 1. 4 Tempo (Tempo real)

3. 1. 5 Etnia (a partir dos sobrenomes)

3. 2 Variáveis lingüísticas

3. 2. 1 Saliência fônica

3. 2. 1. 1 Processos de formação de plural

3. 2. 1. 2 Tonicidade e número de sílabas

3. 2. 1. 3 A saliência, análise geral

3. 2. 1. 4 A saliência – Grupos POP e UNI

Page 10: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

10

3. 2. 1. 5 Saliência – Grupos de escolaridade

3. 2. 1. 6 Saliência – Grupos de sobrenome

3. 2. 1. 7 A Saliência nos substantivos, adjetivos e

categoria substantivadas

3. 2. 2 Posição linear

3. 2. 3 Classe gramatical

3. 2. 4 Classe gramatical e Posição

3. 2. 5 Classe, Posição linear e Posição relativa

3. 2. 5. 1 Classe, Posição linear e Posição relativa e

concordância – Todos os dados

3. 2. 5. 2 – Classe, posição linear e posição relativa

e concordância nos Grupos POP e UNI

3. 2. 5. 3 Classe, Posição linear e Posição relativa –

Grupos de escolaridade

3. 2. 5. 4 Classe, Posição linear e Posição relativa –

Grupos de sobrenomes

3. 2. 5. 5 - Conclusões

3. 2. 6 Grau

3. 2. 7 Marcas precedentes

3. 2. 7. 1 Marcas precedentes – Todos os elementos

3. 2. 7. 2 Marcas precedentes – Grupos POP e UNI

Page 11: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

11

3. 2. 7. 3 Efeito da variável Marcas precedentes na

concordância dos grupos diferentes de escolaridade

3. 2. 7. 4 Efeito da variável Marcas precedentes na

concordância dos grupos diferentes de sobrenome

3. 2. 8 Contexto fonológico subseqüente

3. 2. 8. 1 Contexto fonológico subseqüente –

Análise geral, separando itens de plural regular e

itens terminados em -/s/

3. 2. 8. 2 Contexto fonológico subseqüente aos itens

de plural regular – Grupos POP e UNI

3. 2. 8. 3 Contexto fonológico subseqüente na

concordância e escolaridade. A tabela 63 apresenta

os resultados de análises de cada nível de

escolaridade, feitas separadamente

3. 2. 8. 4 Contexto fonológico posterior – Grupos de

sobrenomes

3. 2. 9 Coexistência com o Tudo

3. 2. 9. 1 A variável coexistência com tudo – Todos

os dados

3. 2. 9. 2 A variável coexistência com tudo –

Grupos de escolaridade

3. 2. 9. 3 Efeito da variável coexistência com tudo

na concordância dos grupos de sobrenome

3. 3 A Concordância Nominal em quatro variedades

Page 12: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

12

3. 3. 1 – Comparação entre o efeito da Saliência Fônica na

concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul

3. 3. 2 - Comparação entre o Efeito da Classe, posição linear e

relativa na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, em

João Pessoa e na Região Sul

3. 3. 3 – Efeito da variável Marcas precedentes sobre a

concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na

Região Sul

3. 3. 4 – Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente

sobre a concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na

Paraíba e na Região Sul

3. 3. 5 Conclusões

4. Conclusões finais

5. Bibliografia

Page 13: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

13

ÍNDICE DE TABELAS E QUADROS

Número da Tabela Título da Tabela Página

01 Distribuição dos tipos de sobrenomes entre os níveis de

escolaridade

154

02 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

da Escolaridade

162

03 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

do Gênero

163

04 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

do Gênero e da Escolaridade

165

05 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

da Faixa Etária

169

06 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

da Faixa etária e do Gênero

171

07 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

da Faixa etária e da Escolaridade

173

08 Taxas de concordância em função da Faixa etária e do Tempo

– Dados do NURC 70 e NURC 90

179

09 Taxas de concordância em função do Tempo real – Dados dos

Universitários

180

10 Efeito da variável tempo entre os grupos de gêneros 182

Page 14: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

14

11 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

do sobrenome – amostra geral

183

12 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

dos Sobrenomes – Apenas os dados dos falantes de

escolaridade Fundamental e Média, sem os dados dos

universitários (apenas o grupo POP)

184

13 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

dos Sobrenomes – apenas o grupo da última faixa etária: POP4

185

14 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

da Faixa etária – Comparação entre os grupos de sobrenome

187

15 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função

do Sobrenome e da Escolaridade

191

16 Dados comparativos entre a fala iletrada e a letrada do Rio de

Janeiro e textos medievais portugueses

197

17 Efeito dos Processos de Formação de Plural sobre a

concordância

201

18 Efeito da tonicidade na concordância 206

19 Efeito da tonicidade na concordância – Sem os Monossílabos

de uso átono

208

20 Processos de formação de plural e Tonicidade 210

21 Efeito da saliência fônica (resultante do cruzamento das

variáveis Processos de formação de plural e Tonicidade) na

concordância de número no sintagma nominal

213

Page 15: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

15

22 Efeito da Saliência Fônica sobre a concordância – Comparação

entre o Português Popular (POP) e o Universitário (UNI)

215

23 Efeito da Saliência Fônica na concordância da última faixa

etária dos grupos do Português Popular – POP 4 – e do

Português Universitário – UNI 4

219

24 Efeito da Saliência fônica nos três níveis de escolaridade 223

25 Efeito da Saliência na concordância – Comparação entre os

grupos de sobrenomes

226

26 Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome

de nível de escolaridade Fundamental

229

27 Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome

de nível de escolaridade Médio

230

28 Efeito da Saliência na concordância – Análise apenas com

Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Análise

Geral

235

29 Efeito da Saliência fônica na concordância nominal das classes

dos Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas –

Comparação entre o Português Popular (POP) e o

Universitário (UNI)

236

30 Saliência fônica nos substantivos e adjetivos – Grupos POP e

UNI, considerando apenas a última faixa etária (POP 4 e UNI

4)

239

31 Efeito da Saliência na concordância dos substantivos, adjetivos

e categorias substantivadas – Grupos de sobrenome

241

Page 16: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

16

32 Efeito da Posição linear sobre a concordância no sintagma

nominal – Todos os dados

245

33 Efeito da Classe gramatical na concordância 248

34 Classe gramatical e Posição linear – Distribuição das classes

nas diversas posições

250

35 Classe gramatical associada à Posição linear na concordância –

Freqüência

252

36 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Análise

geral

256

37 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Todos os

dados, observando a adjacência ao núcleo e detalhando a

posição linear dos elementos não nucleares à direita do núcleo

259

38 Efeito da Classe, posição linear, posição relativa nos grupos

POP e UNI

269

39 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na

concordância dos grupos POP4 e UNI4

272

40 Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na

concordância dos grupos com níveis diferentes de escolaridade

276

41 Classe, posição linear, posição relativa / Comparação entre o

efeito da variável entre os grupos de sobrenomes

280

42 Efeito da variável Grau sobre a concordância – Todos os dados 284

43 Efeito da variável Grau na Concordância (juntando itens de

classes diferentes nos graus aumentativo e diminutivo)

286

Page 17: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

17

44 Posição dos Substantivos, Adjetivos e Categorias

Substantivadas nos graus Normal, Aumentativo e Diminutivo

287

45 Efeito da variável Grau sobre a concordância, independente da

classe gramatical

288

46 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos

elementos em segunda posição

291

47 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos

elementos em 3a, 4

a ou quinta posições

294

48 Efeito das marcas precedentes na concordância dos elementos

em 2a posição/ com amalgamação de fatores

297

49 Efeito das marcas precedentes na concordância / com

amalgamação de fatores – 3a,

, 4a ou quinta posições

298

50 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos

grupos POP e UNI – 2a posição

299

51 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos

grupos POP e UNI – 3a ou outra posições

300

52 Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 2a

posição dos grupos POP 4 e UNI 4

302

53 Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 3ª

ou outra posições dos grupos POP 4 e UNI 4

303

54 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens

em segunda posição nos grupos de escolaridade diferente

305

55 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 306

Page 18: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

18

em 3a, 4

a ou 5

a posições dos grupos de escolaridade diferente

56 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens

em segunda posição dos grupos diferentes de sobrenome

307

57 Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens

em 3ª ou outra posições dos grupos de sobrenome diferente

308

58 Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a

concordância – Análise inicial

312

59 Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a

concordância – Análise inicial amalgamando Final interno e

Final de sentença

313

60 Efeito do Contexto subseqüente na concordância, análise

inicial, considerando a sonoridade da consoante

315

61 Efeito do contexto fonológico subseqüente na concordância

em Itens de plural regular e Itens em -/s/, considerando a

sonoridade da consoante subseqüente –– Análise geral

318

62 Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular na

concordância dos grupos POP e UNI

321

63 Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de

plural regular dos grupos de escolaridade diferente

323

64 Efeito da Contexto fonológico subseqüente sobre a

concordância dos itens de plural regular dos grupos de

Sobrenome

325

65 Efeito da Coexistência com o Tudo no valor de todos, todas, na

concordância entre os outros elementos do sintagma - Análise

335

Page 19: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

19

sem os universitários.

66 Efeito da Coexistência com o Tudo, na concordância entre os

outros elementos do sintagma, separando-se os níveis

Fundamental e Colegial

337

67 Efeito da Coexistência com o Tudo na concordância dos

grupos de sobrenome no nível Fundamental e o português dos

Tongas

339

68 Efeito da Coexistência com o Tudo na concordância dos

grupos de sobrenome de escolaridade Média

341

69 Efeito da variável Saliência fônica na concordância em

Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul

345

70 Efeito da Classe e posição na concordância em Salvador e no

Rio de Janeiro, considerando a adjacência em elemento à

esquerda do núcleo

349

71 Efeito da Classe e posição na concordância em Salvador, Rio

de Janeiro e Região Sul - Considerando a posição linear (não a

adjacência) nos elementos à esquerda do núcleo

352

72 Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em

Salvador e em João Pessoa - Considerando a posição do

elemento à esquerda do núcleo (não a adjacência ao núcleo)

354

73 Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância de

elementos em segunda posição – Comparação entre resultados

do POP/Salvador, do Rio de Janeiro e da Região Sul

357

74 Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância de 359

Page 20: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

20

elementos em 3a, 4

a ou 5

a posições em Salvador, no Rio de

Janeiro e na Região Sul

75 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos

elementos de segunda posição em Salvador e em João Pessoa

360

76 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos

elementos de 3a, 4

a ou 5

a posições em Salvador e em João

Pessoa

362

77 Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente em

Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul

364

78 Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador

e em João Pessoa

366

Número do Quadro Título do Quadro Página

01 Distribuição da população de Salvador pela cor em 1808 e 1872

(em %)

63

02 Demonstrativo geral dos inquéritos da amostra atual 118

03 Processos de Formação de plural: fatores 128

04 Tonicidade: fatores 130

05 Posição linear no sintagma: fatores 131

06 Categoria morfológica: fatores 133

07 Posição relativa ao núcleo: fatores 135

Page 21: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

21

08 Grau dos substantivos e adjetivos: fatores 136

09 Marcas precedentes: fatores 138

10 Contexto fonológico subseqüente: fatores 139

11 A coexistência com o Tudo: fatores 142

12 Escolaridade: fatores 143

13 Gênero: fatores 143

14 Faixa etária: fatores 143

15 Tempo: fatores 144

16 Tipos de sobrenome: fatores 144

17 Tipos de sobrenomes adotados por escravos alforriados nos

séculos XVIII e XIX

148

Page 22: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

22

ABREVIATURAS

A aum Adjetivo em grau aumentativo

A dim Adjetivo em grau diminutivo

A normal Adjetivo em grau normal

Adj Elemento adjacente ao núcleo.

Adjetivo 1 Adjetivo assim considerado pela gramática

normativa.

Adjetivo 2 Alguns elementos não nucleares que são

considerados indefinidos pela gramática normativa

que trazem informação restritiva, como

determinados, certos, mesmos.

À dir. Elemento não nuclear à direita do núcleo

À esq. Elemento não nuclear à esquerda do núcleo

C sonora Consoante sonora

C surda Consoante surda

CV Consoante/Vogal

D2, D3, D4, D5 Elemento não nuclear à direita do núcleo, na 2a, 3

a, 4

a

ou 5a posições

D Duplo

F Escolaridade Fundamental

H2C21 Essa seqüência identifica o informante: H/M:

Page 23: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

23

Homem ou Mulher; 1, 2, 3, 4: Faixas etárias de 15 a

24 anos; 25 a 35 anos; 45 a 55 anos ou acima de 65

anos; F/C/U escolaridade Fundamental, Colegial ou

Média, Universitária ou Superior. Em seguida,

informa-se o número do inquérito.

Irr. Plural irregular

J. Pessoa João Pessoa

L1 Primeira língua

L2 Segunda língua

M Escolaridade Média

Mon. Át. Monossílabo de uso átono

N0_ Numeral e zero antecedentes

N1, N2, N3, N4, N5 Elemento nuclear em 1a, 2

a, 3

a, 4

a ou 5

a posições

NNs(N)_ Numeral de mais de uma palavra, com -/s/ final,

antecedente.

NN(N)_ Numeral de mais de uma palavra, sem -/s/ final,

antecedente.

NS_ Numeral e marca antecedentes.

NURC 70/90 Projeto Norma Urbana Culta (década de 70 ou

década de 90)

0S_ Zero e marca antecedentes.

Page 24: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

24

Ox. Oxítono

Parox. Paroxítono

P1, P2, P3, P4 ou P5 1a, 2

a, 3

a, 4

a ou 5

a posições

PEPP Programa de Estudo do Português Popular de

Salvador

P. final Pausa final

P. interna/P. int. Pausa interna

PLD Dados lingüísticos primários

POP Português Popular de Salvador

POP 4 Português Popular de Salvador, acima de 65 anos

P. R. Peso relativo

Prop. Proparoxítono

Reg. / R. Plural regular

R. J. Rio de Janeiro

S Escolaridade Superior

S0_ Marca de plural e zero antecedentes

Sign. Significância

S aum Substantivo em grau aumentativo

S dim Substantivo em grau diminutivo

Page 25: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

25

SM_ Marca e modificador antecedentes

SN_ Marca e numeral antecedentes

S nor Substantivo em grau normal

S0M_ Marca, zero e modificador antecedentes

SS_ Duas marcas antecedentes

SSA Salvador

SSM_ Marcas e modificador antecedentes

Subs. Substantivo

Ton. Tônico

UNI Português universitário de Salvador

UNI 4 Português universitário de Salvador, acima de 65

anos

Vog. Vogal

Page 26: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

26

ÍNDICE DOS GRÁFICOS

Número do Gráfico Título do Gráfico Página

01 Distribuição dos sobrenomes no nível Fundamental 154

02 Distribuição dos sobrenomes no nível Médio 155

03 Distribuição dos sobrenomes no nível Superior 155

04 Efeito da Escolaridade na concordância 162

05 Efeito do Gênero na concordância 164

06 Efeito das variáveis Escolaridade e Gênero, associadas, sobre

a concordância

166

07 Efeito da Faixa etária sobre a concordância 170

08 Efeito da Faixa etária e Gênero sobre a concordância 172

09 Efeito da Faixa etária e da Escolaridade sobre a concordância 174

10 Efeito do Tempo aparente e Tempo real na concordância 180

11 Efeito do Tempo real na concordância 181

12 Efeito do Tipo de sobrenome na concordância 183

13 Efeito do Tipo de sobrenome na concordância - POP 184

14 Efeito do Tipo de sobrenome na concordância POP4 186

15 Efeito da Faixa etária e Tipo de sobrenome na concordância 188

Page 27: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

27

16 Efeito da variável Sobrenomes na concordância dos níveis

Fundamental e Média

192

17 Taxas de uso da concordância em função dos Processos de

formação de plural

202

18 Taxas de uso da concordância em função da Tonicidade 206

19 Efeito da Saliência fônica na concordância – Análise Geral 214

20 Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP e UNI 216

21 Efeito da Saliência na concordância - POP 4 e UNI 4 220

22 Efeito da Saliência na concordância - Grupos de escolaridade 224

23 Efeito da Saliência na concordância - Grupos de sobrenome 227

24 Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de

sobrenome de nível Fundamental

230

25 Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de

sobrenome de escolaridade Média

232

26 Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP e UNI -

apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas

237

27 Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP4 e UNI4

– apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas

240

28 Efeito da Saliência na concordância dos substantivos,

adjetivos e categorias substantivadas nos grupos de

Sobrenome

242

29 Efeito da Posição linear na concordância 246

Page 28: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

28

30 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na

concordância

257

31 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa, detalhando

a adjacência do elemento à esquerda e a posição linear do

elemento à direita

261

32 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na

concordância dos grupos POP e UNI

271

33 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na

concordância dos grupos POP4 e UNI4

274

34 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa sobre a

concordância nos níveis diferentes de escolaridade

278

35 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na

concordância dos grupos de sobrenome

282

36 Efeito do Grau na concordância dos substantivos e adjetivos

(1)

285

37 Efeito do Grau na concordância dos substantivos e adjetivos

(2)

286

38 Efeito do Grau na presença de concordância dos substantivos

e adjetivos (3)

288

39 Efeito das Marcas precedentes na concordância dos

elementos em segunda posição

298

40 Efeito das Marcas precedentes na concordância dos itens em

2a posição nos grupos POP e UNI

300

Page 29: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

29

41 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens

em 3a, 4a ou 5a posições nos grupos POP e UNI

301

42 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens

em segunda posição dos grupos POP4 e UNI4

302

43 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens

em 3a., 4a ou 5a posições dos grupos POP4 e UNI4

304

44 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens

em segunda posição dos grupos de escolaridade

305

45 Efeito das Marcas precedentes na concordância dos itens em

segunda posição dos grupos de sobrenome diferente

307

46 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens

em 3a, 4a ou 5a posições dos grupos de sobrenome

309

47 Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância

Análise inicial

312

48 Efeito do Contexto subseqüente na concordância - Análise

inicial, sem distinguir pausas interna e final

314

49 Efeito do Contexto subseqüente, análise inicial, considerando

a sonoridade da consoante

316

50 Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de

plural regular e dos itens terminados em -/s/

319

51 Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância

dos grupos POP e UNI

322

52 Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância 324

Page 30: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

30

dos itens de plural regular dos grupos de escolaridade

diferente

53 Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância

dos itens de plural regular dos grupos de sobrenome

326

54 Efeito da coexistência com o Tudo na concordância 336

55 Efeito da coexistência com o Tudo na concordância da

escolaridade Média

338

56 Efeito da Saliência fônica na concordância em Salvador, no

Rio de Janeiro e na Região Sul

346

57 Efeito da Classe e posição linear e relativa sobre a

concordância em Salvador e no Rio de Janeiro

348

58 Efeito da Classe e posição linear e relativa sobre a

concordância em Salvador, Rio de Janeiro e Região Sul

351

59 Efeito da Classe e posição linear e relativa na concordância,

não considerando a adjacência

355

60 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância em

Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul

357

61 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância em

elementos em 2a posição em Salvador e em João Pessoa

361

62 Efeito das marcas precedentes sobre a concordância em itens

em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João Pessoa

362

63 Efeito do Contexto subseqüente na concordância em

Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul

365

Page 31: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

31

64 Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância em

Salvador e em João Pessoa

367

Page 32: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

32

INTRODUÇÃO

Fala-se muito em variação do português, especialmente na que

caracteriza os falares dessa língua no Brasil e em outros países. Mas o que

identifica a língua utilizada neste país? Que aspectos da língua sofrem

variação e que fatores motivam a escolha das variantes por cada um dos

falantes?

É facilmente percebida a diferença entre os diversos usos que se

fazem da língua, nos centros urbanos e em localidades rurais, e entre as

peculiaridades da língua portuguesa no Brasil e em Portugal. A que se deve

essa variação? À própria língua – elementos estruturais – ou a fatores

externos?

Entre os diversos aspectos da variação no português do Brasil, talvez a

concordância de número – verbal ou nominal – seja um dos que mais

chama a atenção de qualquer observador, mesmo não muito preocupado

com a linguagem, nem profundo conhecedor da norma preconizada pela

escola. A não realização da concordância prevista, sem dúvida, é traço dos

mais estigmatizados, sendo considerado como indicador de falta de

escolarização ou de desprestígio social. Dessa forma, é comum pressupor

que os falantes de nível universitário façam a concordância em qualquer

situação ou contexto. Sem acreditar muito que a escolaridade seja o único

fator responsável por essa variação, esse trabalho se iniciou.

O presente estudo, dentro de uma visão da sociolingüística

variacionista, pretende buscar possíveis relações entre a realização da

concordância dentro do sintagma nominal e fatores lingüísticos e sociais. A

teoria variacionista considera que a variação é inerente a todo processo

Page 33: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

33

lingüístico e as mudanças, segundo essa teoria, têm também motivações

sociais. Este trabalho toma como ponto de partida Scherre (1988), que

utilizou o corpus Censo do PEUL, do Rio de Janeiro, e considera outras

pesquisas que propõem, como explicação para o fenômeno da variação da

concordância no Brasil, o processo de aquisição de língua.

Pretende-se, nesta pesquisa,

1) analisar a concordância de número no sintagma nominal

nas falas popular e culta atuais de Salvador, em quatro diferentes

faixas etárias, três graus de escolarização, nos dois gêneros, e em

dois diferentes grupos de etnia, identificando fatores lingüísticos

e sociais que mais condicionam a sua variação;

2) comparar os resultados relativos à escolaridade superior

atual (NURC/SSA/90) com o mesmo fenômeno estudado na

realização culta da década de 70 (NURC/SSA/70), buscando

observar se a variação mostra-se estável ou se há indicação de um

processo de mudança lingüística;

3) analisar a possibilidade de a variação da concordância

em Salvador refletir uma competição entre gramáticas;

4) fazer comparações entre os resultados encontrados na

análise com outras pesquisas sobre a realização da concordância

no sintagma nominal em regiões diferentes do país;

5) refletir, com base na análise dos dados, sobre a

possibilidade de o português de Salvador estar relacionado a um

processo de aquisição de língua diferente de outras regiões.

Este trabalho constitui-se de quatro capítulos, assim distribuídos:

Page 34: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

34

O primeiro capítulo trata da formação do português do Brasil e das

diversas abordagens que se vêm dando ao tema. São apresentados dados

relativos à contribuição dos três principais componentes étnicos, o índio,

elemento nativo; o branco, português, o colonizador; e o negro, para cá

transplantado na escravidão, na construção da nacionalidade brasileira e na

formação das particularidades do português nesse novo continente. Além

desse aspecto, é apresentada a hipótese, defendida por muitos lingüistas, de

que no Brasil existiram processos de crioulização. Focaliza-se o debate

existente em torno desse tópico: apresentam-se argumentos em favor da

crioulização e as controvérsias. Faz-se, também, uma rápida abordagem a

respeito da formação da população de Salvador, da sociedade urbana dessa

cidade do período colonial ao período que sucedeu a abolição da escravidão

no Brasil. Finalmente, é também abordada nesse capítulo a possibilidade de

o português do Brasil, com a diferenciação existente, ser reconhecido como

uma língua distinta do português europeu.

O segundo capítulo trata do suporte teórico-metodológico utilizado na

pesquisa. São apresentados os princípios da sociolingüística variacionista,

que toma como pressuposto que a variação é um aspecto inerente a todas as

línguas e que existe uma relação entre a variação e a mudança lingüística.

São tomados, também, como suporte teórico, aspectos relativos à aquisição

de uma língua, ou aquisição de uma gramática, e a competição de

gramáticas, dentro da visão de Lightfoot (1999). Considera-se o tipo de

dados lingüísticos a que a criança tem acesso, na aquisição da linguagem,

como de fundamental importância para o tipo de gramática que será fixada

por ela. Dessa forma, neste trabalho, quando se faz referência à aquisição

com muita variação ou diversidade de dados, é a um contexto em que os

dados apresentados à criança constituem-se de informações lingüísticas de

várias origens, de falantes que aprenderam a língua portuguesa como

Page 35: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

35

segunda língua (L2), não como falantes nativos. Esses dados se

caracterizam, pois, por expressarem diferentes direções, orientações ou

parâmetros, à criança.

Ainda o segundo capítulo trata da teoria dos 4M, de Myers-Scotton &

Jake (2000a), que se refere a uma tipologia de morfemas, que este trabalho

considera como de grande interesse para o entendimento do fenômeno da

concordância no sintagma nominal no português. Segundo essa teoria, a

ordem em que os morfemas são adquiridos numa língua está relacionada a

uma tipologia que, assim como explica a aquisição desses elementos, pode

servir para entender o processo da variação dos mesmos. Levando em conta

esse pressuposto, esta pesquisa procura, com o auxílio dessa teoria, buscar

explicação que dê conta do fenômeno da variação da concordância no

sintagma nominal do português. São dadas, ainda, informações sobre a

metodologia utilizada, são descritas as variáveis observadas na presente

pesquisa e são apresentados dados sobre o Programa de Estudos sobre o

Português Popular de Salvador – o PEPP – e o Projeto Norma Urbana Culta

de Salvador – o NURC, que são a fonte de todo o material lingüístico

utilizado.

No terceiro capítulo, apresenta-se o resultado da análise das variáveis

sociais e lingüísticas observadas no corpus, com a amostragem das que são

consideradas como mais relacionadas ao fenômeno em estudo em Salvador.

Nesse mesmo capítulo, analisa-se se o fenômeno da concordância mostra-

se apenas em variação ou se, ao contrário, há a constatação de que existem

indícios de um processo de mudança. É feita, também, uma comparação

entre os resultados desta pesquisa e outros estudos realizados sobre a

concordância no sintagma nominal em diferentes regiões do Brasil.

Page 36: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

36

Finalmente, apresentam-se as conclusões a que se chegou com o

estudo realizado. Nesse momento, conclui-se a respeito das variáveis

lingüísticas que mais estão ligadas à concordância de número no sintagma

nominal e sobre as diferenças entre os resultados de pesquisas que

estudaram o fenômeno da concordância no sintagma nominal em outras

regiões. Diante das diferenças entre as observações nos diversos grupos,

avalia-se a possibilidade de coexistência e competição de gramáticas, de o

fenômeno da concordância estar em processo de mudança lingüística e a

veracidade da hipótese de que as peculiaridades do português do Brasil

tenham alguma relação com a forma de aquisição dessa língua, na sua fase

de constituição.

Page 37: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

37

1 - A FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS DO BRASIL

1. 1 Introdução

No Brasil, a língua portuguesa chegou desde que Portugal iniciou aqui

o processo de colonização. Como os indígenas eram maioria e, além disso,

possuíam muitos sistemas lingüísticos diferentes, a língua transplantada

não foi utilizada imediatamente pela população nativa. Os jesuítas, sentindo

a necessidade de uma língua de contato, instituíram para essa finalidade

uma das línguas da costa, o tupi, falada pelos guaranis, tupiniquins,

tupinambás, que passou a ser utilizada pelos índios e brancos, na

comunicação. Além dessa língua indígena, considera-se que tenha havido

outras, as línguas travadas, faladas por outros grupos, dentre os quais os

gês, cariris, nuaruaques, panos, guaicurus. A língua geral foi descrita

primeiramente pelo padre José de Anchieta, em 1595, na Arte de gramática

da língua mais usada na costa do Brasil, e foi através dela que se passou a

dar o ensino escolar ministrado pelos religiosos aos nativos.

O tupi foi língua geral no Brasil, “necessária a todos: aos mercadores

nas suas viagens, aos aventureiros em suas expedições, sertão adentro, aos

habitantes das vilas em suas relações com o gentio ...” (Silva Neto,

19761:68) e há registros que indicam que essa língua passou a ser a língua

materna, inclusive, de muitas crianças filhas de portugueses, cuidadas por

mulheres indígenas. Sobre a língua geral, Câmara Jr. (1975:76) diz que:

“... como lìngua de intercurso, despojou-se de seus traços

fonológicos e gramaticais mais típicos para se adaptar à

consciência lingüística dos brancos e o português nela

atuou, assim, impressivamente, como superstrato. É o que

1 A 1

a edição da Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil, de Serafim da Silva Neto, é de

1950.

Page 38: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

38

explica a sua fácil difusão entre os brancos, de que temos

testemunho em documentos oficiais.”

Assim como os indígenas, os portugueses tiveram também que se

permitir algumas mudanças:

“ ... teriam de renunciar a muitos dos seus hábitos

hereditários, de suas formas de vida e de convívio, de

suas técnicas, de suas aspirações e, o que é mais

significativo, de sua linguagem. E foi, em realidade, o

que ocorreu.” (Holanda, 1978).

Séculos depois, o tupi passou a ser a língua de utilização ampla e o

português, a língua oficial; o governo, então, começou a exigir o português,

buscando refrear o uso da língua geral. Dentro desse ideal é que o ensino

teria que deixar de ser ministrado na língua geral e os portugueses,

principalmente com cargo público, tinham uma nova função: a difusão da

língua portuguesa. É o que se vê nas palavras de Barros, Borges & Meira

(mimeo),

“Pela nova orientação, o Português deveria ser difundido

pelos portugueses com cargo público nos novos

povoados, principalmente os diretores de Índios, que

tinham entre suas funções a criação de escola nas

povoações, com objetivo de ensinar o Português.”

Mesmo tendo havido, durante tanto tempo, uma convivência tão

íntima entre a língua geral - o tupi - e o português, sendo falado por quase

toda a população, não se reconhece que o tupi tenha deixado muitas marcas

Page 39: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

39

na língua portuguesa do Brasil2. Apesar disso, sobre a influência da língua

indígena, há posicionamentos diferentes.

Há quem considere a necessidade de pesquisa, acreditando na

possibilidade de outras influências além da contribuição dada ao léxico.

Houaiss (1985) diz ser possível que tenha havido influência no sistema

vocálico e Elia (1979), na pronúncia, na entoação e no sistema de redução

das flexões:

“Até onde, nessa área, terá ou não terá havido influência da

língua geral, das línguas indígenas (e de outras influências, em

áreas outras) na regionalização brasileira? Os sistemas

vocálicos existentes dialetalmente no Brasil são ainda,

genealogicamente ou diacronicamente, enigmas por elucidar,

como o são os fatos tonais mais sentidos (nordestino, baiano,

carioca, paulistano, gaúcho)” Houaiss (1985: 67-8).

O autor citado evidencia uma consciência de que há, ainda, muita

coisa que ser estudada no campo das influências indígenas nos

diversos falares que caracterizam o português brasileiro. Sobre o

assunto, Elia (1979) apresenta uma idéia semelhante, evidenciando a

certeza da necessidade de pesquisa nesse campo:

“A influência do tupi no português do Brasil ainda está por

estudar. Por enquanto temo-nos limitado à difusão dos

empréstimos, nem sempre com a segurança desejável.

Todavia, na pronúncia e entoação brasileiras, mormente de

2 “Na verdade, o tupi missionário só trouxe para o português do Brasil empréstimos lexicais, que

se adaptaram à fonologia e à gramática portuguesa. Nenhum fonema indígena entrou para o

português do Brasil ...” (Câmara Jr., 1975-76).

Page 40: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

40

caráter regional (Nordeste, Amazônia), há toda a probabilidade

de presença de um influxo indígena. Do ponto de vista

morfológico, temos a redução de flexões, fenômeno comum

aos falares crioulos.” (Elia, 1979:41).

Mas o português, no Brasil, não manteve contato apenas com a

linguagem dos índios. Foi muito forte o confronto com várias línguas dos

africanos que aqui aportaram com a escravidão, quando o Brasil passou a

receber uma população escrava oriunda de regiões diversas da África. Essa

diversidade lingüística intencional entre os escravos teve o objetivo de

evitar uma possível unidade nos grupos, para manter neles a submissão

(Rodrigues, 1983).

As diferentes ascendências dos africanos que para cá vieram é atestada

por Rodrigues (1988), como se vê no trecho:

“Na Bahia, fortemente se fez sentir a ascendência dos

negros sudaneses, ao passo que em Pernambuco e no Rio

de Janeiro prevaleceram sobretudo os negros austrais do

grupo banto. (...) As nações africanas mais utilizadas no

Rio de Janeiro são: os benguelas, os minas, os ganguelas

ou banguelas, os minas-nejôs, minas-maí, os sás, rebolas,

caçanjes, minas-cavalos, cabindas d‟água doce, cabindas

massudás, congos, moçambiques. Estes compreendem

grande número de nações vendidas no mesmo ponto da

costa Artres.”

Essa diversidade impedia que entre eles pudesse haver comunicação

nas suas línguas maternas e esse fato tem interesse nessa discussão, para

que se avaliem as conseqüências dessa possível ausência de língua comum

na aprendizagem que os africanos tiveram do português.

Page 41: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

41

Apesar dessa particularidade da população africana vinda para o

Brasil, havia também entre eles os ladinos, de origem também diversa, mas

já iniciados na língua portuguesa por terem passado por outras colônias

portuguesas. Por vezes, esses eram aproveitados como capatazes das

fazendas, ou em outras funções, servindo de elo de comunicação entre os

portugueses e os outros africanos, no comando desses últimos.

De início, o número de africanos no território brasileiro era menor que

o de portugueses e índios, mas, no século XVIII, com a intensificação do

comércio de escravos, em algumas regiões eles passaram a ser maioria.

Não se tem dados precisos sobre a chegada dessa população nem sobre a

língua que eles usavam aqui, se a língua geral indígena, o português ou

alguma língua geral africana. Sabe-se, no entanto, que, como as chegadas

de escravos eram sucessivas, e eles eram principalmente levados para as

plantações, havia sempre muitos deles se iniciando no português nas

regiões em que eles eram inseridos. É de se imaginar que, como nas

plantações não havia muitos portugueses, o contato que os recém-

transplantados tinham com a língua portuguesa trazida pelos colonizadores

era muito pouco, senão com um português transmitido por outros africanos,

aprendido por eles como segunda língua (L2).

Os africanos são considerados por alguns estudiosos da língua como

responsáveis pelas diferenças existentes entre o português do Brasil, hoje, e

o de Portugal. Dentre eles, Mendonça (1936:189) diz que, apesar da

profunda diferença entre o português e as línguas africanas, o negro deixou

no português do Brasil alguns vestígios, por exemplo, na linguagem dos

caipiras, com a ausência da concordância nominal nos sintagmas nominais.

Nessa variedade do português, ele observa que o plural é apenas indicado

pelo artigo, deixando o substantivo invariável: “as casa”, “os caminho”,

Page 42: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

42

“aquelas hora”. Ele refere-se também à falta de concordância no adjunto

predicativo: “as criança tavum quetu”, “as criação ficarum pestiadu”.

Da mesma opinião, Andrade (1989: 16), que não é lingüista, mas um

estudioso da influência da África no Brasil, diz:

“Na linguagem, na forma de falar o português do Brasil,

observa-se também uma grande influência da cultura

negra, que se manifesta através da utilização de

diminutivos, da colocação de pronomes e de uma série de

atentados à sintaxe portuguesa ortodoxa.”

A expressão “atentados”, por ele utilizada para se referir ao uso da

língua portuguesa pelos africanos, reflete o estigma de que foi objeto o

falar dos negros no Brasil, principalmente devido ao desprestígio social dos

seus usuários. Apesar disso, não se considera (pelo menos nos estudos até

então realizados – sem levar em conta, nesse momento, a hipótese de Guy

(1981), que será apresentada mais adiante – que houve na língua

portuguesa influência de lìnguas africanas ou indìgenas, mas da “tosca

aprendizagem” (Silva Neto, 1976:96-7) que eles tiveram da língua.

Pelo exposto, tem-se uma idéia de quão particular foi o contexto

histórico cultural e lingüístico dos primeiros séculos vividos nesse país. De

início, o país, com uma imensa variedade de línguas indígenas, enfrenta a

chegada dos portugueses, com uma língua européia, o português. O tupi

assume a posição de língua geral e inicia-se a chegada dos africanos, com

suas muitas línguas, que continua durante séculos seguidos. Ocorre em

seguida a “proibição” do uso do tupi, a lìngua geral, pelo governo

português, até que a língua portuguesa assume o lugar que ocupa hoje entre

os brasileiros.

Page 43: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

43

1. 2 A hipótese da língua crioula

Alguns estudiosos do português citam um falar crioulo, ou dialeto

crioulo ou simplesmente crioulo na história do português do Brasil. Entre

os autores, há mais divergências na forma de entenderem o crioulo do que a

respeito das influências dos africanos ou indígenas no português do Brasil.

A existência desse crioulo é a explicação que alguns deles dão para um

português diferenciado no Brasil.

Coelho (1967), Silva Neto (1976), Câmara Jr (1975) e Houaiss (1985)

têm uma visão talvez parecida do crioulo e, para eles, existiu um “falar

crioulizante”, o português simplificado. A referência que esses autores

fazem não é à lìngua crioula, mas a um “dialeto crioulo” ou “crioulizado”

ou um “falar crioulo”, usado para a comunicação, ou uma “tendência

reducionista tipo crioulizante”.

Desde Coelho (1967), em fins do século XIX, colocou-se a variedade

do português do Brasil em meio a diversos falares crioulos do português. A

variação da concordância nominal foi, inclusive, referida por ele para

justificar a aproximação que fez:

“Diversas particularidades caracterìsticas dos dialectos

crioulos repetem-se no Brasil; tal é a tendência para a

supressão das formas do plural, manifestada aqui, que,

quando se seguem artigo e substantivo, adjectivo e

substantivo, etc., que deviam concordar, só um toma o

sinal do plural.” (Coelho, 1967: 43).

Dentro dessa visão, Silva Neto (1976:36) considera que existiam

muitas semelhanças entre o português dos índios e negros, na época da

colonização do Brasil, e diz que a razão da proximidade se identifica no

Page 44: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

44

tipo de contato que eles tiveram do português: “aprenderam o português

como lìngua de emergência, obrigados pela necessidade.” Ele observa que

muitos africanos que foram transplantados para o Brasil já trouxeram um

crioulo-português, oriundo das costas da África.3

A conclusão de que houve aqui esse crioulo é pautada, segundo ele

mesmo diz, nas características do próprio português do Brasil e de línguas

crioulas: “... rigorosa observação dos nossos falares rurais, aliada ao estudo

comparado, das adaptações do português feitas na África e na Ásia, levar-

nos-ia à aceitação de um estado lingüístico paralelo no Brasil-Colônia.”

(Silva Neto, 1976: 48).

O “grau” desse falar crioulizado varia, dependendo do grau de imersão

na cultura européia da região em que o português é falado e do percentual

de brancos em relação aos ìndios, negros e mestiços. A fala dos “matutos

ou caipiras”, segundo o autor, hoje no Brasil, apresenta vestìgios desse

crioulo. Diante das interpenetrações entre as populações rurais e urbanas,

nas cidades, há marcas desse falar nos iletrados ou em pessoas de pouca

escolarização. Como é a escola, na sua opinião, que promove o

“reaportuguesamento”, ele é mais intenso nas cidades. Um dos vestìgios

apontado desse crioulo é o “desaparecimento da flexão numérica por meio

de –/s/: os livro, as mesa” (Silva Neto, 1976:135), um dos contextos

examinados na presente pesquisa.

Sobre esse assunto, e concordando com essa mesma idéia, Houaiss

(1985: 119) acrescenta que a existência de um falar “tipo crioulizante” é

indiscutível:

3 Por crioulo ou semicrioulo ele entende que é “ ... uma adaptação do português no uso de mestiços,

aborígenes e negros. Caracterizava-se, como em geral esse tipo de linguajares, pela extrema simplificação

de formas, e, talvez nos primeiros anos, algum traço lingüístico devido a fenômenos de interferência de

outra lìngua.” (Silva Neto, 1976:48).

Page 45: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

45

“O fato de que houve uma tendência reducionista pan-

brasileira de tipo crioulizante é aparentemente

incontestável – tendo havido (e havendo ainda)

contestação quanto às „causas‟ do fenômeno: seria por

causa do substrato e adstrato indígenas, seria por causa do

substrato africano, seria por ambos os casos ou seria por

causa das derivas portuguesas? Ou seria por causa do

concurso dessas e outras causas?”

São algumas das caracterìsticas “pan-brasileiras” do português, que

ele considera de uso quase geral nos iletrados, apresentadas no seu texto,

como indícios desse crioulo: o desaparecimento do r final; a presença de

marca de plural no sintagma uma única vez, eliminando a redundância; a

“instabilização” do -/l/ final; a redução dos ditongos ou e ei, dentre outras.

Ele diz que os crioulos sempre tendem à redução das redundâncias.4

Considerando a existência desse crioulo, Houaiss diz que a língua de

uso comum no Brasil passou depois, apesar da deficiência da educação, por

uma descrioulização, processo de distanciamento do crioulo, de perda

desses traços e aproximação do português:

“ ... vê-se que, a partir do início do século XX, os

registros orais supérstites mostram que a nossa oralidade

– já a meramente profissional, já a (dita) califásica – se

achava muito longe de uma crioulidade. Houvera,

4 “Por seu isolamento e por suas limitações de necessidades fìsicas e mentais, os crioulos tenderam

sempre à eliminação das chamadas redundâncias do sistema linguageiro de origem. Idealmente é como se

examinassem a frase „os meninos precisam ter dois pães‟ e chegassem às seguintes conclusões: „os

meninos‟ é redundante, basta „os menino‟ (pois o plural continua aì marcado mais economicamente); „os

menino precisam‟ é ainda redundante, basta „os menino precisa‟ (pois o plural continua aí marcado mais e

mais economicamente)...” (Houaiss, 1985:116).

Page 46: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

46

presumivelmente, mesmo através do mero processo oral,

um tipo de policiamento social que buscava afastar-se da

massa. Essa tendência teria ido em crescendo tal que, da

segunda metade do século XIX em diante, o „ideal‟

linguageiro postulado chegou a ser ostensivamente

lusitanizante ...” (Houaiss, 1985:132).

Essa idéia da descrioulização é a tese defendida pelos crioulistas

atuais e será mais adiante discutida. Nessa situação, no Brasil, busca-se a

língua alvo, o português, com a perda do caráter reducionista crioulizante.

Câmara Jr. (1975:77), mostrando-se de acordo com a existência desse

“falar”, no Brasil, acredita que, de inìcio, deve ter havido interferência dele

no português:

“Os escravos negros adaptaram-se ao português sob a forma

de um falar crioulo. Nos latifúndios, ou fazendas, da época

colonial e do império o contato dos senhores brancos com

seus escravos negros foi intenso e estreito. As crianças eram

confiadas aos cuidados de amas escravas, as chamadas

„mães-pretas‟, e devem ter tomado, de inìcio, sem sentir,

elementos do português crioulo que elas usavam.”

Ao contrário desses autores, vê-se em Révah (1959:273-291)

referência a leis fonéticas naturais para explicar um aspecto da morfologia

do português do Brasil, a perda da concordância verbal e nominal

(considerado pelos defensores de língua crioula como um traço

remanescente dessa língua). Segundo ele, essa ocorrência é registrada

também em Portugal, em Barrancos, e ele utiliza isso como argumento de

que a falta de concordância no Brasil não pode ser entendida como um

Page 47: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

47

resquício de existência de qualquer crioulo, de substrato indígena ou

africano.

Sobre a atuação dos aloglotas no português do Brasil, os autores antes

mencionados restringem seu papel a “um efeito de gatilho”, para Mattoso

Câmara Jr., usando expressão de Weinreich; ou fator de “precipitação de

mudanças”, para Serafim da Silva Neto; ou como elemento de “eliminação

das chamadas redundâncias”, para Antônio Houaiss. Nos três casos, o que

ocorreu com o português, no Brasil, já era previsto pelo sistema. O contato

com os aloglotas, segundo esses autores, não trouxe grandes mudanças,

mas a aceleração de um processo.

1. 3 Os lingüistas atuais

Na atualidade, os lingüistas também entendem o crioulo como uma

língua resultante de simplificação e fazem uma distinção entre pidgins5 e

crioulos. Enquanto os pidgins “são sistemas lingüìsticos reduzidos, sem

falantes nativos, usados em contextos funcionalmente restritos de

comunicação interétnica”, o crioulo “é mais complexo, „full fledged‟, e

variedade funcionalmente irrestrita” De Graff (1999b:3)6.

Na visão de Bickerton, segundo De Graff (1999b), enquanto na

pidginização ocorre uma aprendizagem de segunda língua com input

reduzido, na crioulização há uma primeira aprendizagem de língua com

input reduzido. Há autores que não consideram imprescindível a existência

de falantes nativos para a existência do crioulo. Segundo eles, pidgins

podem tornar-se crioulos sem terem passado por nativização, bastando para

isso tornarem-se de uso primário numa comunidade.

5 Assim como em Lucchesi & Baxter (no prelo), o termo pidgin, utilizado neste trabalho, tem o mesmo

valor de interlíngua, referindo-se a uma segunda língua em processo de formação. Diferenças que se

podem identificar dizem respeito a aspectos exteriores ao contexto estrutural.

Page 48: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

48

DeGraff (1999b:6) faz uma distinção entre pidgins e crioulos,

envolvendo aspectos históricos, funcionais e lingüísticos:

A distinção entre pidgins e crioulos está na combinação

de critérios históricos, funcionais e lingüísticos, tais

como ausência versus presença de falantes nativos,

aquisição por adultos versus crianças; extensão das

funções comunicativas, extensão do repertório

lingüístico, complexidade estrutural, consistência de

padrões e compatibilidade com restrições universais

(UG).7

Os estudiosos relacionam o crioulo a um processo de invasão e

escravização, envolvendo uma língua européia, sempre a língua alvo, e

línguas africanas, que se tornam substrato da formada. A língua do

dominador, nessa situação, é considerada alvo porque o objetivo do

escravizado é aproximar-se dela. Para a existência dessa língua, é preciso

que algumas condições sejam satisfeitas, dentre elas, segundo Bickerton

(1988), que o número de não-europeus, em determinado momento, seja

superior ao de europeus, o que ele chama de “evento único”. A extensão de

tempo entre o inìcio do contato entre as lìnguas e o “evento único” define a

maior ou menor “diluição” da lìngua alvo nessas lìnguas. Quanto mais se

retardar o “evento único”, mais traços da lìngua alvo o crioulo terá.

Considera-se a possibilidade de aqui terem existido processos de

crioulização no Brasil porque este país viveu durante muitos séculos a

situação de escravidão, apesar de o “evento único” não ter ocorrido no paìs

6 “According to standard definitions, (early) pidgins (and jargons) are elementary reduced, simplified

systems, without native speakers, and used in functionally restrict contexts of interethnic communication.

(…) [creole] is a more complex, „ full fledge‟ , and functionally unrestricted variety.” 7 “ The distinction between pidgins and creoles has relied on a combination of historical, functional, and

linguistic criteria, such as absence versus presence of native speakers, acquisition by adults versus

Page 49: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

49

como um todo, mas em apenas alguns pontos isolados. Sabe-se que, para

que um crioulo se forme, é preciso que não haja um outro sistema

lingüístico em comum e essa parece ter sido a situação vivida no Brasil

(mas não nos centros urbanos) e na maior parte das concentrações de

escravos no mundo, formadas por falantes de diversas origens e utilizando

línguas diferentes. Esses dados é que levam os pesquisadores à suposição

da crioulização prévia no português do Brasil.

É preciso que se observem as teorias existentes sobre a gênese do

crioulo para que se possam interpretar os traços das línguas resultantes de

um processo de crioulização. DeGraff cita três teorias da gênese do crioulo:

a universalista, a substratista e a superstratista. Na primeira dessas teorias,

as gramáticas crioulas tendem a manter especificados valores “defeituosos”

devido a

1) função privilegiada da criança em formação e a

2) natureza restrita, variável, do input do pidgin não ser

regida por regras.

Para os substratistas, crioulos trazem marcas sintáticas e semânticas

dos seus substratos, enquanto aspectos fonológicos do léxico remontam ao

superstrato. Na teoria superstratista, pela ausência de fortes pressões

normativas, e com interferência limitada das línguas nativas dos falantes,

os crioulos seriam versões de seus superstratos, originadas de várias

camadas de aproximações do coloquial (DeGraff, 1999b:7).

Pelo apresentado por DeGraff, a depender da idéia que o pesquisador

faz da gênese do crioulo, ele pode apresentar diferentes explicações para as

características de uma língua crioula: 1) ou aponta para os universais, teoria

children, rang of communicative functions, extent of linguistic repertoire, structural complexity,

consistency with universal (UG) constraints.”

Page 50: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

50

defendida por Bickerton, dentre outros, 2) ou se constituem explicações as

marcas do substrato ou 3) do superstrato.

O termo “crioulo”, ou “falar crioulizado”, utilizado nos discursos de

Mattoso Camara, Serafim da Silva Neto e Antonio Houais, parece estar

mais relacionado à teoria superstratista, segundo a qual, diante da ausência

de fortes pressões normativas, os crioulos seriam versões de seus

superstratos, como uma visão deturpada do português, mas sem influência

das línguas utilizadas pelos africanos.

DeGraff (1999b) defende a posição de que não existem traços

lingüisticos determinados que serviriam como critério para um status

crioulo. Essas lìnguas são simplesmente “o produto de certos fatores

externos extraordinários unidos à base lingüística ordinária (interna)

inerente à faculdade humana da linguagem.”8

No Brasil, as zonas rurais, durante a colonização, receberam grande

quantidade de africanos, principalmente para as plantações. Nessas regiões,

pode ter havido concentrações deles, talvez em maioria, com pouco acesso

à língua-alvo, o português, senão através de outros africanos que a

aprenderam como segunda língua.

Ferreira (1994:22) considerou a comunidade de Helvécia, no sul da

Bahia, como um possível remanescente de um crioulo de substrato

africano. A história da comunidade apresenta um dado curioso. Fazia parte

da Colônia Leopoldina, que perdurou de 1818 até a abolição, um núcleo em

que, em 1858, existiam “40 fazendas, 200 brancos (na maioria alemães,

suíços, alguns franceses e brasileiros) e 2000 negros; os últimos, na maior

parte, já nascidos na futura Helvécia.” Baxter (1998:112) observa que

8 “ … creoles would simply be the product of certain extraordinary external (sociohistorical) factors

coupled with ordinary (internal) linguistic resources inherent to the human faculte de langage.” (p 11)

Page 51: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

51

muitos dos escravos que fizeram parte do grupo inicial nasceram na África

e, segundo os descendentes, falavam o gege e o iorubá. Com o declínio da

agricultura, fonte de riqueza da localidade, os europeus abandonaram a

região, lá ficando os negros, com a linguagem remanescente do período

anterior.

Nessa comunidade, Ferreira constatou, em estudo realizado em 1961,

que a língua usada naquela década pelos mais velhos trazia uma série de

marcas que ela separou em dois tipos: as comuns a outras áreas rurais e as

peculiares a Helvécia, não registradas até então na Bahia. Com base no

conhecimento dos dados da história da região, pode-se levantar a hipótese

de ter havido aí aprendizagem de primeira língua (L1) pelos filhos dos

escravos com base em dados lingüísticos primários (PLD) de um português

aprendido como segunda língua (L2) dos pais, oriundos da África.

Observe-se que os europeus a que os negros tinham acesso não tinham, na

maior parte, o português como L1 e ofereciam-lhes um português talvez

deficiente (Baxter, 1998:113).

Baxter (1998: 113) acredita que o contexto de Helvécia indica que

podem ter sido muitos os modelos de dados primários colocados à

disposição dos escravos adultos e dos nascidos na colônia.

“Nas primeiras épocas da Colônia Leopoldina, diversas

variedades de português teriam constituído modelos

estímulos (input) para a aquisição do português como L2

e L1 entre os escravos. Variedades de português L2

teriam sido faladas por muitos dos colonos, e os

brasileiros teriam falado um português L1. Contudo, duas

variedades de português afro-brasileiro teriam

constituído modelos-estìmulos significativos (…)

Page 52: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

52

variedade de português afro-brasileiro falada como L2

(…) variedade do português afro-brasileiro falada como

L1, influenciada pelo português afro-brasileiro L2 e,

também, afastada ou próxima do português L1 falado

pela população livre.”

Dentre os aspectos lingüísticos próprios do falar de Helvécia, Ferreira

(1994) aponta os seguintes:

- a vogal nasal /õ/ ao invés do ditongo /ãu/ final;

- a líquida vibrante simples em posição intervocálica;

- a ausência de artigo ou a ocorrência mais comum de

artigo masculino, pelo de feminino;

- a existência de indefinido [una], com o [u] nasal ao lado

de [uma] e [ua] sempre com o [u] nasal;

- a falta de concordância interna de gênero no sintagma

nominal;

- a utilização da 3a pessoa verbal no lugar da 1

a, entre

outros.

Os achados de Ferreira (1994) implementam as discussões sobre a

existência de processos de crioulização na aquisição do português do

Brasil. Alan Baxter e Dante Lucchesi visitaram Helvécia na década de

oitenta e, dentro do projeto Vestígios, do Instituto de Letras da

Universidade Federal da Bahia, buscaram, com os dados do português

atual, traços que estabelecessem alguma relação com a existência de

processos de crioulização no Brasil, em diversos estágios de

Page 53: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

53

desenvolvimento e revelando os diversos tipos de acesso à língua-alvo

porventura ocorridos no processo de aquisição do português desses grupos.

Baxter e Lucchesi (1999:135), estudando a variação da concordância

sujeito/verbo e a de gênero no sintagma nominal no dialeto de Helvécia,

consideram que as especificidades desse dialeto se justificam por

1) modelos de português L2 falado por escravos africanos,

2) modelos de português L1 falado por escravos nascidos

no Brasil, e influenciados, por sua vez, por

3) modelos de português L2 falado por colonos europeus,

4) português brasileiro da região em questão e,

possivelmente,

5) línguas africanas, conforme o período.

Gregory Guy e John Holm tomam a hipótese da crioulização prévia do

português do Brasil como uma das principais preocupações e, utilizando-se

de referências a traços morfológicos do português do Brasil, defendem a

existência de processos de formação de crioulos ou semicrioulos na

formação do português do Brasil.

Apesar de não encontrar provas históricas da existência do crioulo,

Gregory Guy (1981:5), estudando a variação da língua portuguesa no

Brasil, caracteriza o português das classes mais populares como um

remanescente de processos de crioulização de base lexical portuguesa e

substrato africano. No português atual, esse remanescente apresenta,

segundo o autor, evidências de estar se descrioulizando, com a

incorporação de traços do português standard. Sobre essa variedade do

português, ele diz que

Page 54: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

54

“É a linguagem das massas, que são constituìdas

predominantemente por negros e mestiços com pouca

escolarização, que mostra traços que estamos considerando

como caracteristicamente brasileiros e possivelmente de

origem crioula.” 9

Guy, diante do contexto histórico da formação do português no Brasil,

acha totalmente improvável a não existência de processos de crioulização:

“Do ponto de vista histórico-social, nossa pergunta

provavelmente não seria „Foi o Português crioulizado?‟,

mas „Como seria possìvel evitar a crioulização?‟ ” (Guy,

1981:309)10

Segundo ele, o processo de redução da concordância nominal é um

indício de processo de crioulização, e explica o seu posicionamento com

dados de formação de plural em línguas africanas, que marcam o plural

com elementos pré-nominais, o que teria resultado na tendência no

português popular brasileiro de marcar os elementos em primeira posição

do sintagma.

Em parte discordando de Guy, e sendo mais cauteloso que ele, Holm

(1992) defende que há mais evidências para a formação de semicrioulos,

diante do fato de que os africanos não eram maioria durante os primeiros

séculos. A história do Brasil teve, segundo ele, as condições para a

formação de línguas crioulas apenas em algumas zonas rurais,

9 “It is the language of the masses, who are predominantly black or mestiço and who have historically had

very little education and a high rate of iliteracy, that shows the features that we are considering

characteristically Brazilian and possibly of creole origin.” (Guy, 1981:5). 10

“From the social historical standpoint, our question probably would not be „Was Portuguese creolized

in Brazil?‟, but rather „How could it possibly have avoided creolization?” (Guy, 1981:309)

Page 55: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

55

principalmente nas plantações e nas minas, em que a proporção de negros

foi desde cedo maior que a de brancos.

Com postura semelhante a Holm, e estudando aspectos do português,

Lucchesi & Baxter (no prelo) consideram que, apesar da inexistência de

“dados sócio-históricos da transmissão lingüística irregular de tipo

pidginizante e/ou crioulizante”, na formação do português brasileiro

ocorreram processos de pidginização e crioulização de tipo leve.

Comparando a aplicação da regra de concordância de gênero em dois

dialetos do português, o de Helvécia e o do Parque Nacional do Xingu11

,

esses lingüistas observam que as duas variedades da língua estão em fase

respectivamente de descrioulização e despidginização, tendo como alvo o

português (a primeira, de substrato africano, já referida, e a segunda, de

substrato indígena).

Baxter e Lucckesi (1997:76) e Baxter (1998:114:28) identificam

traços do português rural brasileiro que consideram como “propensões

morfossintáticas que apontam para um processo de transmissão irregular”,

muitas delas compartilhadas pelas línguas crioulas:

1) No sintagma nominal,

a) concordância de número variável

b) concordância de gênero variável

c) oração relativa introduzida com o relativo

que multifuncional e com cópia pronominal

11

O português de contato do Alto Xingu, no Estado de Mato Grosso, Brasil Central, funciona como uma

espécie de língua franca numa região em que são faladas pelo menos nove línguas indígenas. Com a

criação do Parque Nacional do Xingu, houve a conseqüente necessidade de comunicação, e o português

passou a cumprir esse papel. Ver estudos de Emmerich (1984).

Page 56: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

56

d) pronomes usados como sujeito e como objeto

e baixa incidência de reflexivos

e) variação na marcação da referência definida.

2) No sintagma verbal,

a) redução drástica da morfologia de pessoa e

número e conseqüente presença do sujeito;

b) variação na morfologia de tempo e modo e

redução de uso do subjuntivo;

c) preferência pelo futuro perifrástico;

d) uso reduzido de estrutura passiva; uso de

pronomes sujeitos em função de objeto;

e) verbo ter indicando posse e existência;

redução do uso de reflexivos e ocorrência de

negação dupla descontínua preverbal.

3) Outros fenômenos relacionados com o sintagma e

com a cláusula:

a) negação dupla (pré-verbal e final) e apenas

final;

b) não inversão sujeito-verbo nas interrogativas;

c) tendência a não utilizar advérbios

interrogativos no início da sentença;

d) uso da preposição em com função de lugar e

destino

Page 57: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

57

Guy (1981 e 1989) refere-se a uma base crioula na história do

português brasileiro, ou a um crioulo, e Naro & Scherre (1993, 1999 e

2000), discordando dele, negam a possibilidade da existência dessa língua

crioula na constituição dessa variedade da língua. Baxter (1998) trata de

“processos variáveis de crioulização” ou de “transmissão L2 para L1”, que

poderiam ter ocorrido de forma diferenciada em diversos lugares, com

graus de aproximação diferentes do português de Portugal. A transmissão

irregular, assim, não teria que acontecer da mesma forma, e nem poderia,

diante de cada condição demográfica que particularizou a sócio-história de

cada região. Essa perspectiva, assim, leva em consideração os fatores

particularizantes de cada localidade, em que houve contatos com maior ou

menor grau de aproximação entre o português europeu e as diversas etnias,

levando a processos diferentes, conforme cada caso.

Isensee (1964) e Callou (1998), no entanto, ao estudar uma

comunidade isolada de etnia branca da Bahia, o povoado de Mato Grosso,

na Chapada Diamantina, referem-se a aspectos do português dos

informantes pesquisados; os aspectos detectados nessa comunidade branca

são os mesmos considerados por alguns lingüistas como resultantes de

transmissão irregular, como constatação da existência de uma língua

crioula. Dentre eles, o apagamento da marca de plural em elementos do

sintagma nominal:

“-s final normalmente conserva-se. Como marca de

plural, ocorre quando a palavra aparece isolada (...).

Quando a palavra vem precedida de um determinante o

morfema pode aparecer, com grande freqüência, apenas

neste [no determinante] (...) mas pode ocorrer também em

ambos...” Isensee (1964:50)

Page 58: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

58

As pesquisas de Isensee e Callou tomaram como material a fala de

uma comunidade de origem portuguesa, sem história de aquisição do

português como segunda língua. Embora sem o objetivo de entrar na

discussão que ora se faz, os estudos acabam por se inserir no debate a

respeito da hipótese de que a origem da variação da concordância pode

estar relacionada a um processo de crioulização, na fase da constituição do

português no Brasil. Os resultados dessas duas pesquisas podem ser

tomados, pois, como contra-argumentos à crioulização prévia,

enfraquecendo a hipótese de que os traços observados sejam motivados

pela existência de uma língua usada pelos escravos africanos .

1. 4 As controvérsias

Indo de encontro ao que os crioulistas apresentam, Naro e Scherre

(1993:437-454), baseando-se em estudos da variação da concordância no

português, dizem não estar de acordo com a hipótese da existência de

processos do tipo crioulizante no português popular do Brasil. Eles não

consideram o papel do português L2 como um processo de crioulização:

assumem a visão de crioulização clássica e, dessa forma, consideram que o

fenômeno da variação da concordância, no Brasil, segue um processo

natural de deriva da língua.

Esses autores dizem não ter fundamento a argumentação de Guy

(1981) e apresentam como contra-argumento, semelhante à posição de

Révah, que a perda da concordância no português brasileiro é a

continuidade de uma tendência já presente na história da língua:

“Admitindo que a mudança lingüìstica que envolve a

concordância verbo-sujeito tenha se iniciado na

Page 59: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

59

fonologia, precisamente através da desnasalação,

concluímos que suas origens remontam pelo menos até os

tempos pré-clássicos. (...) Embora sejam raras as

menções à ausência do –s final no português Europeu,

temos evidências históricas do comportamento variável

do –s, desde o latim antigo até as línguas românicas

ocidentais modernas.” (Naro & Scherre, 1993:442-443).

Naro e Scherre afirmam não desconsiderarem o contexto histórico-

social do país, que decerto provocou marcas na língua, principalmente na

riqueza lexical, mas argumentam que houve no português uma

“confluência de motivos”, que seria como “uma atração de forças de

diversas origens – algumas oriundas da Europa, outras da América, outras,

ainda, da África – que juntas se reforçaram para produzir o português

popular do Brasil” (Naro & Scherre, 1993:437).

Em Naro e Scherre (2000), há a utilização de dados do português

europeu atual e de textos antigos medievais para atestar, também em

Portugal, a existência da variação da concordância sujeito/verbo e a

variação entre os elementos do sintagma nominal, com o objetivo também

de evidenciar que esse fenômeno não tem qualquer relação com a hipótese

da existência de uma crioulização prévia no português brasileiro. A

pesquisa conclui que as diferenças entre o fenômeno europeu e o brasileiro

são uma questão de grau, não de tipo12

. Apesar de essa variação ocorrer em

percentuais mínimos, ao se fazer a mesma análise de pesos relativos

aplicados à análise do estudo da variação no português do Brasil, a pesquisa

chega a resultados muito próximos dos resultados brasileiros.

12

The differences between the European and Brazilian phenomena are a matter of degree, not type. The

general diachronic picture is preservation of the hierarchical effect of the conditioning factors,

accompanied by an increase over time in Brazil of the overall average level of the use of the unmarked

variant of the verb in the context of a plural subject. No radical, or even light, restructuring has occurred

Page 60: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

60

Tarallo (1996b) também refuta a hipótese da crioulização /

descrioulização. Diante da análise de dados do português brasileiro antigo

(cartas e textos de teatro) e moderno (com os dados do NURC), ele conclui

que não está havendo mudança a caminho do português europeu, como se

pode prever em uma descrioulização:

“Os dados históricos sobre o PB [português brasileiro]

(...) mostraram que a reversão da posição assimétrica de

sujeitos e objetos foi muito lenta; pelo menos um século

foi necessário para que a mudança ocorresse (1975-1892).

Se a crioulização aconteceu no Brasil, teria levado 350

anos para que tivesse ocorrido alguma simetria entre as

posições de sujeito e de objeto ( ... )? E mesmo se isso

acontecera, e a descrioulização tivesse começado

(digamos por volta de 1885), por que o PB teria

começado a mudar na direção oposta ao PE [português

europeu]?” (Tarallo, 1996b:61).

O autor, nesse caso, tomando como base textos escritos antigos,

questiona a hipótese dos crioulistas, pois seus dados mostram que está

havendo o distanciamento, não a aproximação, do português lusitano, que

nessa proposta seria o alvo, como se poderia prever pela hipótese

apresentada.

Observa-se que Tarallo (1996b) demonstra uma “visão monolìtica” de

“um crioulo”, como se o fenômeno tivesse que ocorrer da mesma forma,

com unidade, em todo o território. Para que a sua análise pudesse levar a

resultados concretos a respeito da crioulização, considera-se que seus dados

deveriam ser retirados do uso popular, não de textos escritos antigos. Sabe-

in Brazil since the types of structures used have not changed; the change was basically in the frequency of

use of the available types. (p. 248)

Page 61: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

61

se que a modalidade escrita urbana (mesmo de textos de teatro) nunca se

desvinculou totalmente do ideal europeu. Além disso, o NURC, apesar de

ser amostra de oralidade, não é dos melhores exemplos de português usado

pelo povo, que abarque a população das classes mais populares (embora

alguns dos informantes do NURC sejam originários de classes populares, o

universo social do grupo não é o mesmo que caracteriza a massa mais

pobre da população, a que se poderia associar uma história de

crioulização). Seria necessário que se buscasse uso remanescente de

português africanizado ou influenciado pela fala dos negros africanos, ou

indígenas, falar descrioulizante ou não, no uso oral popular no português do

Brasil. A única mudança que poderia ser encontrada era exatamente o lento

distanciamento, na escrita, do padrão europeu, conseqüência da expansão

da fala popular.

Apesar dessa polêmica crescente em torno da possibilidade de uma

base crioula no português brasileiro, Mussa (1991) diz que não há

diferenças formais entre os dois processos, o de crioulização e o da

mudança natural, pois são “em essência os mesmos para qualquer espécie

de relação fonológica entre morfemas que derivam de um mesmo étimo,

seja na ramificação, na crioulização ou no contato” e não caracterizam

qualquer situação histórica exclusiva. (Mussa, 1991:106).

Analisando alguns processos fonológicos que ocorreram no português

do Brasil, Mussa (1991) chega à conclusão de que houve, em todos eles,

principalmente simplificação fonética e fonológica e fuga às formas

socialmente estigmatizadas, ou seja, não consideradas como de prestígio na

sociedade. Para concluir dessa forma, ele analisa alguns traços do

português popular do Brasil, inclusive a variação da concordância no

sintagma nominal, em comparação com os correlatos do português europeu

e os das línguas africanas. Mostra que, quando no português há competição

Page 62: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

62

entre formas diferentes das línguas concorrentes, é a forma mais simples (a

ausência da concordância, por exemplo) e/ou a menos estigmatizada que

prevalece.

Segundo o autor, é apenas coincidência o fato de alguns aspectos do

português brasileiro parecerem ter origem no “português africanizado”. A

explicação é que no processo de formação ocorreu a busca do mais simples

e as formas do português usadas pelos negros se caracterizavam por

“ ... formas de superfìcie menos opacas e mais simples.

Não se deve confundir isso com uma teoria substratista,

que explica a presença de um traço x pela incorporação e

assimilação pura e simples de estrangeiros a um grupo

populacional. É, pois, bastante diferente da „influência de

substrato‟ pressupor que as formas de superfìcie

produzidas por africanos entram na dinâmica histórica do

PPB por fazerem parte do corpus de dados à disposição

dos falantes.” (Mussa, 1991:235).

O autor considera, pois, que o português do Brasil não é resultado de

influência de substrato africano. Ele observa que, coincidentemente, as

tendências do português brasileiro caminham em busca do mais simples e o

português africanizado13

se caracterizava exatamente por formas com esse

traço. Dessa forma, apesar de as formas “preferidas” pelo português

brasileiro terem sido formas do hipotético português africanizado, Mussa

não considera que isso tenha sido nada além de uma tendência de escolher,

entre formas concorrentes, as mais simples, quando não estigmatizadas

socialmente.

13

Mussa considera o “português africanizado” um português interferido por muitos traços das lìnguas

africanas. Ele chegou a esse falar hipotético após pesquisas sobre línguas africanas e confronto com

documentos com registros de português usado por escravos.

Page 63: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

63

Interpretando as idéias de Mussa (1991): embora ele não afirme que as

línguas substratos usadas pelos africanos tenham deixado marcas no

português, ele considera que ficaram marcas, sim, no português, das

escolhas feitas por esses falantes, dentre as possibilidades que se lhes

apresentavam.

1. 5 Um pouco sobre a Cidade do Salvador, a região de estudo

1. 5. 1 Contexto sócio-histórico

Lobo (2000) registra que os portugueses chegados à Bahia, no século

XIX, eram de diversas regiões de Portugal e tinham, na maioria, ocupações

bem simples. Esses dados levam à suposição de que a língua transplantada

para o Brasil foi a das camadas mais populares e, além disso, com marcas

de muita diversidade diatópica. Lobo (2000) também documenta que a

maioria dos imigrantes portugueses em Salvador, entre 1852 e 1889 tinham

entre 9 e 25 anos (9 a 14 anos – 34,20%; 15 a 25 anos – 42,50%). Essas

informações também mostram que essa população, por ser muito jovem,

chega com muita propensão ainda à incorporação de dados do contexto

lingüístico ao conhecimento que eles traziam da sua língua materna.

A cidade do Salvador, ao lado dos portugueses, contou com os negros,

principalmente, para a formação da sua população. Essa cidade é, hoje,

referida normalmente pelas pessoas como um exemplo de mistura racial no

país. É nela que a mistura de raças torna-se evidente, na diversidade de

traços que compõem o tipo físico variado da população.

Ao lado do maioria mestiça, nesta cidade, o negro permaneceu, o que

não aconteceu com o índio, que, nas palavras de Viana Filho (1988:167),

“foi assimilado, morreu ou desertou para as matas”.

Page 64: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

64

Viana Filho (1988:40) afirma que os negros que vieram para a Bahia

procediam, em maioria, de grupos sudaneses e bantos e que, em 1775,

esses negros e seus descendentes constituíam a maioria esmagadora da

população. De um total de 33.686 habitantes, Salvador tinha 10.720

brancos, contra 4.324 pardos (ou mulatos) e 18.338 pretos. Já nessa época,

havia negros ou mestiços livres.

Mattoso (1992:119) refere-se a dois recenseamentos realizados em

Salvador, o de 1808 e o de 1872, para entender a distribuição dos diversos

tipos raciais na população da cidade. A seguir as informações são

reproduzidas em um quadro comparativo:

Quadro 1:

Distribuição da população de Salvador pela cor em 1808 e 1872 (em %)

População livre População escrava

Cor Brancos Índios e

caboclos

Negros e

mulatos

Negros e mulatos

1808 20,4% 1,3% 43% 35,3%

1872 24% 3,6% 60,2% 12,2%

A autora observa que, apesar de, nesse intervalo de quase setenta anos,

ter havido grande imigração portuguesa, os brancos continuam a ser

minoria, não chegando a um terço da população da cidade. Mas o número

de mulatos mostra que a miscigenação, nesse período, atuou, de maneira

que os mulatos praticamente passaram a ser quase a metade da população.

Page 65: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

65

Como a mistura racial é quase sempre acompanhada de mistura cultural, a

cidade tornava-se a cada dia mais miscigenada em todos os aspectos.

Mattoso (1992:596-8) caracteriza a sociedade de Salvador, entre os

fins do século XVIII e início do XIX, como dividida em quatro grupos

sociais:

No primeiro grupo, situam-se altos funcionários graduados da

administração real (governador-geral, chanceler, desembargadores, etc.),

oficiais das patentes mais elevadas (coronéis, tenentes-coronéis, etc.), o

clero secular (arcebispo e o alto clero.), os grandes negociantes, os

proprietários de terras, senhores de engenho ou pecuaristas. Esses

formavam a elite da época.

No segundo grupo, funcionários de nível médio (juiz e procurador da

Coroa, escrivães etc.), oficiais de nível médio (capitães, tenentes etc.),

membros do baixo clero (párocos, vigários), representantes das casas

portuguesas, distribuidores de mercadorias importadas, alguns proprietários

rurais, profissionais liberais (médicos, advogados etc.), os que viviam de

rendas, incluindo aí os aposentados e os que viviam de aluguéis (de casas

ou de escravos).

No terceiro grupo, estavam os funcionários de baixo escalão, os

profissionais liberais secundários (barbeiros, sangradores, etc.), os artesãos,

os comerciantes de frutas, verduras, os ambulantes (a maioria era formada

por alforriados), os pescadores, etc.

O quarto grupo era formado pela maioria da população. Era

constituído pelos escravos, vagabundos, mendigos: eram os marginais da

sociedade. Desses, o escravo era o marginal legalizado, pois, apesar de não

Page 66: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

66

ter qualquer direito civil, desempenhava um papel importante como força

capital no desenvolvimento econômico.

As famílias não tinham muitos filhos, entre um e quatro filhos, apenas

as mais abastadas tinham um número maior (Mattoso, 1992:148). As

famílias de alforriados tinham uma média de 2,9 e as mulheres solteiras

alforriadas tinham 1,9 filhos.

Aos escravos e aos seus filhos era vedado o acesso à escola. Mattoso

(1992:201) registrou que em Salvador, em 1872, apenas 37% da população

geral era alfabetizada. Os homens, mais que as mulheres (43 e 30%,

respectivamente).

Até o século XIX, havia imprecisão a respeito da área de Salvador,

não se sabendo até onde era a zona urbana e onde iniciava a zona rural.

Localidades habitadas por agricultores dispersos faziam parte da área de

Salvador, a exemplo de sete paróquias de zonas rurais muito próximas da

cidade, cujos habitantes precisavam vir à cidade para registros de

testamentos, certidões, reconhecimentos de filhos, etc. Mas em 1872,

segundo dados de Mattoso (1988:26-8), a zona urbana de Salvador tinha

onze paróquias (ou distritos): Sé, São Pedro, Santana, Conceição da Praia,

Vitória, Passo, Pilar, Santo Antônio Além do Carmo, Brotas, Mares e

Penha.

O escravo e o ex-escravo, no século XIX, em Salvador, estavam em

toda a parte. O número médio de escravos entre as residências de cada

bairro variava. As paróquias em que havia maior concentração de escravos

nas residências eram Sé (16,8 escravos), São Pedro (18,8), Vitória (17,9);

as paróquias de Santana, de Brotas e do Passo se destacaram por terem um

número médio muito baixo de escravos em cada residência: (3,7; 4,7; e 3,5,

Page 67: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

67

respectivamente). Entre a população livre, havia mais homens (52,8%) que

mulheres (47,2%).

É interessante observar que os escravos libertos em Salvador, no

século XIX, de 1800 a 1860 (segundo a pesquisa referida em Mattoso

(1988), a partir de testamentos e inventários), eram, em maioria, africanos,

não crioulos (ou seja, não eram negros nascidos no Brasil). Eles já vieram

para o Brasil com uma língua e aprenderam o português como segunda

língua. Era esse português aprendido como segunda língua que era a língua

usada e transmitida para seus descendentes e outros, com os quais

mantinham contato.

Segundo dados realizados nessa mesma pesquisa, entre 1851 e 1860,

51,9% dos escravos existentes já eram nascidos no Brasil, ao lado de 48,1%

escravos africanos, na maioria nagôs (Mattoso, 1988:112). E, diante do

desgaste constante de suas atividades, a sua vida era curta, daí a

necessidade constante de novas levas. Havia, ainda, grande quantidade de

escravos com português L2, convivendo com crianças que aprendiam um

português como primeira língua.

Havia entre os escravos uma preferência de escolha de parceiros da

mesma origem. Raramente havia união entre africanos e crioulos ou

mulatos, mantendo-se, também, muitas vezes, rivalidades antes existentes

entre as nações da África. Assim, o mais comum era haver uniões de

brasileiros com brasileiros e, além disso, quase nunca alforriado com

escrava ou vice-versa. Como o número de alforriadas era maior que o de

alforriados, havia mais dificuldade entre as mulheres alforriadas de

conseguirem um parceiro (Mattoso, 1992:164).

Page 68: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

68

Quanto ao número de filhos desses escravos, observando-se as

diversas origens, a autora chegou aos seguintes dados do recenseamento de

1872:

- de mães brasileiras – 56 crianças;

- de mães africanas (de diversas origens) – 167 crianças

(Mattoso, 1988:114).

Esses dados ajudam a entender o contexto lingüístico das crianças

nascidas em Salvador, no referido período. Eles indicam que a maioria das

crianças tinha acesso a um português utilizado por falantes de outra língua.

Esses dados fortalecem a hipótese de que a maioria dos descendentes de

escravos de Salvador pode ter tido como dados primários para a sua

aquisição não o português europeu, mas um outro aprendido com falantes

de português L2, já com interferência.

Em meados dos século XVIII, era o auge da importação de escravos e

já se percebia uma mudança na utilização do trabalho escravo.

“À proporção que a cidade crescia, também crescia a

proporção de escravos. Já não eram apenas empregados

para os serviços domésticos, para o cuidado das roças,

para o transporte das cadeirinhas. Inventara-se para o

negro uma nova modalidade de exploração econômica,

mais imediata, mais direta. Punham-no na rua, „de ganho‟

(…) Havia também os que se obrigavam a uma

contribuição diária ou semanal fixa para o senhor. O que

excedesse seria deles.” (Viana Filho, 1988:174).

Dessa forma, em Salvador, como em outros grandes centros, o negro

era vendido a toda hora, estava à disposição da sociedade, oferecendo, ele

Page 69: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

69

próprio, os seus serviços. E assim ele passou a circular mais, se oferecendo

e tendo cada vez mais liberdade na cidade, sempre com o sonho da alforria,

que era preparada a cada dia. É que o escravo tinha possibilidade de

comprar sua alforria com o dinheiro excedente do que ele tinha que

repassar para seu dono (Era costume entre eles guardar, para esse fim, todo

o dinheiro que sobrava). Havia, ainda, escravos artesãos (às vezes de donos

também artesãos) e eram competidores do ofício livre, que, muitas vezes,

era muito rentável, daí o interesse dos donos em investir na preparação do

escravo. (Gorender, 1992).

“A instrução de um artesão levava tempo, porém se

compensava com a valorização do escravo e com os

aluguéis mais altos que seu amo passava a receber.”

(Gorender, 1992:474).

Ter negros passou a ser um negócio cada vez mais vantajoso.

Gorender (1992) mostra que até famílias pobres tinham interesse na

compra de escravo, às vezes apenas um, como um grande investimento.

Quem pudesse ter no ganho alguns negros poderia viver bem. O negro

conquistava, nesse caminho, o progresso, não só através da instrução que

ele passou a conquistar, mas pela alforria a que muitos tiveram acesso.

Nesse processo, também o branco se modificou. Viana Filho diz que

“Rindo do negro, achando-lhe graça nos costumes, nas

superstições, considerando-o um elemento passivo,

distante, inferior, incapaz de transmitir qualquer coisa, o

branco não sentiu que ia sendo contaminado, assimilando

hábitos de que se havia rido, mas que de um momento

Page 70: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

70

para outro se estampavam indeléveis no seu „eu‟.”14

(Viana Filho, 1988:177)

Ao lado disso, podem ser observadas as ocupações das mulheres

escravas em Salvador. Segundo Mattoso (1988:26), a mulher escrava é

preferida em Salvador, pela versatilidade de poder passar dos serviços

domésticos para o trabalho “de ganho” sem dificuldade, enquanto os

homens tinham mais dificuldade em adaptar-se a outros serviços menos

grosseiros, caso houvesse necessidade. As negras de ganho eram, de fato,

cozinheiras, costureiras, lavadeiras, ou vendedoras de comidas que elas

próprias preparavam. A maioria, a serviço dos seus donos ou donas.

(Gorender, 1992).

Gorender (1992:479-81) refere-se à prostituição de escravas, a serviço

do dono. Era a instituição do comércio do corpo, com a proteção do

governo, uma vez que as leis não interferiam, como era de se esperar,

dando liberdade à escrava que tivesse que se sujeitar a essa condição.

Na zona rural dos engenhos do Recôncavo baiano, a sociedade era

diferente. Cada engenho constituía uma comunidade rural autônoma,

circunscrita em suas terras, diferente das comunidades de cultura de fumo e

de gêneros de subsistência. O contexto da escravidão, nessas comunidades

do Recôncavo, era marcado pelo grande número de negros, que eram

maioria absoluta, diante dos brancos, e trabalhavam principalmente nas

plantações, em situação bastante diferente da vivida pelos escravos

urbanos. Toda a atividade das plantações era desempenhada pelos escravos,

enquanto “os senhores de engenho amoleciam preguiçosamente” (Viana

Filho, 1988:185). Os homens escravos eram maioria, nos engenhos, numa

proporção de dois homens para uma mulher (Mattoso 1988:26). Como

14

Grifos nossos.

Page 71: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

71

eram poucos os brancos, esses escravos não tiveram a mesma possibilidade

que os escravos urbanos tiveram de contato com a língua e com os

costumes europeus. Além disso, entre a população escrava e os donos das

fazendas havia sempre a figura do feitor, que, muitas vezes, não era branco.

Por vezes era um ex-escravo ou um descendente de escravo, ou negro ou

mestiço.

Segundo Ribeiro (1995:220), nessas circunstâncias,

“A primeira tarefa cultural do negro brasileiro foi a de

aprender a falar o português que ouvia nos berros do

capataz. Teve de fazê-lo para comunicar-se com seus

companheiros de desterro, oriundos de diferentes povos.

Fazendo-o, se reumanizou, começando a sair da condição

de bem semovente, mero animal ou força energética para

o trabalho. Conseguindo miraculosamente dominar a

nova língua, não só a refez, emprestando singularidade

ao português do Brasil, mas também possibilitou sua

difusão por todo o território, uma vez que nas outras

áreas se falava principalmente a língua dos índios, o tupi-

guarani.”15

Muitas vezes dava-se a aproximação entre alguns negros e os

„sobrados‟,

“os negros haviam subido até os „sobrados‟,

impregnando-os com as marcas da sua cultura,

enriquecendo-lhes a língua, dando-lhes novas

superstições… (…) A fusão se iniciava desde o berço,

15

Grifos nossos.

Page 72: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

72

com a mãe preta. E continuava pela vida afora.”

(Gorender, 1992:192-3).

Nas plantações de fumo, contudo, havia uma estrutura social mais

simples que nos engenhos, era pequeno o número de escravos que

trabalhavam em uma plantação e havia uma aproximação maior entre os

senhores e seus escravos (Mattoso, 1992:592-5). Esse é um dado que pode

ajudar a concluir que, nesses contextos, o acesso dos africanos ao português

tivesse sido maior do que em outros tipos de cultura, em que o

distanciamento entre senhores e escravos era maior.

Após a Abolição, ocorreu a ida em massa de grande parte dos

escravos da zona rural principalmente para a zona urbana, em busca de

trabalho. Dessa forma, a cidade do Salvador, como todos os centros

urbanos, passou a conviver com um número muito grande de ex-escravos

da zona rural e, diante da proximidade, possivelmente recebeu os ex-

escravos das fazendas do Recôncavo baiano. Nesse momento, os negros

urbanos e toda a população branca e mestiça passaram a conviver com

aqueles negros que viviam nas fazendas de localidades como Santo Amaro,

Marapé (hoje São Francisco do Conde), Maragogipe, Cachoeira, entre

outras.

Pode-se prever que essa leva nova de negros e mestiços, brasileiros ou

não, oriundos da zona rural, modificasse o quadro da população da cidade

do Salvador. Eles não tinham a “urbanidade” que os outros, não tinham

trabalho nem onde morar. Passaram a viver pelas ruas buscando ocupação

para poderem se manter, iniciando o processo de inchaço da população,

caracterizado por mendicância de boa parte dela, e dando início aos núcleos

populacionais que fizeram a periferia urbana. Ribeiro (1995) faz referência

a esse quadro de pós-abolição e a sua conseqüência para as cidades:

Page 73: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

73

“A abolição, dando alguma oportunidade de ir e vir aos

negros, encheu as cidades do Rio e da Bahia de núcleos

chamados africanos, que se desdobraram nas favelas de

agora.” (Ribeiro, 1995:194).

Não é à toa que Ribeiro (1995:222) diz que o “negro urbano” se

formou sobre “precárias bases”, a partir de uma mistura com os negros

rurais que, ao chegar às capitais no pós-abolição,

“…transladado às favelas, tem de aprender os modos de

vida da cidade, onde não pode plantar. Afortunadamente,

encontram negros de antiga extração nelas instalados,

que já haviam construído uma cultura própria, na qual se

expressavam com alto grau de criatividade. Uma cultura

feita de retalhos…”

A chegada de imigrantes europeus para suprir a falta do trabalho

escravo nas fazendas, logo após a abolição, por certo ampliou e diversificou

o quadro populacional do Brasil. Eles aprendiam o português

principalmente dos ex-escravos, ainda nas localidades de trabalho, e

possivelmente tinham acesso ao português dessa população, segundo

Lucchesi (2000a). Apesar de esses imigrantes terem o objetivo inicial de

trabalhar no campo, eles conquistaram, posteriormente, a cidade, como

comerciantes, contribuindo, também, para a variação do português na

população urbana não negra nem mestiça.

Para os negros, a abolição mostrava-se como a liberdade, mas, ao sair

de um mundo de proibições e de limites, ingressaram num outro, em

Salvador. Nesse novo contexto, não é mais a diferença entre escravos e

homens livres. Agora o que vale é a cor da pele. Mattoso (1982:240) diz:

Page 74: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

74

“Então negros e mestiços são excluìdos de todos

agrupamentos brancos; e isto ocorre em Salvador, ela

que, ao tempo da escravidão, soubera criar passarelas

entre as duas comunidades. (…) O racismo dissimulado é

presente em toda parte, negado em toda parte, no esforço

por fazer esquecido o sangue africano. O

„embranquecimento‟ é imperativo para qualquer ascensão

social.”

O século XX, no Brasil, traz uma crescente urbanização, provocada

pela industrialização e pelo êxodo rural, conseqüência, principalmente, do

latifúndio e de grandes áreas improdutivas. Nesse processo, levas de

pessoas da zona rural procuram a zona urbana, em busca de emprego e de

melhores condições de vida (Ribeiro, 1995:200-03). Salvador, como todas

as outras capitais, recebe a diversidade de culturas e de dialetos formados

nas diversas regiões do estado.

É preciso, no entanto, que seja tratado um aspecto que parece

importante: no século XX, a população brasileira ficou mais branca,

conforme informações de Ribeiro (1995:230), a partir de dados de

recenseamentos (38% em 1872, 62% em 1950 e 55% em 1990). Como isso

se explica, se não houve grandes levas de europeus que justificassem esse

aumento? O autor mostra que esse aspecto está relacionado à miscigenação

(que muitas vezes obscurece as raças que, ao se envolverem com o branco,

levam a produtos humanos com aparência de branco) e à relação da

avaliação racial influenciada pela situação social das pessoas. As melhores

condições sociais “embranquecem” a população. No Brasil, hoje, a maior

distância social que existe é a que separa ricos e pobres, ao lado de uma

enorme discriminação “que pesa sobre negros, mulatos e ìndios, sobretudo

Page 75: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

75

os primeiros” (Ribeiro, 1995: 219). Nesse sentido, há muitos que têm

ancestrais negros e índios na população considerada branca.

1. 5. 2 Considerações finais

Os dados apresentados sobre Salvador envolvem alguns aspectos que

devem ser alvo de atenção:

1. Salvador foi um grande núcleo urbano de concentração

escrava;

2. Aqui os escravos e seus descendentes, negros e

mestiços, viveram séculos servindo aos brancos nas suas casas e

nas ruas;

3. Até fins do século XIX, havia ainda em Salvador negros

oriundos da África que não tinham o português como língua

materna ou já traziam um pidgin ou uma língua crioula de base

portuguesa;

4. Os escravos brasileiros, nessa época, falavam o

português aprendido como primeira língua através de seus pais

ou outros escravos, brasileiros e africanos, atuando

conjuntamente;

5. Muitos filhos de escravos tinham pai e mãe africanos,

com português L2, mesmo até fins do século XIX;

6. O número de africanos e crioulos, juntos, era bem maior

que o número de portugueses;

Page 76: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

76

7. Os escravos e a maioria da população branca e mestiça

eram analfabetos;

8. As atividades desenvolvidas pelos escravos e mestiços

não exigiam, normalmente, o português padrão;

9. No Recôncavo baiano, os escravos tiveram,

possivelmente, muito pouco acesso ao português europeu, muito

menos que em Salvador;

10. O português europeu que chegou a Salvador era muito

diversificado, diante das variadas origens e condições sociais

dos falantes, por isso distante do padrão;

11. Com o fim da escravidão, a população escrava rural

oriunda do Recôncavo misturou-se com a população urbana,

diversificando ainda mais o quadro.

12. Os imigrantes por certo acabaram por contribuir para a

difusão da linguagem das zonas rurais nas zonas urbanas, nas

diversas classes sociais.

13. Além disso, observa-se que o português que era

aprendido a cada dia pelos escravos oriundos da África e pelas

crianças dessa cidade que conviviam com esses negros, crianças

brancas (em suas casas, com as escravas), mestiças ou negras de

Salvador, era um português de diversos contornos, em vários

estágios de redução, reflexo de diferentes contatos e tipos de

aprendizagens.

Page 77: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

77

Com as informações que se tem da formação da população de

Salvador, é de se esperar que esse povo carregue, de alguma forma, marcas

desse encontro de raças e de culturas.

Esta pesquisa não pretende negar que a variação da concordância

nominal, fenômeno lingüístico aqui observado, já fosse prevista na deriva

da língua, como atestam estudos de Naro e Scherre no português de

Portugal atual e em dados do português arcaico. Pretende-se, contudo,

estudar se, no Brasil, o fenômeno da variação da concordância no Brasil

tem alguma relação com a implantação do português no Brasil, que se deu

de forma muito específica, diante da escravização e do contexto que

caracterizou o contato entre as culturas, no período de colonização.

1. 6 Português europeu e português brasileiro: uma língua ou duas?

No século XIX, no Brasil, com o nacionalismo desencadeado pela

independência, aliado aos ideais do Romantismo, surge uma preocupação

entre escritores e lingüistas em considerar as particularidades da língua

usada no Brasil, de forma a instituir a língua brasileira. Os defensores desse

ideal sentiram a necessidade de reconhecimento de uma língua nacional e

buscaram nela características que a distinguissem de Portugal.

Mendonça (1936) considera principalmente que o português, na fala

dos índios e negros, sofreu radicais mudanças na sua morfologia e

pronúncia que o transformaram numa nova língua. Ele observa que o

português do Brasil, pelas diferenças em relação à língua mãe, não pode ser

chamado de “dialeto brasileiro”, ainda porque apresenta, nas várias regiões

em que é usado, vários dialetos. Segundo ele, em Cabo Verde e em Ceilão,

as alterações produzidas no português pelos negros foram muito fortes,

Page 78: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

78

mas, no Brasil, não se pode dizer que as mudanças ocorreram nas mesmas

proporções. Uma análise rápida entre as três línguas revela uma

“diferenciação em escala decrescente, na qual o Brasil ocupa a posição

mais próxima de Portugal”. As mudanças, no entanto, fizeram da lìngua no

Brasil algo diferente, com tendência a ir se separando, segundo ele,

gradativamente, da língua original.

Interessado em estudar a tese da língua brasileira, Tarallo (1996b)

buscou fundamentos lingüísticos para essa idéia que, segundo ele, foi,

emocionalmente apenas, defendida principalmente por ideais do século

passado. Utilizando-se de metodologia sociolingüística e com referencial

teórico da gramática gerativa, com base no estudo de parâmetros, foram

observadas quatro mudanças sintáticas ocorridas no português do Brasil,

em corpus dos séculos XVIII, XIX e XX: a re-organização do sistema

pronominal; mudança nas estratégias de relativização; a re-organização dos

padrões sentenciais básicos; e os padrões sentenciais em perguntas diretas e

indiretas.

O trabalho apresentado dá como evidente a existência de diferenças

suficientes a favor de uma gramática brasileira. Tendo a consciência de que

seria necessário aliar o seu estudo, que foi puramente lingüístico, a um

aprofundamento “à luz de evidências sociais”, Tarallo (1996b:99) afirma

que “Sem vias de dúvidas, entretanto, pode ser afirmado que o cidadão

brasileiro já estava de posse, ao final do século XIX, de sua própria

lìngua/gramática.”

Contrapondo-se à idéia da língua brasileira, Serafim da Silva Neto,

Révah, Joaquim Mattoso Câmara Júnior e Antônio Houaiss defendem que

as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal não afetam a

unidade da língua. Apesar de todos eles reconhecerem a existência de

Page 79: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

79

traços característicos a cada um dos dois usos que se fazem da língua,

identificam uma estrutura comum, inquestionável e indiscutível.

As diferenças entre as duas variedades da língua, na argumentação

feita, são mais no nível da pronúncia e do léxico. As oposições fonológicas,

no entanto, são as mesmas, apresentando o mesmo número de fonemas

vocálicos e consonânticos. Na morfologia, são utilizados os mesmos

recursos, faz-se o plural nos verbos e nos nomes da mesma forma, no

português do Brasil e no de Portugal. Assim como a língua varia, a

depender das regiões, ocorre a variação entre o português europeu e o

americano. Eles usam como argumento o fato de que entre as duas

realidades há mais semelhanças que diferenças e que, mesmo dentro do

Brasil há muitas diferenças no léxico e na pronúncia.

Na verdade todos esses autores defendem que a variação existe mais

na língua oral, idéia inicial de Silva Neto, que assim se posiciona:

“Se assim é na lìngua falada [muita variedade entre as

duas línguas], importa acentuar que na língua escrita os

fatos são muito diferentes. Esta, graças ao seu caráter

conservador e tradicional, e à dependência do ensino

gramatical, está acima de todas as variedades sociais e

regionais, dominando e absorvendo tudo. Ela é uma

seleção, uma escolha para a qual concorrem as pessoas

mais finas e mais cultas da sociedade luso-brasileira. ( ... )

É claro que quanto mais cultos são os indivíduos mais se

acercam de uma língua geral, padrão, quer estejam no

Brasil, em Timor, em Goa, em Angola ou em Portugal.”

(Silva Neto, 1976:21-3).

Page 80: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

80

Révah (1959:278-279.), concordando com a proclamada unidade, diz

que o português do Brasil conservou mais a língua adquirida no século XVI

do que no continente europeu, daí algumas divergências entre as duas

realidades atuais da língua. Segundo ele,

“Até que se prove o contrário, nós consideraremos os

falares populares brasileiros como os falares portugueses,

cujo testemunho poderá ser invocado para a

reconstituição do português dos séculos XVI e XVII.”

(Révah, 1959:273-291).16

Na visão de Révah (1959), dessa forma, as diferenças entre as duas

realidades continuam tendências já existentes no português do século XVI

e, por isso, ele considera indevida a relação dessa variedade com a possível

influência de negros ou índios, e, sim, com o próprio português antigo, não

vendo, assim, duas línguas, mas uma só, com variedades que remontam a

fases diferentes da mesma língua. Nesse universo, o português brasileiro

estaria mais próximo que o europeu de um estágio anterior da língua.

Segundo Mattoso Câmara Jr, apesar de que uma lìngua, “segregada

em outro meio, possa determinar ... a formação de uma verdadeira nova

lìngua”, no Brasil, não se fala uma lìngua diferente de Portugal: “Podemos

dizer que a unidade lingüística está, em essência, na identidade das

oposições fundamentais, quer de ordem fonológica, quer de ordem

gramatical.” (Câmara Jr.,1975:80).

Mesmo considerando que as realidades lingüísticas do português

brasileiro e do europeu não se constituem duas línguas diferentes, Câmara

distingue dois blocos dialetais grandes, não contínuos, o europeu, e o

16

“Jusqu‟a preuve du contraire, nous considérerons les parlers populaires brásiliens comme des parlers

portugais dont le témoignage pourra être invoqué pour la reconstituition du portugais des XVIe – XVII

e

siècles.” (Rëvah, 1959:273-291).

Page 81: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

81

americano e, em cada um deles, uma extensa continuidade dialetal. Dessa

forma, a distinção entre o português brasileiro e o europeu é bastante forte.

Mattoso Câmara diz que

“A lìngua está de tal modo ligada à sociedade e à cultura,

que a diferenciação cultural e social entre a população

européia e a sua congênere americana, desde a época em

que uma representava a metrópole e a outra a colônia,

determinou uma dicotomia lingüística. Não é uma ficção

falar num português americano, em bloco, em face do

bloco do português europeu.” (Câmara Jr., 1975:81).

Houaiss (1985:17), referindo-se aos que defendem o português

brasileiro como uma língua diferente do português de Portugal, diz:

“A crìtica básica a esse critério de oposição de diferenças

é que se confere às diferenças um peso desproporcional,

se comparado ao peso que deveria dar às igualdades.”

Ele cita, entre outros, elementos estruturais da sintaxe, morfologia,

como se vê na seguinte passagem:

“Entre os elementos de igualdade que podem ser

balanceados está, além dos sintáticos e morfológicos, o

vocabulário – tanto do ponto de vista da estrutura

fonológica significante, quanto da estrutura semântica do

significado. São iguais, por exemplo, as imensas maiorias

dos campos terminológicos, na medicina, no direito, na

economia, nas matemáticas, na física, na química, na

astronomia, na botânica, na zoologia etc, etc.” (Houaiss

1985: 21).

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82

Houaiss (1985:17), ao defender a unidade da língua, diz que ela existe

enquanto língua de cultura17

, não enquanto língua natural. Nesse sentido,

ele também está de acordo com a existência de uma mesma língua não no

nìvel da lìngua popular, comum, oral, mas no que ele chama “lìngua de

cultura”. Com outras palavras, parece que Houaiss concorda com a

existência de línguas de uso oral, popular, diferentes. Só há uma mesma

língua na escrita, o que considera língua de cultura. A argumentação de

Houaiss (1985) não procede, uma vez que toma como base a escrita da

língua, não o oral, e perde, pois, em valor argumentativo.

Apesar de considerar que as diferenças do português nos dois

continentes situam- se na “norma”, não na lìngua, Cunha (1975:73)

defende programas de governo que, se não impeçam a separação dela em

duas lìnguas, mas pelo menos que tentem “reduzir” ou “adiar” os “efeitos”

do “permanente fator de diferenciação”, “que só aos cegos pode passar

despercebido”.

Marroquim (1996: 10-20) trata o português do Brasil como o “dialeto

brasileiro”, criticando a denominação “brasileirismos” para as

particularidades da língua neste país. Sendo dialeto entendido como uma

forma regional da língua, o Brasil, diante da sua extensão, não tem um

dialeto, mas vários.

Reconhecer a existência desse dialeto, “força viva que surge das

massas populares ao impulso de tendências lógicas e naturais” (Marroquim:

1996::10), é fundamental para que se façam estudos sistemáticos das suas

tendências. Amaral (1976), sendo o pioneiro ao estudar o dialeto caipira,

17

Para Houaiss, lìngua de cultura é “sustentada por um aparato escrito (...) [que] se aprende, do

nascimento até a morte, sempre e necessariamente, por uma poderosa rede escolar especìfica ...”

(Houaiss, 1985:140).

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83

“abriu resolutamente o caminho, dando um exemplo que deve ser imitado”

(Marroquim: 1996::10).

Pinheiro Lobato (2001) reconhece o português brasileiro como

possuidor de uma gramática com seus próprios parâmetros, definidos,

principalmente, devido a fatores externos, relacionados ao contato entre as

diversas línguas, na fase de sua constituição. Segundo a autora, a razão

principal das diferenças é que dados resultantes da aquisição como segunda

língua foram utilizados como modelo para aquisição de português como

primeira língua.

“A mudança [do português europeu para o português

brasileiro] foi um processo instantâneo para cada um dos

aprendizes do português como segunda língua (escravos

africanos e falantes não-portugueses das línguas gerais),

o que significa que a mudança na gramática foi abrupta.

O PB [português brasileiro] surgiu aí e essa nova

gramática foi transmitida às gerações seguintes. (...) os

produtos da nova gramática têm surgido lentamente

desde então, no decorrer dos séculos.”

Conforme as palavras de Pinheiro Lobato (2001), o português

brasileiro não se associa diretamente aos africanos ou aos indígenas, mas à

aquisição do português a partir de dados de L2 a que essa população foi

submetida. A autora ressalta que a contribuição da população descendente

dos escravos teve grande participação na formação dessa nova língua

diante da grande massa “aprendiz de origem africana ter adquirido o

português como segunda língua em idade adulta e em condições adversas”.

(Pinheiro Lobato, 2001).

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84

Galves (1998:80) considera o português brasileiro e o europeu, numa

perspectiva gerativa, como duas línguas-I diferentes. A língua-I é definida

como um “objeto mental, o saber que as pessoas têm da lìngua”, que

corresponde a uma definição de parâmetros da faculdade da linguagem;

enquanto a língua-E é entendida como “a totalidade dos enunciados que

podem ser produzidos numa comunidade de fala”. Nessa concepção, a

autora Galves (2001:93) afirma que “se “ „Lìngua‟ for definido como

„Lìngua-I‟, o PE [português europeu] e o PB [português brasileiro] são

exemplos de duas lìnguas diferentes”.

1. 7 Conclusões

A formação do português do Brasil, como se explanou nesse capítulo,

ainda é muito discutida. Apesar dos diversos estudos feitos em épocas

diferentes, a polêmica continua. Um dos traços do português brasileiro

tomado com muita freqüência, por muitos dos estudiosos, para a referência

à realidade lingüística brasileira é a variação da concordância no sintagma

nominal, fenômeno raro no português europeu. O atual estudo, dedicando-

se à observação desse aspecto do português do Brasil, considera não só

inserir-se nessa discussão, como contribuir, com as observações aqui feitas,

para o debate já existente.

Page 85: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

85

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

2. 1 Fundamentação teórica

2. 1. 1 Linhas gerais da sociolingüística variacionista

Neste capítulo, são feitas considerações sobre a sociolingüística

variacionista, linha teórico-metodológica utilizada neste trabalho, e sobre

aquisição e a mudança lingüística. Em seguida, é feito um detalhamento

das variáveis (dependente e independentes) e são apresentados dados sobre

a utilização do suporte estatístico, o pacote de programas Varbrul.

O objeto de estudo da sociolingüística é a fala viva em seu contexto

real, não a língua apenas idealizada, objeto de outros tipos de estudo. Essa

ciência estuda fatos lingüísticos propriamente ditos em seus contextos e

tem como preocupação explicar a variabilidade lingüística e sua relação

com diversos fatores (lingüísticos e sociais) e a interferência dessa variação

na mudança lingüística. A sociolingüística considera a heterogeneidade não

só comum, mas como uma situação natural ou normal da língua, conforme

se pode conferir em Labov (1983: 259):

“... nos últimos anos, temos chegado a nos dar conta de que

esta é a situação normal: que a heterogeneidade não só é

comum senão que é o resultado de fatores lingüísticos

básicos. O que sustentamos é que a ausência de variação

estilística e de sistemas de comunicação multiestratificados

é que resultaria disfuncional.”

Segundo Labov (1982: 17), a heterogeneidade, objeto do estudo

sociolingüístico, é vista como uma heterogeneidade ordenada. Sendo parte

Page 86: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

86

integrante da economia lingüística da comunidade, é necessária para

satisfazer as demandas lingüísticas da vida cotidiana e deve ser entendida

como distinta da variação livre.

A ocorrência de variantes relaciona-se a traços do ambiente interno e a

características externas, do falante e da situação (estilo contextual, status e

mobilidade social, etnicidade, sexo, idade). Segundo (Labov, 1982: 18), os

estudos demonstram como a escolha de variantes identifica o falante, seu

grupo social, sua faixa etária, sexo etc. Labov (1983: 31) afirma que as

pressões sociais operam continuamente sobre a linguagem, não desde um

passado remoto, mas como uma força imanente que atua constantemente no

presente18

.

O objeto da descrição lingüística é a gramática da comunidade

discursiva: o sistema de comunicação usado na interação social. Um estudo

sociolingüístico envolve observação de uma comunidade, levantamento de

hipóteses de trabalho, seleção de informantes, coleta, análise e

interpretação de dados. Ao analisar uma amostra de língua coletada em

uma determinada sincronia, com objetivos de observar a variação/mudança

no uso da comunidade, é imprescindível que ela represente a forma comum

como essa língua é usada, o seu registro informal.

Na teoria variacionista, a mudança lingüística não é vista como

exterior ao sistema, mas como integrante do seu caráter heterogêneo. Para

se fazer o estudo da mudança, segundo a teoria variacionista, existe a

necessidade de se considerar essa característica da língua, pois toda

mudança pressupõe variação (Labov, 1982:20). Dessa forma, podem-se

identificar mudanças em progresso, observando-se a concorrência de

variantes velhas e novas, fase da mudança em que poderão ser identificados

18

“... las presiones sociales están operando continuamente sobre el lenguaje, no desde un punto remoto

del pasado, sino como una fuerza social inmanente que actúa en el presente vivido”.

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87

contextos favorecedores da nova forma e situações em que a forma velha é

mantida. A observação da variação em uma sincronia pode, pois, apresentar

dados indicadores da mudança.

Na visão de Labov (1994:9), a estabilidade deveria ser a principal

característica das línguas, diante do fato de elas serem usadas como

instrumento de comunicação. As línguas, no entanto, mudam e a mudança

não está associada simplesmente ao desgaste ou erosão devido ao uso.

Uma resposta a que se quer chegar é o que as mudanças buscam. É

comum dizer-se que todas elas levam à simplificação, mas, se isso fosse

verdade, as línguas estariam cada vez mais simples, mas nem todas as

mudanças parecem caminhar nessa direção. Outro aspecto importante a se

observar é a avaliação que os falantes fazem sobre a mudança, pois existe a

pressuposição de que, sendo considerada como positiva ou como negativa,

isso possa interferir no curso de uma mudança.

Os dados dos informantes mais jovens têm propensão de indicar

tendências de mudança nas línguas; a observação dos falantes mais velhos,

por outro lado, podem ser ricos em registros que sirvam para caracterizar a

conservação de traços que caminham para o desuso. Assim, através desse

estudo em que se tem acesso a amostras de fala dos dois grupos, pode-se ter

um indicador de dados do passado e projeções para o futuro daquela língua.

Esse estudo da mudança, com a observação das faixas etárias em uma

sincronia, é o que se denomina estudo em tempo aparente (Labov, 1994:

45-6). Para que se confirmem as inferências de mudança feitas nesse tipo

de estudo, é necessário que se faça o estudo em tempo real, com a

observação de dados de mais de uma sincronia (Labov, 1994:73). Ao se

fazer um estudo em tempo real, pode-se optar pelo panel study, com o

recontato dos mesmos informantes em outro período de tempo, ou pelo

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88

trend study, em que se contatam outros informantes com as mesmas

características do primeiro grupo, em outra época. Como o primeiro deles é

viabilizado normalmente com bem mais dificuldade, ele não é feito com

freqüência, pois deve haver uma distância de em média vinte anos entre as

sincronias. Ocorre que, nesse período, muitos informantes morrem ou se

desinteressam de colaborar com a pesquisa feita anos atrás. Ainda há outros

problemas, como mudança de cidade ou de condições, como perda de

lucidez, de dentes, etc. Com o estudo em tempo real, pode-se observar se a

mudança, prevista no estudo em tempo aparente, se confirmou, se continua

o seu percurso, ou se é, ao contrário, a mesma variação atestada

anteriormente, demonstrando, dessa forma, ser uma variação estável.

O estudo através das faixas etárias também leva a elucidação de fatos

da história da língua e pode-se, dessa forma, utilizar dados do presente para

estudar o passado. O uso do presente para explicar o passado depende da

identificação de pontos de contato entre fatos lingüísticos, similaridade ou

divergência entre eles. É dessa forma que estudos da variação, da mudança

e da reconstituição histórica da língua, hoje, fazem parte de uma mesma

área.

O estudo da mudança em progresso em uma sincronia, através de

dados de gerações diferentes, pode demonstrar:

1) uma variação estável, em que co-ocorrem variantes diversas,

sem evidenciar mudança em progresso;

2) uma mudança tomando lugar e conduzindo à diferenciação

estrutural significante em duas ou três gerações.

A variação entre os gêneros também é um dado que pode ajudar no

estudo da mudança. Segundo Labov (1991:211), em situação de variação

Page 89: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

89

estável, o gênero masculino normalmente usa uma freqüência mais alta de

formas da linguagem não padrão que o gênero feminino, e as mulheres são

geralmente inovadoras em situação de mudança lingüística (Labov,

1991:215). Mas Labov (1983:374) adverte que será um erro grave construir

um princípio geral segundo o qual são as mulheres que encabeçam sempre

a mudança lingüística. Lopes (2000) estudou a variação/mudança em

tempo aparente e em tempo real da concordância de número no sintagma

nominal, na fala de informantes universitários de Salvador. Nesse trabalho,

apesar de a diferença encontrada entre as duas sincronias (décadas de 70 e

de 90) ser muito pequena, considerou-se a possibilidade de mudança diante

do comportamento dos mais jovens, em comparação com os mais velhos, e

da constatação de que as mulheres se mostraram mais inovadoras que os

homens.

Labov (1983: 374) observa que as mulheres exercem um papel mais

direto na transmissão da língua para as crianças:

“Se é certo que se dá uma influência dos pais na

linguagem inicial dos meninos, a das mulheres é ainda

maior; certamente as mulheres falam aos meninos

pequenos mais que os homens e têm uma influência mais

direta durante os anos em que as crianças estão formando

regras lingüísticas com mais rapidez e eficácia. Parece

provável que o ritmo na progressão e na orientação da

mudança lingüística devem muito à especial sensibilidade

das mulheres diante do conjunto do processo.”

Apesar de Labov (1983:374) referir-se a pesquisas que mostram as

mulheres na frente em mudanças fonéticas do inglês, o autor afirma que o

Page 90: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

90

correto não seria generalizar que as mulheres estão sempre encabeçando as

mudanças, mas que

“... a diferenciação sexual da fala desempenha com

freqüência um papel primordial no mecanismo da

evolução lingüìstica”. (Labov, 1983:374).

O nível de escolarização pode ser um dado favorecedor da variação ou

da mudança lingüística. Os estudos já realizados mostram que, em casos de

mudança, os falantes mais escolarizados privilegiam a forma socialmente

mais valorizada e, ao contrário, na fala desses informantes há o

desfavorecimento de formas características da fala popular.

Silva e Paiva (1996) falam de três tendências básicas de efeito da

escolarização em relação à substituição da forma não padrão pela padrão:

“a) Podem ocorrer casos em que os falantes entram na

escola oscilando entre um grande e um pequeno uso da

variante padrão, mas a escola „poda‟ a variante não-

padrão (...); b) em outros casos, em que a maioria dos

falantes entra na escola sem usar a variante padrão, esta é

adquirida durante sua escolarização sem que desapareça,

porém, a variante não-padrão (...); c) finalmente, uma

terceira modalidade ocorre quando os falantes entram na

escola apenas com a variante que se considera não-

padrão, mas, paulatinamente, substituem essa variante

pela considerada padrão.” (Silva e Paiva, 1996:348-9).

O estigma social que as variantes sofrem concorre grandemente para

que o efeito da escolarização seja mais ou menos garantido pela atuação

dessa instituição. Aquelas variantes mais estigmatizadas são priorizadas

Page 91: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

91

pelo trabalho dos professores, que têm como papel preservar a forma

padrão e impedir a mudança, ou seja, a generalização da variante

desvalorizada, mas concorrente na língua. Quando a variação/mudança

envolve um traço não estigmatizado, comumente não é alvo da escola e,

assim, não sofre o efeito da pressão escolar.

As mulheres têm se mostrado mais sensíveis à escolarização que os

homens, ou seja, quando mais escolarizadas, elas apresentam mais

fortemente que os homens o efeito regulador que esse processo representa.

Silva e Paiva (1996:349-50) observam que isso se dá pela forma diferente

como os dois grupos se comportam no ambiente escolar: enquanto as

meninas, mais freqüentemente, se interessam em ser as melhores alunas,

isso não se dá com os meninos, que normalmente se interessam mais pela

parte social que a escola traz, o recreio e a camaradagem entre os colegas.

Essas variáveis, como se pode supor, interferem conjuntamente nos

usos lingüísticos, não de forma isolada.

2. 1. 2 A aquisição

A hipótese de que a variação da concordância no sintagma nominal do

português brasileiro tem como explicação o tipo de aquisição da língua

portuguesa pelos negros e pelos índios, no processo de colonização, no

Brasil, faz surgir, nessa tese, a necessidade de se fazer um estudo sobre a

aquisição. Nesta seção, de início, trata-se de aspectos relativos à aquisição

lingüística de uma maneira geral. Em seguida, dar-se-á enfoque à aquisição

com dados provenientes de aquisição como segunda língua, com mais

divergência e variação e, finalmente, serão observados dados de um

Page 92: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

92

contexto de aquisição com mais de uma gramática, dentro de uma visão

gerativa.

Lightfoot (1999) defende que gramática é uma entidade individual e

que as pessoas desenvolvem gramáticas, que são representadas nas suas

mentes e que caracterizam seu conhecimento lingüístico19

. Dessa forma, as

gramáticas variam de uma pessoa para outra, resultado de diferentes

experiências lingüísticas.

Esse autor mostra que, a despeito de dados tão reduzidos a que a

criança se expõe, o que ele chama a “pobreza de estìmulos” (“the poverty of

the stimulus”), a gramática é fixada (Lightfoot, 1999:63). O mistério se

situa exatamente nesse ponto, pois a criança adquire muito mais do que a

experiência apresenta como input.

“Ninguém nega que a criança deva extrair informação do

seu meio; isso não quer dizer que exista “aprendizagem”

no sentido técnico. Meu ponto é que a aquisição da

linguagem é muito mais que isso. Crianças reagem a

evidências conforme princípios específicos. Não é de

todo claro que papel a indução assume. Ela não capacita

a criança a determinar qual é a sentença bem formada

nem explica como crianças “aprendem” o significado

das mais simples palavras. Crianças não têm evidência

suficiente para induzir o significado de casa, livro, ou

cidade ou de expressões complexas (…)”20

(Lightfoot,

1999:63)

19

“Individuals grow grammars, which are biological entities represented in people‟s brains and which

characterize their linguistic knowledge.” (p. 49) 20

“Nobody denies that the child must extract information from her environment; it is no revelation that

there is “learning” in that technical sense. My point is that is more to acquisition than this. Children react

to evidence in accordance with specific principles. It is not at all clear what role induction plays.

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93

Apesar da “pobreza do estìmulo”, a criança adquire a gramática,

devido a certas propriedades do seu equipamento genético que fazem o

desenvolvimento da linguagem. O estímulo do ambiente é apenas um

“engatilhador”, pois muito do que é obtido no processo é determinado por

princípios genéticos, ativados pela experiência. Lightfoot compara a

aquisição da gramática ao crescimento dos pêlos: assim como eles nascem

sob certas condições, como nìvel de luz, ar e proteìna, “assim, também, um

organismo lingüístico regulado biologicamente emerge sob exposição a

uma comunidade discursiva qualquer”21

.

Na fase de aquisição da linguagem, as características dos dados a que

a criança tem acesso são de fundamental importância para a definição do

produto final a ser adquirido. A sua competência lingüística, ou seu

“fenótipo”, será, pois, o resultado do processamento dos dados lingüísticos

primários (DLP), ou triggers, acrescido de facilitações, modificações ou

conclusões chegadas a partir de dados da sua faculdade de linguagem, ou

seu “genótipo” (Lightfoot, 1999:66), inerente, pois, a todo indivíduo.

Myers-Scotton & Jake (2000a:1054) relacionam a ordem de aquisição

da linguagem aos diversos tipos de morfemas, encontrados na estrutura da

língua. Os autores apresentam quatro tipos de morfemas:

1) os content morphemes, ou morfemas de conteúdo (os substantivos,

os adjetivos, os verbos são exemplos de content morphemes);

e os system morphemes, ou morfemas sistêmicos, podendo ser de três

tipos:

Induction does not enable a child to determine what a well-formed sentence is; nor does it explain how

children “learn” the meanings of even the simplest words. Children do not have sufficient evidence to

induce the meaning of house, book, or city, or of more complex expressions (…)” (Lightfoot, 1999:63). 21

“( …) just as hair emerges with a certain level of light, air, and protein, so, too, a biologically regulated

language organ emerges under exposure to a random speech community.” (Lightfoot, 1999:74).

Page 94: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

94

2) os early system morphemes (em inglês, out e at, em to look out e

to look at);

3) os bridge system morphemes (o morfema de plural –s, em two

tables);

4) os outsider system morphemes (o –s indicador de 3a pessoa em he

works).

Os autores consideram que esse estudo revela a hierarquia em que os

diversos fatos da estrutura lingüística são adquiridos tanto em

aprendizagem de primeira como de segunda língua.

Segundo Myers-Scotton & Jake (2000a:1055), a produção lingüística

inicia-se no nível conceptual (pré-lingüístico), onde são ativados conjuntos

de traços semântico-pragmáticos lingüisticamente específicos. Lemas,

intermediários entre as intenções e a produção de estruturas sintáticas, são

selecionados por esses conjuntos. Os lemas diretamente escolhidos no nível

conceptual são a base para os content morphemes, ou morfemas lexicais.

Além desse tipo de morfemas, os morfemas de conteúdo, definidos no nível

dos lemas, outros são utilizados para concretizar as diversas intenções dos

falantes, pois esses primeiros não são suficientes para fazê-lo: são os

system morphemes, ou morfemas gramaticais. Esses, apesar de não serem

morfemas de conteúdo, podem ser selecionados também no nível dos lemas

ou, como a maior parte deles, no nível gramatical, ou no formulator. Esse

nível é o responsável pela definição das estruturas gramaticais superficiais,

pelas relações puramente sistêmicas ou estruturais.

São dois os aspectos que fazem as diferenças básicas entre os content

e os system morphemes:

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95

1) o status com respeito à ativação conceptual (ou a fase em que eles

são selecionados);

2) a forma como os elementos participam na construção dos

constituintes22

.

Lemas subjazem os morfemas de conteúdos e são a relação direta

entre intenções dos falantes e unidades lingüísticas. Esses lemas, no léxico

mental, são diretamente eleitos pelos conjuntos de traços pragmático-

semânticos abstratos, salientes no nível conceptual. Outros lemas subjazem

a um tipo de system morphem “indiretamente eleito”, o “early system

morphem”, que contém estrutura conceptual essencial para atender às

intenções do falante.23

Podem-se encontrar exemplos do primeiro tipo,

content morphemes, ou morfemas de conteúdo, em

(1) Stella is interested in horticulture. (Myers Scotton & Jake,

2000a:1058).

Stella, interested, horticulture são content morphemes (morfemas de

conteúdo). São elementos que recebem ou projetam regras temáticas

(argumento ou predicado).

O modelo identifica três tipos de system morphemes: os early system

morphemes (já referidos), os bridge late system morphemes e os outsider

late system morphemes. Os early system morphemes, apesar de serem

ativados no nível dos lemas, juntamente com os morfemas de conteúdo, são

22

“First, morphemes are classified as to their status with respect to conceptual activation. Second, they

are classified according to how their forms participate in building larger constituents.” (Myers-Scotton

and Jake, 2000b:3). 23

“The lemmas underlying content morphemes are the direct link between speakers‟intentions and

linguistic units. These lemmas in the mental lexicon are directly elected by the bundles of abstract

semantic and pragmatic features salient at the conceptual level. These directly-elected lemmas can point

to other lemmas that further realize the bundles of semantic and pragmatic features. These other lemmas

underlie one type of system morpheme, endirectly-elected early sustem morphemes. In combination with

content morphemes, these early system morphemes contain essential conceptual structure for conveying

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96

elementos da estrutura funcional, são elementos estruturais, sistêmicos, não

são predicados nem argumentos. Um exemplo desse tipo de morfema é up

e o the em

(2) Bora chewed up Lena‟s toy yesterday.

(3) I found the book that you lost yesterday. (Myers Scotton & Jake,

2000a:1063).

Tanto o the, quanto o up estão cumprindo diretamente as intenções do

falante. A idéia de definitude do book já é determinada no nível das

intenções do falante, assim como o up, que dá uma idéia diferente a chewed

também foi definida no mesmo nível (daí serem early). Apesar disso, esses

morfemas não recebem nem projetam regras temáticas, não são argumentos

nem predicados (daí serem system). Os early system morphemes, então,

são morfemas sistêmicos, estruturais, mas que são definidos mais cedo, na

fase em que são definidos os morfemas de conteúdo, os content

morphemes, para atender a necessidade desses morfemas, no nível das

intenções.

Os content morphemes e os early system morphemes, juntos, enviam

direções para a estruturação das sentenças, no nível gramatical, ou

formulator. Nesse último nível, outros morfemas sistêmicos ou estruturais

também são ativados, os late system morphemes. Os late system

morphemes são definidos apenas no nível funcional ou sistêmico, e são de

dois tipos:

1) bridge late system morphemes, para o que Myers-Scotton & Jake

(2000a:1064) apresentam como exemplos as preposições e outros

elementos que fazem as relações, atendem apenas às exigências

the speaker‟s intentions. Together, content morphemes and indirectly-elected system morphemes send

directions to the formulator to build larger linguistic units.” (Myers Scotton & Jake, 2000b:3)

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97

gramaticais. A análise da concordância no sintagma nominal do português

que aqui se faz considera que esse fenômeno estrutural envolve,

principalmente, morfemas do tipo bridge late system, além, também, de

early system morphemes, conforme se discute neste trabalho, na análise dos

dados. São, pois, tratados como early system morphemes os morfemas de

plural nos nomes quando são os primeiros ou os únicos elementos

pluralizáveis do sintagma ou aqueles em elementos anteriores

imediatamente ao nome. Consideram-se bridge system morphemes todos os

outros morfemas de plural do sintagma, pois eles são pluralizáveis apenas

para cumprir orientação gramatical, a da concordância.

2) outsider late system morphemes, que são caracterizados como os

morfemas que dependem de informação gramatical fora do sintagma em

que eles ocorrem24

. Incluem morfemas verbais como os que indicam

pessoa, em Inglês, um elemento de concordância. Em português, a

concordância verbal é expressa, também, com outsider system morphemes.

Eles são considerados como dependentes de relação fora da projeção

máxima, ou fora do sintagma (daí a denominação outsider), pois, nesse

caso, dependem da relação do verbo com o sujeito.

O modelo dos 4 M, ou quatro tipos de morfemas, pressupõe que, na

aquisição das línguas, primeiramente os content morphemes são

aprendidos. Entre os system morphemes, os early são aprendidos antes dos

late system morphemes, e, desses, os que não dependem de relações fora da

sua projeção máxima são aprendidos antes dos que dependem de orientação

de fora (por exemplo, os morfemas de concordância verbal). Myers-Scotton

24

“They depend on grammatical information OUTSIDE of the immediate maximal projection in which

they occur. This information is only available when the formulator sends directions to the

positional/surface level for how maximal projections are unified in a larger construction.” (Scotton &

Jake, 2000:1064).

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98

& Jake (2000b:5) defendem que o status diferente dos diferentes tipos de

morfemas afetam a sua produção:

“Isto é, existe uma relação entre lemas subjacentes

aos content morphemes e a performance. Colocado

de outra maneira, lemas contêm todas as

especificações necessárias para projetar constituintes

maiores e construir projeções. (…) content

morphemes são adquiridos mais cedo e perdidos mais

tarde que system morphemes. Similarmente, como

morfemas que são também salientes conceitualmente,

early system morphemes diferem de late system

morphemes.25

Em Myers-Scotton & Jake (2000b:4), os autores chamam à atenção

para o fato de que os mesmos traços não são necessariamente codificados

pelos mesmos tipos de morfemas nas diversas línguas26

. Analisando a

forma apresentada por Myers-Scotton & Jake (2000a, e 2000b), o presente

trabalho considera, pois, que a morfologia referente à concordância dentro

do sintagma nominal, no português, estaria ora entre os early system

morphemes, ora estaria se comportando como os late system morphemes.

Nesse entendimento, num sintagma nominal do tipo “os meninos”, em

“Os meninos saìram”, o morfema de plural de “os” é inserido logo, ele

deve ser considerado um early system; o “s” de “meninos” parece não ser

gerado no mesmo momento, pode ser considerado um tipo de late system.

Essa pode ser a explicação para o morfema de plural –s de meninos ser

25

“That is, there is a relationship between abstract lemmas underlying content morphemes and

performance. Put another way, lemmas contain all the specifications needed to project langer constituents

and build CPs. (…) content are acquired earlier and lost later than system morphemes. Similarly, as

morphemes that are also conceptually-salient, early system morphemes differ from late system

morphemes.”

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99

registrado com menos freqüência em processos de variação, e ser fixado

mais tarde em processos de aquisição.

2. 1. 2. 1 A aquisição em condições especiais de movimentação

populacional

Esta seção trata especificamente da aquisição da língua em situações

especiais de contato entre populações, que dão origem a processos de

formação de línguas de início de emergência, tipo pidgin27

, e,

posteriormente, crioulos, já referidos no capítulo 1, e também de dialetos

que são modificações da língua de superstrato, que se distanciaram da

língua inicial como resultado de situação semelhante, embora menos

radical, em processo de nativização.

Quando a criança passa por uma exposição a dados de mais de uma

gramática, ou de diversas gramáticas, com inputs mistos, sob condições

especiais de movimentos populacionais, normalmente ela será levada à

formação de uma gramática diferente das gerações anteriores. Nesse caso

poderá haver uma mudança de gramática (Lightfoot, 1999), é o que ocorre

quando línguas crioulas se formam.

Lightfoot (1999) considera que crianças utilizam-se da exposição ao

ambiente lingüístico para, dali, tirar “pistas” para a aquisição de lìngua.

Considerando-se a formação de línguas crioulas, em comparação com a

aquisição de línguas não-crioulas, a diferença é que na formação de

crioulos ocorre que, a partir da interpretação do que as crianças ouvem, o

mais “empobrecido” possìvel de pistas da lìngua alvo, novas lìnguas

completas podem surgir, e de forma rápida. Essas línguas, ou simplesmente

esses dialetos, são resultantes de aquisição com poucos dados, diante da

26

“It is important to note that the same features are not necessarily encoded by the same type of

morpheme cross-linguistically.” 27

Ou uma interlíngua, como aqui já se observou.

Page 100: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

100

situação especial vivida pelas populações. Nesse tipo de aquisição da

linguagem, há precariedade de input e a transmissão da língua muitas vezes

é feita por falantes não-nativos, que não adquiriram a língua como primeira

língua, mas o fizeram já na sua fase adulta. A língua surgida desse processo

caracteriza-se “pela redução gramatical da lìngua considerada alvo e a

manutenção, principalmente, de elementos essenciais necessários ao

preenchimento das funções comunicativas básicas” (Lucchesi, 2000c:99).

Lucchesi apresenta três razões básicas para a redução da estrutura

gramatical relacionadas à formação dos modelos de aquisição da língua

alvo, ou seja, da língua de superstrato, a que as populações tiveram acesso:

“(i) o difìcil acesso dos falantes das outras lìnguas aos

modelos da língua alvo, sobretudo nas situações em que

os falantes dessa língua alvo são numericamente muito

inferiores aos falantes das outras línguas;

“(ii) o fato de os falantes dessas outras lìnguas serem, em

sua maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos

dispositivos da faculté du language, que atuam

naturalmente no processo de aquisição da língua

materna;

(iii) a ausência de uma ação normatizadora, ou seja, de

uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de

aquisição/nativização, já que esse processo tem como

objetivo o de fundamentalmente [ser] a comunicação

emergencial com os falantes da lìngua alvo.” (Lucchesi,

2000c:99).

Page 101: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

101

Embora esses processos de aprendizagem de língua tenham ocorrido

em várias partes do mundo, houve, a depender de aspectos sócio-

demográficos de cada situação, formações lingüísticas que se distanciavam

da língua-alvo em graus diferentes. A respeito disso, Lucchesi (2000c:104)

afirma que

“A transmissão irregular constitui um contìnuo de nìveis

diferenciados de socialização/nativização de uma

segunda língua, adquirida massivamente, de forma mais

ou menos imperfeita, em contextos sócio-históricos

especìficos.”

A depender da relação da língua nativizada com a língua-alvo, ela

será, pois, uma língua distinta ou apenas uma variedade da língua-alvo,

com marcas da sua formação, mas que, apesar disso, não se distanciará

tanto da primeira.

As línguas crioulas são caracterizadas por Myers-Scotton (no prelo)

como compostas por um léxico e um conjunto de princípios de boa

formação, que funcionam acoplados, e, juntos, constituem a gramática.

Esse léxico e esse aparato gramatical são dois sistemas diferentes, e a

autora diz que “existem dois sistemas e eles interagem de importantes

maneiras nos nìveis abstratos do processamento e produção”28

.

Mufwene (2000) considera que a crioulização é um processo que não

se diferencia do processo de formação regular de língua senão no que diz

respeito a aspectos sociais, não estruturais. Dessa forma, não se justificam

as tentativas de explicar como se formam os crioulos, pois a diferença é

28

There are two systems, and the interact in important ways at abstract levels of processing and

production. (op. cit, p. 2)

Page 102: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

102

apenas a velocidade e a extensão das reestruturações que ocorrem nos dois

tipos de produtos formados.

“Desde que a fórmula de reestruturação é

aparentemente a mesma – a velocidade e a extensão

variam de acordo com os diversos fatores ambientais

– parece arbitrário assumir que crioulos vernaculares

desenvolveram-se por processos diferentes da

mudança lingüìstica normal.” (Mufwene, 2000:69).

Esse autor não considera que a transmissão lingüística insuficiente ou

irregular seja algo específico dos crioulos, pois a aquisição de qualquer

língua é carregada de imperfeições, resultado da heterogeneidade

interindividual e, também, do input (Mufwene, 2000:73). Nos crioulos,

contudo, ocorre uma aprendizagem com mais imperfeição e a

reestruturação é mais rápida e extensiva que em outros tipos de contato de

língua (Mufwene, 2000:69). Processos de reestruturação como a

gramaticalização têm sido utilizados no desenvolvimento de crioulos e de

não crioulos e

“morfemas ou construções que têm sido

idiomatizadas para funções gramaticais específicas

iniciam-se de modelos disponìveis (…) na lìngua

base.” (Mufwene, 2000:69).

Embora não se esteja tratando de nenhum crioulo, o tópico da

aquisição com dados com muita diversidade e divergência tem relevância

diante da história de aprendizagem de língua na cidade do Salvador,

cuja população foi formada por três diferentes raças, relacionadas entre si,

durante séculos, por um processo de escravidão. Independente de terem

havido línguas crioulas, em alguma parte do Brasil, tem-se a certeza

Page 103: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

103

de que processos variados de aquisição do português ocorreram no decorrer

da história desse país, envolvendo aquisição de Português L1 com dados

divergentes ou insuficientes oriundos de contatos com falantes que

aprenderam essa língua como L2.

Em aquisição de primeira ou de segunda língua, dessa forma, os

content e os early system (ou morfemas lexicais e morfemas gramaticais

early - introduzidos na fase dos lemas) são aprendidos primeiramente,

seguidos dos bridge late system e, finalmente, dos outsider late system. Em

processos de crioulização, observam-se perdas do tipo de preposições,

conjunções, pronomes, todos morfemas gramaticais ou system morphemes;

mas as maiores perdas se localizam principalmente na morfologia

flexional, que desaparece totalmente ou fica muito comprometida (Myers-

Scotton, no prelo).

Myers-Scotton (no prelo) apresenta cinco hipóteses que, no seu

entender, caracterizam a formação das línguas crioulas e são de

fundamental importância para a compreensão do processo de constituição

dessas línguas. São elas:

1) As variedades de substrato contribuem para a formação do

crioulo, com uma estrutura gramatical “invisìvel”, a Matrix

Language29

;

2) Content morphemes do superstrato são mais freqüentes no

crioulo do que content morphemes do substrato30

;

29

“The ML [matrix language] is best thought of as the abstract grammatical frame of bilingual CP, not as

a language itself. (…) ML happens to be synonymous with the frame of one of the participating

varieties." Scotton & Jake (no prelo) 30

O inverso disso acontece em Cafundó, uma comunidade negra encontrada no Brasil. Na linguagem

desse grupo, há utilização de muitos morfemas lexicais de línguas africanas e gramática do português, ao

contrário das línguas crioulas conhecidas,

Page 104: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

104

3) Content morphemes do superstrato podem ser reconfigurados

como morfemas gramaticais para satisfazer as necessidades da

estrutura abstrata;

4) Early system morphemes do superstrato podem aparecer em

crioulos, com seus content morphemes principais;

5) Late system morphemes do superstrato não são aproveitados

no crioulo, apenas content morphemes e seus early system

morphemes.

Para a presente discussão, interessam, particularmente, as hipóteses 4

e 5. Segundo essa teoria, os early system morphemes são apenas “satélites”

dos morfemas de conteúdo, só são utilizados quando os de conteúdo a que

eles se associam são acessados, e são ativados, por isso, na sua fase de

produção, conjuntamente com eles. Nos crioulos, apesar de não ser regular

a existência desse tipo de morfema, eles ocorrem em algumas dessas

línguas. Myers-Scotton (no prelo) diz que eles podem surgir na forma de

morfemas aglutinados ao nome, como um morfema pré-nominal, a

exemplo das partículas du, de la francesas, presentes nos crioulos de

Reunião, de Ile de France, do Haiti e no Mauriciano, de base francesa.

“Um conjunto de dados do francês monolìngüe deixa

claro que os nomes do francês não ocorrem

categoricamente com seus artigos definidos ou

partitivos. Essa é a evidência de que os nomes e esses

early system morphemes não compartilham de um

único lema no léxico mental, mas pertencem a

diferentes lemas. Assim, um content morpheme e seu

Page 105: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

105

early system morpheme é que são inseridos como um

só em uma estrutura crioula. (…)”31

Crioulistas já observaram que, em crioulos que têm como substrato

línguas bantas [anteriormente citados, de Reunião, de Ile de France, do

Haiti, o Mauriciano] é comum a existência dessas formas aglutinadas, que

Myers-Scotton (no prelo) classifica agora como formadas por early system

morphemes e content morphemes. A semelhança, pois, entre os substratos e

os crioulos resultantes mostra a relação que se sugere existir entre as

gramáticas das duas línguas (o crioulo e o substrato). Myers-Scotton (no

prelo) acrescenta que, nas línguas envolvidas, esses morfemas gramaticais

que se acoplam aos morfemas de conteúdo são early system morphemes,

tanto nas Banto como nos superstratos, daí o aproveitamento de estrutura

semelhante no crioulo criado:

“A conexão entre essas formas (det+nome) em

crioulos e a população Banto de escravos é que as

línguas Banto são caracterizadas por um conjunto de

classes de nomes mais marcados, uma classe de

prefixos que obviamente relembram os determinantes

franceses em sua posição pre-nominal. O modelo 4-M

acrescenta o argumento de que tanto os determinantes

franceses quanto as classes de prefixos de nomes

Banto são early system morphemes.32

31

“Any data set of monolingual French data makes it clear that French nouns do not occur categorically

with either definite articles or partitives. This is evidence that the nouns and these early system

morphemes do not share a single lemma in the mental lexicon, but rather are in separate lemmas. Yet, it is

a content morpheme and its early system morpheme that are inserted as one in a creole frame. (…)”

(p.24) 32

“The connection between these [det+noun] forms in creoles and a Bantu population of slaves is that

Bantu languages are characterized by a set of noun classes, most marked with class prefixes that obviusly

resemble the French determiners in their prenominal position. The 4-M model adds the argument that

both the French determiners and the Bantu noun class prefixes are early system morphemes”. (p. 24-25).

Page 106: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

106

Embora essa junção entre um morfema funcional e um morfema de

conteúdo seja a explicação para a manutenção de um morfema gramatical

em um crioulo, Myers-Scotton (no prelo) deixa claro que o fato de ser um

early system morpheme foi a condição ou exigência para que isso

acontecesse. Isso não teria ocorrido entre um late system morpheme e um

content morpheme. Segundo a autora, esse estado de coisas dá base para se

dizer que

“os early system morphemes são conceituamente ligados

a suas cabeças, dependendo desses elementos de sua

projeção máxima para as determinações sobre sua forma

[A definitude é explicitamente marcada e é atribuída

pelo determinante, que também carrega a informação de

plural]. Esta característica distingue early system

morphemes de late system morphemes e pode explicar

porque o falante crioulo percebe as partes da unidade

com suas cabeças” (Myers-Scotton, no prelo)33

.

Scherre (1988:366-7), ao estudar a presença de marca de concordância

em elementos antecedentes ou pospostos aos núcleos, considera que existe

uma relação de coesão estrutural mais forte entre o núcleo e os seus

antecedentes, mas não entre o núcleo e os elementos pospostos a ele:

“... os elementos antepostos ao núcleo apresentam entre si

e o núcleo uma relação mais coesa do que a que é

estabelecida entre os elementos pospostos e o núcleo

correspondente. É, portanto, possível postular a existência

de dois graus de coesão dentro do segundo nível (...)

33

“early system morphemes are conceptually-linked to their heads, depending on the heads of their

maximal projection for direcions about their form (e. g., Is definiteness marked overtly? Is is conveyed by

a determiner?). This characteristic distingishes early system morphemes from late system morphemes and

can explain why the creole speaker perceives them as part of a unit with their heads.”(p. 25).

Page 107: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

107

somente os constituintes pospostos ao núcleo admitem a

possibilidade de inserção de elementos entre eles e os

seus núcleos correspondentes e, coerentemente, são estes

constituintes os menos marcados.”

Em Detges (2000), são encontrados exemplos de formas com resíduos

dos artigos franceses: zozo, lapli, do francês “les oiseaux”, presentes no

crioulo de Reunião; zozo, zuazo, do francês “les oiseaux”, no crioulo

mauriciano; nãm, do francês “un âme”, no crioulo haitiano. Detges, no

entanto, não considera que tenha havido, simplesmente, uma aglutinação

fonológica de itens morfológicos anteriormente separados ou distintos, mas

a explicação é dada a partir de um princípio de reestruturação, um processo

de reanálise morfológica, que não é, no seu entendimento, um fenômeno do

falante, mas do ouvinte. Ao ouvir as duas formas, o artigo e o nome, o

falante não interpreta a existência dos dois itens e faz a fixação da cadeia

de som ouvida e a transmite, fazendo a sua expansão na língua crioula.

“Eles simplesmente não são identificados como itens

significantes. A transmissão material simultânea e a

função perdida do artigo francês apresenta um

exemplo simples de mecanismo cognitivo que

governou o processo de reestruturação na gênese dos

crioulos franceses.” (Detges, 2000:147-148).34

Segundo a teoria dos 4-M, os late system morphemes não são ativados

no nível das intenções, apenas os content e os early system morphemes o

34“They were simply not identified as meaning items. The simultaneos material transmission and

functional loss of the French article forms provide a simple example of the cognitive mechanism which

governed the process of restructuring in the genesis of the FrCr‟s [crioulos de base francesa]”.

Page 108: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

108

são. Isso se dá pelo fato de os primeiros não “estarem em cena” quando

conjuntos de traços semântico-pragmáticos, que ligam intenções a lemas,

são ativados, senão mais tarde, no nível funcional ou gramatical. Dessa

forma, os late system morphemes não podem ser escolhidos para cumprir

qualquer intenção, nessa fase. Como uma evidência desse fato, da

hierarquia e das implicações dessa diferença entre os morfemas, Myers-

Scotton (2000a) apresenta o morfema existencial there em comparação

com o locativo there. O primeiro é um late system morpheme, ele cumpre

apenas uma função gramatical, não é um morfema de conteúdo, mas o

segundo é um content morpheme. Prova disso constata-se na observação de

que enquanto o existencial não se mantém nos crioulos, por ser um late

system morpheme, o locativo aparece em muitos crioulos do inglês, embora

reconfigurado como um marcador de tempo-modo-aspecto, ou seja,

cumprindo valor de morfemas funcionais “late” (Myers-Scotton, 2000a :

25).

Para a presente discussão, importa a diferença que se pode estabelecer

entre os morfemas de plural que estão envolvidos na concordância dentro

do sintagma nominal. Sendo o português uma língua que exige que a

concordância se faça entre os vários elementos pluralizáveis do sintagma

(no determinante pré-nominal, assim como no francês, referido por Myers-

Scotton (no prelo), e em outros elementos) é de supor que os morfemas de

plural não sejam todos ativados no mesmo nível e, por isso, tenham

implicações na variação do fenômeno nessa língua.

Com o suporte teórico-metodológico de que se dispõe neste trabalho,

tem-se a certeza de que é possível relacionar a variação da concordância

aqui estudada aos dois tipos diferentes de morfema envolvidos no

fenômeno (os early system morphemes e os late system morphemes) e,

ainda, à história de formação do português no Brasil.

Page 109: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

109

2. 1. 3 Competição de gramáticas e mudança lingüística

Na visão de Lightfoot (1999), de que falantes têm gramáticas

individuais, a variação é uma indicação de que existem gramáticas em

competição. Assim, traços das duas gramáticas do mesmo falante podem

ocorrer, em contextos complementares, como em uma diglossia

internalizada (Lightfoot, 1999:92).

“Neste caso, a aparente opcionalidade seria uma função

de gramáticas coexistentes. Melhor que, então, admitir

que uma gramática gere opcionalmente as formas a e b,

nós sustentamos que uma pessoa tem acesso a duas

gramáticas, uma das quais gera a, a outra, a forma b; o

falante tem a opção num determinado momento de usar

uma ou outra das gramáticas.”35

Nesse ponto de vista, a aparente variação é uma oscilação entre dois

ou mais pontos fixados. Os falantes que têm mais de uma gramática

refletem que, no processo de aquisição de língua, tiveram acesso a mais de

uma gramática. Línguas não têm variação nem livres alternâncias e, quando

isso acontece, são línguas diacronicamente instáveis e representam uma

transição até que uma das gramáticas cai em desuso.36

O que define se os falantes de uma língua terão ou não mais de uma

gramática são os dados a que eles tiveram acesso na sua aquisição de

língua. Lightfoot (1999:92) diz que essa é uma situação difícil de ser

35

“In that case, apparent optionallity would be a function of coexisting grammars. Rather than allowing

one grammar to generate forms a and b optionanny, we would argue that a person has access to two

grammars, one of which generates form a, the other form b; the speacker has the option at any given time

os using one or other of the grammars. 36

“In general, grammars do not manifest optional, free alternations, and where languages have

alternations, they are diachronicall unstable and represent a transition whereby one of the grammars is

driven into desuse.” (Lightfoot, 1999: 94).

Page 110: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

110

detectada pelo lingüista, pois é às vezes difícil saber se se deve ou não

“invocar” a coexistência de gramáticas:

“A dificuldade aqui não é para a criança, mas para o

analista: o analista deve decidir quando a coexistência de

gramáticas deve ser invocada. Apesar disso, não se tem

razão para acreditar que a palavra foi designada de tal

forma como para fazer a investigação mais fácil. Nem a

linguagem.” (Lightfoot, 1999:92).37

Gramáticas em competição podem surgir de contatos entre duas ou

mais comunidades, quando membros dessas comunidades adquirem traços

lingüísticos da(s) outra(s) e as crianças têm acesso a usos de mais de um

grupo, aprendidos através dos mais velhos. Nesse caso a criança terá mais

de um conjunto de parâmetros, iniciando o processo de diglossia

(Lightfoot, 1999: 92). Quando as formas aprendidas nessa situação são

funcionalmente distintas e têm significados diferentes, elas podem

permanecer, mas quando não são funcionalmente distintas, uma delas

desaparece. É o que é conhecido como o Blocking effect, segundo o qual

não há possibilidade de existirem doublets (elementos que têm o mesmo

significado e o mesmo valor funcional). A língua faz desaparecerem os

elementos que estão concorrendo, quando têm o mesmo valor. Kroch

(1994:185) diz que os doublets, para resistirem, precisam ter significados

diferentes, deixando, pois, de competir:

“Doublets crescem através do dialeto e contato

lingüístico e competem no uso até que uma ou outra

forma vence. Devido a suas origens sociolingüísticas,

37

“The difficult here is not for the child but for the analist: the analist must decide when coexisting

grammars must be invoked. However, we have no reason to believe that the world was designed in such a

way as to make its investigation easy. Nor language.”

Page 111: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

111

as duas formas aparecem em diferentes registros,

estilos, ou dialetos sociais; mas eles podem coexistir

estavelmente na comunidade de fala se eles se

diferenciam quanto ao significado, deixando, dessa

forma, de ser doublets.”38

Ao considerar que a gramática é uma entidade individual, considera-se

que a mudança lingüística ocorre também a partir desse mesmo plano,

individual. É o conjunto de dados lingüísticos primários que provoca a

mudança. Se, por qualquer motivo, são apresentados dados à criança que

diferem dos dados lingüísticos primários (PLD) a que seus pais tiveram

acesso quando crianças, certamente a gramática dessa criança será diferente

da gramática dos seus pais e ela, por certo, também será uma fonte de onde

essa sua gramática será difundida, pois ela fornecerá outros PLD que

servirão de base para outras crianças e assim a mudança social ocorre, a

partir de um uso individual (cf. Lightfoot, 1999:101).

Lightfoot (1991), apud Lightfoot (1999:105), identifica seis traços da

mudança gramatical:

1) cada nova propriedade gramatical é manifestada por um

grupo de novos fenômenos;

2) existe uma reação em cadeia desses novos fenômenos;

assim a nova gramática difere da anterior não em um, mais em

diversos aspectos;

3) essas mudanças com novas propriedades gramaticais

espalham-se rapidamente e manifestam a curva em S;

38

“Doublets arise through dialect and language contact and compete in usage untilone or the other form

wins out. Due to their sociolinguistic origins, the two forms often appear in different registers, styles, or

social dialects; but they can only coexist stably in the speech community if they differentiate in meaning,

thereby ceasing to be doublets.”

Page 112: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

112

4) a obsolescência dos antigos padrões faz a aceitação das

novas propriedades gramaticais;

5) uma mudança de significado é uma conseqüência das

novas propriedades gramaticais, pelo mesmo motivo da

obsolescência da estrutura;

6) novas propriedades gramaticais ocorrem como

conseqüência de mudanças em dados simples, com “pistas” que

ocorrem unicamente em domínios não encaixados.

Apesar de a mudança iniciar-se sempre no plano da gramática

individual, e, sendo difundida, chegar ao plano coletivo, da mudança social,

as duas mudanças são consideradas diferentes por Lightfoot quanto ao fato

de serem graduais ou abruptas. No plano individual, a mudança ocorre

abruptamente, mas na gramática vista como entidade do grupo ela parece

ser gradual. Quanto a isso, ele diz:

“Eu tenho sustentado que depende da lente que se

usa. Experiência é geralmente fluida. E se alguém

está preocupado exclusivamente com a descrição de

diferenças na experiência, em termos do que se

encontra em textos de diferentes gerações, então

mudança parece ser fluida, gradual, por partes, e

caótica. Similarmente, se se pensa em termos de

alguma espécie de gramática social em que a

gramática (mítica, eu considero) é uma espécie de

codificação dos textos produzidos por algum grupo

de falantes, então novamente a mudança parece ser

gradual. Também, se alguém pensa em termos de

uma mudança lingüística, considerando a língua

Page 113: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

113

como um fenômeno grupal, mudança parece ser

gradual, como água fluindo. Contudo, (…) para um

entendimento coerente da aquisição da linguagem,

nós devemos pensar em termos de gramática abstrata;

mudança decorre, então, de diferentes gramáticas

emergindo em diferentes pessoas. (…) em termos de

gramática biológica representada em mentes

individuais, então gramáticas diferem uma das outras

abruptamente, em função da variação limitada

permitida pela GU.”39

(Lightfoot, 1999:107)

A proposta da sociolingüística variacionista não nega que a gramática

seja uma entidade individual, e Lightfoot reconhece isso. Nesse caso, a

gramática do falante incorpora conhecimento sobre formas variantes e a

sua probabilidade de ocorrência.

“A gramática de Labov é claramente biológica. A

diferença entre sua gramática e as outras que eu tenho

descrito é que a sua incorpora muito mais

informação. Labov introduz em seu modelo de

conhecimento lingüístico de uma pessoa informação

sobre a variabilidade social.”40

(Lightfoot, 1999:82)

39

“I have argued here that it depends on the lens that one uses. Experience is generally fluid, and if one is

concerned excludively with describing differences in experience, in terms of what one finds in

comparable texts of different generations, then, change appears to be fluid, gradual, piecemeal, and

chaotic. Similarly, if one things in terms of some kind of social grammar, where the “grammar” (mytical,

I believe) is some kind of codification of the texts produced by some group of speakers, then again

change appears to be gradual. Also, if one thinks in terms of a language changing, taking to be a group

phenomenon, change appears to be gradual, like water folwing. However, (…) for a plausible account of

language acquisition, we must think in terms of abstract grammars; change is then a function of different

grammars emerging in different people. (…) in terms of biological grammars represented in individual

mind/brains, then grammars differ from each other abruptly, a function of the limited variation allowed by

UG.” 40

“Labov‟s grammars are clearly biological. The difference between his grammars and the ones I have

described is that his incorporate much more information. Labov builds into his model of a person‟s

linguistic knowledge information about social variability.”

Page 114: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

114

Nesta tese, apesar de elaborada sobre bases da sociolingüística

variacionista e de serem tomados como objetivos fundamentais a definição

das variáveis envolvidas no processo da variação da concordância no

sintagma nominal, são, também, utilizados fundamentos da teoria dos 4 M,

de Scotton & Jake (2000a) e de Lightfoot (1999) na interpretação dos

resultados alcançados. É dessa forma que se consegue, neste trabalho, dar

conta do fenômeno estudado. A seguir, serão apresentadas informações

sobre a metodologia da constituição da amostra e da análise estatística dos

dados.

2. 2. Aspectos Metodológicos

2. 2. 1 Constituição da amostra

Numa pesquisa sociolingüística, a seleção dos informantes deve

refletir as hipóteses iniciais e orientar a constituição de uma amostra

representativa das variáveis sociais em estudo. A amostra pode ser

constituída de forma completamente aleatória, pode-se formar as células do

jeito que se preferir, fazendo uma escolha aleatória dos informantes,

correndo-se o risco de formar um grupo de informantes com número

desigual de representantes de cada célula. Pode-se também definir com

antecedência as categorias sociais, os fatores extra-lingüísticos que a

pesquisa observará e o número de indivíduos necessários em cada célula.

Dessa forma, os informantes podem ser, posteriormente, selecionados mais

ou menos ao acaso, até completar o número desejado para a amostra. A

coleta de dados é, hoje, normalmente, feita através de conversas gravadas,

numa situação que Labov (1983: 266) chamou de „o paradoxo do

observador‟41

, pois se esperam registros de fala informal, descontraída, mas

41

“Nos encontramos asì com la Paradojo del Observador: el objetivo de la comunicación lingüìstica de la

comunidad há de ser hallar cómo habla la gente cuando no está siendo sistemáticamente observada; y sin

embargo nosotros sólo podemos obtener tales datos mediante la observación sistemática”.

Page 115: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

115

o contexto oferecido ao informante é de entrevista, que se constitui numa

situação formal.

Nesta pesquisa, são usados como amostra alguns inquéritos do Projeto

Norma Urbana Culta/70 (NURC/70), com informantes de nível

universitário (Mota & Rollemberg, 1994:11-24), parte do NURC/90 e os

inquéritos do Programa de Estudos sobre o Português Popular de Salvador,

o PEPP (Lopes:2000c). O Projeto NURC/90 é resultado de um trabalho

que, em Salvador, vem propiciando novos contatos com informantes

gravados na década de 70, de forma a dar condições de estudos envolvendo

as duas sincronias. Para compor a nova faixa etária, de 25 a 35 anos, os

mais jovens, para a qual, naturalmente, não se tem falantes já gravados

naquela etapa do Projeto, são contatados outros informantes, obedecendo-

se aos mesmos critérios.

O Projeto NURC foi implantado no Brasil a partir de 1969, com o

objetivo de fazer a descrição “dos padrões reais de uso na comunicação oral

adotados pelo estrato social composto por indivíduos de escolaridade

superior” (Mota & Rollemberg, 1994:11). O Projeto NURC foi realizado

em cinco capitais brasileiras, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e

Porto Alegre, tendo como objetivos principais:

a) fazer um levantamento sistemático da modalidade oral culta;

b) ajustar o ensino escolar da língua a essa modalidade, de forma a

propiciar um trabalho adequado às diferenças culturais e

lingüísticas reais do país.

O PEPP, um projeto interinstitucional de pesquisa, inicialmente

apenas da Universidade do Estado da Bahia, posteriormente também da

Universidade Federal da Bahia, visa a dar condições de análise atualizada e

Page 116: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

116

diversificada da fala popular de Salvador. Fazem parte do grupo de

trabalho do PEPP as professoras Norma da Silva Lopes, Constância Maria

Borges de Souza e Emília Helena Portella Monteiro de Souza, sob a

orientação da professora Myrian Barbosa da Silva. A primeira etapa do

trabalho, a da constituição do PEPP, da responsabilidade conjunta de todo o

grupo, teve como objetivo elaborar um corpus de quarenta e oito

inquéritos, com falantes de quatro faixas etárias e dois graus de

escolaridade diferentes (Fundamental e Média). Este grupo também tem

colaborado com o projeto de recontato do projeto NURC/SSA, aqui

referido como NURC/90, fazendo novas entrevistas.

A amostra total observada nesta pesquisa é formada por setenta e

quatro inquéritos, com a seguinte constituição:

1) Década de 70:

Essa parte da amostra envolve apenas os informantes de

escolaridade superior, todos do projeto NURC, num total

de doze informantes;

2) Década de 90, com representantes da fala popular e da fala

culta :

a) Os representantes da fala popular são todos do

PEPP, em dois níveis de escolaridade, num total de 48

informantes, vinte e quatro de cada nível: Escolaridade

Fundamental, de 1 a 5 anos de escolarização; e

Escolaridade Média, 2º grau completo, 11 anos de

escolarização;

Page 117: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

117

b) Os representantes do nível de Escolaridade

Superior são todos informantes do projeto NURC/90, num

total de 18 informantes.

Os informantes do NURC da década de 70 estão assim distribuídos:

Faixa etária de 25 a 35 anos:

- dois homens

- duas mulheres

Faixa etária de 45 a 55 anos:

- dois homens

- duas mulheres

faixa etária acima de 55 anos:

- dois homens

- duas mulheres

Os informantes do NURC da década de 90 estão com a seguinte

distribuição:

Faixa etária de 25 a 35 anos:

- três homens

- três mulheres

Faixa etária de 45 a 55 anos:

- três homens

Page 118: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

118

- três mulheres

faixa etária acima de 55 anos:

- três homens

- três mulheres

Os informantes do PEPP, da década atual, estão distribuídos em

quatro faixas etárias: de 15 a 24 anos, de 25 a 35 anos, de 45 a 55 anos e de

65 anos em diante. Diante da precariedade de tempo na constituição da

amostra, para não haver prejuízo na observação dos fatos a serem

estudados, decidiu-se pela existência de um intervalo de dez anos entre as

três faixas do PEPP, que poderá, com a continuidade do trabalho e a

ampliação das gravações, ser reduzido ou desfeito.

A escolaridade dos informantes dessa amostra variou, pois, entre a

mínima de 1 a 4 anos de permanência na escola, e a escolaridade máxima,

curso superior completo. A seguir, se apresenta um quadro geral dos

informantes da década de 90, com a distribuição dos informantes, por

célula.

Page 119: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

119

Quadro 2:

Demonstrativo Geral dos inquéritos da Amostra Atual (década de 90)

IDADE ESCOLARIZAÇÃO HOMEM MULHER

De 15 a 24 anos)

Fundamental

PEPP/42 PEPP/43

PEPP/47 PEPP/44

PEPP/18 PEPP/05

Média

PEPP/48 PEPP/02

PEPP/20

PEPP/04

PEPP/12

PEPP/03

De 25 a 35 anos)

Fundamental

PEPP/40 PEPP/19

PEPP/22 PEPP/45

PEPP/09 PEPP/29

Média

PEPP/13 PEPP/10

PEPP/33 PEPP/23

PEPP/28 PEPP/21

Superior

NURC/009N NURC/014N

NURC/006N NURC/013N

NURC/010N NURC/011N

Page 120: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

120

FAIXA ETÁRIA ESCOLARIZAÇÃO HOMEM MULHER

De 45 a 55 anos)

Fundamental

PEPP/30 PEPP/31

PEPP/32 PEPP/36

PEPP/37 PEPP/46

Média

PEPP/26 PEPP/07

PEPP/24 PEPP/08

PEPP/15 PEPP/17

Superior

NURC/002R NURC/011R

NURC/003R NURC/004R

NURC/015N NURC/012N

De 65 anos em

diante

Fundamental

PEPP/34 PEPP/38

PEPP/35 PEPP/39

PEPP/06 PEPP/01

Média

PEPP/14 PEPP/41

PEPP/16 PEPP/27

PEPP/11 PEPP/25

Superior

NURC/012R NURC/005R

NURC/006R NURC/008R

NURC/007R NURC013/R

Page 121: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

121

2. 2. 2 Realização dos inquéritos PEPP

Local

A escolha do local das gravações das entrevistas procurou atender

sempre as condições de cada situação. Algumas gravações ocorreram na

residência do entrevistado, ou no seu local de trabalho e outras na casa do

inquiridor. Se a casa do entrevistado fosse a opção de local indicada por ele

e permitisse a tranqüilidade da gravação, sem o risco de interferências, esse

seria o espaço escolhido. O mais adequado para o trabalho, no entanto, nem

sempre foi a casa do informante, nem o seu local de trabalho. Cada caso foi

estudado, e se buscou o que se considerou que levava a menos perdas.

Situação

Procurou-se criar, para a recolha do material do PEPP, uma situação

o mais próxima possível da coloquial, embora os informantes soubessem

que iriam ser gravados. Tentou-se fazê-los despreocupar-se com esse

detalhe, dizendo que a gravação só teria unicamente o interesse de registro

das informações para a “pesquisa sobre educação”. O recurso da gravação,

foi dito, se devia à impossibilidade de anotar e participar da conversa, ao

mesmo tempo. A divulgação do objetivo real do trabalho, estudo da fala,

com certeza, comprometeria o tom de informalidade que se queria adotar.

O tema escolhido, A educação do passado em oposição à educação

dos nossos dias, contribuiu bastante para o clima informal das conversas,

pois falar do tempo de criança, de como foi tratado pelos pais, pelos

primeiros professores, mostrou-se um assunto com o poder de quebrar o

formalismo da situação e os indivíduos que, no início da entrevista, se

preocuparam com a linguagem, ao falar desse assunto, deram indícios de

terem esquecido a postura inicial e ficaram mais à vontade. Foi assim que

Page 122: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

122

até lágrimas surgiram nos olhos de muitos dos entrevistados quando

lembraram de fatos de sua infância. Apesar de constrangido, muitas vezes,

por ter provocado a situação, o inquiridor se sentiu vitorioso por haver

conseguido que o informante se “desarmasse” totalmente e assim se

obtivesse uma amostra mais próxima do vernáculo.

Assunto / Guia-questionário

Na realização dos inquéritos, alguns procedimentos foram adotados

com a finalidade de levar o informante a se comportar o mais naturalmente

possível. Dessa maneira, procurou-se fazer contatos com o informante

antes do dia da entrevista para que, no dia acertado, no mínimo o segundo

momento, já se tivesse reduzido o grau de formalidade na relação entre o

informante e o documentador responsável pelo trabalho. Como já foi

observado, nenhum dos entrevistados do PEPP sabia que a entrevista teria

o objetivo de estudos lingüísticos, pois todos tinham sido convidados a

participar de uma conversa para dar opiniões sobre educação. Isso não

ocorreu com os informantes da NURC da década de 70 e regravados na

década de 90, pois já sabiam, desde que foram gravados pela primeira vez,

que estavam contribuindo para um estudo de natureza lingüística; no

recontato, sabiam que o trabalho atual tinha o mesmo objetivo do anterior,

cujo tema seria mantido. Assim, os inquéritos do PEPP não tiveram como

tema os mesmos de alguns do NURC, quando envolveram informantes já

gravados na sincronia passada.42

. Nos inquéritos do NURC com

informantes de 25 a 35 anos, totalmente “novos” no projeto, o tema foi o

mesmo desenvolvido nos inquéritos do PEPP.

Para garantir que a conversa seguisse o rumo previsto e se conseguisse

atingir os objetivos propostos, foi elaborado um guia-questionário a ser

42

Para o presente trabalho, não se constitui problema, como se verá adiante, a ocorrência de inquéritos do

NURC com tema diferente dos realizados no PEPP.

Page 123: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

123

aplicado. Como as pessoas inquiridas tinham idade e escolaridade

diferentes, foram feitas adaptações ao guia-questionário, tentando atender a

essas diferenças. Para os mais jovens, por exemplo, não se procurou

inquirir sobre educação dos filhos, sobre a vida de antigamente. Além

disso, não se procurou entrevistar os pouco escolarizados sobre muitas de

suas vivências na prática escolar, senão quanto às suas vontades,

impedimentos e os poucos contatos com a escola. Não houve, também, um

compromisso de ser exaustivo no cumprimento dos questionamentos do

guia, que funcionou realmente apenas como um auxílio.

Equipamento utilizado

Como as entrevistas tiveram uma duração de trinta a quarenta

minutos, seu registro original foi feito em fitas cassettes BASF Ferro Extra,

de 90 minutos de duração, visando a evitar que se obtivessem originais com

interrupções. Para as gravações, foram utilizados gravadores Lenox Sound

AM/FM Stereo Cassette Recorder, Modelo CT-731, mas as cópias foram

feitas em rádio gravador CCE, com fitas de marcas diversas, de sessenta

minutos.

Transcrição grafemática dos inquéritos

Considerou-se que a coleta de dados deveria se iniciar a partir dos

textos transcritos dos inquéritos, como um momento de preparação da

observação. Esse trabalho, contudo não dispensou a audição posterior dos

mesmos.

Para as transcrições dos inquéritos, tomaram-se como orientação as

normas definidas para os inquéritos do NURC/70, de Salvador, divulgadas

em Mota e Rollemberg (1994: 16-24). Todos os pesquisadores do programa

Page 124: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

124

se envolveram nesse processo, transcrevendo os textos, e, como foram

admitidos auxiliares para o trabalho, todas as transcrições passaram por

revisão do grupo responsável. Os inquéritos do Projeto NURC da década

de 70 utilizados nessa amostra já tinham sido transcritos antes do início

dessa pesquisa.

Seleção dos informantes

Adotou-se para a seleção de informantes do PEPP os mesmos critérios

do projeto NURC, a fim de tornar as amostras o mais intercomparáveis

possível. Assim, a primeira exigência foi que eles fossem naturais de

Salvador e, além disso, que tivessem permanecido nesta cidade a maior

parte de suas vidas. Para excluir a interferência de outros dialetos, seus pais

também deveriam ser de Salvador ou que era exigência que tivessem vindo

para esta cidade ainda muito pequenos.

Além das informações referentes a dados de identificação, como

idade, sexo e escolaridade, outras informações foram catalogadas em ficha

para que, posteriormente, se pudesse estabelecer alguma relação entre esses

dados e a fala do informante. Assim, a ficha cadastral registrou do

entrevistado a sua residência, profissão, tipo de diversão, nível de

escolaridade dos amigos mais próximos, viagens, contatos com línguas

estrangeiras, idade de filhos, casamentos anteriores etc.

2. 2. 3 Dados sociais dos informantes da amostra atual

Local de residência

Da amostra PEPP, os informantes com pouca escolarização se situam

mais em regiões periféricas: Tancredo Neves (5 pessoas), Mata Escura,

Page 125: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

125

Pernambués (3 pessoas), São Caetano, Itapajipe, Sussuarana (3 pessoas),

Periperi e Simões Filho (cidade vizinha) (2 pessoas). Esses locais se situam

em pontos distantes, tiveram crescimento demográfico bastante rápido nos

últimos anos, muitos surgiram há poucos anos e são habitados

principalmente por uma população de baixa renda. Apenas um informante

mora na Barra, um no Tororó, outro na Vasco da Gama, bairros próximos

ao centro da cidade.

Parte dos que têm segundo grau residem também em bairros mais

distantes do centro, a exemplo de Saboeiro, Plataforma, Paripe,

Mussurunga, Massaranduba e Cabula VI. Mas muitos deles moram em

bairros em que residem também pessoas de classe média; são bairros mais

próximos do centro e, portanto, considerados bons lugares para morar.

Entre eles, o Lanat, Baixa de Quintas, IAPI, e outros que, apesar de

distantes, concentram muitas pessoas de classe média e, também, classe

alta: Caminho das Árvores, Monte Serrat, Boca do Rio, Itapagipe.

A maior parte dos informantes de nível universitário reside na parte

mais valorizada da cidade. São bairros dos mais centrais e tradicionais, a

exemplo de Graça, Barra, Barra Avenida; outros moram em bairros mais

novos, onde se concentra a classe média alta, como Jardim Apipema;

alguns residem em bairros distantes, mas valorizados da cidade, como

Amaralina, Itaigara, Monte Serrat; e outros, moram em bairros como

Brotas e Matatu, tradicionalmente preferidos pela classe média, pela

tranqüilidade e relativa proximidade do centro.

A amostra, pelo que aqui se apresenta, contempla diversos bairros da

cidade, o que pode resultar numa visão panorâmica do verdadeiro falar de

Salvador.

Page 126: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

126

Ocupação

Os informantes têm ocupações diversas. Entre os homens do primeiro

nível de escolarização, 1 a 5 anos de contato com a escola, há dois alfaiates,

um vendedor-representante (ex-gerente de empresa comercial), um

contínuo, um encanador, um inspetor de alunos (de escola de curso médio),

um lavador de carros, um porteiro, um responsável por serviços gerais e um

vendedor de cafezinho. As mulheres com a mesma escolaridade têm as

seguintes ocupações: duas desempregadas, uma ajudante de cozinha, quatro

faxineiras de residências e uma de prédios, uma servente de escola, uma

mãe de santo (dona de terreiro de candomblé) e uma escrevente de cartório

aposentada. A maior parte dessas ocupações não são atividades fixas,

somente sete dos informantes (quatro homens e três mulheres) têm salário

fixo, são empregados ou aposentados.

Com segundo grau completo (escolaridade média) há, entre os

homens, as profissões: instrutor de informática, jogador de futebol, inspetor

de alunos (que atua como auxiliar de disciplina), ex-controlador de vôo

aposentado, motorista, funcionário de escritório de supermercado, porteiro,

estudante e contador autônomo (que faz serviços esporádicos). Entre as

mulheres, há as ocupações: auxiliar de enfermagem, estudante, técnico em

fotografia e locução free-lance, professora primária aposentada, estagiária,

dona-de-casa, ou membro de grupo de 3a idade.

Com nível superior, há, entre os homens, dois professores de

Eletrônica (curso médio), um arquiteto que atua como assistente

administrativo, um engenheiro agrônomo, dois juízes que também são

professores universitários, um veterinário, dois professores universitários;

entre as mulheres há duas professoras de dança, uma delas aposentada, uma

Page 127: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

127

professora de história, uma orientadora educacional, uma enfermeira, uma

ceramista, que também é professora, uma orientadora educacional, e duas

professoras universitárias.

Conforme se prevê, parece existir entre os que têm de 1 a 4 anos de

estudo maior dificuldade de conseguir emprego estável. A solução é o

trabalho sem vínculo, que se pode chamar de informal: atividades

realizadas como serviços prestados, a exemplo de faxineiro, alfaiate e

encanador. Com segundo grau, há duas pessoas também sem vínculo, que

fazem prestação de serviços. Com terceiro grau, na amostra estudada, todos

estão trabalhando, desempenhando suas funções em empregos fixos,

mesmo fora da atividade para a qual estudou ou se especializou, a exemplo

do arquiteto (a se graduar dali a alguns meses), que atua como assistente

administrativo de empresa pública43

.

Outro aspecto a se observar é que os informantes do sexo masculino

se mostram mais propensos a terem relação mais efetiva com empregos que

o sexo feminino. Com segundo grau, somente três mulheres aparentam ter

estabilidade em emprego: duas são professoras aposentadas e uma é

auxiliar de enfermagem. Enquanto isso, entre os homens com a mesma

escolaridade, há três aposentados, sete com empregos fixos variados, um

jogador e um contador autônomo. Com escolarização menor, os homens e

as mulheres da amostra vivem igualmente, na maioria dos casos, de

serviços esporádicos. Todos os informantes de nível universitário da

amostra têm vínculo empregatício, inclusive com mais de um emprego,

como é o caso se engenheiros e advogados, que também são professores

universitários ao mesmo tempo; além desses, alguns que são professores

43

No caso específico, é preciso esclarecer que esse informante, na ocasião da entrevista, era concluinte do

curso de Arquitetura, único caso dentre todos do NURC cujo curso superior ainda não tinha sido

concluído, o que iria ocorrer depois de poucos meses.

Page 128: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

128

atuam no ensino médio e no ensino superior ao mesmo tempo, tendo,

assim, dois empregos.

2. 2. 4 - Descrição das variáveis independentes

A análise dos dados envolve:

1) a definição do fenômeno em estudo (a variável dependente),

nesse caso a concordância no sintagma nominal;

2) a definição das variáveis independentes - grupos de fatores,

que são consideradas como possivelmente relacionadas ao

fenômeno em estudo - e dos fatores de cada uma delas;

3) a codificação – etapa preparatória para utilização do suporte

computacional ;

4) a quantificação e

5) a interpretação dos dados.

As variáveis independentes utilizadas por Scherre (1988), pioneira nos

estudos da variação da concordância nominal no Brasil, nas quais Carvalho

(1997), estudando a fala de João Pessoa, e Fernandes (1996), a fala da

Região Sul, se basearam, foram também tomadas aqui como ponto de

partida para a definição dos grupos de fatores trabalhados. Apesar de

objetivar a intercomparação dos dados, as variáveis do presente trabalho

não foram exatamente as mesmas, devido ao tempo para realização dessa

pesquisa, às condições em que ela se realizou e a outros interesses do

trabalho.

Na presente investigação, define-se, pois, como variável dependente a

presença ou ausência de marca de plural nos elementos do sintagma

Page 129: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

129

nominal. Chama-se variável dependente o fenômeno que está sendo

estudado. Considera-se dependente por se ter como pressuposto que a

presença de marca não é aleatória, mas condicionada por (ou dependente

de) outras variáveis, as independentes.

A análise que se faz neste trabalho restringe-se a observar a presença

de marca de concordância em cada elemento do sintagma. A pesquisa, pois,

é apenas “atomìstica”, nas palavras de Scherre (1988), ou “mórfica”, na

classificação de Lucchesi (2000c). A análise “não atomìstica”44

, ou seja, do

tipo que observa o todo do sintagma, que foi estudada por Scherre (1988),

no Rio de Janeiro, será alvo de observação em fases posteriores do estudo

do fenômeno da concordância.

Tomou-se como hipótese inicial que a presença de marca pode estar

relacionada a quinze variáveis independentes, apresentadas a seguir.

2. 2. 4. 1 Formação de plural

A variável processos de formação de plural contém inicialmente sete

fatores, que se referem à quantidade de substância fônica na distinção entre

as formas de singular e plural:

Quadro 3:

Processos de formação de plural: fatores

Plural regular Casa / casas

Singular em –s País / países

44

Nesse tipo de análise, observa-se a realização da concordância em todos os elementos do sintagma, em

bloco. Considera-se haver a concordância quando em todos os elementos do sintagma, em que se prevê a

concordância, ela se realiza; a ausência de marca de plural em algum dos elementos leva à consideração

de ausência de concordância.

Page 130: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

130

Singular em –r Par / pares

Singular em –l Possível / possíveis

Singular –ão com plural regular Mão / mãos

Singular em –ão com plural não

regular

Pão / pães

Plural metafônico ou duplo Ovo / ovos

Os fatores representam um crescente de complexidade que vai do

plural regular, com um acréscimo do –s, até o plural metafônico ou duplo,

com duas marcas. Entre esses extremos, há os singulares –/s/, –/r/, –/l/, -ão

regular e –ão não regular. A expectativa que se tem é que elementos que

fazem o plural com menos substância, com oposição singular / plural

menos saliente, sejam menos marcados (ou devido a ausência de percepção

desses elementos na fase de aquisição de língua ou devido ao fato de a

variação se iniciar por essas formas menos salientes, conforme será visto na

análise dessa variável no próximo capítulo); da mesma forma, espera-se

que a probabilidade de marca cresça proporcionalmente ao aumento da

substância fônica da oposição singular / plural.

Os resultados de Scherre (1988), no Rio de Janeiro, tomando por base

o corpus da fala dos adultos, indicam que são mais marcados os plurais

duplos (maravilhoso / maravilhosos) e menos marcados os regulares

(pequenininha / pequenininhas) e os outros, em escala decrescente de

probabilidade de marca, são: em –/r/, em –/l/, em –/s/ e em –ão.

Page 131: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

131

2. 2. 4. 2 Na variável tonicidade, são considerados quatro fatores,

referentes à forma de singular, mostrados no quadro a seguir.

Quadro 4:

Tonicidade: fatores

1) Monossílabos átonos AS amigas dela

2) Oxítonos e monossílabos tônicos quatro IRMÃOS; primos

MEUS, assim

3) Paroxítonos MUITOS problemas em relação

4) Proparoxítonos. as coisas BÁSICAS.

Ao trabalhar essa variável, pressupõe-se que os vocábulos oxítonos e

monossílabos tônicos tenham mais propensão a ter marcas, tendo em vista

que nessas formas a oposição singular/plural recai sobre a sílaba tônica,

sendo, pois, uma oposição mais saliente. Os paroxítonos, nessa lógica,

devem ser mais marcados que os proparoxítonos, pois nestes a oposição se

situa ainda mais distante da sílaba tônica. Dessa forma, espera-se que

palavras como correntões nos sintagmas como “daqueles CORRENTÕES”

(M3U0445

) sejam mais marcadas que ano em “uns ANOS” (M2U03) e

ainda mais que doméstico em “os afazeres DOMÉSTICO” (M2U03).

Os resultados de Scherre indicam que, na fala dos adultos, são mais

marcados os oxítonos e monossílabos tônicos (país/países, pé/pés); em

seguida, reduzindo a probabilidade, os proparoxítonos (fábrica / fábricas);

45

De cada sintagma apresentado do corpus, serão informados o gênero do informante (Homem – H – ou

Mulher –M), faixa etária (1, 2, 3, ou 4), a escolaridade (primária –F -, segundo grau, colegial ou

escolaridade Média – C - , universitário –U) e o número do informante.

Page 132: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

132

e, por último, os paroxítonos (coisa/coisas) e monossílabos átonos, (o/os),

esses dois últimos trabalhados conjuntamente por ela.

2. 2. 4. 3 Posição linear

A variável posição diz respeito à posição linear do elemento no sintagma.

Na presente análise, esta variável tem cinco fatores, de acordo com a

posição do elemento em observação.

Quadro 5:

Posição linear no sintagma: fatores

Primeira Posição MUITAS dificuldades

Segunda Posição Esssas COISAS

Terceira Posição Uns nove ANOS

Quarta Posição todos os primos JUNTOS, eh, nesse

fim

Quinta Posição os meus dois outros PRIMOS, mas eu

nunca

Num SN como “esses argumentos todos” (M2U03), o elemento

“esses” está na primeira posição, e os outros estão, respectivamente, na

segunda e na terceira posição. Em ocorrências com modificadores ou outras

palavras entre os elementos, são consideradas as posições lineares,

contando-se todos os elementos inseridos no SN. Em “as profissões mais

Page 133: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

133

almejadas” (M2U03), por exemplo, o elemento “almejadas” ocupa a quarta

e não a terceira posição linear no sintagma.

Scherre (1988) constata que existe uma tendência a marcar mais a

primeira posição no sintagma, mas mostra que a posição em relação ao

núcleo (V. item 2. 3. 5, que fará a explanação dessa variável), não a posição

linear, exerce a maior influência na concordância no sintagma nominal.

Observando apenas a posição linear, é de se esperar que os elementos em

primeira posição tenham a marca, que deve ser dispensada nas demais

posições, já que a informação semanticamente relevante, segundo a teoria

funcionalista, deve ser retida na estrutura superficial. Nesse sentido,

qualquer classe deve ser marcada nessa posição. Na segunda posição, os

substantivos devem ser menos marcados que os adjetivos. Na observação

de Scherre, apesar de a primeira posição ser a mais marcada, as diversas

classes assumem, em cada posição, comportamentos diferentes.

2. 2. 4. 4 Categoria morfológica

Para trabalhar a categoria morfológica, foram definidos onze fatores,

baseando-se, na maior parte deles, nas categorias utilizadas pela gramática

normativa. Na categoria de artigo, foram agrupados os artigos definidos e

os indefinidos; foram também listados dessa forma “um” e “uns” em que

não se conseguiu definir se se tratavam de pronomes indefinidos ou artigos

indefinidos.

Page 134: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

134

Quadro 6:

Categoria morfológica: fatores

CLASSES EXEMPLOS DE SINTAGMAS

Artigo NOS seus cursos preparatórios

Adjetivo 1 As roupas COLORIDAS

Adjetivo 2 Das PROPRIAS coisas

Numeral Os PRIMEIROS dia

Possessivo SUAS médias

Demonstrativo ESSAS coisas

Indefinido ALGUMAS palavras

Quantificador TODAS as vezes

Substantivo As CRIANÇAS

Categoria Substantivada

Pronome pessoal de terceira pessoa

Os OUTROS

Todos ELES

Foram considerados como Adjetivo 1 todos os tradicionalmente

considerados adjetivos; como Adjetivo 2 foram listadas palavras como

mesmo, próprio, outro, determinado (classificados tradicionalmente de

formas diferentes, ora como indefinidos, ora adjetivos), em sintagmas em

que essas formas acompanham o substantivo.

Page 135: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

135

Entre os numerais foram considerados ordinais, multiplicativos e

fracionários, em sintagmas plurais. Nos sintagmas com cardinais, estes,

apesar de serem de interesse da análise para se avaliar o efeito da presença

da concordância, não foram observados diretamente, pela razão de não se

prever para eles variação de número.

Foram classificados como demonstrativos, possessivos e indefinidos

os elementos normalmente considerados dessa forma pela tradição

gramatical. Não se consideraram outras formas de indicar a informação de

posse, além dos possessivos, a exemplo de utilizar expressões como

“deles” ou “delas”. Como quantificador, o que a tradição considera como

indefinidos, foram classificadas as formas todos, o feminino

correspondente, e variantes, inclusive a forma neutra tudo acompanhando o

núcleo do sintagma.

Como categoria substantivada, foram rotulados os elementos que,

não sendo substantivos nem pronomes, ocuparam a posição de núcleo do

sintagma, na ausência do substantivo.

2. 2. 4. 5 Posição relativa ao núcleo

A variável posição em relação ao núcleo estuda o efeito da posição dos

elementos não nucleares em relação ao elemento nuclear do sintagma: se

anterior ao núcleo (à esquerda), mas não imediatamente; se imediatamente

anterior ao núcleo; se posterior ao núcleo.

Page 136: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

136

Quadro 7:

Posição relativa ao núcleo: fatores

Posição Sintagmas

Anterior, mas não imediatamente DAS próprias coisas

Imediatamente anterior ao núcleo ESSAS cores clarinhas

Posição de núcleo essas VIOLÊNCIA tudo

Posterior ao núcleo Passeios MARAVILHOSOS

A observação da posição relativa ao núcleo segue a trajetória

percorrida por Scherre (1988). Em seu trabalho, a autora conclui que as

classes antepostas ao núcleo tendem a ser mais marcadas do que as

pospostas a ele. Seu estudo, porém, não distingue as classes imediatamente

anteriores ao núcleo das não imediatamente anteriores ao núcleo, mas

anteriores ao núcleo em primeira posição e anteriores ao núcleo em

segunda posição. A diferença entre as duas análises é que, em primeira

posição são incluídos tanto os itens em adjacência com o núcleo (ex.: OS

meninos), quanto os não adjacentes (ex.: OS melhores alunos). A hipótese

inicial aqui desenvolvida é a de que, além da posição à esquerda da núcleo,

a adjacência ao núcleo seja um dado favorecedor da marcação.

Scherre (1988) estudou essa variável conjuntamente com a variável

posição e com a variável categoria morfológica. Embora nesse trabalho se

inicie observando separadamente essas variáveis, posteriormente adota-se o

mesmo procedimento de Scherre (1988), como será detalhado no capítulo

seguinte.

Page 137: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

137

2. 2. 4. 6 Grau dos substantivos e adjetivos.

A variável grau é observada nessa pesquisa, considerando-se,

inicialmente, seis fatores, a seguir apresentados:

Quadro 8:

Grau dos substantivos e adjetivos: fatores

Substantivo grau normal os VIZINHO, pronto, começa

Adjetivo 1 grau normal os pés DESCALÇO, e, e, criança

Substantivo grau aumentativo daqueles FARDÃO assim

Adjetivo 1 grau aumentativo nos berço GRANDÃO, a gente

Substantivo grau diminutivo uns GRUPINHOS né, que estão

estudando

Adjetivo grau diminutivo meninas tudo PEQUENININHA

assim que tem onze

Tendo conhecimento dos resultados a que Scherre (1988) chegou, nos

seus dados, considerando que os graus aumentativo e diminutivo

desfavoreciam a concordância, a hipótese inicial é de que isso também seja

encontrado nos dados de Salvador.

Page 138: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

138

2. 2. 4. 7 marcas precedentes

A variável marcas precedentes analisa a relação entre a presença ou

ausência de marca de plural em cada elemento do sintagma e a presença ou

ausência de marca em elementos anteriores a ele, dentro do sintagma. A

idéia é observar se a presença de marcas anteriores inibe ou favorece a

ocorrência de outros elementos marcados. Segundo a teoria funcionalista,

há uma tendência na língua de reter a informação que for relevante e não

reter o que for dispensável. Dessa forma espera-se que a informação

redundante deva ser um traço favorecedor do apagamento da marca ou

inibidor da regra de concordância.

Os fatores dessa variável, como o quadro 9 apresenta, são muitos, em

número de oito, que podem ser agrupados em quatro tipos. Os elementos

podem ser: 1) com antecedente (s) com marca formal ou semântica, 2) com

antecedente (s) sem marca nem numeral, 3) com antecedentes com e sem

marca ao mesmo tempo. No primeiro, se não há antecedente, não se

observa esta variável, é o que foi tratado como o “não se aplica”, que mais

adiante será explicado, quando se fará a explicação da utilização do

programa Varbrul.

No segundo tipo, com antecedente (s) com marca formal ou numeral,

há cinco fatores, variando o elemento em primeira: ou (1) uma marca

formal (-s), ou (2) numeral terminado em s, ou (3) numeral não terminado

em s , ou (4) mais de um elemento anterior marcado formal ou elemento

marcado e numeral, ou (5) com marca (s) e mais modificador.

No terceiro tipo, com antecedente sem marca, há um fator, quando o

elemento está na segunda posição e não há elemento marcado na primeira

posição.

Page 139: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

139

No quarto tipo, os fatores prevêem elementos com marca e sem ela ao

mesmo tempo. Estão envolvidos elementos em terceira, quarta ou quinta

posição, sendo dois fatores: (1) quando há presença e ausência de marca,

sem modificador e (2) quando isso ocorre e ainda há algum modificador.

Quadro 9:

Marcas precedentes: fatores

Contextos Precedentes no sintagma Exemplos

Sem antecedente Não se aplica

Uma marca formal Uns ROMBO

Numeral terminado em –s Dois ANO

Numeral não terminado em –s Cinco VEZES

Mais de um elemento anterior marcado

e/ou numeral sem modificador

Nessas longas FÉRIAS

Elemento anterior marcado seguido de

numeral

Uns três METRO

Numeral seguido de elemento marcado duas linhas IMAGINARIAS

Mais de um elemento marcado e

modificador

As profissões mais ALMEJADAS

Elemento não marcado na 1a posição Meu FILHOS

Mistura de marca sem modificador Os outro MENOR

Mistura de marca e modificador Aquelas sapatona assim NUA

Page 140: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

140

Scherre (1988) observa que ausência de marcas no primeiro elemento

leva a marca categórica no segundo, parecendo confirmar a teoria

funcionalista46

. Esses casos, contudo, são atestados por ela

predominantemente em estruturas do tipo “do meus pais”, que são vistos

como casos específicos, pois a presença de marca no possessivo independe

da marca no artigo ou demonstrativo que o antecede. Outro aspecto visto

por Scherre é que duas ou mais marcas precedentes é fator favorecedor e

não o contrário, entrando em desacordo com o previsto pela hipótese

funcionalista. Isso fez com que ela concluísse que, no universo trabalhado,

marcas levam a marcas e zeros a zeros.

2. 2. 4. 8 Contexto fonológico subseqüente

Espera-se que em ambiente posterior vocálico a a forma explícita de

plural ocorra mais freqüência do que com consoante, por propiciar a

formação de uma nova sílaba, com padrão CV.

Os fatores considerados neste trabalho, referentes a essa variável,

são apresentados a seguir.

Quadro 10:

Contexto fonológico subseqüente: fatores

Vogal NAS igrejas

Pausa interna nas REUNIÕES, naturalmente

Pausa final interesses FINANCEIROS?

Page 141: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

141

Consoantes:

/b/ AS bandeirantes

/d/ MUITAS dificuldades

/f/ OS filhos

/g/ AQUELES grupos

/ž/ os PRIMEIROS jogos

/k/ ESSAS coisas

/l/ os SEUS lavradores

/m/ PASSEIOS maravilhosos

/n/ UNS nove anos

/p/ OS primeiros dias

/r/ AS roupas coloridas

/s/ NOS seus cursos preparatórios

/t/ ROUPAS todas brancas

/v/ OS velhos

/š/ ROUPAS chiques47

Nos estudos do Rio de Janeiro empreendidos por Scherre (1988),

chegou-se à conclusão de que a pausa é o que mais favorece a

46

Scherre considera, depois, isso como um falso efeito funcionalista (Scherre, 1988)

Page 142: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

142

concordância, só em segundo lugar o contexto subseqüente vocálico e, por

último, o menos favorecedor, o contexto consonântico. Nesta pesquisa, faz-

se a distinção entre pausa interna e pausa final, postura inicialmente tomada

por Scherre (1988), mas depois modificada, passando a considerar apenas

um único fator de pausa, analisando conjuntamente pausa interna e final.

2. 2. 4. 9 A coexistência com o tudo

A forma “Tudo”, quantificador neutro, com esse valor, não foi

considerada neste trabalho, senão o “Tudo” no valor de “Todos” ou

“Todas”, como no exemplo

“aqueles bicho lá TUDO, um bocado de bicho”.

Dessa forma, esse “Tudo” é, nessa pesquisa, interpretado como o

quantificador sem marca, diante de estar presente em contexto previsto para

a forma plural:

“TODOS aqueles bichos lá, um bocado de bicho” ou

Aqueles bichos lá TODOS, um bocado de bicho.

O tudo usado no valor de todos, todas é um traço que, como será visto

mais adiante ao analisarem as variáveis lingüísticas, caracteriza um tipo de

linguagem resultante de transmissão com dados divergentes. Nessa

variável, dessa forma, observa-se se a coexistência com essa forma do

quantificador iniba a presença do morfema de plural em outros elementos

do sintagma nominal.

47

A codificação foi o mais detalhada possível para propiciar, nas diversas análises, condições de variados

agrupamentos entre as consoantes.

Page 143: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

143

Quadro 11

A coexistência com o tudo: fatores

Em coexistência com o tudo AQUELES bicho lá Tudo, um bocado de

bicho

Não coexistente com o tudo UNS padre, tinha uns padres

Essa variável não foi observada por Scherre (1988), Carvalho (1997)

nem Fernandes (1996). A inclusão da observação desse grupo de fatores

constitui-se, pois, uma novidade no estudo da concordância dentro do

sintagma nominal.

A composição da amostra de informantes desta pesquisa dá condições

de estudo das variáveis sociais abaixo.

2. 2. 4. 10 Escolaridade: São três os níneis de escolaridade observados,

nessa pesquisa, conforme apresentados no quadro a seguir.

Quadro 12:

Escolaridade: fatores

Fundamental entre 1 e 4 anos de escolarização;

Média, ou segundo grau 1 1 anos de escolarização;

Superior completo 15 ou mais anos de escolarização.

Page 144: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

144

2. 2. 4. 11 Gênero. Os informantes estão distribuídos nos dois gêneros.

Quadro 13:

Gênero: fatores

Masculino;

Feminino.

2. 2. 4. 12 Faixa etária:

Quadro 14:

Faixa etária: Fatores

entre 15 a 24 anos;

entre 25 e 35 anos;

entre 45 e 55 anos;

de 65 anos em diante.

2. 2. 4. 13 Tempo

A variável tempo consiste no confronto entre as sincronias década de

70, a partir de Lopes (2000a) e década de 90. O estudo dessa variável

restringe-se a uma parte da amostra, pois ocorrerá através da comparação

entre os registros da fala dos informantes de nível superior dessa amostra, e

doze inquéritos do NURC/70, com gravações feitas na década de setenta.

Aplica-se aqui o “trend study”, tipo de estudo lingüìstico da variação em

Page 145: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

145

tempo real, referido por Labov (1994), em que se faz a observação de um

mesmo fenômeno numa comunidade em sincronias diferentes, envolvendo

falantes distintos, mas conversando as mesmas características sociais.

Quadro 15:

Tempo: Fatores

Década de 70

Década de 90

2. 2. 4. 14 Variável etnia

O estudo dessa variável é feito através da observação dos sobrenomes.

Os informantes são classificados em um dos grupos abaixo:

Quadro 16:

Tipos de sobrenome: fatores

1) Sobrenome religioso;

2) Sobrenome não religioso.

Essa idéia de relacionar a análise dos dados à origem racial dos

informantes parte da pressuposição de que, caso tenha havido processos de

aquisição diferente do português por parte dos filhos dos africanos aqui no

Page 146: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

146

Brasil, as pessoas, hoje, que têm como ancestrais essa população devem, de

alguma forma, fazer uso de uma linguagem que contenha traços, em maior

proporção que outros que não o são, que remontem aquela aquisição.

Dada a mistura que caracterizou a formação do povo brasileiro e as

múltiplas origens raciais dos baianos, tem-se uma grande dificuldade de

identificar a ancestralidade dos informantes, pois o fenótipo48

não é

suficiente para o reconhecimento de descendentes dos negros nem é um

traço revelador de ancestralidade, podendo a aparência branca ocultar a

existência de ancestral negro ou índio.

Dessa forma, entrando em contato com o grupo de genética da

Universidade Federal da Bahia e após o conhecimento do critério usado

em muitas pesquisas da área de saúde para relacionar a raça a algumas

patologias, a seguir detalhado, optou-se por dele fazer uso.

O estudo da origem racial a partir dos sobrenomes

A informação sobre a origem racial das pessoas é um dado necessário

a várias áreas da pesquisa científica. Não só lingüistas interessam-se em

saber que origem étnica tem a população que eles estudam. Profissionais da

área de saúde, por exemplo, procuram estudar a relação existente entre a

freqüência de determinadas patologias e a origem étnica das pessoas

estudadas. Foi assim que se iniciou o estudo do significado dos sobrenomes

no Laboratório de Genética Médica, da Universidade Federal da Bahia,

liderado por Dra. Eliane Azevedo (Azevedo: no prelo).

48

Fenótipo é uma palavra de uso freqüente pelos geneticistas e se refere à parte aparente da composição

genética dos organismos. Assim, em se tratando de aparência racial, o fenótipo é a aparência física da

pessoa.

Page 147: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

147

A história do trabalho, em Salvador

Após a implantação do referido laboratório, nos anos setenta, o grupo

responsável passou a fazer um estudo de variações genéticas de enzimas e

proteínas, com anotações de nomes e sobrenomes dos envolvidos, o que fez

iniciar um banco de dados que chegou a 6002 nomes de pessoas. Esse

material foi o ponto de partida para o trabalho que interessa para a presente

pesquisa.

Uma das observações iniciais era a alta freqüência, em Salvador, de

alguns sobrenomes, como Jesus e Conceição, raros em outras populações

portuguesas. Uma hipótese levantada era de que esses e outros sobrenomes

religiosos49

poderiam ter sido adquiridos por descendentes de índios ou de

negros.

Para testar essa hipótese, o grupo procurou analisar a relação entre os

sobrenomes e a informação da classificação étnico-racial de que dispunham

nas fichas (a classificação abrangia cinco possibilidades: branco, mulato

claro, mulato escuro e negro)50

. Dessa forma, ao se buscar observar a

distribuição dos sobrenomes religiosos entre os grupos étnico-raciais,

chegou-se aos seguintes números:

Em homens: Em mulheres:

branco = 12% branca = 17%

mulato claro = 23% mulata clara = 31%

mulato médio = 38% mulata média = 38%

49

“Sobrenomes religiosos encontrados em homens e mulheres: Aflitos, Ajuda, Amor Divino, Amparo,

Anjos, Anunciação, Arcanjo, Assis, Assunção, Batista, Bispo, Boa Morte, Bonfim, Cardeal, Carmo,

Chagas, Conceição, Cruz, Encarnação, Espírito Santo, Evangelista, Hora, Jesus, Luz, Mercês, Natividade,

Nascimento, Paixão, Palma, Passos, Piedade, Prazeres, Purificação, Ramos, Reis, Ressurreição, Rosário,

Sacramento, Santana, Sant‟Anna, Santa Rita, Santiago, Santos, São Pedro, Socorro, Soledade, Trindade,

Virgem, Virgens, Xavier.” (Azevedo: no prelo). 50

A pesquisa não tem a classificação de índio pois não havia, entre as fichas, pessoa com essa aparência

(pelo menos registrado em ficha). (Azevedo: no prelo.)

Page 148: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

148

mulato escuro = 46% mulata escura = 51%

negro = 48% negra = 55%

Nessa etapa da pesquisa, as mulheres foram analisadas separadamente

dos homens, diante de observação de que, muitas vezes, as mulheres negras

não conservaram os sobrenomes da família, só os homens. Às vezes os

sobrenomes nada tinham a ver nem com o sobrenome do pai nem da mãe.

Mas, dos sobrenomes surgidos nessa situação, Jesus era o preferido.

O grupo passou a estudar a razão da associação entre o aumento da

freqüência de sobrenomes religiosos e a ancestralidade negra, chegando a

alguns dados importantes. Não são encontrados sobrenomes de origem

africana entre os descendentes dos africanos, o que mostra que eles

adotaram sobrenomes de língua portuguesa. Ao observarem cartas de

alforria de ex-escravos, os pesquisadores constataram que a maioria deles

passava à condição de livres sem sobrenomes ou com sobrenomes em

língua portuguesa. Dentre esses últimos,

“Os resultados mostraram que adotar sobrenome

religioso diferente do nome do “senhor”, tanto no século

XVII (39,1%), quanto no século XIX (52,3%), foi a

forma mais freqüente de adoção de sobrenomes pelos

escravos. A adoção de sobrenome idêntico ao “senhor”,

quer religioso ou não, foi preferida por apenas 23,9% dos

alforriados no século XVIII e 21,5% no século XIX. Esse

fato contradiz um dito popular prevalente no Brasil de

que os escravos passaram a usar os sobrenomes dos seus

“senhores”. (Azevedo: no prelo)51

51

A autora adverte: “Todavia, é de fundamental importância relembrar que associações observadas a

nível populacional só têm valor científico para inferências quando se trata de grupo de pessoas e não de

Page 149: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

149

O estudo mostrou, ainda, que, mesmo livres, muitos descendentes de

escravos continuaram sem sobrenomes; hoje, no entanto, todos os seus

descendentes já os têm. A tabela a seguir, retirada de Azevedo (1983:105),

apresenta dados interessantes sobre origens dos sobrenomes adotados por

ex-escravos, na Bahia, nos séculos XVIII e XIX:

Quadro 17:

Tipos de sobrenome adotado por escravos alforriados nos séculos XVIII e

XIX

Tipo de Sobrenome adotado e Identidade com o do

“Senhor”

Número Freqüência

Não religioso, igual ao “Senhor” 35 13,46%

Religioso, igual ao “Senhor” 21 8,08%

Não religioso, diferente do “Senhor” 68 26,15%

Religioso, diferente do “Senhor” 136 52,31%

Total 260 100%

A pesquisa defende que, assim como no passado se associava a

ausência de sobrenomes aos negros, hoje a associação se faz entre os

sobrenomes religiosos e os descendentes dessa população ex-escrava.

indivíduos isoladamente. Existem pessoas no Brasil, em Portugal e em outras comunidades portuguesas,

que têm sobrenome religioso e não têm ancestralidade negra. Até que surjam evidências em outras

comunidades afro-portuguesas, a associação entre ancestralidade negra e sobrenomes religiosos é inerente

à população brasileira”. (Azevedo, no prelo).

Page 150: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

150

Segundo Azevedo (no prelo) e Azevedo (1983), a freqüência dos três

genes que determinam o grupo sangüíneo, ABO, isto é, o gene A, o gene B

e o gene O, varia de uma população para outra. O gene A é mais freqüente

em brancos (30% em brancos portugueses e 16% em negros africanos), e os

genes B (7% em portugueses e 15% em negros africanos) e O em negros

(63% em brancos portugueses e 69 em negros africanos). Para testar, mais

uma vez, a associação entre a ancestralidade negra e sobrenomes religiosos,

o grupo estudou 3602 amostras de sangue de doadores do sexo masculino.

O que se objetivava mostrar era que, no grupo de brancos com sobrenomes

religiosos, deveria haver mais ancestralidade negra que no grupo de

brancos sem sobrenomes religiosos, conseqüentemente estes deveriam ter

índice maior dos genes B e O, mais freqüente em negros52

. Assim, chegou-

se aos resultados que, na Bahia,

“... doadores brancos com sobrenome de conotação religiosa

têm freqüência de grupo sangüíneo ABO indicativa de

maior mistura negróide que brancos com outros tipos de

sobrenome.” (Azevedo (1983:105).

Os resultados obtidos indicavam o que se previa: o grupo de sobrenomes

religiosos demonstrou ter índices maiores dos genes B e O do que o grupo

sem sobrenomes religiosos (Tavares-Neto & Azevedo, 1978).

52

Os pesquisadores afirmam que os índios têm, todos, o sangue com o gene do tipo O. Quando isso não

se confirma, afirma-se que houve mistura racial.

Page 151: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

151

Sobrenomes religiosos e realidade social

Em outra fase da pesquisa, somente crianças brancas e mulatas claras

foram observadas em Aracaju e em Maceió, para relacionar

1) os sobrenomes,

2) o fenótipo, ou seja, a aparência racial, e

3) o tipo de escola que freqüenta.

O grupo partiu do pressuposto, segundo ele evidente, de que só

crianças de boas condições econômicas freqüentam escolas particulares e

pretendeu “desenvolver um ìndice capaz de traduzir em percentagem a

ancestralidade negra do grupo.” Os resultados encontrados foram os

seguintes:

Em Aracaju

Freqüência de sobrenomes religiosos Índice fenotípico negróide

Em escolas municipais = 54,1% 44%

Em escolas estaduais = 43,3% 27,9%

Em escolas particulares = 28,6% 14,5%

Page 152: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

152

Em Maceió

Freqüência de sobrenomes religiosos Índice fenotípico negróide

Em escolas municipais = 22% 20,5%

Em escolas estaduais = 19,9% 23,1%

Em escolas particulares = 14,5% 7,2%

Azevedo conclui que a pesquisa apenas confirma a impressão que se

tem de que os descendentes de negros estão menos nas escolas particulares

que os que não o são e que as melhores oportunidades, mesmo entre

crianças claras, são dadas àquelas que não são descendentes dos negros.

“Em outras palavras, as crianças claras das escolas

municipais têm mais ancestrais negros que as crianças

claras das escolas particulares. (…) Considerando que as

escolas municipais (que geralmente são as piores) são mais

accessíveis aos menos favorecidos, demonstra-se aqui

também que as crianças claras descendentes de negros têm

oportunidades educacionais inferiores às das demais

crianças claras.” (Azevedo: no prelo).

A pesquisa feita mostra que os resultados de observação tomando

como base que os sobrenomes religiosos são indicadores de ancestralidade

negra têm coerência e credibilizam o critério como uma variável

estatisticamente confiável.

Page 153: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

153

Os sobrenomes dos descendentes dos índios

Da mesma maneira que os descendentes dos negros, os descendentes

de índios não conservaram seus sobrenomes. Azevedo e sua equipe

elaboraram a hipótese de que essa população, na sociedade atual, adotou

preferencialmente sobrenomes portugueses com significado de animal ou

de plantas. Para testar essa hipótese, fez-se um estudo envolvendo a

população escolar em dezesseis localidades da Bahia, com metodologia

semelhante ao anteriormente realizado sem envolver o elemento com

aparência de índio, que agora se encontra presente nessas localidades.

Assim, o fenótipo “cara de ìndio” foi acrescentado. Observou-se que, com

crianças com aparência de índio, a freqüência de sobrenomes relacionados

a animal ou planta é maior que com crianças com aparência de branco, de

mulato ou de negro. Azevedo (no prelo) conclui que

“Com esses dados, é possìvel agora relacionar-se as três

raças, que deram origem aos nordestinos, com os três

tipos de sobrenomes: sobrenomes religiosos, ligados à

ancestralidade negra; sobrenomes animal/planta, ligados

à ancestralidade indígena e os outros sobrenomes,

ligados à ancestralidade branca.” (p.76).

Apesar de a pesquisa de sobrenomes, no grupo de Genética da

Universidade Federal da Bahia, dividir os sobrenomes em três grupos

(religiosos, animal/planta e outros), na presente pesquisa far-se-á a

oposição entre sobrenome religioso e sobrenome não religioso. Isso se deve

ao fato de que, na amostra trabalhada, principalmente no grupo que

compreende os níveis de escolaridade fundamental e média, o número de

informantes com sobrenome animal/planta mostrou-se reduzido, não sendo

muito representativo. É provável que esteja refletindo a pouca

Page 154: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

154

representatividade do elemento índígena na formação da população da

capital baiana.

As sessenta e seis pessoas cuja fala foi observada tiveram seus

nomes completos analisados53

. Essas informações foram codificados como

uma das variáveis, com o objetivo de verificar a que grupo étnico cada

informante pode estar relacionado. Esse material foi submetido à análise do

Varbrul e obtiveram-se os resultados a seguir apresentados.

Todos os informantes se enquadraram em um dos quatro grupos a

seguir, conforme explanado no capítulo 4:

1) Sobrenomes não religiosos:

a) nomes sem referência especial (considerados como

indicadores de origem portuguesa);

b) nomes com sobrenome animal/planta (considerados

como possuidores de ancestralidade indígena).

2) Sobrenomes religiosos: nomes com um ou dois sobrenomes

religiosos (considerados como mais relacionados à ancestralidade

negra que o grupo com um sobrenome);

A expectativa era que, caso houvesse alguma relação entre a

concordância na fala de Salvador e a origem étnica negra dos falantes, isso

deveria transparecer nas análises estatísticas feitas para estudar a

interferência das variáveis no fenômeno da concordância. Caso a

concordância no sintagma nominal se relacionasse a processos de aquisição

com dados divergentes ou insuficientes, alguma das variáveis deveria

revelar qualquer resquício, ou algum traço revelador, desse tipo de

aprendizagem. A tabela a seguir mostra a distribuição desses grupos entre

os níveis de escolaridade.

53

Trabalho que contou com a ajuda do Professor Doutor José Tavares Neto, professor da Faculdade de

Medicina da Universidade Federal da Bahia, um dos pesquisadores que estudou os sobrenomes.

Page 155: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

155

Tabela 01:

Distribuição dos Tipos de Sobrenomes entre os Níveis de Escolaridade

Tipos de Sobrenomes

Fundamental Média Superior Total

Não religioso 12 12 11 35

Religioso

11

12 4 27

Sobrenome incompleto 1 0 3 4

No nível Fundamental, a distribuição entre os sobrenomes está bem

coerente, é quase o mesmo número de informantes em cada um dos grupos,

possibilitando uma comparação adequada entre os grupos.

Gráfico 57: Efeito da Classe e Posição linear e relativa sobre a

concordância em Salvador e no Rio de Janeiro

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Esq

não

adj

Esq

adj

Dir2 Dir3 Dir4 Dir5 N1 N2 N3 N4

SSA

R. J.

Page 156: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

156

No nível Médio, há o mesmo número nos dois grupos (12

informantes com sobrenome religioso e 12 com sobrenome não religioso).

No nível superior, em contrapartida, há poucos informantes com

sobrenome religioso, apenas 4 de um grupo de 18 pessoas.

A partir da observação da tabela e dos gráficos, vê-se que a

distribuição reflete o pouco acesso dos negros e de seus descendentes

(sobrenome religioso) ao ensino de nível superior. Aos descendentes dessa

Gráfico 2: Distribuição dos sobrenomes no nível

Médio

Não

religiosoReligioso

Gráfico 3: Distribuição dos sobrenomes no nível

superior

Sobrenome

incompleto

Religioso

Não religioso

Page 157: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

157

etnia, em Salvador, é permitido o acesso aos níveis Fundamental e, quando

muito, ao colegial, ou nível Médio. O curso Superior é quase inacessível.

2. 4 - Suporte computacional: o Varbrul

Todo trabalho que utiliza o suporte teórico-metodológico da

sociolíngüística variacionista trabalha com dados quantificados. Para fazer

essa quantificação, passa-se pela fase da codificação – etapa preparatória

para utilização do suporte computacional; pela quantificação propriamente

dita, feita normalmente com auxílio de programas computacionais; e pela

interpretação dos dados.

O suporte estatístico usado para essa pesquisa é o pacote de

programas Varbrul54

, de uso específico para o estudo da variação

lingüística. Ele é composto de vários programas (Checktok, Readtok,

Makecell, Ivarb e Tvarb ou Varb2000) que têm funções distintas.

Para iniciar a utilização do Varbrul, faz-se a codificação dos dados e,

havendo erro de codificação, o CHECKTOK, primeiro programa constante

do pacote, faz a revisão do arquivo de dados e localiza erros. Depois os

dados são submetidos ao READTOK, que faz a preparação para eles serem

lidos pelo MAKECELL, que determina os percentuais de ocorrências do

fato em estudo e organiza os dados em células para que se faça a análise

pelo VARB2000 ou IVARB. Na saída de um desses programas, já se

apresentam os resultados da análise estatística, na forma de pesos relativos.

Outros programas também inseridos no pacote Varbrul dão outros suportes,

o TSORT, o TEXTSORT, o CROSSTAB, mas não são de uso obrigatório

na análise, apesar de serem auxiliares da mais alta importância.

54

As orientações básicas para utilização do pacote Varbrul foram obtidas através de: Pintzuk (1989) e

Scherre (1992).

Page 158: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

158

A codificação dos dados, etapa necessária para utilização dos

programas, se realiza sobre a análise sucessiva dos dados, de acordo com

os fatores das variáveis independentes que foram estabelecidos, com base

nas hipóteses do trabalho.

Para se fazer a codificação dos dados, utiliza-se uma coluna para cada

variável e, no caso específico da concordância numa perspectiva

atomística, alvo dessa pesquisa, há necessidade de codificar cada sintagma

tantas vezes quantos forem os elementos em que se espera a marca de

plural no sintagma. Dessa forma, procura-se analisar o efeito de cada

variável em cada um desses elementos. No sintagma “nos cursos

preparatórios”, por exemplo, existem três elementos a serem codificados:

nos, cursos e preparatórios:

(SRM/KGI1M3U NOS cursos preparatórios M3U04

(SRPPPN02M3U nos CURSOS preparatórios M3U04

(SRPZFAU3M3U nos cursos PREPARATÓRIOS M3U04

No sintagma, em caixa alta apresenta-se o elemento em análise, a que

a cadeia de sinais do código se refere e, em caixa baixa, as outras palavras

que compõem o sintagma. Pelo exemplo, tem-se a idéia dessa etapa. O

primeiro símbolo da cadeia da codificação refere-se às variantes da variável

dependente: presença (S) ou ausência (0) do morfema de plural. Na

primeira linha, pode-se ler que, no primeiro elemento (NOS), há marca de

plural (S). O plural regular de nos é codificado com (R). Sendo um

monossílabo de uso átono, há essa indicação com (M). Os contextos

anterior e posterior são indicados nas colunas seguintes com (/),

informando que no sintagma não há elemento precedente e (k), informando

que, no contexto fonológico posterior, há um fonema / k /. A forma em

Page 159: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

159

observação está imediatamente anterior ao núcleo do sintagma (I), na

primeira posição linear (1), e o falante é uma mulher, (M), da faixa etária 3,

(3), universitária, (U), está inserido no nível 2 (2) do mercado ocupacional,

e é falante do corpus da década de noventa (Z).

Para a quantificação, os programas só lêem as informações constantes

da abertura do parêntese até o primeiro espaço em branco. As informações

restantes são importantes para que o pesquisador possa identificar o dado

dentre todos os outros e utilizá-lo para ilustração ou para outra finalidade.

Na linha dois, já há outras informações, expressas através de outros sinais,

dessa feita sobre CURSOS e, na linha três, sobre o elemento

PREPARATÓRIOS, componentes do mesmo sintagma.

Page 160: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

160

3. ANÁLISE DOS DADOS

Fazer análise de dados numa perspectiva sociolingüística é

normalmente entendido como buscar razões, no contexto social, para os

diversos usos lingüísticos. É seguindo essa idéia que este capítulo inicia o

estudo da concordância nominal fazendo o exame minucioso das variáveis

sociais Escolaridade, Gênero e Faixa etária. Juntamente a essas variáveis

sociais, também examina-se uma outra, a origem étnica, com o objetivo de

estabelecer uma possível relação entre a concordância de grupos étnicos

diferentes e a história de aquisição do português dos seus ancestrais. Faz-se

de início a análise do efeito de cada uma dessas variáveis tomadas

isoladamente e, posteriormente, busca-se o efeito cruzado entre elas. Após

a análise das variáveis sociais, são tratadas as variáveis lingüísticas.

3. 1 Variáveis sociais

A escola sempre deu enfoque à concordância. Os compêndios de

gramática dedicam muito espaço a regras e cuidados a serem tomados,

tanto com a concordância nominal quanto a verbal. Os livros didáticos

também refletem o interesse da escola em garantir a “boa concordância”,

quando se trata de cultivar a língua padrão. Esta pesquisa busca, pois,

observar o efeito do número de anos de exposição à escola no fenômeno

em observação.

Outro aspecto que é necessário controlar é a diferença entre os

gêneros. Esta é uma variável que tem muita importância quando se deseja

estabelecer uma relação entre a variação e a mudança lingüística. Há

mudanças que são encabeçadas por mulheres e há mudanças encabeçadas

Page 161: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

161

por homens. O prestígio ou desprestígio das formas pode contribuir para

que elas estejam à frente, ou não, no uso das variantes mais novas (Labov,

1991: 211-215).

É possível estudar a mudança com dados de uma única sincronia

quando se controla o efeito da variável Faixa etária. Os falantes mais novos

comumente são mais inovadores e, através dos seus registros, e em

comparação com a realidade lingüística das pessoas mais velhas, pode-se

ter a indicação de possíveis tendências de mudança. Do mesmo jeito,

através da observação das faixas etárias mais avançadas, pode-se ter

conhecimento de variantes mais antigas, inexistentes na fala das pessoas da

faixa etária mais nova, indicando tendência ao desaparecimento na língua.

Diante disso, o estudo das faixas etárias é de grande importância para esta

pesquisa, pois contribui para entender o dinamismo da língua e para

analisar a possibilidade de mudança do fenômeno em observação.

O conhecimento da origem étnica de uma comunidade pode auxiliar

o entendimento da existência de fenômenos lingüísticos varíaveis. Assim,

nessa pesquisa procura-se relacionar essa variável à observação da

concordância no sintagma nominal, com o objetivo de analisar possíveis

diferenças lingüísticas, no que diz respeito ao fenômeno estudado, entre

pessoas de descendência africana e os não descendentes desse grupo étnico.

A caracterização étnica do informante é observada a partir dos sobrenomes,

considerando os de origem religiosa como mais relacionados a origem

africana; os de sobrenome não religioso como não relacionados a essa

origem. Esse aspecto da pesquisa, cuja metodologia utilizada é objeto de

explanação no capítulo 2, na seção 2. 2. 4. 14, constitui-se como a variável

origem étnica.

Page 162: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

162

3. 1. 1 A variável escolaridade

A variação da concordância de número no sintagma nominal no

português é um fenômeno que tem sido alvo de estudos em vários trabalhos

de Braga & Scherre (1976), Scherre (1988), Naro & Scherre (1994),

observando a fala do Rio de Janeiro, Fernandes (1996), observando a fala

da Região Sul, e Carvalho (1997), a de João Pessoa. Ao lado de outras

variáveis, essas pesquisas estabelecem uma relação entre a variação

documentada e a escolaridade.

Na presente pesquisa, o número de anos de estudo constitui um dos

grupos de fatores que realmente mais interfere na concordância no

sintagma nominal, sendo a primeira variável social selecionada. A tabela e

o gráfico a seguir apresentam os resultados encontrados a partir da

observação dos grupos de informantes de três níveis de escolaridade

diferentes: a) nível Fundamental ou primário, 1 a 5 anos de escolarização;

b) nível Médio, 11 anos de escolarização, ou segundo grau completo; c)

nível Superior, ou curso universitário completo. A análise estatística dos

dados forneceu os seguintes resultados apresentados na tabela 2.

Vê-se que existe nos dados, conforme outros estudos atestam, uma

relação proporcional entre o aumento de tempo de exposição à pressão

escolar e a maior probabilidade de se fazer a concordância no sintagma

nominal. O crescente que se constata na probabilidade de concordância

entre os elementos do sintagma à proporção que aumentam os anos de

escolarização é tão forte que pode levar à suposição de que o fenômeno da

concordância ocorre, não por fazer parte do vernáculo dos informantes,

mas apenas como resultado de um esforço institucional da escola,

refletindo uma exigência extra-lingüística da pressão social.

Page 163: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

163

Tabela 2:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da

Escolaridade

Sign=.000

Fatores Freqüência P. R.

Fundamental – 1 a 5 anos 2832/4431 64% .18

Média - 11 anos 3814/4657 82% .46

Superior– mínimo de 15 anos 4605/4817 96% .82

TOTAL 11251/13905 81%

Apesar de até mesmo o não escolarizado fazer alguma

concordância, atestada por Carvalho (1997), por Scherre (1978) e Naro

Gráfico 4: Efeito da Escolaridade na

Concordância

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Fundamental Média Superior

Page 164: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

164

(1981:81), a sua realização é mínima, como se pode prever, ao observar a

freqüência dos pouco escolarizados da presente amostra. Sabe-se, contudo,

que o quadro brasileiro é bastante complexo.

É comum entre os lingüistas portugueses fazer-se referência à

concordância verbal e nominal como categórica em Portugal, mesmo entre

os pouco escolarizados e até entre os analfabetos. Apesar de Naro e Scherre

(2000) ter desfeito esse mito, o percentual mínimo de variação existente no

português europeu pode ser interpretado como indicando que, nesta

variedade da língua, a concordância não seja resultante de uma força

exterior, mas como fazendo parte do vernáculo de quase a totalidade das

populações das diversas regiões, independente do tempo de exposição à

aprendizagem escolar.

3. 1. 2 A variável gênero

O efeito da variável gênero sobre a presença de marcas de plural

pode ser observado, inicialmente, a partir da tabela e gráfico a seguir.

Tabela 3:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do gênero -

Sign. =.006

Gênero Freqüência Peso Relativo

Masculino 5678/ 7101 80% .47

Feminino 5573/6804 82% .53

Total 11251/13905 81%

Page 165: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

165

Na análise geral, essa variável foi selecionada e, como se vê, a

diferença entre os pesos relativos é pequena (da ordem de 0,6), mas existe

uma tendência levemente maior entre as mulheres de realizarem mais

formas com o morfema de plural, característico da concordância, do que os

homens.

Mas, para entendimento mais aprofundado dessa variável, a tabela 4

faz uma amostragem da observação da relação do gênero com a

escolaridade.

Ao analisar os resultados apresentados, nota-se que o efeito da

variável Gênero depende da sua relação com a escolaridade, ou seja, a

diferença entre os grupos de gênero, no que diz respeito à concordância, vai

depender do grau de escolaridade das pessoas que os compõem.

Gráfico 5: Efeito do gênero na concordância

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Masculino Feminino

Page 166: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

166

Tabela 4:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do gênero

e da escolaridade

Gênero Fundamental Média Universitária

Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Masculino 1504/2306

65%

.20 1771/2281 78% .38 2403/2514 96% .81

Feminino 1328/2125

62%

.17 2043/2376 86% .58 2202/2303 96% .81

TOTAIS 2832/4431 64% 3814/4657 82% 4605/4817 96%

Entre os informantes de escolaridade Fundamental, quase não há

diferença entre os pesos relativos dos dois grupos de gênero. No grupo de

nível universitário, os dois gêneros têm um fator igual de favorecimento (P.

R. .81). Entre os informantes de escolaridade Média, no entanto, nota-se

que as mulheres têm um peso relativo de concordância bem maior (.58) do

que os homens (.38).

Page 167: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

167

Pelo que se apresenta, se a relação entre gênero e concordância

varia a depender dos anos de escolarização, é necessário que se busquem,

no contexto em que vivem homens e mulheres, razões para isso. Será que a

diferença entre a realização lingüística entre os gêneros se relaciona às

diferenças entre as cobranças sociais feitas aos homens e mulheres? Então,

nesse caso, o gênero feminino sofre mais pressão social quando apenas tem

o nível de segundo grau, na busca de empregos, por exemplo, e essa

pressão se atenua no nível superior, daí a preocupação das mulheres

daquele nível com o seu padrão lingüístico? E as de nível Fundamental e

Gráfico 6: Efeito das variáveis Escolaridade e

Gênero, associadas, na concordância

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Fundamental Média Superior

Masculino

Feminino

Page 168: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

168

Superior sofrem relativamente a mesma pressão que os elementos do

gênero masculino, não demonstrando, por isso, grande diferença?

Quem tem apenas a escolaridade Média, em Salvador, apesar de

teoricamente já poder assumir cargos públicos de nível médio, e inserir-se

em vários campos do mercado, não tem facilidade de conseguir emprego. A

concorrência tem sido grande, na prática, pois essas pessoas não têm

grande especialização e lutam por poder contribuir com sua força de

trabalho, mas esbarram na dura competição; muitas vezes são pessoas de

nível superior que assumem, através de concurso público, cargos previstos

para profissionais de nível médio. Como ilustração, pode-se apresentar aqui

um fato concreto, vivido pela autora deste trabalho que, recentemente, foi

convidada para dar aulas a pessoas aprovadas em concurso público para o

preenchimento de vagas de “agente de polìcia técnica”, função conhecida

popularmente como “rapa” (fiscal de comércio ambulante), em Salvador,

mas acabou trabalhando com um grupo predominantemente de nível

superior, aprovado nas provas. Anteriormente esse cargo era destinado a

pessoas de nível primário e, nessa oportunidade, a prefeitura da cidade

achou por bem definir a exigência de escolaridade de segundo grau, mas

não foi esse o público que teve acesso ao preenchimento das vagas, pelo

menos dessa vez.

O exemplo apresentado tem como objetivo unicamente salientar a

dificuldade que têm as pessoas de nível médio de participarem da

competição com os oriundos dos bancos das universidades, diante da falta

de emprego em todos os níveis. O esforço na utilização da linguagem

considerada padrão pode ser um reflexo da constante luta em que essas

pessoas vivem. No material ora analisado, são as mulheres do segundo grau

que demonstram ter um uso, no que diz respeito à concordância, que

Page 169: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

169

suplanta, quanto à proximidade do padrão, a probabilidade de aplicação da

regra pelos homens.

As mulheres têm um papel importante, segundo Labov (1991:211-

48), na implementação das mudanças. É o gênero feminino que encabeça as

mudanças “de cima para baixo”, ou seja, as mudanças que envolvem

fenômenos não estigmatizados. Quando a variante é estigmatizada

socialmente, são os homens que encabeçam. No tipo de variação em

estudo, a ausência de marca de concordância no sintagma nominal é traço

estigmatizado, principalmente em alguns tipos de sintagmas e em algumas

situações. Assim, o resultado apresentado não se parece coerente quando se

trata das escolaridades mínima e máxima, ou seja, nível primário e nível

superior. No nível intermediário, o segundo grau, as mulheres são mais

conservadoras, ela fazem mais a concordância de número no sintagma

nominal que os homens, conforme a previsão de Labov, mas nos outros

níveis, isso não ocorre.

Lucchesi (2000) constata que os homens estão à frente na fixação

da regra de concordância de gênero no dialeto descrioulizante de Helvécia

– Ba. A esse fato ele relaciona a exposição maior do homem aos diversos

contextos sociais, viagens, enquanto as mulheres daquela localidade se

mantêm mais dedicadas ao trabalho da educação dos filhos e às tarefas do

lar.

Na presente pesquisa, o comportamento das mulheres do nível

colegial parece refletir o esforço desse grupo, ao lado dos homens, de

encontrarem seu espaço. Se essa busca ocorre em todos os níveis, ela é

muito mais feroz no nível colegial, que é, como se salientou,

particularmente mais competitivo.

Page 170: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

170

3. 1. 3 Tempo aparente - Estudo da variação entre as faixas

etárias.

A tabela a seguir apresenta o resultado da análise estatística

referente aos grupos etários estudados na pesquisa.

Tabela 5:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa

Etária Sign.=.000

Faixa etária Freqüência Peso Relativo

De 15 a 24 anos 1717/2280 75% .49

De 25 a 35 anos 3193/3926 81% .45

De 45 a 55 anos 3100/3896 80% .46

> 65 anos 3241/3803 85% .59

TOTAL 11251/13905 81%

Pelo que se pode notar, a faixa etária mais velha é a única

favorecedora do uso da concordância, pois é a que mais tende a marcar

mais os elementos do sintagma nominal com o morfema de plural; a

primeira faixa, os mais jovens, têm um peso relativo de concordância bem

menor que os mais velhos, uma diferença de .12. O quadro parece

caracterizar indício de mudança levando à perda de marcas explícitas.

Page 171: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

171

Ao lado da observação das faixas etárias, Naro (1981:86-7) estudou

a orientação cultural, distinguindo informantes como de “orientação

vicária” – os que têm muitas experiências fora do seu meio, através

principalmente de novelas televisivas – e orientação experencial – os que

não assistem a essas novelas e vivem restritos ao seu próprio meio. O autor

considerou que a orientação tem um efeito muito maior que a idade e,

ainda, que os mais jovens são mais sensíveis a essa variável que os mais

velhos55

.

Na presente pesquisa, para entender melhor essa variável, é

necessário fazer a observação separando-se os informantes por gênero e por

escolaridade.

55

“Note that the orientation variable has a much greater effect than the age variable. (...) The orientation

variable, on the hand, reflects a resurgence in the use of this same rule that comes from within the

speaker, depending upon his or her own cultural orientation. (...) I have the impression that the vicarious

orientation is much more prevalent among the young than among the old”. (Naro, 1981:87-8).

Gráfico 7: Efeito da faixa etária sobre a

concordância

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

15 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65

Page 172: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

172

A tabela a seguir mostra que efeito têm os dois gêneros,

combinados com a faixa etária, sobre a presença de marca de plural nos

sintagmas.

Tabela 6:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa

etária e do gênero Sign.=.006

Faixa etária

Homens Mulheres

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

De 15 a 24 anos 833/1149 72% .48 884/1131 78% .51

De 25 a 35 anos 1677/2106 80% .45 1576/1820 83% .41

De 45 a 55 anos 1338/1768 76% .37 1763/2120 83% .55

De 65 anos em diante 1830/2078 88% .67 1411/1726 82% .51

TOTAL 5678/7101 80% 5573/6804 82%

Os resultados da análise parecem indicar que as mulheres mais

jovens tendem a seguir o padrão estabelecido ligeiramente mais que os

homens. Isso talvez possa ser justificado com o período em que há a

relação mais forte com o ingresso no mercado trabalho, ou durante a sua

fase mais produtiva no mercado de trabalho (3a Faixa etária). Essa pressão

parece não mais atingi-las na última faixa etária. As mulheres mais velhas

tiveram possivelmente menos contato com o trabalho e com o mundo

exterior, na época da juventude, e possivelmente menos pressão

Page 173: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

173

normatizante, o que talvez justifique a menor realização da concordância.

Com os homens, parece ocorrer outra coisa. Apenas os mais velhos

mostraram-se com mais probabilidade de concordância.

Nas faixas anteriores, existe desfavorecimento, e ele é grande na

faixa 3, quando já existe, talvez, menos preocupação com os estudos e com

o trabalho.

É necessário que se observe também o efeito da variável faixa etária

associada à escolaridade, sobre a concordância.

A seguir, a tabela apresenta o cruzamento entre as variáveis faixa

etária e escolaridade.

Gráfico 8: Efeito da Faixa etária e gênero sobre a

concordância

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

15 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65

Homens

Mulheres

Page 174: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

174

Tabela 7 :

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa

etária e da escolaridade.

Faixa etária

Fundamental

Sign.=.000

Média

Sign.=.000

Superior

Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R.

15 a 24

anos

602/1037

58%

.09 1115/1243

90%

.59 ______ ___

25 a 35

anos

665/1022

65%

.18 950/1253 76% .34 1578/1651

96%

.75

45 a 55

anos

738/1209

61%

.14 1026/1241

83%

.54 1336/1446

92%

.68

> 65 anos 827/1163

71%

.35 723/920 79% .35 1691/1720

98%

.94

TOTAIS 2832/4431 64% 3814/4657 82% 4605/4817 96%

Page 175: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

175

Nos grupos de escolaridade Fundamental e Superior, percebe-se

uma tendência de aumento do peso relativo das faixas etárias mais jovens,

em direção aos mais velhos. Entre esses, a diferença entre algumas faixas é

muito pequena, mas o quadro sugere mudança muito lenta, levando à perda

de concordância (os mais velhos com mais concordância e os mais novos

com menos). Apesar disso, no grupo de informantes de escolaridade média,

ocorre outro fato: a faixa mais nova tem tendência a mais marcação mas,

nas outras faixas, existe uma oscilação grande, demonstrando que a

proximidade da relação com a escola e, ainda, a exigência da norma padrão

pelo mercado de trabalho levam a primeira faixa a ter uma probabilidade

grande de marcar os elementos do sintagma. A faixa que seguem é, dessa

forma, desfavorecedora. Na terceira faixa, apesar de corresponder a um

período em que as pessoas já não têm grandes perspectivas em relação a

trabalho, nesse nível de escolaridade a aplicação da regra de concordância

Gráfico 9: Efeito da faixa etária e da escolaridade sobre a

concordância

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

14 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65

Universitária

Média

Fundamental

Page 176: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

176

tem um aumento de probabilidade, mas esse se reduz bastante na última

faixa, período correspondente à aposentadoria.

Comparando os dois primeiros grupos, os de escolaridade

Fundamental e de escolaridade Média, grupos em que estão inseridos os

falantes do português falado pela classe mais popular, nota-se que parece

haver convivência de forças contrárias, aquisição e perda da concordância.

No primeiro grupo, de escolaridade fundamental, constata-se uma perda,

pois os mais velhos demonstram fazer mais a concordância do que os mais

novos. No segundo grupo, os de escolaridade média, segundo grau, ocorre

o contrário, os mais novos fazem mais concordância que os mais velhos, o

que pode caracterizar um quadro de aquisição da regra. Naro & Scherre

(1991: 15) apresentam uma situação em que detectam convivência de

forças contrárias na variação da concordância verbal. Referindo-se à fala

carioca, dizem:

“Acreditamos que os resultados apresentados sugerem

fortemente que é fácil encontrar fluxos e contrafluxos

envolvendo a variação e a mudança na comunidade de

fala carioca. O que está mudando para algumas pessoas

pode estar estável para outras pessoas e o que está

aumentando para alguns pode estar diminuindo para

outros.” (Naro & Scherre, 1991: 15).

Esses dados mostram exatamente a mistura de influências em

diversas direções que compõem o quadro de cidade grande, com

movimentos “above” (“acima da consciência”), caracterizado pela busca do

que é valorizado, a busca pelas melhorias sociais, o distanciamento do que

se considera atrasado; e com o movimento inverso, a mudança “below”

Page 177: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

177

(“abaixo da consciência”), a crescente influência da massa desprestigiada,

através do contato, da proximidade física, sobre o que se considera

prestígio (Labov, 1991:213-15). Pode-se considerar que a variável

escolaridade, nesse caso, funciona de forma relativamente semelhante ao

que Naro (1981: 86-8) observou com o estudo da variável orientação

cultural, na fala do Rio de Janeiro.

Ao se observar a freqüência e o peso relativo da concordância no

grupo de escolaridade superior, nota-se que o grupo dos mais velhos é o

que tem maior probabilidade de concordância. Essa última faixa é

compreendida por profissionais de nível superior que estudaram em uma

época em que só os de boa condição econômica poderiam fazê-lo e, ao

observar a influência dessa escolaridade, vê-se que essa situação envolve

um aspecto: esse é um grupo formado por pessoas em que a concordância,

diferentemente dos outros, parece estar no vernáculo. Estão aí talvez

aqueles descendentes das antigas famílias mais abastadas da cidade, cujos

ancestrais provavelmente tiveram uma história de aquisição da língua

portuguesa através de dados lingüísticos primários mais próximos do

português europeu, bem diferente dos elementos que caracterizam a massa

popular. No geral, entre os universitários, a concordância decresce, diante

do contexto lingüístico atual, ao invés de aumentar, pois os mais novos

tendem a fazer bem menos concordância. Esse quadro pode ser

interpretado como um indicador de mudança, tendendo a perda de marcas

explícitas de concordância nesses grupos.

O fato que se constata entre os grupos das três faixas etárias do

nível superior está relacionado diretamente a uma mudança no quadro

educacional brasileiro, ocorrida nos últimos 30 ou 40 anos. Com a grande

urbanização que ocorreu nesse período (Segundo Ribeiro (1995:198), no

Brasil, a população urbana, em 1940, era de 12,8 milhões de pessoas, e, em

Page 178: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

178

1980, 80,5 milhões), aliada à Reforma do Ensino, com a Lei 5692, a

população teve maior acesso aos bancos escolares. O acesso à universidade

passou a ser possível às pessoas de classe média, apesar de toda a

dificuldade ainda existente. Antes disso, apenas pessoas de grande poder

aquisitivo conseguiam ter curso superior. Dessa forma, o público da

universidade mudou, passou a ter características bastante diferentes do

grupo restrito que freqüentou a universidade na primeira metade do século

ou um pouco mais.

É pelo fato relatado que, aqui, se diz que esse grupo dos mais

velhos (última faixa etária) com nível superior são pessoas com uma

história de vida diferente dos que não estão nessa faixa de idade.

Pelo visto, o quadro de nível superior tem duas situações a serem

tratadas:

1) um grupo específico, composto por pessoas mais velhas, que

parece estar à parte, com uma concordância quase categórica,

caracterizando uma situação social diferente dos demais;

2) um grupo em que a variação da concordância se associa a outro

contexto social, mais representativo da massa popular que chega à

universidade a partir dos anos setenta.

É possível que o quadro aqui descrito possa ser explicado por uma

existência de uma outra gramática, divergente do grupo POP. O grupo mais

velho com escolaridade superior é possuidor de uma gramática em que a

concordância é quase sempre freqüente (freqüência de 98%, peso relativo

de .94). O grupo jovem com escolaridade Fundamental tem uma outra

gramática, em que a concordância existe bem pouco (freqüência de 58% e

peso relativo de .09), e pode-se interpretar, ainda, a hipótese de pessoas que

Page 179: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

179

têm as duas gramáticas, são as que estão incluídas nos outros grupos,

intermediários entre os dois extremos. O quadro, por outro lado, pode

indicar que no grupo de mais idade, nível superior, a variação está apenas

se iniciando. A análise das variáveis lingüísticas vai ajudar a refletir se os

grupos têm uma mesma gramática ou se existem gramáticas divergentes

entre eles.

3. 1. 4 Tempo real

Para observar a possibilidade de mudança, numa observação em

tempo real, utiliza-se, nesta pesquisa, resultados de pesquisa anterior,

Lopes (2000), em que se fez análise da variação da concordância em dados

do português universitário recolhidos na década de setenta, integrante do

projeto Norma Urbana Culta de Salvador (NURC/SSA)56

. Em Lopes

(2000), observaram-se dados do projeto NURC/70 e do NURC/90,

comparando-se apenas os falantes das faixas etárias de 25 e 35 anos (faixa

etária 1 do NURC) e acima de 55 anos (faixa etária 3 do NURC). Aos

resultados da referida pesquisa se acrescentou mais uma faixa etária, para

possibilitar confronto com os dados da fala atual. A seguir apresentam-se

os resultados desse estudo.

56

Esses resultados foram apresentados em Congresso da ABRALIN, em 1999, no texto da comunicação

intitulada …, e publicado nas atas do Congresso.

Page 180: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

180

Tabela 8:

Taxas de concordância em função da faixa etária e do tempo – Dados do

NURC 70 e NURC 90.

Faixas etárias

Década de 70 –

Sign.=.000

Fala Atual - Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

25 a 35 anos 792/829 96% .38 1578/1651

96%

.47

45 a 55 anos 649/684 95% .35 1336/1446

92%

.33

> 65 anos 1206/1223 99% .67 1691/1720

98%

.67

TOTAIS 2647/2736 97% 4605/4817 96%

A comparação entre as taxas de concordância nas duas épocas

mostra muitas semelhanças entre os pesos das diversas faixas etárias. Nas

duas amostras, a observação dos grupos dos mais velhos e dos mais novos

parece indicar perda da concordância. Como isso se repete nas duas épocas,

pode-se estar, contudo, diante de apenas uma variação etária ou geracional,

não uma mudança em progresso.

O gráfico possibilita melhor visualização.

Page 181: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

181

Ao se utilizar análise estatística para avaliar o efeito do tempo real,

chegou-se aos seguintes resultados.

Tabela 9:

Taxas de concordância em função do Tempo real – Dados dos

Universitários.

Sign.=.012 Freqüência P. R.

Década de 70 2647/2736 97% .55

Dados Atuais 4605/4818 96% .47

Total 7252/7554 96%

Entre as duas épocas, há uma redução, que não é grande, mas o

programa estatístico de regras variáveis, o programa Varbrul, selecionou a

variável tempo, ou seja, considerou que o tempo tem um efeito

Gráfico 10: Efeito do Tempo aparente e

tempo real na concordância

00,2

0,40,6

0,81

Fe 2 Fe 3 Fe 4

70

90

Page 182: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

182

estatisticamente significativo sobre o fenômeno da concordância no

sintagma nominal, embora a magnitude da diferença seja pequena (.08).

Diante disso, a hipótese de possibilidade de mudança, surgida da

observação em tempo aparente, através das faixas etárias, tem, agora, ainda

mais fundamento, uma vez que, na comparação entre uma sincronia

anterior e a atual, já houve a redução, que poderá continuar ou não a

acontecer.

Na pesquisa inicial dos dados de 70, Lopes (2000) constatou que o

gênero feminino se mostrava à frente da variação, o que levava à sugestão

de mudança, diante do papel que se considera caber às mulheres, como

encabeçadora de muitas mudanças, principalmente as que não são

estigmatizadas, o que não é o caso. Para observar se se mantém o que foi

observado com os dados da década de 70, a tabela a seguir faz uma

comparação dos resultados da análise estatística da concordância nos dois

gêneros.

Gráfico 11: Efeito do Tempo real na

concordância

0

0,5

1

Década de 70 Dados atuais

Page 183: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

183

Tabela 10:

Efeito da variável tempo entre os grupos de gêneros.

Gêneros

Dados 70 – Sign.=.198 Dados Atuais -

Sign.=.006)

Freqüência Freqüência P. R

Masculino 1403/1444 97% 2403/2514 96% .50

Feminino 1244/1292 96% 2202/2304 96% .50

TOTAIS 2647/2736 97% 4605/4818 96%

A variável gênero foi excluída na análise separada com os dados da

década de 70, por isso os resultados não podem ser levados em conta para

qualquer conclusão a respeito. Nos dados atuais, os dois gêneros fazem

igualmente a variação, mostrando que, se as mulheres, no nível de

escolaridade superior, iniciaram a variação, os dois gêneros já a têm como

um fenômeno concreto.

3. 1. 5 Os sobrenomes, analisados como variável etnia

Numa primeira análise, buscou-se observar o efeito da variável

sobrenomes envolvendo todos os informantes de todos os três graus de

escolaridade. Os resultados a que se chegou são mostrados a seguir, na

tabela 11.

Page 184: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

184

Tabela 11:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do

sobrenome – amostra geral

Tipos de sobrenomes

Sign=.000

Freqüência Peso Relativo

Sobrenome não religioso 6256/7422 84% .53

Sobrenome religioso 4266/5671 75% .46

TOTAL 10522/13093 80%

Nessa primeira análise, constatou-se um quadro de baixa

concordância entre os informantes de sobrenome religioso, o único fator,

nessa variável, desfavorecedor.

Como o nível superior não tem condições de dar muita contribuição

ao estudo da interferência dessa variável, uma vez que a amostra contém

poucos sobrenomes religiosos e há nomes abreviados, não se podendo fazer

0

0,5

1

Não religioso Religioso

Gráfico 12: Efeito do Tipo de Sobrenome na

concordância

Page 185: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

185

adequadamente a classificação, esse grupo foi excluído da análise

seguinte, cujos resultados são apresentados na tabela a seguir.

Tabela 12:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função dos

Sobrenomes – Apenas os dados dos falantes de escolaridade Fundamental e

Média, sem os dados dos universitários (apenas o grupo POP).

Tipos de Sobrenomes -

Sign=.000

Freqüência Peso Relativo

Sobrenome não religioso 3083/4071 76% P. R. .55 .55

Sobrenome religioso 3422/4813 71% P. R. .46 .46

TOTAL 6505/8884 73%

Sem os dados dos falantes do nível superior, a diferença entre os dois

grupos de sobrenomes se ampliou de .07 para .09.

0

0,5

1

Não religioso Religioso

Gráfico 13: Efeito do Tipo de sobrenome

na concordância - POP

Page 186: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

186

Diante de se imaginar que os mais velhos pudessem dar mais

subsídios para a análise que se precisa ter dos dados, por possibilitarem um

contato com uma fala ainda mais antiga, e por isso mais rica em respostas

para as perguntas que se fazem sobre as razões da variação da

concordância, optou-se por observar a última faixa etária do grupo POP.

Este grupo, pois, é formado por falantes de escolaridades Fundamental e

Média, faixa etária de 65 anos em diante. A tabela 13 apresenta os

resultados.

Os dados parecem indicar que, no grupo do português popular, aqui

considerado o formado pelos níveis de escolaridade Fundamental e Média,

existe relação entre a origem étnica, aqui analisada através dos sobrenomes,

e a variação da concordância: as pessoas descendentes dos africanos têm

mais probabilidade de usarem a variante zero de plural.

Tabela 13:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função dos

Sobrenomes – apenas o grupo da última faixa etária: POP4.

Tipos de sobrenomes

Sig.=.000

Freqüência Peso Relativo

Sobrenome não religioso 905/1080 84% .68

Sobrenome religioso 645//1003 64% .31

TOTAL 1550/2083 74%

Page 187: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

187

Mas ela não ocorre da mesma forma em todas as faixas etárias. É

mais forte, com oposição maior entre os fatores, na última faixa etária do

que no grupo como um todo. Apesar de não se ter previsto inicialmente que

essa variável tivesse tão grande relação com o fenômeno em estudo, ela

ficou bem clara no grupo de falantes de maior idade, de 65 anos em diante.

Explorando separadamente os grupos de sobrenome, em todas as

faixas etárias, e analisando a relação entre a faixa etária e a concordância,

chega-se a um resultado interessante. A tabela 14 mostra os resultados

encontrados.

Esses resultados indicam que os dois grupos revelam situações

diferentes, em relação ao fenômeno da concordância. Os informantes de

sobrenome religioso, aqui considerados como de descendência negra, estão

adquirindo a regra de concordância, ao invés da perda: os mais jovens estão

fazendo mais concordância que os mais velhos, o que parece indicar um

processo de mudança em andamento.

0

0,5

1

Não religioso Religioso

Gráfico 14: Efeito do Tipo de sobrenome

na concordância POP4

Page 188: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

188

Tabela 14:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa

etária – Comparação entre os grupos de sobrenome

Faixa etária

Não religioso - Sign.=.000 Religioso – Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

De 15 a 24 1059/1499 71% .40 658/781 84% .67

De 25 a 35 179/382 47% .17 1436/1893 76% .56

De 45 a 55 1081/1314 85% .61 824/1340 61% .37

> 65 anos 905/1080 84% .64 645/1003 64% .42

TOTAL 3224/4275 75% 3563/5017 71%

Ao contrário dessa aquisição da concordância, ocorre o inverso no

grupo não religioso: os mais velhos fazem mais concordância e os mais

jovens tendem a fazer menos, o que pode sugerir que o grupo está em

processo de apagamento da regra, ou perda da concordância. Esse quadro

está em consonância com o previsto por Naro (1981:87) e de acordo com

Naro & Scherre (1991:16).

Page 189: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

189

No grupo de sobrenome não religioso, as faixas mais novas são

desfavorecedoras da concordância e, além disso, há uma redução grande da

primeira para a segunda faixa etária, mas, posteriormente, as duas faixas

mais velhas favorecem a presença de marca de plural nos elementos do

sintagma; a terceira, apesar de ser ainda faixa em que os falantes estão

vinculados ao mercado de trabalho, mas perto de aposentarem, há

favorecimento menor da concordância que a quarta, período provavelmente

de mais inatividade em relação ao trabalho produtivo. Dessa forma, nesse

grupo, a concordância parece tender à redução, com os mais velhos

fazendo mais concordância e os mais novos, menos.

Baxter (2001:3), no estudo da concordância no sintagma nominal

português dos Tongas, identifica a faixa etária dos mais velhos (ou primeira

geração) como a mais desfavorecedora da concordância, diante de terem

sido expostos a dados lingüísticos primários mais deficientes e

incompletos. Há, em seguida, um crescente de favorecimento entre as

faixas mais novas (consideradas segunda e terceira geração). Ele diz:

Gráfico 15: Efeito da Faixa etária e tipo de

sobrenome na concordância

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

15 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65

Não religioso

Religioso

Page 190: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

190

“A geração 1 faz minimamente a marcação de plural, e os

mais velhos deles têm uma baixíssima freqüência de

marca. Parece razoável e indiscutível assumir que esta

situação reflete a natureza dos dados lingüísticos primários

predominantes oferecidos a essa geração (as gerações

iniciais) que aprenderam a língua, em português L2

[segunda aquisição] adquirido por adultos. Esses dados

lingüísticos primários foram insuficientes para o conjunto

da concordância de número como ocorreria no português

europeu. Sucessivas gerações, com exposição a dados

lingüísticos primários de uma natureza diferente, e com um

contato cada vez maior com variedades L1 do português

(…) houve a aquisição da concordância, como uma regra

variável.”57

A referência ao português dos Tongas, numa possível comparação

com o português do grupo de sobrenome religioso, justifica-se diante de

esse grupo ter como ancestral a população escrava e, ainda, da

possibilidade da aquisição do português com muita variação nos dados

primários a que os falantes tiveram acesso. Dessa forma, as primeiras

gerações, diante dessa situação, têm propensão a demonstrarem mais

relação estreita com essa história de aprendizagem. As gerações

posteriores, com o contato com as diversas utilizações da linguagem e,

ainda, com o convívio escolar com o padrão, tendem a incorporar, cada vez

mais, traços da língua comum, perdendo vestígios da língua inicial.

57

“Generation 1 is minimally disposed towards plural marking, and the oldest of the speakers within this

group display an exceedingly low frequency of marking. It seems reasonable and uncontroversial to

assume that this situation reflects the nature of predominant PLD available to this generation (and prior

generations) of language learners, in the L2 Portuguese acquired by adults. This PLD was insuficient to

set number Agr as it would occur in European Portuguese. Sucessive generations, with exposure to PLD

of a different nature, and with a growth in contact with L1 varities of Portuguese (…) display acquisition

of Agr, as a variable rule.”

Page 191: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

191

Ainda em Baxter (2001), é feito um estudo da interferência da

origem dos pais dos falantes da última geração, os mais novos (entre 20 e

40 anos), na aplicação da regra de concordância. Foram consideradas duas

possibilidades: se os pais são da África (então com um português L2) ou se

são de Monte Café (nesse caso com um português L1). Baxter (2001:3)

observou um desfavorecimento na concordância dos que têm pais da África

(peso relativo de concordância de .36) e um favorecimento dos que têm

pais nascidos em Monte Café (peso relativo de concordância de .63).

Esse dado pode ser aproveitado para analisar aspectos do contexto de

Salvador, na população escrava e ex-escrava, no século passado. Conforme

informaçãoes apresentadas no capítulo 1, mesmo entre meados e fins do

século XIX, ainda havia muitos escravos africanos, convivendo com

escravos e libertos crioulos. Nessa cidade, eram encontradas crianças que

eram filhos ainda desses africanos e filhos de escravos crioulos (ou

brasileiros) que aprendiam, a todo o momento, o português dos pais e dos

outros adultos (aprendido como L1 ou L2). Em regiões rurais esse quadro

certamente ocorria, e havia, com certeza, menos acesso que na cidade ao

português europeu. Esses dados podem levar a supor que, em Salvador, a

diversidade existente, mesmo no grupo de sobrenome religioso, pode

indicar também relação com esse aspecto: os dados lingüísticos da primeira

geração dos africanos aqui chegados e de outras podem ter sido dados

provenientes de uma L1 ou de uma L2.

Em seguida, faz-se o cruzamento entre a variável sobrenomes e a

escolaridade, confrontando grupo de sobrenome religioso com grupo de

sobrenome não religioso.

Page 192: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

192

Tabela 15:

Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do

Sobrenome e da Escolaridade

Tipos de Sobrenome

Fundamental –

Sign.=000

Média – Sign.=000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Sobrenome não religioso 1281/1981 65% .34 1802/2090 86% .75

Sobrenome religioso 1410/2246 63% .32 2012/2576 78% .57

Totais 2691/4227 64% 3814/4657 82%

A tabela apresentada mostra que, no nível primário, existe uma

grande aproximação, tanto de freqüência quanto de peso relativo, entre o

grupo de sobrenome religioso e o grupo de sobrenome não religioso.

Com o grupo de escolaridade colegial, contudo, a diferença entre os

dois grupos é bem forte. Esse resultado demonstra que, neste grupo, já

tendo, com a escola, a experiência e o contato mais acirrado com o padrão,

podem ser percebidas as diferenças entre os dois grupos, o que tem

sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, fazendo menos

concordância, e o grupo com outros sobrenomes, ou não ancestralidade

negra, fazendo bem mais concordância, demonstrando ser mais sensível ao

efeito da escolarização que o grupo de sobrenome religioso.

Page 193: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

193

As análises feitas com os grupos de sobrenome mostraram uma

relação de sobrenome não religioso e mais concordância e sobrenome

religioso menos concordância. Como, através do estudo dos sobrenomes,

estuda-se a variável etnia, este trabalho vê uma relação entre ancestralidade

negra e menor realização de concordância no sintagma nominal. Além

disso, como, nesse grupo, constata-se maior realização de sintagmas com

marcas de plural nas faixas etárias mais novas e menor realização de

marcas nas faixas mais velhas, considera-se que esse grupo demonstra

aquisição da regra de concordância, não perda. Fenômeno contrário é

percebido no grupo de sobrenome não religioso, através da observação no

tempo aparente, pois nesse grupo o peso relativo da concordância sobe à

proporção que os falantes têm mais idade, revelando que o grupo tende a

reduzir a realização da concordância.

Efeito da variável Sobrenomes na concordância

dos níveis Fundamental e Média

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Fundamental Média

Não religioso

Religioso

Page 194: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

194

3. 2 Variáveis Lingüísticas

Através da análise das variáveis sociais, pode-se entender a relação

entre a variação da concordância no sintagma nominal e os diversos grupos

estudados nessa pesquisa e, ainda, estabelecer hipóteses sobre a formação

do português brasileiro e fazer prognósticos sobre a possibilidade de

mudança do fenômeno estudado. É necessário que, em seguida, se busque

relação entre a variação referida e a estrutura lingüística. São focalizados, a

partir de então, as variáveis lingüísticas que se tomam como possíveis

grupos de fatores a interferir na variação da concordância no sintagma

nominal, conforme detalhado no capítulo 2.

3. 2. 1 Saliência Fônica

A saliência fônica foi introduzida nos estudos do português por

Naro & Lemle (1976), inicialmente na concordância verbal, e

posteriormente incorporada aos estudos concordância verbal e nominal de

Braga & Scherre (1976), de Braga (1977), de Scherre (1978, de Naro

(1981), assim como de Guy (1981) e de Scherre (1988). Segundo Naro e

Lemle (1976), a quantidade de material existente na oposição entre singular

e plural interfere na possibilidade de se fazer a concordância. Dessa forma,

os itens em que a oposição é mais saliente (mais material fônico perceptível

na oposição singular/plural) devem ser os mais marcados com o morfema

de plural. Scherre (1988:64), apoiando-se em Naro & Lemle (1976) e Naro

(1981), diz que “esse princìpio consiste em estabelecer que as formas mais

salientes, e por isso mais perceptíveis, são mais prováveis de serem

marcadas do que as menos salientes.”

Page 195: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

195

“A mudança então fixa-se no ponto zero de diferenciação

entre o sistemas velho e novo, e espalha-se para outros

pontos com mínima diferenciação de superfície. Esta visão

do processo reforça e confirma a idéia geral da mudança

sintática como um fenômeno de superfìcie (...)”58

(Naro,

1981:96-7).

Guy (1981:296), ao estudar a saliência fônica na concordância na fala

carioca, estabeleceu uma relação entre a quantidade de material fônico e a

percepção do ouvinte, no momento da aquisição da regra (numa situação de

suposta descrioulização), daí considerar os mais facilmente percebidos, ou

mais salientes, como os inicialmente aprendidos ou incorporados. As

formas em que a oposição singular/plural é mais saliente são, por isso, mais

marcadas com o morfema.

“Um padrão de variação de concordância dependente da

saliência da oposição singular-plural é exatamente o que

se esperaria encontrar em uma população descrioulizante,

que tem mudado de um suposto padrão proto-crioulo de

não concordância em direção ao padrão standard de

concordância categórica.” 59

Essa variável, pois, possibilita identificar o fenômeno da perda e o

da aquisição: segundo Naro (1981) é a partir dos itens com concordância

menos saliente que a variação se inicia; e segundo Guy (1981) é a partir

dos itens com concordância mais saliente que se dá a percepção, na fase de

aquisição.

58

The change thus sets in at the zero point of surface differentiation between the old and the new

systems, and spreads to other points along the path of least surface differentiation. This view of the

process reinforces and confirms the general idea of syntactic change as a surface phenomenon (...)”. 59

“A varying rate of agreement dependent upon the salience of the singular-plural opposition is exactly

what we would expect yo find in a decreolizing population qhich has moved par-way from the

Page 196: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

196

A saliência fônica tem sido, pois, considerada como importante

para o estudo da variação e da mudança que envolve a concordância, assim

como de outros aspectos da língua e, ao mesmo tempo, para o estudo da

aquisição que se faz desses fenômenos. Nesse caso, são duas situações

contrárias que interessam a essa pesquisa, a da perda e a da aquisição da

concordância, que podem ser constatadas através da mesma variável.

A variável ora estudada tem um papel importante no estudo da

aquisição de língua com muita variação. Como em situações desse tipo são

as informações mais salientes as que são percebidas em primeiro lugar, a

língua resultante desse tipo de observação deve trazer mais marcas da

aprendizagem dos elementos mais salientes e a ausência dos menos

salientes. Na área de estudos sobre a aquisição de primeira língua (L1) e de

segunda língua (L2), também o que é mais irregular e mais freqüente

muitas vezes é o que se aprende primeiro. A freqüência dessas formas é,

pois, também um fator significante para a aprendizagem: a irregularidade,

associada à freqüência, é um forte condicionador para que a aprendizagem

seja mais rápida. Nesses contextos, há, por outro lado, regularizações de

formas ou irregulares ou complexas. No campo das formas e conjugações

verbais, por exemplo, surgem formas como ponhar e, também, ocorre a

preferência pelo uso de formas neutras, como tudo, ao invés das formas

variáveis todos, todas.

Naro (1981:96-7) mostra que o papel da saliência na mudança

envolve dois aspectos:

a) a atuação, que indica o ponto onde se inicia o processo de

mudança; e a

(presumed) proto-creole pattern of no-agreement, toward the standard pattern of categorical agreement.”

(Guy, 1981:296).

Page 197: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

197

b) difusão ou espalhamento da mudança para outros contextos.

Com respeito ao português brasileiro, observando a fala carioca, Naro

(1981:96) diz que a perda da concordância se inicia em contextos em que a

oposição singular/plural é quase imperceptível (come/comem). Com o

“colapso” da concordância nesse contexto, há a difusão desse processo em

outros contextos, obedecendo ao mesmo princípio da saliência, em outras

dimensões60

. O autor refere-se à possibilidade de, numa comunidade

lingüística, se detectarem diferentes estágios da mudança nos grupos de

falantes, até que possíveis restrições lingüísticas sejam neutralizadas61

.

Naro & Scherre (2000), ao comparar o português do Brasil e o de

Portugal, apresentam um estudo da saliência fônica na concordância

sujeito/verbo nas falas letrada e iletrada do Rio de Janeiro, evidenciando

menos concordância nas formas menos salientes e o mesmo ocorre,

segundo a pesquisa, em textos portugueses medievais. O quadro a seguir

transcreve os resultados de Naro & Scherre (2000:244):

60

“Two aspects of the over-all process of linguistic change may be distinguished for analytical purposes:

(a) actution, i. e. the beginning point, or first context, of a change; and (b) diffusion, i. e. the susequent

spread of the change to other environments. In the loss of verbal concord, I have argued above that the

linguistic actuating force was a low-level phonetic rule of desnasalization of final vowels. For the verbs of

Morfological Class 1a, this rule, operating upon a plural form such as comem [mómin], proces a form that

coincides exactly with the singular. Thus, for speakers having this rule, the singular/plural opposition

collapses on the surface in a certain part of the language. The diffusion of the non-agreeing system

thoughout the language then proceeds, in accord with the principle of saliency, along several distinct

dimensions – extending itself most strongly in those contexts where it envolves the smallest (i. e. least

noticeable) change in surface form.” (Naro, 1981:96). 61

“Since salience is a general property of the linguistic system, one would not normally expect groups of

speakers at differents stages of evolution to exhibit confliting orderings of variable constraints in the

Page 198: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

198

Tabela 16:

Dados comparativos entre a fala iletrada e a letrada do Rio de Janeiro e

textos medievais portugueses.

Categoria R. J. (fala de pessoas

semi-escolarizadas –

antigo Mobral)

R. J. (fala de pessoas

com 1 a 11 anos de

escolaridade)

Textos

medievais

portugueses

- saliente 27% P. R. .22 62% P. R. .32 P. R. .33

+ saliente 74% P. R. .78 85% P. R. .71 P. R. .75

(Comparação feita por Naro e Scherre, 2000:244)

Os autores confrontam os resultados, dizendo que

“(…) mostram que em textos portugueses antigos,

assim como no português brasileiro moderno, a

marcação de plural era menos usada com formas

verbais menos salientes. Apesar de as freqüências

serem muito diferentes nos três casos, os pesos

relativos são essencialmente iguais e mostram que os

fatores que controlavam a variação são os mesmos,

tanto no português medieval como no português

moderno.” (Naro & Scherre, 2000:245)62

Scherre (1988), analisando a variação da concordância no sintagma

nominal da fala não universitária do Rio de Janeiro, tomou como uma das

hierarchized dimensions, although such constraints can be neutralized under certain circumstances (Naro,

1981:96).

“The results (…) demonstrate that in ancient Portuguese texts, just as in modern spoken Brasilan

Portuguese, plural marking was used less frequently with low saliency verb forms. Even though the

frequencies may vary widely in the three cases, the relative weights are essentially equal, and show that

the factors that controlled the variation were the same in medieval Portugal as they are today in modern

Brazil.”

Page 199: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

199

variáveis lingüísticas a saliência fônica, estudada em três dimensões:

processos de formação de plural, tonicidade e número de sílabas da forma

singular da palavra. Como o número de silabas se mostrou irrelevante,

apenas processos e tonicidade foram detalhadamente analisados. A

pesquisadora constata mais variação nas formas em que há menos material

fônico na oposição singular e plural:

“(…) podemos verificar que os falantes adultos, com

referência a Processos, evidenciam mais marcas de

concordância nos itens lexicais que apresentam mais

diferença material fônica entre as suas respectivas

formas singulares e plurais. Os plurais duplos

favorecem-nas com 0,86 e os regulares inibem-nas

com 0,24. São exatamente estes casos que possuem,

respectivamente, maior e menor diferença material

fônica na relação singular/plural. (Scherre, 1988:79-

80).

Estudando o “português xinguano”, Emmerich (1984) utiliza-se do

princípio da saliência para observar e explicar a ordem em que são

adquiridos morfemas flexionais do verbo português. Ela mostra que

“Ela [a saliência] atua sobretudo no nìvel

morfofonológico, embora se manifeste também no

nível sintático. Assim, como formas estruturalmente

mais salientes tendem a ser incorporadas primeiro

pelo falante xinguano (…)

Também Lucchesi (2000) relaciona a aquisição ao grau de saliência

das formas ao estudar a concordância de gênero na fala da comunidade de

Helvécia. Ele conclui que

Page 200: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

200

“Os constituintes cuja forma de feminino é formada

alterando-se o radical da palavra são aqueles que

apresentam os maiores índices de marcação do gênero

entre os constituintes flexionáveis do SN. Isso

demonstra que os falantes de Helvécia – Ba, no

processo de mudança no sentido de fixação de uso da

regra de concordância de gênero, se mostram mais

sensíveis às formas femininas mais morfologicamente

salientes. (Lucchesi, 2000:274).

Independentemente de se identificar perda ou aquisição do fenômeno

em observação, o estudo da relação entre a saliência fônica e a realização

da concordância no sintagma nominal tem, pois, como hipótese que os

falantes realizam mais concordância em formas cuja saliência da oposição

singular/plural se faz com mais material fônico.

Dentre os grupos de fatores, dois deles, trabalhados nesta pesquisa,

contribuem para o que Scherre (1988) considera saliência fônica:

1) processos de formação de plural e

2) tonicidade dos elementos do sintagma.

Conforme já referido, Scherre (1988), apesar de ter observado

também o número de sílabas, conclui que essa variável não tem efeito sobre

o fenômeno observado:

“As diferenças entre as probabilidades associadas ao

número de sílabas são irrelevantes, ou seja, os valores

para os três fatores [monossílabo, dissílabo e mais de

três] são praticamente iguais 0,50, o que mostra a

Page 201: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

201

neutralidade desta variável sobre a concordância

nominal.” (Scherre, 1988:81).

3. 2. 1. 1 Processos de formação de plural

Na presente pesquisa, foram consideradas sete possibilidades de

formação de plural:

a) plural duplo, com metafonia e acréscimo do -/s/ (ovo / ovos);

b) plural de palavras de singular terminado em -/l/ (papel / papéis).

c) plural de palavras de singular terminado em -/r/ (mar / mares);

d) plural de palavras de singular terminado em -/ão/ irregular, com

mudança do ditongo final e acréscimo do -/s/ (coração /

corações);

e) plural de palavras de singular terminado em -/s/ (vez / vezes);

f) plural de palavras de singular terminado em -/ão/ regular, com

acréscimo apenas do -/s/ (mão / mãos);

g) plural regular, com acréscimo apenas do morfema –/s/ de plural

à forma de singular (menino / meninos);

Page 202: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

202

Dessa forma, esta pesquisa inicia-se com a expectativa de que os

plurais duplos, ou metafônicos, e os plurais de palavras com singular

terminado em -/l/ e em -/r/ devem ser aqueles em que se deve detectar mais

marca de plural. Os itens que fazem plural com menos acréscimos à forma

de singular, que são os regulares, devem tender a ser menos marcados.

A seguir, apresentam-se os resultados obtidos na análise dessa

variável.

Tabela 17:

Efeito dos Processos de Formação de Plural sobre a concordância

Sign.=.000

Fatores Freqüência Peso

Relativo

Duplo, com metafonia (ovo / ovos) 61/69 88% .84

Em /l/ (papel / papéis) 209/238 88% .63

Em /r/ (mar / mares) 302/336 90% .58

Em /ão/ c/ plural irreg (coração / corações) 166/191 87% .54

Plural Reg (menino / meninos) 10091/12479 81% .50

Em /s/ (vez / vezes) 376/499 75% .39

Em /ão/ c/ plural reg (mão / mãos) 47/95 49% .21

TOTAL 1251/13907 81%

Page 203: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

203

Nessa primeira análise, são os plurais metafônicos, como se previa,

diante do fato de terem duas marcas, uma interna e outra no final da

palavra, os que se mostram como maiores favorecedores da concordância

(PR .84), seguidos dos plurais em -/l/ (PR .63), dos terminados em -/r/ (PR

.58). Mostram-se no ponto neutro (PR .50) os regulares e próximos a ele,

apresentando também efeito intermediário, os em -/ão/ irregular (PR .54); e

desfavorecedores os em -/s/ (PR .39) e os em -/ão regular (PR .21). Pelo

que se apresenta, os resultados mostram-se de acordo com a expectativa

inicial: os plurais metafônicos, ou plurais duplos, são as formas que têm a

maior probabilidade de serem marcados com o plural e as com menor

probabilidade são as que têm o singular -/ão/ e fazem o plural regular.

Esses resultados confirmam as expectativas de que há uma relação entre

mais saliência e mais concordância.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

D /l/ /r/ Reg ão irr /s/ ão reg

Taxas de uso da concordância em função dos

Processos de formação de plural

Page 204: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

204

Nos dados analisados, mostraram-se desfavorecedores os plurais em

formas cujo singular é terminado em -/s/ e em –ão que fazem o plural de

forma regular, só com acréscimo de -s (ãos). No caso das formas

terminadas em -/s/, era esperado, diante da saliência da oposição

singular/plural, que elas tivessem uma probabilidade maior de

concordância. Uma possibilidade a considerar é que a redução de

concordância nessas formas se dá pela interpretação analógica de que o -/s/

final já dá a indicação de plural e, aí, o acréscimo do morfema não

acontece.

A analogia é muito comum em contextos de aprendizagem com

dados divergentes ou insuficientes, embora não ocorra apenas nesses

contextos. Lucchesi (2000:237), estudando a concordância do gênero,

observou também o fenômeno da analogia e esse autor fez uma relação

com a transmissão irregular, mostrando que é comum, nesse tipo de

situação, o falante fazer interpretações resultantes analógicas:

“Em um processo de transmissão irregular do

português, a analogia atuaria no sentido de generalizar

a interpretação de que as palavras terminadas em –a

seriam quanto ao gênero femininas e as terminadas em

–o ou em –ão seriam quanto ao gênero masculinas,

com as seguintes motivações: (i) a homonímia entre o

que se definiu modernamente como a vogal temática –

a, em por exemplo cama, vaca, etc, e o morfema de

gênero –a, em por exemplo menina (feminino de

menino); (ii) a predominância de nomes femininos na

classe dos nomes em –a e de nomes masculinos na

classe dos nomes de tema em –o.” (Lucchesi,

2000:237).

Page 205: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

205

No caso das formas em ão que fazem o plural regular, considerando-

se que elas são, em maioria, oxítonas, como se poderá constatar mais

adiante, a explicação poderia ser outra. Scherre (1988:123) observa que os

itens em –ão tendem a fazer menos concordância possivelmente pela

concordância flutuante desses formas. Elas podem fazer o plural em -

ões, -ães ou -ãos. Na incerteza do tipo de plural, o falante mantém a forma

de singular. Scherre (1988:124) dá como possibilidade também a tendência

de interpretar como de plural regular formas que fazem o plural

tradicionalmente em –ões e, com isso, se dá a redução da concordância,

num “processo de regularização dessas formas”. Essa sugestão de Scherre

(1988:124) é paralela ao apresentado por Naro (1981:75, nota 8), sobre a

concordância de plural em formas como veio/vieram. Mas o estudo da

tonicidade, que será feito mais adiante, será de utilidade para entender

melhor a variável saliência fônica.

3. 2. 1. 2 Tonicidade / número de sílabas

A tonicidade é um outro aspecto que é necessário ser observado ao

estudar a saliência fônica, uma vez que é um dos componentes para a maior

oposição fônica entre as formas. Apesar de ser esse um dado estudado em

análises da variação de muitos fenômenos lingüísticos, constatando que a

perda começa em formas em que a oposição é feita com menos saliência

quanto à tonicidade, segundo estudos já realizados, também a aquisição

inicia-se por formas mais salientes quanto à oposição entre sílabas átonas

ou tônicas. A tonicidade é aqui observada em quatro fatores, considerando-

se a forma de singular dos itens:

1) Monossílabos de uso átono:

OS tecidos sintéticos, eu já me referi… H4U009R

UNS esculacho porque ela disse pra mim… M1F44

Page 206: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

206

2)Oxítonos e Monossílabos de uso tônico:

…dos TROPICAIS ingleses, das casemiras… H4U009R

…algumas MULHERES, então ele usa… H4U009R

3) Paroxítonos

…aqueles OUTRO fechado chamavam gaiola… M4C41

…várias MOÇAS, e A... L... M4C41

4) e Proparoxítonos

…esses ÚLTIMOS dias! M4C41

…aquelas MÚSICA de crente… M3F36

A expectativa é de que os itens oxítonos e monossílabos de uso tônico

devem ser mais alvo da concordância, diante de a oposição se fazer em

uma sílaba já saliente, devido à tonicidade. As outras formas, em que essas

sílabas são átonas, cujos morfemas de plural são quase imperceptíveis

diante da tonicidade, espera-se menos concordância.

Com efeito, na análise geral, o fator Oxítonos e monossílabos de uso

tônico foi o que obteve o maior peso relativo (P.R .72), seguido do fator

Monossílabos de uso átono (P.R .65) e, finalmente, os Proparoxítonos e os

Paroxítonos (com P.R .41 e P.R .37, respectivamente). Esse resultado

confirma a previsão, pois a acentuação é um traço que concorre muito para

a saliência fônica. A oposição entre o singular e o plural nessas formas

recai exatamente sobre a sílaba mais saliente na forma de singular.

Page 207: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

207

Tabela 18:

Efeito da tonicidade na concordância Sign.=.000

Fatores P. R. Peso

Relativo

Oxítonos e Monossílabos de uso

tônico

1806/2120 85% .72

Monossílabos de uso átono 3751/3771 99% .65

Proparoxítonos 184/246 75% .41

Paroxítonos 5511/7769 71% .37

TOTAL 11252/13906 81%

Esse dado, somado à observação de mais concordância nas formas

com maior oposição fônica relacionada aos diversos processos de formação

de plural, reflete, ao mesmo tempo:

0

0,5

1

Ox M

tôn

Mon át Prop Parox

Gráfico 18: Taxas de uso da concordância

em função da tonicidade

Page 208: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

208

1) uma perda da concordância, inicialmente nas formas menos

salientes;

2) um processo de aquisição do fenômeno, ou de parte dele, resultante

de percepção parcial, em que formas com plural mais saliente

foram as primeiras a serem percebidas (ou as únicas a serem

percebidas) e a serem alvo da concordância.

Os monossílabos de uso átono do corpus fazem o plural de forma

regular, daí se pode considerar estranho que eles tenham um peso relativo

tão alto de concordância. Deve-se observar, contudo, que essas formas, na

sua realização, podem ser comparadas, pelo contexto em que aparecem,

como elementos proclíticos dos substantivos por eles determinados, o que

pode condicionar a sua preservação, não a tonicidade. Pode-se conferir a

importância dessa condição até na interpretação que falantes em processo

de aquisição fazem dos itens artigos. O plural dos artigos é, as vezes tão

freqüente e tão firme na percepção que se faz deles, na fase de aquisição,

que são comuns realizações como “zóio”, “uma amoto”, entre crianças em

fase de aquisição ou falantes com história de aprendizagem a partir de

poucos dados, ou dados divergentes ou inconsistentes. Essas palavras

proclíticas são interpretadas como sílabas iniciais das palavras seguintes,

nas quais a definitude e a informação de plural ficam perdidas, mas fica a

conservação do /s/ como partícula proclítica. Esse fato pode ser comparado

a casos semelhantes ocorridos em crioulos de base francesa, referidos na

seção 2. 1. 1. É o processo de gramaticalização através da reanálise que

ocorre. Essa situação dos monossílabos de uso átono, todos artigos, como

se verá adiante, será alvo de discussão, ao se trabalharem as variáveis

posição linear e posição relativa, em seções posteriores.

Page 209: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

209

Scherre (1988), diante do mascaramento que considerou acontecer

com os Monossílabos de uso átono, e de esse grupo ser composto

unicamente por elementos que têm uma posição única (artigos, que são

sempre usados no mesmo contexto, na maioria em primeira posição),

preferiu agrupar essas formas com os paroxítonos. Em seguida, faz-se uma

análise da tonicidade sem os Monossílabos de uso átono para ter condições

de avaliar se esse fator tem ou não interferido a análise. A tabela a seguir

apresenta os resultados dessa análise.

Tabela 19:

Efeito da tonicidade na concordância – Sem os Monossílabos de uso átono

Fatores Freqüência P. R.

Oxítonos e Monossílabos de uso tônico 1806/2120 85% .76

Proparoxítonos 184/246 75% .47

Paroxítonos 5510/7769 71% .42

TOTAL 7500/10135 74%

Os pesos relativos dos fatores da análise sem os monossílabos de uso

átono, como se poderia prever, são diferentes. Mas a diferença entre os

pesos relativos dos Paroxítonos e dos Proparoxítonos é quase a mesma (.05

na análise sem os monossílabos de uso átono e .04 na análise com os

monossílabos de uso átono); entre os Proparoxítonos e Oxítonos e

monossílabos de uso tônico é praticamente a mesma nas duas análises (.29

na análise sem os monossílabos de uso átono e .31 com essas formas). A

Page 210: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

210

análise mostra que a presença dos Monossílabos de uso átono não prejudica

a análise, uma vez que as tendências constatadas na análise com esses itens

se mantêm quando eles são retirados.

Os paroxítonos e os proparoxítonos, em cujas sílabas átonas finais

ocorre a oposição, têm pesos relativos baixos de concordância, como era de

se esperar. A ausência de acentuação nessas sílabas enfraquece a oposição

entre o singular e o plural dessas palavras e a ausência de marca de plural

em palavras desse tipo é bem menos perceptível que em uma palavra

oxítona ou em um monossílabo de uso tônico.

Faz-se, em seguida, um cruzamento entre as duas variáveis

responsáveis pela saliência fônica, processos de formação de plural e

tonicidade e número de sílabas para que seja possível observar se há dados

em todos os sub-grupos que são criados. A tabela 20 mostra, no entanto,

que em muitos grupos não há dados.

A tabela apresentada mostra que, dentre os proparoxítonos e

monossílabos de uso átono, só há itens regulares e os itens que terminam

em ão irregular, assim como os terminados em -/s/ são todos oxítonos.

Nota-se que as freqüências de concordância dos oxítonos e palavras com

outras tonicidades variam a depender do processo de formação de plural.

Os oxítonos e monossílabos de uso tônico que são regulares, e os que

terminam em /r/ ou em /l/ e –ão irregular têm maior freqüência de

concordância. Os proparoxítonos, todos regulares, se situam um pouco

acima dos paroxítonos.

Page 211: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

211

Tabela 20:

Processos de Formação de plural e tonicidade

Processos Oxít e mon.

de uso tônico

Monossílabos

de uso átono

Proparoxítonos Paroxítonos

Duplo 13/13 100% 0 0 48/56 86%

Em -/l/ 190/215 88% 0 0 19/23 83%

Em -/r/ 296/327 91% 0 0 5/8 63%

Regular 719/782 92% 3751/3771

99%

184/246 75% 5439/7682

71%

Em ão irreg 166/191 87% 0 0 0

Em -/s/ 375/498 75% 0 0 0

Em ão reg. 47/94 50% 0 0 0/1 0%

Apesar de a análise estatística indicar os oxítonos e monossílabos de

uso tônico como os mais marcados, só há possibilidade de usar a tonicidade

como variável de comparação, entre os diversos processos, como se vê,

entre os regulares (pois só eles têm palavras com os três tipos de

tonicidade) e parcialmente entre os terminados -/r/, em -/l/ e os de plural

duplo, pois não há, entre eles, formas Proparoxítonas ou Monossílabos de

uso tônico. Nas formas terminadas em -/l/, a diferença entre os Oxítonos ou

monossílabos de uso tônico e os Paroxítonos ou não é tão forte quanto entre

as formas de plural regular ou o número de itens não é grande. Nas formas

terminadas em -/r/, a diferença entre os Oxítonos ou monossílabos de uso

Page 212: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

212

tônico e os Paroxítonos não pode ser feita com muita segurança, diante de o

número de paroxítonos ser pequeno (oito casos apenas). Scherre, ao cruzar

essas duas variáveis, Processos e Tonicidade, só considerou os itens de

plural regular.

Diante dessa constatação de que basicamente entre os itens regulares

se faz a oposição entre os fatores relativos à tonicidade, essas duas

variáveis, processos e tonicidade, foram transformadas em uma única

também no presente trabalho, seguindo Scherre (1988)63

, variável que

doravante será tratada como saliência fônica, cruzando a tonicidade apenas

entre os itens que fazem o plural através do referido processo. Dessa forma,

os itens de plural regular foram agrupados em

1) Regular monossílabo de uso tônico ou oxítono;

2) regular paroxítono ou

3) regular proparoxítono;

Enquanto isso, os outros processos de formação de plural foram

considerados, sem levar em conta a tonicidade:

1) itens de plural metafônico ou duplo,

2) itens de terminação em -/r/,

3) em -/s/,

4) em -/l/,

5) em –ão irregular,

63

Apesar de nessa variável ter-se seguido a orientação de Scherre (1988), foram mantidos separadamente

itens em -ão irregular e -ão regular. Isso deveu-se à observação dos resultados das primeiras análises,

quando os itens demonstraram ter restrições diferentes de concordância, como será observado.

Page 213: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

213

6) em –ão regular.

Todas as análises seguintes, assim, já consideram, conjuntamente, os

processos de formação de plural e a tonicidade, juntos, como a variável

saliência. O fator Monossílabos de uso átono, que poderia ser observado

como mais um dos tipos de plural regular, não será envolvido nessa

variável nas análises posteriores, por ter-se assumido como hipótese que a

variação desses itens não está associada à variável Saliência. Os

monossílabos de uso átono serão alvo de observação mais acurada ao

tratar-se da variável Classe, posição linear e posição relativa.

3. 2. 1. 3 A saliência, análise geral – A tabela 21 apresenta a análise

da saliência fônica, de início com a totalidade dos informantes e,

posteriormente, será observado o efeito dessa variável em alguns grupos.

Têm maior peso relativo, na análise geral, os fatores relativos a graus

maiores de saliência. Nessa análise, observando-se conjuntamente

processos e tonicidade como uma única variável, há uma mudança no que

se percebia quanto ao destaque dos itens de plural metafônico, ou duplo,

pois têm maior peso relativo de concordância os itens em -/l/, seguidos dos

em -/r/ e dos de de plural duplo, havendo entre eles muita proximidade.

Seguindo, vêm, em ordem decrescente, os oxítonos regulares, os itens em -

ão irregular, e os itens em -/s/. Os itens em –ão regular, os regulares

paroxítonos e os proparoxítonos são desfavorecedores. Os itens em -/s/,

nessa análise, tiveram um peso relativo bem maior do que quando foram

considerados apenas os processos de formação de plural. Dessa forma, a

interpretação dada a esses itens anteriormente não procede, nessa análise

geral.

Page 214: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

214

Tabela 21:

Efeito da saliência fônica (resultante do cruzamento das Variáveis

Processos de Formação de Plural e Tonicidade) na concordância de número

no sintagma nominal

Fatores Sign.= .000 P. R.

Regular Oxítono ex.: minhas IRMÃ pra praia

H2F22

719/781 92% .78

Regular Paroxítono ex.: algumas COISA ruim 5438/7681 71% .42

R Proparoxítono ex.: as MAQUINAS 184/246 75% .46

Plural Duplo ex.: muitos JOGOS eletrônico 61/69 88% .80

Em /r/ ex.: os PROFESSORES 301/335 90% .82

Em /l/ Ex.: dez REAIS era o quê? 209/238 88% .84

Em ão irregular ex.: esses GARRAFÃO 166/191 87% .76

Em /s/ ex.: duas VEZES, começa 375/498 75% .69

Em ão regular ex.: meus outros IRMÃO 47/95 49% .46

TOTAL 7500/10134 74%

Page 215: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

215

Dessa forma, a variável saliência mostra-se como um grupo de fatores

com grande influência sobre a concordância: os itens mais salientes, quanto

a processos (itens em -/l/, -/r/, duplo, ão irregular, -/s/,) ou quanto a

processos e tonicidade (regulares oxítonos) têm realmente maior peso na

probabilidade de marca que os menos salientes (ão regular, os regulares

proparoxítonos e os regulares paroxítonos).

Naro (1981:96-7) diz que, entre os diversos grupos de uma

comunidade discursiva, encontram-se diferentes estágios da mudança de

uma língua. Acreditando nisso, dar-se-á início à observação do efeito da

saliência na concordância nominal nos diversos grupos de falantes

envolvidos na pesquisa. De início serão observados dois grupos de falantes:

o português popular (POP - escolaridades fundamental e colegial juntas) e

o português universitário (UNI).

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R Ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg

Gráfico 19: Efeito da Saliência fônica na concordância - Análise Geral

Page 216: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

216

3. 2. 1. 4 Saliência fônica – Grupos POP e UNI

A tabela a seguir apresenta os resultados de duas análises feitas

separadamente com cada um dos grupos, o POP e o UNI.

Tabela 22:

Efeito da Saliência Fônica sobre a concordância – Comparação entre o

Português Popular (POP) e o Universitário (UNI).

Fatores POP Sign.=.000 P. R. UNI Sign.=.000 P. R.

R Oxítono 483/542 89% .79 236/239 98% .75

R Paroxítono 2960/5016 59% .41 2478/2665 93% .43

R Proparoxítono 62/114 54% .46 122/132 92% .48

Duplo 31/38 82% .83 30/31 97% .65

Em /l/ 121/150 81% .84 88/88 100%

Em /r/ 161/192 84% .83 140/143 98% .81

ão irregular 71/95 75% .76 95/96 99% .87

Em /s/ 275/394 70% .70 100/104 96% .71

ão regular 38/85 45% .47 9/10 90% .52

TOTAIS 4202/6626 63% 3210/3420 94%

Page 217: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

217

Comparando os dois grupos, nota-se que há um reflexo semelhante do

efeito da saliência fônica na concordância. No grupo POP, no entanto, há

uma distância maior entre os mais e os menos salientes. Formas em –ão

irregular, -/l/, que têm plural com saliência relativamente grande, tendem a

ser mais marcadas no grupo universitário64

. Os plurais duplos, que têm o

maior grau de saliência, têm o maior peso de concordância no grupo não

universitário; os em /r/, em /s/ e os oxítonos regulares, todos com grande

saliência, têm peso semelhante nos dois grupos. Apesar de a variável

saliência fônica interferir nos dois grupos, no primeiro, no português

popular, chama a atenção os pesos diferentes dos plurais duplos,

64

Os em /l/ não variaram no grupo UNI, daí a não indicação do peso relativo.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão

reg

Gráfico 20: Efeito da Saliência na concordância dos grupos

POP e UNI

POP

UNI

Page 218: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

218

considerado como o fator de maior grau de saliência. Essa tendência de a

concordância se dar mais em itens desse tipo pode indicar duas coisas:

1) que pode ter havido, na transmissão geracional do português desse

primeiro grupo, uma história de aquisição talvez mais radical de

dados mais variáveis, daí, ainda hoje, haver reflexo na

concordância no grupo POP. No outro grupo (UNI), esse processo

pode não ter sido tão forte quanto no POP;

2) que no grupo POP há mais variação da concordância nas formas

com oposição singular/plural menos saliente, num processo de

perda da concordância. Assim, o processo de variação tem se dado

inicialmente nas formas de menor saliência e tem tido maior

incidência de concordância nas formas em que a oposição é mais

perceptível ou mais saliente. (Naro, 1981:96-7).

Diante dos resultados, com a indicação de uma diferença de

comportamento entre o português popular e o universitário, em seguida,

para melhor entender o processo nos dois grupos, haverá a comparação

entre os mesmos grupos, mas envolvendo apenas os falantes mais velhos,

faixa etária acima de 65 anos. Os universitários mais velhos, como se

constatou na análise das variáveis sociais, fizeram supor a existência de

restrições diferentes na concordância nominal. Dessa forma, a análise que

se segue procura comparar os dois grupos:

a) dos falantes universitários da última faixa (UNI - 4) e

b) dos falantes de escolaridade fundamental e escolaridade média,

representantes do português popular, também da última faixa

(POP– 4).

Page 219: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

219

A análise procura identificar se, nas últimas faixas etárias dos dois

grupos ora trabalhados, pode haver uma indicação mais precisa a respeito

da relação entre a saliência e a concordância. Além disso, diante da

suposição de aquisição mais variável no grupo POP, os falantes mais

velhos desse grupo podem apresentar mais indícios desse tipo de aquisição,

uma história de mais divergência de dados primários, relacionada a uma

história de aquisição com mais diversidade que os informantes mais jovens.

Essas análises têm como hipótese que, assim como na junção de todos os

falantes a saliência fônica se mostrou como uma variável importante,

principalmente no grupo dos informantes mais velhos do POP, os

resultados poderão servir como indicação mais clara e precisa do

fenômeno, de forma a acentuar ou reduzir as tendências já percebidas. Os

resultados do grupo UNI 4 e do POP 4, porém, não podem ser

integralmente comparados, na forma de confronto entre pesos relativos,

uma vez que o grupo UNI faz concordância categórica em quase todos os

fatores. Nesse grupo, a concordância no sintagma nominal é quase

categórica, só havendo variação entre os itens paroxítonos e proparoxítonos

de plural regular. A tabela 23 apresenta os resultados da análise do efeito

da Saliência da concordância nos dois grupos.

A concordância dos dois grupos demonstra relacionar-se à saliência

fônica. No grupo POP 4, os itens paroxítonos de plural regular e os itens

em –ão regular estão bem próximos, como se, nesse caso, a regularidade do

plural fosse o dado definidor dos grupos, não se considerando o fato de

itens em –ão regular serem, principalmente oxítonos. No grupo UNI 4, a

concordância é categórica nos fatores de maior grau de saliência, só

existindo variação quando os fatores estão relacionados aos menores graus

de saliência.

Page 220: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

220

Tabela 23:

Efeito da Saliência Fônica na concordância da última faixa etária dos

grupos do Português Popular – POP 4 – e do Português Universitário –

UNI 4.

Fatores POP-4

Sign.=.000

P. R. UNI-4 Sign.=.005 P. R.

R Oxítono 108/119 91% .85 52/52 100%

R Paroxítono 729/1195 61% .40 970/997 97% .49

R Proparoxítono 15/28 54% .48 61/62 98% .65

Duplo 6/6 100% 14/14 100%

Em /l/ 34/38 89% .86 41/41 100%

Em /r/ 28/29 97% .97 55/55 100%

Em ão irregular 17/20 85% .84 32/32 100%

Em /s/ 63/88 72% .65 22/22 100%

Em ão regular 8/16 50% .39 1/1 100%

Totais 11002/1533 65% 1595/1624 98% (fatores em

que há na variação)

Page 221: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

221

Bayley (1994:167) diz que a análise de regras variáveis envolve

pressupostos teóricos sobre a relação entre a competência gramatical e a

natureza das comunidades discursivas. Entre esses pressupostos, ele diz que

“1. Falares dos indivìduos podem diferir na sua

freqüência de uso da regra variável, isto é, na sua

probabilidade de input para a regra.

“2. Indivìduos devem ser parecidos ou idênticos no

que diz respeito aos valores dos fatores assinalados

para a restrição lingüística da regra. (Esta afirmação

geralmente referida diz respeito unicamente às

pessoas que pertencem à mesma comunidade

discursiva.)” 65

65

“Individuals speakers may differ in their basic rate of use of a variable rule, that is, in their input

probability for the rule. Individuals should be similar or identical in the factor values assigned to

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

R

ox

R

par

R

pro

D /l/ /r/ ão

irr

/s/ ão

reg

Gráfico 21: Efeito da saliência na concordância -

POP 4 e UNI 4

POP 4

UNI 4

Page 222: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

222

Partindo desses dois princípios, pode-se pressupor que diferentes

efeitos dos fatores indicariam diferentes gramáticas, e, nesse caso, o falante

que não faz parte de uma determinada comunidade discursiva teria outra

gramática. Considerando as afirmações de Bayley, os dados, agora

mostrados, indicam que o português do grupo universitário, última faixa

etária, não se trata de gramática diferente, pois a variável saliência fônica

restringe da mesma forma a concordância de número no sintagma nominal:

no UNI 4, assim como no POP 4, quanto menos saliência, menos

concordância. No grupo UNI 4, nos casos de mais saliência, houve

concordância categórica, e é nisso que reside a diferença dos dois grupos.

Considerando que a saliência é um dado importante na variação, assim

como na aquisição de determinados fenômenos da linguagem (e a

concordância é um deles), através dessa variável pode-se refletir a respeito

do grupo universitário, última faixa etária. Se mais concordância em

situação de dados com oposição mais saliente indica aquisição com mais

diversidade, os dados mostram que os dois grupos poderiam ser

considerados como tendo a mesma história. O grupo UNI 4, no entanto,

não tem indicação de que isso pudesse ter ocorrido, uma vez que os

informantes desse grupo, conforme hipótese apresentada na seção que trata

de variáveis sociais, são, na maioria, descendentes da faixa mais abastada

da cidade, logo sem relação com ancestralidade escrava. Outra hipótese que

se pode levantar é que se detecta com esse quadro, não o fim de uma

mudança, caminhando numa direção de concordância categórica, mas o

início de uma outra que tende para uma direção de perda das marcas. Nesse

segundo caso, as faixas etárias mais novas podem dar uma indicação mais

precisa do quadro e a seção 3. 1 desta pesquisa confirma isso. No grupo de

nível universitário, última faixa etária, constata-se que a variação está se

linguistic constraints on the rule. (The assumption is usually qualified to apply just to people who belong

to the same speech community)”.

Page 223: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

223

iniciando entre os itens paroxítonos e proparoxítonos de plural regular, que

são situações que envolvem oposição menos saliente entre o

singular/plural, condizente com o quadro de actuation previsto por Naro

(1981:96). Nas faixas etárias mais novas do mesmo grupo, a variação já se

espalha - difusion - para outros contextos mais salientes, como apresentado

na tabela 23, quando foi feita a comparação entre os grupos POP e UNI,

incluindo todas as faixas etárias.

É necessário que se avalie, em seguida, o efeito da atividade escolar.

O estudo que se segue procura pesquisar, então, a relação entre a

concordância e a Saliência fônica, considerando os diferentes grupos de

escolaridade, observados em três análises independentes.

3. 2. 1. 5 Saliência fônica – Grupos de escolaridade

A análise que nesse momento será apresentada busca observar se

entre os grupos de escolaridade há diferenças no que diz respeito ao efeito

da Saliência fônica na concordância. Nessa fase, estão incluídos os

informantes de todas as idades, conjuntamente. Os dados dos

universitários, já observados anteriormente, são mais uma vez

apresentados, na tabela 24.

Entre os três grupos, percebe-se o mesmo efeito da variável, mas em

alguns fatores a probabilidade não é muito semelhante (oxítonos regulares,

em ão, metafônicos ou duplos, em -/r/, e os itens em -/s/). A oposição entre

mais saliência e mais concordância e menos saliência menos concordância,

no entanto, ocorre nos três grupos, apesar de a freqüência de concordância

ser sempre proporcional ao nível de escolaridade: mais escolaridade, mais

concordância.

Page 224: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

224

Tabela 24:

Efeito da saliência fônica nos três níveis de escolaridade

Fundamental

Sign.=.000

P.R Colegial

Sign.=.000

P.R. Universitário

Sig.=.000

P.R.

R Oxítono 220/262 84% .76 263/280

94%

.80 236/239 99% .75

R Paroxítono 1152/2485

46%

.42 1808/2531

71%

.40 2478/2665

93%

.43

Proparoxítono 18/53 34% .44 44/61 72% .47 122/132 92% .48

Duplo 12/18 67% .78 19/20 95% .88 30/31 97% .65

Em /l/ 51/77 66% .80 70/73 96% .96 88/88 100%

Em /r/ 39/60 65% .81 122/132

92%

.86 140/143 98% .81

Em ão irr 30/47 64% .75 41/48 85% .77 95/96 99% .87

Em /s/ 118/191 62% .76 157/203

77%

62 100/104 96% .71

Em ão regular 18/53 34% .49 20/32 63% .36 9/10 90% .52

TOTAIS 1658/3246 51% 2544/3380 75% 3210/3420 94%

Page 225: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

225

Percebe-se, mesmo assim, no nível superior peso relativo mais baixo

em um fator em que era de se esperar ser mais marcado, ou mais alvo de

concordância: os plurais duplos (peso .65 no nível superior, ao lado de .78

no fundamental e .88 no médio). Além disso, chama a atenção o peso dos

itens em –ão com plural regular que, no nível superior, cresce em

probabilidade de concordância. Esse fato pode ser associado à força da

estigmatização: os itens em –ão parecem sofrer uma carga maior de

observação social, resultando em maior uso da marca de plural entre os

falantes de nível superior.

Para entender ainda mais como a saliência opera em todos os grupos,

procura-se, em seguida, observar o efeito dessa variável na concordância

Gráfico 22: Efeito da saliência na concordância - Grupos de

escolaridade

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg

Fundamental

Média

Superior

Page 226: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

226

dos grupos de sobrenome, buscando encontrar, na variável etnia, se há

alguma relação diferente entre os grupos.

Apesar de ser utilizado o critério de análise da etnia a partir dos

sobrenomes, tem-se a consciência de que essa é apenas uma tentativa de

poder trazer à baila, nesta tese, uma variável nova, aproveitando a

experiência do grupo de estudos de genética. Sabe-se, contudo, que,

embora esse critério possa servir como parâmetro, tem valor apenas como

um dado a mais, relevante apenas no âmbito da estatística.

3. 2. 1. 6 A saliência fônica e os grupos de sobrenome

Diante do que se observou na seção 3. 1. 4, e ainda da existência de

estudos que defendem uma relação entre tipo de aquisição e saliência

fônica, a expectativa é de que o grupo com os sobrenomes religiosos,

representativo da etnia negra, pudesse revelar marcas de exposição da

população dos negros a dados mais variáveis na aquisição do português

como L2, na sua história de inserção na sociedade brasileira. Dessa forma,

espera-se que o grupo de sobrenome religioso possa mostrar a variação da

concordância mais diretamente relacionada à saliência que os outros

grupos. A tabela a seguir permite comparar resultados da análise dos dados

dos informantes de dois grupos:

1) sobrenome religioso (indicador de ancestralidade negra), nesse

caso agrupando os que têm um ou dois sobrenomes religiosos e

2) sobrenome não religioso, ou seja, sobrenome animal/planta ou

outros sobrenomes (indicadores de ancestralidade não negra).

Os informantes de nível universitário foram excluídos da amostra,

como foi explanado no item 3. 1, por isso ela só envolve o português

popular. Isso se justifica, como já explicado antes, no fato de existirem

Page 227: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

227

poucas pessoas com sobrenome religioso entre os informantes da amostra

UNI.

Tabela 25:

Efeito da Saliência na Concordância – Comparação entre os grupos de

sobrenomes

Não religioso

Sign.=000

P. R. Religioso

Sign.=.000)

P. R.

R oxítono 201/223 90% .77 272/306 89% .80

R paroxítono 1428/2247 64% .42 1470/2656 55% .41

R prop 33/62 53% .33 29/51 57% .54

Duplo 8/12 67% .70 23/26 88% .87

Em /l/ 52/66 79% .85 68/82 83% .86

Em /r/ 94/108 87% .88 63/78 81% .82

ão irreg 35/45 78% .78 31/43 72% .73

Em /s/ 120/165 73% .69 144/218 66% .67

Ão reg 13/37 35% .25 25/45 56% .57

TOTAIS 1984/2965 67% 2125/3505 61%

Ao comparar o efeito da saliência na concordância dos dois grupos,

nota-se que o resultado que reflete mais a expectativa quanto aos itens de

Page 228: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

228

plural duplo são os referentes ao grupo de sobrenome religioso. O fator

relativo aos itens de plural duplo, no grupo com sobrenome não religioso,

tem um peso relativo mais baixo, comparando com o de sobrenome

religioso, com uma diferença entre os pesos relativos, nos grupos, de .18,

diante do que era de se esperar em relação à escala de saliência.

Observa-se que os dois grupos têm peso relativamente aproximado de

concordância em itens terminados em /l/, /r/ -ão irregular e -/s/, com alto

grau de saliência na oposição singular/plural. Chama a atenção a diferença

entre os pesos relativos dos itens em –ão regular: apesar de no grupo

religioso esse fator ter um peso de .57, no grupo de sobrenome não

religioso tem um peso de .25, numa diferença de .32. As palavras em –ão

regular, como já foi observado, quanto à tonicidade são, em maioria,

oxítonas, mas fazem o plural regular. Obedecendo ao princípio da

saliência, deveria ser esperada, nessas formas, mais marca, mas isso tende a

Gráfico 23: Efeito da saliência na concordância -

Grupos de sobrenome

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

R o

x

R p

ar

R p

ro D /l/ /r/

ão ir

r/s

/

ão re

g

Não Religioso

Religioso

Page 229: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

229

ocorrer apenas no grupo de sobrenome religioso. A saliência, então, de

fato, parece interferir mais na concordância das formas em –ão regular

principalmente no grupo de sobrenome religioso, não no outro.

Em seguida faz-se uma análise do efeito da saliência na concordância

dos grupos de sobrenome de cada nível de escolaridade. Dessa forma,

espera-se encontrar resultados em que se terá a certeza de que não há

interferência entre as duas variáveis, sobrenome e escolaridade. As tabelas

26 e 27 apresentam os resultados alcançados, de início, no estudo do nível

Fundamental e, em seguida, é feita a mesma observação no nível Médio.

No nível Fundamental, observam-se principalmente diferenças

detectadas nos mesmos fatores que opuseram os dois grupos na análise

geral entre os grupos de sobrenome: os plurais Duplos e os itens

terminados em –ão regular. No nível Fundamental, porém, tornam-se mais

distantes os resultados referentes aos plurais duplos (.46 de diferença entre

os grupos), pois eles são apenas favorecedores no grupo de sobrenome

religioso.

No grupo de escolaridade média, o fator referente aos plurais duplos

tem concordância categórica no grupo de sobrenome Não religioso, e, no

grupo de sobrenome religioso, um peso relativo de .91, sendo, dessa forma,

o fator favorecedor nos dois grupos. Mantém-se, mesmo no nível de

escolaridade Média, a mesma diferença no peso relativo aos itens em –ão

final nos dois grupos: o de sobrenome religioso tem um peso próximo ao

ponto neutro .48, enquanto o grupo não religioso apresenta grande

desfavorecimento desse fator na concordância - .27.

Page 230: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

230

Tabela 26:

Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome de nível de

escolaridade Fundamental

Fatores Não religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P.

R.

R Oxítono 73/90 81% .67 137/159 86% .80

R Paroxítono 526/1095 48% .42 564/1277 44% .42

Proparoxítono 11/33 33% .40 7/19 37% .44

Duplo 2/6 33% .40 10/12 83% .86

Em /l/ 25/38 66% .88 25/37 68% .83

Em /r/ 20/33 61% .83 15/21 71% .86

Em ão irrr 13/22 59% .76 12/18 67% .72

Em /s/ 56/85 66% .84 51/95 54% .69

Ão regular 4/22 18% .29 14/28 50% .50

TOTAIS 730/1424 51% 835/1666 50%

Page 231: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

231

Em seguida, a mesma análise no nível Médio.

Tabela 27:

Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome de nível de

escolaridade Médio.

Fatores Não religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

R Oxítono 128/133 96% .79 135/147 92% .79

R Paroxítono 902/1152 78% .38 906/1379 66% .40

Proparoxítono 22/29 76% .30 22/32 69% .60

Gráfico 24: Efeito da Saliência fônica na concordância

dos grupos de sobrenome de nível Fundamental

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R ox R

par

Pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão

reg

Não religioso

Religioso

Page 232: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

232

Cont...

Fatores Não religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Duplo 6/6 100% 13/14 93% .91

Em /l/ 27/28 96% .94 43/45 96% .96

Em /r/ 74/75 99% .96 48/57 84% .81

Em ão irrr 22/23 96% .97 19/25 76% .69

Em /s/ 64/80 80% .55 93/123 76% .65

Ão regular 22/23 96% .27 11/17 65% .48

TOTAIS 1248/1535 81% 1290/1839 70%

Entre os grupos de sobrenome, portanto, é bem diferente o efeito da

variável Saliência principalmente em dois fatores: os itens de plural duplo e

os de singular –ão com plural regular. No grupo de sobrenome não

religioso, o fenômeno da concordância no sintagma nominal tende a uma

redução da concordância, como se observou na seção 3. 1. 5 deste trabalho,

demonstrando um quadro de perda, não de aquisição.

Dessa forma, os resultados da análise do grupo de escolaridade Média

mostram os duplos como os de concordância categórica, outros fatores

referentes a alto grau de saliência com grande probabilidade de marca, por

serem esses os itens com concordância mais saliente e, em casos de perda

de concordância, são esses os morfemas que mais dificilmente se perdem

na língua.

Page 233: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

233

Com esses resultados,

1) o sobrenome religioso pode significar uma relação mais direta com

um passado de aquisição do português com dados mais variáveis,

dos quais só o que era mais saliente era percebido; e

2) o sobrenome não religioso pode significar uma relação com uma

variação mais sensível ao efeito da saliência fônica, em que os

itens com concordância menos perceptível são desobrigados de

participarem do processo, ou, pelo menos, a ausência de

concordância nesses é quase imperceptível e, por isso, o seu efeito

social pode ser pequeno ou quase inexistente.

Gráfico 25: Efeito da Saliência fônica na concordância dos

grupos de sobrenome de escolaridade Média

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R ox R par Pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg

Não religioso

Religioso

Page 234: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

234

A lógica, parece, diante do conhecimento que se tem da formação da

população de Salvador, é relacionar o grupo de sobrenome religioso à

história de aquisição de língua com mais diversidade de dados e o

sobrenome religioso à crescente variação, refletindo o efeito da Saliência.

Para corroborar com essa idéia, deve-se associar a esse dado a análise feita

com as faixas etárias diferentes, no estudo das variáveis sociais, que

indicou que no grupo de sobrenome religioso, diferentemente do grupo de

sobrenome não religioso, há uma tendência de aumento da concordância,

com a população mais jovem apresentando maior probabilidade de marcar

o plural nos itens do sintagma nominal; e na população mais velha há

menor probabilidade de serem inseridas essas marcas. Os resultados, então,

confirmam a expectativa inicial da relação entre a saliência e o tipo de

aquisição de língua do referido grupo.

Com a finalidade de fazer um estudo mais apurado da variável

Saliência fônica, em seguida serão observados exclusivamente os

substantivos e adjetivos, seguindo Scherre (1988), pois imagina-se que

essas classes, pelo número de itens no material levantado, e por terem

dados exemplificativos de quase todos os fatores, podem dar condições de

uma análise com menos interferência.

3. 2. 1. 7 A Saliência nos substantivos, adjetivos e categoria

substantivadas.

Seguindo a mesma metodologia utilizada por Scherre (1988), essa

próxima análise só inclui na amostra as classes dos substantivos, adjetivos

e categorias substantivadas, sendo retirados todos os itens de outras classes

gramaticais. Na primeira análise, são observados de uma só vez todos os

informantes do corpus, em seguida, fazem-se análises com os grupos; de

Page 235: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

235

início, são comparados os resultados referentes ao português popular e ao

português universitário, analisados separadamente. Essa etapa tem como

objetivo verificar se, nesses grupos, apenas com substantivos, adjetivos e

categorias substantivadas, se mantém o que foi observado nas análises

anteriores. Posteriormente, faz-se a análise desses mesmos grupos apenas

na última faixa etária, por considerar que esse grupo, por ser constituído de

pessoas mais velhas, tenha mais condições de, caso tenha havido alguma

relação com aquisição com diversidade de dados e muita variação, ainda

ser possível existirem marcas mais evidentes desse tipo de aquisição. A

tabela 28 apresenta os resultados.

Nessa análise apenas com substantivos, adjetivos e categorias

substantivadas, os resultados não são muito diferentes da análise geral.

Enquanto muitos dos fatores se mantiveram com o mesmo peso relativo de

concordância nas duas análises, foram levemente aumentados os valores

referentes aos oxítonos com plural regular e aos plurais duplos (diferença

de .03 e .02, respectivamente, em relação à análise com todas as classes).

Os fatores referentes a plurais duplos e em -/r/ têm o mesmo peso e,

ainda, esses dois fatores estão muitíssimo próximos do fator referente a

itens com plural em -/l/, com uma diferença de .02, indicando, os três, o

mesmo condicionamento. Na análise com todas as categorias, feita

anteriormente, os plurais duplos tinham um peso levemente menor (.02 de

diferença entre duplo e -/r/ e a mesma diferença entre -/r/ e /l/, esse último

com o mesmo peso nas duas análises).

Page 236: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

236

Tabela 28:

Efeito da Saliência na Concordância – Análise apenas com Substantivos,

Adjetivos e Categorias substantivadas – Análise Geral Sign.=.000

Fatores Freqüência P. R.

Regular Oxítono 309/359 86% .81

Regular Paroxítono 3863/6021 64% .41

R Proparoxítono 181/243 74% .45

Plural Duplo 61/69 88% .82

Em /l/ 209/238 88% .84

Em /r/ 301/335 90% .82

Em ão irregular 166/191 87% .77

Em /s/ 374/497 75% .69

Em ão regular 47/95 49% .46

TOTAL 5511/8048 68%

Dessa forma, pode-se afirmar que, pelo que até então se percebe, é

indiferente se todas as categorias gramaticais são observadas de uma só

vez, ou apenas os substantivos, adjetivos ou categorias substantivadas, o

efeito da variável Saliência fônica mostrou-se relativamente o mesmo. Em

Page 237: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

237

seguida, faz-se a mesma observação da Saliência fônica apenas com as

classes ora observadas, fazendo um confronto entre os grupos POP e UNI.

Tabela 29:

Efeito da Saliência fônica na concordância nominal das classes dos

Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Comparação entre o

Português Popular (POP) e o Universitário (UNI).

Fatores POP Sign.=.000 P. R. UNI Sign.=.000 P. R.

R Oxítono 200/247 81% .81 109/112 97% .74

R Paroxítono 1901/3877 49% .41 1962/2144 92% .43

Proparoxítono 62/114 54% .44 119/129 92% .46

Duplo 31/38 82% .84 30/31 97% .64

Em /l/ 120/149 81% .83 88/88 100%

Em /r/ 161/192 84% .82 140/143 98% .80

Em ão irr 71/95 75% .76 95/96 99% .87

Em /s/ 274/393 70% .69 100/104 96% .69

Ão regular 38/85 45% .46 9/10 90% .46

TOTAIS 2858/5190 55% 2565/2770 93%

Assim como na primeira análise, com todos as categorias gramaticais,

nessa comparação entre os grupos POP e UNI continua a se perceber que

Page 238: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

238

nos dois grupos a Saliência fônica tem efeito semelhante na concordância.

Mas no Português Popular é maior o peso relativo dos fatores referentes à

saliência dos oxítonos e dos plurais duplos no grupo POP do que no grupo

dos universitários e o fator que se refere às formas em -/l/, com grande

probabilidade de marca no POP, teve a concordância categórica no segundo

grupo. Há, contudo, alguns dados comuns aos dois grupos: os pesos

relativos às formas em ão, e em -/s/, nos dois grupos, são os mesmos.

Gráfico 26: Efeito da saliência na concordância dos grupos POP e

UNI - apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg

POP

UNI

Page 239: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

239

No grupo UNI, tanto na presente análise, como na feita anteriormente

com todas as classes, chama a atenção a redução do peso relativo dos

plurais duplos, o que se constitui no diferencial entre os dois grupos. Em

outras análises, há fatores que estão sempre próximos aos duplos: os em -/l/

e os em -/r/. Isso, no entanto, não acontece nas análises do grupo UNI (com

todas as classes ou apenas com os substantivos, adjetivos e categorias

substantivadas).

Em seguida, na tabela 30, apresenta-se apenas a análise do efeito da

variável na última faixa etária desses dois grupos.

No grupo dos falantes mais velhos do POP, nessa nova análise

percebe-se que alguns fatores da variável estudada têm peso relativo

aumentado. São os oxítonos regulares, os de final em /r/, em /l/, e ão

irregular, todos com mais saliência. Além desses, os plurais metafônicos

têm concordância categórica nessa faixa etária mas, ao lado disso, os

plurais em -/s/ sofrem uma pequena redução.

No grupo universitário, observa-se que a significância é muito alta e

que, nessa faixa de idade, apenas a oposição entre os itens regulares foi

analisada, já que os outros processos tiveram concordância categórica,

todos com grande saliência. Ao analisar os itens que fazem o plural regular,

nota-se que o grupo UNI-4 faz concordância quase que categórica, só

havendo variação entre os itens paroxítonos e proparoxítonos de plural

regular. Observa-se, dessa forma, que nos fatores que se referem aos

maiores graus de saliência, no UNI 4, não há variação. Isso revela que as

restrições sejam as mesmas nos dois grupos, relação semelhante em acordo

com o que se espera do efeito da saliência. Apesar de se ter criado a

hipótese de que existem gramáticas diferentes nos dois grupos, isso não se

confirma nessa análise: a saliência fônica, que produz um efeito importante

Page 240: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

240

no grupo do português popular, tem o mesmo efeito no grupo universitário

de faixa etária mais avançada.

Tabela 30:

Saliência fônica nos substantivos e adjetivos – Grupos POP e UNI,

considerando apenas a última faixa etária (POP 4 e UNI 4).

Fatores POP-4 Sign.=.000 UNI-4 Sign.=.220 P. R.

R Oxítono 49/55 89% .88 23/23 100%

R Paroxítono 494/939 53% .41 787/813 97% .49

Proparoxítono 15/28 54% .49 60/61 98% .65

Duplo 6/6 100% 14/14 100%

Em L 34/38 89% .87 41/41 100%

Em R 28/29 97% .96 55/55 100%

Em ão irr 17/20 85% .80 32/32 100%

Em S 63/88 72% .63 22/22 100%

ão regular 8/16 50% .38 1/1 100%

TOTAIS 708/1213 58% 868/896 97%

Esta pesquisa descarta, pois, a existência de que haja duas gramáticas

diferentes entre os grupos e que haja um quadro de competição de

gramáticas, atuando no contexto social como um todo de Salvador.

Page 241: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

241

Constata que no grupo do Português Popular e no Português

Universitário a concordância é variável em itens que fazem o plural com

menos material fônico.

1) Há pessoas de um grupo, o POP 4, com ampla variação governada,

pelo que até então se observou, pela saliência fônica;

2) há outras, do grupo, o UNI 4, em que quase não há variação da

concordância e, quando ela ocorre, parece ser governada pelo

mesmo princípio.

O quadro indica que o grupo UNI 4 apenas inicia o processo de

variação da concordância no sintagma nominal, processo que já caracteriza

o POP 4.

Efeito da saliência na concordância - Apenas substantivos, adjetivos e

categorias substantivadas - Grupos POP 4 e UNI 4.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg

POP 4

UNI 4

Page 242: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

242

Em seguida, analisa-se a saliência apenas nos substantivos, categorias

substantivadas e adjetivos, separando-se os grupos de sobrenome. A tabela

a seguir apresenta os resultados.

Tabela 31:

Efeito da Saliência na concordância dos substantivos, adjetivos e categorias

substantivadas – Grupos de Sobrenome (Sign.=.000)

Fatores Não religioso P. R. Religioso P. R.

R Oxítono 87/104 84% .80 109/136 80% .84

R Paroxítono 966/1763 55% .42 902/2034 44 .41

Proparoxítono 33/62 53% .35 29/51 57% .51

Duplo 8/12 67% .68 23/26 88% .89

Em L 52/66 79% .88 67/81 83% .86

Em R 94/108 87% .86 63/78 81% .81

Em ão irrr 35/45 78% .81 31/43 72% .74

Em S 120/165 74% .70 143/217 66% .67

ão regular 13/37 35% .25 25/45 56% .60

TOTAIS 1408/2362 60% 1393/2712 51%

Considerando-se apenas substantivos, categorias substantivadas e

adjetivos, o quadro de oposição entre os dois grupos se mantém. Os plurais

duplos e os itens em ão permanecem com maior peso no grupo de

Page 243: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

243

sobrenome religioso, com maior diferença, em comparação com o de

sobrenome não religioso nessa análise apenas com as classes referidas. No

grupo de sobrenome não religioso, apesar de o fator referente aos plurais

duplos ser favorecedor, o seu favorecimento é bem menor que os itens em

-/l/ e os em -/r/, uma diferença de .20 e .18 entre os duplos e,

respectivamente, em -/l/ e em -/r/.

Os fatores que aproximam os dois grupos são os referentes aos itens

em /l/, em /r/ e em /s/. Os paroxítonos, que sempre se mostraram

desfavorecedores, no grupo de sobrenome não religioso mostram-se no

ponto neutro, na frente dos proparoxítonos, levemente diferente das outras

análises feitas com os outros grupos da amostra.

Gráfico 28: Efeito da saliência na concordância dos substantivos,

adjetivos e categorias substantivadas nos grupos de Sobrenome

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg

Não Religioso

Religioso

Page 244: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

244

Mais uma vez se encontram evidências de que o grupo de sobrenome

religioso realmente apresenta mais indícios de que é possível que a

aprendizagem de língua desse grupo tenha tido como dados primários mais

diversidade de dados, com informações lingüísticas de várias origens pois,

na concordância no sintagma nominal desse grupo, os itens em que a

oposição singular/ plural é mais saliente (com destaque os duplos e os em –

ão regular) têm mais probabilidade de concordância do que no outro grupo,

o de sobrenome não religioso, estudado nessa pesquisa.

3. 2. 2 Posição Linear

Os sintagmas da amostra foram analisados observando-se a relação

entre a posição linear de cada elemento e a sua probabilidade de ter marca

de plural. A expectativa era de que os itens em primeira posição fossem

mais alvo de concordância, diante da informação nova de plural que eles

trazem no sintagma. Em outras posições, tem-se a previsão de que a marca

pode ser dispensada. Essa expectativa está de acordo com o princípio

funcionalista, de que as informações relevantes tendem a ser conservadas e

de que as outras têm uma tendência a serem dispensadas.

Foram codificadas cinco posições, apresentadas e exemplificadas a

seguir. Os itens em letras maiúsculas são os que estão em observação.

1a Posição

“ESSAS coisa; eu faço pra mim” M3C17

2ª Posição:

“as FACILIDADE melhores do que aquela” H4C11

3ª Posição:

Page 245: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

245

“aquelas camisa BRANCA, com letreiro aqui” M1F05

4ª Posição:

“os outros meninos MAIORES, também” H2C13

5ª ou outra Posição:

“os meus dois outros PRIMOS, mas eu nunca” M1C12

Na análise geral, a primeira posição foi a mais marcada,

confirmando as expectativas. Essa posição mostrou-se como a posição

linear mais favorecedora, contra as outras, desfavorecedoras. Após a

redução drástica da primeira para a segunda posição, existe uma tendência

de aumento do favorecimento, até a 5a. posição. A tabela 32 mostra os

resultados.

O resultado confirma quase que totalmente os achados de outros

pesquisadores quanto ao mesmo fenômeno em outras regiões do Brasil, a

exemplo de Guy (1981: 17966

). Scherre (1981), Scherre (1988), Fernandes

(1996) e Carvalho (1997), além de terem constatado que a primeira posição

linear é a favorecedora, relacionaram essa variável a outras, a classe

gramatical do elemento, à posição em relação ao núcleo e às marcas

precedentes no sintagma. Guy (1981) relacionou diretamente a posição

linear à classe gramatical, chegando a considerar a primeira posição como a

posição do determinante, a segunda, ele associou ao substantivo e a

terceira, à classe do adjetivo.

66

Guy (1981), estudando a fala carioca, chegou aos pesos relativos .94, .47, .41, .10 para a 1a, 2

a, 3

a, e 4

a

ou 5a posições, respectivamente.

Page 246: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

246

Tabela 32:

Efeito da posição linear no sintagma sobre a concordância no sintagma

nominal – Todos os dados

Posições

Significância: .000

Freqüência P. R.

1a. Posição 5840/5885 99% .85

2a Posição 4552/6636 69% .22

3a. Posição 662/1070 62% .21

4a. Posição 146/246 59% .17

5a. Posição 51/68 75% .31

TOTAL 11251/13905 81%

A associação feita não procede, nos dados ora analisados, como

será visto na análise que será feita em seguida. Dessa forma, antes de outras

considerações, passar-se-á agora à análise das variáveis classe gramatical,

para, posteriormente associar essa variável com a posição linear.

Page 247: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

247

3. 2. 3 Classe gramatical

Ao estudar a relação entre classe e concordância, tem-se a idéia de

que as classes que são utilizadas como núcleos de sintagma conservariam

mais as marcas de concordância que as outras. Mas a análise mostra que

não é esse o princípio que rege o fenômeno, pelo menos no material

analisado e nas análises feitas também por outros lingüistas (Scherre, 1988;

Fernandes, 1996 ; Carvalho, 1997).

Observando a relação entre classe gramatical e a concordância no

sintagma nominal, os adjetivos 267

e os artigos são os fatores com maior

67

Ver seção 2. 3. 4, sobre Classes gramaticais. O adjetivo 2 corresponde a alguns itens considerados

pronomes indefinidos pela tradição gramatical, mas considerados neste trabalho e em Scherre (1988),

pela sua especificidade, como adjetivos 2, a exemplo de PRÓPRIAS em Das PROPRIAS coisas.

Gráfico 29: Efeito da posição linear na

concordância

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

P1 P2 P3 P4 P5

Page 248: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

248

peso relativo na análise estatística realizada (PR .80 e .73,

respectivamente). Em seguida, situam-se os possessivos (PR .67), os

numerais (PR .66), os indefinidos (PR .58), os pronomes pessoais do caso

reto (PR .56). Os menores pesos relativos foram os dos substantivos,

quantificadores e categorias substantivadas (PR .35. .24 e .25,

respectivamente). Os demonstrativos e os relativos não exibiram variação

no material trabalhado. Uma análise geral da concordância nas diversas

classes é apresentada na tabela 33.

O fato de os artigos serem tão marcados, é fácil de se observar, está

diretamente relacionado à sua posição no sintagma, normalmente na

primeira posição. Mas nem só os determinantes estão em primeira posição,

como Scherre (1981) bem observou no Rio de Janeiro, discordando da

generalização radical feita por Guy, anteriormente referida, de que a

primeira posição era a posição dos determinantes:

“Considerando, agora, todos os dados que envolvem

alguns „determinantes‟ (artigos, demonstrativos,

indefinidos) e os substantivos e os adjetivos

acompanhados por esses determinantes, é possível,

não apenas reafirmarmos o comportamento

diferenciado das classes em relação à posição como,

também, evidenciarmos que o paralelo entre Classe e

Posição não se pode estabelecer, nem em termos

percentuais...” (Scherre: 1981: 157).

Page 249: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

249

Tabela 33:

Efeito da Classe Gramatical na Concordância

Significância: .000

Classes gramaticais Freqüência P. R.

Artigos ex.: AS

coisas certas e erradas ne

3896/3917 99% .76

Substantivos ex.: as

MARINETES, horríveis, sempre

superlotadas, inseguras

4506/6692 67% .34

Adjetivos 168

ex: aqueles peixezinho

PEQUENININHO nas jaulas

622/836 74% .33

Possessivos ex.:

MEUS irmão mais velho

502/520 97% .74

Quantificador ex.: pelas praia

TODA ali

161/228 71% .26

Categorias substantivadas ex.: os

MESMOS usados, agora tinha

H4C11

162/291 56% .26

Adjetivos 2 ex.: DETERMINADAS

assistências de casa M2U014/N

219/226 97% .81

68

Ver seção 2. 3. 4. Adjetivos 1 é o rótulo aqui dado a classe gramatical dos adjetivos, de acordo com a

tradição gramatical.

Page 250: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

250

Classes gramaticais Freqüência P. R.

Indefinidos ex.: MUITOS

colegas assim que acha assim M1C02

513/519 99% .60

Demonstrativos ex.:

AQUELAS sandalinha que tem

tamanco H1C04

626/626 100%

Relativos ex.: CUJOS donos

provaram

2/2 100%

Numerais ordinais ex.:

nos PRIMEIROS meses ficou lá em

casa M4C41

13/15 87% .52

Pronomes pessoais caso reto ex.:

todas ELAS, com a diretora H2F09

29/32 91% .80

TOTAL 11251/13906 81%

3. 2. 4 Classe gramatical e Posição

É necessário observar que itens se situam, no corpus, nas diversas

posições e, assim, avaliar se cabe a generalização feita por Guy (1981). A

tabela a seguir possibilita visualizar os números de dados de cada categoria

gramatical, nas diversas posições.

Page 251: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

251

Tabela 34:

Classe gramatical e Posição linear – Distribuição das classes nas diversas

posições

Classes P1 P2 P3 P4 P5 Total

Artigo 3791 118 8 0 0 3917

Substantivo 267 5691 587 131 15 6691

Adjetivo 1 62 281 351 96 48 838

Possessivo 324 185 10 0 0 519

Quantificador 146 10 54 14 4 228

Categoria substantivada 9 227 51 3 1 291

Adjetivo 2 143 82 0 1 0 226

Indefinido 506 6 7 0 0 519

Numeral 2 12 1 0 0 15

Pronome caso reto 18 14 0 0 0 32

Relativo 2 0 0 0 0 2

Demonstrativo 589 10 1 0 0 614

TOTAIS 5885 6636 1070 246 68 13905

Page 252: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

252

Pelo que se observa na tabela apresentada, os artigos são

localizados, na sua maioria, mais de 95%, na primeira posição e os nomes

estão em mais de 85% na segunda posição. Mas a maioria dos adjetivos do

tipo 1 está fora da terceira posição: só 41% deles está nessa posição

(ocupada principalmente por substantivos) e quase 34% ocupa a segunda

posição. A quarta posição é ocupada principalmente por substantivos,

perfazendo 56,5% dos que estão nessa posição e 26,4% dos que estão na

quinta ou outra posição. Dessa forma, os dados estudados também

derrubam a hipótese apresentada por Guy (1981), que defende a relação

direta entre classe e posição.

A depender da posição, os itens da mesma classe têm freqüência

diferente de concordância, e isso foi observado nos dados, como se vê na

tabela 35.

A análise mostra a 1a posição sempre como a mais favorecedora,

para itens de qualquer classe. Os artigos diferem das demais classes por

terem freqüência que não decresce na segunda posição, comparando-se

com os substantivos (96%, 66%, 63%), adjetivos (97%, 85%, 66%),

quantificadores (99%, 10%, 30%), ou possessivos (99%, 95%, 40%,

respectivamente 1a., 2a. e 3a. posições).

Diante das outras classes, é de estranhar que os possessivos sejam alvo

tão freqüente de marca de plural em segunda posição, já que essa é uma

posição que, como se viu, desfavorece a marca de plural em itens de outra

classe.

Page 253: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

253

Tabela 35:

Classe Gramatical associada à Posição linear na concordância - Freqüência

Classe / Posição Freqüência

Artigo em 1a posição 99% ex.: AS

primeiras palavra que falou M3F46

3770/3791 99%

Artigo em 2a. posição ex.: todos OS lugares,

roubava

118/118 100%

Substantivo em 1a posição ex.: PRIMOS

meus, assim eu M1C02

257/268 96%

Substantivo em 2a posição ex.: algumas

PARTES assim de minha infância M1C02

3782/5691 66%

Substantivo em 3a posição ex.:

todos os DIA, mas ela sai M1C02

367/587 63%

Substantivo em 4a posição ex.: dos meus

catorze ANO de idade H2C13

85/131 65%

Substantivo em 5a posição ex.: os meus dois

outros PRIMOS, mas eu nunca M1C12

15/15 100%

Adjetivo em 1a posição ex.: ALTOS papo.

H1F42

60/62 97%

Adjetivo em 2a posição ex.: punhos

DOBRADOS, o tal punho americano

H4U009R

239/281 85%

Page 254: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

254

Classe / Posição Freqüência

Adjetivo em 3a posição ex.: aquelas

ferpazinhas PEQUENAS, então aquilo

H4U009R

231/349 66%

Adjetivo em 4a posição ex.: todas as boca

QUENTE que eu entro H3F30

57/96 59%

Adjetivo em 5a posição ex.: as idéias dela

toda FORMADA, porque ela nasceu M3F46

35/38 73%

Quantificador em 1a posição ex.:

TODOS os beneficio, mas para outros não

H2C33

144/146 99%

Quantificador em 2a posição ex.: eles TODO

no Pelourinho H3F32

1/10 10%

Quantificador em 3a posição ex.:

os outros TODOS têm suas qualidade

M3C17

16/54 30%

Quantificador em 4a. posição ex.: aqueles

bicho la TUDO, um bocado de bicho H3F30

0/14 0%

Possessivo em 1a posição ex.:

MEUS avós, assim porque era a família

M1C02

322/324 99%

Page 255: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

255

Classe / Posição Freqüência

Possessivo em 2a posição ex.:

colegas MINHA mesmo que acontece isso

M1C02

175/185 95%

Possessivo em 3a posição ex.:

vários colega MEU lá que fez H1C04

4/10 40%

Observação: Nessa tabela foram incluídas apenas classes com um número

grande de dados e em mais posições.

Foram analisados os contextos desses possessivos em 2a e em 3

a

posições e constatou-se que eles, em relação ao núcleo do sintagma, se

situavam ou antes ou após o núcleo, com a distribuição que se segue:

1) Em segunda posição posterior ao núcleo, são sete possessivos,

sendo cinco marcados e dois não marcados, 71,43% de concordância, a

exemplo de

“colegas MINHAS pegaram” M3C08

“colegas MINHA mesmo que acontece isso” M1C02

2) Em segunda posição anterior ao núcleo, são 178 possessivos, sendo

8 sem concordância, perfazendo 96% de concordância, a exemplo de

“os MEUS dois outros primos, mas eu nunca” M1C12

“as MINHA neta mesmo (inint) M4F38” H4C14

3) Em terceira posição, anterior ao núcleo, foram duas ocorrências,

todas as duas com concordância, 100% de concordância, a exemplo de

“as duas MINHAS filha, todas duas” M3F31

Page 256: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

256

4) Em terceira posição, posterior ao núcleo, foram encontrados sete

casos, dois com concordância e cinco sem concordância, 28,57% de

concordância, a exemplo de

“muitas colega MINHAS com mochila” M1C02

“varios colega MEU” lá que fez H1C04

Os dados indicam que, independente da posição linear do

possessivo, a concordância é feita principalmente quando o possessivo é

anterior ao núcleo e menos quando está depois dele. Diante das evidências

de que a posição em relação ao núcleo tem um efeito importante sobre a

presença da marca de plural nos possessivos, surge a necessidade de que se

observe se, entre todos os outros elementos não nucleares, essa posição

relativa tem o mesmo efeito, à semelhança do que foi observado por

Scherre (1988), para a fala carioca; por Fernandes (1996), para a fala do

Sul; por Carvalho (1997), para a fala de João Pessoa.

3. 2. 5 Classe, Posição linear e Posição relativa

O próximo passo nessa análise é observar se, entre os elementos

não nucleares do sintagma (incluindo artigos, demonstrativos, adjetivos 1,

adjetivos 2, numerais, possessivos, indefinidos, quantificadores) se constata

o mesmo que se observou entre os possessivos: posição à direita do núcleo

(ou posterior a ele) como menos favorecedora da marca e à esquerda dele

como a posição que mais favorece a sua presença.

Page 257: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

257

Tabela 36:

Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Análise geral

Fatores Freqüência P. R.

Elementos não nucleares à esquerda do núcleo ex.:

todas ESSAS pessoas do grupo de pagode M1C03

6001/6052

99%

.89

Elementos não nucleares à direita do núcleo ex.:

aquelas fardas ANTIGAS, eu acho que hoje em dia

M1C12

541/826 65% .13

Elementos nucleares em 1a posição ex.:

COLEGAS minha mesmo que acontece isso M1C02

285/297 96% .55

Elementos nucleares em 2a posição ex.: várias

ESCOLA, mas não tenho muita lembrança assim não

M1C02

3928/5944

65%

.16

Elementos nucleares em 3a posição ex.: umas

três SEMANAS, um mês mais ou menos M1C03

397/641 62% .15

Elementos nucleares em 4a posição ex.: as

suas respectivas ALTITUDES, e tome o rumo H4C14

83/129 64% .19

Elementos nucleares em 5a posição 16/16 100%

TOTAL 11235/13889 81%

Page 258: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

258

Em relação aos itens em posição de núcleo, foram incluídos nesse

grupo substantivos e outros elementos em função de núcleo do sintagma.

Nessa situação, esses elementos foram observados quanto a sua posição

linear, uma vez que, nas análises anteriores, essa variável mostrou-se

relevante (Ver tabela Classe gramatical e posição II).

Os elementos não nucleares, quando em posição anterior ao núcleo,

são muito marcados, quase que categoricamente (99%, com peso relativo

de .81). Quando eles estão à direita, ou seja, após o núcleo, a possibilidade

de virem marcados é muito pequena (66%, com peso relativo de .22).A

posição linear, nessa análise, foi levada em consideração apenas para os

núcleos e se vê o desfavorecimento crescente da 1a. para as posições

segunda e terceira e um ligeiro crescimento para a quarta. Na quinta

posição a concordância nos núcleos apresentou-se como categórica, no

sentido de presença de marca, o que mostra mais uma vez que a posição

linear não tem a influência que se supunha ter.

Gráfico 30: Efeito da classe, posição linear e posição relativa na

concordância

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

à esq à dir N1 N2 N3 N4

Page 259: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

259

3. 2. 5. 1 Classe, Posição linear e Posição relativa e concordância –

Todos os dados

Para melhor entender essa variável, a análise volta-se, em seguida,

para observar os elementos não nucleares à esquerda quanto à contigüidade

desses elementos em relação ao núcleo. Dessa forma, separam-se

elementos à esquerda do núcleo em sintagmas como

“ESSAS coisa toda” M2C21

em que o elementos ESSAS está junto ao núcleo, de elementos de

sintagmas como

“TODOS os problema, Deus” H2F40

em que o elemento TODOS está à esquerda do núcleo, mas não junto a ele.

Procura-se, então, verificar a interferência dessas diferentes situações na

concordância. Ao mesmo tempo, passa-se a observar a relação entre a

concordância e a posição linear nos elementos não nucleares posteriores ao

núcleo. Os resultados são apresentados na tabela 37.

A análise revela que

1) a posição à esquerda do núcleo, adjacente a ele, como em

“as MESMAS chance porque tem” M2C21

é que favorece bem mais a presença de marca do que a posição à esquerda,

não adjacente ao núcleo, como em

“DO outros dias, nós” H1C20

2) além de a posição posterior ao núcleo ser um fator altamente

desfavorecedor da marca de plural, a posição linear ainda pode contribuir

Page 260: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

260

mais para esse desfavorecimento: a segunda, a terceira e a quarta posições

lineares são as mais desfavorecedoras em elementos posteriores ao núcleo;

e, na quinta, há uma pequena elevação do peso relativo de concordância

nesses elementos.

Tabela 37:

Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Todos os dados,

observando a adjacência ao núcleo e detalhando a posição linear dos

elementos não nucleares à direita do núcleo.

(Significância=.000)

Classe/Posição Freqüência P. R

À esquerda, mas não adjacente ao núcleo ex.: “UMAS

três semanas, um mês mais ou menos” M1C03

605/624 97% .67

À esquerda, adjacente ao núcleo ex.: “AS manga ela

tinha dado”

5396/5428

99%

.91

À direita ao núcleo em segunda posição ex: “castigos

HORRÍVEIS, de se, de se ajoelhar”

206/259 80% .16

À direita ao núcleo em terceira posição ex.: “os

problemas ATUAIS que existem”

244/407 60% .09

À direita ao núcleo em quarta posição ex.: “aquelas

sapatona assim NUA viradas pra mim”

57/109 52% .06

À direita ao núcleo em quinta posição ex.: “aquelas

sapatona assim nua VIRADAS pra mim”

34/51 67% .09

Page 261: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

261

Classe/Posição (cont.) Freqüência P. R

Núcleo, 1a. posição ex.: “COLÉGIOS estaduais que

ganham”

285/297 96% .52

Núcleo, 2a. posição ex.: “muitas CENAS pesadas” 3929/5944

66%

.16

Núcleo, 3a. posição ex.: “todos os PRIMOS juntos, eh,

nesse fim”

397/641 62% .11

Núcleo, 4a. posição ex.: “dos meus catorze ANO de

idade”

83/129 64% .15

Núcleo, 5a. posição ex.: “as mesmas quer dizer assim

PESSOAS que são”

16/16 100%

TOTAL 11251/13906 81%

Quanto aos elementos anteriores aos núcleos, observa-se que, em

alguns sintagmas, o elemento em posição anterior não adjacente ao núcleo

não é marcado. O contexto em que os dados não apresentam concordância

é semelhante, com elementos em segunda posição, sempre marcados,

antecedidos por elementos não marcados em primeira posição. Scherre

(1988) foi a primeira a constatar o fenômeno aqui observado. A sua análise

registra que os possessivos preenchem sempre a segunda posição nesses

sintagmas. Ela não faz referência à adjacência ao núcleo, mas estabelece

uma oposição entre não nucleares à esquerda do núcleo na primeira e na

segunda posição.

Page 262: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

262

Para possibilitar melhor entendimento, são identificados os

sintagmas em que, na presente pesquisa, se encontram esses elementos sem

concordância à esquerda não adjacente ao núcleo. São os seguintes:

“A minhas correspondência, como eu” H4F06

“DO outros dias, nos” H1C20

“A minhas filha, ele traz” M2C23

“NO meus estudos, quando eu vim” H2F40

“NO meus olhos, para depois eu lançar” H2F40

“O meus filhos eu vou querer” M1C12

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

E n

ão a

dj

E a

dj

dir2

dir3

dir4

dir5

N1

N2

N3

N4

Gráfico 31: Efeito da Classe, posição linear e

posição relativa, detalhando a adjacência do

elemento à esquerda e a posição linear do elemento

à direita

Page 263: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

263

“NA minhas costa, aì ela aì "Mas meu pai..." H3C15

“A minhas coisinha que eu gostava” M3C17

“A minhas irmãs ninguém teve isso” M3C17

“DA minhas filhas, a única coisa” M3C17

“TODO meus irmão sempre teve muita liberdade” H4F34

“O meus peitinho estavam durinho” M1F45

“MUITO ras eh rapazes que procura logo” H1F47

“fazer TUDO aquelas coisas de errado de novo” H3F32

“A minhas duvida, como é” M2U014/N

“DA minhas filha, não e?” M1F43

“NA minhas coisa, não gosto” M1F43

“NA minhas coisa, que não sei o que” M1F43

“A minhas filhas também eu criei assim” M4F39

Não se pode deixar de observar que foi em situação de mais

distância do elemento nuclear que esses elementos anteriores a ele

deixaram de ser marcados. Em grande parte desses sintagmas, da mesma

forma observada por Scherre (1988), neste estudo percebe-se que, na

posição à esquerda em adjacência ao núcleo havia possessivos (em quinze

dos dezenove casos). Observa-se que esses elementos não marcados não se

encontram ligados linearmente ao núcleo, em adjacência a ele. Pode haver

associação entre ausência de marca e a estrutura (a presença de possessivo

subseqüente), mas não parece ser apenas esse o elemento favorecedor – a

Page 264: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

264

estrutura – e, sim, que, além da posição à esquerda do núcleo, a de

adjacência a ele é um importante condicionador para a realização da

concordância; em itens à esquerda do núcleo mas não adjacentes a ele há

maior probabilidade de ausência de concordância.

Dessa forma, os dados analisados coincidem com os resultados de

Lucchesi (2000), em relação à concordância de gênero. No referido

trabalho, Lucchesi vê uma relação entre mais proximidade do núcleo, à

esquerda dele, e mais concordância de gênero. Parece ocorrer a mesma

força, em relação à concordância nominal no sintagma: não é só o fato de

estar à esquerda do núcleo que importa, mas também estar contíguo, ou

adjacente, a ele.

A análise da tabela dá a certeza de que a posição em relação ao

núcleo é uma variável bastante forte para a concordância. A partir da

análise mostrada, fica evidenciado que, associada à posição à esquerda,

tem-se que considerar o aspecto da adjacência ao núcleo, por isso essa

tabela é mais completa que a anterior, porque apresenta a diferença entre

essas duas possibilidades de situação dos elementos à esquerda. É

intrigante observar que a grande maioria desses itens sem marca sejam

sucedidos por possessivos, mas isso parece ocorrer por serem os

possessivos muito presentes em estruturas com mais de um elemento

anterior ao núcleo

De acordo com a teoria dos 4 M, de Myers-Scotton & Jake (2000),

há morfemas funcionais, os early system morphems que se formam no

mesmo nível dos lemas, juntamente com os morfemas de conteúdo, os

content morphemes, dando a eles dados do tipo de definitude, por exemplo,

que cumprem função importante no atendimento às intenções do falante. A

observação da forma como a concordância no sintagma nominal se realiza

Page 265: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

265

indica que a marca de plural do elemento imediatamente anterior ao núcleo

é um early system morpheme, ou seja, é gerado juntamente com os content

morphemes, daí a sua probabilidade maior de concordância que as outras

marcas de plural, que são introduzidas posteriormente, puramente para

atender a necessidades gramaticais. Nesse caso, as outras marcas atendem

apenas à estrutura sintática, diferentemente daquela imediatamente anterior

ao núcleo, em adjacência a ele: esta é uma exigência da necessidade

intencional, foi gerada no mesmo nível das intenções.

Nos sintagmas com possessivo ou outra classe na segunda posição

antes do núcleo, listados anteriormente, a informação de definitude é

expressa pelo possessivo. Em o meus filhos por exemplo, é o meus que

apresenta, juntamente com a informação de definitude (o dado a respeito de

quais filhos se trata, e se refere à idéia de que não é um filho apenas). Não é

necessário que a definitude seja expressa também pelo artigo, pois não é

necessário gerar duas vezes a mesma informação (isso é confirmado pela

freqüência grande de não utilização de artigos antes de possessivo), por

isso mantém-se aquela mais próxima do nome (já que os dois elementos – o

elemento anterior ao nome, indicando definitude e número, e o nome - são

gerados conjuntamente, no nível dos lemas) (Myers-Scotton & Jake, 2000:

1063). Essa explicação parece servir para quase todos os casos

apresentados, não só com os possessivos mas também com outros (em do

outros dias…) e em aquelas (em tudo aquelas coisas) na 2a. posição e

ausência de marca na 1a. Apenas o sintagma muito ras eh rapazes que

procura … em que fica clara a mudança de plano do falante: de inìcio quis

realizar muito rapaz que procura… mas definiu-se depois para o plural. O

sintagma, pois, foi modificado no seu percurso.

A teoria dos 4 M, de Myers-Scotton & Jake (2000), indica que a

ordem em que os morfemas são gerados é a mesma que ocorre na

Page 266: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

266

aprendizagem de língua, tanto na primeira aquisição, como na segunda.

Dessa forma, assim como se considerou aqui os morfemas anteriores ao

núcleo, mais diretamente ligados a ele, como early system, ou seja,

morfemas introduzidos no mesmo nível dos lemas, para atender às

necessidades do falante, são esses os mesmos tipos de morfema que são

primeiramente aprendidos. Os outros, considerados late system morphemes,

por serem acessados posteriormente, no processo de produção, para atender

apenas a aspectos gramaticais, são os que são alvo mais freqüentemente da

variação e a análise estatística que aqui se faz vem confirmar isso.

Baxter (2001), estudando a concordância no sintagma nominal do

português em três gerações dos Tongas69

, registra também probabilidade de

concordância diferente entre as duas posições dos elementos à esquerda do

núcleo: adjacente e não adjacente. Na primeira geração de falantes

(formada logo após o contato entre a língua africana e o português, e a

formação da interlíngua), não há itens na posição à esquerda não adjacente,

apenas a adjacente, com um peso relativo de concordância de .95. A

semana geração já realiza sintagmas maiores e já ocorre a posição à

esquerda não adjacente e já existe a oposição entre as duas: não adjacente,

peso de .80 e adjacente, .92. Na terceira geração, a posição à esquerda não

adjacente tem um peso relativo de .75 e a adjacente, de .84. Considerando

todos os informantes conjuntamente, sem separar por idade, Baxter (2001)

registrou uma diferença de peso relativo de .16 entre os dois fatores: não

adjacente, peso de .74 e adjacente, peso de .9. Os resultados de Baxter

(2001) mostram um quadro que fortalece ainda mais um favorecimento da

situação de adjacência ao núcleo, maior que a situação de não adjacência,

semelhante ao que esta pesquisa observa na fala de Salvador.

69

Page 267: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

267

São seis sintagmas com elementos à esquerda em não contigüidade

com o núcleo que não têm marca de plural:

TUDO issos padre.

faze TODA essa coesas...

TUDO os coisa ta tracado

nonde que vo tira dinheiro pa dare istudo TUDO isso tres.

ESSE trinta dia como e que

O meu estudos mas tendo em conta

Dos sintagmas, em apenas um deles há possessivo em segunda

posição. Como se pode notar, há três demonstrativos, um artigo, um

numeral e um possessivo. Assim, nos Tongas essa situação não é específica

de possessivo, como também acredita-se não ser no material estudado nesta

pesquisa.

Baxter (2001) apresenta a posição à esquerda em contigüidade com

o núcleo como a primeira posição a ser marcada nos Tongas com um peso

relativo de .95, mesmo na fala dos informantes da última faixa etária, que

têm, no geral, uma taxa de concordância de 25% e um peso relativo de

concordância de .11. Dessa forma, na aquisição da língua, o informante

inicia a marcação de plural por essa posição, e esses estudos reforçam o

que aqui se defende: o morfema de plural do elemento à esquerda em

contigüidade com o núcleo é um early system morpheme, ele é, por isso

adquirido priomeiro; os outros já são late system morphemes, daí esses

serem alvo de aprendizagem posterior, eles constituem um aparato

puramente gramatical de concordância, conforme a aplicação que esta

pesquisa faz da teoria de Myers-Scotton & Jake (2000).

Page 268: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

268

Na fala do português dos Tongas, segundo Baxter (2001), apesar

de, na última faixa etária, quase não haver presença de marca de

concordância em núcleos nominais e em elementos à direita dele, constata-

se a freqüente presença de marcas de plural em elementos pré-nominais

ligados diretamente ao núcleo. São sintagmas registrados nessa fala os

casos a seguir:

“ISSOS coesa”

“MUITOS criança aqui di muçambique”

“NAS costa. E panhare”

“NAS costa. Quere dizere”

“AS vêz quando que”

“AS vêz, brango sabia”

“OS fujido e coria pruque”

“OS bandido ININT, qui faze”

“ISSAS coesa.”

“ESSAS coesa.”

“ESSAS coesa. Novela”

“MEUS filho, eu”

“BOAS coesa aqui eu nõ sei

“ESSAS moça.”

“andare c'OS boi no mato”

Page 269: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

269

“Tudo ISSOS coesa que ta vere aqui”

“tudo ISSOS coesa pra ficá bõ.”

“tudo ISSOS coesa que veio agora tudo”

“Tudo OS coesa ta traçado.”

Os últimos exemplos registram elementos não nucleares à esquerda

do núcleo, imediatamente anteriores e não imediatamente anteriores, e os

elementos imediatamente anteriores com a marca de plural. Não foram, nos

dados dessa faixa etária (última faixa etária), encontrados registros de

núcleo nominal em primeira posição. Eles sempre estão precedidos ou por

numerais ou elementos não nucleares (determinantes, adjetivos,

possessivos). Mas em faixas de informantes mais novos já há concordância

em núcleos nominais, o que demonstra que a inserção da marca de plural

nos núcleos é posterior à inserção nos elementos pré-nominais (ou seja,

elementos não nucleares à esquerda do núcleo, em adjacência a ele).

3. 2. 5. 2 – Classe, posição linear e posição relativa e concordância

nos Grupos POP e UNI

Em seguida, observar-se-á o efeito dessa nova variável, em que se

fez o agrupamento das variáveis classe, posição linear e relativa, separando

os grupos representativos do português popular e do português

universitário. A expectativa é que essa variável possa contribuir com mais

informações a respeito dos dois grupos. No grupo POP, pode haver uma

restrição a essa variável diferente da que se possa constatar no grupo UNI.

A tabela a seguir faz uma amostragem dos resultados.

Page 270: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

270

Tabela 38:

Efeito da Classe, posição linear, posição relativa nos grupos POP e UNI

Classe Posição

POP (Sign.=.000) UNI (Sign.=.000)

Freqüência P. R. Freqüência P. R

Elementos não nucleares à

esquerda não adjacente

422/440

96%

.65 183/184 99% .76

Elementos não nucleares à

esquerda adjacente

3495/3519

99%

. 92 1901/1909

99%

.80

Elementos não nucleares à direita

do núcleo / segunda posição

70/111 63

%

.16 136/148 92%

P. R.

.21

Elementos não nucleares à direita

do núcleo / terceira posição

87/232 37% .08 159/175 91%

P. R.

.16

Elementos não nucleares à direita

do núcleo / quarta posição

11/60 18% .03 46/49 94% P.

R.

.27

Elementos não nucleares à direita

do núcleo / quinta posição

9/21 43% .09 25/30 83% P.

R.

.12

Page 271: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

271

Classe Posição

POP (Sign.=.000) UNI (Sign.=.000)

Freqüência P. R Freqüência P. R

Elementos nucleares em 1a posição 123/131

94 %

.59 162/166 98% .43

Elementos nucleares em 2a posição 2146/4022

53%

.15 1782/1922

93%

.28

Elementos nucleares em 3a posição 214/437

49%

.10 183/204 90% .14

Elementos nucleares em 4a posição 59/103 57% .16 24/26 92% .14

Elementos nucleares em 5a posição 12/12 100% 4/4

TOTAIS 6646/9088 73% 4605/4817 96%

Ao comparar os resultados dos dois grupos, nota-se que existe

muita semelhança na relação entre os fatores: elementos não nucleares à

esquerda fazem mais concordância; à direita, menos concordância; e,

quanto ao núcleo, há uma redução crescente da marcação de concordância

da 1ª até a 3

ª posição; na 4

ª, constata-se leve aumento, e, na 5

ª , efeito

categórico. Mas observa-se também que, no POP, há uma oposição maior

do que no UNI entre as posições à esquerda e entre as posições lineares dos

elementos à direita do núcleo e, também, entre as posições lineares dos

elementos nucleares.

Page 272: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

272

A primeira posição no núcleo é um elemento mais favorecedor no

POP, do que na fala universitária.

Para melhor entendimento do efeito dessa variável, faz-se, em

seguida, observação nos grupos de maior idade, POP 4 e UNI 4, com a

expectativa de que os registros dos informantes mais velhos possam

oferecer mais oposições entre eles.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

E n

ão a

dj

E a

dj

dir2

dir3

dir4

dir5

N1

N2

N3

N4

Gráfico 32: Efeito da Classe, posição linear e posição

relativa na concordância dos grupos POP e UNI

POP

UNI

Page 273: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

273

Tabela 39:

Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na concordância dos

grupos POP4 e UNI4

Classe, posição linear e posição

relativa

POP 4 UNI 4

Freqüência P. R. Freqüência P.

R.

Elementos não nucleares à

esquerda, não adjacentes ao

núcleo

82/85 96% .71 60/60 100%

Elementos não nucleares à

esquerda, adjacentes ao núcleo

769/774 99% .93 653/655

99%

.72

Elementos não nucleares à

direita do núcleo – segunda

posição

21/31 68% .18 82/83 99% .61

Elementos não nucleares à

direita do núcleo – terceira

posição

26/59 44% .06 71/74 96% .25

Elementos não nucleares à

direita do núcleo quarta posição

1/6 17% .01 19/19 100%

Elementos não nucleares à

direita do núcleo – quinta

posição

2/4 50% .02 10/11 91% .13

Page 274: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

274

Classe, posição linear e posição

relativa

POP 4 UNI 4

Freqüência P. R. Freqüência P. R

Elementos nucleares em 1a

posição

33/35 94% .63 88/90 98% .47

Elementos nucleares em 2a

posição

540/96156% .16 621/638 .33

Elementos nucleares em 3a

posição

43/86 50% .05 71/74 96% .22

Elementos nucleares em 4a

posição

25/34 74% .17 15/15 100%

TOTAIS 1542/2075 74% 1595/1635 98%

A comparação deixa claro que os dois grupos sofrem efeito em

graus diferentes, com relação a influência desta variável. Não fazendo a

distinção da concordância entre os elementos adjacentes e não adjacentes à

esquerda do núcleo, o grupo UNI 4 apresenta um quadro em que as

diferenças não são tão marcantes.

Os elementos não nucleares à direita do núcleo constituem-se como

sempre os desfavorecedores da concordância, em qualquer posição, nos

dois grupos, com exceção da 4ª posição linear nos universitários, por se

mostrar com concordância categórica.

Page 275: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

275

Poder-se-ia pensar se, na 5ª posição, não seria engano da análise a

ausência de concordância em um único dado,

“aquelas mangas franzidas assim bem FOFONA” M4U008R

perfazendo dez com concordância, de um total de onze. Se fosse marcado,

poderia se detectar um favorecimento que estaria localizado nessas

posições (4ª e 5

ª). Mas a análise não confirma isso, deixando mais uma vez

evidente que os itens à direita do núcleo têm mesmo uma forte tendência a

serem menos alvo de concordância.

Enquanto os falantes do português popular, nessa última faixa,

deixam bem salientes as oposições entre os fatores da variável,

Gráfico 33: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa

na concordância dos grupos POP4 e UNI4

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

E não

adj

E adj dir2 dir3 dir4 dir5 N1 N2 N3 N4

POP4

UNI4

Page 276: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

276

privilegiando a primeira posição dos elementos nucleares, isso não ocorre

no grupo dos universitários mais velhos, e, além disso, a concordância

apresenta-se como categórica nesses elementos a partir da quarta posição.

Da primeira à terceira posição dos elementos nucleares, no entanto, nos

grupos há um decréscimo semelhante. Para esses falantes, pois, com

exceção da oposição entre os elementos anteriores ao núcleo como mais

marcados que posteriores a ele, e um leve decréscimo entre algumas

posições lineares (decréscimo quebrado pela concordância categórica na

quarta posição dos elementos à direita do núcleo), as diferenças não são tão

radicais como no primeiro. Somando-se os resultados da análise dessa

variável aos resultados a que se chegou na análise da saliência, mais uma

vez surgem evidências de que esses dois grupos têm histórias de

aprendizagem do português com graus diversos de divergência de dados no

português de Salvador. A existência dessa maior variação no grupo POP e

menor no grupo UNI pode ser um reflexo da diversidade da população de

Salvador e das diferentes histórias de aquisição de língua a que os falantes

tiveram acesso, como dados primários, na constituição do português da

Bahia, como um todo, além dos diferentes efeitos da ação da escola nos

dois grupos, como se verá a seguir.

3. 2. 5. 3 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de

escolaridade

A análise que é feita em seguida diz respeito às escolaridades. O

objetivo é saber o efeito da variável em estudo em cada um dos grupos.

Para isso, serão retomados os dados dos universitários, já anteriormente

apresentados.

Page 277: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

277

Tabela 40:

Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na concordância dos

grupos com níveis diferentes de escolaridade

Classe,

Posição linear

e Posição

relativa

Fundamental

Sign=.000

Média Sign=.000 UNI Sign=.000

Freqüência P.R. Freqüência P.R Freqüência P. R

À esquerda,

não adjacente

ao núcleo

197/208 95% .66 225/232 97% .62 183/184 99% .76

À esquerda,

adjacente ao

núcleo

1686/1703

99%

.93 1809/1816

99%

.93 1901/1909

99%

.80

À direita do

núcleo, 2ª

posição

12/35 34% .11 58/76 76% .16 136/148 92% .21

À direita do

núcleo, 3ª

posição

19/114 17% .06 66/118 56% .10 159/175 91% .16

À direita do

núcleo 4ª

posição

1/30 3% .01 10/30 33% .03 46/49 94% .27

Page 278: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

278

Classe,

Posição linear

e Posição

relativa

Fundamental

Sign=.000

Média Sign=.000 UNI Sign=.000

Freqüência P.R. Freqüência P.R Freqüência P. R

À direita do

núcleo, 5ª

posição

1/9 11% .02 8/12 67% .13 25/30 83% .12

Núcleo em 1a

posição

39/42 93% .64 84/89 94% .46 162/166 98% .43

Núcleo em 2a

posição

789/2019

39%

.16 1357/2003

68%

.13 1782/1922

93%

.28

Núcleo em 3a

posição

61/211 29% .07 153/226 68% .15 183/204 90% .14

Núcleo em 4a

posição

21/54 39% .09 38/49 78% .30 24/26 92% .14

TOTAIS 2826/4425 64% 3808/4651 82% 4605/4817 96%

Page 279: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

279

O efeito da variável é semelhante em todos os níveis de

escolaridade, embora entre os universitários a oposição entre os dois fatores

que envolvem itens à esquerda do núcleo (posição anterior a ele), ou seja,

em posição adjacente ao núcleo ou intermediado por algum elemento, tem

uma diferença de peso relativo muito pequena (diferença de .04). Além

disso, embora à direita do núcleo haja uma redução grande no peso relativo

em relação à esquerda, como seria o esperado, o desfavorecimento não é

tão grande nesse nível de escolaridade como nos níveis primário e

secundário, e a redução proporcional à distância é pequena entre as posição

lineares. Outro aspecto a observar é, nos níveis Médio e Superior, o peso

relativo pequeno dos nomes em primeira posição e a elevação da 4ª posição

desses itens no nível médio, maior que nos outros grupos de escolaridade.

Gráfico 34: Efeito da Classe, posição linear e posição

relativa sobre a concordância nos níveis diferentes de

escolaridade

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

E

não

adj

E adj dir2 dir3 dir4 dir5 N1 N2 N3 N4

Fundamental

Média

Superior

Page 280: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

280

O que os dados apresentam é que o grau de escolaridade tem uma

interferência, como se esperava, na concordância. A variável Classe,

posição linear e posição relativa interfere nos três níveis, mas ela tem um

efeito mais radical quando a escolaridade não é suficiente para aplacar ou

reduzir a sua interferência. No colegial, já há uma interferência da escola,

mas ela é mais radical no nível universitário. A escola é uma instituição

formal de ensino, onde o padrão é apresentado a cada instante. Quanto mais

exposição à orientação escolar se fizer e quando mais cedo isso ocorre, as

marcas da interferência dessa variável são reduzidas. Os resultados

diferentes dos grupos de falantes do Colegial e do Universitário são

exemplos da existência da força da variável, mas, também, do efeito do

trabalho escolar. São, pois, duas forças a exercer pressão sobre a

concordância, uma externa e outra interna.

3. 2. 5. 4 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de

sobrenomes

Nessa seção, observa-se o efeito da variável ora estudada entre os dois

grupos de sobrenome. A expectativa é a de que o grupo de sobrenome

religioso apresente, através da observação do efeito da variável na

concordância do grupo, nos seus resultados, alguma marca de sua história

de aquisição do português. A tabela 41 mostra os resultados da análise.

Os resultados mostram que nos dois grupos de sobrenome se mantém

relativamente a mesma oposição entre posição à esquerda, mais

favorecedora, e à direita do núcleo, fator desfavorecedor.

Nos dois grupos, se observa o mesmo quadro nos núcleos: um

decréscimo de favorecimento a partir da segunda posição. Quanto à

Page 281: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

281

posição dos elementos à direita do núcleo, nos dois grupos, percebe-se que

há um grande desfavorecimento.

Tabela 41:

Classe, posição linear, posição relativa / Comparação entre o efeito da

variável entre os grupos de sobrenomes

Fatores

Não religioso

(Significância=.000)

Religioso

(Significância=.000)

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

À esquerda

não adjacente

170/177 96% .62 245/255 96% .69

À esquerda

adjacente

1576/1587 99% .93 1838/1849 99% .94

À direita, 2ª

posição

41/55 75% .20 29/53 55% .11

À direita, 3ª

posição

49/104 47% .08 36/124 29% .08

À direita, 4ª

posição

4/22 18% .02 7/34 21% .04

À direita, 5ª

posição

7/9 78% .19 2/12 17% .02

Page 282: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

282

Fatores

Não religioso

(Significância=.000)

Religioso

(Significância=.000)

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Núcleo, 1ª

posição

61/63 97% .63 59/65 91% .51

Núcleo, 2a

posição

1043/1829 57% .15 1056/2104 50% .13

Núcleo, 3a

posição

101/173 58% .10 111/256 43% .11

Núcleo, 4a

posição

28/48 56% P. R.

.17

.17 32/54 59% .15

TOTAIS 3079/4067 76% 3415/4806 71%

Os resultados alcançados na observação dessa variável, como foram

muito semelhantes nesses dois grupos, não acrescentam informações a

respeito da hipótese de história diferente de aquisição de português entre

os grupos de sobrenome. Apesar disso, relacionando os achados com o que

foi observado no português dos Tongas, tem-se a indicação de que o

processo da incorporação da morfologia de plural segue uma ordem que se

inicia no elemento à esquerda adjacente ao núcleo. E, uma vez adquirido

esse morfema, pode-se iniciar o processo da concordância.

Page 283: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

283

A concordância, então, deverá se processar prioritariamente em

elementos não nucleares à esquerda do núcleo não adjacentes ao núcleo,

posteriormente se espalhará para os núcleos e, em seguida, os elementos à

direita dele. Na posição à esquerda adjacente ao núcleo, pois, o morfema

não é de concordância, nas outras posições, sim.

3. 2. 5. 5 - Conclusões

Esta pesquisa, seguindo os passos de Scherre (1988), constatou que

elementos não nucleares à esquerda do núcleo são mais marcados que à

direita dele, e, ainda, acrescentou aos achados de Scherre (1988) que a

adjacência ao núcleo, dos elementos à esquerda dele, é um forte

condicionador de mais marcas. Segundo a teoria dos 4 M, a definitude é um

Gráfico 35: Efeito da Classe, posição linear e posição

relativa na concordância dos grupos de sobrenome

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

E

não

adj

E

adj

dir2 dir3 dir4 dir5 N1 N2 N3 N4

Não Religioso

Religioso

Page 284: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

284

early system morpheme. Na língua portuguesa, a informação de definitude,

que é dada pelo artigo e pelos determinantes, é acompanhada da

informação de plural, que, nesse contexto, é muito mais freqüente que nos

elementos nucleares dos sintagmas. Ele é, nessa situação, assim como a

definitude, aqui entendida como um morfema sistêmico ou funcional, que

cumpre intenções do falante (early system morpheme). O morfema de

plural, é, em outros contextos, no nome em 2a, 3

a, 4

a ou 5

a posição e em

elementos não nucleares, um morfema puramente gramatical (late system

morpheme), sendo gerado mais tarde (na fase do formulator), quando se

definem as implicações puramente funcionais ou gramaticais. A

informação de plural dada pelo early system morpheme não é morfema de

concordância, o são os outros, que têm intenção puramente de fazer

concordar os elementos do sintagma. Esses (os late) segundo a teoria, são

os últimos a serem aprendidos e são os primeiros a sofrerem variação. É

por essa razão que se constatou mais variação entre alguns desses

morfemas e menos entre outros.

A variação da concordância entre os elementos do sintagma, como

já se observou, pode ser explicada pela teoria dos 4 M (Scotton e Jake:

2000). Os tipos de morfema diferem, segundo essa teoria, principalmente,

no fato de serem ou morfemas de conteúdo ou morfemas funcionais e,

dentre esses, alguns são gerados mais cedo, juntamente com os morfemas

de conteúdo, os early system morphemes e outros, mais tarde, com

intenções puramente gramaticais, os late system morphemes. A

concordância dentro do SN, segundo o ponto de vista defendido nesse

trabalho, envolve dois desses tipos de morfema, early e late system

morphemes.

Page 285: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

285

3. 2. 6 A variável Grau

Ao estudar as classes gramaticais, controlou-se a oposição entre

substantivos ou adjetivos em grau normal e substantivos ou adjetivos em

graus aumentativo ou diminutivo. Como os graus aumentativo e diminutivo

são muito associados a momentos de informalidade, Scherre (1988)

considerou esse dado como mais um indicador de grau de formalismo do

contexto. No atual trabalho, o grau é observado apenas como tal, sem, com

isso, fazer qualquer generalização sobre o formalidade. A tabela a seguir

apresenta os resultados iniciais da observação dessa variável.

Tabela 42:

Efeito da variável Grau sobre a concordância – Todos os dados

Fatores Sign.=.000

Freqüência P. R.

Substantivo grau normal ex.: as MENINAS 4464/6593 68% .50

Substantivo grau aumentativo ex.: daqueles

FARDÃO

5/9 56% .09

Substantivo grau diminutivo ex.: umas

PORRADINHA

37/89 42% .24

Adjetivo grau normal ex.: lembranças BOAS 617/825 75% .51

Adjetivo grau aumentativo ex.: nos berço

GRANDÃO

0/2 0%

Adjetivo grau diminutivo ex.: as pedrinha assim

MIUDINHA

5/11 45% .24

TOTAL 5128/7527 68%

Page 286: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

286

O número de casos de aumentativos e diminutivos é muito pequeno

para que se pudesse chegar a conclusões a respeito da sua relação com a

variação da concordância. Apesar disso, a observação que se faz aqui é de

que os substantivos e os adjetivos no grau normal têm peso relativo de

concordância mais elevado (P. R. 50 e P. R. 51, respectivamente) que os

substantivos e adjetivos no grau aumentativo ou no diminutivo. Deve-se

observar que essas classes no grau aumentativo têm probabilidades

semelhantes de terem marca (P. R. 09, para nomes e adjetivos com

freqüência de 0%); o mesmo ocorre com as mesmas no grau diminutivo (P.

R. .24 para substantivos e adjetivos no grau diminutivo). Diante da pequena

quantidade de dados e da proximidade dos pesos relativos entre as classes

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

S nor S aum S dim A nor A aum A dim

Gráfico 36: Efeito do grau na concordância dos

substantivos e adjetivos (1)

Page 287: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

287

estudadas nos dois graus, analisou-se em seguida o efeito desses graus sem

separar as duas classes. O resultado dessa análise apresenta-se a seguir.

Tabela 43:

Efeito da Variável Grau na Concordância (juntando itens de classes

diferentes nos graus aumentativo e diminutivo)

Fatores

Sign.=.000

Freqüência P. R.

Substantivo grau normal 4464/6593 68% .51

Adjetivo grau normal 617/825 75% .52

Grau Aumentativo (Subs e

Adj)

5/11 45% .06

Grau Diminutivo (Subs e Adj) 42/100 42% .23

TOTAL 5120/7529 68%

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

S normal A normal Aumentativo Diminutivo

Gráfico 37: Efeito do Grau na concordância dos substantivos

e adjetivos (2)

Page 288: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

288

Esses resultados indicam desfavorecimento dos graus aumentativo e

diminutivo, sendo maior o do grau aumentativo, menor do diminutivo e

neutralidade em relação às duas classes em grau normal. Os substantivos e

adjetivos nos graus aumentativo e diminutivo estão, no entanto, em

posições que desfavorecem a marca, como se pode constatar no quadro a

seguir:

Tabela 44:

Posição dos Substantivos, Adjetivos e Categorias Substantivadas nos graus

Normal, Aumentativo e Diminutivo.

Fatores 1ª P 2

ª P 3

ª P 4

ª P 5

ª P

Substantivo

aumentativo

0 5/9 0 0 0

Substantivo diminutivo 2/2 100% 33/81 41% 2/6 33% 0 0

Adjetivo aumentativo 0/2 0%

Adjetivo diminutivo 0% 2/2 100% 2/6 33% 1/3 33% 0

Pode parecer que a posição desses substantivos e adjetivos nos

graus aumentativo e diminutivo, não o grau, é o responsável pela ausência

de marca. Os substantivos na 2a e 3a. posições têm freqüência de

concordância relativamente baixa (66% e 63%, respectivamente) e os

adjetivos no grau aumentativo ou diminutivo também estão em situação

desfavorecedora: todos eles estão em posição posterior ao núcleo, situação

altamente relacionada à não realização da concordância.

A análise, no entanto, selecionou a variável grau, juntamente com

todas as outras estudadas, na análise de todos os dados, inclusive

juntamente com a posição relativa. Para melhor entender a influência dessa

variável, na análise seguinte faz-se uma oposição entre grau normal, sem se

Page 289: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

289

considerar os substantivos e adjetivos, e grau aumentativo e grau

diminutivo. A tabela a seguir mostra os resultados.

Tabela 45:

Efeito da variável Grau sobre a concordância, independente da classe

gramatical

Fatores Freqüência P. R.

Grau Normal 5081/7418 68% .51

Grau Aumentativo 5/11 45% .06

Grau Diminutivo 42/100 42% .23

TOTAL 5128/7529 68%

A análise deixa indícios de que os graus diminutivo e aumentativo

desfavorecem a concordância, e o grau normal dos adjetivos e substantivos

constitui-se um fator neutro em relação a favorecimento da presença do

morfema de plural. Como o número de dados dos graus diminutivo e

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Grau normal Grau aum Grau dim

Gráfico 38: Efeito do grau na presença de

concordância dos substantivos e adjetivos

(3)

Page 290: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

290

aumentativo é muito pequeno, não se pode apresentar conclusões sobre o

efeito dessa variável sobre a concordância no sintagma nominal. Na análise

estatística através do Varbrul em rodadas com grupos menores (apenas

escolaridade Fundamental, apenas sobrenome, POP, UNI etc), essa variável

não foi selecionada, diante do número de dados e, por essa razão, neste

trabalho essa variável não se apresenta com o estudo detalhado nos

referidos grupos, como se faz com as outras variáveis.

3. 2. 7 Marcas precedentes

A variável marcas precedentes foi observada por muitos lingüistas

que estudaram a concordância dentro do sintagma nominal no português e

no espanhol, associando-a à variável posição linear. Nesta pesquisa, para

estudar a concordância no sintagma nominal, analisa-se, dentro de cada

sintagma, o contexto antecedente a cada um dos seus elementos. Os

elementos em primeira posição não foram observados na análise, pela razão

óbvia de, pelo fato de serem primeira posição, não terem elemento

antecedente dentro do sintagma. Os elementos em 2a posição foram

observados em alguns contextos específicos:

1) com antecedente com marca formal;

2) com antecedente sem marca formal;

3) com antecedente numeral terminado em /s/;

4) com antecedente numeral não terminado em /s/.

Em sintagmas com elementos em terceira, quarta ou quinta posição,

a análise procurou, entre outros aspectos, observar

1) se mais ou menos marcas de concordância interferem na maior ou

menor realização subseqüente de concordância. Poplack (1990),

analisando o espanhol, e Scherre (1988), o português, concluíram

que, nos sintagmas de três elementos ou mais, a existência de

marcas precedentes de plural favorece a ocorrência de mais

Page 291: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

291

marcas em elementos subseqüentes do sintagma. Tendo

conhecimento dos resultados a que se chegou nessas pesquisas,

busca-se neste material verificar a existência do fenômeno

anteriormente detectado;

2) que elementos precedentes podem interferir e, assim, observou-se

o efeito da presença do modificador no sintagma. O modificador

é aqui entendido como elementos não flexionáveis que

intermediam elementos do sintagma, a exemplo dos elementos

em itálico em

“os mais VELHOS, a caçula” M3C08

“livros totalmente DIFERENTES, uma coisa” M3C08

“professores bem mais, mais PACIENTES” M3C08

“filmes muito VIOLENTOS” M2C10

Nos sintagmas apresentados, os elementos mais, totalmente, bem

mais, mais e muito são, na análise, exemplos de modificadores que, apesar

de estarem dentro do sintagma, não estão envolvidos no processo de

concordância nominal, daí considerar-se, inicialmente, que é possível que a

existência e intermediação desses modificadores acabem inibindo a

realização da concordância nos elementos a eles subseqüentes.

A tabela 46 apresenta os primeiros resultados, envolvendo todos os

sintagmas.

Pelo que se observa na tabela, em segunda posição, os itens mais

marcados são os que têm zero na primeira (100%) e os que têm marca na

primeira posição têm mais tendência a inibir a regra de concordância.

Dessa forma, esse dado parece confirmar a hipótese funcionalista de que só

o dado relevante é mantido, sendo descartado o redundante ou o

desnecessário. A presença de marca de concordância no elemento em

segunda posição, em sintagmas com zero em primeira posição, recupera e

garante a informação de pluralidade. Sintagmas com numerais em primeira

Page 292: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

292

posição foram observados separando-se numerais terminados em /s/ e não

terminados em /s/, com a intenção de observar se esse dado interfere na

realização da concordância.

Tabela 46:

Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos elementos em

segunda posição Sign.=.000

Marcas precedentes Freqüência P. R.

Marca na primeira ex.: locais PRÓXIMOS 3780/5421 70% .48

Ausência de marca na primeira ex.: grande

CONDIÇÕES

43/43 100%

Numeral terminado em /s/ na primeira ex.: dois

ANOS de idade

385/591 65% .53

Numeral não terminado em /s/ na primeira ex.: sete

FILHOS

350/591 59% .56

Considerou-se, como se vê na tabela, a possibilidade de o -/s/ poder

interferir na maior presença de concordância diante de se ter como hipótese

a possibilidade de interpretação pelo falante desse -/s/ como morfema de

plural e, diante disso, esse elemento ser favorecedor ou desfavorecedor da

concordância.

Os elementos precedidos por numerais com final /s/ não

demonstraram, contudo, favorecer a marca, como se poderia imaginar, pois

o final das formas de numeral não se mostrou com qualquer importância no

favorecimento ou inibição da regra de concordância (P. R. .53 e P. R. .55,

com numerais terminados em /s/ e não terminados em /s/, respectivamente).

A diferença entre os pesos relativos referentes aos contextos antecedentes

Page 293: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

293

de numeral é muito pequena, mas os numerais, no entanto, mostraram-se

com uma influência maior que itens marcados em 1a posição: enquanto o

elemento precedente marcado tem um peso de .48, o numeral tem .53 ou

.55, a depender do final em /s/. Esse dado pode indicar que a saliência

semântica do numeral é um dado mais favorecedor do que a marca formal

na primeira posição: o elemento com informação contável, numérica,

condiciona o falante a fazer mais a concordância. Apesar de tão redundante

quanto nos sintagmas em que existe uma marca na primeira posição, com o

numeral em primeira posição (terminado ou não em /s/), o elemento tende a

ser mais alvo de concordância em segunda posição.

Nos sintagmas analisados, os numerais ocorreram em mais cinco

outros contextos: SN_, NS_, NNs(N)_, NN(N)_, N0_. No último, não

houve variação, contexto retirado da análise estatística do efeito das

variáveis por não haver, em todos os casos, marca. A seguir se apresentam

exemplos desses contextos.

SN_ - “uns dois BOLSINHO do lado H1C20

NS_ “cinco navios DIFERENTES, hum. H4U006R

NNs(N)_ - “setenta e duas mil TONELADAS, tem tres” H4U006R

NN(N)_ - “trinta e cinco ANOS, meus...” M2U05

N0_ - “duas blusa LIMPA ai, tu vai pra escola” M4F38

Nos dois primeiros contextos apresentados, os sintagmas se

caracterizam-se por terem não apenas numerais antecedendo o núcleo, mas

também outros elementos marcados formalmente. Em um deles, o elemento

marcado inicia o sintagma e, no outro, o elemento marcado se situa

imediatamente anterior ao núcleo. O efeito desses contextos sobre a

presença de marca não parece ser exatamente o mesmo, apesar de serem

próximos os pesos relativos: (.53 e .48, respectivamente); esses pesos não

permitem que eles sejam considerados como fatores realmente

favorecedores ou inibidores da marcação do plural.

Page 294: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

294

Nos dois sintagmas a seguir, há numerais de mais de uma palavra

anteriores ao núcleo do sintagma, a exemplo de

“três mil QUILÔMETROS na Rússia” H4U006R

“vinte e um DIAS folgando” M1C03

Esses contextos diferem quanto à presença ou ausência de /s/ final

em algum dos numerais que antecedem a terceira ou quarta posições.

Imaginou-se que o final /s/ dos numerais poderia favorecer mais marca,

diante da constatação de que mais marcas antecedentes levam a mais

marcas subseqüentes. Essa hipótese não se confirmou nos sintagmas de

dois ou três ou mais elementos: os pesos relativos dos dois grupos têm

pouca diferença de peso relativo, indicando que quando os numerais

terminam em /s/, o peso relativo de marca não é muito diferente de quando

os numerais não terminam em /s/. Apesar de se perceber, entre os dois

contextos com numerais antecedentes (com ou sem terminação -/s/), haver

diferença maior nos pesos relativos de concordância em itens em terceira

ou outra posição, testes estatísticos feitos indicaram que não havia

necessidade de separar esses dois contextos como fatores diferentes. Foi

essa a conclusão, também, a que chegou Scherre (1988:176). Dessa forma,

passa-se, neste trabalho, a observar o efeito do contexto antecedente com

numeral na presença da concordância sem mais considerar a terminação, se

com ou sem /s/ final.

Os elementos em 3a posição precedidos de dois ou mais elementos

com marca têm mais probabilidade de concordância (peso de .61), e esse é

um contexto que favorece a presença da marca de plural. Pelo que se

apresenta, o peso relativo da presença de marca se reduz bastante quando,

em sintagmas de três ou mais elementos, há ausência de marcas em

elementos precedentes.

Page 295: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

295

Tabela 47:

Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos elementos em 3a,

4a ou quinta posições Sign.=.000

Marcas precedentes Freqüência P. R

Duas marcas precedentes SS_ ex.: aquelas saias

PLISSADAS

502/693 72% .61

Um elemento sem marca e um com marca nas posições

antecedentes 0S_ ex.: a minhas CORRESPONDENCIA

7/20 35% .49

Um elemento com marca e outro sem marca nas posições

antecedentes S0_ ex.: as sacola PRONTA

8/110 7% .06

Numerais de mais de uma palavra com S final em

posição antecedente NNs(N)_ ex.: cinqüenta e duas

FITAS

28/40 70% .65

Numerais de mais de uma palavra sem S final em

posição antecedente NN(N)_ ex.: vinte e cinco ANOS

52/79 66% .58

Numeral e ausência de marca nas primeiras posições

(N0__) ex.: dois irmão HOMEM

0/2 0%

Marca e modificador antecedentes SM_ ex.: livros

totalmente DIFERENTES

49/80 61% .64

Marca e numeral nas posições antecedentes SN_

ex.: umas três MELHORES escolas

84/156 54% .53

Numeral e elemento com marca nas posições

antecedentes NS_ ex.: três vezes DIFERENTES

20/34 59% ..47

Mais de um elemento com marca e modificador

antecedentes SSM.: as pessoas mais VELHAS

79/117 68% .64

Um elemento com marca, outro sem marca e um

modificador nas posições antecedentes S0M_ ex.: as mão

assim CHEIA de calo

2/20 10% .16

Page 296: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

296

Com elementos cujo contexto anterior é um elemento marcado e

um sem a marca no sintagma, a exemplo de

“aquelas camisa BRANCA, com letreiro aqui” M1F05,

a possibilidade de “branca” vir com marca de plural é muito pequena (P. R

.06). Quando o ZERO não antecede imediatamente o elemento em terceira

posição (contexto anterior 0S_), o peso relativo aumenta, mesmo existindo

ZERO anterior (PR .49). São exemplos desse contexto:

“a minhas COISINHA” M3C17

“a minhas IRMÃS” M3C17

“na minhas COSTA” H3C15

“do outros DIAS H1C20

“tudo aquelas COISAS H3F32

O modificador, apesar de ser um elemento sem marca de plural, foi

considerado como constituinte de um outro contexto, diferentemente dos

considerados não marcados, por não existir, como já se observou, a

possibilidade de qualquer modificação na sua forma para adequar-se ao

contexto.

Nos sintagmas com modificadores, apresentados a seguir (os

modificadores estão em itálico),

“as cores mais VIVAS, mais berrantes.” M3U04

“trens tão CONFORTAVEIS quanto os” H4U006R

os elementos VIVAS e CONFORTÁVEIS se situam nos contextos SSM_

e SM_, ou seja, inicialmente há um ou mais elementos com morfema de

concordância, seguido(s) de modificador. Os dois contextos favorecem a

presença da marca (.64). Esse dado indica que o modificador não inibe a

aplicação da concordância, ao contrário de um elemento sem marca

antecedente do elemento no sintagma.

Nos casos apresentados, o terceiro elemento do sintagma tem como

antecedentes um zero seguido de marca. Pela análise estatística feita com

Page 297: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

297

os dados de que se dispõe, o zero em elementos na posição em destaque e

contexto apresentados (terceira posição) é menos provável do que no

contexto S0_. Esses dados confirmam a hipótese de Poplack (19...) e

Scherre (1988) de que marcas conduzem a marcas e zeros a zeros.

3. 2. 7. 1 Marcas precedentes – Todos os elementos

Diante da amalgação de vários dos fatores feita por Scherre (1988),

no estudo dessa variável, e também da semelhança de resultados entre

alguns deles, decidiu-se, após teste de significância estatística, reduzir essa

variável aos sete fatores a seguir:

1) elementos em segunda posição:

a) ausência de marca na primeira,

b) presença de marca na primeira,

c) numeral na primeira (sem considerar a terminação);

2) elementos em terceira ou outra posição:

a) mais de uma marca,

b) mistura de marca com marca antecedente, incluindo as

seguintes possibilidades de contextos antecedentes (nesses

contextos não há ausência de marca antecedendo

diretamente o elemento em análise):

- zero e marca;

- marca e modificador ;

- numeral e marca;

- marca e numeral;

- mais de uma marca e modificador.

c) mistura de marcas com zero antecedente, incluindo as

seguintes possibilidades de contextos antecedentes (nesses

Page 298: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

298

contextos não há elemento marcado antecedendo

diretamente o elemento em análise):

- marca e zero;

- zero e modificador;

- numeral e zero;

d) numeral de mais de uma palavra antecedente.

O resultado dessa amalgamação apresenta-se nas duas tabelas e

gráficos a seguir.

Tabela 48:

Efeito das marcas precedentes na concordância dos elementos em 2a

posição/ com amalgamação de fatores Sign.=.000

Marcas precedentes Freqüência P. R.

Presença na primeira 3780/5421 70% .48

Ausência na primeira 43/43 100%

Numeral na primeira 735/1182 62% .56

Os elementos em segunda posição são alvo de concordância

categórica, como os resultados da análise evidenciam, quando são

precedidos por elemento sem marca. Quando há marca no primeiro

elemento, contudo, o peso relativo de concordância é muito próximo do

ponto neutro, .48, não indicando favorecimento ou desfavorecimento. Os

numerais antecedentes, ao lado disso, indicam pequeno favorecimento.

Dessa forma, entre numerais ou marca antecedentes a elementos em

segunda posição, é o numeral o elemento mais favorecedor da

concordância.

Page 299: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

299

Em seguida, a análise dos elementos em terceira posição.

Tabela 49:

Efeito das marcas precedentes na concordância / com amalgamação de

fatores – 3a,

, 4a ou quinta posições. Sign.=.000

Marcas precedentes Freqüência P. R.

Mais de uma marca antecedente SS_ 502/693 72% .63

Mistura de marcas com marca antecedente 239/407 59% .58

Mistura de marcas com zero antecedente 10/131 8% .08

Numeral de mais de uma palavra 80/119 67% .65

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Marca na 1a Numeral na primeira

Gráfico 39: Efeito das marcas precedentes

na concordância dos elementos em

segunda posição

Page 300: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

300

Nessa nova análise, com a amalgamação de várias marcas aos

elementos em 3a,

, 4a ou quinta posições, não se perdem as oposições já

observadas:

1) numerais favorecem mais a concordância quando esses

numerais são formados por mais de uma palavra,

2) marcas motivam mais marcas e

3) zeros imediatamente antecedentes favorecem a mais zeros.

3. 2. 7. 2 Marcas precedentes – Grupos POP e UNI

Em seguida, para entender melhor o efeito da variável Marcas

precedentes sobre a concordância, apresentam-se os resultados da análise

separando os grupos do português popular (POP) e do português

universitário (UNI).

Os resultados indicam que os numerais que antecedem elementos em

segunda posição levam a favorecimento de concordância apenas no grupo

POP, não no grupo UNI.

Tabela 50:

Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos grupos POP e UNI

– 2a posição

Marcas precedentes POP Sign.=.000 UNI Sign.=.000

Freqüência P. R Freqüência P. R

marca 1925/3435 56% .48 1855/1986 93% .49

Ausência de marca 34/34 100% 9/9 100%

Numeral 530/952 56% .57 205/230 89% .42

Page 301: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

301

Entre os universitários, os numerais em primeira posição levam a mais

desfavorecimento que marcas nessa posição a elementos em segunda

posição.

Tabela 51:

Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos grupos POP e UNI

– 3a ou outra posições

Marcas precedentes POP Sign.=.000 UNI Sign.=.000

Duas marcas 208/372 56% .62 294/321 92% .61

Mistura com marca 120/276 43% .56 119/131 91% .56

Mistura com zero 5/120 4% .07 5/11 45% .07

Numeral de mais de uma

palavra

59/97 61% .59 21/22 95% .78

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

POP UNI

Gráfico 40: Efeito das marcas precedentes

na concordância dos itens em 2a posição

nos grupos POP e UNI

Marca na 1a

Numeral na 1a

Page 302: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

302

A análise do efeito das Marcas precedentes dos elementos em 3ª ou

outra posição dos grupos POP e UNI indica muita semelhança quanto ao

maior favorecimento da concordância em situação de mais marcas

antecedentes e menos favorecimento em situação de mais zeros

antecedentes. Apesar de no grupo UNI o numeral antecedente não

favorecer mais concordância para os itens em segunda posição, nos itens

em terceira ou outra posição ele mostra mais favorecimento no UNI do que

no grupo POP

Em seguida, observa-se como a variável marcas precedentes atua na

concordância dos falantes mais velhos desses dois grupos. As duas tabelas

a seguir apresentam os resultados.

Tabela 52:

Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 2a posição dos

grupos POP 4 e UNI 4

Gráfico 41: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos

itens em 3a, 4a ou 5a posições nos grupos POP e UNI

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Mais marcas Mistura com marca Mistura com Zero Numeral

POP

UNI

Page 303: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

303

Marcas precedentes POP 4 Sign.=.000 UNI 4 Sign.=.040

Freqüência P.

R.

Freqüência P. R.

Marca 443/763 58% .45 689/704 98% .48

Ausência

Numeral 163/279 58% .53 71/74 96% .34

O efeito da variável nos dois grupos parece ser o inverso: no grupo

POP4, é o numeral na primeira posição o fator favorecedor da

concordância em segunda posição, sendo a marca nessa posição um

Gráfico 42: Efeito das Marcas precedentes sobre

a concordância dos itens em segunda posição

dos grupos POP4 e UNI4

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

POP4 UNI4

Marca

Numeral

Page 304: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

304

desfavorecimento. No UNI4, ao contrário, o fator que inibe a concordância

é o numeral na primeira posição.

Apesar de os elementos em terceira terem favorecimento decrescente

de concordância entre os fatores correspondentes a mais marcas, até o

contexto menos favorecedor com menos zeros, as grandezas

correspondentes ao grau de favorecimento é bem diferente entre os grupos:

enquanto “duas marcas de plural antecedente” e “mistura de marcas com

marca antecedente” favorecem a mais marcas no grupo POP4, com um

peso de .82 e .75, respectivamente, no POP4, no grupo UNI4 os pesos

desses fatores são de .70 e .51, respectivamente. As diferenças são de

grandezas, mas há identidade quanto à curva de favorecimento ou

desfavorecimento.

Tabela 53:

Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 3ª ou outra

posições dos grupos POP 4 e UNI 4

Marcas precedentes POP 4 Sign.=.000 UNI 4 Sign.=.040

Freqüência P.R Freqüência P.R

Duas marcas precedentes 44/67 66% .82 118/121 98% .70

Mistura com marca 30/62 48% .75 54/57 95% .51

Mistura com zero 2/28 7% .07 2/3 67% .07

Numeral de mais de uma

palavra

29/37 78% .75 14/14 100%

Os dois grupos coincidem totalmente quanto ao efeito de

desfavorecimento da “mistura de marcas com zero imediatamente anterior”

aos elementos nessas posições, pois esse fator é altamente inibidor nos dois

grupos. O efeito do “numeral” antecedente a elementos nessas posições é

Page 305: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

305

muito forte tanto no POP4 (.75) como no UNI4, e nesse grupo com

concordância categórica.

3. 2. 7. 3 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância

dos grupos diferentes de escolaridade

Como a escolaridade exerce uma pressão grande sobre a

concordância, em seguida observa-se se o maior número de anos de

escolarização indica alguma mudança no efeito dessa variável. Assim,

fazem-se, em seguida, separadamente, análises nos três grupos de

escolaridade.

A tabela a seguir apresenta os resultados.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Mais marcas Mistura com

marca

Mistura com

Zero

Numeral

Gráfico 43: Efeito das Marcas precedentes sobre

a concordância dos itens em 3a., 4a ou 5a

posições dos grupos POP4 e UNI4

POP4

UNI4

Page 306: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

306

Tabela 54:

Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda

posição nos grupos de escolaridade diferente

Marcas

precedentes

Fundamental

Sign.=.000

Média Sign.=.000 Superior

Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Marca 669/1643 41% .48 1256/1792

70%

.48 1855/1986

93%

.49

Ausência 20/20 100% 14/14 100% 9/9 100%

Numeral 225/513 44% .58 305/439 69% .60 205/230

89%

.42

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Fundamental Média Superior

Gráfico 44: Efeito das Marcas precedentes sobre

a concordância nos itens em segunda posição

dos grupos de escolaridade

Marca

Numeral

Page 307: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

307

Tabela 55:

Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3ª ou outra

posições dos grupos de escolaridade diferente

Marcas precedentes Fundamental

Sign.=.000

Média

Sign.=.000

Superior

Sign.=.000

Duas marcas precedentes 48/143

34%

.67 160/22

9 70%

.52 294/321

92%

.61

Mistura com marca 40/147

27%

.65 80/129

62%

.48 119/131

91%

.56

Mistura com zero 1/87 1% .05 4/33

12%

.07 5/11

45%

.07

Numeral de mais de uma palavra 21/48

44%

.68 38/49

78%

.48 21/22

95%

.78

A análise através dos percentuais deixa claro que o efeito da

escolaridade é forte, os falantes de escolaridade primária têm um índice de

39% de concordância, os de 2o grau, 69% e os de escolaridade superior, um

índice de 92%. Constata-se, no entanto, a semelhança do efeito de alguns

dos fatores da variável marcas precedentes nas três faixas de escolaridade,

resumindo-se da seguinte forma:

1. os elementos em segunda posição são categoricamente marcados

quando são precedidos de elemento sem marca;

2. existe uma tendência de marcar mais em terceira ou outra posição

quando elementos do contexto diretamente antecedente não têm Zero;

Page 308: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

308

3. existe uma tendência de marcar radicalmente menos em terceira ou

outra posição quando contextos diretamente antecedentes não são

marcados nem mediados por elemento marcado.

3. 2. 7. 4 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos

grupos diferentes de sobrenome

A análise que se segue procura observar, nos grupos de sobrenomes

diferentes, como atua a variável Marcas.

Tabela 56:

Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda

posição dos grupos diferentes de sobrenome

Marcas

precedentes

Não religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Marca 924/1562 59% .48 957/1789 53% .48

Ausência 100% 100%

Numeral 248/418 59% .55 276/521 53% .62

Os resultados indicam efeito semelhante das marcas precedentes sobre

a concordância dos itens em segunda posição, nos dois grupos. O

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Não Religioso Religioso

Gráfico 45: Efeito das Marcas precedentes na

concordância dos itens em segunda posição dos

grupos de sobrenome diferente

Marca

Numeral

Page 309: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

309

favorecimento do numeral, no entanto, é um pouco mais evidente no grupo

de sobrenome religioso.

Tabela 57:

Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3ª ou outra

posições dos grupos de sobrenome diferente

Marcas precedentes Não religioso

Sign.=.000

Religioso

Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Duas marcas precedentes

SS_

111/154

72%

.75 97/212 46% .50

Mistura de marcas com

marca antecedente

55/108

51%

.55 63/161 39% .54

Mistura de marcas com

zero antecedente

2/52 4% .04 3/65 5% .09

Numeral de mais de uma

palavra

27/47 57% .53 31/48 65% .73

A concordância nos elementos em 3a, 4

a ou 5

a posições, nos dois

grupos, não sofre o efeito da variável Marcas precedentes da mesma forma:

enquanto mais marcas favorecem mais concordância no grupo de

sobrenome religioso, isso não pode ser dito com respeito ao grupo de

sobrenome religioso, pois esse fator não favorece, nesse grupo a

concordância (.50, indicando neutralidade – não há favorecimento nem

desfavorecimento da concordância. Quanto ao contexto antecedente de

numeral, o seu favorecimento só é evidenciado no grupo de sobrenome

religioso, não no de sobrenome não religioso.

Page 310: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

310

No grupo de sobrenome religioso, então, o efeito da variável marcas

precedentes mostra-se com algumas características comuns a todos os

grupos, mas com algumas peculiaridades, conforme se apresentam a seguir:

1) elementos em segunda, terceira ou outra posição antecedidos por

numerais (com ou sem /s/) são, sempre, mais marcados do que quando

são antecedidos por elemento (s) marcado (s);

2) elementos em terceira ou outra posição antecedidos por numerais são os

que têm o maior peso relativo de concordância, demonstrando ser muito

forte o efeito da saliência semântica do numeral;

3) os contextos de mais marca formal (duas ou mais marcas antecedentes)

não são grandes favorecedores de marcas, tendo pesos que não refletem

favorecimento nem desfavorecimento da concordância.

Para o grupo de sobrenome religioso, parece existir uma relação

entre a saliência semântica dos numerais, maior do que a saliência do

morfema do elemento marcado em primeira posição (cujo valor de plural

Gráfico 46: Efeito das Marcas precedentes sobre

a concordância nos itens em 3a, 4a ou 5a

posições dos grupos de sobrenome

00,10,20,30,40,50,60,70,80,9

1

Duas

marcas

Mistura

com

Marca

Mistura

com Zero

Numeral

de mais

de uma

palavra

Não religioso

Religioso

Page 311: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

311

apresenta-se apenas formalmente) que promove mais realização da

concordância. Tanto em sintagmas com morfema de plural como com

numerais em primeira posição, a concordância não é uma informação

relevante, no entanto os numerais exercem, nesse caso, um efeito muito

mais decisivo na concordância do grupo em questão.

Observa-se que o efeito dos numerais na concordância, que ocorre

no grupo de sobrenome religioso, não tem exatamente a mesma explicação

do efeito que se constata no grupo de sobrenome não religioso. Os fatos

indicam que para o grupo de sobrenome não religioso parece que o

contexto antecedente de numeral pode ser considerado análogo ao contexto

de mais de uma marca precedente (é possível comparar os pesos relativos:

.53 com antecedente numeral de mais de uma palavra e .55 contexto de

mistura de marcas com marca antecedente).

O contexto de mais de uma marca só é favorecedor para o grupo de

sobrenome não religioso. No grupo de sobrenome religioso, a presença de

outros morfemas de plural antecedentes não favorece a concordância

(nenhum dos contextos de mais marca é favorecedor para esse grupo).

Apenas o numeral de mais de uma palavra constitui-se favorecimento nesse

grupo de sobrenome religioso, o que parece ter relação com a saliência

semântica do numeral, mais explícita quanto à idéia de plural que a

presença do -/s/, morfema de plural. Parece que esse quadro do efeito dessa

variável no grupo de sobrenome religioso pode ser explicado

conjuntamente: há mais concordância com antecedente numeral nos itens

em terceira, quarta ou quinta posição e menos probabilidade de ela ocorrer

em itens com antecedentes com mais de uma marca ou com mistura de

marcas pela mesma razão – mais saliência semântica dos numerais e menos

saliência semântica dos itens marcados.

Page 312: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

312

3. 2. 8 Contexto fonológico subseqüente

No presente estudo, observa-se o contexto fonológico subseqüente a

cada elemento do sintagma e a sua interferência na concordância nominal.

A hipótese inicial é de que deveriam ser mais favorecedores os contextos

subseqüentes vocálicos, diante da tendência da busca do padrão silábico

CV, comum a muitas línguas. Inicialmente, são quatro fatores observados:

1) Consoante - dez FITAS por ano H4F06

2) Vogal - três VEZES e eu ia H4F06

3) Pausa interna - outros SETORES, tudo que… M3C07

4) Pausa Final de sentença - muitos SONHOS. M3C07

Considera-se pausa interna uma distância de realização fônica que

impeça a interferência entre os sons, entre o elemento em análise e o

subseqüente, na elocução feita; a pausa final, no entanto, é mais longa,

caracterizando um fim de sentença, ou de período.

Não são considerados os seguintes contextos subseqüentes aos

elementos em análise: /s/, /z/, /š/, /ž/, cujos dados são desprezados, diante

da dificuldade de detectar a real presença ou ausência da marca de plural no

elemento anterior. Os resultados da análise inicial são apresentados em

seguida, na tabela 58.

Page 313: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

313

Tabela 58:

Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância – Análise

inicial

Contexto posterior (Significância= .000) P. R.

Consoante 6985/8170 85% .48

Vogal 2219/2669 83% .54

Pausa interna 1604/2443 66% .51

Pausa final 418/580 72% .62

TOTAL 11226/13862 81%

Como se vê, a posição de final de sentença mostra-se como o contexto

mais favorecedor de todos (P. R. .62) e as posições anterior a vogal (P. R.

54) e antes de pausa interna (P. R. .51) têm um peso relativo que indica que

Gráfico 47: Efeito do Contexto subseqüente sobre a

concordância Análise inicial

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Consoante Vogal P interna P final

Page 314: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

314

esses fatores não interferem na concordância; quando o contexto seguinte é

consoante, não há favorecimento nem desfavorecimento da concordância, o

peso relativo indica proximidade do ponto neutro (P. R. 48). A diferença

entre os pesos dos três últimos fatores referidos (contexto fonológico

subseqüente vocálico, consonantal ou pausa interna) é tão pequena que

poderia sugerir uma oposição entre dois pólos: final de sentença e não final

de sentença.

Apesar de Scherre (1988) ter feito a amalgamação entre pausa

interna e pausa final, nesta pesquisa os dois fatores não se mostraram com

peso aproximado, não apresentando, pois, motivo de isso ser feito. Mesmo

tendo consciência de que a situação, nos dados, não indicava necessidade

de juntar esses fatores, decidiu-se por fazê-lo apenas como teste, para

verificar as conseqüências disso. A tabela a seguir apresenta os resultados.

Tabela 59:

Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância – Análise

inicial amalgamando Final interno e Final de sentença

Contexto posterior Freqüência Sign.= .000 P. R.

Consoante 6985/8170 85% .48

Vogal 2019/2669 83% .54

Pausa 2022/3023 67% .53

TOTAL 11226/13862 85%

Page 315: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

315

Com essa amalgamação, desfaz-se a oposição, que era

relativamente grande, entre a pausa final, que agora passou a ter um peso

relativo bem menor, reduzindo bastante a diferença entre os fatores,

chegando o peso relativo desse fator a ser menor que o da vogal. A

amalgamação feita é, assim, de certa forma, prejudicial à análise. Dessa

maneira, esses resultados mostram a necessidade de manter a oposição

entre esses dois fatores, pausa interna e pausa final, no presente trabalho.

Em seguida procura-se observar o efeito da variável contexto

fonológico subseqüente, considerando também o traço sonoridade entre as

Gráfico 48: Efeito do Contexto subseqüente na concordância

Análise inicial, sem distinguir pausas interna e final

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Consoante Vogal Pausa

Page 316: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

316

consoantes. A tabela a seguir mostra que as consoantes sonoras são mais

desfavorecedoras da concordância do que as surdas.

Tabela 60:

Efeito do Contexto subseqüente na concordância, análise inicial,

considerando a sonoridade da consoante.

Contexto subseqüente

Sign.= .000

Freqüência

P. R.

C Surda 3788/4218 89% .52

C Sonora 3247/3952 82% .44

Vogal 2219/2669 83% .54

P Interna 1604/2443 66% .50

P Final 418/580 72% .62

TOTAL 11226/13862 81%

Page 317: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

317

Com essa análise, fica evidente que, entre as consoantes, o contexto

subseqüente menos favorecedor da concordância é o de consoante sonora e,

em seguida, no ponto neutro, estão os contextos de pausa interna e o de

consoante surda. Mas de todos os contextos o que se mostra mais

favorecedor continua sendo o final de sentença, com um peso de .62.

Gráfico 49: Efeito do Contexto subseqüente, análise inicial,

considerando a sonoridade da consoante

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

C Surda C Sonora Vog P interna P final

Page 318: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

318

3. 2. 8. 1 Contexto fonológico subseqüente – Análise geral,

separando itens de plural regular e itens terminados em -/s/

Motivada por Scherre (1988), esta pesquisa observa o efeito da

variável Contexto fonológico subseqüente, estudando os itens de plural

regular e os itens terminados em /s/, em análises independentes. Foram

considerados apenas esses tipos de formação de plural e não os outros tipos

de formação (duplo, em -/l/, em -/r/, em –ão regular ou -ão irregular (Ver

seção 2. 3. 1 e seção 3. 2. 1. 1) por tomar esses elementos como itens em

que o contexto subseqüente tem mais possibilidade de interferir na

concordância: os de plural regular, pois, com o acréscimo do -/s/, se o

contexto subseqüente é vocálico, há condições para a formação de nova

sílaba; se é consonântico, não há formação de nova sílaba e, assim, a

variação da concordância pode ser inibida; a concordância nos itens de

final em -/s/, também, pode ser favorecida ou inibida pelo contexto, uma

vez que, sendo vocálico ou consonântico, dentre outras possibilidades, o

efeito fonológico do -/s/ final é diferente e pode provocar surgimento

também de outra sílaba. Em todas as análises estatísticas apenas com itens

em /s/, a significância da variável é muito alta, evidenciando que a análise

não tem o mesmo nível de confiabilidade que nas demais análises feitas,

além de a variável ser excluída, o que pode ter ocorrido devido ao número

pequeno de dados em cada uma das rodadas. Diante disso, faz-se na atual

pesquisa apenas a análise geral dos dados de itens em -/s/, deixando-se de

fazer o confronto entre os grupos observados no estudo das outras

variáveis. Os resultados da análise geral são apresentados na tabela 61,

referentes a itens de plural regular e os resultados dos itens em -/s/.

Page 319: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

319

Tabela 61:

Efeito do contexto fonológico subseqüente na concordância em Itens de

plural regular e Itens em -/s/, considerando a sonoridade da consoante

subseqüente –– Análise geral

Contexto subseqüente

Itens com plural regular

(Significância=.000)

Itens terminados em

/s/

(Significância=.032)

Freqüência P. R. Freqüência P. R

Consoante surda ex.: muitos

ANOS Que ele sonhou

3552/3980 89% .53 71/99 72% .44

Consoante sonora ex.: as

MENINAS Gostavam

3038/3693 82% .44 72/93 77% .50

Vogal ex.: muitos casos

DESAGRADÁVEIS

Aconteceram

1969/2341 84% .53 141/199 71% .46

Pausa interna ex.: seus

BRINQUEDOS, tem seu

espaço

1362/2156 63% .50 64/77 83% .57

Pausa final ex.: boas

LEMBRANÇAS.

358/509 70% .61 24/27 92% .79

TOTAL 10279/12679 81% 538/685 79%

Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular e itens em -/s/ sobre a concordância 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,91C SurdaC SonoraVogP intP finalItens de plural regular Itens em -/s/

Page 320: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

320

A análise deixa claro que, em itens de plural regular, o traço surdo

na consoante do contexto seguinte ao elemento é bem menos

desfavorecedor da presença de marca de plural (P. R. 52) que o traço

sonoro (P. R. .44). Considerando esse traço na consoante, a escala de

favorecimento dá-se partindo da pausa final, reduzindo o favorecimento em

direção às consoantes sonoras, contexto subseqüente mais desfavorecedor

da marca de plural, passando pelas vogais, consoantes surdas e pausa

interna, como fatores neutros, pois não inibem nem favorecem a

concordância.

Observando-se apenas os itens terminados em /s/, o efeito da

variável é diferente. Apesar de a pausa final ser o contexto mais

favorecedor da concordância dos itens em -/s/, como ocorre com os itens de

plural regular, esse favorecimento é bem maior do que com os de plural

regular. Além disso, observa-se desfavorecimento no contexto posterior

com vogal, fator que não desfavorece (mas também não favorece) no grupo

Gráfico 50: Efeito do Contexto subseqüente na

concordância dos itens de plural regular e dos itens

terminados em -/s/

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

C Surda C Sonora Vog P int P final

Itens de plural

regular

Itens em -/s/

Page 321: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

321

dos itens de plural regular.

Outra diferença é que a consoante surda, que não é grande inibidora

no grupo de dados com o plural regular, passa a desfavorecer quando o

grupo fica restrito a itens terminados em /s/.

A explicação que Scherre (1988) dá para o desfavorecimento do

contexto subseqüente vocálico, para esses itens, é através do fenômeno da

haplologia, em que o falante tende a fazer desaparecer sons repetidos. Em

um sintagma como umas vezes ele vem [vezezele], para evitar a repetição

do /ze/, o falante deixa de fazer a concordância: algumas vez ele vem. Essa

explicação parece coerente para se entender a ausência de concordância

nesses contextos. A análise ora feita mostra que o contexto fonológico

posterior vocálico é desfavorecedor da marca de plural nesses itens, o que

não deixa dúvida de que a explicação de Scherre está de acordo com a

realidade dos fatos.

Como no estudo das outras variáveis, faz-se, em seguida, uma

observação do efeito da variável ora em estudo, Contexto fonológico

subseqüente, entre os diversos grupos: POP, UNI, níveis de escolaridade e

tipos de sobrenome. Como já se observou, o estudo não envolve a

comparação do efeito da variável com os itens em -/s/, porque a variável

não é selecionada, ao observar apenas os dados em -/s/ de cada grupo.

3. 2. 8. 2 Contexto fonológico subseqüente aos itens de plural

regular – Grupos POP e UNI

O passo seguinte na análise é observar como essa variável atua nos

dois grandes grupos aqui trabalhados, o português popular e o português

universitário. Para chegar à comparação entre os grupos, foram feitas

Page 322: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

322

análises diferentes, com cada um deles, e o resultado observa-se na tabela

62.

A análise revela que há exatamente o mesmo efeito da variável sobre a

concordância nos dois grupos: é o fator referente ao contexto subseqüente

com consoante sonora é o que mais inibe a concordância e a pausa final é o

que mais a favorece.

Tabela 62:

Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular na concordância

dos grupos POP e UNI

Contexto posterior POP Sign.= .000 UNI Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P.R.

C. surda 2198/2596 85% .53 1354/1384 98% .56

C. sonora 1888/2489 76% .44 1150/1204 96% .42

Vogal 1098/1439 76% .52 871/902 97% .52

Pausa interna 666/1405 49% .51 676/751 90% .47

Pausa final 188/329 57% .61 170/180 94% .61

TOTAL 6058/8258 73% 4221/4421 95%

Os contextos de vogal e de pausa interna estão bem próximo ao ponto

neutro e o contexto de consoante surda apresenta um pequeno

favorecimento (.56). Através do estudo do efeito dessa variável na

concordância, e a constatação de que o efeito é o mesmo nos dois grupos,

Page 323: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

323

então tem-se a indicação de que a interferência do Contexto subseqüente

na concordância é um fenômeno realmente estrutural, que independe do

grupo observado e da sua freqüência de realização de concordância.

Mas é importante que se observem os outros grupos dessa análise para

que essa hipótese possa ser comprovada.

Gráfico 51: Efeito do Contexto fonológico subseqüente na

concordância dos grupos POP e UNI

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

C Surda C Sonora Vog P interna P final

POP

UNI

Page 324: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

324

3. 2. 8. 3 Contexto fonológico subseqüente na concordância e

escolaridade. A tabela 63 apresenta os resultados de análises de cada nível

de escolaridade, feitas separadamente.

Tabela 63:

Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de plural regular

dos grupos de escolaridade diferente

Contextos Fundamental

Sig=.000

P.R. Média

Sig=.000

P.R. Superior

Sig.=.000

P.R.

C Surda 979/1245 79% .50 1219/1351

90%

.54 1354/1384

98%

.56

C Sonora 843/1208 70% .44 1045/1281

82%

.44 1150/1204

96%

.42

Vogal 461/664 69% .56 637/775

81%

.49 871/902 97% .52

P. interna 247/739 33% .52 439/666

66%

.52 676/751 90% .47

P. final 79/189 42% .63 109/140

78%

.66 170/180 94% .61

Total 2609/4045 64% 3449/4213 82% 4221/4421 95%

Page 325: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

325

3. 2. 8. 4 Contexto fonológico posterior – Grupos de sobrenomes

Para concluir o estudo da variável Contexto subseqüente, resta

observar o seu efeito nos grupos diferentes de sobrenome. A tabela 64

apresenta os resultados da análise.

A análise dos dois grupos de sobrenome não revela nenhuma

diferença quanto ao efeito da variável na concordância: mantém-se o

contexto de Final de sentença como o mais favorecedor da concordância e

o contexto subseqüente de consoante sonora como o mais inibidor da

presença de marca.

Gráfico 52: Efeito do Contexto subseqüente na concordância

dos itens de plural regular dos grupos de escolaridade

diferente

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

C Surda C Sonora Vog P interna P final

Fundamental

Média

Superior

Page 326: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

326

Tabela 64:

Efeito da Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância dos itens

de plural regular dos grupos de Sobrenome

Contexto

Não Religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000

Freqüência P. R. Freqüência P. R.

C. surda 1006/1152 87% .54 1141/1382 83% .52

C. sonora 861/1108 78% .43 996/1333 75% .45

Vogal 490/619 79% .52 579/789 74% .52

P. interna 343/635 54% .51 338/747 45% .51

P. final 108/180 60% .57 76/142 54% .61

Total 2808/3694 76% 3417/4798 71%

Dessa forma, a variável Contexto subseqüente não atua de forma

diferente nos dois grupos e o que foi revelado no grupo de escolaridade

Fundamental, quanto a uma tendência de busca do padrão CV, isso não se

apresenta em qualquer dos dois grupos de sobrenome.

Page 327: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

327

O estudo feito sobre o efeito da variável Contexto subseqüente

sobre a concordância mostra que existe uma relação entre o tipo de

contexto subseqüente aos itens do sintagma e a probabilidade de ser feita a

concordância entre os elementos do sintagma. Os itens de plural regular são

mais alvo de concordância quando estão em final de sentença e menos

quando são seguidos por consoante sonora.

Gráfico 53: Efeito do Contexto fonológico subseqüente na

concordância dos itens de plural regular dos grupos de

sobrenome

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

C Surda C Sonora Vog P interna P final

Não Religioso

Religioso

Page 328: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

328

3. 2. 9 A variável coexistência com tudo70

Nesta pesquisa, observa-se o efeito da coexistência do quantificador

tudo, forma neutra do quantificador todo, TUDO, usado no valor de todos,

todas, na concordância dentro do sintagma nominal. No corpus, são

identificados casos, como os apresentados a seguir:

“fazer TUDO aquelas coisas de errado de novo” H3F32

“os policiais TUDO em fileira” H2F40

“dos meus tio morava TUDO junto” M1C02

“os alunos saìram TUDO pra ver” M1F05

“as bonecas eram TUDO lá guardada no armário” M1C12

“meninas TUDO pequeninha assim que tem onze” M1C12

“as criança estão TUDO em casa” M1C12

“as menina TUDO chutando, pegando” H3C15

“os menino ficavam TUDO doido” M3C17

“os pezinho dele TUDO furado, aì quando” M3C17

“os colegas TUDO ficavam juntos” H2F09

“as pessoas saìam TUDO correndo” M2F29

“eles hoje estão TUDO perdido, porque lá” H4F35

70

O Tudo, utilizado no valor de todos, todas, foi observado por Pinto (1996), não com o intuito de estudo

da concordância, mas sim de análise da utilização da forma substantiva neutra, tudo, registrada na fala

carioca com valor de adjetivo. O objetivo do trabalho é 1) determinar os fatores que determinam o uso da

forma substantiva em contextos em que se prevê a forma adjetiva; 2) comprovar se há ou não

estigmatização no uso; 3) analisar se o fenômeno evidencia um processo de mudança. (Pinto, 1996:8).

Esse uso da forma tudo com valor adjetivo, em sintagmas em se espera o todos ou todas é exatamente o

Page 329: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

329

“os neto TUDO, mas não estou” H4F34

“quatro moram TUDO no Beiru” H4F34

“pegou nós TUDO e pro juizado” M1F45

O tudo no valor de todos, todas é também encontrado em dialetos

que são resultado de processos de aquisição com grande divergência de

dados. Na fala dos Tongas71

, comunidade de ex-escravos, em São Tomé, na

África, por exemplo, encontram-se sintagmas com o tudo no mesmo valor:

“os avó TUDO veio de Angola”

“os coisa TUDO”

“TUDO os coisa tá traçado”

“os criança TUDO…”

“os médico TUDO foi embora”

“TUDO os home foi embora”

Nos exemplos “tudo os coisa tá traçado” e “tudo os home foi

embora”, nota-se que o tudo está à esquerda do núcleo e, mesmo assim,

aparece a forma neutra ao invés da forma flexionada. Nos outros exemplos,

sem levar em conta a variação da concordância de gênero que os sintagmas

exibem, o uso de tudo, situação interpretada como ausência de

concordância do quantificador todo, a forma aparece à direita do núcleo,

posição inibidora da presença de marca na amostra estudada nesta pesquisa

na seção 3. 2. 4. No corpus observado neste trabalho, o tudo ocorre de

tudo observado no presente trabalho, considerado, não como a forma neutra tudo, e, sim, como a forma

pluralizável (já que a forma é usada no valor de todos ou todas, com ausência de marca). 71

A comparação foi feita graças ao professor Alan Baxter, que gentilmente cedeu as fitas com as

entrevistas gravadas.

Page 330: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

330

forma semelhante e fica evidente que o uso é perfeitamente comparável

àquele dos Tongas72

.

No português descrioulizado de Macau também se atestou esse uso

do TUDO, a exemplo de

“pa veng visitar nóx TUDO domingo.” (ao invés de “nós todos”)

“Mana, ávó, pai, irmang - qui justo morê - mãe, tudo bêbê.” (ao

invés de “todos bebem”)

“Madrinha leva iô, pocósa esti genti di Figueiredo tudo é parenti

longe dela.” (no lugar de “todos são parentes”)

“Ieu sabe vossa pai, mae tudo gosta bêbê, você nãong bebe?”73

(no

lugar de “todos bebem”)

Coelho (1967:62-5) também registra o tudo em texto escrito no

dialeto macaísta, em cartas pessoais de 1865 a 1869:

“Já intra anno novo; mutu bom anno, filicidade, vida, saúde para vós,

vosso marido e tudo criança criança.” (1865) (ao invés de todas as

crianças)

“Como vôs lôgo querê sabe tudo novidade de Macáo, porisso que eu

já pedi com tudo sium sium, parecero de jogo, pra trazê tudo

novidade de fóra pra eu pôde escrevê pra vôs.” (1869) (no lugar de

72

“Tudo seems to function as a redundant reinforcer of plurality. Plural marking is inserted with the aid of

this semantic trigger, in obvious contexts (cf. the role of numerals). While this role is relatively minor in the

general data, it has implications for the nature of earlier L2 Tonga Portuguese. Thus, an additional dimension

to tudo is that it mainly occurs in post nominal position, although prenominal position is also found.. In

European Portuguese, inflecting todo may appear in both these positions. This suggests that the L2

Portuguese that provided PLD for F3, gave preference to the post-nominal position, but, as the suffixal

inflectional morphology of E.P. todo was not transparent to L1 speakers of Umbundo, with its prefixal

system, the bare form tudo was incorporated and principally in a post-nominal position coincidental with the

unmarked Mbundo quantifier position.” (Baxter, 2001:17). 73

Dados retirados de transcrições de material coletado em Macau, China, cedido por Alan Baxter e Mário

Nunes. Os informantes pesquisados são todos da última faixa etária, com mais de setenta anos.

Page 331: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

331

toda a novidade; todos os senhores, ou todos os homens; todas as

novidades ou toda a novidade).

“Aquelle tolo de Boletim parte que dá peza sua viuva, vae dá pra

tudo sua amigo amigo.” (1869) (ao invés de todos seus amigos).

Os usos registrados do tudo, apesar de aparentemente não terem

relação com nomes plurais, nota-se que alguns dos substantivos indicam

claramente pluralidade, expressa pela sua duplicação: criança, criança;

sium, sium; amigo, amigo, comum a diversos crioulos.

No dialeto de Helvécia, na Bahia, Baxter, Lucchesi & Guimarães

(1997:30) documentam o uso do TUDO, ao invés do quantificador

flexionado:

“Foi vendeno TUDO essas madeira” (ao invés de “TODAS essas

madeiras”.)

“três mãe de filho e ôtas tudo soltêra” (ao invés de “outras TODAS

solteiras”.)

Os autores observam que o quantificador TODOS, apesar de, no

português, ser comumente utilizado em posição anterior ao núcleo, como

“Todas as pessoas convidadas”, nesse dialeto o uso mais freqüente é como

elemento posnominal, na sua forma neutra TUDO (“As meninas tudo

foram embora”), e dizem que esse uso sugere

“... a existência anterior de um sistema que usou uma

forma invariável única do quantificador todo, neste

caso derivado da forma neutra tudo, como é o caso

em crioulos de Cabo Verde e São Tomé, com base

no português. Na mesma situação como o

Page 332: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

332

quantificador poderia aparecer, antes ou após o

nome.”74

Careno (1997: 82, 88) também registra o TUDO com o mesmo valor

(de todos, todas) em comunidades negras do Vale do Ribeira:

“TUDU mi respeit‟I::: TUDU elis… segui [seja] … segui netu…

segui bisnetu respeitu qu‟elis tem pur mim” (ao invés de “todos

eles”)

“eu digu tão ficandu Loco… purque tão vendendu TUDAS terra qui

têm…”75

(ao invés de “vendendo todas as terras”)

No primeiro caso, o TUDO refere-se a pessoas e não coisa, e tem o

valor de todos eles, e, no TUDU elis, a concordância que se prevê no

sintagma não é realizada (“todos eles”). O tudas, presente no exemplo que

segue, mostra que essa forma, nesse dialeto, é, talvez, um elemento

intermediário entre o TUDO e as formas variadas do quantificador, o todos

e o todas. Existe, também, a possibilidade de que a realização tenha sido

TUDO as terra, com o TUDO e não “tudas”.

Mattos e Silva (1988) registra o TUDO no português Kamayurá76

:

“Saiu do mar TUDO os olho vermelho” (ao invés de “os olhos todos

vermelhos”).

“Aì cheguemo lá, aì Kalapalo vê nós TUDO” (ao invés de “nós

todos”).

74

“… the former existence of a system which used a single invariable form of the quantifier todo „all‟, in

this case deriving from the neutral form tudo, as is the case in the Portuguese-based creoles of Cape

Verde and São Tomé. Such a quantifier could appear both before and after the noun.” (p.30) 75

Foram conservadas as grafias utilizadas por Careno (1997) 76

O português Kamayurá refere-se à língua utilizada pelos índios bilíngües Kamayurá, tribo do Parque

Nacional do Xingu, no Estado do Mato Grosso.

Page 333: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

333

“Aquele que foi junto nós, TUDO choraro, choraro” (no lugar de

“todos choraram”).

Nos dois primeiros casos, a concordância dentro do sintagma deixou

de ser realizada (“os olhos todos vermelhos”, “nós todos”); no exemplo

seguinte, o TUDO é utilizado no valor de todos, sendo o núcleo do

sintagma, com antecedente humano. Mattos e Silva (1988:104), ao tratar as

“simplificações” dos quantificadores TUDO e NADA, registradas nos

Kamayurá, diz que esses casos

“sugerem a confirmação da hipótese de que

documentamos estágio da aprendizagem do português

por uma comunidade de origem lingüística distinta.

(…) No corpus de controle podemos observar, em

certos contextos, uma redução maior, em favor de

tudo.”

A autora, com referência a esses casos de TUDO, diz que

“… o quantificador TUDO, nesse dialeto, [tem um]

contexto mais amplo, isto é, ocorre sem as restrições

de traços semânticos e sintáticos que selecionam, pelo

menos nos dialetos urbanos, as formas tudo, todos,

toda. Nesses dialetos tudo tem um referente não

animado e preenche a posição de núcleo do sintagma

nominal; neste, (…) funciona na posição de núcleo do

sintagma nominal ou com determinante.” (op.cit.

p.104).

Page 334: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

334

Como conclusão sobre essa realização e, também, sobre outros

aspectos lingüísticos, Mattos e Silva (1988:110) faz uma relação entre esses

fenômenos, o processo de aquisição e à sua fase de desenvolvimento:

“Do que foi dito sobre os quantificadores e os dêiticos

se pode admitir que o processo de aquisição desses

elementos não parece se desenvolver num mesmo

“ritmo de aprendizagem”, enquanto as regras de

seleção dos indicadores dêiticos de lugar e tempo em

relação ao momento da enunciação já aparecem bem

dominadas pelos informantes, as de alguns

quantificadores indefinidos [incluindo, nesse caso, o

TUDO], do artigo e dos demonstrativos apresentam-se

simplificadas e oscilantes.”

Também foram encontrados registros do TUDO com as mesmas

características em Emmerich (1984), também da língua de contato do Alto

Xingu, dos quais foram transcritos alguns exemplos:

“Aì Cláudio vem aì, entrô ali no Tu(a)tuari, veio espiá TUDU esses

mato aì.” (Emmerich ,1984:256)

“Aì nóis descemu. Aì nóis viu, lá no Awara‟ì, né. Aì nóis descemu

TUDO lá.” (Emmerich, 1984:261)

Nos sintagmas apresentados, “TUDU esses mato aì” e “nóis…

TUDO”, encontra-se a mesma estrutura, em que o TUDO substitui a forma

pluralizada correspondente TODOS, cumprindo a previsão de

concordância. Mas há casos registrados também em Emmerich (1984) do

TUDO no valor de todo mundo e todos, nesse caso desvinculado de

Page 335: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

335

concordância, referindo-se indiferentemente a humanos e não-humanos, a

exemplos de:

“Aì Orlando tava assim barbudo. Leonardo, Cláudio, TUDO isso,

todo mundo tava barbudo, né.” (Emmerich, 1984:248)

“Aì todo mundo foi lá. Só quem num foi o Waurá e… e… Matipú,

né. Matipú tava longe ainda. Agora não, agora TUDO tá aqui perto.

Agora Kalapalo perto, Matipú, Waurá, TUDO aqui perto. Só ficô lá

Kamaturá e Awetì.” (Emmerich, 1984:253).

Pinto (1996) também registra o tudo na fala carioca:

“as meninasTUDO queimadinhas” (p. 28);

“com aqueles vestido TUDO aberto” (p. 32).

A análise feita por Mattos e Silva (1988) e os casos encontrados em

Emmerich (1984) e Careno (1997), registrando o TUDO no dialeto

pidginizante do Xingu, e no português do Vale do Ribeira dão a esta

pesquisa mais segurança ao fazer a relação entre a existência dessa forma,

na fala de Salvador, e as características da sua história de contato e

aquisição de língua, de alguma forma comparável com a que, ainda hoje,

ocorre no Xingu e em outras comunidades negras. Os exemplos registrados

por Pinto (1996) chamam a atenção de que, assim como foram registrados

casos como esse no Brasil e no Rio de Janeiro, a pesquisa ora feita precisa

continuar a ser realizada em outras regiões do Brasil.

3. 2. 9. 1 A variável coexistência com tudo – Todos os dados

Em toda a amostra da presente pesquisa, o tudo nesse valor só ocorre

em registros do português popular, não há qualquer caso no português

universitário. Nos sintagmas encontrados, ao substituir todos ou todas, a

Page 336: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

336

concordância prevista para o quantificador nesse caso não é realizada. A

hipótese que se levanta é a de que, em sintagmas com o tudo usado nesse

valor, a concordância entre os outros elementos do sintagma é também

inibida. Dessa forma, além de se quantificar os casos sem concordância

desse quantificador, o envolvimento do tudo foi observado como uma

variável ao analisar os outros elementos do sintagma. Foram codificados

dados com tudo com esse valor no sintagma e os resultados dessa

observação, envolvendo apenas os não universitários, são apresentados na

tabela 65.

A análise estatística indica que a presença do quantificador na sua

forma neutra, tudo, realmente inibe a concordância em outros elementos do

sintagma. Enquanto sintagmas sem a forma tudo estão no ponto neutro,

peso relativo .50, com esse elemento o peso relativo de concordância

reduz-se para .31.

Tabela 65:

Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância entre os outros

elementos do sintagma - Análise sem os universitários. Sign.=.000

Fatores Freqüência P. R.

Sintagma com tudo 48/78 62% .31

Sintagma sem tudo 6598/8969 74% .50

TOTAL 6646/9088 81%

Page 337: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

337

Assim, é evidente que, em sintagmas com o tudo no valor aqui

analisado, a probabilidade de concordância reduz-se. Para entender em que

tipo de grupo essa forma ocorre mais e como dá-se a inibição da

concordância, em seguida estuda-se a variável entre os dois níveis de

escolaridade envolvidos.

3. 2. 9. 2 A variável coexistência com tudo – Grupos de escolaridade

Para melhor entender o efeito da variável, em seguida faz-se uma

observação separando-se os grupos Fundamental e Colegial, os únicos a

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Com Tudo Sem Tudo

Gráfico 54: Efeito da coexistência com

o TUDO na concordância

Page 338: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

338

apresentarem, no corpus, dados com a forma observada. A tabela a seguir

apresenta os resultados.

Tabela 66:

Efeito da Coexistência com o TUDO, na concordância entre os outros

elementos do sintagma, separando-se os níveis Fundamental e Colegial

Envolvimento com o

tudo

Fundamental

SIGNIFICANCE= .457

Média

SIGNIFICANCE= .018

Freqüência Freqüência P. R.

Sintagma com tudo 39/62 63% 9/16 56% .10

Sintagma sem tudo 2793/4333 64% 3805/4636 82% .50

TOTAL 2532/4431 64% 3814/4652 82%

No nível Fundamental, essa variável não é selecionada pelo

programa de regras variáveis, indicando não interferência da coexistência

com o tudo na concordância desse grupo. Esses resultados mostram que, a

despeito da forma tudo ocorrer principalmente entre os informantes do

nível Fundamental (de 78 sintagmas coexistentes com a forma, 62 estão

nesse nível de escolaridade), o efeito dessa forma sobre a concordância não

está diretamente associado à pouca escolaridade, uma vez que a sua

presença afeta mais a concordância nos elementos do sintagma quando os

falantes têm mais escolaridade do que com menos.

Page 339: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

339

No grupo de escolaridade Média, a concordância em elementos do

sintagma tem peso relativo bem pequeno (P. R. .10), apesar de a forma não

ser freqüente na fala do grupo, o que deixa claro que o efeito do uso dessa

forma na concordância, pois, não parece estar na falta de acesso à escola.

Esses resultados podem indicar que a escolarização traz como

conseqüência a redução da utilização dessa forma, mas que, quando ela

resiste (nesse caso, na escolaridade Média), tem um efeito inibidor grande

na concordância entre os outros elementos do sintagma.

3. 2. 9. 3 Efeito da variável coexistência com tudo na concordância

dos grupos de sobrenome

Com o objetivo de buscar respostas para a diferença entre os dois

grupos, na análise que se segue procura-se examinar a variável estudada entre

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Sem Tudo Com Tudo

Gráfico 55: Efeito da coexistência com o Tudo na

concordância da escolaridade Média

Page 340: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

340

os sobrenomes de escolaridade Fundamental, e faz-se uma comparação com

Baxter (2001), que faz análise do efeito dessa variável nos Tongas. A análise

referente à variedade de português foi comparada aos resultados do nível

Fundamental e não ao do nível de escolaridade Média diante da pouca

escolarização a que os Tongas tiveram acesso. A tabela 67 mostra os

resultados com a freqüência da concordância em cada um dos fatores

referentes aos três grupos. Não se apresentam os pesos relativos devido ao fato

de a variável não ter sido selecionada em nenhum dos grupos.

As freqüências indicam que, nos grupos de sobrenome Religioso e nos

Tongas, existe muita proximidade entre os resultados dos fatores em cada

grupo. Dessa forma, pode-se considerar que com o tudo ou sem ele a

freqüência de concordância nesses grupos é a mesma, ou quase a mesma. No

grupo Não religioso, há uma diferença entre os fatores: apesar de a forma ser

pouco freqüente em relação ao grupo Religioso, há menos concordância

(53%) em sintagmas com tudo que em sintagmas sem a forma (65%).

Tabela 67:

Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância dos grupos de

sobrenome no nível Fundamental e o português dos Tongas.

Fatores

Não religioso Religioso Tongas

Freqüência Freqüência Freqüência

Com tudo 9/17 53% 27/41 66% 26/47 55%

Sem tudo 1272/1952 65% 1383/2183 63% 1809/3266 55%

Totais 1281/1969 65% 410/2224 63% 1835/3313 55%

Page 341: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

341

Os resultados parecem indicar que a forma não inibe a concordância em

grupos que a utilizam com mais freqüência, mas apenas em grupos em que ela

é menos freqüente.

Assim como se detectou na observação do grupo de escolaridade

Fundamental, já discutido anteriormente, nos Tongas a coexistência com o

TUDO não se constitui desfavorecimento (Baxter, 2001). Comparando os dois

grupos de sobrenome, nota-se que o grupo de sobrenome não religioso tem a

sua taxa de concordância reduzida em elementos do sintagma em coexistência

com o tudo, o que, no entanto, não ocorre no grupo de sobrenome religioso. O

número de casos desse quantificador, apesar disso, é bem maior no grupo de

sobrenome religioso, indicando que a freqüência de uso do tudo está associada

ao sobrenome religioso, embora entre esses informantes a forma não iniba a

concordância.

No grupo de sobrenome não religioso de escolaridade Média, não foi

encontrado qualquer caso do tudo estudado, conforme se pode observar na

tabela a seguir. Esse dado mais uma vez indica que o tudo está associado

muito diretamente ao grupo de sobrenome religioso em Salvador e ao tipo de

dados a que os negros tiveram acesso nessa cidade.

A análise, cujos resultados são mostrados na tabela 68, indica que no

grupo de sobrenome religioso não só a freqüência de concordância é menor

que a do grupo geral dessa escolaridade (79% - religioso de escolaridade

Média; e 86% - na totalidade da escolaridade Média), como o tudo, nesse

grupo, tem um efeito inibidor muito forte (56% de concordância e P. R. .10).

Page 342: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

342

Tabela 68:

Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância dos grupos de

sobrenome de escolaridade Média

Relação com o

tudo

Não religioso Religioso Sign.=.000

Freqüência Frequência P. R.

Com tudo Não há casos de tudo 9/16 56% .10

Sem tudo 1802/2090 86% 2003/2546 79% .50

TOTAIS 1802/2090 86% 2012/2562 79%

Deve-se considerar que o pequeno número de casos de elementos em

coexistência com a forma pode ter, de alguma forma, interferido nos

resultados da análise. Pode-se, no entanto, interpretá-los da seguinte forma:

apesar da atividade institucional da escola, a experiência e o contato acirrado

com o padrão, são percebidas as diferenças entre os grupos, o que tem

sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, sendo alvo ainda da presença do

tudo e da sua ausência inerente de concordância; e o grupo com outros

sobrenomes, ou não ancestralidade negra, não usando o quantificador sem

concordância tudo, ou o fazendo pouco, diante de não ter história dessa forma

na sua aquisição de língua.

Os resultados fazem levantar a hipótese de que o grupo de sobrenome

religioso está mais ligado a uma história de aquisição lingüística com

Page 343: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

343

diferentes dados em relação a outros grupos, e que, em alguma fase da sua

história de língua, deve ter havido o uso geral do quantificador sem

concordância, na forma do tudo. Hoje, obedecendo ao processo normal que

governa a variação no sintagma nominal, essa forma ocorre substituindo todos

ou todas, principalmente no grupo de sobrenome religioso, mesmo em região

urbana, como a cidade do Salvador, com uso comparável ao que se encontra

em comunidades como às que esta pesquisa teve acesso, em que houve uma

história de contato de línguas e aprendizagem de português como primeira ou

como segunda língua com muita diversidade e variação nos dados e sem muita

força de controle e padronização.

3. 3 A Concordância Nominal em quatro variedades do português do

Brasil.

Nesta seção é feito um confronto entre os resultados da análise em

Salvador e os resultados das seguintes pesquisas realizadas sobre a

concordância no sintagma nominal em outras variedades do português do

Brasil: Scherre (198877

), Fernandes (1996) e Carvalho (1997).

A concordância no sintagma nominal foi estudada por Scherre

(1988), que observou a fala não universitária do Rio de Janeiro; por

Fernandes (1996), que analisou não universitários da Região Sul; e por

Carvalho (1997), a fala universitária e não universitária de João Pessoa.

Como Scherre (1988) e Fernandes (1996) só envolveram dados de não

universitários, os resultados da presente análise utilizados para confronto

77

Apesar de, na comparação feita nesse capítulo, serem utilizadas as discussões e todo o trabalho

produzido em Scherre (1988), os resultados aqui mostrados nesta seção são resultado de atualização, em

análises feitas recentemente, em Scherre (1997), (1998), (2001) e em análises feitas com o único fim de

serem submetidos ao confronto com os resultados do presente trabalho. A atualização se deu porque, na

época da realização da pesquisa foi utilizado um programa computacional que não ponderava os efeitos

pelo número de dados, além de terem sido considerados fatores diferentes. Observando-se a ordenação,

não as grandezas, os resultados apresentados nesta seção são semelhantes aos de 1988.

Page 344: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

344

com esses trabalhos, nesse caso, são os do português popular (POP), não os

referentes à amostra geral. Na comparação com Carvalho (1997), são

usados resultados da amostra geral (envolvendo universitários e não

universitários) da análise de Salvador, diante do fato de a observação feita

na Região Sul ter envolvido falantes de três níveis de escolaridade

trabalhados: fundamental, médio e superior.

A seguir, a comparação entre os resultados do efeito de cada

variável na concordância nominal em cada uma das regiões observadas.

3. 3. 1 – Comparação entre o efeito da Saliência Fônica na

concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul.

Apesar de haver mais semelhanças que diferenças entre as análises do

efeito da Saliência fônica na concordância nominal, realizadas pelos

estudos das diversas regiões, uma oposição entre o presente trabalho e os

demais é o tratamento dado aos monossílabos de uso átono. Enquanto aqui

esses itens são retirados da análise da Saliência Fônica (aspecto tratado na

seção 3. 2. 1), em Scherre (1988), em Fernandes (1996) e em Carvalho

(1997) esses elementos fazem parte da observação e são analisados

conjuntamente com as formas Paroxítonas. Dessa forma, os resultados

buscados para a comparação das quatro análises apenas envolvem

substantivos, adjetivos e categorias substantivadas, para que os

monossílabos de uso átono sejam, automaticamente, descartados. Dessa

forma, estando os monossílabos de uso átono excluídos nas quatro análises,

torna-se possível a comparação entre os seus resultados.

Como o programa utilizado para as análises estatísticas de Scherre

(1988) não possuía os mesmos recursos atualmente utilizados para a análise

da variação, os cálculos estatísticos desse trabalho foram refeitos, com os

recursos dos programas atuais, e para melhor confronto. Os resultados ora

Page 345: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

345

apresentados são produto dessa atualização, com o único objetivo de

possibilitar o quadro comparativo.

Outro aspecto a se observar é que o fator correspondente aos itens

terminados em –ão, de plural regular, em Fernandes (1996), foram

considerados conjuntamente com os itens de plural regular. Diante disso,

não se apresentam os resultados desse fator na Região Sul.

Na tabela 69, apresentam-se os resultados da comparação feita entre o

efeito da variável Saliência fônica na fala de Salvador, do Rio de Janeiro e

da Região Sul.

As três variedades se assemelham no que diz respeito ao efeito da

Saliência fônica na concordância, de acordo com as referidas pesquisas. Ao

comparar os três grupos, chama a atenção, na Região Sul, o peso relativo

dos oxítonos (.54), que indica que não há favorecimento nem

desfavorecimento do fator na concordância, diferente do resultado desse

fator nas duas outras regiões (Salvador, P. R. .81, Rio de Janeiro .76 e

Região Sul .54).

Os oxítonos têm maior saliência, dada pela tonicidade, que os

paroxítonos e proparoxítonos. É em palavras com esse tipo de tonicidade

que, realmente, se espera mais concordância, ou pelo fato de a

concordância desaparecer primeiro em formas menos salientes (então as

palavras oxítonas tenderiam a conservar por mais tempo a concordância)

ou, por ter morfologia mais perceptível, ela ser aprendida mais

rapidamente. A observação mostra que, em Salvador e no Rio de Janeiro,

os oxítonos têm um favorecimento muito forte de concordância, pelo

menos no português popular, que é o que está sendo ora levado em conta.

Page 346: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

346

Tabela 69:

Efeito da variável Saliência Fônica na concordância em Salvador, no Rio

de Janeiro e na Região Sul

POP (Salvador) Rio de Janeiro Região Sul

Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Duplo 31/38 82% .84 62/67 93% .93 25/35 71% .81

-/l/ 72/149 81% .83 79/91 87% .88 57/77 77% .77

-/r/ 161/192 84% .82 231/260 89% .87 85/116 73% .73

ão ir 71/95 75% .76 171/197 87% .84 79/103 74% .74

-/s/ 274/393 70% .69 213/258 83% .81 52/77 68% .58

-ão r 38/85 45% .46 22/39 56% .52

R ox 200/247 81% .81 114/147 78% .75 108/192 56% .54

R par 1901/3877

49%

.41 2584/5123

50%

.42 1263/2487

51%

.46

Prop 62/114 54% .44 78/150 52% .47 93/152 61% .45

Page 347: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

347

Os três grupos apresentam uma relação semelhante na ordem de

favorecimento nos outros fatores. Há, apesar disso, entre as regiões,

diferença de grandezas, nos pesos dos fatores considerados referentes a

graus altos de saliência: o grupo POP de Salvador e o Rio de Janeiro têm

em todos os fatores maior peso relativo de concordância que o grupo

representativo da região Sul.

Salvador e Rio de Janeiro, através dessa variável, demonstram que

se assemelham bastante quanto ao efeito da variável Saliência fônica. A

Região Sul, por outro lado, demonstra responder menos fortemente à

influência dessa variável, pois a diferença entre o peso relativo dos fatores

não é tão grande (pode-se observar, como exemplo disso, a diferença de

peso entre os itens de plural regular com tonicidade diferente).

Gráfico 56: Efeito da Saliência fônica na concordância em

Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

D /l/ /r/ ão irr /s/ ão r R ox R par R pro

SSA

R. J.

Sul

Page 348: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

348

A comparação, nessa variável, com o estudo feito em João Pessoa

não é feita pelo fato de, no referido trabalho, não se fazer uma análise

exclusiva com substantivos, adjetivos e categorias substantivadas. Como

em Carvalho (1997) os paroxítonos e monossílabos de uso átono foram

tratados conjuntamente, os resultados a que se chegou não são comparáveis

com os que são utilizados nesta seção.

3. 3. 2 - Comparação entre o Efeito da Classe, posição linear e

relativa na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, em João Pessoa e

na Região Sul

Os resultados da variável resultante da junção entre classe, posição

linear e posição relativa, aqui trabalhada, serão, em seguida, comparados

com os resultados dos estudos de Scherre (1988) e Fernandes (1996) e,

depois, com Carvalho (1997). A observação da variável classe e posição

linear não tem exatamente os mesmos fatores nas quatro regiões: em

Salvador, os elementos não nucleares são considerados à esquerda do

núcleo ou à direita e os elementos à esquerda não são observados quanto à

posição linear e, sim, quanto à adjacência ao núcleo (seção 3. 3. 4 deste

trabalho); ou seja, na atual pesquisa observa-se se o elemento coloca-se

exatamente adjacente ao núcleo, a exemplo de AS em

“AS roupas coloridas” M3U011/R

ou se ele está à esquerda do núcleo, mas não adjacente, com qualquer

elemento interveniente, como o “AS” em

“AS mais leves possìveis” M3U011/R

Dessa forma, a adjacência ao núcleo é observada nesses elementos à

esquerda, traço não observado nas outras pesquisas, que, além do traço à

esquerda, observam apenas a posição linear desses elementos. Dessa forma,

Page 349: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

349

a separação que Scherre (1988), Carvalho (1997) ou Fernandes (1996)

fazem dos elementos à esquerda do núcleo não é a mesma adotada na

pesquisa em Salvador. Apesar disso, no que diz respeito à posição dos

elementos à direita do núcleo e dos elementos nucleares, considera-se que

as comparações são perfeitamente possíveis. As tabelas a seguir

apresentam resultados das análises, de início entre Salvador (grupo POP) e

Rio de Janeiro e, depois, com a Região Sul; em seguida, os resultados de

Salvador (geral) e os de João Pessoa.

Para possibilitar uma comparação entre Salvador e Rio de Janeiro no

efeito da variável com a observação da adjacência, Scherre fez uma

adaptação a sua análise, em caráter extra oficial da sua linha de interesse, e

chegou aos resultados que dão condições de confronto com os dados de

Salvador. Assim, apesar de a adjacência não ter sido observada em Scherre

(1988), a autora, nessa reanálise, chegou aos resultados apresentados a

seguir, conjuntamente com os de Salvador.

Gráfico 57: Efeito da Classe e Posição linear e relativa sobre a

concordância em Salvador e no Rio de Janeiro

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Esq

não

adj

Esq

adj

Dir2 Dir3 Dir4 Dir5 N1 N2 N3 N4

SSA

R. J.

Page 350: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

350

Tabela 70:

Efeito da Classe e Posição na concordância em Salvador e no Rio de

Janeiro, considerando a adjacência em elemento à esquerda do núcleo.

Fatores POP/Salvador Rio de Janeiro78

Esq não adj 422/440 96% .65 667/747 89% .70

Esq adj 3495/3519 99% .92 113/116 97% .92

Dir2 70/111 63% .16 93/137 68% .27

Dir3 85/232 37% .08 121/339 36% .13

Dir4 11/60 18% .03 22/65 34% .20

Dir5 9/21 43% .09 5/12 42% .29

Núcleo1 123/131 94% .59 161/170 95% .66

Núcleo 2 2146/4022 53% .15 2777/5130 54% .21

Núcleo 3 214/437 49% .10 325/527 62% .24

Núcleo 4 59/103 57% .16 4/7 57% .36

Núcleo 5 100% 100%

A comparação deixa evidente que o efeito da variável na concordância

é muito semelhante nas duas variedades. Os elementos à esquerda do

núcleo se distinguem entre si, nos dois grupos, pelo grau de favorecimento

da concordância. Os adjacentes ao núcleo têm, nos dois grupos, um

Page 351: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

351

favorecimento bem maior que os não adjacentes. Isso indica que a

adjacência é um traço que realmente tem efeito evidente na concordância

nas duas variedades.

Percebe-se, apesar disso, que os elementos não nucleares à direita

(Dir2, Dir3, Dir4, Dir5) e os nucleares (N1, N2, N3 e N4, na tabela

apresentada) têm pesos relativos sempre menores em Salvador.

Os fatores mais e os menos favorecedores dos dois grupos, apesar

disso, são os mesmos: o elemento à esquerda adjacente ao núcleo, o

elemento à esquerda não adjacente ao núcleo e o elemento nuclear de 1a

posição são, em ordem decrescente, os favorecedores da concordância; os

demais a desfavorecem.

A análise a seguir faz, como Scherre (1988), a observação da posição

linear dos elementos à esquerda, ao invés da adjacência, possibilitando

melhor comparação com os dados apresentados em Scherre (1988),

Fernandes (1996) e Carvalho (1997).

Nos três grupos registra-se que, entre as duas posições à esquerda há

uma redução do favorecimento que se inicia da 1a para a 2

a posição. A

diferença anteriormente percebida quanto a adjacência desaparece com a

presente análise. As três variedades demonstram que a concordância tem as

mesmas restrições, como ficou evidente na análise anterior. A variedade de

Salvador, apesar disso, mostra-se com pesos menores nos fatores

correspondentes a elementos não nucleares à direita (Dir2, Dir3, Dir4 e

Dir5, na tabela).

78

. Agradeço a professora Maria Marta P. Scherre por ter possibilitado a comparação, refazendo as suas

análises.

Page 352: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

352

O mesmo ocorre com os elementos nucleares (N1, N2, N3 e N4, na

tabela). Isso coincide com o apresentado na tabela 70 (e o gráfico

correspondente), resultante de análise com a definição diferente de fatores.

Gráfico 58: Efeito da Classe e posição linear e relativa

sobre a concordância em Salvador, Rio de Janeiro e

Região Sul

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

E1 E2 Dir2 Dir3 Di4 Dir5 N1 N2 N3 N4

SSA

R. J.

Sul

Page 353: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

353

Tabela 71:

Efeito da Classe e Posição na concordância em Salvador, Rio de Janeiro e

Região Sul - Considerando a posição linear (não a adjacência) nos

elementos à esquerda do núcleo.

POP/Salvador79

Rio de Janeiro Região Sul80

À esq1 3645/3673 99% .92 4061/4163 98% .92 .85

À esq2 262/275 95% .72 220/233 94% .82 .72

Dir2 70/111 63% .16 93/137 68% .27 75/103 73% .32

Dir3 87/232 37% .08 121/339 36% .13

70/146 48%

.25 Dir4 11/60 18% .03 22/65 34% .20

Dir5 9/21 45% .09 5/12 42% .29 .29

N 1 123/131 94% .59 161/170 95% .66 113/120

94%

.67

N 2 2146/4022 53% .15 2777/5130 54% .21 1320/2554

52%

.23

N3 214/437 49% .10 325/527 62% .24 140/268

52%

.22

N 4 59/103 57% .16 4/7 57% .36

79

Análise especial, com fins de comparação. Nesse caso, foram considerados dois fatores à esquerda da

núcleo, em primeira e em segunda ou outra posição. Dessa forma, há possibilidade de comparar os

resultados com os das outras pesquisas.

Page 354: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

354

Ao observar os resultados das três regiões, nota-se que houve um

ganho, na presente pesquisa, em separar elementos à esquerda do núcleo

em adjacência a ele, dos não adjacentes. Esse dado trouxe ao estudo da

concordância uma contribuição a mais, a indicação de que a adjacência é

um importante elemento a ser observado na concordância no sintagma

nominal, nas regiões.

Os morfemas de plural previstos para os elementos à direita do

núcleo e os nucleares, todos morfemas realmente de concordância, late

system morphemes, na teoria de Myers-Scotton & Jake, são os que teriam

mais probabilidade de sofrer variação e, além disso, os que são aprendidos

posteriormente, como aqui já se observou, em situações de aquisição com

mais divergência ou insuficiência nos dados. Os dados do POP/SSA, pois,

apresentam mais indícios de que eles são resultados de uma situação inicial

de aquisição em que foram adquiridos e fixados basicamente early system

morphemes e muitos dos late system morphemes, no caso morfemas de

plural previstos na concordância, deixam de ser realizados.

Em seguida, a comparação com Carvalho (1997), que apresenta os

resultados da fala em João Pessoa. Como a pesquisa envolve a fala

universitária e a não universitária, utilizam-se os resultados da amostra

geral de Salvador, não do POP, para o confronto. Além disso, o estudo

neste momento apresentado de Salvador não considera a adjacência e, sim,

a posição linear dos elementos à esquerda, já que os resultados disponíveis

de João Pessoa apenas observam a posição, assim como Fernandes (1997).

80

Na análise da região Sul, considerou-se a posição linear entre os elementos não nucleares à esquerda do

núcleo, chegando aos seguintes pesos relativos: não nuclear à esquerda, primeira posição, P. R. .85;

segunda posição, .72.

Page 355: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

355

Tabela 72:

Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em Salvador e

em João Pessoa - Considerando a posição do elemento à esquerda do

núcleo (não a adjacência ao núcleo).

Salvador (Geral) Carvalho (1997)

Freqüência Frequência

À esq 1ª 5576/5609 99% .91 .88

À esq 2ª 410/427 96% .66 0,80 .80

À dir P2 206/259 80% .14 72/102 71% .28

À dir P3 244/407 60% .12 71/199 36% .18

À dir P4 57/109 52% .07 19/47 40% .15

À dir P5 35/52 67% .11

Núcleo P1 284/296 96% .53 192/446 43% .46

Núcleo P2 3918/5933 66% .17 1515/3840 39% .17

Núcleo P3 394/638 62% .12 192/446 43% .14

Núcleo P4 87/135 64% .20

Page 356: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

356

A comparação deixa a certeza de que a posição de elementos não

nucleares à esquerda é sempre favorecedora, nas três regiões do país, e que

esses elementos, quando à direita do núcleo, tendem a inibir a marca de

plural. Não se pode dizer, contudo, embora os dados pareçam revelar a

mesma tendência observada em Salvador, que exista diferença entre os

elementos que estão à esquerda do núcleo, mas não adjacentes a ele, quanto

à probabilidade de serem marcados, e os que estão imediatamente ligados a

ele. Mas os resultados aqui alcançados, juntamente com os referentes ao

Rio de Janeiro, mostrados nesta seção, dão respaldo suficiente para afirmar

que a posição à esquerda adjacente ao núcleo dos elementos não nucleares

é a mais favorecedora da concordância. Os resultados de Baxter (2001),

ainda, ratificam esses achados. Resta buscar comprovação nos dados da

Região Sul e de João Pessoa.

Gráfico 59: Efeito da Classe e posição linear e relativa na concordância, não considerando a

adjacência

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

E1 E2 Dir2 Dir3 Dir4 Dir5 N1 N2 N3 N4

SSA

J. Pessoa

Page 357: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

357

3. 3. 3 – Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância

em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul

Apesar de a variável Marcas precedentes ter sido trabalhada nesta

pesquisa seguindo os mesmos princípios de Scherre (1988), assim como o

fizeram Fernandes (1996) e Carvalho (1997), a pesquisa em Salvador não

optou pelo tratamento dos numerais como um único contexto antecedente.

Um aspecto a ser levantado é que os numerais, em Salvador, foram

considerados como contexto antecedente para elementos em segunda

posição, como

quatro PESSOAS, quer dizer M1C02

e, também, para elementos em terceira ou outra posição, quando os

numerais são formados por mais de uma palavra, a exemplo de

vinte e um DIAS folgando M1C03

Dessa forma, em Salvador observou-se como se comportam esses

elementos de segunda posição, com numerais antecedentes e,

separadamente, os de terceira ou outra posição (Ver seção 3.2.5 deste

trabalho). Para efeito de confronto, no entanto, aqui apresentam-se

resultados de análise em que os numerais são interpretados como um todo,

assim como o fizeram Scherre (1988), Fernandes (1996) e Carvalho (1997).

Também não se incluíram como objeto de observação, no estudo dessa

variável, os sintagmas encaixados em estruturas preposicionais

antecedentes, trabalhadas em Scherre (1988). As comparações se

processam a seguir, de início entre os resultados do POP/Salvador, os do

Rio de Janeiro e os da Região Sul e, posteriormente, entre os resultados

gerais de Salvador e os de João Pessoa.

Page 358: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

358

Tabela 73:

Efeito da variável Marcas Precedentes sobre a concordância de elementos

em segunda posição – Comparação entre resultados do POP/Salvador, do

Rio de Janeiro e da Região Sul

Contextos

precedentes

Salvador Rio de Janeiro81

Região Sul

Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Marca 1925/3435

56%

.49 2200/3968

55%

.49 1020/1970

52%

.46

Ausência 34/34 100% 106/106 100% 55/55 100%

Numeral 589/1049 56% .57 885/1527 58% .57 214/377 57% .56

81

Dados dos adultos de Scherre (2001)

Gráfico 60: Efeito das Marcas precedentes sobre a

concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na

Região Sul

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Marca Numeral

SSA

R. J.

Sul

Page 359: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

359

Os resultados deixam claro que existe o mesmo efeito do contexto

antecedente com marca ou com numeral na concordância em cada uma das

regiões: há mais probabilidade de ocorrerem marcas de plural em

elementos com antecedente numeral do que com elemento marcado com o

morfema de plural como antecedente (o numeral é mais favorecedor que a

marca, o que foi interpretado neste trabalho – assim como em Scherre

(1988) – como efeito da saliência semântica. Ver seção 3. 2. 5). Dessa

forma, aproximando o tipo de análise, como se fez aqui, os resultados

quanto a marcas precedentes aos elementos em 2a posição são similares nas

três pesquisas.

Em seguida, faz-se o mesmo confronto, com os itens em 3a, 4

a ou 5

a

posições.

Nos três grupos, o efeito é muito semelhante: mais de uma marca é um

fator levemente favorecedor, mais no Rio de Janeiro do que em Salvador e

na Região Sul; mistura de marcas com marca antecedente como elemento

neutro, nem favorecedor nem, tampouco, desfavorecedor; e mistura com

zero antecedente como o fator mais desfavorecedor.

Page 360: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

360

Tabela 74:

Efeito da variável Marcas Precedentes sobre a concordância de elementos

em 3a, 4

a ou 5

a posições em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul

Contextos

precedentes

Salvador Rio de Janeiro82

Região Sul

Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R.

Duas marcas 208/372

56%

.62 257/365

70%

.66 142/207

69%

.61

Mistura c/

marca

120/276

43%

.54 208/386

54%

.47 61/137

46%

.47

Mistura c/ zero 5/120 4% .07 13/200 6% .06 9/76 12% .10

As duas tabelas a seguir, as de números 75 e 76, buscam estabelecer

um confronto entre o efeito da variável em Salvador (na análise geral,

incluindo os universitários) e João Pessoa.

Entre os resultados dos dois estudos, há muita semelhança: contextos

com numerais antecedentes favorecem mais a concordância que os

contextos antecedentes com marca formal de plural. Como no estudo de

João Pessoa faz-se a distinção entre numerais terminados e não terminados

em –/s/, a comparação não pode ser feita com a segurança. Mas pode-se

considerar que nas duas regiões o efeito do numeral tende a se igualar. No

estudo em Salvador, apesar disso, a oposição entre os fatores relativos à

Page 361: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

361

terminação do numeral não se mostra significativa, por isso essa

observação é descartada no estudo dos numerais (Ver seção 3. 2. 5).

Com a semelhança das análises, fica evidente o que Scherre (1988)

observou: contexto antecedente com marcas leva a mais marcas

subseqüentes; e, o contrário, contextos com Zero imediatamente

antecedente produzem uma inibição da regra, em todas as regiões. Scherre

(1988) observa que é o efeito do paralelismo sintático, conseqüência talvez

de um mecanismo mental que faz o ser humano ser levado a repetir

estruturas, como levado à imitação do contexto.

Tabela 75:

Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos elementos de

segunda posição em Salvador e em João Pessoa.

Marcas

precedentes

Salvador João Pessoa83

Freqüência P.R Freqüência P.R

Marca 3780/5421 70% .49 1421/3279 43% .48

Ausência de marca 43/43 100% 63/63 100%

Numeral 815/1301 63% .55 em -/s/: 170/417 41%

sem -/s/: 187/456 41%

.51

.62

82

Dados dos adultos de Scherre (2001) 83

O estudo de João Pessoa inclui o contexto antecedente com sintagma preposicionado, assim como o do

Rio de Janeiro, contexto não incluído no presente estudo, cujos dados foram desprezados.

Page 362: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

362

Em seguida, faz-se a observação do efeito dessa variável entre os itens

em 3a, 4

a ou outra posição.

A tabela 76 evidencia que o efeito da variável é semelhante nas duas

regiões, confirmando a tendência de haver mais concordância em situação

com mais marcas antecedentes e menos concordância em contextos com

mais zeros. Apesar disso, esse favorecimento de marcas em contexto com

mais marcas não se apresenta, em Salvador, com a mesma clareza (em

Salvador o favorecimento é menor) que em João Pessoa e no Rio de

Janeiro, como foi observado em tabela anterior.

Gráfico 61: Efeito das marcas sobre a concordância em

elementos em 2a posição em Salvador e em João Pessoa

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Marca Numeral N sem -s

SSA

J. Pessoa

Page 363: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

363

Tabela 76:

Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos elementos de

3a, 4

a ou 5

a posições em Salvador e em João Pessoa.

Marcas

precedentes

Salvador João Pessoa84

Freqüência P.R Freqüência P.R

duas marcas 502/693 72% .59 176/284 62% .67

Mistura c/ marca 239/407 59% .53 94/246 38% .51

Mistura c/ zero 10/131 8% .06 17/158 11% .22

84

O estudo de João Pessoa inclui o contexto antecedente com sintagma preposicionado, assim como o do

Rio de Janeiro, contexto não incluído no presente estudo, cujos dados foram desprezados.

Gráfico 62: Efeito das marcas precedentes sobre a

concordância em itens em 3a, 4a ou 5a posições em

Salvador e em João Pessoa

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

Duas marcas Mist c/ marca Mist c/ zero

SSA

J. Pessoa

Page 364: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

364

3. 3. 4 – Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente sobre a

concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul

A variável Contexto fonológico subseqüente é utilizada no presente

confronto levando em conta apenas os itens de plural regular, pois, neste

trabalho, ao estudar o efeito do Contexto subseqüente, em análises apenas

com os itens em -/s/, essa variável não foi selecionada. Dessa forma, serão

considerados das pesquisas ora utilizadas para confronto apenas os

resultados referentes aos itens de plural regular.

Ao estudar o Contexto subseqüente, Fernandes, na análise da Região

Sul, não faz, como se fez no presente trabalho (Ver seção 3. 2. 6), a

oposição entre o contexto de pausa interna e de pausa final. Entre a

presente pesquisa e as outras pesquisas, também há diferenças quanto à

observação do traço sonoridade da consoante, considerado em Salvador e

no Rio de Janeiro, mas não nas demais análises. A seguir os resultados,

apresentados nas duas tabelas a seguir.

Apesar de as análises serem diferentes, observa-se que os resultados

são muito semelhantes, apresentando uma única diferença: o fator referente

à pausa interna, apenas no Rio de Janeiro, mostra-se como favorecedor,

com um peso muito próximo do peso de pausa final. Mas os resultados

referentes aos outros fatores refletem o mesmo efeito, nas diversas regiões:

a vogal sonora é o contexto subseqüente desfavorecedor da concordância; a

consoante surda, a vogal e a pausa interna (com exceção do Rio de Janeiro)

são contextos em neutralidade, não favorecem nem desfavorecem; a pausa

final é contexto favorecedor da concordância.

Page 365: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

365

Tabela 77:

Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente em Salvador, no Rio

de Janeiro e na Região Sul

Contextos Salvador R. de Janeiro Região Sul85

Freqüência Freqüência Freqüência

C Surda 2198/2596

85%

.53 4434/5976

77%

.48

2474/3346

74%

.48

C Sonora 1888/2489

76%

.44 676/985 69% .42

Vogal 1098/1439

76%

.52 1569/2185

72%

.51 830/1142

72%

.51

P interna 686/1405 49% .51 1006/1692

61%

.59

525/887

59%

.56

P final 188/329 57% .61 104/175 59% .57

85

Em Fernandes (1996) não se fez a observação da sonoridade da consoante subseqüente e não se fez a

separação entre Pausa interna e Pausa final.

Page 366: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

366

A seguir, faz-se o confronto entre o efeito da variável em Salvador e

em João Pessoa.

A análise de João Pessoa, que envolveu, conjuntamente, todos os

dados disponíveis, não indica favorecimento do contexto posterior final,

única considerada, em todas as outras regiões, como favorecedora da

concordância. Essa variável não parece contribuir para o entendimento da

variação, pois, em João Pessoa.

Gráfico 63: Efeito do Contexto subseqüente na

concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na

Região Sul

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

C Surda C Sonora Vogal P interna P final

SSA

R. J.

Sul

Page 367: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

367

Tabela 78:

Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador e em João

Pessoa

Salvador João Pessoa

Consoante surda 3738/4218 89% .52

3947/5375 73%

.49 Consoante sonora 3247/3952 82% .43

Vogal 2219/2670 83% .52 829/1187 70% .52

Pausa interna 1604/2443 66% .52 406/978 42% .54

Pausa final 418/580 72% .62 425/970 44% .50

Nenhum dos fatores se mostra, na fala de João Pessoa, realmente

favorecedor da concordância, diferente da análise de todos os dados da fala

de Salvador, em que existe uma oposição mais forte entre contexto

posterior de final de sentença, fator favorecedor, consoante surda, vogal e

pausa interna, como indiferentes à realização da concordância e consoante

sonora como contexto posterior desfavorecedor da presença de marca de

plural.

Page 368: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

368

3. 3. 5 Conclusões

O confronto feito nessa seção constitui-se evidência de que as

variáveis estudadas têm efeito semelhante nas diversas variedades

observadas do português:

1) São mais alvo de concordância elementos com mais material

fônico na oposição singular/plural;

2) Elementos à esquerda do núcleo recebem mais marca de plural

que elementos nucleares;

3) Elementos à direita do núcleo têm menos probabilidade de

receberem marca de plural;

Gráfico 64: Efeito do Contexto subseqüente sobre a

concordância em Salvador e em João Pessoa

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

C surda C sonora Vogal P interna P final

SSA

J. Pessoa

Page 369: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

369

4) Contextos antecedentes com numeral promovem mais

concordância subseqüente em segunda posição que contextos

com marca formal antecedente;

5) Elementos em 3a, 4

a ou 5

a posição tendem a fazerem mais

concordância quando são antecedidos por mais de uma marca do

que quando antecedidos por zero.

6) Elementos são mais alvo de plural quando finalizam a sentença;

7) Elementos com contexto subseqüente com vogal sonora têm

mais probabilidade de não fazerem concordância que contexto

com vogal surda.

Por outro lado, notam-se alguns aspectos, referentes ao confronto

feito, que merecem discussão. Em Salvador, a concordância dos elementos

à direita do núcleo (Dir2, Dir2, Dir3, Dir4 e Dir5, na tabela) e os elementos

nucleares em 2a, 3

a, e 4

a posições (N2, N3, N4) têm um peso sempre menor

que os pesos referentes aos outros grupos. Esses são elementos em que,

como se discute na seção 3. 2. 5, o morfema de plural é um late system

morpheme, situação em que ele apenas cumpre intenções gramaticais. Em

situação de aquisição com muita variação ou insuficiência de dados, são os

morfemas desse tipo os que não são fixados ou o são posteriormente. Esses

resultados estão em acordo com o contexto existente em Salvador,

discutido na seção 1. 6 deste trabalho.

A comparação feita nesta seção mostra que a variação da

concordância no sintagma nominal, nas diversas regiões, está relacionada a

contextos lingüísticos estruturais. Apesar disso, em cada uma das regiões,

podem ser buscadas outras informações que sirvam de mais dados para o

entendimento do processo da variação da concordância no sintagma

Page 370: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

370

nominal. É o que essa pesquisa faz, indo além da busca da relação entre a

variação da concordância e a estrutura lingüística.

Page 371: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

371

4. CONCLUSÕES FINAIS

Num mar de debates sobre a razão da existência da variação da

concordância no sintagma nominal no português do Brasil, esta pesquisa

procurou buscar meios de dar a sua contribuição. Entre as duas posições

básicas assumidas pelos lingüistas, este trabalho iniciou-se na procura

apenas de dados que pudessem ajudar a esclarecer a tão conturbada

polêmica, envolvendo a concordância, entre a deriva lingüística e a

crioulização. E o que se fez foi, principalmente, deixar que as evidências

dissessem qualquer coisa, sem posicionamentos iniciais.

A cidade do Salvador, ponto de recolha do material lingüístico

trabalhado, tem uma singularidade quanto à sua formação étnica: é uma

cidade cuja população em maioria é negra, e foi palco, durante a época de

colonização, de um enlace de culturas: foi sede do primeiro governo geral,

no estado da Bahia aportaram os primeiros portugueses, nessa cidade

habitaram grandes figuras da corte portuguesa e ela foi centro de grande

concentração escrava urbana, e era de onde eles eram distribuídos para

outras regiões, chegados através do porto de Salvador. Como as levas de

escravos eram sucessivas durante muito tempo, sempre nela eram

encontrados negros africanos aportados recentemente da África com suas

diferentes línguas de origem. Dessa forma, tomou-se como hipótese a

possibilidade de que, em Salvador, tivesse havido por parte dos africanos

um tipo de aquisição de língua com muita variação e que, mesmo sendo um

contexto urbano, se pudesse, ainda hoje, identificar marcas dessa aquisição

do português nos descendentes da população escrava. Não se buscou

pesquisar a existência de uma língua crioula, pois os dados de um centro

Page 372: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

372

urbano – com muitas confluências – não constituem objetos de observação

para se fazer uma avaliação desse tipo.

Os estudos de Scherre e Naro & Scherre já comprovam que a

variação da concordância no sintagma nominal do português não é um

fenômeno idiossincrático ao português do Brasil, nem ao português dos

escravos. Mas esses mesmos pesquisadores reconhecem que, no Brasil, o

contexto de mistura de línguas e culturas possibilitou uma aceleração de

um processo de variação que já era previsto na língua. A variação da

concordância no sintagma nominal foi, talvez, um aspecto central nessa

aceleração.

Esta pesquisa, observando variáveis lingüísticas e sociais, e

identificando, dentre os sessenta e seis informantes da amostra da sincronia

atual, grupos lingüísticos com características específicas, consegue

estabelecer um quadro da variação do fenômeno estudado em Salvador,

como o que se apresenta a seguir.

A variação da concordância no sintagma nominal relaciona-se a,

principalmente, quatro grupos de fatores lingüísticos ou estruturais:

1) a saliência fônica,

2) o contexto antecedente,

3) a classe, associada à posição linear e relativa e

4) o contexto subseqüente ao elemento do sintagma.

A análise que aqui se faz deixa claro que a quantidade de material

fônico na oposição entre a forma de singular e a de plural interferem na

existência de concordância: as oposições mais salientes contribuem para

mais concordância. Esse fato é observado na perda e na aquisição da

Page 373: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

373

concordância, uma vez que deixam de ser marcados com o plural (na

perda) primeiramente os menos salientes, como os que fazem o plural

apenas com a inserção do -/s/ (plural regular). Assim também são

adquiridos primeiramente os morfemas de plural mais salientes, como nos

itens de plurais duplos, ou metafônicos, as oxítonas, dentre outras, diante

da facilidade que eles proporcionam ao aprendiz, quanto à possibilidade de

percepção da forma.

A presença de determinados contextos antecedentes a elementos do

sintagma nominal também interfere na concordância em itens

subseqüentes. Assim, na segunda posição, é mais provável haver marca de

concordância quando não há marca em itens de primeira posição, ou

quando há numerais, do que quando há itens já marcados. Outro dado

também interessante é que, diferentemente do que se poderia imaginar,

zero antecedente a elementos de terceira, quarta ou quinta posição provoca

mais ausência de marca nesses elementos. E marca de plural, em elementos

que estão nessas mesmas posições, leva a mais presença de marca.

Ao se analisarem conjuntamente classe, posição linear e posição

relativa, observa-se que existe uma propensão a serem mais alvo de

marcação de plural os elementos em adjacência ao núcleo à esquerda dele;

em segundo lugar, os elementos não adjacentes também à esquerda do

núcleo têm grande probabilidade de serem marcados; posteriormente são

mais marcados os elementos nucleares em primeira posição. Em posição de

grande desfavorecimento estão os elementos à direita do núcleo e os

elementos nucleares em segunda, terceira ou quarta posição. Os resultados

dessa variável estão em consonância com a interpretação que aqui se fez da

teoria dos 4-M, de Myers-Scotton & Jake (2000), pois são mais marcados

os elementos adjacentes à esquerda do núcleo, considerados early system

morphemes e menos marcados os late system morphemes. Os elementos

Page 374: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

374

nucleares em primeira posição são também mais marcados pois, na

ausência dos pré-nucleares, a informação de pluralidade vem expressa nos

nomes. Essa pesquisa conseguiu, assim, estabelecer empiricamente, com

os dados ora trabalhados, essa distinção entre early system e late system

morphemes, que só teoricamente foi apresentada por Myers-Scotton & Jake

(2000).

Os elementos do sintagma que têm um contexto posterior de final de

enunciação têm mais probabilidade de serem marcados com o plural do que

quando são seguidos por consoante, vogal ou uma pausa interna, sendo o

contexto de consoante sonora o mais desfavorecedor da concordância no

sintagma.

A análise das variáveis e os resultados alcançados não deixam

dúvidas de que a variação da concordância no sintagma nominal é um

fenômeno regido por regras estruturais da língua. Ao mesmo tempo, a

pesquisa feita consegue detectar grupos que dão mostras de fazerem variar

diferentemente a concordância. A seguir, serão feitas algumas

considerações a respeito desses aspectos:

1) A escolaridade é um grupo de fatores importante para o estudo

da variação da concordância no SN, mas não é a única variável

social que interfere na concordância. Em todas as análises, essa é

uma variável que tem uma implicação muito grande sobre o

entendimento da variação. Mas, analisando apenas falantes do

mesmo nível de escolaridade, como os do nível primário, foram

encontradas tendências diferentes entre grupos de sobrenomes e

faixas etárias diferentes, conforme se faz referência mais

adiante.

Page 375: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

375

2) Os grupos de escolaridade primária e de escolaridade colegial,

juntos, formam um grupo diferente do grupo de escolaridade

superior. A análise das variáveis sociais revela que, apesar de

nos dois grupos, aqui denominados POP e UNI, perceber-se o

efeito das variáveis estudadas, esse efeito é, em alguns aspectos,

menor no grupo dos universitários. Nesse último grupo, a

saliência fônica e, por exemplo, a presença de numerais em

posição anterior, não interferem com a mesma intensidade na

concordância como ocorre no POP. Além dessas variáveis, no

grupo UNI não se detectou o uso do tudo, objeto de observação

nos grupos não universitários, um dos aspectos que faz mais a

diferenciação entre os dois maiores blocos nos dados estudados.

3) No grupo do português popular, apesar de a variação da

concordância ser regida pelas mesmas variáveis que no

universitário, é mais evidente o efeito das variáveis sobre o

fenômeno no grupo de maior faixa etária, como se os falantes,

por serem mais velhos, estivessem revelando mais proximidade,

talvez, de um tipo de contato com uma linguagem com mais

variação, a que seus antepassados foram expostos, situação em

que os dados mais salientes foram os primeiramente registrados.

4) Apesar de se formular a hipótese de existência de competição de

gramáticas, na variação da concordância, esse fato não se

confirma com a análise dos dados lingüísticos. Embora haja

ampla diferença na freqüência da concordância, nos diversos

grupos, as restrições à utilização do morfema de plural, em

todos os grupos, é basicamente a mesma.

Page 376: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

376

5) A observação através das faixas etárias mostra que os mais

velhos tendem a utilizar mais marcas de concordância que os

mais novos, como se a concordância tendesse à redução. A

diferença entre a última faixa e as duas seguintes mostra

redução constante da concordância, voltando a se elevar um

pouco na primeira, diante da relação com a escola.

6) Nos grupos de escolaridade primária e superior, a faixa etária

mais velha realiza mais concordância que as faixas mais novas,

sugerindo perda da regra de concordância. No grupo de

escolaridade de segundo grau a observação entre as faixas

etárias sugere aquisição da regra, com os mais novos realizando

mais concordância que os mais velhos. A tendência de perda

que se percebia, pois, na análise geral, desaparece quando se

analisam grupos diferentes de escolaridade. A concordância,

pois, está envolvida em várias correntes que se cruzam no

universo lingüístico que caracteriza um quadro de cidade

grande, em que se misturam perdas e aquisições dos diversos

tipos, histórias, tendências e objetivos diferentes, como no

quadro referido por Naro (1981) e Naro & Scherre (1991).

7) O gênero feminino, na análise geral, aproxima-se mais do

padrão, no que diz respeito à concordância. Observando-se,

contudo, os três níveis de escolaridade, nota-se que isso ocorre

apenas no nível colegial. No primário, por outro lado, as

mulheres variam mais que os homens, na aplicação da

concordância e, no nível superior, único grupo de escolaridade

em que a variável não é selecionada, os dois gêneros fazem

igualmente a concordância.

Page 377: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

377

8) A variável etnia mostra que, independente da escolaridade, o

grupo de sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, faz

menos concordância que o grupo de sobrenome não religioso. A

variável etnia, pois, a partir do critério observado nessa

pesquisa, mostra-se com um efeito bastante interessante.

9) A análise das faixas etárias no grupo de sobrenome religioso

revela aumento de concordância nas faixas etárias mais novas,

numa tendência que sugere aquisição da regra. Como o grupo de

sobrenome religioso é considerado como de ancestralidade

negra, é perfeitamente compreensível o fato de esse grupo estar

adquirindo a concordância. O conhecimento das características

da sociedade de Salvador, nos séculos de escravidão e logo após

a abolição, conforme exposição apresentada no capítulo 1, leva

à conclusão de que os descendentes de muitos dos negros

escravos, em Salvador podem refletir um português com mais

diversidade que o restante da população. Muitos dos seus

antepassados não tiveram o português como L1, eram

possuidores de variedades diversas do português, muitas vezes

adquiridas a partir de dados primários apresentados por falantes

que também não tinham o português como L1. A partir do

momento em que o processo de escolarização, os meios de

comunicação e o próprio contato com outros grupos iniciaram a

ampliação da linguagem dessa população em direção ao padrão

de uso em Salvador, a regra de concordância passou a ser,

pouco a pouco, assumida. Dessa forma, apesar de o grupo de

sobrenome religioso fazer menos concordância, ele demonstra

aquisição da concordância e aproximação, pouco a pouco, da

linguagem comum usada pelas pessoas em geral.

Page 378: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

378

10) O grupo de sobrenome não religioso, por outro lado, evidencia

uma redução da concordância: os mais novos fazem menos

concordância que os falantes de mais idade.

11) De todos os grupos, a saliência fônica tem um maior efeito mais

evidente na concordância do grupo de sobrenome religioso. Se

esse é um grupo que teve, na sua história de ancestralidade

escrava, a aquisição do português a partir de contatos diversos

com grande variação nos dados primários, seria lógico que essa

variável refletisse esse processo. São os itens mais salientes que,

inicialmente, são alvo da concordância e os menos salientes,

alvo da variação.

12) Análises diferentes sobre a concordância no Brasil (Scherre,

1988; Fernandes, 1996; e Carvalho (1997) estão em acordo

quanto às variáveis que mais se relacionam com a variação do

fenômeno. Isso mostra que a variação da concordância, em

Salvador, não se distancia do que ocorre na língua portuguesa,

como um todo.

13) Apesar de serem constatadas as mesmas restrições lingüísticas

relacionadas com a concordância no sintagma nominal nas

quatro regiões, constata-se que, nos dados de Salvador, os

elementos em que há menos probabilidade de marcas (os que

estão à direita do núcleo e os que são nucleares em 2a, 3

a, ou 4

a

posições) são aqueles que, neste trabalho, são considerados

como mais dificilmente adquiridos por serem late system

morphemes. Dentre todas as regiões, é nos dados de Salvador

que esses elementos têm menos probabilidade de marca,

indicando que é possível que, nessa região, tenha havido mais

Page 379: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

379

variação nos dados que foram utilizados como dados primários

para a aquisição do português.

14) Na variável Marcas Precedentes, chama a atenção o efeito

altamente favorecedor dos numerais na concordância do grupo

de sobrenome religioso. Ao estudar o efeito das Marcas

precedentes com todos os grupos, os numerais em posição

antecedente sempre favorecem mais que em situação com uma

marca formal de plural antecedente. Isso tem explicação no fato

de os numerais terem mais saliência semântica, com informação

de quantidade, do que um morfema –s de plural. Com o grupo

de sobrenome religioso o efeito desse fator sobre a concordância

é mais forte, como se esse dado, juntando-se à Saliência fônica,

fosse mais uma indicação de que os mais salientes são

registrados, não só saliência fônica no elemento alvo da marca,

mas saliência semântica no elemento “ordenador”, digamos

assim, da necessidade de se fazer a concordância.

15) Outro aspecto é que o contexto de mais de uma marca

precedente, no grupo de sobrenome religioso, não é fator de

favorecimento, constituindo-se num diferencial em relação ao

grupo de sobrenome não-religioso. Se o que ocorre nos outros

grupos é evidência de que existe um processamento mental que

conduz à realização de estruturas semelhantes, é necessário que

se observe, em pesquisas futuras, se no grupo de sobrenome

religioso outros tipos de paralelismos ocorrem ou o porquê

dessa particularidade do grupo de ancestralidade negra.

16) No grupo de sobrenome religioso, são mais baixos que no

grupo de sobrenome não religioso os pesos relativos dos fatores

Page 380: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

380

relacionados aos morfemas funcionais que são inseridos

posteriormente, os late system morphemes. Isso também mostra

uma relação com aquisição do português em ambiente

lingüístico com muita variação e diversidade nos dados, pois

nessa situação ficam mantidos como morfemas funcionais,

principalmente, os early system morphemes.

17) O quantificador tudo, no lugar de todos, todas, sem

concordância, foi encontrado apenas no português popular, e a

sua presença no sintagma demonstrou, na análise geral, inibir

a concordância de outros elementos coexistentes. O tudo no

valor de todos, todas, no sintagma, é encontrado em dialetos

resultantes de processo de aquisição crioulizante, a exemplo

dos Tongas. Apesar de haver, no corpus, um número pequeno

de dados desse tipo, é no grupo de sobrenome religioso que ele

aparece em maior quantidade.

18) A variável coexistência do tudo no sintagma não é selecionada

no grupo de escolaridade fundamental com sobrenome

religioso, apesar de grande quantidade da forma estar

concentrada nesse grupo, demonstrando que, nesse grupo, a

coexistência do tudo, com sua inerente falta de concordância,

não inibe a concordância.

19) O tudo inibe fortemente a concordância no grupo de

escolaridade média com sobrenome religioso, apesar de serem

poucos os dados com a referida forma. No grupo de

escolaridade média com sobrenome não religioso não há

qualquer dado com o tudo. Isso mais uma vez indica que a

Page 381: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

381

forma associa-se ao grupo de sobrenome religioso,

representativo, nesse trabalho, da ancestralidade negra.

Pelo exposto nesta pesquisa, a variação da concordância no sintagma

nominal, no português brasileiro, utilizando os resultados dos diversos

estudos realizados nas diversas regiões aqui referidas, revela ser efeito de

restrições da estrutura lingüística, conforme apresentado por Scherre

(1988). Em todas as regiões, associada a essas restrições lingüísticas, a

variável social relacionada a nível de escolaridade é, conforme se previa,

um grupo de fatores de forte efeito na concordância: quanto mais

escolaridade, mais concordância, demonstrando que o trabalho

instutucional e sistêmático da escola, que busca a manutenção do padrão,

ainda funciona.

Como em Salvador a formação da população constituiu-se de um

confronto de grupos com história de diferentes tipos de aquisição do

português, com mais e menos variação, a variação da concordância nesta

cidade apresentou reflexos desse tipo de aquisição. Apesar de serem

detectadas diferenças com relação às restrições na variação da

concordância no sintagma nominal, entre os diversos grupos não foram

constatadas evidências de que as gramáticas são diferentes. Ao separar

pessoas de diferentes etnias, nota-se, contudo, que enquanto os

descendentes dos escravos cada vez demonstram fazer mais concordância,

em um processo de aquisição da regra, os não descendentes dos escravos,

em processo inverso, tendem a fazer menos concordância.

O presente trabalho, ao estudar a variação da concordância no

sintagma nominal considerando, entre outras, a variável etnia, indica que,

mesmo nas regiões urbanas, podem se encontrar condições de chegar-se à

Page 382: CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E

382

compreensão da contribuição da diversidade étnica nas pecularidades

lingüísticas do português do Brasil.

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RESUMO

Este trabalho faz uma análise da variação da concordância de número

no sintagma nominal do português brasileiro, utilizando um corpus de

Salvador, Bahia. A pesquisa toma como escopo teórico-metodológico a

sociolingüística variacionista laboviana, que considera que a variação é

inerente ao sistema, cabendo ao sociolingüista identificar as variáveis

sociais e as lingüísticas que estão relacionadas ao fenômeno variável em

observação. Para entender o processo da variação, são também utilizados

pressupostos de outros referenciais teóricos, tomados como auxiliares.

A pesquisa identifica quatro variáveis lingüísticas intimamente

associadas à variação da concordância nos elementos do sintagma nominal:

1) a saliência fônica; 2) a classe gramatical, a posição linear e a relativa,

associadas; 3) as marcas precedentes e 4) o contexto subseqüente. Essas

são as mesmas variáveis lingüísticas que se mostram mais associadas ao

fenômeno em outras regiões do País, evidenciando que as restrições

existentes no processo da variação da concordância no sintagma nominal

no português, como um todo, são as mesmas.

Analisando os diversos grupos sociais que compõem a amostra,

observa-se que três variáveis sociais têm mais relação com a variação da

concordância: 1) a escolaridade, 2) a faixa etária e 3) a etnia, neste trabalho

observada através dos sobrenomes dos informantes. Os resultados indicam

que 1) a presença de concordância é proporcional ao tempo de relação com

a atividade escolar; 2) os mais jovens do grupo de sobrenome religioso,

grupo considerado de ancestralidade escrava, fazem mais concordância que

os mais velhos, indicando tendência de aumento da realização de

concordância; 3) os mais novos do grupo de sobrenome não religioso,

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406

grupo considerado de ancestralidade não escrava, tendem a realizar menos

concordância que os mais velhos, indicando uma tendência de redução ou

enfraquecimento da concordância.

A diferença entre os resultados dos grupos de ancestralidade escrava e

não escrava constitui evidência de que o português utilizado por

descendentes da etnia negra, no Brasil, na sua fase inicial, foi caracterizado

por pouca concordância, resultado de exposição a dados lingüísticos

primários mais variados e divergentes, condizente com o contexto social

em que os negros estiveram envolvidos. Enquanto essa população, aos

poucos, aproxima-se do padrão, por situação diversa passam as pessoas

que não tiveram essa mesma história: cada vez mais reduzem a

concordância dentro do sintagma nominal, ampliando o quadro da variação.

O estudo realizado revela, pois, que há forças diferentes em

concorrência no universo lingüístico de Salvador, situação que se relaciona

com o processo histórico em que essa cidade se envolveu na fase da

constituição do seu povo e de sua língua.

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407

ABSTRACT

This work undertakes an analysis of variation in number agreement in

the noun phrase of Portuguese, using a data-base of speech from Salvador,

Bahia. The research adopts the perspective of the Variationist

Sociolinguistics method and theory of William Labov, which considers

variation to be inherent to the linguistic system, and sees the task of the

sociolinguist as that of identifying the social variables related to the

variable phenomenon under observation. In order to understand the process

of variation, other complementary theories are also used in an auxiliary

manner.

Four linguistic variables are identified as being closely associated

with variation in agreement in the noun phrase: 1) phonic salience, 2)

grammatical class, and associated linear and relative position, 3) the

presence of plural markers on preceding items in the noun phrase, and 4)

the following phonic context. These are the same linguistic variables which

have proven to be most significantly associated with the phenomenon in

other regions of the country, demonstrating that, on the whole, the

restrictions existing in relation to agreement variation in the noun phrase in

Portuguese are the same.

Analysing all the social groups in the sample, three particular social

variables are observed to be more associated with agreement variation: 1)

time in school, 2) age and 3) ethnicity, studied here by means of surnames.

The results show that 1) the presence of agreement is proportional to the

amount of time spent at school; 2) the youngest members of the religious

surnames group, a group considered to have slave ancestors, display more

agreement than the oldest members of this same group, showing a tendency

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towards an increase in application of the agreement rule; 3) the youngest

members of the non-religious surnames group, a group considered to not be

of slave ancenstry, show an inclination to display less agreement than the

oldest members of this same group, indicating tendency towards reduction

or weakening of the agreement rule.

The difference between the results for the groups with slave ancestry

and those without slave ancestry constitutes evidence that the Portuguese

language used by the descendents of slaves, in early phases of Brazil,

chacteristically displayed little agreement, a result of exposure to variable

and divergent primary linguistic data, a consequence of the social context

of the negro. While, this population is gradually approaching the target

language, the population which did not have this type of history is

undergoing a different process, and is reducing agreement in the noun

phrase, adding to the overall picture of variation.

The study carried out thus reveals that there are different concurrent

forces in the linguistic universe of Salvador, a situation which is linked to

the historical process in which this city was involved during the

constitution of its populace and its language.