aula 29 - concordância nominal e concordância verbal i

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Curso on-line PARA BEM ESCREVER NA LÍNGUA PORTUGUESA Prof. Carlos Nougué © 2014 I Todos os direitos reservados. 1 VIGÉSIMA NONA AULA DO CURSO “PARA BEM ESCREVER NA LÍNGUA PORTUGUESACONCORDÂNCIA NOMINAL E CONCORDÂNCIA VERBAL (I) I. Diz-se CONCORDÂNCIA NOMINAL a de qualquer palavra de cunho adjetivo com alguma palavra de cunho substantivo, ao passo que se diz CONCORDÂNCIA VERBAL a de qualquer verbo com alguma palavra de cunho substantivo. II. As gramáticas dividem-se quanto à maneira de explicar as duas formas de concordância: umas dizem que cada uma delas comporta uma ou duas regras e muitas exceções; outras, que cada uma delas comporta muitas regras e muitas sub-regras. Como se verá, nossa posição é intermédia. III. Dada a tolerância das gramáticas com maneiras não regulares de concordar saídas da pena de literatos, não poderemos senão tolerá-las também. Mas tolerar não é defender nem propor. IV. Pois bem, começando como devido, ou seja, pela CONCORDÂNCIA NOMINAL, diga-se que esta tem apenas uma regra: O ADJETIVO (OU EQUIVALENTE) CONCORDA EM GÊNERO E EM NÚMERO COM O SUBSTANTIVO (OU EQUIVALENTE) QUE ELE DETERMINA. Quanto ao que pareça não enquadrar-se nesta regra, dupla possibilidade: • ou é mera VARIAÇÃO sua, razão por que se enquadra nela, sim, de algum modo; • ou é desvio tolerável, ainda que não recomendável. V. Como dito e redito em nosso curso, os adjetivos podem exercer dupla função sintática: a de ADJUNTO ADNOMINAL, quando não vêm separados por vírgula do substantivo que determinam, ou a de PREDICATIVO, quando vêm atribuídos por verbo de cópula a um substantivo sujeito (PREDICATIVO DA PRIMEIRA ESPÉCIE), ou quando vêm separados por vírgula do substantivo a que se referem (PREDICATIVO DA SEGUNDA ESPÉCIE): “Eu amo a noite solitária e muda [adjuntos adnominais de noite]; Como formosa dona em régios paços [adjuntos adnominais, respectivamente, de dona e de paços],

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Gramática

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    VIGSIMA NONA AULA DO CURSO

    PARA BEM ESCREVER NA LNGUA PORTUGUESA

    C ONC OR D NC IA NO MI NAL

    E CON COR DNCIA VERB AL (I)

    I. Diz-se CONCORDNCIA NOMINAL a de qualquer palavra de cunho adjetivo

    com alguma palavra de cunho substantivo, ao passo que se diz CONCORDNCIA

    VERBAL a de qualquer verbo com alguma palavra de cunho substantivo.

    II. As gramticas dividem-se quanto maneira de explicar as duas formas de

    concordncia: umas dizem que cada uma delas comporta uma ou duas regras e

    muitas excees; outras, que cada uma delas comporta muitas regras e muitas

    sub-regras. Como se ver, nossa posio intermdia.

    III. Dada a tolerncia das gramticas com maneiras no regulares de

    concordar sadas da pena de literatos, no poderemos seno toler-las tambm.

    Mas tolerar no defender nem propor.

    IV. Pois bem, comeando como devido, ou seja, pela CONCORDNCIA

    NOMINAL, diga-se que esta tem apenas uma regra: O ADJETIVO (OU

    EQUIVALENTE) CONCORDA EM GNERO E EM NMERO COM O SUBSTANTIVO (OU

    EQUIVALENTE) QUE ELE DETERMINA. Quanto ao que parea no enquadrar-se nesta

    regra, dupla possibilidade:

    ou mera VARIAO sua, razo por que se enquadra nela, sim, de algum

    modo;

    ou desvio tolervel, ainda que no recomendvel.

    V. Como dito e redito em nosso curso, os adjetivos podem exercer dupla

    funo sinttica: a de ADJUNTO ADNOMINAL, quando no vm separados por

    vrgula do substantivo que determinam, ou a de PREDICATIVO, quando vm

    atribudos por verbo de cpula a um substantivo sujeito (PREDICATIVO DA

    PRIMEIRA ESPCIE), ou quando vm separados por vrgula do substantivo a que se

    referem (PREDICATIVO DA SEGUNDA ESPCIE):

    Eu amo a noite solitria e muda [adjuntos adnominais de noite];

    Como formosa dona em rgios paos [adjuntos adnominais,

    respectivamente, de dona e de paos],

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    Trajando ao mesmo tempo luto e galas

    Majestosa e sentida [predicativos (da segunda espcie) de noite, os quais

    deveriam estar separados por vrgula; mas a distncia com respeito ao

    substantivo a que se referem e a mudana de verso fazem aqui as vezes de

    vrgula] (GONALVES DIAS);

    Os entes humanos so racionais [predicativo (da primeira espcie) de

    entes humanos];

    Os homens continuam a passar, indiferentes [predicativo (da segunda

    espcie)] de homens] (ODORICO MENDES).

    OBSERVAO 1. Note-se que, exercendo quer a funo de adjunto adnominal

    quer a de predicativo (de ambas as espcies), o adjetivo sempre concorda em

    gnero e em nmero com o substantivo que ele determina ou a que se atribui.

    OBSERVAO 2. O adjetivo na funo de adjunto adnominal, insista-se, no

    se separa dele por vrgula, ao passo que o adjetivo na funo de predicativo ou

    se atribui ao substantivo sujeito mediante verbo de cpula, ou se separa do

    substantivo por vrgula.

    VI. Mas o adjetivo pode referir-se a um ou a mais de um substantivo, e pode

    vir-lhe(s) anteposto ou posposto.

    1. Quando o ADJETIVO, exercendo qualquer de suas duas funes, se refere a

    um nico substantivo, no pode haver dvida: substantivo no masculino ou no

    feminino, e no singular ou no plural, leva o adjetivo ao masculino ou ao

    feminino, e ao singular ou ao plural. Exemplos:

    Uma Lua perfeitamente branca elevava-se no cu;

    Carruagens pretas encabeavam o cortejo;

    O recinto ficou subitamente vazio.

    Rodeou-o multido de ces ferozes;

    2. Quando porm o adjetivo se refere a dois ou mais substantivos, ento

    importa sobremaneira considerar o GNERO destes.

    a. Se os substantivos so DO MESMO GNERO, tampouco h dvida: o adjetivo

    estar neste gnero (e, obviamente, sempre no plural):

    a lngua e a cultura espanholas;

    as ruelas e as praas toledanas;

    os costumes e o idioma ingleses;

    os livros e os cadernos encontrados.

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    b. Se porm os substantivos forem DE GNERO DIFERENTE, ento o adjetivo se

    por no masculino-neutro (e, obviamente, sempre no plural),

    independentemente da ordem em que apaream aqueles:

    a lngua e o vigor espanhis;

    os becos e as praas toledanos;

    as tradies e o idioma ingleses;

    os livros e as anotaes encontrados.

    OBSERVAO 1. Os substantivos sempre podem pr-se em ordem

    aparentemente mais afim concordncia no masculino-neutro:

    as praas e os becos toledanos;

    a anotaes e os livros encontrados.

    Mas isto no obrigatrio, e por vezes, por razes de clareza, nem sequer

    recomendvel como j se ver.

    OBSERVAO 2. No se altera a regra geral de concordncia nominal se o

    adjetivo vier anteposto aos substantivos. Mas, para entend-lo, transcrevamos

    antes de tudo a posio de Cunha e Cintra, contrria ao que acabamos de dizer:1

    O adjetivo vem antes dos substantivos

    REGRA GERAL: O ADJETIVO concorda em gnero e nmero com o substantivo

    mais prximo, ou seja, com o primeiro deles:

    Vivia em tranquilos bosques e montanhas.

    Vivia em tranquilas montanhas e bosques.

    Tinha por ele alto respeito e admirao.

    Tinha por ele alta admirao e respeito.

    Observao:

    Quando os substantivos so nomes prprios ou nomes de parentesco, o

    ADJETIVO vai sempre para o plural:

    Conheci ontem as gentis irm e cunhada de Laura.

    Portugal cultua os feitos dos heroicos Diogo Co e Bartolomeu Dias.

    Deixado pois de lado o caso dos nomes prprios e dos nomes de parentesco,

    com respeito ao qual a posio de Cunha e Cintra no discrepa da nossa,

    1 Com pequenas variaes, a posio de Cunha e Cintra a da quase totalidade dos gramticos.

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    respondamos-lhes com respeito ao caso dos nomes comuns, valendo-nos dos

    mesmos exemplos postos pelos nossos gramticos.

    Vivia em tranquilos bosques e montanhas. Aqui no h, em princpio,

    dificuldade: o adjetivo tranquilos est posto no masculino-neutro (plural), e

    parece que bosques e montanhas constituem algo uno: vivia em bosques de

    montanha. Apenas parece. Note-se porm que a maioria das oraes que se

    constroem assim no isenta de anfibologia. Exemplo: Estava sempre em

    tranquilas estradas e portos. Pois bem, pode entender-se aqui que estava

    sempre em estradas tranquilas e, ademais, em portos. Por isso, em casos como

    este prefervel ou A REPETIO DO ADJETIVO E DA PREPOSIO (por exemplo,

    Viajou por verdes florestas e por verdes mares), ou A ALTERAO DA MESMA

    FIGURA ORACIONAL (por exemplo, Vivia em bosques e em montanhas

    TRANQUILOS, onde no h nem sombra de ambiguidade).

    Vivia em tranquilas montanhas e bosques. Diga-se com respeito a este

    exemplo o mesmo que se disse com respeito ao anterior.

    Tinha por ele alto respeito e admirao. Aqui a dificuldade maior, no

    s porque os substantivos so de gnero diferente, mas porque o mesmo

    adjetivo no pode pospor-se aos substantivos. Partamos porm de que

    tampouco este exemplo isento de anfibologia: podemos ter alto respeito por

    algum e admirao no to alta por ele. Se pusssemos no plural o adjetivo, a

    construo soaria no s pernstica, mas errada. Por conseguinte, no nos resta

    seno repetir o adjetivo: Tinha por ele alto respeito e alta admirao.

    Tinha por ele alta admirao e respeito. Diga-se quanto a este exemplo

    o mesmo que se disse quanto ao anterior.

    Atente-se a que tanto nossas consideraes como nossas sugestes no

    visam seno a um nico fim: a DESAMBIGUAO, o permitir ao leitor PERFEITA

    APREENSO IMEDIATA DO QUE SE QUER DIZER.

    Bem sabemos que corre entre ns o rumor de que, ao contrrio do

    ingls, o portugus no tolera repeties de palavra. No passa de rumor,

    ainda que com um pano de fundo real: no raro os literatos lusfonos preferem

    a no repetio. Esta preferncia, todavia, uma opo justamente literrio-

    potica, e, como vimos dizendo desde o princpio do curso, a Gramtica no

    deve fundar-se antes de tudo no literrio. Ademais, uma orao como Tinha por

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    ele alto respeito e alta admirao afigura-se-nos, alm de cristalina,

    perfeitamente elegante.

    Como dito mais acima, contudo, no podemos tachar de errada a

    concordncia propugnada por Cunha e Cintra, chamada parcial, por atrao

    do mais prximo, etc. Faz-lo seria ir contra um fato lingustico presente entre

    os mesmos escritores e entre os mesmos gramticos que fundam o padro culto

    atual: e, como dito, no compete ao gramtico inventar lngua. Mas, como dito

    tambm, no impugnar algo no o mesmo que defend-lo e prop-lo, e no

    defendemos e propomos seno a busca incansvel da desambiguao perfeita e,

    pois, da clareza meridiana.

    OBSERVAO 3. Mais distante ainda de nosso fim est o que sustentam

    Cunha e Cintra e muitos outros quanto concordncia do adjetivo posposto a

    dois ou mais substantivos. Com efeito, dizem os nossos dois gramticos:

    O adjetivo vem depois dos substantivos

    Neste caso, a concordncia depende do gnero e do nmero dos substan-

    tivos.

    1. Se os substantivos so do mesmo gnero e do singular, o adjetivo toma o

    gnero (masculino ou feminino) dos substantivos e, quanto ao nmero, vai:

    a) para o singular (concordncia mais comum):

    A professora estava com um vestido e um chapu escuro.

    Estudo a lngua e a literatura portuguesa.

    b ) para o plural (concordncia mais rara):

    A professora estava com um vestido e um chapu escuros.

    Estudo a lngua e a literatura portuguesas.

    2. Se os substantivos so de gneros diferentes e do singular, o adjetivo pode

    concordar:

    a) com o substantivo mais prximo (concordncia mais comum):

    A professora estava com uma saia e um chapu escuro.

    Estudo o idioma e a literatura portuguesa.

    b) com os substantivos em conjunto, caso em que vai para o masculino plural

    (concordncia mais rara):

    A professora estava com uma saia e um chapu escuros.

    Estudo o idioma e a literatura portugueses.

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    3. Se os substantivos so do mesmo gnero, mas de nmeros diversos, o

    adjetivo toma o gnero dos substantivos, e vai:

    a) para o plural (concordncia mais comum):

    Ela comprou dois vestidos e um chapu escuros.

    Estudo as lnguas e a civilizao ibricas.

    b) para o nmero do substantivo mais prximo (concordncia mais rara):

    Ela comprou dois vestidos e um chapu escuro.

    Estudo as lnguas e a civilizao ibrica.

    4. Se os substantivos so de gneros diferentes e do plural, o adjetivo vai:

    a) para o plural e para o gnero do substantivo mais prximo (concordncia

    mais comum):

    Ela comprou saias e chapus escuros.

    Estudo os idiomas e as literaturas ibricas.

    b) para o masculino plural (concordncia mais rara):

    Ela comprou chapus e saias escuros.

    Estudo os idiomas e as literaturas ibricos.

    5. Se os substantivos so de gneros e nmeros diferentes, o adjetivo pode

    ir:

    a) para o masculino plural (concordncia mais comum):

    Ela comprou saias e chapu escuros.

    Estudo os falares e a cultura portugueses.

    b) para o gnero e o nmero do substantivo mais prximo (concordncia que

    no rara quando o ltimo substantivo um feminino plural):

    Ela comprou saias e chapu escuro.

    Estudo o idioma e as tradies portuguesas.

    Observao:

    Quando est em concordncia apenas com o substantivo mais prximo, o

    adjetivo nem sempre caracteriza de forma precisa o substantivo dele

    distanciado. Por isso, em todas as hipteses mencionadas, pode-se e deve-se,

    caso a concordncia origine qualquer dvida, repetir o adjetivo para cada um

    dos substantivos:

    Ela comprou uma saia escura e um chapu escuro.

    Estudo os falares portugueses e a cultura portuguesa.

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    Dos exemplos postos por Celso e Cunha, no padecem anfibologia em grau

    algum os seguintes:

    a. Estudo a lngua e a literatura portuguesa.

    b. Estudo o idioma e a literatura portuguesa.

    c. Estudo o idioma e a literatura portugueses.

    d. A professora estava com uma saia e um chapu escuros.

    e. Ela comprou dois vestidos e um chapu escuros.

    f. Ela comprou saias e chapus escuros.

    g. Ela comprou chapus e saias escuros.

    h. Estudo os idiomas e as literaturas ibricos.

    i. Ela comprou saias e chapu escuros.

    j. Estudo os falares e a cultura portugueses.

    k. Estudo o idioma e as tradies portuguesas.

    Mas ferem a regra da concordncia nominal trs deles:

    a. Estudo a lngua e a literatura portuguesa,

    b. Estudo o idioma e a literatura portuguesa,

    k. Estudo o idioma e as tradies portuguesas,

    justamente porque neles a concordncia parcial, ou seja, faz-se com o

    substantivo mais prximo. Basta contudo ver a multiplicidade de alternativas a

    esta maneira de concordar para concluir, facilmente, que no necessria. Ora,

    se podemos evitar tal infrao, devemos faz-lo. E o argumento de que esta ou

    aquela maneira no infratoras so menos comuns ou usuais no procede

    justamente porque no se trata aqui, como dito, de tachar de erradas as

    maneiras mais comuns, mas de preferir e de propor as que, alm de no

    encerrar ambiguidade, tampouco firam a regra geral.

    Os demais exemplos postos por Celso e Cintra encerram grave

    ambiguidade. Diga-se por qu.

    a. A professora estava com um vestido e um chapu escuro. Ela

    poderia estar com um chapu escuro e um vestido de qualquer outra cor.

    b. A professora estava com uma saia e um chapu escuro. Ela poderia

    estar com um chapu escuro e uma saia de qualquer outra cor.

    c. Estudo as lnguas e a civilizao ibricas. Eu poderia estudar, alm

    das civilizaes ibricas, as lnguas em geral.

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    d. Ela comprou dois vestidos e um chapu escuro. Ela poderia haver

    comprado um chapu escuro e dois vestidos de qualquer outra cor.

    e. Estudo as lnguas e a civilizao ibrica. Eu poderia estudar, alm

    das civilizaes ibricas, as lnguas em geral.

    f. Ela comprou saias e chapus escuros. Ela poderia haver comprado

    chapus escuros e saias de qualquer outra cor.

    g. Estudo os idiomas e as literaturas ibricas. Eu poderia estudar,

    alm das literaturas ibricas, os idiomas em geral.

    h. Ela comprou saias e chapu escuro. Ela poderia haver comprado

    chapu escuro e saias de qualquer outra cor.

    E eis maneiras de perfeita desambiguao:

    a. A professora estava com um vestido e um chapu escuros.

    b. A professora estava com uma saia e um chapu escuros.

    c. Estudo a civilizao ibrica e suas lnguas.

    d. Ela comprou dois vestidos e um chapu escuros.

    e. Estudo a civilizao ibrica e suas lnguas.

    f. Ela comprou saias escuras e chapus escuros.

    g. Estudo os idiomas ibricos e suas literaturas.

    h. Ela comprou saias e chapu escuros.

    Por todo o dito, assinamos parte da Observao de Cunha e Cintra: Em

    todas as hipteses mencionadas, pode-se e deve-se, caso a concordncia origine

    qualquer dvida, repetir o adjetivo para cada um dos substantivos.

    OBSERVAO 4. Escusado seria dizer que, quando exerce a funo de

    PREDICATIVO (de ambas as espcies), o adjetivo concorda com dois ou mais

    substantivos exatamente como se comporta quando exerce a funo de adjunto

    adnominal:2

    O livro e o caderno so novos;

    A porta e a janela estavam abertas;

    O livro e a caneta so novos;

    A janela e o porto estavam abertos.

    2 Os exemplos so de Cunha e Cintra.

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    Sucede, porm, que os nossos dois gramticos, como muito outros,

    admitem a concordncia parcial quando o adjetivo na funo de adjunto

    adnominal vem anteposto aos substantivos:3

    Era novo o livro e a caneta;

    Estava aberta a janela e o porto.

    De fato, estes dois exemplos no padecem anfibologia. Repita-se porm o

    dito mais acima: basta ver a multiplicidade de alternativas a esta maneira de

    concordar para concluir, facilmente, que no necessria. Ora, se podemos

    evitar tal infrao, devemos faz-lo. E o argumento de que esta ou aquela

    maneira no infratoras so menos comuns ou usuais no procede: justamente

    porque no se trata aqui, como dito, de tachar de erradas as maneiras mais

    comuns, mas de preferir e de propor as que, alm de no encerrar ambiguidade,

    tampouco firam a regra geral. Ademais, o dizer Estava aberta a janela e o

    porto antes da oralidade lusfona: com efeito, quando na fala antepomos o

    adjetivo, tendemos a concord-lo com o primeiro substantivo e a esquecer-nos

    de faz-lo com o segundo. uma como pressa lingustica, que sem dvida

    alguma tem que ver com o grande automatismo da fala.4 Mas, por definio, a

    escrita quase nada tem ou quase nada deveria ter de automtico. Por isso,

    podemos pr multiplamente os mesmos exemplos de Cunha e Cintra sem ferir

    em nada a regra geral da concordncia nominal:

    Eram novos o livro e a caneta;

    Era novo o livro, e era nova a caneta;

    Estava aberta a janela, e estava aberto o porto.

    Estava aberta a janela, e o porto.

    Se Eram novos o livro e a caneta no nos fere a sensibilidade lingustica,

    algo no-lo faz Estavam abertos a janela e o porto.

    Dar-se- na aula de pontuao a razo de as oraes de Era novo o livro, e

    era nova a caneta e de Estava aberta a janela, e estava aberto o porto virem

    separadas por vrgula. Mas antecipe-se, resumidamente: de regra separar por

    vrgula oraes ligadas pela aditiva e se tiverem sujeito diferente.

    Em Era novo o livro, e a caneta e em Estava aberta a janela, e o porto,

    seguimos estupenda sugesto de Carlos Gis: trata-se da mesma regra anterior

    3 Idem.

    4 Aprofundamo-lo muito na Suma Gramatical.

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    mas com elipse do verbo e do adjetivo: Era novo o livro, e [ERA nova] a caneta;

    Estava aberta a janela, e [ESTAVA aberto] o porto. nossa maneira preferida

    para casos assim.

    OBSERVAO 5. Transcrevam-se as ltimas palavras de Cunha e Cintra com

    respeito concordncia nominal:

    Como as oraes, e as palavras tomadas materialmente, se consideram do

    nmero singular e do gnero masculino, quando o sujeito expresso por uma

    orao (plena ou reduzida), o adjetivo predicativo fica no masculino singular:

    justo que uma nao venere os seus poetas.

    honroso morrer pela ptria.

    H que acrescentar-lhes apenas: a concordncia faz-se ento no masculino-

    neutro.5

    ATENO: CAPTULOS DOIS E TRS, PRIMEIRA E SEGUNDA

    GUERRAS, ETC. CARLOS GIS

    VI. A concordncia verbal mais complexa que a nominal: conta com uma

    regra geral O VERBO CONCORDA EM NMERO E EM PESSOA COM O SUJEITO A QUE SE

    ATRIBUI , com uma regra especial relativa ao verbo de cpula ser e com

    certo nmero de particularidades ou excees insuperveis.

    1. A REGRA GERAL da concordncia verbal vale tanto para o caso de o sujeito

    ser simples (ou seja, quando conta com um s ncleo) como para o caso de o

    sujeito ser composto (ou seja, quando conta com dois ou mais ncleos). Mas

    este ltimo caso requer ponderaes.

    Exemplos de concordncia com SUJEITO SIMPLES:6

    EU ouo o canto enorme do Brasil! (RONALD DE CARVALHO);

    Melhor negcio que Judas

    fazes TU, Joaquim Silvrio! (CECLIA MEIRELES);

    Um dia UM CISNE morrer, por certo... (JLIO SALUSSE);

    Naquela grande rua sossegada

    5 Tambm a noo de masculino-neutro requer aprofundamente, o que se faz ainda na Suma.

    6 Os exemplos literrios que se sucedero a partir daqui so extrados de Rocha Lima.

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    NS fizemos, um dia, o nosso ninho: (GUILHERME DE ALMEIDA);

    Brasileiros,

    VS tendes os ouvidos moucos

    s grandes palavras de f (TASSO D SILVEIRA);

    OS CABOCLOS levantaram-se em alvoroo, alarmados (COELHO NETO);

    Aqui outrora retumbaram HINOS (RAIMUNDO CORREIA);

    Exemplos de concordncia com sujeito composto:

    EU E O PAPAI queremos aproveit-lo, para conversar [ou seja, se temos

    primeira pessoa + terceira pessoa, o verbo vai para a primeira do plural] (CYRO

    DOS ANJOS);

    Neste caso TU E MAIS ELES TODOS sereis salvos [ou seja, se temos segunda

    pessoa + terceira pessoa, o verbo vai para a segunda do plural] (PE. ANTNIO

    VIEIRA);

    ROBERTO E O MILAGREIRO chegaram logo [ou seja, se temos terceira

    pessoa + terceira pessoa, o verbo vai para a terceira do plural] (RACHEL DE

    QUEIROZ).

    OBSERVAO 1. Os seguintes exemplos, dados por Rocha Lima como

    justificveis e pois como aceitveis, no o so em verdade, sobretudo se se trata

    da escrita:

    Juro que TU E TUA FILHA me pagam [ou seja, se temos segunda pessoa +

    terceira pessoa, o verbo deveria pr-se na segunda do plural (pagais); mas aqui

    est na terceira do plural] (COELHO NETO);

    Desejo que TU E QUANTOS ME OUVEM se tornem tais qual eu sou [ou seja,

    se temos segunda pessoa + terceira pessoa, o verbo deveria pr-se na segunda

    do plural (vos torneis); mas aqui est na terceira do plural] (FREI AMADOR

    ARRAIS);

    O que eu continuamente peo a Deus que ELE E TU sejam meus

    amigos [ou seja, se temos segunda pessoa + terceira pessoa, o verbo deveria

    pr-se na segunda do plural (sejais); mas aqui est na terceira do plural]

    (CAMILO CASTELO BRANCO);

    Esto TU E TEU IRMO resolvidos a procurarem Marcos Freire? [o ou

    seja, se temos segunda pessoa + terceira pessoa, o verbo deveria pr-se na

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    segunda do plural (estais); mas aqui est na terceira do plural] (CAMILO CASTELO

    BRANCO).7

    Casos assim no nos parecem sequer tolerveis.

    OBSERVAO 2. Ao contrrio do que dizem as gramticas correntes, a

    concordncia com o ncleo mais prximo dita parcial, por atrao, etc.

    no facultativa. Naturalmente, a tradio gramatical no aceita coisas como

    Meu pai e eu cheguei. Refugia-se ela na trincheira do sujeito posposto, como,

    mutatis mutandis, j a vimos fazer no mbito da concordncia nominal. E, se

    neste nos confrontamos com Cunha e Cintra, aqui o faremos com Rocha Lima.

    2. Diz, com efeito, este gramtico:

    Em certas situaes, no raro que o verbo que tem sujeito composto

    concorde apenas com o ncleo que lhe estiver mais prximo o que costuma

    ocorrer:

    1) Quando o sujeito composto vier depois do verbo:

    Que me importava Carlota, o lar, a sociedade e seus cdigos? (CYRO DOS

    ANJOS)

    O escritor poderia ter empregado importavam, em concordncia com a

    totalidade dos ncleos (o que, por sinal, mais comum) como fez nesta

    passagem:

    (...) o salo onde se achavam o dr. Azevedo e Glria.

    Eis outros exemplos do verbo no singular:

    Faze uma arca de madeira: entra nela tu, tua mulher e teus filhos.

    (MACHADO DE ASSIS)

    Era um auditrio desigual onde se misturava infncia e maturidade.

    (CLARICE LISPECTOR)

    Em princpio, tal concordncia no de sustentar nem de propor. Mas

    preciso distinguir.

    Era um auditrio desigual onde se misturava infncia e maturidade. Esta

    construo nem sequer tolervel: constitui puro e simples erro. Com efeito, o

    7 Ademais, como se ver na parte relativa ao infinitivo (pessoal), aqui poramos Estais TU E TEU

    IRMO resolvidos a procurar Marcos Freire?. Quanto a isto, a razo est com Napoleo

    Mendes de Almeida.

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    13

    mesmo verbo misturar implica que se trata de duas ou mais coisas, sem o que

    impossvel qualquer mistura.

    Que me importava Carlota, o lar, a sociedade e seus cdigos? Esta j se

    pode de algum modo justificar. Com efeito, como vimos dar-se, mutatis

    mutandis, no mbito da concordncia nominal, a vrgula pode sugerir a elipse

    de um termo ou mais, razo por que pode entender-se: Que me importava

    Carlota, [que me importava] o lar, [que me importava] a sociedade e seus

    cdigos?. Mantivemos no singular o verbo de que me importava a sociedade e

    seus cdigos por algo de que voltaremos a falar mais adiante: sociedade e seus

    cdigos constituem, aqui, algo uno.

    Faze uma arca de madeira: entra nela tu, tua mulher e teus filhos. Esta

    tambm parece poder justificar-se pelo dito a respeito do ltimo exemplo: Faze

    uma arca de madeira: entra nela tu, [entre nela] tua mulher e [entrem nela]

    teus filhos.

    Se assim , os dois ltimos exemplos no constituiriam infrao regra

    geral, mas VARIAO sua. Este modo de variao, todavia, no deveria usar-se

    seno com escrupulosa ponderao. Se, no mbito da lngua, se abre a

    porteira, ter-se- inevitvel estouro da boiada. Na oralidade, ademais, isto

    mesmo que pode ser variao da regra geral antes, o mais das vezes, uma

    como pressa lingustica, que sem dvida alguma tem que ver com o grande

    automatismo da fala: quando antepomos o verbo, tendemos a concord-lo com

    o primeiro ncleo do sujeito e a esquecer-nos de faz-lo com o segundo. Para

    que tal esquecimento se d aqui e ali na escrita, no grande o passo.

    3. E prossegue o nosso gramtico:

    2) Quando o sujeito composto for constitudo de palavras sinnimas ou

    quase sinnimas, de sorte que se nos apresentem ao esprito como um todo

    indiviso, ou como elementos que simplesmente se reforam:

    O mais importante era aquele desejo e aquela febre que os une como o

    barro une as pedras duras. (DINAH SILVEIRA DE QUEIROZ)

    Ainda aqui, tem cabimento a concordncia regular, que , sem dvida, a

    predileta dos escritores brasileiros da atualidade:

    O desalento e a tristeza abalaram-me. (GRACILIANO RAMOS)

    S o medo e o horror que so justos. (RACHEL DE QUEIROZ)

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    14

    Aqui, no h nada que opor ao dito por Lima. Acrescente-se apenas que,

    se a concordncia se faz no singular, porque de fato o escritor pensa no sujeito

    composto como algo uno, ao passo que, se a concordncia se faz no plural, o

    escritor pensa no sujeito como composto de coisas prximas mas no idnticas

    nem constituintes de algo uno. E uma vez mais:

    tudo isto no h de fazer-se seno com escrupulosa ponderao;

    tampouco aqui a concordncia no singular constitui infrao regra, mas

    VARIAO sua.

    4. Demos a palavra ainda a Lima:

    3) Quando os ncleos do sujeito composto se ordenarem numa gradao

    de ideias, concentrando-se no ltimo deles a ateno do escritor:

    E entrava a girar em volta de mim, espreita de um juzo, de uma palavra,

    de um gesto, que lhe aprovasse a recente produo. (MACHADO DE ASSIS)

    Escusado acrescentar que, tambm neste caso, lcito ao escritor optar pela

    forma do plural:

    Um gesto, uma palavra toa logo me despertavam suspeitas.

    (GRACILIANO RAMOS)

    A sade, a fora, a vitalidade faziam-me ver as coisas diferentes. (JOS

    LINS DO REGO)

    H que melhorar ou precisar o dito por Lima. No exemplo de Machado de

    Assis, a concordncia faz-se no singular porque a sequncia iniciada por um

    juzo encerra a ideia de disjuno: E entrava a girar em volta de mim,

    espreita [ou] de um juzo, [ou] de uma palavra, [ou] de um gesto que lhe

    aprovasse a recente produo. isso, insista-se, o que parece justificar tal

    concordncia. E, com efeito, quando se trata de disjuno, a concordncia pode

    fazer-se quer no singular quer no plural, a depender to somente do que se

    queira dizer. No exemplo que nos ocupa, trata-se de DISJUNO PERFEITAMENTE

    EXCLUDENTE: Machado quer dizer que qualquer dessas coisas lhe poderia

    aprovar a recente produo.8 Mas a disjuno pode NO SER PERFEITAMENTE

    8 E aqui, em verdade, aps cada membro disjunto est implcito o mesmo verbo (com seu

    complemento): E entrava a girar em volta de mim, espreita [ou] de um juzo [que lhe

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    15

    EXCLUDENTE, e encerrar carter de ADIO, como em Um bom livro OU uma boa

    sinfonia so capazes de compraz-lo, em que se quer dizer: TANTO um bom

    livro COMO uma boa sinfonia so capazes de compraz-lo. Atente-se, porm,

    no exemplo de Machado, ao incorreto uso de vrgula antes de que lhe aprovasse

    a recente produo. Com efeito, esta orao no pode ser seno adjetiva (a

    tradicionalmente chamada restritiva), que, como j sabemos, nunca se separa

    por vrgula de seu antecedente. E ainda:

    tudo isto no h de fazer-se seno com escrupulosa ponderao;

    tampouco aqui a concordncia no singular constitui infrao regra, mas

    VARIAO sua.

    5. VOZ PASSIVA COM A PARTCULA SE.

    Ateno especial, continua Rocha Lima, deve merecer a concordncia de

    verbo acompanhado da partcula se [sic; no partcula, mas palavra] e

    seguido de substantivo no plural, em construes deste tipo:

    Alugam-se casas. Regulam-se relgios.

    Venderam-se todos os bilhetes.

    Este substantivo, representado (geralmente) por ser inanimado [sic; no

    verdade: por exemplo, Pescam-se trutas ou Caam-se lees], o sujeito da frase

    , razo pela qual com ele h de concordar o verbo.

    A ndole da lngua portuguesa inclina para a posposio desse sujeito ao

    verbo; aponta-se por menos comum a sua presena antes do verbo, assim como

    vir ele representado por ser animado [sic].

    Eis documentao literria de um e outro caso, na linguagem modelar [nem

    sempre, como j visto] de Machado de Assis:

    Sentei-me, enquanto Virglia, calada, fazia estalar as unhas. Seguiram-se

    alguns minutos de pausa.

    Fizeram-se finalmente as partilhas, mas ns estvamos brigados.

    No se perdem cinco contos, como se perde um leno de tabaco. Cinco

    contos levam-se com trinta mil sentidos.

    H ingratos, mas os ingratos demitem-se, prendem-se, perseguem-se.

    Nas variadas situaes que se apresentam nos exemplos citados, o sujeito

    sempre o paciente da ao verbal , o que caracteriza a voz passiva.

    aprovasse a recente produo], [ou] de uma palavra [que o fizesse], [ou] de um gesto [que o

    fizesse]. Assunto para a Suma Gramatical.

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    Oponha-se apenas que, como dito em alguma de nossas aulas, no se trata

    aqui propriamente de voz passiva, mas de significado passivo em figura ativa.

    6. ainda de Lima a palavra:

    Observao

    Se o nome no plural estiver precedido de preposio, o verbo ficar no

    singular:

    Precisa-se de datilgrafas.

    No se obedece a ordens absurdas.

    O mesmo acontece quando o verbo intransitivo, ou empregado como tal:

    Vive-se bem aqui.

    Assim se vai aos astros.

    Estuda-se pouco nos dias de hoje.

    Em casos como esses, deixa-se completamente indeterminada a pessoa que

    pratica a ao.

    Perfeito no que concerne concordncia. Trata-se do tradicionalmente

    chamado sujeito indeterminado. J o tratamos de modo suficiente.

    7. Chegamos aos tradicionalmente chamados casos particulares, que

    melhor tambm se diriam VARIAES DA REGRA GERAL. Ainda proveitoso seguir

    as palavras de Lima, que quase sempre prima pela clareza, para responder-lhes

    sempre que necessrio.

    1. UM E OUTRO

    O substantivo que se segue expresso um e outro s se usa no singular,9

    mas o respectivo verbo pode empregar-se no singular ou no plural.

    Exemplos:

    Uma e outra coisa lhe desagrada. (MANUEL BERNARDES)

    De repente, um e outro desapareceram, como se a terra os houvera

    engolido. (ALEXANDRE HERCULANO)

    9 Continua solitrio o conhecido exemplo de frei Lus de Sousa (... de um, e outro arcebipos)

    para o qual chamara a ateno o professor Sousa da Silveira, nas Lies de Portugus, op. cit., p.

    140.

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    Um e outro sagaz e pressentido; Um e outro aos ladres declaram guerra.

    (ANTNIO FELICIANO DE CASTILHO)

    Um e outro pareciam confusos e acanhados. (MACHADO DE ASSIS)

    Antes de tudo, que o substantivo seguinte expresso um e outro s se

    use no singular ponto da concordncia nominal, e deixamo-lo para tratar aqui

    justamente para faz-lo em bloco com a concordncia verbal com um e outro.

    Que se diga com toda a propriedade um e outro arcebispo deve-se, ainda

    uma vez, a elipse: um [arcebispo] e outro arcebispo.

    Quanto porm a que o verbo possa estar ou no singular ou no plural em

    referncia a um e outro..., tal no se pode sustentar nem propor (ainda que deva

    tolerar-se por sua macia defesa por parte da tradio gramatical). Com efeito,

    um e outro expresso perfeitamente aditiva, no encerra nem sombra de

    carter disjuntivo. Use-se pois sempre UMA [COISA] E OUTRA COISA lhe

    desagradam, e considere-se o exemplo do Pe. Manuel Bernardes e outros como

    pertencentes a padro culto anterior ao atual.

    2. UM OU OUTRO

    J a expresso um ou outro, seguida ou no de substantivo, reclama o verbo

    somente no singular:

    (...) um ou outro rapaz virava a cabea para nos olhar. (RACHEL DE

    QUEIROZ)

    Um ou outro vaga-lume tornava mais vasta a escurido. (CLARICE

    LISPECTOR)

    Esta maneira de concordar uma das excees consagradas a que nos

    referimos no incio deste captulo. Em tese, poderia levar-se o verbo j ao

    singular j ao plural, a depender ainda de que ou expressasse pura disjuno ou

    encerrasse tambm a ideia de adio. Mas, como dito, exceo consagrada.

    Ademais, pode usar-se um que outro em lugar de um ou outro: UM QUE

    OUTRO vaga-lume tornava mais vasta a escurido.

    3. NEM UM, NEM OUTRO

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    18

    Tambm a expresso nem um, nem outro, seguida ou no de substantivo,

    exige o verbo no singular. (S excepcionalmente se encontrar verbo no plural.)

    Exemplos:

    Afirma-se que nem um, nem outro falou verdade. (FREI LUS DE SOUSA)

    Nem uma, nem outra diligncia se pde fazer. (MANUEL BERNARDES)

    No entanto, nem uma nem outra se surpreendeu, abstendo-se mesmo de

    fazer o mais leve comentrio. (OCTVIO DE FARIA)

    Nem um, nem outro havia idealizado previamente esse encontro. (TASSO

    DA SILVEIRA)

    Exagera Rocha Lima: muitos gramticos admitem, neste caso, verbo

    indiferentemente no singular ou no plural.

    Mais que isso, porm (e deixamos para diz-lo aqui, por razes bvias): se

    no se parte por vrgula, o par nem um nem outro antes ADITIVO que

    disjuntivo. Com efeito, se digo Nem um nem outro sero eleitos, digo que Tanto

    um como outro no sero eleitos, o que o mesmo que dizer Um e outro (=

    ambos) no sero eleitos. Por isso, o natural pr o verbo no plural, a no ser

    que se suponha uma elipse: Nem um [ser eleito], nem outro ser eleito

    (ateno para a vrgula). Mas por isso mesmo que ambas as maneiras de

    concordar so corretas.

    No entanto, em um caso no possvel supor elipse: quando se expressa

    ideia de reciprocidade: NEM UM NEM OUTRO se respeitam. Esta porm no

    maneira apropriada de diz-lo. O apropriado seria pr: No se respeitam um ao

    outro.

    Em todos os exemplos aduzidos por Lima, a expresso est partida por

    vrgula. Mas esta vrgula s prpria se se supe a referida elipse (Nem um

    [ser eleito], nem outro ser eleito). Se no se supe tal elipse, o mais

    conveniente no partir a expresso:

    Nem um nem outro apareceram;

    Nem um nem outro sero eleitos;

    etc.

    4. UM DOS QUE

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    19

    H dupla sintaxe: com o verbo no singular, construo talvez mais lgica

    [sic]; ou, atendendo-se de preferncia eufonia [sic], com o verbo no plural.

    Exemplos:

    Esta cidade foi uma das que mais se corrompeu da heresia.10 (FREI LUS DE

    SOUSA)

    Uma das coisas que muito agradou sempre a Deus em seus servos, foi a

    peregrinao... (ANTNIO VIEIRA)

    O reitor foi um dos que mais se importou com a preocupao do homem.

    (JLIO DINIS)

    Patrocnio foi um dos brasileiros que mais trabalharam em prol da

    Abolio. (LAUDELINO FREIRE)

    Ao dito aqui por Lima, no podemos conceder sequer tolerncia: neste

    caso, a concordncia no singular , segundo o padro culto atual, puro erro, e

    no se v por que seria a mais lgica. Antes se diria o contrrio, porque, com

    efeito, o verbo em Patrocnio foi um dos brasileiros que mais trabalharam em

    prol da Abolio -o de orao adjetiva (restritiva) cujo antecedente

    brasileiros, no Patrocnio. Logo, os trs outros exemplos (o de Lus de Sousa, o

    de Antnio Vieira e o de Jlio Dinis) so de evitar, e correspondem antes a outro

    e desusado padro culto.

    5. MAIS DE UM

    Fica no singular o verbo, concordando com o substantivo que acompanha a

    expresso. Exemplos:

    Mais de um jornal fez aluso nominal ao Brasil. (ALEXANDRE HERCULANO)

    Mais de um ru obteve a liberdade... (MACHADO DE ASSIS)

    Se a expresso mais de um estiver repetida, ou se for inteno do escritor

    inculcar ideia de reciprocidade, ao plural que recorrem os bons autores.

    Exemplos:

    Mais de um oficial, mais de um general, foram mortos nesta batalha.

    (CARNEIRO RIBEIRO)

    10 Note-se a construo de passiva sinttica com agente da passiva explcito e introduzido por

    de. Estudamo-la na Suma Gramatical.

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    Mais de um poltico de princpios adversos deram-se as mos naquela crise

    medonha do pas. (Idem)

    Aqui no prima Lima por total clareza. Tentemos esclarecer de todo o

    ponto, por partes.

    . Antes de tudo, maneira estabelecida quanto a este caso que em princpio

    o verbo deve vir no singular.

    . Esta maneira de concordar outra das excees consagradas a que nos

    referimos no incio deste captulo. Para tal, h de haver contribudo o peso de

    um ao fim da expresso, apesar de mais encerrar claramente a ideia de

    pluralidade.

    . Nos exemplos de Carneiro Ribeiro, o verbo est no plural por dupla razo.

    No primeiro, e como diz o mesmo Lima, a repetio (Mais de um oficial,

    mais de um general) levou o escritor a tal. Mas diga-se que a vrgula depois de

    mais de um general est mal posta: Mais de um oficial, mais de um general

    foram mortos seria a maneira perfeita.

    No segundo, porm, O VERBO NO PODERIA ESTAR SENO NO PLURAL: porque

    implica ideia de reciprocidade (deram-se as mos), e nenhum verbo que

    implique tal ideia pode vir no singular.

    [...] 7. EXPRESSES DE SENTIDO QUANTITATIVO ACOMPANHADAS

    DE COMPLEMENTO NO PLURAL

    Se a um nome ou pronome no plural antepomos uma expresso quantitativa

    como grande nmero de, grande quantidade de, parte de, grande parte de, a

    maior parte de, e equivalentes, o verbo fica no singular ou no plural. Exemplos:

    a) Singular:

    A maioria dos condenados acabou nas plagas africanas. (CAMILO CASTELO

    BRANCO)

    Uma nuvem de setas respondeu ao sibilar dos esculcas rabes. (ALEXANDRE

    HERCULANO)

    b) Plural:

    A maior parte das suas companheiras eram felizes. (CAMILO CASTELO

    BRANCO)

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    (...) um grande nmero de velas branquejavam sobre as guas do estreito.

    (ALEXANDRE HERCULANO)

    Quando a ao do verbo s pode ser atribuda totalidade e no

    separadamente aos indivduos, bvio que se deve preferir o singular:

    Um troo de soldados enchia o primeiro pavimento do edifcio.

    claro que a ao de encher um pavimento no podia ser atribuda

    individualmente a cada soldado. (Joo Ribeiro, Gramtica portuguesa, op. cit.,

    p. 140.)11

    Trata-se da concordncia com sujeito cujo ncleo expressa parte do todo

    expresso por seu adjunto. o que d, por exemplo, em A MAIORIA dos animais

    morreu: A maioria (ncleo do sujeito) parte de animais (seu adjunto,

    introduzido por de).12

    E sem dvida alguma a concordncia sempre se d (ou deveria dar) com o

    ncleo do sujeito. Por exemplo: UMA das obras referidas EST ESGOTADA. Por

    isso, ainda que a tradio gramatical desde sempre sustente ambas as maneiras

    de concordncia (ou no plural ou no singular) em oraes como A maioria dos

    animais morreu, deve usar-se sempre o singular. O plural, uma vez mais, h

    que toler-lo, mas no prop-lo, razo por que os exemplos com verbo no plural

    aduzidos por Lima no so de imitar.

    Mas o ltimo exemplo de Herculano (um grande nmero de velas

    branquejavam sobre as guas do estreito) constitui puro e simples erro: com

    efeito, um grande nmero no parte de velas, seno que indica sua mesma

    TOTALIDADE. Se assim , o verbo no poderia estar seno no singular. No

    confundir, pois, como faz Lima, verdadeiras expresses partitivas como a

    maioria de, a minoria de, boa parte de, grande parte de, a menor parte de,

    etc., com expresses como grande nmero de, pouco nmero de, uma srie de,

    etc. Para ns, ambos os grupos de expresses devem levar o verbo ao singular;

    mas s as expresses do primeiro grupo admitem, segundo a tradio, verbo no

    singular ou no plural. No outro exemplo de Herculano (Uma nuvem de setas

    11 Estas palavras de Joo Ribeiro antes confundem que esclarecem. Na Suma, ocupamo-nos de

    refut-las.

    12 Tal ncleo de sujeito uma maneira de partitivo, ainda que, em portugus, este termo se

    reserve antes para a preposio de em construes como Comeu do bolo.

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    respondeu ao sibilar dos esculcas rabes), o verbo concorda corretamente, no

    singular, com o ncleo do sujeito (uma nuvem); mas tampouco h de confundir-

    se uma nuvem de com a maioria de e correlatos. Equivoca-se Lima.

    Os sujeitos que tm por ncleo FRAO ou PERCENTAGEM que, sim, esto

    no mesmo gnero dos que tm por ncleo a maioria de, etc. (com a diferena de

    que a frao e a percentagem podem levar o verbo j ao singular j ao plural).

    Com efeito, estas so parte do todo expresso por seu adjunto:

    Comeram-se dois teros DO BOLO;

    Noventa e nove por cento DAS PESSOAS aprovaram-no;

    etc.

    . Pois bem, conquanto gramticos mais modernos queiram introduzir regra

    segundo a qual, nestes casos, o verbo concorda com a palavra mais prxima

    (Noventa e nove por cento DAS PESSOAS aprovaram-no, mas Noventa e nove

    por cento DO POVO aprovou-o), no podemos assentir a tal intento. A escrita,

    repita-se, no automtica como o a fala; antes analtica, razo por que

    devemos sempre esforar-nos para fazer suas construes obedecer s regras

    gerais e no deixar-nos levar pelo ouvido (porque disto que se trata, quando

    se pretende estabelecer regras por atrao do mais prximo).

    . Deve ser nica e ptrea a regra para a concordncia que nos ocupa:

    Se o ncleo do sujeito for at UM TERO, UM QUARTO, etc. (ou UMA TERA,

    UMA QUARTA... PARTE), ou at 1,999... POR CENTO, o verbo deve pr-se no singular:

    UM TERO dos livros BOM (predicativo no masculino porque tero o );

    UM QUARTO da obra BOM;

    UMA QUINTA PARTE dos livros BOA (predicativo no feminino porque tera

    parte o );

    UMA SEXTA PARTE da obra BOA;

    Apenas 1,999... por cento das pessoas o aprovou;

    Apenas 1,999... por cento do povo o aprovou.

    OBSERVAO. Podem e muitas vezes devem usar-se construes como

    Apenas 1,999... por cento daquele povo DE imigrantes, bem como A maioria

    aqui DE bons alunos (em vez da algo rebarbativa A maioria boa aluna). Em

    ambos os exemplos, e em todos os outros que tais, est implcito o adjetivo

    participial constitudo: Apenas 1,999... por cento daquele povo [constitudo]

    de imigrantes; A maioria aqui [constituda] de bons alunos.

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    A partir da, o verbo deve pr-se sempre no plural:

    DOIS TEROS dos livros so BONS (predicativo no masculino porque teros o

    );

    UM QUARTO do livro BOM;

    DUAS QUINTAS PARTES dos livros so BOAS (predicativo no feminino porque

    teras partes o );

    TRS DCIMAS PARTES da obra so BOAS;

    Apenas DOIS POR CENTO das pessoas o aprovaram;

    Apenas DOIS POR CENTO do povo o aprovaram.

    OBSERVAO. Diga-se, analogamente, 1,999... milho; mas dois milhes.

    8. QUAIS, QUANTOS, ALGUNS, MUITOS, POUCOS, VRIOS + DE NS,

    DE VS, DENTRE NS, DENTRE VS

    Com sujeitos deste tipo, o verbo fica na 3a pessoa do plural, ou concorda com

    o pronome ns ou vs. Exemplos:

    (...) quantos dentre vs estudam conscienciosamente o passado? (JOS DE

    ALENCAR)

    Quais de vs sois, como eu, desterrados no meio do gnero humano?

    (ALEXANDRE HERCULANO)

    Quais dentre vs... sois neste mundo ss e no tendes quem na morte regue

    com lgrimas a terra que vos cobrir? (ALEXANDRE HERCULANO)

    Uma vez mais, ainda que tolerando o ditado pela tradio gramatical, no

    podemos seno recomendar que tambm neste caso o verbo concorde com o

    NCLEO do sujeito:

    QUANTOS dentre vs ESTUDAM conscienciosamente o passado?;

    QUAIS de vs SO, como eu, desterrados no meio do gnero humano?;

    QUAIS dentre vs... SO neste mundo ss e no TM quem na morte regue

    com lgrimas a terra que OS cobrir?.

    9 . QU A L DE NS OU DE VS, DENTRE NS OU DENTRE VS

    Se o interrogativo est no singular, torna-se impossvel a concordncia com o

    pronome que figura no complemento. Neste caso, fica o verbo somente na 3a

    pessoa do singular. Exemplos:

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    Qual de vs me arguir de pecado? (ANTNIO VIEIRA)

    Qual de vs outros, cavaleiros dizia Pelgio aos que o rodeavam

    duvidar um momento...? (ALEXANDRE HERCULANO)

    Abre o tmulo, e olha-me: dize-me qual de ns morreu mais. (CECLIA

    MEIRELES)

    Perfeito. Mas o dito aqui por Lima no faz seno reforar o que dissemos

    com respeito ao caso imediatamente anterior.