comunicacao desenvolvimento sustentabilidade

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Os textos que compõem este livro têm em comum a reflexão sobre a temática do desenvolvimento e da sustentabilidade. Tratam-se de temas incontornáveis no estudo das relações que hoje se estabelecem, continuamente, entre organizações e públicos, numa sociedade em rede e fortemente mediatizada. Inclusão social e digital, cidadania e participação, responsabilidade social e ambiental, são os principais conceitos que se cruzam e interpelam ao longo dos onze capítulos aqui reunidos, da autoria de investigadores portugueses e brasileiros.Este livro constitui o 2º volume da coleção Relações Públicas e Comunicação Organizacional – Dos fundamentos às práticas, que visa promover uma reflexão crítica alargada às diversas teorias, manifestações e aplicações das relações públicas e da comunicação organizacional na contemporaneidade.

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    Gisela Gonalves & ngela Felippi (org.)

    Comunicao, Desenvolvimento eSustentabilidade

    Coleo Relaes Pblicas eComunicao Organizacional

    (vol. 2)

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    Livros LabComCovilh, UBI, LabCom, Livros LabComwww.livroslabcom.ubi.ptDIREOJos Ricardo CarvalheiroSRIEComunicao EstratgicaDESIGN DE CAPAMadalena SenaPAGINAOFilomena MatosISBN978-989-654-177-4 (Papel)978-989-654-179-8 (pdf)978-989-654-178-1 (epub)DEPSITO LEGAL383688/14TIRAGEMPrint-on-demandTTULOComunicao, Desenvolvimento e SustentabilidadeCOLEORelaes Pblicas e Comunicao Organizacional:dos fundamentos s prticas (vol. 2)EDITORESGisela Gonalves & ngela Felippi (org.)ANO2014

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    ndice

    Apresentao da Coleo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Introduo

    Gisela Gonalves e ngela Felippi . . . . . . . . . . . . . . . 3

    O papel dos Relaes Pblicas na Comunicaopara o DesenvolvimentoAntonio Heberl . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    Comunicao organizacional (re)significada pelascooperativas de economia solidria: um novo olharpara o planejamento estratgico de comunicaoCaroline Delevati Colpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

    Sustentabilidade & Negcio: o caso do MicrocrditoMaria Joo Nicolau dos Santos & Celma Padamo . . . . . . . 33

    Relaes pblicas no terceiro setor: o caso da associao de pais eamigos dos excepcionais (APAE) de Santa Cruz do Sul/BrasilElizabeth Moreira, Fabiana Pereira & Grazielle Brandt . . . . 61

    Participao e sustentabilidade na comunicaoestratgica e organizacionalAna Duarte Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

    Sustentabilidade ambiental nas empresas ecomunicao organizacional estakeholders: que relao e vantagens?Ana Margarida Lopes Fernandes & Sandra Lopes Miranda . 99

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    Comunicao, sade e cidadania no BrasilInesita Soares de Araujo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

    Para uma reconfigurao da publicidade na sociedadeSara Balonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

    Juventude, incluso digital e redes sociaisMaria Salett Tauk Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

    O papel da comunicao na motivao dos pblicos seniores nasorganizaesFrancisco Costa Pereira & Damasceno Dias . . . . . . . . . . 159

    Redes telemticas e a comunicao para o desenvolvimento: o casodo OBSERVA-DRngela Felippi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175

    Nota sobre os autoresComunicao, Desenvolvimento e Sustentabilidade . . . . . . 189

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    Apresentao da Coleo

    A Coleo Relaes Pblicas e Comunicao Organizacional Dos funda-mentos s prticas visa promover uma reflexo crtica alargada s diversasmanifestaes e aplicaes das relaes pblicas e da comunicao organiza-cional que por vias diversas intervm nos vrios domnios da atividade hu-mana e organizacional. Classicamente posicionada no mbito dos estudos emcincias da comunicao, a investigao em relaes pblicas e comunicaoorganizacional apresenta, cada vez mais, uma identidade interdisciplinar, nocruzamento com outras reas do saber, com especial nfase para as cinciassociais e econmicas. Paralelamente, tambm a prtica contempornea dasrelaes pblicas tem vindo a enfatizar uma aproximao multidisciplinar aosaber fazer, afirmando-se hoje como uma atividade profissional legtima e re-levante nas mais diversas organizaes da sociedade.

    Esta coleo apresenta diferentes faces da investigao no campo das re-laes pblicas e da comunicao organizacional, assim como, uma reflexosobre questes associadas sua prtica profissional no Brasil e em Portugal,decorrentes dos respectivos contextos culturais, polticos e socioeconmicos.Alm de contribuir para o avano da investigao e reflexo terica, o conjuntode textos aqui reunidos ambiciona oferecer um relato das relaes pblicas eda comunicao organizacional na contemporaneidade.

    Organizada em 4 volumes, a coleo rene textos de diferentes autores--colaboradores portugueses e brasileiros. O 1o volume, intitulado Relaespblicas e comunicao organizacional: fronteiras conceptuais, dedicadoaos fundamentos epistemolgico e ontolgico deste campo disciplinar, cla-ramente multi e interdisciplinar. No 2o volume, a nfase colocada na dia-ltica entre Comunicao, desenvolvimento e sustentabilidade, sempre nafronteira e em dilogo com os estudos de relaes pblicas e comunicaoorganizacional. O 3o volume, Novos media e novos pblicos incide sobreas novas formas de fazer e pensar os relacionamentos com os diferentes atoressociais, ao nvel empresarial, institucional e poltico. J no 4o e ltimo volumeda coleo so discutidos diferentes e pertinentes Interfaces da comunicaocom a cultura".

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    2 Comunicao, Desenvolvimento e Sustentabilidade

    Um breve comentrio relativo poltica editorial. Respeitam-seas vozes de cada um dos autores, no uso do portugus do Brasilou de Portugal. tambm da responsabilidade de cada autor-colaborador a referenciao bibliogrfica, assim como a obtenodo direito de replicao de imagens ou textos.

    A coleo editada on-line, em papel e e-pub, pelo LabCom, edi-tora sediada na Universidade da Beira Interior, Covilh, Portugal.

    www.labcom.ubi.pt

    www.livroslabcom.ubi.pt

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    Introduo

    Gisela Gonalves e ngela Felippi...

    Apesar da diversidade de interesses e aproximaes que norteiam a Co-leo Relaes Pblicas e Comunicao Organizacional Dos fundamentoss prticas, os textos que compem este volume tm algo em comum: a refle-xo sobre a temtica do desenvolvimento e da sustentabilidade. Tratam-se detemas incontornveis no estudo das relaes que hoje se estabelecem, continu-amente, entre organizaes e pblicos, numa sociedade em rede e fortementemediatizada.

    Incluso social e digital, cidadania e participao, responsabilidade so-cial e ambiental, so alguns dos conceitos relacionados com o tema do de-senvolvimento e sustentabilidade que se cruzam e interpelam ao longo dosnove captulos aqui reunidos. A importncia de envolver todos os parceirossociais (empresas, governos, sociedade civil) na discusso sobre as polticassociais e ambientais h muito que se encontra na agenda internacional. Nocaso europeu, em especial, so vrios os marcos na defesa do Desenvolvi-mento Sustentvel e da Responsabilidade Social Empresarial que continuamat hoje a ecoar no espao pblico. Destaque-se, por exemplo, o RelatrioBrundtland (1987), Our common future, ou o Livro Verde da ComissoEuropeia (2001). O primeiro deu voz viso crtica do modelo de desenvolvi-mento adoptado pelos pases industrializados e reproduzido pelas naes emdesenvolvimento, apontando os riscos de esgotar os recursos naturais ao secontinuar com os elevados padres de produo e de consumo. O Livro Verdeda Comisso Europeia tambm veio propulsionar o debate sobre responsabi-lidade social empresarial: um conceito segundo o qual as empresas decidem,numa base voluntria, contribuir para uma sociedade mais justa e para umambiente mais limpo (2001).

    A temtica do desenvolvimento e da sustentabilidade no pode ser abor-dada sem uma viso alicerada no social, nas redes de relaes e assimetriasque se encontram no seio da sociedade e no papel da comunicao para asmitigar. Portanto, a comunicao, incluindo as Relaes Pblicas, tm que

    Comunicao, Desenvolvimento e Sustentabilidade , 3-7

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    4 Gisela Gonalves e ngela Felippi

    superar o seu papel instrumental para se elevar a um lugar de viabilizadorade processos comunicacionais que deem voz aos distintos segmentos e gru-pos sociais, numa perspectiva participativa, horizontal e plural. Ao longo dedcadas, especialmente nos Pases perifricos, a comunicao para o desen-volvimento amparou processos que intensificaram as assimetrias sociais, masnos ltimos anos, tm surgido experincias e reflexes no sentido contrrio,inclusive a partir da emergncia da preocupao com a sustentabilidade, sejaambiental, social ou mesmo econmica.

    No conjunto de textos a seguir apresentados pode-se desde j realar a op-o de muitos dos autores adoptarem uma perspetiva que vai alm do mundoempresarial. Apesar de reconhecerem as ligaes esfera empresarial, ori-ginal a apresentao de estudos que providenciem uma viso mais alargadadas relaes pblicas e da comunicao organizacional no que sustentabili-dade e desenvolvimento diz respeito. Ao longo do volume podemos encontrarreflexes sobre o papel das empresas na sustentabilidade social e ambiental,mas tambm anlises da comunicao desenvolvida no mbito dos governose do 3o sector, ou na pareceria com instituies da sociedade civil.

    Esse o caso dos quatro primeiros textos deste volume. Antnio Heberl,da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (EMBRAPA, Brasil), de ca-rter governamental, pensa o papel do relaes pblicas no contexto da co-municao para o desenvolvimento nas instituies pblicas, reivindicando aincorporao da preocupao com a interao social e a alteridade nas prticasdesse profissional. O autor sublinha o lugar da comunicao como estratgiapara o desenvolvimento, conclama uma busca pelo receptor e atenta para ofato da comunicao ser mais do que os meios.

    Caroline Delevati Colpo, da Universidade Feevale (Brasil), segue comuma reflexo que questiona a forma como as cooperativas de economia solid-ria permitem um novo olhar para o planeamento estratgico da comunicao.A partir do paradigma terico da complexidade, a investigadora defende queem organizaes de economia solidria, a comunicao organizacional pre-cisa ser (re)inventada e (re)construda constantemente, pois como os sujeitosinteragem mais pelas suas relaes sociais do que pelas relaes econmicas,o processo comunicativo muito mais conflituante.

    O microcrdito, um instrumento que potencia a incluso social atravs doacesso ao crdito, encontra-se no centro do ensaio seguinte, intitulado Sus-tentabilidade & Negcio: o caso do Microcrdito, da autoria de Celma Pa-

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    Comunicao, Desenvolvimento e Sustentabilidade: Introduo 5

    damo Salamene, do Instituto de Novas Profisses de Lisboa e Maria JooNicolau dos Santos, da School of Economics and Business Management (Uni-versidade de Lisboa). As investigadoras portuguesas apresentam a experinciado micro empreendedorismo em Portugal e refletem sobre como as relaespblicas podem contribuir para a difuso do microcrdito, atravs de um olharcrtico sobre questes que envolvem a relao entre a comunicao, desenvol-vimento e a sustentabilidade.

    A equipa de investigadoras da UNISC (Santa Cruz, Brasil), Elizabeth Hu-ber Moreira, Fabiana da Costa Pereira e Grazielle Betina Brandt, tambmrefletem sobre a atuao profissional do relaes pblicas mas, desta vez, nocampo do terceiro sector no Brasil. Atravs da apresentao do estudo de casoAssociao de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) demonstram a ine-xistncia de um planeamento estruturado de relaes pblicas mas identificame sublinham a potencialidade das aes comunicacionais desenvolvidas.

    O conceito de sustentabilidade central reflexo apresentada nos doiscaptulos que se seguem, ainda que desde perspectivas diferentes. Ana DuarteMelo, investigadora do CECS Centro de Estudos de Comunicao e Socie-dade, da Universidade do Minho (Braga, Portugal) procura demonstrar comoa participao dos stakeholders, sejam eles clientes, cidados ou fs, constituium factor essencial para a sustentabilidade dos prprios processos comunica-cionais, nas mais diversas organizaes. Numa lgica mais prxima de gestoda comunicao, Ana Margarida Lopes Fernandes e Sandra Lopes Miranda,do CIES-IUL/ISCTE IUL, revisitam teoricamente os pilares da responsabi-lidade social empresarial, para discutirem as vantagens acrescidas, tanto paraas organizaes como para os seus stakeholders, associadas comunicao dasustentabilidade ambiental.

    Este volume coloca no centro da discusso da comunicao, desenvol-vimento e sustentabilidade o conceito de cidadania, aqui perspectivado narelao com o direito comunicao, tanto no sentido do acesso ao conhe-cimento, como especialmente no direito de expresso. Num mundo saturadode informaes que circulam em escala global, faz-se urgente a discusso dosfluxos da comunicao, dada a hegemonia do mercado sobre os media e oscontedos.

    Ainda que seja transversal a todas as reflexes apresentadas neste volume,o conceito de cidadania especialmente evidenciado nos dois captulos quese seguem. Inesita Soares de Arajo, investigadora da Fundao Oswaldo

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    6 Gisela Gonalves e ngela Felippi

    Cruz (Brasil), debate o tema Comunicao, Sade e Cidadania no Brasiltendo como ponto de partida o princpio de que o direito comunicao inseparvel do direito sade. Por meio da reflexo sobre a linguagem e ossentidos que constitui, a autora relaciona o direito do dizer ao de se tornarvisvel. Olhando para o conceito de cidadania a partir da esfera publicitria,Sara Balonas investigadora do CECS Centro de Estudos de Comunicaoe Sociedade, da Universidade do Minho (Braga, Portugal), prope uma novaforma de olhar para a publicidade, que v alm de uma viso de marketingou de apelo ao consumo. A investigadora apresenta a tese optimista de que apublicidade um meio essencial para organizar o social, no apelo cidadaniae promoo da sustentabilidade ambiental e social.

    Apesar de polissmico e passvel de ser utilizado em contextos diferentese em referncia a questes sociais variadas, o conceito de incluso social basilar quando se debate o desenvolvimento social. exatamente esse o ob-jectivo da pesquisadora brasileira Maria Salett Tauk Santos, da UniversidadeFederal Rural de Pernambuco, ao apresentar uma reflexo sobre o potencialde incluso social dos jovens de zonas rurais, atravs das redes sociais. O seuestudo demonstra, no entanto, que as possibilidades que a tecnologia oferecee as condies materiais concretas de apropriao da tecnologia, no caso con-creto dos jovens da Regio Agreste de Pernambuco, ainda fica muito aqumdas suas reais possibilidades.

    Conduzindo-nos agora para o territrio empresarial, o texto de FranciscoCosta Pereira e de Damasceno Dias, da Universidade Lusfona (Lisboa, Por-tugal) levanta questes de incluso social relacionadas com os pblicos se-niores ativos. No texto O papel da comunicao na motivao dos pblicossniores nas organizaes, os investigadores portugueses pretendem demons-trar como os pblicos seniores, detentores de um vasto conhecimento tcitoligado uma vida profissional longa, devem ser geridos tendo em vista o seupotencial de testemunho junto dos pblicos mais jovens em relao dimen-so simblica da cultura organizacional onde esto imersos.

    Por ltimo, mas no menos importante, fechamos este volume com o textode ngela Felippi, investigadora sediada na UNISC (Brasil), especializada narea do desenvolvimento regional. Com o texto Redes Telemticas e a comu-nicao para o desenvolvimento: o caso do OBSERVA-DR, a pesquisadoraapresenta o interessante caso de construo colectiva e interdisciplinar de umportal do Observatrio do Desenvolvimento regional, assim como da sua pre-

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    Comunicao, Desenvolvimento e Sustentabilidade: Introduo 7

    sena nas redes sociais. Com o texto, prope o debate em torno da relaoentre as tecnologias da comunicao e da informao e a difuso cientfica,como um desafio para pesquisadores e comunicadores, tendo presente a pers-pectiva de desenvolvimento que essa relao deve envolver.

    Com o conjunto de textos agora apresentados, tecido num dilogo en-tre pesquisadores brasileiros e portugueses, convidamos os leitores para umacompreenso mais complexa e completa da teoria e prtica das relaes pu-blicas e da comunicao organizacional, em relao s questes do desenvol-vimento e sustentabilidade. Saber se alcanmos ou no o nosso objectivo asi, caro leitor, que compete responder.

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    O papel dos Relaes Pblicas na Comunicaopara o Desenvolvimento

    Antonio HeberlEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    Resumo: Discute-se a funo dos profissionais de relaes pblicas nocontexto da comunicao para o desenvolvimento e advoga-se que asua atuao se amplia quando atua em instituies pblicas de Estado.Fala-se de uma operao aparentemente inversa na atuao profissional,de colaborar na identificao dos problemas e inserir no seu processoprodutivo a preocupao com a interao social e a alteridade. Trata-se de um olhar mais atento para a comunicao humana, para almdas tcnicas, ao observar a sensibilidade das trocas que podem promo-ver um desenvolvimento equitativo da sociedade, superando a propostanormativa de apenas informar os pblicos. Trata-se das atitudes em co-municao, a partir das quais se definem as formas de interagir com ossujeitos sociais.

    Palavras-chave: relaes pblicas, comunicao, desenvolvimento, al-teridade.

    Do mundo da tcnica para a visada da interao

    O Foco das atividades profissionais diante de um mundo em transio temsido objeto de apreciao e discusso no meio acadmico nos ltimosanos. Refere-se tambm ao papel e ao funcionamento dos dispositivos comu-nicacionais na sociedade, suas operaes e consequncias. Isto se deve emparte dificuldade de se perceber os impactos e a capacidade de penetrao ede acoplamento das novas tcnicas ao comportamento humano. Praticamentetodas as recentes anlises levam a teorias que tentam explicar esses ajustese tenses. Porm, suspeitamos que tais teorias, baseadas na explicao dosefeitos das tcnicas, ao reagirem a esse mundo dado, deixem de lado o prin-cipal mote, que perceber o campo da comunicao como um fator social.

    Comunicao, Desenvolvimento e Sustentabilidade , 9-20

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    10 Antonio Heberl

    Mais do que isso, talvez deixem margem tambm a possibilidade de pensara comunicao como estratgica para o desenvolvimento da sociedade.

    Ainda como consequncia da forma linear de pensar a comunicao, oscomunicadores passaram a ser treinados para atender a esta viso instrumen-tal, demarcada pelo uso intensivo das tecnologias na relao com a sociedade.A matriz mental contempornea da comunicao tem relegado ao comunica-dor social, em muitos casos, o papel de mero utilizador de meios tcnicos ereprodutor dos contedos emanados pelos campos sociais de onde partem es-tes discursos. A comunicao tem dificuldade em enfrentar o seu social eno sua tradio subsidiar a discusso desse conceito para orientar a formade agir dos comunicadores.

    Assoberbado para entender as tcnicas e ao formalismo profissional, muitacoisa deixada margem do mundo acadmico e do trabalho. As prticasrefletem essa operao, basta uma breve anlise dos currculos das Universi-dades, no rastro da esfera online, para se identificar que falta nas escolas acomunicao da e com a sociedade. Para olhar o social da comunicaoos cursos teriam que aprofundar contedos relativos democratizao, res-ponsabilidade social e s agendas de aes pblicas e entender as presses degrupos de poder, ou mesmo as tenses deontolgicas e ticas que envolvem aatuao dos comunicadores. Uma explicao convencional pode ser a de quea comunicao geralmente agendada para a sociedade e isso justifica opapel relevante atribudo aos meios tcnicos.

    As habilitaes que formam para a comunicao social, tambm v-seno turbilho deste fenmeno. Indiscutvel observar a funo estratgica e acontribuio do relaes pblicas, por exemplo, para o bom desempenho dasorganizaes no relacionamento e interao com seus pblicos. Tal intera-o, pragmaticamente, refere formas de afetar comportamentos, que reque-rem habilidades especficas no sentido de alcanar os objetivos de melhorarcontinuamente a imagem institucional e o clima interno.

    Neste cenrio conceitual, tratar de comunicao para o desenvolvimentopode parecer estranho e utpico. Entretanto, consideramos que pensar o quese faz em comunicao to importante quanto realiz-la, desde que a enten-damos como ato de interao social. Assim pensada, a comunicao precisacompreender como acontecem as trocas entre os interagentes que a compeme, neste sentido, saber como acontece o processo da comunicao, processovinculante e estruturante dessas trocas. A comunicao precisaria ir em busca

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    O papel dos Relaes Pblicas na Comunicao para o Desenvolvimento 11

    do que historicamente chama de seu receptor. Talvez descubra que ele noest mais l e se o encontrar pode descobrir que ele j no o mesmo.

    Falamos aqui dos enunciados performativos isto , na delegao ao caboda qual um agente singular (rei, sacerdote, porta-voz) recebe o mandato parafalar e agir em nome do grupo, assim constitudo nele e por ele (Bourdieu,1996, p. 59). Para esclarecer este ponto Bourdieu fala do habitus, um conceitoque se encontra ligado s lgicas de mercado, tanto por suas condies deaquisio quanto por suas condies de utilizao.

    O vocbulo social no pode ser objeto apenas da performance discur-siva de ocasio a que se refere uma determinada comunicao. No podecorresponder apenas a sua vocao de se destinar sociedade e aos diferentespblicos que a compe. Relaes pblicas responsveis fogem disso e aler-tam para os riscos de uma comunicao que tenha por foco induzir comporta-mentos, ao multiplicar informaes e tratar com o que tem de mais curioso eaparentemente relevante no fait divers cotidiano.

    Goffman (2011) utiliza-se de metforas da ao teatral quando analisaa ao dos indivduos e como eles se comportam em situaes de interaosocial cotidiana. Ele mostra que tal como no teatro, as pessoas desempenhampapis e atuam de forma a tentar convencer de uma impresso que desejam queos outros tenham delas. Entendemos que as instituies tambm tendem a agirdo mesmo modo e para isso usam de diversas tcnicas. Em muitas situaesquem chamado para operar esta instncia justamente o profissional derelaes pblicas.

    Entretanto, h que se observar que ao compreender a comunicao apenascomo enunciadora, divulgadora, disseminadora, transferidora ou formadorade imagem, opera-se to somente o seu lado instrumental. Para tais aes estdisponvel um arsenal de meios e plataformas de relacionamento. E h umaespcie de competio por usar as tcnicas novas e assim atender as expecta-tivas desta faceta emergente das operaes de interao na sociedade. Alis, acomunicao instrumental hoje se ressente do uso deste arsenal tcnico. Tudoporque ele no mais exclusivo, est massificado e se amplia em redes (so-ciais), uma vez que disseminado na sociedade que dele se apropriou ao seumodo.

    O tecnicismo foi duramente enfrentado h muito tempo, na reflexo quePaulo Freire (1983) fez em Extenso ou Comunicao?, um ensaio que vi-rou livro, editado em 1969, no exlio a que o brasileiro foi submetido em

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    Santiago do Chile. As apresentaes ali contidas so ainda muito atuais, poiso questionamento sobre a natureza da relao que se estabelece entre os tc-nicos e os agricultores. De acordo com o terico no produtivo ao processoensino-aprendizagem a interveno extensionista, pois esta se preocupa ape-nas em levar informao. Para ele a extenso da poca pressupunha a meratransferncia do saber de um tcnico para o universo dos agricultores. Freiredizia que, na prtica, no isso o que deve acontecer para que os resultadosde aprendizagem se configurem.

    Entretanto, mesmo aps mais de 40 anos, a pergunta se extenso ou co-municao o que se estabelece na relao entre os tcnicos e as instituiesque representam e a sociedade ainda muito frtil. Mesmo hoje, h dificul-dades em se responder ordinariamente a esta questo elementar, talvez porqueseja difcil colocar-se no lugar do outro. Mantm-se arraigada a cultura c-moda de dispensar a alteridade, como mtodo elementar da relao entre osatores sociais.

    No incio do sculo XX, Mikhail Baktin(1992) j havia nos mostradoessa dimenso das diferenas existentes nas relaes interpessoais, entendidascomo forma de compreender o outro e a si mesmo e, por meio da linguagem dareflexo crtica, aprender com o contrrio. Alteridade, nesse sentido, desvela-se na capacidade de proporcionar um olhar com base nas diferenas. Enfatizaa necessidade de reconhecer o outro em seu lugar, o que gera responsividade eresponsabilidade no compromisso de compreenso e transformao da vidaque se vive.

    Hoje Bakhtin e Freire se surpreenderiam com as novas possibilidades deinterao. Em funo do advento das novas mdias, tudo parece se orientarpara que a comunicao dos comunicadores presos ao uso dos meios estejafora de controle. Esta comunicao, finalmente, estaria sob o controle dasociedade, na medida em que ela passa a ter autonomia de operar com (ena) circulao dos acontecimentos. A sociedade registra, transmite, recebe eassim edita a sua comunicao.

    Mas a comunicao social no pode ser compreendida apenas como umaquesto dos meios, por mais revolucionrios que eles sejam. No h nadamais surpreendente para o homem do que a lngua e as linguagens, e elas estosempre em processo de reinveno. Reiteramos aqui, portanto, a proposiode pensar a fundamento do campo da comunicao, buscando os seus valoresoriginais, demarcado pela interao.

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    O papel dos Relaes Pblicas na Comunicao para o Desenvolvimento 13

    Os valores da comunicao para o desenvolvimento

    A comunicao para o desenvolvimento uma esfera original de fluxos de in-formao que se estabelecem com o fim de promover e agilizar o processo deconhecimento e a sua apropriao pela sociedade, com a finalidade de trans-formar e melhorar as condies de vida dos sujeitos. Neste sentido, o comu-nicador para o desenvolvimento tambm um sujeito social envolvido nesteprocesso, em condies de oferecer suas habilidades de comunicador.

    Os vocbulos intercmbio e interao so igualmente preciosos paraesta proposio, pois preconizam e antecipam a forma como a ao ser de-senvolvida e o posicionamento adotado na relao com as pessoas. Ou seja,para que a comunicao entre no circuito do desenvolvimento h necessidadede se observar os valores desta modalidade. Apresentamos aqui alguns dessespredicados:

    interao (dilogo, troca de saberes)

    alteridade (colocar-se no lugar do outro)

    proatividade (agir antecipadamente, buscar as questes-chave)

    criatividade (observar as diferenas e fazer melhor)

    objetividade (entender que as pessoas precisam de coisas prticas)

    atualidade (o desenvolvimento precisa de conhecimento novo sempre)

    simplicidade (como se trata de troca de saberes, no sofisticado)

    profissionalismo (os compromissos so contratos simblicos)

    reciprocidade (ofertar retorno continuamente para garantia dos contratos)

    identidade (cada caso particular e assim deve ser tratado, sem formulismo)

    Como visto, na comunicao para o desenvolvimento no suficiente fa-zer "para"o outro, mas o ideal fazer "com"o outro. A comunicao enten-dida como algo mais estratgico, indo alm de se constituir em substrato deuma corrente de transporte que acontece linearmente, como numa corrida debasto, entre as instituies e seus clientes potenciais, por exemplo.

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    14 Antonio Heberl

    neste sentido que os estudos sobre etnometodologia podem ser aplica-dos com certa desenvoltura nas prticas da comunicao para o desenvolvi-mento. A ideia da etnometodologia de uma pesquisa compreensiva que,neste sentido, se ope noo explicativa. Considera que a realidade soci-almente construda com base nas vivncias cotidianas de cada sujeito social eque em todos os momentos podemos compreender as construes sociais quepermeiam conversas, gestos e toda a comunicao.

    Tambm necessrio convidar para a reflexo Juan Diaz Bordenave, umdos mais tenazes interessados no estudo da comunicao para o desenvolvi-mento e talvez o maior nome na rea. No Seminrio Internacional Comunica-o para o Desenvolvimento, realizado na Embrapa1, em Pelotas, em abril de2011, ele mostrou como esta modalidade pode funcionar.

    Atrevo-me a pensar que necessitamos viver mais intensamente aideia de que ns, comunicadores para o desenvolvimento, mais doque tcnicos, somos agentes servidores, transformadores e edu-cadores. O desafio que enfrentamos fascinante, principalmenteporque, na nova democracia participativa, no estamos ss, aocontrrio, somos uma humilde e fraterna parte da luta de nossopovo por sermos mais livres, mais fraternos e mais felizes (Bor-denave, 2012, p. 22).

    Comunicar para o desenvolvimento implica observar noes bsicas deinterao social, com a proposta da reciprocidade e a preocupao constantee atenta para perceber e respeitar as demandas desde o ponto de vista da so-ciedade. Ou seja, trata-se de um modelo mental do comunicador, orientadopara ouvir com ateno as pessoas, entender os seus processos e na medida dopossvel fazer um dilogo destes com outros saberes. A propsito, esta orien-tao parece se contrapor em muito o que se faz corriqueiramente na rea derelaes pblicas, que prope aes para depois procurar seus pblicos.

    Ao contrrio do que se possa imaginar, entretanto, no difcil atuar naperspectiva da comunicao para o desenvolvimento, ainda que se espere docomunicador social um comportamento afinado com esta proposta, dada a sua

    1 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria, neste caso refere-se Unidade de Pelotas,localizada no Sul do Brasil.

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    O papel dos Relaes Pblicas na Comunicao para o Desenvolvimento 15

    formao e especialidade. No h rtulos em comunicao para o desenvolvi-mento, pois o que a define a forma de atuar, que tem profundo respeito pelavoz e pela experincia do outro.

    Por isso, quando se pensa a comunicao em sua relao direta com oconhecimento institucional, preciso ressaltar que dificilmente se ter umacomunicao para o desenvolvimento sem o ajuste entre aquilo que a socie-dade espera e o que as instituies ofertam. Ou seja, a sintonia e adequaodo contedo interfere diretamente no tipo de comunicao que se pretendeensejar.

    A ideia que a comunicao possa agir estrategicamente neste contexto,sendo propositiva e no reativa s rotinas de produo do conhecimento. Nestesentido, a comunicao para o desenvolvimento sempre questionadora emrelao aos contedos ofertados e cabe-lhe perguntar, entre outras coisas:

    para que servem estas informaes?

    quem se beneficia deste conhecimento?

    no que esta informao pode transformar ou melhorar a realidade?

    a que tipo de desenvolvimento social a informao leva?

    como as pessoas podem acessar e usar estas informaes?

    quem se responsabiliza por estas informaes?

    Para que perguntas como estas tenham consequncias prticas interes-sante, portanto, que a comunicao se antecipe, buscando dados para comporo que ser posteriormente ofertado como conhecimento. Assim, preconiza-seque o relaes pblicas passe a ter uma atividade prospectiva com a sociedade,trabalhando na linha de frente das questes que podem orientar as respostasdas instituies que trabalham para o desenvolvimento. Isso importante,porque sem este ajuste possvel que se obtenham muitas respostas para per-guntas no feitas.

    A comunicao para o desenvolvimento favorecer o dilogo e a troca desaberes entre as comunidades e as instituies, ajudando na identificao dosproblemas. A funo dos comunicadores neste contexto se amplia, pois cabe ira campo, ouvir, entrevistar pessoas e trazer estes depoimentos singulares, para

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    que as questes sejam discutidas abertamente nas instituies. Esta operaoaparentemente inversa, de colaborar na identificao dos problemas, cabe aocomunicador para o desenvolvimento e ele deve estar preparado para isso. Ouseja, trata-se de inserir no processo comunicacional a preocupao constantecom as consequncias, o que o diferencia de outros mtodos de comunicao.

    Para que se possa orientar minimamente a ao do comunicador para odesenvolvimento, pode-se dizer que algumas das suas preocupaes estarovoltadas para:

    Ir a campo, entrevistar pessoas, com o a finalidade de entender os seusprocedimentos, seja para evidenciar boas prticas, seja para definir pro-blemas que limitam o desenvolvimento;

    Promover a discusso em grupos de trabalho ou junto a especialistassobre as informaes captadas na realidade, buscando contribuir para odesenvolvimento social;

    Identificar formas comunicacionais adequadas para estabelecer oportu-nidades para as trocas de saberes entre leigos e tcnicos;

    Incentivar formas participativas de atuao nas diferentes modalidadesde comunicao das instituies, buscando atender de forma mais efe-tiva as demandas sociais.

    O que se pretende com esses conceitos ter outro olhar para a comunica-o humana. O substantivo "comunicao"se refere interao entre sujeitosque se valem dos seus contextos histricos e trocam saberes. A qualidadeda adjetivao "desenvolvimento"refere s aes que promovem o desenvol-vimento social, cultural, educacional, poltico e econmico da sociedade coma centralidade no ser humano e nas suas relaes e interaes com a comuni-dade onde vivem e buscam formas de sustentabilidade em todos os sentidos.

    Agir em comunicao para o desenvolvimento

    A atividade operacional, as aes que envolvem comunicao para o desen-volvimento, esto condicionadas ao modo de exercer o trabalho de interaocom a sociedade. Por isso, talvez a melhor forma de referir estas atividadesseja falar em modelo mental, ou seja, refere-se a atitudes.

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    Neste sentido, uma das primeiras atitudes de quem se prope em atuar nacomunicao para o desenvolvimento ser criar estratgias para observar aten-tamente a realidade. Somente aps este exerccio livre de percepo dos sinaiscotidianos, o comunicador pode pensar formas de interagir com os sujeitos so-ciais. Agindo assim, so melhores as chances de colaborar efetivamente paraa mudana social, identificando aquilo que precisa ser feito, na tica das pes-soas que vivenciam as problemticas. Pelo menos trs atitudes nesta direopodem ser realizadas pelos comunicadores:

    identificar os problemas reais das pessoas;

    criar uma relao de confiana e de aliana com elas e,

    comprometer-se com os retornos.

    Em sociedades democrticas as comunicaes das instituies com a soci-edade induzem informaes de interesse pblico e neste sentido elas precisamestar alinhadas com os desejos de bem estar social. Isso independente se setrata de instituio pblica ou privada, embora se espere algo mais das primei-ras. Alm disso, no se pode pensar a comunicao de Estado com os mesmospressupostos da comunicao comercial, realizada pelas empresas privadasque fazem esta operao. No caso das empresas comerciais, os interesses porfatias de audincia geralmente levam a uma comunicao de contedo imedi-atista e sensacional, pois o inusitado e o curioso sempre acionam e mobilizamas massas, enquanto forma de divertimento, ou de fait divers, como definidopelo francs Roland Barthes.

    Entretanto, embora no se espere das empresas comerciais compromissosinatos em comunicar para o desenvolvimento, em muitos casos so institui-es desta natureza que executam programas com alto envolvimento e sen-sibilidade social, sendo mais efetivas do que grande parte da comunicaopblica.

    Quem pode atuar na comunicao para o desenvolvimento

    Sem restries, todas as pessoas so potenciais comunicadores, enquanto su-jeitos sociais que assim se qualificam naturalmente pela capacidade de inte-ragir, de trocar experincias. Se para uma comunicao instrumental pode

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    ocorrer alguma dificuldade para o leigo utilizar os aparatos tecnolgicos, emcomunicao para o desenvolvimento esse requisito no condio indispen-svel.

    Alm disso, esta modalidade de comunicao condicionada muito maispela ao comportamental dos interagentes em tratar com as mensagens doque pelas suas habilidades em lidar com os meios e suas tcnicas, como jsalientado no incio deste texto. Os comunicadores sociais que realizam suasatividades em comunicao organizacional ou institucional, por exemplo, po-dem adensar estes comportamentos em suas prticas de comunicao. Nestesentido, comunicao para o desenvolvimento no se trata de uma nova mo-dalidade, que requer uma compartimentao especfica. O ideal que as insti-tuies, em funo dos seus compromissos com a sociedade, operassem a suacomunicao com o foco ajustado para o desenvolvimento.

    Entretanto, algumas atividades comunicacionais das agncias de Estadovoltadas para o conhecimento podem trabalhar a comunicao para o desen-volvimento como uma esfera especfica. A caracterizao de cenrios ou doestado da arte para o exerccio da pesquisa e da extenso em cincias naturais,por exemplo, requer habilidades que podem ser ofertadas pelos especialistasem comunicao para o desenvolvimento. Eles podem ofertar as suas habili-dades para qualificar a interao com a sociedade e assim facilitar os contatosentre as instituies e as comunidades. A comunicao social pode, sob taiscondies, constituir-se num fator de desenvolvimento.

    Consideraes finais

    A ideia central que o campo da comunicao pode agir estrategicamente nodesenvolvimento, sendo o fator propositivo das rotinas de produo do co-nhecimento. Neste sentido, a comunicao para o desenvolvimento semprequestionadora em relao aos contedos que sero ofertados.

    Para que o trabalho do comunicar social tenha consequncias prticastorna-se importante que a comunicao se antecipe e fiscalize, buscando da-dos para compor o que ser posteriormente ofertado. Assim, preconiza-seque o profissional de relaes pblicas tenha uma atividade prospectiva com asociedade, trabalhando na linha de frente das questes que podem orientar asrespostas das instituies. Isso importante, porque sem este ajuste possvelque se obtenham muitas respostas para perguntas no feitas. Muito barulho e

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    pouca comunicao efetiva com a sociedade. Ou pior ainda, que informaesimprecisas ou mesmo falsas sejam ampliadas.

    A funo dos relaes pblicas no contexto do desenvolvimento, portanto,se amplia, pois cabe ir campo, ouvir, entrevistar pessoas e trazer estes depoi-mentos singulares, para que as questes de fora sejam discutidas abertamentenas instituies. Esta operao aparentemente inversa, de colaborar na iden-tificao dos problemas, cabe ao comunicador para o desenvolvimento e eledeve estar preparado para isso. Trata-se de inserir no processo comunicacionala preocupao constante com as consequncias.

    Busca-se, portanto, manter um olhar mais atento para a comunicao hu-mana, para as interaes e trocas que podem promover um desenvolvimentoequitativo da sociedade. A atividade operacional condicionada pelo modode exercer o trabalho de interao com a sociedade. A primeira atitude da co-municao para o desenvolvimento de criar estratgias para observar atenta-mente a realidade. Somente aps este exerccio livre, de percepo dos sinais,o comunicador pode pensar formas de interagir com os sujeitos sociais.

    De modo geral, temos que avanar na reflexo sobre as novas formasde analisar o mundo e interagir, embora o sistema vigente e convencionalforce para intervir e em resposta apresente um prato pronto, como acon-tece quando o fator comunicao entra na equao sem preocupaes com odesenvolvimento social. Afinal, sempre difcil saber realmente como andaa nossa comunicao e a comunicao da nossa instituio. Elas servem outem atendido exatamente a quais propsitos? Qual a efetiva opinio das pes-soas sobre as atividades da instituio a que pertencemos? Com a palavra osprofissionais de relaes pblicas.

    Referncias

    Bakhtin, M. (1992). Esttica da criao verbal. Trad. Paulo Bezerra. 2 ed.So Paulo: Martins Fontes.

    Bordenave, J.D. (2012). Os novos desafios da comunicao para o desenvol-vimento, in A.L.O. Heberl; B.C. Cosenza & F.B. Soares (org.). Comu-nicao para o desenvolvimento. Braslia: Embrapa.

    Bourdieu, P. (1996). A Economia das Trocas Linguisticas: o que falar querdizer (pp. 9-128). So Paulo: EDUSP.

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    Coulon, A. (1995). Etnometodologia. Petrpolis: Vozes.

    Freire, P. (1983). Extenso ou Comunicao?, 7. ed. Rio de Janeiro: Paz eTerra.

    Garfinkel, H. (1996). Studies in ethnomethodology. Cambridge: Polity Press,Trad. de Adauto Vilella.

    Goffman, E. (2011). A Representao do Eu na Vida Cotidiana. Petrpolis:Vozes.

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    Comunicao organizacional (re)significada pelascooperativas de economia solidria: um novo olharpara o planejamento estratgico de comunicao

    Caroline Delevati ColpoUniversidade Feevale

    Resumo: Este texto discute as cooperativas de economia solidria(re)significadas e (re)construdas na economia contempornea. Combase nesta perspectiva investe-se na possibilidade de (re)significao dacomunicao organizacional com maior enfoque na comunicao hu-mana sujeito/sujeito e organizao/sujeito transcendendo a abordageminstrumental. Para tal, entende-se as cooperativas de economia soli-drias como organizaes comunitrias e, assim como todos os tiposde organizaes, precisam de planejamento de comunicao para o de-senvolvimento do processo comunicativo. Porm, pelo olhar do Para-digma da Complexidade, que desfaz os limites entre diferentes reasdo saber com a sua caracterstica transdisciplinar, este texto introduzo questionamento sobre a aplicabilidade do planejamento estratgicode comunicao e suas possibilidades instrumental nesta comunicaoorganizacional (re)significada.

    Palavras-chave: comunicao organizacional, economia solidria, pla-nejamento de comunicao, paradigma da complexidade.

    Introduo de um processo de conhecimento pelo olhar do paradigmada complexidade

    ESTE trabalho, embasado pelo Paradigma da Complexidade, busca subs-tituir os pensamentos que separam por pensamentos que unem, atravsde uma substituio da linearidade pela transdisciplinaridade (Morin, 2008a).O pensamento complexo se autoproduz, no sentido de que quanto mais pro-blematiza um objeto de estudo, mais problemas de pesquisa surgem. Sob estaperspectiva este texto introduz o questionamento sobre a aplicabilidade do pla-nejamento estratgico de comunicao e suas possibilidades instrumental na

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    comunicao organizacional (re)significada pelas cooperativas de economiasolidria que tambm se (re)significam na economia capitalista vigente.

    Morin (1991) descreve o pensamento complexo como algo que origina-riamente se tece junto, um pensamento que se desenvolve sem limites dis-ciplinares, buscando distinguir (no separar) e ligar. Afirma que s se podegerar conhecimento se for possvel conhecer as partes que integram o todo,e que s se pode conhecer o todo se forem conhecidas as partes que o com-pem. Trs princpios, sugeridos por Morin (1991) auxiliam a entender opensamento complexo aplicado neste trabalho: o princpio dialgico que per-mite manter a dualidade no seio da unidade, associando, ao mesmo tempo,movimentos complementares e antagnicos; o princpio recursivo que umprocesso em que os produtos e os efeitos so ao mesmo tempo causas e pro-dutores daquilo que os produziu, o sujeito simultaneamente produzido eprodutor, rompendo a ideia linear de causa/efeito, de produto/produtor, de es-trutura/superestrutura, uma vez que tudo o que produzido volta sobre o queproduziu num ciclo autoconstitutivo, auto-organizador e autoprodutor; e, porfim, o princpio hologramtico, no qual no apenas a parte est no todo, mas otodo est na parte. Estes trs princpios, aparentemente paradoxais, subvertemo esprito linear.

    Na lgica recursiva, sabe-se muito bem que o que se adquirecomo conhecimento das partes regressa sobre o todo. O que seaprende sobre as qualidades emergentes do todo que no existesem organizao, regressa sobre as partes. Ento pode enrique-cer-se o conhecimento das partes pelo todo e do todo pelas partes,num mesmo movimento produtor de conhecimentos. Portanto aideia hologramtica est ligada ideia recursiva, que por sua vezest ligada ideia dialgica em parte. (Morin, 1991, p. 90)

    Sob esta perspectiva, neste trabalho, se desenvolve a tentativa de um en-tendimento da comunicao organizacional (re)significada para alm do mi-ditico e instrumental com fundamentao em processos comunicacionais janalisados em cooperativas de economia solidria1. Esta comunicao, en-tre os sujeitos e a organizao e entre os sujeitos organizacionais, est emprocesso constante de (re)construo e pode colocar em questionamento os

    1Estas anlises foram elaboradas na tese de doutorado da autora.

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    princpios norteadores de um planejamento estratgico de comunicao quevisa, na medida da sua funcionalidade, a obteno de objetivos pr-definidospara o bom desempenho da organizao, sem necessariamente, considerar asreconstrues tanto da organizao como dos sujeitos.

    Cooperativas de economia solidria (re)significadascomo organizaes

    A dialgica entre as relaes sociais e as economias esto sujeitas a poss-veis interferncias globais com consequncias locais. Conforme Morin (2002)pode-se pensar sobre esta relao entre atividade econmica e relaes soci-ais como um ecossistema2 capaz de se eco-organizar. Toda eco-organizaonasce de interaes mopes, de intercomunicaes banhadas no vago, no ru-do, no erro, desviando-se de predadores e das correntes da vida selvagem. no meio do fervilhar cego, em meio desordem e destruio que o Uni-verso se organiza, ou seja, o mercado autorregulado fruto de uma economiacapitalista, na medida em que busca ser um aparelho regulador da economia,faz com que se eco-(re)organize uma nova economia pelas relaes sociaisestabelecidas. Esta renovao da organizao econmica no frgil, inst-vel e desequilibrada, mas slida, estvel e regulada, capaz de criar um novoecossistema econmico.

    Dentro dos novos ecossistemas econmicos criados e recriados, novosecossistemas sociais se recriam. As crises do trabalho assalariado se refazem epossibilitam que se detecte, com frequncia, um conjunto de movimentos po-pulares liderados por trabalhadores que perderam seus empregos e que, mui-tas vezes, no conseguiram se reinserir no mercado de trabalho ou, ainda, poraqueles que sempre viveram na informalidade. Centrando-se, especialmente,na formao de cooperativas de trabalho, de produo e de associaes detrabalhadores com pretenso a uma autogesto, tais experincias vem sendoreconhecidas sob o nome de economia solidria e se reinventando a medidaque o ecossistema se reestrutura.

    Frana e Laville (2004) percebem as cooperativas de economia solid-ria contemporneas como um processo do prprio sistema capitalista, comosendo uma proliferao autnoma de grupos organizados da sociedade que

    2Conjunto de interaes numa unidade geofsica determinvel contendo diversas popula-es vivas (Morin, 2002)

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    tem como intuito a produo de atividades econmicas de modo distinto dopraticado pelo mercado autorregulador, mas que de certa forma acontece den-tro deste mercado. Para os autores, vive-se hoje uma sociedade em que a l-gica predominante mercantil, uma sociedade em que os espaos de valoresocupam a centralidade da vida das pessoas, extrapolando a esfera econmica einvadindo a sua conjuntura social, poltica e cultural, mas acima de tudo ocu-pando um espao da subjetividade do ser humano. Com a esfera capitalistada modernidade, a economia automatiza a sociedade e regula quase todas asesferas da vida dos sujeitos, assumindo uma importncia significativa na atua-lidade. A economia entendida como sinnimo exclusivo de trocas mercantis,como se fosse impossvel conceber a economia de outra forma. Os sujeitosque vivem destas trocas mercantis constroem suas identidades a partir, sobre-tudo, do trabalho, ou de uma atividade remunerada que lhe d condies demanter certa estabilidade econmica e incluso em certos padres sociais eculturais exigidos por esta sociedade capitalista contempornea.

    Ser que a economia entendida em seu sentido amplo, ou seja,como conjunto das atividades que contribuem para a produoe distribuio de riquezas, pode resumir-se ao circuito clssicodas trocas constitudas pelas esferas do Estado e do mercado nassociedades contemporneas? Para alm do mercado e do Estado,ser que a prpria sociedade no tem nada a dizer em termos decriao e distribuio de riquezas ou de um outro modo de fazereconomia? (Frana e Laville, 2004 p. 15)

    Pela viso de Frana e Laville, admite-se, assim, outra forma de fazereconomia a partir da organizao de grupos baseados fortemente em rela-es no apenas monetrias, mas criadoras de seu prprio circuito de pro-duo e consumo. Surge, desse modo, de forma (re)significada, na contem-poraneidade a economia solidria. (Re)significada, pois vrios grupos sociais(re)organizaram-se para a sua prpria produo sem separar a esfera econ-mica das dimenses sociais, polticas e culturais. Para Lapassade,

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    um grupo constitudo por um conjunto de pessoas em relaoumas com as outras e que se uniram por diversas razes: a vidafamiliar, uma atividade cultural ou profissional, poltica ou espor-tiva, a amizade ou a religio...ora todos estes grupos (...) parecemfuncionar segundo processos que lhe so comuns, mas que nose tem costume de observar espontaneamente. Ns vivemos emgrupos sem tomar necessariamente conscincia das leis de seufuncionamento interno. (1989, p. 65)

    De fato, a modernidade capitalista, com o seu mercado autorregulado,pode ou no segregar a dimenso econmica das demais dimenses da vidahumana. Neste sentido, a economia solidria busca recolocar o indivduo esua subjetividade na esfera econmica. Embora com caractersticas e pecu-liaridades em diferentes partes do mundo, os grupos organizados proliferamsuas formas de produo e consumo em diferentes regies e pases e redefinemsuas capacidades de autogesto dentro do sistema capitalista vigente.

    Com isto, tem-se, atravs destes grupos organizados, a formao de orga-nizaes, podendo ser entendidas como organizaes que desenvolvem pro-cessos comunicativos. Costa e Carrion (2009) assumem esta viso afirmandoque entre diferentes comportamentos econmicos destas organizaes, a ne-cessidade de construo de um referencial analtico apropriado para o estudodas economias solidrias dentro do campo dos estudos organizacionais exige,consequentemente, o alargamento deste campo, de modo a incorporar novasnoes capazes de captarem e avaliarem organizaes dessa natureza. Nocampo dos estudos organizacionais, o reconhecimento da economia solidriacomo um fato organizacional emprico guarda similaridades e distanciamen-tos com outras formas j reconhecidas de organizao, mas requer a constru-o de um referencial terico especfico, de carter interdisciplinar e em per-manente dilogo e negociao com as noes e conceitos j estabelecidos nocampo destes estudos. Sob esta perspectiva, de novos estudos organizacionaispara economia solidria, pode-se pressupor uma comunicao organizacional(re)significada e (re)construda uma vez em que estes grupos desenvolvem asua autogesto. Por autogesto, Lapassade (1989) prope um sistema de or-ganizao e produo da vida social na qual a organizao e gesto deixamde ser propriedade privada de alguns para tornarem-se propriedade coletiva.Segundo o autor hoje em dia h duas concepes de autogesto: define-se

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    autogesto em termos econmicos e administrativos e situa-se ao nvel das es-truturas de poder. Na segunda definio, os psicossocilogos complementama viso oficial sugerindo que autogesto supe tambm motivaes e decisescoletivas e tem razes na vida afetiva e na cultura dos grupos.

    Assim, necessrio considerar que nas organizaes de economia soli-dria coexistem, alm de uma relao voltada para a produo do trabalho epara o lucro, grupos com relaes afetivas e com ligaes em torno de inte-resses comuns, por vezes at contrrios aos interesses das organizaes. Coma existncia de hierarquias e a diviso do trabalho no contexto organizacionalda economia solidria, os grupos estruturam-se segundo interesses prprios,nos quais vivenciam sentimentos de partilhas, solidariedade e luta comum.Em um grupo, geralmente, h a distribuio de tarefas e a escolha de respon-sveis para assumir determinadas funes, ou seja, o grupo se organiza, criaalgumas normatizaes e formas de funcionamento atravs da comunicao econstitui-se como organizao.

    Comunicao organizacional (re)significada

    Morin (1991) entende a organizao como um sistema vivo que se constitui departes interdependentes entre si, que interagem e se transformam mutuamenteno todo. Sob esta perspectiva a noo de organizao necessita ser percebidacomo viva, capaz de transformar e de ser transformada atravs das relaesque estabelece com a sociedade. Lapassade (1989) define organizaes compelo menos dois significados. Por um lado, designa um ato organizador que exercido pelos sujeitos, como por exemplo, a organizao de processos ad-ministrativos ou o ato e efeito de organizar, que pode ser uma das funes daadministrao. Por outro lado, o autor define organizao como referente srealidades sociais ou organizao de uma coletividade instituda com vistasa objetivos definidos, combinao de esforos para atingir propsitos cole-tivos, como uma entidade social em busca de interesses coletivos, ou aindacomo um agrupamento planejado de pessoas que desempenham funes etrabalham conjuntamente para atingir objetivos comuns. com base no en-tendimento de Morin (1991) e na segunda concepo de organizao sugeridapor Lapassade (1989) que este trabalho se apoia para os apontamentos .

    Considerando que as organizaes so vivas, abertas e alteram-se cons-tantemente pelo processo interao, entende-se que esta interao potenci-

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    alizada pelos processos de comunicao atravs da relao estabelecida entredois ou mais sujeitos, na qual um sujeito compartilha alguma coisa, dando-lhesignificado, e o outro gera, ou no, seu significante, buscando sempre relaosocial. Porm, faz-se necessrio diferenciar comunicao da informao,na qual esta foca-se apenas na transmisso de alguma coisa (Wolton, 2010).Porm, quanto maior o processo de interao com as informaes, maior a co-municao estabelecida e maiores so as potencialidades de alterao de umaorganizao que se considera aberta e viva.

    Nesta interao estabelecida, se percebe a comunicao como a geraoou de um conflito, ou de um consenso. Quanto maior o consenso no processode comunicao, menor so as possibilidade de uma organizao sofrer alte-rao, se constituindo assim como uma organizao fechada. Quanto maioro conflito no processo comunicativo, maior a interao e maior so as pos-sibilidades da organizao sofrer alteraes, enquanto organismo aberto. Oconflito ou o consenso ocorre por que toda a organizao se mantm com basenos seres humanos que a compem. Estes so capazes de interpretar seu con-texto, que est representado pelos smbolos culturais, e de interagir, atravs deaes, com os estmulos de que so destinatrios. Assim, o processo de co-municao organizacional torna-se um processo cultural com a utilizao desmbolos comuns, fomentado pela a interao social. Quanto mais aes con-flituosas aos estmulos, mais a comunicao organizacional se retroalimentae se autoproduz recursivamente. Isto acontece, em geral, por que dentro deuma mesma organizao h uma pluralidade de sujeitos. Cada um destes su-jeitos ao mesmo tempo singular e universal. De acordo com Freitas (2000,p. 87), somos ao mesmo tempo um individual e um coletivo, um sozinho euma multido, um ningum e um todo-mundo, que se apresenta e representanas relaes mltiplas do cotidiano. Mesmo sendo individual e/ou coletivo,mesmo agindo na instncia grupal e/ou individual, nas relaes sociais e/ounas organizaes, os sujeitos tornaram- se atores do contexto organizacionalcontemporneo.

    Em organizaes de economia solidria, nas quais os sujeitos interagemmais pelas suas relaes sociais do que pelas relaes econmicas, o processocomunicativo se torna muito mais conflitante, pois cada um tem seus interes-ses sociais colocados em questo. Com isto a comunicao organizacionalprecisa ser (re)inventada e (re)construda constantemente. No se pode pensarem uma comunicao organizacional regida pelas lgicas de mercado, sendo

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    simplificadas apenas na aplicao de instrumentos, buscando resultados e ob-jetivos imediatos. Quando isto acontece, tem-se uma viso reducionista dacomunicao, e atribui-se a esta comunicao a responsabilidade de constitui-o de todo o poder simblico organizacional criado, levando em considera-o que o sujeito pouco ativo. Este sujeito, que (re)constri a organizaopor um processo de comunicao conflitante, capaz de recriar o significadodas mesmas, com base no seu significante, no momento em que relaciona asinformaes recebidas atravs de estratgias de comunicao, com o seu sim-bolismo, imaginrio e principalmente com a sua cultura. Quando o processode comunicao consensual, tem-se os objetivos de estratgias rapidamenteatingidos e a comunicao, pela interao, se finda no criando possibilidadesde reconstruo da comunicao organizacional.

    Assim, necessria a compreenso de que a comunicao organizacio-nal um processo que acontece em um sistema aberto, vivo e, quanto maisconflitante, maior a possiblidade de (re)construir a comunicao e consequen-temente a organizao. Porm, quando uma organizao se concentra em seuplanejamento estratgico de comunicao para efetivar a comunicao orga-nizacional e buscar seus objetivos, esta em busca de um consenso, de umaestabilidade e pode ser considerada como uma organizao fechada, nas quaisos conflitos organizacionais no possuem espao nas interao comunicacio-nais e os sujeitos deixam de ser multifacetados, para se tornarem pouco ativos.

    Planejamento estratgico de comunicao (re)siginificado atravs dasorganizaes comunitrias

    Giddens (2004) aponta que o comportamento humano complicado e multi-facetado e muito pouco provvel que uma nica perspectiva terica possacobrir todas as suas caractersticas. A diversidade do pensamento terico for-nece uma fonte rica em ideias que podem ser a base de novas investigaes eestimula as capacidades imaginativas to essenciais ao progresso de qualquertrabalho ainda mais quando se trata de questes sociolgicas, antropolgicase de comportamento humano.

    As teorias sobre planejamento estratgico de comunicao o consideramcomo sendo a utilizao eficaz dos meios disponveis na organizao paraexplorao de condies favorveis existentes no meio-ambiente externo e in-terno e que se efetiva atravs da gesto estratgica. A abordagem estratgica

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    inclui o envolvimento organizacional, atravs do comprometimento em agirestrategicamente, e o planejamento a metodologia gerencial que efetiva asestratgias como um conjunto de providncias a serem tomadas para deter-minar a situao que se pretende no futuro com base nos acontecimentos dopassado (Oliveira, 1999).

    Kunsch (2003) aponta que o planejamento est no topo da pirmide orga-nizacional, envolve toda a organizao e de longo prazo. Em alguns momen-tos busca dar respostas mais imediatas as demandas ou ainda instrumentalizaas estratgias atravs de aes. Sob esta perspectiva o planejamento esta dire-tamente ligado a estratgias. Bueno (2005) entende a estratgia como a formade definir e aplicar recursos com o fim de atingir objetivos previamente esta-belecidos pela organizao. Segundo o autor a palavra estratgia vem do latimstrategia que, por sua vez, deriva de dois termos gregos: stratos (exrcito)e agein (conduzir, guiar). Portanto, o significado primrio de estratgia a arte de conduzir as operaes militares, desenvolvendo habilidades paragerenciar um caminho a ser seguido, afim de se atingir um objetivo.

    Porm, com o passar do tempo a palavra estratgia teve diferentes signi-ficados com variadas abordagens tericas. A teoria clssica assume a estra-tgia pela perspectiva racional, voltada a maximizao de lucro. J a teoriaevolucionista aposta na imprevisibilidade do mercado e na sobrevivncia dasempresas mais fortes com base no pensamento darwiniano e sempre que ne-cessrio reduz custos. A teoria processualista, assim como a evolucionista,no aceita a racionalidade do planejamento a longo prazo, mas no se julgarefm do mercado e os seus resultados so obtidos de forma lenta e gradualpor meio de experimentao e aprendizado pelas competncias internas da or-ganizao. E por fim na teoria sistmica a estratgia vista como dependentedo mercado, mas tambm de condies sociais e culturais das organizaes.(Bueno, 2009).

    Em todas as abordagens teorias sobre estratgias, a busca em atingir obje-tivos se torna evidente, assim como o fato de estar atrelado as lgicas do mer-cado. Ento, quando se fala de um planejamento estratgico de comunicao,se pensa que a estratgia estabelecida o caminho para atingir um objetivo doplanejamento com fins, quase sempre, mercadolgicos. Porm quando se falaem comunicao, obter um objetivo imediato, planejado e previamente esta-belecido rompe o processo de comunicao que se estabelece pela interao,pois chega-se a um consenso e no gera a possibilidade de conflito que vai fo-

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    mentar a comunicao e fazer a organizao crescer, se alterar e se reconstruirpelas relaes sociais.

    Quando se pensa em um planejamento estratgico de comunicao parao desenvolvimento de comunicao organizacional, pensa-se no estabeleci-mento do consenso para a obteno do objetivo da organizao. Se o objetivo alcanado por meio de uma informao, volta-se a lgica de uma comunica-o instrumentalista, na qual a estratgia limitadora, e o estrategista prev earticula os recursos comunicacionais necessrios para garantir, simplesmente,a circulao de informaes selecionadas e fazer com que os pblicos reco-nheam a organizao, instituindo-a identitariamente, como referncia. Istosomente funciona quando h um consenso ou uma aceitao da estratgia apli-cada.

    Esta concepo pode se tornar interessante para as organizaes privadasque tm como sistema produtivo um pensamento mecanicista, na qual a rela-o entre os sujeitos nem sempre considerada como ponto produtivo. Pormais que as teorias tenham evoludo para o entendimento das relaes soci-ais, pessoais e sociolgicas nos mbitos das organizaes ainda so poucosaplicadas.

    Atualmente tem-se, principalmente nas organizaes comunitrias con-forme apontamentos de pesquisa da tese da autora , o desenvolvimento deuma abordagem sociolgica da sua forma de produo, considerando as re-laes scio-afetivas de seus pblicos como fator decisivo na produo orga-nizacional. Isto faz com que as lgicas de um planejamento estratgico decomunicao se tornem pouco efetivas, uma vez que os pontos de conflito soconstantes e sempre alteram a organizao para a sua constante produo.

    necessrio que haja nas organizaes espao para que cada sujeito tro-que suas experincias com os outros na medida da identificao e significaode cada um com a organizao e com seus pares. Se uma organizao valorizaa relao scio-afetiva de seus pblicos, precisa compreender que a comunica-o a interao que acontece com base no conflito, e no o estabelecimentode uma estratgia informativa na busca um objetivo com consenso de comuni-cao. Assim, quanto maior o consenso da informao transmitida, melhor o resultado da estratgia, porm a interao social diminui, consequentementea comunicao tambm, e as formas produtivas podem ficar estagnadas.

    De outro modo, quanto mais houver conflito, mais h possibilidade dacomunicao de fato existir. Quanto mais conflitante o processo comunica-

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    tivo, maior a possibilidade para a comunicao acontecer em um grupo, umavez em que o conflito sempre acontece de uma esfera individual para social.Com isto a comunicao conflitante auxilia na trocas de experincia para oaprimoramento do processo produtivo.

    Assim, percebe-se que as atuais teorias sobre planejamento estratgico decomunicao acabam inspirando-se sempre na obra dos seus antecessores quetinham como pressuposto de atuao a rea empresarial da comunicao. En-tretanto, esta reflexo considera, ainda que teoricamente, a possibilidade de sepensar a comunicao em organizaes comunitrias que tenham como con-dio primeira de sua existncia seus pontos de produo atravs das relaessociais.

    Com isto, tendo como base a comunicao estabelecida em organiza-es comunitrias exemplificada pelas cooperativas de economia solidria pode-se pensar no desenvolvimento da comunicao organizacional, na qualas aes e atividades no tenham somente um fim mercadolgico em vias deefetivao do planejamento estratgico de comunicao, em um primeiro mo-mento, mas que se pense na comunicao com seu sentido de interao e re-lao social capaz de efetivar a produtividade da organizao. Deste modo, asnovas abordagens do planejamento estratgico de comunicao devem levarem considerao, tambm, as mltiplas reas de atuao que os profissionaisde comunicao possuem hoje e exercitarem as infinitas possibilidade de re-construo das teorias transcendendo os fins puramente mercadolgicos, masevidenciando as relaes scio-afetivas para a efetivao de uma comunicaoorganizacional capaz de tornar uma organizao tambm produtiva.

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    Sustentabilidade & Negcio: o caso do Microcrdito

    Maria Joo Nicolau dos Santos & Celma PadamoISEG / Universidade de Lisboa & Instituto Superior de Novas Profisses

    Resumo: No mbito da procura de maiores nveis de sustentabilidadeglobal, o microcrdito frequentemente destacado como um instru-mento que potencia a incluso social uma vez que, dentro de certoslimites, permite a reposio da igualdade no acesso ao crdito de cama-das sociais desfavorecias. A rede de microcrdito em Portugal, atravsda experincia da Associao Nacional de Direito ao Crdito, enquadra-se nos princpios de orientadores do desenvolvimento sustentvel, namedida em que ao contribuir para a difuso do microcrdito permite aparticipao na atividade econmica de franjas da sociedade anterior-mente excludas, potencia o desenvolvimento econmico e a integraosocial, sendo que a criao de emprego igualmente um dos vetorescentrais do micro empreendedorismo. Neste artigo, parte-se de uma re-flexo sobre as concees de desenvolvimento e procura-se realar osefeitos dos programas de microcrdito, oferecidos pelas organizaessem fins lucrativos, na promoo de um modelo de desenvolvimentomais sustentvel. Neste contexto, mais amplo, procurou-se igualmenterefletir sobre de que modo as relaes pblicas podem contribuir paraa difuso do microcrdito, atravs de olhar crtico sobre questes queenvolvem a relao entre a comunicao, desenvolvimento e a susten-tabilidade.

    Palavras-chave: microcrdito, desenvolvimento sustentvel, relaespblicas.

    Introduo

    EXISTE uma forte consciencializao internacional, claramente expressanas resolues emitidas pelas Naes Unidas e nos comunicados da Co-misso Europeia quanto necessidade de haver, a nvel global, um modelode desenvolvimento sustentvel que articule, de forma equilibrada, o cresci-

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    mento econmico com a equidade social e a proteo ambiental. tambmassumido pelas Naes Unidas que a promoo do desenvolvimento susten-tvel s possvel se os princpios que lhe subjazem forem interiorizados eassumidos por todos os atores sociais na sua esfera de ao, i.e., se toda asociedade civil e, as empresas em particular, se envolverem e participaremativamente neste processo.

    A verdade que no tem sentido falar em crescimento econmico forade um contexto mais alargado que integra o desenvolvimento equilibrado dassuas mltiplas dimenses sociais, econmicas e ambientais. Neste contexto, avertente econmica (dimenso econmica), de que o lucro empresarial consti-tui o objetivo ltimo, deve tomar em considerao as pessoas que constituemo tecido humano da estrutura empresarial (dimenso social interna), mas tam-bm a comunidade em que a empresa exerce a sua atividade e com a qual in-terage (dimenso social externa) e a preservao do meio ambiente (dimensoambiental). Estamos assim perante um conceito de desenvolvimento, muitomais amplo, que no subordina o desenvolvimento ao primado do crescimentoeconmico. Pressupe, em contrapartida, um processo mais amplo que inte-gra o exerccio de cidadania, o compromisso com o bem-estar social, a po-tenciao de ativos intangveis e a criao de valor numa perspetiva de longoprazo.

    neste contexto que se podem enquadrar as iniciativas de microcrdito.O microcrdito, ao permitir a reposio da igualdade no acesso ao crdito decamadas sociais desfavorecidas, permite, para alm, da gerao de riqueza,romper com um ciclo vicioso de manuteno do subdesenvolvimento. Osseus efeitos, em muito, ultrapassam o mbito da micro-finana. Constitui-secomo um instrumento que potencia no apenas o desenvolvimento econmicomas, sobretudo, impacta positivamente os objetivos de desenvolvimento sus-tentvel. Tem efeitos na criao de emprego, reduo da pobreza, integraosocial, aumento da qualidade de vida, mas igualmente de fundamental impor-tncia o seu contributo para o exerccio do direito cidadania, liberdade deatuao e a possibilidade de gesto livre dos destinos individuais. Permite,acima de tudo, romper com o ciclo reprodutivo vicioso do subdesenvolvi-mento, ao possibilitar que pessoas anteriormente excludas possam, por viado empreendedorismo, integrarem e serem participantes ativos nas dinmicasde desenvolvimento.

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    Estes processos obrigam a uma reconceptualizao do conceito de desen-volvimento, que passa a ser encarado para alm do vis econmico e abarcaas dimenses social, da dignidade e dos direitos humanos, e a dimenso am-biental, pressupondo uma atuao que considere o equilbrio do ecossistema.

    Refletir sobre o microcrdito na tica do desenvolvimento o que este ar-tigo se prope fazer. O objetivo o de analisar o microcrdito enquadrando-onuma perspetiva mais alargada de desenvolvimento. Apesar do aumento dainvestigao em torno desta temtica, a tarefa contnua complexa, pois aindase conhece muito pouco acerca do microcrdito, nomeadamente em Portugal,bem como dos processos subjacentes e dos impactos gerados. neste m-bito que o presente artigo foi proposto. Centrando-se na anlise do microcr-dito, procura aprofundar o conhecimento sobre as formas de financiamento, ofuncionamento dos empreendimentos criados, as dinmicas de empreendedo-rismo e o impacte gerado nas comunidades de insero.

    Revisitando as concees tericas de desenvolvimento e de microcrdito,analisa-se com maior profundidade a experincia da Associao Nacional deDireito ao Crdito (ANDC). Trata-se de uma iniciativa de microcrdito, inte-grada no contexto da economia social, que se afirma comprometida com osobjetivos de incluso social, gerao de emprego e de rendimento. A an-lise deste estudo de caso permite referenciar, em particular, as caractersticasdo microcrdito em Portugal, enquadradas no mbito da economia social, erefletir sobre o seu contributo para o desenvolvimento sustentvel.

    Esta tambm a reflexo que ao nvel das cincias da comunicao, temfeito emergir novas reas de investigao, das quais se destacam a comuni-cao para o desenvolvimento e para a sustentabilidade, drivers de um mo-vimento de maior alcance. Isto, no pressuposto de que as relaes pblicasno devem ceder, no que concerne a estas matrias, ao que h muito se temrevelado como um sinal de marketing de prestgio e no tanto, como seriadesejvel, como uma atitude bem interiorizada das organizaes, condioessencial para a afirmao da sustentabilidade em toda a atividade humana.

    Concees de Desenvolvimento

    O conceito de desenvolvimento, enquanto processo de mudana socioecon-mica, teve seu apogeu no contexto da revoluo industrial. Neste perodo deformao da sociedade moderna, os valores da sociedade tradicional, subme-

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    tidos a uma moralidade crist (Lechat, 2002), foram substitudos por novosreferenciais, tendo-se consolidado a necessidade de acumulao de riqueza.Polanyi (1980) destaca o fato de, desde o sculo XIX, se ter vindo a perpe-tuar na sociedade capitalista uma conceo que subordina o ser humano aoprimado do econmico, a que designa de sofisma economicista, a qual, se-gundo o autor, confunde economia com mercado. Ao colocar o mercado emdestaque e ao consider-lo como um poderoso agente mobilizador das dinmi-cas socioecnomicas, foi-lhe atribuda primazia e isolado de entre as demaisdimenses da vida social.

    Estas condies sociais e histricas, emergentes da modernidade, condu-ziram a uma conceo de desenvolvimento assente no primado do modeloeconmico e da noo de que s se poderia evoluir atravs do avano tec-nolgico e do conhecimento cientfico (Almeida, 2010). Com base nesta ideiade progresso, assente nos avanos tcnico-cientficos e econmicos das soci-edades, os governos redirecionaram as suas economias e impulsionaram asestratgias empresariais para a inovao tecnolgica, crescimento da indstriae orientao para a produo e consumo em massa.

    A partir do final da dcada de 1960, este paradigma de desenvolvimentocomea a ser questionado. Primeiramente, foi posto em causa pelos investi-gadores que denunciaram as crescentes assimetrias na distribuio do rendi-mento e o processo de degradao do meio ambiente, dada a excessiva explo-rao dos recursos naturais e desequilbrio dos ecossistemas. Posteriormente,foi tambm despoletado pelos movimentos sociais, que alertaram para o factode que ao se considerar o desenvolvimento como um padro mundial se estavaa ignorar as realidades locais e as suas especificidades. Como Becker (2011)salienta, emerge, neste perodo, uma nova sensibilidade social que ultrapassao foco do econmico e coloca em evidncia as crises sociais e ambientais,resignificando o parmetro moderno de desenvolvimento e imprimindo ou-tro olhar sobre a relao homem/natureza e sobre os impactos negativos domodelo dominante de desenvolvimento.

    Refletindo esta onda de mudana, por volta de 1972, o Relatrio de Mea-dows, com a publicao The limits to growth1, comprova a finitude dos recur-

    1 Os limites do crescimento Este estudo enfatiza o cenrio catastrfico da produoatravs de estudos matemticos que demonstrou cinco variveis analticas: crescimento indus-trial, crescimento populacional, poluio, produo de alimentos e utilizao de recursos norenovveis.

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    sos naturais, o impacto da industrializao e demonstra que ainda existe tempopara se proceder a mudanas significativas nas posturas desenvolvimentistas.A partir da, emerge uma srie de eventos mundiais2 e de debates tericos queprocuraram desconstruir o mito do desenvolvimento, enquanto progresso comum forte enfoque economicista, contribuindo para a formulao de um novoparadigma, designado de desenvolvimento sustentvel.

    Neste contexto, amplia-se tambm a conceo de desenvolvimento. Em-bora inicialmente estivesse muito associado viso econmica e empresarial,esta passou a incorporar tambm um carcter social e ambiental, para alm doeconmico, dando origem a um novo conceito. Paralelamente, passou tam-bm a estar associado aos trs segmentos organizacionais: organizaes nolucrativas, empresariais e sectores pblicos, sendo reconhecido que os pro-cessos de desenvolvimento ocorrem igualmente no mbito da sociedade civil,no se restringindo ao universo empresarial.

    neste contexto que se enquadram as iniciativas de apoio ao microcr-dito. Ao permitir que largas franjas da populao, anteriormente excludasda participao direta da atividade econmica, possam integrar as dinmicasdo mercado e da economia, cria-se no apenas a possibilidade de gerar no-vas dinmicas de desenvolvimento, como se ultrapassa uma viso restrita dodesenvolvimento, uma vez que o microcrdito tem diretos impactes no microempreendedorismo e, indiretamente, efeitos na reduo de pobreza, inclusosocial, qualidade de vida, e afirmao dos direitos humanos. Os amplos im-pactes que exerce no sistema, em muito, ultrapassam a dimenso econmica.Surge fundamentalmente como veculo de transformao das condies devida e dos comportamentos, tendo importantes efeitos transformacionais dire-tos e de mudana social.

    O micro empreendedorismo ao permitir romper com formas de pensar ouagir e, no raramente potencia a crtica aos modelos tradicionais. Assim, em-bora o microcrdito esteja associado criao de uma atividade econmica,configura-se efetivamente numa alterao das condies de vida das popula-es incorporando valor social relevante, que em muito ultrapassa o primadodo econmico e, atravs dele, promove a transformao social.

    2 Destacando a Conferncia de Estocolmo sobre meio ambiente, organizada pelo ProgramaAmbiental das Naes Unidas (UNEP), em 1972, a Declarao de Cocoyoc (1974), o Relatriode Bruntland (1987), a Eco-92 (1992).

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    O microcrdito assume-se fundamentalmente como uma forma de inter-veno financeira com implicaes nos processos de desenvolvimento. Per-mite e potencia aes que so iniciadas pelos atores sociais, responde a umanecessidade, oferece solues que ganham importncia econmica e social epromove mudanas sociais profundas. Ao criar condies para a emergn-cia de lgicas empreendedoras em populaes anteriormente excludas, geramudanas de atitude e alteraes nos comportamentos institudos, modifica ascondies de vida e contribu para a prpria transformao social. O micro-crdito tem sido, neste contexto, frequentemente referenciado como uma ini-ciativa de afirmao de modelos alternativos de desenvolvimento, obrigandoa alargar a conceo restritiva do paradigma desenvolvimentista tradicional.

    O microcrdito como via para um desenvolvimento mais sustentvel

    O microcrdito consiste na prestao de um servio financeiro concessode crdito aos indivduos mais carenciados e pobres de uma sociedade que,por esse motivo, no teriam acesso ao crdito de acordo com os parmetrosconvencionais. Em circunstncias normais, o acesso ao crdito condicio-nado pela imposio de garantias, constituindo-se estas no fator determinantede acesso ao financiamento. Neste sentido, todos os indivduos que detenhammenores condies econmicas esto partida excludos da possibilidade departiciparem na criao de atividade econmica.

    Apesar de no haver uma definio consensual de microcrdito, algunsaspetos predominam como consensuais, designadamente: (i) o facto de nose destinar ao consumo; (ii) ser um instrumento facilitador da incluso social;(iii) estar associado a altas taxas de reembolso. No sentido de clarificar os ob-jetivos a que os programas de microcrdito se destinam, Muhammad Yunus3

    (2008: 106) estabelece duas categorias de programas distintos. A primeiracategoria integra programas que se destinam erradicao da pobreza, semexigncias de garantias e com baixas taxas de juros. A segunda categoria in-

    3 Muhammad Yunus nasceu no Bangladesh em 1940. Iniciou os estudos em Economia em1955, na Universidade de Dhaka, onde terminou o mestrado em 1961, tenho-lhe sido conce-dido uma bolsa de estudo para realizar o doutoramento nos Estados Unidos da Amrica. Dosmuitos prmios que lhe foram atribudos, destaca-se o Prmio Nobel da Paz, atribudo conjun-tamente ao Banco Grameen, em 2006, pelo seu empenho na erradicao da pobreza atravs dodesenvolvimento do microcrdito.

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    tegra programas disponibilizados por empresas financeiras tradicionais. Estetipo de microcrdito no comparvel com o proposto por Yunus, uma vezque as suas caractersticas so exatamente opostas s anteriormente referidas:destina-se ao consumo imediato, exige garantias que podem ser apenas osalrio , no facilita a incluso social e est associado a elevadas taxas dejuro, devido aos riscos que comporta.

    Como sistema estruturado alternativo ao sistema de crdito tradicional,as experincias que se revelaram de sucesso, tanto em pases desenvolvidos4

    como nas economias menos desenvolvidas5, inspiraram-se no modelo de Yu-nus. Este considerado como aquele que melhor potencia os efeitos desteinstrumento, multidimensional na sua gnese, pois surge associado a iniciati-vas que visam o desenvolvimento sustentvel, nas suas mltiplas dimenses,indo para alm do mero desempenho econmico.

    A popularidade deste conceito deve-se certamente atribuio, em 2006,do prmio Nobel da Paz a Yunus. Foi em 1976, no Bangladesh, que Yunus,com apenas 27 dlares, satisfez as necessidades de crdito de 42 pessoas. Aobservao do fenmeno da fome que se abateu sobre o Bangladesh em 1974despoletou em Yunus o desejo (e o dever) de contribuir para a soluo daqueleflagelo. Diretor do Departamento de Economia da Universidade de Daca,a constatao do desencontro entre as teorias econmicas que ensinava e arealidade exterior levaram-no a sair do campus e descer s aldeias mais pobres,nomeadamente Jobra, aldeia contgua Universidade, com a finalidade deestudar formas de ajudar as populaes.

    No foi preciso muito tempo para Yunus perceber que perante as regrasde financiamento existentes, pouca gente tinha acesso ao crdito institucional.O financiamento nas vrias reas de negcio, desde a agricultura ao simplesfabrico de objetos como tamboretes de bambu, era concedido por prestamistasque cobravam taxas de juros elevadas que podiam atingir os 10% ao dia. Emalternativa aos prestamistas, existiam os paikars intermedirios que em-prestavam dinheiro para matria-prima sob a condio de o produto acabadolhes ser vendido com margens to baixas que no permitiam que as pessoasabandonassem o ciclo de misria a que estavam sujeitas, inviabilizando qual-

    4 Association pour le Droit lInitiative conomique (ADIE) em Frana, Princes Trust noReino Unido.

    5 Banco Grameen no Bangladesh.

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    quer possibilidade de o negcio se tornar sustentvel. Tratava-se indiscuti-velmente de uma forma de escravatura (Yunus, 1997: 25).

    Aps vrias tentativas e abordagens, Yunus chega concluso que a so-luo institucional que procurava para aliviar a pobreza e o ciclo de misriadaquelas comunidades passaria por crdito concedido pela banca. Em Dezem-bro de 1976 consegue, finalmente, o primeiro emprstimo sob a sua fiana,responsabilizando-se pela burocracia inerente aos pedidos de emprstimo faceao banco. Nas palavras de Yunus, para o banco, eu era o nico que contava(Yunus, 1997: 118). A questo central neste apartheid financeiro, criadopela banca, ao excluir os pobres, relacionava-se com as garantias. No BancoGrameen6, entretanto criado, o acesso ao crdito pelos mais pobres era feitosem garantias tendo revelado um alto ndice de retorno (98,6% dos emprsti-mos concedidos foram pagos). Para Yunus os emprstimos so pagos porqueos pobres sabem que essa a nica oportunidade que tm para escapar po-breza. E no tm qualquer interesse em falhar ou voltar atrs (Yunus, 1997:119).

    Numa breve incurso sobre os principais aspetos que caraterizam o mi-crocrdito, segundo o modelo proposto por Yunus, podemos elencar diversasvalncias que suprimem necessidades elementares. O microcrdito ao influ-enciar positivamente a reduo da pobreza, a incluso social, o empowermentdas mulheres, a liberdade e dignidade humana, a criao de emprego, a cria-tividade e o empreendedorismo, contribui, direta ou indiretamente, para a su-presso de fatores bsicos que impedem ou obstaculizam o desenvolvimento.

    No que se refere ao seu impacto na reduo da pobreza importa considerareste conceito numa dimenso mais ampla. A diversidade de conceitos acercado que seja a pobreza, encontrada na literatura da especialidade, frequente-mente associa este conceito ao de excluso social. A expresso mais visvelde ambos os problemas pobreza e excluso social recai, em primeira ins-tncia, na observao e avaliao sobre as condies de vida dos indivduos,como o direito alimentao, condies de habitao, o modo de vestir, oestado de sade, etc. Todavia, a pobreza uma realidade bem mais ampla e

    6 Banco Grameen (significa Bancoda Aldeia, em bengali, lngua oficial do Bangladesh).O Banco Grameen foi criado em 1983, por Muhammad Yunus, face s resistncias oferecidaspela banca tradicional, em conceder crdito aos pobres, por estes no oferecerem garantias.Especificamente dirigido aos pobres, o Banco Grameen foi o primeiro banco especializado emmicrocrdito, concedendo emprstimos sem pedir garantias.

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    complexa do que um conjunto de carncias materiais permite perceber (. . . )porque atingem o ser humano como um todo, no sofrimentos e afetos, no exer-ccio da inteligncia e da vontade, nos hbitos e comportamentos, na incertezaquanto ao dia de amanh (. . . ) (Costa et al., 2008: 23). Acerca do que aincluso social, a primeira ideia a reter a de que se trata do lado positivodo conceito de excluso social, querendo isto dizer que existe um continuumde incluso-excluso. Segundo estes autores, o nico estado possvel de serdefinido o da forma extrema de excluso, entendida como situaes em quetodos os laos da pessoa com os outros e com a sociedade se encontram emestado de rutura. Daqui resulta a necessidade de estabelecer um referenciala partir do qual se assume o estado de incluso/excluso. Todavia, algumasnoes como a igualdade, a justia e a capacidade (de funcionar) sustentama forma como as instituies funcionam (o sistema educativo, o mercado detrabalho, o acesso a bens e servios, etc.), bem como os critrios que medemo grau de incluso/excluso do indivduo (Costa et al., 2008: 74-75).

    Esta foi tambm a observao que constituiu o ponto de partida para Yu-nus na conceo do microcrdito. Ou seja, a pobreza retratada como umfenmeno de natureza multidimensional, cuja soluo deveria incluir aspetosque visassem a melhoria integrada das diferentes dimenses da vida dos in-divduos. Nesta tica, antes de mais, o microcrdito foi concebido para serum instrumento focado na pobreza, que tem por objetivo a sua erradicao,ao mesmo tempo que contribui para a incluso plena de grande parte da po-pulao excluda, ou em vias de o ser, por via da sua reabilitao econmica