concessÃo oglobo8maio2016

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  • 8/16/2019 CONCESSÃO OGlobo8Maio2016

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    38 lO GLOBO l Economia l Domingo 8.5 .2016

    LUCIANNE C [email protected]

    ‘Voltar a discutirquestão fiscalé retrocesso’

    Professor de Economia da PUC-Rio, Vi-nicius Nascimento Carrasco defendeque há uma agenda de mudanças que

    pode aumentar a produtividade daeconomia e ser tocada em paralelo àsolução da questão fiscal, sem precisardo aval do Congresso. Estudioso dequestões de regulação e de organizaçãoindustrial, ele classifica como “retroces-so” ter de voltar a debater a questão fis-cal, mas reconhece que é a atual priori-dade. Para ele, o caminho para elevar aprodutividade passa por uma políticade financiamentos do BNDES que pri- vilegie projetos de retorno social, comomobilidade urbana e saneamento bási-co, alterações nos leilões de concessãoe abertura da economia.

    l O país já tem dois anos de recessão(2015 e 2016) e a previsão de um 2017fraco. O que nos trouxe até aqui? Ao menos duas coisas explicam. Apartir do segundo governo Lula, hou- ve decisõ es de polít ica econômicaque já pareciam equivocadas, masque demoraram a se manifestar comotais por causa de um contexto externofavorável. O mundo estava favorávelpara a gente, com preço alto de miné-rio de ferro e de petróleo. A primeiradelas é usar o BNDES para financiarprojetos que não justificavam subsídi-os. Quando não é justificável, o subsí-dio aumenta artificialmente o retornoda atividade. Houve excesso de capa-cidade em setores que não seriamampliados sem subsídio e isso impac-ta a produtividade. Esta foi a primeiracoisa: a alocação de capital na econo-mia foi muito mal feita.

    l Para setores não competitivos? A razão pela qual se dá subsídio a umaatividade é por gerar retorno à socieda-de maior que o retorno privado. Um in- vestimento em saneamento básico, porexemplo, permitirá menos doenças emenos gastos em saúde pública. É pou-co claro que a consolidação do setor defrigoríficos gere benefícios como um in-

    vestimento em saúde ou saneamento. E osprojetos feitos não podem ser desfeitos deuma hora para a outra. O subsídio impreg-nou a economia com um portfólio de pro- jetos relativamente ruins e de baixa produ-tividade. Isso vai levar tempo para ter seusefeitos diluídos.

    l E qual a outra razão?Outro aspecto relevante é a questão fiscal.Houve gastos além dos compatíveis comcontas equilibradas ao longo do tempo.Por razões que muitos justificavam comoanticíclicas durante a crise internacional epor razões políticas — queriam ganhar aseleições a fórceps —, houve muito maisgasto do que a nossa perspectiva de recei-tas correntes e futura comporta. O proble-ma fiscal é de primeira ordem: se não seresolver, nada mais vai para frente.

    l É a prioridade? A questão fiscal é absolutamente a priori-

    dade. Olhando pelo lado de quem pro-duz, o Brasil primeiro fez escolhas ruinsde alocação de capital. Agora, a incertezaassociada ao problema fiscal torna osagentes muito reticentes em investir,mesmo com um bom projeto. Há uma in-certeza tributária enorme. Se, por algumarazão, o governo tira da cartola novos tri-butos para cobrir o rombo fiscal, o quesobra para o investidor é menor. No Rio, oestado criou dois tributos novos para osetor petroleiro. Uma segunda força quetorna as pessoas reticentes a investir é oaumento do risco. Tem um risco associa-do ao fato de talvez o governo não honrarseus compromissos, o que se manifestaem maior taxa de juros para financiar ogoverno. E os títulos são uma alternativaao investimento produtivo. Estamos nu-ma situação em que o fiscal impede quetodo o resto vá para a frente.

    l A necessidade de debater o proble-ma fiscal é um retrocesso?O debate sobre a questão fiscal é um re-trocesso. Este era o momento em que de- veríamos avançar em outras agendas. Opaís fez um esforço enorme para apren-der os benefícios da disciplina fiscal, quese manifesta de várias formas. Uma delasé ajudar no controle da inflação. A segun-da é, com a taxa de juros, sinalizar para osagentes investirem. Enquanto isso eraconsensual, era possível discutir coisascomo o conjunto de reformas no merca-do de crédito, como alienação fiduciária ecrédito consignado, feitos por Marcos Lis-boa (ex-secretário de Política Econômi-ca). A gente avançou na questão fiscal epôde avançar em mudanças institucio-nais. Ao ter que discutir o rombo do go- verno, debates intrinsecamente ligados àprodutividade ficam escanteados. É umretrocesso porque não tinha o problemafiscal há um tempo atrás.

    l Mas há coisas que podem ser feitasao mesmo tempo?

    Há várias coisas que podem ser feitas emparalelo. Por exemplo, fazer com que oBNDES caminhe na direção de financiarapenas projetos que valham a pena, com

    retorno social, como mobilidade urba-na, saneamento básico e alguns projetosde infraestrutura, que não interessem aosetor privado. Isso alivia a economia por-que afeta a produtividade de todo mun-do que produz. E deixa de alocar capitalpara projetos que não se justificam. OBNDES pode estimular o desenvolvi-mento de um mercado secundário de dí- vida, embora isso dependa do cenáriomacroeconômico.

    l E em relação às concessões de infra-estrutura?É possível aumentar o retorno dos proje-tos com um desenho melhor dos leilõesde concessões, estimulando competição.Para diminuir risco de demanda, é possí- vel adequar o período de concessão aoretorno obtido, desde que isso seja feitona hora do contrato. Se a receita demorara chegar, seria possível ampliar o prazo deconcessão. A abertura da economia é umoutro caminho, a despeito de quaisqueroutras questões. Há um custo porque po-de haver perdedores, mas pode-se fazerisso sem o Congresso, nem a crise políticapode afetar. Só vai incomodar alguns etalvez possa ser feito de maneira lenta egradual. Uma ideia é abrir a economia aserviços de engenharia de fora. Muitosdos potenciais players estão enroladoscom a Operação Lava-Jato. Ao expor osprodutos a mais competição, estimula-sea produtividade. Há uma série de coisasque pode aumentar nossa produtividadee ser feita a despeito da crise fiscal.

    l E a área de comércio exterior?Há muitas barreiras técnicas e não tarifá-rias. Um exemplo é o mercado de verga-lhões. O Brasil usa um padrão que só éencontrado na Bolívia e no Paraguai. Épreciso fazer um pente fino para melho-rar a produtividade. Eliminar políticas desubsídios diretos e indiretos. E, a longoprazo, é preciso investir em educação,para ter trabalhadores mais qualificados.

    l O Congresso tem sido um obstá-culo para reformas. Como lidar?Muitas das iniciativas para aumentara produtividade são decisões do Exe-

    cutivo, não dependem do Congresso.O BNDES tem autonomia para deci-dir sua política de financiamento. Abrir a economia depende do Execu-tivo. Ações relativas ao comércio e pa-ra melhorar editais de licitação sãocom o Executivo. Muitas coisas, espe-cialmente em infraestrutura, não te-rão oposição. A princípio, não precisado Congresso para isso, como é o ca-so da Reforma da Previdência.

    l Qual a importância dessa reforma?É fundamental, assim como a desvin-culação de receitas. É preciso transmi-tir a ideia de que o governo vai conse-guir gerar superávits futuros relevanteseque há solvência do setor público. Emmédia, nos aposentamos muito cedoem relação ao mundo e a expectativade vida está aumentando. E existe a re-forma tributária que precisa ser feita,não tanto para aumentar a receita, mastornar mais eficiente e melhorar a pro-dutividade. O sistema brasileiro é espe-cialmente ruim. Só que isso tambémdepende do Congresso. A reforma tra-balhista é fundamental. Parece razoá- vel que acordos individuais prevale-çam sobre a legislação. É muito custosorecrutar e demitir no Brasil.

    l Uma melhor gestão do setor públi-co poderia ajudar?O setor público tem uma peculiarida-de. Os serviços prestados são menosmensuráveis que no setor privado. Nãoé muito óbvio o que se esperar do tra-balho do Itamaraty, por exemplo. E ofuncionário público pode estar sujeitoa perseguições políticas, por isso existea estabilidade. Algumas carreiras deEstado, no entanto, talvez não estejamexpostas a interferência e não deman-dariam estabilidade. Apesar das difi-culdades, é preciso criar medidas paraavaliação dos profissionais, com prê-mios aos bons e punições aos maus. l

    CUSTÓDIO COIMBRA

    Infraestrutura. Para Vinicius Nascimento Carrasco, leilões de concessão precisam ser revistos para mitigar risco ao inves

    Professor da PUC-Rio afirmaque equilíbrio das contaspúblicas é prioridade, maspaís deveria debater outrostemas, como aumento daprodutividade. Para ele,muitas iniciativas podem seradotadas em paralelo e nãodependem do Congresso

    ENTREVISTAVinicius Nascimento Carrasco

    “O debate fiscal é umretrocesso. Este erao momento em quedeveríamos avançarem outras agendas”

    “Muitas iniciativaspara aumentar aprodutividade sãodecisões doExecutivo, nãodependem doCongresso”

    “O BNDES deveriafinanciar apenasprojetos comretorno social, comomobilidade urbana,saneamento básicoe alguns projetos deinfraestrutura, quenão interessem aosetor privado”