compreensão dos problemas de aprendizagem na formação … · 2009-12-09 · dificuldades e...

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Compreensão dos problemas de aprendizagem na formação docente: uma questão em aberto. 1 Joice Estacheski 2 Marjorie Bittencourt Emílio Mendes 3 RESUMO Este artigo visa refletir a respeito de uma questão essencial dos cursos de formação de docentes: como tem se dado a compreensão por parte dos futuros educadores a respeito das dificuldades apresentadas pelos alunos nas salas de aula, da primeira etapa do Ensino Fundamental. Percebendo que esta deve ser uma preocupação presente em tais núcleos formadores, abordamos questões fundamentais sobre o Estágio Supervisionado, que deve estar comprometido efetivamente com a articulação entre teoria e prática, as concepções que devem se fazer presentes nesses espaços, a realidade da escola pública em termos de clientela, as quais irão exigir dos professores comprometimento e compreensão frente às suas dificuldades e diferentes visões. Frente a esta problemática, apontamos as contribuições da psicopedagogia, que fundamentarão o trabalho docente na superação das dificuldades encontradas em sala de aula de forma científica. Palavras chave: Dificuldades de aprendizagem. Formação de professores. ABSTRACT This article report aims to reflect about an essential question of the courses of teacher’s improvement: how is being the understanding on the part of the future educators regarding the difficulties presented by the students in the classrooms, of the first stage of Basic Grade. Perceiving that this must be a present concern in such formation nucleus, we approach basic questions on the Supervised Training, that must be engaged effectively with the union between theory and practice, the conceptions that must be in these spaces, the public school’s reality in clientele terms, which will demand of the teachers engagement and understanding in front of its difficulties and different sights. In Front of this problem , we point the psycopedagogy contributions, that will base the teaching work on the overcoming of the difficulties found in classroom of scientific form. Key words: Difficulties of learning. Teacher’s training 1 Artigo apresentado como trabalho de conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE - Promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – 2008. 2 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do Paraná – SEED e participante do Programa de Desenvolvimento Educacional PDE 2008. Especialista e Psicopedagogia Clínica e Institucional. Professora Colaboradora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Contato: [email protected] 3 Professora orientadora da produção do artigo. Professora na Universidade Estadual de Ponta Grossa no Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino. Mestre em Educação. Coordenadora do colegiado do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Contato: [email protected]

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Page 1: Compreensão dos problemas de aprendizagem na formação … · 2009-12-09 · dificuldades e diferentes visões. Frente a esta problemática, apontamos as contribuições da psicopedagogia,

Compreensão dos problemas de aprendizagem na formação docente: uma questão em aberto.1

Joice Estacheski 2

Marjorie Bittencourt Emílio Mendes3

RESUMO

Este artigo visa refletir a respeito de uma questão essencial dos cursos de formação de docentes: como tem se dado a compreensão por parte dos futuros educadores a respeito das dificuldades apresentadas pelos alunos nas salas de aula, da primeira etapa do Ensino Fundamental. Percebendo que esta deve ser uma preocupação presente em tais núcleos formadores, abordamos questões fundamentais sobre o Estágio Supervisionado, que deve estar comprometido efetivamente com a articulação entre teoria e prática, as concepções que devem se fazer presentes nesses espaços, a realidade da escola pública em termos de clientela, as quais irão exigir dos professores comprometimento e compreensão frente às suas dificuldades e diferentes visões. Frente a esta problemática, apontamos as contribuições da psicopedagogia, que fundamentarão o trabalho docente na superação das dificuldades encontradas em sala de aula de forma científica.

Palavras chave: Dificuldades de aprendizagem. Formação de professores.

ABSTRACT

This article report aims to reflect about an essential question of the courses of teacher’s improvement: how is being the understanding on the part of the future educators regarding the difficulties presented by the students in the classrooms, of the first stage of Basic Grade. Perceiving that this must be a present concern in such formation nucleus, we approach basic questions on the Supervised Training, that must be engaged effectively with the union between theory and practice, the conceptions that must be in these spaces, the public school’s reality in clientele terms, which will demand of the teachers engagement and understanding in front of its difficulties and different sights. In Front of this problem , we point the psycopedagogy contributions, that will base the teaching work on the overcoming of the difficulties found in classroom of scientific form.

Key words: Difficulties of learning. Teacher’s training

1 Artigo apresentado como trabalho de conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional

– PDE - Promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – 2008.

2 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do Paraná – SEED e participante do

Programa de Desenvolvimento Educacional PDE 2008. Especialista e Psicopedagogia Clínica e

Institucional. Professora Colaboradora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da

Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Contato: [email protected]

3 Professora orientadora da produção do artigo. Professora na Universidade Estadual de Ponta

Grossa no Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino. Mestre em Educação. Coordenadora do

colegiado do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Contato: [email protected]

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INTRODUÇÃO:

Atualmente existe uma preocupação muito grande com a qualidade

de ensino nas nossas escolas, principalmente no que tange à primeira etapa

da, educação básica, ou seja, no que diz respeito aos anos iniciais. Não

podemos esquecer que os principais agentes de mediação conhecimento-

aprendizado nesse processo de escolarização são os professores. Sendo

assim, nossa preocupação maior é refleti,r através do presente trabalho, a

respeito da necessidade em explicitarmos tal discussão no curso de formação

de professores em nível médio.

Sara Pain (1987) nos fornece algumas contribuições para que o

futuro professor compreenda as problemáticas relacionadas à construção do

conhecimento quando salienta a necessidade de se pensar a aprendizagem,

não só como um processo, mas também como uma função, que vai além da

aprendizagem escolar que envolve tanto um sujeito que aprende, como um

outro que ensina. Portanto, aquele que ensina deve se comprometer em

transmitir o conhecimento para que o sujeito possa transformá-lo, não sendo

outra função da aprendizagem. Há que se considerar, porém, para que essa

relação se processe, existir confiança naquele que ensina, uma vez que o

aprendente precisa reconhecer o ensinante e autorizá-lo, para que haja de fato

a construção do conhecimento.

Sabe-se que o ensino é centrado num processo transferência, na

idealização que se presentifica numa suposição de saber, tendo, portanto, o

educador um papel psicopedagógico importante a desenvolver no cotidiano de

suas práticas; no dia a dia com seus alunos. Trata-se de trabalhar a

transferência, compreendendo que o que se revela na queixa relacionada a um

não-saber, ou seja, o que se atualiza nesse sintoma é a representação da

angústia de castração. Assim, ao vincular-se transferencialmente ao professor,

o aluno procede uma idealização, condição necessária fundamental para que

se dê, segundo Lacan, citado por Parga (2001), o início de qualquer

possibilidade terapêutica. Tal se caracteriza pelo crédito ao outro, de um saber

específico, fundando a possibilidade de estabelecer um vínculo transferencial

positivo, que se fundamenta na atribuição ao professor do lugar do sujeito do

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suposto saber. No entanto, dialeticamente, o que se constitui como uma

possibilidade, ao mesmo tempo, pode representar um impasse, na medida em

que, muitas vezes, ao encarnar o lugar fálico do saber, o professor reforça, por

identificação, a impossibilidade do aluno de aprender.

Márcia Parga (2001) coloca-nos que o caminho terapêutico na

prática pedagógica reside no oferecimento ao aluno na possibilidade de

descobrir que, de fato, esse saber do professor é só suposto, para que, assim,

este possa desmistificar o lugar imaginário da completude. Objetiva-se,

portanto, fazer o aluno superar essa identificação para que possa ter um

modelo próprio. Nesse sentido, o ponto de partida de ajuda às crianças com

problemas de aprendizagem reside numa orientação aos professores e futuros

professores para que possam aceitar o seu próprio não-saber. Trata-se da

possibilidade de se oferecer, enquanto educador, como um espelho, onde o

outro, a partir da imagem refletida, pode suportar, de uma forma tranqüila, a dor

da falta, assim como ratifica Madalena Freire (1992), nesse pensamento:

“Educar a falta é a fonte do desejo de aprender” (p.11).

Com vistas a desenvolver ações que propiciem a superação dos

problemas de aprendizagem, o educador deve contribuir para que a criança

integre seu passado, vivenciando o presente e projetando o futuro, elaborando

seus lutos e a partir da recordação devem ressignificar suas perdas. De outro

lado, o educador deve ajudar a família a desmistificar o problema de seus

filhos, reintegrando a imagem que se tem deles. É, portanto, de primordial

importância saber o porquê em reforçar os aspectos positivos que a criança

possui, não centralizando na problemática, mas, ao contrário, apontando seus

recursos disponíveis, caracterizando de forma clara uma aliança com as futuras

possibilidades. O educador deve, portanto, ser uma testemunha da

possibilidade do conhecimento.

É tarefa do educador ainda, fazer com que a criança construa a

possibilidade de se auto-avaliar, para que se aproprie de seu potencial e

busque o sinal interno da satisfação lógica, condição essencial no “processo de

metacognição” (Parga, 2001). Sob essa ótica, um olhar psicopedagógico do

processo educativo deve se comprometer com o desenvolvimento da

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satisfação interna da criança na realização de tarefas, buscando a construção e

o desenvolvimento da autonomia, objetivando que esta realize uma passagem

de um funcionamento desorganizado, para uma organização; superando a

simbiose na direção da independência; ultrapassando a diferenciação para se

diferenciar; caminhando da dissociação para a síntese e do realismo à

representação.

A relação professor-aluno se constitui numa possibilidade para que a

criança se recoloque e, a partir do outro, ressignifique suas posições e

dificuldades. Nesse sentido, o professor deve se preocupar com o

desenvolvimento integral da criança, propiciando a aproximação escola-família,

vinculando sempre o aluno ao prazer de aprender, permitindo, assim um

mecanismo de identificação desta com o processo de aprendizagem. No

entanto o professor deve ter consciência plena desta função bem como deve

rever o seu próprio gozo ao aprender.

O professor deve funcionar como o indivíduo que nutre, alimenta,

aceita ataques e possibilita a reparação, coloca limites e, principalmente, se

conscientiza tranqüilamente de seus próprios erros e falhas, se descartando do

discurso militante, onde se finca como um porta-bandeira do saber.

Qualquer que seja a interferência psicopedagógica dentro de um

caráter institucional e preventivo deve incluir permanentemente a necessidade

de submeter o docente a um processo corretor de sua própria aprendizagem,

para que possa internalizar e concluir que para aprender é preciso não saber.

Entendemos que, tais concepções são fundamentais no Curso de

Formação, visto que é nesse espaço que o professor deverá desenvolver as

análises do fazer pedagógico e da reconstrução da prática, conscientizando de

que precisa encontrar diferentes formas de garantir o conhecimento a todos os

seus alunos.

O professor poderá desenvolver sua prática de forma mais completa

se possuir conhecimentos que se voltem às dificuldades de aprendizagem, pois

será somente assim que saberá da necessidade em ser um construtor de

vínculos positivos, o que lhe fornecerá um olhar diferente para sua prática.

Através de vínculos positivos, poderá perceber, por meio das sinalizações dos

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alunos, como o fenômeno da comunicação está acontecendo em sala de aula.

Pichon Rivière, grande colaborador da psicopedagogia e citado por

Soares (2003), com sua teoria do vínculo, dá uma contribuição notável para a

educação que permite analisar a relação professor-aluno em três dimensões:

corpo, mente e mundo exterior. Tais dimensões se integram dialeticamente,

levando em consideração a dimensão mais importante: a humana. Estudam,

portanto, o ser humano na sua totalidade, configurando uma Gestalt própria

para cada sujeito.

Assim, a teoria do vínculo e Pichon Rivière nos permite perceber a complexidade de ações e reações que põem acontecer numa sala de aula. Se o professor não tiver conhecimento para lidar com tais situações, poderá contribuir, sem desejar, para a construção de vínculos negativos com ele, com a matéria. (Soares, 2003:17).

São imensas as contribuições da psicopedagogia para a prática de

sala de aula, sendo que o olhar, o ver o ouvir e escutar, somados com o pensar

sem julgar e sentir para agir, configuram uma atuação suficientemente boa do

professor que almeja construir uma prática psicopedagógica preventiva.

Mas, voltando ao binômio pensar sem julgar, o que queremos dizer

com isso? Quando estamos vendo, ouvindo e escutando uma criança,

conseguimos perceber como este ser está pensando, e às vezes podemos nos

deparar com uma situação imprópria, como a de uma criança de 8 anos de

idade que atua mentalmente como uma de 5 anos. O que fazer? Julgar?

Cobrar da criança uma conduta adequada? Ou seria melhor rotulá-la?

Borges (1994) assinala que o grande salto para o trabalho efetivo,

eficiente e eficaz é o professor descentrar, ou seja, sair de si mesmo para

entender e agir com a lógica do outro e, a partir disso, reconstruir a história do

sujeito, respeitando a sua singularidade; é perceber em que movimentos este

ser está (indiferenciado, diferenciado, separado ou integrado) frente do

conhecimento para o início do resgate. A parceria ideal seria: pensar x

cooperar.

E as teoria? Seriam bons indicadores? Várias delas são trabalhadas

nos Cursos de Formação de Docentes, porém não apontam os enfoques

psicopedagógicos.

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O construtivismo interacionista é um excelente indicador. Tal

abordagem, apesar de trabalhosa pelo professor (requer muito estudo), é muito

saudável para as crianças, porque respeita o seu funcionamento mental, sua

lógica operatória, e permite a construção de novas aprendizagens por meio do

lúdico – configurando um espaço de prazer e busca do conhecimento.

Soares (2003) apresenta uma leitura psicopedagógica da escola, do

aluno e do professor, onde pontua indicadores que permearam toda a ação

educativa o professor. Eis a síntese da história:

Uma professora solicita aos alunos que tragam para a escola algo

que gostem. Nesse momento, o indicador é a observação. Ela quer observar o

que a s crianças trarão para, posteriormente, construir uma ação docente,

abrindo um espaço de respeito e criação para as crianças. O segundo

indicador foram os princípios ligados ao ato de aprender (atividade,

criatividade, autoridade e liberdade), os quais, devido ao convite feito pela

professora, puderam transitar e espiralar nas crianças. Outro indicador foi a

escuta psicopedagógica da professora, quando percebeu o interesse da turma

pela biologia, propondo então uma pesquisa e proporcionando novas

mobilizações frente ao conhecimento. Esses indicadores foram presentes e

fundamentais no desenrolar da aula, na construção de vínculos positivos com o

conhecimento e na relação vincular com a professora.

Assim, a observação, os vínculos, os princípios ligados ao ato de

aprender, a lógica operatória dos alunos, os movimentos frente ao novo, as

teorias que fundamentam a nossa prática, a escuta psicopedagógica, os

nossos objetivos educacionais como ensinantes (promover sujeitos

socioculturais), os níveis de aprendizagem - organismo, corpo, inteligência,

desejo – que as crianças puderam acionar nas atividades propostas, a

avaliação processual e a auto-avaliação constante do professor se constituíram

em exemplos de indicadores retirados da história, que funcionaram na

construção de uma prática psicopedagógica do professor.

Essa aula ficou rica de oportunidades, tanto para as crianças como

para o professor. A participação do conhecimento sobre biologia reforçou a

auto-estima dos alunos e do professor.

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Através desta experiência, percebemos claramente que os

conhecimentos psicopedagógicos auxiliam inclusive a organização do

planejamento. Através dos mesmos, a possibilidade de prever as ações

pedagógicas, bem como os encaminhamentos a serem dados tornam-se

constantes, visto que propicia ao professor estabelecer vínculos de

aprendizagem coerentes ao processo, e conseqüentemente atingindo os

objetivos que se propõe. Normalmente a ação de planejar é vista como uma

mera atividade burocrática a ser cumprida devido à exigência administrativa e

não como uma referência, tanto para a ação no cotidiano como também para a

avaliação dessas ações.

Nos Cursos de Formação de Docentes a preocupação pelo processo

de escolarização dos alunos é constante. O estudo dos diferentes projetos

existentes ilustra isso: Plano Escolar, Projeto Político Pedagógico, bem como

elaboração de diferentes projetos nas escolas campo de estágio envolvendo os

temas transversais e diferentes disciplinas.

No contato com os alunos do Curso de Formação de Docentes, em

geral, seus discursos condizem com as propostas, no entanto no momento de

executá-las possuem uma dificuldade muito grande em colocá-las em prática.

Daí surgem as questões relativas à dicotomia entre teoria e prática, o que

fortalece a divisão artificial entre o que se considera como conhecimento

teórico ou teórico demais e conhecimentos que se poderiam aplicar à prática,

com sucesso.

Isto me leva a pensar sobre a formação dada em tais cursos, no sentido de que se aquilo que se ensina, se discute, visando a “preparação” ou “aperfeiçoamento pedagógico”, acaba sendo mero adorno, algo inútil e inadequado. (Shirahige, 2004: 96).

A falta de fundamentação teórica que norteia o trabalho do educador

ocorre com freqüência, embora o conhecimento deva ser o alicerce de sua

formação para que haja compreensão do ato de ensinar e do ato de aprender.

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A REALIDADE DO CURSO DE FORMAÇÃO DE DOCENTES EM NÍVEL

MÉDIO: DA FUNÇÃO À REALIDADE.

Análise da função docente

A docência é uma profissão cada vez mais complexa, orientada por

finalidades que, além de nem sempre serem claras, são muitas vezes também

retóricas: “formação integral do indivíduo”, “desenvolvimento das capacidades

básicas”, “transmissão do conhecimento”, “ensino de conhecimentos”,

“atitudes”, “valores”, “habilidades”. De maneira geral, existe uma resistência em

introduzir na definição o fator institucional que redefine e com certeza delimita a

profissão docente: a formação integral do indivíduo (aceitando a definição mais

genérica) não se reduz à relação professor-aluno. É uma atividade que se

realiza em grupo, no contexto de uma instituição escolar de interesse nacional,

que define desde os grandes objetivos da relação até o uso cotidiano do tempo

e do espaço escolares.

Segundo Ibarrola (1998, p. 72), esta conceitualização leva-nos a

encarar a docência de um ângulo pouco analisado, que permite vê-la como

uma profissão que deve articular, de forma consistente e congruente, para

grupos heterogêneos de alunos, uma grande quantidade de lógicas, que nem

sempre coincidem e muitas vezes se contradizem, por meio de decisões

concretas reiteradas em tempos e espaços delimitados institucionalmente.

a) A lógica do conhecimento. Organizado por disciplinas como a

melhor forma de propiciar o conhecimento e o desenvolvimento

do saber, deve focalizar o ensino em outras lógicas: a da

pertinência e a da relevância para os alunos, ou a da relação

entre diferentes grupos de conhecimento.

b) A lógica da aprendizagem, que por seu lado não está nem

teórica nem metodologicamente resolvida e propõe novas

formas de olhar. Para mencionar os extremos, o determinismo

ou a psicologia genética.

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c) A lógica do ensino que responde, da mesma forma, a

diferentes teorias, a distintas focalizações. Novamente, só para

mencionar alguns, a tecnologia educativa e a didática crítica.

d) A lógica dos recursos disponíveis para o ensino, quase sempre

reduzidos e inferiores aos necessários.

e) A lógica da organização institucional, as normas semelhantes

para todo o país, o uso do tempo, o tamanho dos grupos, a

administração oportuna dos recursos, a direção e supervisão

do trabalho docente.

f) Por último, a lógica da avaliação e da certificação do

conhecimento. Esta última, regularmente descuidada ao se

programar mudanças educacionais, acaba por ser

determinante da atividade cotidiana das atividades dos

professores.

Todas essas observações se dão na moldura das definições

implícitas ou explícitas dos valores que a escola deve promover e que se

enfrentam continuamente com tudo aquilo que os alunos e professores vivem

no dia a dia.

O ensino como atividade profissional fundamental é uma síntese

complexa: incorpora no ato de ensinar, num pequeno e aparente

microcosmos, toda a vida política, econômica, social, local, nacional e

internacional.

Mas não é to somente uma atividade profissional complexa. Possui

também uma forte identidade histórica, que em cada país tem diferentes

razões.

Não há dúvida de que o trabalho docente oferece importantes

motivos de satisfação intrínseca. Os professores costumam defender o seu

trabalho como eminentemente criativo, o que se tornaria um traço a mais da

sua identidade profissional.

Nas décadas mais recentes, especialmente na última, esta tríplice

identidade pareceu perder tanto a sua eficiência histórica quanto, e em

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particular, a sua eficiência cultural. Os problemas de aprendizagem de

numerosos grupos de população, aparentemente não resolvidos pelos

professores – e certamente não pelo sistema escolar -, e a falta da presença

institucional expressa na ausência dos professores – pelas péssimas condições

salariais e de trabalho que lhes impôs o sistema -, traduziram-se na

desvalorização dos professores, que foram em grande medida

responsabilizados pela baixa qualidade da educação nacional. A

desvalorização aconteceu de fato no aspecto salarial, na atenção dada às suas

condições de trabalho, de formação e de atualização. Perderam não só a

criatividade, mas também a profissionalização mais elementar, ao se

converterem muitas vezes em meras correntes de transmissão de normas,

planos e programas elaborados em outros lugares e sujeitos as

regulamentações cada vez mais burocráticas. Esta última talvez tenha sido a

maior desvalorização causada a profissionalização docente nas últimas

décadas. Por fim, a docência é também uma vocação básica e é certamente

esta dimensão de vocação que explica que, apesar de todas as dificuldades

pelas que passou o magistério na última década, ainda existam tantas pessoas

interessadas em tornarem-se educadoras.

Muitas mudanças caracterizam hoje a ação docente e

conseqüentemente surgem novas exigências à profissão docente, refletindo

também alguns problemas decorrentes.

Podemos afirmar que a revolução tecnológica que vivemos, a

globalização da economia, o fim das fronteiras causado pelo avanço do setor

das telecomunicações mudaram radicalmente a razão e o conteúdo dos

conteúdos das demandas sociais da educação e das disciplinas básicas do

ensino: a alfabetização, para dar um exemplo, exige a compreensão de

diferentes formas de linguagem – a dos computadores, a da televisão – além

da escrita. Cada vez mais se fala de uma necessária alfabetização científica e

tecnológica, que por sua vez, só será possível quando os professores

estiverem sendo preparados de forma consciente deste novo papel.

Os sistemas educacionais, lugar em que se realiza a profissão

docente, passaram por três grandes mudanças que são impossíveis ignorar.

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“Massificaram-se’ por causa do crescimento das matrículas a números

extraordinários, mas utilizando as mesmas práticas de gestão pedagógica e

acadêmica; converteram-se em sistemas claramente heterogêneos, dada a

heterogeneidade cultural, étnica, socioeconômica de alunos e professores;

empobreceram-se porque, paradoxalmente, o crescimento dos sistemas fez-se

acompanhar de uma diminuição do orçamento destinado à educação.

Como conseqüência destas tendências contrárias, da dinâmica

crescente da matrícula à diminuição do financiamento, não só a questão da

abrangência insuficiente que se destaca entre os resultados da educação.

Dados que têm sido enfatizados pela pesquisa educacional referem-se a

problemas de evasão e, em especial, de reprovação. Por um lado, a população

escolar vai à escola durante muitos mais anos de escolaridade do que seria

necessário pra obter uma certificação; por outro, a população com maior

certificação escolar não demonstra domínio do conhecimento certificado. Estes

resultados deficientes são tidos como de responsabilidade do professor,

ignorando-se a influência determinante da organização institucional que está

neles implícita bem como os déficits na formação do professor.

Outra mudança crucial, diz respeito ao avanço do conhecimento, a

complexidade do desenvolvimento mundial, as transformações do sistema

escolar que conduziram à perda da hegemonia da pedagogia e da didática

como focalizações capazes de explicar o que ocorria e encarar de forma

profissional a educação necessária. Assim, as ciências da educação vêm a

campo explicando a “massificação”, a heterogeneidade, o empobrecimento.

Trazem enfoques explicativos decisivos para os estudos da educação – como a

teoria da reprodução – e deslocam a pedagogia e até mesmo a didática. Mas

quando é hora de trabalhar diante do grupo, dentro de sala de aula, na escola,

esgotam a sua capacidade explicativa, perdem a sua capacidade de encarar o

problema e, sobretudo, de oferecer linhas de solução e de ação. Estamos

também numa difícil crise de unidade e síntese dos conhecimentos específicos

para tornar a docência uma profissão socialmente eficiente, buscando

desenvolver mecanismos que venham a superar as dificuldades emergentes no

interior de nossas salas de aula.

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A partir destas mudanças, é possível afirmarmos que as estratégias

institucionais para a formação dos docentes são bastante complexas. De

maneira geral, a docência exige uma formação especializada, apesar da

quantidade de professores que não cumprem este requisito.

A maioria dos alunos reconhece que só terão verdadeira formação

quando iniciarem a vida profissional propriamente dita, quando começarem a

ter a experiência direta, a observar, a comparar-se com outros colegas, quando

trocarem idéias e experiências nas instituições, quando encontrarem um

professor para dar-lhes apoio, ânimo, ensino.

Mas se analisarmos quais são as condições de trabalho no ensino

fundamental, perguntar-nos-emos em que momento pode haver uma atenção

ao desenvolvimento profissional dos professores que estão encarregados dos

centros escolares.

Não podemos deixar de centralizar a formação no período em que

se dá especificamente, pois não temos garantia do aprendizado posterior de

forma comprometida com a prática social que caracteriza a profissão de

docente.

Devemos garantir critérios na formação docente que estarão

colaborando para a atualização e aprimoramento do magistério. Devemos

focalizar a formação docente no domínio do trabalho diante do grupo e propor

como objetivo evitar o fracasso escolar. Para isso, colocamo-nos diante de dois

problemas, como aponta Ibarrola (1998. p. 82):

a) Revisão substancial dos programas e planos de

estudo, que não parecem atender à diversidade da

população e insistem que as crianças vão aprender

em seis anos o que ali está dito, enquanto a evidência

nos indica que a maioria requer um ou dois anos a

mais para acabar e que muitos, durante anos, não

conseguem aprender;

b) Análise do processo de evasão de uma criança do

ponto de vista do processo de resistência em ficar na

escola anos e anos até que finalmente a

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escola consegue mandá-la embora sem compreender

as suas necessidades concretas de aprendizado.

Faz-se pertinente também, ampliar o domínio de diferentes métodos,

técnicas e estratégias, com base na premissa de que a necessidade de um

grupo escolar concreto não está impressa em nenhum manual e a seleção dos

que correspondem ao momento específico dos alunos depende da capacidade

profissional do professor de grupo.

Além disso, parece pertinente oferecer uma grande variedade de

materiais de apoio. O professor parece ser o único profissional obrigado a

trabalhar sem instrumental “profissional” básico.

É necessário, ainda, integrar a formação de conteúdo e método

como coisas ligadas e articuladas de maneira muito próximas. A mudança nos

campos do conhecimento – as matemáticas, a geografia, a história, o civismo -

torna evidente que a didática geral neste momento volta a ser insuficiente,

embora em alguma época o avanço conceitual mais importante tenha sido

passar as didáticas específicas à didática geral. Nestes tempos, a situação do

conhecimento coloca mais uma vez a necessidade de acoplamento de

diferente didáticas , relacionando sempre o conteúdo com a sua forma

específica de ensino.

Por outro lado, aquele slogan que diz que é preciso partir das

necessidades dos professores, já soa antigo, embora toda prática institucional

de formação de docentes pareça ter se distanciado enquanto propunha cursos

genéricos que pudessem replicar-se, multiplicar-se, generalizar-se,

esquecendo as necessidades de cada escola. Não foi pensado que a

massificação, a heterogeneidade, o empobrecimento do sistema exigiriam

novas formulações concretas desse princípio e, sobretudo, novas estratégias

de aproximação dos professores. Mas acaba por ser também indispensável

articular e unificar a capacitação em torno do trabalho cotidiano, ou seja, fazer

da escola também o ponto de chegada da capacitação.

Além disso, é preciso que se propiciem aos professores as mesmas

formas profissionais de profissionais de atualização e capacitação de outras

profissões, especialmente a profissão acadêmica: encontros com especialistas,

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com acadêmicos de outros níveis do sistema educacional e de outras áreas do

conhecimento, congressos, etc.

Fica claro que as mudanças de atualização e superação do

magistério não requerem só novos programas, novos conteúdos, lógicas

diferentes de articulação do conhecimento, priorizar em métodos em vez de

disciplinas científicas, mas exigem uma reorganização do trabalho na escola,

uma reorganização dos programa de atualização e aprimoramento e um bom

financiamento.

A realidade do curso de formação de docentes em nível médio

Tendo em vista a preocupação de que há uma necessidade emergente

na compreensão das dificuldades de aprendizagem por parte dos futuros

professores, desenvolvemos uma pesquisa para investigar como essa questão

vem sendo debatida, analisada e encaminhada no Curso de Formação de

Docentes, e quais são as expectativas dos futuros professores com relação à

sua prática profissional.

Embora a amostra da pesquisa fosse pequena, os resultados

confirmaram nossa suspeita de que tais profissionais acabam por concluírem o

curso sem os devidos conhecimentos de como identificar as dificuldades de

aprendizagem e, menos ainda, de como proceder assim que sejam detectadas.

O profissional não possui, portanto, condições de auxiliar na superação dessas

dificuldades apresentadas por seus alunos.

Ao longo de nossa experiência de pesquisa, vínhamos nos deparando

com aspectos relativos à formação e à prática dos professores, tangenciais à

questão do trato com as dificuldades de aprendizagem e de certa forma

convergindo para um estudo mais sistemático dessa questão. O Curso de

Formação de Docentes propicia a compreensão suficiente sobre as

dificuldades de aprendizagem? Qual o entendimento por parte das alunas

sobre o tema “dificuldades de aprendizagem”? No entendimento das alunas o

que se consideram problemas de aprendizagem? Qual ou quais as disciplinas

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que propiciam melhores reflexões sobre o assunto? O futuro professor sente-se

seguro para atuar em sala de aula com pleno conhecimento das dificuldades

de aprendizagem que irá deparar-se? Quais as experiências sobre as quais

houve reflexão e discussão para estabelecimento de um determinado

encaminhamento?

Atentando para essa série de interrogações, propusemos nosso estudo

sobre o conhecimento das dificuldades por parte dos futuros professores em

uma etapa básica, contemplando nossas indagações. Aplicamos um

questionário com as indagações apresentadas, estabelecendo sempre a

justificativa de cada resposta e percebemos claramente que as alunas têm

consciência de que o curso deveria ir muito mais além.

A escola não pode limitar-se à função de ensinar. Exige-se-lhe, cada vez mais, a função de ensinar e a ocupação educativa dos tempos livres com ações pedagógicas. A escola deve estar cada vez mais próxima da realidade. Muitos dos problemas enfrentados por ela relacionam-se com a crescente diversidade cultural e social dos alunos. (Veiga 2002:68).

A concepção de escola é outra. É preciso refletir sobre o processo de

formação para colocar à disposição de todos os alunos o acesso aos bens

culturais. O aprimoramento do processo de formação requer muita ousadia e

criatividade. Dada a importância do trabalho do professor para a melhoria do

atendimento escolar, fica evidenciada a necessidade de investir na qualidade

de formação profissional para o magistério e no aperfeiçoamento das

condições de trabalho nas escolas.

A amostra da pesquisa demonstra a consciência das alunas quanto ao

déficit com relação à sua formação, considerando-a deficitária e não

contemplativa à compreensão a respeito das dificuldades de aprendizagem que

poderão vir a enfrentar em sua atuação profissional. Vejamos algumas

declarações com relação à questão sobre a suficiente compreensão a respeito

das dificuldades de aprendizagem:

“O assunto não é tratado com a devida importância.”

“Não existe uma matéria específica e os professores das outras matérias

acabam não nos orientando com relação a essas questões.”

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“Os professores colocam o futuro como perfeito, deixando a realidade de

fora. Muitos professores deixam a desejar.”

“Em nenhum momento da formação o curso se volta para as

dificuldades de aprendizagem.”

Através destes exemplos percebemos que as alunas sentem uma

lacuna na formação e detectam inclusive onde estão as falhas.

Algumas simplesmente não conseguem explicar o que são as

dificuldades de aprendizagem, incapazes ainda de citar algumas que

porventura pudessem ter ouvido comentários a respeito. Eis algumas respostas

quanto à definição de problemas de aprendizagem e respectivamente alguns

exemplos:

“Dificuldade de aprendizagem pra mim é o descomprometimento das

pessoas que trabalham na área da educação.” A mesma aluna cita como

exemplos de dificuldades de aprendizagem: “Com certeza são: trabalhar por

dinheiro, descaso, falta de criatividade, acomodação e principalmente falta de

amor pelo que faz.”

Percebemos que a aluna desconhece os problemas específicos

apresentados pelo aluno em sala de aula, acreditando que o professor é capaz

de evitar todo e qualquer problema, o que não é verdade, pois muitas

dificuldades de aprendizagem não são de cunho metodológico e pedagógico,

necessitando o professor deter conhecimentos para identificá-los para uma

possível superação.

A maioria das alunas apresenta entendimento do que sejam as

dificuldades de aprendizagem, porém não têm clareza de como identificá-las e

até que ponto deixa de ser simplesmente um problema metodológico para

tornar-se um problema orgânico que merece a atenção de outros profissionais.

“Dificuldades de aprendizagem são as dificuldades em aprender,

podendo ocorrer por diversas razões (falta de maturidade, atraso no seu

desenvolvimento, ou devido às condições em que a relação de ensino é

produzida. Segundo a abordagem maturacionista as dificuldades de

aprendizagem se dão pela imaturidade ou atraso no desenvolvimento, já a

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histórico-cultural defende a relação com as condições deficientes do ensino”. A

mesma aluna responde da seguinte a forma a questão para cite e comente as

dificuldades de aprendizagem que tem conhecimento: “Na maioria dos casos é

detectado que o aluno não acompanha o desenvolvimento da aula devido ás

falhas nas metodologias aplicadas pelo educador.”

Ou seja, a visão de que a metodologia é na maioria dos casos o

fantasma das dificuldades de aprendizagem. Muita vezes é isso mesmo que

acontece, porém não são casos exclusivos e nossa preocupação recai sobre o

fato de que, tal aluna quando profissional, estará preocupada em diagnosticar

falhas em sua metodologia, única e exclusivamente desconhecendo as

dificuldades de aprendizagem que envolvem o trabalho conjunto com outros

profissionais. Esta mesma aluna não considera-se suficientemente preparada

para encarar o problema.

Algumas alunas afirmam que “O curso propicia a compreensão

suficiente sobre as dificuldades de aprendizagem, pois temos mestres

competentes e a aprendizagem é ótima.” Porém quando indagada a respeito

de que entende ser as dificuldades de aprendizagem, quais suas causas e para

citá-las e comentá-las, a resposta é a seguinte: “Dificuldade pode ser falta de

conhecimento. As causas podem ser falta de leitura, de estudo de assistir o

jornal, de ler revistas. As dificuldades podem ser na oratória, a timidez, a voz.”

Embora a aluna afirme que se garante o domínio das dificuldades de

aprendizagem, a mesma não tem o mínimo de entendimento o que realmente

são e quais são estas dificuldades.

É o que afirma uma outra questionada: “Não recebemos as informações

suficientes sobre as dificuldades de aprendizagem. Os conteúdos são

passados muito rápido. Quando terminado o conteúdo o assunto passa

desapercebido ou até nem é explicado a seu tempo. As próprias alunas têm

grandes dificuldades de aprendizagem. Os professores faltam muito e assim

dão o conteúdo incompleto ou sem planejamento correto.”

O que percebemos é que dificilmente se coloca às alunas a realidade

com a qual irão se deparar enquanto profissionais.

[...] algumas das mais sérias dificuldades enfrentadas na educação brasileira estão

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diretamente relacionadas ao fracasso das INSTITUIÇÕES FORMADORAS em educar e preparar professores para “realidades” e “culturas” com as quais deverão lidar, cujo caráter é essencialmente dinâmico, e que não lhes são desveladas ao longo de sua formação profissional.” (Feldens,1998:129).

Ao não preparar as alunas para a realidade na qual precisarão

reconhecer as dificuldades de seus alunos, bem como as formas possíveis de

auxiliá-los na superação das mesmas, corre-se o risco de estarmos preparando

profissionais para um “mundo do trabalho”, no qual suas habilidades e

compreensões são inadequadas, tendo em vista as complexas, múltiplas e

variáveis tarefas nas quais devem se engajar e pelas quais terão

responsabilidades.

Assim, a ausência do respeito e atenção efetivos ao “mundo real das coisas escolares” e sociais, característica dos programas de formação de educadores, tem tido como resultado um professor despreparado, desarmado para lidar e trabalhar com a irredutível heterogeneidade das classes, a diversidade de estágios de desenvolvimento, de atitudes, personalidades, de herança e vivências culturais, de relações com a linguagem e o saber dos alunos e suas comunidades. (Feldens, 1998:130).

O Curso de Formação de Docentes em nível médio, deveria oferecer

aos futuros professores a oportunidade de compreender alguma coisa diferente

daquilo que professores nas escolas podem oferecer: uma perspectiva que

revele e desvele a conscientização nas escolas e salas de aula e que permita

aos estudantes “aprendizes” conhecer e experienciar uma variedade de

referenciais que dêem significado ao que se passa no cotidiano escolar tanto

do ponto de vista da formação teórica como prática. Como podemos esperar e

buscar nos professores e futuros professores uma postura crítica com relação

às dificuldades de aprendizagem sem que tenham vivenciado experiências

nessa área?

As alunas colocam situações como:

“Poucas disciplinas levantaram questões sobre as dificuldades de

aprendizagem. Entre elas a que mais enfocou o problema foi o Estágio

Supervisionado”

“O Estágio Supervisionado colaborou para que observássemos algumas

dificuldades dos alunos. Mas era assim, víamos na escola o problema,

comentávamos na aula de estágio e pronto. Nunca houve um trabalho para que

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compreendêssemos essas dificuldades.”

“O Estágio Supervisionado proporcionou reflexões em condições reais

de ensino, no campo de atuação. As metodologias colaboraram vagamente

pois os estudos foram dirigidos pelos colegas de turma, que realizavam os

trabalhos apenas para serem avaliados, gerando assim uma grande

deficiência.”

“Não poderia citar nenhuma disciplina que tenha efetivamente

colaborado para a compreensão das dificuldades normalmente detectadas em

nossa escolas, uma vez que todas as mencionaram superficialmente sem

enumerá-las e menos ainda sem efetivar um levantamento dos procedimentos

para as possíveis soluções.”

A pesquisa mostrou ainda que 94% das futuras professoras não

sentem-se preparadas para a atuação em sala de aula quando o assunto

reporta-se às dificuldades de aprendizagem. Como dito anteriormente, embora

a amostra seja pequena, o percentual apontado é bastante preocupante,

havendo necessidade urgente de repensarmos o problema dentro dos Cursos

de Formação em nível médio.

Se nossa intenção é autêntica no que diz respeito à necessidade de que escolas públicas eduquem, encorajem e ampliem os horizontes das crianças que, pelo menos, a elas têm acesso, temos que nos conscientizar de que é admissível que as instituições formadoras de educadores estejam a restringir ou mesmo retardar o crescimento ou desenvolvimento das aprendizagens de competências percebidas e assumidas como pertinentes para profissionais da área no contexto da educação escolar contemporânea. (Feldens, 1998:130).

A falta de preparo dos educadores, bem como propostas sem nenhuma

sistematização (pensar sistematização como possibilidades e não como

amarras) pode recair em outro engodo educacional, a falta de conhecimentos

básicos que permitam ao sujeito trilhar seu próprio caminho.

Como podemos perceber, não é um caminho fácil compatibilizar os

percursos pessoais à formação efetiva dos sujeitos sem recair em um

esvaziamento dos conhecimentos, é algo a ser criado, que não tem regras

claras, mas exige sobretudo um grande preparo por parte dos futuros

educadores.

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Estes devem rever a sua formação profissional, adquirindo também

novas habilidades e saberes menos ortodoxos e sobretudo aprender a

trabalhar em equipe, algo muito falado mas pouco efetivo nos espaços

escolares em geral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O TEMPO DA ESCOLA E O TEMPO DA SOCIEDADE

Atualmente aponta-se que o tempo da escola e o tempo da sociedade

são conceitualmente distintos, que o grande desafio para a educação é pôr em

prática hoje o que servirá para o amanhã, que sua lentidão em se transformar,

em se adaptar às necessidades da sociedade moderna e assim fazer ante os

desafios do futuro e que a escola funciona na sociedade de hoje com efeitos na

sociedade do futuro.

Discordamos de tais considerações e entendemos que a maior

dificuldade da escola é garantir a apropriação do saber para que os indivíduos

tenham a consciência da transformação coletiva, que dominem os

conhecimentos historicamente acumulados em prol do bem comum: a

superação das desigualdades.

Assim sendo, percebemos que a educação enfrenta em geral grandes

problemas. O problema mais crítico se refere ao professor, sob vários

aspectos. Embora reconhecendo que o salário e a condição social são

preliminares para que se possa atacar o essencial, que é a sua formação

profissional.

As grandes dificuldades da educação são centradas na formação

inadequada do professor. Essa inadequação reside sobretudo em dois setores:

falta de capacitação para conhecer o aluno e obsolescência dos conteúdos

adquiridos nos Cursos de Formação de Docentes em nível médio.

Conhecer os alunos vai muito além daquilo que é proporcionado pela

disciplina de Psicologia de Aprendizagem e do Desenvolvimento, ou ainda pelo

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contato rápido com as crianças em campo de estágio. Há uma distância

enorme entre aquilo que se considera fronteira em cognição e aquilo que se

ensina na formação de professores.

É inadmissível que os Cursos de Formação de Professores em nível

médio estejam ministrando conteúdos fundamentados em uma ciência

acabada, morta e desatualizada focada na mecanicidade do processo docente.

Será cada vez mais difícil motivar professores, e conseqüentemente alunos, a

estudar uma ciência que nasceu com o intuito de manter a desigualdade e o

status quo. Argumentos com base em práticas ultrapassadas, que apóiam a

natureza linear do conhecimento, amparadas numa história distorcida, com

argumentações para justificá-la, não bastam para apontar a necessidade de

programas com uma dinamicidade crítica.

O perfil do bom professor mudou, não deve ser mais em função do lado

do quadro que inicia suas observações, tampouco como apaga o quadro de

giz. O professor hoje deve saber como garantir os conhecimentos a TODOS os

seus alunos e como agir para que isso se efetive. Deve ter pleno conhecimento

das dificuldades de aprendizagem e as formas de superá-las.

Para tanto, os Cursos de Formação de Docentes em nível médio

deverão reformular seus currículos, reorientando-o para que seus alunos

sejam formados como pesquisadores. O aluno investiga e se revela na medida

em que o curso vai se desenvolvendo. Assim, como sujeito de pesquisa, tendo

como fundamentá-la, é não menos que essencial para que um professor possa

dizer que conhece seu aluno e isso só ocorrerá quando o professor, como

pesquisador, efetivamente pesquisar seu aluno. Não se conhecem alunos sem

que se criem condições de contato/comunicação aluno-professor, com todos

equivalentes e derivados da etnografia, e isso só se dá a partir da aula.

Qualquer outra tentativa é falsificadora e abstrata.

O professor- pesquisador é a solução para conhecer a classe, seus

problemas e dificuldades, ou seja, sua heterogeneidade. A necessidade de

investigar cada dificuldade, de dar aos alunos um tratamento diferenciado –

questões de diferentes graus de dificuldade, leituras variadas e recurso a

experiências de natureza distinta – exige do professor uma formação com

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outras características.

O conhecimento sem dúvida é essencial. O futuro professor deverá

receber uma dose de conhecimentos básicos essenciais, enormemente

reduzida ao que se faz atualmente. A maioria do que se ensina não é básico e

está no currículo única e exclusivamente por tradição (ou muitas vezes nem

está, mas os professores continuam a reproduzir práticas passadas).

Além dos conhecimentos básicos, o professor dos anos iniciais tem que

ser competente como pesquisador. O curso deve prepará-lo a um buscar

constante para que perceba onde, quando e como deverá utilizar-se dos

conhecimentos construídos. O que acontece normalmente é algo semelhante

ao seguinte poema divulgado por René Thom:

Havia um homem

Que aprendeu a matar dragões

E deu tudo que possuía

Para se aperfeiçoar na arte.

Depois de três anos

Ele se achava perfeitamente preparado mas,

Que frustração, não encontrou oportunidade

de praticar sua habilidade.

Como resultado ele resolveu

ensinar como matar dragões.

O que queremos ilustrar com tal exemplo? Que muitos dos

conhecimentos trabalhados no interior dos cursos de formação de professores

não terão utilidade alguma, e o que realmente é necessário acaba passando

desapercebido, não recebendo a devida atenção ou nem mesmo sendo

cogitado, como é o caso das dificuldades de aprendizagem.

Os alunos dos Cursos de Formação de Docentes em nível médio,

necessitam de um mínimo de conhecimento básico e devem ser expostos à

pesquisa, devem ser capazes de produzir alguma coisa, por modesta que seja

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com relação à aprendizagem dos alunos e às dificuldades decorrentes.

Nenhum curso é capaz de preparar o professor para ensinar bem o

conhecimento científico moderno, aquilo que está em construção. A evolução é

tão rápida que em pouco tempo o conhecimento tornar-se-á obsoleto. Mas os

Cursos de Formação poderão dar a ele a capacidade de acesso ao

conhecimento, ao questionar constante e ao buscar respostas à suas

indagações e, conseqüentemente, por qual ou quais motivos seus alunos não

aprendem.

Faz-se necessário dar um basta na manutenção do status-quo, na

tentativa de se enganar e enganar o povo, ao investir no velho e no

ultrapassado. Ao construir um número de salas de aula com apenas quadro de

escrever e giz, e enviar para lecionar nessas escolas professores recebendo

um péssimo salário, após ter recebido uma formação deficitária, o governo

estará apenas enganando a toda população.

Os próprios professores dos futuros professores devem assumir-se

como protagonistas do seu trabalho exigindo até mesmo das instituições em

que atuam condições de preparar e formar conscientemente seus alunos. É

preciso desenvolver a competência pela investigação do processo de

aprendizagem e também da não-aprendizagem.

Devemos entender que os professores de todos os níveis são sujeitos

de seu tempo, mas também contra esse tempo. Na medida em que transgride

as normas abre novos espaços de expressão se estes forem acolhidos como

caminho, os que não forem desaparecem da mesma forma que surgiram. Só

se mantêm, mesmo que contrariando a maioria das tendências

contemporâneas, as propostas a que forem deferidos valores em si.

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