comunicacao no atendimento a pacientes

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Pharmacia Brasileira - Janeiro/Fevereiro 2005 6 ENTREVISTA / DIVALDO LYRA JÚNIOR COMUNICAÇÃO PACIENTE/FARMACÊUTICO: um instrumento libertário e essencial no trabalho do profissional e na promoção da saúde Tese de doutorado contém método que busca valorizar a conscientização e a autonomia do idoso como agente de sua própria saúde Pelo jornalista Aloísio Brandão, Editor desta revista PHARMACIA BRASILEIRA - O que o senhor deduziu com os seus es- tudos sobre comunicação entre pro- fissional de saúde / paciente? Divaldo Lyra Júnior - O que deu para notar é que a comunicação é um instrumento essencial no trabalho do farmacêutico e na promoção da saúde. O tipo de método que utilizei de comu- nicação e educação ao paciente foi muito positivo em relação à maioria dos trabalhos que encontrei na literatura do gênero. Nos meus estudos, eu adap- tei o Método Paulo Freire nas inter- venções junto aos pacientes idosos O farmacêutico Divaldo Lyra Júnior não deixaria a sua Recife, à qual é apegadíssimo, não fosse para buscar conhecimentos na área que elegeu como a sua paixão profissional: a atenção farmacêutica. Foi parar em Ribeirão Preto (SP) em cujo campus da USP (Universidade de São Paulo) acaba de fazer o seu doutorado em comunicação entre o farmacêutico / paciente. A sua tese é um poço de argumentações teóricas e práticas profundas, complexas, modernas e instigantes. Divaldo passou um longo tempo, aplicando o método de comunicação que desenvolveu para a sua tese, ao qual adaptou o Método Paulo Freire de educação, nas intervenções que realizou junto aos pacien- tes idosos atendidos no SUS (Sistema Único de Saúde). O educador Paulo Freire elaborou um método de alfabetização libertário, humanístico e conectado à realidade do educando. Paulo Freire teria algo a colaborar com a atenção farmacêutica? Lyra Júnior prova que sim. O método que o farmacêutico desenvolveu busca valorizar a conscientização e a autonomia do idoso como agente de sua própria saúde. Nada mais alinhado ao pensamento do educador. Os resultados dos estudos de Lyra Júnior foram sur- preendentes e lhe deram a convicção de que a comunicação é um instrumento essencial no trabalho do farmacêutico e na promoção da saúde. O doutor Dival- do, entretanto, lamenta o fato de os farmacêuticos, a exemplo de outros profissi- onais da saúde, serem formados sem os conhecimentos humanísticos necessári- os ao desenvolvimento das habilidades de comunicação. Mas vê uma movimen- tação política muito grande, de oito anos para cá, sacudindo o ambiente farma- cêutico, com vistas a tirá-lo do limbo em que se encontrava e a pôr no centro da cena o que Divaldo aposta ser, não muito longe, a força da profissão, no Brasil: a atenção farmacêutica. Veja a entrevista. atendidos no SUS (Sistema Único de Saúde). PHARMACIA BRASILEIRA - O método de educação de Paulo Freire é algo libertário, humanístico e centrado na realidade do aprendiz. O que o se- nhor conseguiu extrair desse método para aplicar na comunicação farmacêu- tico / paciente? Divaldo Lyra Júnior – O que di- ferencia o modelo de intervenção far- macêutica que utilizei junto a pacien- tes do SUS do tradicional foi o tipo de orientação, a qual buscava a consci- entização e a autonomia do idoso como agente de sua própria saúde. É, aí, que Paulo Freire entra, dando uma grande contribuição, pois o seu método bus- ca uma maior independência do edu- cando, no caso o paciente idoso. Há uma condição essencial para a boa comunicação do farmacêutico, que é a sua escuta ativa, que o permite entender a realidade do paciente. A partir daí, o farmacêutico identifica os pontos chave ou os problemas que mais preocupam o paciente. Em segui- da, se faz uma análise da situação, com a fundamentação teórica dos proble- mas identificados. Farmacêutico Divaldo Lyra Júnior

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Uma dica para assistência Farmacêutica! Leia este artigo. Farmácia ainda é uma instituição de saúde que possui lucro com este serviço

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Pharmacia Brasileira - Janeiro/Fevereiro 20056

ENTREVISTA / DIVALDO LYRA JÚNIOR

COMUNICAÇÃOPACIENTE/FARMACÊUTICO:um instrumento libertário e essencial no trabalho

do profissional e na promoção da saúde

Tese de doutoradocontém método que

busca valorizar aconscientização e a

autonomia do idosocomo agente de sua

própria saúde

Pelo jornalista Aloísio Brandão,Editor desta revista

PHARMACIA BRASILEIRA - Oque o senhor deduziu com os seus es-tudos sobre comunicação entre pro-fissional de saúde / paciente?

Divaldo Lyra Júnior - O que deupara notar é que a comunicação é uminstrumento essencial no trabalho dofarmacêutico e na promoção da saúde.O tipo de método que utilizei de comu-nicação e educação ao paciente foimuito positivo em relação à maioria dostrabalhos que encontrei na literaturado gênero. Nos meus estudos, eu adap-tei o Método Paulo Freire nas inter-venções junto aos pacientes idosos

O farmacêutico Divaldo Lyra Júnior não deixaria a sua Recife, à qual é apegadíssimo, nãofosse para buscar conhecimentos na área que elegeu como a sua paixão profissional: a atençãofarmacêutica. Foi parar em Ribeirão Preto (SP) em cujo campus da USP (Universidade de São Paulo)acaba de fazer o seu doutorado em comunicação entre o farmacêutico / paciente. A sua tese é umpoço de argumentações teóricas e práticas profundas, complexas, modernas e instigantes. Divaldopassou um longo tempo, aplicando o método de comunicação que desenvolveu para a sua tese, aoqual adaptou o Método Paulo Freire de educação, nas intervenções que realizou junto aos pacien-tes idosos atendidos no SUS (Sistema Único de Saúde). O educador Paulo Freire elaborou ummétodo de alfabetização libertário, humanístico e conectado à realidade do educando. PauloFreire teria algo a colaborar com a atenção farmacêutica? Lyra Júnior prova que sim. Ométodo que o farmacêutico desenvolveu busca valorizar a conscientização e aautonomia do idoso como agente de sua própria saúde. Nada mais alinhado aopensamento do educador. Os resultados dos estudos de Lyra Júnior foram sur-preendentes e lhe deram a convicção de que a comunicação é um instrumentoessencial no trabalho do farmacêutico e na promoção da saúde. O doutor Dival-do, entretanto, lamenta o fato de os farmacêuticos, a exemplo de outros profissi-onais da saúde, serem formados sem os conhecimentos humanísticos necessári-os ao desenvolvimento das habilidades de comunicação. Mas vê uma movimen-tação política muito grande, de oito anos para cá, sacudindo o ambiente farma-cêutico, com vistas a tirá-lo do limbo em que se encontrava e a pôr no centro dacena o que Divaldo aposta ser, não muito longe, a força da profissão, no Brasil: aatenção farmacêutica. Veja a entrevista.

atendidos no SUS (Sistema Único deSaúde).

PHARMACIA BRASILEIRA - Ométodo de educação de Paulo Freire éalgo libertário, humanístico e centradona realidade do aprendiz. O que o se-nhor conseguiu extrair desse métodopara aplicar na comunicação farmacêu-tico / paciente?

Divaldo Lyra Júnior – O que di-ferencia o modelo de intervenção far-macêutica que utilizei junto a pacien-tes do SUS do tradicional foi o tipo deorientação, a qual buscava a consci-entização e a autonomia do idoso como

agente de sua própria saúde. É, aí, quePaulo Freire entra, dando uma grandecontribuição, pois o seu método bus-ca uma maior independência do edu-cando, no caso o paciente idoso.

Há uma condição essencial paraa boa comunicação do farmacêutico,que é a sua escuta ativa, que o permiteentender a realidade do paciente. Apartir daí, o farmacêutico identifica ospontos chave ou os problemas quemais preocupam o paciente. Em segui-da, se faz uma análise da situação, coma fundamentação teórica dos proble-mas identificados.

Farmacêutico Divaldo Lyra Júnior

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ENTREVISTA / DIVALDO LYRA JÚNIOR

Então, o farma-cêutico vai elabo-rar hipóteses desolução dos pro-blemas, mas comum plano de cui-dados. A partirdeste plano, elevai aplicá-las à re-alidade do pacien-te, por meio dasintervenções far-macêuticas. Nestecontexto, o diálo-go vai facilitar oestabelecimentodas relações entre

paciente e farmacêutico, num proces-so simétrico de troca de informações.Ou seja, nesse processo, o conheci-mento científico do farmacêutico nãoé mais importante que o conhecimentoempírico adquirido pela vivência dopaciente. Eles são complementares.

PHARMACIA BRASILEIRA -Essa complementaridade que o senhordesenvolveu e está propondo tem queefeito direto sobre o tratamento?

Divaldo Lyra Júnior - A partir domomento em que o paciente se senterespeitado e toma consciência de suaimportância enquanto agente da pró-pria saúde, ele passa a cuidar melhorde si. E isso tem um efeito positivo di-reto sobre a sua saúde.

PHARMACIA BRASILEIRA -Como o senhor avalia a comunicaçãonos procedimentos farmacêuticos, noBrasil, neste momento em que a aten-ção farmacêutica dá sinais de começara se fortalecer?

Divaldo Lyra Júnior - A bem daverdade, os profissionais não vêmsendo formados com os conhecimen-tos humanísticos necessários ao de-senvolvimento das habilidades decomunicação. Em meu ponto de vis-ta, tanto as farmácias do SUS, quan-to as farmácias-escola deveriam sermelhor utilizados para a vivência darealidade social e para a prática dacomunicação com o paciente. O co-nhecimento teórico é fundamental,mas a prática é vital.

PHARMACIA BRASILEIRA - O

senhor acha, então, que não há ne-nhum método de comunicação farma-cêutico/paciente formulado, organiza-do, no Brasil?

Divaldo Lyra Júnior - Não, nãoexiste. O que se faz, no País, é pura-mente instintivo e comparável ao queos boticários faziam, antigamente.

PHARMACIA BRASILEIRA -Então, os farmacêuticos vão para a“batalha” diária do balcão, sem as ar-mas da comunicação?

Divaldo Lyra Júnior - Exatamen-te. O modelo tecnicista utilizado para aformação dos profissionais os afastada realidade. O conhecimento é funda-mentado unicamente na Farmacologiaou em outros conhecimentos afins. Osprofissionais que não têm formaçãoclínico- humanística são jogados à purasorte. O conjunto de todos esses co-nhecimentos é que constituirão o far-macêutico do futuro.

PHARMACIA BRASILEIRA -Mas as Diretrizes Curriculares, apro-vadas, em 2001, prevêem isso – o com-ponente humanístico na formação dofarmacêutico. O senhor tem esperan-ças em que essas mudanças atinjamum ponto tal que privilegiem a comu-nicação farmacêutico/paciente?

Divaldo Lyra Júnior - Na verda-de, a gente está vivendo um momentopolítico propício a mudanças. Faz unsoito anos que estamos vivendo um mo-mento de recuperação do papel socialdo farmacêutico. Entendo que as dire-trizes curriculares acompanham esteprocesso de transformação.

Entretanto, nos órgãos de fomen-to e nas universidades, ainda há pre-conceito com a área clínico-humanísti-ca. Estou dizendo que no modelo tec-nicista o foco de atuação é o medica-mento e, no clínico-humanístico, poroutro lado, é o paciente. Dentro destecontexto, o farmacêutico volta a se re-conhecer como profissional de saúde,o que tem um impacto social importan-te para a população.

Na situação atual, as reformas cur-riculares ainda estão acontecendo, deuma forma muito tímida, o que, semdúvida, não está privilegiando o de-senvolvimento dos conhecimentos e

habilidades necessários à comunica-ção com o paciente.

PHARMACIA BRASILEIRA - Osenhor está deixando claro que existeum gargalo de dificuldades, uma lacu-na, no ensino farmacêutico, exatamentena comunicação farmacêutico/paciente,a qual considera uma ferramenta impres-cindível para a efetividade do tratamen-to. Por que isso está acontecendo?

Divaldo Lyra Júnior - Acreditoque há necessidade de investimentomaciço na formação de professoresqualificados para esta área. O investi-mento deveria vir das universidades,das entidades farmacêuticas e dos Mi-nistérios da Saúde e da Educação. OsMinistérios deveriam oferecer bolsas

de mestrado e de doutorado que fos-sem empregadas em trabalhos realiza-dos no próprio SUS. Essa contraparti-da social poderia elevar o papel do far-macêutico como profissional da saúdenecessário à sociedade.

PHARMACIA BRASILEIRA -Comunicação e interdisciplinaridadetêm algo em comum?

Divaldo Lyra Júnior - O farma-cêutico passou muito tempo fora docontato com o paciente. Isso, de umcerto modo, criou barreiras, atrofiandoas suas habilidades de comunicaçãocom o paciente. Integração com outrosprofissionais de saúde que praticamesses cuidados, no seu dia-a-dia, podeminimizar essas barreiras e facilitar oprocesso de relação terapêutica.

Só para exemplificar, em 2003, aAssociação Americana dos Farmacêu-ticos do Sistema de Saúde se aliou à

“A comunicação éum instrumentoessencial notrabalho dofarmacêutico e napromoção da saúde.Nos meus estudos(para o doutorado,na USP), eu adapteio método de PauloFreire nasintervenções juntoaos pacientes idososatendidos no SUS”.

Farmacêutico comunicando-se com paciente

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ENTREVISTA / DIVALDO LYRA JÚNIOR“A bem da

verdade, osfarmacêuticos não

vêm sendoformados com os

conhecimentoshumanísticos

necessários aodesenvolvimento

das habilidades decomunicação com

o paciente”.

Associação deEnfermeiros da-quele País, como objetivo deaperfeiçoar ashabilidades dofarmacêutico emcuidar do paci-ente, obviamen-te, dando a de-vida importânciaà comunicação.

P H A R -MACIA BRASILEIRA - Os estudiososafirmam que o paciente de hoje é muitomais bem informado sobre a sua pró-pria saúde, que os de algum tempoatrás, devido ao seu acesso fácil aosmeios de comunicação. Isso altera paramelhor a comunicação desse pacientecom farmacêutico?

Divaldo Lyra Júnior - Apesar dafacilidade de acesso à informação e domaior auto-cuidado por parte do paci-ente, ainda, há muitas lacunas em suatroca de informações. A principal de-las está ligada à falta de preparação doprofissional com relação ao entendi-mento das necessidades, preocupa-ções, angústias, história de vida e as-pectos culturais desses pacientes.

O paciente, por mais bem informa-da que seja, terá sempre dúvidas sobreo seu tratamento e que, por muitas ve-zes, não são expostos, por razões cultu-rais ou religiosas, entre outras. Cabe, por-tanto, ao farmacêutico facilitar o diálo-go com o paciente e explorar o máximopossível as suas dúvidas.

PHARMACIA BRASILEIRA – Osenhor está dizendo que a comunica-ção independe do nível de informaçãodo paciente?

Divaldo Lyra Júnior - O conheci-mento vivido do paciente, na maioriadas vezes, já o faz ter uma percepçãodos seus problemas relacionados aosmedicamentos que lhe causam danosà saúde e as metas a serem alcança-das. Ninguém deve duvidar que o pa-ciente, mesmo aquele que não tem aces-so a informações originadas de livrosou de meios de comunicação de mas-sa, sabe questionar sobre a sua saúde.

Ele sempre terá uma vivência e éela que pesa, nesse momento de ques-tionamento. Trinta por cento dos pro-blemas relacionados aos medicamen-tos (PRM), no meu estudo, foram iden-tificados pelos próprios pacientes. Es-ses números são superiores a um tra-balho semelhante, realizado, na Sué-cia, onde os níveis cultural e de infor-mação da população são muito altos.Lá, eles usaram a intervenção mais tec-nicista e eu, um tipo de intervençãoque visa à autonomia do paciente eestimula o auto-cuidado do paciente.

PHARMACIA BRASILEIRA -Como o senhor avalia essas informa-ções sobre saúde que são transmiti-das ao cidadão pelos jornais, revistas,rádio, televisão, Internet, certos livros,outdoors etc.?

Divaldo Lyra Júnior – Sem dúvi-da, este é um problema muito comple-xo, visto que as informações transmiti-das por estes meios de comunicaçãosão de qualidade duvidosa e, na maio-ria das vezes, tendenciosas. Em geral,tais informações criam uma ilusão so-bre os medicamentos, fazendo os usu-ários pensarem que se estes não fize-rem bem, mal também não farão. Comoconseqüência, há um estímulo à auto-medicação e ao uso indiscriminado demedicamentos.

Entretanto, observamos que, narealidade, os medicamentos são os prin-cipais causadores de intoxicações, noPaís, desde 1996. Muito embora estatemática tenha sido bastante discuti-da, no início da década passada, com aprodução de uma literatura consisten-te e esclarecedora, e a Anvisa tenhafeito algumas incursões, no sentidoregulamentar a propaganda, promoçãoe informação sobre os medicamentosnos meios de comunicação, não hácomo prever mudanças significativasneste setor, em curto prazo.

Para ser sincero, acredito que,devido ao grande prejuízo que estaspropagandas causam à saúde da po-pulação e ao sistema de saúde, comum número absurdo de hospitaliza-ções, elas deveriam ser proibidas, comofoi feito com o cigarro. Acho isso, por

que regulamentações, nesta área, sãosujeitas à burla, principalmente, por quea indústria farmacêutica não entendeque os medicamentos são instrumen-tos de saúde e não bens de consumo.Enquanto isto não acontece, o farma-cêutico tem um papel determinante naorientação correta aos pacientes, na mi-nimização das dúvidas causadas pe-los meios de comunicação e na redu-ção dos problemas relacionados aosmedicamentos.

PHARMACIA BRASILEIRA - Oque mais chamou a sua atenção comresultado dos seus estudos?

Divaldo Lyra Júnior - Que o far-macêutico tem que estar muito bempreparado para a nova realidade quese lhe apresenta e que o paciente podeser um aliado importante na manuten-ção da saúde.

PHARMACIA BRASILEIRA -Onde o farmacêutico mais erra, quan-do está se comunicando com o paci-ente? Onde mais acerta?

Divaldo Lyra Júnior - Como amaioria dos profissionais de saúde, ofarmacêutico costuma errar, ao não es-cutar o que o paciente tem a dizer, ouseja, não valoriza as informações for-necidas pelos pacientes. É importanteesclarecer que ouvir é diferente de es-cutar. Ouvir é captar ou perceber ossons, enquanto que escutar é ouvir, comatenção, com interesse, buscando real-mente tentar dirimir todas as suas dúvi-das e encontrar soluções que sejam apli-cáveis à realidade decada paciente.

Para tanto, ofarmacêutico deveprocurar entenderquais as reais neces-sidades e preocupa-ções de cada pacien-te, respeitando o serindividual, seu nívelde escolaridade, asua cultura e histó-ria de vida. O pacien-te, por sua vez, quepercebe que o farma-cêutico não está pre-ocupado com a sua

“Na verdade, agente estávivendo ummomento políticopropício amudanças. Fazuns oito anosque estamosvivenciando ummomento derecuperação dopapel social dofarmacêutico”.

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ENTREVISTA / DIVALDO LYRA JÚNIOR

melhora, sente-se inibido a perguntare, em alguns casos, permanece com dú-vidas importantes que podem ter vin-do do consultório médico, sobre o usoou o armazenamento correto dos me-dicamentos.

Portanto, o farmacêutico deve ser,mais que um clínico, um educador emsaúde e um amigo do paciente. Nestesentido, é importante fustigar sempreos pacientes, para que esgotem todasas suas dúvidas, pois todas as pergun-tas são importantes para o uso corretodos medicamentos e para a manuten-ção da boa saúde.

Muitos colegas acertam, ao ten-tar, em suas farmácias, mesmo semqualquer tipo de formação, realizar es-tes processos de comunicação com ospacientes. A população está muito ca-rente de informações, e tentar estabe-lecer a comunicação com o paciente éuma atitude importantíssima para amanutenção e promoção da saúde.

Entretanto, creio que a comuni-cação adequada é um processo muitomais complexo que se imagina e quenão deve ser realizado apenas instinti-vamente, ou seja, os profissionais ne-cessitam, cada vez mais, de se aperfei-çoar para prestar um serviço inovadore que atenda às reais demandas dapopulação.

Em meu ponto de vista, este aper-feiçoamento não deve ser restrito uni-camente à teoria, mas necessariamen-te aplicado à prática. Além disso, en-tendo que os processos de comunica-ção que fundamentarão as relaçõesfarmacêutico-paciente devem ser hu-manizados, não podendo ser proces-sos mecânicos e “desprovidos de sen-timentos”. Caso contrário, continuare-mos a cometer os mesmos erros.

PHARMACIA BRASILEIRA -Esses erros refletem diretamente emque aspecto do tratamento? Pode darum exemplo?

Divaldo Lyra Júnior - Em minhapesquisa, eu atendi idosos que apre-sentaram uma média de quatro doen-ças e que usaram cerca de nove medi-camentos, concomitantemente. Então,se eu olhasse isoladamente uma únicadoença, e não o paciente como umtodo, não conseguiria perceber o seucontexto.

Por exemplo, quando um pacien-te chega à farmácia com hipertensão, aatitude normal do profissional é tentarpersuadi-lo a aderir ao tratamento anti-hipertensivo prescrito, sem procurar,na maioria das vezes, saber quais asverdadeiras razões que o fizeram nãotomar seus medicamentos.

Às vezes, um efeito colateral,como a impotência sexual causada pormedicamento que efetivamente contro-la a sua pressão arterial, pode ter con-seqüências graves em sua vida conju-gal e na sua auto-estima. Ao entendero seu contexto, o farmacêutico podetentar conscientizar o paciente sobre aimportância de relatar os problemas desaúde que o afligem, ao invés de agirdeliberadamente, sem orientação.

Pude observar que esta troca deinformações pode ser tão importante,quanto a maioria dos medicamentosprescritos. Explicando melhor, o farma-cêutico e o paciente podem formar umaaliança sólida, fundamentada nos co-nhecimentos científico e empírico, res-pectivamente, para discutir, por exem-plo, com o médico a substituição domedicamento que causa o problema.

Após um ano de trabalho, estaaliança (ou relação) resolveu cerca de75% dos problemas relacionados aosmedicamentos identificados. Inclusive,os prescritores aceitaram 86% das in-tervenções, proporcionando aos ido-sos mais segurança e confiança no seuconhecimento. Além disso, 87% dosidosos apresentaram redução em suapressão arterial.

Os resultados obtidos não foramfruto de mais um processo mecânico,

mas de uma re-lação terapêuti-ca, construídapelo farmacêuti-co e o paciente,baseada nos pi-lares do respei-to mútuo, novínculo de con-fiança, na igual-dade de papéise na troca con-tínua de experi-ências. O farma-cêutico passa ater uma preocu-pação sincerapelo paciente,sentido-se ver-dadeiramenteresponsável pela sua saúde e por suaqualidade de vida. Em suma, esta rela-ção é humanizada e “rola” sentimento.

PHARMACIA BRASILEIRA - Oque um farmacêutico jamais deve deixarde fazer, com vistas a estabelecer umacomunicação proveitosa com o pacien-te? E o que é imprescindível fazer?

Divaldo Lyra Júnior - Além deescutá-lo, como já falei anteriormente,deve tentar falar a sua língua, quer di-zer proporcionar o máximo de informa-ções possíveis, empregando palavrase expressões compatíveis à realidadede cada paciente. Pude perceber quequando os profissionais de saúde (in-cluindo o farmacêutico) empregaram alinguagem fundamentada em aspectostécnico-científicos, muito pouco foicompreendido pelos pacientes.

Segundo os mesmos, este tipo delinguagem é incompreensível para asuas realidades. O que é pior e que, emdeterminadas situações, a compreen-são inadequada pode causar proble-mas sérios de saúde. Por exemplo, umapaciente relatou que estava usando umdeterminado anti-hipertensivo e nãoestava sentindo-se bem. Perguntei,então, o por quê do uso do medica-mento, já que a mesma apresentavanaturalmente hipotensão.

Pois bem, o problema é que omarido falou para ela que o medicamen-

“O farmacêuticopassou muitotempo fora docontato com opaciente. Issocriou barreiras,atrofiando assuas habilidadesde comunicaçãocom o paciente. Aintegração comoutrosprofissionais desaúde quepraticam essescuidados podeminimizar essasbarreiras”.

Dr. Divaldo orienta paciente idosa

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ENTREVISTA / DIVALDO LYRA JÚNIOR

to era muito bom para a pressão. Ouseja, alta ou baixa, para um leigo, é ummero detalhe. Por essa razão, é neces-sário que o farmacêutico sempre con-firme o entendimento do paciente, pe-dindo ao mesmo que repita todas asorientações fornecidas. Este procedi-mento é indispensável para ratificar acompreensão, haja vista que os ido-sos também apresentam déficits audi-tivos e visuais que, de algum modo,podem ser barreiras no processo decomunicação.

Nos casos em que alguns paci-entes apresentaram déficits cognitivos(como o esquecimento), comuns emmuitos idosos, foi necessário comple-mentar as orientações com informa-ções escritas. Para isso, elaboramos

materiais individu-alizados que res-peitassem as ne-cessidades de cadaindivíduo, com asinformações refe-rentes às dúvidasmais freqüentes dopaciente, como,por exemplo, a fun-ção de cada um dosmedicamentos utili-zados, seus riscose até o local ade-quado de armaze-namento.

Por outro lado,apesar de que sa-ber que uma salaprivativa ainda não

seja comum, na maioria dos ambientesde prática profissional, em nosso País,acredito que o ambiente privativo ade-quado e a atmosfera do atendimentosejam determinantes para a construçãodas relações de confiança entre o far-macêutico e o paciente. Logo, temosque tomar novas posturas, buscar for-mação e exigir a estrutura adequadapara conquistarmos este espaço, poisa população se ressente da falta desse“novo profissional” nas farmácias, am-bulatórios e hospitais. Se não tomar-mos uma atitude, outros profissionaispoderão ocupar o nosso lugar.

“O farmacêuticodeve procurar

entender quaisas reais

necessidades epreocupações de

cada paciente,respeitando o ser

individual, seunível de

escolaridade, asua cultura e

história de vida”.

INTERNACIONAL

Fepafar volta adiscutir atenção

farmacêutica nasAméricasVice-presidente do CFF,Edson Taki, participouda reunião da Fepafar

O Vice-presidente do Con-selho Federal de Farmácia(CFF), Edson Chigueru Taki,participou, em Santo Domin-go, na República Dominica-na, no dia 17 de março, dareunião da Executiva da Fe-deração Pan-americana deFarmácia (Fepafar). A imple-mentação da atenção farma-cêutica, nos países latinos,voltou a fazer parte dos de-bates da entidade.

O Dr. Edson Taki, que par-ticipou da reunião, represen-tando o CFF e os farmacêu-

ticos brasileiros, informa que a Fepafar irá passar por umareestruturação orgânica, momento que as novas ações daentidade serão rediscutidas, com vistas a dar maior objeti-vidade às mesmas e a buscar conseqüências positivas paraos profissionais, principalmente da América Latina.

Durante o evento, decidiu-se que o próximo Con-gresso da Fepafar será realizado, na Cidade do México(México), na última semana de novembro de 2006. “Que-remos aprofundar as discussões sobre as ações possí-veis da entidade para os países americanos e elaborarprogramas factíveis, principalmente na área do intercâm-bio científico entre os profissionais”, concluiu o Vice-presidente do CFF.

Vice-presidente do CFF, Edson Taki