concepÇÕes e prÁticas de leitura na eja: uma … · possibilitam ao leitor construir sentidos,...

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS CURSO DE MESTRADO EM LETRAS ÁREA: ESTUDOS DE LINGUAGEM CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma experiência com professores de 4º ciclo Allan de Andrade Linhares Teresina-PI 2012

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

CURSO DE MESTRADO EM LETRAS

ÁREA: ESTUDOS DE LINGUAGEM

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma experiência

com professores de 4º ciclo

Allan de Andrade Linhares

Teresina-PI

2012

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Allan de Andrade Linhares

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma experiência

com professores de 4º ciclo

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado

Acadêmico em Letras, da Universidade Federal do Piauí -

UFPI, como requisito para obtenção do grau de Mestre em

Letras, na área de concentração de “Estudos de Linguagem”,

sob orientação da Profª. Drª. Iveuta de Abreu Lopes.

Teresina-PI

2012

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Allan de Andrade Linhares

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma experiência

com professores de 4º ciclo

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado

Acadêmico em Letras, da Universidade Federal do Piauí -

UFPI, como requisito para obtenção do grau de Mestre em

Letras, na área de concentração de “Estudos de Linguagem”,

sob orientação da Profª. Drª. Iveuta de Abreu Lopes.

Aprovada em 21/06/2012.

Banca Examinadora

______________________________________________________

Profª. Drª. Iveuta de Abreu Lopes - UESPI

(Presidente)

______________________________________________________

Profª. Drª. Maria da Glória Soares Barbosa Lima - UFPI

(Examinadora)

______________________________________________________

Profª. Drª. Catarina de Sena Siqueira Mendes da Costa - UFPI

(Examinadora)

______________________________________________________

Profª. Drª. Maria Auxiliadora Ferreira Lima – UFPI

(Suplente)

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Ao meu Deus, por ter me feito entender que aos

“[...] homens é isso impossível, mas a Deus tudo é

possível” (MATEUS, 19:26).

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pela confiança depositada em mim e pelo apoio constante. Mesmo não

entendendo exatamente o que significava um curso de Mestrado, mantiveram-se firmes nos

incentivos e palavras de estima.

À Universidade Federal do Piauí, pela condição de realizar o curso de Mestrado.

À minha orientadora, professora Iveuta de Abreu Lopes, pela oportunidade de ter recebido

suas orientações. Sou agradecido por ter me inserido no mundo da pesquisa, concedendo

ensinamentos com muita competência e responsabilidade.

À professora Maria Angélica Freire de Carvalho, pelas incansáveis dicas concedidas,

direcionando críticas e leituras que me deram maior maturidade na percepção do objeto

estudado.

À professora Maria da Glória Soares Barbosa Lima, pelas valiosas dicas na avaliação deste

estudo.

Aos professores do curso, pelas discussões que enriqueceram meu universo de leituras.

À Janice, secretária do Mestrado, pelas gentis e dedicadas orientações concedidas.

À Secretaria de Educação do Estado do Piauí, pelo incentivo à capacitação profissional,

propiciando-me a disponibilidade para frequentar o Mestrado em Letras.

À Secretária Municipal de Educação de Parnaíba por viabilizar meu ingresso nas escolas

envolvidas na pesquisa.

Às diretoras e professoras das escolas em que desenvolvi o estudo, pela aceitação e

colaboração com a pesquisa.

Ao meu amigo-irmão, Joel Araujo dos Santos, pela absoluta dedicação em me mostrar que eu

era capaz. Presto minha sincera gratidão a você que acompanhou tão de perto todas as agonias

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vividas e, sempre, esteve firme no trabalho de desfazê-las.

Aos amigos Filomena, Marília, Samuel e Manoel, pela torcida para a concretização desta

produção e por entender que os momentos de ausência nas madrugadas poéticas foram tão-

somente resultado do trabalho para a realização de um grande anseio.

Aos meus alunos, fonte de estímulo para a constante busca do conhecimento.

À Aurineide Aguiar, amiga querida, por se desfazer de tantos compromissos profissionais e se

dedicar à revisão textual deste trabalho.

À Leila Patrícia, por toda a força que me concedeu durante todo o período que estive em

Teresina.

Aos colegas do Curso de Mestrado, em especial, a estas que se tornaram amigas: Márcia

Ananda, Luciana Libório e Mackléia Maiara.

A todos que, de alguma forma, estiveram envolvidos na realização deste trabalho e que, no

momento, pela emoção de chegar ao fim de mais uma etapa, pelo enfado mental e físico, eu

não tenha lembrado.

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O produto do trabalho de produção se oferece ao

leitor, e nele se realiza a cada leitura, num processo

dialógico cuja trama toma as pontas dos fios do

bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro

bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e

traçam outra história. Não são mãos amarradas – se

o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos

e não produção de sentidos; não são mãos livres que

produzem o seu bordado apenas com fios que

trazem nas veias de sua história – se o fossem, a

leitura seria um outro bordado que se lê, ocultando-

o, apagando-o, substituindo. São mãos carregadas

de fios, que retomam e tomam os fios que no que se

disse pelas estratégias de dizer se oferece para a

tecedura do mesmo e outro bordado.

JOÃO WANDERLEY GERALDI

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RESUMO

Entendendo leitura como um processo em que o leitor interage com o texto e a ele atribui

sentidos, desenvolvemos este estudo com o objetivo de investigar as concepções de leitura e

práticas empregadas pelas professoras de 4º ciclo de EJA nesse processo de ensino. A fim de

alcançar o objetivo pretendido, mantivemos diálogo com diferentes autores, entendendo as

múltiplas abordagens da leitura. São alguns deles: Koch (1987, 2009); Kleiman (2002, 2007,

2008a, 2008b, 2010); Solé (1998); Marcuschi (1999, 2003, 2008, 2010); Bortoni-Ricardo,

Machado, Castanheira (2010); PCN (1998); Proposta Curricular para a Educação de Jovens e

Adultos: primeiro e segundo segmentos (2001, 2002). Por se tratar de um estudo que se

dedica à interpretação de ações sociais, a investigação sobre o contexto escolar de leitura em

EJA desenvolveu-se por meio de uma pesquisa de natureza qualitativa, adotando uma

perspectiva etnográfica. Para tanto, utilizamos como procedimentos a observação participante

das aulas de quatro professoras, as quais foram gravadas em áudio. Procedemos, também, a

entrevistas, realizamos notas de campo e recolhemos materiais. Os resultados do estudo

evidenciam que, ao desenvolver o ensino de leitura no cotidiano de orientações leitoras, as

professoras priorizaram, no que dizem e no que fazem, concepções de leitura que pouco

possibilitam ao leitor construir sentidos, haja vista que as com foco no autor e no texto,

aparecem predominantemente. Observamos, também, que o ensino de estratégias claras para o

processo de leitura não foi privilegiado e o que predomina é a interpretação do professor.

Quanto ao material didático usado para ensinar leitura, as professoras ofereceram poucas

oportunidades aos alunos, por meio das atividades selecionadas e da condução delas, para

compreender os gêneros textuais em questão, além de optarem, no que se refere à

compreensão textual, por questões de localização ou construíam respostas para eles. Com o

estudo realizado, percebemos que o ensino de leitura desenvolvido nas turmas pesquisadas

pouco oferece aos alunos de EJA meios para atuar, significativamente, como um leitor social,

mesmo que as professoras tenham tentando uma aproximação com o texto e com a leitura.

Palavras-chave: Ensino de leitura. Concepções de leitura. Práticas de leitura. Material

didático. Sentidos.

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ABSTRACT

Understanding reading as a process in which the reader interacts with the text and it assigns

meanings, this study was developed aiming to investigate the conceptions of reading and

practices employed by female teachers of the fourth cycle of adult and young education (EJA)

in the teaching process. In order to achieve the desired goal, we have maintained dialogue

with different authors, understanding the multiple approaches to reading. Here are some of

them: Koch (1987, 2009), Kleiman (2002, 2007, 2008a, 2008b, 2010); Solé (1998);

Marcuschi (1999, 2003, 2008, 2010); Bortoni-Ricardo, Machado, Castanheira (2010), NCP

(1998); Curriculum Proposal for the Education of Young and Adults: first and second

segments (2001, 2002). Because it is a study devoted to the interpretation of social actions,

the inquiry about the school context of reading in adult and young education school was

developed through a qualitative research, adopting an ethnographic perspective. It was used

procedures such as participant observation of classes of four teachers, which were recorded

with audio. The interviews, collection field notes and gathering materials held along the

process, too. The study results show that in developing the teaching of reading in the daily

guidelines of reading, the teachers prioritized, concerned with what is said and done,

conceptions of reading which enable a bit the reader to construct sense, considering that the

concepts with a focus on the author and the text, appeared predominantly. It was also

observed that the clear strategies of teaching for the reading process was not privileged and

the predominant interpretation is based on the teacher’s view. As for the textbooks used to

teach reading, the female teachers offered few opportunities to students through selected and

guided activities by them; to understand the types of textual genres in question, and beyond

opt, in relation to reading comprehension, for issues location or constructed responses to the

texts. In this study, it was realized that the teaching of reading developed according to the

researched classrooms of young and adult education ( EJA) just a bit, not enough, of means to

the student to act significantly as a social reader, even if the teachers have tried to bring closer

the text with the reading.

Keywords: Teaching Reading. Conceptions of reading. Reading Strategies. Textbook.

Senses.

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CONVENÇÕES PARA TRANSCRIÇÃO

Os nomes dos sujeitos-participantes da pesquisa são representados por letras, e as

convenções para transcrição de fala são as seguintes:

(...) trecho curto não-transcrito

[ ] reconstituição da fala pelo analista

... pausa

[...] trecho incompreensível

::: alongamento de vogal na fala

MAIÚSCULAS: tom de voz com efeito de ênfase

Negrito: ênfase do analista

Foram também utilizados os seguintes sinais convencionais de pontuação gráfica:

vírgula (,); ponto (.); ponto de exclamação (!); ponto de interrogação (?) e as convenções

ortográficas do português.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 13

2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL............................................. 16

2.1 Primeiras manifestações de EJA no Brasil........................................................................ 16

2.2 Em busca de políticas de conscientização em EJA............................................................ 19

2.3 EJA pós anos 1960 ............................................................................................................ 22

2.4 EJA: práticas em consolidação e desafios para a redemocratização social ...................... 24

2.5 Em busca de novas perspectivas para o trabalho com EJA............................................... 27

2.6 A EJA nos anos 1990: desafios e cenário pré-reformas educativas................................,. 27

2.7 A EJA na atualidade: demandas e perfil ........................................................................... 31

3 A LEITURA COMO UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS............. 33

3.1 Abordagens teóricas de leitura ..................................................................................... 34

3.1.1 Abordagens teóricas de leitura na EJA ......................................................................... 41

3.2 Ensino de leitura ............................................................................................................... 42

3.2.1 Ensino de leitura na EJA ............................................................................................ 44

3.2.2 Concepções de leitura e ensino ...................................................................................... 46

3.2.2.1 A leitura focada no autor ............................................................................................. 49

3.2.2.2 A leitura focada no texto ............................................................................................. 51

3.2.2.3 A leitura focada na interação entre autor-texto-leitor ................................................. 53

3.2.3 Estratégias de leitura ...................................................................................................... 54

3.2.4 Leitura: práticas de múltiplos letramentos ..................................................................... 60

3.2.4.1 Letramento na EJA ...................................................................................................... 62

3.2.5 Ensino de leitura e os gêneros textuais .......................................................................... 64

4 A PESQUISA ...................................................................................................................... 67

4.1 A pesquisa qualitativa ....................................................................................................... 68

4.2 O processo de investigação ............................................................................................... 70

4.2.1 Descrição e acesso ao campo ......................................................................................... 70

4.2.2 Os colaboradores da pesquisa ........................................................................................ 75

4.2.3 Métodos de coleta de dados ........................................................................................... 76

5 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras

dizem ...................................................................................................................................... 81

5.1 Formação em leitura: atualização profissional .................................................................. 82

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5.2 Formação em leitura: conhecimentos adquiridos para o exercício da docência................ 85

5.2.1 Professora W .................................................................................................................. 85

5.2.2 Professora M .................................................................................................................. 87

5.2.3 Professora V ................................................................................................................... 88

5.2.4 Professora R ................................................................................................................... 89

5.3 Concepções de leitura das professoras .............................................................................. 91

5.3.1 Concepções adotadas pela professora W........................................................................ 91

5.3.2 Concepções adotadas pela professora M........................................................................ 92

5.3.3 Concepções adotadas pela professora V......................................................................... 93

5.3.4 Concepções adotadas pela professora R ........................................................................ 96

5.4 Experiências das professoras enquanto leitoras ................................................................ 97

5.4.1 Rotina de leitura de W.................................................................................................... 98

5.4.2 Rotina de leitura de M.................................................................................................... 98

5.4.3 Rotina de leitura de V..................................................................................................... 99

5.4.4 Rotina de leitura de R..................................................................................................... 99

5.5 Estratégias eleitas para o ensino de leitura ...................................................................... 102

5.5.1 Estratégias eleitas pela professora W ........................................................................... 103

5.5.2 Estratégias eleitas pela professora M ........................................................................... 105

5.5.3 Estratégias eleitas pela professora V ............................................................................ 107

5.5.4 Estratégias eleitas pela professora R ........................................................................... 109

5.6 O material didático para o ensino de leitura ................................................................... 111

5.6.1 Professora W................................................................................................................. 111

5.6.2 Professora M................................................................................................................. 112

5.6.3 Professora V.................................................................................................................. 113

5.6.4 Professora R.................................................................................................................. 113

6 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras

fazem .................................................................................................................................... 115

6.1 Concepções de leitura das professoras ............................................................................ 115

6.1.1 Concepções adotadas pela professora W...................................................................... 115

6.1.2 Concepções adotadas pela professora M...................................................................... 118

6.1.3 Concepções adotadas pela professora V....................................................................... 119

6.1.4 Concepções adotadas pela professora R ...................................................................... 121

6.2 Estratégias eleitas para o ensino de leitura ...................................................................... 123

6.2.1 Estratégias eleitas pela professora W............................................................................ 124

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6.2.2 Estratégias eleitas pela professora M............................................................................ 130

6.2.3 Estratégias eleitas pela professora V............................................................................. 135

6.2.4 Estratégias eleitas pela professora R............................................................................. 143

6.3 O material didático para o ensino de leitura ................................................................... 151

6.3.1 As escolhas da professora W........................................................................................ 152

6.3.2 As escolhas da professora M......................................................................................... 157

6.3.3 As escolhas da professora V......................................................................................... 162

6.3.4 As escolhas da professora R......................................................................................... 165

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 172

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 175

APÊNDICE.......................................................................................................................... 181

APÊNDICE A - Questões das entrevistas aplicadas com as professoras colaboradas da

pesquisa ................................................................................................................................. 182

ANEXOS .............................................................................................................................. 184

ANEXO A – Declaração da SEDUC/Parnaíba que autoriza a realização da pesquisa ........ 185

ANEXO B – Dicas de interpretação indicadas pela professora W ...................................... 186

ANEXO C – Texto utilizado pela professora W................................................................... 187

ANEXO D – Material indicado pela professora W para trabalhar o gênero crônica............ 188

ANEXO E – Tipologia das perguntas de compreensão em LDP ........................................ 189

ANEXO F– Avaliação elaborada pela professora V ........................................................... 191

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1 INTRODUÇÃO

A relação do homem com o mundo se processa em interação, assim, em diversos

contextos ele estabelece diálogos, criando formas de inserção social a fim de não ficar

excluído das práticas sociais pertinentes ao seu meio. Uma das práticas sociais a que o homem

busca adquirir o acesso é a leitura, cujo domínio é visto como forma de alcance de um

prestígio social, possibilitando-o inferir significativamente nas práticas que vivencia.

Concordamos que “a leitura é um processo interativo, no sentido de que os diversos

conhecimentos do leitor interagem em todo momento com o que vem da página para chegar a

compreensão”. (KLEIMAN, 2008a, p. 17). A leitura é entendida nessa produção como um

fenômeno em que sua aprendizagem implica entender como os textos funcionam nas diversas

práticas socioculturais. Considerando essa assertiva, o leitor tem a oportunidade de entender

como os textos funcionam nos mais diversos lugares sociais e elegem estratégias necessárias

para construir sentidos possíveis para os enunciados apresentados.

Entendemos, assim, que o professor necessita, como um agente de letramento, ter

acesso a uma formação teórica em leitura que lhe encaminhe a uma práxis docente que

priorize estratégias e concepções de leitura relevantes para a formação de cidadãos

proficientes, expondo-os às mais diversas práticas socioculturais. Além do que este professor

precisa ter apreço pela leitura, condição necessária para um ensino efetivo.

Consideramos que, não possuindo ou não sabendo ativar as habilidades e os saberes

acima apontados, o professor tem dificuldades para ajudar seus alunos a construírem

conhecimento por meio da leitura. Esse quadro resulta, portanto, em um evento que muito nos

preocupa, quando em nossas experiências como docentes, constatamos práticas de leitura que

negam o trabalho do leitor como construtor de sentidos, as quais desconsideram os vários

conhecimentos que arquiva. Práticas que também não exploram o universo de significação do

texto, pois não são centradas em um trabalho discursivo.

Em relação ao nosso foco de interesse, o ensino de leitura dirigido pelos professores de

EJA, as diretrizes que têm feito parte do ensino de leitura não têm sido diferentes das

abordagens dirigidas aos demais públicos, as práticas são calcadas na reprodução, e não em

processos criativos. No trabalho com o texto, o professor privilegia a capacidade de

memorização do escrito, excluindo a riqueza da experiência e criatividade dos alunos. Para

um trabalho efetivo na EJA, temos o entendimento de que o professor precisa conhecer e

entender o espaço e as vivências desse segmento de ensino, a fim de eleger concepções e

práticas adequadas a esse contexto.

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Elegemos como objetivo desta pesquisa investigar as concepções de leitura e as práticas

adotadas pelo professor nesse processo de ensino. Especificamente, outros objetivos que

contemplam este estudo são: (i) caracterizar as concepções de leitura escolhidas pelo

professor no cotidiano de orientações leitoras; (ii) analisar as estratégias de leitura adotadas

pelo professor nos encaminhamentos para o estudo do texto; (iii) caracterizar as escolhas e a

forma de abordagem do material didático utilizado pelo professor no ensino de leitura.

A fim de alcançar os objetivos propostos, propusemos alguns questionamentos

norteadores:

A formação em leitura das professoras reflete no trabalho de leitura?

Que concepções de leitura permeiam o trabalho das professoras?

As concepções de leitura eleitas pelas professoras proporcionam aos alunos construir

sentidos para os textos?

As experiências das professoras enquanto leitoras refletem no seu trabalho com a

leitura?

As estratégias de compreensão leitora eleitas para a realização do ensino de leitura

permitem uma compreensão leitora eficiente?

O material didático utilizado e os encaminhamentos para trabalhá-lo são adequados

para o desenvolvimento da competência leitora dos alunos?

A opção por este objeto de estudo deve-se ao fato de considerarmos a leitura um meio

para o cidadão compreender os seus espaços culturais e interagir, conscientemente, neles. Para

chegar a essa condição, ao leitor precisa ser dada a oportunidade de eleger meios para

compreender as leituras a ele dispostas. Para tanto, cabe ao professor a formação desse

sujeito-leitor. Esclarecemos, ainda, que a opção pela aplicação da pesquisa em turmas de EJA

se justifica por entendermos a necessidade de um ensino de leitura que prestigie todos os

conhecimentos acumulados pelos alunos, pois acreditamos que os elementos que distinguem a

EJA das outras modalidades de ensino são os aspectos socioculturais (interesses,

conhecimentos, expectativas) desses alunos, cujos interesses precisam ser respeitados.

Várias abordagens de leitura foram tomadas para construir a base teórica desta

produção, como Kleiman (2002, 2007, 2008a, 2008b, 2010), Koch (2009, 2010), Solé (1998),

PCN (1998), Marcuschi (1999, 2003, 2008, 2010), Durante (1998), Propostas Curriculares

para a EJA: primeiro e segundo segmentos (2001, 2002), dentre outros.

Sabemos que os resultados do estudo desenvolvido nesta dissertação não se estendem a

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todas as turmas da modalidade EJA, mas acreditamos que proporcionam contribuição para as

pesquisas na área em virtude de termos realizado uma minuciosa descrição do ensino de

leitura empreendido nas quatro turmas de EJA de escolas públicas municipais. Propiciam

reflexões sobre as atividades de leitura desenvolvidas, em especial, sobre as concepções e

práticas que os professores elegem para desenvolvê-las, além dos encaminhamentos utilizados

para trabalhar o material didático que escolhem. Tomando esses estudos como norteadores,

foi possível avaliar os resultados que práticas menos significativas trazem e a possibilidade de

repensar o ensino que oferecemos aos nossos alunos.

Para elaborar esta dissertação, empregamos procedimentos metodológicos da etnografia.

O material coletado durante os três meses de pesquisa, constituído por transcrições, notas de

campo e os materiais recolhidos no local, passaram por uma revisão minuciosa a fim de

selecionar aqueles que descreviam com maior fidelidade possível o que percebemos no

ambiente da pesquisa, ou seja, os que revelavam as concepções e práticas que constituem o

ensino de leitura desenvolvido pelo professor-leitor. Após a sistematização dos dados,

procedemos à interpretação construindo bases comparativas entre as teorias a que nos filiamos

e os dados encontrados.

Estruturamos esta dissertação da seguinte maneira: no primeiro capítulo, apresentamos

os propósitos do trabalho, destacando seu objeto de estudo, objetivos, questões norteadoras e

metodologia empregada. No segundo capítulo, apresentamos esboço histórico da EJA no

Brasil, refletindo sobre as práticas empregadas ao longo dos anos. No terceiro, discorremos

sobre as bases teóricas que norteiam nosso estudo e tratamos, dentre outros aspectos, das

concepções de leitura e práticas para o ensino. No quarto capítulo, apresentamos o percurso

da pesquisa, engendrando pela descrição dos métodos de coletas de dados e pela descrição dos

ambientes em que a pesquisa foi realizada. No quinto e no sexto, após sistematização, fizemos

a interpretação das transcrições, notas de campo e materiais recolhidos no local a fim de

revelar as concepções e práticas que constituem o ensino de leitura do professor-leitor. No

quinto capítulo, tratamos como as professoras dizem realizar o ensino de leitura e, no sexto, o

que elas, de fato, fazem na execução desse ensino. Por fim, no sétimo capítulo, fizemos

algumas considerações acerca do trabalho e incluímos suas possíveis contribuições para o

meio acadêmico, bem como para os professores que trabalham na EJA.

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2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

Para os navegantes com desejo de vento a

memória é um ponto de partida. (EDUARDO

GALEANO)

Este capítulo contextualiza o quadro histórico do desenvolvimento da Educação de

Jovens e Adultos no Brasil. Consideramos que esse resgaste é necessário para a compreensão

das raízes de muitas práticas presentes no ambiente escolar de EJA.

Um histórico das políticas de EJA no Brasil, embora sucinto, faz-se necessário para

entender que os sistemas educacionais e movimentos educativos espelham as condições

sociais, econômicas e políticas de uma sociedade. A EJA é considerada um campo complexo

porque envolve questões além do educacional, as relacionadas à situação de desigualdade

socioeconômica em que se encontra grande parte da população do nosso país (DURANTE,

1998).

Paiva (1973) esclarece que no decorrer da história da educação várias crises foram

deflagradas e, ao mesmo tempo, serviram como fator primordial na ação educativa, sobretudo,

na educação das grandes massas populares, pois os grupos que lideravam a política

encontravam na educação uma forma de fortalecer seu poderio. A educação assumiu,

portanto, um forte meio impositivo de ideologias para manutenção do poder e como um meio

de acesso a ele.

2.1 Primeiras manifestações de EJA no Brasil

A primeira manifestação de EJA no Brasil deu-se no período colonial a partir do

sistema educacional executado pelos jesuítas, que desenvolveram uma sistemática de

aculturação dos nativos, processo que durou por mais de dois séculos.

Segundo Piletti (1988), igreja e coroa portuguesa foram aliadas na conquista das terras

brasileiras a fim de alcançar o objetivo maior, a coroa propiciava o trabalho missionário, ao

passo que os índios eram convertidos aos costumes portugueses. Assim, à medida que os

jesuítas buscavam a salvação das almas, também conduziam o ingresso dos elementos

colonizadores. Acredita-se que a coroa ficou temerosa com a autonomia ganhada pelos

jesuítas na atuação diante do sistema educacional que ora desenvolviam, assim resolveu

combater essa influência ganhada por eles e, consequentemente, interrompeu o processo

missionário através da expulsão dos padres da colônia, o que não foi favorável à elite da

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época, haja vista a ausência de educação popular.

Defendemos os argumentos de Paiva (1973) quando ele afirma que a educação dos

adultos indígenas era considerada irrelevante, pois dominar os processos de leitura e escrita,

dentre outras habilidades não serviria para atender aos anseios da sociedade colonial, pois

eram basicamente voltados para exportação de produtos; logo, não seria necessário expandir

saberes para toda a sociedade.

Tal quadro se modificou com a mudança da Família Real para o Brasil, porque o

Sistema Educacional deveria, naquele momento, organizar-se para atender à aristocracia

portuguesa.

A educação de adultos passou a delimitar seu espaço na história da educação brasileira a

partir da década de 1930, período em que se consolidou um sistema público de educação. O

processo de industrialização e concentração populacional em centros urbanos marcaram

transformações no cenário demográfico brasileiro.

O ensino básico público foi disponível aos mais diversos setores da sociedade, o que

propiciou a ampliação da educação elementar pelo Governo Federal, que traçou diretrizes

educacionais unificadas, especificando responsabilidades dos Estados e Municípios.

Essa ação também inclui esforços de extensão de ensino aos adultos, cujas práticas,

foram mais incisivas a partir da década de 1940 (BRASIL, 2001). Nessa época, diante das

demandas profissionais, o domínio da leitura e da escrita passou a ser exigência.

O declínio da Era Vargas em 1945 marcou a redemocratização no Estado brasileiro.

Salienta-se que a alfabetização e a educação de adultos foram percebidas como instrumento

de redemocratização, polarizaram as atenções pela possibilidade de utilização da educação em

função de novos objetivos políticos. Segundo a Proposta Curricular para o 1º segmento de

EJA (2001, p.19-20):

[...] A Segunda Guerra Mundial recém terminara e a ONU - Organização das Nações

Unidas - alertava para a urgência de integrar os povos visando a paz e a democracia.

Tudo isso contribuiu para que a educação dos adultos ganhasse destaque dentro da

preocupação geral com a educação elementar comum. Era urgente a necessidade de

aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as

massas populacionais de imigração recente e também incrementar a produção.

Por meio do Decreto-Lei n° 8.529, de janeiro de 1946, foi instituída a Lei Orgânica do

Ensino Primário, que normatizava, no capítulo III do título II, o curso supletivo, destinado a

adolescentes e adultos, realizado em dois anos. Ainda em 1946, a educação foi reconhecida

como direito de todos pela Constituição Federal.

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Segundo a Proposta Curricular do 1º segmento de EJA (2001), a educação de jovens e

adultos teve sua identidade nacional de massa em 1947 sob a Campanha de Educação de

Adolescentes e Adultos (CEAA), cuja coordenação ficou a cargo do Serviço de Educação de

Adolescente e Adultos (SEAA), órgão do Ministério da Educação que teve por objetivo, em

uma primeira etapa, executar a alfabetização em três meses e compactar o curso primário em

dois períodos de sete meses.

Após esse período, os alunos seriam direcionados a uma chamada “ação em

profundidade”, cuja intenção era capacitação profissional e desenvolvimento comunitário. A

referida campanha contou, inicialmente, com a direção do professor Lourenço Filho que

obteve resultados muito satisfatórios, uma vez que articulou e ampliou os serviços já

existentes, além de tê-los levado para outras regiões do país.

Em um período recorde foram criadas várias escolas de supletivo, contando com o apoio

de diversos profissionais, além de mão-de-obra voluntária. Uma outra contribuição deixada

por essa empreitada foi a modificação da práxis dos educadores de adultos, que era executada

seguindo as mesmas características da educação infantil. Essa postura evidencia a

consideração do adulto não escolarizado como um ser imaturo, “ignorante”; por isso,

entendiam que o processo de alfabetização deveria seguir os mesmos métodos e conteúdos da

escola primária.

Durante a própria CEAA, teorias modernas da psicologia desmentiam postulados de que

a capacidade de aprendizagem dos adultos seria menor do que a das crianças. Em 1945,

Lourenço Filho lançando mão de estudos da psicologia experimental, argumentara nesse

sentido.

É importante esclarecer que a EJA, embora tenha começado a despertar interesse quanto

à abordagem pedagógica mais adequada, não foi desenvolvida sob uma abordagem

metodológica específica. Quanto ao tratamento dado aos processos de leitura e escrita, não se

observaram avanços nas indicações metodológicas, pois a concepção de alfabetização

continuou a ser inspirada na aquisição de um código alfabético e na sua decodificação. Essa

concepção só ganhou novo entendimento, em 1960, com Paulo Freire.

A implementação da CEAA teve como consequência a configuração de um campo

teórico-pedagógico com orientação para discussão sobre o analfabetismo e a educação de

Jovens e Adultos no Brasil. Até esse momento, o analfabetismo era concebido como causa, e

não efeito da situação econômica, social e cultural do país; daí, o entendimento do adulto

analfabeto como incapaz e marginal (CUNHA, 1999). Com o contexto da CEAA ainda em

voga, foi realizado, em 1958, o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, com o que se

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buscava uma redefinição das características específicas dessa modalidade, para a qual

deveriam ser feitas reflexões sobre aspectos sociais, não apenas sobre os aspectos

pedagógicos do processo de ensino-aprendizagem.

A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e da definição de um método

de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach inspiravam a iniciativa do

Ministério da Educação de produzir, pela primeira vez, por ocasião da campanha de 1947,

material específico para o ensino da leitura e da escrita para todos.

De acordo com a Proposta Curricular (2001), o Primeiro Guia de Leitura, distribuído

para as escolas supletivas do Brasil, orientava o ensino pelo método silábico. As chamadas

lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas segundo suas características

fonéticas. Essas palavras deveriam remeter aos padrões silábicos. O aluno deveria memorizar

as sílabas e as remontar a fim de formar outras palavras.

As primeiras lições continham, também, pequenas frases elaboradas com as mesmas

sílabas. Nas últimas lições, as frases constituíam textos curtos com orientações sobre

preservação da saúde, técnicas de trabalho, além de mensagens de conteúdo moral e cívico.

Ainda sobre a Proposta Curricular (2001), com o fim dos anos 1950, houve severas

críticas à Campanha de Educação de Adultos, dirigidas às deficiências administrativas,

financeiras e à orientação pedagógica. O aprendizado em nível superficial dado ao curto

período da alfabetização era alvo de denúncias, além do método empreendido na práxis de

EJA em todas as regiões do país. Tais críticas foram mister para a evolução de uma nova

visão sobre o analfabetismo e, também, para a consolidação de um novo paradigma

pedagógico da referida modalidade de ensino, que teve como uma das referências o educador

pernambucano Paulo Freire.

2.2 Em busca de políticas de conscientização em EJA

A partir dos anos de 1960, a educação passou a ser concebida como instrumento para

minimizar as desigualdades sociais. Buscava-se por partes dos setores populares participação

política, engajamento nos diversos setores sociais. Freire (1990) dialogava com esses anseios

e os transformava em proposta pedagógica, surgindo, assim, um novo paradigma teórico e

pedagógico.

Na perspectiva freiriana, o domínio da leitura e da escrita, em oposição ao que se

aplicava até então, seria concebido como instrumento cultural que oferecia condições para que

os sujeitos interviessem na sociedade. Segundo o educador pernambucano, aquele dito

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alfabetizado deveria ser capaz de usar a leitura e a escrita como meio de entender a realidade e

transformá-la. A EJA seria vista como meio de afirmação e de desenvolvimento da cultura

popular. Segundo Di Pierro (2001), o paradigma freiriano tinha como meta o diálogo como

princípio da práxis educativa e da aceitação do sujeito de EJA no papel de sujeito de

aprendizagem, em sua produção cultural e na capacidade de agir e de transformar o mundo.

Entende-se, assim, que, para Freire, alfabetização e educação se integravam. Alfabetização é o

domínio de técnicas para escrever e ler em termos discerníveis e resulta numa postura atuante

do homem sobre seu contexto.

Essas ideias de Freire se expandiram no país. Em 1963, o governo encerrou a 1ª

Campanha e encarregou Freire de organizar e desenvolver um Programa Nacional de

Alfabetização de Adultos. Porém, em 1964, com o golpe militar, deu-se uma ruptura nesse

trabalho de alfabetização, já que a conscientização proposta por Freire passou a ser vista como

ameaça à ordem instalada.

As propostas de Freire inspiraram os principais programas de alfabetização e educação

popular do início dos anos de 1960. Estudantes, intelectuais e católicos empreenderam vários

desses programas junto aos grupos populares. Desenvolvendo e aplicando essas novas

diretrizes, atuaram os educadores do Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à

Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dos Centros de Cultura Popular (CPC),

organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE); dos movimentos de cultura popular,

que reuniam artistas e intelectuais e contavam com o apoio de administrações municipais.

Em janeiro de 1964, o Plano Nacional de Alfabetização foi aprovado, após várias

pressões dos grupos acima citados, o qual previa a disseminação por todo o Brasil de

programas de Alfabetização orientados pela proposta de Paulo Freire. O plano foi

interrompido, então, pelos militares.

O referencial pedagógico que foi constituído nessas práticas baseava-se em um novo

olhar entre problemática educacional e social. O analfabetismo que era antes visto como causa

da pobreza e da marginalização passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza

gerada por uma estrutura social não igualitária. Assim, o processo educativo seria meio de

interferência na estrutura social que produzia o analfabetismo. Reitera-se, então, que a

alfabetização e a educação de base e de jovens e adultos deveriam partir sempre de um exame

crítico de realidade existencial dos educandos, da identificação das origens de seus problemas

e da possibilidade de superá-los. (BRASIL, 2001).

Paiva (1973), fazendo referência às concepções estabelecidas na proposta de Freire,

comenta:

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A sociedade tradicional brasileira fechada se havia rachado e entrado em trânsito, ou

seja, chegar o momento de sua passagem para uma sociedade aberta e democrática.

O povo emergia nesse processo, inserindo-se criticamente, querendo participar e

decidir, abandonando sua condição de objeto da história. (PAIVA, 1973, p. 251).

Os ideais pedagógicos difundidos, além das dimensões social e política, tinham um

forte componente ético, o que era percebido no comprometimento do educador com os

educandos. Freire reconhecia os analfabetos como pessoas produtivas, seres culturais, fato

que o fez tecer críticas à chamada “educação bancária”, ou seja, o aluno servia apenas como

depósito de conhecimento transmitido pelo professor que o eximia de desenvolver um

potencial criativo.

Ao considerar o educando sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha bases

educativas que não desprestigiassem sua cultura, mas que, por meio de diálogo lhes fossem

possibilitadas transformações. Dizia que o sujeito de EJA deveria sair de uma postura crítica,

necessária a um engajamento ativo no desenvolvimento político e econômico da nação.

Freire (1990) lançou mão de uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora

por meio do princípio que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. O educador

desenvolveu um conjunto de procedimentos pedagógicos conhecidos como método Paulo

Freire. Ele previa uma etapa preparatória, momento em que o alfabetizador pesquisava a

realidade do grupo; faria, em concomitância, um levantamento do universo vocabular

utilizado para expressar essa realidade. Desse universo, escolheria as palavras que

expressavam as situações existenciais mais importantes. Posteriormente, um conjunto de

palavras que contivesse os diversos padrões silábicos da língua deveria ser organizado,

segundo um grau de complexidade. Tais palavras seriam geradoras e originariam estudo da

leitura e da escrita, bem como o da realidade. Antes do estudo das palavras geradoras, Freire

propunha um momento inicial em que o conteúdo educativo girava em torno do conceito

antropológico de cultura.

O educador deveria dirigir uma discussão a fim de evidenciar o papel ativo do homem

como produtor de cultura e das diferentes formas de cultura (a letrada e não letrada), o

trabalho, a arte, a religião, a sociabilidade. Esse estudo objetivava, antes de iniciar o

aprendizado do código escrito, levar o educando a assumir-se como sujeito de sua

aprendizagem.

Diversos materiais foram desenvolvidos com orientação desses princípios. Eram

caracterizados não apenas pela relevância à realidade dos adultos, mas, principalmente, pelo

anseio de problematizá-la.

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2.3 EJA pós anos 1960

A conscientização proposta por Freire passou a ser vista como ameaça à nova ordem, o

golpe militar de 1964. Assim, os programas de alfabetização e educação popular que se

haviam multiplicado entre 1961 e 1964 foram entendidos como ameaçadores à ordem e seus

promotores foram reprimidos.

O Plano Nacional de Alfabetização (PNA) foi interrompido e desorganizado, seus

dirigentes foram presos e seus materiais, apreendidos. Tais atitudes representavam tentativa

de acabar com as práticas educativas que priorizavam os interesses populares.

A partir daí, deu-se o exílio de Freire e o início de programas de alfabetização

assistencialistas e conservadores, até que, em 1967, o governo assumiu o controle da

Alfabetização de Adultos criando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL),

voltado para a população de 15 a 30 anos, objetivando a alfabetização funcional, aquisição de

técnicas elementares de leitura, escrita e cálculo. Com isso, as orientações metodológicas e os

materiais didáticos esvaziaram-se de todo sentido crítico e problematizador, já proposto por

Freire (CUNHA, 1999).

O MOBRAL surgiu como resposta à grave situação do analfabetismo no Brasil, além de

propiciar educação continuada para adolescentes e adultos. Constitui-se como organização

autônoma em relação ao Ministério da Educação, contando com um volume significativo de

recursos. Em 1969, foi lançado numa campanha de alfabetização de massa.

Na década de 1970, ocorreu a expansão do MOBRAL em termos territoriais e de

continuidade, iniciando-se uma proposta de educação integrada, que objetivava a conclusão

do antigo primário, o qual foi pensado pelo Programa de Educação Integrada (PEI). Esse

programa abria a possibilidade de continuidade de estudos para os recém-alfabetizados, bem

como para os analfabetos funcionais, pessoas que dominavam a leitura e a escrita

precariamente.

De forma paralela, alguns grupos dedicados à educação popular continuaram a realizar

experiências pequenas e isoladas de alfabetização de adultos com propostas que inspiravam

criticidade, seguindo postulados freirianos. Tais experiências tinham vínculos com grupos

populares que se organizavam em oposição à ditadura, comunidades religiosas de base,

associação de moradores e oposições sindicais.

Em 1970, período áureo da Ditadura Militar, o MOBRAL, dotado de muitos recursos,

prometia acabar com o analfabetismo, considerado “vergonha nacional”. Em 1974, o

movimento já estava autorizado a emitir certificados com chancela das secretarias municipais

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ou estaduais de educação.

O movimento recebeu várias críticas relativas ao pouco tempo destinado à alfabetização

e aos critérios usados para verificação da aprendizagem. Assim, o processo de alfabetização

de jovens e adultos passava por um retrocesso, principalmente, no que diz respeito ao ensino

de línguas, pois as práticas de 1940, que objetivavam a escrita do nome para obter título

eleitoral, foram retomadas.

A ineficiência das práticas desenvolvidas pelo MOBRAL foram levantadas nos estudos

de Soares (2004), quando afirmava que as pessoas alfabetizadas pelo referido movimento,

passado um ano, sofriam retrocesso, ou seja, eram desalfabetizadas. Aprendiam a ler, a

escrever sem fazer uso da escrita e, diante da escassez de material impresso, perdiam

habilidade. Leitura e escrita não eram percebidas como práticas sociais. Eram, portanto,

alfabetizadas, mas não letradas1.

Com o fim da década de 1970, o MOBRAL passou por mudanças em seus objetivos,

uma vez que a proposta de resolver o analfabetismo não estava acontecendo. Assim, em 11 de

agosto de 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 5.692/71 consolidou o

projeto educacional. O ensino supletivo foi regulamentado no capítulo IV da referida lei2,

assegurando que o supletivo se destinava a suprir a escolarização regular para adolescentes e

adultos que não a tinham seguido ou concluído na idade própria. O documento dedicou um

capítulo exclusivo para EJA. Esta Lei limitou o dever do Estado à faixa etária dos 07 aos 14

anos, mas reconheceu a educação dos adultos como um direito à cidadania, o que pode ser

considerado um avanço para a EJA no Brasil.

Segundo o parecer nº 699 de 1972, o ensino supletivo tinha quatro funções:

a) A suplência. O anseio era suprir a falta de escolarização regular a adolescentes e

adultos que não a tivessem concluído na idade própria;

b) Suprir as carências por meio de estudos de aperfeiçoamento ou atualização para

alunos que não tivessem concluído o ensino regular;

c) Aprendizagem. Destinava-se à formação para o trabalho. Ao SENAI e ao SESI

caberia esse papel;

d) Qualificação. A finalidade era profissionalização, a formação de recursos

humanos para o trabalho sem, no entanto, destinar-se à educação geral.

1 Letramento é um conjunto de práticas de leitura e escrita que resultam de uma concepção de quê, como, quando

e por que ler e escrever. (SOARES, 2004, p. 75). 2 Os fundamentos e características da lei foram explicitados em outros dois documentos: o parecer nº 699 de 28

de junho de 1972 e o documento “política para o ensino supletivo” de 20 de setembro de 1972.

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A novidade trazida pelo parecer nº 699/72 estava em implantar cursos que dessem outro

tratamento ao atendimento da população que se encontrava fora da escola, a partir da

utilização de novas tecnologias.

O ensino supletivo deveria, portanto, recuperar o atraso, qualificar as práticas do

presente, propiciando a formação de mão-de-obra apta a colaborar com o desenvolvimento da

nação. O referido projeto foi apresentado à sociedade como uma proposta de futuro, a qual

contribuiria com a modernização do país, para tanto, foi proposto um projeto de escola que

não distinguisse sua clientela e não atendesse aos anseios de apenas uma classe, como faziam

os modelos dos movimentos de cultura popular. Para executar tais objetivos, priorizaria

soluções técnicas, afastando-se do enfrentamento político da exclusão do sistema escolar de

grande parte da sociedade, isso negaria à classe trabalhadora uma educação de qualidade.

Observa-se que, ainda hoje, a escola desconsidera as especificidades da EJA, o que se

comprova com a adoção de propostas curriculares que constituem transposições didáticas das

propostas utilizadas no ensino regular, o que anula os saberes e as vivências desses sujeitos.

Em 1974, o Ministério da Educação e Cultura propôs a implantação de Centros de

Estudos Supletivos (CES), os quais se organizavam com trinômio tempo, custo e efetividade.

Esses cursos foram bastante influenciados pelo tecnicismo, adotando-se os modos

instrucionais, o atendimento individualizado, a autoinstrução e a arguição modular semestral.

Segundo Soares (1996), as consequências advindas dessas práticas foram a evasão, o

individualismo, o pragmatismo e a certificação rápida e superficial.

Com a ascensão dos movimentos sociais e o começo da abertura política na década de

1980, as experiências paralelas de alfabetização, desenvolvidas dentro de um formato mais

crítico, baseadas nos postulados de Freire, ganharam corpo. Foram se ampliando, construindo

canais de troca de experiência, reflexão e articulação. Surgiram os projetos de pós-

alfabetização, que propunham um avanço na linguagem escrita e nas operações matemáticas

básicas. Em 1985, desacreditado por meios políticos e educacionais, o MOBRAL foi extinto e

surgiu, em seu lugar, a Fundação Educar, que não executou diretamente os programas,

passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas existentes: de governos, entidades

civis e empresas conveniadas. Segundo Cunha (1999), na década de 1980, houve a expansão

de pesquisas sobre a língua escrita e isso marcou positivamente a educação de adultos.

2.4 EJA: práticas em consolidação e desafios para a redemocratização social

Após a Ditadura Militar, iniciou-se um período de reconstrução democrática, assim

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várias propostas para a educação foram repensadas. Muitas experiências de educação

ganharam corpo, reafirmando e dando consistência ao modelo de alfabetização

conscientizadora da década de 1960.

Movimentos sociais, que não tinham legitimidade oficial, ganharam institucionalidade

e, ressurgiram à cena pública. A ação da sociedade civil, ávida por algumas demandas em

políticas sociais, direcionava-se ao processo de elaboração da nova constituição de 1988.

Segundo Souza (2000), a Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que

toda e qualquer educação visava “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 1988, art. 205). Assim,

o autor deixa claro que esse princípio abrigava o conjunto de pessoas e de educandos como

um universo de referência sem limitações. Logo, a EJA, modalidade estratégica de esforço da

Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participava desse

princípio e sob esta luz deve ser considerada.

Essas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre

dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratar de postulados gerais

transformados em direito do cidadão e dever do Estado, até mesmo em âmbito constitucional,

fruto de conquistas e de lutas sociais. Assim, segundo Souza (2000), essa Constituição

estendeu a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos os que a ele não

tiveram acesso na idade própria (art. 208, I)3. Com o intuito de criar condições para que essa

decisão fosse implementada, o legislador determinou, nas disposições transitórias (artigo 60)

que, pelo menos, cinquenta por cento dos recursos destinados ao ensino (artigo 212) fossem

aplicados para acabar com o analfabetismo, além de universalizar o ensino fundamental. A

Carta Magna estabeleceu que o estado devia, irrestritamente, oferecer ensino obrigatório e

gratuito e, caso não o fizesse, seria de responsabilidade da autoridade competente. Percebeu-

se que a história da EJA do período subsequente à promulgação da Constituição Federal de

1988 é envolta por contradição entre a garantia do direito juridicamente posto e a negação

pelas políticas públicas.

Esclarece-se, ainda, que embalado pelo discurso de desqualificação da educação de

jovens e adultos contido nas propostas de educadores brasileiros, a Emenda Constitucional nº

14/96, já citada acima, introduziu uma novidade por meio de uma sutil alteração do inciso I

do artigo 208. O governo manteve a gratuidade da educação pública a todos que não tiveram

3 Esta colocação encontra-se na Emenda Constitucional n° 14/96. Mas cumpre sinalizar o modo registrado pela

redação original. Dizia-se: I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram

acesso na idade própria.

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acesso à escolaridade básica, independente da idade, colocando a EJA no mesmo patamar da

Educação Infantil, reconhecendo que a sociedade foi incapaz de garantir escola básica para

todos na idade adequada. Junto a essa reconstrução democrática, experiências em

alfabetização dos anos 1960 foram enriquecidas, repensadas e, portanto, ganharam

consistência.

Destaca-se como avanço dessas experiências mais recentes a inclusão de uma visão de

alfabetização como processo que necessitava de certo grau de continuidade e sedimentação.

Desde os anos 1950, as campanhas de alfabetização sofriam várias críticas pela tentativa de

alfabetizar em poucos meses, com perspectivas vagas de continuidade, o que se constatava

pelos altos índices de regressão ao analfabetismo. Os programas mais atuais destinavam um

tempo maior à alfabetização e pós-alfabetização de 1 a 3 anos. Tais iniciativas visavam à

garantia de que o jovem ou o adulto atingissem maior domínio da cultura letrada, a fim de

prepará-los para utilizar esses saberes na vida diária, bem como prosseguir os estudos.

Os materiais didáticos, seguindo essa nova tendência, tentavam refleti-la. No processo

de alfabetização inicial, as palavras geradoras com suas imagens codificadas e quadros de

famílias silábicas vêm acompanhadas de atividades complementares, como: exercícios de

coordenação motora e exercício para associar palavras e frases a figuras, etc. Outros optavam

por análise de frases geradoras, as quais serviriam para compor pequenos textos4 ( BRASIL,

2001).

Na alfabetização, o material é mais resumido, quase sempre há repetição dos livros

didáticos utilizados no ensino fundamental menor, adaptados, apenas, para temáticas adultas.

Quase sempre as atividades são simplificadas, assim como para o estudo das temáticas

desenvolvidas nos textos. Nos exercícios de escrita, os mais comuns são questionários que

buscam reproduzir os conteúdos dos textos, além da introdução de tópicos gramaticais.

Os educadores de EJA vêm assimilando como princípio pedagógico que a realidade e a

cultura dos sujeitos precisam estar integradas aos conteúdos trabalhados. A EJA tem sido

pensada a partir de um perfil metodológico que considere o caráter crítico e problematizador

dos alunos. Todavia, os livros didáticos trazem, ainda, textos que inspiram visão restritiva

sobre os conteúdos e exercícios que impossibilitam criticar, dialogar com a produção. Há,

portanto, a dissociação entre as leituras de mundo e a leitura da palavra.

4 Verifica-se um maior interesse das publicações em ofertar materiais de leitura adaptados aos chamados neo-

leitores.

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27

2.5 Em busca de novas perspectivas para o trabalho com EJA

Com a chegada dos anos 1980, houve a expansão de várias pesquisas no Brasil sobre a

língua escrita com base em fundamentos linguísticos e psicológicos. Essas pesquisas foram

definitivas para a mudança nas práticas de alfabetização, pois a leitura e a escrita passaram a

ser vistas como processos que vão além da decodificação de códigos e sons, mas, sim

envolvendo atividades que criam significados. Esse momento foi marcado por críticas aos

métodos de alfabetização que desconsideravam os contextos significativos de produção dos

textos, bem como o potencial criativo dos alunos.

As contribuições da psicopedagoga argentina Emília Ferrero foram essenciais para rever

e ultrapassar limitações existentes nos métodos baseados na silabação. Ferrero desenvolveu

estudos com adultos analfabetos e constatou que, assim como as crianças, eles possuem uma

série de informações e construção de hipóteses sobre escrita que a escola não as percebe, fato

que interfere negativamente no processo de ensino-aprendizagem.

O trabalho com EJA passou a valorizar os saberes que os alunos detêm (conhecimento

de mundo, de língua, sociointeracionais) e tomá-los como partida para orientar as práticas. As

atividades de leitura foram pensadas a fim de proporcionar criticidade e diálogo com o texto.

Assim, o educador deve ter a preocupação de viabilizar o máximo de textos para que os

alunos possam desenvolver seus saberes (contexto sociocognitivo) e seu repertório

linguístico. É necessário que os sujeitos possam reconhecer as funções das escolhas

linguísticas dos textos que leem e escrevem, além de reconhecer as funções desses textos.

2.6 A EJA nos anos 1990: desafios e cenário pré-reformas educativas

O desafio com EJA , nos anos 1990, passou a ser o estabelecimento de uma política de

metodologias criativas, para tanto, havia a necessidade de universalizar o ensino fundamental

de qualidade.

No cenário internacional, a EJA teve grande reconhecimento como fortalecedora da

cidadania e da formação cultural da população que depende dessa formação, devido às

conferências organizadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO), que foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e tem a

responsabilidade de fomentar o desenvolvimento da educação nos países em

desenvolvimento.

A UNESCO propunha uma chamada nacional para a discussão sobre o assunto, com

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convocação de delegações de todo o país, tal movimento proporcionou a criação de Fóruns

estaduais de EJA, os quais se expandiram em todo o território nacional. A ONU declarou

1990 como Ano Internacional da Alfabetização.

Os anos iniciais da década de 1990, no que se refere às políticas educacionais, não

foram produtivos. Pelos históricos de EJA traçados até então, percebeu-se o governo federal

como grande articulador das empreitadas de educação de jovens e adultos. Porém, em 1990, o

governo de Fernando Collor de Melo extinguiu a Fundação Educar5, fato gerador do

empobrecimento no que se refere a políticas de apoio ao setor.

Essa iniciativa do governo foi tomada com o intuito de enxugar a máquina

administrativa, pois o então presidente entendia que não se justificava fazer investimentos na

modalidade de EJA. O Ministro da Educação da época, José Goldemberg, em entrevista ao

Estado de São Paulo de 22 de agosto de 1991, confirmou esse posicionamento ao ser

questionado se o analfabetismo deixava de ser prioridade do MEC: “Deixa, sim, e depois de

três dias com o ministro já recebi muitas manifestações de apoio pela medida. Temos de

estancar a fonte do analfabetismo, nos primeiros anos da escola, e não tentar alfabetizar os

adultos”. (O ESTADO DE SÃO PAULO, 22/08/1991).

Percebe-se, com a fala do Ministro, que o governo colocava a educação de crianças e a

de adultos como alternativa mutuamente excludente.

Ratificando a pouca importância dada à EJA pelo governo da época, o ministro da

Educação do Governo Collor, afirmou explicitamente que os investimentos de recursos

materiais e humanos para a referida modalidade de ensino não se justificavam. Em entrevista

ao Jornal do Brasil, afirmou:

O grande problema de um país é o analfabetismo das crianças e não o dos adultos. O

adulto analfabeto já encontrou o seu lugar na sociedade. Pode não ser um bom lugar,

mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de prédio, lixeiro ou seguir outras

profissões que não exigem alfabetização. Alfabetizar os adultos não vai mudar muito

a posição dentro da sociedade e pode até perturbar. Vamos concentrar novos

recursos em alfabetizar a população jovem. Fazendo isso agora, em dez anos

desaparece o analfabetismo. (JORNAL DO BRASIL, 23/08/91).

Pelo que foi exposto na fala do ministro, vemos um total desrespeito aos jovens e

adultos e ao direito que todos os públicos têm ao acesso à educação de qualidade. O

representante do governo deixava explícito que os jovens e adultos não faziam parte dos

planos da administração porque ocupavam um lugar social que não necessitava de acesso à

5 Extinta a Fundação Educar, a União transfere a responsabilidade pública dos programas de alfabetização e pós-

alfabetização de jovens e adultos para os estados e, principalmente, para os municípios (HADDAD, 1993).

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formação, haja vista que não empreenderiam ações que atendessem aos interesses econômicos

do governo.

Di Pierro (2000), fazendo uma análise das políticas públicas de EJA no Brasil, no então

chamado período de redemocratização da sociedade e das instituições políticas brasileiras

entre 1985 a 1999, tomando como base o estudo dos programas federais para educação básica

de jovens e adultos, afirma:

[...] analfabetismo no Brasil não é um problema residual herdado do passado,

suscetível ao tratamento emergencial ou passível de superação mediante a simples

sucessão geracional e sim uma questão complexa do presente, que exige políticas

públicas consistentes, duradouras e articuladas a outras estratégias de

desenvolvimento econômico, social e cultural. (DI PIERRO, 2000, p.204).

Estudos como o de Haddad (1997 a e b) e Di Pierro (2000) apontam que além da

insuficiência da oferta, as políticas públicas promovidas pelo Estado para a EJA, no ensino

fundamental, têm se constituído em ações emergenciais, quase sempre se caracterizam como

movimento ou campanha. São programas e projetos de curta duração, realizadas sem as

condições estruturais necessárias, limitando-se à alfabetização inicial, sem garantia da

continuidade. Tais projetos consideravam, ainda, a alfabetização como processo de ensinar a

ler e a escrever, desconsiderando, portanto, as experiências de vida dos sujeitos.

Como mostrado anteriormente, a União deixava aos poucos de se responsabilizar pela

EJA e foi tornando os municípios os responsáveis pela modalidade. Tal fato foi perceptível,

por exemplo, com extinção da Fundação Educar no Governo Collor. Com o fechamento,

criou-se, a partir de setembro de 1990, o Projeto Nacional de Alfabetização e Cidadania –

PNAC, cujas propostas de mobilização nacional eram ambiciosas e envolviam para a

execução comissões que integravam órgãos governamentais e não-governamentais. Sua

existência foi de apensas um ano, concretizando o esvaziamento das políticas públicas

federais para a modalidade. O programa foi abandonado no governo do então presidente

Itamar Franco.

No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995, ainda se presenciava

uma contenção de gastos6 públicos em todos os setores visando à estabilização econômica, o

que propiciou uma reforma educacional. Esta reforma tinha diretrizes que mantiveram a

educação básica de jovens e adultos na posição marginal que ela já ocupava nas políticas de

âmbito nacional, isso intensificava as tendências à descentralização de financiamentos para o

6 A redução e gastos ocorreu em todos os setores como: cortes de salários real, austeridades nas políticas fiscal e

monetária, mesmo que para a concretização dos objetivos fossem necessárias reformas constitucionais.

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setor. Para o governo de Fernando Henrique, o país não apresentava problemas de

financiamento na área educacional, não havia mais no país problemas relacionados à demanda

e os recursos investidos eram suficientes. O problema, porém, estava no gerenciamento e

aplicação desses recursos.

Partindo para o âmbito legal da questão, verifica-se que a educação de jovens e adultos

não teve espaço efetivo no plano das políticas federais.

Segundo o MEC, embora tendo responsabilidade por qualificar a educação brasileira

com ações do tipo: reconhecimento do direito à educação básica, vinculação de 50% de

recursos para acabar com o analfabetismo no prazo de dez anos, autonomia do ensino

municipal, dentre outras; a Constituição Federal de 1988 não garantiu a universalização do

acesso à educação básica, além de não ter conseguido efetividade no que diz respeito à

descentralização esperada pelo governo federal. Houve vários incentivos para a

descentralização, mas a efetividade não foi alcançada. É inegável que a EJA seja vista como

uma conquista da sociedade brasileira, fato que se consagrou quando o poder público,

somente com a Constituição Federal de 1988, reconheceu a demanda da sociedade brasileira

em dar aos jovens e adultos que não tinham realizados sua escolaridade, o mesmo direito de

ensino regular. Tal direito foi efetivado no contexto do processo de democratização da

sociedade brasileira que buscava implementar nova ordem jurídica e democrática.

Com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira- LDB n°

9394/96 foi promulgada a primeira referência sobre EJA. No título III, os artigos 4° e 5°

fazem de forma mais incisiva amparo legal ao ensino fundamental de EJA, o que trazia

ganhos significativos à modalidade, pois desencadeou processo de institucionalização.

Segundo Haddad (2007), a nova LDB precisava explicitar que a EJA, diferentemente de um

ensino supletivo, revertia-se à construção de processos próprios, autônomos. Nesse sentidos,

as ideias do autor alertavam sobre a necessidade de a legislação prover meios para que o

alunado possa frequentar programas de EJA. Além disso, a referida lei não priorizou as

discussões sobre o analfabetismo.

Entre os anos de 1996 e 1997, a EJA foi alvo de muitas discussões, muitas delas foram

alavancadas pelos fóruns de EJA. A criação dos fóruns de EJA se deu em virtude de um

processo preparatório da V Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos

(CONFINTEA), realizada em Hamburgo em 1997. As consequências advindas dessa ação

foram vários conflitos e demandas como resultado do processo de desrespeito ao direito à

EJA e como resultado da aprovação do FUNDEF e da LDB.

A criação de fóruns logrou êxito, pois deram seguimento às suas ações com autonomia.

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Houve o surgimento de fóruns estaduais de EJA em vários estados, os quais passaram a ser

um espaço de diálogo e troca de informações. As políticas públicas em EJA, agora, passaram

a ser controladas por esses fóruns, os quais se reúnem anualmente nos Encontros Nacionais de

Educação de Jovens e Adultos (ENAJAS), em cumprimento às indicações de Hamburgo.

Esses encontros desenvolveram dimensões que vão além da ampliação do conceito de

alfabetização, uma vez que já amadureciam as concepções de analfabetismo e letramento,

assim conceberam uma dimensão da natureza individual (processo de apropriação alfabética

da língua) e sociocultural (uso de leitura e escrita).

Destaca-se, ainda, que a forte presença da sociedade na reivindicação de direitos, bem

como a coerção por mais participação nas decisões na gestão pública, marcaram a conquista

do direito à EJA, além do processo de sua redemocratização no meio político nas décadas de

1980 e 1990. Para tanto, os subsídios como o do Conselho Nacional de Educação n° 11/2000

foram responsáveis por incorporar a nova concepção de EJA às diretrizes e normas da

educação básica. Esse parecer foi uma forma de reconhecer uma dívida social e a necessidade

de investimento pedagógico na modalidade. (HADDAD, 2007).

No quadro da educação brasileira, a experiência de Paulo Freire na Secretaria Municipal

de Educação de São Paulo em 1990 influenciou vários municípios, os quais começaram a

desenvolver programas de alfabetização e escolarização de jovens e adultos. Pode-se destacar,

nesse cenário, a criação do Movimento de Alfabetização (MOVA). Tal modelo surgiu na

gerência de Freire e fortaleceu, na sociedade civil, a demanda por EJA, pois envolveu

movimentos sociais e entidades.

2.7 A EJA na atualidade: demandas e perfil

Atualmente, o quadro de EJA é marcado pela exclusão em relação ao Governo Federal.

O país ainda precisa de uma efetiva atuação do Estado na modalidade, já que o governo

federal continua delegando para outras instâncias representadas pelos municípios, sociedade

civil e setores privados, o serviço de atendimento ao jovem e adulto que desde as décadas de

1970 e 1980 estava sob sua responsabilidade.

Os atuais programas para a educação de jovens e adultos mantêm parceria entre agentes

governamentais e não governamentais. Com essa ação, há uma redução drástica nos gastos

públicos com a EJA.

Hoje, com inúmeras discussões travadas sobre o tema, além de um amparo legal

estabelecido, a EJA não pode mais se limitar, como ainda tem feito, à reprodução do que se

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faz no ensino regular. É preciso atentar para as especificidades do público, uma vez que

repetir para os adultos uma versão sucinta dos conteúdos do ensino regular, destinado a

crianças e adolescentes é um engano e uma supressão do potencial criativo dos sujeitos da

EJA. A valorização do conhecimento prévio e, portanto, o reconhecimento dos alunos como

portadores de cultura e saberes diversos é uma atitude essencial.

Concordamos com Arroyo (2005) quando descaracteriza a EJA de uma concepção

meramente compensatória. O autor diz que é preciso desfazer a visão reducionista, cujo

processo educativo de EJA sempre foi baseado, caracterizado por atividades incompletas.

Segundo ele, a EJA precisa ser reconfigurada como uma política coletiva de direitos sociais e

coletivos.

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3 A LEITURA COMO UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

Na medida em que a leitura é para nós

iniciadora cujas chaves mágicas abrem o

fundo de nós mesmos a porta das moradas

onde não saberíamos penetrar, seu papel na

nossa vida é salutar. (PROUST, 1989, p. 35)

A leitura, hoje, é vista como um processo que se constitui a partir do momento em que o

leitor interage com o texto e a ele atribuem sentidos. Para tanto, esse leitor necessita ativar

saberes de vários tipos, motivados por seus objetivos e, para isso, parte das marcas ou

sinalizações textuais elaboradas no propósito da interação. O leitor, nesse processo, é tido

como um caçador de sentidos, que se mune de estratégias de várias ordens para construir

compreensão para os textos. Temos a certeza de que essa afirmação não é inédita, mas

sintetiza parcialmente o aparato teórico cujo diálogo com vários autores nos autorizou a

construir.

As teorias que aqui serão apresentadas e discutidas fazem-se necessárias para a análise

do nosso objeto de pesquisa, o ensino de leitura desenvolvido pelos professores de EJA. Na

trajetória de construção de nosso aparato teórico, autores de várias linhas de estudo foram

envolvidos, o que se justifica pela natureza plural da leitura.

Considerando, portanto, as múltiplas abordagens a partir das quais se discute a leitura,

dialogamos com diferentes autores, tais como: Koch (2009, 2010), por exemplo, quando

consideramos a leitura como uma atividade em que o leitor interage com o autor, mediado

pelo texto. Nesse processo, é necessário considerar as pistas que o texto oferece. Com isso,

entendemos que o texto é lugar de constituição e de interação dos sujeitos. Com Kleiman

(2007, 2008a, 2008b, 2010), adentramos na Teoria Cognitiva. A autora considera os

procedimentos mentais envolvidos na produção de sentidos, mas, também se filia a

abordagens de leitura numa perspectiva interacionista de base discursiva, entendendo a

natureza dialógica e social da linguagem. Tratamos da leitura, ainda, considerando-a sob a

visão dos Estudos do Letramento, que considera os processos sócio-históricos e culturais

envolvidos nas construções de sentido. Os estudos de Kleiman (2002); Bortoni-Ricardo,

Machado, Castanheira (2010); Soares (2004, 2005); Vóvio (2007); Mollica e Leal (2009) são

algumas das referências utilizadas.

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3.1 Abordagens teóricas de leitura

Tal como propõem os estudiosos elencados na seção anterior, adotamos a perspectiva de

que a leitura é uma atividade complexa de produção de sentidos, que pressupõe a interação

entre autor, texto e leitor. Isso significa que o sentido não está no autor e nas suas intenções

nem está no texto, ou seja, na materialidade linguística. Assim, não se recorta, destaca,

sublinha o sentido do texto, concepção outrora adotada e que ainda está presente em muitas

aulas de leitura. O sentido também não está unicamente no leitor, mas, sim na interação do

autor com ele e com o texto. É essa interação, esse tripé que deve ser considerado em se

tratando da atividade de leitura e, portanto, de produção de sentido.

O leitor, em sua postura ativa diante do texto, constrói significação considerando os

conhecimentos que carrega consigo e aquilo que o autor selecionou e está materializado na

superfície textual. É claro que, para assumir o papel de co-autor do texto, o leitor deve

considerar as pistas que o autor deixa, não se pode preconizar a admissibilidade de qualquer

leitura no texto, pois como diz Possenti (1999, p. 174) “[...] pode haver leitores com

enciclopédias, que lhes permitem ler corretamente certos textos e leitores que não conseguem

ler certos textos senão de forma equivocada”. Possenti admite que o sentido tem intrínseca

ligação com os conhecimentos prévios do leitor e, esses conhecimentos, podem ser falhos na

construção de certos sentidos. O papel do professor diante disso é “não a correção de tal

leitura, mas descobrir com o leitor os passos desta caminhada, para que esse leitor/aluno

perceba onde os encadeamentos feitos poderão estar sendo responsáveis pelo sentido final

inadequadamente produzido” (GERALDI, 1996, p. 125-126). Deve-se perceber, portanto, as

pistas dispostas no texto, as hipóteses sobre a intenção do autor, os conhecimentos e objetivos

do leitor na atividade de construir sentido. Reportamo-nos ao texto de Kleiman (2008a), pois,

concordamos com seu posicionamento, que completa o que afirmamos acima:

A leitura é considerada um processo interativo, no sentido de que os diversos

conhecimentos do leitor interagem em todo momento com o que vem da página para

chegar a compreensão. A leitura não é apenas análise das unidades que são

percebidas para, a partir daí, chegar a uma síntese. Também a partir da síntese ele

procede à análise para verificar suas hipóteses, num processo em que, repetimos,

tanto os dados da página como o conhecimento do leitor interagem como fontes de

dados necessários à compreensão. (KLEIMAN, 2008a, p. 17-18).

Se produto de interação, a leitura é um processo dialógico, já que todo texto é

essencialmente dialógico. A respeito disso, recorremos mais uma vez a Geraldi:

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Ao ler um texto, o leitor não pode despojar-se de seus saberes para preencher o

espaço vazio assim conseguido com os saberes do autor. Isto seria negar-se ante o

texto. Mas também não pode escudar-se em seus ‘saberes como verdades absolutas e

imutáveis. Isto seria negar o texto. Mesmo quando não concordamos com os pontos

de vista defendidos pelo texto que lemos, para podermos criticá-los precisamos estar

abertos para compreendê-los e por isso mesmo não aceitá-los (GERALDI, 1996, p.

126).

Nesse sentido, “cabe ao professor um papel ativo nesse processo, perguntando, fazendo

refletir, fazendo argumentar, escutando as leituras de seus alunos para com elas e com eles

reaprender o seu eterno processo de ler” (GERALDI, 1996, p. 126).

Para Goodman (1976 apud KLEIMAN, 2008a, p. 29), a leitura é uma “atividade de

interação entre o pensamento e a linguagem. [...] é um processo complexo através do qual o

leitor reconstrói, até certo ponto, uma mensagem encodificada por um escritor”. Esse processo

interativo exige uma participação ativa do leitor a fim de que este possa contribuir para a

construção de sentidos do texto, o qual vai para além da noção de material escrito. Goodman

desenvolve um modelo em que a dimensão preditiva da leitura é caracterizada, segundo o qual

o leitor necessita de vários tipos de informação no processamento leitor, uma vez que a leitura

é uma atividade altamente preditiva, isto é,

Leitura é um processo não linear, dinâmico na interrelação de vários componentes

utilizados para o acesso ao sentido, e é uma atividade essencialmente preditiva, de

formação de hipóteses, para a qual o leitor precisa utilizar seu conhecimento

lingüístico, conceitual, e sua experiência. (KLEIMAN, 2008a, p.30).

Ainda conforme o autor citado, (1976 apud KLEIMAN, 2008a, p.30), “a leitura não é

um processo serializado de percepção e identidade sequencial, mas um processo que envolve

seletividade e a capacidade de antecipar a informação”. Assim, a leitura é um processo

interativo que se realiza mediante a participação de autor e do leitor.

Ler criticamente é o julgamento de validade ou valor do que se lê com base em critérios

ou padrões desenvolvidos pela experiência prévia. Implica dizer que o leitor precisa ativar

vários conhecimentos que lhe permitirão ir além da decodificação, um dos procedimentos que

se utiliza na leitura, análise da superfície textual (elemento material). Somos autorizados,

ainda, a dizer que se ao leitor forem dadas oportunidades de ampliação de seus conhecimentos

a fim de renová-los, as leituras possíveis de um mesmo texto serão ampliadas ou novas

leituras poderão surgir. Assim, a cada nova leitura, um novo sentido será aplicado a ela. Já

que se admite que ao ler os sujeitos constroem, produzem sentidos, entendemos que é no

processo de interação, portanto, de construção ativa, desencadeado pela leitura que o texto se

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constrói. (SOARES, 2005).

Adepta aos pensamentos ora expostos, Lajolo (1982) diz que o leitor é dono de sua

vontade e, como tal, significa o que lê em processo criativo. Em sua obra, afirma

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a partir

do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os

outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu

autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se

contra ela, propondo outra não prevista. (LAJOLO, 1982, p. 59).

Dentre as capacidades do ato de ler crítico, incluem-se averiguar a credibilidade do

autor, sua interação, seu propósito, como também, avaliar a exatidão, a lógica, a

confiabilidade e a autenticidade do texto. E, ainda, identificar sua forma literária,

componentes e recursos através de uma análise envolvendo aspectos de sua composição e

conteúdo. O leitor está, constantemente, ao processar um texto, dialogando com esse texto.

Ele critica, contrasta, avalia as informações e vai buscando sentidos.

Para Orlandi (1999):

[...] a leitura é o momento crítico da constituição do texto, pois é o momento

privilegiado do processo da interação verbal: aquele em que os interlocutores, ao se

identificarem como interlocutores, desencadeiam o processo de significação [...] é na

interação que os interlocutores instauram o espaço da discursividade. Autor e leitor

confrontados, definem-se em suas condições de produção e os fatores que

constituem essas condições é que vão configurar o processo de leitura. (1999, p. 47-

48).

Podemos, então, considerar que o texto nunca está pronto, completo, acabado, já que se

trata de um processo complexo de produção de sentido por meio de uma ação colaborativa do

leitor ante o texto e o autor que o produziu. Ao longo do texto, deverão ser preenchidas pelo

leitor as lacunas, a gama de implícitos deixadas pelo autor. Koch e Elias (2010) esclarecem

que ao leitor não basta conhecer a língua e se deter na superfície do texto porque não há textos

totalmente explícitos. Todo texto tem uma enorme gama de implícitos que é preciso trazer

para a leitura objetivando completar o sentido do texto.

Então, por isso, vai depender do repertório de cada leitor a riqueza da leitura que vai

fazer, uma vez que precisa recorrer aos seus conhecimentos prévios (de mundo, da vida

social, de língua, interacionais, de outros textos), além da ativação de um contexto, para

construir um sentido para o material que lê. Todos esses saberes a que o leitor recorre

compreendem o contexto sociocognitivo. Leitor é sujeito ativo, não traduz o que o autor

pensa, já que essa tarefa é impossível. Ao contrário da passividade, um leitor eficiente, o que

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constrói sentido, mobiliza seus conhecimentos e seleciona estratégias necessárias para a tarefa

de preencher as naturais lacunas existentes nos textos.

Marcuschi (1999) compartilha com esses argumentos ao afirmar:

[...] os conhecimentos individuais afetam decisivamente a compreensão, de modo

que o sentido não reside no texto. Assim, embora o texto permaneça como o ponto

de partida para a sua compreensão, ele só se tornará uma unidade de sentido na

interação com o leitor. (p. 96).

A respeito dessa afirmação feita por Marcuschi, dialogamos com Solé (1998) a fim de

completar essas ideias, chamando atenção para o projeto de dizer do autor, uma vez que,

embora o leitor construa um significado para o texto, não podemos desconsiderar que esse

texto carrega uma carga de sentido construída pelo autor. Assumimos a posição de Solé e a

percebemos implicitamente nos demais autores aqui elencados:

[...] minha primeira afirmação sobre o que é ler, gostaria de ressaltar o fato de que o

leitor constrói o significado do texto. Isto não quer dizer que o texto em si mesmo

não tenha sentido ou significado; felizmente para os leitores, essa condição costuma

ser respeitada. Estou tentando explicar que o significado que um escrito tem para o

leitor não é uma tradução ou réplica do significado que o autor quis lhe dar, mas

uma construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios do leitor que o

aborda e seus objetivos. (SOLÉ, 1998, p. 22).

A leitura é, assim, um processo produtivo que, mais do que ativo, é interativo. E é o

momento crítico da constituição do texto, em que os interlocutores (autor e leitor),

identificando-se como tais, desencadeiam o processo de significação (ORLANDI, 1983). E

não poderia ser concebido de outra forma, pois, “se um texto é marcado por sua incompletude

e só se completa no ato da leitura; se o leitor é aquele que vai fazer ‘funcionar’ o texto, na

medida em que opera através da leitura, o ato de ler não pode se caracterizar como uma

atividade passiva” (BRANDÃO; MICHELETTI, 1997, p.18).

Como lembra Geraldi (1988, p. 80), “ao ler, o leitor trabalha produzindo significações e

é nesse trabalho que ele se constrói como leitor. Suas leituras prévias, sua história de leitor,

estão presentes como condição de seu trabalho de leitura e esse trabalho o constitui leitor e

assim sucessivamente”.

Quando o processo de significação é desencadeado, como já esclarecido com o texto de

Orlandi, acima, o leitor passa a compreender. Assim, a compreensão, enquanto processo, é

individual e se dá de acordo com as condições de produção de leitura. A esse respeito,

Dell`Isola (2001) comenta:

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Em muitos casos, certas compreensões se devem a problemas de organização do

texto, de obscuridade, de vocabulário, de desconhecimento dos códigos manejados

pelo autor e do seu patrimônio cultural. Fatores de compreensão são também

provenientes do leitor: a compreensão vai depender, em parte, dos códigos que o

leitor maneja, de seus esquemas cognoscitivos, de seu patrimônio cultural e das

circunstâncias da leitura. (DELL`ISOLA, 2001, p. 36).

Assim considerada, a compreensão de um texto é variável para cada indivíduo. Um

texto, então, pode suscitar inúmeras possibilidades de leitura em leitores diferentes ou em um

mesmo leitor em épocas diferentes. A respeito disso, Soares (2005) afirma “Assim: um

mesmo texto multiplica-se em infinitos textos, tantos textos quantas leituras houver. Cada

leitura constituirá um novo texto, produto de determinações múltiplas” (SOARES, 2005, p.

28).

No processo de leitura, o leitor desencadeia compreensão, quando se depara com uma

produção escrita, significa que ele assume, de forma autônoma, um sentido pretendido, bem

como o poder de transformar o que já conhece sobre o assunto e, mediante a apreensão de

novos saberes, atribuir novos sentidos aos textos já lidos. Toma-se, aqui, a leitura como uma

atividade que desencadeia compreensão, transformação, inferências. Isso quer dizer que o

leitor age, cria significados, raciocina, apoiado em contextos sociocognitivo-discursivos.

A fim de enriquecer essa discussão, o diálogo com Colomer e Camps segue o mesmo

entendimento esboçado até o momento. Segundo as autoras,

(...) nos modelos interativos o leitor é considerado como um sujeito ativo que utiliza

conhecimentos de tipo muito variado para obter informação do escrito e que

reconstrói o significado do texto ao interpretá-lo de acordo com seus próprios

esquemas conceituais e a partir de seu conhecimento do mundo. A relação entre o

texto e o leitor durante a leitura pode ser qualificada como dialética: o leitor baseia-

se em seus conhecimentos para interpretar o texto, para extrair um significado, e

esse novo significado, por sua vez, permite-lhe criar, modificar, elaborar e

incorporar novos conhecimentos em seus esquemas mentais. (COLOMER; CAMPS,

2002, p. 31).

A leitura, como um processo de construção de sentidos é, pois, um ato de raciocínio, já

que, como dizem Colomer e Camps (2002), trata-se de um saber orientar vários tipos de

raciocínio a fim de elaborar uma construção de uma interpretação do texto escrito a partir das

informações dispostas no texto e dos conhecimentos do leitor e, ao mesmo tempo, proceder a

outros vários raciocínios para manter domínio sobre o processo dessa interpretação de forma

que se percebam as possíveis incompreensões que aparecem durante a leitura. O leitor

proficiente supervisiona constantemente sua própria compreensão.

Numa visão sociointeracionista da linguagem, o ato de ler constitui-se num processo

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que envolve não apenas as informações da página impressa (oriunda do texto e fornecida pelo

autor), mas também, um processo cognitivo que envolve estratégias e conhecimentos prévios

do sujeito-leitor (LOPES, 1996). Diferentemente de um processo solitário, monológico e

passivo de suposta (porque impossível) decodificação, a leitura é um processo dialógico entre

leitor/autor mediado pela palavra, vale dizer, uma relação recíproca entre falante e ouvinte

[autor/leitor] ou uma relação entre os ditos e presumidos (FREITAS, 1995, p. 13)

confundindo-se com uma tomada de posição ativa do que é dito e compreendido (BAKHTIN,

1992). Nele, estão em jogo não apenas a historicidade do texto, mas também a própria ação da

leitura, a sua produção (ORLANDI, 2008).

Mas, não pensemos que o leitor se constitui apenas por suas leituras. Ele se faz presente

já no próprio processo de geração do texto que será lido (GERALDI, 1988; BRANDÃO;

MICHELETTI, 1997; ORLANDI, 2008; 1983). Como diz Eco (1983 apud BRANDÃO;

MICHELETTI, 1997, p. l8-19), “[...] um texto postula o próprio destinatário como condição

indispensável não só da sua própria capacidade comunicativa concreta, como também da

própria potencialidade significativa”. Na verdade, o leitor é, ao mesmo tempo, co-enunciador

e enunciador7 do texto. Enquanto leitor virtual, ele participa da produção textual como co-

enunciador. Enquanto leitor real, é enunciador da significação que construiu em sua leitura,

em que o autor, nesse momento, passa a co-enunciador (GERALDI, 1988). Mas, vale

lembrar: o leitor idealizado pelo autor pode não se identificar com nenhum leitor real, e

distintos leitores reais podem construir sentidos distintos a partir de um mesmo texto. O ato

de ler, portanto, é um trabalho interlocutivo de construção de sentidos. Por tudo isso,

concordamos com Rocco (1994, p. 39) quando ela faz a seguinte afirmativa:

a leitura não se constitui em ato solitário, nem em atividade monológica do

indivíduo, pois este indivíduo, ao ler um texto, um livro, interage não propriamente

com o texto, com o livro, mas com os leitores virtuais criados pelo autor e também

com esse próprio autor. O texto passa assim a exercer uma mediação entre sujeitos,

tendo, pois, a incumbência de estabelecer relações plurais entre leitores reais ou

virtuais, que são plurais também, já que o ato de ler só se dá verdadeiramente entre

‘um leitor virtual que é constituído no próprio ato da escrita’ e um leitor real, na

medida em que esse leitor imaginário, criado pelo autor, ‘dialoga com esse leitor

real’, com esse ‘leitor que lê o texto e dele se apropria.

Então, o leitor está, em todos os momentos da leitura, interagindo e, portanto, criando

7 Eliseo Verón (1993) reserva para o sujeito da enunciação a expressão enunciador e para o interlocutor, receptor

idealizado, o termo destinatário. Na visão defendida por esta produção, entende-se mais apropriado o termo

enunciatário, pois sugere a imagem idealizada de um interlocutor que, em si, pressupõe a condição responsiva

ativa, aquele que participa da produção discursiva como expectativa de resposta.

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sentidos.

Explicitamos até aqui nossa defesa da leitura como atividade de produção de sentido.

De acordo com o nosso posicionamento, destacam-se as considerações sobre leitura segundo

os PCN, a ser considerada no contexto escolar:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e

interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o

assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre linguagem etc. Não se trata de

extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de

uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência, e

verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos

que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de

dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto

suposições falsas. (In: Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos

de ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. –

Brasília: MEC/SEF, 1998, p. 69-70).

Como reforça o trecho, na atividade de leitura, o leitor constrói sentido, utilizando-se,

para tanto, de estratégias, tais como seleção, antecipação, inferência e verificação. A

decodificação é apenas um dos procedimentos utilizados na leitura. Então, dizer que o aluno

lê corretamente quando ele só decodifica o linguístico é uma das concepções de leitura que,

inclusive, tenta-se, atualmente, mostrar que não é suficiente.

Considerando, ainda, os PCN de Língua Portuguesa, sobre a proposta de construção de

sentido por meio da leitura, fica esclarecido “se os sentidos construídos são resultados da

articulação entre as informações do texto e os conhecimentos ativados pelo leitor no processo

de leitura, o texto não está pronto quando escrito: o modo de ler é também um modo de

produzir sentidos”. (BRASIL, 1998, p. 70-71). Para tanto, a escola precisa expandir os

horizontes leitores, seja por meio da aproximação dos alunos com contextos específicos para

a produção de sentidos, seja, como exemplificam os PCN´S, quando fazem referência ao texto

literário, que o professor precisa explorar a funcionalidade dos elementos constitutivos da

obra e sua relação com seu contexto de criação. Entende-se, também, que ao professor

compete auxiliar o aluno a resgatar conhecimentos que já trazem em seu acervo de leituras,

além de criar novos saberes que forem necessários para que ele dialogue com o texto e,

consequentemente, construa sentidos.

Entendemos que as concepções de língua, texto e sujeito estão na base das diferentes

formas de se conceber a leitura. Por essa razão, trataremos das concepções de leitura em uma

seção posterior, todavia já adiantamos o nosso entendimento de que a abordagem

sociocognitiva de leitura é importante para um processo de construção significativa e

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producente para o papel de leitores proficientes. Segundo essa abordagem, os aspectos

cognitivo, linguístico e sociointerativos são fundamentais para a construção dos sentidos no

universo das práticas de linguagem. Em tal perspectiva, o sujeito-leitor interage com o texto,

desencadeando a compreensão. Para chegar à atribuição de sentidos, vários fatores precisam

ser considerados, razão pela qual priorizaremos a discussão no decorrer desse texto.

3.1.1 Abordagens teóricas de leitura na EJA

Na Educação de Jovens e Adultos, modalidade de ensino afirmada pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação, a Lei 9.394 (BRASIL, 1996), nem sempre a leitura é

concebida como um processo complexo e interpretativo, embora, segundo a legislação que a

legitima, essa modalidade deva ser entendida como educação continuada, compreendendo a

educação formal e permanente, a educação não-formal e toda uma série de oportunidades de

educação informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e multicultural.

Assim, como acontece também em muitas classes de ensino regular, na EJA, as

práticas de leitura e interpretação são, inúmeras vezes, calcadas na reprodução, e não em

processos criativos. Na interação com o texto, o que é proposto pelos professores, não

raramente, privilegia apenas a capacidade de memorização do que está escrito, deixando de

lado toda a riqueza que poderia surgir da experiência e criatividade dos alunos.

Para construir uma educação na EJA que produza seus processos pedagógicos

considerando a complexidade dos sujeitos, faz-se necessário pensar sobre as possibilidades de

transformar a escola que os atende em uma instituição que valorize seus interesses,

conhecimentos e expectativas; que motive, mobilize e desenvolva conhecimentos que partam

da vida desses sujeitos; que demonstre interesse por eles como gente e não somente como

objetos de aprendizagem (PICONEZ, 2004; PINTO, 2003).

O texto, então, é o material privilegiado para uma atuação com e sobre a linguagem na

EJA, atrelado ao discurso8 e à construção de sentidos. Quando se observa, aqui, a necessária

presença do texto nas relações de ensino, não se está elegendo simplesmente um material de

apoio pedagógico às aulas de Língua Portuguesa ou às aulas de qualquer outra área de

conhecimento. Vai, além disso. O que se pretende é possibilitar a percepção de sujeitos de

interação a esses alunos, a fim de serem conscientes dos sentidos construídos nas mais

8 Segundo Orlandi (2008, p. 22), “a análise do discurso tem como unidade o texto. Na perspectiva da análise do

discurso, o texto é definido pragmaticamente como a unidade complexa de significação, consideradas as

condições de sua produção. O texto se constitui, portanto, no processo de interação.

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diversas situações de interação.

A EJA, então, deverá eleger o texto como objeto de ensino, numa nova abordagem

dos fenômenos linguísticos, entendendo-o agora como “colocação em funcionamento de

recursos expressivos de uma língua com certa finalidade” (POSSENTI, 2001, p. 64), numa

instância concreta e entre um locutor e um alocutário, sempre.

3.2 Ensino de leitura

Antunes (2009) considera que o ensino de leitura tem sido falho nas escolas brasileiras.

Aponta que ainda reina a decifração de sinais gráficos, uma das etapas da leitura. O livro não

tem assumido referência para o trabalho de formação de leitores. Afirma-se que o ensino de

gramática toma todo o tempo em sala de aula, o que torna a atividade de leitura secundária. A

autora lança críticas ao “tal ensino de gramática”, quase sempre resumido ao ensino das

classes de palavras, feito de forma descontextualizada de práticas interacionais e sem

proporcional percepção das funções no texto.

Ensinar a ler é possibilitar acesso a bens culturais. Os alunos precisam ser seduzidos e, a

respeito disso, Antunes (2009, p. 201) lança questionamentos: “A quem compete desenvolver

o gosto pela busca de informação que está nos livros? A quem compete despertar o interesse

pelas particularidades da escrita?” E, responde: “formar leitores, desenvolver competências

em leitura e escrita é uma tarefa que a escola tem que priorizar e não pode sequer protelar”.

Fica entendido que, ao incluir a escola, a figura do professor está inclusa no processo.

Na visão dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), o ensino e a

aprendizagem processam-se através de três variáveis: o aluno, o objeto de ensino e

aprendizagem (o conhecimento) e a mediação do professor. O documento esclarece, ainda,

que:

Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o

objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno,

procurando garantir aprendizagem efetiva. Cabe também assumir o papel de

informante e de interlocutor privilegiado, que tematiza aspectos prioritários em

função das necessidades dos alunos e de suas possibilidades de aprendizagem.

(BRASIL, 1998, p. 22).

A atividade de mediação realizada pelo professor é fundamental no processo, pois é ele

o organizador de ações e o orientador das atividades, até que o aluno consiga maturidade

leitora. No trabalho com a leitura de textos escritos, não se pode perder de vista o

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compromisso da escola com a formação do aluno para o exercício pleno da cidadania. Assim,

em meio a um número quase ilimitado de textos, que variam em função da época, das culturas

e das finalidades sociais, o professor deve priorizar

os textos que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o

exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição

estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena

participação numa sociedade letrada. (BRASIL, 1998, p. 24).

Vários espaços escolares são constituídos por práticas que mantêm o leitor numa

postura passiva diante do texto. Como consequência desse quadro é a imposição do professor

de uma leitura única, a sua própria ou a do autor, da qual ele é intérprete. A consciência de

que um texto possibilita leituras várias não é implantada ou não é prioridade.

Kleiman (2008a) admite que

[...] ensinar a ler com compreensão não implica em impor uma leitura única, a do

professor ou especialista, como a leitura do texto. Ensinar a ler, é criar uma atitude

de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto (...) é ensinar a

utilização de múltiplas fontes de conhecimento - lingüísticas, discursivas,

enciclopédicas - para resolver falhas momentâneas no processo; é ensinar, antes de

tudo, que o texto é significativo, e que as seqüências discretas nele contidas só tem

valor na medida em que elas dão suporte ao significado global. Isso implica em

ensinar não apenas um conjunto de estratégias, mas criar uma atitude que faz da

leitura a procura da coerência: as proposições estão em função de um significado,

devem ser interpretadas em relação a esse significado; as escolhas lingüísticas do

autor não são aleatórias mas são aquelas que, na sua visão, melhor garantem a

coerência de seu discurso. (KLEIMAN, 2008a, p. 152).

A autora defende que o professor precisa criar condições para que o aluno interaja com

o texto de forma global. Talvez, assim, essas condições possibilitarão o engajamento do aluno

com o processo de compreensão. Um processo de ativação prévia de conhecimentos precisa

ser feito para que um objetivo à leitura seja percebido e as estratégias leitoras, lançadas.

O leitor precisa eleger recursos adequados para chegar a uma compreensão do texto.

Assim, entende-se que é função do professor dirigir o aluno à construção dessas estratégias,

bem como proporcionar horizontes de sentidos possíveis por meio não percebidos pelo leitor,

o que é proporcionado em um ambiente de contextualização. Solé (1998, p. 19), afirma:

A aprendizagem da leitura e de estratégias adequadas para compreender os textos

requer uma intervenção explicitamente dirigida a essa aquisição. O aprendiz leitor

[...] precisa da informação, do apoio, do incentivo e dos desafios proporcionados

pelo professor ou pelo especialista da matéria em questão. Desta forma, o leitor

incipiente pode ir dominando progressivamente aspectos da tarefa de leitura que, em

princípio, são inacessíveis para ele.

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Damos sequência a esse posicionamento, trazendo, mais uma vez, a perspectiva de Solé

(1998):

O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda o texto e que pode ir

construindo uma idéia sobre seu conteúdo, extraindo dele o que lhe interessa, em

função dos seus objetivos. Isto só pode ser feito mediante uma leitura individual,

precisa, que permita o avanço e o retrocesso, que permita parar, pensar, recapitular,

relacionar a informação com o conhecimento prévio, formular perguntas, decidir o

que é importante e o que é secundário. É um processo interno, mas deve ser

“ensinado”. (SOLÉ, 1998, p. 31-32, grifo nosso).

Kleiman (2001) partilha com o posicionamento acima, quando esclarece que a formação

do leitor não ocorre de forma espontânea, uma vez que estratégias precisam ser levantadas e

um contexto construído, os quais devem ser intermediados pelo professor. A autora, assim,

considera:

O trabalho de construção de um contexto de reflexão por meio da linguagem cabe ao

professor, que, em princípio, teria tanto a fundamentação teórica como o domínio de

uma prática discursiva que se fundamenta na análise da linguagem. (KLEIMAN,

2001, p. 203-204).

Segundo os autores citados, não raro constatamos que o texto em sala de aula, além de

se prestar a outras finalidades que nada têm a ver com a construção de sentidos, apenas dá

suporte a discussões, nem sempre críticas, sobre o seu conteúdo temático.

3.2.1 Ensino de leitura na EJA

Os cursos destinados à Educação de Jovens e Adultos devem oferecer a quem os

procura tanto a possibilidade de desenvolver as competências necessárias para a

aprendizagem dos conteúdos escolares, quanto a de aumentar sua consciência em relação ao

estar no mundo, ampliando a capacidade de participação social no exercício da cidadania. A

proposta curricular do 2º segmento de EJA orienta que o professor de Língua Portuguesa deve

priorizar:

[...] o curso de Língua Portuguesa para alunos da EJA deve, em primeiro lugar,

servir para reduzir a distância entre estudante e palavra, procurando anular

experiências traumáticas com os processos de aprendizagem da leitura e da produção

de textos. Deve ajudá-los a incorporar uma visão diferente da palavra para

continuarem motivados a compreender o discurso do outro, interpretar pontos de

vista, assimilar e criticar as coisas do mundo. Deve, também, fortalecer a voz dos

muitos jovens e adultos que retornam à escola para que possam romper os

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silenciamentos impostos pelos perversos processos de exclusão do próprio sistema

escolar, capacitando-os a produzirem respostas aos textos que escutam e lêem,

pronunciando-se oralmente ou por escrito. (BRASIL, 2002, p. 12).

Podemos, então, afirmar que, em se tratando de ensino e aprendizagem da leitura na

EJA, é indispensável oportunizar aos educandos a compreensão de que a linguagem orienta o

discurso no sentido de determinadas conclusões — com exclusão de outras —, sendo,

portanto, uma forma de ação sobre o mundo dotada de intencionalidade, veiculadora de

ideologia. Se a nossa preocupação é garantir que homens e mulheres, jovens e adultos, não

continuem afastados do direito de ler criticamente, teremos que viabilizar uma práxis

pedagógica significando que o querer dizer representa sempre um querer fazer, como bem

acentua Koch (1987).

Pensa-se que o ensino de Língua Portuguesa que deseja contribuir para o

desenvolvimento da proficiência leitora dos jovens e adultos, com vistas à construção de

sentidos desse tipo de aluno, não poderá limitar-se a trabalhar temáticas trazidas pelos textos.

Terá que oportunizar, também, a esses educandos a reflexão de como o texto funciona em

termos de discurso, a partir da análise das pistas formais deixadas pelo autor.

A escola precisa assumir a função de formar leitores, para tanto deve ter um projeto

comprometido com essa empreitada, estabelecendo relações entre os diversos tipos de textos

(função e valor) e seus graus de complexidade.

Chegamos à reflexão, que por outras vezes será discutida nessa produção, de que o

professor precisa ter formação específica e fundamentação teórica para compreender as

formas de construção dos conhecimentos prévios e para poder criar situações de

aprendizagem que considerem esses conhecimentos. A escola deve ter clareza de que a EJA,

público que pesquisamos, mas não apenas ela, deve trabalhar com conteúdos que possam

ampliar as características do leitor: conteúdos conceituais que diversifiquem seus

conhecimentos de mundo e linguísticos, e conteúdos procedimentais e atitudinais para que se

tornem leitores competentes. (DURANTE, 1998).

Temos convicção de que o professor precisa ser leitor para ensinar leitura, conhecer

concepções de leitura, bem como os conteúdos que vai discutir. Além disso, deve ter

consciência da importância da leitura para as várias disciplinas e para a continuidade dos

estudos. Acreditamos que o sucesso da leitura feita pelo aluno depende do empenho e prazer

que o professor tem, pois o professor leitor é criativo e, assim sendo, mesmo que a escola não

ofereça condições para esse trabalho, ele encontra uma forma para a promoção da leitura.

Segundo Tardif (2002, p. 20) “ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar

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progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente”. Não restam

dúvidas de que ser professor de EJA implica deter saberes docentes, além de saberes da

experiência advindos da práxis pedagógica.

3.2.2 Concepções de leitura e ensino

É consenso entre os estudiosos que as concepções de leitura que permeiam o contexto

escolar decorrem das concepções de língua, texto e de sujeito. A forma de tratar esse trinômio

é condição para práticas redutoras9, simplistas de leitura ou para propostas de leitura baseadas

na interação e, portanto, na construção de sentidos.

Segundo Silva (1999), possivelmente, as práticas e concepções teóricas simplistas de

leitura têm seu enraizamento e permanência na escola em decorrência da estagnação docente e

das condições objetivas para a convivência com textos dentro do ambiente escolar. Nesse

sentido, afirma:

[...] a pobreza material do contexto escolar no que se refere à ambientação para as

práticas de leitura é diretamente proporcional ao empobrecimento de pensamento

daqueles que têm por responsabilidade planejar e orientar essas práticas. (SILVA,

1999, p.12).

É necessário, porém, não esquecer que o professor pode chegar à escola desejoso por

fazer um trabalho inovador, baseado nas concepções de que a leitura e a escrita são fatores

fundamentais para a inclusão social e a inserção do aluno no mundo letrado. Todavia, o

silêncio imposto pelos perversos processos de exclusão do próprio sistema escolar, seja

refletido por meio do diretor da escola ou outros professores, acaba por sufocar esse

pretensioso desejo de mudança em virtude das poucas bases teóricas para fazê-la. A respeito

disso, dialogamos com Kleiman por esboçar claramente o pensamento que ora defendemos,

(...). E encontramos, na maioria dos casos e muito rapidamente o professor novo

(recém-chegado ou recém-formado e com uma proposta renovadora e inovadora)

que desiste, em parte pelo fato de ele se encontrar dentro da estrutura de poder da

escola, no degrau mais baixo, e também, pelo fato de sua proposta estar baseada

apenas numa convicção de necessidade de mudança, mas sem a formação necessária

para essa mudança. Por isso, acreditamos na formação teórica do professor na área

de leitura. (KLEIMAN, 2007, p. 17).

Fica claro, portanto, que a formação do professor é elemento necessário pela opção de

9 Por redutora, Silva (1999), em seu artigo Concepções de leitura e suas consequências no ensino, entende as

práticas que desprezam os elementos fundamentais da leitura, diminuindo a sua complexidade processual.

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concepções adequadas para o ensino de leitura, bem como a eleição de estratégias para

realizá-lo. É por meio desses saberes que ele elegerá os gêneros adequados para esse trabalho,

considerando as necessidades, o lugar social e os saberes dos alunos.

Não se pode perder o foco de que, como afirma Silva (1992), a leitura possibilita ao

homem usufruir dos bens culturais e expandir seus conhecimentos. Pensando assim, o

professor precisa revestir o trabalho com a Língua Portuguesa, sobretudo a atividade de

leitura, na EJA, de seu caráter político e social, mantendo-o vivo e conexo com o mundo real,

como, aliás, requer qualquer trabalho numa perspectiva de educação popular. Sem esquecer,

com Bakhtin (1995, p. 179), que “a vida começa apenas no momento em que uma enunciação

encontra outra, isto é, quando começa a interação verbal, mesmo que não seja direta, “de

pessoa a pessoa”, mas mediatizada pelo texto”. A EJA deve oferecer a possibilidade de

desenvolver as competências necessárias para a aprendizagem dos conteúdos escolares, bem

como a possibilidade de aumentar a consciência em relação ao estar no mundo, ampliando a

capacidade de participação social, no exercício da cidadania.

As discussões e ideias apresentadas nos levam a entender que atividades de leitura que

não oportunizam criar sentido, fazer o aluno se perceber leitor de um texto, capaz de obter

informações são concepções que engessam o processo significativo em leitura.

No decorrer de toda essa produção, somos levados a construir argumentos

fundamentados em práticas observadas em sala de aula de que a formação leitora do professor

e as concepções de leitura que detém são aspectos decisivos para práticas de leitura, formando

leitores esclarecidos ou passivos. A respeito disso, cabe lembrar as colocações de Kleiman

(2007), que as práticas pouco significativas já começam desde muito cedo, ainda nas séries

iniciais e, independente do nível de escolaridade, perduram. Assim,

Após esse primeiro e desapontador contato com a palavra escrita, a desilusão

continua, e o fracasso se instala como uma constante na relação com o livro. Muitas

das práticas do professor nesse período após a alfabetização sedimentam as imagens

negativas sobre o livro e a leitura desse aluno, que logo passa a ser mais um não-

leitor em formação. (KLEIMAN, 2007, p. 16).

Fica claro que as práticas isentas de motivação advêm de concepções equivocadas sobre

texto, leitura e linguagem. Infelizmente, percebe-se um quadro de equívocos do que seja

ensinar português. A concepção sociointeracional de linguagem, aquela em que sujeitos ativos

interagem em busca de uma atividade sociocomunicativa, não é entendida ou, se é, com

limitações.

Consideramos que a escola precisa assumir efetivamente o ensino da língua na

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abordagem da diversidade textual em seu cotidiano escolar. Para isso, é preciso garantir o

reconhecimento de suas funções sociocomunicativas, o uso e a compreensão das

especificidades dos gêneros, bem como conhecer o que os distingue uns dos outros, seus

conteúdos, estrutura composicional e estilo. Isso possibilitará ao aluno as condições

necessárias para desenvolver competências de leitura e escrita, além das que ele já conhece.

Em alguns casos, parece que o ensino de língua, ao contrário da perspectiva ora apresentada,

resume-se ao conhecimento fragmentado e mecânico de gramática.

Tomando como foco as afirmações feitas no parágrafo acima, entendemos que o aluno

adulto ao chegar à escola chega resistente a atividades de leitura, pois se sente incapaz de

realizá-la, por já ter sido exposto, ao longo de outras experiências, a práticas que não

esclarecem o verdadeiro significado da atividade, contentando-se, portanto, com a decifração

de letras. Sobre isso, destacamos o depoimento: “Eu não quero trabalhar textos, eu quero

aprender a ler”. (Discurso proferido por um adulto em processo de alfabetização em um curso

supletivo, extraído de KLEIMAN, 2007, p. 16-17).

A respeito desse depoimento, percebemos que o aluno exige a decodificação e cópia de

letras e sílabas, não entendendo que isso faz parte dos passos para se fazer leitura.

Acreditamos que pensar assim é produto da postura-refém de práticas que não concebem o

texto nas relações de ensino a fim de imitar a vida, uma vez que é defendido nessa produção

como manifestação real e concreta da língua10

em um processo intersubjetivo e dialógico que

tem caráter de acontecimento enunciativo, isto é, como instância discursiva. Esse

entendimento poderá contribuir para uma práxis educativa que não forneça elementos a

convicções baseadas numa concepção de saber linguístico desvinculada do uso da linguagem.

Como já mencionado no decorrer desta seção, a maneira de tratar língua, texto, sujeito

e, consequentemente a adoção de uma noção de sentido, conduzirá para uma visão de leitor

baseada numa postura ativa, aquele que participa da construção dos sentidos dos textos ou um

leitor que assume um papel passivo diante do texto, reproduzindo o que está explícito na

materialidade textual, seja apenas reconhecendo o sentido das escolhas linguísticas

selecionadas para compor a produção e da estrutura nela cristalizada ou reconhecendo o que o

autor tinha por intenção para produzi-lo. Para tornar essas afirmações claras e dar conta do

nosso objeto de estudo, discorreremos sobre algumas concepções, baseadas, sobremaneira,

nos estudos de Koch (2009, 2010): leitura com foco no autor, no texto e na interação do leitor

10

Essa concepção entende a linguagem pela interação comunicativa mediada pela produção de efeitos de sentido

entre interlocutores, em uma dada situação e em um contexto sócio-histórico e ideológico, sendo que os

interlocutores são sujeitos que ocupam lugares sociais.

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com os outros dois componentes da produção de sentidos. É necessário esclarecer que nossa

disposição aqui não é meramente classificatória, mas direciona para a percepção de como a

eleição por uma dessas concepções incorre em práticas suficientes, que encaminham para a

proficiência leitora ou a limitam.

3.2.2.1 A leitura focada no autor

Koch e Elias (2010) afirmam que, considerando língua como representação do

pensamento, há uma correspondência de sujeito individual, dono de suas ações e vontades.

Tal sujeito constrói mentalmente representações e intenciona que os seus interlocutores as

percebam exatamente como as construiu.

De acordo com essa concepção, a enunciação é um ato puramente individual

(monológico) que independe das circunstâncias de produção e do “outro” a quem se fala. Do

ponto de vista da pessoa que fala, enunciar é expressar sua consciência individual, seus

desejos, interesses, gostos, impulsos criadores, etc., sendo negada a possibilidade de

participação do externo (o social) nesse processo.

O psiquismo individual é, então, considerado a fonte da língua, tomada como processo

criativo (estilístico) ininterrupto de construção que se materializa no ato individual de fala

(BAKHTIN, 1995). “As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia

individual, e da capacidade de o homem organizar de maneira lógica seu pensamento

dependerá a exteriorização desse pensamento por meio de uma linguagem articulada e

organizada” (TRAVAGLIA, 2000, p. 21).

Essa concepção iluminou e tem iluminado os estudos linguísticos voltados à gramática

normativa. Nesses estudos, a preocupação principal é estabelecer as normas gramaticais do

falar e escrever “bem”, justificadas pela ótica distorcida de que a “organização lógica do

pensamento” — e consequentemente da linguagem — requer o cumprimento das regras

eleitas, abstratamente construídas, como necessárias (TRAVAGLIA, 2000). Vale, então, fazer

uso das palavras de Geraldi (1997a, p. 41), dando-lhes, aqui e agora, uma conotação de

desaprovação e advertência: “se concebemos a linguagem como tal, somos levados a

afirmações — correntes — de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam”.

Como ensina Bakhtin (1995), todas as teorias da expressão só se puderam desenvolver

sobre um terreno idealista e espiritualista. Tudo o que é essencial é interior, o que é exterior só

se torna essencial a título de receptáculo do conteúdo interior, de meio de expressão do

espírito. Temos, então, na concepção de linguagem como “representação (espelho) do mundo

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e do pensamento”, a anulação do homem enquanto ser histórico-social, numa redução

simplista da língua como um sistema formal, distinto de um exterior significado por ela (o

real), e constituindo em si mesma um domínio próprio, um objeto de conhecimento particular,

sem se confundir com o seu exterior material. Vemos realizar-se aqui, plenamente, o processo

de separação da linguagem e do real.

Nessa concepção de que a língua representa o pensamento do autor, que é dono de seu

dizer, o texto é tido como produto daquilo que o autor pensa. Portanto, ao leitor não cabe o

papel de construir nada, ele apenas deve captar o pensamento do autor, adotando, assim, uma

postura passiva no que se refere à construção de sentidos. O leitor não demonstra propósitos,

posicionamentos, sentimentos, atitudes.

Pensar assim é entender a leitura como uma atividade em que o leitor capta as ideias do

autor, excluindo-se os conhecimentos sociocognitivos deste. Segundo Kock e Elias (2010, p.

10) não se leva em conta “[...] a interação autor-texto-leitor com propósitos constituídos

sociocognitivo-interacionalmente. O foco da atenção é, pois, o autor e suas intenções, e o

sentido está centrado no autor, bastando tão-somente ao leitor captar essas intenções”.

A esse respeito, Silva (1999) esclarece que, quando o professor é adepto dessa

concepção, despreza o repertório prévio e interesse dos estudantes, o que coloca esses leitores

na condição de entidades vazias – de conhecimentos e sentimentos – a quem sabe somente

decodificar e “engolir” as mensagens dos múltiplos textos estudados. (SILVA, 1999).

3.2.2.2 A leitura focada no texto

Em língua como estrutura há uma correspondência de sujeito determinado pelo sistema,

o que não tem consciência de suas ações. De acordo com Koch e Elias (2010), a explicação

para qualquer fenômeno e de qualquer comportamento dos sujeitos tem como base o sistema.

A concepção de língua como código vista, portanto, como instrumento de comunicação,

está atrelada à Teoria da Comunicação. Essa teoria vê a língua como sistema abstrato ou

código estruturado (conjunto de signos que se combinam segundo regras), possibilitador de

comunicação. Do ponto de vista dessa teoria, a comunicação se dá, grosso modo, a partir do

seguinte esquema: um emissor “competente” transmite certa mensagem (informação

codificada), através de um canal (ondas sonoras e luminosas, por exemplo), a um receptor

também “competente”, que recebe os sinais codificados, recuperando a mensagem original

tida como unívoca, realizando assim a decodificação. A língua é, então, vista como um

sistema estável e imutável de formas linguísticas.

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Decorre que, para a comunicação se efetivar, a língua enquanto código deveria ser

dominada e utilizada de forma semelhante pelos falantes em escala social, e aí residiria o

papel da Linguística: seus estudos deveriam se limitar ao funcionamento interno da língua.

Numa visão monológica e imanente, a língua deve ser estudada em seus aspectos formais,

separada do homem no seu contexto social e do seu uso efetivo. Tem-se, assim, como um dos

principais representantes desta concepção, o Estruturalismo de Saussure. (TRAVAGLIA,

2000).

A teoria saussuriana inspirou todo o Estruturalismo nas Ciências Humanas e, de certa

forma, ainda inspira muitos trabalhos em que a língua é estudada em si mesma, como um

sistema abstrato. Fatores “extralinguísticos” que participam da prática discursiva são

secundarizados em nome do reconhecimento da língua como sistema de regras. Essa limitação

da Linguística foi justificada por Saussure (1970, p. 14), pois, para ele, “língua é forma e não

substância”.

Nessa visão, a língua (langue) é considerada um fato social, porque produto de várias

gerações, mesmo não trazendo marcas contextuais ou de subjetividade. O discurso, confinado

à fala (parole), longe de ser (re) criação de sujeitos num ato enunciativo, é a “aplicação”

individualizada de uma linguagem (por vezes distorcida) que a sociedade ministrou/impôs. Os

atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da língua, refrações ou variações

fortuitas ou deformações das formas normativas, não servindo, pois, de objeto de estudo da

linguística, dada a sua variabilidade. Percebendo a língua como está, a fala (parole) — que, a

nosso ver, explica a mudança histórica das formas da língua — é considerada desprovida de

sentido do ponto vista de um sistema que não admite mudanças como resultado da (re) criação

da língua pelos sujeitos que têm sua individualidade construída social e historicamente

(BAKHTIN, 1995). Segundo Saussure (1970, p. 27),

[...] a língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em

cada cérebro, mais ou mesmo como um dicionário cujos exemplares, todos

idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em

cada um deles, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários.

Na visão estruturalista, portanto, a língua tomada como um código virtual, desligada da

situação de uso e da criação/reflexão dos sujeitos, torna-se um sistema fechado, um fato

objetivo externo à consciência individual e que independe desta.

Nessa concepção de língua como código, o sujeito é assujeitado pelo sistema, pois a ele

cabe apenas encontrar na estrutura linguística respostas sobre o texto, ou seja, o texto é visto

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como produto de codificação feito pelo autor e será decodificado pelo leitor, o qual deverá

demonstrar domínio apenas do código escrito, uma vez que sua bagagem sociocognitiva não

será ativada, não há uma atitude interacional, já que o texto é totalmente explícito. Aqui, mais

uma vez, o leitor assume atitude passiva diante do texto. (KOCH, 2009).

Em consequência desse posicionamento, a leitura é vista como uma atividade em que

do leitor é exigido o foco no texto, já que tudo está posto e dito na superfície linguística. A

respeito disso, Koch afirma “se na concepção anterior (foco no autor), ao leitor cabia o

reconhecimento das intenções do autor, nesta concepção, cabe-lhe o reconhecimento do

sentido das palavras e estruturas do texto” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 10, grifo nosso). Fica

evidente que nas duas concepções o leitor assume postura de reprodutor, executa atividades

de reconhecimento.

Assim, não restam dúvidas de que essa proposição vê o texto como um produto da

domesticação de palavras. É conveniente, ainda, lembrar que essas atividades forçam o leitor

a assumir uma postura passiva, não se dando o trabalho de buscar um entendimento.

Acreditamos que somos autorizados a afirmar que essa concepção aliena os sujeitos e forma

pseudo-leitores. Situação semelhante está nas atividades em que se explora tão somente a

decodificação, como diz Kleiman (2007) “[...] para responder a uma pergunta sobre alguma

informação do texto, o leitor só precisa o passar do olho pelo texto à procura de trechos que

repitam o material já decodificado da pergunta.” (p. 20).

As concepções de linguagem até aqui tratadas, portanto, não dão conta da realidade

concreta da língua, pois “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal

concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas de língua nem no psiquismo

individual dos falantes” (BAKHTIN, 1995, p. 124). A linguagem, vista apenas como

“expressão de pensamento” ou “instrumento de comunicação”, exclui da sua natureza mesma

a vida; dessa, a história; da história, o discurso; e deste último, limitando-se à formalização

abstrata, os próprios sujeitos. Em outros termos, esvazia-se a linguagem quando se exclui dela

sua dimensão histórica, pedagógica (interação pelo “outro“) e discursiva (interação pela

palavra).

3.2.2.3 A leitura focada na interação entre autor-texto-leitor

Nesta concepção, a língua é vista como processo interacional (dialógica) e os sujeitos,

portanto, são construtores sociais. Aqui, entende-se o dialogismo como essencial, pois o leitor

ao processar um texto está constantemente dialogando com ele. Logo, o texto é o próprio

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lugar da interação e os sujeitos (interlocutores) nele se constroem e são construídos. (KOCH,

2009). Diferentemente das concepções anteriores, o processo interacional entre autor-texto-

leitor para construção de sentidos é condição necessária, haja vista que o texto não é

considerado totalmente explícito, há uma gama de implícitos, percebidos pelos participantes

da interação a partir de seus contextos sociocognitivos. Logo, a partir do momento que os

sujeitos dialogam com o texto, os sentidos nascem, porque eles não preexistem à leitura.

Assim, entendemos como Koch que a leitura

[...] é uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se

realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície

textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto

conjunto de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução no interior do evento

comunicativo. (KOCH, 2009, p. 17, grifo da autora).

Fica claro que no processo de construção de sentido o leitor interage com o texto e

mobiliza seus conhecimentos e estratégias necessárias para preencher os vazios do texto em

busca de satisfazer suas intenções, todavia precisa estar atento para as pistas deixadas pelo

autor, já que todo texto tem um projeto de dizer, o qual não pode ser ignorado pelo leitor.

Acreditamos ser necessário ratificar e esclarecer que para produzir sentido é necessário

que o leitor o faça a partir de um contexto. A partir das leituras de Koch (2009, 2010),

deixamos claro nosso entendimento de que todos os saberes necessários pelo leitor para

interagir com o texto estão inclusos na noção de contexto sociocognitivo, como já foi dito

outrora. Os sentidos criados pelo leitor são determinados pelo acervo sociocognitivo que ele

detém, o qual pode e deve ser ampliado pelo professor.

Diante do entendimento que essa concepção de leitura prioriza, defendemos como

adequada para um trabalho que almeja à proficiência leitora, o que é defendido pelos PCN,

documento norteador de nossas práticas. Em se tratando da EJA, público de nossa pesquisa,

não resta dúvidas do rico acervo cultural acumulado, são sujeitos que têm compreensão das

funções sociais da língua e que devem ser capazes de fazer antecipações significativas e

pertinentes para os textos de uso social, o que torna mais fácil chegar ao que diz o texto. Tal

prioridade é fruto do conhecimento que têm da função social da escrita e por considerarem o

contexto do texto, para realizar as antecipações. (DURANTE, 1998).

Assim, as práticas de ensino de leitura na EJA devem priorizar o ensino de leitura

norteadas pela concepção sociocognitiva (em que o cognitivo, o linguístico e os aspectos

sociointerativos são fundamentais para a construção dos sentidos no universo das práticas de

linguagem), pois a julgamos adequada para aumentar a consciência do estar no mundo,

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ampliando a participação social e o universo sociocultural no exercício da cidadania dos

sujeitos jovens e adultos. Aproveita-se, portanto, toda a bagagem já trazida por esse público e

os encaminha para os processos interacionais necessários para dialogar com os textos e,

consequentemente, com a vida, já que a leitura é uma ferramenta essencial à mobilidade

social e à cidadania.

3.2.3 Estratégias de leitura

Segundo Solé (1998, p. 69-70), estratégias leitoras “são procedimentos de caráter

elevado, que envolvem a presença de objetivos a serem realizados, o planejamento das ações

que se desencadeiam para atingi-los, assim como sua avaliação e possível mudança”. Na

atividade de construir sentido por meio da leitura, o leitor precisa utilizar várias estratégias

sociocognitivas a fim de realizar o processamento textual, que depende não só das

características internas do texto, como do conhecimento que armazena, pois é esse

conhecimento que define as estratégias a serem utilizadas na produção/recepção do texto. O

processo de produção textual é caracterizado por ser um processo ativo e contínuo do sentido

e se liga a redes de unidades e elementos suplementares, ativados de acordo com um dado

contexto sociocultural, constituinte ímpar para a construção do sentido.

A ativação das estratégias de leitura implica, segundo Koch (2009), a mobilização de

três grandes redes de conhecimento: o linguístico, o enciclopédico e o interacional. É essa

rede de conhecimento que permitirá ao leitor interagir com textos de gêneros variados de

acordo com o contexto11

e seus objetivos de leitura.

Já que ficou entendido que os leitores buscam informações em seus conhecimentos para

construir sentidos, faremos uma breve discussão sobre a natureza desses conhecimentos,

levando em consideração as leituras feitas a partir de Koch (2009; 2010), Kleiman (2010) e

Heinemann e Viehweger (1991). São eles:

a) Conhecimento linguístico: corresponde ao conhecimento da gramática e do léxico, é

responsável pela organização do material linguístico na superfície textual e pelas

11

A perspectiva atual, que se pauta nos elementos sociointeracionais, considera que o contexto sociocognitivo é

mister para que se estabeleça a interlocução entre os interactantes sociais. Assim, entende-se por contexto, na

visão defendida atualmente pela Linguística Textual, não só o contexto (elemento material), mas, também a

situação de interação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e imediata, além do contexto sociocognitivo

(conhecimento de mundo, sociointeracional, etc) dos interlocutores. O contexto sociocognitivo abarca todos os

outros. (KOCH, 2009). Portanto, considerando o contexto sociocognitivo dos sujeitos sociais, admitem-se

leituras diversas para um mesmo texto.

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55

escolhas dos termos. A escolha dos elementos coesivos nos processos12

de reiteração,

associação e conexão também fazem parte do conhecimento linguístico dos sujeitos.

Esse conhecimento abrange desde o saber pronunciar português, passando pelo

conhecimento de vocabulário e regras da língua, estendendo-se até as noções sobre o

seu uso.

b) Conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo: compreende todas as

informações arquivadas na memória dos sujeitos. São conhecimentos gerais sobre o

mundo, bem como referentes às nossas vivências, além de eventos situados no espaço

e no tempo. No momento do processamento textual, para haver compreensão, a parte

do nosso conhecimento de mundo envolvida para a leitura do texto, deve ser ativada.

c) Conhecimento sociointeracional: envolve nosso entendimento sobre as formas de

interação por meio da linguagem. Relaciona-se com a realização de certas ações por

meio da linguagem. Esse tipo de conhecimento envolve:

c.1) Conhecimento ilocucional: possibilita reconhecer os propósitos dos falantes em

situações de interação;

c.2) Conhecimento comunicacional: são os meios adequados para atingir os objetivos

desejados. Trata, por exemplo, da escolha pela variante linguística adequada a cada

situação de comunicação; os gêneros adequados às situações comunicativas;

c.3) Conhecimento metacomunicativo: conhecimento sobre ações linguísticas que

possibilitam ao locutor assegurar a compreensão textual e conseguir aceitação de seus

objetivos pelos leitores. Extingue-se (on-line ou a posteriori) perturbações na

comunicação. As paráfrases, parênteses de esclarecimentos, procedimentos de

atenuação são meios para evitar equívocos;

c.4) Conhecimento superestrutural: relativo ao reconhecimento dos textos que se

encaixam às diversas situações da vida social. Referem-se, ainda, sobre as unidades

globais que caracterizam e distinguem os vários tipos de texto, sobre sua ordenação ou

sequenciação. Além disso, também, tratam da conexão entre objetivos e estruturas

textuais globais.

12

Para Antunes (2005), a continuidade observada nos textos é proveniente da continuidade semântica

estabelecida entre os vários segmentos. Tais relações são semânticas e diferem quanto à natureza do nexo que

estabelecem. São realizadas por meio de três processos: por reiteração, por associação e por conexão. A

reiteração é a relação pela qual os elementos do texto vão de algum modo sendo retomados, criando-se um

movimento constante de volta aos seguimentos prévios. A associação é o tipo de relação que se cria no texto

graças à ligação de sentido entre as diversas palavras presentes. Já a conexão diz respeito às relações semânticas

estabelecidas entre diferentes segmentos textuais, isto é, entre orações, períodos, parágrafos ou blocos

supraparagráficos.

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56

Reitera-se que esses tipos de conhecimento precisam ser ativados durante a leitura para

se chegar à compreensão, quando as partes se juntam para gerar um significado. Com o olhar

sobre isso, Kleiman (2010) comenta:

O mero passar de olhos pela linha não é leitura, pois leitura implica uma atividade

de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos,

daqueles que são relevantes para a compreensão de um texto que fornece pistas e

sugere caminhos, mas que certamente não explicita tudo o que seria possível

explicitar. (KLEIMAN, 2010, p. 27).

Assim, para chegar ao entendimento de um texto, o leitor precisa colocar em ação todas

as estratégias necessárias para preencher os vazios, uma vez que a leitura é uma atividade de

solução de problemas. Embasado em conhecimentos como os descritos acima, o leitor

selecionará estratégias de ordens cognitivas, sociointeracionais e textuais. Sobre elas,

discorreremos.

As estratégias de ordem cognitiva são referentes ao uso que o leitor faz do

conhecimento que arquiva. Tal uso dependerá dos objetivos traçados para a leitura, dos

conhecimentos disponíveis no texto, bem como no contexto. Isso oportunizará o leitor

reconstruir sentidos pertinentes ao projeto de dizer do autor ou, até mesmo, sentidos bem

diferentes. Segundo Koch (2009), essas estratégias são referentes a cálculos mentais

realizados pelos agentes de leitura, como é o caso das inferências, segundo as quais o leitor

poderá, partindo de um dado contexto, criar novas informações a partir daquelas disponíveis

no texto. Já que o texto não é explícito, as inferências constituem estratégias cognitivas.

As estratégias de ordem sociointeracionais referem à manutenção dos objetivos traçados

durante a interação verbal. São determinadas socioculturalmente e são relacionadas, dentre

outras, à polidez, preservação de das faces, desconstrução de mal-entendidos.

As estratégias textuais, como diz Koch (2009, p. 51) “[...] não deixam de ser também

interacionais e cognitivas em sentido lato”, são referentes às escolhas textuais feitas pelos

interlocutores a fim de produzir sentido. São referentes ao projeto de dizer do produtor do

texto, ou seja, as sinalizações por ele deixadas.

Tomando como base o pensamento de Solé (1998, p. 19) de que “a aprendizagem da

leitura e de estratégias adequadas para compreender os textos requer uma intervenção

explicitamente dirigida a essa aquisição”, bem como as colocações de Kleiman (2001, p. 203)

que refletem que “a formação do leitor crítico não ocorre espontaneamente, trata-se de uma

tarefa de ordem cognitiva e de ordem social [...]. Sem atividades que permitam refletir,

retomar, reelaborar, avançar nesse processo, será a resposta pronta que predominará”,

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entendemos a necessária participação do professor no ensino de estratégias leitoras. Os alunos

precisam ser orientados para a construção de sentidos sobre o que leem, processo em que

devem ser combinadas as informações visuais presentes no texto e os conhecimentos do

leitor.

Solé (1998) deixa claro que ao ensinar estratégias de compreensão leitora, entre os

alunos deve predominar a construção e o uso de procedimentos de tipo geral, que possam ser

transferidos sem maiores dificuldades para situações de leitura múltiplas e variadas. Assim,

apoiado naquilo que a Proposta Curricular do 2º segmento de EJA (2002) propõe, o professor

pode contribuir para alargar a competência leitora exercitando estratégias de leitura, como:

a) O professor precisa incentivar os alunos a observar o texto, fazendo leitura do título,

observando imagens, gráficos que estejam no texto. Tal comportamento deve gerar

antecipações dos sentidos do texto pelo aluno, que se valerá dos seus conhecimentos

prévios e dos dados da observação. Essa é uma estratégia de ordem cognitiva.

b) O professor deve levar os alunos a checar as hipóteses construídas preliminarmente a

fim de julgar a validade. Como um trabalho de construção, essas hipóteses podem ser

reformuladas.

c) O professor deve esclarecer o que pretende com as atividades de leitura lançadas aos

alunos, pois para toda leitura tem-se um objetivo, que é fator responsável para a

eleição de um procedimento para a leitura.

d) No decorrer do processamento leitor, os sujeitos constroem sínteses mentais

objetivando compreender o texto, o que se torna inviável para um leitor não-

proficiente. Assim, o professor pode realizar leituras colaborativas13

para incluir esses

leitores no processo de significação. O professor faz a leitura, pausadamente, em voz

alta, acompanhada de questionamentos, intervenções constantes para estimular o aluno

a, dentre outras, elaborar hipóteses; confirmá-las ou refutá-las; identificar novas

hipóteses e justificá-las com base no sentido já atribuído e em pistas linguísticas

presentes na superfície; verificar a relação entre os textos (intertextualidade), etc. Esse

trabalho se torna ainda mais importante com gêneros e assuntos desconhecidos pelo

leitor.

e) O professor precisa estimular o aluno a realizar paráfrases dos textos lidos, pois isso

vai proporcionar uma verificação do entendimento que o aluno teve sobre o texto,

13

Segundo os PCN (1998, p. 72), “a leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê um texto com a

classe e, durante a leitura questiona os alunos sobre os índices linguísticos que dão sustentação aos sentidos

atribuídos”.

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além de aproximá-lo do código escrito.

f) O professor deve realizar conexões entre o teor do texto lido com outros que já

conhecem (propagandas, filmes, músicas, etc). É importante, também, que o professor

favoreça a expansão dos contextos sociocognitivos dos alunos levando outros textos

que tratem do mesmo assunto.

g) Sabendo que os textos são plurissignificativos, uma vez que os sujeitos têm

conhecimentos prévios distintos, é necessário que o professor proponha discussões

sobre as leituras feitas para que haja reflexão sobre a leitura, os alunos vão concordar,

negar algumas leituras e, assim, a reflexão e a criticidade vão acontecendo.

h) O professor precisa tornar as fontes de informação acessíveis ao aluno, pois elas

facilitarão na leitura dos textos. O leitor precisa manter domínio sobre o que está lendo

e, para isso, precisa verificar sua compreensão, a qual pode ser dificultada por meio de

algum termo que pode ser irrelevante diante do universo textual, capaz de desfazer o

enigma; mas, em alguns momentos, precisa recorrer a outras fontes, ação que pode ser

facilitada pelo professor. (BRASIL, 2002).

É de interesse de nossa pesquisa, dentre outros, verificar se o professor conhece as

concepções de leitura e tem definição, essencialmente, daquela que defende uma abordagem

interacional de língua; se está familiarizado com as diversas estratégias facilitadoras da

leitura, além de um acervo amplo de conhecimentos prévios sobre os assuntos em estudo.

Verificamos, ainda, nesse contexto se o professor tem a necessária formação como agente de

letramento, ou seja, aquele que promove de forma efetiva as práticas de leitura e de escrita

tornando-as relevantes para a formação de cidadãos que por meio da língua (inter) agem na

recepção e produção de textos, orais e escritos, de forma dialógica e contextualizada. Com

base nas leituras de Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010, p.16) “[...] todo professor

é por definição um agente de letramento” e “todo professor precisa familiarizar-se com

metodologias voltadas para as estratégias facilitadoras da compreensão leitora”. Assim,

munido dessas características, o professor conduzirá os alunos para a compreensão e

construção de sentidos.

O ensino de estratégias leitoras se justifica pela necessidade de formação de leitores

autônomos, capazes de dialogar com textos diversos, muitas vezes, diferentes dos utilizados

durante a instrução. Esses textos podem ser complexos, pela alta criatividade ou não estarem

bem redigidos. De qualquer maneira, como partem de uma grande variedade de objetivos,

cabe esperar que a estrutura textual também seja variada, bem como as possibilidades de

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compreensão. (SOLÉ, 1998).

A formação de leitores autônomos também pode ser entendida como formação de

leitores capazes de aprender por meio dos textos. Por essa razão, o leitor deve ser capaz de

interrogar a sua compreensão, relacionar o que lê com suas vivências e acervo cultural,

questionar seu conhecimento e chegar a modificá-lo, construir generalizações que

possibilitem transferir o que aprendeu para contextos diferentes. O ensino de estratégias de

leitura contribui para dar aos alunos os recursos necessários para que eles possam aprender a

aprender. O aluno precisa ter controle do que lê e tomar decisões adequadas segundo os seus

objetivos.

Solé (1998) traz a contribuição de Bruner e colaboradores (WOOD, BRUNER, ROSS,

1976), os quais desenvolvem uma metáfora denominada “andaime” a fim de explicar o papel

do ensino em relação à aprendizagem do aluno. Segundo tal metáfora, assim como os

andaimes se localizam acima do edifício que colaboram na construção, os desafios advindos

do ensino devem estar além dos que o leitor consegue resolver. Mas, assim como os andaimes

são retirados após a construção do edifício se o trabalho for a contento, também as ajudas do

professor devem, progressivamente, cessar, logo que os alunos se mostrem competentes e

puderem controlar a aprendizagem.

Assim, entendemos que o ensino eficiente é aquele que garante a interiorização do que

foi ensinado e o uso autônomo por parte do aprendiz nas mais variadas situações advindas das

práticas sociais.

3.2.4 Leitura: prática de múltiplos letramentos

Segundo os estudos de Soares (2004), encontramos uma importante contribuição para a

nossa pesquisa, quando define:

(...) o que o letramento é depende essencialmente de como a leitura e a escrita soa

concebidas e praticadas em determinados contexto social; letramento é um conjunto

de práticas de leitura e escrita que resultam de uma concepção de quê, como, quando

e por que ler e escrever. (SOARES, 2004, p. 75).

Percebe-se, assim, que o letramento acontece considerando práticas e eventos

particulares. As práticas de leitura e escrita ocorrem em situações/contextos de interação, as

quais devem ser percebidas pelas práticas de letramento.

A aprendizagem da leitura sob a perspectiva dos estudos do letramento, segundo

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Kleiman (2002), implica saber como os textos funcionam nas diversas práticas socioculturais.

As práticas de letramento desvinculadas da realidade não atendem à real necessidade do aluno

que precisa interferir na sua realidade social e utiliza a leitura para isso. Se assim

considerarmos, a leitura é vista, portanto, como uma prática de múltiplos letramentos, haja

vista que o leitor precisa conhecer as práticas sociais e culturais exercidas em vários contextos

e, a partir dessas demandas, entender como os textos funcionam, a função social que

carregam/exercem a fim de discernir, em contextos mais amplos, a aplicabilidade de um texto

e, consequentemente, das leituras dele.

Para Barton (1994), em sua abordagem integrada do letramento ou letramento

funcional, o letramento é situado na vida diária, propondo que o letramento influencia e é

influenciado pela demanda social. Por isso, hoje, fala-se em letramentos. Para o autor,

diferentes letramentos estão associados a diferentes domínios da vida em diferentes níveis e

situações, sendo identificados como forma de interação entre os indivíduos. (CHAVES,

2008).

Ainda seguindo essas orientações, Chaves (2008) afirma-se que o letramento funcional

auxilia os sujeitos a adentrar no mundo dos letrados e isso vai além da aquisição de códigos,

pois chega às práticas sociais. Assim, é plenamente possível sua aplicabilidade no contexto da

sala de aula para que se conheçam os diversos contextos de letramento dos alunos (verifica-se

se têm discernimento do papel do letramento em suas vidas ou se aprendem com ele) a fim de

propor atividades.

Adentrando nas práticas desenvolvidas em sala de aula, refletimos com Chaves (2008,

p. 11):

O letramento não está restrito ao sistema escolar, mas é de competência da escola,

fundamentalmente, levar os indivíduos a um processo mais profundo e autônomo

nas práticas sociais que envolvam a leitura e a escrita. Saber ler e escrever um

montante de palavras não é o bastante para capacitar o indivíduo para a leitura

diversificada. Neste ponto entende-se que surge a necessidade de se desenvolver

graus de letramento nos indivíduos envolvidos no processo de aprendizagem para

que estes possam inteirar-se de forma crítica à sociedade.

Pensando no ensino em sala de aula, percebe-se que a escola tem passado por

dificuldades para ajudar seus alunos a construírem habilidades de leitura como ferramenta de

apreensão do conhecimento. Porém, a partir de pesquisas lideradas por Bortoni-Ricardo;

Machado; Castanheira (2010), fica esclarecido que o professor, quando tem acesso a uma

pedagogia de leitura, tende a fazer bom aproveitamento de suas estratégias e a melhorar seu

trabalho pedagógico. A autora defende que todo professor é um agente de letramento, o que

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promove de forma efetiva práticas de leitura e de escrita tornando-as relevantes para a

formação dos cidadãos, e precisam se familiarizar com metodologias voltadas para as

estratégias facilitadoras da compreensão leitora a fim de tornar seus alunos mais proficientes.

Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010, p. 17) apontam outros fatores que vão

além das dificuldades de trabalho pedagógico encontradas em sala de aula, assim afirmam:

[...] temos que considerar também que a formação de professores em nosso país vem

se negligenciando dimensões de natureza mais prática, metodológicas, em benefício

de uma suposta superioridade de conteúdos teóricos provenientes das ciências

humanas.

Fica evidente a ideia de que a formação pela qual os professores têm passado não

prioriza o exercício da teoria na prática. Muitas vezes, o professor não domina essa teoria e,

quando domina, não consegue aplicá-la na prática como os alunos. Para tornar a discussão

mais completa, as autoras trazem como exemplo uma pesquisa realizada pelo norte-americano

Martin Carnoy sobre a escola brasileira, o qual justifica a falta de práticas efetivas de leitura,

deixando claro que a fragilidade na capacitação dos professores para o exercício da práxis é

um dos problemas principais. Por entender que esse diálogo contribui com nossa pesquisa,

transcrevemo-lo:

Falta ao Brasil entender o básico. Os professores devem ser bem treinados para

ensinar – e não para difundir teorias pedagógicas genéricas. As faculdades precisam

estar atentas a isso. Um bom professor de matemática ou de línguas é aquele que

domina o conteúdo de sua matéria e consegue passá-lo adiante de maneira atraente

aos alunos. Simples assim. O que vejo no cenário brasileiro, no entanto, é a difusão

de um valor diferente: o de que todo professor deve ser um bom teórico. O pior é

que eles se tornam defensores de teorias sem saber sequer se funcionam na vida real.

Também simplificam demais linhas de pensamento de natureza complexa. Nas

escolas, elas costumam se transformar apenas numa caricatura do que realmente são.

(MARTIN CARNOY, Veja.com. Edição. 2132 30/9/09 apud BORTONI-

RICARDO; MACHADO; CASTANHEIRA, 2010, p. 17).

Esse quadro de repleta descontextualização e ausência de práticas efetivas de leitura está

presente em todos os níveis de ensino, inclusive na EJA, nosso objeto de estudo. Além do que

foi esclarecido na pesquisa citada, acrescentamos uma contribuição a respeito da ausência de

práticas de sucesso, seja a inserção de estudos linguísticos, especialmente as teorias da leitura

nos cursos de formação de professores. É preciso investir na formação prática do professor

como agente de multiletramentos. Alerta-se, ainda, que o trabalho de estratégias de leitura de

forma a conduzir os alunos para a construção de sentidos, é um trabalho de todos os

professores da educação básica.

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3.2.4.1 Letramento na EJA

Segundo Soares (2004), sendo o uso das habilidades de leitura e escrita para o

funcionamento e a participação adequados na sociedade, e para o sucesso pessoal, o

letramento é considerado como responsável por produzir resultados importantes:

desenvolvimento cognitivo e econômico, mobilidade social, profissional, cidadania.

Pessoas jovens e adultas em processo de escolarização estão expostas a situações e

materiais de leitura variados em suas casas, na rua por onde andam, no trabalho, na religião,

nas atividades de lazer. Todos esses materiais são relacionados às atividades desenvolvidas

nesses âmbitos nas quais se constroem representações sobre o que é ler, como se lê, sobre ser

ou tornar-se leitor, o que pode ser lido e que tipos de materiais e textos são valorizados

socialmente. São ideias, opiniões e pontos de vista sobre si mesmos e sobre os outros, sobre

ações, materiais construídas nas experiências compartilhadas com leitores, nas imagens e

discursos veiculados pelos meios de comunicação e nas situações que compartilham

cotidianamente, que influem no modo como se engajam na aprendizagem da leitura. Para

Vóvio (2007, p. 91) “essas representações são acionadas em variados momentos e podem, por

meio das atividades e interações que se realizam nas turmas de EJA, serem confirmadas,

transformadas, ressignificadas e/ou apagadas [...].” Assim, o professor precisa conhecer e

entender o espaço e as vivências de EJA para que possa saber a metodologia certa a ser

aplicada e o que se deve aplicar, desde que chame a atenção do público e seja útil para ele,

além de ser capaz de compreender as respostas do público às propostas lançadas.

Ler sob a perspectiva dos Estudos do Letramento é saber como funcionam os textos nas

diversas práticas socioculturais. De acordo com Vóvio (2007), entendendo essa colocação, é

possível inferir, pelo menos, duas consequências para a práxis na EJA. A primeira está na

necessidade de inserção dos estudantes em práticas legitimadas e que permitam interagir

culturalmente em variados âmbitos sociais. Temos, assim, o desafio de apresentar uma

diversidade tal de situações de interação nas quais a leitura e a escrita estão presentes que, de

modo geral, correspondam às práticas socialmente valorizadas de uso da linguagem escrita e

necessárias às demandas sociais mais amplas. A segunda faz referência ao aprendizado do

sujeito segundo alguns valores, conhecimentos e necessidades que estão condicionadas

localmente e que refletem as motivações e os interesses dos interactantes. Logo, o agente de

letramento que atua na EJA precisa descobrir os gêneros com os quais os estudantes estão

familiarizados (orais e escritos) e quais preferem e necessitam em suas práticas sociais; os

quais serão referência para apresentar novos gêneros. A aprendizagem não pode perder de

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vista neste processo a realidade social dos estudantes e das comunidades a que pertencem,

tornando esse processo mais significativo. A aprendizagem, aqui, é negociada em função dos

interesses dos grupos envolvidos.

Vóvio (2007) elenca, ainda, um outro desafio: as práticas de leitura envolvem vários

conhecimentos, os quais já foram apresentados em outras seções desse texto. Mas, ratifica-se

que o leitor precisa selecionar saberes arquivados de suas experiências de vida, sobre gêneros

e o modo como os textos são produzidos, etc. O professor precisa considerar, na práxis da

leitura, que uma boa parte do público de EJA não teve contato, senão pouco, e em vivências

fora da escola, com textos escritos, os quais demandam saberes dos recursos linguísticos

selecionados pelo autor a fim de construir sentidos. Assim, o trabalho de construção de

estratégias para o ensino de leitura deve considerar esses fatos. A respeito disso, Mollica e

Leal (2009) dialogam com Fonseca (2005), esclarecendo que a nomenclatura alfabetização de

adultos embora induza a uma modalidade de ensino que tem a faixa etária como foco

principal, o que a diferencia em relação a outros grupos é o aspecto sociocultural. Por isso,

“(...) as ações educativas destinadas a jovens e adultos devem levar em conta a escolarização

anterior, incompleta e inexistente, num contexto mais amplo de exclusão social e cultural”

(MOLLICA; LEAL, 2009, p. 58). E, continuam, referenciando Gadotti (1995) a fim de

mostrar que a origem social marca inevitavelmente a carreira escolar dos indivíduos.

Talvez nos tornemos repetitivos, mas, em virtude da importância atribuída à questão,

cabe dizer que a leitura só se torna significativa quando guiada por objetivos, quando

problematizada, não perdendo de vista o que o público almeja, interagir socialmente, o que só

é possível por meio do entendimento dos textos a que estão dispostos. Portanto,

[...] no processo de aprendizagem pela própria função da EJA é o objetivo de ler

para aprender, que implica a organização de propostas coletivas que abordam

informações, conhecimentos e competências substanciais para o tratamento de temas

e problematizações. (VÓVIO, 2007, p. 93, grifo da autora).

Assim, o professor precisa incluir textos informativos de diversas áreas do

conhecimento, textos jornalísticos, relatos históricos, textos literários e didáticos, além de

listas, esquemas, tabelas, gráficos, mapas e imagens, tudo com finalidade de ampliar o

contexto sociocognitivo.

Fica entendido que a grande preocupação educacional dos últimos anos é construir

cidadãos conscientes e atuantes na sociedade. Acredita-se no desabrochar de uma cidadania a

partir de um ensino calcado, em primeira instância, no desenvolvimento do raciocínio, do

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senso de observação e da visão crítica de mundo.

Para tanto, não se pode deixar de priorizar, como bem lembram Mollica e Leal (2009),

a diversidade de níveis de letramento social e escolar encontrada nas classes de

alfabetização de jovens e adultos, tantas vezes tratada como um empecilho para o

planejamento das atividades pedagógicas, além de ser respeitada e conhecida, deve

ser levada em conta. Assim, o educador pode, a partir do conhecimento das

experiências de seus alunos como indivíduos “não-crianças”, quase sempre

excluídos da escola e participantes de diferentes grupos culturais e sociais (cf.

Oliveira 1999), construir um fio condutor para interligar as vivências comuns com

as práticas de sala de aula. (MOLLICA; LEAL, 2009, p. 59, grifos das autoras).

As autoras chamam atenção para a valorização dos saberes dos sujeitos de EJA, além de

deixarem explícito que as atividades lançadas a eles não devem tentar infantizá-los, prática

recorrente em turmas dessa modalidade. Acentuam que o agente de letramento deveria

aproveitar os saberes dos alunos para as discussões de leitura propostas e, assim, tornar o

sujeito mais esclarecido e se perceber como agente de interação.

A EJA deve priorizar, então, uma formação inicial e continuada específica para atender

às reais necessidades dos alunos jovens e adultos: garantir a melhoria das condições de

mercado de trabalho, as necessidades de aprendizagem, adquirir competências da leitura e da

escrita para atingir melhores condições de vida e desenvolver níveis maiores de letramento.

Suas práticas educativas devem privilegiar a realidade de vida dos sujeitos e o diálogo

constante entre professor e aluno.

3.2.5 Ensino de leitura e os gêneros textuais

Como os textos utilizados na vida em sociedade têm formatos, estruturas e intenções

variadas, a prática pedagógica para formar leitores proficientes tem de desenvolver

experiência de leitura que promovam o uso de estratégias por meio dos mais variados gêneros

textuais, uma vez que o uso eficaz de estratégias de leitura está relacionado com o gênero que

se lê e o propósito de leitura que se tem em mente. Bronckart (1999, p. 103) defende que “a

apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática

nas atividades comunicativas humanas”, ou seja, os gêneros textuais são instrumentos de que

os sujeitos dispõem para atuar nos diferentes domínios da atividade humana. Marcuschi

(2010) corrobora com a ideia ao afirmar que os gêneros constituem textos empiricamente

realizados, cumprindo funções em situações comunicativas, uma vez que respondem a uma

necessidade, atendem a uma expectativa.

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Swales (1990) considera que não há como entender e interpretar um texto apenas por

meio de uma análise linguística. Para ele, o texto deve ser visto em seu contexto, ou seja, o

conhecimento do gênero depende de conhecimentos que vão além do texto, como, por

exemplo, a comunidade discursiva, seus valores, suas práticas e expectativas.

Segundo os PCN, a escola precisa, no trabalho com a leitura, considerar a diversidade

dos gêneros textuais e atentar para a forma de recepção desses textos a fim de que o aluno

perceba o tratamento diverso que precisa ser dado ao texto diante dos propósitos discursivos

que ele tem. Esses propósitos serão definidos diante do contexto situacional. Os alunos

precisam ter clareza das características linguísticas e discursivas dos gêneros estudados.

Fica claro nos PCN que “[...] todo texto se organiza dentro de determinado gênero em

função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as

quais geram usos sociais que os determinam”. (BRASIL, 1998, p. 21). Logo, para que o aluno

consiga interagir com a leitura de um dado texto necessita reconhecer as suas intenções

comunicativas.

O professor ao trabalhar com os gêneros nas atividades de leitura precisa, segundo a

proposta curricular do 2º segmento de EJA (2002), estar comprometido com as mais diversas

práticas sociais que estão em torno desses gêneros. Dessa forma, “para trabalhar a diversidade

de textos, é fundamental considerar os modos de ler tais gêneros e as características dos

suportes em que circulam”. (BRASIL, 2002, p. 42).

O aluno deve ter a maturidade de, como sujeito da sua leitura, perceber ao variados

pontos de vista, diferenças e semelhanças nas abordagens que estão por trás das construções

de sentido do projeto do autor, objetivos discursivos, dentre outros. Para e por isso, cabe à

escola dispor textos pertencentes aos mais variados gêneros, mesmo aqueles que não estão,

rotineiramente, presentes no livro didático. Essa vivência oportunizará a geração de

construtores de sentido.

É importante observar que não basta o professor manter uma rotina de trabalho com

textos diversos, com gêneros diversos, no contexto de EJA, senão possibilita a percepção de

seus propósitos, ou seja, fazendo uma interlocução com as práticas em sociedade. Sobre isso,

Albuquerque comenta:

Mesmo trazendo para a sala de aula textos de circulação social (notícias, letras de

música, textos literários, etc.), muitos professores da EJA continuam praticando um

ensino do sistema de escrita baseado no tradicional método silábico de alfabetização.

Muitas vezes cria-se uma evidente contradição: lêem-se e escrevem-se textos

interessantes, mas o ensino da escrita alfabética não muda (ALBUQUERQUE,

2004, p. 67-68).

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Portanto, as práticas de leitura em EJA não podem deixar de lado a compreensão de

que o uso da linguagem é estruturado pelos gêneros, fato que resulta no ensino de leitura

organizado segundo a aprendizagem de diferentes gêneros.

As abordagens teóricas de leitura aqui levantadas foram necessárias para a análise do

ensino do ensino de leitura desenvolvido pelas professoras de EJA. No capítulo que segue,

discorreremos sobre a pesquisa que desenvolvemos para investigar as concepções de leitura e

práticas adotadas pelas professoras nesse processo de ensino.

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4 A PESQUISA

Ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele

não tem sentido nenhum. E o mesmo se pode

dizer de nossas aulas. (LAJOLO, 1997, p. 15)

Durante o último ano da graduação plena em Letras/Português realizada na

Universidade Estadual do Piauí - UFPI, campus professor Alexandre Alves de Oliveira –

Parnaíba/PI, comecei a trabalhar em um projeto de educação de jovens e adultos, denominado

Todas as Letras. Esse projeto selecionou algumas pessoas na nossa cidade para fazerem parte

da coordenação de vários núcleos e professores para formarem turmas nesses núcleos. Fui

selecionado para ser coordenador e, para exercer tal função, deveria acompanhar todas as

turmas distribuídas em vários núcleos a fim de verificar se a proposta do projeto estava sendo

bem executada pelos professores. Com isso, tive a oportunidade de vivenciar vários

momentos de práticas de profissionais com curso superior, ensino médio e curso pedagógico,

com os quais dialoguei por dois anos. Muitas experiências observadas nos chamaram a

atenção por conhecer mais de perto as peculiaridades daquele público, a necessidade de um

trabalho mais qualificado, que nem sempre os professores conseguiam realizar.

Como coordenador desse projeto, tive a oportunidade de participar de vários momentos

de discussão (formações) realizados em Recife-PE e em Teresina-PI, nos quais foram

disponibilizadas muitas informações que cada vez traziam maior curiosidade em desenvolver

um trabalho de pesquisa. Concluída a minha participação nesse projeto, mesmo período em

que saí da graduação, iniciei uma pós-graduação lato sensu em Estudos Linguísticos na cidade

de Sobral-CE. Durante os estudos dessa especialização, cursei uma disciplina de Teoria de

Leitura, a qual me tornou mais íntimo da temática e inspirou o desenvolvimento de um

projeto para a construção da monografia em ensino de leitura na modalidade EJA. Fiz uma

construção teórica sobre o ensino de leitura na EJA, porém não me dirigi a um campo de

pesquisa a fim de perceber como esse ensino acontecia. Assim, meu objeto de estudo ainda

não havia sido satisfeito.

Em 2010, ingressei no Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal do

Piauí, desejo que já me acompanhava mesmo antes de concluir a graduação. No ano de

ingresso, eu já era professor da Rede Estadual de Ensino do Piauí, a qual me disponibilizou

para fazer o curso.

Ao ingressar no mestrado, cursei vários créditos de áreas de investigação em linguagem

e dois outros créditos específicos em estudos de leitura.

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Logo no começo dos encontros de orientação, a orientadora já me questionava a respeito

da delimitação do estudo e me direcionou a uma pesquisa-piloto a fim de ter clareza do tal

objeto de estudo. Realizei a pesquisa em duas turmas de EJA de uma escola no bairro Dirceu

em Teresina. Observei apenas uma professora, pois ela era a titular dos dois ciclos

observados, terceiro e quarto. Essa etapa foi extremamente importante porque me encaminhou

para vários questionamentos e deu clareza sobre o foco de pesquisa, o professor enquanto

agente de letramento, portanto responsável pelo ensino de leitura, orientador de estratégias

leitoras. Interessava-me, pois, investigar a bagagem teórica desse profissional, bem como suas

vivências enquanto leitor, definidoras do sucesso dessa atividade.

Após essa etapa, chegava a hora de começar a pesquisa definitiva, porém ainda não

sabia se iria realizá-la em Teresina ou Parnaíba. Percebendo que não haveria maiores

problemas para a pesquisa, minha orientadora consentiu que eu realizasse a pesquisa em

Parnaíba. Assim, voltei à minha cidade em dezembro.

Os primeiros contatos com as escolas de EJA em Parnaíba foram feitos em janeiro. Fui

à 1ª Gerência Regional de Educação do Estado para verificar a disponibilidade de turmas em

EJA, as etapas ou ciclos oferecidos e o horário de funcionamento. O mesmo trabalho fiz na

Secretaria Municipal de Educação e percebi que, a princípio, não havia nenhum impedimento

para a aplicação da pesquisa nas redes estadual e municipal de ensino, todavia uma situação

foi definidora para a minha opção pelas escolas da rede municipal, uma greve iniciada nas

escolas do estado. Tal evento grevista atrasou o início do período letivo e, certamente, o da

pesquisa. Assim, optei por iniciá-la nas escolas do município, o que aconteceu a partir de

março a pedido da coordenadora de EJA, pois embora as aulas tenham iniciado no dia

21/02/2011, a coordenadora ponderou que os alunos precisavam ter uma vivência com a

professora antes de uma pessoa de fora adentrar. Quanto ao diálogo com a secretaria de

educação municipal, com as escolas e o início da pesquisa, discorrerei nas próximas seções.

Descrevo, agora, de forma breve, a abordagem escolhida para desenvolver a pesquisa

qualitativa realizada e os métodos para a geração, coleta e análise dos dados.

4.1 A pesquisa qualitativa

A investigação sobre o contexto escolar de leitura da EJA, a qual centra sua

preocupação nas concepções e práticas de leitura do professor dessa modalidade,

desenvolveu-se por meio de uma pesquisa de natureza qualitativa, adotando uma perspectiva

etnográfica.

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A abordagem qualitativa se constrói com base no paradigma interpretativista e se dedica

à interpretação das ações sociais. Tal paradigma entende que não há como observar o mundo

independentemente das práticas sociais e significados vigentes. (BORTONI-RICARDO,

2008, p. 32). A capacidade de compreensão daquele que pesquisa, enraíza-se em seus próprios

significados, pois este sujeito não é relator passivo, porém um agente ativo.

Uma abordagem qualitativa, segundo Bogdan e Biklen (1982), supõe o contato direto e

prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada. Em tal

abordagem, há entre os sujeitos participantes o estabelecimento de uma relação continuada, na

qual o pesquisador entra no mundo do sujeito, e permanece, ao mesmo tempo, fora dele, ou

seja, deve-se ir a campo

não como alguém que faz uma pequena paragem ao passar, mas como quem vai

fazer uma visita; não como uma pessoa que sabe tudo, mas como alguém que quer

aprender; não como uma pessoa que quer ser como o sujeito, mas como alguém que

procura saber o que é que é ser como ele. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 113).

Segundo Bortoni-Ricardo (2008), o etnógrafo, ao conduzir sua pesquisa, participa da

vida da comunidade pesquisada por períodos longos a fim de observar todas as características

culturais. Faz perguntas, reúne informações com o intuito de conhecer, profundamente, a

cultura dessa comunidade, que é foco de estudo. Para a autora:

Hoje em dia, as pesquisas qualitativas, especialmente as pesquisas conduzidas em

instituições, como presídios ou escolas, não são necessariamente desenvolvidas por

extensos períodos de tempo. Quando ouvimos menção a “pesquisas etnográficas em

sala de aula”, por exemplo, devemos entender que se trata de pesquisa qualitativa,

interpretativista, que fez uso de métodos desenvolvidos na tradição etnográfica,

como a observação, especialmente para a geração e análise de dados. (2008, p. 38).

O método etnográfico tem a finalidade de desvendar a realidade através de uma

perspectiva cultural. Assim, essa pesquisa representa a tentativa de estudar a sociedade e a

cultura, seus valores e práticas, a partir de sua “descrição densa”, entendida como mais do que

a mera compilação de fatos externos ao pesquisador. Segundo Geertz:

Praticar etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos,

levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não

são essas coisas, as técnicas e os procedimentos determinados, que definem o

empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa:

um risco elaborado para uma “descrição densa”. (GEERTZ, 1989, p.15).

Segundo Lüdke e André (1986), a pesquisa etnográfica descreve-se em três etapas:

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exploração, decisão e descobertas, as quais serão observadas nesta pesquisa.

4.2 O processo de investigação

4.2.1 Descrição e acesso ao campo

Como dito na introdução deste capítulo, defini como campo de aplicação da pesquisa as

escolas da rede municipal de educação que ofertavam EJA. Para adentrar ao campo, dirigi-

me, no final do mês de janeiro de 2011, à coordenação da Educação de Jovens e Adultos do

município de Parnaíba, localizada na Secretaria de Educação a fim de apresentar um

documento que me vinculava ao Programa de Mestrado Acadêmico em Letras da

Universidade Federal do Piauí e explicar o propósito de estudo, o objetivo da pesquisa à

gerente da coordenação. Em diálogo com a coordenadora, tive acesso às escolas que

ofereciam turmas de EJA, os horários em que essas turmas funcionavam, o endereço das

escolas, nomes dos professores e diretores. A coordenadora, no momento de nossa conversa,

sugeriu-me algumas escolas que, segundo ela, eu teria menos problema de aceitação por parte

dos professores.

Aproveitei a conversa para saber como funcionava a relação da secretaria de educação

com o programa de EJA. Indaguei sobre a construção dos planos de curso, dos planejamentos

e formações realizadas para os professores. A coordenadora não nos deu respostas muito

direcionadas. Disse-me, apenas, que os professores eram orientados pela direção na

construção dos planos de aula, pois essa atividade acontecia em cada escola e relatou, ainda,

que não havia uma pessoa responsável pela supervisão dessas turmas. Informou que a evasão

no programa ainda é muito grande e atribui isso ao trabalho de acompanhamento que o gestor

da escola precisa fazer. Segundo ela, é preciso que ele verifique, por exemplo, as atividades

menos significativas, pois muitos professores ainda realizam atividades longe do ideal.

Apontou, também, a necessidade de promoverem projetos de leitura na escola, atividades que

os alunos possam ver o valor e a funcionalidade das práticas de leitura e escrita. Com relação

à evasão, ainda não havia recebido dos diretores os dados do ano passado, mas sabia que eram

números altos. Disse, ainda, que as escolas, até o momento, não haviam recebido o livro

didático da escolha deste ano e que a escolha tinha sido feita pelos professores, que

reclamavam muito dos livros anteriores, pois os julgavam resumidos e tradicionais. Afirmou

que acreditava que os professores tinham como superar as deficiências do material utilizado,

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mas muitos não “extrapolavam”14

o livro, eram resistentes a atividades mais criativas.

Em relação às formações realizadas pela Secretaria de Educação do município, a

coordenadora da EJA reconheceu a necessidade de fazer uma formação mais específica, mais

direcionada ao trabalho com EJA. Costumavam realizar formações no início de cada ano mas,

até o momento, por uma questão de administração de recursos, isso ainda não havia sido

possível. A coordenadora relatou que a equipe de formação continuada da Secretaria já tinha

uma proposta de realizar uma formação com temática geral “Letramento linguístico” a fim de

tratar mais minuciosamente sobre a “sistematização” da leitura e escrita. Os professores

tinham objetivo de fazê-la acontecer até o final de fevereiro, haja vista que as aulas estavam

previstas para começar no dia 21 do referido mês.

Feito esse diálogo, a coordenadora se prontificou a elaborar um documento15

que

esclareceria o objetivo da pesquisa e, portanto, autorizava-me a adentrar nas escolas.

Esclareço que a coordenação não fez qualquer tipo de restrição ao meu ingresso no campo de

pesquisa, solicitou, apenas, que ele fosse feito a partir do dia 14 de março, período posterior

ao carnaval.

Durante o período que aguardávamos para o início da pesquisa, dia 14 de março de

2011, delimitamos o campo da pesquisa. De acordo com o material disponibilizado pela

SEDUC, constatamos a existência de 116 turmas de EJA no município, das quais

acompanhamos 04 turmas desse total, o que corresponde a 3,5% das turmas. Optamos por

turmas de 4º ciclo. A escolha pelo quarto ciclo se deu por julgarmos que o professor poderia

desenvolver atividades de leitura que exigissem uma maturidade leitora mais aguçada,

considerando os saberes acumulados por esses alunos nos períodos anteriores. O

acompanhamento dessas escolas foi feito por três meses, tempo que julgamos necessário para

observar as práticas que constituiriam este corpus, pois acompanhamos a vivência do

professor de Língua Portuguesa em sala de aula de dois a quatro dias por semana. As escolas

eram urbanas e de ensino noturno e têm público com grande diversidade, constituído por

adolescentes, adultos e idosos, público de extenso conhecimento enciclopédico. Tal fato foi

decisivo para nossa escolha pelo ensino noturno, além de ser o período que dispúnhamos

integralmente para nos dedicar a esta pesquisa. A escolha dessas escolas foi feita de forma

aleatória, não adotamos nenhum critério definidor.

A partir do dia 14 de março, dirigimo-nos às escolas portando documento expedido pela

14

Os termos aspeados relevam escolhas lexicais dos entrevistados, as quais não foram modificadas a fim de não

comprometer os sentidos construídos por eles. 15

A declaração elaborada pela SEDUC está nos anexos desta dissertação.

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SEDUC que nos oportunizava desenvolver o estudo. Diante disso, os diretores e professores

precisavam consentir a nossa entrada, por isso, ao ingressar no campo a ser pesquisado,

discutimos com os professores da disciplina em questão e os diretores a natureza e os

objetivos de nossa pesquisa, a fim de obter autorização para frequentar a escola, entrar nas

salas de aula, assistir às aulas e coletar os dados (gravações em áudio, notas, etc). Garantimos

sigilo com todos os dados coletados, bem como na sua divulgação, a qual foi discutida com os

professores envolvidos. Além disso, esclarecemos a eles que tinham liberdade para

permanecerem anônimos e aos diretores que o nome das escolas também seria preservado se

assim preferissem. Como no decorrer da pesquisa, uma das quatro professoras pediu para não

ser identificada, resolvemos nomeá-las pelas iniciais de seus nomes com o intuito de preservar

suas identidades. O mesmo fizemos com as escolas, que foram chamadas de escolas A, B, C e

D. Pedimos às professoras para realizar as gravações em áudio das aulas e não houve muita

resistência, pois explicamos a natureza dos procedimentos etnográficos para a geração de

registros, que originariam dados para a análise. Neste momento, tivemos contato com os

horários das aulas, o que definiu quantas poderíamos acompanhar. Fizemos uma tabela a fim

de evitar choques e, diante da comparação com os horários das quatro escolas, foi possível

acompanhar uma média de duas a quatro aulas por semana.

A seguir, descrevemos as escolas pesquisadas e a maneira como fui recebido em cada

uma delas.

a) Escola A

A primeira escola que visitamos foi a escola A, situada no Bairro São Benedito.

Funciona nos três turnos com turmas de EJA do 1º ao 4º ciclos à noite. A escola tem uma

estrutura muito boa, possui uma média de 10 salas de aula amplas e bem iluminadas, todas

com quadro acrílico e ventiladores; pátio; 01 laboratório de informática com 11 computadores

conectados à internet; 01 sala de leitura; biblioteca; cantina; sala de professores; dentre outras

instalações. A escola estava sempre limpa e, durante a pesquisa, encontramos por várias vezes

a diretora verificando a higienização dos espaços. Lembramos, nesta seção que caracteriza as

escolas envolvidas na pesquisa, que solicitamos a proposta pedagógica em todas as escolas,

pois entendemos que seja reveladora das concepções de leitura pensadas pela instituição e,

nosso anseio, era verificar se havia espaço para o ensino de leitura nos projetos das escolas e

como esse ensino era executado. Porém, das quatro escolas, apenas duas tinham o documento

em seus arquivos, as outras duas justificaram dizendo que passavam por atualizações e, até o

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final da pesquisa teríamos contato, mas isso não aconteceu. A escola A, agora caracterizada,

possuía a proposta pedagógica nos arquivos do computador da secretaria e, sem problemas,

disponibilizou-nos. Tivemos acesso, também, ao regimento interno.

Ao chegarmos à escola no primeiro dia, a diretora nos acolheu com muita receptividade.

Conferiu o documento que nos encaminhava e nos mostrou o horário das aulas. Em seguida,

dirigiu-nos à professora W, a qual, inicialmente, não se mostrou muito receptiva. Sabedora do

tema de nossa pesquisa, adiantou16

que não existia leitura em EJA, pois os alunos não liam

nada. Acrescentou que, para piorar, os alunos ainda não tinham recebido os livros e que não

sabia como era possível trabalhar com português sem utilizar o livro. Disse-nos que o livro do

ano passado era péssimo, não tinha textos e os conteúdos eram elementares, além do que os

textos e as questões propostas eram muito infantilizantes. Em tom de denúncia, informou que

não participou da escolha do livro deste ano porque não era a qualidade que estava em jogo,

“a prefeitura comprava o mais barato”. Presenciamos, durante o processo de pesquisa,

depoimentos da professora que os profissionais de EJA eram postos na sala de aula pela

SEDUC, mas não passam por capacitações e isso é uma maneira de mostrar o pouco

comprometimento com a educação e com o público de jovens e adultos.

Sugeriu-nos que acompanhássemos só as aulas do 4º ciclo B, pois os alunos eram mais

participativos. Nós, de fato, acompanhamos quatro aulas semanais no 4º ciclo B em virtude

dos horários terem sido mais favoráveis para conciliar com as outras escolas. Não

demonstrando muita satisfação com nossa presença, a professora informou que ainda não

estava havendo aula de leitura, pois realizava revisões de conteúdos gramaticais. Por fim,

confessou que não acreditava no sistema de ciclos de EJA, pois o tempo é muito resumido.

Várias vezes, durante a pesquisa, embora sabedora de nossa presença por três meses,

questionou a conclusão do trabalho, em um explícito incômodo com nossa presença, fato que

foi vivenciado diariamente com silêncio e gestos. As práticas desenvolvidas serão discutidas

no capítulo de análise.

b) Escola B

A escola B localiza-se no bairro Rodoviária. Funciona nos três turnos, sendo que no

turno da noite, ensino de jovens e adultos com turmas do 1º ao 4º ciclos. A escola possui

estrutura conservada, mas um ambiente pouco informativo, sem cara de escola. Possui uma

16

Estas afirmações que fizemos sobre o relato das professoras foram possíveis por meio da recuperação na

memória em momento posterior ao diálogo e, em seguida, fazíamos notas.

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média de 06 salas de aula amplas e bem iluminadas, todas com quadro acrílico e sem

ventiladores; cantina; biblioteca; sala de professores; não possui laboratório de informática

nem sala de leitura. O prédio da escola sempre estava bem limpo.

Ao chegarmos à escola no primeiro dia, a diretora nos recebeu gentilmente. Apresentou-

nos à professora da única turma de 4º ciclo, a professora M, que foi receptiva e bem breve.

Disse-nos os horários das aulas e nos deu as boas vindas.

A proposta pedagógica da escola foi solicitada várias vezes, mas a direção, apesar de

protelar a entrega, não a disponibilizou durante os três meses de pesquisa. Segundo a diretora,

a proposta tinha sido atualizada e estava sendo digitada.

c) Escola C

A escola C está localizada no bairro Santa Luzia, conhecido como um dos bairros mais

violentos da cidade, em virtude de residirem vários traficantes de drogas. Funciona nos três

turnos. À noite, há turmas do 2º ao 4º ciclos de EJA. A estrutura da escola era constituída por

uma média de sete salas, todas com quadro acrílico e algumas pouco iluminadas e sem

ventiladores; nesta escola não há laboratório de informática nem sala de leitura; 01 sala de

professores; 01 biblioteca; cantina; uma pequena área antes da cantina; 01 pátio, dentre

outros. No interior da sala do 4º ciclo, sala na qual coletamos dados, havia uma mesa em um

canto com vários livros e dicionários empilhados, todos velhos e rasgados.

No primeiro dia que entramos na escola, fomos recebidos de forma bem impessoal pela

diretora, que não escutou a nossa proposta. Ela informou o nome da professora que trabalhava

no 4º ciclo único e os dias em que poderíamos encontrá-la, mas não tinha os horários e pediu

que voltássemos posteriormente. Assim, fizemos. Apesar do trato impessoal, a diretora

consentiu com a realização da pesquisa e recebeu o nosso encaminhamento. Já sabedores dos

horários da professora, voltamos para conversar com ela. A professora V entendeu a proposta,

informou-nos os horários e nos orientou que acompanhássemos as duas aulas das terças-feiras

porque eram seguidas. Passamos a acompanhar as duas aulas das terças. A professora

solicitou para que não fosse identificada na pesquisa, mas não havia problema em gravar as

suas aulas.

d) Escola D

A escola D está localizada no bairro de Fátima, bem próximo ao Centro da cidade.

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Funciona pela manhã e à tarde com ensino fundamental e EJA à noite, com duas turmas de

EJA (3º e 4º ciclos). Possui em média seis salas de aula com quadros acrílicos e algumas com

ventiladores. Dispõe de 01 sala de multimeios; 01 laboratório de informática com dez

computadores conectados à internet; 01 sala de leitura que funciona junto à sala da direção; 01

sala de professores; cantina; secretaria; pátio amplo, dentre outros.

No nosso primeiro contato com a escola, fomos bem recebidos pelo diretor, que

demonstrou interesse pela pesquisa e se colocou à disposição para o que fosse necessário.

Apresentou-nos o quadro de horários e nos direcionou à professora R, a qual foi bem

receptiva e também não manifestou nenhum empecilho para a nossa presença. No decorrer da

pesquisa, questionava se já não tínhamos muito material para analisar, indagando, assim, a

necessidade de permanecermos por três meses na escola. Iniciamos a pesquisa acompanhando

duas aulas da professora, todavia, em virtude de mudanças nos seus horários, passamos a

acompanhar três aulas por semana.

4.2.2 Os colaboradores da pesquisa

Esta pesquisa de bases etnográficas tem como foco o ensino de leitura que é

desenvolvido pelo professor.

Como já esclarecido nas seções anteriores, apresentamos nossa proposta aos diretores e

professores e eles ficaram livres para aderir. Nas quatro escolas selecionadas, todos os

professores resolveram colaborar com a pesquisa e, a forma como fomos recebidos, já foi

esclarecida na seção anterior. Portanto, as quatro professoras participantes foram W, M, V, R,

assim denominadas para resguardá-las.

Diante das muitas caracterizações que foram feitas para as professoras colaboradoras da

pesquisa, na análise, por meio das entrevistas realizadas, faremos, no quadro abaixo, uma

breve caracterização delas, considerando formação acadêmica, tempo de magistério em EJA,

rotina de leitura, dentre outros.

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Quadro 1 – Caracterização das professoras colaboradoras da pesquisa

PROFESSORA Formação

Acadêmica

Tempo de

magistério

em EJA

Teoria de

leitura que

conhece

Forma como

vê o

trabalho

com leitura

Rotina de

leitura

W - Graduada em

Letras/Português

- Especialista em

Linguística

5 anos W. Geraldi

e M. Soares

Prioridade Não lê

diariamente

M - Graduada em

Letras/Português

4 anos Não citou Prioridade Não se

considera

leitora

V - Graduada em

Pedagogia

- Especialista em

Administração e

Organizações

Educacionais

5 anos Não citou

Base de tudo Não tem

hábito

R - Graduada em

Letras/Português

- Especialista em

Língua Portuguesa

e Informática na

Educação

6 anos Não citou Essencial Mantém

hábito

Fonte: Entrevistas concedidas pelas professoras colaboradoras da pesquisa.

4.2.3 Métodos de coleta de dados

Quanto aos procedimentos metodológicos utilizados para coletar dados para esta

pesquisa qualitativa em leitura, utilizamos a combinação de diferentes métodos e técnicas, que

são reveladores do significado da prática. Aplicamos, assim, uma metodologia qualitativa que

se vale de procedimentos etnográficos para a geração de registros, os quais foram objeto de

reflexão e análise. (BORTONI-RICARDO, 2008). Tais registros tornaram-se dados,

analisados nos capítulos IV e V.

Os registros de diferentes naturezas oportunizaram a triangulação dos dados.

Triangulação, segundo Bortoni-Ricardo (2008), é o recurso de análise que compara dados de

diferentes tipos a fim de confirmar ou desconfirmar uma antecipação dos resultados que a

pesquisa pode trazer.

Como já mencionado, a coleta de dados de nossa pesquisa aconteceu em salas de 4º

ciclo de EJA, turno noturno, em quatro escolas municipais de Parnaíba-PI.

A coleta dos dados de nossa pesquisa em leitura, junto aos professores de escolas

públicas municipais do ensino noturno de EJA, foi realizada através de diferentes métodos e

técnicas: observação participante, entrevista semi-estruturada, gravações em áudio, notas de

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campo e documentos recolhidos no local.

A observação participante proporcionou uma convivência efetiva com os envolvidos na

pesquisa em leitura e desvendou sutilezas observadas em nuances de seus comportamentos.

(LOPES, 2006). Assim, a opção pela observação participante nos deu a oportunidade de

perceber diversos aspectos que causam interferência nas práticas dos professores e nas

relações que estabelecem com os sujeitos envolvidos nesse processo, neste caso, os alunos de

EJA.

A opção por esse método de pesquisa nos proporcionou entender como acontecem todas

as atividades de leitura em sala de aula, como os professores interagem com os alunos a fim

de ensinar leitura. Foi possível, por meio das atividades observadas, perceber as escolhas de

estratégias de leitura feitas pelo professor, o entendimento que tem dessas estratégias, bem

como da (s) concepção (ões) de leitura defendida (s), as quais refletem a sua formação leitora.

Os dados coletados durante essa fase de observação refletiram para nós perfil de práticas do

momento de tal observação, não temos condição de afirmar que durante todo o ano o

professor continua executando as mesmas práticas.

A nossa rotina de observação consistia no ingresso à escola a fim de acompanhar as

aulas do professor. Costumávamos chegar um pouco antes do horário da aula com o intuito de

conviver com práticas do dia-dia da escola, como o relacionamento dos gestores com os

alunos, a organização de eventos promovidos pela instituição e a inserção dos alunos nesses

eventos, o compromisso em prover aulas efetivas, o cumprimento dos horários, etc. Essas

observações geravam notas que foram sistematizadas em dados.

Costumávamos esperar o professor na sala dos professores ou no corredor da escola e

adentrávamos à sala de aula junto a eles. Alguns nos cumprimentavam quando nos viam. Ao

adentrar, saudávamos os alunos e nos sentávamos em qualquer cadeira vaga da sala. No início

da pesquisa, como já era esperado, houve um estranhamento dos alunos com a nossa presença,

o que causou “certa” timidez nos primeiros dias, mas logo se adaptaram e interagiram

naturalmente. Sentávamos, colocávamos o gravador sobre a mesa e pegávamos uma caderneta

a fim de fazer as notas sobre as aulas do professor. Tomando com referência os ensinamentos

de Lopes (2006), esclarecemos que as audio-gravações foram transcritas de acordo com o

sistema ortográfico oficial e a elas acrescentamos as anotações necessárias a fim de

contextualizá-las, como também, inserir as impressões sobre a postura dos participantes. Toda

a dinâmica da aula era observada e registrada. Os vários momentos de trabalho com leitura

foram observados uma vez que eles consistiam no real interesse de nossa análise.

Era comum presenciarmos momentos em que os professores, quando denominavam

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aula de leitura ou estudo de texto, liam os textos sozinhos ou pediam para que os alunos

lessem pedaços deles. Dificilmente essas leituras eram acompanhadas de debate sobre o texto,

aproximando contextos para as possíveis construções de sentido. Houve situações em que os

alunos faziam construções, mesmo sem serem solicitados e acabavam manifestando opiniões

diferentes daquelas construídas pelo professor. Era prática corriqueira o professor levantar

algumas construções para o texto e logo passar para o estudo das questões do material

didático ou das questões que ele mesmo propunha e registrava no quadro. Quando esse

“estudo” era realizado, era comum o professor localizar respostas no texto ou ele mesmo as

ditava.

As notas de campo consistem nos registros coletados durante o processo de observação.

Tudo o que envolve o ambiente de leitura pesquisado foi objeto dessas notas. Embasados em

Lopes (2006),

[...] o registro escrito permitia resgatar os contextos em que as atividades

comunicativas se realizavam e, assim, subsidiar e oferecer mais segurança às

análises do material coletado, além de já significar uma seleção prévia do que era

relevante para o trabalho. (p. 72).

Durante a observação das aulas, além das gravações em áudio, como dito anteriormente,

fazíamos notas que incluíam os registros do professor no quadro, os exercícios propostos,

além das notas de aula. Em notas, também, foram inclusas as nossas impressões sobre as

escolhas do professor por metodologias, a maneira como conduzia a aula, as reações do

professor diante dessa execução, dentre outras. A cada dia da pesquisa, acrescentávamos nas

notas feitas na caderneta a data, o nome da escola pesquisada, o horário do início e término da

aula, além do número da aula observada a fim de facilitar a análise dos dados. As gravações

em áudio foram completadas com as notas realizadas e a análise previu o diálogo entre esses

dados.

Já relatamos em seção anterior que observávamos a dinâmica do contexto escolar, as

relações entre os sujeitos que dela fazem parte como um dado para a pesquisa que se estendia

à sala de aula. Essas observações foram objetos de notas. Fazíamos um registro dessas

experiências em um momento fora da escola, para isso tentávamos recuperar na memória

todas essas percepções a fim de descrevê-las, ou seja, sistematizá-las objetivando a geração de

dados para a pesquisa.

Esclarecemos, ainda, que, durante as entrevistas com os professores, não fazíamos

notas, as quais eram feitas na ausência dos informantes. Para tanto, recuperávamos todas as

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impressões que tínhamos sobre a conduta do professor nesse evento. As percepções de medo,

insegurança, postura da face, ou seja, as realizações pertinentes ao aspecto extralinguístico.

Esses dados são importantes porque representam a segurança que o professor manifesta de

suas práticas de ensino de leitura.

Na presente pesquisa realizamos a gravação em áudio de todas as aulas a que assistimos

a fim de coletar dados que dessem conta do nosso estudo. Além da gravação das aulas,

realizamos, também, a gravação das entrevistas concedidas pelas professoras. Já foi

esclarecido que a autorização para fazer as gravações foi feita pelos envolvidos.

Essas gravações foram transcritas considerando o sistema ortográfico oficial e a adoção

de uma convenção, as quais estão no corpo deste trabalho. Esclarecemos que às transcrições

realizadas fizemos o acréscimo das anotações necessárias considerando a contextualização e

as nossas impressões sobre os eventos.

Os documentos recolhidos no local foram de extrema importância para o nosso estudo

porque são reveladores das práticas e concepções de leitura do professor. Assim, as provas,

planos de aula, cópias de texto, dentro outros, contribuíram muito para nosso estudo.

É importante lembrar que embora tenhamos solicitado por várias vezes os planos de

aula dos professores, não tivemos acesso a eles porque as professoras diziam que no momento

da aula não estavam com os planos. Essa afirmação se confirma porque solicitamos aos

diretores os planos bimestrais e, em todas as escolas, disseram-nos que os professores ainda

não haviam entregado. Alguns diretores justificaram que não foi possível planejar porque os

professores ainda não haviam recebido os livros. Lembramos que fizemos essas solicitações

nos dois primeiros meses da pesquisa.

A proposta pedagógica e o regimento interno foram solicitados em todas as escolas,

pois entendemos que sejam reveladores das concepções de leitura pensadas pela instituição e,

nosso anseio, é verificar se há espaço para o ensino de leitura nos projetos das escolas e como

esse ensino deve ser executado. Porém, das quatro escolas, apenas duas (escolas A e D)

tinham o documento em seus arquivos, as outras duas justificaram-se dizendo que estavam

passavam por atualizações e, até o final da pesquisa teríamos contato, o que não aconteceu.

Outro método utilizado para a geração dos dados foi a entrevista. Entendemos assim

como Gaskell (2002, p. 65) que a entrevista de natureza qualitativa “fornece os dados básicos

para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação”.

Objetiva-se com tal instrumento compreender os valores, atitudes, motivações das pessoas em

determinados contextos sociais. (GASKELL, 2002).

Inicialmente, conversamos com os professores sobre o objetivo da pesquisa a fim de

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obter aceitação para participar da atividade, momento em que também perguntamos se

consentiam com a audio-gravação. Todos os professores aceitaram participar. As entrevistas

foram realizadas nas escolas, especificamente, na sala dos professores em dias que tinham

horários vagos ou horários pedagógicos. As entrevistas ocorreram de forma calma, natural a

fim de deixar os professores tranquilos, embora durante a gravação alguns se mantiveram

pouco entendimento aos questionamentos.

Com o objetivo de elucidar o perfil de leitor, a formação em leitura (métodos,

estratégias utilizadas, concepções de leitura) estruturamos um roteiro de entrevista dividido

em tópicos norteadores, porém não houve uma sequência rígida de perguntas e respostas,

além de se tratar se uma entrevista semi-estruturada, outras indagações foram feitas ao longo

da atividade dada à fluidez da discussão. Outras foram desconsideradas por julgarmos não

atender aos nossos reais objetivos.

A entrevista foi transcrita para posterior análise. Os registros dessas transcrições foram

analisados e serviram para a constituição dos dados obtidos nas observações das aulas e do

ambiente escolar.

A opção por esses procedimentos metodológicos deu-se em virtude de entendermos

que a pesquisa etnográfica contempla as técnicas e os instrumentos que destacamos acima,

além de serem favoráveis ao processo de reflexão crítica coletiva, imprescindível para o

confronto e a reconstrução das práticas dos professores envolvidos na investigação.

Todo o material coletado durante os três meses de pesquisa, constituído por

transcrições, notas de campo e os materiais recolhidos no local, passaram por uma revisão

minuciosa a fim de selecionar aqueles que descreviam com maior fidelidade possível o que

percebemos no ambiente da pesquisa, ou seja, os que revelavam as práticas que constituem o

ensino de leitura desenvolvido pelo professor-leitor. Assim, após a sistematização, fizemos a

interpretação construindo bases comparativas entre as teorias que defendemos e os dados que

encontramos. A interação entre os dados reais e suas possíveis explicações teóricas

permitiram a estruturação de um quadro teórico, dentro do qual o fenômeno pôde ser

interpretado e compreendido.

A compreensão de todos esses dados, descritos e interpretados no capítulo V,

permitiram-nos chegar a algumas considerações sobre o trabalho com a leitura dos

professores de EJA de escolas noturnas do município de Parnaíba.

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5 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras

dizem

Sentimos muito bem que nossa sabedoria

começa onde a do autor termina, e

gostaríamos que ele nos desse respostas,

quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos

desejos. Esses desejos, ele não pode despertar

em nós senão fazendo-nos contemplar a beleza

suprema à qual o último esforço de sua arte

lhe permitiu chegar. [...] não podemos receber

a verdade de ninguém e que devemos criá-la

nós mesmos), o que é o fim de sua sabedoria

não nos aparece senão como o começo da

nossa, de sorte que é no momento em que nos

disseram tudo o que podiam nos dizer que

fazem nascer em nós o sentimento de que

ainda nada nos disseram. (PROUST, 1905, p.

30-31).

Neste capítulo e no que segue, procederemos à análise e interpretação do corpus de

nossa pesquisa, constituído pelas transcrições das aulas e das entrevistas com os professores,

notas de campo e dos materiais recolhidos no local pesquisado. A análise desses dados nos

permitirá identificar as atividades de leitura desenvolvidas pelos professores e, em especial, as

concepções e práticas de leitura que orientam o seu trabalho em sala de aula.

Para chegar ao nosso objetivo, delineamos seções que revelam o que o professor, no seu

pensamento e na sua prática, concebe para o ensino de leitura. Essas seções refletem sobre os

objetivos que traçamos para esta dissertação. Para tanto, trilharemos uma interpretação que

parte do nível geral para o particular. O geral é a identificação de práticas leitoras diversas e

controversas sobre a produção de sentidos, e o particular é a interpretação que faremos das

práticas de leitura à luz da teoria que nos fundamentamos.

É preciso esclarecer, antes de interpretar os dados que constituem o corpo desta

pesquisa, que entendemos ser a escola uma instituição reguladora e que pode interferir

negativamente na formação do leitor, e o professor é um representante dessa regulação, ao

tempo que pode ser um mecanismo de afastamento do “espaço controlado” proporcionado

pela instituição escola. Faz-se necessário discutir, também, a condição de alguns professores

como alvo de formações que refletem o poder de regulação da escola, além do mais, não

podemos perder de vista que os perversos processos de exclusão do próprio sistema escolar

podem sufocar o pretensioso desejo de inovar implantado nas concepções de um professor

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recém-formado, que munido de poucas bases teóricas e metodológicas, sucumbem. Sobre

essas colocações, faremos comentário após a interpretação dos dados, pois os dados obtidos

transparecem a participação do professor no universo das práticas leitoras.

Assim, analisaremos, neste capítulo, o que as professoras dizem sobre o ensino de

leitura que empreendem, quais concepções e práticas de leitura são escolhidas. Essas escolhas

nos permitirão perceber se as professoras oportunizam ao leitor condições para se portar como

um construtor de sentidos. Iniciaremos a interpretação fazendo uma caracterização sobre a

formação em leitura do professor, pois acreditamos que ela tem reflexos sobre as escolhas

feitas para o ensino de leitura.

5.1 Formação em leitura: atualização profissional

A formação leitora do professor é aspecto imprescindível para opção de concepções de

leitura adequadas para o ensino, bem como a eleição de estratégias para realizá-lo. Fica claro,

portanto, que a formação teórica em leitura do professor reflete as escolhas das práticas e

concepções que poderão tornar seu trabalho mais eficaz e inspiram o potencial criativo dos

leitores.

É necessário esclarecer que nosso trabalho de análise prioriza interpretar as concepções

e práticas de leitura em uma perspectiva plural, empregadas no trabalho para a condução do

processo leitor realizado pelo docente. É de nosso interesse, assim, analisar a práxis de

interlocução com o texto para a construção de sentidos, e não as práticas que constituem o

ensino de gramática ou aquelas que julgam o ensino de língua como o conhecimento

fragmentado e mecânico de gramática.

A respeito da formação em leitura que as professores já tiveram acesso, no que se refere

à atualização profissional, destacamos alguns trechos extraídos das entrevistas realizadas com

elas:

Pesquisador: Você costuma participar de formações, seminários ou

grupos de estudo que versem sobre como trabalhar a língua

portuguesa, o texto, o ensino de leitura em sala de aula? Você já

participou de alguma formação sobre ensino de leitura em EJA?

Professora W: Sempre que é oferecido pela universidade ou outras

instituições, eu estou presente. A prefeitura sempre, no início do ano,

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faz uma formação continuada pra professores de EJA, mas nada

muito específico pra leitura, de uma forma geral.

Professora M: Eh, assim, a formação que eu participei, não é, sobre o

ensino de leitura em sala de aula, foi promovida pe:::la SEDUC, né,

do município, mas foi algo assim NÃO continuado, foi assim mesmo

encontros, não é, mas não, assim, um curso mesmo de longa duração.

Nunca participei sobre formação de ensino de leitura em EJA.

Professora V: Oh, especificamente, não. Eu iniciei, agora, a

Licenciatura Plena em Letras/Português pela UESPI, tô cursando no

período de férias e alguns cursos que eu tenho nessa área ou é

oferecido pela prefeitura ou então quando eu participo das jornadas

de educação pela Ludus. A última que eu participei agora foi pela

APEP, mas não estava relacionada à leitura porque NÃO são muito

oferecidos cursos pela instituição que eu trabalho que é a prefeitura

municipal, né. Então, a gente, eu não tenho realmente assim MUITO

conhecimento DIRECIONADO à leitura, eu não me lembro ... a

experiência que eu tô adquirindo agora porque é um curso [falando

do curso de Letras] totalmente diferente do que eu fiz de Pedagogia

porque eu também sou, eu tenho o antigo curso profissionalizante da

Escola Normal e a experiência mesmo que eu tenho é com crianças,

leitura de crianças, trabalhar com crianças. (...) Então, eu tenho

dificuldade SIM para trabalhar leitura e eu sinto necessidade de uma

... formação continuada, especificamente, para essa área. (...) a

prefeitura, em si, nesses últimos dois anos, não tem feito muita coisa

nessa área de leitura, como o professor trabalhar leitura em sala de

aula.

Professora R: Sim, costumo participar de todos os seminários que

tem da Ludus, da ... agora mesmo teve essa que foi da própria ... é o

sindicato dos trabalhadores em educação, todos os seminários que

vem pro EJA eu estou participando. Já fiz um curso específico só pra

ensino de leitura em EJA no CEFET/Parnaíba.

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Percebemos, por meio dos depoimentos, que as professoras demonstram interesse em

participar de discussões sobre o ensino de Língua Portuguesa e, especificamente, sobre o

ensino de leitura. Informaram, portanto, que já participaram de momentos de reflexão sobre

ensino de língua, mas não foi possível perceber pelos relatos um engajamento em debates

sobre o ensino de leitura. Nas colocações das professoras M e V, identificamos uma resposta

mais direcionada. M disse que já participou de momentos de reflexão sobre ensino de leitura

promovida pela SEDUC, e V esclarece que não participou de nenhum momento de formação

sobre ensino de leitura e considera que há carência desses diálogos no sistema de ensino do

qual faz parte. Com relação ao ensino de leitura, especificamente para o público de EJA,

verificamos que três das quatro professoras disseram que nunca participaram de eventos para

discutir a práxis leitora no segmento de ensino em discussão. A professora W disse que já

participou de formações propostas pela prefeitura para professores de EJA, mas nada

específico para ensino de leitura. As professoras M e V disseram não ter formações

específicas sobre ensino de leitura na EJA, inclusive V observou que sente dificuldade na

execução do processo leitor com EJA e julgou necessária a realização de formações

específicas para a realização do trabalho. Destacou, ainda, que não tem muito conhecimento

sobre o ensino de leitura. Apenas a docente R relatou ter feito curso sobre a execução do

trabalho de formação leitora em EJA.

Diante dos depoimentos acima, observamos que as professores relatam a carência de

momentos de discussão sobre o ensino de leitura no ambiente escolar. A maioria afirma que

não tem acesso a reflexões sobre a prática leitora para EJA, o que pode refletir negativamente

na eficiência do trabalho em sala de aula, como identificamos no próprio discurso de V ao

afirmar:

Então, eu tenho dificuldade SIM para trabalhar leitura e eu sinto

necessidade de uma... formação continuada, especificamente, para

essa área [refere-se à EJA]. (Professora V)

A natureza dessa discussão travada com os professores sobre o acesso a formações

continuadas já era alvo de reflexões de Silva (2009) quando considera:

[...] a essência do ser professor ou do que-fazer educativo dirige-se exatamente para

o crescimento, o aprofundamento e a renovação constantes do saber epistêmico, sem

o qual corre-se o risco de esclerose didática pelo desconhecimento nas ininterruptas

conquistas culturais. (p. 59-60).

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O autor entende que atualização permanente está bastante presente na caracterização da

identidade dos professores. As habilidades são exigíveis a fim de o professor se situar

objetivamente no seu tempo histórico.

5.2 Formação em leitura: conhecimentos adquiridos para o exercício da docência

Outro questionamento feito às professoras sobre a formação teórica em leitura foi a

respeito de como foi executado o processo de formação leitora para o exercício da docência.

Esse questionamento ganhou voz considerando as colocações feitas por Bortoni-Ricardo;

Machado; Castanheira (2010), as quais repercutem sobre a necessidade de o professor ter

acesso a uma formação anterior em leitura. Tal acesso, segundo as autoras, tende a

proporcionar um bom aproveitamento das estratégias lançadas pelo professor e a melhoraria

do ensino. Esclarecem que os docentes precisam se familiarizar com metodologias voltadas

para as estratégias facilitadoras da compreensão leitora a fim de formar leitores proficientes.

A respeito disso, lançamos questionamentos da seguinte natureza:

Pesquisador: Quais foram os encaminhamentos sugeridos durante a

sua formação em leitura, na academia, para a práxis docente? Como

você se viu na atuação, no dia-a-dia com a prática e com o seu

público real de trabalho? O que percebeu em relação à teoria e à

prática? Caso perceba impasses entre a teoria a que teve acesso e a

prática, como os resolve?

As professoras assim se manifestaram:

5.2.1 Professora W

Professora W: (...) a vivência de uma acadêmica do curso de Letras,

né, é aquele estudo de algumas ... de alguns teóricos como Wanderley

Geraldi, Magda Soares que têm as suas estratégias específicas, mas

que na verdade nenhum deles trabalha a questão da educação de

jovens e adultos. Então, a dificuldade que nós sentimos hoje eh...

para aplicar essas técnicas na nossa realidade é bem grande. Os

professores deveriam ter realizado mais discussões de como nós

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trabalharmos leitura na prática de sala de aula. (...) voltando pra

nossa realidade, (...) os nossos alunos, eles trazem uma leitura já

porque são adultos, têm uma vida profissional, têm uma vida

emocional que interfere muito nesse processo, então nós não fomos,

na universidade, treinados para essa realidade. Talvez nós tenhamos

sido treinados pra uma leitura mais direcionada, isso a gente não

pode realizar na educação de jovens e adultos. Os fundamentos, né,

aqueles dos teóricos é o que tentamos aplicar, mas assim, fugimos

muito daquelas regrinhas porque a realidade da educação de jovens e

adultos é BEM diferente. Eu, como professora de Língua Portuguesa,

eu procuro todos os meios possíveis para aproximá-los da leitura,

inclusive trazendo é ... textos deles que falem muita da vida, do

cotidiano, trabalho muito com crônicas pra tentar fazer essa

aproximação.

A professora W esclarece a falta de direcionamentos para trabalhar com leitura e não

trata de nenhuma vivência com a prática em sua formação, o que torna clara a ausência de

estudo específico para o ensino de leitura. Esse fato dificulta um ensino que visa à construção

de sentidos, pois como afirma Kleiman (2001), o trabalho de construção de contextos de

reflexão sobre e por meio da linguagem é tarefa do professor, o qual, a priori, teria

fundamentação teórica e domínio de práticas discursivas que têm como fundamento a análise

da linguagem. (p. 203-204).

Quando a professora W afirma, no que tange à formação para leitura em EJA, que [...]

nós não fomos, na universidade, treinados para essa realidade. Talvez nós tenhamos sido

treinados pra uma leitura mais direcionada, isso a gente não pode realizar na educação de

jovens e adultos, demonstra uma falta de intimidade teórica com o ensino de leitura, pois

considera que as estratégias desenvolvidas com outros públicos não se adequam ao segmento

de ensino em discussão. Quando, na verdade, o que particulariza a EJA é que, como todos os

outros públicos, a instituição deve valorizar seus interesses, conhecimentos e expectativas,

mobilizando conhecimentos que surjam da vida dos envolvidos. (PICONEZ, 2004; PINTO,

2003). O ensino na EJA deve estar organizado para a formação de sujeitos históricos, o que

implica práticas reais e significativas. Daí a necessidade de o professor conhecer e entender o

espaço e as vivências de EJA para a eleição de uma metodologia adequada.

Ainda, segundo a professora W, [...] os fundamentos, né, aqueles dos teóricos é o que

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tentamos aplicar, mas assim, fugimos muito daquelas regrinhas porque a realidade da

educação de jovens e adultos é BEM diferente. Diante do comentário, percebemos que a

professora não mostra prioridade ao aplicar suas escolhas de estratégias para ensino, embora

em situações futuras perceberemos um trabalho de práticas significativas para o ensino de

leitura nas colocações presentes na fala da professora, mas que contrariam os eventos da

prática em sala de aula, o que transparece que o trabalho prático difere daquilo que declara

nas entrevistas e isso, muito possivelmente, seja indício de fragilidade na formação leitora,

como já mostrado nas afirmações feitas na entrevista: Os professores deveriam ter realizado

mais discussões de como nós trabalharmos leitura na prática de sala de aula[...]”, “[...]nós

não fomos na universidade, treinados para essa realidade. Essa falta de prioridade para

disseminação do ensino já era refletida nas pesquisas realizadas por Martin Carnoy divulgadas

em Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010) sobre a ausência de treino dos professores

para ensinar, dominando teoria e prática. O autor afirma que, muitas vezes, o professor não

domina a teoria e, quando a domina, não consegue aplicá-la na prática com os alunos.

5.2.2 Professora M

Professora M: Olha .... foi mesmo assim ... superficial, eu acho que

eles, os professores, eles simplesmente pediam pra gente ler, não é,

quem quisesse ler. Sempre foi assim. Eles não faziam discussão dos

textos com a gente. Não tinha assim uma maneira de como

trabalhar o texto não, né? Olha, no curso de graduação a gente não

viu essa parte não, né, mas, quando eu fiz o curso pedagógico de 1988

a 1991 a gente via, né, essa questão metodológica, mas hoje em dia

nem trabalham mais daquela forma. Assim, ... hoje em dia eu vejo,

em algumas reuniões pra falar sobre essa questão de leitura, mudou

um pouco, assim, mas às vezes só os termos, né, porque elas sempre

passavam pra gente como aluno é trabalhar como professor com os

alunos primeiro fazer aquela ... que hoje chamam de mobilização, não

é, a gente antes tinha que fazer assim uma (...) eles sempre diziam que

a gente tinha que começar o trabalho da leitura com uma

incentivação, né, que hoje essa incentivação seria uma dinâmica, né,

alguma atividade surpresa.

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A professora M demonstra pouca intimidade com as questões de natureza prática, pois

segundo ela não teve acesso, na sua formação, fato que a fez julgar negativamente, como já

foi mostrado em parágrafos anteriores. Por meio da afirmação [...] no curso de graduação a

gente não viu essa parte não, né, mas, quando eu fiz o curso pedagógico de 1988 a 1991 a

gente via, né, essa questão metodológica, mas hoje em dia nem trabalham mais daquela

forma, fica claro o julgamento de que os suportes disponíveis para a execução da prática na

sua graduação eram, para ela, falhos. Relata, ainda, “[...] elas sempre passavam pra gente

como aluno é trabalhar como professor com os alunos primeiro fazer aquela ... que hoje

chamam de mobilização, não é, [...] que hoje essa incentivação seria uma dinâmica, né,

alguma atividade surpresa”, fato que demonstra uma insipiência nas ações do trabalho com

leitura, fruto de uma formação que, possivelmente, não fora amparada pelos estudos

linguísticos, especialmente as teorias de leitura.

5.2.3 Professora V

Professora V: (...) eu vou agora para o terceiro bloco de

Letras/Português e eu já tive assim uma iniciação de como se

trabalhar a leitura em sala de aula (...) e, lá no curso de Letras, eu tô

vendo uma outra forma de se trabalhar leitura, totalmente diferente

daquela que eu vi na Pedagogia, né. (...) A Pedagogia ela é uma área

estritamente voltada para a criança, trabalhar a criança, e não

trabalhar o adulto que chega em sala de aula e já vem cansado, que

já vem de uma realidade totalmente diferente e eu tento falar de uma

maneira calma com eles e fazer ... tecer uma rede assim ... tentar

fazer com que essa leitura seja mais interessante pra eles.

A professora V, talvez, por ainda não ter muitas vivências com as teorias linguísticas,

uma vez que está no começo do curso de Letras, no relato mostra, também, que não teve

contato com as discussões no curso de Pedagogia, pois não descreve as experiências na

formação para o ensino de leitura. Referente ao curso de Pedagogia, afirma que os

encaminhamentos propostos para a formação só contemplam o trabalho com criança. Sabe-se,

porém, que as vivências de tal curso devam ser também norteadas pelos estudos linguísticos e

proporcionem um trabalho leitor em quaisquer públicos. A ausência desse discernimento pela

professora caracteriza uma formação leitora com lacunas. A respeito desse quadro, é oportuno

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dialogar com as considerações de Kleiman (2008b, p. 488):

Uma das razões para as incertezas do professor face à mudança paradigmática

profissional, que coincide com um ambiente de desprestígio e exacerbação dos

docentes é o desconhecimento, por parte do alfabetizador e do professor de língua

portuguesa, das teorias de linguagem que embasam os documentos oficiais, pois elas

não fazem parte da maioria dos programas dos cursos de Pedagogia e de Letras que

os formam (SOARES, 1997).

A autora esclarece a necessidade das teorias linguísticas fazerem parte da formação dos

professores a fim de lhes proporcionarem subsídios para executar o ensino, no nosso caso, o

de leitura. Assim, o centro da culpa das prática menos prestigiada não seria apenas do

professor, pois ele acaba sendo produto das formações a que foi exposto e do modelo de

educação imposto pelo sistema. Na Proposta Curricular de EJA do 2º segmento (BRASIL,

2002, p. 12), vem expresso que o ensino de língua deve “[...] fortalecer a voz dos muitos

jovens e adultos que retornam à escola para que possam romper os silenciamentos impostos

pelos perversos processos de exclusão do próprio sistema escolar [...]”, afirmação que

coaduna com a nossa discussão a respeito da forte influência dos discursos soberanos

impostos pelo sistema que se materializam em muitas práticas presentes em nossas escolas.

Ainda a respeito das considerações da professora V, faz-se uma avaliação positiva da

incipiente formação que já teve contato, quando afirma, [...] lá no curso de Letras, eu tô

vendo uma outra forma de se trabalhar leitura, totalmente diferente daquela que eu vi na

Pedagogia, né, porém não houve um discernimento das atividades que considera exitosas e

que, portanto, traria para o seu cotidiano de orientações leitoras. A análise das estratégias

empregadas pela professora nos fará perceber que se elegem orientações para construção de

sentidos, as quais contemplariam os encaminhamentos que caracteriza como positivos na sua

atual formação.

5.2.4 Professora R

Professora R: Foi muito bem abordado, eu tive ótimas professoras

que abordaram bastante a questão da leitura, né e toda essa parte de

leitura, inclusive eu ... um dos itens que eu mais me preocupo em sala

de aula é a questão da leitura.

A professora R, assim como as demais, não descreveu as atividades desenvolvidas para

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o ensino de leitura na sua formação. Embora não tenha feito isso, julgou positivamente as

abordagens leitoras executadas. Segundo ela, foi muito bem abordado, eu tive ótimas

professoras que abordaram bastante a questão da leitura, né e toda essa parte de leitura.

Verificaremos, nas seções que seguem, se a sua formação julgada como positiva repercute na

prática que executa no cotidiano escolar.

É importante considerar que as discussões levantadas nesta dissertação analisam a

formação teórica em leitura como um viés de extrema importância no ensino de leitura

desenvolvido no ambiente escolar e, a fim de interpretar e compreender as orientações que

constituem este quadro, entendemos, assim como Kleiman (2007), que a escola contribui para

um processo não exitoso de formação de leitores, quando, por exemplo, oferece uma

formação limitada ou menos específica de uma grande parcela de professores que não são

leitores e a eles cabe a tarefa de ensinar a ler e a ter prazer pela leitura. A autora considera

“[...] a necessidade de conhecimento do professor na área específica de leitura (além, é claro,

de sua formação linguística), a fim de evitar propagação de concepções obsoletas que. apesar

de serem comprovadamente ineficientes, são legitimadas [...]”. (2007, p. 30). Logo,

acreditamos, diante dessas bases teóricas, que o professor precisa de uma formação teórica em

leitura que o capacite a ensinar.

Conforme vimos nos trechos acima, extraídos das entrevistas, duas das quatro

professoras são enfáticas ao relacionar a formação a que tiveram acesso e as lacunas presentes

em suas práticas. Assim, as professoras W e M deixam claro que não tiveram acesso a uma

formação em leitura que favorecesse a execução de um ensino de leitura exitoso na EJA.

Essas professoras construíram uma visão negativa dos discursos leitores empreendidos pela

escola para a condução do processo leitor. As falas ecoam afastamento das práticas que

constituíram suas formações, o que nos leva a entender que excluem práticas como essas de

suas orientações para leitura no cotidiano de sala de aula. A confirmação disso será percebida

na análise que faremos das estratégias de leitura, em seção posterior, selecionadas pelo

professor na condução do ensino. A professora V demonstra que a formação em Pedagogia

não lhe proporcionou meios para ensinar leitura e julga a atual formação pela qual está

passando proveitosa, mas não mostra discernimento de orientações leitoras. A professora R,

diferente das demais, julga sua formação de forma positiva, todavia não descreve nenhuma

orientação leitora.

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5.3 Concepções de leitura das professoras

A eleição por uma determinada concepção de leitura pode alargar ou limitar o universo

de construção de sentidos das práticas leitoras. Analisaremos alguns trechos das falas das

professoras nas entrevistas que representam as concepções a que são filiadas: foco no autor,

no texto ou na interação. Como já dito, as concepções priorizadas pelas professoras refletem

marcas da formação teórica em leitura a que tiveram acesso.

Transcreveremos alguns momentos da entrevista em que as professoras definiram o

foco de leitura que elegem na condução das atividades que propõem, as quais serão menos

significativas para o aluno ou mais significativas, neste último caso, quando chamada a

dialogar com o texto.

5.3.1 Concepções adotadas por W

Professora W: A leitura ela é a célula, certo? (...) A leitura é o ato

para entender tudo. A leitura mais profunda é o que tem de mais

importante no estudo de um texto, tirar o aluno daquela leitura

superficial, onde eles apenas leem o texto de uma forma bem

imparcial que eles não se envolvem, que eles não participam... do

texto. Então, assim, a interpretação parte daí, dessa capacidade de

ler nas entrelinhas, de fazer descobertas ... no texto. Se eles não

forem capazes disso, eles não tão... na minha concepção como

professora, ainda não atingiram o nível de leitura necessário para se

desenvolver.

A professora W assume, na sua fala, postura contraditória às concepções que engessam

o processo significativo em leitura. Filia-se à leitura como processo de construção de sentidos

quando afirma: “Então, assim, a interpretação parte daí, dessa capacidade de ler nas

entrelinhas, de fazer descobertas... no texto”. Para ela, só se caracteriza leitura quando o

leitor é capaz de fazer descobertas, de criar, e não reproduzir. Percebe-se pelo argumento

exposto a leitura mais profunda é o que tem de mais importante no estudo de um texto, tirar o

aluno daquela leitura superficial [...] que a professora corrobora com o pensamento de

Kleiman (2007), o qual considera que as atividades restritas à decifração de palavras não

podem ser consideradas leitura. O aluno precisa, portanto, criar, interagir com o material

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linguístico.

Diante da posição assumida pela professora W, consideramos que o foco privilegiado é

o da interação entre autor-texto-leitor. Segundo Koch (2009), nessa concepção os sujeitos são

construtores sociais, dialogam com o texto ao processá-lo. Os participantes da interação

precisam dialogar com o texto, haja vista que ele não é considerado totalmente explícito e,

para perceber o que está por trás da materialidade, é preciso o leitor ativar os saberes que

acumula. A respeito da necessidade da interação para ir além da explicitude, a professora

reconhece que é necessário ler as entrelinhas, como exemplificado em trecho já transcrito

acima. Assim considerando, a professora entende que o texto tem vazios que precisam ser

preenchidos pelo leitor a fim de satisfazer intenções, tarefa daquele que se distancia da

passividade nos processos de construção de sentidos.

5.3.2 Concepções adotadas por M

Professora M: Pra mim, leitura não é só... você compreender as

palavras, conhecer as palavras e decifrar aquele código, mas eu

acho que é bem abrangente, ... a leitura é o que se faz com vários

sentidos, né, é uma percepção do ambiente que rodeia, né, o

indivíduo, então, é uma atividade de observação também que a pessoa

que lê, ela vai dizer o que ela observa, né, ao seu redor, além do que

... as palavras podem dizer. Algo que vai além das palavras.

A professora M, assim como a W, entende que o leitor não pode ser passivo diante do

texto. Também se filia a uma concepção interacional de leitura, pois afirma que leitura não é

só... você compreender as palavras, conhecer as palavras e decifrar aquele código, mas eu

acho que é bem abrangente, ... a leitura é o que se faz com vários sentidos e, segundo as

colocações de Silva (1999, p. 16), “ler é sempre uma prática social de interação com signos,

permitindo a produção de sentido(s) através da compreensão-interpretação desses signos”, o

que nos encaminha para uma atividade de construção, que vai além da simples decodificação,

como disse a professora.

Percebemos que M entende o texto como desencadeador de múltiplos sentidos, fato

constatado ao afirmar [...] a leitura é o que se faz com vários sentidos [...]. Segundo Silva

(1999, p. 16) “a riqueza maior de um texto reside na sua capacidade de evocar múltiplos

sentidos entre os leitores”. Logo, percebemos filiação ao discurso de construção. Parece-nos

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que M entende a importância de ativar contextos para a atividade de leitura ao relatar [...] é

uma percepção do ambiente que rodeia, né, o indivíduo, então, é uma atividade de

observação também que a pessoa que lê, ela vai dizer o que ela observa, né, ao seu redor,

além do que... as palavras podem dizer. A partir das leituras de Koch (2009, 2010),

entendemos que todos os saberes de que o leitor precisa para interagir com o texto estão

inclusos nos contextos sociocognitivos, daí a importância da afirmação da professora.

5.3.3 Concepções adotadas por V

Professora V: Leitura é um entendimento de uma determinada

situação colocada para o aluno, a leitura não é para o professor, a

leitura é para que o aluno se familiarize com um texto., com um

determinado fato vivido dentro daquele texto. De acordo com a

modalidade desse texto é o que o professor vai extrair o que ele tem

de melhor pro seu aluno. Então, eu acho que o texto não é só uma

coisa desvinculada do real. O texto, por mais simples que ele seja, ele

traz uma lição para o aluno. Se você for pegar aquele texto e você for

trabalhar pedaço por pedaço, frase por frase, aí você vai fazendo com

que o aluno veja que aquele texto tem significações com o real, com o

presente. (...) Um texto não tem só uma interpretação. Eu gosto

quando o aluno questiona outra coisa que o texto não tá dizendo (...).

O aluno constrói o próprio sentido dele dentro do texto. A

interpretação do autor não pode ser vista só como a verdade

absoluta, nós sabemos que nós temos vários pontos de vista, cada

mente é um universo e cada pessoa constrói um significado diferente.

O autor não deve ser visto como a verdade absoluta. (...) Eu sei que o

sistema ... cobra a interpretação que o autor sente, mas não deveria

ser assim. Eu discordo nesse momento da Língua Portuguesa. Eu

acho que nós deveríamos ter considerações. (...) Apesar que eu sei

que isso não é válido, o que vale é o ponto de vista do autor. Eu não

desconsidero, totalmente, o ponto de vista do meu aluno. (...) Claro

que o correto é o que tá ali, a situação do autor, mas também o

professor deve valorizar aquilo que o aluno também diz se tiver

sentido. (...) O professor tem que mostrar dos dois lados: olha, o seu

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entendimento é esse, mas o entendimento correto é esse aqui.

A professora V, diferentemente das posturas das profissionais acima, não centraliza seu

entendimento em, apenas, uma das concepções. Foi possível perceber uma mistura de

concepções envolvidas no trecho da entrevista. Consideramos que, ao afirmar: de acordo com

a modalidade desse texto é o que o professor vai extrair o que ele tem de melhor pro seu

aluno, ela adere a uma postura de engessamento do processo significativo do texto, em que ao

leitor cabe reconhecer uma resposta que já se encontra na superfície linguística e ele deve

reproduzir, não precisando ativar sua bagagem sociocognitiva. Assume, nesse trecho, uma

concepção de leitura focada no texto, pois, segundo Koch e Elias (2010), nessa concepção,

cabe ao leitor o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto, já que o texto é

totalmente explícito.

Ainda segundo o mesmo fragmento extraído da entrevista, no parágrafo anterior, a

professora afirma que cabe ao professor protagonizar o trabalho de lançar-se sobre o texto e

identificar, ou como ela diz, extrair um possível sentido. Constatamos que a professora, com

tal afirmação, distancia-se das ideias defendidas por Kleiman:

Mas ensinar a ler com compreensão não implica em impor uma leitura única, a do

professor ou especialista, como a leitura do texto. Ensinar a ler, é criar uma atitude

de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto (...) é ensinar a

utilização de múltiplas fontes de conhecimento - lingüísticas, discursivas,

enciclopédicas - para resolver falhas momentâneas no processo; é ensinar, antes de

tudo, que o texto é significativo, e que as seqüências discretas nele contidas só tem

valor na medida em que elas dão suporte ao significado global. (KLEIMAN, 2008a,

p. 152).

O professor, então, precisa, na verdade, criar condições para que o aluno interaja com o

texto. Argumento semelhante está posto nos PCN, documento que deve inspirar nossas

práticas: “Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o

objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno, procurando

garantir aprendizagem efetiva”. (BRASIL, 1998, p. 22). O documento deixa claro que o

professor precisa planejar. Entretanto, cabe ao aluno, a tarefa de refletir sobre o que lê e

atribuir sentido. Constatamos um claro distanciamento da professora ao entender que o

professor deve protagonizar a ação com o texto, bem como de que as informações já estão

construídas nele, não dando ao leitor a oportunidade de criar.

A professora V, ainda desconsiderando uma concepção de leitura como processo, em

que as várias partes do texto se aglutinam a fim de formar uma unidade, ponderou que Se você

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for pegar aquele texto e você for trabalhar pedaço por pedaço, frase por frase, aí você vai

fazendo com que o aluno veja que aquele texto tem significações com o real, com o presente,

tal afirmação não encontra prioridade em Koch (2009), já que ela percebe o texto como uma

unidade em que várias ligações de sentido estão presentes, já que é uma ocorrência linguística

dotada de unidade sociocomunicativa. Priorizando o entendimento advindo dos PCN,

respaldamo-nos mais uma vez na visão da leitura como processo:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e

interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o

assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre linguagem etc. Não se trata de

extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. (BRASIL,

1998, p. 69).

Segundo o documento, a leitura não se resume ao trabalho de localizar informações já

construídas nem de fragmentar a necessária unidade textual, a qual possibilita construir

sentidos.

Assumindo outra concepção de leitura, a professora esclarece “Eu gosto quando o

aluno questiona outra coisa que o texto não tá dizendo (...). O aluno constrói o próprio

sentido dele dentro do texto. [...] nós sabemos que nós temos vários pontos de vista, cada

mente é um universo e cada pessoa constrói um significado diferente”. Diante das

ponderações, julgamos, agora, uma filiação à concepção interacional de leitura, porquanto

admite que o sentido surge no curso de uma interação que é situada cognitivamente, fato que

permite as alterações de leitura para um único texto, já que o olhar leitor não é aprisionado.

Essa abordagem é validada pelos PCN, como já exposto em citação acima, ao entenderem que

o leitor realiza trabalho ativo de compreensão a partir de sua bagagem de conhecimentos e

objetivos pretendidos.

A mesma professora assevera, ainda, discurso filiador à concepção de leitura focada no

autor. Assim como a concepção focada no texto, o foco no autor toma o leitor como passivo

no que se refere à construção de sentidos. A docente afirma:

Eu sei que o sistema ... cobra a interpretação que o autor sente, mas

não deveria ser assim. Eu discordo nesse momento da Língua

Portuguesa. Eu acho que nós deveríamos ter considerações. (...)

Apesar que eu sei que isso não é válido, o que vale é o ponto de vista

do autor. Eu não desconsidero, totalmente, o ponto de vista do meu

aluno. (...) Claro que o correto é o que tá ali, a situação do autor, mas

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também o professor deve valorizar aquilo que o aluno também diz se

tiver sentido. (PROFESSORA V).

Quando diz que o correto é o que tá ali, a situação do autor assume que a atividade de

interação autor-texto-leitor não é prioridade na leitura. A professora admite postura em que o

foco das atenções é o da autoria do texto. Segundo Koch e Elias (2010, p. 10), em tal

concepção não se considera “a interação autor-texto-leitor como propósitos constituídos

sociocognitivo-interacionalmente”. O que se prioriza na concepção da professora é “o autor e

suas intenções, e o sentido está centrado no autor, bastando tão-somente ao leitor captar essas

intenções” (p.10).

A professora V afirma que o sistema impõe o foco do olhar sobre o estudo do texto na

identificação das ideias do autor e reconhece que essas considerações não são positivas: Eu

sei que o sistema... cobra a interpretação que o autor sente, mas não deveria ser assim. Eu

discordo nesse momento da Língua Portuguesa, pois considera, também, as ponderações do

aluno sobre o texto (foco na interação): mas também o professor deve valorizar aquilo que o

aluno também diz se tiver sentido, todavia se mostra sujeita às imposições do sistema ao

dizer: Apesar que eu sei que isso não é válido, o que vale é o ponto de vista do autor. Tal

sujeição se deve aos modelos de educação impostos, a qual acaba gerando certa ambiguidade

na compreensão do processo pelas professoras, as quais se dividem entre o desejo de inovar e

escapar das amarras impostas pelos discursos soberanos, mas as bases teóricas frágeis

(ausência de conhecimentos das teorias linguísticas, por exemplo) a que tiveram acesso,

durante a formação, podem não os capacitar a fugir do espaço de controle da escola.

Quando a professora julga como inadequadas as ações vislumbradas pelo sistema,

percebemos fundamento, pois, mesmo não conhecendo o documento, o texto da Proposta

Curricular de EJA do 2º segmento (2002), de fato, afirma que o trabalho da língua portuguesa

deve ser uma forma de romper os silenciamentos pelo excludente sistema escolar.

5.3.4 Concepções adotadas por R

Professora R: Leitura pra mim é o caminho, é o essencial para o

aluno se desenvolver em todas as outras disciplinas. Através da

leitura que ele terá base pra desenvolver em [...] todas as disciplinas.

(...) Importante no estudo de um texto é que o aluno possa captar a

ideia principal do texto, isso pra mim é muito importante.

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A professora R entende como importante, no estudo de um texto, a extração de uma

ideia, o que nos leva a entender que parte do princípio de que tudo está posto na superfície

linguística. Não é necessário criar, já que o texto traz uma mensagem pronta, a qual deve ser

reconhecida pelos leitores. Kleiman (2007) entende esse tipo de concepção como alienadora,

pois o leitor precisa apenas passar o olho sobre o material escrito e buscar trechos que

constituiriam um certo entendimento sobre ele. Marcuschi (1999, p. 96) é enfático ao dizer

que o sentido não está no texto, pois “embora o texto permaneça como o ponto de partida para

a sua compreensão, ele só se tornará uma unidade de sentido na interação com o leitor”.

Sobre seu entendimento de leitura, R diz que “Leitura pra mim é o caminho, é o

essencial para o aluno se desenvolver em todas as outras disciplinas”. Assim, compreende o

caráter da abrangência de saberes carregados, (re) criados por meio da leitura. Surge, porém,

uma incoerência de considerações sobre o interagir (concepção interacionaista) e o reproduzir

(concepção focada no texto), mas que, bem como foi percebido com a professora V, deve

representar o perfil de formação impositiva e restritiva a bases teóricas que possibilitem

dinamizar as práticas, proporcionado ao aluno a percepção das várias leituras que podem

surgir de um mesmo texto.

Após a análise das concepções eleitas, nas entrevistas, pelas quatro professoras,

percebemos que W elege a concepção com foco na interação como prioridade em suas

orientações de leitura. M, também, julga a concepção interacionista como adequada. A

professora V considera as três concepções, e R elege as concepções com foco no texto e na

interação. Analisaremos, no próximo capítulo, as escolhas feitas na práticas de orientações

leitoras a fim de analisar se há concordância entre essas escolhas.

5.4 Experiências das professoras enquanto leitoras

Nesta seção, temos como objetivo apresentar e discutir as experiências das professoras

enquanto leitoras. Refletiremos sobre a falta de rotina de leitura como um condicionante que

afeta o ensino de leitura, haja vista que “sem professores que sejam leitores maduros e

assíduos [...] fica muito difícil, senão impossível, planejar, organizar programas que venham a

transformar, para melhor, as atuais práticas voltadas ao ensino da leitura”. (SILVA, 2009, p.

60). Para chegarmos a reflexões sobre este último condicionante, interpretaremos as

colocações feitas pelas professoras nas entrevistas:

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Pesquisador: Você tem hábito de leitura? Que tipos de leitura

costuma fazer?

As professoras manifestaram-se:

5.4.1 Rotina de leitura da professora W

Professora W: Eu gosto muito de ler. Costumo ler revistas, jornais,

mas não faço isso diariamente. Trabalho em três turnos, aí você já

sabe... quando chego em casa, estou muito cansada e mal dá tempo

para pensar nas atividades do outro dia. Preci:::so elaborar as aulas

do dia seguinte e você sabe como dá trabalho.

A professora W assume que gosta de ler, elenca entre as suas escolhas revistas e jornais,

mas não realiza a atividade diariamente. Justifica a ausência de rotina de leitura dizendo que

tem uma carga horária de trabalho em sala de aula muito grande, o que a faz acumular muitas

atividades a serem feitas, também, em casa. Diante da cansativa jornada de trabalho, W relata

que o cansaço físico a impede de realizar leituras.

5.4.2 Rotina de leitura da professora M

Professora M: Olha, não posso dizer assim que sou uma leitora,

sabe? Porque pra mim, ser leitor é ter assiduidade. Leio muito o livro

que a gente usa aqui, né? Leio os textos pra discutir com eles. A

leitura que eu mais me dedico assim, agora, fora a leitura aqui dos

livros é a bíblia.

A professora M não se considera uma leitora, pois entende que para tal atividade é

necessário haver assiduidade. Não justifica o motivo da falta de rotina e informa que a leitura

que executa, exceto a do livro didático usado na sala de aula, é a da bíblia. Vejamos que a

professora não considera como atividade para hábito de leitura a que realiza com o livro

didático e com a bíblia.

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5.4.3 Rotina de leitura da professora V

Professora V: Ultimamente, preciso confessar que não estou tendo

hábito não. Comecei neste ano a ler um livro de autoajuda, mas ainda

nem consegui terminar porque estou sempre muito cheia de coisas

para corrigir. Fora aqu4 as leituras do texto da escola, eu... preciso

confessar que não estou lendo muito não.

Não diferente das demais, V também afirma que não tem hábito de leitura. Informa, em

tom de reprovação, a leitura inacabada de um livro de autoajuda, mas atribui o insucesso da

atividade ao acúmulo de trabalho. Foi enfática ao dizer que não tem feito muitas leituras fora

a dos textos usados em suas atividades em sala de aula. Assim como M, não considera as

leituras feitas em sala de aula como hábito.

5.4.4 Rotina de leitura da professora R

Professora R: Eu leio algumas coisas, não tudo o que eu gostaria.

Assisto muitos jornais, procuro tirar um tempo na semana pra ler

algumas revistas assim de assuntos que dê pra gente discutir em sala

de aula. Não tenho lido mais livros porque o tempo é curto.

Diferentemente das demais professoras, R informa que tem conseguido manter uma

rotina de leitura. Declara que assiste a jornais e faz leituras de revistas que tragam assuntos

que possam enriquecer sua discussão em sala de aula. Diz que sua rotina de leitura não é mais

qualificada por falta de tempo.

Percebemos pelos relatos acima que três professoras afirmam que não têm a leitura

como hábito. As professoras W e V declaram que a falta de rotina de leitura tem relação com

o acúmulo de atividades provenientes do trabalho. Já a professora M, não justifica a falta de

rotina de leitura. A professora R disse-nos que mantém rotina de leitura.

Diante do quadro desenhado acima, consideramos que

[...] se a relação do professor com o texto não tiver um significado, se ele não for um

bom leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor. E, à

semelhança do que ocorre com ele, são igualmente grandes os riscos de que o texto

não apresente significado nenhum para os alunos, mesmo que eles respondam

satisfatoriamente a todas as questões propostas. (LAJOLO, 1982, P. 53).

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A autora reflete sobre a responsabilidade do professor na formação de leitores, mas,

para assumir esse papel, precisa ser um leitor. Observamos, acima, nos relatos das professoras

envolvidas em nossa pesquisa, que a maioria delas afirma não ter uma rotina de leitura, fato

que, possivelmente, torne suas práticas menos significativas, não oportunizando ao aluno, em

suas orientações de leitura, a condição de se tornar um construtor de sentidos. A condição de

leitor potencializa o professor no sentido de pensar em atividades de leitura que estimulem os

alunos a ler, seja por aproximá-los de contextos dos quais os alunos pertençam, pois se

reconhecerão como sujeitos dessa leitura; seja por lhes dar condições de ampliar os seus

conhecimentos leitores, aproximando-os de outros contextos. Para realizar essas atividades, o

professor precisa ter leituras anteriores que lhe proporcione, por exemplo, fazer conexões

entre os temas dos textos lidos por seus alunos com outros textos, quando sinaliza pela

consulta aos conhecimentos prévios de leitura de seus alunos, a necessidade de ampliá-los.

(GERALDI, 1996).

Segundo Guedes (2006), o professor de português “precisa ensinar-se a ler, começando

por apropriar-se dos sentidos que sua leitura pessoal atribui – a partir de suas crenças, de sua

experiência de vida e de leitura – ao que lê, mesmo aos textos dos quais deve falar a seus

alunos”. (p. 74-75). O professor deve refletir sobre a sua leitura, ter consciência sobre o que lê

a fim de criar condições de assumir esse papel diante de seus alunos e, assim, torná-los

leitores que assumem posição dialógica diante do texto.

O professor leitor ensina o seu aluno a ler tal como se ensinou a ler, pois, segundo

Guedes (2006), “o professor não é um leitor como qualquer outro: ele precisa aprender como

se aprende a ler para descobrir como se ensina a ler e não tem outro jeito a não ser observar-se

aprendendo a ler”. (p. 75). Espera-se que os modelos de leitura do professor possam capacitar

os alunos para

[...] reconstruir, em face de uma leitura de um texto, a caminhada interpretativa do

leitor: descobrir por que este sentido foi construído a partir das pistas fornecidas

pelo texto.

Isto significa se perguntar, no mínimo, que variáveis sociais, culturais e linguísticas

foram acionadas pelo aluno para produzir a leitura que produziu. Isto significa dar

atenção ao fato de que a compreensão é uma forma de diálogo. É dar às

contrapalavras do aluno, em sua atividade responsiva, a atenção que a palavra

merece. É fornecer-lhe contrapalavras que outros leitores deram aos mesmos textos.

Não é por nenhuma opção ideológica prévia que é necessário dar a palavra a quem

foi silenciado: é uma necessidade linguística ouvi-la se se quiser compreender a

atividade com textos como uma atividade de produção de sentidos. (GERALDI,

1997b, p. 112).

Percebemos que, para o professor assumir as posturas referidas nas colocações acima,

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como fornecer aos alunos contrapalavras que outros leitores deram ao mesmo texto a fim de

assumir posicionamento crítico diante dele, precisa ser um leitor, pois assumindo tal postura,

dá suporte para os alunos se tornarem leitores. Por essa razão, Geraldi (1996) diz que o

professor precisa ser um mediador de leituras, “cabe ao professor um papel ativo nesse

processo, perguntando, fazendo refletir, fazendo argumentar, escutando as leituras de seus

alunos para com elas e com eles reaprender o seu eterno processo de ler”. (p. 118). Diante

dessas ideias, percebemos que as professoras envolvidas em nossa pesquisa, em vários

momentos das atividades desenvolvidas ou durante as entrevistas, assumem postura que

inibem o aluno de interagir com o texto, fato que, segundo discussões acima, podem refletir

na ausência de rotina de leitura do professor.

Descrevemos abaixo alguns fragmentos do nosso corpus no que se refere a concepções

de leitura do professor, as quais demonstram posicionamentos limitadores do papel do aluno

ante o texto. De acordo com nossa interpretação, tomando como base as afirmações sobre as

rotinas de leitura das professoras expostas no início desta seção, acreditamos que as

concepções priorizadas pelas professoras, também, têm ligação com os hábitos de leitura do

professor e, possivelmente, refletem a formação em leitura que tiveram acesso. Sobre esse

último aspecto, nosso objetivo não é criar generalizações, mas interpretar, diante do nosso

corpus, indícios que encaminham para as afirmações feitas até aqui. Vejamos que, em

entrevistas já apresentadas (seção 4.2), três das quatro professoras, afirmaram que seus

professores não as capacitaram de maneira adequada. As rotinas das professoras têm relação

com as concepções de leitura que eles adotam. Observemos o que dizem nos trechos abaixo:

Professora W: Você não vai sobrepor a sua ideia sobre aquela

[segundo ela, a ideia do autor] porque o texto não é seu. (Extraído de

Concepções de leitura adotadas na execução do trabalho em sala de aula)

Professora M: Tem um textozinho aí que por esse parágrafo dá pra

responder a primeira questãozinha. De que fala o texto, ou seja, qual

o sentido dele?

Aluna: Fala de um moço chamado Severino que decidiu correr o

mundo para fazer fortuna.

Professora M: Isso. Todos responderam assim? (Extraído de Concepções

de leitura adotadas na execução do trabalho em sala de aula).

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Professora V: [...] De acordo com a modalidade desse texto é o que o

professor vai extrair o que ele tem de melhor pro seu aluno. (Extraído

de Concepções de leitura do professor).

Professora R: Na primeira questão diz o seguinte: de que modo os

leitores (nós) podemos participar da campanha [...]. Aqui diz no

texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram? (Extraído de Concepções

de leitura adotadas na execução do trabalho em sala de aula).

Percebemos, a partir do recorte acima, que todas as professoras optam por perfis

parecidos, os quais limitam a condição do aluno de construtor de significações, devendo

assumir ideias do autor ou localizar ideias construídas no texto ou assumir a resposta

protagonizada pelo professor, enfim assumir postura passiva. Considerando as entrevistas

sobre o perfil de leitor do professor, percebemos que todos os que disseram não ter uma rotina

de leitura, não ponderam que os sentidos são construídos a partir da interação estabelecida

entre autor-texto-leitor com propósitos constituídos sociocognitivo-interacionalmente.

(KOCH; ELIAS, 2010). Diante das considerações estabelecidas até o momento, parece-nos,

portanto, que há uma ligação entre o perfil de leitor do professor e suas escolhas, a partir, por

exemplo, do que entende sobre leitura para trabalhar o texto na sala de aula.

Vejamos que R, a única professora que afirma ter uma rotina de leitura, também

concebe a leitura com foco no texto, pois solicita que os alunos encontrem uma resposta

“Aqui diz no texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram?”. Embora R julgue

positivamente a formação a que teve acesso “Foi muito bem abordado”, constatamos que

também assume, no recorte analisado, postura que inibe o potencial criativo dos alunos.

Percebemos, então, que a maioria das professoras declara não ter uma rotina de leitura

e, esse fato, parece-nos ter reflexo nas práticas com a leitura, pois as concepções de leitura

eleitas por essas professoras inibem o aluno de se comportar como um construtor de sentidos.

5.5 Estratégias eleitas para o ensino de leitura

Segundo Solé (1998), entende-se por estratégias leitoras os procedimentos que

envolvem “objetivos a serem realizados, o planejamento de ações que se desencadeiam para

atingi-los, assim como sua avaliação e possível mudança. (p. 69-70). Assim, as estratégias são

procedimentos e, como tal, conteúdos de ensino, logo, o ensino de estratégias para a

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103

compreensão dos textos precisa ser feito.

As estratégias leitoras precisam ser ensinadas pelos professores a fim de evitar que a

resposta pronta predomine no estudo de um texto. Ensinam-se estratégias de compreensão

textual para formar leitores autônomos, aqueles que aprendem por meio da leitura, mantendo

relações entre seus conhecimentos prévios e as informações advindas dos textos. (SOLÉ,

1998). Como já afirmado outrora, a formação do professor é fator importante para a eleição de

estratégias utilizadas no ensino de leitura. Nesta seção, identificamos por meio de trechos de

falas das professoras, as estratégias por elas usadas para ensinar leitura. Para chegar a esta

reflexão, perguntamos a elas que estratégias elegiam nas suas orientações de leitura.

Atentemos para as escolhas:

5.5.1 Estratégias eleitas pela professora W

Professora W: [...] eu procuro todos os meios possíveis para

aproximá-los da leitura, inclusive trazendo eh... textos deles que

falem muito da vida, do cotidiano, trabalho muito com crônicas pra

tentar fazer essa aproximação. As estratégias que nós usamos pra

esse público é exatamente aquela de fazer eles sentirem contato com

o texto como alguma coisa mais concreta, né, (...) porque não têm

tempo pra sentar e se deleitar com o livro. Então, a gente aproveita a

sala de aula pra trazer eh... jornais pra sala de aula, pequenos livros

que eles possam manusear, ter o contato direto com o texto aqui na

escola porque quando eles saem da escola eles não se deparam com

esse tempo, com esse privilégio de parar pra ler, pouquíssimos deles a

gente pode... dizer que fazem isso. Costumo levar para a biblioteca ou

sala de leitura e realizamos oficinas, distribuindo vários textos para

escolherem. Eles fazem a leitura e depois a gente discute o que

construíram, peço para eles exporem as construções para os textos.

Então, nós tentamos usar o máximo, eu pelo menos uso oitenta por

cento da minha aula trabalhando leitura, trabalhando estratégias,

trabalhando dicas pra leitor e pra escritor. Algo desse nível. Eu

incentivo muitas formas de leitura, que eles assistam jornais, que eles

participem eh... de:::... uso de programas, de revistas voltadas pro

público pra vê se eles conseguem ampliar esse universo da leitura que

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é muito restrito pra eles.

Entendemos que, na entrevista, a professora W elege encaminhamentos de leitura que

possibilitam os alunos construir sentidos, porém não descreve as estratégias utilizadas para

esse trabalho: As estratégias que nós usamos pra esse público é exatamente aquela de fazer

eles sentirem contato com o texto como alguma coisa mais concreta [...]. A professora não

descreve procedimentos para trabalhar leitura e segundo Solé (1998, p. 70) “[...] as estratégias

de leitura são procedimentos e os procedimentos são conteúdos de ensino, então é preciso

ensinar estratégias para a compreensão de textos”.

Embora a professora não tenha descrito como encaminha os alunos para acessar

estratégias de compreensão leitora, ela vai, ao longo da sua fala, elencando atividades que,

mesmo implicitamente, capacitam os alunos para elegerem estratégias. Quando afirma eu

procuro todos os meios possíveis para aproximá-los da leitura [...], a professora mantém

postura semelhante com a indicação de que o professor precisa tornar as fontes de informação

acessíveis ao aluno, pois facilitarão na leitura dos textos. Essa indicação que consiste na

ampliação do conhecimento de mundo leitor está prevista nas estratégias para alargar a

competência leitora, estabelecidas pela Proposta Curricular do 2º segmento de EJA.

Destacamos, ainda, outro indício de eleição de estratégias leitoras em [...] eu procuro

todos os meios possíveis para aproximá-los da leitura, inclusive trazendo eh... textos deles

que falem muito da vida, do cotidiano [...]. A ampliação de leituras e a aproximação do aluno

de temas que ele já conhece ajudarão a acessar os conhecimentos prévios fundamentais para

fazer previsões sobre o texto. (SOLÉ, 1998). Ativar conhecimentos arquivados por meio de

questionamentos, por exemplo, consiste em uma estratégia de ordem cognitiva.

A professora afirma que diversifica as orientações propostas a fim de aproximar os

alunos da leitura e fazerem reconhecê-las nos contextos que se inserem, para isso, faz uso de

gêneros como a crônica. Quando relata [...] eu procuro todos os meios possíveis para

aproximá-los da leitura, inclusive trazendo eh... textos deles que falem muito da vida, do

cotidiano, trabalho muito com crônicas pra tentar fazer essa aproximação, adequa-se aos

PCN, pois entendem que todo texto se organiza em determinado gênero por conta das

intenções comunicativas que carregam. Fica claro que ela parece tentar selecionar textos de

usos sociais mais frequentes. Podemos pontuar que ao se preocupar com o trabalho de

percepção das características dos textos, W se integra ao que os PCN orientam sobre a

necessidade de reconhecer características formais e funcionais dos gêneros para eleger

estratégias para compreendê-los.

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105

Com relação à aproximação do aluno ao mundo a que faz parte, ao dizer: [...] textos

deles que falem muito da vida, do cotidiano [...], a professora vai ao encontro do que Brandão

e Micheletti (1997, p. 22) consideram: “a leitura como exercício da cidadania exige um leitor

privilegiado [...] que seja capaz de ultrapassar os limites pontuais de um texto e incorporá-lo

no seu universo de conhecimento de forma a levá-lo a melhor compreender seu mundo e seu

semelhante [...]”.

Consideramos oportuna a decisão da professora em disponibilizar diversos tipos de

leitura para os alunos e de lhes dar a oportunidade de escolhê-los. A Proposta Curricular do 2º

segmento de EJA esclarece que o professor não deve ser o único a escolher os textos, pois é

preciso educar para a liberdade de escolha. Esclarecemos, porém, que as atividades de

construção de estratégias serão necessárias, também, para chegar a tal anseio.

Oportuno, também, é dar voz aos alunos para eles manifestarem as suas opiniões, logo a

opção por [...] levar para a biblioteca ou sala de leitura e realizamos oficinas, distribuindo

vários textos para escolherem. Eles fazem a leitura e depois a gente discute o que

construíram [...], habitua os alunos a se tornarem leitores autônomos, aqueles que, segundo os

PCN, são capazes de interrogar-se sobre a própria compreensão, mantendo relação entre o que

leu e sua bagagem de conhecimentos. Mais uma vez lembramos que não se constrói um leitor

autônomo sem um professor mediador. (SOLÉ, 1998). A Proposta Curricular do 2º segmento

de EJA trata da necessidade de o professor propor discussões sobre as leituras realizadas a fim

de abrir reflexões e despertar criticidade. Logo, parece-nos que a professora descreve uma

conduta de práticas que a encaminham para essa estratégia.

A professora W elege, nas suas falas dispostas na entrevista, encaminhamentos de

leitura que oportunizem aos alunos construir sentidos. Embora não descreva os procedimentos

de leitura que constituem suas estratégias para o ensino, fato que julgamos estar ligado com a

formação leitora a que teve acesso, descreve atividades que, possivelmente, capacitam os

alunos na eleição de estratégias para a leitura.

5.5.2 Estratégias eleitas pela professora M

Professora M: Olhe, hoje em dia a gente procura trazer textos que

realmente chame a atenção, a gente não vai passar pros alunos

qualquer texto, né. Um texto que possivelmente eles não irão gostar,

né, mas trazer um texto que... eles se interessem em ler e, às vezes, um

texto assim não muito longo também, né porque muitos já não

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106

querem ler, né. Às vezes, leem pela insistência da gente porque a

gente procura também conscientizar os alunos da importância da

leitura, não é, na vida prática deles, na vida secular e aí com essa

conscientização a gente, e com a insistência também, muitos acabam

lendo, né?

Assim como W, a professora M não descreveu procedimentos que envolvessem a

presença de objetivos a serem realizados. Não nomeou ações para atingir tais objetivos por

meio da leitura. Constrói, sutilmente, encaminhamentos de atividades para trabalhar o ensino

por meio do texto, os quais, se realizados com a mediação do professor, podem desenvolver

nos alunos meios para escolherem estratégias de compreensão leitora.

Quando diz: [...] a gente procura trazer textos que realmente chame a atenção, a gente

não vai passar pros alunos qualquer texto, né, percebemos que entende as atividades de

leitura como desencadeadora de desejo e prazer, já que deixa clara a importância de seleção

de atividades que os alunos [...] se interessem em ler. Essa posição mantém concordância

com Kleiman (2007) ao citar Bellenger (1978), o qual pondera que a leitura se baseia no

desejo, cuja experiência com o texto pode transformar as experiências de vida. Diante dessa

colocação, entendemos que M trata a leitura como atividade criadora de sentido e que, se

mediada, pode encaminhar o aluno para estratégias de ordem cognitiva, como o acesso a

conhecimentos prévios. Solé (1998) caracteriza essa atividade como estímulo a expor o que os

alunos conhecem do tema.

A professora afirma que tenta dispor texto que não seja [...] muito longo também, né,

porque muitos já não querem ler, né. Parece-nos que responsabiliza os alunos pela falta de

desejo para ler, o que contraria com afirmações apontadas acima, em que dizia considerar o

interesse dos alunos pela leitura. Em relação à extensão do texto, M a percebe como uma

saída para chamar a atenção do leitor, fato que é oposto ao que os PCN entendem:

Analisando os textos escritos que costumam ser considerados adequados para os

leitores iniciantes, verifica-se que, na grande maioria, são curtos, às vezes apenas

fragmentos de um texto maior - sem unidade semântica e/ou estrutural - ,

simplificados, em alguns casos, até o limite da indigência. Confunde-se capacidade

de interpretar e produzir discurso com capacidade de ler e escrever sozinho.

(BRASIL, 1998, p. 50).

Os próprios alunos devem selecionar marcas, construir hipóteses e testá-las, dentre

outras instruções que o encaminhem à compreensão do texto. Essas instruções, obviamente,

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107

precisam ser ensinadas. Em se tratando de seleção textual para o trabalho em sala de aula, os

PCN elencam como estratégia elegível para ampliar o conhecimento de mundo leitor o

desafio. O texto longo pode ser desafiador e romper como o universo de expectativa dos

alunos, considerando sua condição atual. Os parâmetros enfatizam que os professores

precisam orientar a leitura para que essa estratégia se efetive.

Com relação ao trabalho de conscientização da importância da leitura, M considera: [...]

a gente procura também conscientizar os alunos da importância da leitura, não é, na vida

prática deles [...], a professora não informou quais procedimentos usa para fazer com que os

alunos entendam que a leitura os capacita a usar os conhecimentos apreendidos em outros

contextos. Há a necessidade não apenas de conscientizar, mas, também encaminhar atividades

que permitam ao aluno interagir com o texto. Segundo Kleiman (2001), a formação do leitor

autônomo não ocorre espontaneamente, pois é uma tarefa de ordem cognitiva e social.

Percebemos que a professora M não descreve as estratégias que usa para o ensino de

leitura, demonstrando que se confirma a afirmação feita na entrevista sobre a falta de

encaminhamentos para a construção de orientações leitoras em sua formação teórica. (Ver

seção 4.2). Acreditamos que, possivelmente, a falta de acesso a bases teóricas na formação

leitora reflete sobre as escolhas utilizadas pela professora.

5.5.3 Estratégias eleitas pela professora V

Professora V: [...]então eu tô tentando melhorar, eu tô tentando fazer

pontes entre a leitura e situações reais que eles vivem, comparar o

texto com algum momento da vida deles pra eles verem que essa

leitura tem significado entre a vida do aluno, e não é só a leitura por

si só, uma leitura solta desvinculada daquilo que ele já viveu (...).

fazendo assim ligações com a realidade, fazendo com que essa leitura

se torne mais significativa pra ver se eles se sentem mais empolgados

em ler [...] o texto é a base de tudo, então partindo do texto eu tenho

que partir para a gramática, eu tenho que partir para situações

reais. O caminho metodológico é o texto, é a contextualização do

texto. Então, eu tô tentando aos poucos começar a trabalhar essa

metodologia.

A professora V, não diferente das demais, lança algumas orientações para leitura, mas

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não descreve com clareza os procedimentos envolvidos na capacitação dos alunos para

analisar as possíveis falhas de compreensão e a flexibilidade para encontrar soluções,

realizando operações regulares para abordar o texto.

Vimos que a professora cita na sua fala orientações leitoras que, embora não descrevam

os procedimentos ensinados para fazer os alunos chegarem à compreensão, podem

encaminhá-los a construir estratégias. Quando diz: [...] eu tô tentando fazer pontes entre a

leitura e situações reais que eles vivem, comparar o texto com algum momento da vida deles

pra eles verem que essa leitura tem significado entre a vida do aluno [...], encaminha o leitor

a fazer predições, estratégia de ordem cognitiva, as quais estão apoiadas no conhecimento

prévio (conhecimento de mundo) do aluno. Entendemos que a professora deve proporcionar

esses encaminhamentos, mas o aluno precisa protagonizá-los. Afirmamos isso porque, ao

dizer: [...] eu tô tentando fazer pontes [...], gerou-nos incerteza se protagoniza a ação ou a

orienta, fato que será confirmado na próxima subseção, análise da práxis leitora. Mantém

aproximação com a afirmação de Kleiman (2007, p. 52):

[...] o leitor eficiente faz predições baseadas no seu conhecimento de mundo. Na

aula de leitura é possível criar condições para o aluno fazer predições, orientado pelo

professor, que além de permitir-lhe utilizar seu próprio conhecimento, supre

eventuais problemas de leitura do aluno, construindo suportes para o enriquecimento

dessas predições e mobilizando seu maior conhecimento sobre o assunto.

Esse encaminhamento levaria o aluno a incorporar os conhecimentos adquiridos, no

texto, ao seu universo de saberes para que possa compreender melhor o seu mundo.

A professora entende que a leitura precisa ser [...] significativa pra ver se eles se sentem

mais empolgados em ler [...]. Demonstra, dessa forma, entendimento de que a leitura é uma

atividade que só gera sentidos quando o aluno consegue ver objetivos, sente-se seduzido por

ela. Implicitamente, a professora aponta ligação com estratégias que antecedem a leitura como

o esclarecimento que o aluno precisa ter sobre os objetivos da atividade, os quais serão mais

ou menos significativos dependendo dos seus conhecimentos prévios. Se tiverem

conhecimentos sobre o assunto, a leitura, certamente, será mais significativa. O professor

precisa ativar e atualizar se necessário os conhecimentos prévios dos leitores, mas, para isso,

precisa diagnosticar o que já sabem a respeito do tema. (SOLÉ, 1998; BORTONI-RICARDO;

MACHADO; CASTANHEIRA, 2010). Portando, uma série de medidas precisam ser tomadas

pelo professor para que o aluno desencadeie a construção de sentidos. A professora V não

possibilitou a percepção desses passos no ensino de leitura.

Com a afirmação: [...] partindo do texto eu tenho que partir para a gramática, eu tenho

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que partir para situações reais. O caminho metodológico é o texto, é a contextualização do

texto parece-nos que a base que usa para elaborá-la teria sido extraída do senso comum, pois

não direciona procedimentos que a constituiriam. Afirma, apenas, que caminho metodológico

seria o texto e a sua contextualização. Entendemos que quando fala de caminho metodológico

refere-se às estratégias de compreensão leitora.

Apesar da ausência de procedimentos, V entende que o texto deve ser tomado como

unidade de ensino e, a partir dele, vários estudos podem ser feitos, dentre eles, o gramatical.

Confirmamos a prioridade da afirmação a partir dos PCN:

Quando se toma o texto como unidade de ensino, os aspectos a serem tematizados

não se referem somente à dimensão gramatical. Há conteúdos relacionados às

dimensões pragmática e semântica da linguagem, que por serem inerentes à própria

atividade discursiva, precisam, na escola, ser tratados de maneira articulada e

simultânea no desenvolvimento das práticas de produção e recepção de textos.

(BRASIL, 1998, p. 78).

A partir das considerações, fica entendido que o ensino de língua não tem

funcionalidade se desarticulado das práticas de linguagem, da mesma forma que o ensino de

gramática, haja vista que a constituição do texto é uma constituição gramatical.

Embora não tenhamos como medir, parece-nos que a professora V demonstra pouco

entendimento sobre as estratégias de leitura, mas faz direcionamentos que, se bem mediados,

conduziriam o leitor à compreensão.

5.5.4 Estratégias eleitas pela professora R

Professora R: Sim, trabalhar com filmes, trabalhar com músicas em

sala de aula, poesias, principalmente poesias, né? [...] eles faltam

MUITO, eles não têm muito assim... têm alunos que passam uma

semana sem vir para a sala de aula, tem aluno que passa até quinze

dias, até um mês, de repente eles retornam. Então, a teoria e a

prática... ela se torna muito difícil por isso. Trabalhar com EJA é

difícil nessa parte.

Através dos depoimentos da professora R, não foi possível perceber nenhuma estratégia

de leitura eleita. Citou, apenas, a preferência por [...] trabalhar com filmes, trabalhar com

músicas em sala de aula, poesias, principalmente poesias [...], todavia não explicou a razão

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dessas escolhas nem mesmo da poesia, já que deu maior ênfase a ela. Os recursos citados

podem ser de extrema importância, quando utilizados com a mediação do professor, para

expandir os conhecimentos de mundo leitor dos alunos.

A Proposta Curricular do 2º segmento de EJA cita como estratégias de compreensão

leitora a realização de conexões entre o teor do texto lido com outros que já se conhecem

como propagandas, filmes, músicas a fim de favorecer a ampliação dos contextos

sociocognitivos dos alunos, o que possibilitará maior desenvoltura quando se depararem com

outros textos que tratem do mesmo assunto. Não temos como definir se as conexões postas

pela proposta são realizadas pela professora. Nós a citamos, apenas, pelo fato de a professora

ter feito referência a esses recursos em sua fala.

Embora tenhamos questionado a professora sobre as estratégias eleitas para o ensino de

leitura, tivemos como argumento: [...] eles faltam MUITO, eles não têm muito assim... têm

alunos que passam uma semana sem vir para a sala de aula, tem aluno que passa até quinze

dias, até um mês, de repente eles retornam. Então, a teoria e a prática... ela se torna muito

difícil por isso, o que nos leva a caracterizar tal resposta como um impasse percebido pela

professora para a execução da prática. Então, responsabiliza os alunos pela falta de êxito entre

o trabalho teórico e o prático.

Entendemos que, provavelmente, a falta de bases teóricas na formação da professora

tem relação com a ausência de procedimentos de leitura que, de fato, possibilitem aos alunos

se tornarem leitores autônomos. A professora julgou, em entrevista, positivamente a formação

a que teve acesso: Foi muito bem abordado, eu tive ótimas professoras que abordaram

bastante a questão da leitura [...], todavia os depoimentos ora analisados não refletem os

ensinamentos dessa formação, o que não impede de a percebermos nas escolhas feitas no

trabalho prático analisado no próximo capítulo.

Concordamos com Silva (1999) quando diz que, possivelmente, as práticas e

concepções teóricas simplistas de leitura têm como causa a estagnação docente e suas

condições objetivas para a convivência com textos no ambiente escolar. O autor é enfático ao

dizer que “[...] a pobreza material do contexto escolar [...] para as práticas de leitura é

diretamente proporcional ao empobrecimento de pensamento daqueles que têm por

responsabilidade planejar e orientar essas práticas”. (p. 12).

Com as análises realizadas, percebemos que as professoras não procedem ao ensino de

procedimentos de leitura, embora manifestem, tentativamente, aproximar os alunos do texto e

da leitura. Não descrevem as estratégias de leitura que os alunos devem acessar para chegar à

compreensão.

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111

5.6 O material didático para o ensino de leitura

Objetivamos, nesta seção, analisar os encaminhamentos selecionados, nas entrevistas,

pelas professoras para trabalhar o material didático utilizado no ensino de leitura.

Analisaremos, assim, a seleção e a forma de abordagem dos textos escolhidos, além dos

encaminhamentos propostos para explorar esses textos.

Iniciaremos as discussões com a análise de trechos das entrevistas realizadas com as

professoras quando tratamos das características do material didático utilizado nos aspectos do

estilo de questões para a compreensão do texto e adequação delas ao gênero em estudo.

Esclarecemos que a observância às características dos gêneros se dá em virtude da

necessidade de o leitor conhecê-las para atribuir sentido aos textos. Essas respostas servirão

de parâmetro para percebermos as escolhas feitas nas falas e as desenvolvidas na práxis de

leitura.

Pesquisador: As questões propostas pelos materiais escolhidos por

você ou indicados pelo livro didático utilizado proporcionam aos

alunos fazer reflexão crítica, permitem expansão ou construção de

sentidos? As funções ou propósitos comunicativos dos gêneros

textuais são atendidos por esses materiais? Caso isso não aconteça, o

que você faz?

Vejamos as considerações:

5.6.1 Professora W

Professora W: Eu tento trabalhar todos os gêneros, inclusive os não

contemplados pelo livro, por isso costumo trazer poesia, quadrinhos,

jornal. Costumo, sempre que possível eh... trabalhar com outros tipos

de leitura, como filmes para eles interpretarem.

A professora W afirmou que tenta trabalhar com todos os gêneros, não apenas aqueles

selecionados pelo livro didático utilizado. Ela deixa transparecer um certo desconhecimento

do que seriam os gêneros, haja vista a infinidade de gêneros existentes, o que não

possibilitaria um trabalho que contemplasse todos, como afirma. Segundo Marcuschi (2008,

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112

p. 155), “[...] os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam

em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas”. Se os gêneros realizam

linguisticamente situações sociais particulares, as quais são infindáveis, não constituem

listagens fixas. Assim, entendemos a impossibilidade de se contemplar todos os gêneros em

nosso trabalho em sala de aula. Os PCN são diretivos ao entender que “a grande diversidade

de gêneros, praticamente ilimitada, impede que a escola trate todos eles como objeto de

ensino; assim, uma seleção é necessária". (BRASIL, 1998, p. 53).

Cita alguns gêneros com os quais costuma trabalhar: Eu tento trabalhar todos os

gêneros, inclusive os não contemplados pelo livro, por isso costumo trazer poesia,

quadrinhos, jornal, todavia mantém algumas inconsistências conceituais, como o trato do

jornal como gênero, uma vez que ele é um suporte. Refere-se à “poesia” quando seria poema

e “quadrinhos” quando seriam os gêneros dos quadrinhos. Informa, ainda, que proporciona o

trabalho com filmes para os alunos interpretarem. Durante a nossa pesquisa, não houve

atividades com vídeo.

Vejamos que W não se voltou a responder às perguntas dirigidas por este pesquisador,

porque não julgou as questões propostas pelo material didático utilizado quanto à

compreensão do texto e à adequação ao propósito dos gêneros.

5.6.2 Professora M

Professora M: Sim. Olha, as questões são assim pertinentes, embora

sempre é necessário acrescentar alguma coisa, né?

De forma, extremamente, sucinta a professora M afirmou que as questões são assim

pertinentes, embora sempre é necessário acrescentar alguma coisa, né?. Não teceu

comentários sobre o estilo das questões destinadas à compreensão nem respondeu às

indagações sobre a maneira como essa questões tratam os gêneros. Quando a professora usa a

palavra “embora”, admite que existem incompletudes nas questões a serem revistas pelo

professor. Nós questionamos que possíveis medidas tomava caso houvesse lacunas na

proposição das questões referentes aos exercícios de compreensão e adequação ao gênero,

todavia M são se manifestou.

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113

5.6.3 Professora V

Professora V: Bem, as questões nem sempre atendem o propósito do

gênero não. Mas veja só: o texto em si atende essa modalidade do

gênero textual. As questões, elas permitem ao aluno perceber o

propósito dos gêneros, mas vou lhe dizer que o professor pre::: cisa

extravasar as questões do livro.

A professora V inicia afirmando que [...] as questões nem sempre atendem o propósito

do gênero não, mas, em seguida, demonstrando desvios teóricos diz: Mas veja só: o texto em

si atende essa modalidade do gênero textual. Entendemos que quando se reporta a nós e diz:

“mas veja só”, parece-nos que considerou a nossa pergunta como redundante, pois não

haveria percebido a necessidade de as questões serem construídas em concordância com os

propósitos discursivos do gênero, uma vez que elas já viriam explícitas no texto. Não temos,

porém, como prever se a professora considera os gêneros como textos empiricamente

realizados que cumprem funções em situações comunicativas, respondendo a uma

necessidade. (MARCUSCHI, 2010).

Assumindo postura contraditória afirma: as questões, elas permitem ao aluno perceber

o propósito dos gêneros. Não demonstra muita segurança se tem entendimento do que sejam

as funções ou propósitos dos gêneros ou se costuma avaliar a necessidade de haver uma

interlocução das questões com os gêneros em que os textos estão materializados. A

contradição foi construída pelo fato de ter afirmado acima que as questões nem sempre

atendiam ao propósito dos gêneros. Declara que o professor precisa extravasar as questões dos

livros, mas não esclareceu por que precisa executar a referida ação, embora tenhamos

perguntado que medidas deveriam ser tomadas, caso o professor julgasse necessário fazer

alguma adaptação ao material. Em sua resposta, V não considerou se as atividades

encaminham os alunos a reflexões críticas sobre os textos lidos.

5.6.4 Professora R

Professora R: As questões são muito bem elaboradas, o livro traz...

muito bom e permitem sim. As funções dos gêneros também eh... são

contempla::: das. A poesia, a música, as narrativas que eles

[materiais] trazem atendem.

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A professora R respondeu afirmativamente às perguntas feitas, não fazendo comentários

sobre o estilo das questões. Ao afirmar: a poesia, a música, as narrativas que eles [materiais]

trazem atendem, parece-nos certa insipiência sobre o que seriam os gêneros textuais, pois

perguntamos se as questões propostas para discutir os textos atendiam às funções dos gêneros

e a professora afirmou que eles têm função e, tal afirmação, é óbvia. Além disso, R cita, por

exemplo, as narrativas como gênero, o que a levou a um equívoco conceitual.

Constatamos que as professoras não fazem comentários sobre as características das

atividades propostas por elas ou alguma modificação naquelas elaboradas pelos materiais

didáticos selecionados. Por meio dos relatos, as professoras não mostraram reconhecer

características de questões que proporcionam ao leitor compreender os textos e perceber a

função dos gêneros em estudo. Perceberemos, com a descrição das atividades encaminhadas,

as características das questões e, implicitamente, o entendimento que as professoras têm sobre

leitura como construção de sentidos.

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115

6 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras

fazem

Leio e me ponho a pensar... Minha leitura

seria então a minha impertinente ausência.

Seria a leitura um exercício de ubiquidade?

Experiência inicial, até iniciática: ler é estar

alhures, onde não se está, em outro mundo; é

constituir uma cena secreta, lugar onde se

entra e de onde se vai à vontade; é criar

cantos de sombra e de noite numa existência

submetida à transparência tecnocrática e

àquela luz implacável que, em Genet,

materializa o inferno da alienação social. Já o

observava Marguerite Duras: “Talvez se leia

sempre no escuro... A leitura depende da

escuridão da noite. Mesmo que se leia em

pleno dia, fora, faz-se noite em redor do

livro”. (CERTEAU, 1998, p. 269).

Neste capítulo, avaliaremos as concepções e práticas de leitura defendidas pelas

professoras na execução das aulas de ensino de leitura a fim de verificar se há uma

correspondência entre as ideias defendidas nas entrevistas e na prática. Essa percepção nos

ajudará a compreender as razões das possíveis semelhanças ou dessemelhanças entre práxis e

teoria. Para conseguir chegar ao objetivo desta seção, interpretaremos trechos das aulas das

professoras que atendem ao anseio de nosso foco de análise.

6.1 Concepções de leitura das professoras

Nesta seção, analisaremos os encaminhamentos de leitura selecionados pelas

professoras na práxis com o texto a fim de perceber a(s) concepção (ões) eleita (s) nessas

atividades.

6.1.1 Concepções adotadas por W

Professora W: Não podemos mais pegar o texto e fazer aquela

leituri:::nha básica. Qual foi a mensagem maior daquele texto? O que

aquele texto quis nos mostrar de forma bem clara? A questão dos

valores [fazendo referência ao texto O Diamante], não era? E a gente

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116

percebe a intenção do texto na primeira leitura? (...) E aí tá faltando

o quê? Maturidade pra gente observar o que tá por trás daquelas

informações, o que que realmente aquilo quis nos informar. A

malícia... de perceber a intenção do autor, certo?, e a concentração

porque ninguém lê um texto conversando (...). O momento da leitura

tem que ser exclusivo da leitura. Viaje no texto, se você não viajar no

texto, você não consegue descobrir muita coisa sobre ele, você não

consegue dialogar com o texto.

Esse fragmento foi retirado de um comentário feito pela professora W sobre algumas

dicas que propôs para trabalhar a interpretação de um texto. Elencou, em anotações no quadro

(registro feito em notas de campo), dez passos e as denominou de boas dicas de

interpretação17

. Após a anotação, dedicou-se a comentar cada um dos itens. O texto destacado

acima constitui um comentário para a instrução de número cinco que dizia: Ler com malícia,

concentração e maturidade.

No comentário da professora, é possível perceber a coexistência de três concepções de

leitura com focos no autor, texto e leitor. Comecemos nossa discussão a partir do exemplo

lançado pela professora para discutir a dica em estudo. Referiu-se ao texto “O Diamante”,

objeto de estudo de aulas anteriores, e afirmou que a produção tratava sobre valores. Em

análise futura, percebemos se os alunos conseguiram chegar a essa constatação ou se ela foi

construída pela professora. Sobre o assunto do texto, a professora questionou se era possível

perceber a intenção do texto em uma primeira leitura, fato que deixa claro o direcionamento

dado aos alunos para localizarem, na superfície textual, o que o texto tem intenção de dizer.

Com tal entendimento, a professora posiciona-se à ideia do texto como repositório de

mensagens e informações, o que fica exposto em Kleiman ao afimar que, segundo essa

hipótese, “[...] o texto é um depósito de informações e, por outro, na crença de que o papel do

leitor consiste em apenas extrair essa informação, através do domínio das palavras que, nessa

visão, são o veículo de informações”. (2007, p. 18).

Ao dizer que os alunos precisam ter A malícia... de perceber a intenção do autor,

certo?, desprestigia-se mais uma vez, assim como o primeiro foco já enfatizado, o papel ativo

do leitor ante o texto. Como expõe Kleiman (2007), tal atitude tenta conscientizar o aluno da

intencionalidade do autor, a partir da escolha de palavras, haja vista que a professora diz que

17

As dicas anotadas no quadro partiram de um material com 20 itens, o qual foi entregue pela professora.

Registramos, em anexo, a apostila com essas dicas.

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117

falta maturidade para perceber o que está por trás das palavras escolhidas pelo autor do texto.

Ainda a respeito da adoção do foco centrado no autor, W foi categórica ao elencar a

dica de número oito sobre os passos para uma boa interpretação, dizendo: Não permitir que

suas ideias prevaleçam sobre as do autor. O comentário feito para discutir esse

direcionamento foi:

Professora W: Isso foi o que o autor quis lhe dizer, que o hindu era

desprovido de: “não professora, ele tinha mais era que entregar a

pedra mesmo que ele achou. Ele achou nos trilhos, não era dele

mesmo. Aí, ele deixou valores materiais e prevalecer os valores

espirituais. E o que um aluno meu me disse prevalecer as ideias dele

sobre as ideias do autor. Endendeu? Tudo bem, cada um tem que ter

o seu ponto de vista na leitura, você pode concordar ou discordar,

mas você vai discordar de uma idei:::a que existe, de uma ideia real,

você não vai sobrepor a sua ideia sobre aquela porque o texto não é

seu. Você pode até ler e reescrever o texto, você pode continuar o

texto com ideias no:::vas.

Para discorrer sobre o comentário acima, W fez alusão mais uma vez ao texto “O

Diamante”. Comentava com os alunos que o personagem hindu era desprovido de valores

materiais e entregou uma pedra preciosa que havia encontrado. Percebendo essa colocação

como fonte única de sentido, questionou o fato de um aluno ter discordado da atitude do autor

do texto. E, sobre esse posicionamento do aluno, criticou: Aí, ele deixou prevalecer as ideias

dele sobre as ideias do autor. Endendeu? [...] você pode concordar ou discordar, mas você

vai discordar de uma idei:::a que existe, de uma ideia real, você não vai sobrepor a sua ideia

sobre aquela porque o texto não é seu. Categoricamente, foi possível perceber que a

professora se distancia do poder de criticidade e de criação que o leitor deve ter diante de um

texto. O leitor precisa, a partir de seus conhecimentos, criar sentidos para os textos, partindo

das pistas que o texto lhe dispõe. A postura da professora não ganha respaldo, segundo as

colocações de Brandão e Micheletti (1997, p. 22):

A leitura, como exercício da cidadania, exige um leitor privilegiado, de aguçada

criticidade, que num movimento cooperativo, mobilizando seus conhecimentos

prévios [...], seja capaz de preencher os vazios do texto, que não se limite à busca

das intenções do autor, mas construa a significação global do texto percorrendo as

pistas [...] que seja capaz de ultrapassar os limites pontuais de um texto e incorporá-

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118

lo reflexivamente no seu universo de conhecimento [...].

Além dos focos acima privilegiados, mostra-se adepta, também, ao foco interacional.

Ao afirmar, na primeira transcrição acima registrada, Viaje no texto, se você não viajar no

texto, você não consegue descobrir muita coisa sobre ele, você não consegue dialogar com o

texto, o aluno é convidado a construir sentidos, uma vez que ao processar um texto está em

constante diálogo com a produção. A postura assumida é defendida por Koch (2009) quando

diz que o leitor dialoga com o texto, uma vez que este é o próprio lugar de interação e os

interlocutores nele se constroem e são construídos.

Após algumas considerações sobre as concepções eleitas na condução da práxis leitora,

percebemos que não há uma concordância entre o trabalho elencado na fala e o desenvolvido

no cotidiano de orientação leitora, uma vez que, na entrevista, a professora assume postura

favorável aos processos em que o leitor constrói sentidos para o que lê e, no trabalho prático,

além de considerar leitura como interação, também entende que o leitor deve assumir papel

passivo diante do texto. Acreditamos que essas mudanças de postura ocorram devido à

fragilidade de bases teóricas na formação leitora.

6.1.2 Concepções adotadas por M

Para constatarmos a concepção eleita pela professora M na condução do cotidiano das

orientações para leitura, selecionamos uma atividade realizada com o texto “A volta ao

mundo em cinquenta e duas histórias”, cujo trabalho de estudo foi feito a partir de algumas

questões propostas pela professora (registro em notas de campo) e copiadas no quadro. O

diálogo abaixo entre um aluno e a professora ilustra a concepção priorizada:

Aluna: Professora, essa pergunta aqui “qual o sentido do texto?”, é

para dizer que fala do moço [...] que correu o mundo para fazer

fortuna, né?

Professora M: Isso. Tem um textozinho aí que por esse parágrafo dá

pra responder a primeira questãozinha. De que que fala o texto, ou

seja, qual o sentido aí dele?

Aluna: Fala de um moço chamado Severino que decidiu correr o

mundo para fazer fortuna.

Professora M: Isso. Todos responderam assim?

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119

Percebemos que a professora propôs uma questão que perguntava qual seria o sentido

do texto e, a partir dela, direciona os alunos a localizarem respostas que extraíssem a ideia do

referido texto, quando diz: Tem um textozinho aí que por esse parágrafo dá pra responder a

primeira questãozinha. De que que fala o texto, ou seja, qual o sentido aí dele?. Com essa

atitude, notamos o trato dado por M ao texto como produto de domesticação de palavras, fato

que causa alienação leitora, uma vez que o leitor é levado a tomar como verdade o que está

posto na materialidade linguística e, inclusive, a localizar resposta prevista em determinada

parte do texto, o que Kleiman (2007) já entendia como atividade que tira o leitor da posição

de criador e o encaminha a passar os olhos no texto à procura de um determinado trecho, cujo

sentido já está construído. A concordância da professora à pergunta feita pela aula: [...] essa

pergunta aqui “qual o sentido do texto?, é para dizer que fala do moço [...], é prova disso.

Quando a professora pergunta se todos os alunos haviam respondido da mesma forma:

Isso. Todos responderam assim?, parece-nos que a professora pretende fazer o que Kleiman

(2008) já alertava como característica de atividades dessa natureza: uniformização de resposta

e imposição de uma única leitura, a da especialista, como a leitura do texto. Essa práxis de

condução do trabalho com a leitura tem um perfil que a afasta de proposições defendidas

pelos PCN, as quais entendem que ao professor cabe dirigir as atividades a fim de apoiar e

orientar o esforço de reflexão do aluno, ou seja, o professor medeia um processo criativo que

deve ser desenvolvido pelo aluno-leitor.

A professora M, por meio da eleição da concepção de leitura com foco no texto, afasta-

se da posição construída na entrevista, cujo foco escolhido foi o da interação entre autor-

texto-leitor.

6.1.3 Concepções adotadas por V

Com o anseio de analisar a concepção de leitura que a professora V prioriza,

destacamos de suas orientações para leitura uma atividade realizada com o texto “A escola da

mestra Silvina”, que se encontra no livro didático utilizado no ano anterior. O fragmento

abaixo surgiu do momento em que a professora havia proposto uma atividade para o estudo

do texto. Vejamos a concepção eleita:

Professora V: Gente, o nosso texto é escrito... é um texto escrito em

verso porque é uma poesia e qual é o assunto principal que ela trata

aqui? Ele descreve que ambiente? O que o texto tá querendo dizer aí?

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120

Percebemos que a professora questiona os alunos sobre o assunto do texto, mas,

também sobre a mensagem que ele traz. Mais uma vez, percebemos a tendência de uma

orientação que isenta o leitor da construção de um possível sentido para o texto, acreditando

que o sentido já está construído. Essa orientação afasta-se do que Geraldi (1997b, p. 166)

afirma: “o produto de trabalho de produção se oferece ao leitor [...] não são mãos amarradas –

se o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos e não produção de sentidos [...]”.

Consciente ou não desse encaminhamento, a professora afasta o leitor de uma atividade

criativa.

A partir do trabalho com o texto “A senhora tabuleta”, o qual está no livro didático18

adotado a partir de 2011, V discutia com os alunos algumas questões propostas. O diálogo

entre ela e um aluno surgiu a partir de uma questão trazida pelo livro: Que intenção tem a

personagem ao dizer: “- Meus amigos, esta é uma leiteira campeã de torneios. É a maior

conquista do nosso plantel! Linhagem nobre! Nome de rainha!”? A partir do diálogo

percebemos a concepção de leitura priorizada:

Professora V: Qual a intenção dele de caracterizar a vaca desse

modo? Qual a intenção do autor quando ele fez algumas

caracterizações para a vaca?

Aluno: Para engrandecer ela. Era uma grande vaca leiteira.

Professora V: Uma grande vaca leiteira, né? Ele quer chamar o quê?

Atenção, né? Quer dizer que é uma vaca famosa. Engrandecendo ela,

né? Elogiando, né? Fazendo também com que os peões, o quê?

Fiquem felizes em cuidar, em ter um animal muito...

Aluno: Destacado.

Professora V: Destacado, campeão de leite, né? A intenção era essa.

A questão proposta pelo material encaminhava o aluno para a interlocução entre as

personagens, a razão de terem atribuído certas caracterizações para o animal, o que fez a

professora direcionar a proposta para identificação da ideia do autor e suas atribuições. A

professora conduz o estudo do texto e cria sentidos para as atribuições dadas à vaca, dizendo

que o objetivo seria “chamar atenção”, mostrar que ela era “famosa”. Segundo ela, essas

atribuições seriam pensadas pelo autor, quando diz “a intenção era essa”. A professora elege,

portanto, a concepção em que o autor é o foco. Com tal encaminhamento para a orientação de

18

EJA 8º ano – Volume 2, 2. ed. São Paulo: IBEP, 2009.

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121

leitura, V se distancia de ideias como as defendidas por Geraldi (1997b), segundo as quais, ao

professor cabe fazer o aluno verificar as pistas presentes no texto para criar determinados

sentidos. Assim, o trabalho não seria priorizar a leitura desejada pelo professor, que usa como

argumento para representar uma ideia criada pelo autor, mas dar ao aluno oportunidade de

criar, observando as marcas textuais que justifiquem essas criações.

Identificamos, nas concepções priorizadas na prática, que a professora V prioriza os

focos de leitura centrados no texto e no autor. A posição construída nas entrevistas a filiava às

três concepções de leitura.

6.1.4 Concepções adotadas por R

Não optando por estratégias diferentes, analisamos a partir dos encaminhamentos

práticos para ensinar leitura a(s) concepção (ões) empregadas pela professora R. Iniciamos

com o exemplo de uma atividade para estudo de um texto descritivo chamado “A escola da

mestra Silvina”. A professora propôs no quadro algumas questões (registradas em notas de

campo) para a discussão e a respeito da atividade destacamos para a nossa análise a primeira

questão proposta e os encaminhamentos sugeridos pela professora para que os alunos a

respondessem. O exercício dizia: Retire do texto dois versos que comprovem tratar-se de

lembranças da infância. Sobre a construção da questão e encaminhamentos sugeridos,

vejamos a concepção priorizada:

Professora R: Na primeira questão, vocês vão tirar um fragmento do

texto pra provar que o texto mostra lembranças da infância da Cora

Coralina.

Foi possível perceber que o texto foi tratado com uma domesticação de palavras que

veiculam informações. Essa condição retira do leitor, como já foi dito em outros momentos

desta dissertação, o papel de protagonizar a construção de sentidos e de aprender. Percebe-se

que o foco selecionado foi o texto, haja vista que a professora pede para “tirar um

fragmento” que prove algo sobre ele. A ideia, portanto, já está construída ao longo da

sequência textual, pronta para ser localizada e extraída. Esse entendimento diverge do que os

PCN afirmam, pois deixam claro que a leitura não é uma atividade de extrair informações,

mas um trabalho de interpretação e compreensão a partir da eleição de várias estratégias e

saberes acumulados.

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122

O foco no texto, também, esteve presente nos encaminhamentos de leitura da atividade

abaixo, a qual partiu de um exercício para discutir um anúncio publicitário (documento

recolhido no local). Para discutir a primeira questão: O anúncio faz parte de uma campanha

ecológica. De que modo os leitores podem participar da campanha?, a professora considerou:

Professora R: A primeira questão diz o seguinte: de que modo os

leitores (nós) podemos participar dessa campanha? O que vocês

acham? Aqui diz no texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram?

No texto menorzinho diz. Está lá: “é muito simples, interativo e

gratuito (...)”. Pronto! Se você fizer isso, você está entrando na

campanha. Mais uma pessoa que vai ajudar essa campanha de

divulgação. Passem a resposta para o caderno.

Notamos que a professora, taxativamente, conduz os alunos para localizarem e

extraírem respostas que estão no texto, não dando oportunidade de contemplá-lo como um

processo em que predominam atividades cognitivas e discursivas. (MARCUSCHI, 2003). É

um tipo de atividade que, como já afirmado aqui por meio de ideias de Kleiman (2007), o

leitor procura trechos que repitam o material decodificado da pergunta. Concepção como essa

prevê posturas contrárias àquelas apontadas por Marcuschi (2003, p. 51) ao afirmar: “Os

exercícios de compreensão raramente levam a reflexões críticas sobre o texto e não permitem

expansão ou construção de sentido, o que sugere a noção de que compreender é apenas

identificar conteúdos”. Notemos, ainda, que a professora localiza para os alunos e responde à

questão. Transmite uma versão que passa ser a autorizada do texto. Em seção posterior,

trataremos mais desse tipo de comportamento do professor.

Ainda a respeito do Anúncio publicitário previsto para a atividade acima mencionada,

destacamos outro momento das orientações para leitura em que o foco é o autor. Vejamos o

comentário feito pela professora para a pergunta: No texto principal do anúncio, a anunciante

se dirige diretamente ao leitor e o torna evidente por meio da palavra ajude (você). E por

meio de outra palavra ele também se mostra e se inclui. Qual é essa palavra?:

Professora R: A palavra nossa. Bem claro, né? É só uma questão de

leitura. Quando você lê o texto... a pergunta do texto, automa-

ticamente o autor do texto sugere a resposta. Quando ele diz “nossa”,

isso quer dizer que a terra é dele como também do leitor, né?

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123

Nessa orientação, o autor foi privilegiado e o leitor desprestigiado com relação à

construção de sentidos. A professora diz aos alunos que o autor já encaminha o sentido e

deixa explícito que os alunos devem percebê-lo. Tal atitude não concebe o texto como

processo que envolve atividades cognitivas e discursivas, além de os sentidos produzidos

como fenômenos colaborativos e dinâmicos, mas, sim como produtos fixos previamente

criados pelo autor. (MARCUSCHI, 2003). O professor impõe uma leitura que prioriza o autor

e encaminha o aluno sem fazê-lo questionar o que está escrito.

Constatamos, assim, que a prioridade das concepções eleitas pela professora R nas suas

práticas com o trabalho de leitura são aquelas que privilegiam o foco no autor e no texto.

Assim, como as demais professoras, manteve o trabalho prático em discordância às posições

construídas na entrevista, segundo a qual R elegeu como foco a interação e o texto.

Nosso objetivo com esta seção foi fazer reflexão sobre as concepções que têm sido

adotadas pelos professores nas orientações de leitura. Observamos que foi recorrente a eleição

de mais de uma concepção no trabalho prático e nos posicionamentos construídos nas

entrevistas, bem como a existência de contradições na eleição de algumas concepções

priorizadas. O reflexo dessas contradições e a falta de prioridade na eleição de uma concepção

que oportunize ao leitor compreender os textos dá-se em virtude de fatos que, provavelmente,

têm ligação com a formação anterior do professor, pois além de os fazerem eleger concepções

ineficientes, mantêm-nos, muitas vezes, reféns de algumas ideologias impregnadas nos

espaços escolares, as quais limitam o poder criativo. (BRASIL, 1998, 2002; KLEIMAN,

2007, 2008b; SILVA, 2009).

6.2 Estratégias eleitas para o ensino de leitura

Nesta seção analisaremos as estratégias de compreensão leitora utilizadas pelas

professoras para o ensino de leitura a fim de verificar se há harmonia entre o trabalho eleito

nas entrevistas e o prático. Após essa constatação, será possível entender as possíveis

concordâncias ou discordâncias entre teoria e prática. Para chegar ao objetivo que

percorremos, faremos a interpretação de trechos das aulas das professoras que atendem ao

foco de análise selecionado. Organizaremos a análise das estratégias considerando os

incentivos do professor antes, durante e depois da leitura, opção norteada pelas propostas de

Solé (1998). O objetivo do olhar sobre os procedimentos adotados nessa sequência é ressaltar

que as estratégias de leitura devem estar presentes ao longo de toda a atividade de leitura. É

possível que muitas estratégias possam aparecer em outra ordem e outras poderão estar

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124

presentes antes, durante e depois da leitura.

Atentemos para as estratégias adotadas nos encaminhamentos de leitura realizados pelas

professoras a partir de trechos de algumas atividades selecionadas.

6.2.1 Estratégias eleitas pela Professora W

Para iniciar a atividade, a professora W distribuiu os textos para os alunos, orientou a

fazer uma leitura silenciosa fez algumas considerações sobre o texto em estudo e,

posteriormente, procedeu à leitura junto com os alunos. Vejamos as estratégias eleitas a partir

do trecho transcrito da atividade, para o qual realizamos a análise que segue.

Professora W: Nesse texto aqui eh... nós vamos trabalhar a questão,

além da questão do texto em si que eu acho muito interessante, não

sei se vocês... o que vocês perceberam desse texto já na primeira

leitura? Alguma coisa especial? Sim? O quê?

Aluno 1: Uma mensagem aqui muito importante pros dias de hoje.

Professora W: Muito importante mesmo, né? Quando a gente... qual o

título do texto?

Alunos: O diamante.

Professora W: O diamante, né? Quando a gente fala em diamante a

gente lembra do quê? De uma pedra? Pre:::ciosa. E essa pedra, essa

pedra está muito ligada a valores materiais, né isso? E aí, o que que

o texto mostra pra gente sobre esses valores? O que que esse... rapaz

aqui... consegue, dentro do texto, eh nos surpreender... A gente não

surpreende com a reação dele no texto? Quando a gente se coloca no

lugar dele, será se é fácil a gente se desfazer de coisas materiais, se

desprender facilmente como ele? É? Sinceramente?

Aluno 1: Impossível.

Professora W: Então, esse texto além da gente trabalhar a questão

dos valores, nós vamos procurar, também, exercitar o conteúdo que

nós vimos na semana passada que nós não tivemos a oportunidade de

trabalhar no texto. (...) Vamos fazer uma leitura coletiva, mais eu

gostaria que todo mundo lesse justamente pra exercitar, certo, a

leitura... eu não vou lê esse texto sozinha, se eu sentir que eu tô lendo

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sozinha, vou parar pra escutar a voz de vocês. Vamos lá.

A professora começa, então, a ler com os alunos.

Professora W: Pronto, a gente parando o texto bem aqui, na primeira

parte do texto, o que que a gente percebe? Alguém que, né, na aldeia,

já estava de olho na pedra preciosa. Ia abordar o hindu atrás dessa

pedra. Continuando, a partir daí é que o texto vai nos surpreender,

vai dar uma... peguem aí o texto, vamos continuar... Vamos lá,

pessoal! Todo mundo lendo a última parte, que a parte mais

interessante do texto.

Depois da leitura:

Professora W: Então, certo. Esse texto realmente é uma riqueza,

vocês não acham? Ele dá uma lição de desprendimento.

Aluno 2: Eu queria um diamante desse!

Professora W: Aí a gente se faz essa pergunta: E eu, né? E o que que

o texto nos leva a pensar, nos leva a refletir? E você, daria o

diamante? E é claro que a gente se pergunta isso, né? E eu? Como é

que eu estou agindo em relação a esses valores? Então, é interessante

que a gente se coloque sempre no lugar dos dois porque o outro

também foi capaz de perceber, certo? Olha, vocês têm que

perceber..., vocês precisam perceber as duas atitudes, tanto daquele

que conseguiu dar o diamante e o outro que recebeu o diamante e

foi embora, mas ele... o que foi que aconteceu com ele? Ele conseguiu

perceber a grandiosidade, né da atitude do outro porque, de repente,

ele foi buscar o diamante e ele achava que ia ter uma reação, que ele

não ia receber o diamante, e tão facilmente, ele recebeu.

As transcrições acima surgiram da proposição de uma atividade para o estudo do texto

“O Diamante”. A professora W entregou cópias para os alunos, os quais foram orientados a

fazer uma leitura em dupla. Informou que após a leitura silenciosa seriam feitas considerações

para a leitura. Mesmo antes de informar o objetivo da leitura ou lançar estratégias para

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perceber os conhecimentos prévios dos alunos, a professora propôs uma leitura silenciosa em

dupla.

A professora inicia a atividade de estudo do texto informando impressões construídas

por ela: Nesse texto aqui eh... nós vamos trabalhar a questão, além da questão do texto em si

que eu acho muito interessante, não sei se vocês..., fato que já evidencia ausência dos

procedimentos para compreender a produção que devem ser lançados antes da leitura do

texto, como: informação sobre os objetivos da leitura, diagnóstico de conhecimentos prévios,

ativação e/ou atualização de conhecimentos prévios, formulação de previsões sobre o texto.

Sabemos que o primeiro passo a ser tomado, antes da leitura, para atingir a compreensão

de um texto é identificar o objetivo a que ela se destina, pois segundo esse objetivo as

estratégias aplicadas serão diferenciadas. Percebemos que a professora W não segue esse

passo. Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010) asseveram que ao professor cabe

delimitar o objetivo da leitura: “[...] antes da leitura, é importante que o professor determine

os objetivos daquela leitura e esclareça para que o texto deverá ser lido”. (p. 56). Solé (1998,

p. 92-93) manifesta entendimento sobre a eleição de estratégias adequadas para cada situação

“[...] os bons leitores, não lemos qualquer texto da mesma maneira, e que este é um indicador

da nossa competência: a possibilidade de utilizar as estratégias necessárias para cada caso”.

Segundo Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010, p. 56-57), “além de explicitar

os objetivos, antes de iniciar a leitura, é relevante também ativar e/ou atualizar os

conhecimentos prévios dos leitores” e para chegar a esse objetivo é preciso “fazer um

diagnóstico do que os leitores sabem acerca do tema. Com esse diagnóstico será possível

avaliar a necessidade de prestar mais informações acerca do assunto”. Antes mesmo de ativar

e/ou atualizar os conhecimentos prévios dos alunos, a professora W já havia solicitado uma

leitura silenciosa e sobre ela questionou [...] o que vocês perceberam desse texto já na

primeira leitura? Alguma coisa especial? Sim? O quê?, fato que a impediu de saber o que os

alunos já conheciam e os seus interesses para abordar o texto. Os alunos, ainda, não haviam

sido encaminhados a construir hipóteses a serem testadas durante a leitura silenciosa. Solé

(1998) manifesta posição contrária sobre essa prática:

Esta bagagem condiciona enormemente a interpretação que se constrói e não se

refere apenas aos conceitos e sistemas conceituais dos alunos; também está

constituída pelos seus interesses, expectativas, vivências... por todos os aspectos

mais relacionados ao âmbito afetivo e que intervêm na atribuição de sentido ao que

se lê. (p. 104).

Logo, perceber os conhecimentos prévios (sobre assunto do texto, sobre autor, época da

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127

obra, gênero textual) que os alunos detêm é tarefa necessária para proporcioná-los meios para

a construção de previsões sobre o texto. A fim de fazer essa construção, o professor deve

ajudar os alunos a prestar atenção a vários aspectos que os auxiliem a fazer ativação de

saberes, como: formato do texto, ilustrações, títulos e subtítulos, estrutura textual. (SOLÉ,

1998). A ausência de um efetivo trabalho inferencial não proporciona aos alunos antever o

conteúdo do texto e se questionar sobre as previsões realizadas.

Quando W perguntou sobre o que os alunos haviam percebido do texto na primeira

leitura, um aluno respondeu: Uma mensagem aqui muito importante pros dias de hoje. A

ausência de construção de antecipações pode proporcionar a esse aluno uma leitura única para

o texto, já que não foi orientado sobre as possibilidades que do texto poderiam surgir a partir

da construção de hipóteses, as quais devem ser testadas, reformuladas, até o leitor perceber,

no limite dos seus conhecimentos e das informações concedidas pela professora, sentidos

autorizados para o texto. Diante da resposta do aluno, comentou: Muito importante mesmo,

né?. Não identificamos a professora buscando informações do aluno que justificassem o

motivo da importância atribuída ao texto. Segundo Solé (1998), o professor precisa questionar

o aluno sobre as marcas do texto para construir uma interpretação, bem como a formulação e

testagem de hipóteses.

Mesmo sem ativar os conhecimentos prévios dos alunos, a professora invoca o título,

uma forma de construção de previsão que, geralmente, reflete o que será tratado no texto.

Detectamos, porém, que embora o título antevenha sentidos para o texto, a maneira como a

professora W conduziu a atividade, não desencadeou esse resultado. A professora pergunta:

[...] qual o título do texto?, os alunos respondem que seria o diamante e ela, apenas, confirma

a afirmação. Solé (1998) diz que o professor pode pedir aos alunos que leiam o título e, diante

disso, questione-os sobre o que trata a história, o que impulsionará a construção de

inferências.

No nosso caso, a professora W confirmou a resposta dada pelos alunos à pergunta meta-

linguística19

“qual o título do texto” e protagonizou interpretação, dizendo: Quando a gente

fala em diamante a gente lembra do quê? De uma pedra? Pre:::ciosa. E essa pedra, essa

pedra está muito ligada a valores materiais, né isso?. A professora adianta uma possível

resposta e a impõe como a única autorizada. Vejamos que ela se limita a suscitar previsões

para o texto, quando poderia fazê-los questionar, dentre outros, se o texto fala, de fato, de uma

pedra preciosa ou não, questionamentos que seriam respondidos e validados com a leitura do

19

Esse tipo de pergunta pertence a um estudo de Marcuschi (2003) denominado Tipologia das Perguntas de

Compreensão em LDP. Trataremos dessas tipologias em uma próxima seção desta dissertação.

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texto.

Com base na constatação de que a professora protagoniza a leitura e desprestigia as

possíveis construções de previsões feitas pelos alunos, notamos que durante toda a atividade,

W não os instiga a assumir responsabilidade frente à leitura, a sua única estratégia é fazer com

que os alunos respondam aos questionamentos lançados por ela, eximindo-os de elaborar

interrogações. Essa informação fica clara a partir de: E aí, o que que o texto mostra pra gente

sobre esses valores? O que que esse... rapaz aqui... consegue, dentro do texto, eh nos

surpreender... A gente não surpreende com a reação dele no texto? Quando a gente se

coloca no lugar dele, será se é fácil a gente se desfazer de coisas materiais, se desprender

facilmente como ele? É? Sinceramente?. Um aluno responde a esse questionamento dizendo

apenas: Impossível. Mais uma vez, entendemos como Solé (1998, p. 110) que:

[...] podemos afirmar que, em seu ensino, os professores dedicam a maior parte das

suas intervenções a formular perguntas aos alunos e estes, logicamente, dedicam-se

a respondê-las, ou pelo menos a tentar. No entanto, alguém que assume

responsabilidade em seu processo de aprendizagem é alguém que não se limita a

responder às perguntas feitas, mas que também pode interrogar e se auto-interrogar.

Segundo a autora, quando o aluno-leitor cria perguntas pertinentes para o texto, utiliza

seu conhecimento prévio sobre o tema e, até sem intenção, conscientiza-se do que sabe e não

sabe sobre o assunto.

Durante a leitura do texto, o professor atua como mediador. Isso significa que os alunos

precisam, por intermédio do professor, selecionar marcas do texto, verificar hipóteses

construídas, reconstruí-las se necessário, devem, portanto, interpretá-lo. Para essa etapa da

atividade de leitura, além da leitura silenciosa, momento em que, segundo Solé (1998), o

aluno vai verificar se suas previsões se confirmam, o professor deve, em seguida, fazer uma

leitura simultânea com os alunos. Partilhamos com os PCN que esse momento consiste numa

atividade de colaboração entre professor e aluno. Colaborativa no sentido de que, durante a

atividade, o professor lê o texto com a classe e vai questionando os alunos sobre os índices

linguísticos que dão sustentação aos sentidos atribuídos. (p. 72).

Para realizar esse processo, a professora propôs: Vamos fazer uma leitura coletiva, mais

eu gostaria que todo mundo lesse justamente pra exercitar, certo, a leitura... eu não vou lê

esse texto sozinha, se eu sentir que eu tô lendo sozinha, vou parar pra escutar a voz de vocês.

Vamos lá. Vejamos que a professora propõe a estratégia de uma leitura coletiva e justifica

dizendo que seria para exercitar a leitura. Tal comentário nos possibilitou entender que a

professora está considerando, apenas, a leitura em voz alta como tarefa preponderante numa

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atividade de leitura compartilhada, haja vista que asseverou: [...] se eu sentir que eu tô lendo

sozinha, vou parar escutar a voz de vocês.

A leitura em voz alta pode fazer parte da leitura simultânea, todavia ela não pode ser

apontada como meio para exercitar a leitura, como afirmou a professora W. Caso o objetivo

do professor seja outro, exceto a compreensão, isso será possível. A respeito dessa colocação,

apoiamo-nos em ideias defendidas por Kleiman (2008a) quando diz que se o professor tem

por objetivo perceber se o aluno conhece as regras ortográficas da língua (grafia e som),

perceber a dificuldade no reconhecimento e pronúncia das palavras, perceber se reconhece os

valores dos sinais de pontuação, a leitura em voz alta é adequada porque é possível avaliar

tudo isso por meio da decodificação. Todavia, se o interesse é a capacidade para compreender

um texto, fica inviável a opção pela leitura em voz alta. (p. 152-153).

Ainda a respeito de a professora W solicitar uma leitura coletiva que encaminha, mesmo

implicitamente, para decodificação, esclarecemos que o real objetivo do professor ao solicitar

uma leitura simultânea com os alunos seria fazê-los apreender todas as dimensões do texto.

A professora continua fazendo a leitura simultaneamente com os alunos, porém não

opta pela condução de estratégias para a compreensão do texto. Em determinado momento da

leitura, a professora para e chama atenção dos alunos: Pronto, a gente parando o texto bem

aqui, na primeira parte do texto, o que que a gente percebe? Alguém que, né, na aldeia, já

estava de olho na pedra preciosa. Ia abordar o hindu atrás dessa pedra. Constatamos que a

professora assume a construção de sentidos para o texto e o aluno é levado a tomá-la como

versão autorizada. Não observamos a professora W oportunizando os alunos a discutirem com

o texto por meio de intervenções, questionamentos que os instigassem a construir sentidos

autorizados e justificar por que são autorizados.

Após ter construído algumas ideias sobre o texto, W chama os alunos a prosseguirem a

leitura e afirma: Continuando, a partir daí é que o texto vai nos surpreender, vai dar uma...

peguem aí o texto, vamos continuar... Vamos lá, pessoal! Todo mundo lendo a última parte,

que a parte mais interessante do texto. A professora continua empreendendo uma

interpretação para o texto e a direcionando aos alunos, além de apontar a última parte do texto

como a mais importante. Quando a professora faz essa última consideração, parece-nos não

entender leitura como processo em que as várias partes do texto se aglutinam a fim de formar

uma unidade. (SILVA, 1999).

Após a leitura, consideramos que o professor deve verificar se os alunos realmente o

compreenderam. É o momento de avaliar a leitura. Depois da leitura do texto “O Diamante”, a

professora considerou: Esse texto realmente é uma riqueza, vocês não acham? Ele dá uma

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lição de desprendimento. A professora W não verifica, por meio dessa colocação, o que se

apreendeu da leitura, mas, sim continua a construir uma interpretação como a autorizada para

o texto, prática recorrente em outros trechos analisados.

Ao final do processo de leitura, a professora W não utiliza o recurso de avaliação dessa

leitura, o que se comprova com o longo, porém necessário, trecho em destaque: Aí a gente se

faz essa pergunta: “E eu, né? E o que que o texto nos leva a pensar, nos leva a refletir? E

você, daria o diamante? E é claro que a gente se pergunta isso, né? E eu? Como é que eu

estou agindo em relação a esses valores? Então, é interessante que a gente se coloque sempre

no lugar dos dois porque o outro também foi capaz de perceber, certo? Olha, vocês têm que

perceber..., vocês precisam perceber as duas atitudes, tanto daquele que conseguiu dar o

diamante e o outro que recebeu o diamante e foi embora, mas ele... o que foi que aconteceu

com ele? Ele conseguiu perceber a grandiosidade, né da atitude do outro porque, de repente,

ele foi buscar o diamante e ele achava que ia ter uma reação, que ele não ia receber o

diamante, e tão facilmente, ele recebe.

A partir do trecho acima, não temos dúvidas de que a professora não levanta

questionamentos a fim de fazer com que os alunos refletem e formulem perguntas sobre o

texto para auxiliá-los na compreensão, contudo antecipa um sentido por ela construído.

Estabiliza o sentido informando aos alunos Olha, vocês têm que perceber..., vocês precisam

perceber, levando, assim, os leitores a extrair informações já construídas no texto. Ela não

priorizou, por exemplo, a elaboração de resumos, paráfrases ou quaisquer outras atividades

que fizessem os alunos avaliarem a compreensão do texto, preferindo, na sequência, propor

uma outra atividade sem qualquer ligação com a leitura realizada.

Diante das estratégias de leitura para trabalhar o texto “O Diamante”, verificamos que a

participação dos alunos foi mínima. Eles não interagiram, significativamente, com o texto e o

trabalho de mediação não foi eficaz.

Na prática, em sala de aula, pelo fato de não ensinar estratégias de compreensão leitora,

W não incentiva os alunos a assumir responsabilidade pela leitura, pois a resposta pronta

predomina durante toda a atividade. Verificamos que, no cotidiano de orientações leitoras, a

professora não ensina estratégias de leitura, além de não haver uniformidade no entendimento

de texto como desencadeador de vários sentidos a serem construídos pelo leitor.

6.2.2 Estratégias eleitas pela professora M

Analisaremos, agora, os procedimentos de leitura selecionados pela professora M a fim

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de fazer o estudo da crônica “A outra noite”. Esse texto está no livro didático adotado no ano

anterior à nossa pesquisa. Vejamos as estratégias selecionadas:

Professora M: Aí, nós temos um exemplo de uma narrativa que é uma

crônica de Rubem Braga. Qual é o título?

Alunos: A outra noite

Professora M: Certo. Le:::ia aí o vocabulário, Adriano. São aquelas

palavras que o autor do livro destaca aqui no texto. Vamos ver aí esse

texto, gente. Então, uma crônica é uma narrativa, certo, que

apresenta esses elementos que a gente acabou de ver [refere-se aos

elementos da narrativa], são acontecimentos que acontecem em

algum lugar, num determinado momento, eh... e há um

desenvolvimento, né de ações e é um texto não muito longo... e que

relata fatos, né, que aconteceram e que o... quem escreve aqui ele usa

assim uma linguagem eh... uma linguagem assim diferente, sabe?,

enfeitada. Vocês vão ver quando tiverem lendo o texto, tá? Ele não

usa assim uma linguagem muito comum, não é? Mas ele usa uma

linguagem especial, assim enfeitando, como nas poesias, tá? Não é

uma poesia, mas um relato. Vamos ver quem gostaria de ler. Você

[referindo-se a uma aluna] pode ler o primeiro parágrafo. Vamos

prestar atenção aí, gente. Pra quando ela terminar, outra pessoa

continuar. Aí você lê até a palavra linda e... quem vai terminar de ler

esse texto?

Alunas leram o texto, após a leitura, a professora perguntou:

Professora M: Ele descreveu aí, o quê? As...

Aluno 1: As paisagens.

Professora M: As nuvens, não foi? Observe aí a linguagem, viu?

Como ele usa as palavras, né? Quem tá contando a história, o

narrador. Aí as formas verbais, viu? Vocês viram aí que o texto...

ele... vocês viram aí que aparecem algumas descrições? Viram? Há

uma descrição, ele descreve o quê?

Aluno 1: O céu, as nuvens...

Professora M: E ah...? A noite né? Quer dizer, ele descreve o tempo,

como ele tava, mas ele também já fala como é que... que... deve estar

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a noite acima das nuvens, não é? Que abaixo das nuvens, como se vê

aqui na terra, tava fechado, né isso, escura, ele usa a palavra preta,

mas ele imagina como é que tá o céu acima das nuvens. (...) Mas aí

ele conta também o quê? Acontecimentos, não é? Olha, gente... vamos

dar mais uma lidinha no texto.

Observamos, nesse trecho, que a professora M não realiza os procedimentos esperados

para antes da leitura. Os alunos não foram informados sobre o objetivo da leitura, e esse deve

ser o primeiro passo a ser tomado antes do seu início. Pesquisas discutidas por Solé (1998)

divulgam que “os objetivos da leitura determinam a forma em que um leitor se situa frente ela

e controla a consecução do seu objetivo, isto é, a compreensão do texto”. (p. 92). Quando o

leitor tem discernimento dos objetivos traçados para a leitura, ele seleciona as estratégias

adequadas para a sua compreensão.

A professora inicia dizendo Aí, nós temos um exemplo de uma narrativa que é uma

crônica de Rubem Braga. Qual é o título?. Sabemos que antes de a professora proporcionar

meios, como ativar o título do texto, para construir previsões, precisa ativar e /ou atualizar os

conhecimentos prévios (saberes sobre autor e assunto do texto, gênero em que o texto foi

escrito) por meio de um diagnóstico do que os alunos sabem a fim de conceder mais

informações. Após esse diagnóstico, o professor pode encaminhar os alunos para elementos

como o formato, a estrutura e o título do texto, os quais permitem levantar hipóteses a serem

testadas durante a leitura. Com a atitude tomada pela professora, anula-se uma etapa de

extrema importância para o trabalho inferencial.

Em relação ao título do texto, elemento importante para antecipar sentidos para o texto,

percebemos que M apenas pergunta aos alunos sobre qual seria o título do texto e eles

respondem A outra noite. A professora não faz nenhum questionamento sobre o que trata a

história, de forma que o seu comportamento, na mediação da atividade, não oportunizou aos

alunos antecipar informações sobre o texto. Não foram levados a abrir discussões sobre os

possíveis sentidos da produção, mas, apenas, localizar o título e reproduzir. Esse tipo de

prática é discordante ao que os PCN preveem: “Ao professor cabe planejar, implementar e

dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de

ação e reflexão do aluno [...]”. (p. 22).

Como já visto na teoria levanta para a análise das estratégias da professora W, durante a

leitura do texto, cabe ao professor ser o fornecedor de instruções para que o aluno-leitor

chegue à compreensão do texto. Exige-se do leitor que encontre marcas textuais, observe a

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efetividade das hipóteses construídas e, caso não sejam exitosas, tenham condições de

reconstruí-las.

Para iniciar a leitura, a professora assim se manifestou: Le:::ia aí o vocabulário, X. São

aquelas palavras que o autor do livro destaca aqui no texto. A professora solicita que o aluno

leia o vocabulário que foi trazido pelo livro após o texto. O aluno leu as palavras todas, mas

em nenhum momento foi percebida o valor que assumiam dentro de uma situação contextual.

Tal prática não é vista como a melhor forma de se chegar ao sentido de um vocábulo, haja

vista que é possível inferir o significado a partir do contexto linguístico, tal atitude repercute

sobre as estratégias de inferência lexical.

Na sequência, a professora não procede a uma leitura simultânea com os alunos. Não

assume papel de mediadora, atitude necessária para que o aluno, por meio das instruções

fornecidas, possam analisar marcas textuais, testar sentidos construídos ou elaborar novos

sentidos. (BRASIL, 2002). Ao invés de discutir o texto e incluir os alunos no processo de

significação, M traça algumas características sobre o gênero crônica. Observemos as

características priorizadas: Vamos ver aí esse texto, gente. Então, uma crônica é uma

narrativa, certo, que apresenta esses elementos que a gente acabou de ver [refere-se aos

elementos da narrativa], são acontecimentos que acontecem em algum lugar, num

determinado momento, eh... e há um desenvolvimento, né de ações e é um texto não muito

longo... e que relata fatos, né, que aconteceram e que o... quem escreve aqui ele usa assim

uma linguagem eh... uma linguagem assim diferente, sabe?, enfeitada.[...] Mas ele usa uma

linguagem especial, assim enfeitando, como nas poesias, tá? Não é uma poesia, mas um

relato.

Observamos que a professora demonstra pouca prioridade para tratar do gênero crônica.

Ressaltamos que a caracterização dos encaminhamentos de leitura para trabalhar com alguns

gêneros selecionados pelos professores será feito na próxima seção deste texto. A professora

não levanta discussões sobre os sentidos do texto em estudo, traça, apenas, algumas

caracterizações sobre o gênero crônica como uma narrativa breve que relata fatos do

cotidiano. Não demonstra prioridade quando trata da linguagem usada nas crônicas: [...] quem

escreve aqui ele usa assim uma linguagem eh... uma linguagem assim diferente, sabe?,

enfeitada.[...], pois é característica do gênero empregar linguagem simples.

Nas considerações feitas para a crônica, M desconsidera aspectos comunicativos e

interacionais, os quais serão necessários para os alunos perceberem a função (como discussão

sobre os problemas sociais e as fraquezas do homem a fim de amadurecer a sua visão de

mundo) desempenhada pelo gênero. Segundo os PCN, reconhecer forma e função dos gêneros

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134

são aspectos importantes para que o leitor selecione procedimentos adequados para a leitura

em quaisquer outros contextos que apareçam. A professora não selecionou estratégias que

permitissem os alunos construir sentidos para o texto.

M não optou pela leitura simultânea. Em vez disso, convoca: Vamos ver quem gostaria

de ler. Você [referindo-se a uma aluna] pode ler o primeiro parágrafo. Vamos prestar

atenção aí, gente. Pra quando ela terminar, outra pessoa continuar. Aí você lê até a palavra

linda e... quem vai terminar de ler esse texto?. A falta de opção pela leitura colaborativa, não

estimula os alunos a criarem sentidos para o texto. A atividade de leitura não foi orientada

satisfatoriamente, pois M solicitou que fizessem leitura, mas não preparou os alunos para

engajarem seus conhecimentos prévios antes de ler a fim de facilitar a compreensão.

Além disso, a professora procedeu a uma segmentação do texto quando pediu que cada

aluno fizesse a leitura de um fragmento: Você [referindo-se a uma aluna] pode ler o primeiro

parágrafo.[...] quando ela terminar, outra pessoa continuar. Aí você lê até a palavra linda

e... quem vai terminar de ler esse texto?. De acordo com Kleiman (2008a), a segmentação do

texto impede o leitor de integrar as informações do texto, pois somente com uma leitura

global, os leitores têm condições de integrar as informações e realizar paráfrases por meio de

um texto coeso e coerente. (p. 155).

Após a leitura realizada pelas alunas, a professora não propôs reflexão. De acordo com a

Proposta do 2º segmento de EJA, sabendo que os textos são plurissignificativos, já que os

sujeitos têm conhecimentos de mundo leitor diferentes, é necessário que o professor proponha

discussões sobre as leituras realizadas a fim de inspirar reflexões sobre elas. Os alunos vão

concordar ou discordar de algumas leituras, típico movimento para haver reflexão e

criticidade. Concentrou-se, apenas, em fazer constatações do que estava inscrito no texto.

Percebamos essa constatação na fala de M: [...] ele descreve o tempo, como ele tava, mas ele

também já fala como é que... que... deve estar a noite acima das nuvens, não é? Que abaixo

das nuvens, como se vê aqui na terra, tava fechado, né isso, escura, ele usa a palavra preta,

mas ele imagina como é que tá o céu acima das nuvens. (...) Mas aí ele conta também o quê?

Acontecimentos, não é?.

Após essas considerações, a professora propõe: Olha, gente... vamos dar mais uma

lidinha no texto. Percebemos que, talvez, por polidez linguística a professora tenha usado a

forma “nós”, pois a leitura foi feita apenas por ela, enquanto os alunos escutavam. No

decorrer da leitura, a professora não parou em nenhum momento para fazer qualquer

discussão sobre o texto, não fez questionamentos para estimular os alunos na construção de

sentido.

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Após a leitura, M considerou:

Professora M: Ok. Essa crônica aí é de Rubem Braga. Bem, então... a

crônica é um texto narrativo que conta fatos do dia-dia, coisas que

podem acontecer com a gente. Vamos, agora, responder aí essas

questões sobre a crônica.

Percebamos que a professora não estimulou os alunos a fazer avaliação da leitura.

Porém, repetiu algumas afirmações como a consideração que o texto era uma narrativa que

pertencia ao gênero crônica, a qual trata de fatos do cotidiano e que o seu autor era Rubem

Braga. Anunciou, também, que os alunos deveriam responder algumas questões sobre o texto,

uma atividade proposta pela professora. Seria importante que a professora, também, desse

oportunidade para os alunos criarem perguntas para o texto, e não, apenas, responder àquelas

que o professor propõe.

Contatamos que na práxis de orientações leitoras não houve ensino de procedimentos

metodológicos. Os alunos não foram incentivados a construir compreensão para o texto. .

6.2.3 Estratégias eleitas pela professora V

Partimos, agora, para a análise das estratégias utilizadas pela professora V a fim de

realizar o estudo do texto “A escola da Mestra Silvina”. Esse texto está no livro didático

adotado no ano anterior à nossa pesquisa. A professora começou a atividade fazendo

considerações sobre o vocabulário trazido pelo livro, prosseguiu fazendo comentários sobre o

texto e, posteriormente, fez a leitura acompanhada por alguns alunos. Vejamos o trecho:

Professora V: Vamos ver aqui o vocabulário desse texto. Vou ler aqui

o vocabulário que o livro trouxe para a gente aprender o significado

dessas palavras. Eu quero que vocês relembrem que esse texto aqui tá

escrito em prosa ou em verso? É em verso, né? Se ele tá escrito em

verso ele é uma poesia, né? Ele é uma poesia que tem uma linguagem

bem... medida, né, tem palavras que a gente não usa mais, como

alcova que significa quarto de dormir. A poetisa Cora Coralina,

quando escreveu esses versos aqui, ela tava relembrando... uma

época da vida dela em que ela estudava e que se você for comparar as

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situações que ela viveu, ela disse que lá no canto, bem aqui ela

relembra uma parte que ela diz que tinha uma palmatória, né?

Quando eu estudei a:::inda tinha palmatória, né? E, hoje, é bem

diferente a forma como os professores trabalham, como os

professores tratam os alunos [...] Bom, e outra, na parede, ela

relembra que tinha a foto de quem? Vocês estão lembrados?

Alunos: Deodoro e Floriano.

Professora V: E quem foi Deodoro e Floriano?

Alunos: Dois presidentes.

Professora V: Dois presidentes da república, né? Ela... descreve, é

uma poesia descritiva, né? Uma poesia que ela descreve com detalhes

a sala de aula, ela relembra do nome dos amigos da chamada, né?

Ela fala Antônio, Juca, João de Araújo. Ela se lembra dos detalhes,

ela se lembra até do cheiro de rabugem dos cachorros, né, que é uma

doença que o cachorro tem que ele perde o pelo. Ela lembra da mesa

que era uma mesorra. Pois vamos fazer uma leitura aí, por favor.

Queria que vocês acompanhassem e tentassem ler junto comigo.

A professora procedeu à leitura do texto e alguns alunos

acompanharam.

Professora V: Gente, o nosso texto é escrito... é um texto escrito em

verso porque é uma poesia e qual é o assunto principal que ela trata

aqui? Ele descreve que ambiente? O que o texto tá querendo dizer aí?

Aluno: Sala de aula.

Professora V: Sala de aula, né? Se vocês fizerem uma comparação

dessa sala de aula na Cora Coralina do tempo que ela estudou com a

nossa sala de aula vocês vão... tem alguma situação parecida? Ele

descreve um ambiente detalhado: o corredor era de laje. Hoje em dia

nós ainda temos escolas com corredores? Não, hoje elas são bem

abertas, né, bem amplas. As escolas antigamente eram mais fechadas,

cheias de corredores escuros, a mesa, naquela época, as mesas... era

uma mesa grande, coletiva para vários alunos e, hoje, ainda é assim?

Alunos: Não.

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Professora V: Não é não, né? Bom, nas escolas, nós ainda

encontramos a foto... a fotografia dos presidentes da república?

Alunos: Não.

Professora V: A gente normalmente vê nas escolas a foto do patrono

da escola. Aqui é pra ter na entrada uma foto da professora (...), eu

mesma não conheço. Então, a gente... nas escolas, elas recebem um

nome em homenagem a uma pessoa ilustre da cidade que trabalhou

pela educação ou que foi um cidadão que trabalhou muito. Então, a

professora (...) deve ter sido uma professora muito dedicada pra

receber uma homenagem, né? Então, a mestra Silvina que ela

homenageia aqui nessa poesia deve ter sido muito dedicada, apesar

da rigidez. A gente percebe que na parede tinha o que dependurada?

Alunos: Palmatória.

Professora V: A palmatória, né? Eu perguntei quem estudou na época

da palmatória, eu estudei... . O senhor J [aluno da turma] também

estudou. Eu perguntei à G [aluna da turma] se ela conhecia a palavra

alcova como quarto de dormir porque é uma palavra muito antiga. Eu

nunca tinha ouvido falar nessa palavra. Antigamente, tinha escola só

pra rapazes e escola só pra moças. Nós temos o Colégio Estadual ali,

ele foi criado tem uns setenta anos e foi criado só pra rapazes. E

tínhamos a escola Normal que era só pra moças e tínhamos, ainda,

numa época mais antiga, há cem anos atrás, quando foi fundado o

Colégio das Irmãs, era só pra moças e lá o propósito era formar

do:::nas de casa. A maioria dos rapazes, como o colégio São Luiz

Gonzaga que é o Colégio Diocesano hoje era um colégio pra

seminário, para formar padres. Era muito tradicional, nas famílias de

um século atrás, toda família queria que tivesse um padre e as moças

tinham que ser pren:::dadas ou tinha que ter uma freira. Então, as

escolas..., bem na época que a Cora Coralina estudou, eram rígidas.

Lembram que ela fala bem aqui que toma a bença à mestra, né? Os

professores eram muito rígidos, não tem essa abertura que tem hoje

do aluno conversando com o professor. Até na época que eu estudei, o

professor ficava num certo... mantinha uma certa distância do aluno.

Hoje em dia o professor... ele... ganhou intimidade com o seu aluno,

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mas essa intimidade também trouxe um lado ruim que foi o

desrespeito. O desrespeito para com o professor ele é bem maior. Se

você for comparar a situação em que a mestra Silvina deu aula com

uma professora de hoje, com uma professora dos nossos dias, você vê

crianças pequenas que desrespeitam o professor. Naquela época eles

temiam o professor, o professor era uma autoridade e, hoje, não. O

professor é visto de igual pra igual, né? Ela é uma poesia descritiva

porque ela descreve detalhadamente a sala de aula, a professora, o

colégio. Ela se lembra do armário que era muito velho, da mesa...

Eu vou pedir a Y que leia seis versos do texto e depois eu peço para

outro continuar. Olha, outra coisa que eu queria falar pra vocês... era

isso aí [...] um momento que ela reviveu da vida dela na infância [...]

ela já era uma senhora bem idosa quando ela começou a publicar os

livros dela, né, essa escritora, ela era goiana e se você percebe pela

riqueza de detalhes [...] ela voltou no tempo para reviver isso aí, né?

Outra coisa que eu achei interessante foi o vocabulário usado por ela,

né, palavras que nós praticamente não usamos mais hoje. Eu pedi

também para vocês responderem as questões de interpretação do

texto, mas se não tiverem respondido não tem problema não.

Notemos que, mais uma vez, deparamo-nos com a ausência de tarefas que antecedem à

leitura do texto. Para que a leitura tenha o sucesso pretendido, preliminarmente, espera-se que

o professor explicite a finalidade dela, o objetivo a que se destina. Kirsh (2004 apud

BORTONI-RICARDO; MACHADO; CASTANHEIRA, 2010, p. 56) afirma que “a leitura é

realizada de acordo com o objetivo que se tem diante de um texto, uma vez que os leitores

reagem a um determinado texto de maneiras diversas à medida que buscam utilizar e

compreender o que estão lendo”. A professora V não segue esse passo, pois inicia o texto

fazendo a leitura das palavras trazidas pelo vocabulário do livro.

A professora não ativa os conhecimentos prévios dos alunos, assim não tem prioridade

do que os alunos conhecem ou dos conhecimentos que precisa atualizar, processo de expansão

do conhecimento de mundo leitor. A etapa seguinte, que ainda faz parte das tarefas realizadas

antes do início da leitura, consiste em fazer previsões sobre o texto. Para realizar tal ação, o

leitor deve trazer seus objetivos e conhecimentos arquivados. Durante a leitura, com a

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mediação do professor, o aluno deve testar as antecipações construídas. Esta etapa do trabalho

inferencial não foi realizada pela professora. Percebamos que, durante toda a discussão, V não

se referiu ao título, elemento que já prediz ideias que serão tratadas no texto.

Segundo as teorias já apresentadas, durante a leitura do texto, o professor deve

encaminhar o aluno a assumir o papel de protagonista da leitura. Para isso, deve fornecer

orientações para que os próprios leitores construam sentidos, e não assumam postura passiva,

por exemplo, repetindo aquilo que o professor pode construir. Os alunos devem buscar

indícios textuais para testar suas hipóteses ou, se necessário, reconstruí-las, apoiados em seu

conhecimento. O professor assume, nessa atividade, o papel de mediador que poderá oferecer

suportes para enriquecer as predições. A professora V não colabora com esse processo, haja

vista que não oportunizou os alunos a realizarem uma leitura silenciosa, cuja atividade

consiste em checar as previsões construídas.

Inicia a leitura com a seguinte colocação: Vamos ver aqui o vocabulário desse texto.

Vou ler aqui o vocabulário que o livro trouxe para a gente aprender o significado dessas

palavras. Leu todas as palavras trazidas pelo vocabulário do livro e julgou que a leitura

levaria a aprender o significado. Vejamos que não faz referência ao emprego dessas palavras

em situação contextual. Não incentivou os alunos a perceber que o significado das palavras

deve ser construído dentro do texto. Constatamos que a professora não incentiva os alunos a,

durante a leitura, chegar a um significado aproximado para os termos desconhecidos, pois

eles, nem sempre, impedirão o entendimento.

O professor, neste caso, não se dá conta de que palavras poderão ser desconhecidas

pelos alunos, mas inferíveis por meio do contexto, bem como aquelas que não podem ser

inferidas e aquelas que têm uma significação, também contextualizada, contudo mais exata.

Em seguida, V não opta por fazer a leitura com os alunos a fim de lhes encaminhar

questionamentos, constantes intervenções que proporcionarão julgar entendimentos

construídos ou reorganizá-los com base em elementos da estrutura textual. Não discute o texto

para incluir os alunos no processo de significação e pondera: Eu quero que vocês relembrem

que esse texto aqui tá escrito em prosa ou em verso? É em verso, né? Se ele tá escrito em

verso ele é uma poesia, né? Ele é uma poesia que tem uma linguagem bem... medida, né, tem

palavras que a gente não usa mais, como alcova que significa quarto de dormir. Observamos

que a preocupação inicial da professora é com a forma em que o texto foi escrito, se em prosa

ou verso. Lança a pergunta e, em seguida, responde-a: É em verso, né?. Faz caracterizações

sobre a linguagem da poesia e informa que o texto é composto por palavras linguisticamente

saturadas: [...] tem palavras que a gente não usa mais, como alcova que significa quarto de

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dormir. A professora não oportunizou os alunos perceberem o uso dessas palavras e não

optou por estratégias para que chegassem a essa percepção.

Mesmo sem, ainda, ter solicitado uma leitura silenciosa ou ter realizado uma leitura

simultânea, as quais dariam ao aluno oportunidade de participar da construção de sentidos do

texto, V constrói ponderações: A poetisa Cora Coralina, quando escreveu esses versos aqui,

ela tava relembrando... uma época da vida dela em que ela estudava [...] ela disse que lá no

canto, bem aqui ela relembra uma parte que ela diz que tinha uma palmatória, né? ... quando

eu estudei a:::inda tinha palmatória, né? E, hoje, é bem diferente a forma como os

professores trabalham, como os professores tratam os alunos [...]. Com essas colocações,

fica claro que a professora não estimula os alunos a assumirem responsabilidade pela leitura,

pois levanta contextualizações que deveriam ter sido criadas, por meio de um trabalho de

mediação, pelos alunos.

Considerando o trecho transcrito no parágrafo acima, Kleiman (2007, p. 49) afirma que

“[...] a leitura é um ato individual de construção de significado num contexto que se configura

mediante a interação entre autor e leitor [...]”, portanto cada leitor usa seus conhecimentos,

interesses e objetivos na construção de um possível sentido. Reiteramos que V não

proporciona essa construção, nem mesmo, teria bases para eleger procedimentos de leitura,

haja vista que ainda não havia realizado uma checagem dos conhecimentos prévios dos

alunos.

Embora a professora não tenha solicitado e realizado com os alunos leitura do texto,

questiona-os: Bom, e outra, na parede, ela relembra que tinha a foto de quem? Vocês estão

lembrados?. Acreditamos que assume essa postura em virtude de ter solicitado, em aula

anterior, que os alunos fizessem a leitura do texto em casa. Neste caso, a professora apenas

confere se o aluno cumpre uma tarefa. Não é possível verificar as construções realizadas pelos

alunos já que não houve uma leitura compartilhada nem um trabalho inferencial, os quais

necessitam de mediação.

Em resposta à pergunta de quem seria a foto que estava na parede, os alunos

responderam: Deodoro e Floriano. V questionou quem seriam eles e teve como resposta: dois

presidentes. Sobre a resposta dos alunos a professora comentou: Dois presidentes da

república, né. Não questionou o fato de haver ou não, em algumas escolas, fotos de

presidentes da república ou a razão da existência de fotos dos fundadores das instituições, no

entanto, encaminhou os alunos para um sentido por ela pretendido ao questionar: Bom, nas

escolas, nós ainda encontramos a foto... a fotografia dos presidentes da república? Vejamos

que a professora encaminha os alunos para uma resposta negativa, fato que se verifica pelo

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uso do advérbio “ainda” e a construção da interrogação. À pergunta, os alunos se

manifestaram: não.

A respeito das fotos dos fundadores das instituições, vejamos que a professora não fez

os alunos refletirem sobre a razão da existência dessas fotos e o que a ausência delas

denunciaria. Motivou-se a construir uma constatação ao dizer: A gente normalmente vê nas

escolas a foto do patrono da escola. Aqui é pra ter na entrada uma foto da professora (...) [o

nome da escola foi dada em homenagem a essa professora], eu mesma não conheço. Então, a

gente... nas escolas, elas recebem um nome em homenagem a uma pessoa ilustre da cidade

que trabalhou pela educação ou que foi um cidadão que trabalhou muito. Então, a professora

(...) deve ter sido uma professora muito dedicada pra receber uma homenagem, né? Então, a

mestra Silvina que ela [a autora do texto] homenageia aqui nessa poesia deve ter sido muito

dedicada, apesar da rigidez. Solé (1998) diz que ao professor cabe a tarefa de fazer o aluno se

interrogar sobre a leitura, pois o leitor é o responsável pelo seu processo de aprendizagem.

Notamos que V não propicia que essas atitudes sejam tomadas.

Em vários momentos, a professora vai antecipando informações e construindo

significados sem saber se os alunos necessitam dessas intervenções: [...] ela relembra do

nome dos amigos da chamada, né? Ela fala Antônio, Juca, João de Araújo. Ela se lembra dos

detalhes, ela se lembra até do cheiro de rabugem dos cachorros, né, que é uma doença que o

cachorro tem que ele perde o pelo. Ela lembra da mesa que era uma mesorra. O trabalho de

construção de sentidos permanece concentrado nas mãos da professora.

Após ter feito várias considerações sobre o texto, a professora propôs: Pois vamos fazer

uma leitura aí, por favor. Queria que vocês acompanhassem e tentassem ler junto comigo.

Embora V tenha feito a leitura em voz alta acompanhada por alguns alunos, não desempenhou

o papel de mediadora, visto que não incluiu os leitores no processo de significação. O trabalho

colaborativo em leitura se justifica como uma forma de compreender o texto, logo os alunos

precisam testar e, se necessário, refazer algumas previsões. Não entendemos que V tenha

procedido a um estudo simultâneo, mas, sim a uma leitura sem orientação, pois não preparou

os leitores “para engajar seu conhecimento prévio antes de começar a ler” (KLEIMAN,

2008a, p. 154).

Após ter realizado a leitura, V continua não dando aos alunos condições de interagir

com o texto. Vejamos o que considerou: Gente, o nosso texto é escrito... é um texto escrito em

verso porque é uma poesia e qual é o assunto principal que ela trata aqui? Ele descreve que

ambiente? O que o texto tá querendo dizer aí?. Não realiza nenhuma consideração quanto à

função do gênero e, quanto à forma, justifica que o texto é uma poesia porque está escrito em

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142

verso.

Em referência ao processo de significação, vejamos que a professora pergunta aos

alunos o que o texto está querendo dizer. Com tal postura, V desconsidera a bagagem

sociocognitiva do leitor e o inibe a assumir atitude interacional diante do texto.

A professora continua assumindo a interpretação do texto e, em certos momentos, tenta

aproximar os alunos de contextos que tenham uma ligação com o que trata o texto, porém V

não oportuniza aos alunos ativar esses contextos, ela mesma vai assumindo a interpretação e

os ativando. Vejamos alguns trechos em que esse comportamento fica nítido: Se vocês fizerem

uma comparação dessa sala de aula da Cora Coralina do tempo que ela estudou com a nossa

sala de aula vocês vão... tem alguma situação parecida? Ele descreve um ambiente

detalhado: o corredor era de laje. Hoje em dia nós ainda temos escolas com corredores? E

continua em outros momentos do texto: Era muito tradicional, nas famílias de um século

atrás, toda família queria que tivesse um padre e as moças tinham que ser pren:::dadas ou

tinha que ter uma freira. Então, as escolas..., bem na época que a Cora Coralina estudou,

eram rígidas. Lembram que ela fala bem aqui que toma a bença à mestra, né? Os professores

eram muito rígidos, não tem essa abertura que tem hoje do aluno conversando com o

professor. Até na época que eu estudei, o professor ficava num certo... mantinha uma certa

distância do aluno. Hoje em dia o professor... ele... ganhou intimidade com o seu aluno, mas

essa intimidade também trouxe um lado ruim que foi o desrespeito. O desrespeito para com o

professor ele é bem maior.

Vejamos que os contextos ativados são interessantes, têm ligação com o sentido global

do texto, todavia são protagonizados pela professora e retira dos alunos a oportunidade de

utilizar seus conhecimentos prévios para situar a leitura e atribuir sentidos a ela.

Em determinado momento, durante a discussão do texto protagonizada pela professora,

solicita: Eu vou pedir a Y que leia seis versos do texto e depois eu peço para outro continuar.

Observamos que após a leitura realizada pelas alunas não foi proposta nenhuma reflexão, logo

não se percebeu um real objetivo para a atividade. Observamos, ainda, que a professora

fragmenta a leitura, pedindo para cada aluno ler um “pedaço” do texto.

Em última análise, V explicita interpretações realizadas por ela: Olha, outra coisa que

eu queria falar pra vocês... era isso aí [...] um momento que ela reviveu da vida dela na

infância [...]20

Outra coisa que eu achei interessante foi o vocabulário usado por ela, né,

palavras que nós praticamente não usamos mais hoje. Não construiu estratégias para perceber

20

Esta sinalização não faz parte das convenções de transcrição. Foi utilizada aqui para marcar que de uma fala

maior retiramos apenas alguns trechos.

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se os alunos têm o mesmo entendimento, atitude que centraliza o texto nas mãos do professor.

Após a leitura do texto, V diz: Eu pedi também para vocês responderem as questões de

interpretação do texto, mas se não tiverem respondido não tem problema não. Percebemos

não ter havido avaliação da leitura. A professora não aplica estratégias para verificar se

realmente houve compreensão do texto.

Após análise das possíveis estratégias eleitas pela professora na prática de orientações

para leitura constatamos que não há ensino de estratégias leitoras. Os alunos não são

encaminhados para a construção de sentidos. V apresenta algumas orientações para leitura,

todavia não ensina para os alunos procedimentos que devem acessar para chegar à

compreensão dos textos.

6.2.4 Estratégias eleitas pela professora R

Analisaremos, agora, as estratégias de leitura selecionadas pela professora R para fazer

o estudo do texto “A escola da Mestra Silvina”. Esclarecemos que, assim como a professora

V, R também utilizava o mesmo livro, cuja adoção foi feita por todas as escolas do município

até o ano anterior à nossa pesquisa. A professora inicia a atividade fazendo algumas

considerações sobre o texto, fez uma leitura dele, em seguida, teceu mais alguns comentários

e, posteriormente, pediu que os alunos fizessem a leitura em voz alta. Vejamos:

Professora R: Quando a poetisa escreveu esse texto, ela tinha uma

lembrança assim muito carinhosa da escola. Assim como nós, vocês

que já passaram por outras escolas, que gostaram, com certeza, tem

alguma escola que já marcou a vida de vocês, né? Aí vocês lembram

da professora, lembrar dos colegas, né? E ela, fez essa poesia num

momento em que ela estava assim muito emocionada, saudosa. O

nome do texto é A escola da Mestra Silvina. Esse é o título do texto.

A professora fez a primeira leitura do texto.

Professora R: Eu vou fazer a primeira leitura e depois alguém vai ler

pra gente puder [...].

Professora R: Deu pra perceber que aqui é uma descrição? Deu, né?

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Então, ela faz uma descrição da infância dela numa escola que ela

estudou, certamente, ela deve ter passado... ela morava numa cidade

grande e, de repente, ela voltou pra sua infância numa cidade menor

onde ela estudou e deu aquela saudade de ver aquela escola. E lá ela

imaginou como é que estava a escola, então, ela viu mentalmente a

escola, como é que estava: ela viu uma caneca enferrujada, viu na

parede a foto de duas pessoas que ela diz o nome aqui (Deodoro e

Floriano). Quem são essas duas pessoas? Eram amigos dela ou eram

assim... figuras ilustres?

Alunos: Ilustres.

Professora R: Quem são essas pessoas ilustres? Vocês lembram quem

é Deodoro?

Aluno: Deodoro da Fonseca.

Professora R: Deodoro da Fonseca, né? E o outro? Floriano?

Peixoto... Esse Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto eles já foram

o quê? Representaram o que na nossa vida política? Foram

governadores, foram presidentes? O que que eles foram? Foram

presidentes, né? Então, foram presidentes da república. Ainda...

quando ainda era república. Eram dois presidentes que faziam parte

daquela escola. Então ela viu, ela chegou naquela escola e

mentalmente ela viu a foto dos dois presidentes, ela viu ah... ela viu,

mentalmente, a mestre. Como ela fazia quando era criança: ela dizia

pra mestre: “- Bença, mestre”. Porque naquela época, não sei se

vocês já ouviram os pais de vocês falarem, mas o professor era

considerado realmente assim, mestre. Veja que a palavra mestre tá

até com letra maiúscula. Então, o aluno tinha assim um respeito

enorme pelo professor. Chegava dava a bença, era realmente assim

uma pessoa... A quem dera se nós pudéssemos voltar a esse período...

assim esse período pelo respeito que os alunos tinham pelos seus

mestres, né? Hoje em dia os alunos não respeitam o professor.

A professora solicitou que os alunos fizessem a leitura.

Professora R: Eu já fiz a leitura, agora, é a vez de vocês.

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Alguns alunos fizeram a leitura do texto.

Professora R: Então, o texto não é difícil, né? Tem alguma palavra

aqui que vocês não sabem o significado?

Aluna: Mesorra

Professora R: O que quer dizer mesorra? É um substantivo ou não é?

É um substantivo, né? E o que vocês entendem por mesorra?

Aluna: Não é uma mesa grande?

Professora R: É uma mesa gran:::de. Então, essa palavra é um

substantivo que se encontra no aumentativo, certo? Agora sim ficou

fácil, né? A gente dificilmente usa mesorra, a gente costuma usar

mesa grande, né? As pessoas dizem também mesona, né? Tem outra

palavra aí que alguém não saiba o significado? Essa palavra alcova

não é muito comum. Quando alguém diz assim: “- Eu vou lá pra

alcova”, pra onde será que ele está indo? Pra cozinha, pra sala?

Aluna: Pro quarto.

Professora R: Pro quarto de dormir. Então, a poetisa usou palavras

do tempo... do curso dela, né? Hoje não se usa mais a palavra alcova.

Se usa mesmo a palavra quarto. Quando assistirem às novelas de

época e escutarem alcova já sabem. Outra palavra que vocês

entenderam o significado?

Aluno: Forja.

Professora R: Forja. Me diga qual é o verso que a palavra está? Ah!

“Num prego de forja saliente na parede”. Quer dizer que a foto de

Deodoro e Floriano estava pregada na parede.

Orientou os alunos a verificar o vocabulário. Leu cada uma das

palavras.

Professora R: Alguma pergunta sobre esse texto? Vocês gostaram do

texto?

Propôs um exercício sobre o texto e comentou:

Professora R: Na primeira questão, vocês vão tirar um fragmento do

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texto pra provar que o texto mostra lembranças da infância da Cora

Coralina (...).

Assim, como todas as outras professoras, R inicia a atividade sem esclarecer o objetivo

da leitura, passo anterior ao processo leitor. Como já esclarecido algumas vezes durante esta

dissertação, espera-se que o aluno faça a leitura do texto “selecionando procedimentos de

leitura adequados a diferentes objetivos e interesses”. (BRASIL, 1998, p. 50). Logo,

dependendo dos objetivos da leitura, o leitor autônomo selecionará estratégias adequadas para

ela.

A professora inicia a atividade afirmando: Quando a poetisa escreveu esse texto, ela

tinha uma lembrança assim muito carinhosa da escola. Assim como nós, vocês que já

passaram por outras escolas, que gostaram, com certeza, tem alguma escola que já marcou a

vida de vocês, né? Aí vocês lembram da professora, lembrar dos colegas, né? E ela, fez essa

poesia num momento em que ela estava assim muito emocionada, saudosa. O nome do texto é

A escola da Mestra Silvina. Esse é o título do texto.

Vejamos que a professora se exime de ativar os conhecimentos prévios dos alunos

dando, por exemplo, informações gerais sobre o que se vai ler. Não fez um diagnóstico do que

eles sabiam para, assim, verificar a necessidade de lhes conceder algumas informações

necessárias sobre o assunto do texto. Vejamos, no parágrafo acima, que R inicia as

considerações sem que os alunos construam previsões a serem testadas durante uma leitura

silenciosa. Não os encaminhou a observar o formato do texto, a superestrutura, o título, os

quais permitem elaborar previsões. Como o texto é uma descrição, Solé (1998) afirma que a

superestrutura já traria várias pistas que ajudariam a “formular e a ensinar a formular

perguntas pertinentes sobre o texto”. (p. 111).

Percebemos que a professora apenas informa o título do texto: O nome do texto é A

escola da Mestra Silvina. Esse é o título do texto, mas não incentiva os alunos perceberem o

que será tratado nesse texto. É possível constatar, ainda, que a professora inicia fazendo

considerações: Quando a poetisa escreveu esse texto, ela tinha uma lembrança assim muito

carinhosa da escola; E ela, fez essa poesia num momento em que ela estava assim muito

emocionada, saudosa. Tal comportamento denuncia que ela desconsidera possíveis

percepções que os alunos poderiam ter para o texto e traz um sentido criado por ela como o

único possível. Os alunos deveriam formular essa construção por meio de indagações e do

discernimento de que existem marcas linguísticas que permitem chegar a um sentido possível.

Nesse caso, o leitor não é sensibilizado para observador as pistas linguísticas que dão suporte

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147

ao quadro referencial proposto pelo autor.

Ainda sobre a primeira fala destacada, percebemos que a professora antecipa

informações sobre o entendimento dos alunos sem antes ter informações sobre seus

conhecimentos prévios e elabora um possível entendimento para eles. Fica clara essa postura

quando afirma: Assim como nós, vocês que já passaram por outras escolas, que gostaram,

com certeza, tem alguma escola que já marcou a vida de vocês, né? Aí vocês lembram da

professora, lembrar dos colegas, né?. A professora, por meio da marca de oralidade “né”,

constrói um artifício retórico, pois dirige a pergunta ao aluno, sendo que já tem uma resposta

impositivamente construída.

Durante a aula, a professora não solicitou uma leitura silenciosa, passo importante para

um contato inicial com o texto e para julgamento de previsões. Não optando, também, por

uma leitura simultânea, a professora fez a primeira leitura do texto sozinha e não

desempenhou o papel de mediadora, explorando-o a partir de pontos de vista bem diferentes,

como: semântico, pragmático e sintático. Esse momento é imprescindível para a condução de

procedimentos de leitura que levarão à compreensão do texto. Essas afirmações ficam claras

por meio da ausência de diálogos em nossas transcrições que ilustrem um momento de leitura

colaborativa.

Após a leitura realizada pela professora R, continuou protagonizando construções para o

texto: Então, ela faz uma descrição da infância dela numa escola que ela estudou,

certamente, ela deve ter passado... ela morava numa cidade grande e, de repente, ela voltou

pra sua infância numa cidade menor onde ela estudou e deu aquela saudade de ver aquela

escola. E lá ela imaginou como é que estava a escola, então, ela viu mentalmente a escola.

Além de isentar os alunos de estratégias para compreender o texto, R cria sentidos,

provavelmente, sem pistas linguísticas que a autorizem proceder dessa forma.

Vejamos que ao afirmar ela estudou, certamente, ela deve ter passado... ela morava

numa cidade grande e, de repente, ela voltou [...], usa o advérbio certamente porque sua

afirmação inspira dúvidas. Além de não fazer os alunos perceberem a existência de pistas que

autorizam ou não uma hipótese construída, R imprime sentidos sem marcas que a autorizem.

Em seguida, a professora faz outras constatações sobre o texto dizendo: [...] viu na

parede a foto de duas pessoas que ela diz o nome aqui (Deodoro e Floriano). Quem são essas

duas pessoas? Eram amigos dela ou eram assim... figuras ilustres?. Vejamos que se os alunos

não tivessem atentado para a existência das fotos, seria oportuno questioná-los, todavia a

professora não só os questiona, mas dá duas possibilidades como resposta: eram amigos ou

pessoas ilustres?. Os alunos responderam que seriam pessoas ilustres. Após a resposta dos

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alunos, a professora pergunta o que Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto tinham

representado na vida política. Entendemos que estabiliza as possibilidades de sentido, uma

vez que informa que foram políticos. Não dando condições para chegarem a um

entendimento, a professora responde: Foram presidentes, né? Então, foram presidentes da

república. Ainda... quando ainda era república. A professora emitiu uma informação

equivocada ao afirmar que foram presidentes quando ainda não era república, sendo que

Deodoro da Fonseca liderou a proclamação da república.

A professora informou que Deodoro e Floriano eram dois presidentes que faziam parte

daquela escola. Entendemos que os alunos poderiam ser levados a ativar contextos que os

fizessem refletir sobre a razão da presença das fotografias daqueles dois presidentes na escola.

A informação concedida pela professora não contribui para a construção de sentidos.

Continuou assumindo a interpretação e, consequentemente, retirando dos alunos a

oportunidade de utilizar seus conhecimentos de mundo para situar a leitura e formular

sentidos. Vejamos a consideração: [...] ela dizia pra mestre: “- Bença, mestre”. Porque

naquela época, não sei se vocês já ouviram os pais de vocês falarem, mas o professor era

considerado realmente assim, mestre. Veja que a palavra mestre tá até com letra maiúscula.

Então, o aluno tinha assim um respeito enorme pelo professor. Chegava dava a bença, era

realmente assim uma pessoa... A quem dera se nós pudéssemos voltar a esse período... assim

esse período pelo respeito que os alunos tinham pelos seus mestres, né? Hoje em dia os

alunos não respeitam o professor.

Observando a citação acima, R faz algumas considerações sobre a leitura. Considera

que os professores eram vistos com muito respeito, o que ficava claro pelo pedido da bênção.

Além disso, esclarece a atribuição da denominação mestre dada aos professores em virtude,

também, do respeito que inspirava. Mostra aos alunos que a autora grafa a palavra “mestre”

com letra maiúscula para ratificar o destaque que o professor tinha ou, até mesmo,

considerando-a um substantivo próprio em virtude da importância que tinha. Lamenta a

mudança de comportamento dos alunos com os professores, haja vista que hoje não são mais

respeitados com antes.

Quanto às caracterizações construídas pela professora no parágrafo acima, ponderamos

que embora R ative contextos oportunos, não propicia aos alunos a autonomia de sua leitura,

pois não foram motivados a ativar os contextos a que estão inseridos e manterem uma relação

com o que A escola da Mestra Silvina foi construído. A leitura é protagonizada pela

professora.

Em meio à discussão, a professora encaminha: Eu já fiz a leitura, agora, é a vez de

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vocês. Solicita que alguns alunos façam a leitura do texto e, após a atividade, não houve

reflexões, fato que explicita a falta de objetivo claro. A leitura foi fragmentada, pois o texto

foi dividido para que alguns alunos o lessem.

Não observando a importância do contexto para a atribuição do significado das

palavras, a professora indagou: Tem alguma palavra aqui que vocês não sabem o

significado?. Uma aluna respondeu que não conhecia a palavra “mesorra”. A professora

perguntou o que entendiam por mesorra e uma aluna respondeu que deveria ser uma mesa

grande. Vejamos que essa aluna conseguiu depreender o sentido da palavra por meio do

contexto ou conseguiu ativá-la de contextos por ela conhecidos. Entendemos, portanto, que

levar os alunos a refletirem sobre o valor dos vocábulos no contexto linguístico é de

fundamental importância para o trabalho de inferência lexical.

Ainda discutindo o vocabulário do texto, a professora pontuou que a poetisa usou

palavras do tempo... do curso dela, né? Hoje não se usa mais a palavra alcova. Se usa mesmo

a palavra quarto. Nesse caso, a ausência de um procedimento para inferência lexical,

possivelmente, impossibilitou os alunos perceberem que com o tempo as palavras podem se

tornar linguisticamente saturadas ou até assumir novos significados.

Após a leitura do texto, R perguntou: Alguma pergunta sobre esse texto? Vocês

gostaram do texto?. Ela não se dedicou à análise do que os alunos compreenderam da leitura,

o que ela lhes acrescentou. A professora precisaria elaborar propostas que levassem os alunos

a discutir com o texto, a testar suas construções. Encaminhou-os a um exercício que dentre

outras questões, destacamos: Na primeira questão, vocês vão tirar um fragmento do texto pra

provar que o texto mostra lembranças da infância da Cora Coralina. A questão descrita não

encaminha o aluno a interagir com o texto, mas com um trecho para justificar a resposta.

Após análise das estratégias eleitas nas falas que constituem as entrevistas e as da práxis

em leitura, contatamos que R não realiza ensino de estratégias de leitura. Os alunos não são

encaminhados a discutir com o texto e a se perceberem protagonistas de suas leituras,

realizando o trabalho inferencial necessário.

Nosso objetivo nesta seção foi analisar as estratégias para o ensino de leitura eleitas

pelas professoras no trabalho de orientações leitoras em sala de aula. Observamos que, no

universo prático, as professoras não empreenderam ensino de procedimentos de leitura.

Entendemos que a falta de bases teóricas na formação leitora dos professores pode ter

relação com a ausência de procedimentos de leitura que viabilizam a formação do leitor

autônomo. Para tanto, precisa selecionar estratégias de compreensão de várias ordens a fim de

compreender os textos, os quais precisam ser ensinados pelo professor. Esse professor

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necessita, portanto, ter formação que o possibilite fazer essa seleção.

Quanto à restrita formação do professor, Kleiman (2008a, p. 151) considera que “a

formação precária do professor na área de leitura, bem como o desconhecimento dos

resultados da pesquisa na área trazem consequências negativas para a qualidade de ensino”.

Ainda segundo Kleiman (2008b), a formação do professor não os embasa sobre as teorias de

linguagem previstas nos documentos oficiais, como os PCN, que não estão previstos na

maioria dos programas de cursos que os formam. (p. 488). O desconhecimento dos PCN, por

exemplo, afasta-os de conhecimentos sobre a teoria de leitura, estratégias leitoras, dentre

outros aspectos. Podemos destacar um trecho dos PCN que ratificam nossa afirmação:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e

interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o

assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. [...] Trata-se de

uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e

verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos

que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de

dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto

suposições feitas. [...] Nessa condição, o professor deve preocupar-se com a

diversidade das práticas de recepção dos textos [...]. (BRASIL, 1998, p. 69-70).

Destacamos, ainda, considerações sobre o trabalho de Silva (2009), pois este mantém

concordância com nossa argumentação. Segundo o autor, a partir de pesquisas realizadas

sobre aspectos da identidade de professores do ensino fundamental, o trabalho docente é

afetado, significativamente, pela formação anterior do professor, além de sua possibilidade de

atualização continuada e pelas ideologias impositivas manifestadas pelo sistema escolar. De

acordo com o autor, a preparação prévia dos professores para o encaminhamento de leitura é

considerada muito fraca ou inexistente. Descrevemos a caracterização por ele construída

sobre o quadro em discussão, entendo sua importância para este estudo:

Ainda que a leitura seja o pulmão da vida docente e discente e esteja intimamente

relacionada com o sucesso escolar do estudante, são raros os cursos que tematizam

esse processo (o de leitura) por meio de disciplinas específicas ou mesmo dentro das

existentes no currículo. Dessa forma, por falta de embasamento na área das teorias

de leitura, o professor se vê extremamente desamparado no momento em que tem

que ensinar ou orientar a leitura entre seus alunos. Perante as lacunas teóricas, os

procedimentos alternativos mais comuns para o professor são: a total dependência

dos livros didáticos e suas famigeradas lições ou então a imitação ingênua dos seus

antigos professores de outrora... (SILVA, 2009, p. 59, grifo do autor).

Temos a clareza de que não podemos criar generalizações sobre a ligação existente entre o

ensino desenvolvido pelo professor e a sua formação anterior em leitura, todavia,

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considerando alguns encaminhamentos de leitura já apresentados que constituem exemplos

extraídos do nosso corpus e a teoria que nos ampara, entendemos que, possivelmente, existe

reflexo da formação a que o professor teve acesso e o ensino, por exemplo, de estratégias para

compreensão leitora, foco desta seção.

6.3 O material didático para o ensino de leitura

Analisaremos, nesta seção, a seleção e a forma de abordagens dos textos escolhidos para

o ensino de leitura, assim como os encaminhamentos propostos para explorar esses textos.

Selecionamos para chegar ao nosso objetivo atividades realizadas pelas quatro professoras.

Esclarecemos que essa seleção está constituída por atividades retiradas do livro didático

utilizado pela escola, material elaborado pelo professor (exercícios e provas), textos

escolhidos de outros materiais didáticos. Faremos a análise de, apenas, uma atividade de

leitura para cada professor, pois não era frequente, após a discussão oral dos textos, haver

encaminhamentos de leitura com questões que refletissem sobre o gênero textual em que o

texto se encontrava e, consequentemente, questões propostas para refletir sobre a

compreensão textual.

Para procedermos às análises das atividades, é imprescindível que pensemos a

necessidade de a escola e, consequente, de o professor considerar a diversidade de gêneros

textuais no trabalho com a leitura e considerar a forma de recepção desses textos diante dos

propósitos que eles têm. Como já afirmado nesta dissertação, tais propósitos serão definidos a

partir do contexto situacional. As questões propostas para trabalhar os gêneros precisam,

portanto, proporcionar aos alunos reconhecer as intenções comunicativas, bem como suas

características linguísticas e discursivas. Se os alunos não as reconhecem, não selecionam

procedimentos adequados para a compreensão textual. Os PCN entendem que os textos

precisam ser trabalhados em uma perspectiva enunciativo-discursiva, segundo a qual os textos

são tratados em articulação com os gêneros.

O ensino de leitura não pode se escusar das habilidades descritas no parágrafo acima e,

diante disso, salientamos que as atividades de compreensão de textos devem considerar o

texto como um processo em que convergem atividades cognitivas e discursivas. Assim, as

questões precisam exigir dos alunos a construção de sentidos, processo que envolve

conhecimentos de várias naturezas.

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6.3.1 As escolhas da professora W

Analisaremos, agora, os encaminhamentos de leitura selecionados e a forma como

foram trabalhados pela professora W. A atividade abaixo descrita consiste em um exercício

escolhido pela professora para trabalhar a crônica “Pneu Furado” de Luís Fernando

Veríssimo, abaixo registrada.

PNEU FURADO

O carro estava encostado no meio-fio, com um pneu furado. De pé ao lado do

carro, olhando desconsoladamente para o pneu, uma moça muito bonitinha.

Tão bonitinha que atrás parou outro carro e dele desceu um homem dizendo

"Pode deixar". Ele trocaria o pneu.

- Você tem macaco? - perguntou o homem.

- Não - respondeu a moça.

- Tudo bem, eu tenho - disse o homem - Você tem estepe?

- Não - disse a moça.

- Vamos usar o meu - disse o homem.

E pôs-se a trabalhar, trocando o pneu, sob o olhar da moça.

Terminou no momento em que chegava o ônibus que a moça estava esperando.

Ele ficou ali, suando, de boca aberta, vendo o ônibus se afastar.

Dali a pouco chegou o dono do carro.

- Puxa, você trocou o pneu pra mim. Muito obrigado.

- É. Eu... Eu não posso ver pneu furado. Tenho que trocar.

- Coisa estranha.

- É uma compulsão. Sei lá.

(Luís Fernando Veríssimo. Livro: Pai não entende nada. L&PM, 1991).

As questões apresentadas pela professora foras as seguintes:

1. Porque esse texto é uma crônica?

2. Fale sobre o autor Luiz Fernando Veríssimo.

3. Entre as características da crônica, quais você identifica no texto?

4. Releia o texto e responda:

a) O que fez o homem parar para trocar o pneu?

b) Como você vê o comportamento da moça?

c) Qual o momento de grande surpresa e decepção para o homem?

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5. Encontre no texto:

a) Monossílabas (5)

b) Polissílabas (5)

c) Palavras acentuadas (5)

Antes de analisarmos a atividade acima, entendemos que o gênero escolhido é

extremamente oportuno. Os PCN apontam a crônica como gênero privilegiado para o trabalho

de leitura de textos literários escritos.

Analisaremos a adequação das questões ao gênero em discussão, assim como os

utilizados pelas demais professoras, considerando a perspectiva sociointeracionista21

de

gênero. Segundo essa perspectiva, os gêneros realizam propósitos sociais. (SWALES, 1990).

Logo, são “reflexo de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura”. (MARCUSCHI,

2010, p. 34). Assim, quando o professor prioriza essa perspectiva nas atividades lançadas, dá

condições de o aluno identificar, em qualquer contexto, características do gênero em uma

situação comunicativa. Reconhecendo o gênero, o leitor é capaz de selecionar estratégias

adequadas para a leitura.

Diante das questões destinadas pela professora para a análise do gênero e das atitudes

lançadas na condução da atividade, entendemos que ela não prioriza os aspectos

sociocomunicativos e funcionais, pois além dos aspectos formais do gênero, características

textuais, estruturas gramaticais, o gênero crônica, assim como todo gênero, tem função social.

Para Cândido (1980) a crônica tem, dentre outros propósitos sociais, o objetivo de levantar

discussões sobre os problemas da sociedade e as fraquezas do homem a fim de amadurecer a

sua visão de mundo. O indivíduo é levado a entrar de modo profundo no cotidiano dos atos e

sentimentos a fim de estabelecer uma crítica social.

Quando a professora pergunta na primeira questão: Porque esse texto é uma crônica?,

perceberíamos relevância se tivesse dado condições para que os leitores refletissem sobre as

situações vividas em seu domínio social com o intuito de estabelecerem comparações com o

contexto da produção analisada. Porém, a ação tomada difere disso, pois ao comentar a

questão, W afirma:

Professora W: Já leram o texto uma vez, duas vezes, três vezes? Já dá

para retirar algumas informações dele, né? Então, por que esse texto

21

Segundo essa perspectiva, os gêneros são reflexos de estruturas sociais e típicas de cada cultura e

desempenham ação social. (MARCUSCHI, 2010). John Swales (1990), Carolyn Miller (1984), Charles

Bazerman (1994), Bakhtin (1997), Marcuschi (2005, 2010) são alguns representantes dessa perspectiva.

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é uma crônica? Qual a característica principal que logo de cara

identifica o texto como uma crônica? O que é uma crônica? Leiam

para mim aí o que é uma crônica. [aludindo a uma conceituação

registrada nas orientações da apostila entregue]. (...) Esse texto Pneu

Furado é um fato que a gente pode visualizar no cotidiano? Muito

né? Então, só isso aí já revela que é uma crônica. Narrativa pequena

que conta fatos cotidianos. Identifique algumas características no

texto Pneu Furado, não são todas, só as que aparecem aí.

A professora encaminha os alunos para o entendimento do que seja o gênero crônica

aludindo apenas a uma característica textual, ao caracterizar como uma narrativa curta, e que

acontecia no dia-a-dia: Esse texto Pneu Furado é um fato que a gente pode visualizar no

cotidiano? Muito né? Então, só isso aí já revela que é uma crônica. Narrativa pequena que

conta fatos cotidianos. Embora a crônica seja uma narrativa breve, simples, rápida, essas

características não são exclusivas dela, assim não oportunizam ao leitor reconhecer o seu

traço distintivo, reconhecer as situações sociais que carregam e como elas repercutem em seu

meio cultural.

Desprestigiando os aspectos funcionais do gênero em análise, a professora entregou aos

alunos uma apostila, registrada nos anexos deste texto, com características pertinentes ao

aspecto formal do gênero, a aspectos textuais, mas não havia nenhuma referência aos aspectos

sociocomunicativos e funcionais. Essas características selecionadas pela professora serviram

de base para os alunos responderem às questões.

É necessário esclarecer que, embora não tenhamos esboçado em nossa fundamentação

teórica a classificação das tipologias das perguntas de compreensão, norteamos nossa análise

a partir dela. Para tanto, explicamos o que fundamenta as tipologias eleitas pelas professoras e

registramos, nos anexos desta dissertação, um quadro elaborado por Marcuschi (2003) com a

explicação de cada tipologia e exemplos que as configuram. Essas tipologias serviram para a

classificação das questões utilizadas por todas as professoras. Quanto ao estilo da primeira

questão do exercício sugerido por W, nós a julgamos de natureza inferencial, pois os alunos

precisariam usar vários tipos de conhecimento arquivados sobre as características formais e

funcionais das crônicas. Porém, a atitude de W na condução da atividade trata a questão de

uma forma a limitar a construção de sentidos, pois constrói os seguintes posicionamentos: Já

leram o texto uma vez, duas vezes, três vezes? Já dá para retirar algumas informações dele,

né?. Identifique algumas características no texto Pneu Furado, não são todas, só as que

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aparecem aí. Os alunos são estimulados a desenvolver atividade mecânica de identificar e

transcrever características. A compreensão se limita a identificar conteúdos. Os PCN

desconsideram atividades de leitura como essa, pois durante a leitura deve haver:

articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as que

dependem de pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas

pelo texto, para dar conta de ambigüidades, ironias e expressões figuradas, opiniões

e valores implícitos, bem como das intenções do autor. (BRASIL, 1998, p. 56).

Questões que limitam a construção de sentidos incapacitam o leitor de perceber

ambiguidades, ironias, sentidos figurados, dentre outros.

Vejamos que a segunda questão: Fale sobre o autor Luiz Fernando Veríssimo, tem sua

importância, pois se se reconhece as características do estilo de um autor é possível explicitar

expectativas referentes à forma e ao conteúdo do texto. É preciso indagar, porém, que essa

questão não proporciona depreender as características formais e funcionais da crônica.

Poderíamos até obter discernimento sobre o estilo das crônicas escritas por Veríssimo, mas

antes o leitor precisa reconhecer as características do gênero crônica e, por meio dessa

proposição, isso não é possível.

Com relação à compreensão e ao estilo da questão, entendemos que falar sobre o autor

não vai ser relevante para compreender o texto. Porém, caso o aluno tenha informações sobre

o autor, como informado no parágrafo anterior, isso poderá facilitar a compreensão. A

professora poderia ter provido meios para que os alunos conhecessem o citado autor a fim de

explicitar expectativas quanto à forma e ao conteúdo da produção. Entendemos que apenas

conhecer o autor não garante compreender o texto.

A terceira questão da atividade propunha: Entre as características da crônica, quais

você identifica no texto?. Mais uma vez, W não atentou para o entendimento de que os

gêneros espelham as experiências dos usuários e um contexto de reflexão não foi possível ser

montado a partir dessa colocação. Acrescentamos, ainda, que os alunos tinham como

referência para buscar as características do gênero, como já referido, um material entregue

pela professora, segundo o qual não havia esclarecimentos dos aspectos sociocomunicativos e

funcionais. Se compreendemos que os gêneros carregam uma proposta social, logo as

atividades devem proporcionar aos alunos realizar linguisticamente objetivos específicos em

contextos particulares.

No aspecto compreensão textual, a terceira questão enquadra-se na tipologia cópia. Com

a escolha pela pergunta, fica claro que compreender é sinônimo de identificar conteúdo.

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Atividades como essa deixam de contemplar o raciocínio, habilidades argumentativas e

pensamento crítico.

As perguntas que são encaminhadas na quarta questão, mais uma vez, não refletem

sobre os propósitos discursivos da crônica. O trato com as questões não favoreceu a prática

social, uma vez que o texto deve ser visto em seu contexto situacional, assim, conhecer

gênero depende de conhecimentos além dos presentes na superfície textual, como a

comunidade discursiva, seus valores, suas práticas e expectativas. (SWALES, 1990).

Exemplificamos nossas colocações analisando a pergunta: O que fez o homem parar para

trocar o pneu?. Vejamos que essa pergunta não estimula reflexão, pois para chegar à sua

resposta basta voltar-se ao texto e extrair um conteúdo que está “objetivamente inscrito no

texto”, a resposta está no texto e o leitor não precisa com ele interagir.

A professora, ao comentar a questão referida no parágrafo anterior, orientou os alunos,

dizendo: Eu quero que vocês digam por que vocês acham que ele parou, o que que o autor

pensou aí como motivo pra ele parar. Percebemos, nitidamente, a centralização do sentido no

autor do texto. O aluno deve captar as intenções do autor. A respeito disso, Marcuschi (2003),

reflete que questão como essa se baseia numa abordagem estruturalista, cujo entendimento

para texto, e não poderia ser diferente, não o contempla como um processo em que

predominam atividades cognitivas e discursivas.

Percebendo o elemento social presente na crônica, o professor poderia eleger estratégias

que permitissem aos alunos construir sentidos para o texto, considerando os seus contextos

situacionais e as funções do referido gênero. Construir críticas sociais sobre a atitude da

personagem que troca o pneu do carro, observado no texto, seria oportuno, pois o leitor estaria

convidado a abrir discussões sobre os problemas da sociedade e as fraquezas do homem.

Dentre tantos sentidos possíveis, seria conveniente indagar sobre os interesses que

determinam as ações humanas. O homem que troca o pneu do carro concede ajuda a outrem

por engano, pois imaginou que o carro fosse da bela jovem que dele estava perto. Será que se

o verdadeiro dono do carro estivesse ali, a ajuda seria concedida? Indagações como essa

poderiam ser construídas a partir dos elementos culturais com que cada leitor convive.

A última questão encaminhada prestigia a localização de elementos gramaticais. A

professora propõe: “Encontre no texto: a) Monossílabas (5); b) Polissílabas (5); c) Palavras

acentuadas (5)”. O estilo de questão se repete e, no caso em particular, a prioridade é com a

localização de palavras a fim de ensinar norma gramatical.

Quanto à adequação ao gênero, o perfil de atividade se mantém. A observância à

situação comunicativa não foi feita, fato constatável pelo desprezo a aspectos enunciativos,

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discursivos, temáticos, os quais variam conforme dada situação de comunicação. Com base

nessas colocações, destacamos o entendimento de Bezerra:

[...] a escola sempre trabalhou com gêneros, mas restringe seus ensinamentos aos

aspectos estruturais ou formais dos textos. É justamente essa desconsideração de

aspectos comunicativos e interacionais que contribui para que alunos e professores

se preocupem mais com a forma do texto do que com sua função [...]. (2010, p. 44).

Portanto, verificamos que o perfil das questões selecionadas por W não contempla a

função do gênero trabalho nem, consequente, proporciona o diálogo entre os alunos e o texto,

nem mesmo os leva a compreender a leitura.

Na eleição de questões e direcionamentos para discuti-las, constatamos que as seleções

não atendem ao propósito dos gêneros nem permitem ao leitor depreensão do significado

global do texto. Apenas a questão Porque esse texto é uma crônica? por ser inferencial, exige

do leitor buscar informações nos conhecimentos arquivados, todavia a atitude da professora

na condução da atividade limita a construção de sentidos suscitada na questão quando

encaminha: Já leram o texto uma vez, duas vezes, três vezes? Já dá para retirar algumas

informações dele, né?, Identifique algumas características no texto Pneu Furado [...].

Parece-nos que a falta de discernimento tratada acima e a mudança de postura entre o estilo da

questão e o comentário da professora na condução da atividade deve ter ligação com a falta de

acesso a teorias específicas durante sua formação em leitura.

6.3.2 As escolhas da professora M

Analisaremos, agora, as características das questões selecionadas no encaminhamento

de leitura e a forma como a professora M conduziu a atividade. A proposição elencada abaixo

foi retirada do caderno de atividades do livro utilizado no ano anterior a fim de trabalhar a

crônica “A Outra Noite” de Rubem Braga, registrada abaixo.

A OUTRA NOITE

Rubem Braga

Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento sul e

chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi, encontrei um amigo e

o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em cima, além das nuvens, estava

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um luar lindo, de lua cheia; e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram,

vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal.

Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou o sinal fechado

para voltar-se para mim:

-O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo

luar lá em cima?

Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma

outra - pura, perfeita e linda.

-Mas, que coisa...

Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva.

Depois continuou guiando mais lentamente. Não se sonhava em ser aviador ou

pensava em outra coisa.

-Ora, sim senhor...

E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um "boa noite" e um "muito

obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, como se eu lhe tivesse feito um

presente de rei.

Abaixo, apresentamos as questões:

1. Copie trechos do texto para justificar suas respostas.

a) Qual foi a origem e o destino da viagem de volta feita pelo

cronista?

b) Que meios de transporte o cronista utilizou para voltar para casa?

c) Como estava a noite em São Paulo e no Rio de Janeiro?

2. O cronista utiliza uma expressão em sentido figurado, isto é, em um

sentido que não é o habitual, para se referir às nuvens. Que expressão

é essa?

3. Qual foi a primeira reação do motorista ao ouvir a descrição da

imagem:

a) Dirigiu com mais cuidado, preocupado com a chuva.

b) Fechou os vidros do carro.

c) Olhou para o céu e ficou pensativo.

d) Imaginou a cena vista do alto.

Assim como W, a professora M também elegeu o gênero crônica em suas orientações

para leitura. Considerando a função social desempenhada pelo gênero, as questões de

compreensão não podem deixar de contemplá-la, haja vista que o conhecimento de gênero é

necessário para a atividade de leitura. (BRASIL, 1998).

A partir das afirmações acima, percebemos que as questões selecionadas pelo material

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não atendem aos propósitos do gênero, haja vista que os aspectos sociocomunicativos e

funcionais não foram priorizados. Prova disso está nos encaminhamentos selecionados nas

questões. Observamos que o enunciado da primeira questão orienta os leitores a realizar

cópia: Copie trechos do texto para justificar suas respostas. A questão, não tratou de

elementos funcionais do gênero. A respeito da falta de condições dadas aos alunos para

interagir e criar sentidos para o texto, fato percebido com a proposição da primeira questão

Copie trechos do texto, Kleiman (2008a) considera,

[...] a leitura, a julgar pelos exercícios de compreensão e interpretação dos livros

didáticos e da sala de aula, fica reduzida, quase sem exceções, à manipulação

mecanicista de sequências discretas de sentença, não havendo preocupação pela

depreensão do significado global do texto. (2008a, p. 18).

Observamos que essas contribuições de Kleiman serão aplicáveis a todas as questões do

exercício proposto por M. É preciso, porém, esclarecer que embora as questões não primem

pela construção de sentidos, há algumas que misturam noções de decodificação e/ou

transcrição, ou seja, aquelas para as quais a resposta está exclusivamente no texto com noções

de aspectos ligados ao conhecimento prévio dos leitores.

No trabalho de Marcuschi (2003) sobre as tipologias das perguntas de compreensão em

livros didáticos, a orientação para responder às três perguntas lançadas na primeira questão do

exercício ora analisado, seria chamada de cópia, pois consistiria em uma atividade mecânica

de transcrição.

Na condução da atividade proposta, M assim se manifesta:

Professora M: Usem reticências para vocês não precisarem copiar

tudo, só o que interessar, né? A partezinha que você vai provar, você

escreve, o resto você coloca reticências.

A condução realizada por M foi claramente limitadora da construção de sentidos, pois

orienta os alunos a usar, por exemplo, reticências para não copiar as partes do texto que não

interessassem. As questões que se adequassem ao que os textos estivessem pedindo, deveriam

ser copiadas, extraídas do material. Vejamos que um aluno, no decorrer da atividade,

demonstra sinais de que aquele tipo de pergunta fazia parte do estilo de questão usada nas

orientações de leitura, pois lança a seguinte pergunta: Professora, a resposta do primeiro eu

começo a copiar a partir de onde?. Incentivando a cópia, M responde: Procure aí um trecho

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160

... que traga o que pede a questão.

A professora se dedicou a ler as questões e a perguntar as respostas que os alunos

haviam retirado do texto, em seguida, elaborou uma resposta com esses fragmentos e

registrou no quadro a fim de que os alunos copiassem. Percebemos que, além de os alunos

serem orientados a extrair respostas, a professora elaborou modelos que deveriam ser tomados

como resposta. Para visualizarmos, descrevemos trechos da aula que esclarecem as

orientações de M para uns dos questionamentos da primeira questão:

Professora M: Qual o lugar de origem e o destino dele na viagem?

Alunos: Rio de Janeiro

Professora M: Aí não diz para onde ele ia, mas como entenderam que

ele ia para o Rio de Janeiro?

Aluno 1: Porque aqui dizia que o amigo estava em Copacabana.

Professora M: Ok. Então, botem aí: “... fui a São Paulo e resolvi

voltar...”, “Quando vinha para casa de táxi, encontrei, um amigo e o

trouxe até Copacabana”.

Ao propor Qual o lugar de origem e o destino dele na viagem?, o aluno deveria ler e

extrair que a pessoa havia ido a São Paulo, informação que estava no texto. Para chegar ao

entendimento de que a personagem morava no Rio de Janeiro, o leitor precisaria ativar seus

conhecimentos enciclopédicos a fim de inferir que Copacabana era um bairro do Rio de

Janeiro, pois no texto relata que a personagem pegou um táxi e um dos destinos era

Copacabana. Depreendemos que a questão exige duas posturas: extrair informações postas na

materialidade textual e ativar conhecimentos das coisas do mundo a fim de produzir sentido,

tomando como referência o elemento linguístico constituído na materialidade textual.

(KOCH; ELIAS, 2010). Questões como esse perfil são consideradas como questões mistas,

pois além de indagar sobre conteúdos inscritos objetivamente, também exigem do leitor

construção de inferências.

Percebemos que esse tipo de questão envolve abordagens de língua diferentes: como

instrumento de comunicação, a qual é desvinculada dos usuários e uma abordagem dialógica,

segundo a qual os leitores são construtores sociais. Parece-nos que o livro didático não

uniformiza a concepção adotada. Não temos como prever se faz esclarecimentos sobre as

concepções adotadas e as teorias que seguem.

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Com relação à condução feita pela professora para a questão ora analisada: Qual o lugar

de origem e o destino dele na viagem?, percebemos que ela prioriza a reprodução de

informações e limita o potencial criativo, pois encaminha os alunos para fragmentos do texto

a fim de estruturar uma resposta: Então, botem aí: ... “fui a São Paulo e resolvi voltar ...”,

“Quando vinha para casa de táxi, encontrei, um amigo e o trouxe até Copacabana”. Embora

tenha questionado Aí não diz para onde ele ia, mas como entenderam que ele ia para o Rio de

Janeiro?, a professora não discutiu a construção da inferência, pois quando o aluno respondeu

Porque aqui dizia que o amigo estava em Copacabana, M apenas respondeu ok.

Situação similar acontece na segunda pergunta lançada na primeira questão: Quais

meios de transporte ele utilizou para voltar para casa?. Percebemos que para responder à

questão o aluno além de extrair informação do texto, deveria também ativar conhecimentos

arquivados, pois o texto traz informação explícita que a personagem pegou um táxi. Para

depreender que o outro meio de transporte seria o avião, precisaria relacionar alguns índices

textuais como “lá em cima”, “além das nuvens” a conhecimentos enciclopédicos arquivados.

A professora, porém, na condução da atividade, considerou:

Professora M: Quais meios de transporte ele utilizou para voltar para

casa?

Alunos: De avião.

Professora M: Ele usou o avião e o automóvel. Que parte do texto

prova isso? Registrem aí: “... lá em cima, além das nuvens, estava um

lugar lindo...” e “Quando vinha para casa de táxi...”.

Indagados sobre os meios de transporte utilizados, os alunos referiram-se, apenas, ao

avião. Essa resposta precisaria ser inferida a partir das marcas textuais. A professora

acrescentou à reposta o táxi e não fez nenhuma discussão sobre a construção inferencial.

Deteve-se, mais uma vez, à consideração da compreensão como extração de informações, pois

pontuou: Registrem aí: “... lá em cima, além das nuvens, estava um lugar lindo...” e

“Quando vinha para casa de táxi...”. Não percebemos com tal atitude as atividades de

compreensão como processo de criação.

Na segunda questão, entendemos que prevalece, sobretudo, a localização de

informações, pois, embora o aluno precise construir inferências para chegar à resposta, a

questão não encaminha o leitor para essa construção. O foco nos parece estar centrado na

reprodução, característica comum às demais questões.

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162

Não fugindo do estilo das demais, na terceira questão “Qual foi a primeira reação do

motorista ao ouvir a descrição da imagem”, caracterizamo-la como uma questão objetiva,

aquela que, apenas, indaga sobre conteúdos objetivamente inscritos no texto, numa atividade

de pura decodificação. O aluno deveria marcar a alternativa que trazia a informação correta,

centrada, exclusivamente, no texto.

Como já discutido, a crônica “A outra noite” não foi trabalhada como um texto

empiricamente realizado, pois se assim fosse alguns objetivos específicos da situação

particular desenvolvida no texto teriam sido ponderados. O leitor mergulharia em contextos

de sua vida diária a fim de compreendê-los. Assim, a eleição de estratégias que

encaminhassem, dentre outros sentidos, a perceber o espaço dado aos atos e sentimentos

humanos no referido texto, aproximaria o leitor das funções do texto. Dentre os possíveis

sentidos a serem considerados em “A outra noite”, seria oportuno refletir sobre a atitude da

personagem ao dar informações sobre como é a experiência de andar de avião, as

características do espaço aéreo que foram tão significativas ao taxista em virtude de uma

curiosidade ou anseio que foi satisfeito. O passageiro atentou para a riqueza de pequenos

gestos a quaisquer pessoas que podem ser muito significativos. A partir de abordagens como

essa, o aluno poderia compreender e criticar alguns atos e sentimentos humanos em seu meio

cultural.

Percebemos que o material utilizado pela professora não contempla os propósitos do

gênero e as questões para a compreensão envolvem posturas diferentes: extrair informações

postas na materialidade textual e ativar conhecimentos das coisas do mundo a fim de produzir

sentido.

Como as questões propostas para o texto não foram elaboradas por M, estamos

analisando o comportamento na condução das orientações de leitura. Percebemos que a

condução prioriza a reprodução de informação, pois se destinou a conduzir os alunos a extrair

pedaços do texto para elaborar uma resposta. Mesmo as questões que sinalizavam a

necessidade de construção de inferências, a professora não as considerou. Entendemos que a

professora não adequou as questões propostas pelo livro didático, seja para desfazer a dupla

postura assumida quando às questões de compreensão, seja para adequá-las ao gênero.

6.3.3 As escolhas da professora V

Passaremos, agora, à análise das características das questões do encaminhamento de

leitura selecionadas pela professora V. Esclarecemos que, diferentemente das análises feitas

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163

acima, não teremos como discutir a postura da professora na condução da atividade, pois a

atividade consiste em uma prova, por meio da qual foram propostas questões para estudo do

gênero notícia. Apresentamos abaixo o texto e as questões que constituem o seu estudo. Em

anexo, encontra-se a prova a que nos referimos. A atividade foi assim registrada:

O texto abaixo é um fragmento de uma notícia de jornal. Leia-o e

responda às questões que seguem.

A internet é uma rede que liga milhões de computadores no

mundo inteiro.

Através dela, você pode “conversar” com outras pessoas pelo

computador. Pode jogar games, pode trocar cartas, pode mandar e

receber programas de computador.

Muitas pessoas usam a internet para trabalhar, para fazer

pesquisas e estudar, e também para se divertir.

[...]

Folha de São Paulo, 3 de março. 1995. Folhinha.

1. Qual o assunto da notícia?

2. Escreva, no mínimo, três utilidades da Internet.

Antes da análise da adequação das questões para a compreensão do gênero selecionado,

esclarecemos que os PCN classificam a notícia como gênero privilegiado para o trabalho de

leitura de textos de imprensa na linguagem escrita. Segundo Marcuschi (2008), a notícia

pertence ao domínio discursivo jornalístico de modalidade escrita.

O gênero notícia, assim como todos os jornalísticos, tem a finalidade de formar opinião,

fazer o cidadão refletir sobre a sociedade, especificamente, sobre as relações sociais

estabelecidas no seu meio cultural. Essas atitudes assegurariam a sua participação como

cidadão. Para Benassi (2009), a notícia é um formato que se destina a divulgar um

acontecimento. De acordo com a autora, a notícia

[...] normalmente reconhecida como algum dado ou evento socialmente relevante

que merece publicação numa mídia. Fatos políticos, sociais, econômicos, culturais,

naturais e outros podem ser notícia se afetarem indivíduos ou grupos significativos

para um determinado veículo de imprensa. [...] a notícia pode ter conotações

diferenciadas, justamente por ser excepcional, anormal ou de grande impacto social,

como acidentes, tragédias, guerras e golpes de estado. (BENASSI, 2009, p.1793).

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164

Para a autora, outro fato importante na notícia é o lide, abertura do texto. Concentrado

nos primeiros parágrafos do texto, antecipa questionamentos básicos sobre o tema, resume e

mantém o leitor informado sobre os aspectos mais importantes da notícia. Os temas

recorrentes tratam de fatos do meio social, os quais devem ser norteados por dados que os

fundamentem, que os deem veracidade. É importante, também, que esses fatos sejam

acompanhados de data e do lugar em que aconteceram. É comum, ainda, a presença de

depoimentos dos envolvidos nos fatos. (BENASSI, 2009). Assim, como em todo texto, o

título é um indicador que permite formular previsões. Em especial, na notícia, indica o

principal enfoque do tema.

Antes de analisarmos as questões propostas para trabalhar a compreensão do gênero

pretendido, precisamos esclarecer que o encaminhamento da prova para o estudo do texto O

texto abaixo é um fragmento de uma notícia de jornal. Leia-o e responda às questões que

seguem deixa clara a falta de observância ao propósito comunicativo do gênero e,

consequentemente, essa inobservância também será percebida nas questões que constituem

essa proposição. Vejamos que V, ao selecionar a questão para a prova, na fase de sua

elaboração, segmentou a materialidade linguística do texto e isso dificulta a categorização do

gênero e, em decorrência, a percepção de suas características sociocomunicativas e

funcionais.

Diante da ausência de porções textuais, não se proporcionou perceber esses elementos.

Observamos, em várias discussões teóricas, que a escola tem preterido preocupação com a

depreensão do significado global do texto, priorizando o estudo de sentenças isoladas e

fragmentadas do texto. Vejamos que, inclusive o título do texto, não foi registrado no

fragmento transcrito e, de acordo com informações previstas acima, ele informaria o principal

enfoque do tema da notícia.

Portanto, diante desse quadro, as questões propostas para a compreensão do gênero

desprestigiam o aspecto funcional do gênero. Na primeira questão Qual o assunto da notícia,

não é possível identificar propósito discursivo, haja vista que o assunto poderia ser objeto de

discussão de qualquer outro gênero. Quanto à tipologia das perguntas de compreensão, essa

pergunta seria considerada global. A pergunta permitiria ao leitor usar seus conhecimentos

para construir sentidos, mas a fragmentação pela qual o texto passou, dificulta esse

procedimento.

Na segunda questão Escreva, no mínimo, três utilidades da Internet, o leitor precisaria

apenas decodificar e localizar a resposta que se encontra posta na materialidade textual. Não

havendo construção de sentidos, seria uma questão objetiva. Como já informado, não mantém

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165

ligação com o elemento social do gênero.

Percebemos que não há critério na seleção de questões de natureza diferente: uma que

exige do leitor localização de informação; outra que estimula dialogar com o texto,

envolvendo seus conhecimentos arquivados

Ainda com relação às características do texto selecionado por V, não temos como julgar

a classificação feita por ela como notícia, pois a ausência de marcas linguístico-enunciativas

nos impedem de construir efeitos de sentido, assim como impediriam aos alunos. Benassi

(2009) afirma que as marcas linguístico-enunciativas estão relacionadas ao tema do texto, às

suas condições de produção, à estrutura. Considerando essas ponderações, não teríamos como

classificar o texto como notícia considerando apenas o tema, haja vista que houve ausência de

elementos definidores das condições de produção e da estrutura linguística. Assim, a

possibilidade de categorizar o texto como, por exemplo, em outro gênero do domínio

discursivo jornalístico seria possível. O recorte da materialidade textual feito por V

impossibilita reconhecer, sobremaneira, a função do gênero, o que não favorece ao aluno

aproximar o texto de seu contexto social e reconhecê-lo dentre outros gêneros.

Na escolha das questões feitas para a avaliação analisada, não foi possível perceber

consideração à função da notícia, pois o texto teve a sua materialidade segmentada. Uma

delas exige do aluno apenas localização de informações já previamente construídas e, a outra,

estimula a construção de sentidos. Julgamos que a inobservância aos elementos linguístico

enunciativos da notícia na estrutura do texto, bem como nas questões para a compreensão do

gênero constituem lacunas na formação teórica em leitura do professor.

6.3.4 As escolhas da professora R

Interpretaremos, agora, os encaminhamentos selecionados pela professora R para

trabalhar o gênero “anúncio publicitário” e a sua atitude na condução da atividade. A

atividade selecionada foi retirada de um livro didático que não era o adotado pela escola.

Apresentamos abaixo o texto e as questões:

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166

Figura 1: Atividade proposta pela professora R.

Fonte: Documento concedido pela professora R.

Antes de interpretarmos a adequação das questões para a compreensão do gênero

anúncio e a condução dos encaminhamentos pela professora, informamos que Marcuschi

(2008) localiza o anúncio no domínio discursivo publicitário de modalidade escrita. O

anúncio, na verdade, é um gênero publicitário e tem caráter persuasivo, geralmente, aborda

fenômenos históricos relacionados à vida social e cultural dos indivíduos.

O anúncio publicitário tem o propósito de estimular o desejo de posse do consumidor ou

de aguçar o desejo de assumir uma ideia veiculada. Esse gênero é utilizado a fim de testar

ideias e produtos ou provocar ações e assume um mecanismo de dominação social.

Para Figueiredo (2005), os anúncios apresentam um plano global, constituído por

características, como: título, imagem, slogan, tamanho das letras, cores, linguagem. Em

virtude de sua fluidez, o anúncio pode não apresentar todas essas caraterísticas.

A apresentação do conteúdo temático do anúncio quase sempre ocorre organizada em

parágrafos, associados à imagem, à marca, ao slogan. O parágrafo prototípico é constituído

por frase núcleo, acompanhada de tempo, espaço, enumeração de detalhes, alusão histórica,

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167

dentre outras. Há predomínio do pretérito perfeito e do imperfeito, exceto nos anúncios de

caráter institucional em que o tempo presente predomina, além da presença de frases

declarativas e baixa densidade verbal. A hibridez também é característica, pois costuma

envolver o verbal e o não verbal. O modo imperativo predomina a fim de aconselhar, dirigir

uma ordem de compra ou aproximar produtor e destinatário. As escolhas lexicais dos

anúncios são determinadas pelo tema predominante no texto. (FIGUEIREDO, 2005).

Para a discussão das questões, R fez os seguintes esclarecimentos:

Professora R: Mas pra nós falarmos de pronome possessivo, nós

vamos ler essa propaganda. Olha... essa propaganda foi tirada desse

livro aqui, veja que o fundo é verde. Então, vamos ver aqui. Vamos

trabalhar os pronomes através desse texto. Todos vocês sabem o que é

uma propaganda publicitária, né? O que que dizem nas letrinhas

maiores do texto? “Ajude a devolver (...)”. Aí no meio nós temos o

endereço de um site, né, no formato de uma mão e tipo uma árvore.

A professora esclarece que o objetivo da atividade seria o estudo dos pronomes

possessivos. Cita algumas marcas linguístico-enunciativas como a cor verde do fundo da

notícia, um “link” em formato de árvore, todavia não os considera para a percepção dos

propósitos comunicativos do anúncio. Percebemos, também, que se refere ao gênero anúncio

como propaganda. Não temos meios para afirmar se R apenas se enganou ao se referir ao

gênero, uniformizou-os ou se acredita que as características do texto analisado, de fato,

enquadram-se em uma propaganda. As duas últimas hipóteses impediriam os alunos de

reconhecer as funções do anúncio. Vejamos que ao fazer a pergunta com tom retórico Todos

vocês sabem o que é uma propaganda publicitária, né?, anula a necessidade de esclarecer

quais são as características do gênero. Caso tivesse respondido a essa pergunta, ficaria clara a

categorização do gênero.

Esclarecemos, porém, que propaganda e anúncio são dois gêneros, apresentam

distinções entre características linguístico-discursivas, embora participem do mesmo domínio

discursivo. Marcuschi (2008) esclarece que domínio “constituem práticas discursivas nas

quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que às vezes lhe são próprios ou

específicos como rotinas comunicativas institucionalizadas e instauradoras de relação de

poder”. (p. 155). Fica claro que esses gêneros têm características próprias.

A primeira questão lançada no exercício O anúncio faz parte de uma campanha

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ecológica. De que modo os leitores podem participar da campanha?, não prioriza reflexão

sobre os propósitos do gênero, pois, além de já informar o objetivo do anúncio, lança uma

pergunta que aos alunos caberia apenas passar os olhos no texto e identificar a resposta, uma

vez que estava explícita na materialidade. Essa questão seria caracterizada como cópia.

Na condução da atividade, R se manifesta sobre a primeira questão:

Professora R: A primeira questão diz o seguinte: de que modo os

leitores (nós) podemos participar dessa campanha? O que vocês

acham? Aqui diz no texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram?

No texto menorzinho diz. Está lá: “é muito simples, interativo e

gratuito (...)”. Pronto! Se você fizer isso, você está entrando na

campanha. Mais uma pessoa que vai ajudar essa campanha de

divulgação. Passem a resposta para o caderno.

Vejamos que R assume postura de limitação da construção de sentidos, uma vez que

encaminha os alunos para uma resposta pronta no texto No texto menorzinho diz. Está lá: “é

muito simples, interativo e gratuito (...)”. Pronto!. A professora, assim, não apenas direciona

os alunos para o texto, como localiza a resposta para eles e solicita o registro da resposta

localizada “Passem a resposta para o caderno”. Tal postura difere, plenamente, do que os

PCN declaram:

os sentidos construídos são resultados da articulação entre as informações do texto e

os conhecimentos ativados pelo leitor no processo de leitura, o texto não está pronto

quando escrito: o modo de ler é também um modo de produzir sentidos. Assim, a

tarefa da escola [...] é, além de expandir os procedimentos básicos aprendidos [...]

explorar, principalmente no que se refere ao texto literário, a funcionalidade dos

elementos constitutivos da obra e sua relação com seu contexto de criação.

(BRASIL, 1998, P. 70-71).

Para a segunda questão A palavra verde geralmente é um adjetivo e significa um tipo de

cor, dois encaminhamentos foram propostos. O primeiro questionava Qual é o sentido dessa

palavra no anúncio?. Entendemos que, para chegar à resposta, o leitor precisaria usar seus

conhecimentos enciclopédicos e perceber as condições de produção do anúncio, pois apenas

ativando um contexto seria possível depreender o significado. Embora a questão leve o leitor

a construir sentidos, ela não permite perceber aspectos sociocomunicativos e funcionais do

gênero. Essa questão seria caracterizada como inferencial.

A professora R, discutindo a atividade, posicionou-se:

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Professora R: Segunda questão. No anúncio, verde significa o quê?

Planta, né? O verde aí significa planta, significa mata, quando ele diz

assim “Ajude a devolver o verde”, quer dizer ajude a devolver a mata

atlântica, as florestas, é isso né? Porque quando se fala em planta, em

verde, automaticamente, vem na nossa a ideia, justamente, de planta,

de árvores. A planta não tem a cor verde, suas folhas, né? Então, o

sentido é esse.

Consideramos que R não oportunizou aos alunos construir uma resposta para o texto,

mas foi fornecendo uma resposta. Fundamentando-nos em Kleiman (2008a), conseguimos

interpretar que os alunos não foram levados a perceber que, para um texto pode haver leituras

múltiplas, não apenas a resposta que R contruiu como a única possível. Estabeleceu, portanto,

A planta não tem a cor verde, suas folhas, né? Então, o sentido é esse.

Observamos que nem o material didático nem a professora perceberam o elemento cor

como um constituinte do plano global do anúncio e se utilizada a favor da informação e da

comunicação levaria ao reconhecimento do propósito do gênero.

Outro questionamento proposta na segunda questão dizia: No anúncio, a que classe

gramatical (ou classe de palavra) ele pertence?. A questão referia-se, ainda, à palavra verde.

Vejamos que a questão não media compreensão do gênero em estudo e da leitura, mas apenas

o discernimento de classificação de classe gramatical. Entendemos que o ensino de gramática

feito com base no entendimento da organização linguística na relação com a construção de

sentidos tem grande importância, todavia o objetivo da questão proposta não foi esse.

A professora, ao discutir esse encaminhamento, considerou:

Professora R: É o próprio substantivo. Veja o que vem antes da

palavra verde? É um ozinho não é? Essa palavra é um artigo, né

isso? Então, a palavra verde na questão anterior diz o seguinte (...).

Quando eu digo o verde, aí é o próprio substantivo. Coloquem aí.

Constatamos que R se dedicou a encontrar justificativa para a classificação gramatical, e

não a perceber a função dessa palavra para a construção de sentidos.

A esse tipo de questão, Antunes considera que

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o mais grave é que aquilo que se concebe como sendo “ensino de gramática”, na

verdade, é apenas o ensino de classes de palavras, fora de qualquer contexto de

interação, com ênfase em sua nomenclatura e quase nada sobre suas funções na

construção e na organização dos textos [...]. (ANTUNES, 2009, p. 186).

Marcuschi (2003), também, opõe-se a esse tipo de encaminhamentos por entender que o

conhecimento gramatical se destina a construção de textos. Quanto às questões de

compreensão, o autor considera que muitos problemas ainda são referentes à falta de

organização nas propostas, pois muitas questões que tratam de outros assuntos, como No

anúncio, a que classe gramatical (ou classe de palavra) ele pertence?, aparecem misturadas

às que refletem sobre os sentidos do texto.

No material didático analisado, percebemos que as questões propostas para trabalhar o

anúncio não atendem ao propósito comunicativo do gênero nem facilitam a compreensão da

leitura e envolvem posicionamentos diferentes: questões de localização de informação e

aquelas que exigem ativação de saberes pelo leitor.

Quanto à condução da professora no trabalho com o texto, não percebemos

consideração à função do anúncio, pois no início da atividade, R o categoriza como

propaganda e, no decorrer do trabalho com as questões, não foi possível perceber se a

professora reconhecia a diferença entre os gêneros. Nos exercícios de compreensão, R

priorizou a localização de informações e seleção de respostas para os alunos, inclusive na

única questão que indicava a necessidade de construção de inferências, ela não a considerou.

Não se percebeu adequação às questões de compreensão do texto a fim de acabar com a dupla

postura assumida, além de não as ter adequado ao propósito do gênero.

Analisamos, nesta seção, a seleção e a forma de abordagem das professoras para o

material escolhido na execução do ensino de leitura. O comportamento na condução das

orientações de leitura, evidenciado nas questões propostas, não priorizou a construção de

sentidos, haja vista que era comum optarem por questões de localização ou construírem

respostas para os alunos. Não percebemos, também, comportamento que levasse os alunos a

reconhecer as características funcionais dos gêneros. Diante das questões elaboradas pelos

materiais selecionados, as professoras não desfizeram as inobservâncias aos propósitos dos

gêneros ou desfizeram as inadequações quanto às questões de compreensão dos textos

quando, por exemplo, exigiam do leitor ora criar sentidos, ora reproduzir informações

construídas.

Acreditamos que as posturas acima seguidas pelos professores têm relação com a falta

de subsídios teóricos na formação em leitura a que tiveram acesso. Percebemos que, na

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condução das atividades e nas escolhas feitas pelas professoras, não foi possível perceber a

riqueza do funcionamento da língua e do texto.

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172

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse estudo foi investigar as concepções de leitura e as práticas adotadas

pelo professor nesse processo de ensino. Especificamente, buscamos: (i) caracterizar as

concepções de leitura escolhidas pelo professor no cotidiano de orientações leitoras; (ii)

analisar as estratégias de leitura adotadas pelo professor nos encaminhamentos para o estudo

do texto; (iii) caracterizar as escolhas e a forma de abordagem do material didático utilizado

pelo professor no ensino de leitura.

Para desenvolver o estudo, buscamos suportes teóricos relativos à leitura e ao ensino de

leitura, especificamente, no que se refere às concepções e práticas, além da escolha e

abordagem do material utilizado para esse ensino. A investigação sobre esse contexto foi

ancorada em uma pesquisa de natureza qualitativa, adotando uma perspectiva etnográfica. Os

passos trilhados na condução da pesquisa vislumbravam responder às questões eleitas que

norteavam o desenvolvimento do trabalho.

Para chegarmos aos resultados desejados, trilhamos um extenso percurso que começou

pelo levantamento do histórico da educação de jovens e adultos no Brasil, passando pela

exposição dos pressupostos teóricos que fundamentaram a pesquisa, além do ingresso ao

campo (escolas de EJA de 4º ciclo) a fim de acessar os meios que refletiam o ensino de leitura

desenvolvido e, por fim, a interpretação do corpus constituído pelas transcrições das aulas e

das entrevistas com as professoras, notas de campo e dos materiais recolhidos no local

pesquisado. Diante da análise desse corpus buscamos responder às questões de pesquisa.

A primeira questão de pesquisa indagava se a formação em leitura das professoras

reflete no trabalho de leitura. Com a pesquisa, foi possível perceber que a formação das

professoras reflete as escolhas das concepções e práticas de leitura, como veremos na reflexão

das demais questões de pesquisa. Algumas professoras foram enfáticas ao dizer que não

tiveram acesso a uma formação que favorecesse a execução de um ensino de leitura exitoso.

Destacamos um trecho da fala da professora V que demostra a presença de lacunas nas

experiências anteriores de leitura: Eu tenho dificuldade SIM para trabalhar leitura e eu sinto

necessidade de uma... formação continuada (...). Esclarecemos que as professoras que

caracterizaram, positivamente, as suas formações, não optaram por concepções e práticas

produtivas para o ensino de leitura.

A segunda questão buscava investigar que concepções de leitura permeavam o trabalho

das professoras e a terceira buscava saber se essas concepções proporcionavam aos alunos

construir sentidos para os textos. Constatamos que, no cotidiano de orientações leitoras, as

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professoras priorizaram concepções que não possibilitavam ao leitor construir sentidos, pois

aquelas com o foco no texto e no autor foram predominantes nas escolhas, todavia não houve

uniformidade, pois percebemos, na prática da maioria das professoras, a coexistência de mais

de uma concepção. Nas entrevistas, também, foi constatado a existência de mais de uma

escolha.

Podemos afirmar, então, que não houve concordância entre o trabalho que fazem e o

que dizem, já que, nas entrevistas, todas as professoras sinalizaram a eleição pelo foco

interacional de leitura, todavia, no trabalho prático, M, V e R não elegeram a concepção

interacionista (M adotou como no texto, V foco no texto e no autor, R foco no texto e no

autor) e W elegeu as três concepções. Percebemos, assim, que a falta de uniformidade nas

escolhas não dá ao leitor, possivelmente, a condição de ter seu universo de leituras ampliado,

haja vista que, para isso, ele precise se portar como um construtor de sentidos.

Na quarta questão, buscávamos investigar se as experiências das professoras enquanto

leitoras refletem no seu trabalho com a leitura. A maioria das professoras relatou não ter uma

rotina de leitura. Diante disso, constatamos a relação existente entre as escolhas feitas pelo

professor na sala de aula no que se refere à concepção de leitura e os hábitos leitores, pois

todas as professoras que privilegiam concepções que consideram a postura passiva do leitor

diante do texto relataram não ter uma rotina de leitura.

A quinta questão propunha investigar se as estratégias de compreensão leitora eleitas

para a realização do ensino de leitura permitem uma compreensão leitora eficiente, ou seja, se

os alunos aprendem por meio da leitura. Percebemos que, tanto naquilo que dizem quanto

naquilo que fazem, as professoras não procedem ao ensino de estratégias de leitura. Algumas

descreveram, nas entrevistas, encaminhamentos de atividades que possibilitariam aos alunos

construir sentidos, no entanto, não descreveram as estratégias utilizadas para alcançar esse

trabalho, embora tenhamos questionado quais procedimentos elegiam em suas orientações de

leitura.

Na práxis de sala de aula, também, não constatamos o ensino de estratégias leitoras. Na

maioria dos encaminhamentos presenciados, as professoras limitaram a participação dos

alunos na atribuição de sentidos ao texto, pois era comum protagonizarem interpretação e

apresentarem aos alunos como a única possível. Assim, consideramos que, para um leitor

assumir autonomia sobre suas leituras, precisa eleger estratégias de compreensão leitora, cujo

ensino caberia ao professor.

A última questão objetivava saber se o material didático e os encaminhamentos para

trabalhá-lo são adequados para o desenvolvimento da compreensão leitora dos alunos. Ao

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analisar os nossos dados, notamos, no que as professoras dizem, desconhecimento sobre o

estilo de questões destinadas à compreensão textual e ao reconhecimento dos propósitos dos

gêneros textuais analisados. Observamos, também, alguns equívocos conceituais sobre a

teoria dos gêneros. No que fazem, comumente, optavam por questões de localização ou

procediam à construção de respostas para os alunos, isentando-os do processo de significação.

Ainda a respeito da condução das atividades, não percebemos as professoras provendo

meios para os alunos perceberem as características funcionais dos gêneros, haja vista que isso

facilitaria compreender o texto. Diante das questões elaboradas pelos materiais didáticos

escolhidos, as possíveis inobservâncias desses materiais quanto aos propósitos dos gêneros

não foram desfeitas pelas professoras ou as inadequações quanto às questões de compreensão

dos textos, quando, por exemplo, havia o convívio de encaminhamentos que exigiam a

postura do leitor de forma ativa na construção de sentidos e aqueles em que bastava ao leitor

localizar informações.

Com o estudo realizado, percebemos que o ensino de leitura desenvolvido pelas

professoras das turmas envolvidas não dá ao sujeito de EJA meios para atuar,

significativamente, como um leitor social, construindo sentidos para os textos com que tem

contato na escola e, por consequência, em seu meio cultural. Não é nosso objetivo, porém,

culpar o professor pela ausência de práticas que oportunizem ao aluno aprender por meio da

leitura, pois percebemos através de relatos como estes: “os professores deveriam ter

realizado mais discussões de como nós trabalharmos leitura na produção de sala de aula [...]

nós não fomos, na universidade, treinados para essa realidade” (PROFESSORA W); “[...]

eu acho que eles, os professores, eles simplesmente pediam pra gente ler [...]. Sempre foi

assim. Eles não faziam discussões dos textos [...] não tinha assim uma maneira de como

trabalhar o texto, né” (PROFESSORA M), que algumas professoras consideraram as

formações a que tiveram acesso como limitadoras e, as que julgaram suas formações de forma

positiva, afastaram-se delas nas práticas que desenvolveram.

Apesar das limitações sinalizadas pelas professoras acima e do afastamento a posições

relatadas como positivas por outras, entendemos que o ensino de leitura empreendido busca,

dentro de suas limitações teóricas e/ou práticas, aproximar o aluno da leitura, embora não os

apontem meios para assumir a postura de um leitor autônomo.

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APÊNDICE

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APÊNDICE A – Questões das entrevistas aplicadas com as professoras envolvidas na

pesquisa

Formação acadêmica:

1) Qual curso de graduação você cursou? Em qual instituição? Este curso foi realizado em

modalidade regular ou especial, presencial ou à distância?

2) Concluiu algum curso de pós-graduação? Informe o nome do curso. Este curso foi

realizado em modalidade presencial ou à distância?

3) Você costuma participar de formações, seminários, grupos de estudo que versem sobre

como trabalhar a língua portuguesa, o texto, o ensino de leitura em sala de aula?

4) Você já participou de alguma formação sobre ensino de leitura em EJA?

5) A secretaria de educação provém formações que visem ao aperfeiçoamento do ensino de

leitura?

Formação do professor:

a) Perspectiva de estudo:

1) Quais foram os encaminhamentos sugeridos durante sua formação pedagógica em leitura,

na academia, para a práxis docente?

2) Quais caminhos metodológicos lhes foram apontados para a prática com os alunos?

3) Como você se viu na atuação, no dia-a-dia com a prática e com o seu público real de

trabalho? O que percebeu em relação à teoria e à prática?

4) Caso perceba impasses entre a teoria a que teve acesso e a prática, como os resolve?

5) Em seu plano de aula há direcionamentos para o ensino de leitura?

b) A abordagem de leitura do professor:

1) O que você entende por leitura?

2) Você tem hábito de leitura? Que tipo de leitura costuma fazer?

3) Como você vê a importância da leitura na escola?

4) Você integra o ensino de leitura a outras disciplinas?

5) Como você desenvolve o seu trabalho de ensino de leitura? Quais são as dificuldades

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enfrentadas? Quais as alternativas empregadas?

6) O que considera importante na compreensão e no estudo de um texto?

7) Que estratégias de leitura você elege nas suas orientações de leitura?

8) Como integra a atividade de leitura de um texto a outras atividades de ensino?

Material didático utilizado

1) Você participou da escolha do livro didático utilizado na escola? Caso não tenha

participado diga por quê.

2) As questões propostas pelos materiais escolhidos por você ou indicados pelo material

didático utilizado proporcionam aos alunos fazer reflexão crítica, permitem expansão ou

construção de sentidos? As funções ou propósitos comunicativos dos gêneros textuais são

atendidos por esses materiais? Caso isso não aconteça, o que você faz?

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ANEXOS

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ANEXO A – Documento da SEDUC/Parnaíba que autoriza a realização da pesquisa

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ANEXO B – Dicas de interpretação indicadas pela professora W

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ANEXO C – Texto utilizado pela professora W

O diamante

O Hindu tinha chegado aos arredores de certa aldeia e aí sentou-se para dormir,

debaixo de uma árvore.

Chega correndo, então, um habitante daquela aldeia e diz quase sem fôlego:

- Aquela pedra! Eu quero aquela pedra!

- Mas que pedra? Perguntou-lhe o Hindu.

- Ontem à noite, eu vi, meu Senhor Shiva e, num sonho, ele disse que viesse aos

arredores da cidade, ao pôr-do-sol; aí, devia estar o Hindu que me daria uma pedra muito

grande e preciosa que me faria rico para sempre.

Então o Hindu mexeu na sua trouxa e tirou fora a pedra e foi dizendo: “Provavelmente

é desta que ele falou: encontrei-a num trilho de floresta alguns dias atrás; podes levá-las.”

E assim falando, ofereceu-lhe a pedra.

O homem olhou maravilhado para a pedra. Era um diamante e, talvez, o maior jamais

visto no mundo, do tamanho de uma cabeça humana!

Pegou, pois, o diamante e foi-se embora.

Mas, quando veio a noite, ele virava de um lado para outro em sua cama e nada de

dormir. Então, rompendo o dia foi ver de novo o Hindu e o despertou dizendo:

- Eu quero que me dê essa riqueza que lhe tornou possível desfazer-se de um diamante

tão grande assim tão facilmente!

(Anthony de Mello)

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ANEXO D – Material indicado pela professora W para trabalhar o gênero crônica

As características a seguir são referidas por vários autores

que buscaram compreender a estrutura da crônica como estilo

literário

Lembramos que Chronos é relativo a tempo, e podemos perceber claramente a vinculação

entre Chronos e crônica.

A crônica, breve registro de um determinado momento, está dentro da categoria de textos

narrativos, pois relata algum fato ou situação usando o tempo cronológico e a descrição dos

acontecimentos.

- Texto ligado á vida cotidiana;

- Narrativa informal, familiar, intimista;

- Uso de oralidade na escrita: linguagem coloquial;

- Sensibilidade no contexto com a realidade;

- Síntese; (a crônica se passa em um curto período de tempo, pois isso os fatos não podem

ter grandes desdobramentos).

- Uso de fato cotidiano, corriqueiro, como meio ou pretexto para o artista exercer seu estilo e

criatividade;

- Uma certa dose de lirismo;

- natureza ensaísta

- Leveza;

- Diz coisas sérias através de uma aparente conversa fiada;

- Uso do humor;

- Brevidade, geralmente é um texto curto;

- Por ser baseada em um fato contemporâneo (da época em que o autor escreva: está sujeita

a uma rápida desatualização e à fugacidade do tempo).

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ANEXO E – Tipologia das perguntas de compreensão em LDP

Quadro 1 – Quadro de tipologia de perguntas de compreensão em LDP (MARCUSCHI, 2003, p. 56-57).

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ANEXO F – Avaliação elaborada pela professora V