compreensÃo leitora e o uso do tradutor eletrÔnico

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5/28/2018 COMPREENSÃOLEITORAEOUSODOTRADUTORELETRNICO-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/compreensao-leitora-e-o-uso-do-tradutor-eletronico REVISTA X, VOLUME 1, 2013 Página | 62  PEREIRA & KARNAL COMPREENSÃO LEITORA E O USO DO TRADUTOR ELETRÔNICO NAS AULAS DE INGLÊS INSTRUMENTAL (ESP ) Reading Comprehension and the use of the Electronic Translator in Reading Lessons (ESP ) Vera Wannmacher PEREIRA, PUC-RS 1  Adriana Riess KARNAL, UNISINOS 2  RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar a compreensão leitora quando na leitura de um texto de inglês traduzido para o português pelo tradutor eletrônico do Google. Discute-se o avanço da linguística computacional no que concerne à qualidade da tradução automática (Hutchins, 2003, Lima 2008). A partir daí, faz-se uma retomada das questões cognitivas envolvidas na leitura, fundamentando-se principalmente no modelo da Eficiência Verbal de Perfetti (1985,2007) e do  papel das estratégias cognitivas de leitura. Aplicou-se um teste de leitura com alunos não  proficientes em inglês na universidade. Finalmente, este estudo se sugere uma metodologia de ensino para as aulas de inglês instrumental (ESP). PALAVRAS-CHAVE:  Tradução Eletrônica; Estratégias De Leitura; Inglês Instrumental (ESP) ABSTRACT: This paper has the objective of analyzing reading comprehension when the reader translates the text from English into Portuguese using Google translator. We discuss how computational linguistics has advanced in regard to the quality of machine translation (Hutchins, 2003, Lima 2008). From this perspective we review cognitive underpinnings related to teading, mainly Perfetti (1985, 2007) Verbal Efficiency model. A reading test was conducted to a group of non-proficient learners of English in the university. Finally, this work suggests a methodology to teach English for specific purposes (Reading lessons). KEY-WORDS: Machine Translation; Reading Strategies; English for Specific Purposes (ESP) INTRODUÇÃO A disciplina de inglês instrumental na universidade tem cumprido o papel fundamental de  preparar o aluno para a leitura de textos acadêmicos de sua área do conhecimento. É o conhecimento na língua estrangeira que permite o acesso às publicações mais recentes e habilita o aluno a participar das discussões que permeiam seu campo de atuação. Ao longo de sua implementação como disciplina estabelecida, a metodologia de ensino utilizada tem acompanhado as discussões da linguística. Se inicialmente o ensino da leitura estava baseado em um modelo de  processamento cognitivo bottom-up, hoje ela está sedimentada em um modelo interativo, que afirma que o processamento top-down e bottom-up ocorrem ao mesmo tempo durante a leitura 1  Pós-doutora em Linguística pela UFSC e professora da PUC-RS.  2  Professora de inglês da Unisinos e doutoranda em Linguística pela PUC-RS.

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  • R E V I S T A X , V O L U M E 1 , 2 0 1 3 P g i n a | 62

    PEREIRA & KARNAL

    COMPREENSO LEITORA E O USO DO TRADUTOR ELETRNICO NAS AULAS DE

    INGLS INSTRUMENTAL (ESP)

    Reading Comprehension and the use of the Electronic Translator in Reading Lessons (ESP)

    Vera Wannmacher PEREIRA, PUC-RS1

    Adriana Riess KARNAL, UNISINOS2

    RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar a compreenso leitora quando na leitura de um

    texto de ingls traduzido para o portugus pelo tradutor eletrnico do Google. Discute-se o avano

    da lingustica computacional no que concerne qualidade da traduo automtica (Hutchins, 2003,

    Lima 2008). A partir da, faz-se uma retomada das questes cognitivas envolvidas na leitura,

    fundamentando-se principalmente no modelo da Eficincia Verbal de Perfetti (1985,2007) e do

    papel das estratgias cognitivas de leitura. Aplicou-se um teste de leitura com alunos no

    proficientes em ingls na universidade. Finalmente, este estudo se sugere uma metodologia de

    ensino para as aulas de ingls instrumental (ESP).

    PALAVRAS-CHAVE: Traduo Eletrnica; Estratgias De Leitura; Ingls Instrumental (ESP)

    ABSTRACT: This paper has the objective of analyzing reading comprehension when the reader

    translates the text from English into Portuguese using Google translator. We discuss how

    computational linguistics has advanced in regard to the quality of machine translation (Hutchins,

    2003, Lima 2008). From this perspective we review cognitive underpinnings related to teading,

    mainly Perfetti (1985, 2007) Verbal Efficiency model. A reading test was conducted to a group of

    non-proficient learners of English in the university. Finally, this work suggests a methodology to

    teach English for specific purposes (Reading lessons).

    KEY-WORDS: Machine Translation; Reading Strategies; English for Specific Purposes (ESP)

    INTRODUO

    A disciplina de ingls instrumental na universidade tem cumprido o papel fundamental de

    preparar o aluno para a leitura de textos acadmicos de sua rea do conhecimento. o

    conhecimento na lngua estrangeira que permite o acesso s publicaes mais recentes e habilita o

    aluno a participar das discusses que permeiam seu campo de atuao. Ao longo de sua

    implementao como disciplina estabelecida, a metodologia de ensino utilizada tem acompanhado

    as discusses da lingustica. Se inicialmente o ensino da leitura estava baseado em um modelo de

    processamento cognitivo bottom-up, hoje ela est sedimentada em um modelo interativo, que

    afirma que o processamento top-down e bottom-up ocorrem ao mesmo tempo durante a leitura

    1 Ps-doutora em Lingustica pela UFSC e professora da PUC-RS. 2 Professora de ingls da Unisinos e doutoranda em Lingustica pela PUC-RS.

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    PEREIRA & KARNAL

    (Perfetti, 1985, 2001; Eskey,1986; Grabe,1986; Pereira 2005/2007; Kleiman 2008). O leitor lana

    mo de estratgias cognitivas que o capacitam a compreenso leitora bem sucedida.

    Enquanto os autores que se ocupam da leitura sob o ponto de vista da psicolingustica

    dedicam-se aos tipos de processamento descritos acima, os pesquisadores da computao,

    igualmente influenciados pelas cincias da cognio, no desvinculam o conhecimento cognitivo

    como parte do seu saber. Exemplo disso a lingustica computacional, que tem feito grandes

    avanos na rea, principalmente quanto traduo pela mquina, o que se convencionou chamar

    de machine translation (Hutchins, 2003). Sob esse aspecto, acreditamos que o tradutor hoje

    capaz de traduzir textos com qualidade aceitvel de ser compreendido.

    Vale ressaltar que estamos tratando o texto do ponto de vista psicolingustico no qual tanto

    atividades mais altas, como a memria e as inferncias esto em jogo, quanto as atividades mais

    baixas, como a decodificao e o conhecimento lexical.

    Levando-se em considerao as colocaes acima, este trabalho tem o objetivo de repensar

    a metodologia de ensino de ingls instrumental inserindo a ferramenta de traduo eletrnica como

    promotora de modificaes na disciplina. O estudo tem como referencial terico a teoria da

    eficincia verbal de Perfetti (1985, 2001, 2007), a discusso sobre as estratgias cognitivas de

    leitura (Eskey,1986; Grellet, 1981; Smith,2000; Kleiman,2008; Tomitch, 2009), o trabalho

    tambm apresenta resultados de um instrumento aplicado com o uso do tradutor do Google com

    vistas compreenso leitora.

    Para fins didticos, o artigo est dividido em cinco sees. A primeira delas apresenta o

    tradutor eletrnico do Google e sua performance na traduo de textos acadmicos. Na segunda

    seo, faz-se uma retomada das pesquisas sobre leitura e apresenta o modelo de eficincia verbal

    de Perfetti. A seguir, a terceira seo de ordem prtica, e descreve o instrumento de leitura

    aplicado em uma turma de alunos de graduao e o nvel de compreenso leitora atingida a partir

    da traduo eletrnica. Na quarta seo os resultados da aplicao do instrumento so discutidos.

    A quinta seo discute, sob o ponto de vista didtico, o uso do tradutor eletrnico. Nesse momento

    que se apresenta comunidade acadmica uma nova reflexo sobre o ensino do ingls

    instrumental.

    O TRADUTOR ELETRNICO DO GOOGLE

    A lingustica computacional tem concentrado esforos no desenvolvimento de tradutores

    eletrnicos, rea denominada de Machine Translation (Hutchins, 2003). Quanto ao tradutor do

    Google, ele se baseia num processo chamado traduo automtica estatstica" ( site oficial do

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    PEREIRA & KARNAL

    Google translate) que procura padres em grandes quantidades de texto. Estes textos nos quais a

    mquina do Google faz a busca j foram traduzidos por tradutores humanos, isso faz com que o

    tradutor funcione no apenas no nvel lexical, mas, tambm, opera no nvel do texto, no sentido de

    realizar concordncias verbais e nominais at a reconhecer contextos. Conforme Lima (2008)

    descreve:

    Mais recentemente, pesquisas com bancos de dados bilngues e multilnges tm

    proporcionado aperfeioamentos como a introduo do reconhecimento da tipologia textual e das regras gramaticais, como concordncia verbal e nominal e

    ordem das palavras, a insero da mesma palavra em diferentes contextos e de

    expresses idiomticas, bem como o acoplamento de dicionrios e glossrios ao

    banco de dados para a traduo de textos tcnicos.

    visvel o avano do Google tradutor, que hoje opera em 57 idiomas. Para ilustrar, dois

    textos foram traduzidos pela mquina do portugus para o chins e para o ingls. O primeiro texto

    se refere uma entrevista do diplomata brasileiro Paulo Roberto de Almeida publicada no jornal

    chins Shanghai Wenhui Daily no ms de novembro de 2011. O segundo texto se refere ao artigo

    da revista The New Yorker sobre a presidente Dilma Roussef.

    Texto 1)

    2011-10-21

    (...)(1019)

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    PEREIRA & KARNAL

    Traduo:

    window global

    Onda de protestos estudantis no Chile intensificou os vizinhos comearam a refletir sobre os seus

    defeitos prprio sistema

    Pases sul-americanos, cada famlia tem sido difcil de estudar educao

    Data: 2011 Autor -10-21: Zhu Fonte felicidade: Wen Wei Po

    Foto por:

    Foto por:

    Foto por:

    Foto por:

    Chefe do jornal correspondente a felicidade Zhu

    (...)( Braslia jornal Ta Kung Pao, 19 de Outubro)

    Texto 2)

    ABSTRACT: A REPORTER AT LARGE about Brazilian President Dilma Rousseff. Until

    recently, Brazil has been one of the most uneducated, economically imbalanced countries in the

    world. Now its economy is growing much more rapidly than that of the U.S. Twenty-eight million

    Brazilians have moved out of severe poverty in the past decade. The country has a balanced

    budget, low national debt, nearly full employment, and low inflation. It is, chaotically, democratic,

    and it has a free press. Brazil operates in ways we have been conditioned to think are incompatible

    with a successful free society. It isnt just that Brazil is ruled by unapologetic former

    revolutionaries, many of whomincluding the Presidentwere imprisoned for years for being

    terrorists. The central government is far more powerful and intrusive than it is in the U.S. It is also

    far more corrupt. Crime is high, schools are weak, roads are bad, and ports barely function. And

    yet, among the worlds major economic powers, Brazil has achieved a rare trifecta: high growth,

    political freedom, and falling inequality.

    Traduo:

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    PEREIRA & KARNAL

    RESUMO: A REPORTER em geral sobre o presidente brasileiro, Dilma Rousseff. At

    recentemente, o Brasil tem sido um dos mais ignorantes, os pases economicamente desequilibrado

    do mundo. Agora a economia est crescendo muito mais rapidamente do que os EUA Vinte e oito

    milhes de brasileiros saram da pobreza extrema na ltima dcada. O pas tem um oramento

    equilibrado, a dvida nacional baixa, quase o pleno emprego e inflao baixa. , caoticamente,

    democrtico, e tem uma imprensa livre. Brasil opera de maneiras que foram condicionados a

    pensar so incompatveis com uma sociedade livre bem sucedida. No apenas que o Brasil

    governado por ex-revolucionrios sem remorso, muitos dos quais, incluindo o presidente, foram

    presos por anos para serem terroristas. O governo central muito mais poderosa e intrusiva do que

    em os EUA Tambm muito mais corrupto. Criminalidade alta, as escolas so fracas, as estradas

    so ruins, e as portas mal funo. E ainda, entre os grandes poderes econmicos, o Brasil alcanou

    um trifecta raros: alto crescimento, a liberdade poltica e a desigualdade em queda.

    Em ambos os textos possvel ter certo nvel de compreenso leitora. Embora o texto em

    chins seja mais problemtico, pois aparece como uma mensagem telegrfica, captamos dali a

    ideia principal ( estratgia de leitura skimming), que a onda de protestos no Chile. As sutilezas

    lingusticas tal como o pronome co-referente seus traz uma ambiguidade, pois no possvel

    saber se ele se refere aos vizinhos ou ao sistema. Na frase que segue cada famlia tem sido

    difcil... ainda que a concordncia verbal no esteja adequada possvel inferir que as famlias

    tm dificuldade na educao. De qualquer forma, o Google permitiu que o leitor tivesse acesso ao

    lxico, pois os caracteres chineses em nada se parecem com o alfabeto latino. Vale ressaltar que os

    estudos sobre leitura entendem o conhecimento lexical como fundamental para a compreenso

    leitora (Perfetti, 2007; Kamil e Hiebert, 2005 Baldo, 2006; Finger Kratochvl,2010).

    No segundo texto a traduo mais qualificada. No apenas possvel ter o entendimento

    geral do texto, como realizar a leitura scanning a ponto de compreender a contradio, segundo o

    autor, que existe no Brasil. Embora o pas esteja em crescimento, ainda h muitos problemas,

    dentre eles a corrupo, eis a a oposio. Alm disso, a traduo permite que se faam inferncias,

    tal como a governana dos ex-revolucionrios, que para o autor, parece ter feito bem ao pas.

    Vale ressaltar aqui a palavra trifecta, tanto em ingls como em portugus a palavra a

    mesma. Porm, ela no um termo comum, vindo emprestado do contexto de apostas do Turfe.

    Com relao ao lxico de uma lngua, Perfetti (2007) trata da qualidade lexical das palavras, elas

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    podem ter mais ou menos qualidade, o que ele chama de HQL (Hipotese da qualidade lexical ),

    conforme sua explicao:

    A alta qualidade lexical inclui representaes da forma parcialmente redundantes e bem especificadas (ortografia e fonologia) e representaes

    flexveis do significado, permitindo a reteno do significado rpido e confivel.

    Representaes de baixa qualidade levam a problemas especficos relacionados palavra na compreenso.

    Nesse sentido, a palavra trifecta pode representar dificuldade para o leitor, pois ela de

    baixa qualidade sendo uma palavra de baixa incidncia em nosso vocabulrio cotidiano. Perfetti

    (2007) chama esse tipo lexical de palavras raras. No entanto, o prefixo tri nos leva a prever que a

    palavra se refira a trs, o que, de fato, ocorre quando o autor logo a seguir cita trs itens que

    representam o crescimento do pas: alto crescimento, liberdade poltica e desigualdade em queda.

    Nesse caso, a morfologia serviu como fonte de informao ao leitor. Kratochvil (2010) explica que

    a anlise das caractersticas morfolgicas da palavra uma estratgia a ser dominada.

    O que se pode constatar que ambos os textos so passveis de leitura Entretanto, o que

    garante que o leitor efetivamente tenha tido compreenso leitora? Para responder esta pergunta, um

    teste de leitura foi realizado com alunos de ingls no-proficientes, mais adiante este instrumento

    ser abordado. Todavia, preciso discutir anteriormente o que est envolvido no processamento da

    leitura, pois a partir da que se pode analisar a compreenso leitora com o Google tradutor.

    QUESTES SOBRE LEITURA E O MODELO DE PERFETTI

    A literatura sobre a leitura tem lidado com dois processos chamados de top- down e

    bottom-up. No primeiro o leitor lana mo de seu conhecimento lingustico, tal como vocabulrio,

    prefixos e sufixos, marcadores discursivos, organizao textual, conjunes e etc, para dar conta

    da leitura, so chamados nveis mais baixos (Perfetti,2001,Nunan,1991; Kleiman 1989, Smith

    1999, Paiva 2007). No segundo caso o leitor interage com o texto e esto em jogo mecanismos

    cognitivos, tais como a memria e o uso de estratgias que tornam a leitura compreensiva. Para

    Perfetti (2001) so esses mecanismos cognitivos que montam as palavras em mensagens, por isso

    so fundamentais para explicar como ocorre a leitura. preciso ressaltar que tanto processamento

    bottom-up quanto o top-down operam simultaneamente de forma interativa (Rumelhart,1977;

    Stanovich,1980; Grabe,1986; Perfetti,1985,2001).

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    Se por um lado o processamento top-down responsvel pelo conhecimento lingustico, o

    processamento bottom-up encarregado pelo conhecimento de mundo a que estamos expostos. A

    teoria dos esquemas de Rumelhart (1980) bem como a teoria de frames (Fillmore,1985) explicam

    como este conhecimento armazenado e capaz de organizar as informaes. O autor explica:

    Schemata can represent knowledge at all levels-from ideologies and cultural

    truths to knowledge about the meaning of a particular word, to knowledge about

    what patterns of excitations are associated with what letters of the alphabet. We

    have schemata to represent all levels of our experience, at all levels of abstraction. Finally, our schemata are our knowledge. All of our generic

    knowledge is embedded in schemata.

    No conceito acima descrito, o esquema tanto um organizador, quanto o prprio

    conhecimento. Kleiman (2008) parece associar este tipo de conhecimento com o conhecimento

    prvio que temos das coisas. Assim, saber qual o gnero textual, conhecer o autor, bem como ter

    o conhecimento implcito da gramtica so todos conhecimentos que carregamos anterior ao texto,

    e fariam parte do conhecimento de mundo. Fontana e Rossetti( 2007) dizem que o conhecimento

    prvio se refere ao conhecimento lingustico, textual, sociolingustico, pragmtico e enciclopdico,

    entre outros eventuais tipos de conhecimentos. Por essa razo, a leitura uma tarefa complexa para

    a mente.

    Pode-se dizer que a Schemata Theory um modelo terico que visa representar o mundo

    externo no mundo interno. A schemata theory no uma teoria essencialmente lingstica, mas foi

    usada pelos pesquisadores na rea da leitura justamente porque tenta explicar como o mundo se

    organiza a ponto de podermos ler sobre ele, fazermos inferncias e predies dentro de um jogo

    lgico do qual estamos habilitados.

    Dentro da perspectiva de leitura a partir de habilidades mais altas, Numinnen (2002) afirma

    que a leitura tem uma relao direta com a memria, por exemplo, uma capacidade de memria de

    trabalho insuficiente, ou mesmo a memria de longa durao desorganizada, pode causar

    dificuldades com a compreenso leitora. O autor vai alm: Working memory is an especially

    significant memory area for learning to read. O conhecimento de mundo tambm organizado

    pela memria de longa durao, e ele , conforme descrito anteriormente, imprescindvel para a

    leitura.

    No modelo da Eficincia Verbal de Perfetti (1985,2001) as limitaes da memria de

    trabalho e os processos lexicais compem o princpio da compreenso leitora. Adiante, juntamente

    com Marron e Folz o autor ir acrescentar ao seu modelo outros quesitos, nas palavras de Baldo

    (2006): (...) a realizao de inferncias, o monitoramento da compreenso, o conhecimento do

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    PEREIRA & KARNAL

    significado das palavras e do contedo tambm deveriam ser considerados se o objetivo final fosse

    uma explicao mais ampla do processo de leitura.

    Um dos pontos altos da teoria de Perfetti (2007) atualmente o papel da qualidade lexical

    (doravante QL), que ele explica como a medida na qual o conhecimento de uma dada palavra

    representa os constituintes da forma e significado dessa palavra, e o conhecimento do seu uso que

    combina o significado com caractersticas pragmticas. Assim, o vocabulrio de uma lngua inclui,

    para um leitor, palavras de ampla variedade de qualidade lexical, desde palavras raras nunca

    encontradas at palavras frequentemente encontradas e bem conhecidas. Outrossim, leitores

    individuais diferem na mdia da QL de suas palavras. A variedade do leitor no se d s em

    relao ao tamanho do seu vocabulrio, embora ele esteja includo, mas sim, quanto a

    representao das palavras, o conhecimento estvel e menos estvel que o leitor tem sobre a forma

    e significado da palavra.

    Quando Perfetti fala de inferncias sobre o significado de uma palavra ou acesso lexical

    est, de fato, se reportando s estratgias cognitivas (inconscientes e conscientes) que utilizamos

    durante a leitura. Ele tambm ir dizer que o monitoramento da compreenso uma estratgia

    metacognitiva, ou seja, aquela que podemos controlar (consciente). Quando pensamos em uma

    metodologia eficiente para o ensino de ingls instrumental o uso dessas estratgias de leitura deve

    se fazer presente. Para Tomitch (2009), o foco da aula deve ser na compreenso leitora e no na

    gramtica e vocabulrio isoladamente. A partir da, deve-se instrumentalizar o aluno para a

    compreenso, sendo que o ensino de estratgias uma ferramenta primordial.

    Um dos propsitos deste estudo sugerir uma metodologia de ensino para as aulas de

    ingls instrumental, no sentido de permitir que o aluno utilize o tradutor eletrnico do Google

    como ferramenta auxiliar para a leitura de textos de sua rea do conhecimento. A seguir se

    apresenta o instrumento aplicado com leitores no proficientes de um texto traduzido pelo Google

    e a relao com a compreenso leitora.

    APLICAO DO INSTRUMENTO E RESULTADOS

    Com a finalidade de relacionar a leitura de textos traduzidos pelo Google com a

    compreenso leitora, aplicou-se um instrumento de leitura em um grupo de oito alunos de

    graduao. Trata-se de um questionrio com cinco perguntas discursivas referentes a um texto

    jornalstico (somente o texto traduzido do ingls-portugus anteriormente descrito neste trabalho).

    O quadro abaixo demonstra o perfil dos sujeitos:

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    PEREIRA & KARNAL

    Nmero de participantes: 8

    Nvel de ingls bsico

    Nvel de escolaridade graduaco

    Idade 18-40

    Nmero de questes a serem respondidas 5

    Quadro 1:Perfil dos sujeitos

    O quadro a seguir apresenta o resultado das questes respondidas corretamente pelos

    sujeitos.

    No. questo No. Sujeitos Porcentagem

    1. 6 75%

    2. 4 50%

    3. 3 37,5%

    4. 5 62,5%

    5. 4 50%

    Quadro 2: Respostas corretas

    O quadro abaixo se refere ao numero de questes respondidas incorretamente pelos

    sujeitos:

    No. questo No. Sujeitos Porcentagem

    1. 0 0

    2. 3 37,5%

    3. 2 25%

    4. 1 12,5%

    5. 0 0

    Quadro 3: Respostas erradas

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    PEREIRA & KARNAL

    Este quadro demonstra os percentuais das respostas Incompletas, ou meio certas:

    No. questo No. Sujeitos Porcentagem

    1. 1 12,5%

    2. 1 12,5%

    3. 3 37,5

    4. 1 12,5%

    5. 0 0

    Quadro 4: Respostas incompletas

    O quadro a seguir apresenta o resultado das respostas em branco, as questes no

    respondidas:

    No. questo No. Sujeitos Porcentagem

    1. 1 12,5%

    2. 0 0

    3. 0 0

    4. 1 12,5%

    5. 4 50%

    Quadro 5: Respostas em branco

    Abaixo se apresenta comentrios de cada uma das questes e anlise de seus resultados.

    Questo 1 :O que o autor fala sobre a economia brasileira atual?

    O nmero de acertos obteve o resultado de 75%. Houve uma resposta incompleta, ou seja,

    parcialmente correta, o que acrescentaria 6,25% ao resultado. Sendo assim, teria um nmero final

    de 81,25%. Este resultado aponta para a compreenso leitora satisfatria. Esta questo se refere a

    descrio que o autor faz da economia do Brasil, na qual a traduo eletrnica no apresentou

    problemas de nenhuma ordem (sintticos, semnticos, etc.) nas linhas 3 e 4, local da resposta. Isto

    significa dizer que a traduo pode ser considerada correta, tal como um tradutor humano

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    PEREIRA & KARNAL

    traduziria. Nesse sentido, se houvesse muitas respostas erradas elas no seriam causadas pela (in)

    habilidade do tradutor eletrnico aqui.

    Quanto ao processamento sinttico no parece ter havido problemas, j que os estudantes

    na grande maioria responderam corretamente. Isso pode ter ocorrido porque a traduo no

    ofereceu problemas de ordem sinttica que poderiam ter interrompido o fluxo da leitura, o que

    implicaria no armazenamento da informao na memria, por exemplo. Isto implica em dizer que

    no houve no nvel da frase (local da resposta) dificuldades em potencial, tais como o gnero do

    artigo definido (implicada na resposta da questo 3), concordncia verbal (acarretada na resposta

    questo 2) ordem invertida das palavras (observada na resposta da questo 2) ou preposies

    inadequadas (resposta da questo 3). Isto fez com que a leitura desta frase no fosse interrompida

    por questes sintticas. A questo da velocidade da leitura tem sido discutida por Perfetti(2001),o

    autor questiona se a rapidez na leitura tem relao com a compreenso.

    Quanto ao lxico utilizado na frase da resposta correta, ele tambm no apresentava

    dificuldades. No houve nenhum caso de polissemia, tampouco de opacidade lexical. Quanto as

    palavras raras, discutidas por Perfetti (2007), no houve, igualmente, a existncia de nenhum caso.

    Nesse sentido, a compreenso leitora bem sucedida desta questo se deve tambm a qualidade

    lexical. Observa-se, ainda, o caso de aparente sinonmia entre as palavras agora, usada pelo autor

    no texto, e a palavra atual, utilizada na pergunta. possvel que os alunos tenham tido conscincia

    da similitude, sendo possvel escanear o texto pontualmente na resposta correta. Alm disso,

    quanto a estratgia de preditibilidade necessria durante a leitura, a palavra economia relacionada

    a crescendo prev que o que ser dito sobre ela adiante ser positivo.

    No que concerne aos conhecimentos prvios esperados de um leitor de nvel acadmico,

    estes parecem ter sido utilizados para responder a questo. Ora, a primeira questo indaga sobre a

    economia brasileira atual. Ela necessita de conhecimentos anteriores desse campo, ainda que no

    exija conhecimentos profundos da economia. Entretanto, demanda que o leitor tenha um esquema

    formado do que envolve esta rea de conhecimento.

    Questo 2: Qual a comparao que o autor faz entre a sociedade brasielira de tempos atrs com

    a atual?

    O resultado da segunda questo ficou em 50 % para as respostas corretas. Porm, deve-se

    considerar o resultado da resposta incompleta, que de 12,5, mas que deve ser deduzida pela

    metade. Assim, o resultado de 56,25%. interessante perceber que os outros 50% dos leitores

  • R E V I S T A X , V O L U M E 1 , 2 0 1 3 P g i n a | 73

    PEREIRA & KARNAL

    sequer arriscaram uma resposta. Nesse caso, no se pode dizer que o resultado da compreenso

    leitora seja satisfatrio, j que no atingiu nmeros acima da mdia. Todavia, o resultado tambm

    no de todo insatisfatrio, pois a metade concluiu a questo com xito.

    A resposta correta desta questo envolvia inferncias desde a linha 7 at a linha 13, ou seja,

    quase at o final do texto. Esta resposta no est explcita tal qual a primeira questo, ela exige que

    o autor compare como os brasileiros agem com a maneira que eles deveriam agir na sociedade

    atual, requer uma leitura crtica. Assim, parece haver uma relao imediata com os esquemas do

    leitor quanto maneira que os brasileiros agem, mas no h um esquema formado de como eles

    deveriam agir na sociedade atual. O leitor que no est atualizado com esta nova sociedade no a

    conhece, o que dificultaria a leitura comparativa, j que o texto, conforme afirmado antes, no

    explicita esta informao.

    Em relao ao processamento sinttico, h muitos erros na traduo, o que deve ter

    dificultado a leitura neste nvel. Por exemplo, v-se a ordem das palavras invertidas, a omisso do

    sujeito na frase, uso inadequado da preposio, a falta do artigo, erros de concordncia do gnero,

    e da identificao do verbo enquanto substantivo, o que em ingls chamado de denominal verbs

    (Wierzbicka,1991). Com o acmulo de erros sintticos o leitor deve ter tido mais dificuldade ao

    realizar o parsing das frases, o que deve ter influenciado na fluidez da leitura. possvel que ele

    tenha se apoiado mais no significado do que na forma. Ainda, a estratgia de prever a palavra a

    seguir deve ter sido prejudicada pela complexidade sinttica do texto.

    O que se percebe ainda na compreenso leitora da questo que, como a resposta depende

    das inferncias do leitor, de seu conhecimento de mundo, sua acurcia est em maior parte no nvel

    pragmtico. H a questo da memria semntica envolvida, pois a informao sobre como a

    sociedade atual deveria agir no est guardada, porque esta memria no foi consolidada. Mesmo

    para chegar at a memria de trabalho a informao adequada depende de inferncias aqui, o que

    dificulta ainda mais sua compreenso. Assim, o exerccio mental mais trabalhoso, logo, deve ser

    mais cansativo.

    Questo : O que ao autor fala sobre a presidente do Brasil?

    primeira vista, o resultado desta questo no bem sucedido, pois de 37,5% de

    respostas corretas. No entanto, ao verificar o nmero de respostas incompletas, isto , aquelas que

    foram consideradas parcialmente corretas, tambm de 37,5%. Desta forma, ao reduzir este

    nmero pela metade, o produto 18,75, e a soma final de resultados positivos decorre em 56,25%.

  • R E V I S T A X , V O L U M E 1 , 2 0 1 3 P g i n a | 74

    PEREIRA & KARNAL

    Ao observarmos com mais cuidado, no s a porcentagem final est abaixo da mdia, mas o

    nmero de respostas totalmente corretas o mais baixo de todos, portanto, esta questo a que os

    leitores tiveram mais dificuldades.

    A terceira questo indagava sobre o que o autor fala do presidente do Brasil. A resposta

    estava explcita nas linhas 9 e 10. Ao fazer uma leitura scanning o leitor a encontraria, sem a

    necessidade de realizar grandes inferncias, por exemplo. A qualidade da traduo aparentemente

    no era um problema, j que sintaticamente no ocorreram obstculos, exceto o gnero do artigo

    ao se referir a presidente, que foi traduzido no masculino.

    A dvida em relao ao porqu, os alunos tiveram grande dificuldade ao responder a

    questo parece estar no processamento semntico-pragmtico. Primeiro, porque a palavra ex-

    revolucionrios uma referncia ao governo brasileiro e a presidente, no entanto, a palavra

    presidente ir aparecer mais adiante na frase, o leitor pode no ter conseguido guardar na memria

    de trabalho qual era esta referncia. Alm disso, a palavra terrorista tambm inclua a presidente

    como referncia na frase, portanto, o leitor deveria creditar este atributo negativo a ela. Sob esse

    aspecto, o leitor deve pressupor que um presidente de uma nao possa ter sido terrorista, o que

    envolve um conhecimento muito mais pragmtico (conhecer a histria) do que semntico, j que

    terrorista no atributo imediato de presidente.

    interessante perceber que o texto foi escrito por um jornalista americano, publicado em

    um jornal internacional. Os jornais brasileiros, usualmente, no utilizam o termo terrorista

    atribudo a presidente. Isto porque ao utilizar tal adjetivo h um juzo de valor implcito. Se h uma

    interao entre autor, leitor e texto, esta interao entre autor e leitor no ocorreu aqui, pois para o

    autor a presidente terrorista, porm, apenas dois leitores confirmaram sua assero.

    Questo 4: Qual a diferena entre o governo central brasileiro e o americano?

    O resultado desta questo de 62,5%. preciso levar em considerao a porcentagem de

    12,5 de uma resposta incompleta, que deve ser somada em 6,25 ao nmero maior. Nesse caso, o

    produto final de respostas satisfatrias de 68,75%. Nesta direo, este valor est acima da mdia.

    A quarta questo exige que o leitor faa uma comparao entre o Brasil e os EUA. A

    resposta est explcita nas linhas 3 e 4 e mais adiante nas linhas 12 e 13. O autor utiliza a

    expresso mais do que (esperada tipicamente em uma comparao) em ambos os trechos. No

    h problemas sintticos (e de nenhuma ordem) quanto traduo aqui, exceto na linha 13 onde no

    h concordncia de gnero entre o sujeito e o complemento.

  • R E V I S T A X , V O L U M E 1 , 2 0 1 3 P g i n a | 75

    PEREIRA & KARNAL

    A resposta desta questo , em parte, similar a primeira, cujo resultado foi o mais

    satisfatrio da pesquisa. No coincidncia que as questes 1 e 4 tenham obtido os melhores

    resultados, j que a resposta de ambas est pontualmente no mesmo local (linhas 3 e 4). No

    entanto, a pergunta acrescenta no s o aspecto econmico arguido na primeira, mas tambm o

    aspecto poltico, citado nas linhas 12 e 13. Como a resposta deve ser escaneada ao longo da leitura,

    pois as linhas 3 e 4 e 12 e 13 esto distanciadas, a memria de trabalho deve ser mais ativada. O

    que se percebeu que os leitores devem ter tido dificuldade em guardar tanto a informao poltica

    quanto a econmica, que dariam o carter de preciso da resposta. Ainda, a palavra intrusiva

    utilizada para definir o governo central pode ter sido de difcil compreenso para o leitor menos

    experiente.

    Questo 5:Quais as conquistas brasileiras citadas no final do artigo?

    O resultado da questo ficou dividido em 50 % tanto para as respostas corretas, como para

    as respostas em branco. interessante perceber que metade dos leitores sequer arriscou uma

    resposta. Assim, no se pode dizer que o resultado da compreenso leitora seja satisfatrio, j que

    no atingiu nmeros acima da mdia. Todavia, o resultado tambm no de todo insatisfatrio,

    pois a outra metade concluiu a questo com xito.

    Uma das hipteses para o alto ndice de respostas em branco pode ser em razo do desgaste

    do leitor. relevante mencionar que esta era a ltima questo. Como a leitura no foi fluda e

    demandou tanto habilidades de nvel mais alto (memria, inferncias) quanto as de nvel mais

    baixo (por exemplo, conhecimento sinttico) em excesso, ao deparar-se com mais uma dificuldade,

    o leitor desistiu. Sua capacidade de compreenso pode ter sido prejudicada pelo desgaste mental.

    A pergunta desta questo est vinculada a palavra trifecta utilizada pelo autor. Assim,

    visvel que no nvel lexical esta uma palavra rara (Perfetti, 2007) e fez com que o leitor, ao no

    conhec-la, no compreendesse a frase. No entanto, aqueles que acertaram a resposta, inferiram o

    significado pelo contexto. A inferncia pode ter sido feita pela morfologia (Finger-

    Kratochvil,2010), ora, o prefixo tri corresponde a trs, que exatamente o nmero de

    consequncias que o autor d ao crescimento econmico do Brasil. Ainda, a pontuao pode ter

    auxiliado, pois ao visualizar os dois pontos o leitor pode tambm ter previsto uma enumerao.

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    PEREIRA & KARNAL

    ANLISE GERAL DOS RESULTADOS DA APLICAO DO INSTRUMENTO

    A mdia do resultado geral de compreenso leitora ficou em 62,5%. Este no um nmero

    alto para definir a compreenso leitora satisfatria, mas, ao mesmo tempo, se consideramos que

    6,0 a mdia de aprovao na maioria das instituies educacionais no Brasil, ento, o resultado

    final positivo. O que necessrio ressaltar no caso desta pesquisa que interessa analisar a

    qualidade das respostas. Isso quer dizer que ainda que a mdia seja razovel, trs das cinco

    questes feitas estavam abaixo da mdia, portanto, menos da metade, da o resultado negativo.

    No se trata de defender o uso do Google como um substituto da leitura em sala de aula

    com o uso do dicionrio, como normalmente se faz no ensino de ingls instrumental. Contudo, ele

    demonstrou ser parcialmente eficaz na traduo pela mquina (realizando concordncias,

    desambiguidades e co-referncias) e j permite que o leitor possa compreender certo nvel do texto

    jornalstico apresentado. Se o leitor estratgico faz inferncias lexicais, com o tradutor eletrnico

    ele talvez no necessite fazer, j que as palavras estaro explcitas em sua lngua materna ( caso

    das respostas das questes 1 e 4 com grow, budget, powerful, por exemplo). Juel et al (2000)

    afirma que o leitor proficiente no necessita fazer inferncia lexical pelo contexto quando ele

    conhece as palavras. Alm disso, mesmo com os problemas sintticos que ocorreram na traduo,

    eles parecem ser minimizados se o leitor lanar mo de estratgias. Tal afirmao ocorreu com a

    segunda pergunta, na qual havia um acmulo de problemas de sintaxe, e ainda assim pouco mais

    da metade dos sujeitos respondeu corretamente. Embora a porcentagem desta questo tenha sido

    baixa, 56,25%, este no um nmero para se desprezar em se tratando da traduo pela mquina,

    pois a resposta demandava muito conhecimento lingustico.

    Nessa direo, no h um resultado muito discrepante favorvel ou desfavorvel quanto ao

    uso do Google. Se o leitor tem a expectativa que a traduo atinja o nvel do tradutor humano, a

    mquina certamente no o fez. Porm, se quisermos utilizar o tradutor eletrnico como um auxlio

    de traduo, principalmente para os leitores que possuem muito pouco conhecimento da lngua

    inglesa, ele parece j estar cumprindo esta misso. No s no nvel lexical, mas, agora, no nvel do

    texto, e isso parece ser um empreendimento bem sucedido entre a lingustica e a computao.

    Um questionamento que pode ser feito no que tange ao perfil do leitor pesquisado. Por

    exemplo, ele um leitor experiente? Muitas pesquisas j demonstraram que a experincia em

    leitura (Perfetti,2001, Eskey,1986, Kleiman,1998) benfica para a compreenso leitora. Se ele

    no um leitor experiente, que no desenvolveu conscincia lingustica, ento um resultado mal

    sucedido seria o esperado. Ao contrrio, o leitor experiente um leitor de sucesso. No caso deste

  • R E V I S T A X , V O L U M E 1 , 2 0 1 3 P g i n a | 77

    PEREIRA & KARNAL

    trabalho, os leitores no so inexperientes, j que so na maior parte alunos de letras. No entanto,

    no so proficientes na lngua, seus conhecimentos so bsicos, alm disso, so alunos do primeiro

    semestre de curso. Sob este aspecto, o uso da ferramenta foi um ganho para o leitor.

    Embora neste estudo o tradutor do Google tenha sido utilizado como o prprio texto para a

    leitura, sugere-se seu uso com um apelo didtico, onde o professor lance mo da ferramenta em

    benefcio da aprendizagem. A ideia no excluir a ferramenta da aula e, sim, agreg-la. O

    professor poder lanar mo do tradutor para desenvolver a conscincia lingustica, ao comparar

    com a leitura original em ingls, e apontar justamente onde a traduo apresentou falhas e

    correes. No sugerimos que o tradutor eletrnico substitua a aula, mas ele pode ser um recurso

    potente para maximizar e garantir a compreenso de leitores que no so proficientes. Se, alm de

    tudo o que foi discutido aqui, h a lacuna da confiana pelo leitor de uma L2, conforme afirma

    Grabe (1986), ento, o tradutor mais uma forma de oferecer ao aprendiz um modo de manusear a

    lngua, capaz de superar tal lacuna que no s lingustica.

    UMA PROPOSTA DIDTICA COM O TRADUTOR DO GOOGLE

    A maioria das universidades atualmente oferecem a disciplina de ingls instrumental, e

    como metodologia norteadora os professores parecem concordar que o desenvolvimento de

    estratgias cognitivas que levem o aluno compreenso leitora mais eficaz do que o antigo

    desenho de ensinar a gramtica ou o lxico isoladamente. Assim, esse trabalho se props a analisar

    a compreenso leitora de estudantes no proficientes frente a um texto traduzido pelo Google

    translator. Acredita-se que a traduo oferecida pela ferramenta permite certa compreenso, ainda

    que o texto no oferea uma traduo impecvel.

    Uma das ideias centrais a de que o aluno no proficiente no tem acesso lexical, o que

    tornaria a leitura impossvel, tal qual o texto em lngua chinesa mostrado no incio deste trabalho.

    A traduo do Google, nesse aspecto, torna o lxico acessvel. lgico pensar que o domnio do

    lxico s um dos fatores que prejudicam a compreenso precisa do texto, sendo o mais

    perceptvel pelo aprendiz de ingls. No entanto, as normas gramaticais e pragmticas, nem sempre

    visveis para o leitor no proficiente, interferem diretamente na compreenso. Nesse sentido, o

    tradutor que opera no nvel do texto, sendo capaz de traduzir frases, realizar concordncias,

    articular a gramtica, bem como reconhecer contextos deve auxiliar o leitor na compreenso.

    Aplicamos um instrumento de leitura em um grupo de graduandos da rea de letras de nvel

    bsico. O que se demonstrou que a traduo do Google, ainda que falha, permitiu, em parte, a

    compreenso quando o leitor tem acesso aos conhecimentos lingusticos e pode utilizar estratgias

  • R E V I S T A X , V O L U M E 1 , 2 0 1 3 P g i n a | 78

    PEREIRA & KARNAL

    de leitura. A hiptese que se tem que o texto traduzido demandaria menos carga da memria

    durante a leitura do que quando realiza a busca dos conhecimentos lingusticos no dicionrio.

    Temos cincia de que o tradutor do Google apresentou problemas da mais variada ordem (

    sintaxe, semntica, pragmtica) que comprometeram a compreenso leitora, a ponto de impedir a

    aprendizagem de um conceito novo (por exemplo, a histria da presidente). Todavia, propomos

    aqui uma metodologia com o uso da ferramenta que justamente leve o leitor a estar alerta a

    conflitos e pontos que no fazem sentido. Assim, o professor pode utilizar o Google em sala de

    aula ao ler o texto em portugus e compar-lo ao original em ingls e apontar os problemas

    encontrados. Tal problemtica seria o prprio input da aula.

    A proposta lanar mo do tradutor eletrnico durante as aulas de modo a comparar o

    texto original com o do tradutor, assim, se pode avaliar juntamente com o aluno as questes que

    no foram bem traduzidas. Para ilustrar, ao invs de ensinar word order ou adjective order

    partindo-se da instruo explcita per se, o professor parte do problema da traduo, onde o aluno

    v na prtica como funciona. Sob esse aspecto, o leitor visualiza que h um problema, logo, atenta

    para o assunto word order, nesse caso. O professor, ento, explicita a regra e solicita uma opo de

    traduo melhor, fazendo com que o aluno tome conscincia do assunto. Isso pode ocorrer no

    apenas quando houver conflitos de sintaxe, mas no nvel semntico ou pragmtico, igualmente.

    Esta proposta no pretende substituir o texto lido em ingls original pelo texto traduzido

    pelo Google, mas permitir que o leitor utilize o tradutor de forma mais produtiva. No possvel

    que se negue a ferramenta enquanto ela amplamente utilizada todos os dias por milhares de

    usurios, mas transform-la em material didtico ( no o nico), pensar nesta traduo como fonte

    de pesquisa pelos alunos de modo a auxili-los no desenvolvimento da conscincia lingustica e

    das estratgias cognitivas empregadas durante a leitura. Isso significa dizer que o que o Google

    tradutor j capaz de traduzir eficientemente deve ser valorizado, pois provvel que no seja

    mais um problema em textos futuros. No entanto, os conflitos que ele no conseguiu resolver que

    devem ser trabalhados. Por exemplo, erros de concordncia de gnero e verbo, word order,

    deverbial nouns ou lxico descontextualizado so recorrentes nesse tipo de traduo, este erro

    pode, assim, ser atendido pelo leitor.

    Ainda, necessrio enfatizar que em nosso entendimento a traduo no a leitura. A

    leitura o processo maior, j discutido anteriormente, envolve estratgias de nveis altos e baixos.

    Porm, a traduo aqui acesso ao input lingustico fundamental na aprendizagem. Tanto o

    texto lido no original, quanto o texto traduzido pela mquina esto sujeitos s estratgias

    cognitivas que o leitor empreende para compreender.

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    PEREIRA & KARNAL

    CONSIDERAES FINAIS

    Este trabalho teve dois objetivos principais, o primeiro foi relacionar a traduo automtica

    do Google e a compreenso leitora, o segundo uma consequncia, utilizar o Google como

    recurso didtico em sala de aula de ingls instrumental. Isto porque as discusses que envolvem a

    leitura so explcitas na traduo eletrnica e servem como ponto de instruo ao professor. No

    nos referimos apenas a pontos sintticos, mas tambm s questes semnticas e pragmticas. Por

    exemplo, quando o Google no traduz corretamente em razo de um contexto, o leitor alertado

    para isso, e pode selecionar qual dos sentidos adequado ao texto lido.

    A ideia no substituir a leitura de textos originais em ingls, mas utilizar o tradutor como

    uma ferramenta auxiliar para o ensino, pois uma fonte de informaes que pode ser ricamente

    articulada para desenvolver as habilidades cognitivas e metacognitivas necessrias ao longo da

    leitura. Os recursos digitais para o ensino no so uma novidade, na rea da leitura os corpus

    lingusticos que comparam duas lnguas eletronicamente j foram estudados (Sardinha, 2006). A

    novidade est em usar o Google no apenas como um tradutor, mas como material didtico para

    desenvolver a compreenso leitora que o objetivo ltimo da aula de leitura.

    O que se deseja, por fim, que o aluno possa ser autnomo na leitura, para isso deve ser

    exposto a todas as questes que envolvem a leitura em L2. Em uma situao ideal, o leitor

    competente aquele proficiente na lngua e com experincia em leitura, e no necessita do

    tradutor. Todavia, estamos lidando com falantes no proficientes e que necessitam apreender

    recursos lingusticos bsicos e avanados nos quais um perodo curto de instruo no o

    suficiente, nesse caso, a traduo pela mquina pode auxili-lo.

    preciso acrescentar a essa discusso o avano da lingustica computacional, novos e mais

    eficazes tradutores esto atualmente em desenvolvimento. No futuro veremos tradutores

    eletrnicos mais precisos, nesse momento qual ser o papel do ensino de leitura em L2? A resposta

    deve ser parte da agenda da rea.

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