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COMPLEXO DE ANTEU E N S A I O S

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COMPLEXO DE ANTEUE N S A I O S

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EDUARDO CAMPOS

Fortaleza1978

COMPLEXO DE ANTEUE N S A I O S

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AF. ALVES DE ANDRADE, que me estimulou.

AGUIMARÃES DUQUE,CARLOS BASTOS TIGRE,ESMERINO PARENTE,M. NEGREIROS BESSA,AFRÂNIO FERNANDES,JOSÉ CÂNDIDO DE MELO CARVALHO,pela inspiração que me deram.

Ao Magnífico ReitorPROF. PEDRO TEIXEIRA BARROSO,por ter acreditado neste livro.

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A natureza toda protege o sertanejo. Talha-o comoAnteu, indomável. É um titã bronzeado fazendo va-cilar a marcha dos exércitos.

EUCLIDES DA CUNHA,OS SERTÕES

Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.Há só cada um de nós, como uma cave.Há só uma janela fechada, e todo mundo lá fora;E um sonho do que se poderia ver se a janela abrisse,Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

FERNANDO PESSOA,POEMAS INCONJUNTOS

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SUMÁRIO

Apresentação ....................................................................... 13

O HOMEM NA SUA MOLDURA NEM SEMPRE VERDEO homem emoldurado na paisagem ..................................... 27Regionalismo e consciência ecológica na literatura ............ 29O idílio naturalista de H. David Thoreau .............................. 31A estratégia de Anteu .......................................................... 33

REGIONALISMO: ESTRATÉGIA E AFIRMAÇÃOO Ceará e o II Congresso Cearense de Escritores ................ 35As características que nos modelam e as transformações .... 37A literatura como estratégia da cultura ............................... 38 A participação do escritor na realidade e a valorização doespírito humanista .............................................................. 40

CRIATIVIDADE LITERÁRIA E A REALIDADE DE NOSSAFITOFISIONOMIAFitofisionomia e a realidade literária ................................... 43O Cenário da literatura e o zoneamento geobotânico ........... 45Avaliação da consciência ecológica dos escritores................ 47

FLORES DE PAPEL: IRRIGAÇÃO E A PALAVRA DE FEDROA falta de humanização da paisagem ................................... 53Uma melhor participação nas equipes dos projetos .............. 55Disciplina do homem e o aproveitamento da terra ............... 57

CORDEIRO DE ANDRADE: INFÂNCIA E SERTÃOO nosso encontro com a pessoa e os livros deCordeiro de Andrade ............................................................. 61O culto da paisagem e dos insucessos humanos –Sertão e Infância ................................................................. 63Romancista regional de amplo sentido humano ................... 69

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AGROPECUÁRIA: CAMINHOS E DESCAMINHOS ATÉ A ECONO-MIA FORTALECIDAOs Recursos naturais e a agricultura rotineira.................... 73Falta de medidas objetivas e declínio da pecuária ................ 77Algumas providências recomendáveis .................................. 78O café e o abandono das serras ............................................ 80O problema dos fertilizantes e outras indicações .................. 83

COMPLEXO DE SECA E DESAMOR AO SERTÃOFalta de uma atitude literária de melhor desempenhono Nordeste entre os mais recentes ..................................... 87A análise das secas dentro do novo cenário .......................... 88O sertão violentado e o agricultor despreparado.................... 93A paixão da terra e o idealismo de alguns ............................ 95

LEGENDA ÍGNEA: DEVASTAR PARA AGRICULTARAgricultura e devastamento. A Serra da Aratanhae as árvores ....................................................................... 101O profeta de Lendas e Canções Populares, seu protesto etestemunho ....................................................................... 105A legenda ígnea – sua origem e os homens ........................ 106

MODIFICAÇÕES DO COMPORTAMENTO SÓCIO-RELIGIOSODO SERTANEJOAs mutações do comportamento humano da cidade ao campo . 113O Bem-estar humano, a terra e a educação ....................... 117

ENERGIA EÓLIA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA E PERSPECTIVASDE SUA UTILIZAÇÃOOs Cataventos tradicionais. O vento como gerador de energia . 121Cataventos de carnaubeiras. A apropriação da energia eólia . 123A importância do uso dos moinho-de-vento. ....................... 127Contribuição da FAO. ......................................................... 127

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OS CAÇADORES D’ÁGUAA água, expressivo símbolo da existência humana ............. 133Sentido premonitório de quem localiza nascentes.............. 136

ASSOCIAÇÃO PROPAGADORA DA ARBORICULTURA (1894) EINSTITUTO GUSTAVO BARROSO (1976)Poluição. A humanidade está adoecendo há séculos .......... 141Associação Propagadora da Arboricultura.Pioneirismo em 1894 ......................................................... 143Instituto Gustavo Barroso de Estudos Sociais eDefesa do Meio Ambiente ................................................... 146Contribuição à bibliografia de assuntos pertinentes aProblemas ecológicos publicado até o ano de 1900,de autores ligados ao Ceará ............................................... 149

PRECES POSITIVAS E NEGATIVASPoder da oração e sua ação positiva.................................... 151A oração prevalece? Franklin Loehr e a influência da prece ... 154

SERRAS TREMEM E ESTRONDAM DESDE 1794A terra escalpelada pelo homem Imprevidente ................... 157Inverno é também flagelo. O Ceará de João Brígido:ou oito ou oitenta ............................................................... 159A catástrofe da Serra de Maranguape e a lembrança do sábio ... 161

Bibliografia Consultada ...................................................... 163

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APRESENTAÇÃO

O escritor EDUARDO CAMPOS, jornalista, teatrólogo,artista também do conto e do romance, ensaísta que tece assuas letras com o fio da antropologia cultural, oferece, nestelivro, empenhado nas mais vivas preocupações da terra, asua mais que oportuna e necessária mensagem.

COMPLEXO DE ANTEU, epígrafe erudita dos que sa-bem a civilização helênica, é o nome de batismo do ideáriocontido em suas páginas. E valem estas como uma adver-tência enérgica da critica, que o autor empreende sobre ati-vidades de pensamento e ação dos que laboram as coisasda natureza viva, na nesga do torrão que habitamos.

Versando sobre fatos vistos e tocados na comunidadecearense, – letras, pensamento, idéias e trabalho envolven-tes – o livro tem marca da fábrica, de cunho regional, mas oseu belo ensaio logo atinge, por espírito e objetivo fático, oescopo melhor atualizado das grandes preocupações huma-nistas, universais.

Não é apenas no Ceará, ou Nordeste, mas em todoeste vasto e continental país, e em todo o mundo, que osseres humanos se enfraqueceram por desligamento das fon-tes naturais de vida.

No duelo mitológico, Hércules sente, na luta contraAnteu, que o seu contendor fortalecia-se em contato coma Mãe-Terra. E tenta logo separá-lo do relacionamento,para vencê-lo.

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A tragédia do mito é hoje uma realidade no mundo. Eisque a volta do homem á natureza significa o amor á preser-vação dos recursos naturais, esmagados, destruídos pelahercúlea cobiça do enriquecimento ilícito.

BARBARA WARD, economista e escritora britânica,adverte “que as espantosas descobertas científicas dos últi-mos cem anos nos ensinam que a energia elementar do uni-verso tanto pode sustentar como destruir a vida, e que osmecanismos e equilíbrios pelos quais ela a sustenta sãoinimaginavelmente frágeis e preciosos”.

Um clamor mais alto se levanta com vigor profético,despertando homens de ciência, pensadores, escritores,participantes do trabalho refletido, de tal modo que, na cita-da expressão de BAGDIKIAN, “o que competia a sacerdotese reis decidir quanto ao que convinha ao povo, hoje cabe aosproprietários dos meios de comunicação de massa”. É deverprecípuo, portanto, dos que detêm as rádios ou televisões,os jornais, as tribunas, o livro, a restauração que não virásimplesmente pela técnica, que em vários quadrantes empre-endeu a poluição, o envenenamento com os seus artifícios.Há que se des pender um esforço cultural, anímico, muitogrande, e desenvolver uma convicção não só de economia ede utilidade, mas de espiritualidade e de beleza, sobre quedeverá ser traçado o caminho que deveremos seguir.

Com tal ética, integra-se num verdadeiro apostoladoliterário o jornalista de empresa que é EDUARDO CAMPOS,dominado, não pelo “mais ter” dos que se afogam na cobiçahumana, mas empenhado no “mais ser” daqueles que senutrem do pão da esperança.

De início, no intento de ver o homem emoldurado emsua paisagem, faz o autor um ligeiro retrospecto da caracte-rística telúrica dos escritores cearenses, preocupados com o

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relacionamento homem-terra. Evoca então como centro deinteresse de suas preocupações a grandeza sentida e inter-pretada poeticamente por EUCLIDES DA CUNHA, em OSSERTÕES, expressa na legenda: “a natureza toda protege osertanejo. Talha-o como Anteu indomável. É um titã bron-zeado fazendo vacilar a marcha dos exércitos.”

A influência telúrica vem marcada no corpo e na alma,quando a vida se harmoniza com a natureza. Eis que “emo-cionalmente os homens do Ceará, com raras exceções, pude-ram desenlaçar-se dos atrativos da influência ecológica,tão evidente em sua criatividade espiritual e literária”, en-sina o autor.

O interesse pelo chão que pisamos aflora na atividadeliterária de José de Alencar, Gustavo Barroso, Oliveira Paiva,Domingos Olímpio, que ornaram as suas mensagens com osrebentos da flora, a vitalidade da fauna, e assim alentaramo naturismo das nossas letras. Mas, é estudando com me-lhor amplitude os tons da criatividade do romancista COR-DEIRO DE ANDRADE que o autor nos oferece sua avaliaçãocrítica do entrosamento terra-homem e descobre “a sublima-ção do sentimento lúdico, nitidamente infantil”, expressãode ternura do modo de ver artístico.

Este é mais um livro que nos mostra a vivência do es-critor com os pés bem firmes na terra, cuja problemática co-nhece também como agricultor na Serra da Aratanha, ondeamanha o solo entre plantas e animais domésticos, floressilvestres e gorjeios de pássaros, sentindo, porém, as difi-culdades e sofrimentos de sua labuta.

Do alto daqueles cimos verdes e espaços azulados,outrora palmilhados pelo sábio L. AGASSIZ e outros natura-listas da Comissão Científica, EDUARDO CAMPOS descerraamorosamente, no interesse da ecologia e atividades agrá-rias, vividas, o véu de suas preocupações ecológicas. Líder

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de movimentos intelectuais, o ex-Presidente da AcademiaCearense de Letras recomenda a estratégia de Anteu, mu-nindo-se de ciência, do amor á natureza, de senso e respon-sabilidade para com o mundo e a vida.

Considera o regionalismo como uma opção válida. Eisque a imaginação criadora deve operar com a matéria-primados elementos que nos rodeiam. Adiantarei para os técnicose cientistas que, sem preocupações de profundidade, o au-tor tenta abarcar a evidência que mora naquilo a que pode-mos chamar de ecologia cultural.

Esta opção é válida, superiormente válida, nos temposatuais, quando muitos, dolosamente, vão na insensatez deengendrar uma “literatura de fuga”, excêntricos da realidade,do mesmo modo como economistas, tecnocratas e políticoscometem o crime de sonegação da verdade, ocultando o sub-desenvolvimento, o pauperismo, a fome, o grito de dor daspopulações oprimidas, considerados por esses tristes doutoscomo temas superados e de inspirações derrogadas.

A participação do escritor genuíno neste mundo difícil,corroído, abalado pela imprevidência e arruinado pela cobi-ça, é necessária. E acrescenta o ensaísta em seu pronunci-amento proferido em 1974, na abertura do II CongressoCearense de Escritores: “é urgente refletir sobre o compor-tamento do homem, seus anseios, suas emoções, seus mo-mentos de alegria ou de tristeza, de grandeza ou dedecadência, em decorrência da realidade que defrontamos,ponto de referência que se desloca, agora, com dimensõesimprevisíveis”.

É interessante ver no livro a crítica do autor em termosde ecologia, quando esboça a sua tentativa de avaliação daconsciência ecológica dos romancistas cearenses, segundoum levantamento das plantas, vegetação ou revestimentoflorístico descrito. Para este fim, retoma o zoneamento geobo-

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tânico adotado na região e examina a variedade de elemen-tos considerados.

Eis um invulgar indicador para os críticos literários,porquanto, quem hoje lê, deseja instruir-se. O artista busca-rá igualmente o conteúdo científico. Eis que, como diz FER-NANDO AZEVEDO, citando ANA TOLE FRANCE, “se é certoque as ciências separadas das letras se tornam maquinaise brutas, as letras privadas de ciência são vazias, pois, aciência é a substância das letras”.

Das considerações supra, referentes á parte estéti-ca do livro, tentaremos ver agora a parte prática. Em ri-gor, estas palavras não constituem uma apresentação. Oescritor e o livro, por seu talento e verdade se apresen-tam, não precisam de arauto. Todavia, convidado a opinarcomo agrônomo, observador da vida rural, acompanhare-mos as justas assertivas do conteúdo, procurando escla-recer um testemunho, assim corroborando, sem laivos decontradita.

EDUARDO CAMPOS, no gosto clássico do seu estilosimples, mas erudito, alinha a sabedoria bíblica à sabedo-ria naturalista. E citando DAVID THOREAU, focaliza para oleitor o incisivo texto com que o sábio amoroso da fauna e daflora comenta a destruição causada pela agricultura com assuas armas – instrumentos e máquinas: “derrubaram árvo-res, desviaram córregos, desapearam as aves dos ninhos,e o próprio clima, elaborado pela inconsciência do agricul-tor, sofreu variações qué permitiram o advento do ventila-dor e do condicionador de ar.”

Este arrasamento da vida natural acompanha-se doesvaziamento mental com que a civilização do consumo re-nega o amor à fauna, à flora, e de tal modo que as novasgerações, repudiando mesmo as preocupações com a natu-reza viva, tornaram-se insensíveis à moldura ambiente.

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O Homo faber, em sua gula industrial, expandiu, atra-vés poderosos tentáculos comerciais, a predatória explora-ção extrativista, num abusivo consumo da matéria-prima.LYNTON CALDWEL, da Universidade de Indiana (EUA), pon-dera que a dificuldade para a institucionalização de medi-das de proteção ao meio ambiente é conciliar a ecologia coma economia. E acrescenta que as metas e políticas dedesenvolvimento baseadas na aplicação da ciência e datecnologia hão sido freqüentemente formuladas sem a devi-da atenção a suas conseqüências ecológicas.

No fundo da cena, subsiste a primitiva lavoura exten-siva e itinerante, praticada pelo homem pobre, desassistidoe explorado em seu trabalho. Como sair em defesa dos re-cursos injuriados, pergunta o autor, sem primeiro enfrentare resolver de modo corajoso o processo primitivo de que seutiliza o sertanejo? E aqui vem uma advertência pessoal,sua, que desejamos esclarecer: “Sejamos práticos: forma-mos técnicos, incrementamos a pesquisa de campo; pro-clamamos a eficiência da máquina; programas de extensãorural, – mas formamos, salvo honrosas exceções, engenhei-ros-agrônomos que ficam nas grandes cidades, esqueci-dos de que no campo, por deficiência de orientação, apesardos pinçamentos esporádicos dos planos de assistênciatécnica, o agricultor continua insensato pela sua ignorân-cia, carbonizando o chão de que se nutre.”

O ensaísta disse verdade, mas não toda a verdade.Há que arrancar o pano desse palco, os seus bastidores, ever os escombros que ocultam os atores do drama da agri-cultura, os fatos, as condições em mira de uma debandadaou atitude de fuga. O certo é que não se enfrentou aindacorajosa e profundamente o problema.

Nem o agricultor ignorante e desassistido, nem o agrô-nomo distante pode ser bode expiatório dessa desdita. O

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problema é de natureza estrutural, há que ser revisto dentrode sistemas, pois a agricultura é um sistema. Há uma estru-tura agrária e administrativa de alto abaixo contraproducentes, senão impeditivas do desenvolvimento.

O agrônomo não se distanciou do campo, dele excluin-do-se nas cidades por império próprio. Ao contrário, foi obri-gado a isso pela burocratização dos serviços assistenciais,por omissão daqueles que lhes negaram recursos e meios,desmontaram até mesmo as bases de operação, postos agro-pecuários, fazendas experimentais, campos de sementes,núcleos operacionais que vinham sendo cuidados comminguados e deficientes meios financeiros.

Muitos, saídos das escolas sem experiência, chegarama realizar um trabalho pioneiro digno de nota. Todavia, eramlargados à própria sorte, sem uma retaguarda positiva deserviços experimentais, que depois foram esmorecendo atéa extinção. Decidiram pela inoperosidade dos trabalhos, semler a razão precípua da decadência dos órgãos institucionaisde fomento e extensão, latente no desencorajamento finan-ceiro, na ausência de treinamento e atualização científica etécnica, ou na desordem ou nefastização política sempreimperante.

Se quisermos, porém, julgar o agrônomo como elemen-to positivo a influir na comunidade rural, é preciso conside-rar a sua formação. Uma crítica se impõe ao sistema deensino que se implantou ingenuamente, copiando modelosestrangeiros à guisa de reforma universitária. Massificou-se o ensino, sem empreender o diagnóstico de situações enecessidades, notadamente as de ordem ecológica, não seatualizando em relação à problemática nacional e regional.Pior ainda, não sobra tempo para a reflexão, para os exercí-cios e práticas de campo. Resta-nos um corpo sem alma nomodelo de formação de um profissional que deveria ter tem-

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po e condições de aprender fazendo, trabalhando, e, sobre-tudo, conscientizando-se.

Sua aproximação com a natureza viva já não pode serealizar satisfatoriamente face às exigências de carga-horá-ria-aula para o aluno e para o professor, sem verem os organi-zadores a prioridade do expediente real, pedagógico edidático. A conseqüência é o esvaziamento, a desertificaçãomental, a falta de participação nos problemas universais eregionais da terra e do homem. Ora, é oportuno sublinhar ointeligente conceito de PAULO FREIRE, segundo o qual, “oagrônomo não pode, em termos concretos, reduzir o seu quefazer a esta neutralidade inexistente: a do técnico que esti-vesse isolado do universo mais amplo em que se encontracomo homem”.

A crítica permanente que se lhe faz reforça a noção desua responsabilidade como líder e educador, um agente demudança. Daí que, como insiste em doutrinar o autor citado,sua participação no sistema de relações camponeses-nature-za-cultura, não pode ser reduzida a um estar diante, ou a umestar sobre ou a um estar para os camponeses, mas a umdeve estar com eles, como sujeitos de mudança também. To-davia, por incrível que pareça, desde a sua formação na Uni-versidade, por uma razão que a razão ignora, o agrônomovem sendo impelido, sobretudo agora, a um estar distante.

Gostaria o comentarista que os Magníficos Reitores,Pro-Reitores e responsáveis pela implantação da reformauniversitária lessem o relatório da Comissão Internacionalpara o Desenvolvimento da Educação, estabelecida pelaOrganização das Nações Unidas, a Ciência e a Cultura,(UNESCO), no importante livro de EDGAR FAURE, sob aepígrafe, Aprender a Ser. A leitura desta obra mostrará quãodistante e desatualizado está o modelo de ensino e educa-ção de nível superior que adotamos.

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O fim da educação, dizem as autoridades da UNESCO,é permitir ao homem ser ele próprio, “vir a ser”. Há umatendência de abolir o sistema educativo de preferência areformá-lo, pois que se acha envelhecido e paralisado. Cresceo prestigio do ensino baseado na reflexão, alargando as fun-ções do autodidatismo, exigindo-se um sistema de educa-ção permanente, a transformação dos sistemas educativos“fechados” em sistemas “abertos”. Procurar-se-á conciliar aeducação geral e a formação técnica e associar estreita-mente educação e trabalho. Enquanto repudia todo o siste-ma de especialização limitada e precoce, tenderá atransformar as universidades em instituições de vocaçãomúltipla, abertas aos adultos e aos jovens, destinadas tan-to à formação contínua e à reciclagem periódica, como à es-pecialização e investigação científica.

A UNESCO recomenda dois planos fundamentais: aeducação permanente e a cidade educativa como estratégiasdo futuro. No que tange ao ensino agronômico, por que nãoalargar o conceito “ao campo educativo”? Impõe-se associara educação e o trabalho e ao mesmo tempo relacionar a edu-cação do profissional de agronomia à vida, à natureza, sem oque apenas ficará a ação burocratizada e burocratizante.

Uma outra observação procedente é a que regista oautor sobre os resultados do Projeto de Irrigação em Mora-da Nova. Não encontrou o jornalista a humanização da pai-sagem. No vale reverdecido pelas culturas, a habitação dohomem não tem jardins, mas flores de papel.

O alagamento e a salinização dos solos estão a exigira implantação de um serviço experimental de irrigação, desti-nado a orientar os irrigantes com normas próprias de irri-gação. O Projeto de Morada Nova é um Laboratório empotencial do ponto de vista técnico, econômico, humano.

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Há fatores que merecem uma observação de conteúdoglobal, conduzida no sentido do reajustamento tendente àformação de novos hábitos. O escritor observa então “que osertão tradicional não se desprende totalmente da comuni-dade”. E todas as benesses não conseguem “modificar, paramelhor, o desamor do sertanejo cearense à verticalidade dacobertura vegetal, andejo como se sente, inseguro na anco-ragem, como se não valesse a pena fazer sombra ou prelibarfrutos, se o reencontro com uma seca o toca para a frente”.

Esta observação, como muitas outras, intuitivamentefeitas, mas, claras, objetivas, seguras, evidentes, indiscuti-velmente merecem o olho do sociólogo, do antropólogo, quedeverão ir ao vale, não para simplesmente visitar e aplau-dir, mas para apanhar a linfa dos fatos e avaliar a agude-za, a dimensão, tendências dos fenômenos.

Em rigor, procede a crítica quanto à carência de umamelhor composição e participação nas equipes de proje-tos ousados, a exemplo do ecólogo, do sociólogo, além doagrônomo, do comunicador, do sanitarista e não simples-mente do engenheiro civil e do economista. Por outro lado,Morada Nova representa apenas o decolar de um proces-so, atacado com muita fé e coragem pelo engenheiro JoséLins e suas equipes entusiastas, faltando organizar ascomunidades, estruturar o modelo, defender o produtorcontra uma comercialização abusiva, além dos reajusta-mentos necessários.

Erro seria tocar para frente os trabalhos sem ouvir acrítica, sem reajustar os processos. Impõe-se considerar eexecutar o planejamento como um sistema. “E um sistemade planejamento, ensina MARTINS CARVALHO, tem que, aomesmo tempo, objetivar manter a máxima organização inter-na, enquanto sistema, e objetivar, aumentar a eficiência da“situação”, ou da sociedade sobre a qual atua e da qual faz

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parte. Gera-se de fato uma contradição entre o sistema deplanejamento e a sociedade planejada, contradição caracte-rística do processo dinâmico de evolução e adaptação. Essacontradição é superada no tempo pela realimentação (fluxode informações) de controle e novos insumos sobre a situa-ção da sociedade sob plano. Um sistema de planejamentodeve gerar maior organização”.

Não insistiremos mais em mostrar outros aspectos deestudo e análise da problemática da vida rural, evidencian-do o talento e a capacidade de investigar de EDUARDO CAM-POS, a exemplo do que dá a conhecer em “Legenda Ígnea”sobre a destruição dos espécimes florestais, em que alinhadados históricos; “modificações do comportamento sócio-re-ligioso do sertanejo”; “Energia Eólia”, “Caçadores dágua”,e, finalmente, a sua contribuição de larga visão nas indica-ções constantes da implantação do Instituto Gustavo Barro-so em Defesa do Meio Ambiente.

O livro é rico de informações, de crítica bem formula-da, de proposições que interessam aos órgãos governamen-tais e estudiosos da problemática regional. É precisoesclarecer que o escritor se ergue na planície árida com umacontribuição nova pelos objetivos que encarna, pelo conteú-do de sua mensagem em consonância com o acervo dohumanismo científico.

O mundo está em crise, certifica o Clube de Roma emmonumental pesquisa, levando dados de inúmeras alterna-tivas aos computadores, que acusam o perigo, sem saídapara solução. Há crise do mundo capitalista e do mundosocialista: crise da população, crise ambiental, crise mundi-al de alimentos, crise de energia, crise de matérias-primas,para não citar outras que se avolumam.

Há crise de crescimento não diferenciado, quando ocrescimento deveria ser orgânico, isto é, diferenciado, har-

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mônico. E os cientistas e filósofos gritam a legenda de A.GREEG: “o Mundo está com Câncer, e o Câncer é o Homem.”

Tratando da crise de energia, KENNETH BOULDING,autoridade de fama internacional, professor de economia ediretor de um programa no Instituto de Ciência do Compor-tamento da Universidade do Cobrado, considera em suasreflexões que a humanidade defronta-se pela primeira vezna História, com uma sociedade baseada em fontes exaurí-veis de energia. Ora, a civilização clássica foi construídacom base e apoio nas fontes essencialmente renováveis, istoé, inexauríveis – frutos, pecuária, madeira e vento, enquantoa sociedade industrial aumenta os seus insumos de energianos recursos exauríveis, de limitados capitais de carvão,petróleo, gás, urânio, que, no fim, acabarão.

Adverte RENÉ DUMONT que o esgotamento dos mine-rais e o abusivo processo de transformações com a subseqüen-te poluição não provêm dos países mais pobres, mas vêmdos mais ricos, fazendo lembrar que os Estados Unidos, ten-do menos de 6% de população mundial, dissiparam, nestesúltimos anos, 42% do consumo mundial de alumínio; 33% docobre e também do petróleo; 28% do ferro e 26% do zinco e daprata, 25% do chumbo; 24% do estanho, mercadorias quedizem pagar e não se sabe como. Dada a progressiva e eston-teante escassez, o Mundo está praticamente sitiado, impon-do-se uma organização que já não pode ser baseada apenassobre o mercado. E conclui: “para evitar que a nossa civili-zação desapareça, será preciso modificar todo o seu modode vida, todos os seus conceitos de base, a começar pelosistema de apropriação e de gestão da produção.” (A UTOPIAOU A MORTE, ed. Paz e Terra, p. 45-50).

Tais fatos mostram precisamente o supremo interessedo pensamento mundial dos escritores voltados para o dra-ma da sobrevivência. Clama-se por uma agricultura de

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sobrevivência, destinada a proteger o patrimônio comum dahumanidade. E isso não poderá ser feito sem coragem, dei-xando ao livre jogo dos gananciosos ignorantes a naturezadesguarnecida.

A comunidade, sob todos os aspectos, deve ser consi-derada como unidade de conservação. Contando com ospoderosos recursos da técnica, “o homem pode alterar ca-deias alimentares e incrementar a produção de biomassa,mas deve respeitar os limites impostos pelas leis naturais.”(ÁVILA PIRES – Pub. da Acad. Bras. de Ciências.)

A sabedoria do humanismo telúrico entra para a His-tória no grito dos seus profetas, que são os escritores daestirpe de EDUARDO CAMPOS, preocupados com os gran-des problemas do homem e da vida. Eis que COMPLEXO DEANTEU é uma mensagem de renovação.

F. ALVES DE ANDRADE

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27COMPLEXO DE ANTEU

O HOMEM NA SUA MOLDURA NEM SEMPRE VERDE

IIIII

Não me rendo ao lirismo, às facilidades

da beleza vocabular; não me envergonho

de ser, ou de ter sido, em alguns momentos,

por coerência ou por atavismo indeclinável,

mais regional do que universal.

O Autor “in” O Amigo Fala do Contista, e o Con-

tista de si Mesmo (1968)

O Olimpo não é senão o lado de fora da terra em

qualquer lugar

HENRY DAVID THOREAU,Walden

O homem emoldurado na paisagem

Este livro, conquanto despretensioso, pretende ex-primir nossa maneira de contemplar, de ver e sentir o ho-mem emoldurado em sua paisagem, no caso, a própriacercadura ambiente – ou ecológica, como queiram – emque tenho vivido até o presente. Intenta, e diríamos, ambi-ciona mais: chegar à verdade que explique a razão de serdo relacionamento homem-meio ambiente. Importa pouco

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não me considerar dotado para tanto, e que, numa ou nou-tra circunstância avaliadora, o analista ou o pesquisador,ou mais nitidamente o humanista que demora em mim,aja ao impulso de frustrações ou ao arroubo de emoçõesnem sempre livres de impertinência ou rebuscamento querliterário ou sentimental.

A verdade não tem apenas uma feição. A rigor, exibeconceituação que se altera ou se aprimora com a idade e aexperiência que acumulam as criaturas através do tempo.Desejá-la explicitada, clara, fiel, esbraseante, expressiva einapelável, será desejar levianamente o impossível. Não seespere, portanto, que a determinemos assim; que a possa-mos ofertar aos leitores, com a sensação final de consa-grar um pensamento indiscutível. Menos do que a verdade,é uma verdade que desejamos. Por isso, no decorrer dessaobra, alinhamos artigos insertos em jornais e revistas,outros, de fatura inédita, – estes e aqueles tocados domesmo sentido emocional que experimentamos até agorano trato da terra. Compreenda-se a qualificação “trato daterra” desde a preocupação lúdica, onírica, da comunida-de nordestina, até a obsessão gradualista, pertinente, porproblemas que, ao longo dos últimos cem anos, tem des-pertado a atenção de estudiosos, o pronunciamento deconservacionistas ou de improvisados amantes da nature-za, de sábios, e provocado históricas decisões de contextoadministrativo. Identifique-se esses estudos como obra deescritor que não aceitou desfalecer em si o instinto telúricoque lhe patrocinou as coordenadas geográficas da incipienteficção que pratica.

Certo que o contista ou o romancista, e até mesmo oteatrólogo que sou, quando se abebera na temática de seuecossistema, nada mais cumpre – e o faz sem saber – doque adotar posição submissa à ocupação agrária apropria-

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da subjetivamente. Por oportuno, é bom dizer-se – esta éuma das mil faces da verdade – que, emocionalmente, oshomens de pensamento no Ceará, com raras exceções, pu-deram desenlaçar-se dos atrativos da influência ecológica,tão evidente em sua criatividade espiritual e literária. Estápraticamente flagrado em todos os grandes momentos danossa criação cultural o interesse pelo chão em que pisa-mos, pelos elementos que nos ajudam a despertar o relaci-onamento com a fauna e a flora que caracterizam a região.

Regionalismo e consciência ecológica na literatura

José de Alencar, por esse raciocínio, não é maisapaixonado pelo Ceará do que Gustavo Barroso, nem terámenor arrebatamento pela natureza cearense um OliveiraPaiva ou um Domingos Olímpio. O binômio homem-terra –talvez fosse mais adequado dizer: terra-homem – tem sidoa coordenada predominante de alguns ficcionistas que, sóaparentemente, negam o exercício da ligação telúrica, re-ceosos de que, ao repisarem temas tradicionais de nossacercadura ecológica, estejam se colocando num patamarde classificação literária indesejável a de regionalistas.

Em alguns casos, como no do romancista Cordeiro deAndrade, o entrosamento terra-homem alcança a sublima-ção do sentimento lúdico, nitidamente infantil. Nesse roteirodesambicioso vai reproduzida uma avaliação critica que fi-zemos de Cordeiro de Andrade, na tentativa de marcar, lite-rariamente, o centenário da cidade de Sobral (Ceará),explicando o escritor fundamente ancorado no meio ambi-ente que lhe teceu as intrincáveis malhas de sua existência.

Ver-se-á em outro capítulo a reprodução dessa inter-pretação da obra do autor de Cassacos, Brejo, Tônio Borja,

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como evidência dos fatores que, de uma ou de outra ma-neira, sem disfarces, assinalam o comportamento do ho-mem culto, do estilista, do artista, do escritor, no exercícioda atividade criadora a que se dedica.

Entenda-se que não nos propomos a escrever umtrabalho condicionado simplesmente ao interesse da ecolo-gia ou dos rudimentos agrários, preocupados em discutir,em profundidade, problemas da pecuária ou da agriculturaregionais, mas obra que, além de registrar observações per-tinentes a esses e outros temas, detectam interpretaçõesde ordem pessoal, sobre ligações do cearense com o seuhabitat. O chão enregelado pela seca eventual, ou molhadopor invernos copiosos, quando os há, proporciona-nosindeclinável inspiração, não apenas dirigida ao pragmatismorural, até certo ponto predatório, mas para o amadureci-mento e aperfeiçoamento de sentimentos que destacam al-gumas criaturas por seus dotes culturais e artísticos.

Decorria, dessa maneira de ver o homem e coisas daregião, a preocupação nossa, orador da sessão de instala-ção do II Congresso Cearense de Escritores, de sublinhara necessidade de encararmos o regionalismo como opçãoválida, em que a seca não se torne uma fonte de inspira-ção derrogada, nem vergonhoso reconhecê-la com o seucortejo de vicissitudes vigentes ainda, não obstante a atu-ação dos organismos oficiais, governamentais, aplicaçãode novas técnicas (chuvas artificiais), construção de açu-des, irrigação, meios de comunicação etc.

A peça oratória pronunciada naquela oportunidadeestará reproduzida adiante, pois tanto o estudo sobre oromancista Cordeiro de Andrade, como o discurso a quealudimos, parecem-nos, data vênia, imprescindíveis parao entendimento preciso das intenções que nos guiaram àfatura deste trabalho.

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Lewis Mumford, referido por Anne Chisholm, definiuassim a ecologia: “Ela realmente começa com uma combi-nação de duas coisas: ciência e senso de responsabilidadepara com o mundo da vida.” Os leitores perceberão, aolongo das páginas que se seguem, que aqui não lhes fala osociólogo, mas, antes de tudo, o homem responsável pelomundo que o cerca.

Fácil será verificar que desponta, em muitas das colo-cações propostas no decorrer deste livro, a preocupaçãodo ecólogo amador, de escritor a lamentar ter permaneci-do nos rudimentos da botânica, principalmente agora, aose debruçar sobre a paisagem, na perquirição íntima deespécies vegetais, quando de repente surpreende que nãosão muitos os que conhecem realmente a disponibilidadeflorística ambiental. Tanto isso é verdade que num doscapítulos, no qual tentamos perceber o ajustamento doficcionista à realidade do meio ambiente, vamos constatarque, apesar de nos proclamarmos continuadamentetelúricos, de pés no chão, a natureza ainda é uma condi-ção de vida preciosa a que nos acostumamos ver, sentir eamar, sem conhecer objetivamente.

O idílio naturista de H. David Thoreau

Ocorre-me lembrar Henry David Thoreau, naturalis-ta por vocação e escritor pela necessidade de transmitiraos outros o seu amor pela natureza. Como Thoreau aamava? Como Deus? Possivelmente ao contrário; comovassalo, humilde criatura que queda tranqüilo, apazigua-do e feliz diante da floresta, de rios, de cachoeiras, de pás-saros e bichos que povoam a selva. Não terá sido Thoreautão diferente de nós, de quantos, despojados da mania da

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cidade, não podem ainda agora, apesar dos anos de convi-vência metropolitana, esquecer os campos, o sertão, sob acarícia das chuvas ou fustigado pela ardência do sol.

Thoreau é irmão do sertanejo cearense, homem queadivinha, no canto ou lamento dos pássaros, notícia de chuvaou de seca; que sabe avaliar o afeto de animais a um sacu-dir de cauda, a um piscar de olhos... E, de noite, apreciaadormecer ouvindo o gadame em pastejo vago, preguiçoso.

Fui morar na floresta – diz-nos Thoreau – pois queriaviver, com deliberação, enfrentando somente os fatos essen-ciais da vida e vendo se podia aprender suas lições; evitariaassim, ao chegar à morte, descobrir que não havia vivido...

Viveu o sábio de Concord a recensear peixes, árvo-res, a flora medicinal; considerou hábitos, sublinhou ma-nifestações da fauna e flora, sempre a correr os caminhosda floresta e a demorar nestes em seus “idílios bucólicos”,e a percorrê-los outra vez “guiando-se por algum troncomais conspícuo; ao longo de encostas rochosas, cobertasde samambaias selvagens, depois por um atalho recente,sobre troncos de árvores decepadas, caminhando sobreaparas deixadas pelos lenhadores...”

Vejo-me neste homem. É como se nele estivesse umpouco de minhas intenções, a minha maneira de tambémver e sentir a natureza, o chão molhado ou áspero em queponho os pés; a sombra azul de céu, manto virgem, comque Deus cobre muitas vezes o sertão, em hora de não seter nele nenhuma nuvem.

Se nos aproximamos dos segredos desse mundo co-berto de folhas e flores – que abriga uma fauna permanen-temente laboriosa – haveremos de chegar, como HenryDavid Thoreau, bem perto de Deus, e repetir-lhe as mes-mas palavras de amor às plantas, aos rios, aos animais...

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33COMPLEXO DE ANTEU

A estratégia de Anteu

Da união de Posídon com a Terra, aprende-se na mito-logia grega, nasceu o gigante Anteu. Exposto à luta, à re-frega esgotante, bastava tocar o corpo fatigado na terrapara reanimar-se e tornar imbatível. No encontro com ofilho de Zeus, toda vez que Anteu percebia se lhe escapa-rem as energias, rojava-se ao chão para logo se erguer con-tundente, ameaçador. Foi Héracles, conta-nos MárioMeunier, que “percebendo a maravilhosa ajuda que Anteuhauria, quando jazia estendido na areia, gritou:”

“– De pé, Anteu! Não te deixarei mais renovar teuvigor: morrerás esmagado pelo meu peito.”

Assim foi. Erguido do solo, fora do contato com a ter-ra, o gigante afinal sucumbiu.

Até que ponto, nós, cearenses, poderemos desenvol-ver nosso exercício cultural sem firmar os pés na terra,nos problemas que nos envolvem, nas perspectivas queestão adiante, – e nos desafios que nos são propostos?

Este livro pode não dizer muito desse estado de espí-rito, dessa preocupação pelo relacionamento terra-homem,mas contenta o escritor regionalista, o pesquisador de fol-clore, o homem que se fez ecologista namorando a nature-za, desde menino, e que se considera gratificado pelotelurismo que o centelhou até hoje.

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REGIONALISMO: ESTRATÉGIA E AFIRMAÇÃO

IIIIIIIIII

O Ceará e o II Congresso Cearense de Escritores (*)

Esta é uma noite fundamentalmente expressiva paratodos nós, agraciada pela presença do que o Ceará possuide mais significativo no exercício da inteligência, e derespeitáveis escritores e artistas convidados, que nosenaltecem com a sua adesão. Noite de espírito – e por issomesmo esplendente, que nos torna amativos. Noite em queo sentido de nossa adquirição é a florescência das mani-festações intelectuais do homem. Noite iluminada, portan-to, noite-luz, luz-noite que nos proporciona retomar o ritmode trabalho e intenções do I Congresso Cearense de Escri-tores, realizado há vinte e oito anos, quando, não obstantea mocidade da maioria de seus promotores, o desempenhodo escritor em face da sociedade a que se vincula, teve suaação adequadamente analisada.

O Ceará não desmente irreprimível afeição às manifes-tações do espírito. Sempre nos empolgou o desfrute dasartes e das letras, desde os idos dos “outeiros”, em 1813 e1814; da Academia Francesa, de 1872; do Clube Literário,

(*) Discurso pronunciado por ocasião da abertura do II CongressoCearense de Escritores, no Centro de Convenções do Ceará, no dia25.11.74.

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de 1886; da Padaria Espiritual, de 1892; momentospropiciadores que antecipariam a fundação da AcademiaCearense de Letras, a 15 de agosto de 1894 – a mais anti-ga instituição literária, de seu gênero, no país. Impõe-seressaltar que já em 1887 passava a funcionar o Institutodo Ceará, detentor do que o nosso Estado possui de maisvalioso no setor de pesquisa.

Território de incontestável atividade literária, o Ce-ará, como haveria de referir Dolor Barreira em marcantediscurso proferido na memorável sessão de instalaçãodo I Congresso Cearense de Escritores, arrimado a Leo-nardo Mota, dava conta de que tínhamos criado e movi-mentado, de 1870 a 1939, noventa e três sociedadesliterárias. E com o testemunho do Barão de Studart,acrescentaria que, de 1850 a 1932, haveríamos de edi-tar duzentas e vinte e quatro revistas ou periódicos lite-rários ou científicos, numa alentada demonstração dapersistência criadora que nos anima, e continuaria coma revista Valor e, mais recente, a revista Clã, em tornoda qual se consolidou um dos mais autênticos gruposde escritores e artistas, não só do Ceará – concedei-me aimodéstia – mas do Brasil.

Não posso esconder-vos que o regional, o conjuntode circunstâncias que nos cercam, na ventura e na adver-sidade, tem poderosa prevalência em nossa inspiração. OCeará é terra que marca irreversivelmente os seus filhos.Podemos correr mundos, ausentar-nos do chão que nosassistiu nascer, mas estaremos sempre sujeitos aos deve-res do adscrito. Se por acaso permanecemos distante doCeará, é crivei que se evole o relacionamento familiar comos que ficaram, mas jamais os fatores insinuados pela na-tureza ausente, que não atenuam no cearense emigrado asaudade, a langorosa saudade de sua ecologia.

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Confesso-vos, de modo pessoal, que durante anosimaginei que o regionalismo, como tendência de nossaexpressão criadora, decorria, distorcida, de um fácil sen-timentalismo motivado por fatores episódicos, dentre osquais a estiagem prolongada, de muitos meses, meses eanos, é exemplo. Reparai como propositadamente preferiestiagem prolongada à conceituação de seca, como pro-cesso impiedoso de rotura do clima e da normalidade.Vede como deponho a alteração climática aos vossos sen-tidos, sob disfarce. É que, por anos a fio, desde as primei-ras manifestações culturais do nosso grupo, temosprocurado olhar e ver o homem por um enfoque que nãodeterminasse a sua dependência à odiosa deusa que fe-nece a messe, cresta os campos e torna perecível o verde,como se a simples refutação do problema legitimasse, pelomenos para nós, um sentido novo, mais condizente, denossa criação literária.

As características que nos modelam e as transformações

Mais do que nunca, estou convencido de que nãopoderemos ignorar as circunstâncias que nos modelam.Não nos é possível despir sentimentos como quem se des-faz de uma peça incômoda de nossa indumentária. De talmodo prevalecem as constantes da cercadura do meioambiente, que não nos é permitido fugir às influênciassociológicas. Somos, nesse caso, como aquele vaqueiro dadopor exemplo pelo antropólogo Clyde Klukhoohn, que an-dava três milhas a pé para conseguir o cavalo no qual per-correria depois uma milha, para fazer compras. Éfundamental que seja assim, – adverte-nos o autor de An-tropologia. Este ato, acrescenta, tem a função latente de

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conservar o prestígio do vaqueiro em face das influênciasde sua própria cultura.

Pois bem; – nosso poltro está sempre longe. E é neces-sário ir buscá-lo, tê-lo a nosso serviço, para não nos sen-tirmos desapeados da responsabilidade que padece e resisteàs alternâncias do tempo.

A estrada, o caminhão, o açude, a prospecção do solo;a previsão meteorológica, a irrigação; o avião e o helicópte-ro; a energia elétrica e o trator; os canais de comunicação –tudo isso certamente mudou o sistema de acudir o homemantes de nos estender a mão para pedir, libertando-o dasujeição do comércio do barracão – ocorrência espoliadoraque é apenas mais uma lembrança amarga dos chamadosromances do ciclo nordestino. Ainda assim, não obstante aefetiva colaboração do poder público, a adotar novos princí-pios de ajuda, continuamos o mesmo personagem que per-de o direito, muitas vezes, de viver em seu lugar. Sobreviver,ante os fenômenos da seca ou das enchentes, implica numamobilidade interna (o homem emigrando dentro do seu pró-prio estado), tendo de ajustar-se às frentes de trabalho,desvinculado da convivência familiar.

A nova estrutura de atendimento social não elimi-nou, totalmente, o drama que o nordestino, principalmen-te o cearense, experimenta hoje. Em nosso caso específico,o homem continua extorquido pela natureza. Paradoxal-mente, o que lhe dá alegria – o mundo de sua vivênciaoferta-lhe igualmente irreprimíveis frustrações.

A literatura como estratégia da cultura

Permiti dizer-vos que é impossível renegar ocondicionamento de nosso desempenho literário ao

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determinismo regional. Chegamos a essa atitude consci-entes de uma realidade que, embora atenuada ou modifi-cada, não está isenta de contestação. O regionalismopraticado anteriormente enfastiou-nos, é bem verdade, pelarepetição, pelo desgaste, pelo lugar comum. Deu-nos ocomplexo da repulsa. Da não aceitação. E esquecemos quea fome gerou pelo menos duas grandes obras que partemdo regional para o universal: O Quinze, de Rachei deQueiroz, e Fome, de Knut Hamsun.

Impõe-se a esse Congresso a necessidade de fazeruma revisão dos temas que nos inspiram. O desenvolvi-mento em todos os setores de nossa vida pública, a apro-priação de novos recursos em favor do homem, aconscientização de nossos problemas, a ação intervenientedo poder executivo, a pesquisa científica, tudo isso mudaapenas a estratégia do socorro, tornando-o mais eficaz,mais urgente.

A literatura responde a essa nova atitude porque étambém uma estratégia de cultura em constanteaperfeiçoamento – eu diria, em constante gestação. A atu-alização cultural – e poderíamos dizer, o didatismo do ho-mem situado no tempo e no espaço – estabelece novosníveis e perspectivas de criatividade literária.

Arnaldo, o herói de José de Alencar, em O Sertanejo,“com a faca de ponta, a larga catana, um par de pistolasque levava à cinta por dentro do gibão, e o bacamarte queherdara do pai”, é figura incaracterística para os nossosdias. Leia-se Os Brilhantes, de Rodolfo Teófilo, e ainda aípredomina o bacamarte, e o cavalo alcança indispensávelparticipação: “Nas cercas dos quintais, rara era a estacaque não tinha amarrado o cabresto de um cavalo”.

Atentai, agora, para o testemunho que vos dou, repro-duzindo observações que escrevi alhures: “Onde passa o

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asfalto, acaba-se, em menos de um ano, toda a qualifica-ção, hoje inoperante, estudada por Gustavo Barroso emTerra de Sol. Os tipos de cavalos ruço, cabano, faceiro,encapotado, marchador, galopeiro, resistem apenas na mãodos que podem dispor de milho e bom pasto. A bicicleta,convenhamos, é o cavalo atual do pobre. E o rádio de pi-lha, seu catecismo. Por ele pode não ir a Deus, mas vai àsreivindicações, às notícias, aos informes que o fazem pers-picaz à fala do patrão, que, não obstante dispor de maiselementos elucidativos (jornal, rádio, televisão, cinema),muita vez é desatento ao que sucede, às mutações vigen-tes à sua volta.

A participação do escritor na realidade e a valorizaçãodo espírito humanista

Está-se, portanto, a exigir participação do escritor. Énecessário tornarmo-nos apreensores das transformaçõesporque passa a região; e urgente refletir sobre o comporta-mento do homem, seus anseios, suas emoções, seus mo-mentos de alegria ou de tristeza, de grandeza ou decadência,em decorrência da realidade que defrontamos, ponto de re-ferência que se desloca, agora, com dimensões imprevisíveis.

Todos nós, para sermos coerentes com a nossa ma-neira de ser, haveremos de repetir aquele vaqueiro, do exem-plo do antropólogo: andar a pé três milhas para, depois,montado, percorrer uma. Temos de estar submissos ao nossoestrato cultural, comportamento que nos torna diferentesde outros irmãos, habitantes do extremo norte, ou do extre-mo sul. Não será cerrando os olhos a dramas que nos fereme dilaceram, repudiando a inspiração regional, que nos tor-nará, porventura, circunscritos no universal.

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Minhas senhoras: meus senhores: o II CongressoCearense de Escritores é a tribuna que o homem de letrasdisporá para defender idéias e princípios, como os que, demodo impertinente, acabo de fazer.

Nós visamos a valorização do espírito humanista e énatural que a criatura humana, com os maravilhosos atri-butos concedidos por Deus, represente, em todos os mo-mentos, a meta principal do nosso reconhecimento.

Por outro lado, o II Congresso Cearense de Escritoresé o coroamento dos objetivos do governo do Ceará, que,após cumprir um vasto programa de atendimento às neces-sidades do Ceará, planeou o Ano de Cultura, em que é evi-dente o soberbo empenho de dar ao homem cearense agarantia indispensável ao exercício da atividade literária eartística, fator preponderante para consolidar a meta a quese propôs o Exmo. Sr. Governador – de contemplar o Cearáe o seu povo com o exato desfrute de nossas possibilidades.

O governador César Caís de Oliveira Filho revive afigura de um presidente provincial, também militar, Ma-nuel Inácio de Sampaio, louvado merecidamente por tersido inteligente, culto, dado às armas e às letras. O empe-nho de S. Ex.a. em cumprir mais esta tarefa de sua admi-nistração, impulsionada por irrevogável ambiçãodesenvolvimentista, confere destaque especial aos que sededicam às letras e às artes, ensejando-nos o Ano da Cul-tura, de que é corolário este congresso. E vos convoca, pornosso intermédio, não só para testemunhar nossos pro-blemas, mas para nos oferecerdes vossa experiência e aju-da indispensáveis.

Estendemo-vos nossas mãos. Dai-nos as vossas!

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CRIATIVIDADE LITERÁRIA E A REALIDADEDE NOSSA FITOFISIONOMIA

IIIIIIIIIIIIIII

quem vem da terra é terreno e fala da terra.”

JOÃO, 3:31

... pregado a’ paisagem do Nordeste, com as

narinas abertas sorvendo o perfume de encher-

o-peito dos mofumbos, ou contraídas repelindo

o mal cheiro das carniças, (é) que o escritor rece-

be o bilhete da entrada e penetra o templo

encolunado da Literatura.

RAIMUNDO GIRÃO,Cadeira 22

Fitofisionomia e a realidade literária

Toda vez que nos acercamos da obra do escritor nor-destino, do ficcionista principalmente, sobreleva de modonatural o fator regionalista que se confunde, surpreenden-temente, com a manifestação de telurismo prevalecente. Oautor passa a ser julgado – nós já o fomos repetidas vezes –parte do chão, indivíduo vegetal ou animal de um ecossis-tema, não sendo raras as apreciações críticas de que a

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literatura, desse modo exercida, tem cheiro de barro, demato verde, de chuva rebrotando a natureza exaurida.

Por oportuno, acuda-se a tempo. O que de verdadeacontece é que o sentimento telúrico é mais subjetivo doque objetivo; algo que se imagina existir, porém, rigoro-samente, desponta mais nas atitudes afetivas, humanas,dos personagens criados em função do meio ambiente – osertão do que propriamente em razão da autenticidade dafitofisionomia desfrutável.

Pode objetar-se que é dispensável essa conceituaçãofitogeográfica; no autor não devemos pretender identificaro fitotomista. A cobertura vegetal será mera marcação demoldura, acessória, da paisagem descrita, cenário ondeespécies botânicas concorrem somente para expressar aidéia da natureza que se deseja entendida pelo leitor.

Aceita nesses termos a colocação do problema, pare-cer-nos-á estranho que, por tão pouco, com evidentes la-cunas e deturpações – como tentaremos expor a seguir – oautor nordestino, precisamente o autor cearense de nossointeresse especifico, seja exaltado em sua afinidade com aterra, embora não demonstre ou comprove, de modo maissignificativo, os elementos caracterizadores que marcam ozoneamento geobotânico em que circunscreve a ação deseus trabalhos de ficção.

Constituída de arbustos é a população vegetal dacaatinga. Uma ou outra espécie nitidamente competitivaassume importância na sua paisagem monótona. Mas, demodo geral, existem outras manifestações florísticas tra-dicionalmente recenseadas, com variações quanto à quan-tidade. Raro repontarem diferenciações fundamentais.Extensas áreas, ecologicamente demarcadas, reúnemsabiá, marmeleiro, rompe-gibão, jurema, angico, jucá,aroeira, mofumbo etc. etc.

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Na proximidade de rios, de terrenos aluvionais, emvárzeas e áreas predominantemente úmidas, por exemplo,ocorrem com freqüência oiticicas, umarizeiras, canafístulas,carnaubeiras etc. etc.

São conhecidas as áreas de caatinga em que predo-mina o pau-branco, mas outros indivíduos a elas estãoincorporados, como o sabiá, o mandacaru, o xiquexique, ofaveleiro, o pau-ferro, ervanços, jitiranas etc. GuimarãesDuque (“in” O Nordeste e as Lavouras Xerófilas, pág. 73),conceitua a caatinga como “uma associação de plantas comaspecto seco, com árvores e arbustos unidos, dotados deespinhos, de folhas caidiças, caules retorcidos, porte bai-xo, com subvegetação de macambira e caroá”.

No estudo Anteprojeto do Plano de Reforma Agráriada Área Prioritária de Emergência do Estado do Ceará le-mos a descrição da transformação que sofre a vegetaçãoque, evadindo-se da caatinga abrasada, ganha nívelaltimétrico de 600 metros. Dessa altitude em diante sur-gem matas tropicais, serras úmidas – como ensina a cita-da obra –, e aí, então, vão ser encontrados a gameleira, opau-d’arco, a massaranduba, o visgueiro, a aroeira de ser-ra, o bálsamo, o piroá etc. Intermediando a caatinga e asserras – nos chamados pés-de-serra – flagram-se o espi-nheiro prego, a catanduva, a ripaúba, a tatajuba, o pacotê,o coaçu, o frei-jorge, a pitombeira, o mororó, o trapiá, amaniçoba etc.

O cenário da literatura e o zoneamento geobotânico

Admitido o zoneamento geobotânico do Ceará, preco-nizado por Guimarães Duque, ver-se-á no Seridó cearense:jurema, pinhão bravo, malva rasteira, angico, pau-branco,

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marmeleiro, mata-pasto etc. O sertão, avaro de verde amaior parte do ano, ostenta ervanços, mata-pasto, jitira-nas, capim-pé-de-galinha, estilosontes, juazeiro, ipê, pega-pinto, marmeleiro, rompe-gibão, jurubeba, oiticica,canafístula etc. O Carrasco, que ocorre entre os estadosdo Ceará e Piauí, oferece-nos vegetação constituída decaroá, macambira, mandacaru, facheiro, umburana,jacarandá, catanduva etc.

O Agreste Cearense, para o engenheiro-agrônomoGuimarães Duque, é desimportante “faixa na Serra doAraripe, depois da Mata, quando caminhamos para o inte-rior da chapada”.

De todas as áreas, inclusive das serras, menciona-das anteriormente, é-nos possível eleger as que, natu-ralmente, devem ter sido adotadas na configuração deambientes atingidos pelos efeitos das grandes estiagensna obra dos ficcionistas do Ceará. Assim, dentre outras,em razão dos arbustos e árvores citados pelos autoresque estudaremos, Quixeramobim, Quixadá, Crateús,Sobral, Iguatu, Irauçuba, Itapagé, Itapipoca, Pentecos-tes, que se agregam a uma área superior a sete milhõesde hectares, são o habitat natural (carrasco, sertão ecaatinga) da presumível movimentação dos personagensliterários acossados pelos efeitos dos grandes dese-quilíbrios climáticos.

Isso posto, tudo indica que o cenário da literaturadas secas, no Ceará, necessariamente está confinado àsregiões mencionadas, abrangente de municípios que, pelaformação botânica, são passíveis de maior deterioração anteas estiagens prolongadas: Quixadá, Quixeramobim,Irauçuba, Iguatu, Sobral, Crateús, Itapagé, Itapipoca ePentecostes. Nestas áreas, com algumas variações, predo-minam as espécies vegetais:

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JuremaPinhão bravoPereiroXiquexiqueFaveleiroMalvaMarmeleiroMata-pastoPau-brancoErvançosJitiranasCanafístulaOiticicaMofumboMucunãAngicoRompe-gibãoUmarizeiraCarnaubeiraPau-d’arcoCoroa-de-frade etc.

Avaliação da consciência ecológica dos escritores

Elegemos três romances: O Quinze, de Rachel deQueiroz; Cassacos, de Cordeiro de Andrade; O Paroara, deRodolfo Teófilo, para analisá-los face a fitogeografiacearense das secas, em confronto com D. Guidinha do Poço,de Manuel de Oliveira Paiva; Aves de Arribação, de Antô-nio Sales, – romances que descrevem preferentemente osertão molhado – e Tigipió, coletânea de contos de HermanLima, em que se tem a um só tempo, duas áreas justapos-

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tas, a fitofisionomia do verde e o da natureza ressequida,principalmente esta, quando a vegetação perde a capaci-dade de manter-se viva, salvo as exceções admitidas.

Não nos move, nesse estudo, – mera tentativa de abor-dagem de tema que fascina – a intenção de contribuir parareformular o juízo crítico exaustivamente proposto paraobras já consagradas, (as nomeadas), mas tão-só avaliartrabalhos que, além da exposição das cenas, das emoçõessugeridas, determinaram com aproximada precisão o nos-so meio-ambiente, palco de movimentação de seus perso-nagens. A obra mais distante da realidade do ecossistemacearense, das que citamos, pela economia de citações desuas espécies vegetais, é aquela que o consenso geral aplau-de como a que melhor situou o drama da estiagem prolon-gada, O Quinze.

As plantas nele referidas, rigorosamente não ajudamo leitor a compreender a realidade do ambiente em quevivem os personagens sofredores da estória. Os indivíduosvegetais, anotados, são doze: juazeiro, marmeleiro,mucunã, pacavira, aguapé, jurema, umarizeira, capimpenasco, turco e pau-branco. É um levantamento sobre-modo parcimonioso, que não exprime objetivamente a nos-sa fitofisionomia, a se tomar por base a cobertura vegetalquer da caatinga, quer do sertão ou do carrasco. Já o mes-mo não ocorre com Cordeiro de Andrade (sobre quem de-dicamos adiante análise especial), romancista de menormérito, acuda-se em tempo, mas que, sob o ponto de vistada prospecção a que nos propomos, define o ambiente deseu romance Cassacos com uma cobertura vegetal que otorna, indiscutivelmente, mais consciente do ecossistemaregional, no caso, o sobralense, optado por cenário de suaobra, senão vejamos: canafístula, mata-pasto, juazeiro,oiticica, mucunã, mandacaru, xiquexique, umarizeira,

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mofumbo, sabiá, pau-branco, trapiá, jurema, angico,carnaubeira, tingui, gameleira, jatobá etc.

O escritor Rodolfo Teófilo, tanto quanto a romancistaRachel de Queiroz, foi avaro na descrição para conceituaro cenário de seu drama. Em O Paroara a fitofisionomiaestá restrita à citação de: Juazeiro, oiticica, angico, aroeira,emburana, pau-branco. Numa lista de livros que de umamaneira ou de outra descrevem os dramas da seca – os jáaludidos e mais Luzia-Homem, de Domingos Olímpio – osindivíduos da flora mais citados são: Juazeiro, pau-d’arco,pau-branco, carnaubeira, oiticica, mofumbo e angico.

Mas a natureza está sempre bem definida quando acriatividade do autor cearense se decide pelo sertão verde,molhado. Será o caso de Antônio Sales em Aves de Arriba-ção, de quem Rachel de Queiroz, no prefácio ao livro (edi-ção da Imprensa Universitária, 1966) disse: “Não é umCeará completamente diverso – todo folhagem e flor – da-quele outro Ceará que estamos habituados a ver apresen-tado na literatura e nas artes plásticas? Em vez de caveirasde gado e dos retirantes, os bois gordos do inverno, oscavalos roliços, a população farta; em vez do mandacaru,da macambira e da caatinga nua, as árvores centenárias efrondosas...”

A diferença não está, naturalmente, na referência aárvores centenárias e frondosas, a que alude a escritoraRachel de Queiroz. Mas no relato, na descrição de quemconhece um bamburral na floração, as campânulas dasjitiranas, a invasão do mata-pasto, como se verifica nastranscrições que julgamos de bom alvitre efetivar: Na pág.180: “Os bamburrais, com seus broches de ouro vivo e osmarmeleiros de florinhas bífidas e rubras como línguas devíboras, derramavam por tudo um forte olor selvagem...”Na mesma página: “... as jitiranas teciam-lhe por cima uma

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abóbada fofa e densa, estrelada de infinitas campânulasde um roxo meigo. As juremas e as umburanas, com seusesbeltos troncos acidentados...” Adiante, pág. 226: “Ju-nho corria; as flores começavam a desaparecer. Amanjerioba e o mata-pasto vageavam...”

Menos incisivo, mas leve e expressivo na narração dapaisagem, é Oliveira Paiva, oferecendo ao leitor o sertão deseu drama: “Por sobre a casimira verde das beldroegas...”(Pág. 28); “Um cercado imenso a se perder de vista, comuma verdadeira mata de pau-branco e sabiá” (pág. 35); “Ea babuje – foi logo arrebentar e logo sumir-se outra vez nacasca estorricada dos galhos nus...” (pág. 29).

Mas é Herman Lima, possivelmente o autor de maiorexperiência e vivência no nosso ecossistema, quem revela,com bastante propriedade, as duas faces da geobotânica doCeará: “... as gramíneas, o mata-pasto, o velame, as salsas,a cabeça-branca, as próprias urtigas murcharam; os cipós,o melão-de-são-caetano, as jitiranas...” (Pág. 6). Depois deassinalar a “pujança eterna das oiticicas e juazeiros virentes”,o escritor Herman Lima prossegue a assinalar, para acompreensão do leitor, a mata injuriada pelo tempo: “... rom-pem os dedos malditos xiquexiques, apontam os dardoslancinantes dos cardeiros e mandacarus...” – “... as floresrubras das coroas-de-frade” (pág. 8). E no momento de nosdemonstrar o conhecimento da modificação da naturezadiante da chuva, eis que o autor de Tigipió alude à “floraçãobranca do moçambê”, às “emburanas, pereiros, mulungus,angicos, mutambeiras, catanduvas, jaramataias...” Reme-te-nos à apreciação do velame alto, de mistura com o mata-pasto, hortênsias, ervanços, salsas, pingos-de-ouro,ervas-de-pêlo, cabeças-brancas e jitiranas cor de musgo. Ecompletando a influência aqüífera que delineia, remete-nosao “cheiro entontecedor da aguapé”.

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Porém, do elenco de autores citados, que elegemospara lhes analisar até onde se aproximaram da legitimi-dade da natureza cearense exposta em suas obras, é dejustiça destacar Antônio Sales, não obstante ter atribu-ído ao marmeleiro “florinhas bífidas e rubras”, quandona verdade o Croton Sincorenseis, Mrt. e o CrotonHermiargyreus, Muell. Arg., respectivamente marmeleirobranco e marmeleiro preto, têm flores brancas e amare-las. Antônio Sales descreve a paisagem cearense, mo-lhada, com surpreendente veracidade. O ficionista podefalar subjetivamente, algumas vezes, do “tapete verdedo capim”, de seu brilho velado de opala, penado aindada orvalhada da noite. Mas vai certo, direto, quando narrapara o leitor: “Em outros pontos o mata-pasto invadiratumultuariamente as ruas e alastrava num vivíssimoesteiral verde, já salpicado aqui e ali de pequeninas flo-res de ouro, subindo até os joelhos aos raros transeun-tes que passavam pelas veredas quase indistintamenteconservadas através da folhagem vitoriosa, ondulante eálacre” (pág. 145).

O mata-pasto, segundo o prof. Renato Braga, que odescreve, é da família das Leguminosas Cesalpinóideas;arbusto de 1 a 2 metros, revestido de pêlos sedososavermelhados ou amarelos. “Flores pequenas, amarelo-ouro...

Adiante, na pág. 180, Antônio Sales oferece-nos aretratação exata de uma ipomea, a jitirana, da família dasConvolvuláceas, que, como quer ainda o prof. Renato Braga,tem “flores alternas, mais ou menos partidas, digitadas eflores campanuladas brancas ou roxas”.

Uma vez mais é preciso o escritor Antônio Sales:

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“A estrada estreitava-se depois, apertava-se entreduas ribanceiras, cavada pelas rodas e pelas enxurradas,e as jitiranas teciam-lhe por cima uma abóbada fofa e den-sa, estrelada de infinitas campânulas de um roxo meigo.”

Este despretensioso estudo não esgota o assunto. Nãovalerá mais do que sugestão, ou desafio, para pesquisado-res argutos desenvolvê-lo com mais profundidade.Contentamo-nos em aflorá-lo.

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FLORES DE PAPEL: IRRIGAÇÃO E A PALAVRA DE FEDRO

IVIVIVIVIV

Os projetos de irrigação em países em

desenvolvimento, induzidos por agencias inter-

nacionais ou estrangeiras para assistência téc-

nica e econômica, levaram ao alagamento e à

salinização do solo, resultando em um prejuízo

real de terras aráveis.

KAY CURRV LIDALIL,Ecologia: conservar para sobreviver

A falta de humanização da paisagem

São flores, mas de papel, – flores e folhas postas emjarros, a decorar o refeitório do edifício que acolhe, comohóspedes, aqueles que se destinam à Morada Nova a verde perto a implantação do projeto de irrigação que o DNOCSdesenvolve ali. A imagem dessas flores, aparentementeirrelevante, é contraditória com os canais de irrigação, aestação de bombeamento, a terra molhada, a água corren-do, o verde surdindo em paisagem regada, preferentementehorizontal.

Não há flores naturais; não existem jardins em Mora-da Nova, no perímetro de irrigação do DNOCS. Acho que

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ninguém pesou, por exemplo, as palavras de PeterTompkins e Christopher Bird: “ ... a maioria dos homens,instados, são capazes de descrever o paraíso, seja no Céuou na Terra, como um jardim repleto de orquídeas luxuri-antes e freqüentado por uma ninfa – ou duas.” Ao paraíso,que se deseja ou se espera encontrar em Morada Nova,não chegou ainda o instante de prevalecer o jardineiro doaluvião, do solo humoso arrancado às margens doJaguaribe e do Banabuiú.

Vou ao núcleo escolar, sementeira de educação defuturos colonos, e repito o que disse Sócrates a Fedro: “Vêum lugar onde possamos descansar”. E estou certo de queFedro, se ali estivesse, não poderia dizer-me: “Vês aquelesimponentes plátanos que se elevam atrás? Lá não faltasombra, ar livre e relva para sentar-nos ou, melhor ainda,para deitar-nos.”

Não existe verde ao derredor do prédio. Apenas sol,esperto e causticante sol de novembro, que combure apaisagem ainda não gratificada pela irrigação.

Permitem-me participar da intimidade da residênciade um colono. A horizontalidade persiste, sem arbustosou árvores frondosas. O líquido generoso, represado, quegarante a produção de algodão herbáceo, arroz, banana,capim napier, feijão, etc., – não consegue modificar, paramelhor, o desamor do sertanejo cearense à verticalidadeda cobertura vegetal, de fruteiras, andejo como se sente,inseguro na ancoragem, como se não valesse a pena fazersombra ou prelibar frutos, se o reencontro com a seca otoca para a frente, para longe. A moradia do colono possuitodos os ingredientes da civilização: refrigerador, liqüidifi-

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cador (protegido por coberta de polietileno); rádio e televi-sor. Mas não contém guarda-roupa. Peças íntimas estãodependuradas atrás das portas ou em pregos fixados nasparedes. O sertão convencional, tradicional, não se des-prendeu totalmente dele, no entanto: está ainda no baú,único móvel que guarnece a alcova, onde redes, recolhi-das aos punhos, são cestões que retêm o sonho da donzela,as aventuras do rapaz e a fertilidade dos donos da casa.

Uma melhor participação nas equipes dos projetos

A nosso ver, julgamos que projetos ousados, que ten-dem a modificar o comportamento do homem, deveriam serentregues, tanto quanto possível, a uma equipe de especia-listas, técnicos e humanistas, de funções diversificadas.Assim como parece, e é realmente fundamental, o trabalhode levantamento pedológico; a avaliação de agricultamento;a projeção orçamentária de recursos e de aplicação deregadio; a construção de edifícios por engenheiros civis, ainterferência do agrônomo, do comunicador social, do sani-tarista, não deveria deixar de ser o do ecólogo, do sociólogo,do paisagista e até do folclorista.

Não sei se os que me lêem percebem até onde o meuraciocínio quer alcançar. Não se pode, é bem verdade, cons-truir obra tão ambiciosa, como o projeto da dimensão dode Morada Nova, apenas baseado em recursos hídricos,no didatismo de arroteamento e ao aceno do pragmatismoda produção agrícola: lucro mínimo de cinco mil cruzeirospor gleba cedida. Algo mais, no nosso entender, impõe-secomo fator ou fatores indispensáveis ao projeto. O homemnão será mais humano, mais útil a seus semelhantes, sóporque obteve o privilégio de agricultar cinco hectares que

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custaram ao governo federal quantia por volta de duzen-tos mil cruzeiros, equivalente ao preço de uma proprieda-de agrícola de pelo menos duzentos hectares, com casa eaçude, na área semi-árida do Ceará.

Compreendo que um projeto de irrigação, como o deMorada Nova, que acabo de percorrer (escrevo estas linhasem novembro de 1975) é um laboratório em potencial; siste-ma de experimentação, determinado a indicar soluções quenão devem ficar na premiação de um grupo ínfimo de fa-mílias. As soluções encontradas, agora, precisam ir alémda estatística de produções recordistas, por hectare (discu-tíveis), devendo contar-se também o aprimoramento do co-lono, a avaliação de sua capacitação para ser, além deagricultor aprendido, igualmente um ser sensibilizado parao desfrute do lar que recebeu para morar, preparado cari-nhosa e onerosamente pela valorização da área que lhe de-dicou o governo, depois de tê-la tirado do domínio, em algunscasos, de tradicionais proprietários. Aprender que é impor-tante possuir televisor, rádio, refrigerador, liqüidificador, –e não menos valioso saber quanto é custoso o chão que serenova pela destinação especialíssima conferida.

Não posso descrever ou analisar o projeto do períme-tro de irrigação de Morada Nova sem considerar a série defatores que vão desde a violentação do ecossistema, até amaturidade, parcial, do trabalho realizado, sem esquecero homem, donatário desse extraordinário programa. Aplau-dir, mas refutar o que me parece, como pretenso ecólogoou sociólogo, discrepante. A nosso ver, o projeto MoradaNova está a exigir mais para atingir seu aperfeiçoamento,possivelmente um esforço concentrado para tornar o colo-no mais do que um simples ocupante de área em que dis-põe de generosos recursos, capaz de lhe ofertarem rendafamiliar, de tal ordem que, vencida a etapa inicial da soci-

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edade de consumo, na qual prevalecem o refrigerador, orádio, o televisor, o liqüidificador, inevitavelmente soaráhora em que postulará transporte próprio. Motoca? Auto-móvel de segunda mão?

Até que ponto determinadas inversões familiares po-dem parecer normais? Até que momento parecerão neces-sárias? Que alternativas deverão ser oferecidas ao colono,para poupar e aplicar economias? E, em caso de investir,não será justo adquirir também peças de uso doméstico,escolher igualmente aquelas de importância para ainteração da intimidade familiar?

Disciplina do homem e o aproveitamento da terra

É bem verdade que o trabalho desenvolvido pelos téc-nicos do DNOCS e dos que a este órgão se incorporaram,disciplinou a terra para o arroteamento produtivo; desen-volveu uma ação didática que visa o aproveitamento deglebas úmidas, propiciando ao colono todo um equipamentocapaz de ser utilizado como comunicador de experiênciasaprendidas.

A essa altura, ousamos. Seria aconselhável transfor-mar os perímetros em ocupação temporária, cujo períodode ocupação poderia ser de três a cinco anos; formar o colo-no para depois encaminhá-lo, já trabalhador qualificado, aoutras áreas do governo ou de particulares, onde os ensina-mentos que lhe ministraram concorram para melhorar amentalidade dos que, usuários de represas, com presumíveiscondições irrigatórias, desfalecem diante da dificuldade deobreiros entendidos no manejo da água de rega.

O grande empreendimento, o sistema de irrigação pro-posto e executado pelo governo, mesmo quando totalmen-

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te implantado, não terá condições de contemplar mais doque uma parcela insignificante de colonos, comparada coma maioria que restará, sem assistência direta, nas regiõessemi-áridas ou naquelas onde a água está contida nos açu-des mas não utilizada convenientemente.

Colhemos em Guimarães Duque a informação nadaotimista de que, por declividade, não poderemos no Cearádispor de terras para irrigação senão para atender às neces-sidades de 300.000 famílias. Situa-se em Morada Novamenos de um por cento desse total...

É exeqüível a elaboração de um plano como o que orasugerimos? Estamos conscientes de que ousamos. E o faze-mos depois de contemplar, de bordo do “Bandeirante” doDNOCS, a vegetação acinzentada que cobre o solo no qualrepontam verdes os juazeiros, os jucazeiros, os pés desurucucu etc. Numa ou noutra porção de terra, que pode-mos identificar do alto, a 3500 pés de altitude, deparamosmanchas de um solo empobrecido pela erosão, lixiviado,sob a determinante de um raquitismo florístico que vem seacentuando através dos séculos.

Comparativamente, o que se vai flagrar logo mais emMorada Nova, no perímetro irrigável, é uma unidade dimi-nuta de produção em relação à mata petrificada, esquáli-da, que toma conta de quase todo o Ceará, pelo menosnessa época do ano.

Linhas atrás qualificamos o perímetro irrigável deMorada Nova como laboratório. É o que deverá ser. Escolaformadora de novos hábitos, de mentalidade atualizada eorientada para a cultura racional. O investimento que ogoverno executa é demasiado elevado para servir a tão pou-cos indivíduos, mas valerá como conscientização deste parao aproveitamento do potencial de recursos hídricos. Postodentro da cercadura dessa intenção, o projeto é válido; fon-

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te de aplicação de dinheiro; investimento a longo prazo; trei-namento; despertar de vocação necessária ao Ceará, a doirrigante, que está por vir em toda a sua intensidade.

Propriamente não se poderá ser contrário a planosarrojados que pretendem soluções técnicas. Mas não serádesvalioso pensar em outros programas, como o que refe-rimos, de utilizar o colono como comunicador – e com eleoferecer maior estimulo à açudagem, aos que, subsidiadostambém pelo governo, poderão implantar pequenos e mé-dios projetos de irrigação.

O DNOCS executa um programa que, alcançada aeficiência final, não terá, infelizmente resolvido, como al-guns poderão imaginar, o problema cearense. Mas haverámostrado, conquanto de maneira dispendiosa e até injus-ta, que se pode agricultar, com irrigação, uma parcela mí-nima dos dois milhões de hectares de que dispomos paraesse tipo de aproveitamento.

Vale a pena ver o trabalho já realizado; a dedicação dequantos, com idealismo, se aplicam a serviço do homem.Mas é necessário contentar a Fedro que está no cearenseque imagino ser, sempre enternecido pela paisagem, e quedeseja encontrar sombra, ar livre e relva. E não mais ver,por serem abstrusas, deploráveis flores de papel.

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CORDEIRO DE ANDRADE, INFÂNCIA E SERTÃO

VVVVV

No mundo já não lutam forças

humanas, mas telúricas...

FREDERICO GARCIA LORCA,Ideário Coligido

Se não vos converterdes e não vos tomardes

crianças, não entrareis no reino dos céus.

S. MATEUS 18:3

O nosso encontro com a pessoa e os Livros deCordeiro de Andrade

É Claudel, místico, de irrepreensível sensibilidade,quem indaga na voz do Expositor, personagem do dramade Cristóvão Colombo: “Não está escrito que se não voltar-mos a ser como crianças, não entraremos no Reino dosCéus?” Está, por certo. Em todos nós, mais cedo ou maistarde, acode-nos irreprimível desejo de retornarmos àsnossas fontes de ternura, à infância, mundo que, quantomais distante se ausenta, mais desejado se faz. A sabedo-ria oriental, pela palavra de Mêncio, já nos aconselhava

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com proverbial inteligência: “O grande homem é o que nãoperde o seu coração de criança.”

A infância será, indiscutivelmente, o leit-motiv de Cor-deiro de Andrade, forma incontrolável de mil e uma mani-festações de romancista cearense nascido em Sobral, a 26de outubro de 1910, marcado de agrestidade pelo mundoque o tornaria revoltado, às vezes áspero e cruel, até ametade de sua obra literária, para, ao término desta,transparecer-nos abroquelado na resignação e na compre-ensão dos descaminhos da existência humana.

“Quando a gente é menino, não sabe nada. De coisanenhuma. Veja tudo, embora. O tempo, porém, vai ensinan-do, ensinando. O tempo é a gramática da vida.”

Justificar-se-ia, desse modo, em aligeirado prefácioao primeiro romance que escreveu, Cassacos, publicadopor Adersen Editores, em 1934. Conheci-o em 1942, emsetembro, nos poucos meses que viveu na rua GeneralSampaio, em casa contígua à de meus tios, pais do poetaArtur Eduardo Benevides. Então, estava bastante apren-dido. Como referira nas palavras introdutórias a Cassacos,o tempo o fizera experimentar mais do que a gramática, aimpiedosa semântica do infortúnio. Atestavam-lhe ostruncamentos de ordem física, as deformações impostaspor insidiosa enfermidade. Sua mão, a que me ofertariacarinhosamente Tônio Borja entranhado romance deexpressividade humana, emperrava no papel, trôpego, naspoucas linhas que o hemiplégico pretendia em dolorosamanifestação de saúde.

Juntar-se-ia a Artur Eduardo Benevides e a mim, emMondubim, na casa de meus pais. Ali, sem que ninguémpercebesse, florescia o Grupo Clã, movimento que dariaao Ceará um de seus mais representativos instantes lite-rários. Só não compareceria ao convescote que, animado

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pela presença de Mário Sobreira de Andrade, Antônio GirãoBarroso, Artur Eduardo Benevides, Mário Baratta, AldemirMartins, Antônio Bandeira, Nilo Firmeza e eu, culminariacom a publicação da plaqueta Três Discursos, e a conse-qüente fundação de Edições Clã, de que se originaria oGrupo Clã. Ali, o romancista convalescente reencontrou oseu verdadeiro mundo, podendo repetir as palavras de JoãoVentura, personagem de Anjo Negro, romance póstumo,publicado em 1946:

“Sonho com flores, com águas mansas que correm,com campinas verdes e imensas, cujas distância meusolhos não alcançam. Outras vezes, vejo-me rodeado porbando de crianças felizes, que brincam, cantam e mesorriem.”

O culto da paisagem e dos insucessos humanos �Sertão e Infância

Sertão e infância, duas palavras, dois conceitos, duasperspectivas compõem de modo indissolúvel o binômio queentaipa as recordações mais palatáveis desse romancistaque, nos primeiros dois romances, mostrar-se-ia revolta-do diante dos ricos, por circunstâncias adversas explicá-veis mais do que pelas idéias marxistas que defendera.Tanto isso é verdade que, quando amadurece e nos ofertaas páginas de Tônio Borja e Anjo Negro não reincide nascitações levianas, na construção de frases ingênuas quedeparamos, por exemplo, em Cassacos, onde é manifesta-da a gratuidade de pensamento como à pág. 22 – “tomaraque venha um doutô Comunismo que falam por ai, prote-tor dos pobres...” – ou, à semelhança, est’outra à pág. 48:“a burguesia banqueteava-se”, aludindo aos almoços dos

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mais abonados de Sobral, além de interpretações da inter-ferência acintosa, dirigida, – e por isso mesmo prejudicial,de revolucionário precipitado que corre o risco de, nessasbreves passagens, comprometer o apreciável nível da crô-nica sociológica que nos oferece de uma comunidadeinteriorana presa da seca.

Nesse livro, Cassacos, mais do que em qualquer ou-tro, fala o homem da terra; o telúrico, o folclorista, oenternecido pela paisagem. As deficiências do romance,até certo ponto impertinentes, não chegam a compro-meter a contribuição da narrativa do autor que, a todoinstante, está-nos remetendo à conceituação do ambi-ente rural bordado de tamarineiros, cajazeiras, oiticicas,canafístulas, marizeiras, – a que não falta a caracteriza-ção física, como as obras de implantação do açudeForquilha, a presença dos rios Jaibaras, Acaraú, – e maisa saborosa linguagem regional, os “antonte”, “areados”,“salseiros”, ou as frases típicas, naturais do falar do povo:“correr dentro”, “vender meu peixe”, “a bichinha da co-roa”, ou a farmacologia sertaneja da “salsa ou mata-bode”, do “cozimento de angico e sabugueiro misturadacom arnica”, do “banho de fedegoso”, “cházinho de que-bra-pedra com pimenta longa”, de par com a medicinapopular em que esplende a sintomatologia da “dor dascruzes”, “puxado”, “caixa do peito”. E arrematando, apósmostrar-nos os pobres fustigados pela inclemência dodesajustamento climático, o episódio amoroso de Bilucae Roseno, o lamento, mais que isso, gemido, ainda mais,estertor de alguém (poder-se-á conferir) que ao perderas ligações com a pureza, com a infância esvaída, punge-nos com a declaração:

“Bom a gente ser menino!”

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Mas não órfão. Exatamente essa moldura de meninosertanejo desamparado, em que se descobre permanen-temente o romancista que arrasta amarguras nas linhasiniciais de Brejo, seu segundo romance: “Com a morte demeu pai principiou a minha desgraça. Me lembro do diaem que ele partiu deste mundo, para sempre. Era maio eas chuvas caíam finas e ligeiras.” Adiante, uma dolorosaconfissão do menino sem pai: “Me sentia o menino maisdesgraçado deste mundo.”

Dessa vez a infância não vive, não sofre numa esta-ção de águas evaporadas. É remetida à fartura aqüífera.“Rigoroso aquele inverno do ano seguinte. Janeiro ama-nhecera debaixo de uma enorme tromba d’água, as lagoascheias, os açudes sangrando. Chovia copiosamente nascabeceiras e o Acaraú espumava, impando de cheio...”

A primeira idade, de um modo ou de outro, épersonagem presente, marcando com o ferro da huma-nidade desvalida os quatro livros de Cordeiro de Andrade,desde o rapaz Jerônimo, quase imperceptível, vendo aqueda da coroa do Menino Deus (e a imagem haveria deser também de um infante), passando pela asperidadede Cassiano, sobre quem, ao ouvir a notícia do desenla-ce do pai, alguém, compadecido, sentenciaria: “Coitadoé do filho, que fica sem um cristão que olhe para ele, aoDeus-dará”, repetindo-se a cercadura de infelicidade navida de Noé – o filho não reconhecido, vamos admitir,não estimado por Tônio Borja, a culminar a sofrida gale-ria de entezinhos fissurados pela existência, com JoãoVentura que, nascido numa sexta-feira 13, teria de as-sistir ao empobrecimento paterno; acompanhar a lou-cura do pai, a penúria inapelável da mãe, a amargar aadversidade, e, por essa circunstância, sem nada poderfazer, ver o filho transformar-se num criminoso, em Anjo

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Negro, detrás das grades, a relembrar o passado; quan-do são os dias de menino que prevalecem.

Os livros de Cordeiro de Andrade cultuam insucessos.Mesmo quando deixa a aspereza da seca, permutando-apelo cenário ou paisagem rejuvenescida à força do inver-no, as reações que explora são acerbas. Em Tônio Borja, aatmosfera é a cidade, mas ainda aí o clima de derrota, desofrimento, evidencia-se no principal personagem. Máriode Andrade opinaria: “Tônio Borja é o fracassado típico.”Abelardo Romero veria o personagem de Cordeiro deAndrade sob compaixão, mas, nem por isso, menos con-tundente: “Tônio Borja revela-se, de dentro para fora, comouma flor que se abrisse naturalmente – uma pobre e des-colorida flor humana.”

A proximidade da análise, proclame-se Tônio Borja omelhor momento de criação do ficcionista sobralense. Nessaobra o marxista, de arrebatamento impulsivo mas ingê-nuo, cede ao discordante de ricos, posição compreensíveldecorrente de destino cruel que defrontou. O autor é ago-ra um outro revolucionário, atenuado, sem a veemênciarancorosa testemunhada em Cassacos e Brejo. Já não fun-cionam as referências desprimorosas a brancos confundi-dos por analogia e propositadamente a ricos –, nem osremoques, a refutação às intenções das autoridades: “Ecadê justiça? Justiça é uma pinóia. Pobre não ver a cordela, não.” (Pág. 121, Cassacos).

No decorrer da ação de Tônio Borja, narrado na pri-meira pessoa, repontam as qualidades analisadas porTristão de Athayde: “... precisão, um nervo, uma vivacida-de que nos prende totalmente à leitura.” O escritor, dize-mos nós, não retoma às idéias contestantes com o ardorde obras anteriores. As páginas 69 e 70, Tônio Borja con-fessa não saber o que é socialismo. E permite que a hero-

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ína do romance, o símbolo do amor inatingível de suatemática, expresse esse raciocínio: “... Não sou nada, depolítica só conheço o nome. Pra mim tanto faz socialismo,liberalismo, monarquia. Com tanto que se acabassem asinjustiças, e ninguém visse mais crianças famintas,tuberculosas, que se acabam de fome. Simpatizo com amonarquia. Queria era justiça.”

Tem-se aí, uma vez mais, a lembrança do mundo dospequenos abandonados, indefesos. Preocupação, para nãodizer idéia fixa, do autor, no desfilar de marcante galeriade tipos humanos. Em Anjo Negro (pág. 11) Joãozinho Ven-tura esclarece que recorda a infância miserável. O mesmomundo sofrido, com outras palavras, noutros tons, quenos descreve o autor em Cassacos: “Eram os meninos cri-ados a toa. Pela manhã, depois de dizerem “benção, pai,benção, mãe”, rumavam à feira, trapudos, a ajudar os ser-ranos porem as cargas a baixo, pastorear os seus animais,para depois terem o direito de catar, nos surrões, asrebarbas das rapaduras que se quebravam durante o atri-to da viagem de Meruoca à Sobral.”

No mesmo livro, conta-nos adiante: quando os trens“despejavam, diariamente, na cidade, chusmas de retiran-tes, de todas as espécies”, a infância mais taluda aproxi-mava-se do povo, vendo-o comer, e então pedia em coro:

“– Me dê um pedacinho, seu homem! Mais umtiquinho, não faça isto, não! Deixe de ser misgo!”

A infância, vimo-la assim em tintas amargas, páginaapós página. E o sertão? A outra parte que a ela se justa-põe para a composição do binômio criador? Será menosimportante? Inferiormente tocada de decepções?

Explicite-se. Sertão, como um todo de clima interiorano,misto de cidade, de convivência humana, de circunstâncias

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imprevisíveis, de paisagens, de acidentes geográficos, de re-ações físicas, de desequilíbrio climático etc.

Só assim nos será possível compreender que mesmono romance mais distante das origens do autor, decorren-do no Rio de Janeiro, o sertão (plot de reminiscências, ummaneirismo de existir do sertanejo) não se desfigura. Oromancista cosmopolita, transmudado para o asfalto, nãoencontra condições para disfarçar a marca quente regio-nal; os modismos de seu território geográfico. Não raroescreverá em Anjo Negro: “Olho-me num caco de espelho”;“Esbarrei de encontro a uma ruma de latas”; “Ruim quenem cobra”; “Um machado tremia nas minhas mãos, ummachado ou uma foice?”; “O barulho dos ratos debaixo dobaú diminuiu” etc. etc.

Em Tônio Borja antevê-se o romancista que, alterandoa sua fatura inicial, harmoniza os limites das ocorrênciascampestres com as do perímetro urbano. Melhor seriasubstituir urbano por rurbano, como pontifica o mestre Gil-berto Freyre, “neologismo sociológico que define uma urba-nização que se processa sem repúdio a valores rurais”. Paranós, explicitamente, ao acomodamento de nosso pensamen-to, são os valores do campo, do sertão assim concebido, quese integram no núcleo populacional citadino.

Nesse romance tem-se a cidade de Sobral de umaépoca, e suas gentes. É romance do urbano, provinciano,deliciosamente provinciano, e desse modo humanizado, nãoobstante as incompreensões do próprio personagem prin-cipal. De repente vêmo-lo descrever o ambiente que o ar-rebata: “... fizemos um giro aos arrabaldes, viramos o Juncointeiro, depois fiquei olhando a lagoa, perfumada e brancade aguapés, com as jaçanãs à beira-dágua, meninos (sem-pre meninos, meninos, sublinhamos nós, fora do texto)pescando de landuás, canários e cupidos no olho das

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carnaubeiras esguias. Banhei-me muito ali, quando criança(novamente, a infância, interferimos nós) quando criançacolhia pacovias e mata-bodes nas fogueiras de S. João.”

Romancista regional de amplo sentido humano

Em Anjo Negro, é bom que se nos fixemos bem, hátambém referências à fogueira de São João, episódiointimamente ligado às recordações do autor: “A chuvaameaçava apagar as fogueiras enormes.”

Mas o escritor é regional, entranhadamente da paisa-gem que o viu nascer, em Cassacos, ao descrever-nos a natu-reza rediviva, ultrapassada a provação da estiagemprolongada. “Bonito o panorama. O milharal na primeira lim-pa, entrempando, coberto de papa-arroz de coleira verme-lha, ondeado pelo vento, era uma promessa verde de fartura.Marias-judias, desconsoladas, na ponta das estacas, can-tando sem voz. Sagüis no olho dos angicos, gritando, coladosna resina. E carnaubeiras melancólicas, arremedando, lá emcima, o barulho cadenciado das águas dos riachos.”

Em Tônio Borja a chuva tonteia e arrebata mais umavez o escritor sobralense: “As lagoas e açudes sangraram,os rios desceriam com a impetuosidade desconcertante daspororocas. O céu parecia mais baixo, ameaçando desabarao peso de tantas nuvens. O pé d’água zoava na mata es-pessa, os mangangás roncavam atolados nas boseiras fres-cas de bosta de vaca. Subia do chão um cheiro de inverno,o ar cheirava a leite.” Vamos repetir: “Subia do chão umcheiro de inverno, o ar cheirava a leite.”

Esta a maneira de o romancista expressar-se, um pou-co rebarbativo na frase, às vezes, pelo testemunho real dascoisas, mas, de repente, surpreendentemente autêntico.

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Jorge Amado, que privou da amizade de Cordeiro deAndrade, dá-nos valiosa apreciação de sua capacidade cria-dora, da justeza de seu diálogo, ao comentar Tônio Borja:

“O livro está cheio de qualidades de romancista, ro-mancista tenso, com amplo sentido humano. Realmente,eis aqui um escritor que sabe levantar o diálogo, fazer osseus personagens falar, tendo cada um a sua linguagemprópria, podendo o leitor conhecer cada herói pelo modocomo fala. Eu considero o diálogo uma coisa mais difícil doromance. Pois esta coisa difícil Cordeiro de Andrade domi-na perfeitamente.”

O binômio sertão-infância acaba, como vimos, aperfei-çoado em Tônio Borja e Anjo Negro, em que a rurbanizaçãoé flagrante. Mas nem aí, ou nem assim, o romancista con-segue oferecer aos leitores um clima de ocorrências bemsucedidas. Ao contrário, a felicidade, o instante de paz,principalmente no amor, é forma aparentemente inacessí-vel. A não ser em Cassacos, em que Biluca, depois de re-cusar por incompreensão o afeto de Roseno, acaba poraceitá-lo, há sempre, evidente, a mesma situação de per-sonagens frustrados como Tônio Borja, decidido a sair pelomundo à procura de seu ente amado. Em todos os livros,há um Tônio Borja (ou o próprio autor?) a dizer-nos, vee-mente: “Vou atrás de Maria Lúcia”.

Maria Lúcia é o próprio símbolo do amor. Só pode serrealidade percebemos o paradoxo – em sonho. EmboraTônio Borja busque-a com o coração dessangrado, comodesejada quimera, jamais a terá para povoar de luz a vidadolorida e empenumbrada existência. Maria Lúcia é a uniãoideal, o sentimento de matrimônio que está seguidamentefugindo dos personagens nos romances de Cordeiro deAndrade, assim como ocorre com o amor impossível, re-presentado pela amásia do padre Meio (Brejo), a Júlia de

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“largos quadris”, interdita aos trabalhadores, aos pobresdo eito; pela figura de Maria de Lourdes (igualmente Ma-ria), que ministra as artes iniciais do amor ao menino JoãoVentura de Anjo Negro e que partirá um dia – assim haveráde ir-se –, deixando no sofrimento do filho de D. Carminhauma dramática confissão de evasão:

“O mundo já se acabara para mim. Eu tinha perdidoMaria de Lourdes.”

A dádiva alcançada do amor correspondido, só emsonho, como nos descreve Tônio Borja: “Eu estava casadocom Maria Lúcia e fôramos passar a lua-de-mel numa fa-zenda. Em cima dum alto ficava a casa, grande ealpendrada. Um riacho passava bem na porta, e a águaera límpida e corria sobre os seixos sem marulho. Haviaum jardim ao lado. As flores exalavam um perfume esqui-sito. Sem saber de onde vinha, eu ouvia uma música mui-to linda, uma ária, parece. Depois, a música vinha dasárvores e as folhas estalavam umas de encontro às outras,imitando castanholas.”

Essa narração de sonho, paradisíaca, em que MariaLúcia e Tônio Borja se abraçam, na vertigem do amor, aca-bará truncada, como truncada é a infância dos meninos deCassacos; a existência dos trabalhadores de eito em Brejo;as horas de Tônio Borja no livro que tem seu nome; a vidade Joãozinho Ventura, em Anjo Negro, deplorando haverdesejado ser bom, não obstante o mundo o ter tornado mau.

No transcurso de sua existência, o próprio romancis-ta parece repetir-nos, a todo instante, as palavras de JoãoVentura, curtindo frustrações:

“Sonho com flores, com águas mansas, que correm,com campinas verdes e imensas cuja distância meus olhosnão alcançam. Outras vezes vejo-me rodeado por bandosde crianças felizes, que brincam, cantam e me sorriem.”

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Portanto, o esquecido, mas hoje lembrado romancis-ta cearense, falecido em 1943, haveria de freqüentementerecordar saudoso e sofrido:

“Bom a gente ser menino!”

Bom, de verdade, porque só assim, como queria oExpositor no Livro de Cristóvão Colombo, de Paul Claudel,haveremos todos de entrar no Reino dos Céus.

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AGROPECUÁRIA: CAMINHOS E DESCAMINHOSATÉ A ECONOMIA FORTALECIDA

VIVIVIVIVI

Quando sitiares uma cidade por muito tempo,

pelejando contra ela para a tomar, não destrui-

rás o seu arvoredo, metendo nele o machado,

porque dele comerás, pelo que não o cortarás...

DEUTERONÔMIO, 20:19

Não creio que haja alguém que realmente enten-

da muito de agricultura.

WHELLER MCMILLEN,citado por Louis Bronfield,

Fazenda Malabar

Os recursos naturais e a agricultura rotineira

Talvez seja necessário, preliminarmente, recordarHenry David Thoreau: “As armas com que conquistamos asnossas mais importantes vitórias, que deveriam ser transmi-tidas como heranças de pai para filho, não são a espada e alança, mas a foice, o cortador de grama, a pá e a enxada

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manchadas pelo sangue de muitas campinas e sujas pelapoeira de muitos campos arduamente lavrados.” Estas ar-mas e mais o arado, o trator, o machado, conquanto utiliza-das para beneficiar o homem, nem sempre o fizeram;derrubaram árvores, desviaram córregos, desapearam asaves dos ninhos, e o próprio clima, elaborado pela inconse-qüência do agricultor, sofreu variações que permitiram oadvento do ventilador e do condicionador de ar.

Quando qualquer um de nós retorna ao possível des-frute de seu ecossistema, nesse exato momento é para de-plorar e se perguntar a si próprio: “Por que está tudomudado? Por que ocorreu tamanha mutação?”

A mim, de modo pessoal, cabe lamentar ter custadodemasiado saber que o sentimentalismo arrebatado pelafitologia cearense não tem oportunidade de ver que o amorà natureza – à fauna e à flora – não é mais inquietação dasnovas gerações, pouco sensíveis à moldura do nosso meioambiente.

Possivelmente, isso explica porque, ultimamente,estamos todos nós ficando muito preocupados em preser-var os recursos naturais. O rio pode ser represado; a árvo-re pode ser abatida; a ave pode perder o ninho, – mas,eventualmente, e em determinada circunstância, enquan-to tomamos decisões de regeneração da paisagem, sob penade estar acelerando a erosão do mundo, sua indesejávelcaducidade, a tal ponto que o desejo de rever, virente, anatureza, soará como pretensão mórbida.

Este preâmbulo, em que se funde a inspiração do ficcio-nista e a responsabilidade do sociólogo decorre da compre-ensão de que chega o momento, se desejamos garantir ofuturo da economia cearense, de começarmos a preservar omeio ambiente, obstando práticas nocivas do exercício deuma agricultura que se desenvolve predadora, e alertar os

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pesquisadores e os homens públicos, de decisão, que nemsempre os planos ambiciosos de alteração das condições daterra – forçando a receber uma irrigação permanente ourevestimento arbóreo desmedido e sem precauções – sãoatitudes realmente compatíveis com o nosso ecossistema.

Não se pode acalentar soluções, por exemplo, para aagricultura cearense, sem encarar de modo sério o rudimen-tarismo das queimadas, o abandono de glebas servidas,depois de dois anos, por outras, outras mais, que sofrerãoo mesmo impiedoso arroteamento.

Agora, quando é evidente que o mundo inteiro se preo-cupa com os problemas decorrentes da má utilização dosolo, será necessário não tornar o assunto tema ocasionalde discursos oficiais, ou motivo de adesismo formal sem ocalor da responsabilidade efetiva.

Não podemos sair em defesa dos recursos naturais,injuriados, sem primeiro enfrentar – e resolver de modocorajoso – o processo primitivo de que se utiliza o sertane-jo, falto de educação, para, tradicionalmente, compor osnúmeros da estatística de nossa produção agrícola, quan-do, sua participação, paradoxalmente, é mais positiva nadestruição do chão, que empobrece ano após ano.

Cabe-me perguntar: – tem o Ceará condições para su-perar agora este problema? Não será a rotina matuta, nãoobstante o prejuízo que impõe à terra, uma fórmula de agri-cultamento tolerada pela impossibilidade de a modificarmos?

Vê-se, claramente, e bem visto, que o conhecimentodesse procedimento errôneo, através dos tempos, comen-tado, avaliado e profligado em livros, não tem sido sufici-ente para recrutar condições para eliminá-lo. Sejamospráticos: formamos técnicos, incrementamos a pesquisade campo; proclamamos a eficiência da máquina;enaltecemos os programas de extensão rural, – mas for-

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mamos, salvo honrosas exceções, engenheiros-agrônomosque ficam nas grandes cidades, esquecidos de que no cam-po, por deficiência de orientação, apesar dos pinçamentosesporádicos dos planos de assistência técnica, o agricul-tor continua insensato pela sua ignorância, carbonizandoo chão de que se nutre.

Modernizar a agricultura é torná-la operante e produ-tiva, mas sem comprometer ecossistemas. Será esse umesforço da administração oficial, através de plano educativo,com novos procedimentos pedagógicos, pois é tentador ima-ginar que a educação do homem do campo deveria prece-der a qualquer projeto de reforma agrária.

Juan Diaz Bordenave (“in” Treinamento de Pessoal emComunicação para Desenvolvimento Rural) preconiza parao desenvolvimento rural um programa baseado “num siste-ma de valores no qual o crescimento humano é mais essen-cial do que o lucro econômico e o avanço tecnológico, e,indo mais longe, estas duas características” devem sercompreendidas “somente meios para chegar-se ao maisbásico objetivo do crescimento e enriquecimento huma-no”. Acrescenta adiante: “... mesmo quando estamos ten-tando promover a produção e a produtividade através datransferência de tecnologia, devemos utilizar um métodoou enfoque que assegure o desenvolvimento de receptorescomo seres humanos, assim como o melhoramento de suashabilidades de produção.”

Até conseguirmos educar o homem, ele queimará aterra de que se vai servir. E queimará também o pasto, nofinal do ano, para que gramíneas e leguminosas rebrotemvigorosas. Ainda aqui, na área da pecuária, a prática écondenável, admitida somente em determinadas circuns-tâncias, quando o terreno está invadido por ervas prejudi-ciais ao pastejo.

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Falta de medidas objetivas e declínio da pecuária

Na proximidade do assunto, diga-se em tempo que obinômio agricultura-pecuária, não obstante as vicissitu-des do meio ambiente, – alterações climáticas, cíclicas, aque está sujeito o Ceará – tem sido fórmula consagradapelo nosso homem do campo. No entanto, à falta de medi-das objetivas, ao soar desta hora, estamos assistindo odeclínio da vocação do pecuarista de gado leiteiro, semque acuda uma providência oficial determinada a reorga-nizar as diversas bacias leiteiras do Estado. O que o gover-no oferece por um lado, toma pelo outro. Expliquemos:todo amparo à pecuária de leite não resiste a obstinaçãoda manutenção do preço do leite in natura a níveis incom-patíveis com esta ocupação sublinhada de sacrifícios, prin-cipalmente a que, de um modo em geral, é exercitada naregião, onde as condições de comercialização, manejo degado, utilização de mão-de-obra, assistência técnica, es-tão longe de ser comparadas com a estrutura que assisteao criatório do sul do país, quase sempre tomado por mo-delo para a projeção de estudos abrangentes o mercadonacional.

A mão-de-obra é cara, entre nós, e a alimentação defi-ciente, a partir do farelinho obtido junto aos moinhos detrigo. A torta de algodão, no momento em que escrevemosestas linhas, está a Cr$ 1,00 o quilo. A mandioca, – porvolta de 0,57, devendo-se acrescentar aos custos o trans-porte desses insumos até os currais e estábulos.

Desprezamos o leite cearense, para importar o que éproduzido em Alagoas. O que pode representar soluçãoimediatista, para as usinas de pasteurização, ameaça aaceleração do colapso da bacia leiteira, que se flagra com adescontinuidade de produção de várias vacarias.

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Quanto o gado de corte, não estamos apenas perden-do o boi, porém algo mais precioso – a vocação pecuarista,tradicionalmente – para não dizer historicamente – nossa.Esta, representada pelo criador que demanda os camposdo Maranhão e do Piauí, sem que, até esta hora, tenhamostomado uma atitude capaz de reter conosco esse tipo neces-sário de investidor.

Paralelamente, assistimos o que poderia ser alegadocomo conflitante com o nosso ponto de vista: o surgimentode grandes empresas dedicadas ao criatório, algumas absor-vendo recursos do FINOR. No entanto, em abono da tese quedefendemos, não predomina nesses empresários, via de re-gra, a vocação do criador. Trata-se mais de um determinismoempresarial; é o homem de negócios que descobriu a pecuá-ria como opção estimuladora, a juros que o crédito oficialoferta, a garantir bom emprego de capital. Esse tipo de fa-zendeiro precisa também ser educado para entender que éimportante o crescimento humano, bem orientado, mais doque o lucro econômico e o avanço tecnológico. Lamente-seque a pecuária, que desponta no Ceará, é oportunidade parao tipo do criador que sendo negociante, persegue a atividadeque lhe é estranha como opção para recolher resultadoscompensadores diante do aviltamento da moeda.

Algumas providências recomendáveis

A nosso ver, além de tudo que o governo tem feitopara incrementar a agricultura e a pecuária, precisa dis-por-se a subsidiá-las com mais largueza, entender quantocusta ao agricultor manter lavouras na indecisão de umtempo incontrolável, em que o calendário agrícola só exis-te para simples orientação subjetiva.

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Na proximidade do assunto, assistir com mais dispo-sição e rigor o criador na erradicação da aftosa. E perseguirum programa de combate decisivo ao carrapato, como estáfazendo agora o México, que, com o apoio do BID, desenvol-ve um programa nacional de luta e de extermínio ao carra-pato (Boophilus micro plus), responsável igualmente entrenós pela bavesiose e a anaplasmose, que resultam emconsideráveis prejuízos para os rebanhos. Em trabalhooportuníssimo, o veterinário João Carlos Gonzales (“in” OControle do Carrapato dos Bovinos, Livraria Sulina Editora,Porto Alegre, 1975), no limiar de sua excelente monografia,afirma que “algumas dezenas de fazendas no Rio Grande doSul e outras tantas nos outros estados brasileiros enfren-tam sérias dificuldades com o parasitismo intenso, commanifestações de resistência aos carrapaticidas. E estagravíssima situação tende a piorar continuamente. Cadavez mais, surgem novas propriedades com problemas desuperpopulação de carrapatos e de resistência”.

Nós sabemos que, ao longo de três décadas, os Esta-dos Unidos se empenharam intensamente no esforço deerradicar o Boophilus micro plus, o mesmo ocorrendo emoutros países, principalmente no México, como se lê emcomunicado à imprensa, do dia dois de outubro, onde oBID participa com 53 milhões de dólares nos custos de umprograma que atinge a aplicação de mais de cento e seten-ta e oito milhões de dólares.

O objetivo da campanha, como se percebe, é erradicaro carrapato dos campos mexicanos, imunizando sessentae seis milhões de hectares e salvando onze milhões e sete-centas mil cabeças de gado vacum do parasitismo alta-mente nocivo. Quatro mil e duzentos empréstimos serãoconcedidos a pequenos agricultores e criadores, totalizandodezessete milhões de dólares.

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Preliminarmente, em termos regionais, poderíamosambicionar um programa de combate ao carrapato, comrecursos do governo brasileiro e do BID, certos de quepossivelmente não temos em números verdadeiros a esta-tística dos prejuízos ocasionados pela anaplasmose, masse impõe a idéia como indispensável à melhoria dos nos-sos rebanhos.

O café e o abandono das serras

É oportuno, no campo das sugestões, pleitear a ex-tensão do plantio do café a outras áreas do nosso territóriogeográfico. Parece-nos ilógico não se autorizar a culturacafeeira – por exemplo – na Serra da Aratanha ou na Serrade Maranguape, onde ainda na atualidade vicejam pés decafé ali plantados na fase pioneira da cultura no Ceará.

O Barão de Studart, na Revista do Instituto do Ceará(tomo XLII – Ano XL – II) em 1928, sobre o assunto escreve:“A plantação do café se faz nas serras, onde a temperatura,pluviosidade e terreno lhe são favoráveis, tais como as deBaturité, Aratanha, Maranguape, Uruburetama, Meruoca,Serra Grande ou Ibiapaba e Chapada do Araripe.” Adiante,o ilustre e mais respeitável pesquisador do Ceará, relata:“Calculando em 9 milhões o número de cafeeiros botadoresno Estado, cerca da metade caberá à serra de Baturité, ondeo censo agrícola de 1920 registrou 727 sítios no valor de 7069 contos. Produz cada pé 300 gramas.”

É pertinente considerar que a área irrigável, no Ceará,segundo os especialistas, não ultrapassa a 2.000.000 dehectares, sendo o custo de um hectare entregue ao irrigante,pelo DNOCS, da ordem de Cr$ 16.500,00. As serras, não só

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excluídas da programação da cultura do café – como algu-mas nomeadas por nós – também não recebem, como abas-tecedoras de frutas e verduras, incremento oficial. Cite-se aSerra da Aratanha e a Serra de Maranguape, próximas aocentro consumidor, no caso, a capital.

Por outro lado, não seria sonhar demais imaginar umprojeto de liofilização do café, tendo em vista a inviabilidade,a nível competitivo, ao café solúvel, pelo parque industrialde torrefação e moagem de que dispomos no momento.

Do estudo número 1 da Comissão Coordenadora deEstudos do Nordeste (COCENO, Brasília, 1971), que se deveà ARENA e à tenacidade do eminente senador VirgílioTávora, transcrevemos as judiciosas palavras do entãoministro Cirne Lima: “Poderemos e deveremos dedicar todaa nossa força para aumentar a produtividade agrícola doNordeste. A modernização da agricultura é, sem dúvida,fator básico para o desenvolvimento agrícola e todas asexperiências que podem ser mostradas indicam que hápossibilidade certa de aumento de produtividade, median-te o uso de certas técnicas. Lembro aqui, mais uma vez, aminha tese fundamental: que tal modernização se façautilizando o mais possível os fatores baratos existentes,terra e mão-de-obra, pois se o fizermos mediante o uso deprodutos industrializados em outras regiões, estaremos,outra vez, agravando o problema da distribuição de rendaentre diferentes zonas do Pais.”

Pensamento coerente, claro e objetivo, em abono dealgumas idéias que exprimimos aqui e em contraposição atécnicos mais ousados, aos que mesmo imbuídos de me-lhores intenções, mas pouco afeitos à realidade da região,recém-saídos das universidades e logo elevados à admi-nistração pública, querem levar ao sertão não só os recur-sos tecnológicos que consideram milagrosos, mas o

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exercício imediato de conhecimentos adquiridos que nãose ajustam à mentalidade dominante no campo, onde pre-tendem atuar.

Estamos metendo o homem numa casa, alocado numagleba de Morada Nova, do projeto de irrigação do DNOCS,sem compreender, possivelmente, que esse homem teráde romper com o passado, com as suas origens, – ajustar-se à localização geográfica, cultivar fruteiras, fazerhorticultura, certo de que é outra condição de vida queexperimenta, e já não será mais igual à maioria que pre-vendo a insegurança do clima, a presença da seca, jamaisse interessou no plantio de fruteiras ao derredor de suacasa. Em seu novo status social ele terá de desfrutar daterra, sem receio de emigrar, de repente, perdendo todo otrabalho realizado. Mas esse programa do governo federal,através do DNOCS, não obstante digno de louvores, é opor-tunidade para privilegiados. E o que se deseja, o que sesugere, é a conscientização oficial para que o governo aloquerecursos, também generosos, para as áreas secas. As pri-oridades, os setores de atuação, deverão ser planejados eexecutados, progressivamente, enquanto preparamos oureeducamos o agricultor e o pecuarista para a apropriaçãoadequada dos recursos que os cercam.

O sr. George F. Patrick, em seu livro DesenvolvimentoAgrícola do Nordeste (IPEAS/INPES, Rio, 1972) explica quePaiva e Nicholls, em 1963, verificaram que nenhum dosagricultores nordestinos utilizava fertilizantes químicos.“Nenhum dos 10 estabelecimentos visitados no Maranhãousava esterco e somente 4 dos 15 estabelecimentos doCeará, e 2 dos 15 de Pernambuco o utilizavam.” A seguir,escreve o autor citado: “No Ceará, nenhum agricultor usa-va fertilizante químico, embora 23,9% e 11,9% empregas-sem, respectivamente, os do tipo animal e vegetal.”

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Da mesma forma que funcionam associações reconhe-cidas pelo governo para incrementar o uso de fertilizantesquímicos, deveriam existir entidades assemelhadas queincentivassem o aproveitamento dos recursos naturais, deque dispomos: farinha de ossos, sangue, torta de mamona,estrume, lixo etc.

O problema dos fertilizantes e outras indicações

Em 1956, num dos melhores trabalhos já elaboradosem favor da economia do Ceará Aspectos da EconomiaCearense, (de responsabilidade do Conselho Estadual deEconomia, Fortaleza), pode-se ler: “Deseja-se realçar quea evasão de nutrientes dos solos pelas colheitas é muitogrande, que urge evitar o empobrecimento das terras e quedevem ser tomadas providências para recuperar os fertili-zantes do lixo, proibir as exportações de ossos, de tortasoleaginosas etc. Em sentido mais amplo, é recomendáveltomar em consideração outros fatores além da adubação,como: controle da erosão, a diminuição das queimadas, ouso do adubo verde e as práticas culturais.”

Adiante, está escrito: “A exportação de adubos ou dematérias-primas fertilizantes é inaceitável em face dasnecessidades das lavouras. O governo deveria proibir essaexportação, e, ao mesmo tempo, estimular a fabricação deadubos e o alargamento do mercado de fertilizantes paraque a iniciativa particular desenvolva este negócio. O meiomais barato de obter adubo é o aproveitamento do lixo.”

Em 1956, nós já estávamos pensando corretamente. Éverdade que hoje desenvolvemos projetos de experimenta-ção com fertilizantes químicos, mas esquecemos de enfatizaro emprego de outros tipos de adubação, aproveitando os re-

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cursos de que dispomos, que reforça o pensamento das pes-soas lúcidas, de que precisamos agricultar num primeiroestágio com os elementos e recursos disponíveis.

Muitos assuntos, por prudência nossa, deixamos deincluir neste depoimento encarecido pela FACIC; mas nãoseríamos tão impertinentes analisando o algodão comocultura que, por caminhos ponderados e desacertos admi-nistrativos, se não nos oferece hoje resultado mais pro-missor, garante ainda, de modo atávico, a sobrevivênciado boi nas estiagens prolongadas; – nem se deixe de referiràs indecisões da política agrícola dos últimos anos, man-dando erradicar cafeeiros na Serra de Baturité ... para pro-mover a mesma cultura depois; punir os que abatiamcarnaubeiras, antes, para autorizar a devastação daCopernicicia Cerifera, sacrificando-a no seu habitat para oadvento de projetos de irrigação, como o de Morada Nova.

Ao agricultor e pecuarista bisonho, que sou, vem jun-tar-se agora a personalidade do ecólogo, do homem des-pertado para o fato de que devemos utilizar os recursos eas forças de que dispomos para acelerar a agricultura e apecuária, mas sem romper o equilíbrio do nossoecossistema, – e alcançar o homem do campo, ofertando-lhe os instrumentos de que necessita – principalmenteeducação – para que possamos, com consciência tranqüi-la, proclamar que estamos realmente trabalhando para omaior incremento da economia do Ceará.

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Proposições

1 – Adoção de práticas conservacionistas em favor doequilíbrio ecológico;

2 – campanha educativa para modificar a prática roti-neira de queimadas, que degradam o solo e extermi-nam a flora microbiana;

3 – Maior incentivo e assistência á pecuária de corte deleite;

4 – Organização da bacia leiteira do ceará;5 – Erradicação do carrapato;6 – Aproveitamento da disponibilidade de áreas serranas

para o plantio do café;7 – Estudo de viabilidade de uma unidade de liofilização

de café;8 – Despertar o governo para subsidiar também as cha-

madas áreas secas;9 – Estimulo ao aproveitamento da adubação orgânica;10 – proibição da exportação de adubos ou de matérias-

primas fertilizantes.

(Trabalho apresentado ao 1.0 conclave Sobre Alter-nativas da Economia Cearense, a 15 de outubro de 1975,promovido pela Federação das Associações do comércio,Indústria e Agropecuária do ceará).

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COMPLEXO DE SECA E DESAMOR AO SERTÃO

VIIVIIVIIVIIVII

Concordamos que a ciência não ê o único modo

de percepção; que o poeta, o pintor, o dramaturgo

e o escritor podem, muitas vezes, revelar por me-

táforas o que a ciência não consegue demonstrar.

IAN L. MCHARG,O Transe

A terra não se faz velha,

Faz-se velho o lavrador.

JERONYMO CORTEZ,Lunário Perpétuo

Falta de uma atitude literária de melhor desempenhono Nordeste entre os mais recentes

A posição assumida pelos intelectuais, notadamentepor escritores responsáveis pelos trabalhos de ficção, noNordeste, nestes últimos anos, – possivelmente num es-paço que compreende três décadas pondo sob reserva, ouno índex, a chamada literatura das secas (a classificação

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alcança a própria literatura regional, de localização geo-gráfica definida), não ofereceu, salvo honrosas exceções,atitude literária de maior desempenho criador do que apreterida, não obstante a persistência ou desgaste do temacondenado.

Pareceu-nos cômodo e até dignificante, em certo mo-mento da atividade literária provinciana, repudiar a seca.Para essa ocorrência, que reflete um desequilíbrio clima-térico, imaginou-se que o silêncio, a omissão, poderia mini-mizar o problema, já que o poder público, consciente desuas obrigações para com as áreas de incidência daintermitência dos períodos chuvosos, se encarregaria demodificar ou lhe atenuar os efeitos.

De verdade, perdemos não apenas o tema – o da terraexaurida pela ardência solar de 12 ou mais meses segui-dos, fonte inspiradora de pequenos e grandes dramas quetêm voltado a suceder na atualidade, mas a opção de atu-ar obrigatoriamente, com intenção denunciadora ereivindicatória junto às classes responsáveis, para lhesmostrar que os prejuízos decorrentes da descontinuidadedos anos de águas abundantes não se vence com simplesevasão de interesse literário.

A análise das secas dentro do novo cenário

Veja-se a literatura do Ceará no último quartel deséculo, e o que se terá é o cotidiano da classe média,principalmente ao sabor reivindicatório político, ignoran-do os autores a ocorrência de três grandes secas do portedaquela que, balançadas as suas proporções no tempo eno espaço, inspirou Rachel de Queiroz a escrever o clás-sico do tema,

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O Quinze. Nem por isso, atualmente, a migração in-terna, forçada pela calamidade, não obstante a mobilizaçãode providências administrativas, efetuadas através domalhamento rodoviário, – deixou de existir.

Quem perde o chão que lhe garantia o sustento derotina numa prática agrícola primária, e é despojado, deuma hora para outra, de sua moradia tosca – mas labora-tório de amor, berço e oficina – compelido a deslocar-separa outra porção de terra, ainda que dentro de sua pró-pria área geográfica, experimenta a mesma contundênciaemocional dos retirantes que emigravam para o Amazo-nas, como o sertanejo João das Neves, personagem sofridodo romance O Paroara, de Rodolfo Teófilo, abandonandomulher e filhos, para, ao retornar, encontrá-los mortos.

Toda vez que nos debruçamos sobre a inquietude easpereza desse quadro, acode-nos a idéia de comparar oconforto de agora com o que experimentávamos, outrora,quando a comunidade não dispunha do recurso do ar con-dicionado e aí a sensação de bem-estar, de clima agradá-vel, tolerável, era a que se partilhava ao abrir uma janelaque permitia o contato com a aragem das horas amenasdo sertão.

Prevalece hoje a impressão de que a temperatura am-biente é mais incômoda, logo deixamos os locais onde fun-cionam os artefatos modernos que a modificam, atenuandoa influência do termômetro e nos levando a crer que o mun-do, fora de quatro paredes refrigeradas, ficou muito maisquente.

De verdade, é o que teria acontecido segundo o teste-munho de cientistas.

Essa apreciação, admitimos, é desimportante. Impõe-se apenas saber que os novos recursos técnicos oferecidosao homem da cidade, até certo ponto o foram também ao

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habitante do sertão adusto, que passou a experimentá-losao viajar de ônibus de ar condicionado (estamos na épocados “frescões”) e já demorou em salas refrigeradas de ban-cos, repartições públicas e cinemas. O ser humano queapreendeu as comodidades da civilização deve forçosamen-te achar, no auge da estiagem, sua casa ou sua paisagem.degradada, cenário de desespero, atordoante e cruel. Nãodevemos nem podemos raciocinar de modo egoístico quesó nós, citadinos, fomos influenciados pelos equipamen-tos e serviços que proporcionam bem-estar.

Retomemos o pensamento. O clima do sertão, ao lon-go de demoradas estiagens, afigura-se atualmente aindamais angustiante para quem sofre e sucumbe a seus efei-tos. Não terminaram as secas. Longe estamos de conse-guir ao menos uma estratégia capaz de colocar a região doNordeste totalmente livre dessa terrível ocorrência cíclica,que a desequilibra.

Nisso, estou com o pensamento do engenheiro-agrô-nomo Guimarães Duque, de quem aprendi sábias liçõesde amor à natureza: “Na América do Sul e também naÁfrica tem sido muito custosa a assimilação de novasformas de trabalho pela população rural. É preciso umapreparação. O técnico tem sido técnico demais; (O grifo énosso) tem-lhe faltado habilidade. Nós precisamos, an-tes de levar uma técnica, levar uma Ciência, conquistara amizade, a simpatia, a camaradagem e a cooperaçãodaquela gente (os sertanejos), porque eles são o grandebraço-motor. Milhões de famílias, que moram lá, na es-curidão da caatinga, e que nós, distribuindo sementes eensinando-lhes a plantar milho, feijão e arroz, lá ondehá seca, causando-lhes frustrações; eles já não acredi-tam mais no agrônomo, porque a lavoura é antiecológica,é uma fábrica de flagelados, é uma lavoura em que mais

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de 30% das horas de trabalho são em vão, porque nãosignificam colheitas.”

A seca não deixou de estar na preocupação de todos.Daí as sortes, as adivinhações, os prenúncios. A rigor, comoruptura da normalidade agrícola, é episódio funesto queameaça às vezes chegar antes do prazo que a tradição auto-riza. O governo, outrora, dispunha de condições para pro-telar, contemporizar com o sofrimento do povo; aguardar odia consagrado a São José, padroeiro dos cearenses, paradeclarar oficialmente estado de calamidade pública. Mashoje, a inquietação viceja em janeiro; toma corpo em feve-reiro, quando a pouca chuva mal abortou o pasto. Nemsempre o avião, que provoca precipitações artificiais, alte-ra o quadro que se instala, decorrido janeiro.

Em 1976, ao expirar abril, a estação das águas (ochamado inverno cearense) em pelo menos doze municípi-os do Estado, de grande extensão territorial, sofreuintempestiva paralisação. A região dos Inhamuns, onde ascondições pluviométricas são tradicionalmente avaras, asuspensão das chuvas apressou um quadro de maior trans-torno do que o provocado por uma seca, pois nesta situa-ção a maioria dos agricultores, precavidos, não chega ainvestir em sua incipiente agricultura de rotina.

No caso recente, além de sementes, perdeu-se a mão-de-obra exigida pelo arroteamento, ficando as áreas atin-gidas sem condição de enfrentar o desmantelo climáticopossivelmente mais desnorteante do que o provocado poruma seca oficializada.

É verdade que a SUDENE, reunindo recursos alocadospelo governo federal, ao correr de outras providências deordem financeira, respaldadas em escalonamento de dívi-das e concessão de novos reforços creditícios, acudiu a ali-viar as tensões sociais flexionadas perigosamente com

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invasões de mercados e dependências da administração demunicípios atingidos por flagelados famintos, desesperados.

Compreende-se, infelizmente, que o açude, as áreasirrigadas, a facilidade de comunicações viárias, a conscien-tização por parte do poder público, embora ofertados ouacionados com velocidade, não puderam ainda, de modoalgum, afastar a caracterização de calamidade em funçãoda ausência eventual de chuvas. Em última análise, a secaé situação não configurada só por falta de precipitaçõespluviométricas, mas pela descontinuidade destas.

Estamos equivocados ao imaginar que equipamentostécnicos, providências de ordem social, localização de ser-viços, garantia d’água represada, subsistência alimentar asalvo da influência do dono de fornecimentos (barracões),amenizaram todos os efeitos da seca e suas manifestaçõesmais agudas. O homem procriando injuntivamente, a en-cher vazios não providos de recursos assistenciais, conti-nua a ser um flagelado em potencial, capaz de constituiruma horda de famintos, bastando não chover comhabitualidade.

Nestes últimos anos, o administrador público nãoencontrou melhor fórmula de aplicação coletiva paraaproveitamento do homem, nos períodos de estiagem, doque a abertura tradicional de frentes de serviço. É evidenteque as frentes (estradas de rodagem, construção de açu-des, pavimentação de ruas, obras municipais etc. etc.) nãoestão, hoje, na dependência do coronelismo sertanejo, oude quantos, ao sabor do paternalismo dos governos deontem, aproveitavam a situação para desviar recursos queos enriqueciam.

No dia em que se escrever a história das implicaçõeseconômicas das secas no Nordeste, demonstrando ossegmentos da sociedade rural onde sua atuação se fez notar

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de modo cruento, certamente chegar-se-á à conclusão deque os mais abonados não pontificaram antes como per-sonagens infelicitados.

Agora, a ocorrência cíclica das secas não poupa nin-guém. Esmorece tanto o grande como o pequeno agricultor.

E o próprio Estado amarga o comprometimento desuas finanças, à falta de resposta à oferta crediticia, obri-gando a peticionar novos recursos federais – como aconte-cia ontem – para vencer as agruras do momento.

Como a inquietação de grupos flagelados pode incen-diar-se a estimulo de discordantes do regime, se próximosda capital, são mantidos à distância, e ai atendidos compresteza, não sendo liberadas aos órgãos de comunicaçãomuitas vezes as notícias de saque a trens e armazéns, queprocedem.

Vê-se que, em conseqüência, envolvendo problemas desegurança, as secas com os seus aspectos carenciais maisgraves mudaram para pior. Apenas está contida a ficção desabor regionalista, por falso pejo, enquanto se aperfeiçoa aliteratura oficializada, burocrática, que nem sempre ofereceaos estudiosos o enfoque exato, realista do problema.

O sertão violentado e o agricultor despreparado

Quem conseguiu, como escritor, analisar a seca den-tro desse novo cenário? Que pesquisador, advertido para oproblema, veio confiar-nos o que se impõe propor, ou quenovo conceito dever-se-á exprimir ante a ausência de chu-vas por tempo prolongado?

Ante essas e outras indagações, infelizmente cruza-mos os braços. Preferimos criar uma literatura em que oregional é manipulado sem o sentido descritivo que nos deu

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Herman Lima (veja-se qualquer página de Tigipió), pois apretensão é a de atingirmos o universal, renegando nossasdeficiências como se o clima de desnutrição que tornou gran-de Knut Hunsam (seu romance Fome é exemplo), não fosse,por outros caminhos, conseqüência da penúria, da máalimentação, da deficiência protéica que acomete o homemsob diversas condições em qualquer parte do mundo.

Ao longo dos últimos anos temos ajudado a civiliza-ção dos mass-media a violentar o sertão. Aceitamos que,de ano para ano, as populações interioranas se descarac-terizem, não obstante o esforço de abnegados estudiosos ede alguns órgãos do governo já agora preocupados comesse vezo universalista que nos toma a reboque de hábitose costumes de outras regiões.

Se a própria igreja não aglutina mais as pessoasimportantes da comunidade, que antes a freqüentavam pornecessidade não apenas de prestígio comunitário, mas pornecessária reconciliação com Deus, obviamente deixa deexistir como modelo para a gente simples, que começa a sedescuidar também da prática religiosa.

A rigor, a religiosidade está enquistada no Ceará nosbolsões místicos: – de Canindé, por ocasião das festas em lou-vor a São Francisco; de Juazeiro do Norte, na oportunidadedas comemorações da morte do pe. Cícero Romão Batista.

Como referimos em trabalho inserto neste livro, o inte-riorano ante o processo de rurbanização, acionado pelosmeios de comunicação, já não cultiva o tradicional sentidode convicção religiosa. A igreja comparece menos para con-solar-se espiritualmente do que para satisfazer o seu sen-tido biológico de sobrevivência. Até que ponto, reencetemoso raciocínio, o interiorano, notadamente o que exerce ati-vidades agropecuárias, modificou ou aperfeiçoou seus co-nhecimentos em favor da batalha da produção, como

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encareceu o presidente Ernesto Geisel (novembro de 1975),se como executor desse esforço não possui condições parapraticar a agricultura que lhe é requerida? Por quê? É evi-dente que o trabalhador rural permutou, incluindo na nor-malidade de sua existência, o animal de serventia domésticapela bicicleta; a alpercata de rabicho, de sola, pela sandá-lia japonesa. Apropriou-se do rádio-transistor para suprir-se de informações, deficiente que é em leitura; e, em casosespeciais, amealhou para comprar televisor, como ocorreucom os colonos privilegiados do perímetro irrigado de Mo-rada Nova, – mas por que não se tornou também sensívelao uso do arado de tração animal? não se dedicou à apli-cação de corretivos de solo? não se dispôs a plantar racio-nalmente? a irrigar no momento oportuno? a plantarfruteiras ao derredor de casa, o que não fez nem mesmocom os recursos do perímetro do DNOCS?

A mim me parece, sem ambicionar resposta objetivaou mais satisfatória a essas indagações, que estamos de-masiado preocupados em ensinar simplesmente o sertane-jo a ler, a proclamar que ele não é mais analfabeto,esquecidos de que devemos suplementar-lhe novos conhe-cimentos técnicos que o capacite a se tornar potencialmen-te equipado para a luta da melhoria dos níveis de produçãodo Estado, ensinamentos que deveria receber, tanto quan-to possível, com a tônica da camaradagem, de união, deorientação fraterna, lembrada por Guimarães Duque.

A paixão da terra e o idealismo de alguns

A paixão pela terra, o idealismo de alguns homens,tem deparado indiferentismo e dificuldades que as lidesagrárias oferecem.

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Ficou no vazio o discurso de Mário Sobreira deAndrade (agrônomo e poeta) por ocasião de sua formaturapela Escola de Agronomia do Ceará, em 1937: “Ali está aterra. Ali está a água represada pedindo valas que a con-duzam, ali estão as terras desertas pedindo mãos que atrabalhem. Ali está a minha paisagem, realidade aindaimponderável, realidade ainda ideal, – realidade que nósprecisamos construir.”

Quando se pensou, no Ceará, na administração doDr. Perboyre e Silva, à frente do Departamento de Educa-ção, na edição de obra didática a ser adotada nas escolasprimárias, Mário de Andrade deu-nos sugestões para osmesmos problemas que agora estamos a discutir, decor-ridos quase quarenta anos, propondo noções deagricultamento geral, formação, natureza e classificaçãode solos. Queria mais, que se explicasse aos alunos o queera um regime de águas, o que representavam fontes, riose açudes em face das nossas necessidades. Propunha quese ensinasse as razões e fundamentos da lavoura seca, ainfluência das matas na umidade e conservação dos so-los agrícolas etc.; rudimentos e orientação para o plantiode algodão, milho, cana-de-açúcar etc. Arrolou para opretenso manual didático conhecimentos sobre proces-sos pré-culturais e processos mecânicos de cultura e co-lheita; criação de bovinos, de caprinos e lanígeros,preocupação que hoje toma conta e empolga os técnicosdo Banco do Nordeste do Brasil, tema que vem sendo es-tudado ao longo desses anos, e que teve a melhor aten-ção de Octávio Domingues.

Mário Sobreira de Andrade pretendia mais; mostraraos alunos como se deveria dar combate às secas; comofazer funcionar, em favor das comunidades, o açude, o plan-tio de vazantes, a atividade de florestamento e de refloresta-

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mento, incluindo um tópico sobre plantações de cactácease árvores forrageiras resistentes a estios prolongados.

Praticamente, este o pensamento de um agrônomoconsciente de seu dever, que, diferente de muitos, mar-chou para o sertão onde desejou cumprir (ou tornar reais)os sonhos que acalentava para redimir a terra.

É o que exprimia, cheio de calor humano, de entu-siasmo, de responsabilidade e apego telúricos em dis-curso pronunciado na presença de delegados, emFortaleza, ao VI Congresso Nacional de Educação, reali-zado em 1934: “Sonhamos, um dia, redimir esta terra –a mesma que vedes, agora, nesta arrancada para a res-surreição pelo milagre do inverno. Era preciso tirar dosolo calcinado, das árvores mirradas, dos galhosesqueléticos – o pão de cada dia, a fim de que, do corporobustecido, não fugisse a glória das nossas últimas ilu-sões de raça idealista.”

Esse idealismo de 1934 vicejaria ainda, virente, emsetembro de 1967, nas linhas de apresentação do agrô-nomo Francisco Alves de Andrade ao seu livro Agronomiae Humanismo: “A marcha obtida para a agroindústria re-quer, no plano da crescente racionalização, uma novaordem de processos humanos, uma organização aguçada,não no sentido da cobiça competitiva, mas de uma eco-nomia francamente solidarista, isto é, profundamentehumanista e cristã”.

Infelizmente, não se pode fazer agricultura apenascom idealismo. Há de se ter a consciência exata dos pro-blemas dos que estão no campo (em 1970, de um total de1.255.440 pessoas economicamente ativas no Ceará,749.090 trabalhavam na agricultura) à espera de soluções,bronqueadas pelos processos rotineiros de arroteamento;por áreas extensas de solos semi-áridos; pela pouca dis-

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ponibilidade de solos úmidos, passíveis de irrigação inten-siva proporcionada pelo poder público; pela pouca ou quasemedíocre aplicação de adubação orgânica ou mineral; pelodespreparo de toda uma coletividade que se aplica aos tra-balhos do campo, a contribuir para a renda interna doCeará com 31,0, em 1973 (Informações do Departamentode Estatística do Ceará), contra 11,7 de recursos geradospela indústria e 57,3 de serviços.

Não se pode esconder o esforço do governo para mo-dificar o status econômico do Nordeste. A rigor, todo ocomplexo técnico e científico posto objetivamente a servi-ço do combate à seca, desde o tempo do IFOCS, passan-do pelo aprimoramento de estudos e dedicação de verbasdo DNOCS e, recentemente, da SUDENE, não conseguiuainda resolver em definitivo os problemas da região. Re-pita-se aqui o que escrevemos alhures: o conceito de fome,certo é, já não transcorre como aquele aceito pela litera-tura que despontou entre nós no começo do século, emque os personagens, representando criaturas flagradasno drama cíclico, exauriam-se à falta d’água ou de ali-mentos. A fome agora já não atinge apenas os que experi-mentam a escassez de chuvas; que não puderam colher oque plantaram em seus roçados. Estende sua açãoaviltante a uma população que não se localiza só nas áre-as rurais das cidades, mas nestas próprias, para ondetendem acudir as vítimas do flagelo, acelerando o consu-mo de estoques alimentícios.

Resumindo: ante esse quadro não se deverá consi-derar indesejável a seca como tema literário. Pode doer,transparecer repetição de miséria, de desnutrição; podeparecer clichê gasto, inatual, irreal, de comunidade re-almente infeliz. E é. Mas ainda assim o acontecimentodeve ser mostrado com toda a sua inteireza, vinculado a

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uma paisagem que pouco mudou e em que os persona-gens desses novos dias, também de cruenta incerteza,são parturidos das mesmas dores dos que sucumbiramantes sem deixar nome em endereço, – nem ao menosum indicativo para compor a estatística da morte; semganhar um monumento ao seu perecimento, como sol-dados desconhecidos e esquecidos de batalha que nãoterminou.

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LEGENDA ÍGNEA: DEVASTAR PARA AGRICULTAR

VIIIVIIIVIIIVIIIVIII

O fogo não constitui, em si mesmo, nemum bem nem um mal; é simplesmente umInstrumento à nossa disposição para mo-dificar os habitats em função da utiliza-ção proposta. Como no caso dos outrosmeios de ação do homem, o seu uso podeser bom ou mau. O seu abuso é semprepernicioso.

JEAN DORST,Antes que a natureza morra

Agricultura e devastamento. A Serra da Aratanhae as árvores

Subo a Serra da Aratanha a fazer o recenseamentodas árvores mais robustas que ainda se conservam de pé,como criatura que, de repente, lembra amigos e desejanomeá-los de memória. Não custa muito decepcionar-me,pois, em confronto com os meus antepassados, sou umagricultor que regrediu. Os que viveram antes de mim per-corriam esse mesmo caminho, sinuoso e duro, sob a copade uma floresta em que o pau-d’arco, o cedro, a

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maçaranduba pontificavam, dizendo da fortaleza da terra;de seus ares frescos, sadios.

Passamos todos, de fabricantes de móveis de madei-ra de lei, a fazedores de caixotes para embalar sabão, ouurnas mortuárias. Trocamos a floresta de cedros, demaçarandubas etc., por esta que encontro agora, de piroás,gameleiras e camunzés, em que a serventia se restringe, eo homem não se apercebe de que se tornou oficial de ummal ofício.

Fomos rebaixados em nosso oficio de carpina.Aqui estão os espécimes florestais de hoje: a

maniçoba, a gameleira, o torém, o pacotê, o pau-de-janga-da, o camunzé, a piúba, – e, entre estes, como um rarofeito de exceção a nos querer lembrar tanta imprevidênciacriminosa – um ou outro pau-d’arco altaneiro que, assimmesmo, por necessidades previstas, mais dia menos dia,será abatido de modo inapelável.

Sinto ir sobre os mesmos passos de Luiz Agassiz que,no último quartel de século, perlustrou esse trajeto quevai do pé da serra ao sobrado do Sitio Boa Vista, colhendoimpressão tão favorável: “O caminho da montanha é sel-vagem e pitoresco; ladeado dos imensos blocos,ensombrado de árvores e cheio dos sons argentinos daspequenas cascatas que saltam de pedra em pedra. Nesteclima, uma estrada assim interrompida por uma série derochedos, é particularmente bela devido ao vigor luxuri-ante da vegetação.”

E fala então dos jenipapeiros que observou: da carnaúba,da embaúba, do catolé – que hoje ainda ali é abundante – edo pau-d’arco, que, praticamente, desapareceu.

A mata que agora desponta, e que a conservo em pro-teção há mais de treze anos, vale tão-só como tentativa demelhoria do solo, mas está longe de alcançar o porte ante-

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rior que ostentava. Em sítios contínuos – salvo erro involun-tário de observação – a natureza mais se amesquinha, su-cumbindo dia e noite ao implacável machado que contentaa fome de corte, de destruição do momento, sem que odono das mãos que o maneja raciocine sobre os dias quevão sobreviver, com a terra exaurida.

E eu me pergunto: para que servem as comemora-ções do Dia da Arvore? Por que os brasileiros, em sua mai-oria, não levamos nada a sério e, muita vez, não sabemosde cor o próprio Hino Nacional? Por que vivemos a discutiros problemas que pertencem aos administradores do país,a Ministros e ao presidente da República, e esquecemosde solucionar os que nos dizem respeito mais de perto?

Formamos agrônomos ainda hoje como bacharéis deDireito, gente para tudo, para dirigir firmas comerciais,para escrever em jornais, para pilotar aviões – menos paraadvogar ou firmar-se na magistratura.

Metade dos agronomandos, todos os anos, fica semsaber o gosto de plantar uma árvore, de preparar um can-teiro para semear horta de fundo de quintal. Muitos, ja-mais, meterão a mão na terra, ou nunca saberão o prazerde morder o rebento de um talo de capim viçoso, de proporum plano de proteção para o solo sob ameaça de erosão.

Essas idéias podem ser consideradas pessimistas.Acodem-me à leitura de sério e útil roteiro para quem seinteressa por problemas de reflorestamento: o manual doagrônomo Bastos Tigre (Guia Para o Reflorestamento do Polí-gono das Secas), que, vivendo em Fortaleza, é dos rarosprofissionais atuantes, aos moldes de Guimarães Duque,Esmerindo Parente, Francisco Alves de Andrade e outrosmais cujos nomes me escapam na oportunidade, que nãose desfez do amor à terra, cada vez mais firme em suaspreocupações técnicas e humanísticas.

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Dizem – e proclamei antes – que está faltando quemdeseje plantar gêneros de subsistência. Porém, conside-rando bem, o mais grave de tudo é não nos convencer-mos de que não pode existir civilização sem pastos eflorestas. A terra desnuda nada nos tem para dar; – nemcapim nem água.

Quando a madeira se acaba, é bem certo que estáperto de também acabar-se o cabo do machado...

A esse comentário, publicado a 25 de outubro de1964, em Unitário, aduziríamos posteriormente outras ob-servações que achamos pertinentes. A premonição de quecortando árvores, impedindo o curso de rios e riachos, aca-baria redundando em prejuízos para a comunidade, não éinstinto cultivado agora. Vem desde os tempos antigos.Bastou o homem verificar que as nascentes fraquejavam,que a vegetação robusta, parte fundamental de um equilí-brio ecológico, era injuriada pelo machado, para cientificar-se de que persistir na abusiva prática de violentar aNatureza, culminava com a destruição irreversível de seupatrimônio fundiário, os recursos naturais.

Nem por isso deixamos, até hoje, de proceder comoirresponsáveis depredadores. Se índios e civilizados(como se verá adiante) acudiam-se do fogo, para provo-car queimadas, acabamos todos, em muitas regiões domundo e, notadamente, no pais, a persistir no condená-vel exercício de preparar a terra com fogo, incendiandoo restolho ou a própria mata para facilitar a exploraçãode pastos e roçados.

Ao longo de leituras temos procurado conhecer asreações dos que, de bastante tempo a esta parte, têm-seinsurgido contra o uso do fogo, profligando o empregode métodos empíricos para arroteamento. E deparamosa compreensão dos prejuízos que o procedimento nocivo

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provoca nos nossos escritores categorizados, principal-mente naqueles que conviveram com as comunidadessertanejas.

Marcos Antônio de Macedo será um destes. Profligouas queimadas, admitindo que a própria criação de gadossoltos deveria ser “severamente proibida no Cariri, prin-cipalmente na aproximação das nascentes e chapada doAraripe. Nas faldas da montanha ela se converte no mai-or flagelo, que se pode opor ao desenvolvimento da agri-cultura, e sobre a chapada traz a necessidade doaniquilamento das florestas pelos incêndios destinados àrenovação dos pastos”.

O profeta de Lendas e Canções Populares,seu protesto e testemunho

Desse modo pensava o estudioso em 1871. E coinci-dentemente, na mesma época, filho de serranos(Pacatuba), o poeta Juvenal Galeno, ao publicar CenasPopulares, após descrever a queima de um roçado (veja-se Dia de Feira), figura o protesto da natureza que imagi-na erguer-se a exprobrar os homens cruéis que martirizamo arvoredo, rematando logo em seguida com a declaraçãoque merece reproduzida: “Parece-me que se a senhoraNatureza tivesse imprensa e jornal, alcançaria mais es-crevendo artigos contra o governo que não facilita ao po-bre povo da lavoura o ensino e os meios de arar e adubaro terreno, aproveitando assim o mesmo chão para as plan-tações, todos os anos, sem destruir portanto as matas; econtra os homens abastados e instruídos, que não se asso-ciam, como na América do Norte, para realizarmelhoramentos de tamanha importância, que o governo

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esquece em sua inércia e desamor aos interesses nacio-nais. Nos referidos artigos, podia a publicista lembrar quenão podemos dispensar madeiras de construção e lenha;que ambas estas coisas vão progressiva e espantosamen-te se extinguindo; e que nesta marcha chegaremos aoestado de importar lenha do estrangeiro, como já impor-tamos palitos, tábuas, arroz e toucinho.”

Exagero do autor de Cenas Populares? Para o tempo,talvez. Mas, hoje, se não sofremos a situação vexatória denão dispor de lenha abundante para fogão na área rural,por exemplo, em muitas regiões da Ásia, África e ibero-amé-rica, as coisas já vão de mal a pior. Para um especialistafrancês em silvicultura, que trabalha na Nigéria, as famíliasde trabalhadores que moram em Niamey, comarca situadana zona da África Ocidental, castigada pelas secas, gastamatualmente a quarta parte do que ganham para adquirirlenha. O pior ocorre na Índia, que, à falta de lenha para osfogões, o esterco de gado é utilizado em substituição, crian-do-se assim um círculo vicioso: “a escassez da madeira obrigaos camponeses a queimar mais esterco como combustível,privando os campos, arroteáveis, de um adubo, e em decor-rência da prática, baixa a produção de alimentos, que, aseu turno, obriga os lavradores a arrotear terras mais dis-tantes, em bosques inclinados, aumentando assim o perigoda erosão e dos deslizamentos de terra.”

A legenda ígnea � sua origem e os homens

Não pára aí a informação a respeito desse tipo de depre-dação. Os camponeses da Coréia do Sul, situados em terraselevadas, já agora cortam ramos verdes, árvores e arbustosem crescimento, para aproveitá-los como combustível.

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José Júlio de Albuquerque Barros, que designadopelo então presidente do Ceará, Francisco IgnácioMarcondes Homem de Mello, representou-o na Corte, porocasião da Exposição Nacional (outubro de 1866), publi-cava, em 1877, o Relatório e Catálogo da Exposição Agrí-cola e Industrial do Ceará em 1866 (organizado pelorepresentante da mesma província na Exposição Nacio-nal, Tipografia Perseverança, Rio), no qual se tem aamostragem do que era o Ceará em suas atividades agrí-colas e industriais a 44 anos do inicio do século. A quei-ma da terra, para preparo de roçados, supria “em geralqualquer adubo”. Não era conhecido o arado, pelo menosé o que se presume, pois o machado, a foice, a enxada,àquela época, são os únicos instrumentos de trabalho,do lavrador, nomeados pelo recenseador ilustre.

Nessa ocasião, a província não possuía mais grandesáreas ematadas (pág. 31, ob. cit.): “o fogo e o machado astem devastado.” Depois de descrever os costumes da quei-mada de matas virgens, da derrubada de carnaubeiras,etc., o autor declara – o que nos parece discutível, masaceitável como forma de amenizar junto à Corte o evidentedisfarce do nosso agricultamento – que “felizmente o errojá está na consciência pública, e começa uma tendênciareparadora”. Adiante: “Os lavradores já reconheceram queas matas são necessárias para manter o húmus do solo.”

A não ser um exemplo ou outro de dedicação à natu-reza, exercido por agricultor consciente, despertado paraesses problemas, as coisas marchavam para o mesmodescalabro, haja vista ao que nos relata Antônio Bezerra,por volta de 1844 e 1855 (in Notas de Viagem, ImprensaUniversitária, Ce., 1965). Enquanto destaca o esforço deum certo senhor chamado João Cordeiro, na Serra deBaturité, plantando milhares de árvores lenhosas e de fruto,

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lembra que se devia reprimir “o hábito selvagem de deitarfogo nos campos, em que não raras vezes se estraga amata...” Em 1861, o botânico Francisco Freire Alemão, aoreportar-se a Considerações Gerais Sobre o Agricultamentoe seus Produtos Industriais (citado por Renato Braga – His-tória da Comissão Científica de Exploração) Imprensa Uni-versitária do Ceará, 1962), afirmava: “Não se deve esperarde mim que entre nesta parte em largas considerações detecnologia agrícola, para o que me faltam habilitações emteoria e prática. Ainda menos me entregarei a lamentaçõesestéreis sobre o passado e presente de nossa lavoura. Edigo da nossa lavoura, porque quanto eu tivesse de dizer arespeito da do Ceará, referir-se-ia a de todo o nosso Pais.Por todo ele a cultura é costumeira...”

Não precisamos ir longe para comprovar o raciocíniode Francisco Freire Alemão. A comissão diretora da Expo-sição de Pernambuco (também por volta de 1866), depoisde registrar que aquela província “não conta pequena va-riedade de excelentes madeiras”, rende-se à confissão cons-trangedora de que “derrubar, queimar e plantar tem sidogeralmente a marcha do agricultor, que sugando, em re-petidas plantações, toda a força produtiva da terra semnada lhe emprestar, vai abrindo novos campos”. A seguir,profético, afinando pelo pensamento, até certo ponto, deJuvenal Galeno “E tempo virá em que os elevados preçosporque pagamos as madeiras da Província nos obriguem aprocurar no estrangeiro mais esse material das nossasconstruções.” (In O Diário de Pernambuco e a História Soci-al do Nordeste, José Antônio Gonçalves de Mello, EditoraO Cruzeiro, 1975, pág. 228).

Resta definir de quem herdamos o expediente de incen-diar o mato para facilitar o desbravamento de áreas passí-veis de agricultamento. Dos índios? Dos portugueses?

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Autores de nomeada atribuem a prática condenada aoaborígine, mas outros, com dados que nos parecem irrefu-táveis, dão conta de que os portugueses se utilizaram dofogo, entre nós, porque o faziam antes de aqui chegar. Um eoutro exerceram a queimada. Foram predadores juntos.

João Dornas Filho (Aspectos da Economia Colonial,Itatiaia, Belo Horizonte, 1934, pág. 248) transcreve a in-formação do historiador Henrique de Barros (Ensaio Sobrea História da Colonização Metropolitana), que colheu artigopublicado em revista de Lisboa, Seara Nova, de 4 de feve-reiro de 1939, no qual se pode ler que D. João II, regentedo Reino, “escrevera aos moradores da Vila de Pinhel, emoutubro de 1475”, porque tinham dito aqueles que na vilahavia muitos “partieiros e cortiçais” que “já em outro tem-po, foram vinhas”. Restavam, então, em abandono. O matocrescia ali, livre, onde iam refugiar-se porcos e ursos emais alimárias, pondo em perigo a população e oferecendoobstáculos à agricultura. A esse desmantelo juntavam oshabitantes da vila o fogo, quer casual, quer lançado com ointuito de trazer à cultura – como nos relata a seguir JoãoDornas Filho – ou de fabricar carvão ou vidro, ou simples-mente de renovar o mato para pastagens, chegando aoextremo de não contarem mais com as vinhas.

Também João Domas Filho leu na História Racial doBrasil, de Almaquio Diniz (pág. 144), que, em 1416, as ilhasCanárias foram desbravadas pelo fogo posto em suas ma-tas, ao intento de situar-se a agricultura da cana-de-açú-car. O incêndio “durou sete anos”.

Se o colonizador ensinava ou não o indígena a des-truir a floresta, é questão de somenos importância. Nãodiminuirá a posição em que avultou o problema aos olhosdaqueles que, com mais lucidez, constataram o compro-metimento de nossos recursos naturais, a ponto de, por

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volta do século XVIII, já começarem as próprias autorida-des a se preocupar com as terras continuadamente mal-tratadas pelo uso abusivo do fogo, pelo seu esgotamentoprogressivo. Engenhos, por essa circunstância, chegam aparar, lemos em Calo Prado Júnior (História Econômica doBrasil, Editora Brasiliense, 6.a edição, 1961, págs. 89 e90), quem nos informa igualmente que a “devastação damata em larga escala ia semeando desertos estéreis atrásdo colonizador, sempre em busca de solos frescos que nãoexigissem maior esforço de sua parte”. As providênciasentão tomadas não seriam por amor à agricultura ou àsreservas florestais, mas em função dos interesses da Mari-nha Real, para que não faltassem a esta madeiras para osarsenais... (Ibidem, ob. cit.)

Já recentemente, com a utilização do gás butano en-garrafado, no Nordeste, imaginou-se findar a espoliação aque sujeitávamos a terra, principalmente no Ceará. Sabe-mos agora, para desprazer nosso, conforme pronunciamen-to do deputado paulista Farias Lima (veja PoluiçãoAmbiental, Câmara dos Deputados, Comissão de PoluiçãoAmbiental, Brasília, 1975, pág. 280) que “a matrizenergética brasileira demonstra hoje que 44% da energiado País tem origem na queima da lenha. Se essa lenha eessa madeira é queimada, 44% da energia do nosso Paístem como fonte a madeira. Isso significa desmatamento”.

O parlamentar, que presidiu com raro brilhantismoos trabalhos da Comissão Especial Sobre PoluiçãoAmbiental (1974), nos proporciona melancólica observa-ção: “As grandes siderurgias mineiras usam a lenha comomatéria energética.”

Aprende-se, ante esse testemunho, que a prática per-siste. Não ocorre apenas combustão de matas ralas ou dedeterminadas áreas de revestimento florístico para o pre-

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paro de terras agricultáveis. A mata é derrubadaimpiedosamente, para haver carvão não só para uso do-méstico... mas para alimentar os fornos das siderurgiasmineiras, fazedores de desertos.

A propósito do aproveitamento de madeira, de lenhapara produção de calor ou obtenção de energia, remete-mos o leitor a João Brígido, destemido jornalista cearense,fundador de Unitário, que, em 1906, em artigo publicadonesse jornal, analisava a situação do corte indiscriminadode lenha para combustível, advertindo-nos que enormestrens entravam “cada dia em Fortaleza carregados de ma-deiras para o fogo”, e o consumo estava a crescer cada vezmais. Pelo gasto deplorado respondiam, em parcela me-nor, as locomotivas da então Estrada de Ferro de Baturité.O articulista calculou que o consumo das máquinas ficava“num quarto do das máquinas a vapor a serviço na cidade,e em muito menos o consumo de vinte padarias, que estãoem atividade, e num centésimo o gasto das cozinhas quefumegam”.

Embora contemos atualmente com uma legislaçãopara deter esses abusos, o órgão responsável pela fiscali-zação, no caso o IBDF, não tem condições apropriadas paracoibi-los.

Certo é que o desmatamento ficou bastante aliviadocom o advento do gás butano. Mas será, talvez, impossívelprecisar a quantidade de madeira que destruímos, anual-mente, no Ceará. Ontem, como hoje, apesar de nosso adi-antamento tecnológico, continuamos a saquear a natureza,a depredá-la, raspando as faldas das montanhas, elimi-nando sua vestimenta centenária, natural, para a implan-tação de novas culturas.

O Dr. Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, em 1922,deplorava existirem extensões enormes de terra abando-

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nadas “ou barbaramente exploradas, pertencentes a ho-mens de fortuna e até de cultura. Fazia-se, àquela época,agricultura e pecuária sem planejamento, sem capital; semconhecimentos técnicos e processos atualizados.

Parece que não conseguimos mudar muito. Estamospermanentemente diante dos mesmos problemas. Só quese impõe tomar ânimo e raciocinar como referiu certa vezLouis Bromfield, citado por Saint Pastous: “Não existemterras esgotadas, mas homens esgotados.”

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MODIFICAÇÕES DO COMPORTAMENTOSÓCIO-RELIGIOSO DO SERTANEJO

IXIXIXIXIX

O que competia a sacerdotes e reis decidir quanto

ao que convinha ao povo, hoje cabe aos proprie-

tários dos meios de comunicação de massa.

BEN. H. BAGDIKIAN,Máquinas de Informar

As mutações do comportamento humano da cidadeao campo

Até que ponto o imediatismo da vida, um quer queseja de materialismo, influenciou as modificações docomportamento do nordestino, não será assunto para es-gotarmos agora. Conscientizemo-nos, no entanto, de queas alterações sociais, a pouca permeabilidade às tradiçõesque enfraquecem ante a influência inevitável da moder-nidade atual, dão ao homem, no decorrer do dia que seprolonga até a hora de recolher, poderosos suprimentosde ensinamentos exercidos pelos meios de comunicação,que se institucionalizam. A voz do comunicador que, an-tes, era o pregador que arrebatava, ditando normas de bemviver, – como se comportar, como vestir, como usar a igre-

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ja para ganhar o reino de Deus, como batizar os filhos ouenterrar os mortos –, de forma contrita e solene começou adar sinal de debilidade ao permitir a sua amplificação. Jánão lhe bastava falar humanamente ao coração dos fiéis.Fazia-se necessário utilizar, para melhor convencer ouabranger número maior de pessoas, o artifício eletrônicodos tempos anunciados pela imaginação julioverniana deArthur C. Clarke, que previu o advento dos satélites decomunicação.

O homem podia ter amásias; tinha-as. Podia ser infiela Deus, e era. Mas temia os preconceitos da sociedade emque vivia. Ligava-se a um misticismo que parecia imbatívelpela influência da hagiografia que lhe ditava o nome. O santo,do dia em que nascia, quase sempre se ligava à sua vida,para envaidecimento da família. De cinqüenta eleitores quevotaram no 3o distrito do Crato, em 1870, no colégio damesma vila, trinta e dois chamavam-se José, João, Pedro,Antônio, Manoel, Raimundo, Francisco, Joaquim etc.

Os meios de comunicação, posteriormente, criaramos olimpianos, seres que não são santos mas deuses oufiguras extraordinárias que estão próximos do homem e oinfluenciam de todas as formas; – quando folheia uma re-vista, acompanha o noticiário internacional da televisão,ou segue, como faz já agora o trabalhador rural, as infor-mações emitidas pelas estações de rádio.

A Igreja sofre repetidas crises. A Barca de São Pedroas tem tido, naturalmente, através dos tempos, e a todas –por oportuno se acrescente – vencido, ao intuito de pre-servar protegida a vocação espiritual do homem. Nenhu-ma crise houve, eis a verdade, tão prolongada como a queassistimos, em que o perigo são padres dissidentes queabandonam a batina e, quando não o fazem, em muitoscasos, assomam aos púlpitos ou vão a comícios pregar uma

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nova ordem que extrapola do sentido espiritual para o dozelo social e político.

Daí a desimportância crescente dos santos, a redu-ção do número desses que findaram desapeados da glóriados altares, cassados pelo poder do Papa. Descem santos;sobem olimpianos. Diminuem, de forma considerável, osJosé, Pedro, Manoel, Maria, Francisca, Madalena, em tro-ca de nomes mais sofisticados: Eneida, Divanira, Evilásio,Beatriz, Marluce; ou Everardo, Hildebrando, Genésio,Germano, Guilherme etc. O nome ditado pela folhinha docalendário autorizado pela liturgia esvai-se. A Igreja tempressa de se dar, de interferir em questões que não lheparecem próprias. E, por isso, vai adiante. Some-se a in-genuidade do matuto, bisonho, que, como nunca, podeapreciar a beleza das grandes deusas da televisão e docinema, ou os seus heróis, os mais diversos; corredores deautomóveis, jogadores de futebol etc. etc.

A Igreja sente e aceita as dificuldades. É preciso com-petir. Despe-se do latim; quer falar a linguagem que sensi-biliza o coração do homem comum. Vai além. Oferta-lhe aopção de horários. Perdoa a quem não comparece à missado domingo, desde que a assista no sábado. A missa éoficiada pelo rádio; dita, vivida na televisão. Vai ao mundointeiro, pelo satélite, porque a Igreja sente que tem de com-petir com os mais variados missionários do materialismo:produtores de filmes para o cinema e de novelas para atelevisão; de jornalistas sociais que promovem os potinsinternacionais, favorecendo a projeção vaidosa, do homem,e das qualidades que o dinheiro autoriza.

O nudismo é forma de convencimento. O nu está nafigura longicaule de Jacqueline Onassis; no convite inter-dito de estudantes da Faculdade de Medicina do Ceará(1972); na abertura da revista Médios de Comunicación

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Social, editada pela International Petroleum Limited(Columbia, 1972); em ocorrências na ilha de Wight, ou naAlemanha Ocidental onde “Rose-Rosy” é uma das atrações(naturalmente despida), da 1.a Feira do Sexo daquele país.

As manifestações populares, legítimas, herdadas, –degradam-se. Os ginásios cobertos ensejam novos tiposde espetáculos: desfile de misses, apresentações de shows,festas de caridade, bailes comemorativos. Vão-se para amemória, repousar no assentamento dos saudosistas, asexibições entranhadamente nossas, como o bumba-meu-boi, cheganças etc., enquanto, de forma tímida, ainda seconservam as festas juninas, as fogueiras (artificiais), umaou outra lapinha, tudo sob a pressão aniquiladora de umprogresso que nem sempre veste o homem conveniente-mente ou lhe dá a necessária tranqüilidade de viver cir-cunscrito às suas tradições.

Os nordestinos que têm nome de santo, que percor-rem caminhos para buscar a saúde perdida, em Canindéou em Juazeiro do Norte, apenas menos de cinco por cen-to querem confessar-se ou comungar. Acrescente-se outraobservação, extraída como a anterior, do relatório de freiAntônio Rolim (Levantamento Sócio-Religioso daArquidiocese de Fortaleza, 1968): “Dos romeiros de Canindé,que moram em cidades, 33% vão à missa aos domingos,de acordo com os dados de nossa sondagem. Mas 86%acusam uma religiosidade nascida e alimentada por moti-vação de ordem biológica e não espiritual.”

Continua assim o sertanejo pobre cada vez mais pas-sível da influência dos novos tempos. É mais fácil ter umabicicleta, por exemplo, do que um burro. Onde passa oasfalto, acaba-se, em menos de um ano, toda a qualifica-ção, hoje inoperante, da montaria sertaneja, estudada porGustavo Barroso em Terra de Sol.

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Os tipos de cavalos ruço, cabano, faceiro, encapota-do, marchador, galopeiro, resistem apenas sob o poderdaqueles que ainda podem dispor de milho e bom pasto. Abicicleta, convenhamos, é o cavalo do pobre dos nossosdias. E o rádio de pilha, transistorizado, seu catecismo.Por ele, pode não ir a Deus, mas vai ao conhecimento dasnovidades que o mundo oferta diariamente; às noticias queo atualizam em suas reivindicações sociais; às informa-ções que o fazem mais desconfiado ou perspicaz à fala dopatrão, que, não obstante dispor de mais elementos deelucidação (jornal, rádio, televisão, cinema), em profusão,muitas vezes custa a compreender as mutações vigentes àsua volta.

No sertão, quando falha o padre, ou o missionárioprotestante – (estamos assistindo a uma grave situação deanormalidade do comportamento cristão, com inusitadadeserção de religiosos, frades, freiras e pastores) –, a orien-tação moral fica sem responsabilidade certa. Esse traba-lho naturalmente prossegue (trabalho de evangelização)orientado por visitadores sociais, por leigos, professores,por clubes de serviços, por tipos ainda não bem definidosde missionários de denominações religiosas desconheci-das, confluindo todos, afinal de contas, para o soerguimentoda Fé, da própria Igreja – que ocorrerá um dia.

O bem-estar humano, a terra e a educação

Em contrapartida, resta o sertanejo mais vulnerável,menos temente a Deus, sujeito a filosofias doutrináriasque acenam o bem-estar, terra e fartura, tudo aquilo quesantos e padres prometiam para premiar os justos na vidaeterna de irreversível bem-aventurança.

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A verdade é que no sertão o sistema de evangelização,tradicional, em face da influência das novas opções dostempos modernos, sofre ruturas cada vez maiores. O ho-mem será o mesmo; puro, bem intencionado, honrado,crédulo, mas igualmente, como todos nós, sujeito à con-juntura do ambiente em que vive. É dono de bicicleta erádio, mas deficiente nos rudimentos de higiene domésti-ca, descuidado com o seus próprio asseio, e, quase sem-pre paupérrimo. E assiste, num estado de prostração, àesclerose da pregação de princípios religiosos, permeávela mil e uma influências estranhas à sua maneira de exis-tir. O filho do fazendeiro não deseja mais ser padre. Poroutro lado, os seminários se tornaram raros. Agora ele quervir para a cidade, para a capital. Formado, sepulta as liga-ções telúricas com o seu próprio meio ambiente. Torna-semédico, advogado ou agrônomo de asfalto.

Daí por que o interesse biológico (não no sentido depenúria física, de falta de assistência médica, mas tambémsocial e afim) faz com que o sertanejo, mesmo sob os signosde sua civilização, – o asfalto, a bicicleta, o televisor, o rádiode pilha, – continui a procurar os santuários, a contribuir,para formar, anualmente, pelas estradas, as correntes deperegrinação a Canindé, Juazeiro do Norte etc.

Estamos todos assistindo, portanto, a uma crescentemodificação nos hábitos da coletividade sertaneja. Na ex-tensa região que habita, o rurícola se ressente, hoje, maisdo que nunca, do amparo da Religião. Supersticioso comoé, fixado por crendices que o tempo arranha mas não des-faz totalmente, carece de convivência, de afeto, de assis-tência, de quem valorize o seu passado e a sua atuação nopresente. O vácuo deixado pelas formas tradicionais deevangelização é enorme, profundo, cruel. Se não lhe dão,imediatamente, educação, adestramento para que aper-

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feiçoe suas condições técnicas e não se conserve peso mortona sociedade, poderá transformar-se em fácil campo decultura para fermentações de ordem política.

Com o desmerecimento do hagiográfico religioso,começou a grande mutação do homem rude do sertão.

O resto está sendo apenas uma conseqüência da per-da do poder orientador da Religião, o que é realmentelamentável.

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ENERGIA EÓLIA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA EPERSPECTIVAS DE SUA UTILIZAÇÃO

xxxxx

... desine fata flecti sperare precando.

VIRGÍLLO,Eneida

Não há nenhum homem que tenha domínio so-

bre o vento para o deter...

ECLESIASES, 8:8

Os cataventos tradicionais. O vento como geradorde energia

O catavento, durante muito tempo, esteve de tal modoincorporado à paisagem cearense, a ponto de não escapardessa definição circunstancial nem mesmo a cidade de For-taleza, onde até recente predominaram os moinhos de ven-to, de estrutura metálica, para abastecimento d’águaresidencial.

Os funileiros (chamados no Ceará flandeiros), ofici-ais de ocupação popular há trinta anos, ganhavamestipêndio a mais vendendo às crianças miniaturas des-

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sas rudimentares máquinas de elevar água. Não raro tam-bém o comércio de cataventos de papelão, simples lequede palhetas montado em vareta, e, como aqueles, destina-dos a satisfazer a emoções lúdicas.

Essas e outras recordações hão de ter prevalecidoem mim tão decisivamente que me tomei de ânimo paraparticipar do III SENIR (Seminário Nacional de Irrigação eDrenagem, realizado em Fortaleza de 16 a 22 de novembrode 1975) com contribuição, conquanto modesta, relativa aestudos e avaliações quanto ao aproveitamento no Cearádos generosos recursos eólios de que dispomos. Se comoestá na Bíblia o homem não pode deter o vento, pelo me-nos aqui tem ideais, condições para aproveitar sua força.

Por um vezo tecnicista a assuntos tradicionais, nãoconstou do temário do III SENIR a energia eólia, mas asolar, compreensível a inclusão desta pela proximidade deexperiências efetivadas na Paraíba, há pouco tempo, e pos-teriormente desativadas, pelo menos na ambição de dota-ções orçamentárias, por determinação do próprio Ministrode Minas e Energia.

No entanto, estudos de aproveitamento da energiaproduzida pelo vento estariam, com mais freqüência, naspáginas de jornais e revistas, como, por exemplo, o quepublicou a revista Ciência & Vida em que o autor relembraa preocupação da NASA e NSF, desde 1973, para desen-volver “pesquisa da energia eólia”, além de descrever algu-mas máquinas e equipamentos já em funcionamento comoo Noah, de 55 Kw, 50 Hz, construída na ilha Sylt (Alema-nha), referida também na revista Scala (no 10, 1975), dadacomo produtora de “energia elétrica suficiente para cobriras necessidades de cinco casas de família”.

O projeto maior e mais caro de energia elétrica (“in”Ciência & Vida) é o Mod-Zero (NASA / NSF), “um moinho

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com 37 metros de diâmetro”, do qual se aguarda a geraçãode 100 kws.

Estas e outras informações colhidas em diversaspublicações me alentariam ainda mais, robustecendo aidéia de que, ao elaborar estudo sobre energia eólia para oIII SENIR, eu não estava afastado de modo algum da reali-dade do problema, não obstante o interesse nosso, naque-la ocasião, fosse especificamente o do aproveitamento dovento para a irrigação e não para a obtenção de energiaelétrica, opção mais ousada e, possivelmente, mais válida.

Com uma ou outra alteração, o que se segue foi acontribuição que encaminhamos ao III SENIR, entãovocacionalmente voltado para os estudos de energia solar,em razão, – deduzimos por conta própria – dos experimen-tos levados a efeito na Paraíba. Valerá este trabalho comosubsidio a estudiosos mais capacitados.

Cataventos de carnaubeiras. A apropriação daenergia eólia

No verbete Limoeiro do Norte (pág. 357), o volumededicado ao Ceará pela Enciclopédia dos Municípios Brasi-leiros (1) assim descreve o Baixo Vale do Jaguaribe: “Nasmargens dos rios se localizam inúmeros sítios, irrigadospor moto-bombas e cataventos construídos de madeira(processo regional e rudimentar), onde são cultivadas vá-rias qualidades de fruteiras.” Na página 354 vê-se a repro-dução fotográfica dessas máquinas, no total de oito, com alegenda: “Cataventos na planície do Vale do Jaguaribe.”Ilustrando os aspectos regionais de Aracati, a mesma pu-blicação reproduz foto de uma salina cuja água é movi-mentada por catavento (pág. 54), e duas paginas antes nos

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apresenta o flagrante de um outro tipo de catavento, daregião, também fabricado com o fuste da carnaubeira.

Essas máquinas simples, rudimentares, feitas paraaproveitar a energia eólia (são constantes os ventos, na re-gião, no período que vai de julho a dezembro de cada ano),movimentam bombas aspirantes ou de diafragma, de ferrofundido, propiciando à área do sertão do baixo e médioJaguaribe, por cada uma máquina em serviço, a irrigaçãode pelo menos 1.250 metros quadrados (1/8 de hectare).Na Fazenda Jaguaribe, em Russas, existem dois cataventosde carnaubeira, pois estes é que desejou possuir o proprie-tário e fundador, jornalista Assis Chateaubriand. Puxamágua do álveo do Jaguaribe e a elevam a vinte metros dealtura manométrica, suprindo um grande tanque, que abas-tece aviários com capacidade para cinco mil poedeiras, eatende às necessidades domésticas de caseiros.

O francês E. Aubert de La Rue (5), em 1954, ao pas-sar por Mossoró, registrou: “De puissants cataventos,énormes roues éoliennes mues par les vents dominantsdu nord-est, élèvent l’eau dans les bassins de décantátion,consolidés à la périphérie par des troncs et des palmes decarnauba...” O engenheiro-agrônomo Pimentel Gomes, re-centemente desaparecido (5), escreveu: “No baixoJaguaribe, no Ceará, há um número avultado de moinhosde vento que aí irrigam pequenos pomares nas aluviõesfertilíssimas. Desenvolveu-se na região uma indústria do-méstica de moinhos de vento rústico feitos com estípitesde carnaubeira.”

O aproveitamento da água, para acionar moegas,vem dos tempos de Cícero (8). Na Pérsia existiam porvolta do ano 634 de nossa era (7). A mesma fonte regis-tra que Mabillon, na França, construiu o primeirocatavento para puxar água em 1105. No ano de 1439,

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“num país de tradição no uso de moinhos, como a Holan-da, surgiu o tipo holandês

Com o francês Bertón surgiriam as palhetas e em 1842Amedeo Durand “aplicó paletas de madera a 6 alasplegables automaticamente con contrapesos.” Na Argenti-na (7) os moinhos de estrutura de madeira surgiriam de-pois de 1880, quando já existiam no Uruguai, conquanto,para moagem, funcionassem desde o final do século XVI.

A apropriação da energia eólia demoraria a chegar aoBrasil, para substituir, em parte, a atividade dos monjolosque, entre nós, despertaram sobremodo a atenção deviajantes ilustres, como Augusto de Saint-Hilaire (9).

A história da indústria (8) está dividida em três gran-des períodos, tomados como ponto de referência os supri-mentos de energia. O primeiro período é o do moinho devento, o que quer dizer, época de utilização da força hi-dráulica; o segundo, é assinalado pela máquina a vapor deJames Watt, em 1769. A terceira época recebe os benefíci-os da eletricidade, em pleno século XX.

Tudo indica que, entre nós, no último quartel do séculopassado, não era desconhecida a utilização dos recursos demáquinas movidas a gás ou a vapor, pois M A. de Macedo (6),avaliando acertadamente o potencial do lençol d’água, raso,do solo do Cariri, preconizava a abertura de poços (instan-tâneos?) para serem aproveitados com bomba aspirante erepelente. Escrevia então: “A bomba pode ser coberta poruma meia-água de folhas de oiticica ou carnaúba, e os bebe-douros em cochos de cedro, cumaru, ou em tanques rasos.Este sistema de bombas acha-se introduzido em toda a Eu-ropa.” Adiante (pág. 77) haveria de referir: “A idéia de bom-bas a vento, ou movidas por máquinas, deve ser abandonada,porque dispendiosas, sujeitas a desarranjos e se prestam commais proveito a agricultar e a jardinagem.”

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Pelo exposto, e pelo que não se transcreve para nãotomar tempo, o sr. M. A. de Macedo vislumbrava conse-guir água para abastecer chafarizes e atender ao consumode vilas e cidades.

M. A. de Macedo, ao publicar em livro suas observa-ções (6), em 1871, quando se reportava à aplicação de má-quinas para acionar bombas d’água, fazia-o certamentepelos conhecimentos que obtivera no exterior, por ondeandara, pois a iluminação a gás em Fortaleza ocorreriasomente em 1896, e é a 18 de abril de 1897 (10) que seinaugura nessa cidade o moderno mercado público da ca-pital, fabricado nas oficinas de Juillatet Pelletier (Orleans,França), com uma caixa d’água “diariamente abastecidapor uma bomba acionada a gás, de força de um cavalovapor.” É crivei que este sucesso tenha-se registrado nes-sa época, porque o motor a explosão só fora inventado porOtto, em 1876, consumindo de 450 a 500 litros por cavalo,quando utilizava o gás de iluminação de 5 000 calorias (3).

Convenhamos que a energia eólia, aproveitada princi-palmente por cataventos rústicos, fabricados com estípitesde carnaubeira, foi precursora, no Ceará, dos rudimentos deirrigação e fornecimento de água potável a residências, atra-vés de chafarizes públicos. Supomos que os moinhos de ven-to não eram tantos, nos primeiros dois quartéis do séculopassado, pois viajantes de notoriedade, que percorreram ossertões cearenses, não registraram sua ocorrência. HenryKoster e George Gardner não os viram. Este último, que es-teve no Brasil, e, no Ceará, de 1836 a 1841 (4), demorou emAracati quando o sr. Maia, ali residente, vindo de Marrocos,obtivera o privilégio do governo para construir, de tijolos, umcanal para a água e, como a nascente estava a nível “multoinferior ao da cidade”, exigia, para efetivar seu propósito, umabomba de sucção para elevá-la. O importante viajante in-

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glês, por exemplo, não refere ao aproveitamento dacarnaubeira na fabricação de cataventos, não obstante refe-rir ao uso do tronco da Copernicia Cerifera para a construçãode casas, currais de gado etc.

Mesmo no capítulo dedicado aos equipamentos mecâ-nicos da agricultura colonial (2), não acusa o autor a exis-tência de moinhos de vento aplicados à vida dascomunidades brasileiras, inexplicavelmente excluído de suadocumentação histórica, não obstante o relevo oferecido amáquinas, a nosso ver, menos importantes, como o monjolo.

Ante essa insensibilidade histórica e deficiente análi-se sócio-econômica, digamos assim, ficamos indecisos quan-to à eleição de um período exato para situar no tempo oscata-ventos bombeadores de água estabelecidos na regiãoem que, hoje, SUDENE e DNOCS cumprem o ambiciosoplano de uma irrigação moderna e objetiva. Teriam ocorridono sertão do Médio e Baixo Jaguaribe, feitos de madeira, decarnaubeira, imitando os de estrutura metálica que funcio-navam em Fortaleza desde o fim do século passado? Atémeio século atrás os cataventos compunham a paisagemda capital cearense. Eles estão flagrados, várias vezes, emálbum de vistas, editado na França (12), aparecendo nãoapenas em residências mas em jardins públicos, como oentão denominado Nogueira Accioly (1908).

A importância do uso dos moinhos de vento.Contribuição da FAO. Proposições

A FAO, em 1956 (11), por instâncias da InternationalRice Commission, fez um levantamento de todos os tipos

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de máquinas, desde as rudimentares, – o que demonstra aimportância destas – até as mais sofisticadas, reportando-se ao assunto desta forma: “The use of the devices thathave been included is not restricted, however, to riceproducing areas nor to rice irrigation only. It is very likelythat some of devices described may find their majoradaptation in some countries in connection with theirrigation of crops other than rice.” Neste trabalho tem-sea qualificação da força usada para movimentar as diversasmáquinas: humana, animal, eólia, hidráulica, de combus-tão interna e elétrica (motores elétricos).

No balanço promovido pela FAO verifica-se que em1949 “nearly 21 000 locally-made windmills were beingused for lifting water in the Bangplee, District of Thailand.”Aproveitando a energia eólia, existem moinhos com capaci-dade para irrigar de 4 a 5 hectares. “In Japan, largenumbers of windmills are used to operate piston pumpsfor irrigation and other purposes” (11). Na pág. 50 (11) afigura 38 oferece ao leitor um tipo gigante de moinho devento “used extensively in Japan”, que nos impressionapelo seu tipo.

Não nos parece desprezível o uso de moinhos de ven-to. O moinho Adler (3), para irrigação, fabricado por F.Koster, de Heide (Holstein), muito robusto, aciona um pa-rafuso de Arquimedes, de 50 centímetros de diâmetro eeleva, em média, a 3 metros, 225 metros cúbicos d’água,caudal que nos surpreende e nos coloca diante de um ten-tador desafio ao aproveitamento mais técnico da energiaeólia que proporciona o Ceará.

Não nos parece, diante desses subsídios, terminadaa missão dos moinhos de vento. Em lugar nenhum da ter-ra as máquinas modernas substituíram totalmente outrosequipamentos supridores de força, mais rudimentares. Na

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Europa, no Japão, nos Estados Unidos, na Holanda,notadamente, a energia eólia continua sendo desfrutadade várias formas.

Portanto, quando todos os canais de irrigação do pe-rímetro de Morada Nova estiverem concluídos; quandooutros forem convenientemente instalados, será necessá-rio render homenagem ao senso de criatividade dos serta-nejos que precederam os técnicos de hoje, e que, antes dachegada de recursos mais adequados, como a eletricida-de, sabiam quanto importava a elevação de água no valejaguaribano; e, dominando as condições técnicas da épo-ca, antes do DNOCS e da SUDENE, nuclearizaram no meioambiente os recursos hídricos; efetivaram o aproveitamentodo potencial que lhes ofertava o grande rio, o maior rioseco do mundo – enaltecido pelos poetas.

Sem pretendermos modificar a política de irrigaçãodos órgãos responsáveis pelo seu desenvolvimento, nadamais gostaríamos de que propor o que se segue, certos deque “se uma entidade oficial resolve intervir na comunida-de agrícola, matuta, para estimular o seu progresso, esteinterventor deve assumir os riscos conseqüentes do em-preendimento e evitar a desintegração da sociedade pelaquebra da tradição antes da assimilação dos costumes coma nova ordem”

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Proposições

a) estudar o relacionamento histórico e sociológico dohomem com os recursos de que dispõe, no seu habitat,para suprimento hídrico de lavouras permanentes oueventuais;

b) estimular o aperfeiçoamento de máquinas agrícolas deelevação d’água, rudimentares, que, como fator detransição, poderão servir de suporte à conscientizaçãodo homem por técnicas mais avançadas;

c) localizar a potencialidade de equipamentos primáriosa serviço de ocupações agrícolas, notadamente os desuprimento d’água;

d) estudar a possibilidade de eleger o moinho de vento,de carnaubeira, – estilizado –, como símbolo da irriga-ção na área nordestina;

e) estimular os trabalhos de pesquisa alusivos à utiliza-ção do moinho de vento e os benefícios que proporcio-na a seus usuários;

f) recomendar ao IBGE para, no próximo Censo Agrícola,incluir no questionário pergunta que possibilite a identi-ficação, na área rural, do número de moinhos de ventoa serviço da irrigação da região.

Bibliografia

1. ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, Vo-lume XVI, CEARÁ, Rio, IBGE, 1959.

2. DORNAS FILHO, JOÃO, Aspectos da EconomiaColonial, Editora Itatiaia Limitada, 2a edição, BeloHorizonte, 1959.

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3. FERRER, R., Abastecimento de Águas, bombas eistalaciones hidráulicas, Serrahima y Urpi, S. L., Bar-celona, MCMLII.

4. GARDNER, GEORGE, Viagens no Brasil, Cia. EditoraNacional, São Paulo, 1942.

5. GOMES, PIMENTEL, Como Agricultar as Terras Nordes-tinas, “A União” Editora, João Pessoa, 1940.

6. MACEDO, M. A. Observasons sobre as seccas do Cearáe meios de augmentar o volume das aguas nos cor-rentes do Carry, Typographia de Emil Mueller,Stuttgart, 1871.

7. MANUAL COMPLETO SOBRE AGUA, BOMBAS YMOLINOS, Charia Rural no 225, dezembro, 1947,Buenos Aires.

8. PRIETO, RAMON, História de la industria, EditorialAtlantida, 1a edição, Buenos Aires, 1947.

9. SAINT-HILAIRE, A., Viagem às nascentes do Rio São Fran-cisco, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1937.

10. STUDART, GUILHERME, Datas e Fatos para a Históriado Ceará, Typographia Studart, Fortaleza, 1899.

11. WATER LIFTING DEVICES FOR IRRIGATION, Food andAgriculture Organization of the United Nations,Rome, 1956.

12. VISTAS DO ESTADO DO CEARÁ, ÁLBUM, ImprimeriesRéunles, Nancy, França, 1908.

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OS CAÇADORES D�ÁGUA

XIXIXIXIXI

A luta pela água é uma coisa horrorosa. Nada

mais silencioso e mais formidável!

GUSTAVO BARROSO,Terra de Sol

PLUTOS: Oh Céus! Eu ignorava tudo isso!

ARISTÓFANES,Plutos

A água, expressivo símbolo da existência humana

O pronunciado amor que os povos, cultos ou incul-tos, devotam à água, de permeio com insopitável adora-ção, nasce e se robustece, graças a sua importância, sob adependência de que não pode viver o homem, o que impli-ca dizer mais diretamente, sobreviverem as civilizações.

O homem rude dos pampas não dispara sua arma con-tra o corvo negro, pois, se assim o fizer, estará evitando achuva. Nosso indígena, como refere o prof. Herbert Baldus,atribui importância maior à chuva do que a animal ferozdas florestas. É significativa a lenda dos Tailipang, das

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Guianas, por ele recenseada, contando a história de pre-tensiosa onça que desejava ser mais poderosa do que a chu-va, a alimentar o desejo de amedrontar um grupo de homensque, ouvindo-lhe os esturros, disseram simplesmente: “Va-mos flechar a onça”. Mas, logo que a Chuva, personagemda lenda, foi-se preparar para exibir seus poderes, ao soprode forte vento que anunciava a alteração do tempo, os ho-mens gritaram: “Lá vem chuva!” Foi o bastante para todosdesamarrarem as redes e correrem para casa.

A água representa expressivo símbolo da existênciahumana. Se não a desfrutássemos, não poderíamos reti-rar da terra a providencial messe que nos propicia a agri-cultura. É um dos mais importantes elementos de quedispomos para fomentar riquezas, não nos parecendo es-tranho, então, que os antigos, impressionados por ela, aadorassem, atribuindo-lhe poderes sobrenaturais.

É prática comum tanto a nós, nordestinos, como acamponeses de Portugal, a trasladação de imagens religio-sas de uma igreja para outra (às vezes, elas são trocadasno interior do mesmo templo), acudidas de orações fervo-rosas, clamando o início da quadra invernosa. O sr. AugustoCésar Pires Lima (in Estudos Etnográficos, Filológicos e His-tóricos, Junta Provincial do Douro Litoral, Porto, 1950) re-pete o abade Baçal, a defender o pensamento de que o usoé tomado ao paganismo:

“Também a crença pagã tinha uma pedra manalemlapidem conservada religiosamente pelos romanos, à por-ta do templo de Marte, na porta de Capena, e que era leva-da procissionalmente para a cidade quando a falta de chuvasecava os campos, e a fé dos crentes dirigia preces públi-cas aos deuses, a pedir água.”

O sertanejo da caatinga, com mais razão, não escon-de a sua veneração pela água, principalmente pelo inver-

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no que se prenuncia no Ceará – e de resto no Nordeste –com chuvas que, começando pelos dias de janeiro, às ve-zes se prolongam até meados de junho, garantindo o verdedos campos, a terra trabalhada, e patrocinando o cresci-mento do criatório.

Na etiqueta rural do cearense é suprema demonstra-ção de falta de cortesia, de inamistosidade até, negar-seum copo d’água a uma pessoa. Na relação dos tabus mági-cos, em primeiro lugar está a proibição ao homem de nãofazer nenhuma necessidade fisiológica dentro d’água, in-terdição que alcança objetivamente a utilização de rios,lagoas e açudes.

Quando se estende o verão por muitos meses, secamrios e nascentes, o fazendeiro que dispuser ainda que deprecário poço para dessedentar seu rebanho, não poderánegar a utilização deste ao gado do vizinho. Franquearánecessariamente a bebida, sem exigir paga.

Testemunho de grandes tragédias, senão inevitávelpersonagem delas, desde pequeno o sertanejo se acostu-ma a ver a água com a importância que os seus antepas-sados perceberam. A partir dos últimos meses do ano, jáa sua percepção se volta para os sinais que podem ounão confirmar se o tempo entrante será molhado ou en-xuto. É todo atenção para a migração de insetos, de for-migas; para besouros que’ demoram na folhagem, parapássaros que preparam ninhos de tal forma que indicamse cairá ou não chuva. Tudo isso, naturalmente, estimu-lado pela dura realidade que o cerca, que o faz viver sa-bendo quanto é difícil vencer um ano em que a terra ardesob o sol quente, e a água, nas cacimbas de beber, paragente e bichos, vai cada vez mais funda, inacessível, atéser apenas uma pasta salgada, intragável, que repugna eprovoca vômitos.

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Sentido premonitório de quem localiza nascentes

No rigor da seca de 1958, testemunhamos o trabalhodo feitor da Fazenda Mergulhão, na missão a que se impu-sera de encontrar lugar apropriado para cavar uma cacim-ba, dizermos: “Estou palpitando que aqui tem água.” Ondemarcou, atacamos a escavação e a água aflorou a doismetros de profundidade. Uma vez mais, testemunháva-mos a validade desse extraordinário dom que algumas pes-soas possuem de identificar onde há água no subsolo.Aquele homem modesto, de feições rudes, sem estudo, agirapor um impulso estranho, premonitório, para localizar oprecioso liquido de que tanto carecíamos para dessedentaro gado que sofria no curral.

O sr. R. Ferrer, num de seus livros técnicos sobreabastecimento d’água (Abastecimiento de Aguas, Serrahima& Urpi, Barcelona, MCMLII) em capitulo dedicado àradiestesia, informa-nos que, com efeito, alguns homenspossuem sensibilidade bastante aguda que os permite re-gistrar “ciertas impresiones en la proximidad de lascorrientes de água o de minerales”. Muita vez, o fazem commais segurança se buscam a água utilizando um pêndulode ferro ou uma varinha de madeira, instrumentos ambossensíveis aos fluidos que partem do subsolo. Tão impor-tante é a prática que, em 1932, em Paris (relata-nos aindao sr. R. Ferrer) houve um concurso com a presença devárias dessas criaturas que localizam a água que existe noseio da terra, transcorrendo as provas com êxito, pois fo-ram detectadas correntes subterrâneas e metais, estespostos, previamente, no teste coletivo a que se submete-ram os experts.

O Lunário Perpétuo, colhendo informações em outrasáreas geográficas, trouxe para o Brasil muitos ensina-

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mentos práticos para a descoberta d’água em terrenos osmais diferenciados. Não é de agora que insistimos na in-fluência desse manual de curiosidades e conselhos domés-ticos, inclusive medicinais, sobre nossos sertanejos. E é,exatamente no capítulo dedicado à aplicação da radiestesia,que se manifesta.

Basta comparar o que escreveu o sr. João FerreiraLima, de Juazeiro do Norte, no livro de sua autoria Segre-dos da Natureza e a Sabedoria Humana, com instruçõesbebidas em Vitrúvio, recenseadas no Lunário, a aconselharpara achar nascentes convir a pessoa “um pouco antes dese levantar o sol, deitar-se sobre a barriga, tendo a barbaapoiada sobre a terra...” A receita do “cientista” sertanejo ésemelhante, pois manda que o “caçador d’água”, entre seise sete horas da manhã, deite-se ao chão, virado para o nas-cente, de forma a que o queixo fique tocando na terra.

No Lunário lê-se: “depois de cavar a terra na circunfe-rência de um metro, e na profundidade de um e meio adois metros”, ao pôr do sol “coloca-se no fundo um vaso decobre ou de chumbo, ou uma bacia”. Reedita-se acabalística instrução na obra do autor de Juazeiro do Nor-te: “No local que desconfia haver água, cave de três a qua-tro palmos, coloque uma bacia de cobre ou porcelanauntada de azeite de candeia, por dentro, emborcada noburaco que cavar.”

O Lunário Perpétuo, edição portuguesa do ano de1945, acrescenta quanto ao assunto: “...se fizer um baru-lho na terra, e se colocar nela o ouvido, ou antes, um tubode papel, colocando a extremidade mais pequena no ouvi-do”, se acontecer de haver água, ocorrerá um ruído. Asinstruções de mestre Jerônimo Cortez, de Juazeiro do Nor-te, afinam pelo mesmo tom: “Em seguida, faça um funil depapel e coloque sua extremidade mais fina no ouvido, to-

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cando com a outra extremidade, a mais larga, no chão. Seouvir um murmúrio em baixo da terra denunciando a exis-tência de alguma água, geralmente a mesma é encontradaa 32 palmos.”

Seguem-se outras curiosas informações tomadas aomeio ambiente, como estas: “Onde se vê um enxame deabelhas atravessando uma certa direção, e em certo mo-mento algumas abelhas voltam daquela jornada e seguempara a direita ou esquerda, é prova de que elas sentiram ainfluência d’água.”

João Ferreira Lima oferece-nos outra curiosa observa-ção: na “malhada do gado, de 11 de manhã às 2 da tarde,quase sempre o gadó ou algumas rezes levantam-se econseguem andar 3, 4, 7 e 10 braças, como quem vai àprocura de alguma coisa. Chegando um pouco adiante,pára, demora 3 ou 4 minutos, volta e torna-se a deitar.Isto prova que o animal sentiu o cheiro d’água ou mesmoseu bafejo naquela altura.”

Valendo-se dessas instruções e de outras transmiti-das de pai para filho, não são raros no sertão os descobri-dores d’água que, pelo aspecto e altura do mato que crescenas baixadas; pela incidência de mosquitos sobre a terra,ou pelo farejar do gado, são capazes de indicar o local exa-to onde existe uma reserva hídrica.

Citando Fritz Krause (in Den Wildnissen Brasiliens,Leipzig, 1911) Sérgio Buarque de Holanda, em trabalhobastante expressivo de prospecção da vida brasileira atra-vés dos tempos (Caminhos e Fronteiras, Livraria JoséOlympio Editora, 1937), conta que para abrir um poço oCarajá “costuma realizar previamente cuidadosa sonda-gem, servindo-se de um pedaço de pau que possa pene-trar profundamente o solo. Se o pedaço de pau sair úmido,é sinal de que a perfuração dará o resultado desejado.”

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Gustavo Barroso, no seu extraordinário Terra de Sol,infelizmente não se preocupou com o assunto. Referiu àarte de construir cercas aos diversos modelos que servemobrigatoriamente para a divisão de terras, e, na proximi-dade, descreveu as proteções de bebedouros, a sistemáti-ca de utilização da bebida nos poços, controlada pelo quechamam “pau de bebedouro”, uma carnaúba que vai sen-do recuada à proporção em que a água míngua, ao intentode não deixar o gado poluir a bebida. Não foi além...

Nós, nesta oportunidade, ao registrar as observaçõesmais curiosas, apenas nos acercamos de um tema que estáa merecer pesquisa melhor documentada.

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ASSOCIAÇÃO PROPAGADORA DAARBORICULTURA (1894)

E INSTITUTO GUSTAVO BARROSO (1976)

XIIXIIXIIXIIXII

O que se perdeu foi o contato com a natureza.

Uns chamam aqui a transformação de progres-

so. Outros julgam-na uma nova expulsão do Pa-

raíso. E há os que nao entram no mérito da

questão: aceitam-na tal como é.

CHRISTOPHER RAND,Revolução na Paisagem

Poluição. A humanidade está adoecendo há séculos...

Por volta de 1960, pelo menos em nosso meio, a pre-ocupação pelos problemas decorrentes da poluição am-biental não alcançara ainda a importância que lheconferimos atualmente. A humanidade, no decorrer dosdez anos subseqüentes, teria de enfrentá-la sob variadasformas comprometedoras do equilíbrio ecológico e, atémesmo, convenhamos, da estabilidade psíquica do serhumano, com a poluição sonora, oriunda do que se enten-de por caos motorizado e da utilização de aviões com pro-pulsão a jato. Assim, em 1961, as próprias enciclopédias

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não reservavam ao vocábulo maiores atenções, como seráo caso da Enciclopédia Brasileira Mérito que simplesmenteexplicava o verbete poluição da forma que se segue: “Lat.pollutio. Ato ou efeito de poluir.” Mas exatamente na déca-da de 60, tornar-se-iam constantes e mais expressivos ospronunciamentos a respeito do problema.

Émile Guitkovaty (A Década que mudou o mundo, Edi-ções Veja, 1970), sem se conter, mostrar-nos-ia a crua reali-dade em que vivíamos: “Nós brutalizamos os homens,sujamos nossos rios, e nossas praias, envenenamos o arque respiramos. A civilização, verdadeira, aquela que con-siste em sentir e viver a beleza, fugiu de nós. Abandonamosnossas cidades aos mercadores sem escrúpulos e constru-ímos às suas portas cidades de uma sordidez sem nome.”

A poluição, como a entendemos hoje, não principioucom a elevação das chaminés das fábricas ou o lançamentoapenas de resíduos aos rios. Verdade é que a humanidadevem adoecendo há séculos, sucumbindo, martirizada pelaincúria dos administradores. Quando abatíamos árvores,indiscriminadamente, quando queimávamos extensas áre-as para plantio, no exercício de uma prática repetidamentecondenada através do tempo, já descurávamos as condi-ções mínimas, desejáveis, para a manutenção da salubri-dade ambiente, não importando muito, para os obstinadose cruéis dilapidadores dos nossos recursos naturais, asdemonstrações de amor à Natureza de idealistas como umHenry David Thoreau, para não abusarmos na citação detantos outros igualmente merecedores desse destaque.

Nós, no Ceará, tivemos o nosso David Thoreau, M A. deMacedo, que, ao nos transmitir as palavras do prefácio aoseu livro Observações Sobre as Secas do Ceará e Meios deAumentar o Volume das Águas nas Correntes do Cariri (tan-tas vezes referido por nós no corpo desta obra), após relatar o

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que havia aprendido no mundo europeu, que acabara deconhecer, dizia: “Entre nós só se vê o reverso do quadro. Anatureza é inimitável e o homem apenas procura desfrutá-la, destruindo por todos os meios, até pelo incêndio, os en-cantos de sua divina beleza”. Palavras gravadas em 1871...

A nosso ver, a chegada ao Ceará, em 1859, da Co-missão Científica de Exploração, com expressivo elenco desábios, dentre os quais, sem se querer diminuir os demais,cumpre-nos ressaltar a presença do botânico FranciscoFreire Alemão, nos ofertando resultados positivos de suasobservações – principalmente sobre a cobertura vegetal daregião – em dezembro de 1861, despertou a atenção denossos estudiosos, intelectuais e pesquisadores, para ariqueza da geobotânica cearense. A tanto – e a suposiçãocorre à nossa conta – teríamos maior estímulo para tornaro Ceará participante da Exposição Nacional, realizada em1866, precedida de relatório e catálogo escritos por JoséJúlio de Albuquerque Barros, onde, como se viu anterior-mente, foram testemunhados problemas que, àquela épo-ca, limitavam o desenvolvimento agrícola da região.

Associação Propagadora da Arboricultura. Pioneirismoem 1894

Ante as contingências adversas da época, resultaria adiscussão dos obstáculos que entravavam a vida campestre– especulamos nós – e a fundação, como vai registrar o Ba-rão de Studart (Datas e Fatos Para a História do Ceará, 1924,Tipografia Comercial, Ceará), a 9 de dezembro de 1894, hámais de oitenta anos, da Associação Propagadora da Ar-boricultura, graças o empenho de Francisco FontenelleBizerril, que funcionaria nela como presidente, e de outros

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companheiros que se distribuírem nos diversos postos dediretoria da entidade: vice-presidente: Dr. Álvaro de SouzaMendes; secretário: Afonso Américo de Freitas; tesoureiro:cel. Manoel Rodrigues dos Santos Moura; orador: Dr. Gui-lherme Studart; diretores: Dr. Henrique Theberge, AntônioBezerra de Menezes e Júlio Braga.

A exceção de Guilherme Studart, Henrique Thebergee Antônio Bezerra de Menezes, não tivemos condições,forçoso será confessar, para identificar, por suas quali-dades próprias, diferenciáveis, os demais componentesdesse grêmio que se propunha, há quase um século, apostular em favor dos assuntos comunitários, a partir demedidas salutares, merecedoras de aplausos, de plantiode espécies arbóreas.

Não será despiciendo o possível plano de trabalho daAssociação Propagadora da Arboricultura, a contribuir, porcerto, para o incremento da arborização da Cidade de For-taleza, preocupação que esplende o despertar de nova cons-ciência, de ação coletiva, até então não demonstrada demodo associativo, em beneficio da valorização do meioambiente, propiciando – continuamos a especular – estu-dos e sugestões para os administradores que não estavamde todo amadurecidos para o problema.

Louve-se, na efeméride que transcorre em dezembro,e que a registramos em sessão do Instituto do Ceará, a 5de dezembro de 1974, os bons princípios daqueles estudi-osos que fundaram e fizeram existir – por quantos anos?quem poderá dizer-nos? – a Associação Propagadora daArboricultura. E se deplore, agora, não apenas o desapa-recimento dela, mas também o de outra instituição alta-mente rentável para os interesses do Estado, o Institutodo Nordeste, de ação objetiva em proveito da região; – e, deresto, a inexplicável despreocupação, pelo menos em sen-

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tido comunitário, que deveríamos possuir quanto à pro-blemática da natureza sofrida hoje mais do que nunca,quando percebemos a angústia universal das pequenas egrandes coletividades, no apogeu de uma civilização deparadoxos, de que serve exemplo o fato de, para transmitirnotícias aos seus leitores, numa única edição dominical, oNew York Times consome celulose resultante da destrui-ção de 70 hectares de árvores.

Tão importante é o problema, na atualidade, que jáse forma uma corrente sobremodo impressionante daque-les que, ante o dilema – editar mais jornais ou preservar osrecursos naturais por estes absorvidos – são de opiniãoque o mundo deve decidir-se pela opção mais racional:ficar ao lado da natureza extorquida.

A Associação Propagadora da Arboricultura, natural-mente, sem a contemplação desse panorama aterrador, queora defronta o mundo, estava preocupada em 1894 em esti-mular a prática salutar, nos cearenses, do amor, doentusiasmo pelo estudo de nossa flora.

Afora o respeitável trabalho de verdadeiros abnega-dos da atividade agronômica – Thomaz Pompeu Sobrinho,Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, Marcos Macedo, MárioSobreira de Andrade, José Freire, Renato Braga, EsmerindoParente, Aristóbulo de Castro, Francisco Alves de Andrade,Guimarães Duque, Bastos Tigre, Humberto R. de Andrade,M. Negreiros Bessa e tantos outros – tem-nos restado muitopouco para fundamento de uma atividade comunitária, pri-vada, capaz de repetir o que nos propunha o idealismo deFrancisco Fontenelle Bizerril, nos idos de 1894.

Pensando seriamente no problema, dentro de nossaslimitações, resolvemos contribuir para a criação de umaentidade capaz de, posteriormente, mais desenvolvida,melhor ancorada no idealismo de outros estudiosos, atin-

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gir a estatura de um órgão que poderá estar diretamentevinculada ao governo. Preparamos, então, o anteprojetode estatutos da nova entidade, que se chamará InstitutoGustavo Barroso de Estudos Sociais e Defesa do MeioAmbiente. Por oportuno, o transcrevemos para conheci-mento dos leitores.

Instituto Gustavo Barroso de Estudos Sociais e Defesado Meio Ambiente

1 – O Instituto Gustavo Barroso de Estudos Sociais eDefesa do Meio Ambiente, associação sem fins lucrativos,tem por objetivo o estudo e o debate de problemas cultu-rais e sociais do Ceará, notadamente os que decorrem dorelacionamento do homem com a região;

2 – o Instituto Gustavo Barroso, além dos objetivosanteriormente definidos, colaborará, decisivamente, com asinstituições oficiais, no sentido de orientá-las na pesquisa eelaboração de estudos que visem a preservação das tradi-ções, a prática de hábitos e costumes que a civilização ame-aça derrogar, contribuindo, destarte, para o aperfeiçoamentodo comportamento do homem, sem desprezo dos parâmetrosde seu bem-estar, sob o pressuposto de que a sua integraçãona comunidade deve ser feita sem ruptura das responsabi-lidades sociais, políticas e culturais;

3 – os trabalhos do Instituto Gustavo Barroso serãodirigidos por um Conselho constituído de onze membros queelegerá um Presidente com mandato de dois anos. O Presi-dente eleito designará, para as funções de Tesoureiro, umconselheiro, e outro para as de Secretário, que se responsa-bilizará pelo expediente e lavratura de atas. Os conselheirosserão eleitos pelos sócios efetivos em gozo de seus direitos;

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4 – o Instituto Gustavo Barroso reunir-se-á, obrigato-riamente, uma vez por mês, na última sexta-feira, sempreàs 16h30min., com a presença de, pelo menos, oito sócios,e tantas vezes quanto as necessárias, sob convocação doPresidente, funcionando em duas etapas: uma, reservadaà leitura do expediente; outra, à exposição de trabalhos,debates e decisões;

5 – funcionarão de modo permanente duas comis-sões, a Comissão de Estudos Sociais e a Comissão de De-fesa do Meio Ambiente, cada uma com três membros, quese incumbirão de analisar e discutir os problemas que lhesão afetos;

6 – são considerados sócios fundadores, efetivos,quantos se façam presentes à constituição do InstitutoGustavo Barroso, aceitando seus propósitos e se compro-metendo a exercê-los com elevação de espírito e fidelidadeaos interesses da coletividade;

7 – o programa de atividades do Instituto GustavoBarroso de Estudos Sociais e Defesa do Meio Ambienteambiciona:

a) promover o levantamento das manifestações tradi-cionais ainda vigentes no Estado, e a identificação de pos-síveis óbices á imperecibilidade destas;

b) cimentar o sentimento de respeito à conservaçãode monumentos históricos, alertando as autoridades parao abandono em que, eventualmente, se encontrem;

c) estimular a redação de monografias sobre temasligados à fauna e flora do Ceará;

d) promover concursos de cunho cultural, em nívelde estudantes do 2.0 grau e universitários, com faixas depremiação diferente, sobre tipos representativos do povocearense, como o jangadeiro, o vaqueiro etc., que contri-buem para seus fundamentos sociológicos;

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e) promover, uma vez por ano, um simpósio de amplodebate sobre os objetivos do programa do Instituto, com aparticipação de representantes do Instituto do Ceará, Aca-demia Cearense de Letras, Casa de Juvenal Galeno, Secre-taria de Cultura do Estado, Secretaria de Educação eCultura do Município e de entidades assemelhadas;

f) publicar revista, anual, denominada TERRA DESOL, com estudos e pesquisas pertinentes aos objetivosora pretendidos;

g) criar biblioteca especializada em estudos sobre oCeará, assim como elaborar catálogo que facilite a consul-ta e pesquisa a estudiosos;

h) fundar e instalar o Museu do Homem, em que esta-rão definidas a maneira de viver própria do cearense,representada pelas suas manifestações criadoras, formasde trabalho, entretenimento e integração comunitária;

j) preservar áreas típicas que caracterizam o aspectopaisagístico da região;

k) manifestar-se, por escrito, de público, toda vez queo meio ambiente for injuriado pelo poder público ou pelainiciativa privada;

1) criar a Medalha Gustavo Barroso, a ser outorgadaa quantos prestem relevantes serviços ao Ceará, de acordocom o programa de trabalho do Instituto.

8) os sócios são: a) efetivos, quando inscritos, acei-tando cumprir o programa de ação do Instituto; b) honorá-rios, os que se destacarem pela sua projeção cultural,artística e científica, ou por relevantes serviços prestadosàs finalidades do Instituto; c) correspondentes, os que, sen-sibilizados aos problemas ecológicos, ausentes de Fortale-za, proposto por sócio efetivo, obtenham parecer favorávelde comissão designada pelo presidente.

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Contribuição à bibliografia de assuntos pertinentes aproblemas ecológicos publicados até o ano de 1900,de autores ligados ao Ceará

Alvaro Joaquim de Oliveira: Seca do Ceará, Açudes,Arborização, Estradas de Ferro, 1878; Antônio Bezerra deMenezes: Notas de Viagem, 1889; Domingos José NogueiraJaguaribe Filho: Plantio da Amoreira, 1897; Juvenal Galeno:Cenas Populares, 1871; Paulino Nogueira: Vocabulário Indí-gena, 1887; Thomaz Pompeu de Sousa Brasil: Vantagensdos Trabalhos de Irrigações no Ceará, 1859; Memória SobreConservação das Matas e Arborização Como Meio de Melho-rar o Clima da Província do Ceará, 1892; Memórias Sobre oPlantio da Maniçoba, sem data; Tristão de Franklin de Alen-car Lima: Secas do Ceará, 1889; Do Jaborandy – sua His-tória Natural, Ação Fisiológica e Indicações Terapêuticas, semdata; Valdemiro Cavalcanti: Silos, Forragens, 1900; (o autorfoi presidente da Sociedade Cearense d’Agricultura, segun-do o Barão de Studart); João da Silva Feijó: Memória Econô-mica Sobre a Ração do Gado Lanígero da Capitania do Ceará,1811; Francisco Freire Alemão Descrição das Plantas Colhi-das no Ceará, 1862; Gustavo Capanema: ApontamentosSobre as Secas do Ceará, 1878; Beaurepaire Rohan: As Se-cas do Ceará, 1977; Rodolfo Teófilo: História da Seca noCeará, 1877-1880; José Belarmino Souza: A Seca Perante aCiência e a Religião, 1880.

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PRECES POSITIVAS E NEGATIVAS

XIIIXIIIXIIIXIIIXIII

Amar é nossa responsabilidade básica.

MARCEL VOGEL

Poder da oração e sua ação positiva

O homem, animal político na definição aristotélica,é, necessariamente, também religioso. E, de todas ascomunidades, será mais religiosa a que tiver os fundamen-tos de sua existência na atividade agrícola marcada de in-certezas pela instabilidade do tempo. Para quem planta, oque vale dizer, para os que trabalham a terra, principal-mente quando dependem de precipitações pluviométricas,o sentido místico de ação objetiva pelas orações assumeprimordial importância.

Nas horas de angústia, de sofrimento diante doimprevisível, o sertanejo lança mão de todos os recursospara que as nuvens prometedoras de chuva se desfaçamsobre os campos e medrem as sementes que lhe vão ga-rantir a messe.

O poder da oração (cuja eficácia é presumivelmenteatestada em postulações as mais diversas, principalmentepara a salvação do corpo enfermo) é utilizada pelo homem

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de aplicação agrária mais do que qualquer outro, principal-mente se este depende de fatores ainda desconhecidos oudifíceis de controlar, como será o caso do nordestino, princi-palmente do cearense, sob as injunções de seu habitat.

No Nordeste é tradicional a invocação da interferên-cia divina para que não falte o inverno, assim denominadaa estação das águas; os animais possam criar-se saudá-veis e a família não enfrente dificuldades. Quando o sol sepõe, manda a tradição religiosa e supersticiosa que o ser-tanejo contemple os animais no cercado ou no curral, ediga esta oração:

“Oh! Pai, abençoai minha criação, fazendo com quepasse a noite debaixo do vosso manto sagrado, durante osilêncio da noite, até que vossos raios ressurjam no hori-zonte, bafejando Justiça, Amor, Verdade e Harmonia comtodos os seres. Deus por mim e ninguém contra mim eminha criação. Para sempre, Amém. Jesus.”

O mês de março, no calendário agrícola do cearense,representa o limite das esperanças atribuídas à quadrainvernosa. Caindo o dia 19, consagrado a São José – pa-droeiro do Ceará – coincidentemente na época em que sedá a passagem do equinócio, quando as condições de pre-cipitações pluviáteis são propicias, não ocorrendo o ini-cio das chuvas, está declarada a seca. Ainda agora, apesardas modificações de hábitos e costumes, mesmo depoisdo advento da SUDENE, sob a influência dos meios decomunicação e derruimento do espírito de arregimentaçãodos católicos, o sertanejo comparece aos novenários emlouvor a São José, procede a mudança de imagens deuma igreja para outra; arrima-se às contas do rosário,para rezar; ou repete, em coro, o bendito de São José,como o que recenseou Getúlio César no seu livro Crendi-ces do Nordeste:

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153COMPLEXO DE ANTEU

Bendito louvado sejaMeu divino São JoséDai-nos chuvas com bonançaMeu Jesus de NazaréQuem quizé fazê pinitençaFaça de bom coração,Com uma hora e dois minutosVê chuva de Deus no chão etc. etc.

Cumpre-se, dessa forma, por esses dias, um verda-deiro ritual por parte do homem do povo. E tudo que deextraordinário ocorrer, no transcurso desse período de in-certezas, de provações, pois a fome já ameaça os lares,traduzirá para o sertanejo crédulo um sinal comprovadorou não de atendimento à sua postulação.

As vezes, quando desfila a procissão em louvor a SãoJosé e cai ao solo o manto do santo, uma vela ou a própriacoroa do Menino Deus, é aviso de que não choverá, de quenão haverá inverno.

Cordeiro de Andrade, no romance Cassacos, descre-ve cena em que Dona Benvinda, assustada com a notíciaque lhe acabavam de dar, insiste na mesma frase:

“– Coroa de Menino Deus, cair, seca na certa. Tiro equeda.”

Essas e outras abusões que se enfeixam em torno dosertanejo em expectativa reforçam a idéia de que a oraçãoprevalece; tem um quer que seja de ação positiva, uma comu-nicação, um fluido, algo que não se pode precisar – nem dese-jamos chegar a tanto –, da mesma forma que forças contrárias,desconhecidas, agem para destruir, para mirrar a planta, de-finhar um bicho ou até comprometer a saúde de uma criança:o mau olhado, terrível força oculta que os gregos, como noslembra Luís da Câmara Cascudo, “empregavam especialmen-te a cabeça de Medusa (Gorgoneion) para repeli-la”.

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A oração prevalece? Franklin Loehr e a influência daprece

Até que ponto as orações podem prevalecer sobre anatureza, propiciando chuvas, resguardando os animaisde epizootias, ou as plantas da ação dos fungos? O reve-rendo Franklin Loehr, autor de O Poder da Oração Sobreas Plantas considera decisiva a influência das preces, pelomenos, no desenvolvimento das plantas. A se tirar pelasconvicções desse estudioso, o sertanejo à sua maneira,tanto para fazer chover, tanto para crescerem suas planti-nhas, ou para que permaneça em paz o seu pequeno reba-nho, vale-se da prece, sem perceber que por trás dela existeum “efeito psicocinético”, o chamado efeito PK.

Nas experiências do sr. De La Warr, relatadas porPeter Tompkins e Cristopher Bird (A Vida Secreta das Plan-tas) a “fé humana parecia agir como um nutriente e assimativar as plantas. O próprio pensamento as nutria.”

Rolim de Macedo, em colaboração especial para Sele-ções Agrícolas, ao abordar o tema, escreveu: “Há mais deum século, o Dr. Mésmer (o introdutor do mesmerismo)intentou regar sementes e plantas com o suposto “fluído”magnético: e diz-se que o célebre magnetizador Lafontaine,em 1841, conseguiu dar a vida, dessa maneira, a uma plan-ta de gerânio que estava a morrer.”

O reverendo Loehr semeou, em determinado espaço,sementes da mesma espécie. Para o lado direito proferiu pre-ces “positivas”, para que germinassem e se tornassem plan-tas. Para o lado esquerdo, dirigiu prece negativa, desejandoo contrário. As sementes que se influenciaram pela precepositiva germinaram, brotaram viçosas. Os “peritos” da Uni-versidade Duke calculam que esse trabalho só pode ser devi-do à casualidade, uma vez em cada dois milhões de vezes.

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Antes de o autor de O Poder da Oração Sobre as Plan-tas ter feito suas pesquisas, fortalecendo a crença pelaspreces de efeito positivo, os sertanejos do Ceará já aplica-vam a oração como meio único, disponível, para enterne-cer as forças misteriosas da natureza, reconhecidamenteavaras em seu meio ambiente.

Para Marcel Vogel, citado por Peter Tompkins e Chris-topher Bird, “um modo como um pensamento pode serobservado e medido por uma simples forma viva – umaplanta – mostra uma relação maravilhosa entre os vege-tais e o homem. Quando amamos, liberamos nossa ener-gia mental e a transportamos para o receptáculo de nossoamor. Amar énossa responsabilidade básica”.

Diante disso teremos de aceitar que é amor que ohomem da caatinga, nos seus momentos mais difíceis, anteo meio hostil, intenta prevalecer para que a natureza serenove ao contato vivificador do inverno; e desfrutem decondições de sobrevivência as plantas e os animais.

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SERRAS TREMEM E ESTRONDAM DESDE 1794

X I VX I VX I VX I VX I V

Os montes debaixo dele se derretem, e os vales

se fendem; são como a cera diante do fogo, como

as águas que se precipitam num abismo.

MIQUÉIAS, 1:4

ACAB – Vos acreditais, homens, em coisas cha-

madas agouros?

HERMAN MELVILLE,Moby Dick

A terra escalpelada pelo homem imprevidente

Não é de agora, de 1974, – quando escrevo estas li-nhas – que as serras sofrem abalos, recebem grandes agua-ceiros e deslizam. Todo serrano sabe o que significa um“derretido” – aquela porção de terra, na serra, que, semexplicação plausível para ele, de repente desloca pedras,derrama argila; expele detritos e raízes, a atravancar oscaminhos, a turbar

a vida dos tropeiros e a comprometer a própria natureza.O derretido não é mais do que um deslizamento, ou,

sob conceituação mais pertinente, um deslocamento de

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terra em face do movimento do solo submetido às contra-ções do calor interior da terra. As vezes, ocorre uma sim-ples acomodação do solo, e, a tanto, surgem fissuras anível do chão, podendo ser ouvido um ou mais estrondos,e quando não, ao menos ruídos estranhos pelos grotõesrochosos.

Vê-se, portanto, que as serras deslizam em função defatores anormais, internos, da própria textura do solo. Mas,por outro lado, não será possível deixar de reconhecer queo desmatamento indiscriminado, o arroteamento nas faldasda montanha, a modificação de cursos d’água, são fatoresque acabam contribuindo perniciosamente para a lixiviaçãodo húmus, tornando a terra escalpelada e abrindo bre-chas que, posteriormente, redundam em socavões, depres-sões acentuadas – caminho iniciado para deslizamentosou derretidos graves.

Coincidentemente, em maio de 1903, o Ceará foisurpreendido com alarmantes noticias de estrondos ocorri-dos em várias localidades. Deu-se “ligeiro tremor de terra”em Guaiúba, Baturité, Riachão, Castro, Cangaty e Uruquê,na margem da ferrovia e em Guaramiranga, conforme ano-tou o Baráó de Studart (Datas e Factos Para a História doCeará, 1924, Tipografia Comercial, Ceará), seguido de “pro-longado ruído subterrâneo”. Em Baú (atualmente João No-gueira, Município de Pacatuba) e em outras localidades,ouviram-se “fortes estrondos e ruídos longínquos”.

Teria ocorrido algum deslizamento nas serras, nestaépoca? Em 1918, ainda o inesquecível pesquisador anota-ria a ocorrência, a 29 de agosto, de “ligeiro tremor de terrana vizinhança da serra Memuriá, Município de Sobral. Deverdade, a terra há tremido no Ceará em várias ocasiõesao longo dos anos, acompanhada, muitas vezes, por gran-des precipitações pluviáteis. No fim do século XVIII (1794),

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anotou o sr. Marco Antônio de Macedo, “houve umdesmoronamento de terra do Araripe, sobre a nascença docórrego da Ponte, que corre paralelo ao Grangeiro, e, in-corporado ao Miranda (Jaguar), fazem barra no Itaytera.Este fenômeno foi de tal ordem, pela descrição, que inter-ceptou a corrente do arroio por muito tempo e acumulouterra que cobriu árvores e palmeiras”, de tal sorte que sepodia subir por ela até o cimo da montanha etc., etc.

Os invernos copiosos, exagerados, abundantes, sãoraros no Ceará, mas há um, o de 1894, que ficou, como ode 1974, na memória de todos. Uma das chuvas do perío-do das águas de 1894, em Fortaleza, foi de tal ordem, queprovocou o desmoronamento de parte do edifício do Semi-nário. Em 1918, a 1.0 de maio (são registros do Barão deStudart) desabou sobre a cidade de Fortaleza um terríveltemporal “fazendo-se sentir seus efeitos sobretudo no mar,ficando danificadas e inutilizadas muitas e inutilizadasoutras pequenas embarcações existentes”. No ano seguin-te, a 11 de abril, “trombas d’água fazem desaparecer coma maior parte dos seus habitantes o lugarejo Boqueirão doBerra, sito ao lado do Nordeste, na encosta da Ibiapaba, 6quilômetros da vila de Campo Grande”.

Inverno é também flagelo. O Ceará de João Brígido:ou oito ou oitenta

Foi João Brígido o autor de artigo intitulado “InvernoInferno”, escrito em 1914. Ele exprime-se textualmente:“Essa invernada vai assumindo a gravidade de um flagelo.”Suas palavras poderiam ser repetidas em 1974, ante aschuvas copiosas que se abateram sobre a capital e o ser-tão, iniciando um ciclo de flagelo para os cearenses. Cos-

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tuma o sertanejo considerar o inverno prolongado, abun-dante, uma “seca d’água”, não obstante o paradoxo daconceituação, porque, a rigor, a água em excesso provocaos mesmos efeitos de perecimento dos plantios, morte deanimais e migrações forçadas.

Em sua maneira de falar, João Brígido sentenciava: oCeará é oito ou oitenta. Em matéria de calamidades, umasprovocadas pelas estiagens prolongadas, outras pelo exces-so de chuvas, a de 1974 fica caracterizada na última defini-ção. E não se pretenda que é “sinal dos tempos”. Semprefomos surpreendidos por aguaceiros despropositados, nãoprevisíveis pela meteorologia. Em abril de 1865, por exem-plo, quando visitou o Ceará, retornando de Pacatuba, ondefora pesquisar a Serra da Aratanha, o sábio Luiz Agassizrelatou em seu livro de viagem que a água o surpreendeucaindo em “massas compactas”. Não deixou de aludir àprecariedade do terreno: “o caminho estava inundado”, “aestra-da desaparecia debaixo d’água”.

Do alto da montanha (Serra da Aratanha), contem-plando Pacatuba (então lugarejo), localizado no Sítio BoaVista, onde se albergou, teve este raciocínio ao visitar achamada Pedra da Saudade: “Durante o tempo em queestivemos de pé sobre essa enorme massa de pedra, nãopude dominar o pensamento de que, assim como ela esta-cara sem razão em sua descida, também podia partir denovo a qualquer momento e nos transportar para o fundodo abismo.

Em 1971, o deslizamento observado na Serra daAratanha era imperceptível fissura no solo, no sítio do sr.Francisco Marcelo. Já em 1973, o risco, a greta, alargava-se, e, da noite para o dia, virou abismo. O deslizamento foiocorrendo de modo mais ou menos lento. Tudo fazia crerque não passaria de um derretido normal de serra, já ob-

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servado noutras oportunidades. Mas não sucedeu dessaforma. O deslizamento buscou os pontos mais baixos, fen-dendo a terra, abrindo enorme depressão na vegetaçãoverde, num percurso de 1 400 metros, alcançando, de lar-gura, em um ou outro trecho, 200 metros.

O inverno (ou inferno) de 1974 abateu-se de modoviolento sobre a Serra da Aratanha e compeliu a que seaprofundassem ainda mais os estragos produzidos pelodeslizamento referido, que, tal qual um vulcão em erup-ção, derramaria lama e matéria em decomposição de for-ma imoderada na direção do açude São João, deixando-opraticamente soterrado.

Seria este o prenúncio de outros deslizamentos séri-os. A reportagem do Correio do Ceará documentou, foto-graficamente, de longe, o sofrimento físico da áreaprejudicada. Mas ninguém, e se explicite, mais objetivo,nenhuma autoridade, administrativa ou técnica, se inte-ressou pelo assunto. As populações serranas, nem daAratanha nem de outras áreas, como da Serra deMaranguape, foram advertidas que fenômeno igual pode-ria ocorrer com a continuação das grandes chuvas quecastigavam o Ceará.

A catástrofe da Serra de Maranguape e a lembrançado sábio

E veio então a catástrofe da Serra de Maranguape. Odeslizamento ali foi brutal, de inopino, soterrando casas,árvores, bichos e pessoas. Faleceram treze serranos. Vi-das ceifadas, de um momento para outro, sufocadas, aba-fadas pelo chão pegajoso, almas que subiram para maisalto ainda, enfriadas e amolecidas pela terra empapada.

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E, como se isso não bastasse, eis que, logo a seguir, re-benta novo deslizamento, desta feita em Itapajé. Aí morre-ram seis ou sete criaturas.

Quando se pensava obstada a sucessão dessas tra-gédias produzidas pelas serras amolecidas, novamente seesvai uma imensidão de montanha, diluída, frágil, terrí-vel, na Ibiapaba, sem que reportagem e autoridades pu-dessem, até hoje, afirmar se morreram apenas onzetrabalhadores serranos.

A última grande tragédia foi a do desaparecimentodo Boqueirão do Berra, a 11 de abril de 1919, fato que jáse perdeu na memória dos próprios estudiosos. O ano de1974 reeditaria o mesmo panorama fatal, entaipando po-bres homens desassistidos, apanhados de surpresa.

Ante esse quadro, digno da pena de Edgar Allan Poe,vieram depor técnicos, geólogos e agrônomos, cada um coma sua versão. E não faltou o governo a prometer obras derecuperação e indenização, e os conservacionistas, comonós, a considerar que também o sucedido, que amargura-va, decorria do aproveitamento de áreas para cultivo, – quedeveriam ser interditas – e, em alguns casos, como na Ser-ra de Maranguape, da violentação da paisagem pelo ex-cesso de sítios de lazer, com piscinas que alteram os cursosd’água, e a construção de residências que se assentam emlugares pouco convenientes, modificando o escoamento dasenxurras das chuvas.

Amedrontados estão os serranos. Talvez pensem comoo sábio Luiz Agassiz, quando se pôs sobre a enorme pedrado alto da montanha, a contemplar a imensidão do sertãodistante; – assim como aquela rocha estacou, sem razão,em sua descida, também pode partir novamente, a qual-quer instante, e transportar todos para o abismo.

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