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Comportamento hidráulico e reativo de uma mistura solo-cimento para barreiras de fundo em aterros de resíduos sólidos Pedro Domingos Marques Prietto Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Eduardo Pavan Korf Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Cleomar Reginatto Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Antonio Thomé Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Nilo Cesar Consoli Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil, [email protected] RESUMO: O presente trabalho avaliou o comportamento hidráulico e reativo de um solo argiloso compactado, com adição de cimento Portland, para fins de aplicação em barreiras impermeáveis para aterros de resíduos industriais e de mineração, quando submetido à ação de carga estática de resíduos e em contato com lixiviado ácido enriquecido com o metal cádmio. Um Latossolo argiloso residual foi utilizado para moldagem de corpos de prova com e sem a adição de cimento (0 a 2%). Ensaios de difusão foram realizados com aplicação de carga estática variável (100 a 500 kPa). A solução contaminante foi elaborada com pH variando na faixa de 1 a 6. Os resultados obtidos indicaram, de forma geral, que a mistura investigada apresentou baixo coeficiente de condutividade hidráulica e capacidade de atenuação elevada, podendo ser aplicada como barreira impermeável de fundo em aterros de resíduos sólidos, em particular com a adição de cimento. PALAVRAS-CHAVE: Barreiras de Contenção, Atenuação, Difusão, Aterros de Resíduos Industriais. 1 INTRODUÇÃO O crescimento exponencial da população mundial e o avanço dos processos tecnológicos industriais tem induzido a produção de bens de consumo, a demanda por matérias primas e, como conseqüência, o incremento na geração de resíduos sólidos. Essa perspectiva remete à problemática da disposição final dos resíduos sólidos urbanos, industriais e de mineração, atividade que potencialmente pode ocasionar impactos negativos ao meio ambiente e à saúde humana, principalmente através da contaminação do solo e dos mananciais hídricos pelo lixiviado gerado, o qual contém, em concentrações variadas, compostos tóxicos orgânicos e inorgânicos. Neste contexto, o aperfeiçoamento de soluções técnicas capazes de garantir a mitigação dos impactos ambientais assume caráter fundamental. Por exemplo, a execução de barreiras de solo compactado reativas e de baixa condutividade hidráulica, é uma técnica tradicional utilizada para atenuar o transporte dos contaminantes presentes no lixiviado. De acordo com Oliveira e Jucá (2004), sistemas de impermeabilização com solos argilosos compactados são uma alternativa barata e eficiente para impermeabilização lateral e de fundo em aterros de resíduos sólidos. COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. 1

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Comportamento hidráulico e reativo de uma mistura solo-cimento para barreiras de fundo em aterros de resíduos sólidos Pedro Domingos Marques Prietto Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Eduardo Pavan Korf Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Cleomar Reginatto Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Antonio Thomé Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo-RS, Brasil, [email protected] Nilo Cesar Consoli Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil, [email protected] RESUMO: O presente trabalho avaliou o comportamento hidráulico e reativo de um solo argiloso compactado, com adição de cimento Portland, para fins de aplicação em barreiras impermeáveis para aterros de resíduos industriais e de mineração, quando submetido à ação de carga estática de resíduos e em contato com lixiviado ácido enriquecido com o metal cádmio. Um Latossolo argiloso residual foi utilizado para moldagem de corpos de prova com e sem a adição de cimento (0 a 2%). Ensaios de difusão foram realizados com aplicação de carga estática variável (100 a 500 kPa). A solução contaminante foi elaborada com pH variando na faixa de 1 a 6. Os resultados obtidos indicaram, de forma geral, que a mistura investigada apresentou baixo coeficiente de condutividade hidráulica e capacidade de atenuação elevada, podendo ser aplicada como barreira impermeável de fundo em aterros de resíduos sólidos, em particular com a adição de cimento. PALAVRAS-CHAVE: Barreiras de Contenção, Atenuação, Difusão, Aterros de Resíduos Industriais. 1 INTRODUÇÃO O crescimento exponencial da população mundial e o avanço dos processos tecnológicos industriais tem induzido a produção de bens de consumo, a demanda por matérias primas e, como conseqüência, o incremento na geração de resíduos sólidos. Essa perspectiva remete à problemática da disposição final dos resíduos sólidos urbanos, industriais e de mineração, atividade que potencialmente pode ocasionar impactos negativos ao meio ambiente e à saúde humana, principalmente através da contaminação do solo e dos mananciais hídricos pelo lixiviado gerado, o qual contém, em

concentrações variadas, compostos tóxicos orgânicos e inorgânicos.

Neste contexto, o aperfeiçoamento de soluções técnicas capazes de garantir a mitigação dos impactos ambientais assume caráter fundamental. Por exemplo, a execução de barreiras de solo compactado reativas e de baixa condutividade hidráulica, é uma técnica tradicional utilizada para atenuar o transporte dos contaminantes presentes no lixiviado. De acordo com Oliveira e Jucá (2004), sistemas de impermeabilização com solos argilosos compactados são uma alternativa barata e eficiente para impermeabilização lateral e de fundo em aterros de resíduos sólidos.

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Mais recentemente, alguns estudos (e.g. LEMOS, 2006; KNOP, 2007) têm revelado que a adição de cimento Portland contribui na atenuação dos contaminantes, diminuindo a sua mobilidade, além de reduzir a condutividade hidráulica das barreiras, melhorando, desta forma, a capacidade da barreira em controlar ao mesmo tempo as componentes difusiva e advectiva do transporte de contaminantes. Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo geral avaliar o comportamento hidráulico e reativo de um solo argiloso compactado com adição de cimento na composição de uma barreira de fundo de aterro de resíduos sólidos, quando submetida à ação de contaminantes ácidos contendo metais tóxicos. 2 PROGRAMA EXPERIMENTAL 2.1 Planejamento dos Experimentos Os experimentos foram planejados, conduzidos e analisados de forma a avaliar, em laboratório, os efeitos de três variáveis: a adição de cimento (0 a 2%); o pH da solução contaminante (1 a 6); e a carga estática de resíduos sólidos (0 a 500 kPa), sobre a capacidade de atenuação de um solo argiloso compactado submetido ao transporte difusivo de um contaminante ácido enriquecido com cádmio. Secundariamente, foi avaliado o efeito do teor de cimento sobre a condutividade hidráulica do solo compactado. Quanto ao delineamento experimental, foi adotado um projeto fatorial 23 (três variáveis a dois níveis cada uma) com a adição de um ponto central (1% de cimento; pH 3,5; carga estática de 250 kPa), totalizando 9 combinações ou tratamentos. Para possibilitar a determinação do erro experimental, foram realizadas quatro repetições somente para o ponto central. Maiores detalhes sobre o tipo de delineamento adotado podem ser encontrados na literatura específica (e.g. MONTGOMERY, 2001). 2.2 Solo 2.2.1 Amostragem

O solo foi coletado no Campo Experimental de Geotecnia da Universidade de Passo Fundo localizado ao lado do Centro Tecnológico de Engenharia e Arquitetura. As coordenadas geográficas do ponto amostrado são: S 28º 13’ 35,7” e W 52° 23’ 14,46”. A altitude é 698 m. A técnica de amostragem foi por extração deformada no horizonte B, a 1,2 metros de profundidade. A Figura 1 apresenta o horizonte de amostragem do solo.

Figura 1: Perfil de solo amostrado. 2.2.2 Caracterização O solo utilizado é de origem residual e pertence à província geológica do planalto riograndense, segundo a geologia do Rio Grande do Sul, e à bacia do Paraná segundo a geologia do Brasil (BERTORELLI; HARALYI, 1998). A classificação pedológica, segundo Streck et al. (2002), é de um Latossolo Vermelho distrófico típico (unidade Passo Fundo). Do ponto de vista geotécnico, é classificado como CH, ou argila de alta plasticidade.

A caracterização geotécnica e físico-química do solo está apresentada na Tabela 1. O solo apresenta pH ácido, alto teor de argila, baixo teor de matéria orgânica e baixa CTC, típica de solos com predominância do argilo-mineral caulinita (STRECK et al., 2002). Quanto às características de compactação, o solo apresenta peso específico seco máximo de 15,7 kN/m3, umidade ótima de 24,5% e grau de saturação na umidade ótima de 94,8%, determinados para a energia proctor modificada. A caracterização química básica, segundo o método de Tedesco et al. (1995), está

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apresentada na Tabela 2. Os teores dos principais metais disponíveis no solo, determinados pelo método 3050B (USEPA, 1996), de extração por digestão da amostra de solo, são apresentados na Tabela 3. Com relação ao cádmio, observa-se que a concentração está um pouco acima da referência de prevenção proposta por CETESB (2005). 2.3 Cimento O cimento Portland tipo CP-V foi adotado visando o melhoramento das condições reativas do solo argiloso compactado.

Tabela 1. Caracterização geotécnica e físico-química do solo.

Parâmetro Valor Agila (%) 68 Silte (%) 5 Areia (%) 27

Limite de Liquidez (%) 53,0 Limite de Plasticidade (%) 42,0

Peso específico real dos grãos (kN/m³) 26,7 Umidade Natural (%) 34

Peso específico natural (kN/m³) 16,3 Índice de Vazios 1,19

Grau de Saturação (%) 75,7 Porosidade (%) 54

pH 5,4 Matéria Orgânica (%) < 0,8

Capacidade de Troca Catiônica (cmolc/dm³) 8,6 Condutividade hidráulica (cm/s) 1,39x10-7

Tabela 2: Caracterização química básica do solo

Parâmetro Valor ÍndicSMP 5,4 P (mg/kg) 4 K (mg/kg) 334 S (mg/kg) 33

Al (cmolc/dm³) 1,7 Ca (cmolc/dm³) 0,5 Mg (cmolc/dm³) 0,3

H + Al (cmolc/dm³) 8,7 Saturação por bases (%) 16

Saturação por Alumínio (%) 51 Saturação por potássio (%) 8,3

2.4 Solução Contaminante A solução contaminante foi elaborada a partir da diluição de uma solução padrão de cádmio de 1000 mg/L. A diluição foi para uma solução de 10 mg/L, o que equivale à extrapolação de

1000 vezes do valor de intervenção para águas subterrâneas estabelecido pela CETESB (2005) para o metal cádmio. A solução foi elaborada para diferentes valores de pH na faixa ácida, conforme estabelecido no planejamento experimental, por meio de uma solução de hidróxido de sódio e ácido nítrico. Tabela 3: Metais disponíveis no solo

Metal Teores médios (mg/kg)

Referência de Prevenção

CETESB (2005) (mg/kg)

Ni 23,26 30 Cd 1,63 1,3 Pb 34,54 72 Zn 40,79 300 Cu 24,20 60 Mn 511,85 - Fe 50412,26 - Cr 85,02 75 Co 9,74 25

A utilização do cádmio no presente trabalho se justifica por este ser o metal de menor retenção pela caulinita, segundo a série de preferência proposta por Triegel (1980 apud COSTA, 2002). Já a faixa de pH utilizada é representativa de uma ampla gama de lixiviados de resíduos industriais e de drenagem ácidas de rejeitos de mineração e corresponde à condição de pH que propicia a maior mobilidade de metais em meios porosos. 2.5 Ensaios de Difusão 2.5.1 Descrição do Equipamento O equipamento utilizado é composto por uma célula de difusão, em aço inox, a qual funciona como um permeâmetro de parede rígida de fluxo descendente, permitindo, assim, a determinação da condutividade hidráulica, bem como a avaliação dos parâmetros de transporte de um contaminante através do solo. O equipamento foi construído por Knop (2007) e segue as prescrições da ASTM – D 4874 (ASTM, 1995) com algumas modificações. Conforme ilustra a Figura 2, a célula de difusão foi adaptada a uma prensa de adensamento convencional, a fim de permitir a aplicação de uma carga estática vertical ao corpo de prova, simulando a ação do peso dos resíduos sólidos

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sobre a barreira de contenção, e a medição de deslocamentos verticais (recalques).

Figura 2: Célula de difusão acoplada à prensa de adensamento. 2.5.2 Moldagem dos Corpos de Prova Os corpos de prova, com teores de cimento de 0, 1 e 2% em relação à massa seca de solo e dimensões nominais de 20 mm de altura e 70 mm de diâmetro, foram moldados diretamente no interior da célula de difusão. Os parâmetros de moldagem obedeceram aos pesos específicos e umidades correspondentes ao ponto ótimo da curva de compactação do solo obtida no ensaio Proctor modificado. Foram adotadas tolerâncias máximas de ±5% em relação às dimensões dos corpos de prova e aos parâmetros de moldagem. 2.5.3 Saturação e Medição da Condutividade Hidráulica Nesta etapa foram observados os seguintes procedimentos básicos: (1) percolação de água destilada a partir de um reservatório de entrada pressurizado, construído em de aço inox e conectado à parte superior da célula de difusão (ver Figura 3); (2) aplicação, durante a percolação, de uma carga hidráulica equivalente a 80 kPa; (3) medição do volume percolado ao longo tempo em uma proveta graduada conectada à parte inferior da célula de difusão até atingir-se o regime de fluxo permanente. 2.5.4 Difusão da Solução Contaminante

O procedimento descrito a seguir foi adaptado de Barone et al. (1989). Concluída a fase de saturação e determinação da condutividade hidráulica, a válvula de saída da percolação conectada à parte inferior da célula de difusão era fechada, permanecendo desta forma durante o restante do ensaio. Na seqüência, a água destilada no interior do cilindro auxiliar era substituída pela solução contaminante enriquecida com cádmio e com pH conhecido, sem aplicação de pressão, porém sendo submetida à agitação constante, com o auxílio de uma bomba, para manter a sua homogeneidade. A célula de difusão era então acoplada à prensa de adensamento e a pressão vertical aplicada de acordo com o planejamento experimental. Na seqüência, era iniciada a fase de difusão da solução contaminante com duração de aproximadamente sete dias.

Figura 3: Saturação e determinação da condutividade hidráulica. Imediatamente após a colocação da solução contaminante e abertura da válvula de entrada conectada à parte superior da célula de difusão, era realizada uma amostragem inicial da solução. Posteriormente, novas amostras eram coletadas em média a cada dois dias. Estas amostras foram submetidas à análise de pH e determinação da concentração de cádmio em espectrofotômetro de absorção atômica. Ao final de cada ensaio, cada corpo de prova era seccionado em quatro partes com aproximadamente 5 mm de altura. A concentração de cádmio disponível nessas fatias foi extraída através de digestão ácida de amostras de solo pelo método 3050B (USEPA,

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1996) e analisada em espectrofotômetro de absorção atômica. 2.5.4 Determinação dos Parâmetros de Difusão O fator de retardamento (Rd) foi calculado através do balanço de massa dos corpos de prova ensaiados. O coeficiente de difusão efetiva (D*) foi determinado por retroanálise através da manipulação matemática e ajuste analítico dos dados experimentais à equação de Carslaw e Jaeger (SCHACKELFORD, 1991), apresentada a seguir, a qual é aplicável ao arranjo utilizado no ensaio de difusão descrito no item 2.5:

⎟⎟⎟⎟⎟

⎜⎜⎜⎜⎜

×⎥⎥

⎢⎢

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+=

tRDHn

RtD

x

tRDHn

HxnR

cc

df

d

dff

d

*

*

*

2

0

2erfc

exp

(1)

onde c é a concentração disponível de contaminante ao longo da profundidade x do corpo de prova; n é a porosidade do corpo de prova; t é o tempo de ensaio; 0c é a concentração inicial da solução contaminante; Hf é a altura efetiva do contaminante no reservatório de entrada; dR é o fator de retardamento; *D é o coeficiente de difusão efetiva; e erfc é a função erro complementar. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Condutividade Hidráulica A Tabela 4 apresenta os valores médios de condutividade hidráulica do solo para permeação com água destilada, obtidos a partir de 21 ensaios. A Figura 4 apresenta a variação da condutividade hidráulica com o teor de cimento adicionado ao solo. Embora a condutividade hidráulica média tenha diminuído com o aumento do teor de cimento, a grande variabilidade observada, com coeficientes de variação entre 42 e 84%, não permitiu uma conclusão definitiva neste

sentido. No entanto, é possível afirmar que os valores obtidos são da mesma ordem de grandeza e se enquadraram na faixa proposta por Daniel (1993) para barreiras compactadas (<10-9 m/s).

Tabela 4: Valores médios de condutividade hidráulica.

% de cimento

Número de Ensaios

Condutividade Hidráulica Média

(m/s) 0 6 5,8 x 10-10 1 7 5,0 x 10-10 2 8 2,9 x 10-10

0,0E+00

2,0E-10

4,0E-10

6,0E-10

8,0E-10

1,0E-09

1,2E-09

0 1 2

% de Cimento

Con

dutiv

idad

e H

idrá

ulic

a (m

/s) Média

Figura 4: Variação da condutividade hidráulica com o teor de cimento. 3.2 Monitoramento da Solução Contaminante As Figuras 5, 6 e 7 apresentam o monitoramento da concentração de cádmio na solução contaminante no reservatório de entrada durante os ensaios de difusão, respectivamente para 0, 2 e 1% de cimento adicionado ao solo.

0

2

4

6

8

10

12

0 1 2 3 4 5 6 7 8

Tempo (dias)

Con

cent

raçã

o (m

g/L)

pH 1 - 0 kPapH 1 - 500 kPapH 6 - 0 kPapH 6 - 500 kPa

Figura 5: Variação da concentração de cádmio na solução contaminante (0% de cimento).

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2

4

6

8

10

12

0 1 2 3 4 5 6 7 8

Tempo (dias)

Con

cent

raçã

o (m

g/L)

pH 1 - 0 kPapH 1 - 500 kPapH 6 - 0 kPapH 6 - 500 kPa

Figura 6: Variação da concentração de cádmio na solução contaminante (2% de cimento).

0

2

4

6

8

10

12

0 1 2 3 4 5 6 7 8

Tempo (dias)

Con

cent

raçã

o (m

g/L)

pH 3,5 - 250 kPapH 3,5 - 250 kPapH 3,5 - 250 kPapH 3,5 - 250 kPa

Figura 7: Variação da concentração de cádmio na solução contaminante (1% de cimento).

A Figura 8 mostra a variação do pH da solução contaminante, ao longo de cada ensaio, para cada valor de pH inicial, porém sem distinção entre os diferentes teores de cimento e níveis de carga vertical aplicados.

0123456789

10

0 2 4 6 8

Tempo (dias)

pH

Figura 8: Variação do pH na solução contaminante (todos os ensaios).

A análise qualitativa dos gráficos indica que o fator determinante para a redução da concentração na solução contaminante em relação à concentração nominal inicial (10 mg/L) foi o pH inicial. Percebe-se que para os valores mais altos de pH (3,5 e 6), a redução na concentração foi significativa, indicando uma maior sorção do contaminante pelas partículas do solo. Para o pH igual a 1 (fortemente ácido), observa-se que a concentração da solução permaneceu aproximadamente constante, indicando a não ocorrência de precipitação e baixa sorção do contaminante pelo solo. Estes resultados são consistentes com os relatados por Yong et al. (1992), que afirmam que a retenção é marcante quando a solução do solo excede o valor de pH requerido para precipitação ou formação de espécies de hidróxidos metálicos.

A adição de cimento ao solo (1 e 2%) também contribuiu secundariamente para a queda da concentração na solução. Em geral, pode-se inferir que o poder reativo do solo aumentou com a adição de cimento, pois a queda da concentração na solução contaminante indica uma menor disponibilidade de cádmio para o processo difusivo. Comportamento semelhante foi relatado por Knop (2007), que analisou o comportamento de um solo silto-arenoso artificialmente cimentado frente à percolação ácida. Lemos (2006) afirma que isso ocorre devido à hidratação do cimento em condições ácidas, o que possivelmente favorece a capacidade de retenção de contaminantes.

De acordo com estudos feitos por Lemos (2006), a adição de cimento, em razão da sua alcalinidade, propicia o aumento do pH da solução envolvida com o solo. A partir da análise da Figura 8, no entanto, observa-se, que o aumento no pH da solução contaminante foi função somente do pH inicial, não sendo aparentemente afetado pelo teor de cimento.

Quanto ao efeito da carga vertical aplicada ao solo, não foi observada influência significativa sobre a concentração da solução contaminante ao longo dos ensaios. Possivelmente, o nível de tensões aplicado foi inferior à tensão de pré-adensamento imposta pela compactação do solo, não havendo qualquer efeito sobre o seu índice de vazios

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inicial, fato comprovado pelo monitoramento dos deslocamentos verticais durante os ensaios de difusão. 3.3 Parâmetros de Difusão Assumindo que a carga vertical aplicada não apresentou influência sobre o processo em estudo, os valores médios do coeficiente de difusão efetiva (D*) e do fator de retardamento (Rd) são apresentados na Tabela 5. Nas Figuras 9 e 10 são apresentados os efeitos combinados do pH e do teor de cimento sobre o coeficiente de difusão efetiva e o fator de retardamento, respectivamente. Tabela 5: Parâmetros médios do transporte difusivo.

Teor de Cimento

(%)

pH da Solução

Fator de Retardamento

Rd

Coeficiente de Difusão

D* (m2/s) 0 1 1,38 4,80 x 10-10

0 6 13,10 2,03 x 10-10

1 3,5 48,57 3,15 x 10-10 2 1 1,20 1,01 x 10-10 2 6 36,01 2,72 x 10-10

Como pode ser observado na Figura 9 e na Tabela 5, o maior coeficiente de difusão efetiva (D*) foi obtido para o solo sem cimento e com pH igual a 1, enquanto o menor foi obtido para 2% de cimento e para o mesmo pH. Já para o pH igual a 6, não foi observada uma variação sigificativa do coeficiente de difusão com o nível de cimentação. O padrão observado claramente indica ter havido um efeito de interação entre pH e teor de cimento sobre a mobilidade do cádmio na solução contaminante, em razão, principalmente, das variações induzidas nas características físico-químicas da solução e/ou no fator de tortuosidade do meio, em função da presença de cimento. Em relação ao fator de retardamento (Rd), é notável o seu aumento principalmente com o pH da solução contaminante, evidenciando o aumento da retenção de cádmio (precipitação e/ou adsorção) e a redução da sua disponibilidade para o processo difusivo. O padrão observado é corroborado pelo monitoramento da solução contaminante no reservatório de entrada e está de acordo com o

sugerido na literatura (e.g YONG et al., 1992; COSTA, 2002).

0,0E+00

1,0E-10

2,0E-10

3,0E-10

4,0E-10

5,0E-10

6,0E-10

0 1 2

% de Cimento

Coe

ficie

nte

de D

ifusã

o (m2 /s)

pH 1pH 6pH3,5

Figura 9: Variação do coeficiente de difusão com o pH da solução contaminante e o teor de cimento.

0

10

20

30

40

50

60

0 1 2

% de Cimento

Fato

r de

Ret

arda

men

to

pH 1pH 6pH 3,5

Figura 10: Variação do fator de retardamento com o pH da solução contaminante e o teor de cimento. 4 CONCLUSÕES De forma geral, as misturas solo-cimento apresentaram baixo coeficiente de condutividade hidráulica e capacidade de atenuação elevada, permitindo a sua aplicação em barreiras impermeáveis de fundo em aterros de resíduos sólidos, em particular com a adição de cimento. A análise do comportamento reativo através do monitoramento da solução contaminante e da determinação dos parâmetros de transporte indicou um aumento da capacidade de retenção com o incremento do teor de cimento e do pH da solução contaminante, porém não foi constatada influência da carga estática aplicada.

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AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de expressar o seu agradecimento ao CNPq pelo apoio financeiro ao grupo de pesquisa (processos n. 303200/2005-7, 301253/2008-0, 480565/2009-0, 301869/2007-3). REFERÊNCIAS ASTM – American Society for Testing and Materials

(1995) Standard Test Method for leaching solid material in a Column Apparatus: D4874, Philadelphia.

Barone, F. S. et. al. (1989) Effect of multiple contaminant migration on diffusion and adsorption of some domestic waste contaminants in a natural clayey soil, Canadian Geotechnical Journal, NRCC, Vol. 26, p. 189-198.

Bertorelli, A. e Haralyi, N. (1998) Geologia do Brasil. In: Oliveira, A. M. S.; Brito, S. N. A. (Coord.) Geologia de engenharia. São Paulo: Associação Brasileira de Geologia de Engenharia, 584 p.

CETESB – Companhia de Tecnologia em Saneamento Ambiental (2005) Decisão de diretoria 195-2005- E, Disponível em: http://www.cetesb.sp.gov.br/Solo/ relatorios/Tabela_valores_2005.pdf. Acesso em 28. Jun.2006.

Costa, P. O. S. (2002). Avaliação em laboratório, do transporte de contaminantes no solo do aterro sanitário de Sauípe/BA, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, PUC-RJ, Rio de Janeiro..

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