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ComunicaçtJo&politica V. 1, n? 1

o SUMÁRIO

Editorial

Fórum

Debate com Alceu Amoroso Lima

Artigos

3-4

5-22

Comunicação e Alienação- Antonio Houaiss 23-33

Communication and civil society- Elizabeth Fox 35-41

Notas Visando à Fixação de um Conceito de Autoritarismo - R.A. Amaral Vieira 43-52

Cultura de Resistência e Comunicação Alternativa no Brasil - L. Gonzaga Motta 53-69

Comunicación Popular y Rearticulación del Movimiento popular in Chile, Hoy - Fernan­do Ossandon C. o 71-83

Entrevista

O Contexto de Armand Mattelart

Dos si~

La Sémiosis et son monde - Eliseo Veron

Quem tem Medo da Constituinte? - Paulo Bonavides

Nuevos Lineamientos de la OECD sobre la privacidad

Notas e Comentdrios

85-100

101-115

117-123

124-127

Desarrollo de la Informática en America Latina a traves de la Cooperación regional - Juan Carlos Anselmi 129-137

Resenha

Que é afinal Ideologia?- Eduardo Diatahy B. Menezes

Marx e o Jornalismo - Antonio Albino Canelas Rubim

141-143

144-150

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O Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos é uma sociedade civil sem fins lucrativos, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, RJ. Reúne cientistas sociais, cien ­tistas políticos, comunicadores sociais, educadores e intelectuais em geral comprometidos com os seguintes objetivos (Art . 3? de seus estatutos):

1. promover o desenvolvimento do estudo e da pesquisa nas áreas das ciências sociais; 2. promover o intercâmbio e a cooperação entre instituições e os profissionais e

teóricos latino-americanos envolvidos com estudos, pesquisas e realizações nas áreas de seu âmbito de interesse estatutário;

3. promover de forma multidisciplinar atividades de estudo e de pesquisa dos valores culturais autóctones , tendo em vista subsidiar a formulação e implantação de políticas cul­turais;

4. fomentar a produção de reflexões relacionadas com as temáticas de seu interesse , editando e fazendo editar livros e çeriódicos, realizando e promovendo pesquisas, a apu ­ração , tratamento e circulação de informações e dados, simpósios, seminários, mesas-re­Jondas e cursos, regulares ou não;

5. lutar por maior participação das comunidades acadêmica, científica e artística la­tino-americanas na formulação e aplicação de políticas nacionais de defesa dos valores la­tino-americanos, bem como promoção e valorização do homem e da sociedade latino-a­mericana em geral;

6. atuar junto dos organismos de coordenação e financiamento ou controle das ati­vidades científicas de pesquisa ou ensino ou difusão artística visando à democratização de seus critérios de avaliação;

7. contribuir para o aprimoramento intelectual e profissional de seus associados, · defendendo seus direitos em todas as instâncias em que forem ameaçados.

Na realização desses objetivos, o Centro se constitui em instrumento de luta pela democratização dos Estados latino-americanos e de defesa dos direitos e garantias indivi­duais.

Diretoria Presidente: Antonio Houaiss 1? Vice-Presidente: R.A. Amaral Vieira 2? Vice-Presidente: Sérgio Dayrell Pôrto Secretário de Pesquisa: Jorge Werthein Secretário de Difusão Internacional: Carlos Plastino Tesoureiro: Regina Elena C: Gualda

Conselho Deliberativo Lúcio Félix Kovarick, Gabriel Cohn, Fausto Castilho, Virgílio Noya Pinto, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Marco Aurélio dé Almeida Garcia, Erasmo de Freitas Nuzzi , Carlos Estevam Martins, Albino Rubin e Fernando Perrone. Conselho Fiscal Yenício Artur de Lima, Walder Tavares de Góes, Francisco Eduardo Pontes Pierre (ti­tulares), Antônio Carlos Cunha, Miguel Pereira e Ailton Benedicto de Souza (Suplentes). Além desses quadros diretivos, o Centro dispõe de representantes em todas as Universi ­dades brasileiras e em toda as capitais e principais centros universitários latino-americanos, além de correspôndentes nas principais capitais do mun:io. Seu quadro de associados con­templa sócios plenos e sócios correspondentes, para os não residentes no Brasil. Os associados do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos recebem gmtuitamente C&p e todas as publicações por ele editadas. Anuidades do Centro: Associados residentes no Brasil: Cr$ 6.000,00 (pagáveis em até.tPês parcelas iguais); Associados residentes fora do País : $20.00 (vinte dólares norte-americanos).

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Qúadros diretivos Com un icação&política

Uma revista da América Latina V. 1, n9 1. março/maio 1983

Editor: R.A. ·Amaral Vieira

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Colégio editorial: César Guimarães, Herbert José de Souza, Leon Hirszmann e R.A. Amaral Vieira

Conselho editorial: Antonio Houaiss (Presidente), Antonio Estevam Sobrinho, Antonio Pasquali, Armand Mattelart, Celson José de Souza, César Guimarães, Darcy Ribeiro, Eduardo Diatahy B. de Menezes, Elizabeth Fox, Eliseo Veron, Fernando Reys Matta, Gabriel Cohn, Guillermo O'Donnell, Herbert José de Souza, lngrid Sarti, Jorge Werthein, José Steinsleger, José Vidal-Beneyto, Juan Diaz Bordenave, Leon Hirszmann, Lúcio Félix Kowarick, Luiz Gonzaga Motta, Marco Antonio Rodrigues Dias, Paulo Bonavides, R.A. Amaral Vieira e Susana Soares.

Editores correspondentes: No Exterior: Cécile Rougier (Paris), Miguel Beltrán e Hen­rique Bustamante (Madri), Cláudio kguirre-Bianclii (Estocolmo), José Manuel Paquete de Oliveira (Lisboa), Frank Gerace (Nova York), Peter Bruck (Montreal), Cristina Ramo de Rossell (Guadalajara, México), Ana Maria Nethol (México, DF), Elisabeth Safar (Caracas), José Maria Rodrigues Vasquez (Buenos Aires), Walter Neira B. (Lima), Carlos Suárez e Jaime Reys (La Paz), Patrícia Anzola (Bogotá), Amoldo Quintanilla (Manágua), Carlos Mora (Havana), Diego Portales (Santiago do Chile), Carlos A. Gonzalez (Assun­ção), Laércio Nunes e Nunes (Montevidéu). No Brasil: Júlia de Miranda Canoco (Ceará), Carlos Borromeu Limeira (Pernambuco), Aloísio Franca Rocha Filho (Bahia), Antonio Fausto Netto (Paraíba), Jane Sarques (Goiás), José Salomão David Amorim (Brasília), Daniel Herz (Santa Catarina), Jacobo Weiselfisze e Carlos Müller (Rio Grande do Sul), Erasmo de Freitas Nuzzi, Maria Nazareth Ferreira, José Braz de Araújo e Fausto Castilho (São Paulo, SP), Carlos Rodrigues Brandão (Campinas), José Milton Santos (Minas Ge­rais), Erika Franziska Herd Werneck (Niterói, RJ), Mário Ferraz Sampaio (Campos, RJ), Maria Elisabeth Rondelli (Espírito Santo).

Projeto gráfico: Robson Achiamé

Revisão e ·resumos: Ailton Benedicto de Sousa

Composição: Estúdio VM - Composições Gráficas Ltda.

Toda correspondência editorial deve ser dirigida para o Editor; a correspondência comercial - números avulsos, assinaturas, anúncios, circulação, deve ser dirigida à Editora Paz e Terra.

Os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos.

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ARTIGOS

Comunicação e Alienação*

ANTONIO HOUAiss••

A hipótese. prévia, é a de que na co­municação não apenas fazemos comum a um interpsiquismo, certa coisa de que um psiquismo está informado, como fazemos mais, assumimos em face da vida social um munus, um conjunto de obrigações comuns, um conjunto de obrigações le­vadas em conjunto.

Esse conceito de comunicação supõe imediatamente que se saia da área da es­peculação puramente teorética e abstrata da comunicação e se busque vê-la como um fenômeno de natureza essencialmente social.

É impossível concebê-la sem a sua in­serção na vida social. Mas a inserção na vida social não se faz apenas pelo fato de que a comunicação é um fenômeno so­cietário. Ela se verifica num sentido mais amplo, ou mais preciso ou mais complexo, no sentido de que reflete todas as anti­nomias, contradições e antagonismos societários. A comunicação é, por con­seguinte, pejada, desde o início, da pos­sibilidade de uma carga enorme de

equívoco~, provindos daquelas antino­mias, contradições, antagonismos.

Daqui a pouco tentarei laborar na idéia de alienação mais ou menos associada à d~ equívoco e aí o que tentarei consistirá nis­to: é um conceito muito elaborado, mas nele estamos ainda por saber muito. Se houver ortodoxos aqui, de quaisquer fi­losofias, irão reputar-me leviano, ao dizer que o conceito de alienação é um conceito vazio ainda, porque demasiado inflado por te.rminologias de vários quadrantes.

Mas, voltando à realidade, a comu­nicação se processa fundamentalmente através das linguagens, fundamentalmente em grupo social, ou na vida social, e fun­damentalmente refletindo desde todos os segmentos horizontaís e verticais que essa vida social comportar até a matização do idioleto, aquela particularíssima e, per­sonalíssima maneira de conduzir-se men­talmente na comunicação cada indivíduo que dela participa.

Naturalmente, em termos genéticos, a gente pode partir do indivíduo para ir para

'Conferência pronunciada no IV Congresso Brasileiro de Ensino e Pesquisa da Comunicaç4o organizado pela ABEPEC - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação. Foi respeitada a estrutura oral da exposição

" Filólogo, t~adutor, ensaista; da Academia Brasileira de Letras.

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o conjunto, como pode partir do conjunto para ir para o indivíduo. A técnica que presume a partida do individuo para o con­junto, da vida mental individual para a coletiva, ou da coletiva ·para a individual, em quaisquer casos, .não pode abstrair o fato de que a linguagem é essencialmente um fenômeno social e cultural. Ela não tem caráter individual, não é intrínseca necessariamente a um homem, embora pot,encializada em todos os homens. Um homem só, desde parido, não se comunica humanamente, se sobreviver.

Uma decorrência disso é que, se na or­dem natural cada batimento de coração, levado ao extremo da sua mensurabilidade, é um batimento ·diferente de coração, diferente no mesmo coração, de momento para momento, diferente ao longo de uma vida de, digamos, sessenta anos, tal que se possa dizer que não há urna batida de coração exatamente igual a outra, se isso se verifica na ordem natural, sem ter im­portância para a ordem natural dentro de certos limites, porque a ordem natural in­clui essa assimetria como natural, na vida social, se pode dizer que o mesmo fenô­meno se verifica, em quaisquer valores sociais mas em grau mais complexo.

A linguagem como valor também reflete essa fundamental circunstância da irrepetitividade. Ela é irrepetitiva no sen­tido de que, na sua intrinsicalidade total, a coisa não é a mesma. Mas ela é repetitiva porque, na vida social, expungimos todas as características que "não" percebemos ou que fomos socializados a "não" per­ceber em cada átomo da comunicação.

Entretanto, partimos do pressuposto de que, para que haja interj>siquismo, tem que haver um signo e que esse signo tenha que ter uma face física e uma face psíquica contrapostas a um lado do real ou do imaginário: um lado que estamos cansados de saber denominar "significante", outro que estamos cansados de saber dizer ''sig­nificado ' ' , tendo por trás ou por baixo ou por cima ou por fora o "referencial". É

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um dado adquirido, talvez contestável no futuro, mas por enquanto é um dado ad­quirido que entre o significado e o sig­nificante não há superposição ou coin­cidência total.

Esse caráter assimétrico, sobretudo do signo lingüístico, mas de qualquer signo, a não coincidência de superposição do sig­nificante com o significado deriva exa­tamente das considerações societárias an­tinômicas, contraditórias, antagonísticas que referi anteriormente.

Vale dizer, o ·significante, no caso con­creto das linguagens orais ou escritas, a parte física, visual ou auditiva, do signo é tentativamente a mesma, com diferenças dialetais , horizontais ou verticais, mas tentativamente a mesma.

Mas temos razões para crer que a vivên­cia de uma quimera na cabeça de cada um de .nós é diferente em cada um de nós o É que "quimera" ou "gelo" é afim. Sabe­se, re~mente, que gelo para cada um de nós é algo diferente. Sabe-se realmente que alienação será para cada um de nós uma coisa diferente.

Essa busca, essa diferença faz que o es­forço da comunicação seja redobrado, no sentido de que é através de uma didática da repetição que a intercomunicação se pode aproximar do ideal desejável entre o co­municante e o comunicador (didática da repetição que talvez seja da mesma na­tureza essencial da redundância e o seu jJapel estrutural e visceral nos códigos e linguagens, nos estilos e temas, nas modas e nas vanguardas). Na reiteração, os equívocos podem ser pelo menos polidos, pelo menos diminuídos, as arestas podem ser limadas, havendo concomitantemente o risco, na medida em que algo de novo se informa nessa comunicação, de recriar-se num segundo nível o equívoco: enquanto se evitam os equívocos de primeiro nível, estamos criando os de segundo nível'. Isto pode ser em n níveis, porque eternamente essa possibilidade se verifica . Verifica -se porque - e aí vem o terceiro dado -

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verifica-se, parece, porque a progressão do conhecimento do objetivo e do subjetivo não pára. Se num dado momento o homem pudesse idealmente parar o homem social, é possível que num dado momento a lin-. guagem se esgotasse: aquele universo de conhecimentos adquirido pelo homem, in­clusive o sistema de emoções adquirido pelo homem: o homem é história, e não há história onde houver repetitividade, ciclo ou previsibilidade absolutos. Mas a realidade é que diariamente os homens es­tão-se modificando, ainda quando as mais das vezes sejam modificações simplesmen­te estruturadas de tal forma que não haja modificação essencial da história.

Esta circunstância, por fim, milita para que a linguagem tenha essa dupla face as­simétrica: interpretando essa dupla face ass~métrica da linguagem, ou das lin­guagens, eu me proporia o seguinte: vejo que nas linguagens, sobretudo as naturais (quer dizer, as sociais, quer dizer, as não convencionais expressamente), nas lin­guagens socionaturais, há um mecanismo de excesso e um mecanismo de carência permanentemente. Examinando uma lín- · gua como a portuguesa, temos a impressão de que existe uma abundância enorme de sufixos, por exemplo, para formar subs­tantivos abstratos. Temos a impressão de que há certos prefixos que são realmente reiterativos. E, freqüentemente, falamos em sinonímia com idéia de redundância. E mais: nas próprias estruturas sintáticas, há formas com elementos excessivos, sem falar naquela redundância lingüística que se obtém pelos mecanismos da compa­ração. Quero neste caso dizer o seguinte: numa fra5e com quatro ou cinco elementos entre si dependentes, o inglês talvez dê o signo de plural apenas a um desses quatro ou cinco elementos, enquanto o português possivelmente dá aos quatro ou cin~o elementos. Então, a pergunta que se faz vem da comparaÇão desses dois sistemas, isto é; um é intrinsecamente redundante, porque reitera ao quíntuplo aquilo em que

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o outro é (ou parece) intrinsecamente não redundante.

Essas comparações podem ser extre­mamente temerárias, quando feitas sobre sistemas lingüísticos, porque podem ir em pós de ilusões, de algo que talvez não seja fundamental para a compreensão disso que se chama espírito humano, embora ve­nhamos a lidar com isso daqui a pouco, ao tratar ck universais.

Mas estas preliminares me levam agora a querer associar o fato da comunicação, tal como aqui proposto, com o fato da alienação. Creio que não é novidade para os senhores, nem poderei trazê-la neste · plano, a idéia de que é impossível falar de alienação sem dizer algo da palavrinha da qual ela se origina.

O pronome alius do latim nos vem logo à mente, significa "outra (coisa)", aparece no português arcaico na forma de a/ e está em formas derivadas eruditas de a/ter e daí de alteridade. Com um sufixo adjetivo aparece como alienus, em latim, com seus · derivados alienatio e alienare, que têm, praticamente, já em latim, todas as fun­damentais acepções com que continuam sendo usados hoje. Tomando a forma subs­tantiva, alienaç4o, ela é essencialmente a indicadora de que algo que me pertence passa a outrem. É .o sentido praticamente jurídico de alienação como transferência a outrem de propriedade.

Em segundo sentido, tem em si a idéia de que me debruço sobre outrem, deixan­do de pensar em mim. É o sentido que se diria psicológico. O terceiro sentido lhe é prolongamento: ao me debruçar sobre outrem, perco o sentido de mim mesmo e deixo de ser eu mesmo, para não ser outrem; mas, integrando-me no outro, eu me perco, eu me alieno. É o sentido que se diria psiquiátrico.

Esses os três sentidos que continuam a · persistir nas palavras dessa família. É bom entre parênteses também lembrar que, por acaso, essa palavra entra no acervo pri­mitivo do galego, no acervo primitivo do

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espanhol e no acervo primitivo do sardo. As demais línguas românticas não acusam primitivamente a existência dessa pala~ra. Só vão adquiri-la por empréstimo erudito, por aquisição erudita, pelo século XV e XVI. É aí que aparecem a forma italiana, a forma francesa, a forma posteriormente inglesa, hoje em dia universalizada.

Mas, nas discussões fundamentais do pensamento alienado, a realidade é que durante os séculos XVI, XVll e XVIIT, e inícios do século XIX, praticamente nada há sobre a questão, salvo, se não estou em erro, com Hegel.

Em psiquiatria, porém, há a caracte­rização do alienado pura e simplesmente, que é visto de um lado ora como possesso santificado, e nesse ca:so é tratado com res­peito enorme pela sociedade, ora, ao con­trário, como um possesso endemoni­nhado, e nesse caso ele tem que ser isolado o quanto antes. Sei que os senhores todos estão pensando em Michel Foucault e que, também, a realidade é que há por trás disso uma coisa que se reputa relativamente im­portante: o fato de que essa possessão que o integra na vida social, como profeta ou como premonidor, · ou que o expulsa da sociedade, como perigoso, em ambos os casos o alienado é objeto de um tratamento diferencial, segundo a situação social do possesso: exemplos em contrário são raros.

De maneira que o tratamento de Foucault é um pouco teórico ainda, na medida em que realmente não se entra no exame das camadas sociais que são ob­jetivos desse tratamento diferencial, longo dos séculos XVI, XVll e XVIIT, sem falar da Antiguidade.

Mas o fato é que eu deveria lembrar-lhes - mas não vou entrar na exposição da questão - que quem mais se aprofundou no problema filosófico da alienação foi Hegel, que o transmitiu como herança problemática ao jovem Marx, que em idade madura teria talvez uma inter­pretação diferente ou mais abrangente da

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alienação, como fenômeno social ligado à estrutura histórica de classes.

A alienação, no primeiro caso, é ba­sicamente "filosófica"; depois, num segundo plano, é considerada a outra luz, digamos ''humanística e filosófica'', sem deixar de ser uma hipótese de caráter fun­damentalmente econômico.

De lá para cá, passando intermedia­riamente por alguém que reputou o máximo da alienação exatamente o sen­timento religioso, Feuerbach, entre esses dois, de lá para cá, a palavra ficou na moda constantemente, mas com tal riqueza de conotações, que em cada situação ela apresenta algo próximo de todos esses con­teúdos, mas diferentt!, ao mesmo tempo.

No caso da comunicação e alienação, há uma contradição que reputo fundamental. Quando se pensa na palavra proposta quas'e que em abstrato, a hipótese quase que geral é optimizante, no sentido de que em linhas gerais se admite que num primeiro momento (no eixo diacrônico) não exista sequer o conceito de alienação. Isso pode corresponder a uma humanidade que não é ainda individuada, ou não tão individuada quanto era hábito supor.

É bem possível que certas formas carac­terísticas da individualidade· plena se desenvolvam retardatariamente nos procesSos lingüísticos, mostrando, assim, talvez, que o indivíduo, antes de ter cons­ciência de si mesmo, deve ter consciência da sua situação social: e ele é os outros. De certo modo, isso é uma hipótese antro­pologicamente útil, embora de com­provação que vá demandar ainda, talvez, muito tempo, não sei se acabaremos antes de podermos prová-la. Mas é uma hipótese extremamente válida ou validável.

Nesse momento não há alienação, por­que não há o diferencial entre o indivíduo e a sociedade, tão integradas e interdepen­dentes são, que não há sentido num sem outro. Então, não se pode · falar em alie­nàção. Há um estado unitário e há apenas uma unidade emergente que potencializa

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essa diferenciação. Há um segundo momento em que essa separação se faz: daí em diante pode-se falar, primeiro, em in­divíduo alienado, depois, em alienado mais ou menos e, por fim, em alienação como um processo intrínseco à vida social.

As hipóteses optimizantes, como a de Hegel, levam à idéia de que a alienação pertence ao processo da identificação, da realização, do Espírito por si mesmo na história. A natureza é o objeto comple­tamente alienado do espírito que não a ab­sorve ainda; e, enquanto não a absorve, quer dizer, não a domina, não é senhor dela, não a incorpora a si mesmo: o Es­pírito por isso também não tem plenitude, pois que a natureza só existe para o es­pírito. O espírito, no caso, que preexiste à natureza ou coexiste com ela, é o processo final da própria natureza. No momento em que ele for o todo, o Absoluto, e dominar a natureza na sua totalidade, a alienação terá desaparecido.

Então, notem bem, a alienação é vista, primeiro, como uma imperfeição da con­dição humana, filosófica , natural e es­piritual, e, em segundo lugar, tudo existe a fim de que ela desapareça. É optimizante, porque supõe harmonização do Espírito e dos espíritos humanos entre si, sorridentes e bondosos, se interamparando, se inter­conhecendo, na plenitude, sem conflitos de natureza natural, humana ou espiritual.

A hipótese (ou, mais , a prática) marxis­ta não está longe de ser optimizante. As críticas já vêm desde a época de Gurvitch e antes até. A hipótese fundamentalmente é esta: é que o processo da alienação é essen­cialmente baseado na reificação do di­nheiro, antes, no valor da troca, antes , na mercadoria .

O dinheiro talvez pudesse ir além do dinheiro: dizer que os males do dinheiro provêm da obsessão do lucro não diria a obsessão da necessidade imperativa de sobrevivência do dinheiro através do lucro, com o capital e a capitalização cres­cente. O dinheiro não pode subsistir senão

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através do lucro. De maneira que o co­mando desse fetiche é feito por causa dessa outra alienação que é o imperativo da própria sobrevivência do dinheiro. Mas, seja como for, num dado momento, no processo da vida social burguesa, ele vai em crescendo de tal maneira, que todos os valores de uso anteriores e todos os valores de conhecimentos anteriores, e todos os valores éticos e morais, vão-se degradando progressivamente, sendo cada vez mais objeto de comércio, objeto de valorização monetária, objeto de troca por dinheiro, a tal ponto que isso chega a um auge, auge esse que significa o supremo estado de alienação da vida social. E esse supremo estado de alienação da vida social deriva do fato de que a sociedade (estou pensando em termos mais ou menos marxistas , estou tentando pensar em termos marxistas, mas digo m~is ou menos marxista, porque al­gum ortodoxo aqui dirá que eu estou es­quematizando, sim senhores). Mas, no auge desse processo, a realidade é que a luta de classes atinge tal aguçamento, que tem que haver algo que seja a sua supe­ração. Evidentemente, a superação se fará pela eliminação das classes. Notem bem, não é apenas pela presença da classe operária no poder, não é pela eliminação física das classes ; o desaparecimento do confronto de classes é que poderá acaso solucionar o problema da alienação hu­mana. A hipótese é esta: haverá um estado societário, um estado social graças ao qual essas contradições de classe, sobretudo os antagonismos de classe, desaparecerão, e tenderemos então a um tipo tal em que a alienação, tanto objetivada no dinheiro como nos seus resultantes, desaparecerá: na moral, por exemplo: não há homem, não há mulher que não se possa vender, não há homem, não há mulher que não se possa comprar, não há princípio que não seja negociável, não há dignidade que não tenha o seu valor: tudo é uma questão de preço. Essa moral poderá ser superada por uma outra, que evidentemente partirá dos

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valores puramente de uso. Uma coisa valerá mais ou menos na medida em que for mais ou menos carente, mais ou menos comunizável, no sentido deres communis; aí, já não estou falando no outro sentido não, é no de res communis. E nesse sen­tido, então, elas terão uma flutuação de valor tal, para uma sociedade qúe poten­cializará tal criação de riquezas, de bens materiais. e espirituais, que a luta pelos bens materiais e espirituais deixará de existir: o que quer que for será tanto mais meu quanto mais for de todos.

É uma hipótese - convenhamos - op­timizante e em que muita gente, exata­mente por isso, não crê. Aí haveria o lado ideológico do marxismo, que outros, sem crer nem descrer, vêem como única alter­nativa possível de sobrevivência da es­pécie.

Essas três hipóteses estão aí. Mas, ven­do o processo social em curso, o problema que se coloca para nós aqui é outro. Não adianta que uma teorética ou uma teoria ou uma exposição teórica advogue uma linha de pensamento optimizante e não encontre nenhum argumento válido con­trário a essa hipótese optimizante. Se o raciocínio de Hegel peca, peca pelo caráter extremamente cifrado na própria vocação de um Espírito, cuja definição é possível, porque é uma vocação da própria natureza, mas a natureza que se opõe ao Espírito. Então, realmente para certos espíritos (no outro sentido) é uma proposição de caráter extremamente abstrato. A outra tem, ao contrário, todos os vícios e- vezos e vincos da concretude, da objetividade, mas peca porque " idealiza" a humanidade.

Não idealiza a rigor, penso eu: porque propõe, presume apreender um processo intrínseco à própria história, processo que, se não se consumar, compromete a própria história , a sua viabilidade, e a do homem, por conseguinte.

E, nesse sentido, é que aí há também o inverso do seu aspecto optimizante. O op­timismo é um repto potencial lançado aos

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homens, à história, que poderá não se realizar e, não se realizando - haverá his­tória? Noutros termos: não é provável que o homem se extinga exatamente por causa dessa contradição que ele não soube su­perar?

A isso estamos assistindo, nesta altura em que a humanidade está gastando mais de 14% do seu produto bruto em arma­mentos, mais do que gasta para a sua alimentação.

No momento em que a humanidade se aproxima dos i5% de produto bruto, produto social bruto, para fim de sustentar armamentos, e repete esses gastos anual­mente (essa proporção é permanente), numa absolescência espantosa, divulgando armamentos para todos os povos da terra, armamentos esses que são cada vez mais sofisticados na periferia, porque o centro cada vez sofística mais ainda, a pergunta será esta: um diálogo da natureza deste aqui poderá dar-se daqui a uns vinte ou trinta anos , em que um de nós esteja com uma bombinha atômica no bolso e, se dis­cutir com o conferencista e a ele desa­gradar o debate, poderá usar a bombinha atômica. Esta é a risível possibilidade futura , com o que a gente, rindo também e sorrindo, pode perguntar: e isso dará viabilidade para continuarmos?

Bom, inversamente, a sociedade apresenta, contra todas essas hipóteses que acabo de descrever, um esforço de so­brevivência que é o inverso da unifor­mização, da casernificação.

Em certos casos, seria muito bom que a gente fizesse uma diferença bem grande entre unificação e uniformização.

Para tomar um exemplo da sociedade de consumo, ela tende a divulgar padrões de consumo tanto quanto possível uniformes para todos os usuários. A propaganda, que é uma forma de comunicação eficacíssima, se cifra na idéia· que todo o mundo deve gostar de uma só coisa, sobretudo do cigarroKent , que deve ser vendido com tal universalidade que o cigarro que a senhora

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agora está fumando deixe já de ser fumado, se não for Kent. Esse conceito é unifor­mizador tipicamente. É um conceito que parece ser essencialmente burguês, graças ao oligopólio, ao monopólio, ao truste, à transmultinacional.

O inverso dele seria supor que houvesse uma tal profusão de bens diferenciáveis, que a poção ou veneno ou droga fosse a mais autônoma possível. O que supõe uma sociedade de abundância tal, que estamos longe de sequer sonhá-la - embora so­nhabilíssima (se se precisar dela), apenas aplicando os 15% do que falei acima .

Quero com isso estabelecer uma di­ferença entre uniformização (que cons­titui, digamos, um ideal nacional - . vou qualificar de novo - burguês) e a uni­ficação .

No caso concreto, se pudéssemos idealizar a hipótese de uma política cul­tural brasileira que oferecesse aos bra­sileiros a oportunidade de se interco­municarem através de suas característica~. dialetais como fatos culturalmente igual­mente válidos, ou, ao contrário (em havendo um órgão de Estado brasileiro, como no regime e estrutura presentes, por exemplo, em que teríamos por hipótese cinqüenta a sessenta por cen­to de militares altamente qualificados, nesse órgão- isso seria normal, não estou exagerando), nessa hipótese, se fossemos confrontar a idéia das diferenciações dialetais equiparadas a processos de valor culturalmente iguais e a outra hipótese -criar um padrão que fosse arbitrariamente ou cientificamente deprendido como o melhor, e impor uniformemente a todos os brasileiros, a fim de que os brasileiros tivessem nesse padrão o seu ideal cultural lingüístico - não tenho dúvidas em afir­mar que esse órgão· iria optar pela segunda hipótese. Pois é uma hipótese que idealiza uniformizadoramente a sociedade, com o fardão de gala, e a elegância castrense, de boniteza, hierarquia e farta disponibilidade numerária para a cúpula.

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Há hipótese muito mais fecunda , e mais fecunda pelo seguinte: no nosso longo processo de aquisição individual de cul­tura, · ou do que for de aquisição de co­nhecimentos da vida social, onde o in­divíduo, com seu instrumento verbal, digamos local, de campanário, não tem que policiá-lo, mas simplesmente integrar através dele as noções do que ele vai ad­quirindo de fora, o dispêndio enérgico que faz é incomparavelmente menor do que o que ele faz através de dupla mediação: primeiro, policiar a própria linguagem, adquirir uma segunda, para, depois, ad­quirir o terceiro e o quarto ou o quinto nível de linguagem, porque o homem, ao adquirir uma linguagem, adquire-a sempre aperfeiçoando-a por aprendizado sociàl. E tanto é assim que somos sempre, pelo menos pqliglotas na própria língua. Quer dizer, temos linguagem de vários níveis, independente dos registros diferenciais afetivos, emotivos, sentimentais, pois há os registros "culturais", de diferenças de estratos, segmentos e classes. Mas, se ademais desse poliglotismo natural, que é o dos convívios, tivermos que ter esse poliglotismo superimposto como se fosse uma linguagem artificial, como se fosse uma língua estrangeira, é óbvio que o es­forço pessoal de aquisição será dobrado e, em conseqüência, é possível, é provável que o nível de rendimento coletivo seja menor - a menos que a estrutura ueces­site de um exército de reserva de mão-de­obra beneficentissimamente aviltadíssimo (o que ora ocorre).

É nesse sentido, então, que a hipótese da equiparação dos dialetos em unidades igualmente válidas , simplesmente é enriquecedor do homem, porque, por es­tranho que pareça, quanto maior possi­bilidade de entender, como um todo comum, as diferenças regionais , tanto mais rica é a integração do indivíduo den­tro da sociedade "nacional".

Então, um brasileiro é capaz de falar igualmente, em quaisquer situações, com

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o homem do extremo sul, com o homem do extremo leste ou com o homem do ex­tremo oeste, como o que tem maior universalidade do que um brasileiro que, para cada caso, exige a transposição para o nível que seja denominador comum.

Mas, voltemos: o que se está verificando na vida social, apesar de todas as tendên­cias ''uniformizadoras' ', é o fato de que a sociedade está progressivamente se estan­cando, criando compartimentos estan­ques. Não há nada mais difícil hoje em dia do que o diálogo entre os próprios cientis­tas . Isso é uma contradição em si. A ciên­cia procuraria ser, na medida do possível, uma soma de conhecimentos tais, que se caracterizasse pela universalidade: mas os "universalistas" químicos falando quí­mica, não entendem patavina dos "universalistas" lingüísticos falando lin­güística; noutro caso, o cibemeticista puro não "dialoga" com o criólogo puro ...

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A universalidade a que eu me refiro aí é a vocação da ciência. Quando um eco­nomista propõe regras, leis ou princípios · econômicos, o ideal dele será aquilo que tenha aplicabilidade universal para a economia humana que por ele foi exa­minada. Se ele fizer uma análise histórica situada socialmente, procurará rc:;saltar as diversidades de tal maneira que todo mun­do concorde com ele. Quer dizer, o ob­jetiv~ de universalidade das suas teses está sempre subjacente, quer ele seja de tipo uniiormizante, quer seja de tipo diver­sificante: não importa, mas a tese que propõe é que possa ser aceita por todos. Ele tem vocação universalista.

Universalista significa também ser aces­sível ao conhecimento e à compreensão de todos. Mas aí entram as contradições sociais. Na medida em que ele tem vo­cação mais universalista, ele entra em jar­gão cada vez mais próprio: em breve, ele só é entendido por um igual em formação.

A tendência da vida social, no plano da ciência, é aparentemente essa: estamos criando ou descobrindo ou inventando

palavras, teoria's, idéias, fenômenos progressivamente compartimentaliza­dores.

A tese lingüística que abone essa con­vicção é fácil de mostrar e a tese da co­municação para o mesmo fim é fácil de elaborar, embora deva ser muito mais cuidadosa do que a lingüística, pelo fato de que o uso político imperialista da co­municação já é algo que entra pelos olhos de quem não queira ser deliberadamente cego, dando a ilusão de que, pelo con­trário, tudo está sendo comunicado para todos (o que constituiria a negação mesma da compartimentalização referida) .

Eis um campo que na comunicação tem que ser extremamente bem desenvolvido e estudado. Essa especialidade de linguagens diferenciais nos segmentos societários é · quç a gente faz para pesquisa de mercado. Daí, um tipo de propaganda, um tipo de slogan, como deverá ser verbalizado, como deverá ser visualizado, em função dos seg­mentos sociais que são visados para certo tipo de consumo. Esse interesse provoca tal análise diferencial, mas essa análise diferencial tem que ser desenvolvida não apenas em função dessa hipótese, mas em função realmente do conhecimento da própria estrutura da comunicação. Por exemplo: o drama da linguagem da co­municação do ensino: estamos todos dilacerados nisso, em todos os níveis e em todas as ciências.

De um lado, a hipótese optimizante, redentora, com desalienação, e, de outro lado, a realidade objetiva que estamos ven­do cada vez mais, em todas as sociedades human~s. mesmo nas mais desenvolvidas ou nas subdesenvolvidas, ou em vias de desenvolvimento, em processo de desen­volvimento e todos os eufemismos para dizerem que há os dominantes, e os do­minados, os exploradores e o que for. Em todos esses casos, em todas as sociedades, o agravamento da diferenciação subjetiva vai num crescendo, inclusive incremen­tado por certo tipo de criação artística,

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paralela com a científica, de tal m:odo que a alternativa que se propõe é (com forte diferença entre massa e povo) a massifi ­cação, no pior sentido da palavra, como denominador comum: denominador comum, sim, pois pode pegar de uma população, 85%, ficando 15%, em pi­râmide, de tecnoburocratas a senhores verdadeira mas encobertadamente, em "perfeita" democracia.

Agora a pergunta que me faço é esta, como problema nosso: deixando de lado as noções de alienação objetivai, patrimonial, psíquica e social, deixando de lado os vários matizes da comunicação podemos ignorar a existência do processo cultural humano? O homem não existe senão em cultura. Esse processo cultural é intrin­secamente um processo abrangente, que vai desde a criação do leite materno, ao ato de ser posta a teta à boquinha do infante, até ao ato de amar, até ao ato de comer, até ao ato de morrer.

Tudo é um processo só, no qual os valores do tipo de Deus, do tipo do De­mônio, do tipo do Dinheiro, quando exis­tem, ou do tipo fidelid~de, ou do tipo amor , ou do tipo amizade, todos esses valores foram e são criados dentro desse processo. Esse processo cultural cria bens físicos e espirituais para a . reprodução da sociedade, para a continuidade da so­ciedade, para a eventual expansão dessa sociedade.

A patologia cultural contemporânea consiste em que certos bens estão se trans­formando em coisas profundamente negatiyas. Por exemplo: o homem. Es­tamos - parece - abusando tanto de nós mesmos, que a proliferação de homens na superfície da terra está sendo um dos gran­des riscos do homem. Mas esse grande ris­co é risco maior, porque está sendo co­municativamente manipulado, mani­pulado, no sentido de que aquelas áreas em que o homem se está multiplicando mais em geral - as subdesenvolvidas - são áreas que "querem" ser controladas, que

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"devem" ser· controladas nessa multi­plicação de homens.

Então, cria-se um confronto, que é este: enquanto se controla a demografia, ipso facto se controla o subdesenvolvimento, e o subdesenvolvimento se mantém. O fato é que os valores humanos estão de tal modo contraditoriamente sendo mani­pulados, que a visão optimizante proposta pela primeira hipótese entra em conflito aparente com as realidades. Exemplifiquei antes com as "alocações" , as atribuições de "lugares monetários" para cada coisa da realidade social. Devo dizer-lhes que o secretário-geral do Clube de Roma, que não é uma entidade pouco séria, lembrava outro dia pela imprensa mundial como · preâmbulo sintético do próximo relatório do Clube, que se está gestando neste ins­tante com cada soldado sessenta vezes mais do 'que com a formação de um ci­dadão. Cada soldado vale sessenta homens médios. É fácil ver que a hipótese de 14% é prudente, nesse caso. É bem possível que seja bem mais alta.

A diversidade de cultura, a variedade de cultura e a existência das classes na vida social provocam a existência dessa coisa famosa, hoje em dia tão em moda dizer, que são os "discursos" diferenciados. Ideológicos ou não (todos os discursos são ideológicos?) por enquanto só poderemos saber que um percentual de ideológico existe mais em certos discursos que em outros. Há discursos que talvez sejam 99% ideológicos e há discursos que talvez atinjam a perfeição de terem 1 ou 2% de ideológicos.

Mas é inconcebível, na manipulação das línguas socionaturais, a hipótese de um discurso isento de ideologia. Essas ideologias, esses discursos são entre si ten­dentes a serem dominadores.

Não há outra alternativa para uma ideologia que não seja a sua universali­zação. Evidentemente há uma hegemônica e há as dominadas numa estrutura dada. Essa é sempre a realidade. Não coexistem

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não contraditória e às vezes não anta­gonicamente. A ideologia é por natureza de tal modo incompatível com o conv!vio, que procura sempre uma situação he­gemônica. Ela se resigna à existência das demais, mas há uma delas que está no ápice, e que quer manipular, e manipula via de regra, todos os meios de comuni­cação. E vai além. Até que ponto as próprias linguagens naturais, orais ou visuais ou mímicas ou o que for, também elas não são informadas pelo interesse da ideologia dominante?

Quando essas linguagens não têm es­trutura da ideologia dominante, porque parece que essas estruturas não são em si ideológicas, elas têm o uso historicamente consagrado na ideologia hegemônica, por noções de sanção, de perfeição, de beleza, de correto, que transformam as suas exis­tências em coisas consagráveis em função dos valores da ideologia dominante: e uma das feições desse uso pode ser de tipo for­malmente oponente ou vanguardista.

Então, transitando da cultura para o dis­curso e para as ideologias, chegamos à noção de que há uma forma de alienação que é indisputável: o homem é alheio, pelo menos a certo grau, a um número de homens, isto é, um grande número é cons­tituído de alheios entre si. Essa divisão cria o sistema geral de alienação que é a não comunicabilidade social. Essa in­comunicabilidade equivalente a alienação é que é o grande repto da comunicação: con­funde-se - politicamente e deliberada­mente - a comunicação intencionalmente alienante com a comunicação própria ab origine, a solidarizante e socializante.

A comunicação não se preocupa com a dupla via, ou a via que procura incremen­tar os meios de comunicação; as possi ­bilidades de comunicação, a comunicação social, aceitando o processo social como existente, ou a que procura incrementar os meios de comunicação social, os recursos,

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a própria linguagem, modificando ou ten­tando modificar para exercer a sua vocação fundamental.

O que eu quero com isso dizer, essen­cialmente, é isto: uma comunicação que aceita o processo social acriticamente, põe­se a serviço do processo social. E tem que aceitar, inclusive, como da co-respon­sabilidade sua, as características pato­lógicas que o processo social oferecer.

Se ela, porém, se colocar criticamente em face do processo social e em face de si mesma, proporá, juntamente com o in­cremento social das possibilidades da in­tercomunicação, a crítica também da própria estrutura em que ela se insere o

É claro que daqui em diante devo calar­me, porque creio que usei e abusei do direito de falar: porém, quero deixar m,ílnifesto que teria sido desejável elaborar simplesmente a noção de informação, para chegarmos a algo que nos aproximasse das noções de convicção e verdade. Mas isso seria uma outra canção.

É que aí já há um pouco de idealização minha, sobretudo nas condições em que realmente nos achamos, objeto de dúplice ou tríplice alienação: estamos sendo bom­bardeados internamente pelos meios que nós próprios criamos de comunicação e de informação. Mas sabemos que, de fora, há um bombardeio maior do que o que é exer­cido internamente.

Em todos os casos, há interesses criados. Os interesses de fora coincidem com os interesses brasileiros? Até que ponto esses setores dos interesses brasi­leiros são brasileiros? E em lugar de lutar­mos contra a alienação ou advogarmos a eventual diminuição dela, para uma vocação optimizante, iremos nós aumentá­la?

Era só o que eu tinha por dizer para a consideração dos senhores. Muito obrigado e desculpem-me.

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Communication and Aliffiation

The author points out that a communication which accepts the social process with no criticism lends itself to this social process, and it also has to accêpt, as part ofthis responsibility, the pathologic characteristics presented by such a social process. On the other hand if communication critically faces itself and the social process, the proposition will be an increase of possibilities on social com­munication as well as changes in its own struc­ture .

Based on the assumption that communication is notonly information from individual to individual, but it also in volves role playing in society, a study on alienation caused by misunderstanding is stated by the author. Just to fix ideas he says that inter­psychic communication takes for granted that there is a sign with its physical (significant) and psychic aspect (significance), involved by a re ­ference system.

Significance may change and does change in in­dividuais' minds, owing to the fact that only the significant is relatively unchangeable These in­dividual differences impose a bigger effort on com­munication. Hence repetition is of the same nature as redundance and it h as a structural role ol'l codes, languages, styles, themes, fashion and vanguard.

Taking alienation caused by mis~nderstanding the author points out that on the reiteration process misunderstanding can be improved. As on a reiteration process the message is sent again there is a dialetical possibility of the risk of misun­ders_tanding reoccurance. This is an eterna! and ever growing risk since knowledge and new forms never stop. Man is History , and there is no His­tory where there is repetition or absolute cycles of reoccurance.

F rom this characteristic there should be social ~ culturallanguages ~ssimetry where one would ob­serve an excess mechanism (abundance o f e lements and their com~unicative structures) and a need . mechanism (the new fact surpasses the old si"gn).

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Characterizing alienation from its ethimological tracing since Antiquity , the author establishs his concepts on the following plans: a) Phylosophical- (Hegel to whom Nature is the alienated object of the spirit) . Spirit does not recognize itself in matter buf in the difference con­frontation process. In the latter the improvement perspective should occur because of the fact that recognition and alienation are denied . b) Humanistic (Psychological and Psychaiatric). In relation to one 's loss o f se !f and other 's identity taking (Foucault and his theory about Madness). c) Economic - According to the Marxist prac­tice , the a"Iienation process is essentially based on money turned into an object.

The author points out that on the economical alienation the social and bourgeois life the profit fetish grows so that ali the knowledge, ethical , moral, humanistic and phylosophical values decay progressively becoming object of monetary .com­parison. The situation comes to its climax at which the supreme state of social alienation is a · state bound to provoke its own overcoming·, accor-ding to the Marxists. .

The critic of the author to the phylosophical ap­proach focus on the abstract character, codified in a Spirit, which depends on the opposition to N ature, i .e. characterized by a potential acting . On the other himd the Marxist conception support­ed by a concrete objectivity "idealizes" humanity, not very strictly since it presumes the aprehen­s"ion of a process intrinsic to its own History . lf this process does not occur it compromises its own History and man 's viability . Hence the marxistis' claim telling man to realize his History aiming his survival.

The author questions our struggle against alienation and asks whether we are not making it grow bigger instead of forcing its decrease, con: s-idering that Man is spending today 14% of his production on weapons, more than what is spent on food. In the case of an undeveloped country like ours, there is a triple alienation due to wills wiiich may not be any of ours. (ABS) ·