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403 RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto Comunistas em Ribeirão Preto: uma análise das raízes do PCB no interior paulista Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

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403RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto

Comunistas em Ribeirão Preto: uma análise das raízes do PCB no interior

paulista

Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

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Lilian Rodrigues de Oliveira RosaPós-doutoranda em Gestão e Políticas Públicas na FEA-RP/USP; Doutora (2011) e mestre (1997) em História pela UNESP — Universidade Estadual Paulista; graduada em História (1991) e Geografia (1995) pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Barão de Mauá. Docente do ensino superior (pro-fessor titular II) desde 1994, leciona atualmente História do Brasil Republicano e Patrimônio Cultural e coordena o curso de História do Centro Universitário Barão de Mauá, onde também é docente da pós-graduação em História, Cultura e Sociedade, ministrando o módulo História Política e Cultural. Vice-presidente e pesquisadora do IPCCIC — Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais. Foi coordenadora do grupo de pesquisa do Inventário Nacional de Referências Culturais em Ribeirão Preto — Rede de Cooperação Identidades Culturais, entre 2009 e 2012. Membro da Comissão Editorial da revista Dialogus. Autora do livro Comunistas em Ribeirão Preto e coautora das obras: Ruas e Caminhos; Filhos do Café; Patrimônio Cultural da Terra Vermelha; Artistas do Mundo; Paisagem Cul-tural do Café; Memórias dos Cafezais: a vida nas fazendas; Memórias de um Theatro: o fio da história. Também foi coautora em duas biografias: Bassano Vaccarini: além do moderno e Fúlvia Gonçalves: uma vida. Atualmente tem se dedicado aos estudos sobre políticas públicas de patrimônio cultural, memó-rias e identidades. Área de pesquisa: História Política e Cultural.

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René Rémond (1918-2007) iniciou o primeiro capítulo do livro Pour

une histoire politique, de 1988, com uma lição repetida aos estudantes de histó-

ria desde os primeiros dias nos bancos da faculdade: “o historiador é sempre de

um tempo”. Em outras palavras, ele se posiciona em referência aos postulados de

sua época, mesmo que para se opor a eles. Foi com este pressuposto em mente,

que recebi o convite para publicar este artigo, resultante de minha pesquisa de

mestrado, apresentada no Seminário Ribeirão Preto: a cidade como fonte básica de

pesquisa II, em 2002. Inicialmente perguntei-me se deveria alterá-lo, recheando-o

com reflexões posteriores, resultantes do natural amadurecimento. Depois de al-

guns dias e muitas palavras espalhadas pelo papel, a descoberta é que eu não era

mais a mesma. Sendo alguém diferente, no ato de “revisar”, eu havia transformado

profundamente a ideia principal do artigo, transformando-o, também, em algo

novo. Descartei, então, o desejo de reescrever-me e resolvi oferecer ao leitor nas

próximas páginas aquela que eu era, e não a que sou hoje.

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Ribeirão Preto, café e comunistas

Este artigo aborda a atuação dos comunistas no movimento operário

em Ribeirão Preto, na primeira metade do século XX. A escolha dessa cidade do

interior do estado de São Paulo como foco da pesquisa, justifica-se pela impor-

tância das bases locais no movimento sindical nacional e na organização interna

do Partido Comunista. A cidade consolidou-se, entre o final do século XIX e o

início do XX, como uma das mais importantes do estado, tanto política como

economicamente, já que estava no centro na chamada “política do café com

leite”. De acordo com Octávio Brandão, no âmbito da organização operária, entre

os anos 1920 e 1930, o PCB ainda não havia conseguido se firmar como partido

representativo da classe operária na capital. Contudo, em Ribeirão Preto já conta-

va com importantes lideranças, como Edmundo Moniz, Theotônio de Souza Lima,

Henrique Couvre, Sebastião Pintaúde e outros, que fizeram parte da oposição de

esquerda, dentro do PCB, e exerceram grande influência sobre o movimento ope-

rário regional, organizando um forte núcleo comunista na região.

Notória pelas grandes safras de café, especialmente no início do século

XX, Ribeirão Preto ficou conhecida como a “capital do café”. Os coronéis con-

trolavam a política regional e tinham influência no governo estadual, chegando

sua rede de relacionamento até mesmo no governo federal. Seu poder político na

cidade era visível no monopólio dos principais cargos legislativos e executivos

do município.

A organização operária local cresceu tendo que enfrentar a resistência

dos poderosos cafeicultores. Os coronéis, temerosos com a possibilidade da perda

do controle sobre a mão de obra barata, usavam seu poder político e econômico

407RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto

para conter o avanço organizado dos trabalhadores. Nessa mesma fase, a cidade

viu crescer embrionariamente o movimento sindical, marcado por greves e movi-

mentos liderados pelos anarquistas.

Com o avanço da cafeicultura e a vinda de um grande número de imi-

grantes, Ribeirão Preto assistiu ao crescimento progressivo da sua população. A

maior parte dos operários estava espalhada por dezenas de pequenas e médias

oficinas que, nas primeiras décadas do século XX, já contavam 163 pequenos es-

tabelecimentos industriais, com um total de 642 operários.

A dispersão geográfica dos operários (média de quatro funcionários

por empresa), a falta de uma liderança partidária e a pressão do patronato repre-

sentavam fortes obstáculos para o desenvolvimento de sindicatos e associações

de classe. A organização operária se mostrava pouco expressiva e organizada,

refletindo a própria realidade nacional do movimento operário, cuja liderança era

disputada entre socialistas, sindicalistas e anarco-sindicalistas. Não existia uma

liderança partidária hegemônica, como ocorreria a partir da criação do Partido

Comunista do Brasil, em 1922.

Os movimentos operários e de trabalhadores rurais estavam sob a in-

fluência da Liga Operária de Ribeirão Preto e da Sociedade União Italiana. Estas

instituições eram responsáveis por publicações de manifestos, principalmente

em comemoração ao 1º de Maio, greves e manifestações em prol da redução da

jornada de trabalho para oito horas. Esse contexto favoreceu uma embrionária

organização do operariado. Houve a criação associações, como a União dos Via-

jantes, em 1913; a Associação dos Empregados no Comércio de Ribeirão Preto,

em 1920; e a Associação dos Condutores a Tração Animal, em 1923, entre outras.

As duas últimas tinham seu foco no bem-estar do trabalhador, criando núcleos

de assistência social e lutando pelos direitos econômicos da classe trabalhadora.

Essa preocupação social foi aprofundada pela associação que teve a ação mais

expressiva na organização sindical ribeirão-pretana: a União Geral dos Trabalha-

dores (UGT), criada em 6 de maio de 1925.

UGT e os primeiros comunistas

Os fazendeiros ribeirão-pretanos, reunidos em torno do núcleo do PRP,

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encontravam-se bem organizados na defesa da manutenção do seu poder. Em

contrapartida, poucos setores tinham associações que defendessem os interesses

dos trabalhadores. A formação de movimentos operários era dificultada pela re-

pressão exercida durante o governo de Arthur Bernardes, num momento em que a

legislação trabalhista pouco avançava.

Nesse contexto, foi fundado o Partido Comunista Brasileiro, em 1922,

enfrentando vários problemas organizacionais nos primeiros anos, como o reduzi-

do número de militantes1, a falta de literatura marxista em língua portuguesa, e

a realidade educacional precária dos trabalhadores brasileiros (boa parte sequer

sabia ler e escrever), elementos que dificultavam o trabalho de “conscientização

de classe”. Para o PCB, todos esses entraves somavam-se à necessidade de orga-

nizar-se internamente e ser reconhecido pela Internacional Comunista, aspirando

“a instalação direta do ‘regime comunista’, sem considerar quaisquer outras me-

diações”.

A limitada, porém ativa, atuação dos comunistas no movimento operá-

rio, entre 1922 e 1925, fixou-se em dois pontos fundamentais para o crescimento

do Partido: a propagação das ideias revolucionárias, e a luta contra socialistas

e anarco-sindicalistas pela hegemonia no movimento sindical. O trabalho para

tornar o PCB o único partido “capaz de liderar a massa operária” intensificou-se e

passou a ter maior expressão na segunda metade dos anos 1920, após a realização

do II Congresso Comunista, quando foi constatado “o pouco resultado obtido até

aquele momento”.

No bojo desta situação, surgiu em Ribeirão Preto um pequeno grupo

de simpatizantes do comunismo, entre 1922 e 1923. A formação inicial era com-

posta por Guilherme Milani, Rômulo Pardini, Gustavo Wierman e outros, sendo

que os dois primeiros tinham saído do movimento anarco-sindicalista. Sem uma

sede própria, reuniam-se na casa de Milani, onde discutiam a organização do

movimento operário e a criação de uma associação de defesa dos interesses dos

trabalhadores. Como resultado da atuação desse grupo fundou-se, em 30 de março

1 Na visão dos militantes, a dificuldade do PCB em arregimentar novos membros relacionava-se à constante repressão policial, que dificultava a difusão das ideias comunistas e intimidava a adesão de simpatizantes à ação direta. Nos anos 1920, o Partido contava com cerca de 700 militantes inscritos, sendo que em São Paulo encontravam-se apenas 80.

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de 1925, a União Geral dos Trabalhadores de Ribeirão Preto (UGT), tendo seus

estatutos registrados em cartório no dia 6 de maio do mesmo ano.

Embora a UGT tenha sido fundada por comunistas, uma análise do seu

primeiro estatuto permite inseri-la no contexto do movimento sindical marcado

por influências ideológicas variadas. De acordo com Edgard Carone, entre os sin-

dicatos do mesmo período, proliferaram várias tendências. O autor as divide em

“três categorias: os de influência comunista, os de orientação anarquista e os

denominados de reformistas ou amarelos, considerados os mais significativos e

numerosos”. Avaliando o primeiro estatuto da UGT, foi possível perceber um misto

de influências dessas três tendências, o que pode parecer um paradoxo se for

levado em conta o fato de seus principais fundadores terem tendências comunis-

tas, como já foi dito anteriormente. Contudo, a convivência de comunistas numa

organização com tendências reformistas e anarco-sindicalistas é justificável. Isto

porque, em seus primeiros anos, o PCB seguiu as orientações do Terceiro Con-

gresso Internacional Comunista, que sugeria a estratégia da “política de Frente

Única”. Dessa forma, associou-se a sindicatos de outras orientações ideológicas,

visando aumentar gradativamente a sua influência nessas associações.

O resultado disso foi a formação de associações heterogêneas, do pon-

to de vista ideológico. Mas, é possível aferir que, entre os membros da primeira

diretoria da UGT, três eram comprovadamente simpatizantes do PCB: Guilherme

Milani, Rômulo Pardini e Gustavo Wierman que, posteriormente, transformaram-se

em líderes comunistas da célula local do Partido, assim permanecendo até o final

dos anos 1930. Outros membros como João Pontim e Angelo de Gaetani também

começaram como simpatizantes do comunismo e, mais tarde, tornaram-se mili-

tantes de relevância.

A organização administrativa da UGT apresentava-se num esquema

hierárquico bem definido. O órgão mais poderoso dentro da instituição era a

diretoria, que era eleita em assembleia geral. A estrutura apresentava presidente,

vice-presidente, secretário-geral, secretário de atas, tesoureiro, uma comissão

com dois membros, que atuariam como suplentes de qualquer membro da dire-

toria. A função dos diretores era representar a UGT, manter a ordem nas sessões

e convocar sessões extras. Também eram escolhidas durante a assembleia geral

duas juntas: uma de socorros e outra da cooperativa.

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Em sua primeira fase de atuação, a estruturação de uma cooperativa

de gêneros alimentícios de primeira necessidade aparecia como um dos principais

objetivos da UGT. Denominada como uma “associação cooperativa e de recre-

ação”, a instituição objetivava garantir a negociação de produtos a um preço

inferior ao valor de mercado. Em uma sociedade marcada pelo baixo nível de vida

do trabalhador urbano e pela dependência econômica do trabalhador rural em

relação aos fazendeiros, a viabilidade de comprar alimentos a preços razoáveis,

sem dúvida, era um grande atrativo para os trabalhadores de baixa renda, possi-

bilitando maior adesão de associados à União Geral de Trabalhadores. Contudo,

ao que tudo indica, nesse período, a cooperativa parece não ter alcançado os

objetivos que se propusera atingir nesse sentido.

No caso da “junta de socorros”, a UGT comprometia-se a ajudar fi-

nanceiramente (dentro das possibilidades da sua reserva monetária) associados

enfermos, por intermédio de uma diária. Não estendia seus benefícios aos sócios

desempregados ou vítimas de epidemias. Além dos serviços da “junta de socorros”

e da cooperativa, a UGT tencionava a dar aos associados uma “assistência social,

intelectual, moral e judicial”. Iniciativas como a criação de escolas noturnas,

biblioteca e o combate ao alcoolismo marcaram a atuação da associação, princi-

palmente nos seus primeiros anos de funcionamento.

Programas assistenciais, como a cooperativa, a junta de socorros e

criação de escolas, representaram uma preocupação da diretoria da União em

minimizar alguns dos principais problemas dos trabalhadores: o alto preço dos

gêneros alimentícios de primeira necessidade, a falta de assistência médica para

os enfermos e o analfabetismo. Contudo, esses programas não eram um consenso

entre os membros. Existem indícios que anarco-sindicalistas e comunistas não

concordavam com o assistencialismo dentro da organização, a exemplo do que

ocorria em outras organizações. Acreditavam que atividades como estas desvia-

vam a atenção dos trabalhadores do que deveria ser a sua verdadeira causa: a

mobilização contra a exploração patronal e a organização política.

No que tange aos associados, a UGT, entre 1925 e 1928, caracteriza-

va-se por ser uma instituição aberta. No que diz respeito à aceitação de novos

sócios, bastava que fossem maiores de dezesseis anos e pagassem regularmente

as mensalidades, para terem direito a usufruir os benefícios concedidos pela asso-

ciação. O estatuto não classificava os sócios quanto ao ofício ou classe social.

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Essa abertura fica evidenciada quando se observam as profissões de al-

guns dos primeiros diretores da UGT: sapateiros, alfaiates, funcionários públicos,

dentista, ourives, vendedores, advogados, negociantes, professores, etc. Há uma

presença marcante de autônomos e pequenos negociantes, ou seja, trabalhadores

sem patrão. Talvez, a ausência da pressão patronal sobre essa categoria, o que

lhes permitia uma ação sindical mais independente, explique sua maior partici-

pação na UGT. Outro fator que deve ser considerado para explicar essa variedade

de profissões era a dificuldade em formar grêmios ou associações de ofício, em

decorrência da dispersão dos trabalhadores. Afinal, neste período havia poucas

empresas que reunissem grande número de funcionários de um mesmo ofício.

Nos primeiros anos de existência, a atuação dos sócios articulados na

UGT foi limitada pelos mesmos fatores que dificultavam a organização sindical

de uma maneira geral. Mesmo enfrentando limitações, a UGT iniciou, na segunda

metade dos anos 1920, um trabalho de conscientização dos trabalhadores, por

meio de distribuição de panfletos instrutivos e realização de reuniões semanais.

Outra atividade importante era a comemoração do dia 1º de Maio, quando se

faziam comícios e passeatas, mantendo sua caracterização como um dia de luta

em prol de melhores condições de trabalho. Essas atividades eram influenciadas

pelos membros com tendência comunista, o que mostra uma penetração do PCB

no movimento operário local. Mas, é possível afirmar essas atividades não se

limitavam à UGT e ao município de Ribeirão Preto.

Em Sertãozinho, o movimento comunista também influenciou a orga-

nização operária. Nessa cidade, as orientações do PCB chegavam pelo semanário

A Classe Operária. Enquanto em Ribeirão Preto o núcleo comunista começava

embrionariamente a organizar-se e a atuar no meio sindical, Sertãozinho já apre-

sentava um ativo grupo de comunistas que se reunia na Liga Operária Orestes Las-

cala. Essa organização era comandada por Theotônio de Souza Lima que, segundo

Otávio Brandão, era um fabricante de foguetes que aderiu ao Partido em 1925,

depois de ter lido um exemplar de A Classe Operária.

A Liga tinha ideais comunistas bem definidos, difundidos no seu ór-

gão de imprensa de publicação quinzenal, o 1º de Maio, fundado em maio de

1926 e dirigido por Thetônio. O núcleo de militantes reunia-se periodicamente

em sua sede, à Rua Barão do Rio Branco, nº 15, para discutir a ação comunista

na cidade. A importância de Sertãozinho no movimento comunista da época

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pode ser comprovada pela presença do comerciário Sebastião Pintaúde na re-

organização e fundação do novo Comitê Regional do Partido Comunista em São

Paulo, que se encontrava, até então, desestruturado. Pintaúde tornaria-se uma

das principais lideranças comunistas, compondo a oposição de esquerda dentro

do PCB.

Além de Pintaúde, estavam entre os participantes da Liga Operária:

Carlos Guedes Vieira, Américo Marsilio, Carlos Gouveia, Armando Chorati, Ângelo

Chorati, Joaquim Freitas, José Guedes e o próprio Theotônio Souza Lima. Ideo-

logicamente mais amadurecido e coeso, o grupo de Sertãozinho pretendia con-

quistar “para a luta nacional e internacional das classes, os 15 mil trabalhadores

da cidade”. O 1º de Maio atacava sistematicamente o capitalismo e convocava

o operariado para unir-se contra o patronato, sem distinção de raça, credo ou

profissão.

A Liga Operária de Sertãozinho tornou-se um importante núcleo de

expansão dos ideais comunistas no interior de São Paulo, num momento em que

a ação do PCB em São Paulo era limitada, chegando a quase desaparecer. Entre

1925 e o início dos anos 1930, a ligação entre os militantes da região de Ribeirão

Preto (que inclui Sertãozinho) e o grupo comunista paulistano estreitou-se.

Membros das duas cidades participaram da organização do Comitê Re-

gional em 1927, sendo responsáveis posteriormente pela fundação do BOC (Bloco

Operário e Camponês) em Ribeirão. A partir desse ano, as duas cidades desponta-

ram como núcleos de grande importância para o Partido, com atuação intensa no

interior do Estado. Em Ribeirão Preto, vários fatores combinados possibilitaram

que os comunistas conquistassem o poder hegemônico dentro da UGT, expurgan-

do a influência reformista e anarquista e tomando para si as rédeas da sindica-

lização dos trabalhadores, ampliando e consolidando sua influência política e

sindical na região.

O Comitê Municipal do PCB

O Partido Comunista do Brasil, a exemplo de outros partidos políticos,

tinha uma estrutura organizacional que lhe permitia orientar seus quadros parti-

dários quanto a objetivos políticos, metas e tarefas. Os militantes eram sujeitos

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a um sistema hierárquico de autoridade e a uma distribuição de poder bem defi-

nidos.

Tendo como elemento-chave de atuação a disciplina rígida dos seus

militantes, sua estrutura vertical de poder caracterizava-se por divisões: nacio-

nal, regional e municipal, além das frações sindicais e células. No âmbito nacional

atuavam o Comitê Central, que englobava a liderança do Partido e a Comissão

Executiva, que exercia efetivamente as decisões do Comitê Central. Da Comissão

Executiva era tirado o secretariado, autoridade máxima dentro do Partido, cuja

personalidade dominante era o secretário-geral. Nos escalões intermediários de

poder estavam o Comitê Regional ou Estadual, o Comitê Municipal ou Zonal e as

Células. Os membros de cada nível tinham a responsabilidade de transmitir as

diretrizes do Partido, determinadas durante os Congressos Nacionais, e organizar

a ação partidária dentro da sua jurisdição. As células eram as raízes do Partido,

organizadas conforme os locais de trabalho ou de moradia, com, no mínimo, três

membros cada uma. Eram responsáveis pela ampliação e renovação do quadro de

militantes e pelo levantamento de fundos, além de reunirem-se para discutir a

teoria marxista-leninista.

Entre 1922 e 1928, não parece ter existido um comitê municipal orga-

nizado em Ribeirão Preto. Todos os indícios apontam para a atuação de militantes

dispostos em células e centralizados em torno da UGT. A partir da fundação da

União Geral dos Trabalhadores, as possibilidades e o espaço de atuação dos comu-

nistas aumentaram na região. O trabalho dos militantes dentro dessa organização

permitia um contato direto com os trabalhadores, importante para aumentar a

confiança no PCB, já que os operários demonstravam certa resistência às ideias

comunistas. Essa rejeição talvez possa ser explicada pela constante propaganda

negativa em relação ao partido, responsável por divulgar a ideia de que os co-

munistas eram uma ameaça real à estrutura vigente. Nesse momento histórico,

sindicalizar-se ou declarar-se comunista significava desemprego e problemas com

as autoridades policiais.

Os fazendeiros estavam entre os que mais resistiam ao processo de

sindicalização dos trabalhadores. Usavam como mecanismo de coerção a amea-

ça de expulsão dos colonos de suas terras, aproveitando-se da grande onda de

desemprego que se abateu sobre a região de Ribeirão Preto na década de 1930,

particularmente nos meios rurais. O poder coercivo dos fazendeiros, a falta de

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trabalho no campo motivada pela crise que atingiu o setor cafeeiro, a reação do

governo contra os comunistas e a desconfiança dos camponeses em relação ao

PCB, podem ser fatores explicativos para a retardada sindicalização no campo,

que só tomaria impulso nas décadas de 1940 e 1950.

Mesmo com todos os problemas enfrentados, a partir de 1927 a atua-

ção do grupo comunista ribeirão-pretano tornou-se mais ampla, especialmente

entre os trabalhadores urbanos. Isto pode ter sido favorecido pelo crescimento

e pela diversificação das atividades urbanas, que possibilitaram o surgimento de

um número maior de trabalhadores autônomos. Desligados da relação patronal,

eles eram mais ativos no movimento de sindicalização, já que a falta de vínculos

patronais tornava o trabalho sindical e político menos ameaçador. Um exemplo

disso é que os três principais fundadores da UGT eram trabalhadores autônomos:

Guilherme Milani, vendedor; Romulo Pardini, sapateiro, e Gustavo Wiermann, pe-

dreiro.

Entre os fatores que influenciaram o aumento da influência comunista

na região de Ribeirão Preto foi a realização do Terceiro Congresso Nacional do

PCB, entre os dias 29 de dezembro de 1928 e 4 de janeiro de 1929. O evento

lançou a palavra de ordem “À conquista de São Paulo”. Outro fator foi a fundação

do novo Comitê Regional de São Paulo, em maio de 1927, considerado até então,

pelo partido, praticamente inoperante. Entre os fundadores e responsáveis pela

reorganização do novo Comitê Regional em São Paulo estavam Everardo Dias,

Plínio Melo, o sapateiro Pissuti, o garçom Texeda e alguns representantes do

interior, como o comerciário Pintaúde, de Sertãozinho.

Com a ampliação das atividades do partido em São Paulo iniciou-se a

criação de novas células na capital e no interior, e um trabalho mais efetivo por

parte do Agitprop (Agitação e propaganda), cujo secretário era Aristides Lobo.

As atenções dos militantes, sob a orientação do Comitê Regional de São Paulo,

voltaram-se para a propaganda individual, a difusão da literatura comunista, a

agitação nas fábricas, a implantação do BOC e a expansão da ação prática. Todo

esse trabalho culminou com a consolidação de núcleos comunistas de grande

intensidade no interior do Estado.

Como reflexo desse trabalho de ampliação da ação partidária em São

Paulo, houve a visita de membros do partido a Ribeirão e Sertãozinho, entre 1927

415RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto

e 1929, visando orientar o desempenho dos núcleos comunistas no interior do Es-

tado. Entre os visitantes podemos citar Manuel Medeiros, Antônio Ribeiro e João

Occhineri, que estiveram na Liga Operária Orestes Lascala e na UGT, a convite de

Guilherme Milani.

Como resultado desse contato, houve a implantação, em Ribeirão Pre-

to, do BOC, cujas reuniões ocorriam na residência do próprio Milani, na Rua

Prudente de Moraes, nº 118, com a participação constante de Gustavo Wierman,

colaborador de Milani, que nesse período era presidente da União Geral dos Tra-

balhadores.

Inicialmente, o objetivo do PCB — ao coordenar a formação de uma

chapa de candidatos sob uma única plataforma — era suprir a falta de condições

reais do partido em participar do processo eleitoral com candidatos próprios. Por

isso, tornou-se necessário recorrer à política de frente única. Os candidatos do

BOC deveriam subordinar suas atividades ao controle das massas. A plataforma do

Bloco defendia a legislação social, em particular a regulamentação da jornada de

oito horas, com 48 horas semanais; os contratos coletivos de trabalho; o salário

mínimo; a proteção à mulher e às crianças; e a proibição do trabalho de menores

de quatorze anos. Além disso, os candidatos do BOC deveriam defender a abertura

das relações internacionais entre o Brasil e União Soviética, a anistia a todos os

prisioneiros políticos e o pagamento de indenizações pelo governo aos sobrevi-

ventes deportados para Clevelândia.

Depois da Lei celerada de 1927, que privava o Partido Comunista de

atuar abertamente, o BOC se tornaria o acesso legal dos comunistas ao processo

eleitoral. Tecnicamente, o Bloco substituiu o PCB, criando sedes em São Paulo e

em cidades do interior, como Ribeirão Preto, passando a atuar como organização

quase exclusivamente comunista.

A atuação do BOC na política ribeirão-pretana acompanhou as deter-

minações de São Paulo que, em 1928, guiou seus partidários em todo o estado,

a votar nos candidatos do Partido Democrático. Esse fato que irritou os membros

do Comitê Central do Partido Comunista, que pretendiam que o Bloco paulista

lançasse candidatos próprios.

As distorções de atuação do Bloco Operário e Camponês relativas às

diretrizes do PCB, e o crescimento do seu prestígio em detrimento do próprio

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Partido, culminaram com a separação das duas organizações, depois da realização

do Terceiro Congresso do Partido, em dezembro de 1928. Desde esse momento, o

BOC passou a ser uma organização de frente única, entre outras no Brasil.

A atuação do BOC em Ribeirão Preto esteve ligada aos membros da

UGT até 1930, quando ainda constatamos a ligação entre os seus candidatos e

os militantes do PCB que atuavam na União Geral dos Trabalhadores. O relativo

prestígio junto aos grupos políticos de esquerda, como o Partido Democrático,

conquistado com a atuação dos comunistas do Bloco, favoreceu a ampliação da

ação partidária na organização sindical. Essa influência consolidou-se quando o

núcleo comunista tornou-se hegemônico na UGT, fato ocorrido no mesmo período

da realização do III Congresso Nacional do Partido. Nesse momento, a UGT de

Ribeirão e a Liga Operária Orestes Lascala, de Sertãozinho, eram notadamente

consideradas como organizações revolucionárias, sob o total controle dos comu-

nistas, e com importância reconhecida pela imprensa internacional voltada ao

movimento operário latino-americano.

Entre as resoluções do Congresso sobre a “atividade comunista nos sin-

dicatos operários”, foram feitas críticas ao “espírito corporativista”, adotado até

então, à influência anarco-sindicalista nos sindicatos, e à “falta de um trabalho

de conjunto metódico, sistemático e coletivo”. Apoiados nessas resoluções e no

contexto favorável de relativa liberdade política, em fevereiro de 1929, os sócios

da UGT registraram em cartório novos estatutos que vinham sendo elaborados

desde o ano anterior, com clara influência comunista. A partir de então, a ação

comunista na UGT passou a ser declarada, tornando essa instituição a sede do

comitê municipal do Partido Comunista local.

A confirmação da influência comunista no movimento operário na re-

gião de Ribeirão Preto acompanhou um movimento de consolidação nacional

do PCB, que passou por uma reestruturação entre os anos de 1928 e 1930. Essa

inflexão foi marcada pela mudança de tática e pela queda de velhas lideranças

do Comitê Central, como Astrojildo Pereira. Entre as modificações estava o es-

tabelecimento de um controle mais acentuado da ação do partido por parte da

Internacional Comunista, por intermédio do Bureau Sulamericano, que passou a

exercer grande influência junto ao PCB. Esse controle teve como consequência, a

partir de 1930, da adoção pelo Partido Comunista do Brasil do lema “classe con-

tra classe”, proposto no Sexto Congresso da Internacional Comunista, em 1928.

417RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto

Essa mudança, que acabou com a política de “frente única” adotada até então,

levou o Partido a atuar de forma mais sectária e provocou profundas mudanças

no Comitê Central.

Em Ribeirão Preto, essas medidas modificaram a atuação dos militan-

tes, que pode ser avaliada por intermédio dos novos estatutos, elaborados em

1928 e oficializados em 1929.

A mudança nos estatutos da UGT

Entre 1922 e 1928, os comunistas circunstancialmente aceitaram a tá-

tica de ligar-se a sindicatos de outra orientação ideológica. Isto porque, durante

o III Congresso Nacional, o próprio partido admitiu que a base da ação do PCB es-

tava nos sindicatos, onde eram encontrados os mais ativos militantes. Portanto,

justificava-se a política de cooperação adotada pelos comunistas com o intuito

de conquistar espaço de atuação no movimento sindical.

No final da década de 1920, começavam a aparecer os primeiros sinais

da política de “classe contra classe”. A linha ultra-esquerdista, que predominou

na Internacional Comunista, passou a hostilizar os movimentos democráticos e

reformistas, acusando-os de serem agentes do imperialismo. Essa posição ofi-

cializada pela Internacional Comunista influenciou a posição ideológica do PCB.

Um dos resultados diretos dessa influência foi a inviabilidade do convívio entre

comunistas e membros de outras correntes ideológicas dentro dos sindicatos. A

consequência foi o choque entre o PCB e os sindicalistas, provocando a exclusão

daqueles que tinham posições mais moderadas e não desejavam a revolução ar-

mada.

Nessa fase, a UGT tornava-se a instituição sindical de maior expressão

em Ribeirão Preto, transformando-se numa organização exclusivamente comunis-

ta. Os militantes do PCB conseguiram expurgar as demais correntes ideológicas

que atuavam dentro da organização, a exemplo do que já havia acontecido em

Sertãozinho em 1926, com a Liga Operária Orestes Lascala.

Assumiram a diretoria da União Geral dos Trabalhadores homens reco-

nhecidamente comunistas, que passaram a atuar livremente dentro da instituição.

Alguns deles permaneceram na organização até as décadas de 1940 e 1950, como

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Pedro Campana, João e Angelo Pontim e Guilherme Milani. Henrique Covre assu-

miria posição de destaque dentro da UGT como militante comunista, arregimen-

tando novos membros, distribuindo jornais comunistas e servindo como contato

entre o Comitê Regional de São Paulo e o comitê ribeirão-pretano.

Guilherme Milani, militante de maior destaque na região, foi o res-

ponsável pelo projeto de reformulação dos estatutos. Depois de reformulados

nos moldes necessários para facilitar a ação comunista dentro da UGT, os

estatutos foram revisados por uma comissão formada por cinco militantes:

Pedro Campana, presidente da UGT, em 1929; Cesar Tupynambá Roselino,

professor; Angelo De Gaetani, comunista atuante; Izaac Camargo e Canuto

Barbosa Vieira.

As atividades de recreação e a cooperativa de alimentos, que anterior-

mente caracterizavam a UGT, passaram a ser desenvolvidas a reboque da ação

comunista. Enquanto ao presidente cabia dirigir os destinos da UGT e responder

judicialmente por ela (funções burocráticas dentro da organização sindical), ao

secretário-geral foram atribuídas funções políticas e atividades ligadas direta-

mente à “agitação das massas”, como “fazer a massa compreender a importância

da Lei de Férias e ajudar os sócios coagidos”. O escolhido para essa função foi

Angelo Pontim, que permaneceu atuando na UGT e militando pelo partido até a

década de 1940.

Identificou-se nos estatutos a presença da implantação da Lei de

Férias, como uma das principais funções do secretário-geral. Isto demonstra o

posicionamento dessa instituição quanto à legislação social, fato que pode ser

explicado pela defesa pelos comunistas das leis sociais junto ao Departamento

Nacional do Trabalho. Muitas organizações operárias passaram a apoiar a aplica-

ção da Lei de Férias, que enfrentava grande resistência por parte dos industriais

do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Usando a UGT como sede do PCB, a atuação dos comunistas na região

tornou-se de importância nacional para o partido. Segundo Otávio Brandão, nesse

período os militantes de Ribeirão Preto representavam praticamente os únicos

que conquistaram resultados concretos no meio político sindical no Estado de São

Paulo. Os líderes locais chegaram a organizar grandes manifestações de colonos,

conquistando muitos membros entre os camponeses, estudantes e trabalhadores

419RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto

urbanos, o que acabou despertando o interesse da polícia que, em 1930, desman-

telou a liderança comunista local, que viria a se reorganizar novamente apenas

na década de 1940.

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