compra e venda de bens onerados - final

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Resumo

Reúne-se no presente trabalho, toda a informação necessária para que, com o seu

estudo e aplicação, não exista a menor dificuldade em aplicar o regime da venda de bens

onerados a situações concretas.

Palavras-chave

- Ónus

- Limitações

- Salvaguarda

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Siglas e abreviaturas

Art.º - Artigo

Al. - Alínea;

Ac – Acórdão

C.C – Código Civil

Cfr. – Confrontar

N.º - número;

Pág. - Página

TRP – Tribunal Relação do Porto

Ss. - Seguintes

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, configura-se com o sistema de avaliação contínua proposta

na unidade curricular de “Direito dos Contratos”, a qual é leccionada pela Doutora

Mónica Campos, no âmbito do Mestrado em Solicitadoria, época 2012/2013.

Tem-se como objectivo com o presente, que o leitor entenda o regime previsto

para a venda de bens onerados, iniciando o estudo pelo seu aparecimento no

ordenamento jurídico português, e estudando as suas normas reguladoras, percebendo o

alcance das mesmas.

Serão abordadas algumas situações práticas e análises de alguns acórdãos, para

além de retratarmos diferentes posições de alguns autores perante diversos temas.

Assim, a elaboração do presente de uma forma sucinta pretende atribuir

conhecimentos, a todas as pessoas que se vejam confrontadas com a compra e venda de

um bem onerado

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Índice

1. Introdução no ordenamento jurídico................................................................................6

2. Características e Pressupostos à aplicação do regime da venda de bens onerados.......7

3. Efeitos da venda de bens onerados..................................................................................10

3.1 Generalidades.......................................................................................................................10

3.2 Anulabilidade por erro ou dolo.............................................................................................11

3.2.1 - Erro.................................................................................................................................11

3.2.2 - Dolo................................................................................................................................12

3.3 Convalescença do Contrato..................................................................................................15

3.3.1 Obrigação de Convalescer o Contrato....................................................................17

3.3.2 Não cumprimento da obrigação da obrigação de convalescer o contrato...........................18

3.4 Indemnização.......................................................................................................................19

3.4.1 Indemnização em caso de dolo..........................................................................................19

3.4.2 Indemnização em caso de simples erro..............................................................................20

3.4.3 Indemnização por incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato..............20

3.5 Redução do preço.................................................................................................................22

4 – Convenções das partes..........................................................................................................23

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1. Introdução no ordenamento jurídico

O normativo referente à venda e bens onerados, foi introduzido no nosso

ordenamento jurídico na versão original do código civil, através do Decreto-lei n.º 47

344 de 25 de Novembro de 1966, não tendo sofrido quaisquer alterações posteriores,

mantendo-se até à data a redacção original. Assim já em 1966, o legislador previu que

na transmissão de um direito por compra e venda, o mesmo pudesse estar limitado

quanto aos seus limites normais. Quando se refere “transmissão de um direito devemos

perceber e distinguir os direitos absolutos dos direitos relativos, de forma quais os

direitos a poderem-se transmitir. Neste sentido, os direitos absolutos são direitos que se

opõem a todas as pessoas, que se impõe, eles devem ser respeitados por todas as pessoas

à face da terra. Ex: O direito á vida é absoluto, porque se impõe a todas as pessoas e está

acima de todos os outros direitos e por isso deve ser respeitado. Contrapõe-se-lhes um

dever geral de abstracção. Trata-se por isso de uma obrigação e não de um direito,

sendo geralmente universal por recair sobre todos e é uma obrigação de não fazer.

Direitos absolutos – “erga omnes” – quer dizer “opõe-se a todos”.

Além dos direitos de personalidade, os direitos reais (direito de propriedade) são

também absolutos porque recaem sobre as outras pessoas e devem ser respeitados e

podem ser impostos. Como é o facto de eu exigir que ninguém viole a minha

propriedade. O proprietário usa, frui (arrenda), dispõe (vendendo, doando,

emprestando), ou seja, os direitos reais também são absolutos.

Quanto aos direitos relativos, estes só produzem efeitos entre as partes, só

podendo ser exercidos perante o sujeito passivo (que tem o correspondente dever).

Exemplo dos direitos relativos, são os direitos de crédito.

Assim no âmbito do regime da venda de bens onerados, deve-se falar apenas da

transmissão dos direitos absolutos, concretamente o direito de propriedade, os quais são

passiveis de serem limitados e onerados, além de que são passiveis de serem

transmitidos pelo seu titular.

Com a evolução legislativa e uma sociedade diferente da existente em 1966,

será oportuno ponderar se não estará na hora de se proceder a algumas alterações no que

respeita à venda de bens onerados. Pois como se compreende, em tempos passados,

muitos dos ónus que poderiam estar coligados com o direito de certos bens que se

adquiriam nem sequer estavam sujeitos a registo obrigatório, assim poder-se-ia atender

a este normativo, como forma de defesa e salvaguarda quando tal direito se encontrava

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limitado. Contudo na actualidade, através do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho,

o registo passou a ser obrigatório a alguns dos ónus que possam mostrar-se sob

determinado direito, como sejam, a promessa de alienação com eficácia real, a hipoteca,

o arrendamento, a penhora, usufruto, uso e habitação, etc. Esta obrigatoriedade do

registo é imposta pelo art.º 8.º-A do referido diploma, estando os factos sujeitos a

registo no seu art.º 2º. Posto isto, somos obrigados a ponderar, se haverá necessidade

desta salvaguarda quando o registo desse ónus está publicitado. Em determinadas

situações estaremos nós perante uma chamada “dupla defesa” do adquirente, pois este

numa primeira fase deveria conhecer a situação do bem através do seu registo e

respectivas inscrições, e numa segunda fase, pode ainda recorrer ao regime da venda de

bens onerados para defender o seu direito quando este esteja limitado. Assim, o novo

titular do direito além da informação prestada no registo, poderá usufruir deste regime

para discutir judicialmente as limitações que possam existir sobre o direito e

subsequentemente requerer a sua anulabilidade1. Note-se porém que nem sempre assim

será, dependendo sempre da apreciação do Juiz.

2. Características e Pressupostos à aplicação do regime da venda de bens

onerados

A venda de bens onerados, reveste a particularidade de uma espécie de protecção

do adquirente do bem, encontrando-se o seu regime previsto nos artigos 905.º e

seguintes do Código Civil. Trata-se de situações em que se configura uma transmissão

de um direito e que sobre ele impende algum ónus ou limitações, desde que estes

excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria2. Torna-se assim

necessário a existência de alguns pressupostos, para que se possa recorrer à venda de

bens onerados. Deste modo cumpre-nos referir e comentar tais pressupostos, os quais

aleatoriamente referimos de seguida.

- 1.º “Transmissão do direito”

1 Cfr. Ac. TRP de 24-04-2004 “É certo que no contrato se faz menção expressa ao ónus que fundamenta a pretensão dos Autores. Todavia, deve reconhecer-se que essa referência não será suficientemente esclarecedora da natureza e extensão de tal ónus, sendo certo que, a admitir-se todo o circunstancialismo alegado, que envolveu a formação do contrato, não será de excluir a possibilidade de efectivo desconhecimento por parte dos compradores do vício invocado.”2 Cfr. Artigo 905.º Código Civil

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Nos termos do art.º 905º C.C, a expressão “direito transmitido”, leva-nos a

concluir que terá de existir uma efectiva transmissão do direito, ou seja, o direito esteja

verificado na esfera jurídica do comprador. Não terá por isso legitimidade para recorrer

ao regime da venda de bens onerados a pessoa que não seja titular do direito limitado.

De forma a verificar-se se o direito de propriedade se encontra transmitido,

deve-se atender aos artigos 1316º e 1317º, concluindo-se que o referido direito adquire-

se por contrato, salvo se adquirido por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais

modos previstos na lei, considerando-se o momento da aquisição do direito, no caso em

que concretamente nos interessa, ou seja, o contrato, no momento da sua conclusão, ou

seja estamos perante um contrato “real quoad effectum”3, quando se trata da

constituição ou transferência de direitos reais, assim, a transmissão de um direito real

dá-se por mero efeito do contrato, tal qual prevê o n.º 1 do art.º 408º do C.C. A este

propósito existem excepções como sejam as previstas no n.º 2 do mesmo artigo, quando

se tratem de transferência de coisa futura ou indeterminada e ainda a excepção prevista

no art.º 409º do mesmo diploma, quando estamos perante uma transferência de uma

coisa em que o direito constitui-se reservado ao alienante até à verificação de certos

requisitos.

- 2.º “Existência de um ónus”

Trata-se da existência de vícios de direito, que incidem sobre o direito

transmitido e não sobre a coisa, os quais devem exceder os limites normais inerentes aos

direitos da mesma categoria. Consubstanciam-se em ónus ou limitações do direito

transmitido, quer seja a existência uma servidão de passagem, um contrato-promessa de

compra e venda com tradição da coisa, um contrato de locação, privilégios creditórios,

uma hipoteca, um usufruto, um penhor, um contrato de arrendamento, ou seja a

existência de direitos reais de gozo4, direitos reais de garantia sobre a coisa vendida5,

que o bem seja objecto de apreensão judicial6, o bem ser objecto de expropriação por

utilidade publica7, o bem se situar em zonas destinadas ao desenvolvimento histórico,

artístico ou paisagístico ou ainda nas situações em que o bem vendido esteja em

3 De forma a entender-se este efeito, mostra-se oportuno a consulta ao Ac. do STJ de 18-09-20034 Tais como, usufruto, uso e habitação e servidões prediais5 Como sejam, a consignação de rendimentos; penhor; hipoteca; privilégios e retenção6 Através de penhora, arresto, arrolamento7 Quer por ter sido objecto de declaração de utilidade pública ou por estar prevista a sua afectação a esse fim em plano director municipal.

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violação de algum direito de autor. Assim excedendo estes ónus referidos os limites

normais inerentes aos direitos da mesma categoria, torna-se manifesta a falta de

interesse por parte do comprador. Verificados esses ónus, os mesmos constituem vícios

de direito afectando assim a situação jurídica e não as qualidades fácticas da coisa 8,

contudo não se consideram vícios de direito os ónus ou limitações que estiverem dentro

dos limites normais inerentes a direitos daquela categoria, designadamente, os limites

legais do direito de propriedade, como os decorrentes das relações de vizinhança ou as

servidões legais, bem como os que advêm de regras de Direito Público, nomeadamente

imposições de ordem fiscal, assim como servidões publicas9/10.

-3.º “Precedência do ónus”

Neste preciso contexto, refere o autor Pedro Romano Martinez que o ónus seja

precedente e concomitante ao negócio formulado pelas partes, pois se entendermos que

após o negócio, o vendedor registou uma reserva de propriedade em termos diversos dos

acordados, não existirá portanto lugar à aplicação do regime da venda de bens onerados.

Em nossa opinião, no supra referido caso, tendo por base um contrato de compra e

venda pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, mediante um preço, a

transmissão da propriedade dá-se por mero efeito do contrato. Ora deste contrato nasce

a obrigação de entregar a coisa, sendo certo que a transmissão da propriedade não está

dependente do cumprimento desta obrigação, apesar de ela ser exigível igualmente sob

pena de dar lugar á resolução do contrato. Nos termos do n.º 2 do art.º 882.º do Código

Civil prevê-se uma obrigação acessória que visa, fundamentalmente, propiciar ao

comprador as condições de fruir completamente do seu direito. Assim, se as partes

acordaram e o vendedor não cumpriu correctamente a sua parte, a sua atuação

configura-se no n.º 1 do artº 406º do Código Civil que prevê que "o contrato deve ser

pontualmente cumprido", sendo certo que não cumprindo aplicar-se-á o regime do não

cumprimento das obrigações previstos nos arts.º 762º e ss do C.C. Note-se que por estar

em causa um contrato celebrado pelas partes, estamos perante uma responsabilidade

contratual.

8 Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes de - Direito das obrigações Volume III – Contratos em especial de pág. 1149 MARTINEZ, Pedro Romano - Direito das obrigações – Contratos 2.ª edição 10 LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes - Direitos Reais 2ª edição almedina pág. 185ss.

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- 4.º “Desconhecimento do ónus”

Por fim, um último pressuposto que se deverá verificar é o desconhecimento do

comprador sobre a existência do ónus, pois como se perceberá, não teria qualquer

fundamento o comprador manifestar a vontade de adquirir certo bem quando no

contrato referir-se claramente o ónus que existiria sob esse mesmo bem e que o mesmo

conhecesse a existência desse ónus, e posteriormente recorra-se do regime da venda de

bens onerados para anular o respectivo contrato, ou seja deve o vendedor informar o

comprador sobre os ónus que possam estar relacionados com o direito, e só em caso de

este dever não ser comprido ou seja em caso do comprador tiver desconhecimento do

ónus é que o mesmo poderá recorrer ao regime da venda de bens onerados11. Deve por

isso perceber-se que o comprador ao celebrar o contrato esteja convenientemente

esclarecido, pois em sentido diverso do referido, entende-se que a referência no

respectivo título de que se encontra registado um ónus de servidão, não é

suficientemente esclarecedora da natureza e extensão daquele ónus possibilitando por

isso ao comprador a aplicação do regime da venda de bens onerados12. Note-se que o

dever de informação e esclarecimento, quer nas negociações, quer na conclusão de um

contrato, deve situar-se num quadro de máxima transparência e boa-fé, designadamente

nos casos de existência da inscrição registral de um ónus, de modo a que o comprador

se possa aperceber das implicações e limitações decorrentes do mesmo13.

3. Efeitos da venda de bens onerados

3.1 Generalidades

O regime da venda de bens onerados consiste como já referido na atribuição de

soluções a que o comprador terá direito caso incida algum limite sobre o seu direito

adquirido. Assim existindo ónus ou limitações que excedam os limites normais aos

direitos de certa categoria, a venda poderá ser anulável por erro ou dolo, desde que no

11 Em sentido diverso dispõem o Acórdão do Tribunal de Relação do Porto de 22-04-2004, relator PINTO DE ALMEIDA possibilitando mesmo com o conhecimento do ónus a aplicação do regime da venda de bens onerados.12 Código Civil Anotado de Abilio Neto 16ª edição editora ediforum pág. 858 Pt. 18 I13 Código Civil Anotado de Abilio Neto 16ª edição editora ediforum pág. 858 Pt. 18 II

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caso de verificarem os requisitos legais da anulabilidade (art.º 905.º),, poderá o

comprador optar pela redução do preço, (art.º 911.º), à convalescença do contrato (art.º

906.º) e de indemnização (arts. 908.º, 909.º).

3.2 Anulabilidade por erro ou dolo

O art.º 905º do C.C refere-se à anulabilidade do contrato, fundada quer por erro

quer por dolo, desde que se verifiquem no caso concreto os requisitos legais da

anulabilidade. Neste contexto existem opiniões doutrinárias divergentes quanto à

aplicação do regime geral do erro e do dolo, como vícios da vontade e para o regime da

anulabilidade, versus a aplicação das normas referentes ao cumprimento defeituoso14.

Referindo-nos em primeiro lugar a posição tomada pelo autor Luís Manuel Teles

de Menezes Leitão, efetivamente o contrato é anulável por erro ou dolo, sendo que em

caso de erro exige-se, portanto, a essencialidade e a cognoscibilidade dessa

essencialidade do erro para o declaratário. Em caso de dolo, basta que o dolo tenha sido

determinante da vontade do declarante, salvo se provier de terceiro, caso em que se

exige igualmente que o destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação.

Não nos afastando desta posição, entende-se necessário abordar de forma

sumária a matéria referente ao erro e ao dolo15.

3.2.1 - Erro Trata-se de um vício da vontade negocial que se traduz em deficiência de

discernimento por parte do autor, consistindo numa falsa percepção da realidade por

parte deste. O erro pode incidir sobre as pessoas ou o objecto do negócio, sobre os

motivos e sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio.

No que respeita ao erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio o art.º 251º

do C.C remete-nos para o art.º 247º do C.C, em que em virtude de erro, quando a

vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é

anulável desde que conhecida a essencialidade por parte do declaratário do elemento

sobre que incidiu o erro.

14 Veja-se a propósito destas divergências o Acórdão TRP de 22-04-2004, Ponto 1 Mérito de Recurso 15 VASCONCELOS, Pedro Pais de - Teoria Geral do Direito Civil por 5ª edição Almedina pág. 658 ss.

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Para que o negócio seja anulável é necessário que se verifiquem dois

pressupostos, ou seja, a essencialidade e a cognoscibilidade. Só será anulável o negócio

por erro quando se mostre que sem esse erro sobre a pessoa ou o objecto a pessoa não o

teria celebrado ou o teria celebrado de modo distinto, caracterizando nesse sentido o

conceito da essencialidade a que se refere o art.º 247.º do C.C. Neste sentido, é ainda

necessário que a parte que errou demonstre que não celebraria o negócio no caso da

existência de erro e que a outra parte sabia da existência desse mesmo erro. Repare-se

que ainda que se o vicio só atingir parte e não a totalidade do negócio este poderá vir a

ser reduzido nos termos do art.º 292º ou poderá ser eventualmente convertido nos

termos do art.º 293º C.C

No que respeita ao erro sobre os motivos, previsto no art.º 252º do C.C, é

necessário para requerer a anulabilidade a essencialidade do erro, e o acordo das partes

sobre a essencialidade, note-se que este acordo poderá ser provado com base no contrato

negocial, dai a extrema importância de fazer constar no mesmo as circunstancias em que

contratam, os fins e os motivos que as levam a contratar.

3.2.2 - DoloOcorre sempre que o erro não seja espontâneo, mas sim provocado, tendo as

suas normas previstas nos artigos 253.º e 254.º do C.C.

O art.º 253º do C.C define dolo como “qualquer sugestão ou artificio que

alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor

da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro do erro do

declarante”, deste modo, o dolo pressupõe uma atitude que pode traduzir-se na

intenção, ou na simples consciência de enganar ou manter no engano o autor da

declaração. Em relação ao n.º2 do artigo referido anteriormente, o mesmo leva-nos em

primeiro lugar a uma distinção entre o “dolus bonus” e o “dolus Malus”, em que é

excluído no âmbito deste ultimo e passando a corresponder aquele primeiro, as

sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções

dominantes do comércio jurídico, assim como a dissimulação do erro, quando nenhum

dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas

concepções.

Relativamente à existência de dolo por parte do declaratário numa fase pré-

contratual de uma compra e venda de um bem imóvel, tem como faculdade, o declarante

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de requerer a anulabilidade do negócio quando esteja presente que o declaratário nos

preliminares do contrato sempre omitiu ou enganou com base em declarações falsas a

existência de possível ónus relativo ao direito que se pretendeu adquirir, claro que se

esse ónus exceder os limites normais de gozo da coisa.

Em relação a outra das posições adoptadas, relativamente à aplicação das

disposições do regime geral do erro e do dolo como vícios da vontade e para o regime

da anulabilidade, vem deste modo o autor Pedro Romano Martinez16, defender a sua

posição, referindo que “não obstante a remissão, parece que a situação deve antes ser

enquadrada numa hipótese de resolução”, entendendo aplicar-se o regime do

cumprimento defeituoso ao invés do regime do erro e dolo e a consequente

anulabilidade. Nestes precisos termos, o autor, inicia o seu entendimento, estabelecendo

a distinção entre erro e cumprimento defeituoso17. Utiliza ainda na base da sua

fundamentação cinco aspectos que transportamos para o presente trabalho.

-1.º “Os deveres de eliminar os defeitos, de substituir a coisa, de reduzir o preço

e de indemnizar, previstos nas seções respeitantes ao cumprimento defeituoso, em sede

de compra e venda são estranhos ao regime do erro. O regime do cumprimento

defeituoso, estabelecido a propósito do contrato de compra e venda, tem como

finalidade restabelecer o equilíbrio entre as prestações, já em caso de erro parte-se de

um pressuposto inverso ,ou seja, o contrato é em princípio inválido, mas pode ser

confirmado.”

- 2.º “A invalidade dos contratos respeita à sua formação, e não a um deficiente

cumprimento, como é o caso da venda de bens onerados.”

16 MARTINEZ, Pedro Romano - Direito das obrigações – Contratos 2.ª edição 17 Quanto à distinção entre erro e cumprimento defeituoso, deve-se ter em atenção que o erro respeita à formação da vontade e o cumprimento defeituoso à execução do contrato, pelo que o regime do erro só se aplica às situações de error in corpore, (ex. compra-se um cavalo julgando que é um vencedor de torneios quando afinal é outro cavalo o tal vencedor), e de error in substantia (ex. Compra-se um anel de our quando afinal é de prata dourada), diferentemente nos casos de error in qqualitate (ex. automóvel vendido tem um defeito no travão), ou seja neste caso não existe erro mas sim um cumprimento defeituoso, porque estão em causa qualidades normais, próprias de coisas daquele tipo. Ou seja, se o bem vendido não é aquele sobre que incidiu o negócio jurídico, há erro, mas se não há divergência quanto à coisa em si, só que ela não tem as qualidades próprias de um bem daquele tipo, há cumprimento defeituoso.

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- 3.º “ O regime do erro não se ajusta à solução de o comprador perder o direito

de anular o contrato, sempre que, entre a celebração do contrato e o cumprimento da

obrigação de entrega, o vicio tenha sido sanado.”

- 4.º “Se a coisa vendida for genérica não há erro, só apenas cumprimento

defeituoso (art.º 918 C.C) e nada parece justificar uma dualidade de regime na venda

de coisas genéricas e específica, em caso de vício de direito.”

- 5.º “No art.º 912 n.º 2 do C.C o legislador sentiu a necessidade de ressalvar os

efeitos da anulação, considerando que as cláusulas derrogadoras do regime são

válidas, apesar da invalidade do contrato em que se encontram inseridas. Ora, depois

do negócio anulado não subsistem cláusulas do mesmo, isto só é viável em sede de

compra e venda de bens onerados, porque não se trata de uma verdadeira anulação.”

Analisado o entendimento dos autores supra referidos, verificamos a divergência

doutrinária que existe em relação a esta questão. Mostra-se interessante que no âmbito

do presente trabalho, exista uma manifestação nossa, em relação a tal divergência,

assim, muito respeitosamente, seguir-se-á uma opinião relativa a esta matéria.

Atendendo ao referido pelos dois autores, ambos os raciocínios são de facto

interessantes e perceptíveis que possam ser aplicados, contudo, a nossa opinião toma a

posição do autor Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, possibilitando desta forma que

o comprador recorra ao regime do erro para poder obter a anulação do contrato, pois,

atendendo ao autor Antunes Varela18, quando refere “cumprimento defeituoso está no

facto de o dano nas situações por ela abrangidas, provir dos vícios, defeitos ou

irregularidades da prestação efectuada”, ou seja, com isto queremos colocar a tónica na

“Prestação efectuada”, querendo nós estabelecer aqui uma diferença temporal, criando

uma separação de situações. Em nosso entender quando a prestação a efectuar se

encontra formada deverá aplicar-se o regime do erro, caso contrário será quando a

prestação contratada vai formar-se após o contratado, então aplicar-se-á o regime do

cumprimento defeituoso.

Atendendo ao art.º 247.º do C.C, e propondo o seguinte caso prático, (A contrata

com B para que este lhe venda a sua habitação para habitação própria e permanente de

A. B vende a habitação e verifica-se pós celebração do contrato que o r/chão se encontra

arrendado), que demonstra aquilo que pretendemos transmitir, ou seja, B tem uma

prestação para com A, conhece a essencialidade e as intenções de A, e mesmo assim

formula o negócio com a prestação da entrega da casa. Repare-se que a prestação a que

18 Das Obrigações em Geral Vol. II 7ª Edição Almedina

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estava adstrito era a entrega da casa, mas o objecto dessa prestação já se encontrava

constituído, ou seja a própria habitação. Se estava constituído e verifica-se que A ficou

limitado da sua habitação devido ao contrato de arrendamento, este terá toda a

legitimidade de invocar o erro na declaração para ver anulado o negócio celebrado.

Ainda no mesmo sentido refere Antunes Varela que, “a consequência mais

importante do cumprimento defeituoso é a obrigação de ressarcimento dos danos

causados ao credor” assim, levamos a pensar que estaremos no âmbito do cumprimento

defeituoso apenas quando no âmbito do cumprimento das prestações o dano surge, e não

quando o dano que se verificará posteriormente se encontra constituído previamente19.

3.3 Convalescença do Contrato

A convalescença do contrato consubstancia-se numa forma de sanar o vício de

direito, que persiste sobre o bem vendido, através da sua remoção, ou seja, com a

eliminação de tal ónus, tratando-se por isso numa das consequências da venda de bens

onerados. Os artigos 906º e 907º do C.C referem-se à mesma salientado os seus efeitos e

relacionando-a com a possível anulabilidade do contrato.

Nos termos do art.º 906º do C.C, diz-se convalescido o contrato se o vendedor

expurgar os ónus ou limitações que pendem sobre o direito alienado, visto ser sobre o

mesmo que impende a obrigação de os eliminar. Note-se que se tal acontecer, ou seja se

o vendedor, expurgar os ónus, o contrato deixa de ser anulável (salvo opiniões

doutrinárias divergentes que posteriormente analisaremos), ficando com a expurgação,

sanada a sua anulabilidade. A este mesmo respeito, poderá surgir uma dificuldade

interpretativa da lei, visto que ao abrigo do art.º 905º do C.C, o mesmo refere que,

sempre que incida um ónus sobre o direito, o contrato será sempre anulável, e por outro

lado ao abrigo do art.º 906º do mesmo diploma, refere que se o ónus desaparecer fica

sanada a anulabilidade do contrato. Neste sentido, poderíamos afirmar com base nesta

interpretação que se o vendedor expurgar os ónus da coisa o comprador perderia o

direito de anular o contrato, pois entende-se que o legislador atribui a faculdade de

anular o contrato se o direito estiver limitado, e caso o esteja, no decorrer da expurgação

do ónus ele perderá essa faculdade, pois presume-se que a razão pela qual o comprador

19 De forma a avigorar esta nossa posição, será oportuno consultar os pontos 4, 6 e 12 do “NETO, Abílio - Código Civil Anotado de, pág. 857.

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pretenda anular o contrato prende-se somente com a limitação do seu direito, logo

estando ele livre de qualquer ónus resolveu o legislador não atribuir ao comprador essa

faculdade. Sem prejuízo do referido, a anulabilidade persistirá, caso se mostre que a

existência dos ónus ou limitações já tiverem causado prejuízos20 ao comprador, ou ainda

nas situações em que o comprador já tenha pedido em juízo a anulação do contrato de

compra e venda.

Existem na doutrina opiniões divergentes. Enquanto alguns autores defendem

que no âmbito da venda de bens onerados estamos perante uma anulabilidade de

regulação especial21, outros entendem que a anulabilidade mantém-se tal qual a prevista

no art.º 288.º do C.C22.

No primeiro entendimento referido, tem-se em linha de conta que o legislador

não pretendeu dar o benefício ao comprador de anular o contrato se o vendedor

expurgar os ónus presentes no direito. Ora, se por um lado o legislador possibilita o

comprador de anular o contrato se o direito tiver qualquer ónus, por outro também lhe

retira essa faculdade se o vendedor proceder à extinção do ónus. Tem-se presente a

vontade de contratar, e se assim, o comprador contratou em adquirir um direito, que

afinal esse direito estava limitado, mas o vendedor no final acabou por extinguir essa

limitação, por que razão não deveria o contrato ser formalizado?, ou por que razão se

iria anular o contrato quando o comprador afinal têm o seu direito tal qual pretendia?.

Note-se que de facto, nesta teoria, existe um afastamento do regime geral da

20 Imagine-se o seguinte caso: A compra uma habitação em que na qual pretende habitar, mas sobre a mesma encontra-se registado o usufruto a favor de C. A não poderá habitar a habitação mostrando-se obrigado a arrendar outra. Verifica-se por isso um prejuízo.21 LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes de - Direito das obrigações Volume III – Contratos em especial “esta anulabilidade é objecto de uma regulação especial, uma vez que o art. 906.º n.º 1 do C.C, admite que esta fique sanada se vierem a desaparecer por qualquer modo os ónus ou limitações, a que o direito estava sujeito. Neste âmbito o art. 906º desvia-se da regra estabelecida no art. 288º qe estabelece que a extinção do vicio não sana automaticamente a anulabilidade, apenas permitindo ao interessado confirmar o negócio se assim o entender. No âmbito da venda de bens onerados, apesar de a lei fazer assentar o fundamento de anulação do contrato na viciação da vontade do comprador por erro ou dolo, também entende que a posterior extinção dos ónus oi limitações retira ao comprador o interesse em solicitar a anulação do negócio, pelo que estabelece automaticamente a sua convalescença, em caso de ocorrer a extinção dos vícios de direito.”22 MARTINEZ, Pedro Romano - Direito das obrigações – Contratos 2.ª edição pág. 127 “ o pedido de anulabilidade não esá dependente da exigência do dever de eliminar o defeito, não satisfeita. O comprador pode pretender exercer os seus direitos em alternativa, exigindo a eliminação dos defeitos e como pedido subsidiário a resolução ou a anulabilidade do contrato. Mas nada impede que o comprador opte por qualquer das pretensões sem qualquer dependência entre elas.

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anulabilidade, bastando a expurgação do ónus para sanar a anulabilidade, enquanto que

o regime geral impõe no seu art.º 288º que carece de confirmação para que ela seja

sanável, ou seja o comprador terá uma palavra final não sendo desta forma automática a

sanação da anulabilidade. Assim, em nossa opinião, pensa-se que foi clara a intenção do

legislador, afastar a confirmação prevista no art.º 288º, com o seu art.º 906º n.º 2,

tipificando propositadamente os casos em que apenas se mantém a anulabilidade, caso

contrário se não fosse tal intenção, certamente remeteria para o art.º 288º ou incluiria no

n.º2 supra referido, que a anulabilidade persiste enquanto não confirmada pelo

comprador.

No âmbito da segunda teoria referida, entende-se que mesmo com a expurgação

do ónus, o comprador mantém o seu direito de anular o contrato, e que esse direito não

necessita que o vendedor não elimine tais ónus. Defende-se por isso o regime da

anulabilidade geral, e a necessidade de confirmação por parte do comprador. Em nossa

opinião tal entendimento é claramente aceitável, para isso procede-se ao seguinte

exemplo (A contrata com B para compra da sua Habitação. B vende, com uma hipoteca

sobre a mesma omitindo-a de A. A verificando a hipoteca comunica a omissão a B

dizendo-lhe que irá anular o contrato e que ficou desiludido com a omissão na fase pré-

contratual. B elimina o ónus. Mas A, apesar de já não se verificar qualquer ónus

pretende na mesma a anulação do contrato devido á falta de confiança que se

estabeleceu entre ambos). Assim, pensa-se estar por base desta teoria o facto de que a

anulabilidade a aplicar-se seja rigorosamente igual á prevista na parte geral e a falta de

confiança que se possa vir a estabelecer entre as partes que seja de tal forma grave

levando à anulabilidade do contrato.

3.3.1 Obrigação de Convalescer o Contrato

Nos termos do art.º 907º do C.C, o vendedor é obrigado a sanar a anulabilidade

do contrato mediante a eliminação dos ónus ou limitações existentes, sendo que, o prazo

para a expurgação será fixado pelo tribunal nos termos dos artigos 1456.º e 1457.º do

CPC. Sabe-se que na prática, nem sempre o prazo é fixado pelo tribunal, pois logo que o

comprador conhece o ónus, regra geral comunica esse facto ao vendedor para que este

procede á eliminação do mesmo, caso o vendedor não reaga é que o vendedor avança

com uma acção de forma a ver reconhecida a sua pretensão. Deve ainda o devedor

promover à sua custa o cancelamento de qualquer ónus ou limitação que conste no

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registo, quando afinal de contas se venha a verificar que na realidade esses ónus são

inexistentes, dando como exemplo o seguinte: A vende a B uma habitação livre de ónus.

B verifica à posterior que existe um registo de hipoteca, alertando o A desse facto. B já

tendo pago o valor do crédito pelo qual incidiu a hipoteca deverá cancelar o mesmo

registo com base no distrate, às suas próprias custas. Note-se que para efeitos da

expurgação do ónus, trata-se de uma obrigação do vendedor, não sendo assim permitido

ao comprador sobrepor-se ao obrigado para realizar essa expurgação à custa dele

(vendedor), contudo não significa que o não possa fazer à sua própria custa se quiser.

Alerta-se contudo que, se o fizer á sua custa, poderá o seu pedido de ser ressarcido pelos

montantes gastos, recusado.23/24 Para que não veja recusado o seu pedido, deve o

comprador, antes de iniciar por si a expurgação dos ónus, pedir em tribunal que seja

fixado um prazo para que o vendedor elimine por ele os ónus verificados25.

3.3.2 Não cumprimento da obrigação da obrigação de convalescer o contratoO comprador poderá requerer em lugar da anulação do contrato a expurgação

dos ónus ou limitações. A indemnização prevista no art. 910º do CC é a indemnização

pelo incumprimento de fazer convalescer o contrato, ou seja, de o cumprir

pontualmente, reparando ou substituindo a coisa.

O art.º 910º do C.C prevê que se o vendedor se constituir em responsabilidade

por não sanar a anulabilidade do contrato, a correspondente indemnização acresce à que

o comprador tenha direito a receber, salvo na parte em que o prejuízo foi comum. O

vendedor apenas se constitui em responsabilidade quando não se verifica o

cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato, no prazo fixado pelo

tribunal a requerimento do comprador.

No caso previsto no art.º 908º o comprador escolherá entre a indeminização dos

lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros

cessantes pelo facto de não ser sanada a anulabilidade.

23 Cfr. Acórdão nº STJ_08B0532 de 12-03-200924 Cfr. Código Civil Anotado de Abilio Neto, pág. 859, art. 907º ponto 2.25 Cfr. Código Civil Anotado de Abilio Neto, pág. 859, art. 907º ponto 8.1

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3.4 IndemnizaçãoOutro dos efeitos da venda de bens onerados, é a faculdade de atribuição ao comprador

de uma indeminização pelos danos eventualmente sofridos. A indeminização assenta

por isso nas situações em que o dano ocorre no caso de dolo (art.º 908º), no caso de

simples erro (art.º 909º) e ainda pelo facto de o vendedor não cumprir a obrigação de

fazer convalescer o contrato (art.º 910º) em que se poderá verificar a cumulação com as

anteriores.

3.4.1 Indemnização em caso de doloO art.º 908º do C.C, estabelece que “em caso de dolo, o vendedor, anulado o

contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e

venda não tivesse sido celebrada”. Note-se que a expressão “dolo”, não se poderá

cingir ao sentido que lhe é dada pelo art.º 253 do C.C, ou seja, existirá lugar a

indeminização por dolo quando, “seja utilizada qualquer sugestão ou artificio que

alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter alguém em

erro…”, e também quando exista mera culpa do vendedor, tal qual prevê o art.º 483º do

C.C26. Deste modo, o dever de indemnizar, previsto no art.º 908º do C.C baseia-se na

culpa do vendedor e engloba todos os danos que integram o interesse contratual

negativo. Ora sendo anulado o contrato com o fundamento no dolo, o comprador

adquire o direito a ser indemnizado pelos danos que emergiram da celebração do

negócio, sendo assim a indeminização limitada aos danos que não ocorreriam se o

contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo). Repare-se que esta

indemnização engloba os danos emergentes da celebração do contrato como os lucros

cessantes pela mesma celebração, em que poderão ser incluídos neste últimos os

prejuízos causados pela privação do capital correspondente ao pagamento do preço, o

facto de não ter podido aplicar esse capital numa operação mais vantajosa, as despesas

judiciais com a acção de anulação, etc…27.

26 MARTINEZ, Pedro Romano - Direito das obrigações – Contratos 2.ª edição pag. 129 1ª nota rodapé.27 Cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, op., cit., II, sub art. 908º, n.º3, p.201 e Baptista Lopes, Compra e Venda, p. 166.

Page 20: Compra e Venda de Bens Onerados - Final

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3.4.2 Indemnização em caso de simples erroDispõem o art. 909º do C.C que “nos casos de anulação fundada em simples erro, o

vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido

culpa da sua parte, mas a indeminização abrange apenas os danos emergentes do

contrato”, tratando-se por isso de uma situação de responsabilidade civil objectiva, ou

seja, mesmo perante a ausência de dolo do vendedor existe lugar a uma indeminização a

efectuar por este ao comprador, a qual como é tradicional neste tipo de responsabilidade

não atribui uma reparação integral, cingindo-se apenas aos danos emergentes do

contrato. O autor Luís Manuel Teles Menezes Leitão refere que “O fundamento

responsabilização é o pressuposto de o vendedor, no momento em que procede à venda

do bem, dever garantir, independentemente de culpa sua, que o bem vendido se

encontra livre de ónus ou encargos, respondendo pelos danos causados se tal não se

verificar”. Note-se contudo que apesar de a indeminização apenas respeitar ao danos

emergentes do contrato, ao contrário do previsto no art.º 899º do C.C, aqui não se exclui

também as despesas voluptuárias28.

3.4.3 Indemnização por incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato

Trata-se de uma indeminização devida pela violação do dever de eliminar o

vício de direito, ou seja pela não convalescença do contrato. Neste sentido mostra-se

pertinente perceber que estamos no âmbito de uma obrigação por parte do vendedor, a

qual tem um prazo estipulado pelo tribunal para que seja cumprida, assim sendo, se o

vendedor não cumpre tal obrigação é natural que a tal incumprimento corresponda uma

indeminização, assim estabelece-se a diferença entre as duas indeminizações supra

referidas, sendo que essas correspondem a uma atitude negligente do vendedor numa

fase pré contratual, enquanto a indeminização prevista no art.º 910º corresponde a uma

indeminização devida já com o contrato formalizado pelas partes, em que verificada a

existência do ónus, o vendedor não actua de modo a eliminá-lo. Note-se ainda que nos

termos do art.º 798º, o devedor que falta culposamente ao cumprimento, torna-se

responsável pelo prejuízo que cause ao devedor.

28 Voluptuárias – são todas aquelas que não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para dar prazer a quem as fez e podemos citar como exemplo, a colocação de um painel decorativo em azulejos à entrada de casa.

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Nos termos do n.º1 do art.º 910º, esta indeminização acresce à que o comprador

tenha direito a receber, ou seja quando seja anulado o contrato e haja de ser

indemnizado em caso de erro, ou quando na acção proposta para convalescer o contrato

haja pedido subsidiariamente um valor indemnizatório, contudo ressalva-se que este

acréscimo não sucederá na parte em que o prejuízo seja comum, porém, já nos termos

do n.º2 assim não será, visto que nesta situação o comprador deverá escolher entre a

indeminização dos lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e

a dos lucros cessantes29 pelo facto de não ser sanada a anulabilidade.

3.5 Redução do preço3031

Nos termos do art.º 911º, haverá redução do preço quando as circunstancias

demonstrarem que sem erro ou dolo o comprador teria igualmente adquirido os bens,

mas por preço inferior, em harmonia com a desvalorização resultante do ónus ou

limitações. Assim, a redução do preço consubstancia numa alternativa à anulabilidade

de o contrato em consequência do erro ou do dolo, ou seja, será o caso em que A

compra a B uma habitação, em que posteriormente verifica a existência de um ónus.

29 A propósito dos lucros cessantes leia-se Ac. STJ de 16-12-200430 Em relação a esta matéria, mostra-se oportuno ter em atenção o disposto no Ac do TRP de 22-04-2004: “A solução aqui prevista - a acção estimatória ou actio quanti minoris - assenta no erro ou dolo incidental, que o errante ou deceptus sempre teria celebrado o negócio, embora noutros termos, por preço mais baixo.Neste caso, a anulação é excluída: o preceito impõe a conservação do negócio jurídico, corrigido ou rectificado através do restabelecimento da relação genética de correspectividade económica entre prestação e contraprestação para garantir o sinalagma funcional rompido ab initio [Cfr. Calvão da Silva, Compra e Venda cit., 33.].Nada impede, porém, em nome da economia processual, o pedido de redução do preço em via subordinada, como pedido subsidiário da anulação para a eventualidade de esta se revelar infundada.Assim como parece não haver obstáculo a que, verificados os requisitos da acção de anulação, o comprador opte tão só pela acção estimatória.Com efeito, para além de a anulabilidade não ser imperativa, podendo o comprador exercer ou não o direito potestativo de anulação que a lei lhe confere (art. 287º), relevam as razões que nos são indicadas por Calvão da Silva [Responsabilidade Civil do Produtor, 195, nota.]:Desde logo, por argumento a contrario sensu extraído do art. 911º: fora do caso excepcional nele previsto, o direito à redução do preço concorre com o direito à anulação, verificados os respectivos pressupostos. Em segundo lugar, por argumento a maiori ad minus: quem pode o mais (anulação do contrato), pode o menos (redução do preço). Em terceiro lugar, existindo a disciplina da garantia por vícios no interesse do comprador, a este deve caber a escolha entre os direitos que a lei lhe confere, em função dos seus interesses soberanos, desde que feita em conformidade com o princípio da boa fé, não arbitrariamente, tendo também em conta os interesses do vendedor.No mesmo sentido se pronuncia Romano Martinez [Ob. Cit., 436 e segs; também Teles de Menezes Leitão, Ob. Cit., 131.] ao afirmar que a actio quanti minoris apareceu como forma de satisfazer o comprador que, podendo usar da acção redibitória, estava interessado em ficar com o bem. Interesse que é determinado por parâmetros subjectivos. Há uma opção livre do comprador, apenas condicionada pelos pressupostos das figuras em causa e pelas regras gerais, nomeadamente do abuso do direito.”31 Acórdão nº STJ_07B4540 de 29-01-2008

Page 22: Compra e Venda de Bens Onerados - Final

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Contudo A mantém o interesse na habitação desde que o valor pago seja reduzido, visto

existir um ónus que faz diminuir o valor da habitação. Note-se que esta faculdade é dada

apenas ao comprador, atribuindo-lhe “forum Shopping” perante as alternativas que

possui, já não será atribuída ao vendedor. Na prática poderá surgir em que o próprio

vendedor venda o seu direito desconhecendo por completo da existência do ónus, e

verificado o ónus nada impede que este reduza o preço ao comprador para o compensar,

contudo pretendendo o comprador anular o contrato, o vendedor se entender que deve

ser mantida a relação negocial deverá provar que o comprador teria igualmente

adquirido os bens por preço inferior32.

O comprador, têm assim a possibilidade de solicitar imediatamente a redução do

preço caso seja apenas essa a sua pretensão, sendo certo que também poderá pedir a

redução a título subsidiário para a hipótese de não proceder o pedido de anulação do

contrato, porém se verificar-se que realmente o comprador adquiria o bem com redução

do preço, então nunca poderá ser pedido a anulação do contrato. Relativamente ao valor

da redução do preço, ter-se-á em conta por regra o art.º 884º n.º 2 do C.C33.

Além do já referido, dispõem o n.º1 do art.º 911º do C.C “in fine”, que para além

da redução prevista neste artigo o comprador terá ainda direito à indeminização que lhe

competir.

Nos termos do n.º2 do mesmo artigo, aplica-se à redução do preço os preceitos

anteriores com as necessárias adaptações. Ora como a redução do preço surge como

uma alternativa à anulação do contrato, optando o comprador pela redução do preço

exclui-se portanto a anulação, bem como a obrigação de fazer convalescer o contrato e a

indemnização pelo não cumprimento dessa obrigação, cabendo somente ao comprador

além da própria redução do preço, a indeminização, que terá conteúdo variável,

consoante exista dolo do vendedor, ou simples erro34.

32 Cfr. NETO, Abílio - Código Civil Anotado de, pág. 860, art. 911º ponto 1.33 Cfr. NETO, Abílio - Código Civil Anotado de, pág. 860, art. 911º ponto 9 I.34 LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes de - Direito das obrigações Volume III – Contratos em especial pág. 121

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4 – Convenções das partesO art.º 912º do C.C vem estabelecer a possibilidade de as partes, ao abrigo da sua

autonomia privada, estabelecerem convenções perante o disposto nos artigos 907.º n.º 1

e 3, art.º 909º e art.º 910º n.º1, podendo desta forma estabelecer um regime diferente de

garantia contra a existência de ónus ou encargos do direito transmitido, exceptuando as

situações em que o vendedor tenha procedido com dolo e as clausulas contrárias àquelas

normas visem beneficiá-lo. Note-se que existem normas imperativas, tal qual é o caso

do art.º 908º, o qual pela sua imperatividade está impossibilitado de sofrer alterações

mediante convenções das partes35

35 Cfr. Ac STJ de 07/10/2003 “Assim, na anulação por dolo, a indemnização abrange, inderrogavelmente - o conteúdo imperativo do art. 908º resulta da sua não enumeração entre as disposições supletivas constantes do art. 912º -, os danos emergentes (prejuízos sofridos que se traduzem na diminuição do património existente, nele incluindo as despesas tornadas necessárias) e os lucros cessantes (benefícios ou ganhos que se frustraram, privação de um aumento patrimonial) referidos no art. 564º, n.º 1, visto que o art. 908º não limita o objecto de ressarcimento (cfr. o caso paralelo do art. 898º);Por seu turno, na anulação por simples erro, a indemnização dos danos emergentes - e só dos danos emergentes, compreendidos os resultantes de despesas voluptuárias, diferentemente do previsto na venda de coisa alheia (art. 899º) - é sempre devida, tenha ou não havido culpa da parte do vendedor. Esta a solução vertida no art. 909º, que faculta a indemnização confinada aos danos emergentes nos casos de anulação fundada em simples erro ainda que não tenha havido culpa do vendedor: logo, tenha ou ainda que não tenha havido culpa da sua parte, o vendedor indemnizará apenas os danos emergentes do contrato anulado por simples erro do adquirente, salvo estipulação em contrário do vendedor (art. 912º, n.º 1)”

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Bibliografia:

Obras:

LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes de - Direito das obrigações Volume III –

Contratos em especial

MARTINEZ, Pedro Romano - Direito das obrigações – Contratos 2.ª edição

LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes - Direitos Reais 2ª edição almedina

VASCONCELOS, Pedro Pais de - Teoria Geral do Direito Civil por 5ª edição

Almedina

NETO, Abílio - Código Civil Anotado de

Das Obrigações em Geral Vol. II 7ª Edição Almedina

Pires de Lima/Antunes Varela, op., cit., II

Baptista Lopes, Compra e Venda

Jurisprudência:

Ac STJ de 07/10/2003

Acórdão nº STJ_07B4540 de 29-01-2008

Ac. STJ de 16-12-2004

Acórdão TRP de 22-04-2004

Ac. TRP de 24-04-2004

Acórdão nº STJ_08B0532 de 12-03-2009