compilado de textos de política externa brasileira

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Compilado de textos sobre Política Externa Brasileira Todos os textos estão disponíveis na Internet Material compilado por Grupo Inspira para fins acadêmicos Encontre o Grupo Inspira no Facebook: http://migre.me/qpH04 CERVO, Amado Luiz. “Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45, número 1, 5- 35. CERVO, Amado Luiz. Editorial “De Cardoso a Lula”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, ano 46, número 1, pp. 5-11. HIRST, Mônica & PINHEIRO, Letícia. A política externa do Brasil em dois tempos, Revista Brasileira de Política Internacional, ano 38, n. 1, 1995, p. 5-23. LAFER, Celso. “Brasil: dilemas e desafios da política externa”, Estudos Avançados, 14, 38, pp. 260–7. MOREIRA JR., H. “A Plurilateralização da Política Externa Brasileira e os Desafios Impostos pelo Multilateralismo Pragmático”. Boletim Meridiano 47, v. 14, nº 138, pp.3 - 9 jul - ago. 2013. Alsina Jr, J.P.S. 2009, “O poder militar como instrumento da política externa brasileira contemporânea”, Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 52, no. 2. Gomes Moreira, P. 2014, “Origens da política externa Brasileira na Amazônia: formação de fronteiras e ciclos diplomáticos”, Meridiano 47, no. 141, pp. 3. Salomón, M. & Pinheiro, L. 2013, “Análise de Política Externa e Política Externa Brasileira: trajetória, desafios e possibilidades de um campo de estudos", Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 56, no. 1. Documentos da política externa independente. Álvaro da Costa Franco (Org.). – Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. Coleção Funag. Barão do Rio Branco.

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Compilado de textos sobre Política Externa Brasileira

Todos os textos estão disponíveis na Internet

Material compilado por Grupo Inspira para fins acadêmicos

Encontre o Grupo Inspira no Facebook: http://migre.me/qpH04

CERVO, Amado Luiz. “Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45, número 1, 5- 35. CERVO, Amado Luiz. Editorial “De Cardoso a Lula”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, ano 46, número 1, pp. 5-11. HIRST, Mônica & PINHEIRO, Letícia. A política externa do Brasil em dois tempos, Revista Brasileira de Política Internacional, ano 38, n. 1, 1995, p. 5-23. LAFER, Celso. “Brasil: dilemas e desafios da política externa”, Estudos Avançados, 14, 38, pp. 260–7. MOREIRA JR., H. “A Plurilateralização da Política Externa Brasileira e os Desafios Impostos pelo Multilateralismo Pragmático”. Boletim Meridiano 47, v. 14, nº 138, pp.3 - 9 jul - ago. 2013. Alsina Jr, J.P.S. 2009, “O poder militar como instrumento da política externa brasileira contemporânea”, Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 52, no. 2. Gomes Moreira, P. 2014, “Origens da política externa Brasileira na Amazônia: formação de fronteiras e ciclos diplomáticos”, Meridiano 47, no. 141, pp. 3. Salomón, M. & Pinheiro, L. 2013, “Análise de Política Externa e Política Externa Brasileira: trajetória, desafios e possibilidades de um campo de estudos", Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 56, no. 1. Documentos da política externa independente. Álvaro da Costa Franco (Org.). – Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

Coleção Funag. Barão do Rio Branco.

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Revista Brasileira de Política InternacionalInstituto Brasileiro de Relações [email protected] ISSN (Versión impresa): 0034-7329BRASIL

2002 Amado Luiz Cervo

RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL: UM BALANÇO DA ERA CARDOSO Revista Brasileira de Política Internacional, janeiro-junho, año/vol. 45, número 001

Instituto Brasileiro de Relações Internacionais Brasilia, Brasil

pp. 5-35

Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal

Universidad Autónoma del Estado de México

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Rev. Bras. Polít. Int. 45 (1): 5-35 [2002]* Professor Titular de História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília. A publicação dessetexto, parte da História da Política Exterior do Brasil (Brasília: EdUnB, 2002) foi autorizada pelaEditora Universidade de Brasília.

Relações internacionais do Brasil:um balanço da era Cardoso

AMADO LUIZ CERVO*

Introdução

O triunfo do capitalismo sobre o socialismo soviético em 1989 deu impulsoà globalização em sua dimensão horizontal e vertical. Três fatores influíram sobreo reordenamento das relações internacionais: a ideologia neoliberal, a supremaciado mercado e a superioridade militar dos Estados Unidos. A globalização engendrounova realidade econômica caracterizada pelo aumento do volume e da velocidadedos fluxos financeiros internacionais, pelo nivelamento comercial em termos deoferta e demanda, pela convergência de processos produtivos e, enfim, pelaconvergência de regulações nos Estados.

Essa tendência histórica deparou-se, entretanto, com duas outras, umaque a continha e outra que a embalava: a formação de blocos econômicos e a novaassimetria entre o centro do capitalismo e sua periferia.

Diante desse cenário internacional, a política exterior do Brasil adaptou-sede modo não simples. À primeira vista, parece haver-se perdido o rumo que porsessenta anos havia impresso racionalidade e continuidade à política exterior deum Estado que buscava obstinadamente a promoção do desenvolvimento nacional.O Itamaraty teve dificuldades de reagir. Entre 1990 e 1995, cinco ministros ocuparama pasta das Relações Exteriores, dois de fora da casa, a denotar instabilidade depensamento e de estratégia externa. O processo que resultou na cassação domandato do Presidente Fernando Collor de Melo (1990-92) em 1992 e o hiato doGoverno de Itamar Franco até 1994 contribuíram para tal indefinição. A partir de1995, com os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e acontinuidade da gestão do Chanceler Luiz Felipe Lampreia (1995-2000), pretendeu-se imprimir coerência à ação externa. Não sem reações e tropeços. Havia noItamaraty quem lançasse dúvidas sobre o rumo tomado. O pensamento crítico queemergiu com força durante o Governo de Itamar Franco prosseguiu nasmanifestações de Rubens Ricupero, Celso Amorim, Luiz Felipe de Seixas Correae outros embaixadores, mas ninguém o formulou de modo tão incisivo quanto o

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Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da própria casa,Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.

A dança dos paradigmas

O pensamento político brasileiro aplicado às relações internacionais doBrasil desde 1990 não foi homogêneo, como ocorreu no seio da comunidadeepistêmica argentina que assessorou o Presidente Carlos Saúl Menem, duranteseus dois mandatos. Ante a instabilidade do Itamaraty na primeira metade da década,acabou por prevalecer o pensamento de Fernando Henrique Cardoso, que foraMinistro das Relações Exteriores entre outubro de 1992 e maio de 1993 e quecontou depois por seis anos com Lampreia, seu fiel intérprete. A passagem porduas ocasiões pelo Itamaraty do Ministro Celso Lafer, de forte pensamento próprio,reforçou a linha de pensamento e ação de Cardoso.

Além de haver-se enfraquecido em razão da discordância interna e daprevalência de pensamento externo à casa, o processo decisório em política exteriordo Itamaraty perdeu força sob outro ângulo também, na medida em que as decisõesnas áreas da alfândega, das finanças externas e da abertura empresarial foramdeslocadas para as autoridades econômicas, que aplicavam diretrizes monetaristase liberais com desenvoltura e com conseqüências sobre a organização nacional.

Em virtude de tais contingências, o Brasil imprimiu desde 1990 orientaçõesconfusas, até mesmo contraditórias, à política exterior. Identificamos três linhas deforça da ação externa que definimos com auxílio do conceito de paradigma: oEstado desenvolvimentista, o Estado normal e o Estado logístico. A coexistênciade paradigmas, inadmissível nas ciências exatas e naturais, embora paradoxal, épossível nas ciências humanas e sociais, onde eles adquirem a função metodológicade organizar a matéria e de dar-lhe inteligibilidade orgânica mediante uma visãocompreensiva dos fatos.

O Estado desenvolvimentista, de caraterísticas tradicionais, reforça oaspecto nacional e autônomo da política exterior. Trata-se do Estado empresárioque arrasta a sociedade no caminho do desenvolvimento nacional mediante asuperação de dependências econômicas estruturais e a autonomia de segurança.O Estado normal, invenção latino-americana dos anos noventa, foi assimdenominado pelo expoente da comunidade epistêmica argentina, Domingo Cavallo,em 1991, quando era Ministro das Relações Exteriores do Governo de Menem.Aspiraram ser normais os governos latino-americanos que se instalaram em 1989-90 na Argentina, Brasil, Peru, Venezuela, México e outros países menores. Aexperiência de mais de uma década revela que esse paradigma envolve trêsparâmetros de conduta: como Estado subserviente, submete-se às coerções docentro hegemônico do capitalismo; como Estado destrutivo, dissolve e aliena onúcleo central robusto da economia nacional e transfere renda ao exterior; como

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7RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL: UM BALANÇO DA ERA CARDOSO

Estado regressivo, reserva para a nação as funções da infância social. O terceiroé o paradigma do Estado logístico que fortalece o núcleo nacional, transferindo àsociedade responsabilidades empreendedoras e ajudando-a a operar no exterior,por modo a equilibrar os benefícios da interdependência mediante um tipo de inserçãomadura no mundo globalizado.

O primeiro paradigma, cujo protótipo na América Latina foi o Brasil, entre1930 e 1989, elevou este país ao mais alto nível de desenvolvimento regional; osegundo, cujo protótipo foi a Argentina da era Menem, conduziu à crise de 2001-2002, caracterizada pelo aprofundamento de dependências estruturais e peloempobrecimento da nação; o terceiro, cujo protótipo foi o Chile, garante umainserção internacional madura. Os países da América Latina avançaram mais oumenos esses caminhos, com maior ou menor coerência, mas apenas o Brasilpercorreu os três, como um carro que houvesse desligado os faróis à noite eadentrasse pelo escuro à procura de seu destino.

A indefinição oriunda da coexistência paradigmática da política exteriorbrasileira desde 1990 levou à agonia do Estado desenvolvimentista, à emergênciado Estado normal e ao ensaio de Estado logístico.

O desenvolvimento não desapareceu no horizonte da política exteriorbrasileira ao encerrar-se em 1989 o ciclo desenvolvimentista de sessenta anos.Deixou apenas de ser o elemento de sua racionalidade. A estratégia tradicional foiposta em dúvida porque se supunha que houvesse desembocado na crise doendividamento, da instabilidade monetária e da estagnação econômica dos anosoitenta, e que não resistiria diante das transformações da ordem global ao términoda Guerra Fria.

Segundo o Chanceler Celso Amorim, o objetivo síntese do desenvolvimentomanteve-se, contudo, presente nos esforços do Brasil durante as negociações daRodada Uruguai do GATT, na criação do Mercosul, na proposta de criação daALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana), no fato de haver o Brasilrelançado o tema do desenvolvimento sobre os foros multilaterais quando andavaofuscado pelo radicalismo neoliberal global. Itamar Franco deixou claro que odesenvolvimento prosseguia sendo “o objetivo maior da política externa”. Depoisdele, Cardoso também denunciou a retirada do tema do grande debate internacional,em razão da extinção do diálogo norte-sul, bem como os obstáculos erigidosposteriormente pela globalização aos esforços de desenvolvimento. A realizaçãoda Conferência de Cúpula sobre o Desenvolvimento Social (Copenhage, 1995) foiconsiderada uma vitória brasileira. A diplomacia brasileira requisitou uma relaçãoentre desenvolvimento e temas globais para o desenho da ordem internacional.Não aceitou, durante a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento(Rio de Janeiro, 1992) que as preocupações com a ecologia sacrificassem o cursodo desenvolvimento, vinculou-o à fruição dos direitos humanos durante aConferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, em 1993, e, sobretudo,

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agiu no GATT, e depois na OMC, para alcançar uma regulamentação do sistemamultilateral de comércio que evitasse resultados favoráveis apenas às naçõesavançadas.

A emergência do Estado normal – subserviente, destrutivo e regressivo –nas estratégias de relações internacionais do Brasil teve como impulso conceituala idéia de mudança. Não se trata de uma leviandade mental, mas de uma convicçãoprofundamente arraigada na mentalidade de dirigentes brasileiros, capaz de provocar:a) o revisionismo histórico e a condenação das estratégias internacionais do passado;b) a adoção acrítica de uma ideologia imposta pelos centros hegemônicos de poder;c) a eliminação das idéias de projeto e de interesse nacionais; d) a correção domovimento da diplomacia. Sob este paradigma, a política exterior do Brasil orientou-se por um equívoco de substância, que Fernando Henrique Cardoso expressou emartigo para a Revista Brasileira de Política Internacional em 2001: uma tríplicemudança interna – democracia, estabilidade monetária e abertura econômica –eram seus novos comandos. Como não se conhecem experiências em que estescomandos tenham servido a Estados maduros como vetores de política exterior, aidéia de mudança introduziu naturalmente o paradigma do Estado normal, comoinvenção da inteligência periférica.

Desistindo de fazer política internacional própria, o Brasil aplicou as duasgerações de reformas sugeridas pelo chamado Consenso de Washington. Em umaprimeira fase, implementou políticas de rigidez fiscal, retirou o Estado dosinvestimentos produtivos, contraiu salários e benefícios do Estado do bem-estar,privatizou empresas públicas, vendeu-as às companhias estrangeiras para arrecadardólares e pagar a dívida externa. Pôs em marcha, depois, reformas de segundageração, buscando estrutura regulatória estável e transparência dos gastos públicos,sobretudo criando facilidades para o empreendimento estrangeiro penetrar aatividade econômica. As duas ondas de reformas exigidas da América Latinapelos Estados Unidos e pelos órgãos financeiros internacionais, Banco Mundial eFMI, denominadas de boa governabilidade, deveriam resultar em regras e instituiçõesfavoráveis à expansão das empresas privadas transnacionais na região. Asubserviência do Estado normal, erigida como ideologia da mudança, engendrougraves incoerências, ao confundir democracia com imperialismo de mercado,competitividade com abertura econômica e desenvolvimento com estabilidademonetária. Completou-se com o desmonte da segurança nacional e a adesão atodos os atos de renúncia à construção de potência dissuasória.

Na vigência dessas novas condições políticas, o Estado normal encaminhouno Brasil a destruição do patrimônio e do poder nacionais. Utilizou conscientementeos mecanismos das privatizações para transferir ativos nacionais a empresasestrangeiras, abrindo desse modo nova via de transferência de renda ao exteriorpor meio dos lucros e aprofundando a dependência estrutural da nação. Sujeitou-se à especulação financeira internacional que também absorveu renda interna.

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9RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL: UM BALANÇO DA ERA CARDOSO

Mais de oitenta bilhões de dólares arrecadados pelas privatizações brasileiras foramgastos em despesas de custeio, sem benefício algum para o reforço de setoresestratégicos da economia nacional. Como as empresas traziam de foraequipamentos sofisticados e não se voltavam para as exportações, apenas para ovasto mercado brasileiro, o país tornava inócua sua política de comércio exterior.A ação destrutiva do Estado normal priva, ademais, o governo de meios de podersobre a arena internacional.

A terceira dimensão do paradigma do Estado normal é o salto para trásque imprime ao processo histórico. As atividades empresariais em mãos de nacionaistendem a reduzir-se à montagem de produtos e à execução mecânica de serviçosno seio de empresas, cujas matrizes localizadas no exterior criam a tecnologia. Aalienação da Embratel, o coração do sistema brasileiro de comunicações, fechouescola de aprendizagem e aplicação de conhecimentos na área. Nesse e em outrosdomínios, a capacitação da inteligência brasileira, que havia alcançado níveis deprimeiro mundo e amplitude social em alguns setores, tende a tornar-se inútil eociosa. Tanto assim é que o Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg,propôs em 2001 ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) um plano de fixação de doutores brasileiros no Brasil. Como aproveitá-los, se o Estado normal empurrava a economia de regresso aos domínios dasatividades primárias, onde se manteve desde a Independência até o advento deGetúlio Vargas?

A racionalidade histórica demandava, pois, ao termo do ciclodesenvolvimentista em 1989, não o paradigma do Estado normal, que impregnouas políticas públicas de Fernando Henrique Cardoso, mas outro esquema de ação,que chamamos de Estado logístico, também presente nas decisões desse homemde Estado, por feliz incoerência. O Estado logístico teve como desafios absorver,no ponto de transição, as forças nacionais geradas pelo Estado desenvolvimentistae engendrar a inserção madura no mundo unificado pelo triunfo do capitalismo.Onde se pode perceber a ação logística do Estado brasileiro desde 1990?

O caminho do Estado logístico levou o país a controlar o processo deprivatização para evitar o risco de consumar a destruição do patrimônio nacional acargo do Estado normal, como levou-o à criação de algumas grandes empresas dematriz brasileira em setores em que a competitividade sistêmica era possível, comoa mineração, a siderurgia, a indústria aeronáutica e espacial. Para tanto, a aberturahaveria de ser dosada pela capacidade de adaptação do empresariado local. Adiplomacia empresarial chamou as associações de empresários e de trabalhadorese as lideranças de outros segmentos da sociedade organizada para auscultar seusinteresses na fixação do grau de abertura e nas opções diante da formação deblocos econômicos e das negociações entre o Mercosul e outros blocos. Lançou-se, desse modo, o conceito de América do Sul como área de fortalecimento préviodas economias regionais sob liderança brasileira. Estribada na credibilidade que o

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país alcançou com a consolidação da democracia, a estabilidade e a aberturaeconômicas, a diplomacia presidencial foi acionada com vigor nos foros multilateraise nas relações bilaterais. Denunciou os ganhos unilaterais da interdependência quese estabeleceu entre o centro hegemônico e o Estado normal da periferia. Assim,o ensaio de Estado logístico, uma assimilação do comportamento dos grandes pelogoverno brasileiro, recuperou estratégias de desenvolvimento e conferiu à políticaexterior funções assertivas: a) o reforço da capacidade empresarial do país; b) aaplicação da ciência e da tecnologia assimiladas; c) a abertura dos mercados donorte em contrapartida ao nacional; d) mecanismos de proteção diante de capitaisespeculativos; e) uma política de defesa nacional.

O analista das relações internacionais do Brasil fica perplexo ante talindefinição oriunda da coexistência dos paradigmas, porque não dispõe deapenas uma categoria conceitual – uma teoria, dirá o politólogo – para darinteligibilidade orgânica aos fatos, como ocorria anteriormente com o paradigmadesenvolvimentista. Enfrenta o desafio de medir o comprimento do caminhopercorrido pelos governos brasileiros desde 1990, rumo à consolidação dodesenvolvimento e à inserção madura no mundo da globalização ou de regresso àinfância social e à dependência estrutural. Os políticos também ficaram perplexos.Em agosto de 2001, os chefes de Estado reunidos em Santiago na 15ª Cúpula doGrupo do Rio reconheceram que a América Latina havia implementado as reformasrequeridas pelo centro sem que a globalização respondesse com benefícios para odesenvolvimento da região1.

O Brasil diante das regras e estruturas da globalização

Multilateralismo e temas globais

Como fazia há décadas, a diplomacia brasileira manteve forte presençanos órgãos multilaterais, desde 1990. No passado, esta presença tinha por escoposubstituir a ordem, desde 1990 busca-se influir sobre a definição de seus parâmetros.O multilateralismo foi eleito como meio de ação da nação desprovida de poderpara realizar sua vontade. A diplomacia brasileira voltou-se para os novos temasque compunham a agenda da globalização – aliás não eram novos mas renascidosda distorção que lhes imprimia a ordem bipolar. Com o fim da Guerra Fria,desapareceu a dicotomia entre alta e baixa política e a segurança estratégicaincorporou sem distância o reordenamento econômico. A ascensão do livre comércioe do livre fluxo de capitais deprimiam a questão da segurança entre 1990 e 2001,quando o tema da governabilidade global ameaçava as soberanias nacionais. OBrasil ocupava-se então com liberalismo econômico, ecologia, direitos humanos,segurança, multilateralismo comercial e fluxos de capitais. Examinamos as trêsprimeiras questões nesse parágrafo, as outras três a seguir.

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Liberalismo econômico. Durante as administrações de Collor de Melo eCardoso, o neoliberalismo inspirou as políticas públicas internas e externas, situando-as no âmbito do Estado normal. Inspirou, ademais, as delegações do Brasil nasnegociações do GATT e da OMC acerca de propriedade intelectual, investimentos,comércio de serviços, sistemas de preferências e sistema multilateral de comércio.Ao abrir a Assembléia Geral da ONU em 1991, Melo expressou a nova filosofiado Brasil: “O ideário liberal venceu... Essa é uma observação que faço da perspectivade um país que optou por uma plataforma liberal”. Os dois presidentes retiraramdo Estado o papel de “coordenação da economia” e reconheceram – segundo LuizCarlos Bresser Pereira, um Ministro de Estado – “que essa coordenação cabe aomercado”. Indo além das exigências do chamado Consenso de Washington, aequipe de governo de Cardoso optou pela venda preferencial das empresas públicasàs companhias estrangeiras. Obteve do Congresso uma lei de privatização parapermitir que se fizesse pelos mecanismos de alienação. Os defensores mais arrojadosdessa política foram os dois Ministros das Comunicações, Sérgio Motta e LuizCarlos Mendonça de Barros, responsáveis pela maior transferência de patrimônioda periferia para o centro na era da globalização. À frente do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Francisco Gros deu prioridade afinanciamentos de empresas estrangeiras sobre as nacionais nas privatizações.

Cardoso estava convencido de que dois benefícios resultariam da aberturatanto do mercado de consumo como dos sistemas produtivo e de serviços: libertaro Estado de encargos de dívidas contraídas pelas empresas públicas e melhorar acompetitividade daqueles dois sistemas. É bem verdade que a resposta da economiabrasileira foi positiva na medida em que o parque industrial modernizou-se e odesempenho elevou-se. Contudo, a privatização com alienação impediu a inserçãointernacional do país em condições de competitividade sistêmica, que demandavaa expansão para fora de empresas de matriz nacional. Por efeito do Estadodesenvolvimentista, o Brasil reunia as quatro condições para tanto – grandesempresas, capital, tecnologia e mercado – em nível muito superior às de pequenosEstados como Portugal e Espanha, que lograram uma inserção madura no mundointerdependente por haverem implementado políticas de padrão logístico.

Houve portanto, também no Brasil, adoção acrítica e ideológica doneoliberalismo, que erigiu o Estado normal latino-americano, reproduzindo no país,embora em menor escala, efeitos negativos que se generalizaram na região: aumentoda transferência de renda ao exterior, inadimplência, repetidas corridas ao FMI,conversão do comércio exterior de instrumento estratégico de desenvolvimentoem variável da estabilidade monetária, regressão do processo de desenvolvimentopara dentro, aumento da desigualdade social, desemprego, desnacionalização edesindustrialização. E perda de poder de negociação de uma diplomacia atrofiada.As conseqüências do liberalismo sobre as economias emergentes foram resumidaspor Rubens Ricupero, Secretário-Geral da X UNCTAD realizada em Bangkok em

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fevereiro de 2000: instabilidade estrutural, vulnerabilidade econômica, crescimentoda pobreza, marginalização e insegurança. As políticas de vertente keynesianaintroduzidas pelo governo de George W. Bush no segundo semestre de 2001 pararelançar a economia norte-americana ameaçada por profunda recessão vinhamlançar mais dúvidas sobre o acerto da abertura das economias periféricas.

Meio ambiente. A ação da diplomacia brasileira nesse terreno não permitiuque graves prejuízos ao país como aqueles advindos da gestão das relaçõeseconômicas externas se repetissem. Com efeito, era perceptível junto aos paísesavançados a intenção de utilizar o argumento ecológico como instrumento de pressãosobre os países em desenvolvimento para tolher-lhes riqueza e meios de ação. Aestratégia brasileira envolveu iniciativas na esfera bilateral, multilateral regional emultilateral global. Obteve êxito em três sentidos: trouxe a chamada Cúpula daTerra para o Rio de Janeiro (junho de 1992), agregou na ocasião o tema dodesenvolvimento ao debate sobre meio ambiente (Conferência das Nações Unidassobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) e substituiu o confronto norte-sul pelacooperação no trato da questão. A ECO 92 assistiu ao triunfo da tese brasileira dodesenvolvimento sustentável acoplado ao meio ambiente. Dela resultaram a Agenda21, um programa de cooperação multilateral, uma Convenção-Quadro sobreMudança do Clima, que evoluiu para o Protocolo de Kyoto de 1997, e umaConvenção sobre Diversidade Biológica que resguarda direitos brasileiros sobre aAmazônia. O Brasil ratificou as duas últimas e envolveu-se oficialmente com aAgenda 21.

A competente ação da diplomacia brasileira reverteu na década de noventaas ameaças internacionais que pesavam sobre a Amazônia, com base emestereótipos tais como pulmão da humanidade, patrimônio da humanidade, reservaecológica e outros, difundidos por Organizações Não-Governamentais e ordensreligiosas que arrancavam pronunciamentos de chefes de Estado das grandespotências. Detentor da maior biodiversidade do planeta, o Brasil já incluíra noTratado de Cooperação Amazônica de 1978 a necessidade da pesquisa. Comonão a desenvolvia, a Convenção sobre Diversidade Biológica era violada pelopatenteamento no exterior de produtos amazônicos. Essa biopirataria provocounovas iniciativas governamentais, tendo em vista preservar a soberania e os direitosreconhecidos naquela convenção multilateral. Em 1995, o Congresso aprovou aLei sobre Biossegurança, em 1996 a Lei de Patentes, em 1997 uma Lei de Cultivarese finalmente a Lei que regula o acesso aos recursos genéticos brasileiros. Todoesse ordenamento jurídico complementou-se com o Programa Piloto para Proteçãodas Florestas Tropicais do Brasil, envolvendo o Brasil, o G7 (grupo das sete maiorespotências capitalistas), a União Européia e o Banco Mundial no mais vasto programade cooperação ambiental do mundo.

O conceito de desenvolvimento sustentável, uma produção da engenhariadiplomática brasileira, associado a esta diversificada estratégia de ação externa,

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afastou aparentemente a ameaça internacional e garantiu à nação os benefícios dariqueza biológica. Os críticos da legislação brasileira entendem, contudo, que osdireitos sobre a biodiversidade e os recursos genéticos não foram protegidos aoponto de evitar que a Amazônia venha também a ser alienada por padrões deconduta do Estado normal. Por sua vez, o Governo parece seguro sobre a arenainternacional. Tanto é que enfrentou os Estados Unidos na Organização Mundialda Saúde em 2001, fazendo aprovar por 191 votos (inclusive o norte-americano) aquebra de patentes de indústrias farmacêuticas quando exigem graves condiçõesda saúde pública, como a epidemia da síndrome da imunodeficiência adquirida(AIDS).

Direitos humanos. A política exterior do Brasil envolveu-se com os direitoshumanos de modo distinto, em três fases: ao ensejo e logo após a DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 foi assertiva na promoção dessesdireitos, adquirindo experiência no plano regional (Comissão Interamericana deDireitos Humanos) e global (Comissão de Direitos Humanos da ONU); a partirdos anos sessenta, em nome do constitucionalismo, mas em razão do regimeautoritário, abandonou tal esforço, tomando posições defensivas e isolacionistasnos foros multilaterais; com o fim do ciclo autoritário, remediou-se e recuperoudesde 1985 aquela ação assertiva original. A última fase foi preparada peloprofessor da Universidade de Brasília, Antônio Augusto Cançado Trindade,renomado jurista internacional, Conselheiro Jurídico do Itamaraty e depois Presidenteda Corte Interamericana de Direitos Humanos. O novo papel do Brasil na defesae promoção universal dos direitos humanos desdobrou-se em duas dimensões, aprimeira de ordem interna e a segunda externa.

Em 1992 consumou-se a adesão aos três tratados gerais de proteção, osdois da ONU e a Convenção da OEA. Conjugou-se essa iniciativa com a adesãoàs convenções internacionais específicas: contra a discriminação racial, da mulher,contra a tortura, sobre os direitos da criança, do refugiado. Em 1997, o Brasilreconheceu a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos.No mesmo ano, aprovou moderna lei sobre refugiados e entrou na rota do abrigo,particularmente para africanos. O Congresso exerceu a prerrogativa de adaptarsob todos os ângulos a lei brasileira, alinhada enfim aos avanços normativosinternacionais. O Executivo criou a Secretaria de Estado de Direitos Humanos.

A conjugação dos esforços de juristas, diplomatas e legisladores produziuno Brasil uma percepção e um conceito original de direitos humanos que serviu deinstrumento de ação positiva sobre o cenário internacional. Com efeito, o governobrasileiro entende que os direitos humanos – os liberais de primeira geração e osnovos direitos econômicos, sociais, civis e culturais de segunda geração – sãoindivisíveis, como o ser humano, e sobrepõem-se aos particularismos religiosos ouculturais. A preocupação com os direitos humanos condiciona a ação externa doEstado e envolve a defesa da democracia e do desenvolvimento. Nesse último

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ponto, a criatividade política brasileira e sua expressão diplomática tiveram papelinovador na vinculação entre fruição de direitos humanos e condições de bem-estar social alcançadas com o desenvolvimento econômico. Essa tese prevaleceunas conclusões da Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993), ondea delegação brasileira presidiu o comitê plenário encarregado da redação daDeclaração Final. Uma lógica ilustrada da globalização, nos termos de Celso Lafer,emerge dessa Conferência, provocando a responsabilidade dos governos em outronível. Evidenciou-se desse modo o equívoco do Departamento de Estado americanoe da União Européia que acusam em seus relatórios o Terceiro Mundo e a AméricaLatina em particular de infringir os direitos humanos.

A diplomacia de Cardoso reforçou sua credibilidade com a nova face queexibiu. No transcurso dos cinqüenta anos da ONU, em 1995, cobrou sua funçãoreguladora das relações internacionais mediante a criação de um corpus jurídicoque não seja uma hipocrisia para as grandes potências. Cabe apenas à ONUsacrificar com legitimidade o princípio da soberania e da autodeterminação quandoa defesa da paz e dos direitos humanos o requeiram. Cabe-lhe, por outro lado,reordenar o mundo para um ambiente de justiça e eqüidade social. No embalo dademocracia e da promoção dos direitos humanos, a visão kantiana da paz e dajustiça global contaminou portanto o discurso da diplomacia brasileira nos anosnoventa, em contraste com o realismo político do comportamento das grandespotências2 .

O sacrifício da segurança nacional

Embora não hesitasse em ceder as decisões na área das relaçõeseconômicas internacionais do país às autoridades econômicas, de vertente hayekiana,o Itamaraty apropriou-se nos anos noventa, com sua inspiração idealista de vertentegrotiana e kantiana, da doutrina de segurança e da política de defesa, deprimindo opapel das Forças Armadas nessa área. Ao separar os dois campos estratégicos, oque nunca fizeram as grandes potências, distanciou-se do realismo e embarcou nautopia. Com efeito, segundo Robert Gilpin, a pax americana sempre forneceu aprimeira razão dos investimentos americanos no exterior. Ao termo da GuerraFria, fortes economicamente, os Estados Unidos e seus aliados autooutorgaram-seo direito de ingerência, exercido sob a auréola dos direitos humanos, porém sob aeficácia do realismo político que ausculta os próprios interesses.

A política exterior do Brasil desqualificou a força como meio de ação emfavor da persuasão. O país abandonou a tendência iniciada nos anos 1970 emtermos políticos com a transição da segurança coletiva para a nacional e em termosindustriais com a produção de meios de defesa e dissuasão. Reforçou seu pacifismo,firmando os pactos internacionais de desarmamento. Ou seja, aplicou a mesmavisão multilateralista no trato das questões econômico-comerciais e de segurança.

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O mundo após a Guerra Fria passou, todavia, do sistema bipolar para um sistemaeconômico multipolar e outro estratégico unipolar. O trato multilateralista convinhasomente ao primeiro. Por isso, com o tempo, foi necessário temperar o idealismokantiano da diplomacia brasileira, o que se fez de duas formas: elaborou-se em1996 um documento político para nortear as decisões na área e buscou-se a uniãoda América do Sul, tendo em vista precaver-se ante possível nocividade dahegemonia dos Estados Unidos.

As medidas de confiança mútua estabelecidas entre Brasil e Argentinadesde os anos oitenta converteram-se em variável essencial da política brasileirade segurança. No país vizinho, as decisões também se deslocaram da área militarpara a Chancelaria que afinou a princípio seu entendimento com a Chancelariabrasileira. Mais tarde, porém, a visão argentina revolveu antigos antagonismos, oque também contribuiu para a correção da política brasileira. Quando os programasnacionais dos dois países dominaram o ciclo completo da tecnologia nuclear,percebeu-se a necessidade de travar a corrida armamentista e de superar o dilemade ter ou não ter a bomba. Ambiente propício foi criado pelo Acordo Tripartite de1979 que eliminou o contencioso acerca do aproveitamento dos rios. Em 1980,firmou-se o primeiro acordo de cooperação nuclear. Em 1985, já com os civis nopoder, criou-se um grupo de trabalho conjunto, presidido pelos chanceleres, quedeu origem a vários instrumentos. O processo de integração iniciado com a Ata de1986 abrigou timidamente a cooperação nuclear. Mas o Tratado de Assunção quecriou o Mercosul em 1991 animou a cooperação na área da segurança,particularmente a nuclear. Nesse mesmo ano, instituiu-se um sistema de fiscalizaçãomútua, previu-se a entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco e instituiu-se umsistema sui generis de salvaguardas com participação da Agência Internacionalde Energia Atômica. Em 1994, entrou em vigência o Tratado de Tlatelolco para osprincipais países da região. Novos atos consolidaram a confiança mútua, até acriação em 2001 de uma agência bilateral para utilização pacífica da energia nuclear.

Na segunda metade dos anos noventa, esse ambiente propício à construçãoda zona de paz no Cone Sul da América foi perturbado pela obstrução argentina àpretensão brasileira de ocupar um posto como membro permanente no Conselhode Segurança e por sua insistência em integrar a OTAN com explícita intenção desecundar a ação dos Estados Unidos na América do Sul. Repugnava à diplomaciabrasileira aquela subserviência, como também as propostas norte-americanas decriar instituições regionais de segurança e de confinar as Forças Armadas dospaíses da América do Sul no combate ao narcotráfico. Desconfiou, por isso, doPlano Colômbia de assistência militar norte-americano ao combate às drogas eempenhou-se vivamente para chegar à solução diplomática do conflito de fronteiraentre Equador e Peru.

Por decisões de política exterior, o governo brasileiro movimentou-se naesfera da segurança global. Imbuído do idealismo kantiano, agiu com determinação

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nos foros de negociação no sentido de regular o sistema multilateral de segurança.Renunciou à construção da potência e ao exercício da força como instrumento dapolítica ao aderir aos pactos de erradicação de armas químicas e biológicas dedestruição massiva, ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis e ao Tratadode Não-Proliferação Nuclear. Participou de inúmeras operações de paz sob aégide da ONU. Lançou em 1994 sua candidatura a membro permanente do Conselhode Segurança, mas depois abriu mão dessa pretensão, em favor de uma reformaque desse ao Conselho representatividade e legitimidade. Lamentou a perdagradativa de poder desse Conselho em favor de decisões unilaterais dos EstadosUnidos, que a elas subordinavam a OTAN.

Com suas iniciativas pacifistas logrou, portanto, o governo brasileiro influirsobre o desarme do Cone Sul e a construção de uma zona de paz e cooperação naAmérica do Sul. Animado com isso, desmontou o sistema nacional de segurança erenunciou ao realismo da ação na arena internacional. Malogrou quanto àsexpectativas de fixar um ordenamento regulatório multilateral para a segurança domundo. Essas ambivalências entre realismo e idealismo permeiam o documentocom que a Presidência da República fixou em 1996 a Política de Defesa Nacional.Esta resultou ambígua quanto à competência de sua execução por diplomatas,instituições civis e militares, quanto a seus meios de dissuasão e defesa e quantoaos fins a que pode servir. Contudo, nessa longa transição do Estadodesenvolvimentista para outro paradigma, consumada a consolidação da democraciae percebidos os limites da utopia kantiana, a questão da segurança foi retomadacomo uma responsabilidade permanente e intrínseca da política exterior. A guerracontra o terrorismo desfechada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 desetembro em Nova York e Washington revelou a imprudência, também no Brasil,de se relegar a segurança nacional a segundo plano3 .

O comércio exterior: a reversão da tendência histórica

A abertura do mercado brasileiro nos anos noventa criou um desafio novopara o comércio exterior. A abertura destinava-se, pela lógica política, a forçar amodernização do sistema produtivo e a elevar sua competitividade externa. Vistoque os fluxos do comércio não confirmavam tal fato, o governo passou a negociarem múltiplas frentes, visando com seus esforços alcançar do GATT-OMC umsistema multilateral com regras transparentes, fixas e justas e dos blocos regionaisidênticos dispositivos. Incumbido dessas negociações, o Itamaraty não estavapreparado para associar a sociedade e estimulá-la a fazer negócios externos, comoocorreu com a diplomacia empresarial no México e no Chile. Uma timidez sistêmicanacional, associada a fraquezas políticas e operacionais, reverteu a tendênciahistórica do comércio exterior brasileiro de gerar superávits. Nas mãos das

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autoridades econômicas, o comércio exterior deixou de ser instrumento estratégicode desenvolvimento e converteu-se em variável dependente da estabilidademonetária.

Certos equívocos dos economistas acompanham essa mudança a partir de1990: o primeiro corresponde à convicção de que o protecionismo do mercadointerno emperra o crescimento econômico; o segundo, à convicção de que ocomércio exterior perdera a função de gerar saldos, podendo desempenhar ainusitada função de contenção da inflação; um terceiro dizia respeito à expectativade que as potências avançadas cederiam aos diplomatas pela negociação aquelesistema multilateral, transitando do realismo que lhes permitia abusar ao idealismokantiano brasileiro. Esses erros de cálculo tiveram alto custo.

Entre 1988 e 1993, o governo brasileiro reduziu a tarifa média de 52%para 14% e eliminou todas as medidas não tarifárias. O Plano Real de estabilidademonetária de 1994 introduziu a sobrevalorização cambial. Em 1995, o comércioexterior reverteu a tendência para saldos negativos. O apoio público à liberalizaçãoarrefeceu, a tarifa média elevou-se desde 1996 e a moeda iniciou a desvalorizaçãoem 1999. A balança de comércio exterior registrou o superávit de 85,9 bilhões dedólares entre 1980-89. Entre 1990-94, o superávit atingiu 60,4 bilhões, mas entre1995-2000, o déficit somou 24,3 bilhões. O saldo negativo aparece em 1995 e serepete nos seis primeiros anos do governo de Cardoso. Em termos absolutos, ocomércio exterior avolumou-se nos noventa, passando de 52,1 bilhões de dólaresem 1990 para 110,9 no ano de 2000.

O déficit do comércio contribuiu para a deterioração das contas externas.A conta de serviços, onde pesa sobretudo a renda do capital, registrou uma elevaçãodo déficit anual médio de 13,6 bilhões de dólares durante a década de oitenta para18,3 entre 1990-98. Além de transferir renda para o exterior através da remessade enormes lucros realizados internamente, as novas empresas que operavam osserviços no Brasil em conseqüência de privatizações com alienação importavamequipamentos e componentes de suas matrizes; introduziram, pois, dupla variávelde desequilíbrio das contas externas. A pauta das exportações brasileiras, poroutro lado, tampouco registrou qualquer melhoria de qualidade com as inovaçõesda abertura econômica. As séries históricas do Banco Central do Brasil indicamque ela se compunha, em 1989, de 71,1% de produtos industrializados (54,3% demanufaturados e 16,8% de semimanufaturados) e 27,1% de primários; em 1997,os industrializados somavam 70,9% (com 54,9% de manufaturados e 15,8% desemimanufaturados) e os primários 27,1%. Quando os aviões da EMBRAERtornaram-se o primeiro item das exportações, a partir de 1999, essas estatísticassofreram modificações. Quanto às importações, a pauta modificou-se em razão daabertura, passando os bens de consumo de 5,7% em 1980 para 18,2% em 1997.

O comércio exterior enfrentou dificuldades conjunturais. No âmbito dasnegociações globais, em primeiro lugar. O governo brasileiro cedeu no GATT à

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pressão dos países avançados, reconhecendo o comércio dos serviços e dapropriedade intelectual, aderiu aos TRIPs (Aspectos de Propriedade IntelectualRelacionados com o Comércio) em 1993 e aprovou a Lei de patentes em 1996.Continuou sendo acusado pelos Estados Unidos de desrespeitar este direito. Emrazão de seu desemprego, os países centrais quiseram levar a cláusula social àOMC. Vendo nela um instrumento protecionista, o Brasil firmou posições em forosdo Terceiro Mundo (Não-Alinhados, Grupo dos 77), aceitando discussões sobrecláusulas trabalhistas unicamente no âmbito da Organização Internacional doTrabalho (OIT) ou da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Os paísesindustrializados adotam, por outro lado, medidas ecoprotecionistas e fitossanitárias,contrariando normas multilaterais, o que não fazem os subservientes países pobres.Quando os litígios de comércio, particularmente os processos anti-dumping, eramlevados aos mecanismos de solução de controvérsias da OMC, os julgamentospadeciam de vício político e davam ganho de causa aos ricos. Desde a criação daOMC, em 1995, até 2000, 90% dos julgamentos foram favoráveis aos ricos. Empoucos deles, o Brasil levou vantagem, como no caso da exportação de gasolinapara os Estados Unidos, de coco para as Filipinas, de café solúvel para a Europa edos subsídios canadenses à indústria aeronáutica.

A essas dificuldades globais somavam-se as regionais. Os Estados Unidosmantinham seu arsenal de barreiras às importações brasileiras de manufaturadose primários, o que levou o Brasil a retardar as negociações para formação daAssociação de Livre Comércio das Américas (ALCA), como adiante se verá.Com a disputa entre as empresas exportadoras de aviões, Bombardier e Embraer,o Canadá mostrou à diplomacia brasileira o duro jogo que significa lidar comcontenciosos comerciais: escondeu seus subsídios, obteve sanções da OMC e,como demonstração de desprezo, castigou as exportações de carnes do Brasilalardeando pelo mundo uma contaminação de seu rebanho pelo mal da vaca louca,que não existia. A União Européia não abria mão dos subsídios agrícolas. Após aexplosão do comércio zonal entre 1991 e 1998 – um oportuno desvio de comércioface aos obstáculos acima descritos – o Mercosul assistia à corrosão das regrasaduaneiras e à multiplicação de contenciosos, em razão da incompatibilidade dosregimes de câmbio, fixo na Argentina e flexível no Brasil.

Esse quadro desfavorável forçou o governo brasileiro a evoluir dasubserviência do Estado normal a uma política de comércio exterior mais realista econdizente com o comportamento do Estado logístico, patenteado pelos ricos. Aconvicção de que estes países chegariam ao sistema kantiano de comérciointernacional, com regras e mecanismos transparentes e democráticos e comdistribuição eqüitativa de benefícios entre países ricos e pobres, desvaneceu-seem 2000, ante o malogro da chamada rodada do milênio da OMC em Seattle4 .

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Fluxos de capital: a nova via da dependência

A globalização financeira comportou duas exigências dos países avançadossobre as economias emergentes: o livre fluxo de capitais e a abertura dos sistemasfinanceiro, empresarial e dos mercados de valores a sua penetração. Quando asreformas do Estado satisfizeram tais exigências, dois também foram os efeitos quese generalizaram: o aumento dos fluxos, em boa medida de capitais especulativos,e as crises financeiras. Quando as crises financeiras abalavam essas economias(México em 1994-95, Ásia em 1997-98, Rússia em 1998 e Argentina em 2001), oG7 apenas de leve cogitou na possibilidade de introduzir controles ou salvaguardaspara os efeitos predatórios dos capitais especulativos. O grupo dos ricos consideravapedagógicos tais prejuízos, exigindo reformas de segunda geração do FMI, maseram com certeza as grandes transferências que provocavam em direção ao centroque o mantinha inflexível.

Nenhuma das grandes crises financeiras do período teve origem no Brasil.Contudo, este país sofreu a cada crise efeitos negativos sobre suas finanças. Poresta razão, a diplomacia de Fernando Henrique Cardoso cobrou dos dirigentes doG7 aquelas medidas de controle, requerendo para a arquitetura das finançasinternacionais regras estáveis e justas, similares às do sistema multilateral decomércio de matiz kantiana, cuja regulamentação se esforçava por induzir junto àOMC. Não obstante, o G7 permanecia insensível e esta organização concluía apenasa regulamentação da abertura dos serviços financeiros e dos mercados de capitaisque o governo brasileiro prontamente aplicava.

Dócil diante das reformas exigidas pelo centro, o governo brasileiro abriutodos os domínios de sua economia aos capitais internacionais: os serviçosfinanceiros, a bolsa de valores, os bancos e as grandes empresas públicas nomomento da privatização.

A abertura das comunicações no Brasil correspondeu ao maior negóciodo mundo quanto à transferência de ativos de países emergentes para o centro dosistema capitalista. As pressões internacionais foram precoces e bem conduzidas.Durante a Rodada Uruguai, dizia-se que se tratava do setor com maior probabilidadede lucros nos países em desenvolvimento. Durante a reunião de Marrakesh de1994 e no foro de Davos em 1997, os representantes norte-americanos exigiam aabertura incondicional como parte das regras da liberdade comercial. O projeto delei de privatização da Telebras foi concebido por agências do exterior e embutiu aspressões externas. Com efeito, o Congresso Nacional contratou a UniãoInternacional de Telecomunicações, uma firma de assessoria da ONU sob controlenorte-americano, que por sua vez subcontratou a McKinsey & Company. A LeiGeral de Telecomunicações de 1997 veio a público como queriam o governo dosEstados Unidos e os global players estrangeiros. Em consonância com esta filosofiapolítica subserviente e destrutiva do patrimônio nacional, o Executivo autorizou no

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mesmo ano um aumento real de 350% nos serviços básicos de telefonia comintuito de capitalizar as empresas privatizadas e desencadeou intensa campanhapara impedir que a opinião pública percebesse o que se passava. Assim mesmo, aprivatização da Telebras foi reprovada por 51% em pesquisa de opinião. Consumadaa alienação das comunicações, a ANATEL, agência reguladora do setor, tornou-se refém das multinacionais.

Os efeitos desse modelo de privatização com alienação sobre as estruturasbrasileiras foram três: esterilização da inteligência nacional, dispensada de atuarno setor; nova via de transferência de renda mediante expatriação de bilhões dedólares anuais oriundos dos lucros fáceis do setor de serviços; dificuldades nocomércio exterior, já que tais empresas se estabelecem para explorar o mercadolocal, importam seus equipamentos das matrizes e não se voltam para exportaçãoa terceiros mercados. Esses efeitos negativos não se verificam em paísesavançados, porque estes equilibram sua abertura com internacionalização de suaseconomias. O comportamento logístico requeria, portanto, no momento da abertura,para compensar a alienação, a internacionalização da economia brasileira. Masesta não contou com estímulo do governo, como ocorreu em Portugal, na Espanhae no México. Era incipiente em 2001 em termos de expansão de filiais, associaçõese faturamento no exterior.

Entre 1980-89, o movimento líquido de capitais estrangeiros no Brasil foide 9,7 bilhões de dólares e de 91,1 bilhões entre 1990-98. Os investimentos diretosapresentaram um crescimento exponencial na década dos noventa, passando de1,1 bilhões em 91 para 33,5 em 2000. Durante o período de maior fluxo, entre 1996e 2000, 24,8% eram capitais americanos, 17,4% espanhóis, 9,3% holandeses, 8,1%franceses e 7,9% portugueses. O desequilíbrio nas contas correntes do país advémdas remessas de lucros, já que é baixo o índice de internacionalização da economiabrasileira.

Durante o governo de Cardoso, entre 1995 e 2000, a dívida pública internapassou de 33% para 53% do PIB. Entre 1994 e 1999, a dívida externa elevou-sede 148 para 237 bilhões de dólares. Juros e amortizações da dívida externaconsumiram 50 bilhões de dólares em 2000, ou seja, toda a exportação brasileira.O Brasil ostentava então nesse ponto um dos piores indicadores externos do mundo.Esse desequilíbrio induzia medidas malabaristas na taxa de juros para atrairconstantes fluxos de capitais e provocou uma inflexão da política de comércioexterior, que evoluiu de sua função de estabilizar os preços para a nova função deprover recursos para os compromissos da dívida. O grave perfil das contas públicas,em sintonia com instruções vinculadas aos socorros concedidos pelo FMI desde1990, retirava investimentos produtivos, provocando outras crises, como a escassezde energia elétrica, e bloqueava o crescimento econômico. O fluxo de capitais,marcado por movimentos especulativos, desapropriação dos ativos nacionais,remessa de lucros e serviços da dívida externa, aprofundou nos anos noventa a

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dependência estrutural do país, financeira e econômica. Correspondeu a uma ilusãode divisas cultivada sob o signo do neoliberalismo pelas autoridades do centro e daperiferia. O Brasil transitou, pois, da década perdida à década perversa5 .

O bilateralismo em declínio nas relações internacionais do Brasil

A política exterior assertiva do ciclo desenvolvimentista manipulava arelação bilateral e a parceria estratégica como uma linha de força da ação externa.O paradigma da globalização das relações internacionais e a disposição do governobrasileiro de influir sobre a regulamentação do sistema multilateral de comércio esobre a arquitetura das finanças internacionais subtraíram energia ao bilateralismo.Entregue ao descaso brasileiro, o bilateralismo sofreu uma acomodação quanto aopapel dos grandes e pequenos determinada por causas exclusivamente exógenas.Os Estados Unidos mantiveram a exuberância de sua posição histórica como aliadoespecial do Brasil e a França retornou, enquanto a Alemanha se afastava e oJapão hibernava. Do lado dos pequenos, assistiu-se à chegada inesperada e dinâmicade Espanha e Portugal.

A política exterior dos Estados Unidos modificou-se em 1989, quando acontenção do comunismo deixou de ser o vetor. Desde então, outras tradiçõesimprimiram coerência à ação externa, como a determinação de ditar as regras dosistema internacional em função de seus interesses e valores, particularmente ahegemonia econômica global. Desde 2001, embrenhou-se em campanha global decombate ao terrorismo. O país voltou-se para a liberalização comercial e financeirae para a racionalização da ação estratégica na presunção de existência de uminimigo externo, sucessivamente o Irã, o Iraque, a Iugoslávia, o Afeganistão. Comoo Brasil era subserviente, mas não tanto, foi possível administrar as relações bilateraisem clima de cordialidade desconfiada.

Durante os dois mandatos do democrata Bill Clinton, a partir de 1993,manteve-se clima de entendimento, mesmo porque tinha ele com Cardoso umarelação pessoal afetiva. A diplomacia brasileira não perdia oportunidade de colocarem evidência a histórica parceria bilateral, alicerçada na comunhão de visõespolíticas da época do Barão do Rio Branco e na estratégia de cooperação bilateralcom benefícios recíprocos posta em marcha desde Vargas. A ascensão dorepublicano George W. Bush em 2001 colocou Cardoso com um pé atrás e motivouo Senado brasileiro a estabelecer diretrizes para a negociação da ALCA.

Os interesses em jogo nas relações bilaterais eram os do investimentonorte-americano no Brasil, que se manteve firme no período (44,6% do total entre1990-94, 26,1% entre 95-97), e o comércio bilateral, que cresceu 100% entre 1990-98, porém com déficits para o Brasil, da ordem de 13,5 bilhões de dólares entre1995-99. A percepção de que o governo norte-americano requeria o multilateralismoe a liberalização do comércio, porém mantinha medidas de proteção das mais

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arcaicas contra produtos brasileiros, influiu sobre a política brasileira. Desconfiada,esta passou a obstruir o projeto norte-americano de hegemonia continental a serimplantado por meio das regras da ALCA.

Com efeito, enquanto a média tarifária dos 15 principais produtos brasileirosque entravam no mercado norte-americano ao termo dos anos noventa era de45,6%, a média para os produtos americanos no Brasil situava-se em 14,3%. Oarsenal protecionista dos Estados Unidos castigava as importações provenientesdo Brasil. Compreendia as seguintes medidas: a) o suco de laranja era sobretaxado,atingindo o pique de 492 dólares por tonelada em 1995, além de 2,5% remanescentesde um processo anti-dumping de 1986; b) os calçados enfrentavam tarifas médiasde 8% a 10%, aplicadas também contra outros fornecedores; c) as carnes bovinasou de aves cruas ou congeladas eram proibidas por medidas fitossanitárias, asenlatadas sofriam restrições e as exportações subsidiadas de aves dos EstadosUnidos prejudicavam o Brasil em terceiros mercados; d) as restrições fitossanitáriaseliminavam na prática frutas e legumes brasileiros do mercado norte-americano;e) quanto aos produtos siderúrgicos, as restrições voluntárias impostas nos anossetenta e oitenta foram substituídas por processos anti-dumping e anti-subsídiosnos noventa, como se os capitais estatais aportados à siderurgia antes da privatizaçãoproduzissem efeitos perpétuos; f) a partir de 1985, o etanol brasileiro foi barradopor pressão dos produtores locais, tornando-se 72% mais caro em razão do impostode importação; g) desde 1982, o governo concede subsídios ao produtor interno econtrola a importação do açúcar por um sistema de quota.

Esses entraves, agravados pela concorrência e pelo grau de exigências domercado norte-americano, condicionam o comércio de exportação do Brasil,direcionando-o para outros mercados, particularmente dos países vizinhos. Asreclamações brasileiras junto ao GATT-OMC foram vãs, em geral, porém a criaçãoda ALCA, condicionada à solução prévia dos contenciosos comerciais, pôde, sim,ser retardada. Embora o mercado norte-americano permaneça o alvo principaldas exportações, são os investimentos diretos no Brasil o elemento de cálculodeterminante das relações bilaterais.

As relações entre o Brasil e seu segundo parceiro histórico, a Alemanha,evidenciaram enorme perda de substância desde 1990. O investimento alemão noBrasil que ocupava a segunda posição praticamente desaparece ( 2,9% entre 1990-94, 1,9% entre 1995-97). O comércio bilateral, também o segundo em volume,perde para a Argentina, aliás registra um enorme déficit para o Brasil, da ordem de12 bilhões de dólares entre 1993-98. A Alemanha abandonou a competição históricacom os Estados Unidos no sistema produtivo brasileiro, não participou dasprivatizações, e o Brasil não encontrou o caminho do mercado alemão. Quando seaprofundou a integração lá e aqui, as lideranças dos dois países sacrificaram aparceria estratégica em favor de ações nas adjacências.

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23RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL: UM BALANÇO DA ERA CARDOSO

O Japão fornece outro exemplo de declínio do bilateralismo. Desde 1980,a parceria com o Brasil arrefeceu. Novas técnicas de produção diminuíram ademanda de matérias-primas e a valorização do iene orientou os investimentospara países asiáticos de mão-de-obra barata.

Por sua vez, a França veio atrás do espaço deixado pelos parceiros deoutrora. Relações históricas inertes foram substituídas por recente dinamismo.Concertou-se a imagem desfavorável do Brasil na França, firmou-se novo Acordo-Quadro de Cooperação, planejaram-se ações de médio prazo e estabeleceu-seinédita cooperação fronteiriça na Guiana Francesa. Receoso ante o processo deformação da ALCA e vendo no Brasil a porta de acesso à América Latina, ogoverno francês propôs a cúpula entre chefes de Estado e de governo das duasregiões e pressionou Mercosul e UE à negociação de acordo bilateral de comércio.Os investimentos franceses no Brasil que eram concentrados nos velhos estoquesde Rhône-Poulenc, Saint Gobain, Sudameris e Crédit Lyonnais trouxeram novosgrupos como Carrefour, Electricité de France, Michelin, Alcatel Alstom, Thomson,Aérospatiale, Air Liquide, Renault e Peugeot. O comércio bilateral não acompanhouesta expansão dos investimentos, permaneceu abaixo dos 3% do comércio total doBrasil entre 1990-99 e teve no protecionismo agrícola francês o pomo de discórdia.

Quando ocorreu a reconversão da Rússia ao capitalismo, as relações como Brasil despertaram grande interesse, por serem dois Estados-pivô, com potenciaistecnológicos e comerciais de países continentais modernos. A diplomacia foi rápidaem firmar acordos de cooperação nos mais diversos domínios, particularmente oespacial em que ambos são detentores de todo o ciclo. Os acordos refletem umanova filosofia ao utilizarem explicitamente o termo parceria estratégica a serimplementada por meio de múltiplas ações previstas. O comércio não refletiu essedinamismo diplomático. Aliás, o alto grau de prioridade conferido às relaçõesbilaterais por intenções fundadas em adequada avaliação de potencialidades nãohavia aberto, até 2001, vias substantivas de realizações concretas.

A China, porém, teve maior senso prático. As relações entre China eBrasil também foram qualificadas de parceria estratégica nos anos noventa,denotando a alta prioridade que se lhes conferia. À diferença da Rússia, a Chinacontribuiu para colocar o Brasil na era espacial. A cooperação tecnológica resultouno lançamento conjunto de satélites de sensoriamento e no domínio da construçãode veículos lançadores. Privilegiou, portanto, a questão ambiental. As grandespossibilidades de cooperação entre os dois maiores países em desenvolvimento domundo foram percebidas pelos dirigentes também no setor de energia, da políticainternacional, da indústria pesada e dos serviços de engenharia.

O mercado dos grandes países não contou com estratégia eficiente depromoção comercial por parte do governo brasileiro desde 1990. Absorto emimaginar benefícios da abertura unilateral do mercado brasileiro, concentrou esforçosinúteis na regulamentação do sistema multilateral de comércio por um lado e, por

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outro, do Mercosul, com algum proveito. A chegada dos pequenos países emconseqüência da abertura do sistema produtivo e de serviços, se resultou em novafonte de investimentos, tampouco trouxe solução para o déficit do comércio exterior.

As relações entre Espanha e Brasil põem terno nos anos noventa aodistanciamento tradicional. Politicamente, a Espanha assimilou o mundo luso e seapresentou como nexo entre Europa e América Latina. Percebeu cada país aimportância do outro nos processos regionais de integração. No Brasil o governo ena Espanha os empresários assumiram o papel protagônico dessa nova fase dasrelações bilaterais. Aproveitando com esperteza as oportunidades abertas pelaprivatização, os capitais espanhóis fizeram a festa no Brasil, situando-se em primeirolugar no ano 2000, com investimentos de 9,6 bilhões de dólares. Os mais importantesgrupos de recém-chegados penetraram os serviços de rentabilidade elevada eimediata: Sol Meliá, na área hoteleira, Telefônica (com lucro de 379,9 milhões dedólares apenas no primeiro trimestre de 2001), Endesa e Iberdrola que operam naárea de eletricidade, Santander na área bancária e Pisa na área editorial.

Com seu porte reduzido, Portugal seguiu os passos de Espanha, investindomais de 5 bilhões de dólares no Brasil nos anos noventa. Apesar de vínculos afetivos,estimulados sobretudo durante os governos de Itamar Franco e Mário Soares, aComunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) de pouca valia foi para oreforço da estratégia bilateral. Aliás, nem o governo brasileiro nem seus agenteseconômicos privados compensaram a penetração ibérica no Brasil com iniciativasde internacionalização da economia brasileira e de penetração no mercado europeu.Enquanto Portugal e Espanha ostentavam comportamento de Estado logístico epromoviam a inserção madura de suas economias, permanecia o Brasil refugiadona subserviência do Estado normal, inerte e regressivo.

As reformas neoliberais que se espalharam pela África nos anos noventaaproximaram o continente da América Latina em termos de mau desempenhointerno e de inserção dependente. Pouco proveito tiraram nesse contexto asempresas brasileiras que se haviam instalado na África sub-saárica, como aPetrobras e a Odebrecht. As exportações brasileiras entraram em declínio a partirde 1986 e só recobraram alento no ano de 1999. As expectativas da África do Sulapós o fim do apartheid , bem como da Nigéria e de Angola, quanto à cooperaçãodo Brasil para o desenvolvimento, frustraram-se6.

O Brasil e a formação dos blocos

O Mercosul nas relações internacionais do Brasil

Os acordos Sarney-Alfonsín dos anos oitenta correspondiam a um projetoneoestruturalista de integração, estratégico do ponto de vista econômico e político.Já o Tratado de Assunção de 1991 que criou o Mercosul imbuiu-se da filosofia

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política do Estado normal que impregnou os governos de Fernando Collor de Meloe Carlos Saúl Menem. A integração industrial e o desenvolvimento cederam emfavor da desgravação linear do intercâmbio e do regionalismo aberto. Desde então,interna e externamente, nenhuma estratégia foi concebida para além do comércio.A entrada em vigor da Tarifa Externa Comum em 1995, se criou o segundo mercadocomum do mundo, aprofundou as contradições do processo, agravadas peladesvalorização do real em 1999 e pela crise de insolvência da Argentina em 2001.Nesse ano, recuava-se em sua implantação e estabeleciam-se mecanismos quecomprometiam a própria zona de livre comércio. Apesar disso, o Mercosul recolheua adesão como membros associados de Chile e Bolívia e o pedido da Venezuela.Encetou negociações bilaterais sob a fórmula quatro mais um com parceirosexternos como os Estados Unidos em 1991 e coletivas como os acordos com aUnião Européia e a Comunidade Andina. Quando completou dez anos, em 2001,suscitou avaliações contraditórias, que se podem resumir em seis êxitos e seisfragilidades.

Os resultados positivos do processo de integração do Cone Sul foramconcretos e de profundo alcance histórico para a vida dos povos:1) Impressionante empatia entre a inteligência brasileira e argentina embalou o

movimento desde o berço e aproximou o sentimento nacional. Essa dimensãohumanista do processo, a dar inveja a franceses e alemães, expressou-se namultiplicação de encontros promovidos por lideranças sociais – acadêmicos,diplomatas, empresários, sindicalistas, artistas, autoridades – de que resultougrande número de livros e artigos acerca de afinidades e diferenças, gostos,virtudes e fraquezas, por sobre o acompanhamento que se fazia do processo.Considerando-se a promoção do conhecimento, a demolição de preconceitose tabus e a adaptação da imagem do outro, o balanço foi positivo em termos deconvivência que se aceitou como inevitável.

2) As novas condições psicossociais conduziram naturalmente à criação da zonade paz no Cone Sul, com impacto positivo sobre a América do Sul. Apóshaverem cultivado a rivalidade histórica durante séculos e atingido a capacitaçãoplena para produção de armas nucleares, Brasil e Argentina abandonaram acorrida armamentista, jogaram a bomba no lixo e implantaram um sistemaúnico no mundo de confiança mútua por meio de instrumentos jurídicos eoperacionais. A cláusula democrática contribuiu para este fim, como tambémpara dissuadir assaltos ao poder tão freqüentes na história regional.

3) O comércio intrazonal elevou-se de 4,1 bilhões de dólares em 1990 para 20,5em 1997, 18,2 em 2000. No período, as exportações do bloco cresceram 50%e as importações 180%. O regionalismo aberto provocou, portanto, um desviode comércio, extremamente oportuno para economias incapazes de elevar-seà competitividade sistêmica global. O Paraguai converteu-se em oitavocomprador do Brasil, à frente da Grã-Bretanha.

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4) O Mercosul tornou-se sujeito de direito internacional pelo protocolo de OuroPreto de 1994, podendo negociar sobre a arena internacional. Durante a XXCúpula (Assunção 2001), instituiu-se um mecanismo coletivo de negociação.Por outro lado, o arcabouço jurídico do bloco exibe 500 páginas de documentosnormativos relativos às seguintes esferas: antecedentes, integração, consultae solução de controvérsias, certificação de origem, comércio e aduana,regimentos, relacionamento externo, justiça, educação e cultura, regulamentostécnicos.

5) Sendo o segundo mercado comum do mundo e havendo queimado etapas emsua construção, o Mercosul produziu externamente uma imagem positiva acimada própria realidade e fortaleceu seu poder de barganha como bloco e o deseus membros isoladamente.

6) O processo alavancou a idéia de América do Sul, que tomou forma na propostade criação de uma zona de livre comércio, na Cúpula de Brasília de 2000, nasnegociações entre Mercosul e Comunidade Andina e, enfim, no controle, sobliderança brasileira, do ritmo e da natureza do processo de criação da ALCA,como se observou na Cúpula hemisférica de Quebec de 2001 sobre o tema.

O ceticismo das avaliações ao cabo de dez anos de Mercosul evidenciavam asfraquezas do processo de integração, também em número de seis:1) Distintas visões de mundo e políticas exteriores não convergentes minaram a

negociação coletiva e as relações entre os membros. Concepções deglobalização benéfica ou assimétrica, de desenvolvimento autônomo oudependente, atitudes de subserviência ou divergência diante dos EstadosUnidos e idéias sobre segurança global colocaram em linha de choque asdiplomacias de Brasil e Argentina.

2) A recusa de sacrificar a soberania nas políticas públicas internas e externasimpediu a coordenação de políticas macroeconômicas e a negociação coletivaem foros como OMC, FMI, BM, UNCTAD e OCDE.

3) Havendo sacrificado o propósito de robustecer o núcleo econômico nacional,o processo de integração elegeu o comércio exterior como núcleo forte. Osmembros do grupo adotaram, contudo, medidas unilaterais, desmoralizando omecanismo da tarifa externa comum que haviam implantado.

4) O Mercosul engendrou um processo de integração assimétrico que não crioumecanismos de superação de desigualdades entre os membros e, no interiordestes, entre zonas hegemônicas e periféricas, como sucedeu com o processoeuropeu. Frustrou, portanto, a expectativa de elevar o nível social do conjunto.

5) A incompatibilidade das políticas cambiais entre os dois grandes parceiros dobloco – a Argentina com a paridade entre o peso e o dólar e o Brasil com seucâmbio flexível – provocou desconfianças e inúmeros contenciososcomerciais.

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6) Ao elevar-se da condição de zona de livre comércio para a de união aduaneirasem instituições comunitárias, o Mercosul criou a contradição de essência.Enfraqueceu a negociação internacional, feita pelos Estados, e manteve oprocesso negociador interno extremamente complexo, visto ser necessárioacionar a cada decisão quatro processos decisórios autônomos7 .

A integração da América do Sul e a ALCA

As relações entre o Brasil e seus vizinhos responderam a apelos históricoscontraditórios: isolamento, boa vizinhança, liderança. Imagens e percepções dosdois lados condicionaram a estratégia regional. Também as afinidades e diferenças.A Argentina, rival diminuída, disputou com o Brasil a influência sobre Uruguai,Paraguai e Bolívia. O Brasil contou historicamente com o Chile e, desde o Tratadode Cooperação Amazônica de 1978, com os países amazônicos. A confiança mútuaengendrada nas relações com a Argentina recuperou a idéia de Rio Branco deliderar a América do Sul em sintonia com esse vizinho maior, se possível.

Desde o início da década de 1990, o Brasil traçou uma estratégia regionalque permaneceria invariável: reforço do Mercosul com convergência política entreBrasil e Argentina e organização do espaço sul-americano com autonomia peranteos Estados Unidos.

Em 1993, com apoio do Mercosul, da Colômbia e da Venezuela, o presidentebrasileiro Itamar Franco lançou a iniciativa de formação em dez anos da Área deLivre Comércio Sul-Americana (ALCSA). Era a idéia de unidade da América doSul em marcha, e não mais da América Latina, visto haver-se o México orientadopara o norte. Desde então, o Brasil contrapôs essa proposta de chegar à ALCApelo Mercosul à proposta alternativa norte-americana de alcançá-la desde o NAFTA(Associação de Livre Comércio da América do Norte). A construção hemisféricade blocos já contava, aliás, com as vertentes continental (OEA) e latina (SELA).O Brasil foi o único país americano a dizer não aos moldes com que George Bushpropôs em 1991 a Iniciativa para as Américas, reafirmada pela Cúpula dos 34países americanos em Miami em 1994, na de Santiago em 1998 e de Quebec em2001. Desse modo, os ministros dos 34 países que se reúnem anualmente paranegociar o processo de formação da ALCA não chegam a conclusões convergentespara provocar decisões concretas durante as cúpulas.

A integração da América do Sul foi alçada ao nível de condição préviapara a integração hemisférica pela diplomacia brasileira. Os argumentos a favordessa estratégia eram três: a expansão dos interesses comerciais e empresariaisbrasileiros sobre a região, a conseqüente elevação de seu desempenho ecompetitividade e a percepção de que a proposta norte-americana destinava-se aalijar a hegemonia brasileira em benefício próprio. Em 2001, deixou-se claro que ocomércio bilateral erigia-se como outra condição para negociar a ALCA, exigindo-

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se a remoção prévia do arsenal protecionista norte-americano, acima descrito. Adiplomacia brasileira foi muito ativa para evitar a defecção da Argentina e doChile, cujos governos inclinavam-se para o NAFTA e estavam propensos a antecipara implantação da ALCA de 2005 para 2003. Cardoso relançou a idéia da ALCSAa construir por acordos de comércio entre Mercosul e Comunidade Andina, comadesão do Chile. Convocou para Brasília os doze presidentes e realizou em 2000 aprimeira Cúpula da América do Sul, com o objetivo de aprofundar os vínculospolíticos e de acelerar a criação da zona de livre comércio pela fusão do Mercosulcom a Comunidade Andina e a adesão plena do Chile ao primeiro. Por ocasião damediação bem sucedida do conflito fronteiriço entre Peru e Equador, Cardosoafirmou em 1998 que a América do Sul resolve seus problemas, mesmo os militares,por si e sem intervenção externa de qualquer natureza. Influiu depois na contençãoda ação militar norte-americana que se presumia intensa por meio do PlanoColômbia de combate às drogas.

O modelo de integração do Mercosul como união aduaneira imperfeitafavoreceu, portanto, o Brasil, em termos de ganhos e perdas. O Brasil conservousua autonomia decisória e soube usar o bloco em outros quadrantes. Não avançouquanto desejava na construção do bloco sul-americano em seu benefício, porémretardou o prejudicial bloco hemisférico. Contou nos anos noventa com aconvergência quase perfeita da visão regional e mundial por parte da diplomaciavenezuelana, que aliás desprezou com evidente descaso. Entregues aos parâmetrosde conduta do Estado normal, os outros governos da América do Sul estavaminclinados pela lógica à subserviência diante dos Estados Unidos e à ilusão de quea abertura ilimitada de suas economias, com alienação destrutiva, trar-lhes-ia adesejada inserção competitiva no mundo da globalização. Esse obstáculo aosdesígnios de liderança brasileira no ordenamento regional foi paradoxalmentesuspenso pela recusa do Congresso norte-americano em conceder autorização aoExecutivo para negociar livremente a ALCA. Ademais, o movimento deintrospecção da economia norte-americana, em razão de recessão prevista apósos atentados terroristas de setembro de 2001, aliviou o temor de uma imposição daALCA sob pressão8 .

As relações do Brasil com outros blocos

Ao mesmo tempo em que negociava a ALCA, o governo brasileiro utilizavao Mercosul para negociações coletivas com a UE. Um Acordo-Quadro deCooperação Interinstitucional foi firmado em 1992 e outro Inter-Regional deCooperação em 1995. O primeiro tinha caráter pedagógico, de influência políticados europeus sobre a integração do Cone Sul. O segundo visava a zona de livrecomércio. Para tanto, criou diversos mecanismos de negociações, encetadas emquinze esferas de ação. Entre 1992 e 1997, o comércio entre os blocos cresceu

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266% e os investimentos diretos da UE no Mercosul 700%, atingindo 7,9 bilhõesde dólares. Durante a Primeira Cúpula Euro-Latino-Americana de junho de 1999,a Cúpula Mercosul-União Européia decidiu abrir as negociações para construçãode uma zona de livre comércio que também envolvesse fórmulas de união política.Três rodadas de negociação ocorreram até 2000, com magnitude superior àsnegociações que se levavam a efeito para a instalação da ALCA. A zona de livrecomércio entre Mercosul e UE apresentava-se, portanto, como alternativa viávelà zona hemisférica sob hegemonia dos Estados Unidos, e com a qualidade decontemplar a dimensão da cidadania, da democracia e da convivência política.Cardoso condicionou sua criação, prevista para 2005, à eliminação dos subsídios odo protecionismo agrícola em vigor na Política Agrícola Comum. O ativo estratégicoerguido na Europa fortalecia a liderança do Brasil na América do Sul e sua disposiçãode não sacrificar interesses essenciais nas negociações com os Estados Unidos,como estava disposto a fazê-lo seu sócio principal, a Argentina.

Do lado da África, a diplomacia coletiva do Mercosul concluiu em 2000um acordo com a África do Sul para formação da zona de livre comércio. A Zonade Paz e Cooperação do Atlântico Sul, criada em 1986 por resolução da ONU,constatou em sua terceira reunião, em 1994, que sua ação se diluía nos órgãosregionais, particularmente nas negociações entre Mercosul e Comunidade para oDesenvolvimento da África Austral, entre o Mercosul e a Comissão Econômicados Estados da África Ocidental ou ainda entre o Brasil e a Comunidade de Paísesde Língua Portuguesa. Esta última, instituída em 1996 como foro de concertaçãopolítica, cooperação econômica e promoção da língua portuguesa foi tímida diantedas soluções que poderia alcançar para a guerra civil na Angola e nenhum poderde pressão internacional exerceu diante da tragédia do Timor Leste.

Em 1998 criou-se como mecanismo informal o Fórum de CooperaçãoAmérica Latina-Ásia do Leste com a finalidade de fomentar o diálogo político e acooperação. Reunia 15 países da América Latina, inclusive o Brasil, e 15 outros daÁsia do leste e da Oceania, incluindo China, Japão e Austrália. A primeira reuniãode chanceleres ocorreu em 2001. O CARICOM (Caribbean Community), blocode 15 países efetivado em 1973 não atraiu a atenção bilateral do Brasil ou coletivado Mercosul9 .

Conclusões

Durante seus dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso obteve êxito nopropósito de manter a estabilidade econômica interna e elevar a produtividade. Aoacoplar o setor externo e esses objetivos internos, corrompeu a funcionalidade dapolítica exterior. Seu governo confundiu abertura com estratégia10 e sacrificou apolítica exterior, que deixou de servir ao desenvolvimento e à superação de

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dependências estruturais. Em outros termos, não formulou uma estratégia deinserção internacional, para além da simples abertura.

O balanço das relações internacionais do Brasil durante a era Cardosotornou-se, destarte, medíocre, senão desastroso, considerando a realização deinteresses nacionais.

Cardoso falhou em três pontos: expôs as finanças à especulação, converteua política de comércio exterior em variável da estabilidade de preços e alienou boaparte do núcleo central robusto da economia, mediante o mecanismo da privatizaçãocom transferência de ativos ao exterior. Aprofundou, desse modo, a vulnerabilidadeexterna, tornando-a uma das mais graves entre os países emergentes.

Esses erros conduziram a resultados negativos da ação externa: em primeirolugar, à tradicional via dos serviços da dívida, Cardoso acrescentou duas novasvias de transferência de renda ao exterior, a dos dividendos e a dos altos jurosreais; em razão disso, elevou o passivo externo do país a um patamar de alto riscosegundo a boa regra econômica; enfim, um comércio exterior quase estagnadodeixou de servir ao desenvolvimento e ao alívio do balanço de pagamentos. Nenhumacriatividade revelou o Presidente em acionar mecanismos de equilíbrio dessascondutas – que por isso são erros de cálculo político – como fazem os paísesmaduros.

O governo de Cardoso viveu de três ilusões: acreditou no ordenamentomultilateral que haveria de resultar de negociações, as quais produziriam regrasjustas, fixas, transparentes e respeitadas por todos para o comércio internacional,as finanças, o meio ambiente e a segurança; a ilusão de divisas, como se os capitaisexternos que entraram no país em razão de uma abertura indiscriminada nãoagravassem o desequilíbrio do balanço de pagamentos; enfim, investiu no prestígiodo presidente intelectual, como se tal áurea fosse suficiente para dar cobertura aosinteresses brasileiros.

O movimento da diplomacia e o desempenho das autoridades econômicassubmeteram-se a tais ilusões, que alimentavam por intensa atividade, a primeira, epor decisões coerentes, as segundas.

A dispersão da política exterior, que não traçou rumo firme, a não ser osparâmetros do que chamamos de Estado normal – subserviente, destrutivo eregressivo – foi a marca do governo de Cardoso. Lidou com a integração do ConeSul e da América do Sul, com negociações simultâneas do lado da ALCA e daUnião Européia, privilegiou o multilateralismo sem abandonar o bilateralismotradicional. A essas diversas frentes de ação faltou o cimento de uma estratégiade inserção madura no mundo da interdependência global, a dar significado a cadadimensão do envolvimento externo. Duas linhas de força da ação externa erigiramcomo prioridades a contribuição ao ordenamento multilateral, o lado idealista, e ointeresse pela integração no Cone Sul, o lado realista. Ambas colheram frutosmedíocres tendo em vista a realização de interesses.

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Apesar dessa dispersão, talvez em razão dela, o Brasil de Cardoso mantevecontrole circunstancial de males que se abateram com conseqüências mais gravessobre países vizinhos. Avançou menos pelo caminho do paradigma latino-americanodo Estado normal. Manteve algo da conduta do Estado desenvolvimentista, oparadigma histórico que agonizou, mas não morreu. Enfim, pôs em marcha umatímida experiência de Estado logístico.11

Em suma, o Brasil de Cardoso deixou-se seduzir pela miragem da mudança,perseguida com fúria ideológica, tomou o país em um nível de desenvolvimentohistórico que reunia todos os elementos para uma inserção moderna no mundo daglobalização e manipulou o setor externo por modo a provocar um salto para trás,a considerar o lastro de potencial acumulado a duras penas por esforços do Estado

e da nação, durante os sessenta anos anteriores.

Notas

1 Os textos publicados por órgãos do Ministério das Relações Exteriores, como a FundaçãoAlexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI),ou disponibilizados pelos sites http://www.relnet.com.br e http://www.mre.gov.br foramutilizados em todo o capítulo tanto para a fundamentação conceitual da política exterior brasileiraquanto para a coleta de informações empíricas sobre sua implementação. Dentre as publicaçõesda Chancelaria brasileira, referimos a seguir as mais importantes: Reflexões sobre a políticaexterna brasileira, 1993; A inserção internacional do Brasil: a gestão do Ministro CelsoLafer no Itamaraty, 1993; A política externa do Governo Itamar Franco, 1994; PolíticaExterna. Democracia. Desenvolvimento. Gestão do Ministro Celso Amorim no Itamaraty1995; Política externa em tempos de mudança: a gestão do Ministro Fernando HenriqueCardoso no Itamaraty, 1994; Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso.Política Externa: pronunciamentos, 1995; Política externa em tempo real; a gestão doEmbaixador Sebastião do Rego Barros no Itamaraty, 1999; A palavra do Brasil nas NaçõesUnidas, 1946-1995, 1995. Luiz Felipe LAMPREIA, Diplomacia brasileira: palavras, contextose razões. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 1999. Da Resenha de política exterior do Brasil,outrora uma publicação periódica regular, foram publicados alguns números sem regularidade,porém os demais estão disponibilizados no relnet.

Carta Internacional, o boletim da Universidade de São Paulo, acompanha em seusartigos o movimento da diplomacia brasileira e as questões internacionais. Os principais autoresutilizados foram os seguintes: Luis RUBIO, nº 73, 1999; Amado Luiz CERVO, 71, 1999; LuísAugusto SOUTO MAIOR, 71, 1999; Ana Flávia BARROS-PLATIAU e Marcelo Dias Varela,96, 2001; Denilde Oliveira HOLZHACKER, 58, 1997; Roberto Teixeira da COSTA, 59, 1998;Amâncio J. OLIVEIRA, 85, 2000; José Augusto Guilhon ALBUQUERQUE, 59, 1998; JaninaONUKI, 83, 2000; José GENUÍNO, 71, 1999.

A Revista Brasileira de Política Internacional, com publicação regular, descreve asrelações internacionais do Brasil e aprofunda sua análise. Os principais autores utilizados foramos seguintes: Fernando Henrique CARDOSO, A política externa do Brasil no início de um novoséculo, 44 (1), p. 5-12, 2001); J. A. Lindgren ALVES, A Cúpula Mundial sobre o DesenvolvimentoSocial e os paradoxos de Copenhague, 40 (1), p. 142-166, 1997; Luiz Felipe de Seixas CORRÊA,O Brasil e o mundo no limiar do novo século: diplomacia e desenvolvimento, 42 (1), p. 5-29,1999; Luiz Felipe LAMPREIA, A política externa do governo FHC: continuidade e renovação,

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42 (2), p. 5-17, 1998; Lúcio ALCÂNTARA, Os parlamentos e as relações internacionais, 44(1), p. 13-21, 2001.

Ver Celso LAFER, Brazilian International Identity and Foreign Policy: Past, Presente,and Future. Daedalus, Spring 2000, p. 226 e o número temático da revista ParceriasEstratégicas, 7, 1999. As referências dos livros utilizados neste parágrafo constam na bibliografiaao final da obra: Lafer (1999); Saraiva (2001); Guimarães (1999); Danese (1999); Bernal-Meza(2000); Cervo (2001). Ver ainda Fernando Henrique CARDOSO e Mário SOARES, O mundoem português. Um diálogo. São Paulo: Paz e Terra, 1998; Ricardo BIELSCHOWSKY (org.),Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL, Record, 2000.

2 Livros: Alves (1994); Trindade (1998); Lafer (1999). Ver João P. M. PEIXOTO (org.), Reformae modernização do Estado; aspectos da experiência brasileira recente, Sobral: UVA, 2000;Luiz Toledo MACHADO, O preço do futuro: um modelo de reconstrução nacional. Petrópolis:Vozes, 2000. Artigos dos seguintes autores em Carta Internacional: Patrícia Leite MIRANDA,97, 2001; Michel Henry BOUCHET, 88, 2000; Ricardo U. SENNES, 86, 2000; MaríliaCOUTINHO, 91, 2000; Eduardo VIOLA, 97, 2001; Fernando Henrique CARDOSO, 94-95,2001; Rita CASARO, 96, 2001; Paulo Roberto ALMEIDA, 90, 2000. Ver os seguintes artigosda Revista Brasileira de Política Internacional: Benoni BELLI, O fim da Guerra Fria:algumas implicações para a política externa brasileira, 39 (1), p. 120-131, 1996; ShiguenoliMIYAMOTO, O Brasil e as negociações multilaterais, 43 (1), p. 119-137, 2000; Eiiti SATO, Aagenda internacional depois da Guerra Fria: novos temas e novas percepções, 43 (1), p. 138-169, 2000; A. F. GRANJA e outros, Acesso aos recursos genéticos, transferência de tecnologiae bioprospecção, 42 (2) p. 81-98, 1999; Marcelo Dias VARELA, Biodiversidade: o Brasil e oquadro internacional, 40 (1), p. 123-141, 1997; José Augusto Lindgren ALVES, O significadopolítico da Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, 36 (2), p. 128-135, 1993; AntônioAugusto Cançado TRINDADE, Balanço dos resultados da Conferência Mundial de DireitosHumanos, 36 (2), p. 9-27, 1993; A. VERWEY e outros, A percepção brasileira dos refugiados,43 (1), p. 183-185, 2000. Luiz Carlos Bresser PEREIRA, A nova centro-esquerda, InstitutoTeotônio Vilela, Idéias & Debates, nº 24, 1999.

3 Livro: Proença e Diniz (1998). Artigos dos seguintes autores em Carta Internacional: GeraldoLesbat CAVAGNARI FILHO, 96, 2001; S. QUINTAMAR e M. Romegialli, 93, 2000; ShiguenoliMIYAMOTO, 89, 2000; Luiz A. P. SOUTO MAIOR, 86, 2000; Rut DIAMINT, 65, 1998.Ver os seguintes artigos da Revista Brasileira de Política Internacional: Odete Maria deOLIVEIRA, A integração bilateral Brasil-Argentina: a tecnololgia nuclear e o Mercosul, 41 (1),p. 5-23, 1998; Amâncio Jorge OLIVEIRA e Janina Onuki, Brasil, Mercosul e a segurançaregional, 43 (2), p. 108-129, 2000; Antônio José FERNANDES, O Brasil e o sistema mundialde poderes, 44 (1) p. 94-111, 2001.

4 Livros: Almeida (1999); Lafer (1999). Artigos dos seguintes autores em Carta Internacional:Fernando KINOSHITA, 93, 2000; Roberto Teixeira da COSTA, 86, 2000; G HUFBAUER e J.J. Schott, 78, 1999; Ricardo Wahrendorff CALDAS, 49, 1997. Ver os seguintes artigos daRevista Brasileira de Política Internacional: Amado Luiz CERVO, Política de comércioexterior e desenvolvimento: a experiência brasileira, 40 (2) p. 5-26, 1997. Maurício EduardoCortes COSTA, Estratégias comerciais brasileiras em nível internacional, Debates (KonradAdenauer-Stiftung) 13, p. 63-69, 1997. Vera THORSTENSEN, As relações econômicasinternacionais do Brasil, Debates (Konrad Adenauer-Stiftung), 13, p. 71-98, 1997. Para osdados estatísticos, ver a Série Histórica do Banco Central do Brasil.

5 Artigo em Carta Internacional: Uziel NOGUEIRA, 61, 1998. Ver os seguintes artigos daRevista Brasileira de Política Internacional: Reinaldo GONÇALVES, Globalização financeirae inserção internacional do Brasil, 39 (1), p. 72-88, 1996; Marcos Antônio Macedo CINTRA,A participação brasileira em negociações multilaterais e regionais sobre serviços financeiros,42 (1), p. 62-76, 1999; Venício A. de LIMA., Globalização e políticas públicas no Brasil: a

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33RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL: UM BALANÇO DA ERA CARDOSO

privatização das comunicações entre 1995 e 1998, 41 (2), 118-138, 1998. Glória MORAES,Telecomunicações: o jogo ainda não acabou! Network. 9 (2), p. 6, 2000.

6 Artigos dos seguintes autores em Carta Internacional: Roberto Teixeira COSTA, 98, 2001;Ronaldo Motta SARDENBERG, 68, 1998;, Marcelo JARDIN, 54, 1997; Alexandre RatsuoUEHARA, 52, 199; Bruno AYLLON, 94-95, 2001. Ver os seguintes artigos da Revista Brasileirade Política Internacional: Frederico Lamego de SOARES, Análise econômica da parceriaBrasil-Alemanha no contexto das relações entre o Mercosul e a União Européia, 43 (2), p. 87-107, 2000; Luiz A. P. SOUTO MAIOR, Brasil-Estados Unidos: desafios de um relacionamentoassimétrico, 44 (1), p. 55-68, 2001; Graciela Zubelzu de BACIGALUPO, As relações russo-brasileiras no pós-Guerra Fria, 43 (2), p. 59-86, 2000); Antônio Carlos LESSA, Os vérticesmarginais de vocações universais: as relações entre a França e o Brasil de 1945 a nossos dias,43(2) p. 28-58, 2000; Severino CABRAL, Encontro entre Brasil e China: cooperação para oséculo XXI, 43 (1), p. 24-42, 2000; Pio PENNA FILHO, África do Sul e Brasil: diplomacia ecomércio (1918-2000), 44 (1), p. 69-93, 2001; José Vicente de Sá PIMENTEL, Relações entreo Brasil e a África subsaárica, 43 (1), p. 5-23, 2000. Jacques D’ADESKY, O paradoxo dasrelações comerciais Brasil-África, Network, 7 (3), p. 1-2, 1998. Cristina Sorenu PECEQUILO,A política externa dos Estados Unidos: fundamentos e perspectivas, Cena Internacional,2(1), p. 146-170, 2000.

7 Livros: Rapoport (org.) (1995); Cervo e Rapoport (orgs., 1998); Lladós e Guimarães (orgs.,(1999); Guimarães (org., 2000); Bernal-Meza (2000); Marcos A. G. de OLIVEIRA, Mercosule política; São Paulo: LTr, 2001; Mercosul: legislação e textos básicos, Brasília: SenadoFederal, 2000. Artigos dos seguintes autores em Carta Internacional: Luiz A. P. SOUTOMAIOR, 93, 2000; A. GREMAUD e M. Bobik, 92, 2000; Fernando MASI, 72, 1999; RosendoFRAGA, 61, 1998. Ver os seguintes artigos da Revista Brasileira de Política Internacional:Alcides Costa VAZ, Mercosul aos dez anos: crise de crescimento ou perda de indentidade? 44(1), p. 43-54, 2001; Vera THORSTENSEN, A OMC – Organização Mundial do Comércio e asnegociações sobre investimentos e concorrência, 41 (1), p. 56-88, 1998. Raúl BERNAL-MEZA,Argentina: la crisis del desarrollo y de su inserción internacional. São Paulo: FundaçãoKonrad Adenauer, 2001.

8 Livros: SOARES, (1994); GUIMARÃES (1999). Artigos dos seguintes autores em CartaInternacional: João Clemente Baena SOARES, 51, 1997; G. HUFBAUER e D. Orejas, 99,2001; Fernando Henrique CARDOSO, 100, 2001; Antônio J. F. SIMÕES, 90, 2000; Flávia deCampos MELLO, 96, 2001; Alberto PFEIFER, 63, 1998; Felipe DE LA BALZE, 91, 2000;Luiz A. P. SOUTO MAIOR, 91, 2000. Reinaldo GONÇALVES, Brasil, integração regional ecooperação internacional, Konrad Adenaur Stiftung, Cadernos Adenauer, nº 2, p. 57-80, 2000.

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Resumo

Desde 1990, particularmente durante os dois mandatos de FernandoHenrique Cardoso, as relações internacionais do Brasil foram caracterizadas porausência de estratégia de inserção no mundo da interdependência global, visto quea abertura foi eleita como ideologia de mudança. O Brasil empenhou-se junto aosórgãos multilaterais para estabelecer um ordenamento mundial nas áreas docomércio, meio ambiente, finanças e segurança. Atribuiu importância ao processode integração do Cone Sul. As relações internacionais apresentaram resultadosmedíocres no comércio exterior, induziram forte dependência financeira e abalaramo núcleo nacional da economia.

Abstract

Since 1990, particularly during the two administrations of Fernando HenriqueCardoso, the Brazilian’s international relations were characterized by the absenceof an insertion strategy in a world of global interdependence, when the openingwas chosen as the ideology of change. Brazil, together with the multilateralorganizations, worked on establishing a world order on trade, environment, financesand security sectors. It attributed importance to the process of integration of theSouth Cone. The international relations presented mediocre results on internationaltrade, induced to strong financial dependence and affected the national nucleus ofthe economy.

Palavras-chave: Brasil; Política exterior; Relações internacionais.Key words: Brazil; Foreign Policy; International Relations.

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Revista Brasileira de Política InternacionalInstituto Brasileiro de Relações [email protected] ISSN (Versión impresa): 0034-7329ISSN (Versión en línea): nullBRASIL

2003 Amado Luiz Cervo

A POLÍTICA EXTERIOR: DE CARDOSO A LULA Revista Brasileira de Política Internacional, janeiro-junho, año/vol. 46, número 001

Instituto Brasileiro de Relações Internacionais Brasilia, Brasil

pp. 5-11

Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal

Universidad Autónoma del Estado de México

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Rev. Bras. Polít. Int. 46 (1): 5-11 [2003]*Professor Titular de História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Editor da RevistaBrasileira de Política Internacional.

Editorial

A política exterior: de Cardoso a Lula

Amado Luiz Cervo*

Os primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foram detransição. Comprovaram mais uma vez aquela racionalidade do Estado brasileiroque se sobrepõe às mudanças de regime, de partidos no poder ou simplesmente degoverno. Lula, entretanto, foi eleito com base em dois argumentos de campanha:remediar o déficit social, ou seja, trazer para a sociedade de consumo e bem-estarmais de trinta milhões de brasileiros, e atenuar a vulnerabilidade externa do país.Para a política exterior, a vitória do Partido dos Trabalhadores respondeu a umaaspiração da opinião no sentido de mudar-se o “modelo” de inserção internacional.

Analisamos para a Revista Brasileira de Política Internacional oselementos de mudança requeridos da política exterior para realizar a aspiração daopinião e do novo governo de modificar o modelo de inserção internacional doBrasil. Julgamos necessário partir do balanço das relações internacionais do paísdurante a era Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de identificar suasorientações externas e seus resultados para, depois, traçar as linhas de ação donovo governo.

A política exterior de Cardoso dirigiu seus esforços em quatro rumos:

a) O multilateralismo

Nenhum outro domínio da ação externa gerou tanta expectativa e registroutão numerosas iniciativas quanto a política multilateral. O governo de Cardosoalimentou a fé de muitos analistas de relações internacionais na construção deuma ordem global feita de regras transparentes, justas e respeitadas por todos.O idealismo kantiano da paz e da cooperação embutidos nessa possibilidade degovernança global, próxima de um mundo ideal, regulado com legitimidade pelasinstituições multilaterais, perpassou o pensamento de Cardoso e de seus ministrosde relações exteriores, dóceis por conveniência ou afinados por convicção.

Cardoso sonhou com um comércio internacional sem entraves, reguladopelo Gatt-OMC de tal sorte que tudo se tornasse previsível e as trocas benéficas

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6 EDITORIAL

para todos. Sonhou com o controle dos fluxos financeiros, estabelecido porinstituições como G7, FMI e Banco Mundial, que evitasse os efeitos predatóriosdos capitais sobre os mercados emergentes. Sonhou com a proteção do meioambiente consoante regras fixadas pelas grandes conferências internacionais esubseqüentes convenções e protocolos que levassem em conta os requisitos dodesenvolvimento. Sonhou com um regime de segurança global estabelecido peloConselho de Segurança das Nações Unidas. Sonhou, enfim, com o respeito aosdireitos humanos, sociais, da mulher, das minorias e outros que as respectivasconferências se propunham amparar em escala mundial. E ordenou a sua diplomaciaque colaborasse sem esmorecer com as organizações multilaterais encarregadasde estabelecer as coordenadas dessa ordem planetária.

Decepcionado diante dos magros resultados concretos do multilateralismodos anos 1990, Cardoso forjou e alardeou o conceito de globalização assimétricatirado da sociologia das relações internacionais com o fim de avaliar o movimentodas forças em um sistema de benefícios que considerou desiguais porque encurralouos países periféricos, obedientes e servis, para o lado dos perdedores.

b) O regionalismo

Em evidente demonstração de cautela, Cardoso geriu com senso realistao processo de integração posto em marcha no Cone Sul do continente, tendo emvista precaver-se diante de eventual falha no triunfo do idealismo kantianoespalhado pela ação multilateral do Brasil. Com o regionalismo, pretendia realizarcompensações econômicas e reforçar o poder político. Obteve resultados positivos,como a empatia das inteligências brasileira e argentina, a criação de uma zona depaz regional, a expansão vertiginosa do comércio intrabloco, a elevação do Mercosulà condição de sujeito de direito internacional, a produção de uma imagem externaacima de sua própria realidade e, enfim, sua utilização para alicerçar o projeto deunidade política, econômica e de segurança da América do Sul. O processo deintegração evidenciou, por outro lado, algumas fragilidades, como a não-convergência das políticas exteriores de seus membros, a recusa em sacrificar asoberania em dose adequada, a adoção de medidas unilaterais perniciosas para osparceiros, a recusa em enfrentar assimetrias, a incompatibilidade das políticascambiais e, enfim, a inexistência de instituições comunitárias. Algumas dessasfragilidades foram responsáveis pelas crises de consolidação do Mercosul.

c) Estados Unidos

Há mais de um século, o parceiro histórico do Brasil é objeto de atençãoe deferência singular nos cálculos do governo e da diplomacia. Durante a eraCardoso, contudo, essa relação tornou-se problemática, porque opunha aquelemultilateralismo da ação externa brasileira ao unilateralismo da única potência

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7EDITORIAL

imperial ao tempo da globalização. O Brasil de Cardoso não soube mais comolidar com o tradicional parceiro estratégico: submetia-se, de forma subserviente,na esfera econômica e confrontava-o pelo discurso político. Deixou a seu sucessorum espinho no calcanhar: que fazer com os Estados Unidos ?

d) União Européia

Uma saída para o dilema das relações com os Estados Unidos foi procuradanas relações com a União Européia. Com a força do Mercosul por trás, o governode Cardoso negociou ao mesmo tempo a criação da Alca e de uma zona de livrecomércio com a Europa, na expectativa de realizar efeitos de equilíbrio, mas semchegar a resultado concreto algum.

Os quatro eixos da política exterior de Cardoso orientaram claramente osesforços externos para o denominado Primeiro Mundo, na presunção de que opaís haveria de figurar entre a elite das potências, rompendo com a tradiçãodemocrática e universalista da ação externa brasileira. Esses eixos restringiram aesfera de ação e provocaram perdas e retiradas com relação à fase anterior, decaráter comprometedor em termos de realização de interesses nacionais. O Brasilafastou-se da África e do Oriente Médio, desdenhou parcerias consolidadasanteriormente como a da China e não percebeu as oportunidades que se abriramna Rússia e nos países do leste europeu.

Os quatro eixos da ação externa da era Cardoso embutiram, com efeito,equívocos estratégicos e converteram a década dos noventa em década das ilusões:

a) Comércio exterior

O comércio exterior adquiriu a função de variável dependente daestabilidade de preços, perdendo o caráter de instrumento estratégico dedesenvolvimento. Esse comércio sacrificou as duas funções históricas que preenchia,por um lado, a de promotor da produção interna como um todo ou de setoresespecíficos que se pretendesse estimular e, por outro, a de promotor da formaçãode capital para fazer face aos serviços da dívida externa ou para investir. Reverteua tradição de gerar superávit e agravou com seus déficits o balanço de pagamentos.Depois de experimentar esses efeitos nocivos da política de comércio exterior, ogoverno de Cardoso ensaiou uma correção a partir da crise financeira de 1999.

b) Fluxos de capital e dependência financeira

Os capitais externos foram procurados com desespero pelas autoridadeseconômicas porque se destinavam a suprir o aporte sonegado pelo comércioexterior. Dois mecanismos de atração, juros altos e privatização com alienação deativos às empresas estrangeiras, engendraram a ilusão de divisas com que se

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8 EDITORIAL

viveu nos anos noventa. Durante a era Cardoso, o modo como se operaram osfluxos de capital acrescentou ao tradicional serviço da dívida dois novosmecanismos de transferência de renda do Brasil ao exterior: a via dos dividendose a da especulação financeira. As conseqüências se fizeram sentir na debilidadedo sistema produtivo interno.

c) Dependência empresarial e tecnológica

O encerramento do ciclo de prevalência do Estado desenvolvimentista noBrasil feriu gravemente a expansão empresarial de matriz nacional bem como ageração de tecnologias pelo sistema produtivo. Era firme propósito do governo deCardoso trazer esses fatores de fora para o domínio das atividades industriais e deserviço e empurrar a economia propriamente brasileira de regresso à infância dosetor primário ou às tarefas sem criatividade de montagem de produtos.

d) Abertura como estratégia sem estratégia de inserção interdependente

Dando continuidade à ruptura empreendida por Fernando Collor de Melo,Cardoso consolidou uma abertura como estratégia sem estratégia de inserçãomadura no mundo da interdependência global. Os efeitos macroeconômicos egeopolíticos fizeram-se sentir com o incremento da vulnerabilidade externa: aumentoexponencial da dívida, dependência empresarial e tecnológica, dependênciafinanceira, destruição do núcleo central da economia nacional e conseqüente perdade poder sobre o cenário internacional. Cardoso encaminhou a falência da naçãoe somente não a consumou como logrou Carlos Saúl Menem na Argentina porquea sociedade reagiu em tempo, colocando freios em seus propósitos.

A era Cardoso, era das ilusões, foi marcada pela adoção de medidasliberais de país avançado em terras periféricas. A opinião pública exigiu a correçãodo modelo de inserção internacional considerado nocivo aos interesses da nação econfiou essa tarefa ao governo de Lula, de quem se espera um salto de qualidadenas relações internacionais do Brasil.

A imprensa, os meios políticos e os analistas de relações internacionais seperguntam, cinco meses depois de iniciado o governo de Lula, se houve, e em quesentido, mudança de política exterior com relação à era Cardoso. Antônio Palocci,Ministro da Fazenda, parecia deixar dúvidas. Suas medidas inscrevem-se, contudo,naquela racionalidade do Estado a que aludimos ao introduzirmos nosso argumento.Tanto mais que assumiu a coordenação da área econômica com a responsabilidadede acalmar a inusitada pressão de forças que se haviam erguido como centro decomando das políticas púbicas durante a era Cardoso.

A convicção de que a mudança está em curso advém do conhecimentoque temos da nova equipe dirigente da área externa: Celso Amorim, Ministro de

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9EDITORIAL

Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário Geral, e MarcoAurélio Garcia, assessor especial do Presidente para assuntos internacionais.Advém, ademais, da sintonia desse grupo com a equipe de governo e com opensamento de seu chefe.

São também quatro as linhas de força da política exterior do governo deLula:

a) Recuperação do universalismo e do bilateralismo

Na esfera da alta política internacional, o governo de Lula se propõesubstituir a diplomacia presidencial, feita de prestígio pessoal a projetar, peladiplomacia da nação, feita de interesses a promover. Esse novo universalismocomporta iniciativas concretas, tais como a reivindicação de um assento permanenteno Conselho de Segurança e a reocupação de espaços sacrificados, como a Áfricae o mundo muçulmano. Coloca em jogo, também, a recuperação do bilateralismoe o reforço do regionalismo. As parcerias estratégicas do Brasil ganham peso naação externa, que mira para a China e o Japão na Ásia, África do Sul, Angola eNigéria na África, a Rússia no leste e para outros países em função de sua utilidadeconcreta.

A visão de mundo do governo de Lula projeta como ideal a reorganizaçãoplanetária em um mundo multipolar. Sua diplomacia trabalha no sentido de promovera evolução do sistema unilateral centrado nos Estados Unidos para o sistemacomposto de pólos de equilíbrio em que potências chaves desempenhem o papelde catalisador: União Européia, Japão e China no Extremo Oriente, Rússia naEurásia, Atlântico Sul de África e América do Sul. Essa reorganização do mundoem nova ordem é percebida como benéfica para todos os povos e particularmentepara a realização dos interesses brasileiros.

b) América do Sul

A América do Sul corresponde ao espaço natural de afirmação dosinteresses brasileiros. A diplomacia planeja agregar a este espaço países chavesdo Atlântico africano. Com o conjunto, espera-se compor uma plataformaeconômica e política, na qual a Argentina exerce papel estratégico como sócioprivilegiado e o Mercosul como motor. Os objetivos traçados são o reforço daseconomias nacionais pela via de sua regionalização, a autonomia decisória naesfera política e a exclusão de intervenções externas para solução de problemasde segurança regional.

Em seu início, o governo de Lula enfrentou três desafios e tomou iniciativasadequadas para superá-los, pondo em marcha sua estratégia regional. A crisepolítica da Venezuela foi atenuada com a criação do “Grupo de Amigos” e a

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10 EDITORIAL

concessão de empréstimos do BNDES; o governo colombiano sentiu-se confortadocom o apoio com que conta para enfrentar a guerrilha e o tráfico de drogas;enfim, a possibilidade de retorno de Menem ao cenário político regional foi afastada,havendo para tanto o governo de Lula concedido empréstimos e manifestadoclaramente seu apoio ao candidato argentino Néstor Kirchner, que com suas idéiasse afina. O caminho foi, portanto, aplainado. Brasília tornou-se um carrefour deencontros de chefes de Estado da América do Sul e Celso Amorim já visitoualguns países africanos.

c) Sanar dependências estruturais e promover a inserção interdependente

Para fazer face às dependências estruturais aprofundadas por Cardosocom sua abertura como estratégia, ou seja, para atenuar a vulnerabilidade externa,Lula projeta novo modelo assertivo de inserção no mundo da globalização,introduzindo remédios de equilíbrio aos males da globalização assimétrica, ao invésde somente lamentá-la, como até o presente se fez no Brasil e em países vizinhos.A ação desenvolve-se em quatro frentes: 1) reforçar o núcleo central da economianacional, estatal ou privado, nacional ou estrangeiro, por modo a recuperar a trilhado crescimento econômico; 2) reconverter a política de comércio exterior eminstrumento estratégico de desenvolvimento, gerador ademais de superávits paraaumentar a disponibilidade interna de divisas; 3) reverter a curva de dependênciafinanceira em que mergulhou o processo de desenvolvimento desde 1980, cerceandoas vias de evasão de renda líquida nacional; 4) transitar da nacionalização daeconomia internacional à internacionalização da economia nacional, desde aplataforma regional.

Este último ponto reveste-se de importância singular, na medida em quepromove o único modelo de equilíbrio de inserção no mundo da interdependênciaglobal. Diante dessa opção estratégica, a alternativa da América Latina nos anos1990 foi a inserção dependente, geradora de vulnerabilidades e sacrifíciosestruturais, a da presente década haverá de ser a inserção interdependente,produtora de remédios de equilíbrio e de ganhos compartilhados..

d) Manter o acumulado histórico da diplomacia brasileira

Os padrões históricos de conduta internacional do Brasil estão sendopreservados nos pontos em que a ação externa de Cardoso não os comprometeue recuperados naquilo em que foram sacrificados. Com esse “acumulado histórico”,pretende o governo de Lula lutar pela autodeterminação e não-intervenção,promover o nacionalismo cooperativo e não confrontacionista, valorizar o pacifismoda política internacional, zelar pelo respeito aos estatutos jurídicos da ordem,preservar a cordialidade oficial com os vizinhos e rechear o conjunto estratégico

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11EDITORIAL

de ação externa com a ideologia desenvolvimentista. Nesse sentido, todo cuidadoexige-se da diplomacia brasileira para não irritar os Estados Unidos, seja pelaoposição de princípio a sua nova doutrina de intervenções preventivas, seja peloabandono da subserviência econômica e política.

Da era Cardoso que já faz parte do passado para a era Lula que se inaugura,nossa expectativa é de trânsito da ilusão kantiana característica das liderançaspolíticas latino-americanas dos anos 1990 para o jogo do realismo duro das relaçõesinternacionais. Traduzindo esse pensamento para a linguagem paradigmática querecentemente aplicamos à análise da política exterior do Brasil e de outros paísesda América do Sul, estamos no ponto de abandonar os parâmetros do Estadonormal, invenção argentina por excelência, importada por Cardoso, semrestabelecer simplesmente aqueles do tradicional Estado desenvolvimentistabrasileiro, porque convém ao Brasil de hoje evoluir para o que denominamos deEstado logístico, paradigma por meio do qual os países avançados chegaram aoponto onde se encontram e nele se mantêm.

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A política externa do Brasilem dois tempos

MONICA HIRST*

LETICIA PINHEIRO**

Este artigo pretende resumir as principais iniciativas diplomáticas brasileirasde 1990 a 1994, indicando se, quando e porque houve uma mudança na políticaexterna dos governos de Collor de Mello e de Itamar Franco. Seu suposto central éde que variáveis de natureza doméstica e internacional fizeram com que, a partir de1993, algumas estratégias de inserção internacional do país fossem revistas eajustadas.

Em sua grande maioria, entretanto, essas revisões se deram nos métodos emeios para se alcançar resultados antes pretendidos. Neste sentido, em seguida àcrise de paradigma que se instalou ao fim do governo Collor, que parecia indicar umamudança programática da política externa brasileira, seguiu-se uma readequação deestratégias vis-à-vis da comunidade internacional, sem alteração significativa nosobjetivos finais a serem contemplados.

1 – Primeiro tempo

Apesar de breve, o governo de Collor de Mello marcou profundamente oBrasil tanto no que se refere às opções de políticas domésticas, como no que tangeàs alternativas de seu perfil internacional. Dando início ao período de consolidaçãodemocrática brasileira, a etapa inaugurada em 1990 corresponde, no campo dapolítica externa, à ruptura de um consenso construído a partir de 1974 com base emuma sólida estrutura burocrática e no apoio das elites políticas e econômicas do país(Lima, 1994). Tratava-se fundamentalmente do projeto de inserção autonomista,cujas premissas orientadoras priorizavam uma atuação independente e ativa no

Rev. Bras. Polít. Int. 38 (1): 5-23 [1995].* Pesquisadora da área de relações internacionais da FLACSO-Argentina** Pesquisadora da área de política externa brasileira do CPDOC (Fundação Getúlio Vargas)

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6 MONICA HIRST & LETÍCIA PINHEIRO

sistema internacional. A partir da segunda metade dos anos oitenta, entretanto, acontinuidade deste projeto foi seriamente comprometida por transformações externase internas que afetaram sua base de sustentação e legitimação. No primeiro caso,inscrevem-se o reordenamento político do sistema internacional, a partir do fim daGuerra Fria e o aprofundamento do processo de globalização do sistema mundial; nosegundo, o esgotamento do modelo de crescimento interno baseado em uma lógicasubstitutiva e o tortuoso processo de consolidação brasileira.

Um projeto de vôo curto

Da mesma forma que se geraram expectativas no plano interno de que oBrasil poria em marcha um veloz processo de modernização e superação dosentraves criados pela velha ordem econômica, criou-se a idéia de que o governoeleito em fins de 1989 iria modificar rapidamente o perfil internacional do país. Paratanto, foram estabelecidas prioridades que, em seu conjunto, pretendiam alcançartrês metas, a saber: 1) atualizar a agenda internacional do país de acordo com asnovas questões e o novo momentum internacional, 2) construir uma agenda positivacom os Estados Unidos e, 3) descaracterizar o perfil terceiro-mundista do Brasil.Para cada meta havia um tema prioritário que daria o tom da mudança pretendida.

No primeiro caso, destacava-se a decisão de abandonar uma posturadefensiva com respeito ao tema ambiental; no segundo, a de alcançar umanegociação rápida sobre o tema da legislação de propriedade intelectual; e, noterceiro, a de elaborar um discurso que interpretava o fim da Guerra Fria como umafonte de oportunidades e não de aprofundamento da clivagem Norte-Sul. Deve-seainda mencionar a intenção do novo governo de alterar sua postura com respeito aodesenvolvimento de tecnologias sensíveis, o que significava, no plano internacional,ser mais flexível vis-à-vis dos regimes de não-proliferação; e, no âmbito interno,restringir a participação dos militares na condução da política nuclear. De fato, amudança na área da tecnologia dual enfeixava os três propósitos mencionadosacima.

Em termos concretos, foram tomadas iniciativas relevantes que procurarammaterializar o conjunto de novas posturas brasileiras (Lafer, 1993). Entre estas,destacam-se: o protagonismo do Brasil na organização e condução diplomática daEco-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,junho de 1992); a negociação e assinatura do tratado de Assunção com Argentina,Uruguai e Paraguai visando à formação do MERCOSUL; a assinatura do acordo decriação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de MateriaisNucleares (ABACC) e do Acordo Nuclear Quadripartite de Salvaguardas com a

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7RESENHAS

AIEA; a proposta de revisão do Tratado de Tlatelolco, uma iniciativa conjunta doBrasil, Chile e Argentina que abriria caminho para que estes finalmente ratificassemo acordo; e uma legislação específica de controle de exportação de armas etecnologia sensível.

Um aspecto a ser ressaltado é o de que as mudanças propostas para apolítica internacional brasileira não alteravam um de seus aspectos essenciais, i.e.,sua estreita vinculação com o modelo econômico do país. Da mesma forma que apolítica de corte autonomista continha um sentido fortemente instrumental para aestratégia desenvolvimentista brasileira, pretendia-se que o novo padrão de políticaexterna fosse um apoio para os desafios internacionais a serem enfrentados pelo paísa partir de seu processo de reformas econômicas internas. Neste sentido, foiapontado como o primeiro traço distintivo da política exterior do governo Collor seuobjetivo de constituir uma ferramenta para ampliar a competitividade internacionaldo Brasil, melhorando suas condições de acesso a mercados, créditos e tecnologia(Azambuja, 1991).

Após uma fase inicial de dinamismo, na qual se procurou agilizar o abandonodo modelo estatista através da rápida implementação de políticas liberalizantes como fito de seguir o exemplo de outros países latino-americanos – como o Chile, oMéxico e a Argentina – a capacidade de ação de Collor de Mello viu-se constrangidapela crise política deflagrada no primeiro ano de mandato. Do amplo pacote dereformas econômicas, envolvendo abertura comercial, liberalização de investimentos,privatização de empresas estatais e renegociação da dívida externa, apenas pôde-se manter em marcha as novas determinações no campo de comércio exterior (1).A incapacidade de manejar as negociações necessárias com as elites políticas eeconômicas para o processamento de uma reforma de tal envergadura, somada àcrise ética que colocou em questão a própria legitimação do presidente eleito, terminapor conduzir o país a um impasse político apenas solucionado com o afastamento dopresidente dois anos após a sua posse (2).

No plano externo, a crise política brasileira reverteu as expectativas demudança do perfil internacional do país. Apesar do esforço do Itamarati de mantero curso da política externa de forma independente da crise política nacional, foiimpossível evitar a deterioração da imagem do Brasil na comunidade internacional,particularmente junto às nações industrializadas. Além do desapontamento geradopela constatação da fragilidade interna do governo de Collor de Mello, as potênciasocidentais – em especial os Estados Unidos – mostravam-se desiludidas com aatitude brasileira durante a Guerra do Golfo (3). No plano econômico-comercial, aimagem do Brasil também viu-se deteriorada vis-à-vis da comunidade de negócios,fosse pela atitude pouco dócil assumida no início do governo Collor nas negociações

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da dívida externa, pelas resistências domésticas – em especial no âmbito parlamentar– de apoiar as políticas de liberalização e desestatização propostas pelo Executivo,fosse pelo desinteresse brasileiro de dar início às negociações de um acordo de livrecomércio com os Estados Unidos.

A crise e o desmoronamento do governo Collor comprometeramprofundamente o ideário neoliberal das elites brasileiras. Observa-se então umrecrudescimento de posturas neodesenvolvimentistas que procuram influenciar acondução tanto de assuntos domésticos quanto internacionais. Ao mesmo tempo, oprotagonismo assumido pelo Poder Legislativo, durante o processo de afastamentodo ex-presidente, ampliou a capacidade de influência do Parlamento no processodecisório da maioria das questões relevantes da agenda nacional. Este fato terminouestimulando a politização de temas da agenda externa, ampliando notavelmente oescopo do debate interno sobre os mesmos. Além de lobbies militares, empresáriose políticos que alimentaram o debate sobre determinadas questões como a lei dePropriedade Intelectual, o Tratado Nuclear Quatripartite com a Argentina, ABACCe AIEA e a revisão do Tratado de Tlatelolco, ampliou-se a preocupação em tornode temas como o meio ambiente e direitos humanos. Esta preocupação foi estimuladapor diversos segmentos da sociedade brasileira que – através das OrganizaçõesNão-Governamentais – passaram a influenciar de forma crescente a formação daopinião pública brasileira.

O consenso em debate

Tanto a crise do ideário neoliberal quanto o processo de consolidação dademocracia tiveram seus efeitos sobre o Itamarati. A constatação de que o conjuntode inovações proposto pelo governo Collor não contava com as necessárias basesde sustentação doméstica assim como a ampliação do debate sobre as opçõespolíticas do país contribuíram para a emergência de controvérsias silenciosas noâmbito da própria corporação diplomática. Observou-se, a partir de então, umprocesso de perda de paradigma que, se bem não colocou em questão a suacapacitação profissional (não só para postos de política exterior), significou umamudança substantiva no âmbito burocrático civil de maior solidez do Estado brasileiro(Lima, 1994 e Batista, 1993).

Rompeu-se a noção consagrada de que continuidade e consenso constituíamaspectos invioláveis da política internacional do país. Ou, ainda, tornou-se mais difícilapresentar o consenso como dado – ao invés de ser o resultado de um processocontínuo de negociação – limitando-se a relativa autonomia outrora desfrutada pelapolítica externa do país. Estes atributos haviam assegurado continuidade e coerência

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a políticas substantivas. Havendo resistido à mudança de regime político do Brasilem 1985, pela primeira vez – desde meados dos anos 70 – a política externa foi“desencapsulada”, devendo ampliar suas condições de transparência e accountability.Ao mesmo tempo, a agenda externa já não era apenas o resultado da vontade doEstado, incluindo também questões suscitadas no âmbito inter-societal.

Dentro e fora do Ministério das Relações Exteriores, passou-se a questionara essência estatal da política externa tendo em vista a necessidade de ampliar suasbases domésticas de apoio. Paradoxalmente, o fato de o Itamarati ter desenvolvidocomo recurso organizacional um conjunto de especializações diplomáticas tornou-omais exposto às pressões de interesses diferenciados que passaram a se manifestarcom maior incidência a partir do processo de consolidação democrática. Nestequadro, a politização da sociedade brasileira, mencionada anteriormente, chegou aoâmbito diplomático levando a que se estabeleça uma diferenciação entre posturasmais próximas dos ideais neodesenvolvimentistas – e conseqüentemente nacionalistas– e posturas mais sintonizadas com o neoliberalismo, com um sentido maiscosmopolita.

Identificada com grupos, partidos e interesses internos, esta divisão passoua definir-se em função de uma temática central: o padrão de relacionamento com osEstados Unidos (Hirst e Lima, 1994). Embutido nas diferentes questões da agendaexterna brasileira, fosse meio ambiente, tecnologia sensível, integração regional e atérelações com a Argentina, esta problemática tornou-se o elemento de (des)norteamentono debate instalado dentro da corporação diplomática, a partir do fim do governo Collor.

Em um momento de particular politização no meio parlamentar, em funçãoda tramitação da lei de Propriedade Intelectual, duas posições extremas se esboçaram:a primeira era a de que a convergência com Washington constituía o caminho paraa recuperação da credibilidade internacional do Brasil; a segunda, a de que odistanciamento de Washington assegurava ao Brasil um espaço de manobra nosistema internacional, necessário para a defesa dos interesses nacionais. Estasopções de significado tão díspar tinham como ponto em comum a percepção de queo Brasil encontrava-se em uma posição particularmente vulnerável no sistemainternacional.

É neste quadro que, com o afastamento de Collor de Mello do governo, emoutubro de 1992, se inicia o governo de Itamar Franco. Em meio a um debate internosobre a estratégia de inserção internacional do país, o novo governante propôs umapolítica externa que se pretendia “voltada para o desenvolvimento do País, para aafirmação de valores democráticos e de sentido universalista. (...) uma políticaexterna sem alinhamentos outros que não aqueles (...) ligados à ética e aos interessesdo povo brasileiro” (Amorim, 1993). Ou seja, uma política cuja ausência de

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categorização ou rótulos revelava uma diferenciação com relação às políticasanteriores e, ao mesmo tempo, a intenção de não gerar novas expectativas. Issosignificava que possíveis falhas ou percalços não deveriam gerar novas ondas decríticas ou desilusão. Tratava-se também de anunciar maior predisposição paraabsorver as diferenças que vinham se manifestando na Casa de Rio Branco em nomeda unidade corporativa. Esta tinha a seu favor a recuperação das rédeas do jogo,simbolizada na escolha de um representante destacado da diplomacia do país paraassumir o comando do Itamarati.

2 – Segundo tempo

As condições domésticas

A inauguração do governo Itamar Franco deu-se em um contexto domésticoe internacional notavelmente desfavorável para o Brasil. O novo governo atravessouo ano de 1993 buscando superar as seqüelas deixadas pelo trauma político do período1990-92 e simultaneamente procurando encontrar uma porta de saída para aprolongada crise econômica do Brasil (4). Ao desgaste causado por uma situaçãode crônico desequilíbrio macroeconômico, marcado por um processo inflacionáriodesmedido, somava-se uma agenda política carregada, na qual a colisão entre oExecutivo e o Legislativo havia se tornado uma constante. Ao contrário de Collor deMello que chegara ao poder pelo voto direto da maioria da população, Itamar Francofoi alçado à presidência da República como uma contingência da crise de legitimidadeque se abatera sobre o Poder Executivo.

Frente a um quadro político doméstico problemático, o governo Itamar teveinício sem dar prioridade à agenda externa, mostrando pouco interesse em dedicar-se a uma diplomacia presidencial. A política externa foi então delegada a atores dereconhecido prestígio de fora ou de dentro da corporação diplomática.

As restrições no plano externo estavam dadas pela deteriorada situaçãomacroeconômica do país e pelo contraste gerado vis-à-vis de outros países da regiãoque haviam logrado dar continuidade – com êxito aparente – a seus respectivosplanos de estabilização e reforma econômica. Ao mesmo tempo, as fissuras político-estratégicas da chamada nova ordem já suscitavam dúvidas sobre a viabilidade deum sistema sem controle hegemônico, assim como persistia o temor de que aspotências ocidentais dirigissem seus recursos para a recuperação política e econômicados países do antigo Leste Europeu em detrimento do Sul. Além disso, no plano daspercepções da comunidade internacional, pairava a expectativa de que o Brasil iriaretornar a uma postura de cunho nacionalista, fruto da crença de que não apenas o

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novo mandatário necessitava diferenciar-se de seu antecessor mas, igualmente, emfunção de seus próprios antecedentes políticos.

Passados seus primeiros meses, entretanto, o governo de Itamar Francoimprimiu o tom da atuação internacional de seu governo. O que se percebeu foi amanutenção das políticas iniciadas anteriormente, paralelamente à adoção de umposicionamento marcado pela condição de país em desenvolvimento. Neste contexto,algumas decisões da diplomacia brasileira foram paradigmáticas do projeto deinserção internacional do novo governo, a saber: a atuação nos foros políticosmultilaterais, a reafirmação dos compromissos já assumidos de não-proliferaçãonuclear, o aprofundamento da integração regional, a “desdramatização” das relaçõescom os Estados Unidos, a reafirmação das alterações implantadas pelo governoanterior no âmbito da Rodada Uruguai e a aproximação com pares potenciais dacomunidade internacional (China, Índia, Rússia e África do Sul). Em seu conjunto,elas refletiam (e ainda refletem) os diferentes projetos de inserção externa emdebate no Brasil: a de um país continental (“país baleia”), de uma nação cominteresses múltiplos na dinâmica de globalização da economia mundial (globaltrader) e a de um ator protagônico no processo de regionalização em curso no âmbitohemisférico (“sócio privilegiado”).

No âmbito multilateral

Foi nos foros multilaterais, particularmente nas Nações Unidas, onde melhorpercebeu-se uma atuação internacional do Brasil no sentido de reverter o quadro depassividade e, principalmente, de imprimir maior visibilidade ao país frente àcomunidade internacional. A partir de então, este esforço esteve conjugado aoobjetivo de assegurar voz e voto no processo de reforma institucional da ordeminternacional.

Assim sendo, o governo Itamar Franco intensificou a ação diplomática deforma a encontrar um vetor de inserção no debate que garantisse ao país umaparticipação mais ativa e menos defensiva. Deve-se destacar o esforço de viabilizar,no seio das Nações Unidas, a proposta brasileira de que uma Agenda para oDesenvolvimento fosse somada à Agenda para a Paz. Com base na tese de que aagenda internacional se estruturaria em torno da questão da democracia, dodesenvolvimento e do desarmamento, com seus desdobramentos nas áreas dedireitos humanos, meio ambiente e segurança internacional, e de que pobreza esubdesenvolvimento constituem ameaças importantes, esta proposta visavacomprometer as Nações Unidas com o esforço de superação do subdesenvolvimentoe da pobreza.

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Além disso, procurou-se assegurar um lugar na discussão dos temas globais– direitos humanos, ecologia, narcotráfico, terrorismo – em franca oposição a novosconceitos de caráter intervencionista. Estes, acompanhados dos novos princípios de“soberania compartilhada”, “limitada” ou de “intervenção humanitária” reivindicampara a comunidade internacional o chamado dever de intervenção, assistência ouinterferência em situações nas quais os direitos humanos ou a democracia se vejamameaçados. Alguns episódios tornaram o governo brasileiro alvo potencial para aaplicação destes conceitos, destacando-se a chacina de menores de rua no Rio deJaneiro em julho de 1993, o massacre dos índios ianomâmis em agosto de 1993 e asconstantes denúncias de depredação ambiental na Amazônia.

A este respeito, cabe destacar duas iniciativas do governo brasileiro. No quese refere à questão dos direitos humanos, o papel desempenhado pelo Brasil naConferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, junho 1993) quando o representantebrasileiro, na qualidade de presidente da Comissão de Redação, trabalhou intensamenteno sentido de encontrar um denominador comum entre as diversas visões projetadassobre a atuação da comunidade internacional na defesa dos direitos humanos. E comrespeito à questão ambiental, a implantação de um sistema de vigilância da Amazônia(SIVAM), com vistas a reprimir a prática de atos ilícitos na região, como tráfico dedrogas e contrabando de riquezas minerais, assim como incentivar o controleambiental e das áreas indígenas através do monitoramento do uso das terras e daságuas; e assegurar um povoamento ordenado na área com base em um projeto dedesenvolvimento sustentável para a região.

Como parte desta ofensiva diplomática, o governo brasileiro passou adedicar especial atenção ao debate nas Nações Unidas sobre a ampliação edemocratização de seus órgãos. O projeto de expansão do Conselho de Segurançapassou a ser percebido como crucial para ampliar a legitimidade e, portanto, outorgarmaior eficácia a este órgão, assegurando assim sua adequação à nova realidadeinternacional. Foi neste quadro que o governo brasileiro iniciou campanha comocandidato da América Latina a um lugar permanente no Conselho, preparando-separa defender uma antiga pretensão no foro das Nações Unidas.

Vale ainda mencionar a participação brasileira em três operações de paz dasNações Unidas: duas na América Central (Onuca e Onusal) e uma na África(Unavem). Em termos comparativos, porém, esta participação tem sidoconsideravelmente menos significativa do que aquelas desenvolvidas pela Argentinaque passou a adotar uma política bem menos seletiva – tornando-se o principal aliadodos Estados Unidos na América Latina para o desenvolvimento deste tipo de ação.

Na Organização dos Estados Americanos, a diplomacia brasileira manteveuma linha de atuação que ao mesmo tempo fortalecesse a democracia na região,

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protegesse os Estados-membros contra tentativas unilaterais de intervenção eingerência em seus assuntos domésticos e assegurasse a solução pacífica decontrovérsias. Foram exemplos neste sentido, a insistência de reintegrar Cuba àcomunidade interamericana e os esforços por garantir uma solução negociada paraa crise do Haiti.

No âmbito comercial, e especificamente na Rodada Uruguai, o governoItamar seguiu a estratégia de ação do governo anterior. Este governo endossou aalteração da postura brasileira, implementada pelo governo Collor de Mello, nosentido de flexibilizar sua oposição à inclusão de novos temas, tornando-se umfervoroso defensor da institucionalização de um regime de comércio multilateral.Entre outros motivos que justificavam esta posição estava o temor de que a discussãosobre estas novas áreas desviasse a atenção com relação aos problemas de acesso,agricultura e têxteis e de temas normativos relacionados à necessidade de superaras insuficiências institucionais do GATT. A fragilidade econômico-financeira do paísnos anos 80 havia aberto o primeiro flanco na posição brasileira, que abandonou asbandeiras protecionistas propagadas em outros momentos. Como resultado, o Brasilterminou por aprovar o Draft Final Act que, embora não contemplasse grande partedos interesses brasileiros, assegurava um acesso mais diversificado para o país nosistema de comércio internacional (Abreu, 1994). Assim, embora ao final da Rodadaas vitórias brasileiras na área de exportação de metais, café, chá, cacau, açúcar eóleos vegetais fossem dignas de nota, não se deve esquecer que o país terminou porabrir seu mercado de serviços sem uma contrapartida de redução substancial dossubsídios agrícolas.

Ademais, note-se que ao fim da Rodada Uruguai outros novos temascomeçaram a despontar na arena de debates sobre o comércio mundial, tais comoa questão das condições sociais de trabalho, ou dumping social, percebidas no Brasilcomo uma nova modalidade de pressão e exclusão. Mais uma vez, o risco pareciaincidir sobre os países em desenvolvimento que se tornariam alvo potencial demedidas retaliatórias aplicadas por nações industrializadas, com base na tese de queos baixos custos da mão-de-obra nos primeiros geram condições desiguais decompetitividade no mercado mundial (5). De toda forma, o fato de que estas questõessejam eventualmente discutidas no novo foro de regulamentação das trocasinternacionais de bens e serviços, a Organização Mundial do Comércio, e tendo emvista a adoção do Mecanismo de Solução de Controvérsias, sugere que estasquestões poderão receber tratamento mais preciso e menos sujeito a discriminações,dado o caráter de rules-based system da OMC.

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Segurança internacional

Enquanto é possível detectar uma mudança de estratégia da diplomaciabrasileira nos foros políticos multilaterais, na área da segurança internacional ogoverno Itamar procurou seguir orientação já desenvolvida desde o governo Collorde Mello. Em fevereiro de 1994, foi finalmente aprovado pelo Senado o AcordoQuadripartite de Salvaguardas Nucleares firmado entre Brasil, Argentina, ABACCe AIEA, o que permitiu a sua vigência. A seguir, o governo brasileiro manifestou suadisposição em aderir às diretrizes do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis(MTCR), reconhecendo que esta decisão não implicaria em restrições de qualquertipo ao programa espacial brasileiro e tampouco prejudicaria a cooperação internacionalrelacionada a tais programas. Ao fazê-lo, além de assegurar maior confiabilidade dogoverno norte-americano, o Brasil aumentou suas chances de ser retirado da lista derestrições que limitavam o acesso do país à tecnologia sensível e melhorou ascondições gerais do país em suas negociações comerciais e políticas com os EstadosUnidos.

Vale lembrar que estas iniciativas passaram por um lento processo denegociação interna. Foi só em agosto de 1994 que o Brasil pôde ratificar o Tratadopara Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tlatelolco),após uma tramitação morosa e de difícil condução para o Itamarati no Parlamentobrasileiro.

Integração econômica e política regional

No que tange a integração regional, percebe-se uma mudança de perspectivaimportante entre o governo Itamar Franco e o de Collor de Mello. A integração latino-americana e particularmente o MERCOSUL já não constituíam apenas uminstrumento útil para acelerar o processo de liberalização da economia brasileira,adquirindo também um sentido estratégico mais abrangente. Assim, para a Chancelariabrasileira a associação econômico-comercial sub-regional ganha um sentido prioritário,sendo possível atribuir à ação diplomática brasileira um movimento pelo qual busca-se, através da regionalização, “...impor regras à globalização, ainda que às custas deperda de algumas de suas prerrogativas tradicionais...”, tais como “...a submissãode decisões sobre políticas macroeconômicas nacionais a um compromisso negociadoentre as partes que compõem a unidade regional...” (Martins, 1993).

Além de assumir com maior firmeza o compromisso de completar asnegociações para que o MERCOSUL converta-se em uma união aduaneira, a partirdo janeiro de 1995, o Brasil passou a promover novas iniciativas integracionistas na

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área. Seu primeiro passo neste sentido foi o de lançar a Iniciativa Amazônica(dezembro de 1992) na VI Reunião de Cúpula do Rio em Buenos Aires, com vistasà criação de uma área de livre comércio entre Brasil e os países amazônicos.Tratava-se, na realidade, de reeditar um velho projeto brasileiro de criar uma agendapositiva com os seus vizinhos amazônicos associando o tema da cooperação ao desegurança em uma área particularmente problemática.

Um ano mais tarde, o Brasil promoveu a formação de uma Área de LivreComércio Sul-Americana (ALCSA) na reunião do Grupo do Rio em Santiago,reunindo o MERCOSUL, o Pacto Andino, a Iniciativa Amazônica e o Chile. Trata-se de um projeto de criação de uma zona de livre comércio plena no prazo de dez anos,com redução linear e automática de tarifas, sem prejuízo para a participação dospaíses membros do MERCOSUL em outros esquemas de liberalização comercial.Interpretada por muitos como uma resposta à criação do NAFTA, a proposta daALCSA pretendia dar maior visibilidade política à crescente presença do Brasil nocomércio intra-regional observada nos últimos anos.

Com respeito ao MERCOSUL, vale chamar atenção para a importânciaque as transações com a sub-região assumiram para o Brasil, principalmente paraa colocação de seus produtos industrializados. No período 1991-1994, a participaçãonos países do MERCOSUL das exportações brasileiras, no volume total das vendasexternas do país, saltou de 4% à quase 14%. É interessante notar o fato de que ointeresse político e cultural pelo MERCOSUL no Brasil esteja mais concentrado nosestados do sul do país, o que vem gerando um desequilíbrio no âmbito econômico-comercial. Estados do nordeste brasileiro, como a Bahia e mesmo Sergipe, têmparticipado no total exportado para o MERCOSUL de forma semelhante ao RioGrande do SUL. Em termos de presença empresarial, também tornou-se reveladoro número de empresas brasileiras operando nos países vizinhos. Em fins de 1994, porexemplo, registravam-se aproximadamente 300 firmas brasileiras com sede ourepresentação na Argentina.

O sentido nodal do relacionamento com a Argentina para a participação doBrasil no MERCOSUL não gerou, entretanto, uma convergência plena com este paísdurante o governo Itamar Franco. Ao mesmo tempo em que as vinculaçõeseconômico-comerciais se expandiram, criando pela primeira vez condições deinterdependência entre ambos os países, o diálogo político revelou dificuldades ediferenças nem sempre facilmente superáveis. Enquanto a política internacionalArgentina esteve motivada por sua aliança com a coalisão vencedora da Guerra Fria,em especial com os Estados Unidos, o Brasil manteve uma postura de relativodistanciamento político de Washington e de não envolvimento nas iniciativaslideradas pelo governo norte-americano no campo da segurança internacional. Vale

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mencionar que esta diferença não impediu que a Argentina e o Brasil consolidassemsuas iniciativas de confiança recíproca no campo da não-proliferação nuclear.

Ainda no âmbito latino-americano, o governo de Itamar Franco procurouestreitar laços políticos e econômicos com outros países da região. Deste esforço sãoexemplos a assinatura dos Acordos de Cooperação bilateral com a Venezuela(agosto de 1993 e março de 1994) visando a contornar seus problemas na fronteira,pondo fim a um histórico distanciamento entre os dois países; a criação da Comissãode Vizinhança Brasil-Colômbia (janeiro de 1994); as conversações com o Uruguaiem torno do combate ao comércio de produtos subsidiados, da hidrovia Paraguai-Paraná e dos esforços para o desenvolvimento da região fronteiriça; o encaminhamentodas negociações com a Bolívia em torno da construção do gasoduto entre os doispaíses e do conseqüente fornecimento de gás natural; e, finalmente, a tentativa deincorporar o Chile ao projeto de integração latino-americana.

Cabe, enfim, destacar o tratamento dado à crise no Haiti e às relações comCuba. No primeiro caso, o Brasil apoiou o embargo econômico e político aprovadopelo Conselho de Segurança da ONU (maio de 1994) e a seguir pela OEA (junhode 1994) contra o governo Emilie Jonassaint-Raoul Cédras. Posteriormente sealinhou a outros 32 países que, nas Nações Unidas, opuseram-se à intervençãomilitar no país, comprometendo-se apenas a integrar uma força de paz após adestituição do governo militar haitiano.

Com relação a Cuba, o governo brasileiro passou a defender abertamentea reintegração do país ao sistema interamericano e particularmente à OEA. Nestesentido, foi oferecida pelo presidente Itamar Franco, em meados de 1994, a mediaçãobrasileira para agilizar este processo, condenando-se o embargo econômico dosEstados Unidos à ilha. Ao mesmo tempo, procurou-se intensificar as relações entreos dois países, através do incremento da cooperação científica, técnica e tecnológicae da cooperação no combate ao tráfico de drogas.

As relações com os Estados Unidos

Ao final do governo Collor de Mello, o relacionamento entre o Brasil e osEstados Unidos atravessou um novo momento de dificuldades. Além de enfrentara reversão de expectativas criada a partir da crise do governo Collor, o Brasil tinhapela frente uma agenda carregada que vinha minando o relacionamento com a naçãonorte-americana, tanto no plano interestatal como no inter-societal (Hirst e Lima,1994). Ao mesmo tempo, as novas circunstâncias do contexto interamericano,marcado por um processo de crescente convergência ideológica entre os paíseslatino-americanos com o governo norte-americano – especialmente o México, a

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Argentina e o Chile – haviam indiretamente reforçado a imagem do Brasil como opaís problemático da região. Em função desta perspectiva, gerou-se nos últimos anosuma dinâmica trilateral entre Argentina, Brasil e Estados Unidos que terminoureforçando uma postura defensiva por parte do governo brasileiro.

Foi neste quadro que se observou, durante a etapa inicial do governo deItamar Franco, uma exarcebação da agenda negativa entre Brasília e Washington.Deve-se mencionar a politização da tramitação no Congresso Nacional da Lei dePropriedade Intelectual vinculada à utilização de uma diplomacia coercitiva por parteda administração norte-americana. Somou-se ainda uma sinalização crescentementepreconceituosa em relação ao Brasil de diferentes grupos de interesse nos EstadosUnidos (ONGs, representantes no Congresso, acadêmicos) envolvidos principalmentecom os temas de meio ambiente e direitos humanos. O fato de o governo Clintonhaver atribuído particular importância ao temário político de sua agenda latino-americana também passou a ser uma fonte de tensão no relacionamento entreWashington e Brasília, principalmente na etapa de preparação da agenda da Reuniãode Cúpula Hemisférica realizada em Miami, em dezembro de 1994.

Este panorama, entretanto, começou a ser revertido a partir dos primeirossinais de êxito emitidos pelo plano de estabilização da economia, gradualmenteimplementado pelo governo Itamar Franco. Ficou claro então que, apesar dapreocupação manifestada pela administração Clinton com o tema da democracia, asrelações com os países da região dependiam mais de suas opções econômicas do quede suas vocações políticas. Do lado brasileiro, procurou-se desde a formulação eimplementação da nova política até transformar o plano em um instrumento decredibilidade vis-à-vis dos países industrializados, em especial os Estados Unidos.As indicações de que o Brasil “finalmente” dava início a seu processo de estabilizaçãofavoreceram a decisão do USTR de suspender as investigações com relação àpropriedade industrial e a conclusão de um plano Brady com os credores privadosnorte-americanos.

De fato, o governo Itamar Franco logrou desdramatizar o relacionamentoentre Brasília e Washington mantendo ao mesmo tempo posturas – particularmenteno terreno político-diplomático – que preservavam a autonomia do Brasil frente àspremissas orientadoras da ação norte-americana. A posição com respeito àintervenção no Haiti e as mensagens referidas a Cuba foram claros exemplos nestesentido.

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Com os pares continentais

1) China

As relações entre Brasil e China tiveram um expressivo incremento comvistas à formação do que se denominou “parceria estratégica” em setores de infra-estrutura, energia e matérias-primas, indústria pesada e serviços de consultoria eengenharia. No quadro desta aproximação, foi assinado, em novembro de 1993, umprotocolo de intenções sobre o incremento do comércio bilateral de minério de ferroe a sua exploração conjunta. Também foi formalizado um protocolo de cooperaçãopara pesquisa espacial, no âmbito do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica(1982), no qual se destaca o projeto sino-brasileiro de construção de satélites desensoriamento remoto.

2) Índia

As relações entre a Índia e o Brasil estiveram favorecidas pelas crescentessimilaridades entre os dois países no campo da política e do comércio mundial, o quetem permitido uma coordenação entre ambos no tratamento de diversos itens daagenda internacional em foros multilaterais. Esta sintonia, entretanto, não geroumaior interação bilateral entre ambas as nações. Embora tímida, houve da parte dogoverno Itamar uma tentativa de reverter este quadro, exemplificada pela assinaturade um Acordo na área de cooperação científico-tecnológica, em setembro de 1993.

3) Rússia

Já o relacionamento entre Brasil e Rússia tem sido marcado, na década de90, mais por suas potencialidades do que por iniciativas concretas. De fato, adiplomacia brasileira reconhece a existência de um considerável campo para acooperação, seja no terreno comercial ou no de empreendimentos conjuntos, no qualo Brasil poderia obter da Rússia acesso a tecnologias de ponta em energia nuclear,indústria aeroespacial, combustíveis, mecânica de precisão, química fina etc., emtroca do seu conhecimento nos campos de automação e modernização bancária,agricultura capitalista moderna, gerenciamento global (inclusive marketing) depequenas, médias e grandes unidades de produção e distribuição, bolsas de valorese mercado financeiro. Apesar do esforço de aproximação realizado por ambos ospaíses, o contexto político doméstico na Rússia, os percalços de sua transição a umaeconomia de mercado e as dificuldades enfrentadas no relacionamento com ex-repúblicas soviéticas vêm dificultando maiores avanços nesta direção. Ainda assim,deve-se ressaltar o aumento do intercâmbio comercial russo-brasileiro desde 1992,findo o período de maior instabilidade política naquele país.

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Retomando uma política africana

Tendo sido no passado um campo importante da diplomacia brasileira, orelacionamento com as nações africanas sofreu uma significativa retração a partirdos anos oitenta. As dificuldades econômicas e a instabilidade política no continenteafricano e o menor ativismo internacional do lado do Brasil levaram a uma notávelreversão da agenda de cooperação e de contatos políticos anteriormente desenvolvida– tanto com os países de língua portuguesa como com as nações de maior peso daregião.

Não obstante, algumas iniciativas recentes foram tomadas durante ogoverno Itamar Franco com vistas a reverter parcialmente esta tendência. Osprincipais casos a exemplificar esta alteração foram a aproximação com a África doSul e a participação no processo de pacificação de Angola. Com o fim do apartheidna África austral, relançando a proposta de criação da Zona de Cooperação doAtlântico Sul com vistas a abrir um canal comum entre os países do Cone Sul e estaregião. Deve-se ressaltar a busca de cooperação na área tecnológica, agropecuáriae de combate ao narcotráfico e, principalmente, o esforço da diplomacia brasileira,através de seu Departamento de Promoção Comercial, de aproximar o empresariadodos dois países em direção a empreendimentos conjuntos com base na crença de quea África do Sul deverá liderar um processo de integração econômica no continente,semelhante ao MERCOSUL.

No caso de Angola, vale mencionar a atuação do Brasil em prol dapacificação nacional, tendo inclusive apoiado a advertência por parte do Conselhode Segurança da ONU (julho de 1993) ao líder da UNITA, ameaçando o grupo comembargo, caso não abandonasse a ação militar e não respeitasse o resultado daseleições de setembro de 1992. A propósito, coube a um oficial brasileiro o primeirocomando militar da Unavem, em Angola, o que também ocorreu em Moçambique.

Uma outra iniciativa importante no processo de revitalização da políticaafricana do Brasil foi a proposta de criação da chamada Comunidade dos Povos deLíngua Portuguesa (março de 1993). Impulsionada por uma motivação histórico-cultural, a Comunidade pretende estabelecer uma maior coordenação entre os seusmembros no manejo de temas de política internacional.

3 – As perspectivas pós-95

O fim do governo de Itamar Franco não coincide com o esgotamento de umpadrão de atuação do país no sistema internacional. Da mesma maneira que desde

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uma perspectiva comparativa os períodos Collor de Mello e Itamar Franco revelam,na maioria dos casos, mais um processo de ajuste do que de ruptura da políticaexterna, as previsões para o atual governo de Fernando Henrique Cardoso são as deque se esteja caminhando em direção semelhante.

No plano das relações com os Estados Unidos, por exemplo, as expectativassão as de que o governo de Fernando Henrique Cardoso propiciará condições aindamais favoráveis para a elaboração de uma agenda positiva. No entanto, estasdeverão estar mais comprometidas com as expectativas norte-americanas noterreno econômico-comercial do que no da política internacional, no qual o Itamaratiprocurará manter as premissas orientadoras que vêm guiando sua atuação nosúltimos anos. Concluída a fase da “desdramatização”, quando finalmente parece queBrasil e Estados Unidos concordaram no direito de divergir, o governo FernandoHenrique pretende inaugurar a fase da gestão dos “conflitos modernos”, pretendendomanter um relacionamento de perfil semelhante àquele que os Estados Unidos vêmmantendo com países como o Japão e a França (6).

Não se deve esquecer, entretanto, os efeitos que a crise mexicana poderáimpor na rota dos programas de estabilização da América Latina, o que talvezimplique no surgimento de focos de atrito com Washington, assim como com outrasnações industrializadas.

Da mesma forma, o processo de aprofundamento da união aduaneira doMERCOSUL e de integração regional, de uma forma mais ampla, apesar deencontrar-se em uma fase marcadamente expansiva, poderá ser afetada porprioridades de políticas domésticas. A expectativa, entretanto, é de que o Brasilpermaneça nos trilhos da integração, procurando tanto alargar seu escopo, quantoaperfeiçoar e aprofundar os mecanismos de cooperação regional.

No que se refere à Organização Mundial de Comércio, a indicação do ex-chanceler Celso Lafer para ocupar o cargo de representante do Brasil, além derepresentar um ato de deferência do atual governo, tem um significado políticoimportante. A presença neste posto de um não-diplomata, com bom e reconhecidotrânsito no meio empresarial, reforça a comunicação entre a comunidade denegócios do país e o meio diplomático, em um momento em que o Brasil enfrenta odesafio de desenvolver uma estratégia econômica externa que compatibilize suavocação industrialista com as novas regras do jogo do sistema de comérciointernacional.

Também no que se refere às relações do Brasil com os chamados paísescontinentais (Rússia, Índia e China), as previsões são de maior aproximação, combase na crença de que as similaridades do Brasil com estes países os convertem emparceiros privilegiados em uma economia globalizada.

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Finalmente, duas são as expectativas de atuação brasileira no foro dasNações Unidas, a partir de 1995. Por um lado, a de que o Brasil deverá se empenharna busca de um lugar permanente no Conselho de Segurança. Ao persistir adificuldade em assegurar, com pares reais e ou potenciais, uma atuação conjunta emfavor de sua candidatura, entretanto, poderão diminuir sensivelmente suas chances.

Por outro lado, o Brasil deverá reforçar seu apoio à proposta da Agenda parao Desenvolvimento, tratando de reforçar a sua adequação à Agenda para a Paz.Entenda-se por adequação não a absorção de uma tese pela outra, mas justamentea combinação de ambas, de forma a evitar que as nações mais desenvolvidasterminem por priorizar a Agenda para a Paz em detrimento da Agenda para oDesenvolvimento. Neste sentido, o Brasil procurará promover uma discussão menosortodoxa do conceito de segurança de forma a ter como um de seus componentesbásicos o desenvolvimento social.

Nesta mesma linha de atuação, procurar-se-á incluir no debate sobre areforma das Nações Unidas a necessidade da ampliação e democratização doConselho de Segurança, como também de sua maior interação com o ConselhoEconômico e Social. Teme-se pelo sucesso da proposta de reforma do sistema dasNações Unidas como um todo se os temas de segurança e desenvolvimentocontinuarem a ser tratados de forma desconectada.

Um último ponto a ser mencionado relaciona-se aos atores que influenciame eventualmente participam da formulação de políticas. Apesar das evidências deque o novo governo irá prestigiar a corporação diplomática, a recorrente menção dopresidente à incorporação de atores da sociedade civil (sindicatos, universidades,empresas, ONGs etc.) ao debate sobre o perfil internacional do país poderá conduzira algumas inovações no processo de formulação da política externa brasileira.

De fato, esta possibilidade foi pela primeira vez experimentada na ocasiãoda preparação da Eco-92, como também dois anos depois, durante os trabalhos daConferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento. Em ambas as ocasiões,o relacionamento entre o Itamarati e as ONGs revelou-se bastante positivo. Adiferença, pois, está na institucionalização deste processo que, por um lado, poderácontribuir para criar mecanismos de solução para o dilema da accountability quesofrem as ONGs e, por outro, poderá enriquecer o trabalho cotidiano da atividadediplomática.

Quanto mais o governo brasileiro for capaz de lidar com grupos de interessese atores não-governamentais em casa, melhor serão suas condições de conviver comos mesmos que operam nas nações industrializadas.

Supõe-se também que este diálogo outorgará maior pluralismo e transparênciaà política externa. Para tanto, será decisivo que uma política externa de caráter mais

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pluralista seja inaugurada. Uma política que consiga atender às demandas domésticasdentro dos marcos das possibilidades externas e que, num limite, consiga equilibrardemandas domésticas e possibilidades internacionais.

NOTAS

1 Foram introduzidos critérios de redução progressiva dos níveis de proteção tarifária,eliminação de incentivos e subsídios, supressão de controles quantitativos e fim daproibição de importação de determinados produtos. Com relação aos produtos semequivalência nacional, produtos com proteção natural e produtos com que o paísconsiderasse ter vantagem comparativa, foi estabelecida alíquota zero.

2 Em maio de 1992, o Congresso Nacional instaurou uma Comissão Parlamentar deInquérito para apurar as denúncias de corrupção feitas pelo irmão do mandatário contrao ex-tesoureiro da campanha presidencial. Os trabalhos da Comissão terminam porindicar o envolvimento direto do Presidente no esquema, concluindo que este recebiavantagens econômicas indevidas. Em setembro de 1992, a Câmara dos Deputadosrecebeu pedido de impeachment de Collor, elaborado pela Associação Brasileira deImprensa e pela Ordem dos Advogados do Brasil. Após afastar-se do governo emoutubro, Collor de Mello finalmente renunciou à presidência da República no dia davotação do impeachment no Senado, em 29 de dezembro de 1992.

3 Tendo assumido uma atitude de cautela com relação à política de segurança internacionalnorte-americana, o Brasil decide não enviar tropas ao Golfo, muito embora tenhaapoiado os Estados Unidos no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

4 Ao ser decretado o plano de estabilização econômica que implantou o Real, as previsõesinflacionárias para junho de 1993 eram, conforme a revista Conjuntura Econômica, de30%, atingindo então uma média inflacionária no segundo trimestre deste ano de 29,5%diante dos 26,8% do primeiro trimestre e dos 25,1% do último trimestre de 1992.Conjuntura Econômica, vol. 47, nº7, julho de 1993, p. 14.

5 Cabe notar ainda que, em uma combinação de protecionismo e proteção ao meioambiente, foi recentemente inaugurado aquilo que se passou a denominar deecoprotecionismo, visando à identificação de produtos que agridam o meio ambientedurante o seu ciclo de vida. Entre os setores brasileiros passíveis de enfrentarrestrições, encontra-se o de papel e celulose.

6 Entrevista de Fernando Henrique Cardoso à Folha de São Paulo, 18/12/94, p. 5.

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23RESENHAS

BIBLIOGRAFIA

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BRASIL TEM uma especificidade que é parte de sua identidade noâmbito mundial. É, pelas suas dimensões, um país continental comoa Rússia, a China, a Índia e os EUA. É por esta razão que George

F. Kennan, em Around the Cragged Hill, ao pensar sobre o tema das dimen-sões na experiência política norte-americana, inclui o Brasil junto com estespaíses na categoria de monster country, considerando, na construção destaqualificação, além dos dados geográficos e demográficos, os dados econô-micos e políticos e a magnitude dos problemas e dos desafios (1). É precisa-mente a magnitude destes problemas e de seus desafios do ângulo de polí-tica exterior brasileira o que me proponho a examinar neste texto. Comohoje é muito significativa a diluição entre o interno e o externo, ao discutirestes problemas e desafios, estarei discutindo temas que estão no cerne dosdilemas da agenda nacional.

O Brasil é, evidentemente, muito diferente da China e da Índia, paísesasiáticos de cultura milenar; da Rússia, situada entre a Ásia e a Europa e depresença relevante desde séculos na cultura e na política européia e interna-cional e dos EUA – hoje a única superpotência no plano mundial apta aatuar simultaneamente nos campos da paz e da guerra, no econômico e nodos valores. Além desses e de muitos outros aspectos que claramente nosdiferenciam dos países continentais acima mencionados, cabe ressaltar queo Brasil, por situar-se na América do Sul não está, e nunca esteve, em suahistória, na linha de frente das tensões internacionais prevalecentes no cam-po estratégico-militar. Por isso, para voltar a Kennan, não é um monstercountry assustador.

Não é, também, um monster country assustador porque, à luz de suahistória e de suas circunstâncias, tem um estilo de comportamento interna-cional que se configura, como observa Gelson Fonseca Jr., por uma mode-ração construtiva que se expressa na capacidade “de desdramatizar a agendade política exterior ou seja de reduzir os conflitos, crises e dificuldades aoleito diplomático” (2). Esta moderação construtiva está permeada por umaleitura grociana da realidade internacional, nela identificando, sem ingenui-dades, um ingrediente positivo de sociabilidade que permite lidar com o

Brasil: dilemas e desafiosda política externaCELSO LAFER

O

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conflito e a cooperação por meio da diplomacia e do direito (3). A continui-dade e a persistência no tempo deste tipo de conduta diplomática é umlegado da obra do Barão do Rio Branco. Com efeito, Rio Branco solucio-nou o primeiro problema de toda política externa que é a da delimitaçãodas fronteiras nacionais pois equacionou, com virtú e fortuna, por meio dodireito e da diplomacia os limites do país com os seus inúmeros vizinhos.Este fato contrasta, por exemplo, com a situação da Rússia, China e Índia,que até hoje têm problemas de fronteiras e, por conta disso, guerrearam eforam guerreados no correr de sua História e com a situação dos EstadosUnidos, que como superpotência tem uma visão planetária de suas fronteiras.

A consolidação pacífica do espaço nacional liberou o país para fazerdo desenvolvimento o tema básico da política externa brasileira no correrdo século XX. Criou igualmente as condições para que o Brasil estivesse àvontade e em casa com o componente sul-americano de sua identidadeinternacional, ou seja, como diria Ortega y Gasset, com a sua circunstância.Esta é assim uma força profunda, de natureza positiva, de sua política exter-na, que no século XX esteve basicamente voltada, no contexto regional,para o entendimento entre os países sul-americanos. Este entendimentobuscou transformar fronteiras-separação em fronteiras-cooperação, o queem tempos mais recentes se traduziu em fazer não apenas a melhor políticamas a melhor economia de uma geografia como, por exemplo, vêm fazen-do os europeus, desde a década de 1950, no seu processo de integração. Oparadigma deste processo de transformação do papel das fronteiras na Amé-rica do Sul é o Mercosul, resultado de uma efetiva reestruturação de natu-reza estratégica, do relacionamento Brasil-Argentina e grociano “pilotis daorganização de toda a América do Sul”, na avaliação do presidente FernandoHenrique Cardoso (4).

Estes dados de inserção geográfica e de experiência histórica do Bra-sil, que se deram no eixo das relações da relativa igualdade entre os estados,são relevantes na discussão dos atuais dilemas e desafios da política exteriordo país. Estes têm como um dos seus componentes fundamentais as trans-formações ora em curso no plano mundial, e que configuram a maneirapela qual opera o eixo da assimetria ou seja o do nosso relacionamento comestados e sociedades dos quais nos separam, como aponta Rubens Ricupero,“um diferencial apreciável de poderio político e econômico” (5).

Estas transformações são muito significativas e, neste contexto, a que-da do muro de Berlim pode ser considerada um evento inaugural. Assinala,em conjunto com o término da União Soviética, como entende Hobsbawm,o fim do curto século XX (6) e, portanto, o começo histórico do novo

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século e o mergulho no novo milênio. A queda do muro sem dúvida repre-senta, nos seus desdobramentos no correr da década de 90, uma mudançado paradigma do funcionamento do sistema internacional, tal como se con-figurou no pós-Segunda Guerra Mundial. De fato, a vida internacional dei-xou de ter como elemento estruturador as polaridades definidas das rela-ções Leste/Oeste; Norte/Sul. Passou a caracterizar-se por polaridades in-definidas, sujeitas às forças profundas de duas lógicas que operam numadialética contraditória e de mútua complementaridade: a lógica da globali-zação (das finanças, da economia, da informação, dos valores etc.) e a lógicada fragmentação (das identidades, da secessão dos estados, dos fundamen-talismos, da exclusão social etc.).

A interação entre uma lógica integradora do espaço mundial e umadinâmica desintegradora e contestadora desta lógica, tem muito a ver comas assimetrias do processo de globalização. Estas realçam a percepção dasdescontinuidades no sistema internacional que, de um lado, exprimem umdescompasso entre significado e poderio e, de outro, traduzem um inequí-voco déficit de governança do espaço do planeta.

Diante destas novas realidades e dos seus problemas, como é que sevem situando o Brasil? Preliminarmente, creio que é importante mencionarque a sociedade brasileira mudou significativamente a partir de 1930, emfunção de um conjunto de políticas públicas, inclusive a política externa,inspirada, como diria Helio Jaguaribe, por um “nacionalismo de fins”, vol-tado para o desenvolvimento do espaço nacional (7). Em função do projetodo “nacionalismo de fins” voltado para a integração interna do grande es-paço nacional, o Brasil urbanizou-se, industrializou-se, democratizou-se,diversificou sua pauta de exportações, ampliou seu acervo de relações di-plomáticas. Em síntese, modernizou-se e melhorou seu locus standi inter-nacional sem, no entanto, ter equacionado uma das falhas de sua formação,que o “nacionalismo de fins” também buscava solucionar, que é o persis-tente problema da exclusão social.

A década de 1980, no plano interno, foi politicamente bem sucedidacom a transição do regime militar para a democracia. No campo econômi-co, o país assistiu, em meio à crise da dívida externa e à inflação, ao esgota-mento do dinamismo do modelo de substituição de importações, que foi olastro do “nacionalismo de fins”.

Esse esgotamento se tornou ainda mais inequívoco com as mudançasocorridas no plano internacional, depois da queda do muro de Berlim. Comefeito, sob o impacto da diminuição dos custos dos transportes e da comu-nicação e dos avanços em computação, a lógica da globalização permitiu,

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pela inovação tecnológica, diluir o significado financeiro e econômico dasfronteiras, esgarçando a diferença entre o interno e o externo. Num mundode polaridades indefinidas, tal esgarçamento colocou em questão a eficiên-cia e o dinamismo do processo de internalização das cadeias produtivas,mediante uma inserção controlada do país na economia mundial, que erauma idéia-força do “nacionalismo de fins”. De fato, a lógica da globalização,além de ter acelerado vertiginosamente os fluxos financeiros, ensejou umadesagregação das cadeias produtivas em escala planetária. Converteu o outsourcing numa prática empresarial rotineira e fez do comércio exterior e daprodução de bens e serviços, as duas faces de uma mesma moeda (8). Poresta razão, tornou-se inoperante o desenvolvimento no relativo distancia-mento de uma inserção na economia mundial gerido pelo Estado, anterior-mente viabilizado pela escala continental do país e operado pela lógica do“nacionalismo de fins”. O mundo que o Brasil administrava como umaexternalidade, internalizou-se, encerrando assim a eficácia do repertório desoluções construídas a partir do primeiro governo de Getúlio Vargas, queconfigurou o país no século XX. Daí o reordenamento das agendas internae externa que caracterizou a vida política e econômica do país na década de90.

O desafio da nova agenda é o de transformá-la num caminho atravésdo qual, no contexto de uma globalização assimétrica, o país amplie o po-der de controle sobre seu destino e, com sensibilidade social-democrática,encaminhe o persistente problema da exclusão social.

O que significa este desafio do ponto de vista da política externa con-cebida como uma política pública voltada para o tema do desenvolvimentodo espaço nacional? Creio, com Gelson Fonseca Jr., que se antes o paísconstruiu, com razoável sucesso, a autonomia possível pelo relativo distan-ciamento em relação ao mundo, na virada do século esta autonomia possí-vel, necessária para o desenvolvimento, só pode ser construída pela partici-pação ativa na elaboração das normas e pautas de conduta da gestão daordem mundial (9). Em outras palavras, os interesses específicos do país es-tão, mais do que nunca, atrelados aos seus interesses gerais na dinâmica dofuncionamento da ordem mundial. É por esta razão que a obra aberta dacontinuidade na mudança, que caracteriza a diplomacia brasileira, requerum aprofundamento nos foros multilaterais da linha da política externa,inaugurada, por Rui Barbosa, em Haia, em 1907. Esta se traduz em obterno eixo assimétrico das relações internacionais do Brasil um papel na elabo-ração e aplicação das normas e das pautas de conduta que regem os grandesproblemas mundiais, que tradicionalmente as grandes potências buscamavocar e, na medida do possível, exercer com exclusividade.

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Esta linha foi uma constante da diplomacia brasileira no correr doséculo XX. Resultou da capacidade do Brasil de, como potência média deescala continental e de relevância regional, articular consensos entre gran-des e pequenos e trabalhar pela possibilidade da harmonia. O locus standipara este aprofundamento tem a sustentá-lo a coerência de uma condutadiplomática de corte grociano e o fato de ser o Brasil um país relevante paraa tessitura da ordem mundial e apto para articular consensos porque não éum monster country assustador, como os seus congêneres. Isto é um ativopotencial num sistema internacional permeado por descontinuidades e comum forte déficit de governabilidade. A isto se adicionam os investimentosno soft-power da credibilidade, realizados pelo país no correr da década de90, ao tratar de maneira construtiva – pela participação e não pela distância –os temas globais que se inseriram, em novos termos, na agenda internacionalpós-Guerra Fria. Entre eles destaco meio-ambiente, direitos humanos e não-proliferação nuclear, ponderando que no plano dos valores este trato cons-trutivo e de articulação de consensos é compatível com o componente Oci-dente da nossa identidade internacional, congruente com a visão grocianaque permeia a nossa conduta diplomática e viável à luz da nossa inserção nomundo.

Este trato construtivo se deu em foros multilaterais. Estes são para oBrasil, pelo jogo das alianças de geometria variável, possibilitadas por ummundo de polaridades indefinidas, o melhor tabuleiro para gerar poder pelaação conjunta, permitindo ao país exercitar a sua competência na defesa dosinteresses nacionais. É neste tipo de tabuleiro que reside o melhor do nossopotencial para atuar na elaboração das normas e pautas de conduta da ges-tão do espaço da globalização no campo econômico, no qual reside o nossomaior desafio.

Com efeito, do ponto de vista do desenvolvimento do espaço nacio-nal e do tema da pobreza, que é um componente da nossa identidade inter-nacional, como um “outro Ocidente”, mais pobre, mais problemático, masnão menos Ocidente, na formulação de José Guilherme Merquior (10), odesafio real que se coloca para o Brasil, no plano mundial, reside nas nego-ciações da agenda financeira e da agenda de comércio exterior. Isto é assim,pois se é verdade que a globalização encurtou os espaços e acelerou o tem-po, esta aceleração do tempo afeta o Brasil de maneira não uniforme.

O tempo financeiro é o tempo on line dos fluxos financeiros, que nasua volatilidade vêm produzindo, nos países de mercados emergentes, assucessivas crises que nos atingiram direta ou indiretamente. Daí a relevânciapara o Brasil das negociações sobre a nova arquitetura financeira.

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O tempo da mídia é também um tempo on line. Provoca, no Brasil eno mundo, a repercussão imediata do peso dos eventos nas percepções co-letivas. Esta repercussão fragmenta a agenda da opinião pública, leva aomonitoramento e a reações constantes aos sinais do mercado e da vida po-lítica. Conseqüentemente, cria um ambiente de excessiva concentração nomomento presente, em detrimento da necessária atenção às suas implica-ções futuras. O foco nos eventos e a falta de foco nos processos, provenien-tes da natureza do tempo da mídia, é um desafio constante para a constru-ção do soft-power da credibilidade internacional do país – um desafio queadquire outra magnitude para o Brasil no sistema internacional pós-GuerraFria, com a internalização do mundo na realidade brasileira. Daí, por exem-plo, a importância da diplomacia presidencial e das reuniões de cúpula, quevêm sendo conduzidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e quesão uma expressão da diplomacia aberta, criando eventos que permitem trans-mitir e informar a opinião pública – interna e internacional – sobre o signi-ficado dos processos em andamento no país (11).

O tempo econômico é o do ciclo da produção e do investimento. É umtempo mais lento que o financeiro e o da mídia e, no caso do Brasil, afetadopelas condições sistêmicas da competitividade. Estas sofrem o peso das ine-ficiências do assim chamado “custo Brasil”, um custo que era suportávelquando o mundo era passível de ser administrado como externalidade. Li-dar com o “custo Brasil” é uma necessidade proveniente da internalizaçãodo mundo. Isto requer reformas como, por exemplo, a tributária e a da pre-vidência social.

Estas reformas transitam pelo tempo político, que no Brasil e no mun-do é um tempo distinto do financeiro, do da mídia e do econômico. É, emprincípio, num regime democrático, um tempo mais lento, condicionadopela territorialidade das instituições políticas, pelos ciclos eleitorais, pelosinteresses dos partidos e, no caso do Brasil, pelo problema do complexoequilíbrio dos estados da Federação, num país caracterizado pelo pluralismode sua escala continental. É também, no caso brasileiro, um tempo tradicio-nalmente voltado para dentro e não para fora, à luz da experiência históricade um país continental habituado à autonomia pela distância e que, por issomesmo, ainda não absorveu a internalização do mundo. Daí a razão pelaqual a sincronia do tempo político com os tempos financeiro e econômicoé um dos grandes desafios na condução das nossas políticas públicas.

Este desafio tem uma dimensão que passa pelo tempo diplomático,que no caso das negociações comerciais multilaterais é um tempo mais len-to. É neste tempo, que é por excelência o da OMC, que o Brasil como um

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pequeno global trader precisa ampliar o seu acesso a mercados. Precisa tam-bém obter espaço, que se vem reduzindo, para a condução de suas políticaspúblicas. Com efeito, num país como o nosso, o desenvolvimento não re-sultará, automaticamente, da combinação virtuosa das políticas fiscal, mo-netária e cambial, embora nelas encontre as condições macroeconômicas desua sustentabilidade. Requer um conjunto de políticas públicas que, de ma-neira congruente e compatível com os grandes equilíbrios macroeconômicos,asseguradores da estabilidade da moeda, reduzam a desigualdade e impulsio-nem o desenvolvimento do espaço nacional, dando no seu âmbito, aos agen-tes econômicos, condições de isonomia competitiva, que lhes permita en-frentar o desafio da globalização (12).

Em síntese e para concluir com uma metáfora musical, o desafio dapolítica externa brasileira, no início do século XXI, é o de buscar condiçõespara entoar a melodia da especificidade do país em harmonia com o mun-do. Não é um desafio fácil dada a magnitude dos problemas internos dopaís, as dificuldades de sincronia dos tempos na condução das políticas pú-blicas e a cacofonia generalizada que caracteriza o mundo atual, em funçãodas descontinuidades prevalecentes no funcionamento do sistema interna-cional. É, no entanto, um desafio para o qual o histórico da política externabrasileira, que é um amálgama das linhas de continuidade com as da inova-ção, numa obra aberta voltada para construir o futuro, oferece um significa-tivo lastro para a ação bem-sucedida.

Notas

1 George F. Kennan, Around the Cragged Hill: a Personal and Political Philosophy.New York, Norton, 1993, p.143.

2 Gelson Fonseca Jr., A legitimidade e outras questões internacionais: poder e éticaentre as nações, São Paulo, Paz e Terra 1998, p. 356.

3 Cf. Martin Wight, International Theory: the Three Traditions. Gabriele Wight &Brian Porter (eds.). Leicester, Leicester University Press, 1991; Pier PaoloPortinaro, Il realismo politico, Roma-Bari, Laterza, 1999; Hedley Bull, BenedictKingsbury & Adam Roberts (eds.), Hugo Grotius and International Relations,Oxford, Clarendon Press, 1992; Celso Lafer, Discurso de posse no cargo deministro de Relações Exteriores, em 13 de abril de 1992; A inserção internacio-nal do Brasil; A autoridade do Itamaraty, in A inserção internacional do Brasil:a gestão do ministro Celso Lafer no Itamaraty. Brasilia, MRE, 1993, p.31-37;285-293; 375-387

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4 O presidente segundo o sociólogo: entrevista de Fernando Henrique Cardoso aRoberto Pompeu de Toledo. São Paulo, Cia. das Letras, 1998, p. 127.

5 Rubens Ricupero, A diplomacia do desenvolvimento, in João Hermes Pereirade Araújo, Marcos Azambuja & Rubens Ricúpero, Três ensaios sobre a diploma-cia brasileira. Brasilia, MRE, p.193-194.

6 Eric Hobsbawm, The Age of the Extremes. New York, Pantheon Books, 1994.

7 Hélio Jaguaribe, O nacionalismo na atualidade brasileira. Rio de Janeiro, ISEB,1958, p.52.

8 Gilberto Dupas, Economia global e exclusão social. São Paulo, Paz e Terra, 1999.

9 Gelson Fonseca Jr., A legitimidade e outras questões internacionais, cit. p. 363-374.

10 José Guilherme Merquior, El otro Occidente, in Felipe Arocena & Eduardo deLeón (orgs.) El complejo de Próspero: ensayos sobre cultura, modernidad ymodernización en America Latina. Montevideo, Vintén Edit., 1993, p. 109-110.

11 Sérgio Danese, Diplomacia presidencial. Rio de Janeiro, Topbooks Edit. 1999.

12 Desenvolvimento, indústria e comércio: debates - estudos - documentos. Rela-tório de Atividades, 1 de janeiro a 16 de julho de 1999 do Ministro Celso Lafer noMDIC. São Paulo, FIESP/CIESP, Instituto Roberto Simonsen, 1999.

Celso Lafer é professor da Faculdade de Direito da USP.

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A plurilateralização da Política Externa Brasileira e os desafios impostos pelo Multilateralismo PragmáticoThe plurilateralization of Brazilian Foreign Policy  and the challenges posed by Pragmatic Multilateralism

Hermes Moreira Jr.*

Boletim Meridiano 47 vol. 14, n. 138, jul.-ago. 2013 [p. 3 a 9]

Introdução

O Brasil buscando novos rumos em sua política externa

O Brasil passou a figurar, nos anos recentes, entre as maiores e mais dinâmicas economias do planeta. Com a maior intensidade dos fluxos comerciais e financeiros que o país passou a movimentar, a formulação e a execução de sua política externa ganharam novos contornos, com temas e formas de engajamento diversificadas sendo empreendidas no cotidiano de sua atuação internacional.

Ademais, a nova configuração das relações internacionais proporcionou ao Brasil, em meio a tal diversificação de seu engajamento internacional, estabelecer parcerias consideradas estratégicas com Estados menos tradicionais em seu espectro de relações bilaterais. Parcerias essas formalizadas com os chamados grandes países periféricos (Dupas, 2005). Dentro desse contexto, o Brasil, durante o governo Lula da Silva (2003-2010), investiu na consolidação dessas parcerias e a diplomacia brasileira atuou no sentido de dotá-las de capacidade de articulação política e forte presença em espaços de discussão e deliberação multilateral. Procurou, a partir de suas reuniões ministeriais e encontros de cúpula, fomentar projetos de cooperação técnica e econômica, mas principalmente, envidou diversos esforços no sentido de garantir posições políticas conjuntas em temas da agenda global.

A crise financeira iniciada em 2008, que atingiu em cheio o centro do sistema econômico global, Estados Unidos e Europa Ocidental, contribuiu para a ampliação do processo de aproximação entre as economias dos grandes países periféricos. Além disso, em virtude de seus índices de desempenho econômico recentes, países como China, Índia, Rússia, Brasil, África do Sul, Indonésia, Turquia e outros passaram, em diferentes graus, é verdade, a ter papel mais atuante nas discussões sobre os rumos da economia global. Papel esse corroborado pelas grandes economias tradicionais, haja vista a opção pelas discussões de medidas de superação da crise no âmbito do G-20 financeiro, ao contrário das ortodoxas decisões tomadas no espaço do G-8. Fatores esses que concretizaram as expectativas daqueles que enxergavam nesses países um alto potencial de participação em mecanismos multilaterais de decisão política, além de importantes representantes da nova configuração do comércio e economia global.

Nesse período, houve alto grau de importância conferida à institucionalização de grupos dessa natureza, as chamadas coalizões de geometria variável (Pecequilo, 2008; Vizentini,& Reis da Silva, 2010), principalmente com

* Professor da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD e Doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas ([email protected]).

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base no destaque dado pelas “vozes autorizadas”1 da diplomacia brasileira ao papel que os “emergentes” deveriam exercer na conformação da atual ordem internacional. Nesse sentido, o posicionamento desses representantes da diplomacia e do governo brasileiro foi o de elaborar um quadro conceitual de dupla característica, cognitiva e normativa (Arbilla, 2000), no intuito de definir a “realidade” na qual a política externa se desenvolve e de “prescrever os melhores rumos” de atuação de sua política externa. Esse processo de institucionalização foi impulsionado pelo Brasil por identificar nessa estratégia a melhor alternativa para viabilizar os interesses brasileiros nesse contexto de “nova geometria econômica global” (Fiori, 2007).

Reuniões do alto escalão desses governos, bem como protocolos e declarações assinadas após tais encontros, se tornaram motivo de otimismo aos entusiastas desse novo modelo, sobretudo ao declararem os documentos oficiais oriundos dessas reuniões como semente de uma futura reforma da ordem global (ao passo que esse entusiasmo é minimizado pelos céticos, que não vislumbram em tais ações nada mais do que mera formalidade diplomática, comum a quaisquer eventos dessa natureza). Ainda assim, observa-se elementos presentes nesses documentos que coadunam com as propostas da política exterior do governo Lula da Silva, e com as linhas programáticas defendidas pelo seu partido, o Partido dos Trabalhadores, durante as campanhas eleitorais das décadas de 1990 e 2000 (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1989; 1994; 1998; 2002).

O Partido dos Trabalhadores sempre demonstrou forte engajamento com temas internacionais, sobretudo ao atuar como crítico aos programas das instituições econômicas multilaterais como o FMI e o BIRD, ou aos projetos de promoção do livre comércio capitaneados pelos países desenvolvidos. Além disso, era fortemente difundida dentro do partido a noção de que a política externa do país deve compor o projeto nacional de um governo popular e democrático.

Aproveitando-se de um contexto de transformações em curso na ordem internacional contemporânea, pela distribuição de capacidades ou de arranjos de equilíbrio de poder, dentro da qual o Brasil permanece com papel fundamental no desenvolvimento dos arranjos e mecanismos institucionais multilaterais, o governo petista e seus interlocutores dentro do Itamaraty deram um novo impulso à formulação de uma diplomacia ativa e universalista. A intensificação do unilateralismo por parte do governo norte-americano, a ascensão chinesa no comércio e na economia global, a reestruturação dos eixos de desenvolvimento mundial, a valorização das commodities agrícolas, além de outras alterações em alianças e coalizões nos mecanismos multilaterais (Vigevani, 2010) também renderam ao Brasil um novo status no complexo jogo de poderes e interesses do cenário internacional.

Assim, fora retomada a visão de desenvolvimento nacional como fonte de independência econômica e política. Sem, contudo, apelar a um retorno ao distanciamento característico das décadas passadas, e sim com o impulso a um institucionalismo pragmático capaz de, nas palavras de um dos formuladores dessa nova fase – o embaixador Pinheiro Guimarães, “recuperar os tradicionais princípios de não-intervenção e autodeterminação, historicamente, pilares da política externa brasileira” (Guimarães, 2005, p. 417).

Conjugada a uma configuração externa em transição, como visto anteriormente, internamente outro processo auxilia a compreensão do momento da retomada da diplomacia ativa, universalista e fundamentada na visão de que o multilateralismo deve servir ao desenvolvimento nacional. Como observam Hirst, Lima e Pinheiro (2010), ao contrário dos anos precedentes, quando a política externa era acessória à estabilidade macroeconômica e tinha função de garantir a credibilidade internacional, durante o governo Lula, a política exterior, pró-ativa e pragmática, é um dos pés da estratégia de governo, calcada em mais três pilares: manutenção da estabilidade econômica; retomada

1 De acordo com Almeida (2005), a categoria “vozes autorizadas” é constituída por produtores originais de posições e discursos para a diplomacia em questão. Segundo o próprio autor, podem ser classificados como porta-vozes oficiais do establishment diplomático, pois não apresentam questionamentos quanto a sua composição ou representatividade, “eles são os que produzem, apresentam e defendem a política externa oficial” (p. 96). No período em questão, essa categoria seria representada pelos formuladores e executores da política externa brasileira: Luiz Inácio Lula da Silva, o Presidente da República, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o Secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e o Assessor Especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia.

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do papel do Estado na coordenação de uma agenda neo-desenvolvimentista; e inclusão social e formação de um expressivo mercado de massas. Entretanto, novamente como nas formulações predecessoras, a opção estratégica é a opção pelo multilateralismo, todavia, tendo como foco a diversificação das parcerias (Vigevani & Cepaluni, 2007), visando ampliar a atuação brasileira nos fóruns institucionais.

Do Multilaterismo à Plurilaterização

Em um grande esforço conjunto para aprofundar os debates sobre o multilateralismo, Ruggie (1993) propôs uma definição básica, que seria o ponto de partida para a classificação do multilateralismo. Seguindo sua interpretação, multilateralismo pode se referir tanto a “relações coordenadas entre três ou mais Estados de acordo com certos princípios” (Ruggie, 1993, p. 8) ou a um “formato institucional que coordena as relações entre três ou mais Estados com base em princípios gerais de conduta” (Ruggie, 1993, p. 11). Nessa definição, inicial, Ruggie já entendia que esses “princípios” seriam responsáveis por especificar a conduta adequada para cada tipo de ação dos Estados, sem levar em conta os interesses particulares de cada uma das partes envolvidas na negociação (Barbé, 2010).

Não obstante, essa definição inicial equivaleria a um conceito minimalista de multilateralismo. De acordo com sua leitura, a concepção completa, ou maximalista, de multilateralismo deve ser sustentada sobre três características fundamentais: 1) indivisibilidade dos objetivos para todos que participam do processo; princípios gerais de conduta inerentes a todos os membros da instituição; e reciprocidade difusa. Dessa forma, a noção de multilateralismo se investiria de um caráter normativo, ainda que exprimisse a opção por um padrão de interação coletiva ao invés de priorizar ações unilaterais ou bilaterais nas suas diversas dimensões: como método de negociação, de ação ou de regulação, (Vigevani, 2010; Mello, 2011).

Retomando o caso brasileiro, a opção pelo multilateralismo se encontra presente na história da política externa do país ao lado dos princípios tradicionais como: o pacifismo, o respeito ao direito internacional, a defesa dos princípios de autodeterminação e não-intervenção, e a busca da equidade internacional. Ademais, é perceptível na análise de nossa política exterior o recurso ao pragmatismo como instrumento necessário e eficaz à defesa dos interesses do país e à promoção do desenvolvimento econômico e social (Lafer, 2000; Cervo e Bueno, 2002).

A despeito dos elementos de continuidade e mudança, haja vista os condicionantes externos e as circunstâncias domésticas de cada período da realidade histórica da nação, a presença brasileira em organismos internacionais e arranjos multilaterais é um dos traços mais permanentes de sua política externa. De acordo com Miyamoto (2000), a presença do país em foros multilaterais foi se multiplicando cada vez mais porque esta era a opção mais plausível para um Estado com as características do Brasil: capacidade limitada de poder e influência.

Nessa mesma direção, Pinheiro (2000) observa que “devido à assimetria de poder em relação às chamadas potências centrais o Brasil busca exponenciar seus ganhos com a participação em fóruns globais, o que aumentaria a probabilidade de conquistar ganhos absolutos”. Entendem, portanto, que o país tem investido nas negociações multilaterais porque não tem, ainda, capacidade suficiente para projetar-se da maneira como deseja. Ainda assim, através da presença e atuação diplomática em negociações no âmbito de instituições multilaterais e na construção de regimes internacionais o Brasil aspira desempenhar papel de relevo na arena internacional (Miyamoto, 2000).

Sob outro viés, Lafer (2000; 2001), assim como Fonseca Jr. (1998) e Oliveira (2005), observam que a diplomacia brasileira alcançou legitimidade internacional graças ao seu legado histórico-diplomático que sempre buscou engendrar consensos na agenda internacional. E justamente com ênfase no multilateralismo, por espelhar a própria identidade internacional do país, constituída sob a imagem de mediador entre Estados fortes e fracos (Lafer, 2001). Nesse sentido, de sua parte, não fica descartada a limitada influência internacional “restringida estruturalmente pelos instrumentos econômicos e militares escassos e nem sempre plenamente mobilizáveis”, mas independentemente

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dessa condicionante, se confere maior atenção à tradição principista de preferência pelo respeito a normas e condutas ditadas pelos regimes multilaterais e pelo direito internacional (Fonseca Jr, 1998). E assim, o Brasil seria capaz de, no limite do próprio poder, articulado com o interesse de outros Estados e forças, redirecionar e reformar o cenário internacional, buscando a possibilidade de participação nos assuntos globais por meio da elaboração dos regimes.

Pragmaticamente, ambas interpretações se complementam no ambiente multilateral, visto que nele o Brasil pode conferir efetividade à sua imagem internacional, exercendo com maior plenitude seu papel de mediador entre as grandes potências e os demais membros do sistema, assumindo posição de defesa dos direitos dos países menores, mas ao mesmo tempo pleiteando reconhecimento equivalente ao das grandes potências (Mello, 2011). Essa seria a grande virtude, e ao mesmo tempo grande dificuldade do padrão de condução da política externa brasileira.

Com o fortalecimento de novas parcerias e novos arranjos globais o país visa ampliar a interdependência e a divisão de riscos e custos, bem como criar alternativas, políticas e econômicas, em momentos de conjunturas críticas. A ascensão das chamadas potências emergentes, e sua vocação de atuação – no mínimo – de escopo regional, tem possibilitado que esses novos arranjos criem expectativas favoráveis a tais países em momentos de crise. Dessa forma, a governança global, política ou econômica, adquire um novo aspecto, mais dinâmico e de rumo complexo, que necessita, na visão da diplomacia brasileira, ser acompanhado pela democratização do poder de decisão das instituições multilaterais.

Assim, o discurso sobre a reforma da governança global torna-se linha mestra da retórica da política externa bra-sileira no período. Buscando o que entende como a construção de uma ordem internacional mais justa, democrática e inclusiva para os países em desenvolvimento, sua estratégia tem buscado formar diferentes grupos de negociação com os países em desenvolvimento nos circuitos de decisão global (Hurrell, 2010). São fortalecidos, dessa forma, os instrumentos dos países em desenvolvimento para lidar com as turbulências internacionais. A coalizão política dos emergentes no âmbito da cooperação sul-sul permite o endurecimento das negociações com o norte. Promove, ainda, ampliação das relações comerciais, dos projetos de cooperação técnica, de investimento externo direto e de atuação coordenada no plano das negociações internacionais, em agendas que incluem a reforma das instituições multilaterais (Hirst, Lima e Pinheiro, 2010).

Contudo, a opção da diplomacia brasileira no governo Lula da Silva foi a de compartilhar suas demandas em grupos minilateralistas, como o IBAS, o G-20 Comercial e o BRICS. Desse modo, o Brasil fortaleceu algumas de suas posições nas instituições e fóruns multilaterais, contudo passou a estimular uma plurilateralização em detrimento de uma multilateralização universalista das discussões da agenda global.

Considerações finais: Democratização ou revisionismo?

É notório que a percepção de mundo dos principais formuladores da política externa brasileira no governo Lula da Silva reorientou a trajetória internacional do país. Seja pela crítica ao déficit de legitimidade das institui-ções internacionais de governança global, como apontava o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, ou pelas limitações impostas pelas estruturas hegemônicas de poder, como indicava o Secretário-Geral das Relações Exteriores Samuel Pinheiro Guimarães, a noção de que deveria ser promovida uma alteração no comportamento brasileiro ao final dos anos FHC parecia evidente. Assim, impulsionado pelos esforços de ampliação de sua presença nas instituições internacionais (Hurrell, 2008), uma estratégia de diplomacia assertiva articulada a um projeto de desenvolvimento nacional, ou “política ativa de desenvolvimento” (Souza, 2002), foi colocada em prática.

De acordo com o ex-ministro Amorim (2010), a retomada da democracia, a estabilidade monetária, o cresci-mento econômico, a redução da pobreza, os novos indicadores sociais, a internacionalização das empresas brasileiras, entre outros aspectos de mudança na política doméstica nos últimos anos, proporcionaram ao país uma nova imagem

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no cenário internacional, fundamental para sustentar a nova estratégia. Ou seja, o desenvolvimento econômico e social do país seria projetado na esfera internacional, com status de promotor de cooperação e desenvolvimento. Isso nos leva a um primeiro aspecto: refletir se a política externa assertiva proposta seria possível dentro de um contexto de refluxo dos índices domésticos, ainda vulneráveis em muitos aspectos, sobretudo os econômicos, dependentes do bom andamento da economia internacional e do fluxo de commodities ao mercado externo.

Outro ponto, diz respeito às alianças e parcerias estratégicas. Sem dúvida, a cooperação sul-sul promoveu o Brasil no cenário multilateral. No rumo de reformas, sobretudo nas instituições econômicas, o desempenho de nosso mercado doméstico, nossos índices macroeconômicos, somados a essas parcerias, permitem ao país auferir ganhos nos momentos de reforma, como no caso das cotas do Fundo Monetário Internacional.

Não obstante, a plurilateralização das negociações brasileiras, sobretudo seu aprofundamento no segundo mandato do presidente Lula, é uma maneira de transformar a ideia de autonomia pela participação/integração, um multilateralismo valorativo que não se conseguiu fazer qualitativo, em uma proposta pragmática, que não é tecnicamente valorativo por buscar promover seus interesses particulares, mas extremamente pragmático, por aliar interesses e discurso ao se colocar como reformador das instituições de governança global.

Todavia, tais discussões têm aparecido em foro restrito, no IBAS ou nos BRICS, no G-20 Comercial e mais recentemente também no G-20 Financeiro, e trazidas para o âmbito multilateral com pouca margem de flexibilidade. Poderia ser apontada, por parte daqueles Estados de menor desenvolvimento relativo que não fazem parte de tais articulações, uma plurilateralização das discussões internacionais, com os grandes países periféricos sendo incor-porados aos centros de decisão internacional após a negociação por meio de multilateralismo informal ou “frouxo” (Haass, 2010), ainda sem uma clara democratização da governança global, ao menos nos termos ideais defendidos pelo discurso oficial brasileiro.

Nota-se, portanto, que a diplomacia brasileira se valeu, no governo Lula da Silva, de um alto grau de assertividade e participação em foros multilaterais, discussões globais, parcerias e projetos de cooperação técnica e política, mas calcada em um multilateralismo pragmático, que não se intimida em usar o soft balancing para obter ganhos pontuais em medidas revisionistas e reformas moderadas. Ainda que tenha que ser feita a ressalva de que as transformações radicais são evidentemente complicadíssimas sem um evento refundador sistêmico da ordem internacional, como os escritos mais tradicionais das Relações Internacionais nos apresentam há décadas. Outrossim, a diplomacia brasileira e os formuladores de nossa política externa enfrentarão o grande desafio nesses próximos anos de encontrar o equilíbrio entre o racionalismo de estrategista e negociador dentro de suas capacidades e de acordo com seus interesses, e a manutenção da legitimidade junto aos países periféricos como defensor de uma verdadeira reforma das estruturas de governança global e maior democratização das instituições multilaterais.

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Resumo

Durante o governo Lula da Silva a diplomacia brasileira ampliou a utilização de canais multilaterais para projetar seus interesses nacionais. Tal estratégia se deu com a construção de coalizões como o G-20 Comercial, o IBAS, o BRICS e o G-20 Financeiro. Dessa forma estimulou um multilateralismo pragmático em detrimento de uma multilateralização universalista.

Abstract

During Lula da Silva´s government, brazilian diplomacy has expanded the use of multilateral channels to project its national interests. This strategy was given to building coalitions such as the G-20 Commercial, IBSA, BRICS and the G-20 Financial. Thus stimulated a pragmatic multilateralism rather than a universalistic multilaterali-zation.

Palavras-chave: Política externa brasileira; Inserção internacional do Brasil; MultilateralismoKey-Words: Brazilian foreign policy; Brazilian international approach; Multilateralism

Recebido em 07/02/2013Aprovado em 15/03/2013

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A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A MULTILATERALIDADE: A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO

BRASIL COMO MEMBRO DO BRICS

Marcela Tarter da Rosa ______________________________________

Mestranda em Estudos Estratégicos Internacionais – PPGEE/UFRGS Bolsista FAPERGS/CAPES

Email: [email protected]

Recebido em: 22 set. 2014 Aceito em: 28 out. 2014

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RESUMO

O objetivo deste artigo é entender a importância, como estratégia diplomática, que o BRICS tem para o Brasil. Defende-se que fazer parte de um agrupamento como o BRICS seria condizente com a diplomacia brasileira de valorização da multilateralidade- tanto por ser esse uma instância multilateral quanto por ter como objetivo político a reforma de instituições multilaterais de caráter global. Com esse intuito, faz-se uma analise das aspirações dos países emergentes, no caso do grupo BRICS, de modificação da ordem internacional, destacando-se o papel da China. Da mesma forma, utiliza-se referencial bibliográfico sobre a evolução da política externa brasileira buscando-se observar sua aproximação com os países emergentes e, principalmente, a escolha do multilateralismo como estratégia de inserção internacional. Palavras-chave: Brasil, BRICS, política externa, multilateralismo.

ABSTRACT

The main aim of this article is to understand the importance, as a diplomatic strategy, that BRICS has to Brazil. It is argued that being part of a group like BRICS would be consistent with Brazilian diplomacy valuation of multilateralism, both because it is a multilateral forum and it has a political objective of reform global multilateral institutions. With this purpose, it is analyzed the aspirations of emerging countries, represented by BRICS group, to international order modification, emphasizing the role of China. Likewise, it is utilized bibliographic references about the evolution of Brazilian foreign policy seeking to observe its approach to emerging countries, and especially the choice of multilateralism as international insertion strategy. Keywords: Brazil, BRICS, foreign policy, multilateralism.

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1 INTRODUÇÃO

Este artigo procurará responder à questão de qual a importância para a política externa brasileira da relação com os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e da existência desse agrupamento. Busca-se entender como a política externa brasileira relaciona-se com dinâmicas de agrupamentos multilaterais tais como o BRICS. Argumenta-se, a partir da análise da política externa brasileira, que o pertencimento ao grupo relaciona-se com sua estratégia diplomática de inserção internacional ancorada no multilateralismo. Assim, a diplomacia multilateral e, no caso, a existência do BRICS, seria utilizada pelo Brasil como uma espécie de soft power diplomático.

Segundo Joseph S. Nye (2008), soft power seria uma forma de atingir os objetivos desejados através da atração e não da coerção ou pagamento. Os recursos de soft power de um país estariam na sua cultura, valores e políticas. Uma estratégia de smart power combinaria hard power (poder econômico e militar) e soft power (NYE, 2008, p.94). Quanto ao Brasil, observe-se que sua diplomacia busca uma inserção internacional a partir da utilização principalmente do soft power.

John G. Ruggie (1992) define multilateralismo a partir da distinção ao bilateralismo, ou seja, seria a relação entre três ou mais Estados de acordo com certos princípios. Caporaso (1992) difere multilateral de multilateralismo, segundo ele, multilateralismo seria a forma de atingir ações multilaterais. Instituições multilaterais estariam centradas em elementos formais da vida internacional e seriam caracterizadas por constituir um espaço físico, endereço, secretarias e empregados (CAPORASO, 1992, p.602). Já a instituição do multilateralismo está ligada a práticas, ideias e normas menos formais e codificadas. As arenas das organizações multilaterais possibilitariam aprender, alterar percepções de interesse, enquanto que a instituição do multilateralismo pode produzir, manter, alterar, minar organizações específicas (CAPORASO, 1992, p.602).

A diplomacia brasileira respalda-se no multilateralismo e na defesa da normatização da ordem internacional. A busca pelo multilateralismo dá-se de duas formas: a partir da formação de alianças com países que tenham interesses comuns; e na crença em instituições de âmbito global para regular a ordem internacional. Exemplo da primeira forma de multilateralismo seria, além do BRICS, o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e a UNASUL (União de Nações Sul- Americanas). Quanto à segunda forma, tem-se principalmente a atuação brasileira na ONU, considerando seus vários conselhos - em especial, o Conselho de Segurança- e na OMC (Organização Mundial de Comércio). Essas duas formas de atuação multilateral do Brasil não são contraditórias, pelo contrário, a formação de agrupamentos é uma maneira de unir forças para agir em espaços multilaterais globais.

O BRICS direcionou-se para um fórum de discussão e aproximação política a partir da primeira Cúpula, uma vez que a princípio seria só uma sigla (BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China) representando países com alto crescimento econômico e com uma projeção futura importante em relação à economia global. A entrada da África do Sul no grupo é um exemplo do caminho a um concerto político que a sigla tomou. Nesse sentido, o grupo traça sua trajetória em oposição à estagnação da ordem internacional vigente que já não representa a configuração real de poder, principalmente econômico, dos Estados. Essa obsolescência das antigas estruturas e a entrada de novos atores no sistema internacional traz a demanda por uma mudança na configuração das principais instituições internacionais de forma a representar esses novos interesses.

Além desta introdução, este artigo possui mais três partes. A segunda parte apresenta um panorama a respeito de como a iniciativa BRICS relaciona-se com os desafios de uma reestruturação das relações internacionais frente à crise mundial que teve início em 2008. Destaca-se também o papel da China como principal país do grupo e os questionamentos sobre se a relação da China com esses outros países teria mesmo

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um caráter sul-sul. Em seguida, a terceira seção aborda a política externa brasileira e como a preferência pelo multilateralismo faz dos BRICS uma estratégia para sua política externa de inserção internacional a partir do soft power diplomático. Por fim, em uma quarta parte, são feitas as considerações finais.

2 O BRICS E A CONTESTAÇÃO DA ORDEM INTERNACIONAL

Destaca-se como principal elemento formador do agrupamento o aspecto econômico, ou seja, o crescimento das economias dos países membros em comparação às dos países chamados de centrais, tais como os países da União Europeia e os EUA. O crescimento econômico dos países emergentes foi dinamizado a partir dos fluxos comerciais principalmente com um dos membros do BRICS: a China. A magnitude do que é a China hoje para o sistema internacional está longe daquilo que representa os outros países do agrupamento. O fato de a China estar em outro patamar no que se refere ao seu crescimento econômico suscita debates entre os acadêmicos sobre o tipo de relação que se desenvolve entre ela e os outros países em desenvolvimento. Ou seja, há críticas sobre o fato de ser essa uma relação sul-sul (entre países em desenvolvimento), principalmente em razão de a China possuir uma dinâmica comercial – importação de produtos primários e exportação de manufaturados – que se assemelha a uma dinâmica norte-sul (entre países desenvolvidos e em desenvolvimento).

Quanto à distribuição de poder no sistema internacional, enquanto a China vem adquirindo uma posição que - se não podemos dizer de confrontação- pelo menos incômoda aos EUA, uma vez que traz novos desafios à influência internacional desse país, outros membros - como Brasil, Índia e África do Sul- estão muito aquém de uma posição como essa. Em informativo para o Congresso norte-americano (Congress Research Service), com fins de delinear a elaboração de políticas em relação à China, Morrison (2014) demonstra preocupações com o futuro dos EUA em relação à possibilidade de modificação da ordem internacional pela China. “China is in a position to help advance U.S. interests or to frustrate them. China’s rising economy has also enabled it to boost its military capabilities.” (MORRISON, 2014, p.36). Para evitar que o crescimento econômico chinês seja prejudicial aos EUA, Morrison acredita que o desafio seria convencer a China, primeiramente, do interesse dela manter o sistema internacional como está, pois foi este, segundo ele, que a permitiu ter o crescimento econômico que vem apresentando. Da mesma forma, um segundo aspecto necessário à manutenção do poder norte-americano, segundo Morrison, seria convencer a China da importância das reformas internas como um caminho para a modernização de sua economia.

A ascendência dos BRICS coloca-se frente a uma ordem internacional que permanece nos moldes do pós- Segunda Guerra Mundial e que necessita inserir as demandas desses novos países emergentes em suas negociações multilaterais. Nesse sentido, a ampliação do G7 (EUA, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão, Reino Unido) para negociações em um G20, incluindo países em desenvolvimento, demonstra a importância da participação desses países nas negociações multilaterais principalmente após a crise mundial que teve início em 2008. A crise mundial afetou mais profundamente os países centrais, EUA e União Europeia, enquanto que muitos países em desenvolvimento continuaram mantendo seu crescimento, mesmo que com alguma redução, especialmente em razão do fornecimento de commodities para a economia chinesa.

Retomando a questão posta por Morrison da necessidade que a China colabore para a manutenção do sistema vigente, parece que ela caminha nesse sentido. O concerto dos países do BRICS, para ela, seria uma forma de fazer ajustes no sistema internacional de forma não unilateral. A estratégia chinesa de unir-se a países mais

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fracos, mas com aspirações semelhantes, é uma forma de querer mudanças, porém sem confrontação direta e sem se colocar como uma alternativa à liderança norte-americana nesse sistema.

O pós-Segunda Guerra Mundial apresentou transformações a partir da construção de instituições multilaterais a nível regional e mundial. A ausência de instituições multilaterais fortes pode ser considerada um dos elementos da recessão econômica nos anos 1930. Segundo Jeffry A. Frieden (2008), as políticas clássicas utilizadas antes da Primeira Guerra Mundial eram inúteis ou contraproducentes para combater a crise originária do colapso do padrão ouro devido a um cenário econômico distinto (FRIEDEN, 2008, p.212). A instabilidade, que levou à Segunda Guerra Mundial, estaria relacionada ao fato de não terem sido estabelecidas, por parte dos governantes, medidas no período entre guerras para estabilizar a economia, ou seja, não houve a construção de um sistema financeiro internacional viável (RAVENHILL, 2008).

Se, por um lado, o colapso do padrão ouro e a crise mundial em 1930 podem ter sido causados por uma ausência de instituições fortes. O que teria posteriormente sido sanado pelo sistema de Bretton Woods (1945), que criou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Por outro, o surgimento do multilateralismo comercial acompanhou a liberalização comercial. Como defende Milner (1999), teria sido possível que a liberalização comercial se estendesse por vários países em desenvolvimento a partir da entrada desses na OMC e das pressões do FMI e Banco Mundial para que abrissem suas economias em troca de empréstimos para remediar a ruim situação econômica nas décadas de 1980 e 1990.

Nos países em desenvolvimento, a ausência de uma economia interna forte e uma produção bem estruturada para competir no mercado internacional fez com que as políticas de liberalização comercial apenas aumentassem as desigualdades sociais e não fossem positivas para a balança comercial. Para Pierre Salama (2012, p.310), o crescimento econômico depende mais do modo de operar a abertura do que do grau de abertura e sua evolução. As pressões de organismos, como FMI, sobre esses países em desenvolvimento, ocasionaram uma abertura rápida e indiscriminada sem políticas que possibilitassem um preparo da economia interna.

Segundo Joseph E. Stiglitz (2002, p.279), houve uma dissonância entre aquele que foi o suposto objetivo da criação do FMI- promover a estabilidade econômica global- e seus objetivos mais novos – liberalização do mercado de capitais por exemplo. Dessa forma, o FMI serviu mais aos interesses da comunidade financeira do que à estabilidade global (STIGLITZ, 2002, p.279). A crise que se iniciou em 2008 trouxe a necessidade de reformas dessas instituições à tona. As instituições multilaterais no pós-1945, que possibilitaram a estabilização financeira internacional à época, devem ser reestruturadas para representar a diferente realidade atual.

O BRICS defende mais representatividade nas instâncias multilaterais para os países em desenvolvimento. Em suas propostas está a necessidade de reforma dos mecanismos multilaterais para que esses não sejam favoráveis aos países desenvolvidos. Nas últimas cúpulas dos BRICS, os países membros defenderam a agenda de desenvolvimento do G20; a reforma das instituições financeiras internacionais, demonstrando preocupação com o ritmo lento da reforma do FMI; e um sistema comercial multilateral, aberto, transparente e baseado em regras (MRE). Na VI Cúpula dos BRICS, este ano, houve a criação do Novo Banco de Desenvolvimento que, através da cooperação entre os países-membros, visa complementar os esforços de instituições financeiras multilaterais e regionais para o desenvolvimento global (MRE, 2014).

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3 O MODELO DE INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRO O Brasil historicamente foi ativo nos fóruns multilaterais e utilizou-se da adesão a

normas internacionais e da defesa da importância das mesmas na regulação das relações comerciais como fim de dirimir às suas fragilidades como potência econômica e militar. Fazer parte dos BRICS condiz com a política externa brasileira de dar credibilidade às instituições internacionais e de visar modificações que estejam de acordo com a atual estrutura do sistema internacional. Da mesma forma, colocar-se internacionalmente ao lado desses países dá ao Brasil soft power. O BRICS possibilitaria ao Brasil certa inserção internacional e contribuiria para sua diplomacia de bases multilaterais.

Carlos Aurélio Pimenta Faria (p.85, 2008) identifica um processo de mudança no modelo de desenvolvimento e no padrão de inserção internacional do país uma vez que o Brasil intensifica e diversifica sua participação nas instâncias multilaterais desde a década de 1990. Cristina Pecequilo relaciona a década de 90 com a criação de uma “Nova ordem mundial” liderada pelos EUA e embasada na multilateralidade e atuação da ONU. Esse momento de pós-Guerra Fria foi acompanhado por crises econômicas e sociais que emergiram nos anos 1980 nos países em desenvolvimento, além da fragilidades geradas por governos que passavam da ditadura à democracia (PECEQUILO, 2008, p.137).

As mudanças no sistema internacional, advindas do fim da bipolaridade, foram acompanhadas de novas dinâmicas no relacionamento entre os países. No caso brasileiro, buscou-se a diversificação dos parceiros comerciais e um maior direcionamento da política externa para a América Latina e o eixo sul-sul. Cason e Power (2009) assinalam os anos 1990 como uma mudança para a política externa brasileira. Segundo eles, a mudança que se apresentou nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, foi no sentido de criar respostas para a nova posição do Brasil no sistema internacional.

Percebe-se também um aumento da participação de diversos setores da sociedade brasileira na política externa:

No que concerne o que denominamos aqui de resposta adaptativa do executivo brasileiro, mais especificamente do Itamaraty, às pressões para a geração de uma maior porosidade do processo de formação da PEB, parece-nos importante destacar a maneira como se tem tentado, se não atender plenamente, pelo menos abrir caminho para o diálogo com os governos subnacionais e com o empresariado. (FARIA, 2008, p.87)

Essa maior participação das instâncias internas na formação da PEB está

vinculada com a democratização do processo político, participação da opinião pública e proximidade do presidente com a política externa. Processo esse que pode ser verificado desde o governo FHC, mas principalmente no governo Lula. Um demonstrativo trivial da proximidade do presidente com a política externa seria o aumento do número viagens internacionais dos presidentes.

A importância da porosidade da PEB retratada por Faria está na possibilidade da implantação do Estado logístico, o qual, como será analisado, articula os interesses de diversos setores da sociedade, servindo de intermediário entre os diferentes grupos e o setor externo. Segundo Amado Cervo (2003, p.8), as relações internacionais do Brasil deram origem a quatro paradigmas: o liberal-conservador que se estende do século XIX a 1930, o Estado desenvolvimentista, entre 1930 e 1989, o Estado normal e o Estado logístico, sendo que os três últimos coexistem e integram o modelo brasileiro de relações internacionais a partir de 1990.

O primeiro paradigma diz respeito ao período do liberalismo europeu, centro do capitalismo, que impunha à América Latina, Ásia e África a política de “portas abertas”. O resultado era um cenário de exportação de matérias-primas e importação de produtos

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industrializados. O Estado desenvolvimentista pretende a superação das assimetrias do mundo capitalista a partir da promoção do desenvolvimento (CERVO, 2003, p.13). O Estado normal seria aquele que segue as regras do centro, no caso os preceitos do Consenso de Washington, as exigências do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e do mundo desenvolvido, em especial os EUA. O Estado logístico, por sua vez, associa um elemento externo, o liberalismo, a outro interno, o desenvolvimentismo brasileiro (CERVO, 2003, p.17).

A classificação de Pinheiro (2004) identifica dois paradigmas na política externa brasileira desde a República, seriam eles: o americanismo e o globalismo. O americanismo tinha os EUA como eixo da política externa, enquanto que o globalismo visava à diversificação de parceiros para aumentar o poder de barganha inclusive junto aos EUA (PINHEIRO, 2004, p.64). Essas posições estiveram presentes em diferentes momentos e com objetivos diversos. Nesse sentido, Pinheiro ainda classifica o americanismo como pragmático ou ideológico. Os anos de 1946-1951 e 1964-1967 podem ser identificados como de americanismo ideológico. Já o americanismo pragmático procuraria aproveitar as oportunidades de aliança com os EUA e teria ocorrido nos períodos 1902-45, 1951-61, 1967-74 (PINHEIRO, 2004, p.65).

A autonomia na política externa brasileira em relação aos países centrais, a busca por realizar seus interesses de desenvolvimento sem um alinhamento automático com alguma potência, como os EUA, pode ser identificada nos governo Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-64) com a Política Externa Independente (PEI). Para Pinheiro (2004, p.35), a PEI pode ser dividida em duas fases: na primeira, a política externa aproveitou-se da possibilidade do poder de barganha decorrente de uma postura neutralista na Guerra Fria; já, a segunda, procurou a dissociação da Guerra Fria como elemento definidor central e enfatizou a questão do desenvolvimento (o conflito norte-sul ganha lugar em relação ao conflito leste-oeste).

A partir do golpe militar, contudo, a política externa sofreu revisão. Em um primeiro momento, se mostrou completamente alinhada com os EUA, porém, posteriormente, houve momentos de busca por autonomia. A postura inicial do governo brasileiro, no período de governo militar, seria considerar-se um aliado especial dos EUA e, por isso, acreditar na validade de um alinhamento incondicional. A partir da percepção de que não haveria o apoio esperado por parte dos EUA, econômico e militar, as relações acabaram se modificando. Já no governo de Costa e Silva (1967-69), a agenda diplomática seria mais autônoma, sem colocar em xeque o alinhamento político e militar com o ocidente (PINHEIRO, 2004, p.41). O Brasil, em 1968, teve papel de destaque na Segunda Conferência da UNCTAD em defesa de tratamentos não-discriminatórios e preferenciais aos produtos manufaturados dos países subdesenvolvidos, assim como, recusou-se a assinar o TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear), no mesmo ano, como oposição ao argumento de não responsabilidade dos países do sul para utilizarem outros tipoS de tecnologia (PINHEIRO, 2004, p.41). Contudo, é apenas durante o governo Geisel (1974-79), com a política externa do pragmatismo responsável, que o globalismo retornaria como paradigma da política externa.

Para Amado Cervo (CERVO; BUENO, 2011, p.487), o fim da Guerra Fria foi marcante para o questionamento da política externa desenvolvimentista que vinha sendo empregada há sessenta anos. No início da década de 1990, não havia concordância interna sobre a política externa a ser seguida. Tal fato explicaria a coexistência dos três paradigmas. O Estado logístico, consolidado no governo Lula, procurou controlar o processo de privatizações e visou à congruência dos objetivos externos dos produtores, consumidores, empresários e assalariados do país (CERVO; BUENO, 2011, p.530). “Logístico porque recupera o planejamento estratégico do desenvolvimento e exerce a função de apoio e legitimação das iniciativas de outros atores econômicos e sociais, aos quais repassa responsabilidades e poder.” (CERVO; BUENO, 2011, p.526).

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O fim da Guerra Fria possibilitou ao Brasil diversificar suas parcerias comerciais. Para além da dicotomia leste-oeste, a política desenvolvimentista brasileira procurou parcerias no eixo dos países em desenvolvimento com o intuito de contrapor a dominância das relações comerciais do tipo norte-sul. Da mesma forma, procurou-se também incrementar as relações diplomáticas com esses países a partir da cooperação em áreas estratégicas para o desenvolvimento. Assim, a união, entre países em desenvolvimento, com intuito de pressionar às instituições multilaterais- sejam as comerciais, financeiras, de segurança – para que executem políticas que possibilitam o desenvolvimento dá-se também a partir de uma aproximação comercial, estratégica e diplomática entre esses países.

Para Amado Cervo (2011, p.531), a diplomacia brasileira seria regida pelo conceito de multilateralismo da reciprocidade. Este multilateralismo presente na atuação brasileira em organismos como OMC, para o comércio, e CSNU, para segurança, acabou estendendo-se para todos os domínios das relações internacionais. O multilateralismo da reciprocidade possui como pressupostos: regras para compor o ordenamento internacional; e elaboração conjunta das mesmas de modo a garantir a reciprocidade dos efeitos (CERVO; BUENO, 2011, p.531). O primeiro pressuposto vincula-se à credibilidade dada aos organismos multilaterais pela diplomacia brasileira, e, o segundo, ao apoio à formação de coalizões entre os países emergentes de forma a pressionar esses organismos a não favorecerem os países mais ricos.

Segundo Campos Mello (2012, p.169):

A atuação brasileira em agrupamentos diversos não significa um afastamento com relação ao multilateralismo de cunho universal. Ao contrário, é um dos fundamentos da estratégia brasileira de projeção global, cujas ambivalências são em si características do padrão de inserção internacional em constituição nos últimos anos, marcado pelas incertezas quanto aos rumos da ordem internacional.

A partir dos anos 2000, a criação dos fóruns BRICS, IBAS (Índia, Brasil, África do

Sul) não substitui, em importância para a diplomacia brasileira, as organizações globais. A Organização das Nações Unidas (ONU) continua sendo o coração da ideologia do multilateralismo brasileiro (FONSECA, 2011, p.376). A importância da ONU para a diplomacia brasileira é perceptível pela participação ativa brasileira nas suas instâncias, presença importante em missões de paz, e insistência em conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança. Por outro lado, a formação desses arranjos regionais não é contraditória a um multilateralismo universal uma vez que a aliança com países emergentes com aspirações semelhantes fortalece a posição do Brasil em organismos de cunho global, tais quais a ONU e OMC.

O fato de o Brasil fazer parte dos BRICS está relacionado à sua classificação como país emergente em decorrência de seu crescimento acentuado, mesmo que não comparado ao chinês, no começo dos anos 2000. Em 2003, observa-se grandes superávits no comércio exterior brasileiro devido ao aumento da exportação e do preço das commodities que o país exporta (CERVO; BUENO, 2011, p.536). Porém, esse recurso econômico de hard power não é forte como o necessário, poder-se-ia dizer que suas aspirações de soft power são maiores do que sua capacidade econômica.

O Brasil vem diminuindo sua exportação de produtos de alta e média tecnologia e exportando mais commodities com baixo valor agregado principalmente ao mercado chinês. Pierre Salama (2012, p.316) considera a inserção brasileira na economia mundial cada vez menos promissora. É discutível as consequências da especialização da pauta de exportação brasileira em produtos primários. Tal cenário pode gerar uma desindustrialização do país que acabaria exportando produtos com menor valor agregado e importando produtos de maior valor agregado. Além disso, uma pauta de exportação restrita pode gerar vulnerabilidade, uma queda nos preços das commodities ou uma

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diminuição da demanda chinesa por esses produtos podem ser prejudiciais para o balaço comercial. Contudo, como defende Pierre Salama, deve-se atentar ao fato que as dinâmicas atuais diferem do passado e os produtos primários produzidos em países emergentes, como o Brasil, são intensivos em tecnologia.

De fato, o aumento dos preços das commodities no começo dos anos 2000 e das exportações para a China possibilitou saldos positivos na balança de pagamentos. Essa conjuntura propiciou ao Brasil sentir menos a crise mundial de 2008. Os governos Lula e Dilma foram marcados também pela estratégia de expansão do mercado interno, aumento de salários, e políticas sociais assistencialistas. Porém, o crescimento do consumo interno, como estratégia de crescimento econômico, também deve ser aliado a uma balança comercial não deficitária e esse é o risco que corre o Brasil ao especializar-se em produtos de menor valor agregado em comparação às suas importações.

A estratégia internacional ideal para um país seria unir o soft power ao hard power, chamada por Nye de smart power. O melhor cenário, para uma inserção sustentável no sistema internacional, seria aquele de um fortalecimento da economia brasileira para que seu hard power econômico agisse à altura de seu soft power diplomático. Contudo, parece que o soft power diplomático brasileiro é predominante frente a suas capacidades militar e econômica de hard power. A retórica diplomática brasileira possibilita que a utilização do soft power seja a principal forma de influenciar a estrutura internacional a seu favor.

A utilização do multilateralismo, seja através da formação de fóruns multilaterais, como o BRICS, ou através da defesa da regulação das relações internacionais através de instâncias multilaterais de abrangência global, é a estratégia de soft power utilizada pelo Brasil. Segundo Gelson Fonseca Jr. (2011, p.394), um multilateralismo forte é a melhor maneira para um país como o Brasil, tido como uma potência media, influenciar as questões globais. Tal modelo de diplomacia parece assertivo para a participação internacional do Brasil, contudo, seria importante analisar os resultados parciais e futuros desse modelo no desenvolvimento do país.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS No pós-Segunda Guerra Mundial, estruturou-se um sistema multilateral,

representado por ONU, FMI, Banco Mundial, GATT (futura OMC), que alcançou estabilidade em comparação ao período entre-guerras. Essa ordem internacional, contudo, foi, em parte, responsável pelas dificuldades no desenvolvimento de países que fizeram uma liberalização comercial e financeira indiscriminada seguindo as regras de organismos, como o FMI, para superar crises nos anos 1980 e 1990. Nos anos 2000, os países emergentes, destacando-se a China, surgem como atores importantes. Em 2009, o BRICS começa a articular-se como fórum político a partir da primeira cúpula e a exigir mudanças nas instâncias multilaterais. A busca por reformas, no entanto, não vem com o descrédito dessas instituições. Pelo contrário, busca-se a manutenção das mesmas a partir da sua reestruturação. Exemplo disso é a China que procura mais integrar-se do que se afastar das mesmas.

A China, diferentemente do Brasil, possui um hard power importante, que, como retratado neste artigo, já preocupa os EUA. O BRICS é, para a China, uma forma mais sutil de contestação à ordem internacional que favorece os países tidos ainda como centrais. Dessa forma, o soft power político, advindo do pertencimento ao BRICS, desenvolve-se de duas maneiras no caso chinês: no sentido de aproximação dos outros países emergentes, necessários para o seu crescimento econômico; e na negação de qualquer confronto direto com os EUA que o seu hard power talvez pudesse proporcionar.

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O objetivo político do BRICS coincide com o objetivo da política externa brasileira de valorização do multilateralismo e, para esse fim, a necessidade de tornar as instâncias multilaterais mais adequadas aos seus interesses. O multilateralismo e a exigência de reestruturação do mesmo estão no centro da política externa brasileira e na sua estratégia de inserção internacional. Acreditar nas instâncias multilaterais, dando credibilidade a essas, não se opõe à busca por transformações nas mesmas. Dessa forma, o BRICS seria, para o Brasil, uma forma de exercer o seu soft power diplomático ancorado no multilateralismo.

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Origens da Política Externa Brasileira na Amazônia: formação de fronteiras e ciclos diplomáticosOrigins of Brazilian Foreign Policy in the Amazon: borders formation and diplomatic cycles

Paula Gomes Moreira*

Boletim Meridiano 47 vol. 15, n. 141, jan.-fev. 2014 [p. 3 a 9]

1. Considerações iniciais

Em se tratando de Amazônia são comuns os estudos acadêmicos que tem como foco apenas a análise de alguns aspectos relativos ao processo de formação de fronteiras, como por exemplo, as disputas intraestatais entre as Coroas Portuguesa e Espanhola. O presente artigo insere-se nessa corrente, porém pretende através de uma perspectiva mais ampla de investigação, mediante interpretação histórica, que vá além da simples documentação dos fatos, apresentando fatores sistêmicos que contribuíram para a instituição de políticas exteriores com foco na defesa da região.

Dessa forma, ao longo do texto será destacada a atuação marcante de personagens históricos da diplomacia brasileira. Como consequência, será possível demonstrar as intensas disputas territoriais do período que obrigaram o envolvimento de potências europeias, como Holanda, Grã Bretanha e França, assim como os países que atuaram como árbitros em suas resoluções.

Importante notar que a época fora marcada por muitos conflitos de interesse, opondo duas potências em um território novo, pouco explorado, porém que abrigava matérias-primas essenciais às economias imperiais. Ou seja, a Amazônia da forma como é aqui apresentada representa um importante foco de análise pouco explorado pela historiografia tradicional e que, no entanto, guarda um grande arcabouço de informações necessárias à compreensão das origens da política externa brasileira ao longo do século XVIII.

Segundo Goes (1991), a diplomacia passou a preocupar-se mais efetivamente com os assuntos da Amazônia em início do século XVIII. Após a chegada de navegantes e bandeirantes às terras negras do Amazonas segue-se um momento de conflitos, que envolveu desde as transformações geopolíticas que ocorriam na Europa, com as intensas disputas territoriais entre as grandes potências da época, até o acirramento de tensões, nas colônias recém-descobertas, derivadas de conflitos pelo controle dessas novas áreas. Exemplo é a guerra que envolveu Portugal, de um lado, e França, de outro, pelo controle do território do Amapá. O primeiro saiu vitorioso e impediu o avanço do segundo pelas águas do rio Amazonas, no entanto, cabe sublinhar que a vitória não foi garantida somente mediante o fracasso da empresa kourou1 na região, mas também em função das investidas da Coroa Portuguesa de reconquistar o território reivindicado pelo outro país, através do estabelecimento de postos militares, missões religiosas e entrepostos comerciais na área.

* Doutoranda em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB e pesquisadora no Observatório Político Sul-Americano – OPSA no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – IESP/UERJ ([email protected])

1 Empreitada realizada por holandeses que consistiu no envio de muitos expedicionários à região do que hoje é a Guiana Francesa, porém que não foi bem sucedida, resultando na morte de muitos deles.

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Isto é, métodos até então considerados pelo campo de estudos da história diplomática como algo restrito à ocupação territorial, na verdade, poderiam ser analisados como importantes instrumentos na consolidação política das fronteiras do que hoje é o Brasil, e que foram resguardadas pelos tratados firmados entre as potências à época. O caso do Amapá, por exemplo, cuja posse era reivindicada pela França, só foi finalmente anexado ao mapa brasileiro em 1900, mediante arbitragem do presidente sueco, Walter Hauser (1888-1902), que foi favorável ao Brasil.

No entanto, é o Tratado de Madri (1750) que irá inaugurar uma nova fase de ocupação política da região por pensadores da nação (CERVO, 2008) preocupados com a formação das fronteiras nacionais. Além disso, a política externa brasileira com relação à Amazônia será profundamente impulsionada por fatores conjunturais, por exemplo, o fim da produção aurífera no Brasil, que impulsionou a descoberta de novas fontes de produção e acumulação de riquezas na colônia, por parte de Portugal e imprimiu maior necessidade de posse das extensões territoriais a oeste de Tordesilhas2, sobretudo por via do uso de diferentes agrupamentos humanos, como indígenas, missionários, bandeirantes, funcionários das Coroas, estrangeiros, militares, expedicionários, entre outros.

2. Origens da política externa brasileira e o primeiro ciclo diplomático na Amazônia

Para compreensão das origens da política externa brasileira com relação à região amazônica faz-se antes necessário resgatar a história diplomática de um ponto de vista mais reflexivo, agregando a ela a categorização dos chamados ciclos diplomáticos. Cabe lembrar que para tal tarefa foram utilizados como marcadores temporais a atuação de diferentes personagens-chave para o desenvolvimento de uma política externa de defesa da área, no período consi-derado, somados o contexto político de conflitos domésticos, regionais e internacionais. Dentre as figuras marcantes para a investigação em tela tem-se: Alexandre de Gusmão, Barão do Rio Branco, Euclides da Cunha etc. Dessa forma, pode-se depreender que o primeiro ciclo diplomático corresponde ao momento da assinatura do Tratado de Madri (1750), que apesar de curto3, “legalizou a posse do Sul e do Oeste brasileiros e da imensa área amazônica” (GOES, 1991: 102) e se estendeu até o final da colônia. Em seguida, tem início o segundo ciclo diplomático com a chegada do período imperial, no qual “o principal assunto do temário internacional do Continente eram as fronteiras” (idem: 126), até meados do século XVIII. Por fim, com o estabelecimento da República até o final dos anos 1980, tem vez o terceiro ciclo diplomático, cuja característica principal foi o enfoque na cooperação regional e preservação da área, porém o último ponto não será trabalhado no artigo por ser assunto muito em voga atualmente e do qual se dispõe de ampla bibliografia, sendo de maior interesse à pesquisadora, o período até o início da República 4.

Com relação ao primeiro ciclo, portanto, tem-se que a Amazônia aparecia como o ponto central para as pretensões de poder de Portugal, materializado no Tratado de Madri. Além disso, após a fixação de colônias ibéricas na América, os países europeus que se lançaram no empreendimento colonizador, acabaram por interferir direta ou indiretamente no processo de formação territorial dessas novas possessões. Além das coroas já citadas, Holanda, Grã-Bretanha e França tiveram papéis importantes no que tange à modificação das paisagens amazônicas em geral, em função de conflitos pela posse de extensões territoriais que se estenderam ora no eixo Europa-América, ora no sentido América-Europa (ARAUJO, s. a.: 15).

2 O fim das incursões dos bandeirantes paulistas, marcadamente um período importante da ocupação do território, havia aberto aos portugueses grande parte de um espaço ainda pouco explorado localizado quase que inteiramente a oeste do meridiano de Tordesilhas antes de possessão espanhola, firmado no ano de 1494 entre as duas coroas.

3 O Tratado foi assinado em 1750, porém em 1761 foi anulado pelo Tratado de El Pardo. Foi retomado em 1777, através do Tratado de Santo Idelfonso e novamente anulado em 1801.

4 Essa categorização teve como ponto de partida a terceira parte do livro de Goes (idem), sendo que a partir daí optou-se pelo estabelecimento dos parâmetros já descritos para fins de esclarecimento da metodologia utilizada no texto. Cabe acrescentar ainda que o ensaio não pretende esgotar o assunto sobre os ciclos diplomáticos na região, tendo sido deixada uma janela aberta para futuras contribuições nessa mesma linha de pensamento.

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A guerra entre Holanda e Inglaterra (1780-1784), por exemplo, implicou na ocupação pelos ingleses das colônias de Berbice, Demerara e Essequibo, em 1781, todas localizadas no que é hoje a República Cooperativista da Guiana. Pouco tempo depois, em 1782, a França ocupou os mesmos territórios. A partir daí sucederam-se vários conflitos entre as potências pela posse dos territórios ao norte do hoje conhecido continente sul-americano.

No intuito de fazer dirimir as tensões de limites não somente com as emegentes nações sul-americanas, como também com as nações europeias, anteriormente mantidas mediante ocupação territorial e populacional do qual derivaram várias guerras localizadas, somou-se a diplomacia cordial (CERVO, 2008), que fez amplo uso do conceito do uti possidetis.

O princípio, no entanto, deve ser visto sob a luz desse contexto político de disputas que envolvia uma variedade de nações com interesses diversificados, isto é, um ambiente sem autoridade central e com dificuldades no estabe-lecimento de normas que guiassem as ações entre os Estados. Nesse tipo de ambiente, afirma Axerold e Keohane (1985), os Estados tendem a aumentar o nível de confiabilidade de que compromissos assumidos serão ratificados, respeitados e preservados ao longo do tempo. O estabelecimento de tratados fronteiriços dessa região no momento é representativo de tal situação, de modo que o uti possidetis5, por vezes, servia como importante instrumento de acordo entre os Estados, outras vezes, era o res nullius6 servia diretamente aos interesses portugueses na região.

Assim, concomitante a instauração do Império no Brasil se intensificaram os litígios de soberania com os demais Estados da América do Sul. As negociações diplomáticas baseadas em regras como as concessões mútuas, o respeito às fronteiras naturais e, principalmente, o acordo com os valores expressos pelo uti possidetis garantiram à Portugal mando sobre a maior parte da bacia do rio Amazonas após a ocorrência de muitos hostilidades entre agrupamentos sociais armados, sobretudo com a instalação de vilas e fortes militares7 ao longo das novas terras ocupadas e que necessitavam ser protegidas.

Quadro 1 – Resumo dos principais tratados relativas à formação de fronteiras nacionais na Amazônia

Ano Tratado Con� itoReconhecimento da Soberania

EspanholaReconhecimento da

Soberania Portuguesa

1750 MadriVisões divergentes sobre os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas

Território a oeste do rio Japurá até o rio Amazonas; livre navegação sobre o rio Putumayo/Içá.

Território à direita do rio Guaporé; território ao sul do rio Ibicuí

1761 El PardoDi� culdades quanto à demarcação de limites estabelecidos em 1750 pelo Tratado de Madri

Anulação das possessões do Tratado de Madri, 1750

Anulação das possessões do Tratado de Madri, 1750

1777Santo

IdelfonsoGuerra entre Espanha e Portugal (1776-1777)

Banda Oriental e Missões Orientais.Garante a posse jurídica da Amazônia.

1778 El PardoCon� rmação e Rati� cação do Tratado de Santo Idelfonso

Banda Oriental e Missões Orientais.Garante a posse jurídica da Amazônia.

Fonte: Elaboração própria.

5 Utilizado para a negociação das fronteiras nacionais na Amazônia mediante esse princípio no qual cada Estado deveria ficar com o que possuísse em seu terreno e ali deveria exercer sua soberania. Em outras palavras, tratava-se de comprovar que certo território era de direito da parte de quem o ocupava, através de documentos coloniais considerados válidos no momento da independência. O princípio tornou-se norma geral da diplomacia imperial a partir de 1849.

6 Um território estava aberto à aquisição através de sua ocupação segunda esse princípio, ou seja, não havia valor de pertencimento a ninguém.

7 Ainda que pouco presentes nos estudos sobre a ocupação da Amazônia, a ação de personagens como os contrabandistas internacionais eram desafios a serem enfrentados pela administração portuguesa no Brasil. Como medida para evitar futuros episódios como esses, a Coroa decidiu fortificar a região através da criação de vários fortes, de modo a garantir a segurança dos limites exteriores da Amazônia correspondente a sua colônia.

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Segundo Cortesão (1952), portanto, existiam duas tendências da Coroa Portuguesa no que tange a questão de sua colônia, hoje conhecida como Brasil: a primeira, era a de que era possível e necessário conservá-la, a todo custo, como marco de unificação territorial, de outro, debatia-se se a Colônia lesava e violava os interesses do Estado português, e representava uma ameaça à integridade da América Espanhola, podendo tornar-se uma fonte constante de conflitos.

No entanto, o diplomata paulistano Alexandre de Gusmão valeu-se do advento de inovações no campo tecno-lógico para a melhor definição de territórios. O diplomata atuou tanto no centro da política que “visava preparar fisicamente a colônia e intelectualmente a metrópole para a negociação [das fronteiras], contribuindo em um caso para consolidar a presença portuguesa em regiões estratégicas” (GOES, 2012: 24), quanto, estimulou o avanço dos estudos cartográficos portugueses.

Este último, inclusive, gerou algumas das bases sobre as quais se assentou o Tratado de Madri, uma vez que as fronteiras não seriam mais abstratas linhas geodésicas, como aquelas utilizadas por Tordesilhas, mas sim, por acidentes geográficos identificáveis, sempre que possível. No entanto, há que se ter em mente que o problema relativo às fronteiras estava além da simples definição de propriedades ou da justa ocupação de territórios.

3. Demarcação de limites no segundo e terceiro ciclos diplomáticos: diferentes olhares

O princípio regulador do uti possidetis que determina que cada parte fique com o que possui no terreno, foi o instrumento principal da diplomacia imperial nas questões fronteiriças nessa região ao longo do primeiro ciclo de ocupação diplomática da Amazônia. Uma vez que os tratados coloniais eram muito imprecisos em suas definições quanto à abrangência e limites das terras amazônicas pertencentes a cada nação, isso abria enorme margem de atrito entre os responsáveis pela sua demarcação.

A indefinição sobre os títulos coloniais acerca de determinadas regiões serviu para que a diplomacia imperial pudesse, através desse instrumento não considerar como válidos tais documentos para a resolução dos litígios territoriais. Cabe acrescentar ainda que, o uti possidetis está diretamente vinculado ao ato da ocupação, sendo portanto, admissível somente no período de formação de fronteiras

Por outro lado, havia a necessidade de manter esses espaços sobre cujos limites Portugal havia avançado, e que eram anteriormente possessões da Espanha. A descoberta de ouro e diamantes, a partir do � nal do século XVII, havia estabelecido uma dependência econômica de Portugal, com relação às riquezas que saíam do Brasil. Tornou-se fundamental a manutenção do direito de posse dessas regiões pelo império europeu. Além da mineração, a agricultura, pecuária e exploração das drogas do sertão – produtos que naquele momento encontravam grande aceitação nos mercados europeus –, também eram estratégicas para as relações comerciais com os ingleses e franceses, por exemplo.

É nesse momento que se formaram as primeiras comissões de demarcação (boundary commissions)8. As comissões exerceram papel importante na fase inicial de consolidação de uma política externa realmente brasileira com relação ao “paraíso perdido” de Euclides da Cunha, uma vez que contribuíram não para a solução dos litígios fronteiriços em si, mas, principalmente, para os processos de solução de controvérsias sobre os alcances na América do Sul da região amazônica brasileira e estrangeira.

O caso da demarcação das fronteiras entre Brasil e Holanda é representativo desse momento histórico. O Tratado de Limites assinado pelos dois países, em 1906, assinado no Rio de Janeiro estabeleceu as divisas entre o Brasil e a colônia holandesa do Suriname, como resultado da arbitragem realizada pelo rei Victor Emanuel III da Itália. Na mesma ocasião ficou estabelecida a criação de uma comissão conjunta responsável pela demarcação

8 No direito internacional, as comissões de fronteiras estão relacionadas ao processo de estabelecimento legal dos limites externos de um Estado para o exercício de sua soberania sobre um determinado território. Daí deriva a opção por acrescentar ao texto a nomenclatura também em inglês do termo.

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física das fronteiras, tendo sua linha final fixada no interior da floresta, em locais de difícil acesso (HULSMAN & GOMES, 2013).

Da mesma forma, as fronteiras com o Peru tiveram sua demarcação realizada por uma comissão mista entre os países, da qual Euclides da Cunha foi um de seus personagens principais. Em 1904, o autor foi nomeado chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, de caráter exploratório, que teve como resultado a fixação das fronteiras brasileiro-peruanas (SÁ et al, 2008). Sua incursão à região não consistiu, portanto, somente de interesses científicos e botânicos, mas estava, principalmente, envolto na reivindicação dos territórios da bacia amazônica contra as pretensões do Peru e visava impedir o avanço das incursões canhoneiro-diplomáticas de norte-americanos e britânicos.

Segundo Hecht (2013), os argumentos sustentados pelo autor para reivindicar os territórios ao longo da bacia consistiram no mapeamento da área, além da demonstração de como havia uma densa rede de assentamentos locais de indígenas e negros predominantemente brasileiros, ao contrário do exuberante vazio enaltecido por naturalistas como Alexander Von Humboldt. Além disso, ele deu a área uma história, mostrando que o emaranhado habitacional denso revelado por suas pesquisas foi o resultado de séculos de fragmentados tratados e assentamentos (idem).

Se de um lado, exitosas histórias eram observadas, de outro ocorreram muitos episódios nos quais os limites acordados foram desrespeitados, como por exemplo, o episódio da capitania do rio Negro. Segundo Aguiar (2012), os espanhóis eram acusados de não respeitarem os limites impostos pelos tratados acordados entre as Coroas ibéricas, de realizarem expedições clandestinas para reconhecimento dos rios vizinhos, entre outras infrações. A reação da Coroa portuguesa frente a esses problemas observados nas fronteiras foi a sua ocupação diplomática por meio dos tratados assinados no século XVIII.

Fundada em 1755, a capitania do rio Negro, representava a implantação de uma estrutura de poder bem no centro da Amazônia colonial portuguesa. Para Rezende (2006), os interesses políticos representados pela incorporação desse espaço pelos portugueses, como um empreendimento dirigido pelo Estado, por meio de ações políticas e diplomáticas, tinha como finalidade assegurar a posse desse território para a Coroa.

Dessa forma, pode-se dizer que o interesse de Portugal sobre a região era, principalmente, ocupar os espaços fronteiriços de modo a marcar a presença do Estado e garantir o controle dos fluxos de embarcações, indivíduos, comércio etc, nesses espaços, ou seja, projetando inicialmente preocupações com relação à política externa de segurança e defesa na área.

As tarefas demarcatórias, portanto, representaram grandes desafios à Portugal ao longo do século XVIII, uma vez que estavam permeadas pela desconfiança permanente entre as Coroas. O clima de tensão favorecia as disputas entre os demarcadores que foram se tornando cada vez mais crescentes (SAMPAIO, 2009:27). Além disso, a relação entre os responsáveis pelas demarcações não foi pacífica, contribuindo para que dificilmente houvesse um entendimento para atingir os fins a que se haviam proposto (VARNHAGEN,1962: 209).

Enfim, o quadro apresentado demonstra que a época foi marcada pela renovação das demarcações, que não alcançavam sucesso. As fronteiras espanholas e portuguesas permaneciam indefinidas, apesar dos esforços diplomáticos de estabelecimento de limites, porém que não eram respeitados. Como consequência, a região se configurava de maneira especial como uma zona de conflito entre as potências ibéricas. A principal preocupação de Portugal permaneceu sendo o reconhecimento desse território e de suas potencialidades, além da continuação de sua ocupação, colonização e efetivação da posse, a fim de reprimir quaisquer invasões a seu território.

5. Considerações finais

Em resumo, o presente artigo apresentou algumas reflexões sobre a conjuntura política, vultos históricos e constrangimentos internacionais, presentes à ocupação diplomática da Amazônia em seus três ciclos. Inicialmente foram abordados os constrangimentos internacionais que tiveram implicações para o início desse processo, em especial

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as transformações porque passava a Europa nesse momento, como a forte instabilidade política entre as nações da qual derivaram várias guerras locais, que por vezes, tinham reflexo em colônias como o Brasil. A apresentação desse quadro foi importante para demonstrar como essas mudanças tiveram implicações, por vezes diretas, outras indiretas, no estabelecimento das fronteiras na região amazônica.

A Coroa portuguesa, por sua vez, teve nos instrumentos jurídicos, a exemplo do uti possidetis um aliado. Ao estabelecer as fronteiras naturais como correspondentes às extensões territoriais reivindicadas pela Coroa Portuguesa, o princípio garantiu as possessões ao leste do meridiano de Tordesilhas, que estavam em litígio com a Espanha. No entanto, esse sucesso só foi possível devido às inovações tecnológicas na área da geogra� a que foram basilares ao estabelecimento do Tratado de Madri no ano de 1750.

Como consequência, sucederam nos séculos seguintes e no período que corresponde ao segundo ciclo diplomático, o estabelecimento das primeiras comissões mistas entre portugueses e espanhóis, e as comissões mistas entre brasileiros e outras regiões sul-americanas como o Peru, e que no terceiro ciclo diplomático, trataram de realizar a demarcação das fronteiras no continente. As preocupações à época giravam em torno das passagens constantes de espanhóis e outros estrangeiros para o lado de posse portuguesa e/ou brasileira, o que gerou muitos con� itos na própria área em litígio e também entre as diferentes comissões de fronteiras.

Estas representaram, inicialmente, desa� os à Coroa Portuguesa demonstrando a di� culdade que havia em promover a boa governabilidade nas fronteiras mesmo com as diversas tentativas de estabelecimento de tratados com países europeus, para que os limites na Amazônia fossem respeitados.

Finalizando, o presente artigo não esgota as possibilidades de estudo das origens de política externa brasileira com relação à formação de fronteiras na Amazônia, porém ele propôs um quadro histórico, organizado a partir de três ciclos diplomáticos na região que se sucederam e, que permitem a categorização da atuação diplomática com relação a esse espaço. A proposta, portanto, pode avançar mediante a maior enumeração desses fatos, a exemplo das comissões mistas de fronteiras que constituíram importante papel no estabelecimento dos contornos � nais do mapa do Brasil ou na própria ampliação da agenda de pesquisa da história das relações internacionais, ao se considerar o intenso � uxo migratório de estrangeiros, que provocou reações por parte da Coroa Portuguesa como a construção de fortes e vilas ao longo das fronteiras ao norte de sua recém- descoberta colônia.

Tal análise, portanto, somou à conjuntura político-histórica de Goes (1991) maior preocupação com personagens históricos, a exemplo de Euclides da Cunha e Alexandre de Gusmão, com constrangimentos internacionais, como as intensas disputas territoriais que se seguiram na Europa ao longo dos séculos estudados, permitindo dessa forma elaborar um estudo centrado em três momentos principais, ou três ciclos diplomáticos ao qual corresponde cada um desses elementos e que permitem a observação de fenômenos-chave para uma melhor explicação das origens da política externa brasileira com relação ao espaço amazônico.

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VARNHAGEN, F. A. de. História Geral do Brasil. 3º Ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962, v.1, 204 p.

Resumo

O artigo tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento dos estudos sobre a formação das fronteiras ao norte brasileiras. O período em tela marca diferentes momentos de intensas disputas, especialmente sobre o território amazônico, dos quais derivaram três ciclos diplomáticos que se sucederam no tempo e permitiram o avanço da iminente política exterior com relação à defesa, segurança, comércio, economia e outros.

Abstract

The article aims to contribute to the development of studies about the north Brazilian borders formation. The period in question remarks different moments of intense disputes, especially over the Amazon territory, of which three cycles diplomatic derived and that continued in time and enabled the advance of the impen-ding foreign policy with regard to defense, security, trade, economy and others.

Palavras-chave: Política Externa Brasileira; Amazônia; Ciclos Diplomáticos; Fronteiras. Keywords: Brazilian Foreign Policy; Amazon; Diplomatic Cicles; Borders.

Recebido em 8/11/2013Aprovado em 19/12/2013

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ARTIGO

Análise de Política Externa e Política Externa Brasileira: trajetória, desafios e possibilidades de um campo de estudos

Foreign Policy Analysis and Brazilian Foreign Policy: evolution, challenges and possibilities of an academic field

MÓNICA SALOMÓN*LETÍCIA PINHEIRO**

Introdução

A Análise de Política Externa (APE) é hoje um campo de estudos bem consolidado dentro da grande disciplina das Relações Internacionais (RI). Numerosos indicadores testemunham essa consolidação, como a existência de revistas especializadas (destacando-se a Foreign Policy Analysis) e de diversos manuais específicos sobre APE e capítulos sobre APE nos principais manuais de Relações Internacionais; a criação de grupos de trabalho ou seções sobre APE nas principais associações acadêmicas nacionais e internacionais de Ciência Política/Relações Internacionais (ABRI e ABCP no Brasil, International Studies Association nos EUA e British International Studies Association no Reino Unido); e a inclusão de disciplinas com essa denominação nas grades curriculares dos cursos de Relações Internacionais em todo o mundo.

Em princípio, a substância da APE não se diferencia da substância da disciplina mãe, Relações Internacionais/Política Internacional. Ambas abrangem, com efeito, todos aqueles fenômenos suscetíveis de serem incluídos no continuum conflito-cooperação e que ultrapassam as fronteiras nacionais. O que outorga especificidade à APE é seu foco nas ações internacionais de unidades particulares. Com efeito, a APE tem como objeto o estudo da política externa de governos específicos, considerando seus determinantes, objetivos, tomada de decisões e ações efetivamente realizadas1.

* Professora do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ([email protected]).

** Professora do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) ([email protected]).

1 Incluindo, dentro das ações realizadas, aquelas apenas anunciadas (tais como ameaças e blefes).

Rev. Bras. Polít. Int. 56 (1): 40-59 [2013]

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Se tradicionalmente esse governo específico era um governo nacional, o legítimo responsável pela elaboração da política externa do Estado, nas últimas décadas os diversos processos de descentralização e regionalização associados à globalização têm feito com que outros níveis de governo diferentes do nacional (supranacionais ou subnacionais) desenvolvam suas próprias políticas externas, tornando-se assim objetos válidos da APE. A política externa da União Europeia tem sido analisada sob essa lente (White 2001), bem como aqueles governos subnacionais com atividade externa consistente (Soldatos 1990; McMillan 2008; Salomón 2011).

Em teoria, as ferramentas da APE poderiam ser também aplicadas ao estudo das ações internacionais de atores internacionais não governamentais, como empresas ou organizações não governamentais (ONGs). Contudo, isso só é realmente viável na medida em que essas unidades desenvolvam uma atividade externa planificada e coerente, ou seja, uma política (policy). Mesmo assim, as grandes diferenças entre atores governamentais e não governamentais, começando pela ausência de constituency destes últimos, limitam consideravelmente a utilidade da aplicação desse enfoque – originalmente concebido para analisar políticas governamentais – para a análise da ação externa de atores não estatais.

Isso não supõe, necessariamente, que a APE seja uma disciplina “estadocêntrica” no sentido de desconsiderar o papel de atores não estatais e de dinâmicas não protagonizadas pelo Estado na política internacional. Colocar o foco nos processos políticos estatais, como faz a APE, não significa considerar que só estes são relevantes para compreender a realidade internacional. Aliás, a APE é bastante atenta à interação das unidades de decisão governamentais com uma pletora de variados atores dentro e fora das fronteiras do Estado que influenciam a formação e implementação dessa política pública.

A política externa, com efeito, é uma política pública, embora com uma especificidade que a diferencia do resto das políticas públicas: o fato de ser implementada fora das fronteiras estatais, o que pode levar a uma distância considerável entre objetivos e resultados2. Por sua condição de política pública, cabe distinguir a política externa da mera “ação externa”, um conceito mais amplo que inclui todo tipo de contatos, planificados ou não, de um governo com outro ator fora de suas fronteiras. Por sua vez, entender a política externa como política pública leva a considerar seu processo de elaboração, no qual incidem, como em qualquer outra política pública, as demandas e conflitos de variados grupos domésticos.

Sendo a política externa uma dimensão das relações internacionais e uma política pública, não é surpreendente que a inserção disciplinar da APE tenha oscilado entre o campo da Política Pública e o das Relações Internacionais. Como

2 Embora implementada fundamentalmente fora das fronteiras do Estado, a política externa resulta e promove arranjos institucionais-burocráticos domésticos diversos, bem como articulações políticas internas de variadas dimensões.

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relata Carlsnaes (2002, 331), ainda em meados dos anos 1970 a APE era percebida nos Estados Unidos mais como subárea do primeiro campo que do segundo.

Além dessa dupla vinculação, a APE tem uma forte relação com outras disciplinas, em particular com a Psicologia Cognitiva e a Psicologia Social (indispensáveis para abordar os processos de tomada de decisões), a Sociologia, a Economia, o Direito e a História, mas também a Teoria dos Sistemas e a Neurociência, entre outras. Isso, é claro, também é verdade para a grande disciplina das Relações Internacionais. Contudo, é perceptível uma diferença de grau entre elas, com a APE especialmente dependente, no seu desenvolvimento, de contribuições transdisciplinares que nem sempre têm presença em outras áreas das Relações Internacionais3.

Por fim – e não menos importante –, por APE não entendemos aqui tão somente o campo de estudos sobre a política externa centrado na análise de processo decisório. É verdade que essa dimensão foi a marca da constituição da subdisciplina conhecida por esse nome nos anos 1950. Nos dias de hoje, entretanto, seria equivocado atribuirmos à pesquisa sobre o impacto do processo decisório no conteúdo da política externa como o único objeto de investigação para o qual se volta a APE. Ao nosso entender, os estudos de processo decisório constituem hoje um, dentre outros, dos focos desse amplo campo de estudos, que inclui todos os aspectos (influências, contextos e práticas sociais, entre outros) que incidem em todas as fases (desde a formação da agenda até a implementação) de uma política externa.

No Brasil, a área de APE encontra-se em processo de consolidação. Seu instrumental teórico-conceitual é cada vez mais usado na pesquisa acadêmica e vários cursos de graduação e programas de pós-graduação em RI incluem a disciplina de APE no seu currículo. Diferentemente do passado, em que a política externa brasileira era vista como singular frente às demais políticas públicas e, portanto, pouco afeita a ser investigada por ferramentas que dessem conta de sua formulação no campo da política, na atualidade isso tem mudado consideravelmente.

Tendo em conta o exposto acima, este artigo tem dois objetivos. O primeiro é oferecer ao público brasileiro uma visão abrangente do campo de estudos de APE, condizente com a diversidade que, de fato, caracteriza a prática e a investigação sobre política externa. O segundo é mostrar as tendências pelas quais a APE vem se desenvolvendo no Brasil. Para tanto, dividimos o artigo em três seções, além desta introdução e da conclusão. Na primeira seção tratamos da constituição da subdisciplina de APE na década de 1950 e de como, após esse momento fundador, ela foi se desenvolvendo até os dias de hoje. Na segunda vinculamos

3 Enquanto tradicionais contribuições teóricas das Relações Internacionais, em particular algumas correntes do Institucionalismo e do Realismo, privilegiam o nível sistêmico e, dessa forma, prescindem de explicações históricas, psicológicas, jurídicas, econômicas e outras, as explicações baseadas em atores específicos, como a APE, não podem prescindir delas, nem de seus avanços em virtude da centralidade do agente na sua reflexão. Nesse particular, é digno de especial registro a relação da APE com a Psicologia Cognitiva/Neurociência, disciplinas que, por sua vez, registraram consideráveis avanços nos últimos anos.

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a APE às grandes perspectivas teóricas da grande disciplina das RI. Na terceira começamos fazendo referência aos estudos que podem ser considerados como antecedentes do desenvolvimento da APE no Brasil: as análises sobre a política externa brasileira feitas sob a lente da História, da Ciência Política e mesmo das Relações Internacionais, mas sem diálogo com as discussões mais específicas dentro da APE e sem considerar essa mesma produção de conhecimento sobre a realidade brasileira como inserida no campo disciplinar da APE; em seguida fazemos uma revisão preliminar da pesquisa sobre política externa brasileira realizada no Brasil que situa a si mesma dentro do campo da APE. Finalmente, a título de conclusão, fazemos um breve balanço sobre essas tendências da produção brasileira no campo, apontando possíveis caminhos para seu desenvolvimento futuro.

A trajetória da APE como subdisciplina

O artigo seminal de Richard Snyder, Henry W. Bruck e Burton Sapin, Decision-Making as an Approach to the Study of International Politics (1954), é considerado a pedra fundamental da APE como subdisciplina ou campo de estudos com identidade própria. A proposta de análise estava fortemente inserida dentro da Ciência Política behaviorista e influenciada, em particular, pelo modelo eastoniano de sistema político, nesse momento em pleno auge (Easton 1953). O ponto de partida era a ideia de que a política externa é, antes de tudo, um produto de decisões, e que o modo pelo qual as decisões são tomadas afeta substancialmente seu conteúdo. Ou seja, a política externa deveria ser investigada a partir do suposto de que ela se constitui essencialmente de uma série de decisões tomadas por um ou mais indivíduos chamados decisores; que esses decisores agem de acordo com a definição que fazem da situação; e que essas decisões não surgem pura e simplesmente a partir dos estímulos externos, mas são sim processadas por um mecanismo dentro do Estado. Em contraponto ao que as análises sistêmicas de base realista defendiam, a partir dessa nova perspectiva o analista estaria em condições de explicar por que Estados com posições similares no sistema internacional comportavam-se de modos distintos.

A partir dessa contribuição de Snyder e de seus coautores, que impactou fortemente os estudos de política externa, em particular nos Estados Unidos, foram traçados dois caminhos distintos de desenvolvimento da subárea. Um, fortemente atrelado à Ciência Política behaviorista, procurou desenvolver uma “grande teoria” da política externa. Outro, metodologicamente mais plural e introduzindo elementos de diversas perspectivas disciplinares (teoria das organizações, geografia, psicologia social, psicologia cognitiva…), se materializou na construção de teorias mais específicas, de médio alcance, sobre uma grande variedade de fenômenos relacionados com a produção da política externa. Enquadrado na tentativa behaviorista de aproximar metodológica e epistemologicamente as ciências sociais às ciências naturais, o projeto de desenvolver uma Política Externa Comparada

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(Comparative Foreign Policy) sob a liderança intelectual de Rosenau (1966, 1974, 1980) foi sem dúvida o motor da subdisciplina por quase 20 anos. O ambicioso objetivo do projeto era chegar a uma teoria geral da política externa, capaz de explicar qualquer política externa e até de predizer atuações específicas. A maneira de fazer isso era identificar, a partir de dados extraídos de múltiplas fontes, as correlações entre as características das nações e os tipos de comportamento de umas com relação às outras. O recente surgimento dos computadores facilitava as análises multivariáveis. Grandes projetos baseados na construção de enormes bancos de dados – como os projetos Interstate Behavior Analysis (IBA), Dimensions of Nations (DON), ou Comparative Research on the Events of Nations (CREON) (Hudson 2005, 20) – foram criados com esse objetivo. As secretarias de Estado e de Defesa dos EUA, confiantes de que os resultados contribuiriam a prever as ações do inimigo soviético, os financiaram generosamente.

Porém, esses ambiciosos objetivos não foram atingidos. Em vez de uma teoria geral, os comparativistas tinham, depois de décadas de trabalho, apenas uma extensa lista de possíveis variáveis relevantes. O fracasso se deveu em parte a que, como reconheceu a figura fundamental do movimento behaviorista em ciência política, David Easton, os objetivos eram inatingíveis: o estudo das sociedades humanas exige métodos diferentes dos da física. E em parte porque os desenhos de pesquisa behavioristas eram bastante deficientes. Eles se baseavam, com efeito, na ideia “indutivista ingênua”, pré-popperiana (Chalmers 1993), de que era possível proceder a generalizações a partir da simples observação dos dados, sem uma teoria prévia a partir da qual se identificassem as conexões relevantes4.

A falta de resultados dos comparativistas e as fortes críticas resultantes reforçaram o caminho que já vinha sendo trilhado por outros estudiosos. Assim, descartando o ambicioso objetivo inicial de construir uma teoria geral da política externa, os esforços passaram a estar focados na elaboração de teorias “de médio alcance” sobre fenômenos muito mais restritos, complementares ou não entre eles.

A título de exemplo, podemos citar o clássico trabalho de Graham Allison sobre a crise dos mísseis de Cuba (Allison 1971), origem do enfoque da “política burocrática”, muito fértil até os dias de hoje (Hilsman 1987; Kozak e Keagle 1988; Kaarbo 1998). Da mesma forma, as abordagens sociocognitivas, apoiadas em teorias dos campos disciplinares da Psicologia Social e da Psicologia Cognitiva, buscariam no estudo das crenças, percepções e imagens, entender como a dinâmica de funcionamento de um pequeno grupo (Janis 1972) ou os erros de processamento de informações pelos indivíduos (Jervis 1976; Jervis, Lebow e Stein 1985; Glad 1989; George 1994) impactam sobre as decisões de política externa.

Nas últimas décadas, desde que o projeto de Política Externa Comparada foi rejeitado por seu próprio idealizador (Rosenau 1989), esse foco nos atores

4 É claro que essa é uma generalização aplicável só parcialmente a muitos dos autores comprometidos com o projeto da Comparative Foreign Policy. Em particular, não faz justiça à sutileza da Pré-teoria de Política Externa proposta por Rosenau (1966), ainda nos dias de hoje influente no desenvolvimento da área.

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específicos – líderes, pequenos grupos, organizações burocráticas mais amplas, grupos de interesse, etc. – se tornou o principal signo de identidade da subárea. Ao mesmo tempo, como veremos na próxima seção, o interesse pelos fatores domésticos nos enfoques mais gerais das Relações Internacionais foi aumentando, o que fomentou uma maior conexão entre a APE e a grande área de Relações Internacionais.

APE e as matrizes teóricas das Relações Internacionais

Contribuições liberais

O legado liberal constitui-se, ao nosso modo de ver, na base de sustentação da subdisciplina da APE. A razão disso é a própria resposta que o liberalismo oferece às grandes questões das Relações Internacionais: o conflito recorrente entre Estados é evitável, a cooperação é possível, e o indivíduo, agindo por meio de instituições, é o principal agente de mudança na política internacional. Uma das principais inovações da nascente subdisciplina da APE nos anos 1950 foi a de abrir a caixa preta do Estado e passar a considerar a importância dos fatores domésticos na formação de políticas externas (sem que isso significasse ignorar os fatores sistêmicos); a influência das correntes liberais na APE é evidente.

A resposta liberal é oposta à realista, focada na estrutura anárquica do sistema internacional e seus efeitos, isto é, no caráter recorrente do conflito internacional. Na explicação realista da política internacional, as variáveis internas têm pouco peso em comparação com as variáveis sistêmicas. Nas explicações liberais, pelo contrário, as variáveis internas carregam quase todo o peso da explicação.

Isso pode ser ilustrado com as contribuições dos liberais-internacionalistas na primeira metade do século 20, todas elas visando a explicar fenômenos como o imperialismo (Hobson 1902), a irracionalidade da guerra entre potências industrializadas (Angell 1913), ou o papel pacificador das organizações internacionais (Zimmern 1936; Mitrany 1943) fundamentalmente por meio de variáveis internas. Posteriormente, teorias de cunho liberal como o neofuncionalismo (Haas 1958), o transnacionalismo (Deutsch 1957) ou o modelo da interdependência complexa (Keohane e Nye 1977) continuaram colocando os fatores internos no centro das explicações. A partir dos anos 1990, os defensores da “tese da paz democrática” defenderam a ideia de que um fator doméstico (tipo de regime político) é fundamental para explicar a conduta belicosa ou pacífica dos Estados, e até tentaram elevar essa tese ao status de “lei das relações internacionais” (Levy 1989).

Mais recentemente, Andrew Moravcsik (1997, 2008) tentou redefinir a teoria liberal de maneira a incluir as principais variáveis com as quais as diferentes correntes liberais tentaram explicar a política externa/internacional: ideacionais (efeitos das ideologias ou identidades culturais na política externa); institucionais (efeitos dos tipos de instituições de representação); e econômico-comerciais (efeitos dos tipos

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de políticas econômicas). O Novo Liberalismo de Moravcsik é uma tentativa de formular uma teoria geral das Relações Internacionais, dando precedência às variáveis internas sem desconsiderar, porém, o impacto das variáveis sistêmicas (Moravcsick 2008, 249). Mas existem outras propostas muito mais delimitadas também passíveis de serem inseridas dentro do paradigma liberal, como as de Putnam (1988), Milner (1997) ou Martin (2000).

Contribuições realistas

Embora, em grande medida, a APE tenha sido construída em oposição aos pressupostos realistas, isso não significa que a contribuição realista para a compreensão da política externa possa ser ignorada. De fato, excluindo o neorrealismo de Waltz, as diferentes versões do realismo se ocuparam e continuam se ocupando da política externa.

Cabe salientar que Hans Morgenthau, sem dúvida a figura mais representativa do realismo clássico, tratou tanto das escolhas políticas do governante e outros tomadores de decisão (isto é, política externa) quanto dos fatores sistêmicos que afetam a todos os estados por igual (política internacional) (Morgenthau 1948).

Essa preocupação dos realistas com a política externa persistiu até que, com a publicação da Theory of International Politics de Kenneth Waltz, em 1979, o realismo estrutural ou neorrealismo se tornou predominante como corrente do pensamento realista (que, por sua vez, era a predominante dentro da academia de RI dos EUA). O objetivo de Waltz nessa obra era construir uma teoria da política internacional: uma teoria sobre os processos recorrentes (fundamentalmente a guerra) no sistema político internacional. Waltz não tinha a intenção de explicar políticas externas individuais. A esse respeito, ele afirmava que, dada a enorme quantidade de fatores (internos e sistêmicos) que contribuem à formação de políticas externas, é praticamente impossível elaborar teorias de política externa (Waltz 1979). Em todo caso, não era sua intenção fazer isso.

Por sua vez, sua teoria de política internacional prescinde de todos os fatores domésticos (forma de governo, de Estado, ideologia, composição de grupos de interesse) como variáveis explicativas, e mantém apenas a distribuição de poder entre as principais potencias do sistema como o principal fator condicionante (junto com a anarquia ou falta de governo centralizado) da política internacional. Fica claro então que a política internacional não é, para Waltz, a soma de políticas externas, como o era para o realismo tradicional. Tampouco aceitou Waltz a ideia apontada por autores como Elman (1996) de que mesmo sendo outra sua intenção, era sim possível inferir dos pressupostos da sua teoria de política internacional (por exemplo, o maior peso relativo dos fatores externos do que os internos) alguns elementos que permitiriam construir uma teoria neorrealista da política externa.

Na mesma linha de Elman, os autores da corrente do realismo neoclássico surgida nos últimos anos da década de 1990 (Schweller 1998; Wohlfort 1993;

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Zakaria 1998) declararam sua intenção explícita de construir uma teoria realista da política externa. Segundo eles, o neorrealismo e o realismo neoclássico são complementares: o primeiro trata da política internacional e o segundo, da política externa. O realismo neoclássico continua sendo realista porque a variável independente com a qual a política externa é explicada é a preocupação dos Estados pela posição relativa que ocupam na distribuição de poder internacional, argumento tipicamente realista. Mas não deixa de ser uma teoria de política externa porque não busca explicar questões de política internacional (como condições para a cooperação internacional ou causas de guerra) senão a atuação de Estados individuais. Nas palavras de autores dessa corrente, o que se procura explicar é “como, e sob que condições, as características dos Estados afetam a avaliação que os lideres fazem das ameaças e oportunidades internacionais e das políticas externas diplomáticas, militares e econômicas selecionadas pelos Estados” (Lobell, Ripsman e Taliaferro 2009, tradução nossa). Ao mesmo tempo, o realismo neoclássico (re)introduz de maneira sistemática os fatores domésticos em suas explicações de política externa: recursos, capacidade de mobilização, influência dos atores sociais domésticos e grupos de interesse, nível de coesão das elites, etc. Esses fatores não são considerados os determinantes principais das políticas externas, mas sim variáveis intervenientes, presentes em modelos que dão prioridade explicativa aos fatores sistêmicos.

Contribuições construtivistas

Embora o Construtivismo tenha sido concebido (pelo menos na vertente idealizada por Alexander Wendt) como complementar ao liberalismo (Wendt 1992), seria um erro supor que ele é, como aquele, fundamentalmente uma teoria de política externa. Para começar, o Construtivismo não é, estritamente, uma teoria da política internacional/relações internacionais senão uma teoria social mais ampla que pode ser aplicada ao estudo da política internacional. Essa teoria social postula a importância do componente ideacional nas relações sociais em geral. Isto é, o papel das ideias é, para os construtivistas, tão determinante na vida social quanto os fatores materiais.

Além disso, o foco das análises construtivistas não são os Estados individuais, e sim as próprias ideias (normas, identidades, interesses) e a maneira como estas surgem, se propagam e se modificam. Os diversos atores, estatais ou não estatais, interessam aos construtivistas na medida em que participam desses processos de criação e difusão de normas.

Isso não significa que não existam conexões e influências mútuas entre o Construtivismo e a APE. Uma primeira conexão que podemos detectar é a influência dos enfoques sociocognitivos presentes na APE na constituição da corrente Construtivista em relações internacionais, influência reconhecida por vários autores (Finnemore e Sikkink 2001; Wendt 1992). Esses enfoques, com elementos provenientes da Sociologia, da Psicologia Social e da Psicologia Cognitiva,

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tinham sido deixados de lado pelas correntes dominantes em RI nos EUA, mas nunca deixaram de estar presentes na APE. Além disso, a APE e o Construtivismo guardam outra importante convergência, para além das suas respectivas ênfases na cognição, qual seja a importância que ambos atribuem à ação dos agentes na política internacional.

É possível que, na atualidade, o Construtivismo seja mais influente na APE que vice-versa, e que a rica pesquisa construtivista sobre formação de interesses (Wendt 1992, 1999), normas internacionais (Finnemore e Sikkink 1998), redes de ativismo transnacional (Keck e Sikkink 1998) ou interação de estruturas e agentes (Wendt 1999), entre outros temas, ao ser aplicada à análise das políticas externas individuais, esteja reforçando essa dimensão cognitiva que já existia na APE.

Por outra parte, embora a APE seja, como vimos, compatível tanto com explicações realistas, que dão mais peso aos fatores sistêmicos na explicação de políticas externas, quanto com explicações liberais, que postulam a preponderância dos fatores domésticos, é importante salientar que boa parte dos autores que trabalham com a APE permanecem neutros a esse respeito, deixando que a pesquisa empírica decida, para cada caso específico, que tipo de fatores teve peso maior. Isso é semelhante à posição construtivista, que, a priori, não concede um peso maior nas explicações dos fenômenos internacionais nem às estruturas nem aos agentes. Assim, de maneira semelhante aos muitos autores que, em vez de se identificarem como “liberais” ou “realistas”, se identificam prioritariamente como “analistas de política externa”, os construtivistas também se opõem ao determinismo das teorias tradicionais das RI. Ao nosso modo de ver, essa é uma coincidência muito salutar.

Constituição e desenvolvimento do campo de estudos da APE no Brasil

Nesta seção trataremos de dois momentos cronologicamente consecutivos do campo de estudos da APE no País. O primeiro relativo à sua formação, quando as análises sobre a política externa brasileira eram realizadas sem diálogo com as discussões mais específicas dentro da APE. O segundo momento, que nos é contemporâneo, apresenta uma visão panorâmica das tendências da pesquisa sobre política externa brasileira realizada no Brasil, agora sim inserida no campo da APE.

Se no mundo anglo-saxão o desenvolvimento da disciplina de Relações Internacionais e da subárea de Análise de Política Externa datam, respectivamente, do início e de meados do século 20, o impacto de ambas no Brasil, assim como em outros países da América Latina (Tickner 2002), foi bem posterior, começando só em meados da década de 1970. Até então a reflexão sobre a política externa e as relações internacionais encontrava-se concentrada em outros campos disciplinares e nos círculos de diplomatas, ou, como já desenvolvido em outra oportunidade, nos escritos de intelectuais enquanto diplomatas primeiramente, depois acrescidos das contribuições dos diplomatas enquanto intelectuais (Pinheiro e Milani 2012).

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O tema era explorado, portanto, em grande parte no campo do Direito Internacional, do Jornalismo especializado e da História Diplomática. Evidentemente, cada um desses campos imprimia aos escritos a marca característica da natureza da sua própria narrativa: formalista e fracamente politizada no caso dos estudos inseridos no Direito Internacional Público; datada e com forte conteúdo imediatista, no caso das contribuições de natureza mais jornalística; e de fortíssimo viés oficialista no caso dos estudos no campo da História Diplomática, na medida em que, nesse caso, era notória a superposição entre a atividade de pesquisa e a prática dessa mesma diplomacia (Santos 2005, 24).

O processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil e o fortalecimento e expansão da universidade por meio do estabelecimento de cursos de pós-graduação nas diversas áreas de conhecimento a partir da década de 1970 viria favorecer a formação de uma comunidade acadêmica que, aos poucos, iria buscar autorização para tratar de temas de política externa e relações internacionais, juntamente com aqueles que já vinham oferecendo sua contribuição (Pinheiro e Milani 2012). Formava-se assim a área de Relações Internacionais no País.

Por outro lado, a partir dos anos 1970, o crescente multipolarismo econômico e político internacional – coexistente com a bipolaridade estratégica – abriria oportunidades para um comportamento mais flexível e proativo dos países periféricos em geral e dos latino-americanos em particular (até então mais reativos que proativos na política internacional), enriquecendo suas agendas de política externa e dando uma motivação tanto política como acadêmica ao estudo da política externa.

Este contexto levou a que acadêmicos brasileiros buscassem refletir sobre o rol de oportunidades internacionais do País no período a partir das ferramentas analíticas das Relações Internacionais. No seu conjunto, essa produção refletia em grande parte a preocupação dos formuladores da política externa brasileira de então acerca do “marco de autonomia possível da política externa, a partir do declínio da hegemonia norte-americana e das mudanças na política externa do país a partir de 1974” (Herz 2002, 18). Dentre outros trabalhos desenvolvidos nessa chave podemos citar os de Martins (1975), Lima (1986) e Camargo (1988). Mas, além dessa preocupação de ordem acadêmica e normativa sobre o período que lhes era contemporâneo, os estudiosos lançaram-se à investigação a respeito de períodos pretéritos em que as restrições sistêmicas, embora mais rígidas que as contemporâneas, não teriam impedido um comportamento mais autônomo por parte do Brasil (Hirst 1982; Moura 1980, dentre outros). Desenvolvia-se assim o campo de estudos sobre a Política Externa Brasileira, agora sob a égide da Analise de Política Externa. De fato, como bem notado por Lima, “no seu início, a área de Relações Internacionais [no Brasil] se confundia com a Análise de Política Externa e ambas eram identificadas como um campo disciplinar próprio, distinto das demais disciplinas que também iniciavam seu processo de institucionalização” (Lima, no prelo).

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Além disso, o fortalecimento da produção intelectual das comunidades acadêmicas stricto sensu (em acréscimo à produção intelectual de diplomatas, inicialmente muito influente) trouxe ângulos de visão bem mais receptivos à hipótese da existência de dissenso e mesmo de conflito interno sobre os rumos da política externa brasileira, interpretação em geral ausente da produção de autoria dos diplomatas em vista de sua incompatibilidade com o quadro cognitivo desses representantes dos interesses nacionais.

O fato é que, nos dias de hoje, em decorrência da expansão e da institucio-nalização de cursos de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais no País, assim como da formação de alguns profissionais em universidades estrangeiras com larga tradição na área, a produção da comunidade de estudiosos no Brasil no campo de estudos de APE é não apenas maior, mas sem sombra de dúvida feita a partir de um profícuo diálogo com a produção teórica e analítica de APE no mundo.

É de se notar que, embora a área de RI seja hoje muito maior em quantidade e em diversidade temática e teórica do que na sua formação original, isso não levou a uma redução do campo específico da APE nos estudos sobre política externa brasileira. Isso é visível tanto nas dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o tema como também na expressiva quantidade de trabalhos sobre a política externa brasileira apresentados nos encontros regulares das associações científicas nacionais e internacionais5. Da mesma forma, os periódicos nacionais especializados têm sido veículos privilegiados de divulgação de pesquisas na área6.

A liberalização do regime político brasileiro nos anos 1980 e a diversificação da pauta de interesses do País em decorrência do fim da Guerra Fria e da intensificação da globalização também são fatores que contribuíram fortemente a incrementar o interesse pelas ferramentas da APE para pensar a política externa brasileira, já que o aumento da participação de atores sociais nos debates e no processo de formulação da política externa brasileira, bem como o acesso mais democrático às informações sobre a política externa, estimularam os pesquisadores a investigar o papel desses novos atores na política externa.

Por fim, a crescente visibilidade do Brasil na comunidade internacional aumentou o interesse por parte de pesquisadores sobre a política externa do País, além de expandir ainda mais o leque de temas a constituir a agenda da política externa brasileira. Desse contexto resulta um retrato bastante promissor da área, cujas tendências resumiremos a seguir.

No corte mais convencional da APE, ou seja, aquele voltado para o exame das unidades de decisão e do processo decisório stricto sensu, os estudos sobre a

5 Em pesquisa realizada há quatro anos, constatou-se que entre 1998 e 2006 o tema de Política Externa Brasileira foi o mais presente nas dissertações e teses defendidas nos principais Programas de Pós-Graduação em Relações Internacionais, conforme registrado pelo sistema da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e que, entre 2000 e 2006, esse eixo de investigação ocupou o primeiro e segundo lugares dentre os trabalhos apresentados nas principais associações científicas brasileiras (Pinheiro 2008).

6 O mesmo não se pode dizer sobre os periódicos internacionais – particularmente os de língua inglesa –, que ainda registram baixíssima presença de autores da comunidade brasileira de estudiosos de política externa.

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política externa brasileira tem sido relativamente tímidos. De fato, para além de pesquisas que buscaram lançar luz sobre o funcionamento da arena decisória da política externa brasileira durante o período militar autoritário que, ao contrário do que afirmavam as teses então vigentes, demonstraram a grande complexidade do período (Gonçalves 1993; Pinheiro 2000), só recentemente surgiram novas perspectivas de trabalho nessa linha. Concorreu para esse renovado interesse a respeito das unidades decisórias a própria mudança ocorrida no cenário doméstico e internacional que potencializou a presença de novas unidades no processo de decisão. Assim, a presença dos governos subnacionais – municípios e estados – na construção de parcerias internacionais para o País tornou-se objeto de investigação de alguns pesquisadores (Vigevani 2004; Salomón 2011), assim como a ação externa dos chamados ministérios domésticos e outras agências federais, que vêm alterando a arquitetura da arena decisória, trouxe para o debate a literatura sobre minorias burocráticas (Kaarbo 1998), como fizeram Macedo (2008) e outros.

Deve-se registrar, igualmente como um primeiro passo na direção de reflexões mais analíticas, as pesquisas que buscam mapear esse novo arranjo institucional (Rivarola Puntigliano 2008; França e Sanchez Badin 2010; Figueira 2011; Pinheiro 2009). Apesar de a discussão sobre as conseqüências desta nova configuração (Pinheiro e Milani 2012) ser ainda incipiente, essa preocupação que encontra respaldo na literatura sobre Administração Pública, Políticas Públicas e Sociologia das Instituições certamente fornecerá insumos essenciais para futuras pesquisas de fôlego mais analítico. Ainda no campo de processo decisório, a análise cognitiva tem sido uma ferramenta utilizada com bastante sucesso. Arbilla (2000), por exemplo, demonstrou como os arranjos institucionais domésticos foram responsáveis por mudanças conceituais adaptativas e graduais e que a reformulação do quadro conceitual da diplomacia brasileira constituiu um complexo processo político no qual estava em jogo a própria implementação das mudanças nas respectivas agendas externas. Já Silva (1995) propôs uma análise a respeito da influência das ideias sobre a formulação da política externa brasileira focalizada na atuação do País na Liga das Nações e nas Nações Unidas utilizando uma série de enfoques que dão ênfase aos fatores ideacionais (Goldstein e Keohane 1993; Vetzberger 1990; Yee 1996).

Outros, embora claramente inseridos nesse mesmo campo, afirmam se inserir no campo do Construtivismo, o que só ajuda a confirmar as tangencias entre este e a análise cognitiva, conforme referido acima. Esse é o caso, por exemplo, de Saraiva e Briceño Ruiz (2009), que analisaram as percepções de atores políticos domésticos no interior dos maiores países membros do Mercosul a respeito do processo de integração, assim como as ideias presentes na esfera pública de apoio ou de rejeição ao bloco.

No campo das contribuições realistas, vale registrar a presença de um trabalho (Alves 2002) que irá buscar em Waltz as explicações para o comportamento do Brasil durante a 2ª Guerra Mundial. O mesmo Alves (2007) iria, anos mais tarde, retomar o realismo como perspectiva teórica para analisar comparativamente a

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posição do Brasil frente à 2ª Guerra Mundial e a guerra da Coreia. Dessa feita, porém, o autor busca na vertente neoclássica do realismo a explicação para o comportamento do Brasil, entendendo que variáveis intervenientes domésticas tiveram peso explicativo para os dois casos.

Já com relação ao viés liberal, os exemplos abundam. O modelo do Jogo de Dois Níveis tem despertado particular interesse dos estudiosos que examinam a política externa brasileira nos fóruns comerciais internacionais. Curiosamente, porém, esta que tem sido uma das linhas de investigação mais presentes no campo é também a que revela mais lacunas na utilização do modelo, talvez pela sua exigência intrínseca de ter que incorporar um considerável volume de dados empíricos. Ainda assim podemos citar como um exemplo, dentre vários outros, de sua utilização o trabalho de Oliveira (2003) sobre o contencioso do açúcar entre Brasil e Argentina no Mercosul.

O conceito de estruturas domésticas desenvolvido por Risse-Kapen (1995) também é um instrumento de investigação que vem sendo utilizado. Apoiado nele e com louvável atenção à pesquisa empírica, Carvalho (2003) trata do papel de grupos de interesse na formação da posição oficial brasileira para a III Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Seattle, em 1999. Da mesma forma, alguns pesquisadores têm lançado mão da contribuição de Martin (2000) e de Milner (1997) para analisar a relação entre Poder Executivo e Poder Legislativo na política externa brasileira. O trabalho de Alexandre (2006), por exemplo, apresenta resultados muito interessantes ao demonstrar a validade da hipótese de delegação sugerida por Martin no papel do Congresso Brasileiro na política externa. Em linha semelhante, a pesquisa de Castro Neves (2003) examina a relação entre os poderes Executivo e Legislativo na formulação da política externa com relação aos acordos do Mercosul e da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), apontando para o papel efetivo do Legislativo na defesa dos seus interesses, apesar da centralidade do poder Executivo no processo decisório em matéria de política externa. Vale destacar igualmente que o papel do Poder Legislativo vem sendo também avaliado a partir da investigação sobre como se comportam os grupos de interesse brasileiros na política comercial por meio da sua ação no Congresso Nacional (Oliveira e Onuki 2008).

Já o Construtivismo também tem atraído diversos pesquisadores interessados em avaliar a co-constituição agente e estrutura na política externa brasileira e não apenas o papel das ideias no comportamento dos formuladores de decisão, mas também de onde vêm essas ideias, crenças e valores e, mais, o que ocorre quando essas mesmas ideias são socialmente compartilhadas e permanecem válidas por um tempo mais longo. A titulo de exemplo, vale citar o trabalho de Mello e Souza (2007) a partir do modelo de Keck e Sikkink (1998) sobre a influência das redes de advocacia transnacional no sucesso brasileiro por ocasião da disputa comercial com os EUA em torno dos direitos de propriedade intelectual relativos a patentes farmacêuticas de remédios contra a Aids.

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Por fim, há também a opção por dialogar com outras disciplinas, expandindo assim as possibilidades de compreensão sobre a política externa brasileira. Esse é o caso, por exemplo, de Vedoveli (2010), que, por meio do estudo dos conceitos empregados por Rio Branco, Joaquim Nabuco e Oliveira Lima, associou a discussão sobre construção de identidade elaborada por Kratochwil (2006) às ferramentas da História, em particular da História dos Conceitos (Koselleck 1992).

Considerações finais

Nossa visão positiva sobre o presente e o futuro desse campo de estudos no Brasil não impede que apontemos para algumas lacunas que precisam ser prontamente preenchidas, considerando os trabalhos citados como exemplos das linhas epistemológicas e metodológicas mais contempladas atualmente no País. A primeira delas refere-se à discussão sobre a influência da opinião pública na formulação e conteúdo da política externa brasileira, carência já registrada por Faria (2008). Nesse sentido, de bom grado recebemos a pesquisa realizada por Franco publicada em 2009, assim como os surveys realizados com a chamada comunidade de política externa brasileira, conforme denominação de Souza, em duas diferentes oportunidades (2001, 2008). Da mesma forma, gostaríamos de registrar o survey, ainda em andamento, sob coordenação de Maria Hermínia Tavares de Almeida no âmbito do projeto do Centro de Investigación y Docencia Económicas (Cide/USP), intitulado O Brasil e o Mundo, cujos primeiros resultados já estão disponíveis ao público7. Não podemos deixar de sublinhar, entretanto, que o acesso aos dados não dispensa os pesquisadores de enfrentar a difícil tarefa de conceituar opinião pública, assim como de imputar causalidades.

Outra lacuna, a nosso ver mais surpreendente, refere-se aos estudos centrados no líder. Essa ausência nos chama atenção não apenas pela natureza do presidencialismo imperial brasileiro (Lima 2000), o que por si só já seria razão suficiente para avaliar as características particulares do mandatário na política externa; mas, igualmente – e ainda que de modo fortuito –, pelas características particulares dos nossos líderes mais recentes, cujos carisma, centralismo e ascendência apenas reforçam a importância dessa linha de investigação.

Por fim, cabe reafirmar que este artigo não pretendeu mais do que compartilhar com nossos leitores a nossa visão sobre o campo de estudos de APE e seu desenvolvimento no Brasil. Resta-nos apenas registrar que em nenhum momento pretendemos realizar um levantamento exaustivo da produção brasileira a respeito. Nosso objetivo foi tão somente indicar que perspectivas analíticas foram utilizadas – algumas mais intensamente, outras menos –, que diálogos interdisciplinares foram e têm sido realizados e que caminhos ainda podem e devem ser trilhados.

7 Disponível em <http://mexicoyelmundo.cide.edu/2010/ReporteLasAmericasyelMundo2010.pdf>.

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No entanto, para além dessa avaliação panorâmica, talvez valha reiterar um único aspecto. De fato, não só devido à sua relevância epistemológica, como também por seu caráter de estímulo para os que já se dedicam a pesquisas nesse campo de estudos e para os que ainda poderão vir, consideramos importante sublinhar aquela que é, a nosso modo de ver, a marca desse campo de estudos: sua pluralidade e abertura a novas perspectivas. Esse traço não apenas vem permitindo contemplar a própria reconfiguração pela qual passa a própria política externa nos dias atuais, como nos capacita como cidadãos a atuar sobre ela.

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Recebido em 23 de agosto de 2012Aprovado em 10 de fevereiro de 2013

Resumo

No artigo é apresentada uma visão panorâmica da subdisciplina Análise de Política Externa (APE), na tentativa de refletir a diversidade que caracteriza a prática e a pesquisa nesse campo. Também mostra como a APE está se desenvolvendo no Brasil. Na primeira seção se apresenta de maneira sucinta a evolução da subdisciplina. Na segunda seção são assinalados os vínculos entre as principais aproximações teóricas das Relações Internacionais (RI) e da APE. Na terceira revisamos como os instrumentos da APE têm sido usados para analisar a Política Externa Brasileira.

Palavras chave: Análise de Política Externa; Política Externa Brasileira; processo decisório.

Abstract

The article offers a wide-ranging view of the sub-discipline of Foreign Policy Analysis (FPA), trying to reflect the diversity which characterizes the practice and the research in the field. It also shows how FPA has being developing in Brazil. In the first section a brief evolution of the sub-discipline is traced. In the second section the links between the main theoretical International Relations (IR) approaches and FPA are shown. In the third section we review the uses of FPA instruments to analyze Brazilian Foreign Policy.

Keywords: Foreign Policy Analysis; Brazilian Foreign Policy; decision-making process.

Page 117: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

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DOCUMENTOS DA

Política Externa IndependenteVOLUME 2

Brasília, 2008

Alvaro da Costa Franco, org.

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MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Ministro de Estado Embaixador Celso Amorim Secretário-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO

Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

Centro de História eDocumentação Diplomática

Diretor Embaixador Alvaro da Costa Franco

A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao

sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira.

Ministério das Relações ExterioresEsplanada dos Ministérios, Bloco HAnexo II, Térreo, Sala 170170-900 Brasília, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034/6847Fax: (61) 3411-9125

Page 120: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

DOCUMENTOS DA

Política Externa IndependenteVOLUME 2

Page 121: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

Direitos de publicação reservados à Fundação Alexandre de Gusmão

Impresso no Brasil – 2008

Documentos da política externa independente / Alvaro da Costa Franco (Org.). – Rio de Janeiro : Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

356p.; v.2 ; 14 x 21 cm.

ISBN 978.85.7631.128-7

1. Brasil – Relações exteriores – Fontes. 2. Diplomacia. 3. Hermes Lima, 1902-1978. 4. Evandro Cavalcanti Lins e Silva, 1912-2002. 5. João Augusto de Araújo Castro, 1919-1975. I Centro de História e Documentação Diplomática. II. Fundação Alexandre de Gusmão.

Page 122: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

5

Sumário

Apresentação ... 13

A Política Externa Independente (1961-64):

história e diplomacia / PAULO FAGUNDES VIZENTINI ... 17

Gestão Hermes Lima

DOCUMENTO 1

Palavras do ministro Hermes Lima ao receber o cargo

de ministro das Relações Exteriores ... 35

DOCUMENTO 2

Notícia sobre a posse do primeiro-ministro Hermes Lima

no cargo de ministro das Relações Exteriores, publicada

pelo jornal “O Globo” ... 36

DOCUMENTO 3

Discurso do presidente João Goulart na cerimônia de diplomação

dos alunos do Instituto Rio Branco, em 22 de outubro de 1962 ... 38

DOCUMENTO 4

Nota oficial do presidente do Conselho de Ministros, distribuída

à imprensa, em 24 de outubro de 1962, acerca do voto do Brasil

sobre a questão de Cuba, no Conselho da OEA ... 42

DOCUMENTO 5

Entrevistas do ministro Aluysio Regis Bittencourt sobre o

intercâmbio com o Leste Europeu ... 43

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Page 123: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

6 CHDD

DOCUMENTO 6

Discurso do presidente João Goulart na 51ª Conferência

Interparlamentar ... 56

DOCUMENTO 7

Registro da reunião do chanceler Hermes Lima com líderes

partidários da Câmara e do Senado ... 59

DOCUMENTO 8

Entrevista coletiva concedida pelo chanceler Hermes Lima à

imprensa5 ... 66

DOCUMENTO 9

Discurso do ministro Hermes Lima, na instalação do COLESTE,

em 27 de dezembro de 1962 ... 71

DOCUMENTO 10

Resumo das atividades da delegação do Brasil à XVII sessão

da Assembléia Geral da ONU ... 75

DOCUMENTO 11

Trecho do relatório preparado pelo ministro Miguel Álvaro Osório

de Almeida, sobre os trabalhos da segunda comissão, item 36 da

agenda, da XVII sessão da Assembléia Geral da ONU:

Conferência Internacional de Comércio e Desenvolvimento ... 89

DOCUMENTO 12

Instruções à delegação do Brasil à primeira reunião da comissão

preparatória da Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento ... 92

DOCUMENTO 13

Conclusões do conselheiro Antonio Houaiss sobre os trabalhos

da quarta comissão da XVII Assembléia Geral da ONU ... 99

DOCUMENTO 14

Entrevista coletiva do embaixador Jayme Azevedo Rodrigues,

secretário-geral adjunto para Assuntos Econômicos ... 105

DOCUMENTO 15

Declaração conjunta dos presidentes da Bolívia, Brasil, Chile,

Equador e México sobre desnuclearização da América Latina.

Mensagens trocadas entre os presidentes João Goulart, do Brasil,

e Adolfo López Mateos, do México ... 109

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Page 124: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

Documentos da Política Externa Independente 7

DOCUMENTO 16

Entrevista concedida pelo embaixador João Augusto de Araújo

Castro ao “Jornal do Brasil”, em 2 de junho de 1963 ... 118

DOCUMENTO 17

Nota do governo brasileiro sobre a suspensão dos testes nucleares,

de 12 de junho de 1963 ... 128

Gestão Evandro Lins e Silva

DOCUMENTO 18

Discurso de posse do ministro de Estado das Relações Exteriores,

Evandro Cavalcanti Lins e Silva ... 133

DOCUMENTO 19

Discurso do chanceler Evandro Lins e Silva no almoço

que ofereceu aos diretores de jornais brasileiros, no Palácio Itamaraty,

em 11 de julho de 1963 ... 138

DOCUMENTO 20

Discurso do chanceler Evandro Lins e Silva, na posse

do secretário-geral de Política Exterior, embaixador João Augusto

de Araújo Castro, em 12 de julho de 1963 ... 142

DOCUMENTO 21

Discurso do embaixador João Augusto de Araújo Castro,

na cerimônia de posse no cargo de secretário-geral de Política

Exterior, em 12 de julho de 1963 ... 144

DOCUMENTO 22

Discurso do chanceler Evandro Lins e Silva, no encerramento

da VI Conferência Brasileira de Comércio Exterior, realizada

em Belo Horizonte, no dia 20 de julho de 1963 ... 149

DOCUMENTO 23

Declaração do representante do Brasil no Conselho de Segurança,

sobre a situação dos territórios sob dominação portuguesa ... 155

DOCUMENTO 24

Entrevista concedida pelo embaixador João Augusto de Araújo Castro

ao “Correio da Manhã”, sobre o Tratado Parcial de Proscrição das

Experiências Nucleares, em 26 de julho de 1963 ... 161

PEI_00.pmd 2/10/2008, 12:357

Page 125: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

8 CHDD

DOCUMENTO 25

Declaração do presidente João Goulart sobre a assinatura, por parte

do Brasil, do tratado que proíbe as experiências nucleares ... 164

DOCUMENTO 26

Entrevista concedida pelo secretário-geral do Itamaraty,

João Augusto de Araújo Castro, ao “Jornal do Brasil”,

em 3 de agosto de 1963 ... 166

DOCUMENTO 27

Entrevista concedida pelo chanceler Evandro Lins e Silva

à revista “Manchete”, em 10 de agosto de 1963 ... 168

Gestão Araújo Castro

DOCUMENTO 28

Discurso de posse do embaixador João Augusto de Araújo Castro

no cargo de ministro das Relações Exteriores ... 175

DOCUMENTO 29

Trecho do relatório, preparado pelo secretário Eduardo Moreira

Hosanah, sobre o Pacto Multilateral de Não-Agressão, no âmbito

da Conferência do Comitê das Dezoito Potências sobre

Desarmamento ... 181

DOCUMENTO 30

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro

ao “Diário de Notícias”, em 2 de setembro de 1963 ... 183

DOCUMENTO 31

Discurso do chanceler João Augusto de Araújo Castro,

na solenidade de posse do secretário-geral do Ministério das

Relações Exteriores, embaixador Aguinaldo Boulitreau Fragoso,

em 11 de setembro de 1963 ... 186

DOCUMENTO 32

Discurso do embaixador João Augusto de Araújo Castro na abertura

da XVIII sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas,

em 17 de setembro de 1963 ... 188

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Page 126: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

Documentos da Política Externa Independente 9

DOCUMENTO 33

Entrevista concedida pelo secretário-geral Boulitreau Fragoso

ao “Jornal do Brasil”, em 20 de outubro 1963 ... 212

DOCUMENTO 34

Discurso do chanceler João Augusto de Araújo Castro

na inauguração das sessões de nível técnico da II Reunião Anual

Ordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social,

em 30 de outubro de 1963 ... 220

DOCUMENTO 35

Discurso do presidente João Goulart na inauguração das sessões

em nível ministerial da II Reunião do Conselho Interamericano

Econômico e Social ... 226

DOCUMENTO 36

Projetos de explicação de voto brasileiro sobre a questão

dos territórios portugueses ... 232

DOCUMENTO 37

Instruções sobre a posição brasileira na XVIII Assembléia Geral

da ONU, a respeito dos territórios portugueses ... 234

DOCUMENTO 38

Esclarecimentos sobre a posição do Brasil na II Reunião do Conselho

Interamericano Econômico e Social ... 235

DOCUMENTO 39

Declaração de voto do representante do Brasil, embaixador Ilmar

Penna Marinho, no Conselho da OEA, sobre a queixa da Venezuela

contra Cuba, em 3 de dezembro de 1963 ... 239

DOCUMENTO 40

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro

ao “Jornal do Brasil”, em 29 de dezembro de 1963 ... 240

DOCUMENTO 41

Discurso pronunciado pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro,

em 31 de dezembro de 1963 ... 248

DOCUMENTO 42

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro

ao “Diário de Notícias”, em 5 de janeiro de 1964 ... 250

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Page 127: Compilado de Textos de Política Externa Brasileira

10 CHDD

DOCUMENTO 43

Nota sobre proposta brasileira no Conselho de Segurança da ONU,

a respeito de incidentes ocorridos na zona do canal do Panamá,

distribuída à imprensa em 11 de janeiro de 1964 ... 254

DOCUMENTO 44

Discurso do presidente João Goulart sobre a regulamentação da Lei

de Remessa de Lucros, em 20 de janeiro de 1964 ... 255

DOCUMENTO 45

Discurso do ministro João Augusto de Araújo Castro, por ocasião

da homenagem que lhe foi prestada pelo Instituto Brasileiro-Judaico

de Cultura e Divulgação, em 24 de janeiro de 1964 ... 263

DOCUMENTO 46

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro

à revista “Manchete” ... 268

DOCUMENTO 47

Entrevista concedida pelo embaixador Jayme Azevedo Rodrigues,

secretário-geral adjunto para Assuntos Econômicos do Itamaraty,

ao “Jornal do Brasil” ... 277

DOCUMENTO 48

Discurso do chanceler João Augusto de Araújo Castro na sessão

de instalação da Comissão Interministerial Preparatória da

Conferência Internacional de Comércio e Desenvolvimento,

em 19 de fevereiro de 1964 ... 282

DOCUMENTO 49

Resumo noticioso, distribuído à imprensa, acerca dos objetivos e

resultados da reunião da Comissão Especial de Coordenação

Latino-Americana, realizada em Alta Gracia, de 24 de fevereiro

a 6 de março de 1964 ... 295

DOCUMENTO 50

Instruções para a delegação do Brasil à Conferência das Nações

Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCD) ... 298

DOCUMENTO 51

Artigo do ministro João Augusto de Araújo Castro, publicado

no “Jornal do Brasil”, em 15 de março ... 322

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DOCUMENTO 52

Trecho da mensagem do presidente da República ao Congresso

Nacional, na abertura da sessão legislativa de 1964,

em 15 de março ... 327

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Apresentação

Cobre este segundo volume dos Documentos da Política Externa Indepen-dente o período de 24 de setembro de 1962 a 31 de março de 1964, da possede Hermes Lima como ministro das Relações Exteriores à queda do pre-sidente João Goulart; um ano e seis meses de grande efervescência políticano Brasil e de mutações no panorama internacional em virtude da transiçãoda Guerra Fria para período da coexistência entre as duas superpotências.

A instabilidade interna explica a rápida sucessão de três ministrosneste ano e meio, com gestões curtas (nove meses para Hermes Lima, doispara Evandro Lins e sete para Araújo Castro). Hermes Lima, que no iní-cio de sua gestão era também primeiro-ministro, continuou na pasta sob oregime presidencial, restaurado depois do plebiscito de 6 de janeiro de 1963.A 12 de julho do mesmo ano foi sucedido por Evandro Cavalcanti Lins eSilva, que exerceria as funções por não mais de dois meses. Substituiu-o,a 22 de agosto, João Augusto de Araújo Castro, que, desde 12 de julho,exercia as funções de secretário-geral do Itamaraty.

A bipolaridade característica do período da Guerra Fria abria espaçopara a política exterior dos países que não se queriam jungidos a um ou outrodos blocos militares e que se julgavam capazes de contribuir para a paz epara uma nova concepção da sociedade internacional. É neste espaço,ampliado pelo degelo nas relações americano-soviéticas, que o Brasil pro-curava agir, guardando o máximo possível de sua liberdade de movimentoe não integrando, por isso mesmo, o bloco não-alinhado em formação.

Definir uma política a partir de uma reavivada consciência dos inte-resses nacionais, buscar aproximação com os países que, partilhando amesma problemática, tinham conosco evidentes afinidades, e, identifica-

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dos os objetivos estratégicos comuns, delinear as táticas mais adequadasaos diversos cenários internacionais em que éramos chamados a atuar: eiso plano genérico em que procurava agir nossa diplomacia. O clima internonão era propício a uma política exterior madura e equilibrada. Grupos ra-dicais de esquerda e de direita secretavam declarações panfletárias, a quealgumas entrevistas e declarações ministeriais procuravam responder. Ascurtas gestões dos três ministros, reflexo da instabilidade política interna,o freqüente apelo de altas instâncias da República a uma retórica radical,a pluralidade do discurso do governo, muitas vezes contraditória em suasdiversas expressões, desenhavam um quadro que muito afetava acredibilidade de nossa política exterior. O profissionalismo dos funcioná-rios do Itamaraty, em seus diversos níveis, a alta competência de homenscomo Carlos Alfredo Bernardes ou João Augusto de Araújo Castro, queexerceram a secretaria-geral e, no caso do último, a própria chefia do Ita-maraty no período, asseguraram o equilíbrio, maturidade e qualidade daformulação da política externa brasileira neste ano e meio de turbulênciasinternas. Outros funcionários, quadros de notável qualidade, pela inteli-gência, competência e inventividade, também foram importantes naformulação e execução desta política. É por isso que, entre os documentosora publicados, incluímos, além dos textos de responsabilidade dos titula-res da pasta, alguns da lavra destes altos quadros auxiliares, que deramvaliosas contribuições à formulação da PEI. Refiro-me, entre outros, anomes como Jaime Azevedo Rodrigues, Miguel Osório de Almeida, An-tonio Houaiss, que, exercendo ou não cargos de chefia, tiveram grandeinfluência na formulação da política exterior deste período. Procuramosselecionar documentos que bem representassem seu ideário, suas áreas deatuação e seu aporte à PEI.

A superação das dificuldades geradas pelo clima interno, num con-texto internacional de grande complexidade, veio comprovar a alta quali-dade dos quadros profissionais do Itamaraty. A agenda internacional, comitens como o desarmamento, a descolonização, as questões do desenvolvi-mento econômico, a situação de Cuba no hemisfério ocidental, trazia à bailaa discussão de temas em que o Brasil tinha uma contribuição a oferecer,original, porque pautada pelo interesse nacional e pelos traços fundamen-

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tais de nossa formação e de nossa cultura. Foi neste contexto que o Brasil,fiel a nossas tradições de não-intervenção e respeito à autodeterminação dospovos, assumiu uma posição independente na questão de Cuba na OEA,promoveu a desnuclearização da América Latina, propugnou pela políticade progressiva redução dos testes nucleares, continuou a apoiar – ainda quecom os matizes introduzidos pelas relações com Portugal – o processo dedescolonização e assumiu, na América Latina, um papel de nítida influên-cia e, mesmo, liderança na condução das negociações que levaram à con-vocação da Conferência de Comércio e Desenvolvimento, a qual se achariaem plenos trabalhos em 31 de março de 1964.

A postura do Brasil foi magnificamente delineada no discurso pro-nunciado pelo ministro Araújo Castro na abertura da XVIII sessão daAssembléia Geral da ONU, em 19 de setembro de 1963, oração que cons-titui a melhor síntese do que foi e do que poderia ter sido a Política ExternaIndependente.

Os documentos ora publicados foram coligidos, preponderantemen-te, entre as circulares que, dirigidas aos postos no exterior, compendiavam,por assim dizer, os fatos e posturas mais relevantes de nossa política exter-na: discursos, entrevistas à imprensa, que revelam a face pública daatividade diplomática, e instruções, que vão ao âmago do processo decisório.Foram pesquisados nos arquivos do Itamaraty, no Rio de Janeiro, com acolaboração do arquivo de Brasília. Recorremos também ao Arquivo Na-cional e, para os textos da imprensa, à Biblioteca Nacional. Não encontramosentre os papéis deixados pelos ministros Hermes Lima e Evandro Lins, queprocuramos prospectar, documentos relevantes para nosso tema. Segundonos foi informado, os três ministros, responsáveis pela pasta no período, nãodeixaram arquivos particulares que nos revelassem documentos pertinen-tes à nossa pesquisa.

Cabe ainda ressalvar que a seleção dos documentos foi condiciona-da pelas imposições editoriais e pelo fato de que os arquivos do Itamaratyrelativos ao período se encontram em Brasília, longe, portanto da sede doCHDD. Os estudiosos poderão, certamente, identificar algumas lacunas,mas pensamos que o material publicado contém o essencial para o conhe-cimento de uma fase importante de nossa política externa.

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Privilegiamos os temas multilaterais, mais significativos e de maiorrepercussão internacional, em detrimento das questões bilaterais. Além dedeclarações e entrevistas à imprensa e pronunciamentos de caráter geral,do chefe de Estado, do ministro do Exterior ou do secretário-geral, incluí-mos alguns textos da autoria de funcionários, como os já citados, porquereveladores do processo decisório do ministério e de como se estruturava opensamento político da chancelaria. Embora recentemente publicado (inO Brasil nas Nações Unidas, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, organizador,FUNAG, Brasília, 2007), julgamos que o texto do discurso do ministroAraújo Castro na abertura do debate geral da XVIII Assembléia Geral daONU, em setembro de 1963, um dos mais importantes documentos sobrea Política Externa Independente, não poderia faltar a este volume.

A maior parte dos documentos foi transcrita na sua íntegra; nas pou-cas exceções, as linhas pontilhadas indicam os trechos não transcritos. Aortografia foi atualizada.

A pesquisa foi realizada no arquivo do Itamaraty, no Rio de Janeiroe Brasília; no CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, e na BibliotecaNacional. Contou com a colaboração de Tiago Coelho Fernandes, quesupervisionou a transcrição, feita por Rael Fiszon Eugênio dos Santos,Roberta Cristina da Silva Cruz, ambos da UFF, e Dayane da Silva Nas-cimento, da UERJ, todos estudantes de história, estagiários no CHDD.

À guisa de introdução, publicamos o estudo do professor Paulo Gil-berto Fagundes Vizentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,grande conhecedor do tema, cuja colaboração muito agradecemos. Permi-te a contextualização dos documentos e nos dá uma interessante visão doque foi a PEI. É, de certa forma, o primeiro trabalho interpretativo estimu-lado pelo presente livro, ao qual – assim esperamos – outros sucederão.

Alvaro da Costa Franco

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A Política Externa Independente (1961-64): história e diplomaciaPaulo Fagundes Vizentini*

A política externa nacionalista e independente do Brasil deve objetivaro interesse nacional do desenvolvimento. Política externa para o de-

senvolvimento significa que (...) nossa ação diplomática deve sermotivada principalmente pela preocupação de assegurar os meios e

recursos de ordem externa necessários à expansão da economia bra-sileira, com vistas a contribuir para a crescente emancipação política

e social da comunidade nacional.A política externa para o desenvolvimento, nacionalista e independen-

te, identifica de imediato a posição internacional do Brasil como a deum dos protagonistas de maior responsabilidade no contexto do con-

flito Norte-Sul, que opõe as nações ricas às nações pobres.(Editorial da revista Política Externa Independente, número 3, 1965.)

A Política Externa Independente, que identificou o discurso diplo-mático brasileiro de janeiro de 1961 a março de 1964, tem sido consideradapor muitos como uma experiência perdida entre dois períodos de alinha-mento com os Estados Unidos. Outros a consideram uma mera manobratática, tanto em termos de política interna como externa. Não poucos vêemnela um exercício de voluntarismo inconseqüente, que teria contribuído parao desencadeamento do golpe de 1964, enquanto alguns a consideram uma

* Professor titular de História das Relações Internacionais da UFRGS ([email protected]).As opiniões expressas neste ensaio são de responsabilidade exclusiva do autor.

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tentativa corajosa de buscar autonomia internacional, com base nas neces-sidades do desenvolvimento industrial do Brasil. Provavelmente, todos têmrazão, de uma ou de outra maneira. Mas, talvez, seja necessário acrescen-tar que ela marcou o ponto de inflexão em nossa história diplomática, como início de uma nova fase da política externa brasileira: a mundial e multi-lateral.1 Depois de um longo período, que se iniciou na colônia e se estendeuaté o fim do século XIX e foi marcado pela inserção voltada para a Europae a construção do espaço nacional, houve uma segunda fase, definida pelalógica hemisférica e pela aliança com os Estados Unidos.

Os anos 1950 haviam sido marcados por uma crescente politizaçãoe polarização da política externa, com o antagonismo entre as correntes doamericanismo (“entreguismo”) e do neutralismo (“nacionalismo”), segun-do José Humberto de Brito Cruz.2 A primeira posição seria expressa pelogeneral Golbery do Couto e Silva e pela Escola Superior de Guerra (ESG),enquanto a segunda era inspirada por Hélio Jaguaribe e pelo InstitutoSuperior de Estudos Brasileiros (ISEB). Com base nas tensões e na expe-riência acumuladas nesse período, mas especialmente devido à lógicainerente ao processo de industrialização, os limites foram rompidos e o Brasilbuscou explorar a relação com outras regiões do planeta e, por meio dessa,renegociar a cooperação com Washington.3 A Operação Pan-Americana(1958), iniciativa do governo Kubitschek, embora focada ainda no âmbitohemisférico e convergente com os EUA, demonstrou uma nova postura emtermos de protagonismo e de esfera de atuação, a multilateral. Assim, aOPA prenunciava uma mudança de postura diplomática.

O crescimento econômico acelerado ocorrido no governo JK trouxeraalgumas conseqüências indesejáveis e, em 1961, a crise econômica atingianíveis preocupantes. A depreciação dos preços dos produtos primários

1 N.A. – SILVA, José Luiz Werneck da. As duas faces da moeda: a política externa do Brasilmonárquico. Rio de Janeiro: Univerta, 1990.

2 N.A. – CRUZ, José Humberto de Brito. Aspectos da evolução da diplomacia brasileirano período da Política Externa Independente. Cadernos do IPRI, Brasília: FUNAG, n.2, p. 65-78, 1989. “Ensaios da História Diplomática do Brasil (1930-1986)”.

3 N.A. - VIZENTINI, Paulo. Relações Exteriores do Brasil (1946-1964). O nacionalismo e aPolítica Externa Independente. Petrópolis: Vozes, 2004.

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exportados pelo Brasil era expressiva, enquanto os EUA já não absorviamum grande volume de exportações brasileiras. Tratava-se do declínio dacomplementaridade entre as duas economias. A inflação, a dívida externa,as pressões do FMI e a falta de investimentos internacionais completavamo quadro. Acentuara-se o déficit provocado por uma saída de capitais su-perior ao seu ingresso. No plano sócio-político, a realidade nacionalapresentava uma nova faceta. A eleição de Jânio Quadros contou com odobro de sufrágios em relação à de 1945, evidenciando quantitativamenteuma mudança que era, em essência, qualitativa. A urbanização e a indus-trialização haviam alterado o perfil da sociedade brasileira, dando, assim,novo sentido à atuação política e à prática dos dispositivos da Constituiçãode 1946, uma e outra sob pressão de segmentos populares e das classesmédias. Essa situação refletiu-se na política exterior brasileira, que, cadavez mais, passou a ser objeto de disputas ideológicas e galgou posição im-portante no debate político nacional.

O contexto mundial, por seu turno, apresentava transformações sig-nificativas, no início dos anos 60. A Comunidade Econômica Européia eo Japão haviam completado sua recuperação econômica e se voltado à com-petição econômica, em algumas áreas, com os EUA, rearticulando certaclivagem entre os países desenvolvidos. O processo de descolonização – aoestender o sistema westfaliano ao conjunto do planeta, com a emergênciade dezenas de novos Estados independentes – mudava significativamen-te a face do sistema mundial. A atuação política desses países alteravasensível e progressivamente o equilíbrio da ONU e encontrava expressãoe continuidade no nascente Movimento dos Países Não-Alinhados. Pode-se afirmar que, só então, o Terceiro Mundo materializava-se como realidadeinfluente nas relações internacionais, tendendo a esboçar uma terceiraposição. O campo socialista, sob hegemonia soviética, consolidava-se noplano econômico e diplomático, tornando-se uma nova alternativa dentrodo sistema mundial, enquanto a Revolução Cubana produzia um forteimpacto na América Latina e obrigava a política norte-americana a umaimportante mudança de perspectiva.

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É nesse contexto interno e externo que conservadores, como o presi-dente Jânio Quadros e seu chanceler Afonso Arinos, formalizaram adiplomacia caracterizada como uma política externa independente (PEI),melhor definida e aprofundada pelo chanceler San Tiago Dantas (quan-do passa à maiúscula). O impacto que a personalidade de Jânio Quadrosexerceu não pode ser minimizado. Durante a campanha e depois de elei-to, ele sinalizou claramente a emergência de uma nova linha diplomática,indo a Havana e Moscou, com vistas a produzir impacto na imprensa. Seuadversário, nacionalista e “de esquerda”, não teve coragem para tanto. Eranecessário romper com certas posturas diplomáticas, que estavam se tornan-do anacrônicas e disfuncionais.

Os princípios da PEI podem ser aglutinados em cinco postuladosbásicos:

a) a defesa da paz, da coexistência pacífica e do desarmamento geral;b) o apoio aos princípios de não-intervenção e autodeterminação dos

povos, dentro da estrita obediência ao direito internacional;c) o suporte à emancipação dos territórios ainda não autônomos, sob

qualquer designação jurídica;d) autonomia na formulação de projetos de desenvolvimento econô-

mico e na implementação de ajuda internacional;e) a ampliação dos mercados externos para a produção brasileira,

através de facilidades alfandegárias em relação à América Latinae da intensificação do comércio com todos os países, inclusive os dacomunidade socialista.4

Taticamente, a PEI retomava certas linhas básicas da Operação Pan-Americana, agora numa conjuntura mais favorável. Buscava, também,alcançar uma posição de maior autonomia diplomática, ampliando sua atu-ação do subsistema regional para o sistema mundial, através da exploraçãodas possibilidades oferecidas pelo novo contexto internacional. A par des-

4 N.A. – SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Política Externa Independente.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. p. 6.

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ses aspectos, a Política Externa Independente empregou o nacionalismocomo forma ideológica de integração dos esforços para promover a indus-trialização brasileira, que, paralelamente, tanto carreava apoio internodurante os momentos de crise, quanto articulava forças políticas visando aresistir às pressões dos EUA, que contribuíam para a obstrução do desen-volvimento nacional. Nesse sentido, a postura de converter a política externanum instrumento para a concretização de um projeto nacional de desenvol-vimento, já esboçada pelos governos dos anos 50, amadurece.

Além disso, a situação de crise aguda fez com que as vacilações an-teriores fossem deixadas de lado. Finalmente, há que salientar a influênciada concepção nacionalista de De Gaulle nessa política, a qual consideravaindispensável a auto-afirmação dentro da aliança ocidental, criticando asubordinação ao Estado hegemônico na luta contra o adversário comum.Quadros apresentava a PEI não como uma terceira, mas, sim, como uma“quarta posição” nas relações internacionais, já que a tinha não como neu-tralista ou não-alinhada, apesar do seu evidente parentesco com estas duasatitudes. Em seu modo de ver, ela se caracterizava, pragmaticamente, peladefesa da independência em relação aos blocos, pelo estabelecimento derelações econômicas com todos os Estados, mantendo, entretanto, os prin-cípios democráticos e cristãos. Ou seja, como quase neutralismo.

Apesar de seu curto governo (sete meses), Jânio Quadros revolucionouas relações exteriores do Brasil. A heterodoxia diplomática contrapunha-se,entretanto, à ortodoxia político-econômica interna, a qual visava a conquis-tar a confiança da comunidade financeira internacional. O programa deausteridade recebeu aplausos do FMI, o que permitiu um melhor trata-mento para a dívida externa e um relativo sucesso no plano econômicoexterno, mas que se revelou apenas um alívio temporário. O Itamaratypassou por uma ampla reestruturação, ampliando-se sua capacidade deação e criando-se setores especializados em assuntos africanos e leste-europeus.

Os poucos meses de governo Quadros foram bastante movimenta-dos no campo da política exterior. No tocante às relações com o camposocialista, iniciaram-se as providências para o reatamento diplomático coma URSS e foi enviada a missão João Dantas à Europa Oriental, para tratar

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do estreitamento de vínculos comerciais, particularmente com a Repúbli-ca Democrática Alemã. À República Popular da China, dirigiu-se umamissão oficial, encabeçada pelo vice-presidente João Goulart. A inclusão,na agenda da ONU, da questão sobre o ingresso da República Popular daChina naquela organização recebeu apoio brasileiro. Além disso, o presi-dente condecorou o cosmonauta Iuri Gagarin e os integrantes da Missãode Boa-Vontade da União Soviética. A oposição a essa política foi ferrenhapor parte dos grupos conservadores, mas Jânio não pareceu se intimidar.

Com relação ao Terceiro Mundo, Quadros apoiou explicitamente oprocesso de descolonização, particularmente da África portuguesa. A fir-meza do presidente frente a Lisboa evidenciou-se, por exemplo, quandocontrariou Salazar no incidente do navio português Santa Maria. O apoioà descolonização da África lusitana possuía objetivos materiais bem defi-nidos, pois a manutenção de vínculos entre as colônias (concorrentes daprodução primária brasileira) e suas metrópoles dificultava as exportaçõesnacionais, além do que as jovens nações constituíam um mercado alterna-tivo (troca de produtos industriais pouco sofisticados por petróleo). Quadrosconsiderava que o Brasil, por sua dupla origem européia e africana e pelofato de não haver sido uma potência colonial, poderia servir de ponte paraÁfrica. No mundo afro-asiático, foram criadas várias embaixadas e consu-lados. Foram enviados, também, observadores diplomáticos à ConferênciaNeutralista do Cairo e à Conferência dos Não-Alinhados, em Belgrado.Essa postura terceiro-mundista representava uma alteração sem preceden-tes dentro da política exterior brasileira.

No tocante ao subsistema regional, as tensões não foram menos gra-ves. A Revolução Cubana adquirira tal repercussão continental que levouos EUA a alterar sua política latino-americana, transitando do descaso dosanos 50, em relação aos pedidos de ajuda ao desenvolvimento, à implan-tação de um vasto programa de auxílio externo, de nítido conteúdoreformista – a Aliança para o Progresso, que esvaziou o que restava daOperação Pan-Americana. Tal aliança era, claramente, uma resposta daadministração democrata de Kennedy ao desafio representado por Hava-na. O Brasil a considerava insuficiente, mas necessária, pois a ALPRO eraafinada à ideologia da Política Externa Independente em seu chamadoreformista. Afinal, segundo o discurso oficial, esta buscava “o interesse do

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Brasil, visto como um país que aspira ao desenvolvimento e à emancipa-ção econômica e à conciliação histórica entre o regime democráticorepresentativo e uma reforma social capaz de suprimir a opressão da clas-se trabalhadora pela classe proprietária”.5 Apesar dessa alteração naconduta de Washington, a diplomacia brasileira acabou defendendo a não-intervenção e a autodeterminação em relação a Cuba.

Em abril de 1961, fracassava o desembarque contra-revolucionárioapoiado pela CIA na Baía dos Porcos. O Brasil preocupava-se sobrema-neira com os rumos dos acontecimentos e aproveitava a situação paraimplementar uma aproximação com a Argentina. Alguns dias depois dofracasso da Playa Girón, foi assinado o Tratado de Uruguaiana, prevendoconsultas mútuas no campo das relações exteriores, o intercâmbio de infor-mações e a aproximação econômica Brasil-Argentina, esta aberta aosdemais países latino-americanos. Logo em seguida, Quadros condecorouo ministro da Economia, “Che” Guevara, quando este retornava de Puntadel Este, onde fora lançada a Aliança para o Progresso. Tratava-se daafirmação da autonomia brasileira face aos EUA, embora de forma teatral.

Obviamente, a linha de Quadros na política exterior despertou fer-renha oposição. Premido por contradições crescentes, o presidenterenunciou, na esperança de receber poderes excepcionais; mas, o golpe deEstado falhou e teve início uma crise política que teria seu desfecho somenteem 1964. Os militares e os setores conservadores negaram-se a permitir oregresso do vice-presidente João Goulart, que se encontrava na China. Foipreciso que o Movimento pela Legalidade, deflagrado a partir do sul pelogovernador Leonel Brizola – com suporte do III Exército, contando comapoio da esquerda e de amplos segmentos populares – garantisse a possede Goulart, embora com poderes limitados pela adoção do parlamentaris-mo, que vigorou até janeiro de 1963. O governo Goulart teria,permanentemente, um caráter improvisado, gastando boa parte de seuesforço na tentativa de ocupar o espaço institucional que lhe era devido, paraenfrentar a crise que se agravava perigosamente.

5 N.A. – SAN TIAGO DANTAS, op. cit., p. 5.

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Durante o gabinete Tancredo Neves, San Tiago Dantas ocupou oMinistério das Relações Exteriores, levando a PEI ao seu auge e concre-tizando algumas providências iniciadas no governo Quadros, como, porexemplo, o reatamento com a URSS. A animosidade americana para como governo brasileiro e sua diplomacia intensificou-se com a posse de Goularte agravou-se, em janeiro de 1962, durante a Reunião dos ChanceleresAmericanos em Punta del Este. Nela, o Brasil defendeu a negociação deum acordo de obrigações negativas com Havana, para evitar a adesão da ilhaao campo soviético, bem como a possibilidade de intervenção americana.Cuba foi expulsa da OEA, com a abstenção do Brasil e de outros países.Além disso, a encampação de empresas estrangeiras, promovida por Brizolae outros governadores, e a aprovação da lei limitando a remessa de lucrosao exterior levaram Brasília à rota de colisão com Washington. O FMI in-terrompeu seus empréstimos ao Brasil, obrigando Goulart a retomar ocaminho latino-americano esboçado por Quadros em Uruguaiana. Um dosresultados dessa política, além de maior acercamento à Argentina, foi aviagem presidencial ao México.

A escalada do antagonismo Brasil-EUA aprofundava-se, com atitu-des como a condenação implícita do Brasil à política nuclear americana e ovoto contra as explosões atômicas na atmosfera, ambas assumidas duran-te a Conferência sobre Desarmamento em Genebra. Embora o fato, em si,não fosse decisivo, a conjuntura regional e o estado das relações bilateraisconferiam-lhe certa gravidade. Mais sério fora, sem dúvida, a questão daremessa de lucros e as encampações promovidas por Leonel Brizola (e outrosgovernadores), cuja audácia irritava profundamente o governo americano.Uma última possibilidade de acordo deu-se com a ida de San Tiago Dantasa Washington, então na qualidade de ministro da Fazenda. O regimeparlamentarista e a instabilidade político-social levaram o governo a pro-mover várias reformas ministeriais. Em julho de 62, Dantas foi substituídopor Afonso Arinos na chancelaria, que, em setembro, passou a ser ocupa-da por Hermes Lima. Em junho de 63, Evandro Cavalcanti Lins e Silvatornava-se titular do cargo e, em agosto, Araújo Castro, permanecendo esteaté a derrubada do governo, em 64. O presidencialismo, por seu turno, fora

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restabelecido em decorrência da emenda constitucional baseada no plebis-cito de janeiro de 1963.

As concessões feitas por Dantas aos americanos visavam à liberaçãode recursos para o Brasil. Descontente com o que qualificou de “negocia-ta”, quanto às encampações, Brizola ocupou uma cadeia de rádio,denunciando os acordos que iam ser assinados por Goulart. As profundasrepercussões políticas levaram à queda de San Tiago Dantas, a qual elimi-nou a possibilidade de qualquer acordo com Washington. Signo dessaatitude foi a renúncia de Roberto Campos, embaixador nos EUA. Estesfatos coroaram um processo de inviabilização da PEI, iniciado com a Crisedos Mísseis de outubro de 1962, quando a argumentação até então defen-dida pela diplomacia brasileira perdeu sua sustentação material.

A partir desse momento, a ingerência americana na política internabrasileira, concretamente na preparação da derrubada do governo JoãoGoulart, passou a ser decisiva. Todavia, não se pode afirmar que a PEIexecutada por Goulart não tenha procurado acordos com Kennedy, comquem tinha boas relações e, até, adotado certa postura conservadora. Eleacatou a negação de vistos de entrada a personalidades mundiais quedesejavam participar do Congresso Internacional da Solidariedade a Cuba,em abril de 1963, e demonstrou certa frieza para com os movimentos delibertação da África portuguesa, que buscavam a solidariedade do Brasil.

A CIA intensificou o apoio a setores conservadores, que articulavama formação de grupos paramilitares, e a entidades como o IPES e o IBAD,além de infiltrar agentes no nordeste brasileiro, temendo as Ligas Campone-sas. Afinaram-se os contatos conspiratórios entre os norte-americanos e oscivis e militares, assim como com os governos estaduais anti-Goulart, con-cedendo a estes últimos recursos da Aliança para o Progresso, sem quesatisfações fossem dadas ao governo central. Os EUA, pouco antes humi-lhados em Cuba, reagiam tentando evitar o que consideravam umarevolução (ou uma desintegração) em marcha no Brasil e enfrentando onacionalismo populista em todo o continente. Paralelamente, a Casa Brancaampliava seu grau de envolvimento no Vietnã, embora numa ação de ou-tra natureza. O assassinato de Kennedy, em novembro de 1963, tambémfez parte – muito provavelmente – dessa ampla reação.

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Preparava-se o golpe de Estado, com o apoio americano, enquanto opaís mergulhava na bancarrota econômico-financeira e na radicalizaçãopolítica. Este quadro levou o governo a uma quase imobilidade e falta dereação quanto às investidas de Lacerda, ao contrabando de armas vindasdo exterior, à ação de propaganda ideológica dos institutos, ao adestramentodas polícias estaduais pelos EUA – através do Ponto IV, um programa deassistência técnica criado por Truman – e à atuação aberta da embaixadaamericana (que obtivera uma quota exagerada para a entrada de cidadãosamericanos), dentre tantos outros incidentes. O próprio Estado nacional ea burocracia federal pareciam desconectar-se, com São Paulo, Minas Ge-rais, Guanabara e outros estados atuando à revelia do governo central noestabelecimento de contatos internacionais.

O marechal Castelo Branco pressionava o governo a renovar o Acor-do Militar com os EUA, vigente desde 1952 e que Goulart protelava. Elefoi revalidado em 30 de janeiro de 1964. Os fatos se precipitaram, culmi-nando com a deposição de Goulart, em 2 de abril. A mudança operada napolítica externa do país, a partir de então alinhada com Washington, evi-dencia a aversão americana à Política Externa Independente. Mas, essasituação caracterizou apenas os primeiros governos militares, pois a linharelativamente autônoma da diplomacia voltada para o âmbito mundial daPEI, retornaria à cena com o Pragmatismo Responsável, na primeira me-tade dos anos 70, embora de forma menos politizada.6

A Política Externa Independente é interpretada de forma diferentepelos diversos estudiosos. Para fins acadêmicos, essas interpretações po-dem ser agrupadas em três abordagens: diplomática, econômica e social. Aabordagem diplomática é constituída por três teses: uma considera a PEI

6 N.A. – FONSECA JR., Gelson. Mundos diversos, argumentos afins: notas sobre aspectosdoutrinários da política externa independente e do pragmatismo responsável. In:ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon (Org). Sessenta anos de Política ExternaIndependente. São Paulo: Cultura, 1996. v. 1. p. 329.

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como uma resposta da política externa brasileira às aceleradas transforma-ções internacionais, em particular o surgimento de novos atores, ou amodificação do caráter de alguns, cujas necessidades e anseios estavam forados centros dominantes; outra tese, derivada da anterior, vê a PEI comouma política conscientemente utilizada para questionar o status quo e ne-gociar uma nova forma de inserção internacional para o país, ou, dito maisclaramente, renegociar a forma de subordinação; a terceira tese centra a aten-ção nas relações Brasil-EUA e sua crescente deterioração, entendendo a PEIcomo uma forma de reação nacionalista à hegemonia norte-americana.

A abordagem econômica, por sua vez, também se desdobra em trêsteses. A primeira delas considera a PEI como uma reação à deterioração dostermos do comércio exterior, devida sobretudo à queda continua dos pre-ços das matérias-primas, daí a busca constante de novos mercados. Asegunda tese é, de certa forma, um aprofundamento e ampliação da ante-rior, e entende a PEI como instrumento diplomático do interesse nacional,isto é, como elemento do processo de desenvolvimento industrial brasileiro.A terceira tese considera a PEI uma política de país capitalista dependen-te que esboça já traços de um “subimperialismo”, o qual reage à potênciadominante, mas procura garantir sua própria área de influência.

Finalmente, a abordagem sociológica é expressa por uma tese queinterpreta a PEI primordialmente como resultado das transformações in-ternas da sociedade brasileira, tais como o surgimento de novos segmentossociais, em função da acelerada urbanização e industrialização do país, e dosefeitos políticos daí decorrentes.

Na perspectiva deste ensaio, os diferentes enfoques acima apresen-tados não são excludentes entre si. Bem ao contrário. Considera-se queabarcam distintos aspectos de uma mesma realidade histórica, produzidospela observação a partir de ângulos e interesses teóricos específicos. Nessesentido, trata-se de segmentos de uma mesma totalidade, a qual não cons-titui, entretanto, mera soma ou simples interação entre diferentes fatoresigualmente importantes. Existe um enfoque que, em última instância,confere razão de ser aos demais e constitui o fio condutor do processo his-tórico.

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A partir desses elementos teóricos e dessa realidade histórica, consi-dera-se que a Política Externa Independente constituiu um projeto coerente,articulado e sistemático, visando a transformar a atuação internacional doBrasil. Até então, a diplomacia brasileira havia sido basicamente o reflexoda posição que o país ocupava no cenário mundial. Assim, a “política ex-terna para o desenvolvimento”, que Vargas ensaiou nos anos 30, era aindaparte de uma conjuntura específica, que se alterou a partir da guerra.Durante os anos 50, entretanto, devido ao processo de industrializaçãobrasileiro e à progressiva alteração do contexto internacional, e sobretudoa partir da passagem dos anos 50 e 60, a política externa procurou tornar-se um instrumento indispensável para a realização de projetos nacionais, nocaso, a industrialização e o desenvolvimento de um capitalismo moderno.Este constitui o elemento dinâmico da PEI, dentro do qual os demais fa-tores devem ser entendidos. É este o plano que confere sentido aonacionalismo que marcou o período. Sem dúvida, a emergência e a concre-tização deste projeto foram marcadas por tensões e até contradições, visíveisem todos os governos entre 1951 e 1964, e especialmente no seu fracasso.

Tendo em consideração este elemento primordial, torna-se maisobjetiva a aglutinação dos múltiplos fatores que interagiram na formulaçãodaquela linha para as relações exteriores do Brasil. A postura diplomáticaque atingiu o seu ponto culminante na Política Externa Independentedecorreu, em larga medida, de alguns fenômenos internos da sociedadebrasileira. Esses foram tanto de natureza econômico-social como político-ideológica. Quanto ao primeiro aspecto, é fundamental a relação existenteentre a política exterior executada pelo Brasil e as necessidades, tanto tá-ticas quanto estratégicas, de seu projeto de desenvolvimento industrialsubstitutivo de importações. Pode-se salientar que a própria implementa-ção do desenvolvimento industrial nacional entrava em choque, em muitospontos, com os interesses da potência hegemônica. A esse marco mais geral,pode-se acrescentar que estes choques ampliavam-se e explicitavam-secom intensidade nos momentos de crise econômica, especialmente quan-do do estrangulamento do setor externo. Neste contexto, a diplomaciabrasileira reagiu de forma ousada, colocando em prática muitos elementosde sua retórica nacionalista.

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Ao lado dos aspectos materiais, ligados à tentativa de uma naçãoperiférica de barganhar a reformulação de sua relação de dependência,deve-se considerar os fatores político-sociais internos. Os anos 50 consti-tuíram a década da emergência dos setores populares e segmentos médiosno quadro de um regime democrático-liberal e de uma sociedade em ace-lerada urbanização. Esta base social ampliada, à qual se acrescentou umaarticulada burguesia nativa (ligada, sobretudo, à produção de bens deconsumo populares), daria razão de ser ao nacionalismo, que, a partir de1951, constituiu uma espécie de ideologia oficial do populismo brasileiro.O nacionalismo agregava ao Estado maior legitimidade, como representa-ção dos interesses coletivos, coroando certos interesses convergentes entreo operariado e este setor da burguesia brasileira.

A Política Externa Independente também estava vinculada aos fe-nômenos externos, numa época de grandes transformações no sistemainternacional. A orientação diplomática da PEI respondia à atitude dosEUA com relação à América Latina, percebida como de “descaso” até aRevolução Cubana. Esse fenômeno caracterizava-se pela ausência de in-vestimentos públicos norte-americanos para a área de infra-estrutura. O“descaso” transformava-se em forte pressão política e econômica quandoas nações latino-americanas tomavam qualquer atitude visando a modifi-car, ainda que parcialmente, as relações de dependência, para lograr odesenvolvimento nacional.

Igualmente importante foi a adaptação da política exterior brasileiraàs transformações do sistema internacional em fins dos anos 50 e início dos60, tais como: a recuperação econômica da Europa Ocidental e Japão, comoalternativas comerciais e de financiamento do desenvolvimento; a desco-lonização, particularmente da África, que, ao tornar-se independente,perdia vantagens tarifárias como concorrente brasileira e tornava-se ummercado alternativo de produtos industriais; a consolidação do campo so-cialista, em especial a emergência da URSS à condição de potência mundial,constituindo elemento de barganha brasileira com os EUA e mercadopotencial; o surgimento do Movimento dos Países Não-Alinhados, decor-rente da emergência do Terceiro Mundo no cenário mundial, movimentocujas posturas no campo político e econômico interessavam à diplomacia

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brasileira; e a Revolução Cubana, cujo impacto na América Latina iriaredefinir a estratégia americana. O novo contexto internacional repercutiuno Brasil, permitindo ao país transitar de uma diplomacia voltada primor-dialmente ao subsistema regional, para o âmbito de uma diplomaciarealmente mundial.

José Humberto de Brito Cruz também introduz um elemento impor-tante na análise da PEI – sua divisão em três fases bem demarcadas:

Na primeira, dominada pela personalidade enigmática de Jânio Qua-

dros – cujas simpatias por De Gaulle, Nasser e Tito são bemconhecidas –, a diplomacia brasileira opera num quadro conceitual que

é, no essencial, o mesmo do neutralismo, distinguindo-se deste ape-nas por motivos concernentes à estratégia de obtenção, para o Brasil,

de uma posição de liderança no Terceiro Mundo. Numa segunda fase(agosto de 1961 – outubro de 1962), verifica-se uma certa continui-

dade da linha anterior, mas a polarização ideológica no plano internotende a relegar a PEI para um plano secundário da vida nacional. À

medida que evolui a crise interna, a diplomacia independente torna-se um peso para o governo parlamentarista, que se via, ainda, na

contingência de ter que abrandar o tom no relacionamento com osEUA, a fim de aplacar a gritaria conservadora interna. Na fase final

(1963–1964), sob a influência de Araújo Castro, a PEI revigora-se e,valendo-se de um cenário internacional propício, abandona definiti-

vamente toda afinidade com o neutralismo, encontrando na questãodo desenvolvimento um veio diplomático que já se revelava riquíssimo

quando a experiência foi interrompida pelo golpe militar – o que nãoimpediu, diga-se de passagem, que o mesmo veio fosse retomado,

posteriormente, pelos próprios governos militares.7

O fracasso da Política Externa Independente está associado à que-da do populismo no Brasil. Desde a segunda metade de seu governo, JoãoGoulart não conseguia mais controlar a situação interna e foi empurrado

7 N.A. – CRUZ, op. cit. p. 75.

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pelos setores esquerdistas para uma radicalização, o que acirrou perigosa-mente as contradições do regime. O agravamento dos confrontos sociais epolíticos, além de paralisar a economia e levar os EUA a uma reação semprecedentes, ameaçou as próprias bases capitalistas do projeto populista,deixando o governo sem alternativas, o que explica sua paralisia nos mo-mentos finais. Sem um mínimo de consenso interno, a política exteriorpassou a atuar no vazio e às palavras não correspondiam os atos.

Tanto no plano interno como externo, a PEI esteve no cerne do con-texto que levou à reação conservadora e seu fracasso tem de ser relativizado.Tratava-se de uma experiência inédita, que tirava a diplomacia brasileirade suas modestas perspectivas regionais e reativas, arrojando-a a umadimensão internacional e a uma postura ativa. Essa mudança estava asso-ciada às necessidades do desenvolvimento econômico, mas sofreu umretrocesso durante os primeiros anos do regime militar, o qual adotou umaorientação ideológica de segurança nacional e alinhamento com os EUA.Entretanto, a Política Externa Independente revelou-se muito mais pre-coce, do que equivocada, pois alguns de seus postulados foram retomadospela diplomacia dos militares, ao final da primeira metade dos anos 70, como chamado Pragmatismo Responsável (embora já tivesse sido encaminha-da nos governos Costa e Silva e Médici). Nessa ocasião, o Brasil voltou abuscar maior margem de manobra no plano internacional, retornando a umapolítica exterior realmente de dimensões mundiais e destinada à consecu-ção de objetivos econômicos internos, embora usando uma linguagemmenos ideológica.

Porto Alegre, 14 de julho de 2008.

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GESTÃO

Hermes Lima

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DOCUMENTO 1

Palavras do ministro Hermes Lima ao receber o cargo de ministro dasRelações ExterioresPalácio Itamaraty, 24 de setembro de 1962.

O mundo atual é um mundo intranqüilo, cheio de problemas tanto naordem interna dos países como na ordem internacional. A posição do Bra-sil sempre foi voltada para o bom entendimento entre os povos e éexatamente essa política tradicional, mantida em função das próprias cir-cunstâncias e da própria evolução do mundo, que, hoje, o Itamaraty,honrando sua tradição, oferece ao mundo.

Tal contribuição é, como sempre, valiosa aos problemas da paz e doentendimento entre os povos. Não importa que essa paz e esse entendi-mento estejam difíceis, pois o que importa é não descurar de uma políticade lucidez, solidariedade humana e continental, no sentido de oferecer aopovo do mundo inteiro e ao povo da América a paz e a tranqüilidade de quetanto necessitam. (JB)

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DOCUMENTO 2

Notícia sobre a posse do primeiro-ministro Hermes Lima no cargo deministro das Relações Exteriores, publicada pelo jornal O GloboEm 25 de setembro de 1962.

O primeiro-ministro Hermes Lima, ao assumir ontem, cumulativa-mente, a função de chanceler, disse que a posição do Brasil sempre foivoltada para o bom entendimento entre os povos e, conseqüentemente,para a paz, e que é exatamente essa política o que o Itamaraty oferece aomundo.

Frisou o chefe do governo que, embora essa paz e esse entendimen-to estejam difíceis, o que importa é não descurar de uma política de lucidez,solidariedade humana e continental, no sentido de oferecer ao povo domundo inteiro e ao povo da América a paz e a tranqüilidade de que tantonecessitam.

A cerimôniaO pronunciamento do sr. Hermes Lima foi feito na rápida oração com querecebeu o cargo de chanceler, que lhe transmitiu o embaixador Carlos AlfredoBernardes, subsecretário de Estado. A cerimônia foi das mais rápidas járealizadas no MRE e reuniu a Casa de Rio Branco, ministros de Estado eautoridades federais e estaduais, além dos funcionários do Itamaraty.

Renovação constanteAo entregar o cargo de ministro das Relações Exteriores, o embaixadorAlfredo Bernardes, que continuará como subsecretário, salientou que oprimeiro-ministro recebia um Itamaraty empenhado em constante processode renovação das linhas mestras de nossa política externa, para sincronizá-las com os grandes e profundos acontecimentos que marcam a atualconjuntura internacional.

Disse o diplomata que está o Itamaraty empenhado na obra que lhecompete, de auscultar as grandes correntes econômicas, políticas e sociaishodiernas e traduzi-las em termos de interesse nacional.

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Primeiros contatosO sr. Hermes de Lima passou a tarde de ontem tomando contato com arotina administrativa do Itamaraty. Recebeu vários chefes de departamentoe divisão, a fim de inteirar-se dos problemas em andamento no MRE. Ànoitinha, participou de uma reunião da COCAP, órgão dinamizador daparte brasileira da Aliança para o Progresso, durante a qual começou oestudo das teses e da posição brasileira à reunião do CIES, mês que vem,no México.

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DOCUMENTO 3

Discurso do presidente João Goulart na cerimônia de diplomação dosalunos do Instituto Rio Branco, em 22 de outubro de 1962Circular n. 4.461, de 29 de outubro de 1962.

É para mim motivo de particular satisfação presidir esta solenidade,não só pelo ensejo de dirigir a palavra à mais nova turma de diplomandosdo Instituto Rio Branco, como também para exprimir a importância queempresto à formação de diplomatas capazes de arcar com a árdua tarefa que,nos dias de hoje, recai sobre a diplomacia brasileira.

Na conduta das relações internacionais, cabe ao diplomata ser intér-prete fiel de seu país perante o mundo, projetar as aspirações mais profundasde seu povo e assumir a defesa, no exterior, dos interesses fundamentaisda nação.

Essas responsabilidades se acentuam e se revestem de um significa-do especial, no momento em que o Brasil assume, de modo definitivo, opapel que lhe cabe no cenário internacional. De uma posição em que secolocava muitas vezes como espectador perante os acontecimentosextracontinentais, o Brasil passa hoje a uma ação consciente e meditada,aceitando a responsabilidade de participar de decisões que afetam toda ahumanidade. Essa tomada de posição nada tem de prematura ou aciden-tal, mas reflete o processo irresistível do amadurecimento político do povobrasileiro.

Não poderia ser outra a política exterior de um país da grandezaterritorial do Brasil, com setenta milhões de habitantes, que tem a certezade ver coroado de êxito o seu esforço pelo desenvolvimento econômico e oprogresso social. Essa política é condicionada pela avaliação objetiva daspotencialidades nacionais, pela compreensão da realidade internacional,pela fidelidade aos princípios democráticos e cristãos em que se inspirou anossa formação e pelo respeito aos compromissos e normas internacionais,entre as quais sobressaem as de segurança coletiva e as que protegem odireito de autodeterminação dos povos.

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Emergimos para as responsabilidades da vida internacional numa fasecrítica da história da humanidade, mas não nos devem amedrontar as di-ficuldades que certamente encontraremos; antes, devemos entendê-lascomo um incentivo para a clareza e definição de nossas atitudes. Encon-tramos o mundo conturbado pelo entrechoque de ideologias e forças, quegeram tensões perigosas para a preservação da paz. Encontramos, igual-mente, o mundo marcado pela distância cada vez maior entre nações ricase pobres, entre grandes impérios industriais e países subdesenvolvidos, quelutam por superar o atraso de suas estruturas sociais e políticas.

Em função desses pólos divergentes, o compromisso fundamental denossa política externa é o de salvaguardar os interesses do povo brasileiroe de pugnar incansavelmente por aquelas reivindicações que conduzem doregime democrático representativo com as [sic] imposições do desenvolvi-mento econômico e da justiça social.

Será, assim, fator essencial da política externa brasileira o alargamentode nossas relações comerciais com todas as áreas do mundo, com o incre-mento de nossas exportações, contrapartida da imperiosa necessidade deexpansão de nossa capacidade de importar.

Por outro lado, como nação adulta, estaremos cumprindo um deverindeclinável ao participar ativamente das grandes decisões da política in-ternacional contemporânea. Já aí, o compromisso do Brasil não é unicamentecom seu povo, mas com toda a humanidade. Ainda recentemente tivemosacrescidas nossas responsabilidades com a honrosa escolha do nosso paíspara integrar, primeiro, a Comissão de Desarmamento e, agora, o Conse-lho de Segurança das Nações Unidas.

A consagradora votação com que o Brasil foi eleito para o Conselhode Segurança testemunha que o sentido de nossa política internacional nãodivide, mas aproxima os povos; não agrava as tensões, porém, antes con-tribui para as atenuar e eliminar.

Na Comissão do Desarmamento, logo demos prova do nosso propó-sito de colaborar para o desarmamento geral e completo, formulando umaproposta de suspensão imediata das experiências nucleares, cujos termosrealistas tivemos a satisfação de ver aceitos pelos representantes de todos ospaíses interessantes, no correr dos debates da presente Assembléia Geral.

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No Conselho de Segurança, havemos de dar novas demonstraçõesdessa convicção pacifista, que é um traço da civilização brasileira, da con-fiança que sempre depositamos nas soluções jurídicas para resolver ouatenuar as divergências entre os povos.

A linha fundamental da política exterior do Brasil está, hoje, comosempre esteve, na defesa intransigente do processo de soluções pacíficaspara os problemas mundiais. Ao adotarmos tal diretriz, preconizada aindahá pouco pelo Papa João XXIII, com a autoridade que lhe confere o títulode chefe da Igreja Católica, estamos respeitando e exprimindo o espíritocristão do povo brasileiro.

Que não haja, portanto, qualquer dúvida sobre nossas intenções: oBrasil não aceita recurso à violência como forma de solução dos conflitosinternacionais. Se, por tradição histórica e formação cultural, o Brasil nun-ca encarou a guerra como complemento válido da negociação diplomática,não seria hoje – quando o poderio militar das grandes potências faz perigara própria continuidade da civilização – que iríamos abdicar de nossos prin-cípios pacifistas, favorecendo o uso da força como instrumento de açãointernacional.

Para nós, a paz é um imperativo histórico cujas conseqüências inelu-táveis são a aceitação da coexistência entre diferentes regimes políticos esociais e a competição entre sistemas econômicos diversos. Dessa coexis-tência e dessa competição sairão triunfantes, estamos certos, os princípiosda democracia representativa e da justiça social.

Surge aqui, então, em toda sua amplitude, a responsabilidade querecai sobre o diplomata contemporâneo. Forçado a atuar num universomarcado pela diversidade de estruturas econômicas e políticas, dele se exigeo domínio de um vasto instrumental técnico, que abrange desde o direitointernacional até a economia, aliado à habilidade negociadora e a umainesgotável paciência.

Desses homens, cuja tarefa é a substituição da guerra pela negocia-ção e o entendimento, depende, em alto grau, o bem-estar de todos os povos.

É, assim, da compreensão do papel do diplomata no mundo moder-no – e, muito especialmente, das responsabilidades que pesam sobre odiplomata brasileiro – que derivo meu apreço à obra do Instituto Rio Branco.

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Ministrando a jovens brasileiros uma formação sólida e eficiente, o Insti-tuto Rio Branco vem produzindo uma geração de profissionais altamentequalificados, merecedores do reconhecimento que já lhes dispensam osmeios diplomáticos internacionais.

Em cada um de vós, que hoje recebeis vossos diplomas, estou certo,não faltará a consciência dos anseios do nosso povo e a vontade firme dedefender, perante o mundo, os interesses de nossa pátria. É por isso quevos saúdo, na certeza de que honrareis as responsabilidades sobre vósinvestidas pelo Brasil.

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DOCUMENTO 4

Nota oficial do presidente do Conselho de Ministros, distribuída àimprensa, em 24 de outubro de 1962, acerca do voto do Brasil sobre aquestão de Cuba, no Conselho da OEACircular n. 4.455, da mesma data.

O representante do Brasil no Conselho da Organização dos EstadosAmericanos votou favoravelmente ao projeto de resolução que prevê me-didas acauteladoras da segurança interamericana, em face da denúncia dapresença, em Cuba, de material de guerra de natureza ofensiva. Não deu,porém, o seu assentimento ao dispositivo do projeto de resolução que au-toriza o emprego de força armada para medidas que impliquem intervençãono território cubano. Ao emitir seu voto, o embaixador Penna Marinho feza seguinte declaração:

O bloqueio ou emprego de força armada a que se refere o artigo 3ºdo Tratado do Rio de Janeiro é entendido pela delegação brasileira

como aquelas medidas tendentes a impedir que novos carregamentosde armas cheguem a Cuba. Esta interpretação e este voto são coeren-

tes com a Resolução 8 de Punta del Este, aprovada pelo Brasil na parteem que se refere a impedir o envio de armas a Cuba. Bloqueio ou

emprego de força armada não podem ser confundidos, nos termos doartigo 8º do Tratado do Rio, com bloqueio total dos navios que de-

mandam Cuba ou com a invasão deste país.

Desse modo, quis o nosso representante na OEA tornar claro que ogoverno brasileiro não empresta seu apoio a medidas de força que violema integridade territorial de um país independente e ponham em perigo a pazmundial. O governo brasileiro, mantendo seu inalterável propósito de tra-balhar pelo entendimento entre os povos, mesmo em face da grave situaçãoque agora se apresenta, confia em que as Nações Unidas encaminhem oproblema de Cuba de modo a assegurar a manutenção da paz.

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DOCUMENTO 5

Entrevistas do ministro Aluysio Regis Bittencourt sobre o intercâmbiocom o Leste EuropeuCircular1 n. 4.458, de 26 de outubro de 1962.

Entrevista coletiva, em 11 de outubro de 1962.

Comércio com os países socialistasO ministro Aluysio Regis Bittencourt, secretário-geral adjunto para osAssuntos da Europa Oriental e da Ásia, prestou declarações, na tarde dehoje, sobre a política comercial com os países do Leste Europeu, tendoanunciado a possibilidade do atual nível do nosso comércio com aquelespaíses passar de 150 milhões de dólares para 300 milhões de dólares, nosdois sentidos. Disse que a ampliação do nosso comércio com os paísessocialistas é uma questão de soberania e de conveniência comercial e não,como muitos interpretam, uma questão de simpatia.

O ministro Regis Bittencourt anunciou a resolução do Conselho deMinistros, que aprovou exposição de motivos do ministro do Exterior crian-do o “Grupo de Coordenação”, com representantes de órgãos governamen-tais e associações de classe, para as competentes medidas que incrementamo intercâmbio do Brasil com os países socialistas.

Ampliação da área de vendasSobre a necessidade de ampliar o Brasil sua área de vendas, o ministro RegisBittencourt declarou:

– O Brasil está-se ressentindo de dificuldades nos seus mercados ex-teriores, como conseqüência do impacto das sensíveis flutuações dasrelações de trocas, decorrentes da deterioração dos nossos preços externos,com reflexos naturais sobre o balanço de pagamentos.

1 N.E. – Encaminhada às missões diplomáticas do Brasil em Moscou, Praga, Varsóvia,Bucareste, Budapeste, Belgrado, Washington (CIWA) e delegação permanente emGenebra (CEICO).

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– A gravidade da evolução dos preços no nosso intercâmbio podeapreciar-se melhor pela ilustração de alguns dados simples. Tomando-sepor exemplo apenas três dos nossos mais importantes produtos de expor-tação – café, cacau e algodão, que foram 68% do total –, observa-se que suasvendas, em 1960, representaram 373 milhões de dólares menos que se ti-vessem sido feitas aos preços vigentes em 1955; e 852 milhões menos emrelação aos de 1954.

– Mesmo considerando-se como base o ano de 1955, que se carac-terizou por um drástico reajustamento, para baixo, nas cotações do café,verifica-se que, pelas importações brasileiras em 1960, foi preciso pagarpreços bem mais elevados do que seis anos antes.

– Assim, o aumento em relação às manufaturas e máquinas impor-tadas foi de 51%, enquanto que os três produtos de exportação referidosviam reduzidos seus preços de 38%. Obtivemos alguma vantagem, é cer-to, em contrapartida, no caso da importação de produtos primários: porexemplo, os alimentos, sobretudo os cereais, baixaram de 27,3%; os adu-bos, de cerca de 20%; o petróleo bruto e o carvão, de cerca de 10%.

– Sabidas são, também, as condições dos nossos pagamentos exter-nos, em que se acumulam, desproporcionalmente, prestações a vencer nosanos imediatos.

Aumento do intercâmbioPerguntado sobre as possibilidades de aumento do intercâmbio do Brasilcom os países comunistas, disse:

– Ao que tudo indica, as trocas podem ser substancialmenteincrementadas. Em primeiro lugar, observa-se, nos países socialistas, des-de algum tempo, uma tendência ao aumento dos níveis de consumo, quese poderá traduzir em um crescimento da importação de produtos brasileiroscomo o café, o cacau e, até mesmo, de certos tipo de manufaturas – impor-tações até há pouco tidas como suntuárias. No que diz respeito ao café, ascifras parecem confirmar o argumento. Assim é que sua participaçãopercentual, sobre o total das nossas exportações para a área, passou de 16%em 1953 para 45% em 1961.

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DificuldadesAnalisando as dificuldades de nosso comércio exterior, alinhou entre elaso crescimento do Brasil “por saltos”, dizendo:

– A principal dificuldade, que nos parece, aliás, muito lisonjeira, é denatureza estrutural. O Brasil tem crescido por saltos, particularmente a suaindústria pesada e nas linhas de máquinas e equipamentos. Curiosamente,temos seguido, de modo espontâneo, uma forma de crescimento que apre-senta resultados comuns com o modelo deliberadamente escolhido pelospaíses socialistas: produzir as máquinas que produzem máquinas, pelo quepodemos, hoje, atingir um grau de auto-suficiência muito elevado nas nossasnecessidades, neste particular.

– Os países socialistas tendem a concentrar suas ofertas no setor re-lativo a máquinas e equipamentos. Naturalmente, muita coisa não interessaao mercado brasileiro. Estamos, porém, procurando corrigir essas deficiên-cias e temos obtido um importante aumento de matérias-primas e produtossemi-elaborados. Nossa orientação é a de procurar conseguir ainda maioroferta destes tipos de bens.

– Existem outras dificuldades. As economias socialistas são central-mente planificadas, enquanto que na nossa economia, devido a uma sériede circunstâncias, nem o setor público tem condições de coordenar bem assuas compras, em função de uma política de comércio internacional, nemo setor privado tem tranqüilidade para pensar em planos de maior duração,porque depende de circunstâncias incontroláveis e do próprio governo,como no caso de avais, licenças, empréstimos em cruzeiros em bancos ofi-ciais, etc.

Solução para as dificuldadesEm seguida, o entrevistado aponta o meio de vencer as dificuldades dointercâmbio entre os países socialistas:

– A solução implica um esforço de programação e a formulação e exe-cução adequadas das medidas organizadas e convergentes para o mesmoobjetivo.

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– Podemos exemplificar com o problema de coordenação da ação dosdiversos órgãos formuladores ou executores de aspectos parciais da políti-ca econômica do país.

– São evidentes a boa-vontade, o patriotismo e a dedicação que ne-les se encontram. Mas a existência de várias cadeias decisórias, que têm deser seguidas uma a uma, geram problemas inevitáveis de saber-se a quemcompete o quê e o acúmulo de papéis constituem, por vezes, obstáculosbastante difíceis. Por este motivo, deliberou o Conselho de Ministros criar,no Itamaraty, um grupo de coordenação com representantes dos principaisórgãos oficiais interessados e das associações de classe.

– Note-se que a programação do comércio exterior não quer dizer queo governo pretenda chamar a si a execução das importações e exportações.Ao contrário, na política adotada, pretende-se dar ênfase às atividades dosetor privado. O governo não quer forçar negócios difíceis ou sem interes-se, mas, ao contrário, dar oportunidades para que o setor privado aproveiteas possibilidades atualmente abertas.

Áreas tradicionaisFalando sobre a necessidade de o Brasil aumentar sua área de intercâm-bio comercial, sem substituição das áreas tradicionais e sem prejuízo dospontos de vista da democracia, o sr. Regis Bittencourt finalizou a entrevis-ta em termos enfáticos:

– A dinamização das nossas relações econômicas com os países so-cialistas não constitui panacéia. De modo algum este intercâmbio temcaráter substitutivo das nossas correntes tradicionais de comércio, nem sefará em prejuízo destas.

– O bloco socialista, embora constitua, no momento, a área de gran-de crescimento econômico continuado do mundo e, incluída a China,compreenda mais de um terço da população e da produção de todo o glo-bo, não alcança senão 12 por cento do comércio internacional total, ou seja,15 bilhões de dólares, em 125 bilhões.

– A proporção de 12 por cento, acima indicada, poderá permitir-nosdobrar o atual nível de nossas trocas, isto é, passar de 150 para mais de 300

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milhões de dólares, nas duas direções. Nem mesmo esta cifra representa umteto.

– Queremos expandir negócios normais e achamos perfeitamente ra-zoável que uma importante parte do mundo, como a formada pelos paísessocialistas, pense a mesma coisa. As diferenças ideológicas e de concepçãode vida não têm por que impedir um ajustamento objetivo do interesse deambas as partes. A Itália – país eminentemente católico – é o maior impor-tador de petróleo da União Soviética. As duas Alemanhas negociamamplamente. Trinta por cento do comércio da União Soviética é realizadocom o Ocidente. Logo, relações comerciais devem ser feitas em termos desoberania e não de simpatia ideológica. (Estado)

Entrevista a O Semanário

Ampliando as suas recentes declarações à imprensa, o ministro AluysioRegis Bittencourt, secretário-geral adjunto para Assuntos da Europa Ori-ental e Ásia, expôs para O Semanário toda a questão das relações comerciaisdo Brasil com o campo socialista.

Ato de soberaniaDeclarou inicialmente o ministro Regis Bittencourt:

– Comércio com o Leste não é questão de simpatia, é ato de sobera-nia. Se a Alemanha Ocidental, a França, a Inglaterra e os Estados Unidosmantêm relações normais com os países socialistas, não há razão por queo Brasil não possa defender, também, os seus interesses. Estamos nos res-sentindo de dificuldades decorrentes da deterioração dos nossos preçosexternos, nossos mercados externos, como conseqüência do impacto dassensíveis flutuações das relações de trocas, com reflexos naturais sobre obalanço de pagamentos.

Ilustrando, com alguns dados simples, a gravidade da evolução dospreços no nosso intercâmbio, esclareceu o ministro Bittencourt:

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– Tomando-se por exemplo apenas três dos nossos mais importan-tes produtos de exportação – café, cacau e algodão, que formam 68% dototal –, observa-se que suas vendas, em 1960, representaram 373 milhõesde dólares a menos, em relação aos preços vigentes em 1955, e 852 milhõesa menos, em relação aos de 1954. Mesmo considerando-se como base o anode 1955, que se caracterizou por um drástico reajustamento, para baixo, nascotações do café, verifica-se que, pelas importações brasileiras em 1960, foipreciso pagar preços bem mais elevados do que seis anos antes.

Preços caemProsseguindo, disse o ministro Bittencourt:

– Assim, o aumento em relação às manufaturas e máquinas impor-tadas foi de 51%, enquanto que os três produtos de exportação referidosviam reduzidos seus preços em 38%. Obtivemos algumas vantagens, écerto, em contrapartida, no caso da importação de produtos primários: porexemplo, os alimentos, sobretudo os cereais, baixaram de 27,3%; os adu-bos, de cerca de 20%; o petróleo bruto e o carvão, de cerca de 10%. Sabidassão, também, as condições dos nossos pagamentos externos, em que se acu-mulam, desproporcionalmente, prestações a vencer nos anos imediatos. Napresente conjuntura brasileira, representaria, sem dúvida, um luxo – comque escassamente poderíamos arcar – a desatenção da oportunidade deampliarmos a área das nossas vendas, que visa, justamente, a aliviar a pres-são de nossas compras nas moedas em que avultam aquelas obrigações.Este, em síntese, o primeiro e mais essencial dos elementos racionais quenos obriga a considerar, com a necessária objetividade, as possibilidades quenos estão abertas no mundo socialista.

Fato irrespondívelDemonstrando de maneira objetiva o incremento das nossas trocas com ocampo socialista, acentuou o ministro Bittencourt:

– Entre 1953 e 1961, o valor da totalidade do comércio exterior bra-sileiro decresceu, segundo uma taxa negativa de 1,4% ao ano. Em contraste,

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o comércio com o Leste Europeu, no mesmo período, aumentou cumula-tivamente de 11,1% por ano. Nesse intervalo, a participação percentual dospaíses socialistas no comércio global brasileiro passou de 1,95% (1953-1954) para 5,75% (1960-1961).

O secretário-geral adjunto para Assuntos da Europa e Europa Ori-ental e da Ásia considera que as trocas com o Leste Europeu podem sersubstancialmente aumentadas:

– Em primeiro lugar – declarou –, observa-se nos países socialistas umatendência ao aumento dos níveis de consumo, que se poderia traduzir emum crescimento da importação de produtos brasileiros como o café, o cacaue, até mesmo, de certos tipos de manufaturas – importações até há poucotidas como suntuárias. Já em 1961, a Iugoslávia nos comprou meio milhãode dólares em tecidos de algodão. A União Soviética está interessada emadquirir calçados. No que diz respeito ao café, as cifras parecem confirmaro argumento. Assim é que sua participação percentual, sobre o total dasnossas exportações para aquela área, passou de 16%, em 1953, para 45%,em 1961. Em meados deste ano, a Hungria pôde reduzir de 50% os pre-ços do café no varejo, graças às importações recebidas do Brasil.

Lista de ofertasDisse, ainda, o ministro Bittencourt:

– Dispomos de extensas listas de ofertas, que vão desde matérias-primas a fábricas completas ou linhas de equipamentos industriais.

– Ainda recentemente, a República Democrática Alemã propôs-nosum acordo comercial a longo prazo, no qual se previa a elevação do valor totaldas trocas para 250 milhões de dólares nos dois sentidos, sendo que o caférepresentaria 80% da lista brasileira, com 100 milhões de dólares. Temos,com a Polônia, ofertas em pendente de 261 milhões de dólares. Vale a penalembrar, também, os resultados dos entendimentos concluídos pela missãoJoão Dantas, que, apesar de não incluírem a União Soviética, previam atriplicação das trocas do Brasil com aquela área, logo no primeiro ano de suaexecução.

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Brasil é devedorDesmentindo categoricamente as afirmações de alguns jornais, segundo asquais o Leste Europeu nos deve milhões de dólares, declarou:

– Ao argumento de que tais países fazem uso indevido do crédito téc-nico, operando permanentemente com saldos devedores e, portanto,transferindo para o Brasil o encargo do financiamento das exportações deprodutos da área, particularmente de equipamento e máquinas, o exameda realidade mostra que a objeção não é válida. Primeiro, o Brasil não écredor líquido, mas, sim, devedor, pois os créditos a curto prazo de quedispõe são bem inferiores ao montante das obrigações totais. Segundo, aexistência do intercâmbio: em regimes de planificação rigorosa, é fácil àsautoridades efetuarem, prontamente, as compras estipuladas nas listas dosconvênios, o que provoca um rápido escoamento de produtos brasileiros,enquanto se acumulam saldos a curto prazo a favor do Brasil.

Segundo o ministro Bittencourt, o mesmo não sucede, de nossa par-te, por falta de um planejamento mínimo de compras, sobretudo por partedos órgãos governamentais; por causa do processamento lento; pela ausên-cia de estímulos adequados para compensar a falta de tradição dos paísessocialistas no mercado brasileiro; e dada a falta de financiamento, em cru-zeiros, para as importações da área, especialmente no caso de importaçõesfinanciadas.

Comércio com a URSS

– O saldo a curto prazo está sujeito, naturalmente, a variações, deacordo com o ritmo sazonal das exportações – acrescentou. A posição dascontas Brasil-URSS, no entanto, já se modificou este ano, de maneirasensível. A princípio, éramos credores, porque, por diversos motivos, nãoefetuávamos nossas importações de modo tão pronto. Mas, com a recenteaquisição de 100 mil toneladas de trigo soviético, a situação se modificou,ao produzir-se o equilíbrio nas contas em nível de 70 milhões de dólares.Já agora, face à aquisição de 600 mil toneladas de petróleo soviético, a nossa

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posição será devedora, até que outras importações de produtos brasileirospela União Soviética se venham a efetuar. Em termos gerais, podemosafirmar que o comércio Brasil-URSS se vem desenvolvendo de modo aus-picioso. Em 1958, era nulo; em 1960-1961, atingia, em média, nos doissentidos, 31 milhões de dólares; até o fim do ano, andará próximo dos 80milhões.

Acordos bilateraisÉ sabido que os países socialistas operam no comércio exterior, sobretudode forma bilateral. A este respeito, disse o ministro Bittencourt:

– Não obstante certas tentativas brasileiras, no sentido do estabele-cimento de uma área de multilateralidade restrita, o comércio com o LesteEuropeu tem mostrado a necessidade da manutenção desse regime, por-que este é o sistema em que estão elas habituadas [sic] a comerciar. Parece,portanto, pouco provável que venham a destinar contingentes de moedasconversíveis para comprar importantes e sistemáticas quantidades de cafée cacau, produtos que podem obter de outras fontes, na África e na Ásia,por exemplo, onde há países dispostos a realizar operações barter ou acelebrar ajustes bilaterais.

Prosseguindo, declarou:

– O comércio multilateral pode ser preferível, em princípio, pela suamaior simplicidade e flexibilidade. Mas, passar do intercâmbio bilateral parao regime da multilateralidade, mesmo restrita, equivaleria a introduzir umazona não planificada dentro de um sistema de planificação bastante rígi-do, o que não seria viável por motivos de orientação da política econômicadesses países. Afinal, que significa comércio bilateral? Significa que ospaíses que nos compram só pagam com os próprios produtos. Ora, nãoapenas os países socialistas, mas outros que também não dispõem de moe-das fortes, preferem o sistema bilateral, só saindo dele em circunstânciasexcepcionais e apenas para uma parte pequena do seu intercâmbio. Trata-se, portanto, de uma troca: um nível alto de exportações e importações em

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regime de equilíbrio bilateral, ou um baixo nível de transações em ouro oudólares. Somos obrigados a preferir a primeira hipótese. As vantagens edesvantagens desse modo de comerciar são as mesmas, portanto, quer setrate da área socialista, quer de outra qualquer. Vale lembrar que o Brasilmantém acordos bilaterais com outras nações, como a Grécia, Dinamarca,Islândia, Portugal, Israel, Turquia e Bolívia.

DificuldadesDificuldades existem, evidentemente, no incremento das nossas relaçõescomerciais com o Leste, mas nenhuma delas é insuperável. Declarou, apropósito, o ilustre diplomata:

– A principal dificuldade, que nos parece, aliás, muito lisonjeira, é denatureza estrutural. O Brasil tem crescido por saltos, particularmente a suaindústria pesada e nas linhas de máquinas e equipamentos. Curiosamen-te, temos seguido, de modo espontâneo, uma forma de crescimento queapresenta resultados comuns com o modelo deliberadamente escolhidopelos países socialistas: produzir as máquinas que produzem máquinas,pelo que podemos, hoje, atingir um grau de auto-suficiência muito eleva-do nas nossas necessidades, neste particular. Os países socialistas tendema concentrar suas ofertas no setor relativo a máquinas e equipamentos.Naturalmente, muita coisa não interessa ao mercado brasileiro. Estamos,porém, procurando corrigir essas deficiências e temos obtido um importanteaumento de matérias-primas e produtos semi-elaborados. Nossa orienta-ção é de procurar conseguir ainda maior oferta destes tipos de bens. Existemoutras dificuldades. As economias socialistas são centralmente planifica-das, enquanto que na nossa economia, devido a uma série de circunstâncias,nem o setor público tem condições de coordenar bem as suas compras, emfunção de uma política de comércio internacional, nem o setor privado temtranqüilidade para pensar em planos de maior duração, porque dependede circunstâncias incontroláveis e do próprio governo, como no caso de avais,licenças, empréstimos em cruzeiros em bancos oficiais, etc. Existem, alémdisso, dificuldades objetivas: mau conhecimento recíproco, insuficiente de-senvolvimento da rede comercial privada, etc.

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Acrescentou, então, o ministro Bittencourt:

– O que aconteceu, por todas essas razões, é que os países socialistasexecutam normalmente as suas compras, de acordo com as listas combina-das, ao passo que nós freqüentemente nos atrasamos, com operações emfase de decisão durante meses.

Grupo de coordenaçãoPara superar essas dificuldades, deliberou o Conselho de Ministros criar,no Itamaraty, um grupo de coordenação, com representantes dos principaisórgãos oficiais interessados e das associações de classe. O ministro de Minase Energia pediu para fazer parte desse grupo. Disse o ministro Bittencourt:

– O governo não quer forçar negócios difíceis ou sem interesse, mas,ao contrário, dar oportunidade para que o setor privado aproveite as pos-sibilidades atualmente abertas. Aliás, devo reconhecer que é extremo ointeresse manifestado por importantes grupos privados para ampliar as nos-sas relações comerciais com o Leste. A Federação Central dos Citricultoresde São Paulo está encontrando sérias dificuldades para colocar os nossosprodutos nos países ocidentais; o mercado está praticamente fechado. Poisbem, em 1961, conseguimos vender 217 mil caixas de laranjas à UniãoSoviética, ocupando, assim, o quinto lugar no mercado soviético de impor-tação. Este ano, poderíamos ter vendido 500 mil caixas àquele país, setivéssemos tomado as necessárias providências. Os citricultores paulistas,com o apoio da Secretaria de Agricultura do Estado, estão preocupados equerem aumentar as suas exportações para a área socialista. Estamos exa-minando o seu pedido com o maior interesse e a melhor boa-vontade.

Feiras internacionaisFalando sobre a importância das feiras e exposições para o incremento docomércio internacional, informou o ministro Bittencourt que, por ocasião desua recente exposição industrial em São Paulo, a Alemanha Oriental ven-deu todo o equipamento exposto, num total de 7,5 milhões de dólares. AUnião Soviética, por sua vez, na Exposição de São Cristóvão, fez negóciosno valor de 3,5 milhões de dólares.

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Confirmou a chegada, “provavelmente” antes do fim do ano, de umamissão bancária da China Popular, mas declarou desconhecer quaisquernegociações em torno de uma exposição daquele país no Rio de Janeiro eem São Paulo. Podemos informar, no entanto, que representantes de Pe-quim já estudaram o assunto com as autoridades brasileiras, tendo pleiteadouma área de 5.000m², no Rio de Janeiro, que foi aceita, em princípio.

– As exposições-feiras da URSS e da Alemanha Oriental no Brasil– acentuou o ministro Bittencourt – são a prova do interesse desses paísesem comerciar conosco. Em 1963, estão programadas exposições da Hungriae da Tchecoslováquia, gesto que tencionamos reciprocar com a nossa pre-sença em conhecidos certames do Leste Europeu, como Poznan, naPolônia; Brno, na Tchecoslováquia; Leipzig, na República DemocráticaAlemã; Zagreb, na Iugoslávia; e Budapeste, na Hungria.

Desmentindo notícias tendenciosas, o ministro Aluysio RegisBittencourt afirmou que os representantes da Alemanha Oriental foram“corretíssimos” durante a organização e o funcionamento de sua exposiçãoindustrial em São Paulo, tendo o próprio ministro do Comércio Exterior,Julius Balkow, mantido conversações cordiais e frutíferas sobre relaçõescomerciais com as nossas autoridades.

Perspectivas boasTerminando as suas declarações a O Semanário, afirmou o secretário-ge-ral adjunto para Assuntos da Europa Oriental e da Ásia:

– É absolutamente injustificável que não possamos ampliar as nos-sas relações comerciais com o Leste Europeu. Os estoques de café estãosubindo de mês a mês, faltam-nos divisas fortes e enfrentamos dificulda-des que não são poucas. A dinamização das nossas relações econômicas comos países socialistas não constitui panacéia. De modo algum este intercâm-bio tem caráter substitutivo das nossas correntes tradicionais de comércio,nem se fará em prejuízo destas. Podemos dobrar o atual nível de nossas

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trocas, até dezembro de 1963, passando de 150 milhões para 300 milhõesde dólares nas duas direções. Nem mesmo esta cifra representa um teto.

E acrescentou:

– Queremos expandir negócios normais e achamos perfeitamenterazoável que uma importante parte do mundo, como a formada pelos paí-ses socialistas, pense a mesma coisa. As diferenças ideológicas e deconcepção de vida não têm por que impedir um ajustamento objetivo dosnossos interesses mútuos. O Brasil é uma nação independente e sobera-na, que tem o direito de comerciar com quem quer que seja.

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DOCUMENTO 6

Discurso do presidente João Goulart na 51ª Conferência InterparlamentarCircular2 n. 4.459, de 26 de outubro de 1962.

Ao inaugurar a 51ª Conferência Interparlamentar, desejo dar boas-vindas, em nome do povo brasileiro e em meu nome pessoal, aos senhorescongressistas. Sentimo-nos honrados por hospedar Vossas Excelências epor ser Brasília a sede de tão importante reunião que congrega parlamen-tares de 46 nações, com a finalidade de debater problemas da mais altasignificação para as relações internacionais e para o desenvolvimento entreos povos do mundo. Na agenda dos trabalhos da conferência encontram-se temas que constituem objeto das grandes preocupações atuais de todaa humanidade. Dos estudos e debates aqui travados, certamente surgirãomedidas e providências tendentes a reduzir a tensão internacional e o Brasilformula votos para que elas se concretizem, pois tudo quanto se relacionacom a preservação da paz universal e com a melhoria das relações entre ospovos encontra apoio e o aplauso do governo e da opinião pública do meupaís. Reúne-se esta conferência numa hora cuja gravidade histórica nãopodia ser prevista no instante em que ela foi convocada. Nenhum de nósignora que a capacidade destruidora das armas estratégicas modernas com-prometeria não só o futuro biológico da espécie, mas a própria sobrevivênciadas categorias morais e das instituições políticas que os parlamentares aquireunidos representam. Creio não exagerar dizendo que os próprios fatoscolocaram, assim, diante desta conferência e acima de todos os itens de suaagenda, o encargo do exame sereno da situação com que nos defrontamos,para chamar os povos e, sobretudo, os seus dirigentes ao dever da coexis-tência, que é condição essencial e imperativa da preservação da paz.

Nas circunstâncias atuais do mundo, compete, não apenas aosgovernantes, mas a todos os cidadãos, concentrar seus esforços, sem

2 N.E. – Encaminhada às missões diplomáticas do Brasil em Moscou, Praga, Varsóvia,Bucareste, Budapeste e Belgrado.

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desfalecimentos, para evitar a catástrofe de uma guerra que, com o empre-go das [armas] nucleares, não apresentaria nem vencidos nem vencedores.Desta assembléia participam parlamentares de nações que adotam formasde governo e regimes políticos diversos, fato que demonstra a possibilida-de de coexistência entre representantes de sistemas de governos diversose de ideologias opostas. Se isso acontece entre pessoas, é lícito esperar queo mesmo suceda entre as nações, não obstante se orientarem por diferen-tes filosofias de vida.

A política externa exprime, de modo muito sensível, os sentimentos,as forças e os valores que orientam e definem a política interna. Se preva-lecerem, no plano interno, propósitos de entendimento; se nele predominaro anseio de conciliação entre as liberdades públicas e a justiça social; se apolítica interna se inspirar no respeito à liberdade de opinião e à ordemjurídica em que se ampara e dignifica a pessoa humana, então a políticaexterna, inspirada por propósitos semelhantes, poderá consolidar a paz, queé a condição indispensável à sobrevivência de todos os povos. Seja-mepermitido dizer que a contribuição que o Brasil vem procurando empres-tar ao entendimento entre os Estados e à paz universal traduz, acima detudo, os ideais que norteiam nossa vida nacional. Entre esses ideais, dese-jo destacar a fidelidade à forma de governo democrático-representativa; aconvicção de que poderemos processar o desenvolvimento do país e alcan-çar as reformas sociais, com pleno respeito às liberdades individuais; o valorque emprestamos ao fato de ser a nossa uma sociedade multirracial, semconflitos nem tensões daí decorrentes; nossa tradição internacional dedefesa dos meios jurídicos e repulsa à violência para a solução das divergên-cias entre os Estados. Considero, no mais alto relevo, o ponto do temáriodesta conferência que diz respeito ao comércio internacional como fator deprogresso econômico e social das nações subdesenvolvidas. A política ex-terior do Brasil tem procurado dar ênfase à ampliação do mercado externoe à intensificação das relações comerciais com todos os países. É chegado,agora, o momento de reconhecermos que a queda permanente dos preçosdos produtos primários – fixados pelos países consumidores – e a elevaçãoparalela dos preços dos equipamentos e manufaturas geram um processode empobrecimento contínuo das economias mais débeis, em proveito das

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economias mais fortes, anulando em larga escala os benefícios da coopera-ção financeira internacional. Em assembléias, como estas, podem germinarsugestões capazes de corrigir esse processo ao longo do qual se estão, cadavez mais, distanciando os países industrializados dos que ainda se encon-tram em desenvolvimento. Não tenho dúvidas em afirmar que o sentimentocoletivo brasileiro louva a iniciativa desta conferência, no sentido de fixarprincípios e procedimentos para apreciar a aplicação da declaração dasnações sobre a outorga da independência aos países e aos povos coloniais.A marcha do colonialismo deve ser definitivamente apagada da civilização,do mesmo modo que os anseios dos países não desenvolvidos se voltam paraa emancipação econômica através do seu próprio esforço e da cooperaçãointernacional. Devo aqui recordar que a Organização das Nações Unidas,que hoje celebra o seu 17º aniversário, consagrou à década do desenvol-vimento os anos que medeiam entre 1960 e 1970. Façamos votos pelaprosperidade dessa organização, voltada para a defesa da paz. A ela reno-vamos nossa fidelidade e nossa confiança.

Ao concluir, desejo augurar aos senhores parlamentares uma estadafeliz em nossa pátria e pleno sucesso nas grandes linhas que comandam opromissor temário desta ilustre reunião.

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DOCUMENTO 7

Registro da reunião do chanceler Hermes Lima com líderes partidáriosda Câmara e do Senado3

Brasília, 29 de outubro de 1962.

Ministro Hermes Lima – Eu lhes pedi o favor de virem até aqui por-que imaginei que, em face da Conferência Interparlamentar que se estárealizando em Brasília, em face de ser esta semana muito sacrificada porferiados, nós não teríamos oportunidade de nos encontrar em Brasília e,sendo assim, tentei falar com o maior número possível de líderes paraconvidá-los para este encontro, para esta conversa – que o governo tem odever de ter com a Câmara, através de seus líderes – para que, deste pri-meiro contato, alguma coisa possa ser conhecida da nossa posição em faceda crise que se estabeleceu.

Recordam-se os eminentes representantes que, antes dessa crise,houve uma reunião de chanceleres, em Washington. Essa reunião tratouda situação que se estava caracterizando na América, uma certa entradamais intensiva de elementos soviéticos em Cuba. Nessa reunião, que ter-minou com o comunicado de todos conhecido, não se falou, não houvecomunicação, da parte do governo americano, de que houvesse armamen-to ofensivo em Cuba; ao contrário, o que se afirmou nessa reunião foi queo armamento que estava em Cuba era armamento de natureza defensiva.Isto nos foi comunicado por nota do governo americano e o subsecretáriode Estado Ball, no Congresso americano, declarou isto: que o armamentoera defensivo, e chegou a dar as características do armamento. Durante operíodo da reunião de chanceleres, nada se articulou a respeito da instala-ção de bases de teleguiados e com possibilidade de possuir armamentonuclear em Cuba; ao contrário, o que até então o governo americano afir-mou é que esse armamento era defensivo, comunicado por nota do governoamericano. Passados 10 ou 12 dias, em uma terça-feira, dia 22 do corren-te, o presidente Kennedy faz uma comunicação pelo rádio à naçãoamericana dizendo que ele, desde o sábado anterior, estava de posse de

3 N.E. – CPDOC, Fundação Getúlio Vargas.

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fotografias que denunciavam, sem dúvida alguma, a construção de basesem Cuba e bases que deviam receber, pela sua própria estrutura e pela suaprópria forma, foguetes. Essas bases estavam em construção, conforme osserviços fotográficos da aviação americana mostrava, e que ele tinha toma-do, momentos antes, por iniciativa própria, como chefe de Estado da naçãoamericana, a resolução de estabelecer um bloqueio de todos os navios quedemandassem Cuba, para evitar, como medida de primeira urgência, queesses navios pudessem continuar a transferência de armas que poderiamser nucleares. O presidente tomou essa resolução com sua autoridade depresidente dos Estados Unidos da América, tomou por sua própria auto-ridade, sem comunicar a ninguém. Essa comunicação foi feita depois quea resolução do presidente Kennedy havia sido tomada. O secretário deEstado convidou os embaixadores de toda a América e das nações amigase deu a eles conhecimento da resolução do presidente de estabelecer blo-queio. A convocação particular dos embaixadores latino-americanos foi nosentido de que a Organização dos Estados Americanos se reunisse imedia-tamente no dia seguinte, quarta-feira, e que ela se transformasse em reuniãode consulta, para tomar as medidas apropriadas que estão previstas noTratado do Rio de Janeiro. Então, no dia 23, reuniu-se o Conselho daOrganização dos Estados Americanos, decidindo aceitar o pedido de con-vocação dos Estados Unidos da América de acordo com o Tratado do Riode Janeiro nos seus artigos 6º e 8º. Instalado o conselho, o governo dosEstados Unidos propôs um projeto de resolução, já de todos conhecido e quepode ser dividido em duas partes, em dois artigos. O primeiro artigo esta-beleceu a necessidade do bloqueio de Cuba para que nenhum armamentopudesse ser transferido para o território cubano; no segundo artigo, se es-tabeleceu que o emprego pleno de forças armadas poderia ser aplicado,desde que circunstâncias assim o determinassem e que exigências provas-sem necessários. Exatamente em face desse projeto americano – estávamosaqui estudando o projeto americano –, demos instruções ao nosso embaixa-dor na OEA para que ele votasse, sem dúvida, pelo bloqueio imediatamente,pois que a transferência de armas nucleares para o território de um paísamericano é uma infração prevista do Tratado do Rio de Janeiro. Ora,havendo essa denúncia de que se estava construindo bases e que material

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de alto poder ofensivo se estava transferindo para Cuba, não poderíamosdeixar de dar o nosso voto para que se estabelecesse um bloqueio. Nosegundo item – o que previa o pleno emprego da força, se as circunstânciaso permitissem –, nós fizemos uma ponderação, que nos parece essencial:que essas medidas que pudessem ser necessárias para a destruição dasbases, medidas que envolveram o Brasil, essas medidas deviam ser toma-das depois de duas condições – (1) depois de uma comprovação daexistência dessas bases e (2) depois de ser enviado a Cuba um observadorpara constatar se havia ou não essas bases. Isso foi muito corretamente ex-presso na carta que o nosso embaixador da OEA, Penna Marinho, e onosso embaixador junto ao governo americano, Roberto de Oliveira Cam-pos, teve [sic] com o subsecretário Martin, que é o encarregado dosAssuntos da América Latina. (Lê o telegrama.)

Sob a pressão mundial, a instalação de teleguiados acaba de sersuspensa; o desmonte dessas instalações acaba de ser ordenado. A nossaposição era de não deixar, nunca, que mecanismos internacionais entras-sem a funcionar no processo da crise, a fim de levá-los ao desfecho pacíficoque se pronunciava.

Uma pergunta – Quer dizer que o embaixador do Brasil na OEAvotou correto?

Ministro Hermes Lima – Votou correto. Nos abstivemos no parágra-fo 2º e votamos a resolução como um todo para não anular o nosso voto afavor do bloqueio. Essa é a primeira razão. A segunda razão eram as pró-prias circunstâncias em que a crise se estava desenvolvendo. Portanto, danossa parte, não houve dubiedade, timidez; não houve especulação. O quehouve da nossa parte foi a certeza, que nós tínhamos, de que não era pos-sível, no processo dessa crise, fechar as portas às negociações internacionais;e não nos queríamos qualificar, numa emergência, como um país que ape-nas acompanha os acontecimentos, mas, sim, como um país que, sendomilitarmente fraco, tem condições políticas para dar uma palavra e umacontribuição ao desenvolvimento pacífico e para qualificar a nossa posiçãoem face da extrema gravidade da crise e em face das próprias alegações

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americanas de que eles não poderiam tolerar as bases no território de Cuba,conforme nós sempre estivemos de acordo.

Hoje, a natureza dos armamentos nucleares determina que as naçõesfortes é que devem ser pacientes e cuidadosas, não as nações fracas. An-tes do armamento nuclear, a nação fraca devia ter cuidados extremos; hoje,pela natureza desses armamentos, com a destruição de que são capazes defazer, antes e acima de tudo, no solo das nações mais fortes, elas têm de sercuidadosas e pacientes e isso se demonstra pela marcha da crise. Os Es-tados Unidos não foram imediatamente às ultimas conseqüências, elestiveram o cuidado que um estadista teria de ter, cuidado de permitir con-versações e contatos, de modo a evitar a guerra nuclear de que eles sairiamvitoriosos, mas que, como disse o presidente Kennedy: “com um gosto decinza na boca”.

A nota do governo brasileiro confirma o nosso voto na OEA. Nãohouve dúvida alguma a respeito disso. Transcrevemos nessa nota a decla-ração que o nosso representante fez ao votar. A crise se processava e nósnão ficamos inertes. Iniciamos uma gestão junto ao governo de Havana, nosentido de mostrar-lhes que eles não tinham outra saída: ou mostravamque não tinham bases instaladas, ou, pelo Tratado do Rio de Janeiro, apresença de bases nos obrigava a desmontar essas bases. Em consultastelegráficas, em consultas telefônicas – insistentemente, com o nosso em-baixador em Havana –, fizemos sentir ao governo de Havana que a nossaopinião era no sentido de que esse governo tivesse sentido ser necessáriauma inspeção, feita por observadores (até escolhidos por eles), ou então,desmontar as bases. Essas gestões, junto ao governo de Havana, foramgestões que tiveram uma certa repercussão. Acredito, pela informação quetemos, que o Brasil, que as nossas gestões, não se limitaram ao governo deHavana, se desenvolveram no fórum das Nações Unidas, pois tomamos ainiciativa de apresentar um projeto de desnuclearização da África e Amé-rica Latina. Esse projeto deve ser apresentado hoje. É um projetoimportante, por um motivo especial: é um projeto que prevê a inspeçãointernacional nessas áreas. Embora esta inspeção seja localizada na Amé-rica Latina e África, o fato de ela poder ser aceita por todas as nações é umpasso extraordinário para que essa inspeção possa ser alargada, em todas

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as áreas, inclusive a África e a América, pois, sem isso, não se pode fazero desarmamento. Adianto que o governo americano aprovou o projeto dedesnuclearização, achou muito boa a idéia e [ela] está ganhando terreno;o apoio que está recebendo é cada vez maior e resulta em uma saída,embora parcial, para o problema do desarmamento na base da inspeção, oque é de importância fundamental. Nas gestões junto ao governo america-no, tivemos o cuidado de mantê-los informados de todos os nossos passose informados previamente da posição que iríamos assumir na votação daOEA. O embaixador americano foi muito amável, telefonou ele mesmo parao seu governo, transmitiu nossas sugestões, que lhe pareciam razoáveis. Ogoverno americano tomou a iniciativa de acrescentar no seu próprio proje-to, parágrafo 4º, no fim, referências à inspeção por parte das Nações Unidas.

Ministro Helio Cabal – A proposta brasileira, quando da apresenta-ção do projeto de resolução americano na Organização dos EstadosAmericanos, não foi no sentido de se dividir o conteúdo da nota em duaspartes?

Ministro Hermes Lima – Foi. A divisão foi feita apenas na votação.

Ministro Helio Cabal – No voto estava incluído o bombardeio?

Ministro Hermes Lima – Tudo o que fosse necessário para desman-telar as bases. O bombardeio era a medida de que o governo americanosempre cogitou.

Ministro Hermes Lima – Vão me desculpar. Volto já. Deixo em meulugar o embaixador Carlos Alfredo Bernardes.

Embaixador Carlos A. Bernardes – O Brasil era a favor do bloqueio paraimpedir o envio de armas, mas contra o emprego de força armada antes quese configurasse a existência patente de armas de agressão. Queríamosconfirmar primeiro, para depois tomarmos uma atitude. Aplicaríamos todosos meios antes de chegarmos à ação militar.

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O Brasil votou com um voto passivo na primeira parte e um voto deabstenção na segunda parte. A divisão, na votação, foi perfeita e foi aceita.No voto de abstenção, três países o acompanharam: México, Chile e Uru-guai.

Ministro Hermes Lima – As gestões não estão terminadas. O proble-ma – com a aceitação, por parte da União Soviética, de desviar a rota dosnavios que vinham em direção a Cuba e, agora, com o desmantelamentodas bases – compreende aí um período de grandes negociações. A impres-são que temos é que o uso da força está afastado. Temos que chegar a umaconclusão, de como chegar a uma solução final do problema criado peloregime político de Cuba no seio da Organização dos Estados Americanose no continente. Esse é o momento em que um país como o Brasil, compossibilidade de conversações e acesso aos três países envolvidos no pro-blema, pode ser de grande utilidade. Conservamos os nossos embaixadoresem Moscou, Washington e Cuba extremamente ativos para encontrar aformulação que deverá pôr fim ao problema.

Como vêem, a nossa posição foi uma posição firme, de fidelidade aosnossos compromissos; de fidelidade, também, com os compromissos quenós temos com a paz. O Brasil não teve uma atitude passiva, mas umaatitude que pôde representar uma contribuição à possibilidade de estabe-lecimento de contatos, de negociações para que a crise pudesse ser resolvida.O problema era essencialmente americano-soviético, mas, em todo caso, aposição dos países – de um lado e de outro – poderia levar um pouco deprudência, no sentido de que pudesse haver um entendimento. Os Esta-dos Unidos tomaram uma atitude decidida e radical, mas não exerceramimediatamente os atos que daí poderiam decorrer; os Estados Unidos tam-bém souberam esperar que contatos se estabelecessem até que a pressãointernacional, a que nós nos referimos, se estabelecesse de tal modo que ocontato entre os dois partidos chegasse a um acordo. A natureza da guerranuclear fez com que os povos, que estão de posse do domínio dessas armas,tenham necessidade de ser pacientes, cuidadosos. Não seria agradável parao presidente Kennedy sair vitorioso numa guerra dessas.

Tenho que lhes comunicar o seguinte, mas peço reserva: ontem, se-guiu para Havana um emissário do governo brasileiro, pois, em face dessa

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situação, um país que tem condições para dialogar com Cuba, no sentidode restabelecer o processo da incorporação de Cuba no sistema pan-ame-ricano, é o Brasil. O secretário-geral das Nações Unidas, convidado a ir aCuba, mostrou preferências para viajar a Cuba num avião brasileiro epusemos um avião à disposição dele. Isso significa que, realmente, a nossasituação nos permite, hoje, em face do rumo que os acontecimentos estãotomando, exercer, realmente, o papel de manter contatos entre Cuba e asdemais nações americanas. Nesse sentido, a nossa posição é reconhecidapor todos e utilizada, posso lhes assegurar, pelos maiores interessados nasolução da crise. Acredito, portanto, que a política internacional do Brasilnesse caso se orientou pelo melhor, pois a nossa posição é a seguinte: não[às] armas nucleares em Cuba; inspeção em toda a América Latina, paraassegurar que não existem armas nucleares e que Cuba, naturalmente, nãose estabeleceu com bases no continente; defender para Cuba o direito deter o seu regime, fazer a sua experiência política a salvo de invasão do seuterritório, seja por nações americanas ou por exércitos de asilados formadosno solo de nações americanas. Desde que Cuba ofereça essas garantias, oproblema de Cuba é um problema cubano. Achamos conveniente essainspeção a que me referi nos países americanos. Cuba não perde nada comisso; só tinha a perder com a sua incorporação ao sistema ofensivo soviéti-co: perderia, aí, tudo. Mas, se ela se desincorpora do sistema ofensivosoviético e se mantém dentro da sua linha política normal, é um país quevive a sua vida – a que tem direito, como tem direito à sua integridade fí-sica e política – e, nesse sentido, o Brasil está disposto a proporcionar a Cubatodos os bons ofícios.

Eu lhes queria dar essas informações porque elas correspondem, real-mente, aos fatos. Nós não tivemos, na nossa posição, outro cuidado senãoo de ser fiel aos compromissos internacionais e de defender a paz para omundo.

Estou pronto a dar qualquer informação.4

............................................................................................................................

4 N.E. – Segue-se diálogo com alguns deputados, que não aduz informações relevantes.

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DOCUMENTO 8

Entrevista coletiva concedida pelo chanceler Hermes Lima à imprensa5

Palácio Itamaraty, 30 de outubro de 1962.

Ministro Hermes Lima – Tenho muito prazer em estar aqui com ossenhores e estou às ordens para qualquer indagação e informação.

Senhor Primeiro-Ministro, para todos, a grande pergunta que está no aré esta: qual o real objetivo da missão do governo brasileiro em Havana? Osjornais fizeram várias suposições e gostaríamos de ouvi-lo a respeito do assunto.

O general Albino Silva foi à Havana para levar ao governo de Cubaa reafirmação dos nossos pontos de vista, que ali já haviam sido expostospelo embaixador Bastian Pinto. Entendemos que, com as novas perspec-tivas e a solução pacífica da crise, seria oportuno que ali, junto ao governode Havana, tivéssemos, ao lado do embaixador Bastian Pinto, cuja atua-ção quero louvar e agradecer, um emissário especial, um representante dogoverno na reafirmação da linha das nossas sugestões, com as quais julga-mos estar contribuindo para o processamento de negociações e contatosindispensáveis.

Senhor Ministro, essa missão poderia ter alguma coisa a ver com aneutralização de Cuba?

Pelo menos, é o caminho para uma posição que assegure a normali-zação das relações entre Cuba e os demais países do hemisfério. Éexatamente o processo dessa normalização que é necessário estabelecer.

Senhor Ministro, o senhor poderia enumerar as sugestões feitas ao gover-no de Havana?

As nossas sugestões ao governo de Havana foram no sentido de ficarconstatada ou não a existência de bases; ou então, o desmantelamentodessas bases, como condição fundamental para a superação da crise.

5 N.E. – CPDOC, Fundação Getúlio Vargas.

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Senhor Ministro, quais são as conseqüências dessas sugestões que o governobrasileiro fará a Fidel Castro?

Não posso prever as conseqüências. Espero que sejam todas elas embenefício da manutenção da paz e da normalização entre as relações dosEstados americanos.

Senhor Ministro, foi dito que uma das missões era a de estimular o go-verno cubano a restabelecer a democracia representativa.

De modo nenhum. Isto seria intromissão nos negócios internos deCuba.

...........................................................................................................................

Senhor Ministro, o senhor tem notícias recentes de como se processam as‘démarches’ em Cuba?

Tenho notícias [de] que o general Albino Silva já se encontrou como primeiro-ministro Fidel Castro, que teve mesmo a delicadeza de ir falarcom ele na embaixada do Brasil.

Senhor Ministro, o senhor poderia precisar o que o governo brasileiroentende por normalizar as relações de Cuba com os vizinhos americanos?

As relações de Cuba com os países americanos são relações interrom-pidas, com quase todos eles. Normalizar é o progressivo restabelecimentode relações, pois o restabelecimento dessas relações, nos parece, representauma garantia, não só para Cuba, como, também, para todos os outros países.

As gestões que nós, desde o início da crise, estávamos fazendo emHavana, mereceram atenção especial do governo de Havana; informamosao embaixador dos Estados Unidos que essas gestões estavam sendo fei-tas e que eram necessárias, visto que eram uma contribuição à manutençãoda paz. Eu desejaria chamar atenção dos senhores para o seguinte fato, queé um ponto importante: com a natureza dos armamentos nucleares, hoje emdia, os estados que são obrigados a ter paciência e cuidado são os estadosfortes, os estados que possuem esses armamentos nucleares, de modo que– ao contrário do que sucedia em tempos passados, em que a paciência e

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cuidado se exigiam dos estados pequenos e fracos, pelas conseqüências daprópria guerra – os estados fortes são obrigados a ter o máximo de cuidadoe atenção nas démarches internacionais. E foi por isso que ocorreu exata-mente o que o governo brasileiro sentiu: que, antes de se desencadear aguerra nuclear, antes disso, era necessário um esforço supremo, a que eledeu sua contribuição, por modesta que tenha sido, para que o mecanismodos órgãos internacionais pudesse estabelecer contatos, conversações, a fimde que um possível acordo fosse concluído; e foi exatamente o que suce-deu. Mesmo os Estados Unidos, com sua superioridade nuclear, tiveramprudência e cuidado, o que prova, realmente, a alta capacidade política eo quilate de estadista do presidente Kennedy; também o mesmo se podedizer do primeiro-ministro Krushev.

Uma missão como essa do general Albino, ele foi incumbido de levar essasnegociações até o fim, para o êxito ou fracasso?

Ele foi com o fim de reafirmar as nossas gestões, colher as impressõese terá que voltar o mais rapidamente possível.

Ministro, o senhor falou em superioridade nuclear dos Estados Unidos:essa superioridade é em relação à Cuba, à Rússia ou aos dois?

Ao mundo inteiro.

Senhor Ministro, a Rádio Nacional divulgou notícia segundo a qual sesoube que a Índia teria pedido apoio do Brasil. O senhor pode nos dizer algu-ma coisa?

Não tenho conhecimento disso.

Senhor Ministro, Cuba, abrindo as portas à missão brasileira, está ini-ciando um processo de mediação?

Nós não nos propusemos a um papel de mediador. Nós não nos ofe-recemos, mas estamos tomando a iniciativa dessas démarches por nossa contaexclusiva, pois achamos que a situação internacional chegou a tal ponto, quenão deveríamos deixar de tomar todas as providências para evitar a guer-ra. As iniciativas foram nossas, tivemos de tomá-las porque julgamos a

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situação tão crítica que um país que tem, ao lado dos seus compromissos in-ternacionais, compromissos para a defesa da manutenção da paz, como oBrasil, não podia faltar à iniciativa de tudo que fosse ao seu alcance paraa manutenção da paz.

Senhor Ministro, é certo que Fidel Castro falou pelo telefone com o pre-sidente da República?

Os senhores precisam fixar bem o seguinte: o Brasil não se propôsoficialmente como mediador, ele tomou a iniciativa por sua conta e risco.

Noticiou-se hoje que Vossa Excelência e o embaixador Penna Marinhoirão ao Senado para prestar informações sobre as medidas que o Brasil tomouna OEA. Nessa pergunta que farei em seguida, pergunto: o deputado LeonelBrizola, na televisão, disse que o embaixador Ilmar Penna Marinho teriadecidido sem a orientação do governo brasileiro; Vossa Excelência disse que não;e nós, da imprensa, temos tido dificuldade em esclarecer aos leitores – nestadivergência de informações – tudo que o governador Brizola teria dito, pois comoeste tem parentesco com o presidente da República...

Não vejo porque essa dificuldade, visto que o ministro do Exteriorsou eu.

O embaixador Penna Marinho foi recebido pelo senhor, queremos saberquando retorna ao seu posto.

Na próxima sexta-feira.

Por que motivo foi chamado o general Albino Silva para chefiar essamissão, eminentemente militar?

Por algumas razões: porque é o chefe da Casa Militar do presidenteda República; e, também, porque se trata de uma figura das nossas forçasarmadas; e, ainda, porque é um dos oficiais-generais mais competentes ede maior lucidez que possuímos.

Senhor Ministro, o ministro Krushev, domingo, [deu] a entender, namensagem que enviou ao presidente Kennedy, que pedia garantias para que

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Cuba não fosse invadida. Nas conversações havidas do governo dos EstadosUnidos com o brasileiro, houve compromisso semelhante?

Não passamos nota alguma nesse sentido, mas para nós bastou o queo presidente Kennedy declarou no seu discurso: que os Estados Unidos nãoinvadiriam Cuba.

Ministro, o senhor pode nos dizer alguma coisa sobre a visita do presi-dente Kennedy?

Foi adiada para janeiro.

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DOCUMENTO 9

Discurso do ministro Hermes Lima, na instalação do COLESTE, em 27de dezembro de 1962Circular n. 4.529, de 2 de janeiro de 1963.

Estamos hoje reunidos aqui para instalar o Grupo de Coordenaçãodo Comércio com os Países Socialistas do Leste Europeu, criado pelo de-creto n. 1.880, de 14 do corrente.

A idéia de um órgão dinamizador do intercâmbio comercial com a áreasocialista não é nova. Baseia-se no reconhecimento de dois fatos:

1) que o mundo socialista, por ser a área que apresenta a maior taxade crescimento econômico contínuo, oferece um mercado de altapotencialidade, capaz não só de consumir quantidades crescentesde produtos primários tradicionais da nossa pauta de exportação,mas também de absorver bens industriais fabricados no Brasil; e

2) que, em virtude de diferenças estruturais, as relações comerciaiscom os países de economia centralmente planificada oferecem di-ficuldades operacionais que demandam coordenação rápida eestreita dos órgãos governamentais interessados no problema edesses com os setores da produção.

O COLESTE, tal como previsto no decreto 1.880, visa a promoveressa coordenação. Sua organização e estrutura foram objeto, ao longo do anode 1962, de estudos minuciosos e sua criação foi finalmente autorizada peloConselho de Ministros, na sessão de 27 de setembro de 1962.

É bom que se recordem, a propósito, as circunstâncias em que se deuessa autorização, pois a própria vida do grupo e a maior ou menor eficáciade seus trabalhos dependerá do conhecimento desses antecedentes e doque eles significam para a nossa política comercial com a área socialista.

Naquela sessão de 27 de setembro, tive a honra de fazer ao conselho,na qualidade de ministro das Relações Exteriores, detalhada exposiçãosobre as possibilidades, vantagens e problemas do nosso comércio com os

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países socialistas. Mostrei, então, ao conselho, que alguns dos fatores degrave perturbação da nossa economia – tais como: dificuldades no balançode pagamentos, custo despropositadamente oneroso da acumulação deestoques de café e, acima de tudo, o desastroso impacto das flutuações nasrelações de troca – poderiam ser, em parte, anulados por um esforço deexpansão do nosso comércio com a área socialista. Deixei bem claro entãoe o repito agora, que esse esforço não se destinava a substituir ou deslocaráreas de comércio tradicional brasileiro e que era acessório e paralelo àsprovidências que deviam e devem ser tomadas, globalmente, para eliminardefinitivamente aqueles graves problemas.

Em apoio da minha argumentação, citei cifras. Baste que relembreaqui, atualizando-as, alguns dados sobre a deterioração dos termos dointercâmbio com as áreas tradicionais, para que se tenha idéia da gravida-de da situação. De acordo com estudos internacionais recentes e compila-ções feitas no Brasil por órgãos oficiais, no período 1953-1961, as perdasde divisas resultantes da queda dos preços de nossos produtos de expor-tação se eleva a mais de 2 bilhões de dólares. O mais grave, porém, é quea deterioração é progressiva, tendendo a acentuar-se nos últimos três anosdaquele período: se tomarmos por base o ano de 1953, verifica-se que, em1954, tivemos um aumento relativo da ordem de 230 milhões de dólaresna nossa receita de exportação. Daí por diante, tivemos perdas anuaissuperiores a 100 milhões, em 1955, 1956 e 1957; a 200 milhões, em 1958;e, por fim, maiores de 500 milhões, por ano, em 1959, 1960 e 1961.

Diante desse quadro sombrio, mostrei que, no meu entender, o Bra-sil estava perfeitamente justificado, na defesa dos seus melhores interessese para salvaguarda do seu ritmo dinâmico de desenvolvimento, a procurarabrir ou expandir novos mercados, sem prejuízo daquelas medidas de or-dem geral destinadas a estabilizar os preços de nossos produtos no mercadointernacional e a possibilitar o aumento de nossas exportações.

Compreendeu perfeitamente o Conselho de Ministros a seriedade doproblema e as verdadeiras proporções do equacionamento que se procuravadar ao comércio com a área socialista. Assim, ao autorizar a criação do gru-po que ora instalamos, não só reconheceu a conveniência e necessidade de

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ser mantido e ampliado esse comércio, como, indo mais além, fixou diretri-zes de governo para consecução desses objetivos.

Nessas condições, a missão do grupo se define e se aclara: não se tra-ta mais de discutir conveniências ou analisar teorias; cumpre-lhe, nos termosdo decreto 1.880, velar pela execução daquela diretriz, apontando soluções,removendo entraves, criando condições, enfim, para a maior penetração dosprodutos brasileiros naquela área.

Essa missão será cumprida sobre bases friamente técnicas e em obe-diência, exclusivamente, aos superiores interesses nacionais. A expansãodo intercâmbio com a área socialista é objetivo de política comercial. Assimsendo, não tem e nem poderia ter qualquer motivação de natureza políticaou ideológica. Não envolve simpatias, preferências ou inclinações. É ato desoberania fundado em razões de ordem econômica e comercial e somentecomo tal deve ser entendida.

Por outro lado, a intensificação desse intercâmbio não deve ser enca-rada como uma simples relação de trocas estipuladas pelo governo. Somosmovidos, nesse caso, pela necessidade de incrementar, dentro de um cri-tério geral, as nossas exportações – que vêm diminuindo sensivelmente devalor, como é sabido – a fim de podermos importar desses mercados asmatérias-primas, os alimentos, os produtos químicos, os bens de capital quenos permitam atender às imperiosas necessidades do desenvolvimentoeconômico do país.

Não se pense que, com essa política, pretende o governo chamar a sia execução das nossas importações da área e das exportações para a mes-ma [área]. Ao contrário, o que se almeja é justamente fazer com que nãosó o setor público da economia brasileira, como o setor privado – e, princi-palmente, este – possam aproveitar melhor as possibilidades atualmenteexistentes.

Por todas essas razões, é inadmissível que se procure, através dejuízos infundados e indiscriminados, subordinar um legítimo e claro inte-resse nacional a contingências ou problemas de conflito ideológico entreblocos e facções.

O governo confia em que o Grupo de Coordenação do Comércio comos Países Socialistas da Europa Oriental, integrado por órgãos da mais alta

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responsabilidade e de respeitável tradição de bons serviços ao povo brasi-leiro, cumprirá plenamente com sua importante missão, apresentando, acurto prazo, resultados positivos e de alta significação para a economia dopaís.

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DOCUMENTO 10

Resumo das atividades da delegação do Brasil à XVII sessão da AssembléiaGeral da ONUCircular n. 4.548, de 8 de janeiro de 1963.

I. Eleição do Brasil para o Conselho de SegurançaA Assembléia Geral elegeu o Brasil, em primeiro escrutínio e por 91 votos– o maior número de votos dado a qualquer dos candidatos –, para servir pordois anos como membro não permanente do Conselho de Segurança. Acandidatura do Brasil, apoiada unanimemente pelo grupo latino-americano,recebeu o apoio de todos os membros permanentes do Conselho de Segu-rança: Estados Unidos, França, Reino Unido, União Soviética e China. Aeleição do Brasil representou uma reafirmação de confiança da comunida-de internacional na ação que o nosso país vem desempenhando nas NaçõesUnidas e ressaltou a importância da contribuição brasileira à solução dosproblemas mundiais, principalmente os relativos ao desarmamento, à des-colonização e à política de desenvolvimento econômico das áreas menosdesenvolvidas.2. Graças à eleição do Brasil, a América Latina manteve o mesmo nú-mero de representantes no Conselho de Segurança.

II. Eleição de U Thant para secretário-geral3. Durante a visita oficial que U Thant fez ao Brasil, em agosto de 1962,o senador Afonso Arinos de Melo Franco comunicou-lhe a decisão dogoverno brasileiro de apoiar a sua eleição para o cargo de secretário-geral.Abrindo o debate geral da XVII sessão da Assembléia Geral, o senadorAfonso Arinos revelou essa decisão, sendo, assim, o Brasil o primeiro paísa apoiá-lo oficialmente.4. A Assembléia Geral, tomando conhecimento de recomendação favo-rável do Conselho de Segurança, elegeu U Thant por unanimidade comosecretário-geral efetivo.

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III. Desnuclearização da América Latina5. Abrindo os debates da XVII sessão da Assembléia Geral, o senadorAfonso Arinos declarou o seguinte:

O Brasil é também favorável, em princípio, ao estabelecimento de

zonas desnuclearizadas no planeta, desde que as propostas que visema esse fim não se enquadrem no processo polêmico da Guerra Fria, da

qual continuaremos afastados. A América Latina poderia ser umadessas zonas desnuclearizadas.

6. Aquela asserção indicava claramente que o Brasil considerava neces-sária a desnuclearização da América Latina, mas que ainda não haviatomado nenhuma decisão quanto à oportunidade de propô-la à AssembléiaGeral. A deflagração da crise provocada pela introdução de armas nuclea-res no território de Cuba pela União Soviética mostrou, de maneira concreta,o tremendo perigo de alargamento das zonas nuclearizadas.7. Julgou a delegação do Brasil que um projeto de resolução a respeitoda desnuclearização da América Latina poderia não só contribuir paradiminuir a tensão internacional e para a causa do desarmamento comooferecer uma solução para a crise cubana. Assim, a delegação do Brasilapresentou um projeto de resolução pelo qual a Assembléia Geral recomen-daria aos países da América Latina que negociassem, pelos meios emétodos que julgassem mais apropriados, acordos em virtude dos quais ospaíses dessa região:

a) conviriam em não fabricar, receber, armazenar nem testar armasnucleares e instrumentos de lançamento das mesmas;

b) concordariam em desfazer-se, imediatamente, de toda arma nu-clear e de todo veículo de lançamento nuclear que se encontrasseem seu território;

c) estabeleceriam as medidas de verificação sob as quais se poderiachegar a acordo para se assegurar que as referidas disposiçõesfossem efetivamente cumpridas.

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Além disso, o projeto encarecia a todos os Estados-membros queemprestassem sua colaboração a respeito das disposições acordadas e que,de conformidade com as mesmas, considerassem o território da AméricaLatina como zona desnuclearizada e que a respeitassem como tal. O pro-jeto, por último, solicitava ao secretário-geral que, a pedido dos Estados daAmérica Latina, os ajudassem a pôr em prática os acordos acima mencio-nados.8. Durante os debates, o projeto brasileiro, já então co-patrocinado pelaBolívia, pelo Equador, recebeu apoio maciço. Cinqüenta e quatro delega-ções a ele se referiram e a maioria delas lhe deram o seu apoio entusiástico.Entre as delegações que apoiaram o projeto brasileiro figuravam países detodas as regiões do mundo pertencentes a todos os blocos, alinhados ou não-alinhados, comprometidos ou não-comprometidos. Nenhuma objeção foiapresentada ao projeto brasileiro na primeira comissão. O projeto recebeuapoio da grande maioria de países latino-americanos, o que não constituisurpresa, pois fora concebido à luz das mais profundas tradições jurídicase políticas do continente. O presidente Alessandri, do Chile, interpretan-do aquelas tradições, exprimiu, perante a Assembléia Geral, a esperançade vê-lo aprovado em breve.9. A iniciativa do Brasil obteve, ainda, repercussão excepcional e favo-rável na imprensa mundial, especialmente na imprensa norte-americana.10. Ao contrário do que se esperava, contudo, as negociações entre aspotências interessadas – relativas à inspeção in loco, em território cubano,sobre a existência de armas nucleares – se prolongaram além do término dostrabalhos da sessão da Assembléia Geral. No dia l8 de dezembro, o dele-gado do Uruguai, depois de elogiar a iniciativa do Brasil e declarar que, umavez posto em votação o projeto, o seu país o apoiaria, propôs – tendo emvista precisamente o fato da não-solução final da crise cubana e realçandoo valor permanente da nossa iniciativa – que a primeira comissão adiassepara a próxima sessão da Assembléia Geral a votação sobre o mesmo. Acomissão assim o decidiu. Depois de tomada a decisão, o delegado do Brasil,conforme consta em ata, deixou bem claro que o governo brasileiro nãoretirava o projeto, mas apenas acedia ao desejo da comissão num pontomeramente processual: a época para a sua votação.

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IV. Supressão dos ensaios nucleares e termonucleares11. Em plenário, o senador Afonso Arinos, chefe da delegação do Brasil,solicitou prioridade absoluta para a discussão do problema da suspensãodos ensaios nucleares e termonucleares.12. Na comissão política, a delegação do Brasil solicitou à AssembléiaGeral o endosso do memorandum conjunto das oito nações chamadas “não-alinhadas” de Genebra como base de negociações entre as potênciasnucleares, com vistas à eliminação das dificuldades que ainda prevalecemno campo do controle, detecção e identificação das experiências subterrâ-neas. Sugeriu, ainda, o Brasil que as potências nucleares examinassem apossibilidade de ampliação da área de acordo já alcançada.13. Procurando concretizar o seu ponto de vista, a delegação do Brasilelaborou esboço de projeto de resolução sobre o assunto e o submeteu aosdemais membros do Grupo dos Oito de Genebra (Birmânia, Etiópia, Ín-dia, México, Nigéria, República Árabe Unida e Suécia). Pelo referido pro-jeto, a delegação do Brasil recomendava que o Comitê das Dezoito Naçõespara o Desarmamento desse absoluta prioridade à questão de um acordointernacional obrigatório sobre a cessação dos testes nucleares; endossavao memorandum conjunto dos oito países chamados “não-alinhados” doreferido comitê como base de negociação entre as partes interessadas; urgiaas potências interessadas a que, com base naquele memorandum, realizas-sem negociações com espírito de compromisso, concessão e entendimentomútuo, levando em conta os interesses da humanidade; solicitava ao Co-mitê das Dezoito Nações para o Desarmamento que procurasse chegar aum acordo sobre a cessação de todos os testes nucleares até l° de janeiro de1963. As oito delegações endossaram a proposta brasileira como base pre-liminar para discussão, estabelecendo um subcomitê de quatro países(Brasil, Birmânia, República Árabe Unida e Suécia), com a finalidade deelaborar um texto revisto.14. Foram intensas as negociações realizadas no Grupo dos Oito e, parapreservar a unidade do mesmo, a delegação do Brasil elaborou novo texto,que continha todos os pontos essenciais do primitivo projeto brasileiro como acréscimo do seguinte parágrafo: “Pede que os referidos testes cessemimediatamente e, em nenhum caso, depois de 1º de janeiro de 1963”.

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15. Aberto à assinatura das demais delegações, o projeto brasileiro foi co-patrocinado por 37 países, de todos os blocose regiões do mundo, inclusivepela Bolívia e Venezuela.16. Com modificações em pontos não essenciais, o projeto de resoluçãooriginariamente submetido pelo Brasil foi aprovado pela comissão políticapor 81 votos a favor, nenhum contra e 25 abstenções. Abstiveram-se to-dos os países membros da OTAN (exceto o Canadá, Dinamarca eNoruega) e todos os países membros do Pacto de Varsóvia. Todos os paí-ses latino-americanos – exceto Cuba – votaram a favor.17. Com o voto favorável do Brasil, aprovou-se, igualmente, projetoanglo–norte-americano sobre a suspensão dos testes. Os soviéticos vota-ram contra.

V. Questão do desarmamento18. A primeira comissão não tomou decisão de substância sobre o desar-mamento geral e completo e limitou-se a aprovar, unanimemente (somentea França se absteve), projeto de resolução processual patrocinado por 34países, entre os quais o Brasil, solicitando ao comitê de desarmamento quese voltasse a reunir e retomasse imediatamente o estudo da questão.19. A delegação do Brasil, no debate, salientou que a recente crise inter-nacional veio provar que o desarmamento é o assunto mais urgente eimportante dentre todos que ocupavam a atenção da Assembléia Geral; aquestão do desarmamento tornou-se fato demasiadamente sério e vital paraque concordemos em aceitá-lo como um simples exercício da Guerra Fria,tendo transposto mesmo os limites da política, para tornar-se problemahumano; deplorou o escasso progresso realizado pelo Comitê dos Dezoi-to, especialmente no que se refere à gradual eliminação dos veículos e armasnucleares; declarou, entretanto, que não se deviam medir os progressos nocampo do desarmamento pela extensão dos textos acordados e que se podianotar que existia hoje uma melhor compreensão do ponto de vista recípro-co e que prevalece um espírito mais objetivo quanto à maneira de abordaro problema; sustentou que prioridade deve ser acordada aos esforços paraa cessação de testes nucleares, às medidas que proíbam a disseminação dearmas atômicas e àquelas destinadas a evitar uma guerra por acidente. O

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Brasil sugeriu, ainda, fosse tentado preliminarmente um acordo sobre al-guns princípios básicos, uma ampliação da Declaração Zorin-Stevenson.Apoiou sugestão formulada pela Suécia, Canadá e Reino Unido para quese constituísse em Genebra um corpo encarregado de estudar as questõesde natureza técnica relativas ao controle, sem interferência das negociaçõesde caráter político que se processariam paralelamente.

VI. Admissão de novos países20. Durante a sua XVII sessão, a Assembléia Geral aprovou, por una-nimidade, o ingresso de seis novos países nas Nações Unidas: Argélia,Burundi, Jamaica, Trinidad e Tobago, Ruanda e Uganda. A delegação doBrasil saudou cada um dos novos Estados. Viu o Brasil com especial agra-do o ingresso, nas Nações Unidas, de Jamaica e de Trinidad e Tobago.

VII. A questão da representação da China21. A Assembléia Geral rejeitou – por 42 votos a favor, 56 contra e 12abstenções – o projeto de resolução soviético que decidia pela expulsãoda República da China e admitia, na organização, a República Popularda China. O Brasil – com a maioria dos países do ocidente e dos latino-americanos – votou contra o projeto soviético. Votaram a favor o ReinoUnido, a Índia, os países escandinavos, o bloco soviético, Cuba e váriosneutralistas.

VIII. Assuntos coloniais22. O Brasil, fiel à sua posição anticolonialista, participou ativamente dadiscussão e do encaminhamento da solução dos problemas coloniais.23. A delegação do Brasil patrocinou, sozinha, os dois projetos de reso-lução sobre territórios sob tutela, aprovado o primeiro por maciça maioria,com abstenção dos socialistas, dispondo sobre o relatório do Conselho deTutela; aprovado o segundo por unanimidade, dispondo sobre a difusão deinformação das Nações Unidas e do sistema internacional de tutela nessesterritórios. Acompanhou a grande maioria no voto de projetos de resoluçãodispondo sobre a evolução para a autodeterminação – e, assim, para a in-dependência, se suas populações o desejarem – dos territórios de Quênia;

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da Rodésia do Sul; da Rodésia do Norte; da Bechuanalândia, Basutolândiae Suazilândia; e de Zanzibar. A delegação do Brasil votou com a maioria,a favor da resolução que reitera o direito à autodeterminação e independên-cia do território sob mandato sul-africano do sudoeste da África (96 a favor;nenhum contra; uma abstenção – Portugal), ao ensejo de cuja discussão seaprovou também, com o voto do Brasil, resolução que defere ao secretário-geral o levantamento de dados sobre o complexo econômico-financeiro quecontrola a mineração da África meridional e cujas conseqüências políticasserão examinadas na próxima XVIII sessão da Assembléia Geral. O Brasilco-patrocinou projeto de resolução, aprovado por imensa maioria, dispondosobre a luta contra a discriminação racial em territórios dependentes.24. Com relação aos territórios sob administração portuguesa, a posiçãodo Brasil se manteve inalterada na substância, a saber, de que tais territó-rios – de acordo com a Carta das Nações Unidas e as recomendações daAssembléia Geral – são “não autônomos” e titulados à autodeterminação,como eventual passo prévio à independência. Na votação dos projetos deresolução a respeito, entretanto, a delegação do Brasil se absteve, já que,como no ano passado, não podia solidarizar-se com a condenação de Por-tugal e a recomendação de sanções àquele país, sufragadas pela maioria dospaíses latino-americanos e afro-asiáticos.25. Teve especial relevo a discussão sobre o mandato do comitê espe-cial destinado a implementar a Declaração de Outorga de Independênciaaos Países e Povos Coloniais, a cujo respeito o chefe da delegação do Bra-sil, senador Afonso Arinos de Melo Franco, proferiu uma definição daposição anticolonial do Brasil particularmente compreensiva e fundamen-tada. O referido comitê especial, por força da resolução aprovada, passoua ser composto de 24 Estados-membros, em lugar dos seus primitivos17.26. Salvo as abstenções nas questões atinentes aos territórios sob admi-nistração portuguesa, o Brasil esteve sempre, nas votações, ao lado dagrande maioria afro-asiática e latino-americana.

IX. Conferência Internacional de Comércio27. Na XVII sessão da Assembléia Geral, os países-membros da ONUestavam divididos em três correntes a respeito da Conferência Internacional

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do Comércio: os países industrializados do Ocidente desejavam simples-mente manter, sem alterações, a resolução 917 (XXXIV), do ECOSOC;os países subdesenvolvidos, em sua grande maioria, desejam modificar essaresolução, de modo a (a) aumentar a composição do comitê preparatório, (b)precisar os termos de referência e (c) fixar data de convocação da conferên-cia; finalmente, os países socialistas desejam levantar a idéia da criação deuma organização internacional de comércio e mencionar a necessidade deincrementar o comércio de todos os países, inclusive do bloco socialista, enão apenas dos países subdesenvolvidos.28. A delegação do Brasil, desde o princípio, estava convencida de quea Conferência Internacional de Comércio não poderia limitar-se a aspec-tos superficiais, mas precisava atingir as causas profundas do desequilíbriodo comércio internacional, precisando, para isso, estudar a conveniência dacriação de um organismo mais sensível às necessidades e aspirações dospaíses-membros da ONU.29. A delegação do Brasil apresentou um memorandum, que foi publica-do e circulado como documento oficial da assembléia, o qual analisava aestrutura existente do comércio mundial, mostrava a posição desfavorecidados países subdesenvolvidos nessa estrutura, criticava o GATT, comoorganismovoltado quase exclusivamente para os interesses dos países in-dustrializados, e advogava a criação de uma organização internacional decomércio, com a finalidade de consolidar, num órgão único, osdiversos pro-gramas e atividades existentes no campo do comércio internacional e depermitir a consideração dos problemas do comércio numa perspectiva fa-vorável aos interesses dos países subdesenvolvidos. Em seguida, junta-mente com Iraque, o Líbano e a Birmânia, o Brasil apresentou uma emendaao projeto de resolução dos países subdesenvolvidos, consubstanciandoas idéias contidas no memorandum. Houve oposição à emenda. Depoisde várias negociações, o Brasil modificou a redação da sua emenda, numesforço de conciliação. Com a aprovação dessa emenda e do projeto dospaíses subdesenvolvidos, o comitê preparatório ficava instruído a reexaminara eficácia dos organismos internacionais existentes em relação aos problemasde comércio dos países subdesenvolvidos, a estudar os problemas de comér-cio dos países subdesenvolvidos, a estudar a conveniência de iniciativas

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institucionais tendentes a aumentar a composição dos países-membros ea melhorar a situação dos países subdesenvolvidos. Ficava, assim, consagra-da – de maneira implícita, mas inequívoca – a idéia de que a conferênciadeveria examinar a necessidade de criação de uma organização interna-cional de comércio. O projeto foi aprovado por 73 votos a favor, 10 contrae 23 abstenções. Votaram a favor os países subdesenvolvidos, inclusive to-dos os latino-americanos, e os soviéticos. Votaram contra os Estados Unidose as grandes potências ocidentais européias.

X. Assuntos econômicos30. O projeto de resolução sobre inflação e desenvolvimento econômico,apresentado pelo Brasil, teve igualmente grande interesse. Tal projeto, quehavia sido preparado na XVI Assembléia Geral, mas não pôde ser discu-tido nessa oportunidade por falta de tempo, assinalava que havia diferençasestruturais entre o processo inflacionário dos países desenvolvidos e sub-desenvolvidos e que, por conseguinte, os corretivos aplicáveis no primeirocaso não eram necessariamente aplicáveis no segundo, e pedia ao secretário-geral para preparar um estudo ilustrando essas diferenças e recomendandomedidas antiinflacionárias adequadas ao contexto dos países subdesenvol-vidos. O projeto, depois de negociações prolongadas, foi aprovado porunanimidade.31. No item sobre as conseqüências econômicas e sociais do desarmamen-to, a delegação do Brasil declarou-se favorável ao projeto soviético deDeclaração sobre a Conversão para Fins Pacíficos dos Recursos Liberadospelo Desarmamento e, também, ao projeto norte-americano em que setomava nota do relatório sobre as conseqüências econômicas e sociais dodesarmamento, preparado por um grupo de peritos. A delegação do Brasilassinalou o desperdício representado pela corrida armamentista, analisouos orçamentos militares astronômicos das duas grandes superpotências,comparando-oscom as necessidades de desenvolvimento dos países sub-desenvolvidos, e indicou que o projeto de declaração soviético e o projetonorte-americano não eram incompatíveis e podiam ser amalgamados comproveito para ambos; o ponto de vista brasileiro foi aceito e a assembléiaaprovou um projeto de declaração conjunta soviético–norte-americana.

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32. Outro tópico importante discutido pela segunda comissão dizia res-peito à soberania permanente sobre recursos naturais. A segunda comis-são tinha diante de si um projeto de resolução recomendado pela comissãoad hoc, encarregada de examinar o assunto, e que dispunha sobre os direitossoberanos dos Estados sobre suas riquezas naturais e sobre as desapropria-ções por interesse público. Os países exportadores de capital apresentaramemendas, procurando reforçar a proteção concedida ao investidor estran-geiro, enquanto os países socialistas e o bloco asiático procuravam, pelocontrário, reduzir ao mínimo essa proteção. A delegação do Brasil ficoueqüidistante dessas duas posições extremas e votou contra todas as emendastendentes a destruir o equilíbrio entre os interesses dos países importado-res e os dos países exportadores de capital.

XI. O parecer da Corte Internacional de Justiça e o custeio das opera-ções de paz e segurança33. Um dos assuntos mais graves e difíceis da sessão foi a consideraçãodo parecer consultivo pelo qual a Corte Internacional de Justiça reputouobrigatórias, para todos os membros, as despesas resultantes das operaçõesno Congo e em Suez. A extrema gravidade da questão decorria da situa-ção financeira particularmente séria das Nações Unidas, provocada pelarecusa dos países soviéticos e de alguns países ocidentais de contribuir parao pagamento daquelas despesas. Em conseqüência, ressurgia o problemado critério do rateio das despesas – entre os Estados-membros – das futu-ras operações de paz e de segurança.34. A delegação do Brasil – assim como a maioria dos países ocidentaise contra a opinião do bloco soviético – sustentou a validade do parecer daCorte Internacional de Justiça. Com nove outras delegações – EstadosUnidos da América, Reino Unido, Libéria, Paquistão, Camarões, Suécia,Dinamarca, Japão e Canadá –, o Brasil apresentou projeto pelo qual a as-sembléia aceitava a opinião da corte. A Assembléia Geral aprovou o projetopor 74 votos a favor, 15 contra (socialistas, Cuba, França, África do Sul eoutros) e 17 abstenções (Bélgica, Espanha e Iugoslávia, entre outros).35. Quanto ao rateio das despesas, o Brasil mostrou a necessidade de seadotar fórmula mais eqüitativa para a distribuição dos gastos decorrentes

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das futuras operações de paz e segurança entre os membros da organiza-ção. Juntamente com as delegações da Argentina, Chile e México, o Brasilelaborou, a este propósito, projeto de resolução prevendo a adoção de ummétodo especial de pagamento, à luz de critérios também especiais, entreos quais figura, em primeiro lugar, o da responsabilidade financeira espe-cial dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Esse projeto foico-patrocinado por todas as nações latino-americanas, menosCuba. A elese opôs outro projeto, apresentado por nove países (os mesmos que co-patrocinam o projeto sobre o parecer da corte, menos o Brasil). Depois delongas negociações, fundiram-se os dois projetos num texto comum, aoqual se incorporaram as reivindicações fundamentais brasileiras e latino-americanas. A assembléia o aprovou por 71 votos a favor (países ocidentais,latino-americanos e vários afro-asiáticos), 14 contra (socialistas, Cuba,França e África do Sul) e 12 abstenções (Bélgica, Iugoslávia e vários paí-ses árabes).

XII. Assuntos orçamentários e de pessoal36. O Brasil, no debate sobre a proposta orçamentária para 1963, levan-tou vários pontos – como os relativos à descentralização e ao fortalecimentodas comissões econômicas regionais – que foram apoiados expressamenteem intervenções de outras delegações.37. Sendo os problemas técnicos da organização de importância vital parao desenvolvimento econômico e social das nações menos desenvolvidas, adelegação brasileira propugnou por que, ao capítulo V do orçamento – quecobre as dotações destinadas a esses programas –, não fossem aplicadasnormas restritivas que impedissem a sua expansão razoável no futuro.Havendo os Estados Unidos apresentado projeto em que esse aspecto nãoera contemplado de forma satisfatória ao ponto de vista brasileiro, a dele-gação do Brasil apresentou-lhe emendas, que restauravam as nossasreivindicações nessa matéria. A delegação do Brasil e a dos Estados Uni-dos chegaram a uma fórmula de conciliação sobre o projeto, que passou aincorporar de forma substancial as emendas brasileiras. Assim emendado,foi o projeto aprovado sem oposição. Os países socialistas se abstiveram.38. A assembléia examinou a questão da distribuição geográfica do pes-

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soal do Secretariado das Nações Unidas, tema que há anos vem suscitan-do controvérsias de grande porte, agravadas pela introdução da tesechamada troika, sustentada pela União Soviética. As delegações do Iraquee do Brasil redigiram projeto cujos dispositivos, refletindo as recomenda-ções do secretário-geral das Nações Unidas, se destinavam a permitir ummáximo de acordo e impedir a repetição do impasse verificado em 1961. OBrasil se manifestou contra a tese soviética e exprimiu sua fidelidade à Cartade São Francisco, que prevê o estabelecimento de um secretariado inter-nacional e imparcial. O projeto co-patrocinado pelo Brasil foi aprovado –84 votos a favor, 10 contra (socialistas e Cuba) e duas abstenções.

XIII. Questões jurídicas39. No exame e na solução dos problemas jurídicos – objeto das discus-sões da sexta comissão – o Brasil exerceu influência construtiva. No caso,por exemplo, do item quanto ao exame dos princípios de direito internacio-nal, as relações amistosas e de cooperação entre os Estados, a delegação doBrasil teve papel saliente na incorporação de idéias, algumas das quaislançadas por ela, do maior interesse para o futuro das relações internacio-nais e do desenvolvimento progressivo do direito internacional, tais como:a necessidade de que o direito internacional se adapte constantemente àsmudanças rápidas que a sociedade internacional contemporânea sofre,graças ao progresso científico e tecnológico; a ênfase dada aos problemasdecorrentes da divisão do mundo em nações ricas e pobres, desenvolvidase subdesenvolvidas, condicionantes e condicionadas; o reconhecimento dasolidariedade entre os Estados, não bastando que os povos vivam lado alado, em paz, mas fazendo-se mister que se auxiliem mutuamente; o en-sino e difusão do direito internacional voltados essencialmente para as obrasfecundas da paz.40. A Assembléia Geral aprovou o relatório da Comissão de DireitoInternacional e endossou o plano de prioridade de matérias a serem codi-ficadas,sugerido por um comitê a que presidira o membro brasileiro daquelacomissão, embaixador Gilberto Amado.41. A Assembléia Geral aprovou, ainda, a publicação de um AnuárioJurídico das Nações Unidas.

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XIV. Questões sociais42. No exame do relatório do Conselho Econômico e Social, perante aterceira comissão, a delegação do Brasil analisou as atividades do FISI,apresentando – ao projeto de resolução submetido àquela comissão –emenda no sentido do alinhamento das diretrizes do FISI às necessidadeseconômicas da Década do Desenvolvimento das Nações Unidas.Incorporou-se a emenda brasileira ao projeto de resolução, que foi aprovadopor unanimidade.43. No exame do item “Manifestações de preconceito racial e de intole-rância nacional e religiosa”, a delegação do Brasil co-patrocinou, comdiversos países africanos, projeto de resolução – aprovado por unanimida-de – solicitando à Comissão dos Direitos do Homem a preparação de umaconvenção sobre a eliminação da discriminação racial.44. A delegação do Brasil propôs a inserção, no artigo 4 do projeto dedeclaração sobre o direito do asilo, de recomendação expressa para que osEstados que concedem asilo impeçam os asilados de exercer atividadestendentes ao emprego de violência ou força contra os Estados de origem.

XV. O Brasil condena a discriminação racial na África do Sul45. A delegação do Brasil, a exemplo dos anos anteriores, condenouenfaticamente a política de discriminação racial praticada na África do Sule, em sua intervenção, procurou demonstrar que as raízes do apartheid são,no fundo, econômicas. O projeto de resolução continha, em sua parteresolutiva, dispositivos que previam a aplicação de sanções à África do Sul– rompimento de relações diplomáticas, fechamento de portos e aeropor-tos a navios e aeronaves sul-africanos – e terminava por recomendar aoConselho de Segurança a aplicação de várias medidas, inclusive a expul-são das Nações Unidas, se o governo daquele país persistisse em nãoobedecer às recomendações da Assembléia Geral.46. As sanções e ameaça de expulsão previstas no projeto motivaram aabstenção do Brasil, a qual não significou nenhuma hesitação na condena-ção mais vigorosa da política de discriminação racial. A delegação brasileiraacredita que o fato de ser extremamente difícil assegurar a implementaçãodas sanções propostas terminaria por enfraquecer as Nações Unidas, pre-judicando assim a luta contra a discriminação racial.

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XVI. Radiações ionizantes47. A propósito do relatório do comitê científico sobre os efeitos das ra-diações ionizantes – de que o Brasil faz parte –, o Canadá apresentouprojeto de resolução em que se limitava a agradecer o trabalho do comitê,chamar a atenção sobre os efeitos genéticos e somáticos das radiações epedir a continuação dos estudos.48. A delegação do Brasil apresentou emenda ao projeto canadense, como objetivo de recomendar aos Estados maior disseminação de informaçõessobre as verdadeiras conseqüências das precipitações radioativas. O Ca-nadá incorporou a emenda brasileira ao projeto, o qual foi aprovado porgrande maioria.

XVII. Participação do Brasil no grupo de trabalho de 21 países49. Em virtude da aprovação do projeto de resolução a que se refere ocapítulo XI, relativo ao parecer da Corte Internacional de Justiça e ao cus-teio das operações de paz e segurança, ficou garantida a participação doBrasil num grupo de trabalho, composto de 21 países, que preparará umestudo sobre os métodos especiais de financiamento daquelas operações.

XVIII. Eleição de delegados brasileiros50. A terceira comissão elegeu, por unanimidade, o delegado do Brasil,professor Lineu de Albuquerque Melo, para seu vice-presidente.51. A quinta comissão elegeu – por 70 votos, num total de 73 votantes– o delegado do Brasil, senhor David Silveira da Mota, para o Comitê deContribuições das Nações Unidas, órgão técnico que elabora a escala decontribuições do orçamento da organização.

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DOCUMENTO 11

Trecho do relatório preparado pelo ministro Miguel Álvaro Osório deAlmeida, sobre os trabalhos da segunda comissão, item 36 da agenda, daXVII sessão da Assembléia Geral da ONU: Conferência Internacional deComércio e DesenvolvimentoOfício confidencial n. 149, de 22 de janeiro de 1963.

...........................................................................................................................

Como indicado na introdução deste relatório, o Brasil foi o Estado-membro da ONU que mais completamente respondeu ao questionário dosecretário-geral da ONU sobre a conveniência de um conclave internacio-nal de comércio.

A delegação do Brasil à Assembléia Geral, entretanto, procurou decerta forma interpretar as instruções, extremamente positivas em favor daconferência, completando-se com dados econométricos disponíveis. O re-sultado desse trabalho, em parte utilizado no discurso do representantebrasileiro no debate geral do comitê II (anexo n.1) e em parte consubstan-ciado num memorandum, que se pretendia distribuir aos Estados-membrosda ONU para abrir-lhes os olhos sobre o problema, revelou o seguinte:

A) O Brasil, depois de um decênio de desenvolvimento acelerado, atin-giu um estágio em que terá de aumentar muito rapidamente as suasexportações. De 1953 a 1962, inclusive, o desenvolvimento do produto realbrasileiro foi da ordem dos 55%, enquanto o comércio internacional (elimi-nadas variações anuais) não aumentou um centavo.B) As necessidades de incremento anual do valor das exportações – semantida uma política de investimentos suficientes para o emprego dosincrementos previsíveis de mão-de-obra – são, no mínimo, da ordem dos6 a 7% ao ano nos próximos 10 anos (sem contar as necessidades de amor-tizações das dívidas acumuladas até hoje).C) Será impossível (ou extraordinariamente difícil) obterem-se incremen-tos de exportações dessa magnitude, que levarão as exportações brasilei-ras para os 2,8 bilhões de dólares em 1970 (virtual duplicação das mesmas),

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nos mercados que se poderiam chamar de convencionais, do Brasil. Seráimpossível obterem-se aumentos desse tipo exclusivamente com a expor-tação de produtos primários, pois o impacto quantitativo do Brasil nosmercados de produtos primários em que temos vantagens comparativas éexcessivo. De fato, em qualquer desses produtos (café, cacau, algodão eaçúcar), o esforço de um aumento de exportações reduzirá o valor das ex-portações, em vez de aumentá-lo. A maioria dos demais produtos primá-rios é de tal natureza que as magnitudes significativas para o balanço depagamentos brasileiros trarão rapidamente retornos econômicos decres-centes (as possíveis exceções podendo ser carnes e minério de ferro, ondepoderíamos provavelmente aumentar substancialmente exportações antesde chegarmos à dissolução dos mercados, porém, igualmente incapazes, naconjuntura atual dos mercados convencionais, de obterem para o Brasil osincrementos de comércio desejáveis).D) Será necessário alterar-se o sistema institucional que preside às tro-cas econômicas internacionais, de tal maneira que se possa:

i) penetrar com maior liberdade nos mercados “convencionais” comprodutos primários, eliminando-se subsídios dos mesmos à produ-ção interna (não econômica) e eliminando-se sistemas preferen-ciais discriminatórios contra os produtos brasileiros;

ii) penetrar nos mercados “convencionais” com produtos semi-industrializados e industrializados, reduzindo-se as restriçõesatualmente aplicadas à gama desses produtos que podem serproduzidos no Brasil (e em países subdesenvolvidos em geral).Eliminar todos os eufemismos através dos quais os países desen-volvidos obtêm, dentro do GATT, proteção contra os produtosindustriais dos países subdesenvolvidos (o mais recente dos quaisé a doutrina “gatiana” do market-disruption);

iii) penetrar no sistema comercial dos países do COMECON, cujaelasticidade-renda de demanda de exportações é extraordinaria-mente alta e cuja velocidade de crescimento econômico é bem maisalta que a dos “mercados convencionais” do Brasil.

Diante dessas conclusões, era necessário expandir de certa forma o

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escopo da Conferência Internacional de Comércio, convocada peloECOSOC na Resolução 917 (XXXIV). Em vez da discussão sobre “pro-dutos de base”, era necessário pensar em produtos industriais e em mer-cados não-convencionais (COMECON).

Esse objetivo mais amplo iria necessariamente colidir com os interes-ses dos países desenvolvidos do Ocidente e coincidir com o dos países doCOMECON. Havia, portanto, desde logo, adversários e aliados, clara-mente delineados, numa inversão de certa forma perversa dos alinhamentostradicionais do Brasil. Daí a necessidade de consultar a Secretaria de Es-tado, o que foi feito mediante a submissão do documento substantivo(memorandum sobre a posição brasileira que se pretendia submeter àAssembléia Geral e que recebeu, eventualmente, o n. A/C.2/214 – ane-xo n. 2).

Obtida a aprovação da Secretaria de Estado para esse documento,passaram os objetivos específicos da delegação brasileira a ser os seguintes:

i) obter uma conferência ampla, que discutisse, além de produtos debase, os problemas de comércio com o COMECON e das prote-ções internas dos grandes agrupamentos econômicos de paísesdesenvolvidos;

ii) estabelecer a possibilidade da criação de novo organismo interna-cional de comércio que, seja integrando os existentes, sob novacúpula, seja substituindo-os, facilite o tipo de expansão comercialindispensável ao desenvolvimento econômico brasileiro;

iii) como corolário dos dois objetivos acima, procurar impedir a convo-cação excessivamente apressada de uma conferência que, dentrodo escopo amplificado, terá de tomar algum tempo para a suapreparação adequada; na melhor das hipóteses, será necessário umano de preparação intensiva para a conferência, o que a coloca naprimeira parte de 1964.

............................................................................................................................

Nova York, janeiro de 1963.

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DOCUMENTO 12

Instruções à delegação do Brasil à primeira reunião da comissãopreparatória da Conferência sobre Comércio e DesenvolvimentoDespacho n. 8, de 23 de janeiro de 1963.

CONFIDENCIAL

A delegação do Brasil à primeira reunião da comissão preparatória daConferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento terápresente, no tocante à orientação geral que inspirará o tratamento tópico dosproblemas de formulação de agenda para a conferência mundial, as instru-ções a esse respeito mandadas à delegação do Brasil à XVII sessão daAssembléia Geral da ONU; o memorandum dessa delegação sobre o item36 da agenda (questão da convocação de uma conferência internacionalsobre problemas de comércio); a declaração do representante do Brasilsobre esse item, na comissão econômica e social da mesma assembléia.2. O governo brasileiro deseja que, sem prejuízo das especulações decaráter teórico ou doutrinário sobre problemas de comércio e desenvolvi-mento econômico – sobretudo no que possam contribuir para firmar e afirmaro “caso” dos países em desenvolvimento, suas reivindicações e seus obje-tivos ao insistirem pela convocação da conferência –, os trabalhos dacomissão preparatória tenham, nesta primeira reunião, o mais agudo sen-tido prático. Sob esse ângulo, a reunião preparatória será bem ou malsucedida (e terá, ou não, contribuído para a realização da conferência in-ternacional) na medida em que possa adotar um programa de trabalho paraos países participantes, para o Secretariado das Nações Unidas e para osorganismos especializados e regionais da ONU, que, num ou noutro cará-ter, acorrerão à reunião.3. Nessa programação de trabalhos preparatórios, que decantarão apauta final da conferência, a delegação não perderá de vista que o interes-se maior do Brasil está em permanente e indissoluvelmente relacionar“comércio internacional” com desenvolvimento econômico, estabelecer a

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dependência em que se encontra o “crescimento econômico” das “receitascambiais de exportação” nos países que tentam desenvolver-se a partir debaixas rendas per capita. Toda ênfase deverá ser posta nesta relação gené-rica, em que o “comércio” deixa de ser configurado como um fim em simesmo, como um objetivo a perseguir per si, para revestir o aspecto de“meio”, de “instrumento” para a aceleração do processo de desenvolvimento.4. Antecedentes recentes indicam que esta tomada de posição no pro-blema global de comércio e desenvolvimento e esta conceituação da con-ferência que se está a preparar constituirão o primeiro divisor de águas entreos países desenvolvidos e os em desenvolvimento, integrantes da comissãopreparatória. A delegação do Brasil evitará, sempre que possível, o debateespeculativo sobre o conteúdo filosófico, econômico e doutrinário das diver-gências que motivem as atitudes em presença e procurará, programatica-mente, como se propusesse o rol concatenado dos problemas a estudar,preparar uma agenda de trabalho que leve, por força de conseqüência ló-gica, à fixação da atenção, com ênfase dominante, nas dificuldades carac-terísticas dos países subdesenvolvidos, na impossibilidade de solucioná-las,ou minorá-las, a curto prazo dentro da atual teoria e prática das relaçõesinternacionais de troca e com recurso aos organismos e instituições interna-cionais que ora se ocupam da política econômica, comercial e financeira. Areforma ou reorganização institucional – cuja menção se deverá evitar agora,como tática, pois estimularia fortes resistências e fricções –, decorrerá na-turalmente, da paulatina e amadurecida constatação de que, reconceituadosem termos de “comércio para o desenvolvimento”, os problemas qualitati-vos que respondem pela deterioração a longo prazo das relações de trocados subdesenvolvidos exigem uma nova qualificação das motivações quedevem inspirar o intercâmbio internacional e, por via de conseqüência, areforma do presente framework institucional.5. Para encaminhar a programação dos trabalhos preparatórios, a dele-gação do Brasil insistirá para que os países subdesenvolvidos (de preferênciapor grupos regionais, para permitir a assistência e o comprometimento téc-nico dos organismos respectivos) definam suas necessidades de comércioem função de seus objetivos mínimos de desenvolvimento econômico, nosimediatos períodos de 5 e 10 anos (65/69 – 70/74).

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6. O secretariado técnico da comissão preparatória, em conjugação comos organismos regionais e técnicos da ONU, deveria suprir os países sub-desenvolvidos com os elementos que expressem as tendências dinâmicasdos mercados internacionais e que incluam:

1º projeções a médio e longo prazos da demanda internacional detodos os países do mundo subdesenvolvido em:a) produtos de base (por produtos);b) bens manufaturados de consumo (por setores principais);c) bens de produção (por setores principais).

2º agrupamentos significativos das projeções acima, tais como:a) áreas geoeconômicas;b) zonas monetárias;c) tipos de organização político-econômica (países com virtual li-

berdade de comércio, países de livre empreendimento e grausignificativo de controle de comércio, países não socialistas comtotal controle de comércio, países socialistas).

7. Levantado o mapa dinâmico do comércio internacional e projetadosseus fluxos, principiará a surgir com mais objetividade e clareza a noção dostipos de “braços executivos” necessários à organização internacional docomércio (entendida, neste estágio, como não implicando necessariamen-te organismos novos e sim como conceituação antientrópica). Com efeito,os países subdesenvolvidos (e o Brasil muito especialmente), além dosproblemas tradicionais, estarão confrontados com problemas inteiramen-te novos, para os quais há pouca ou nenhuma experiência. Teremos deencontrar fórmulas concretas de penetração nos mercados convencionais,reduzindo-lhes os subsídios internos e as preferências, bem como eliminan-do o conceito de reciprocidade de facilidades tarifárias entre países emdiferentes estágios de desenvolvimento econômico. Teremos, igualmentede encontrar fórmulas operativas para eliminar a marginalização do nossocomércio com países socialistas, o que é a conseqüência automática doprocesso de planejamento a longo prazo nos mesmos. Assim, em vez de nos

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reservarmos apenas àquela fração de comércio (exportação e importação)decorrente dos erros verificados entre o sistema de planejamento socialis-ta e sua adimplementação – pelo que somos chamados a suprir pequenosdéficits e a comprar pequenos excedentes eventuais –, temos de criar umfórum em que penetremos, legitimamente, no processo do planejamentodesses países, responsabilizando-nos por suprimentos a longos prazos erecebendo frações da produção de artigos (finais, intermediários ou maté-rias-primas) programados para os nossos mercados.8. Identificam-se, desde logo, grandes grupos de problemas institucio-nais, ou seja, o estímulo e supervisão de:

a) comércio entre países subdesenvolvidos e países industrializadosdo Ocidente;

b) comércio entre países subdesenvolvidos e países socialistas;c) comércio entre países subdesenvolvidos;d) comércio entre países industrializados do Ocidente e países socia-

listas.

9. A natureza desses quatro grupos de correntes de trocas é tal, quepoderá vir a exigir um certo grau de especialização institucional. O GATT,até hoje, só conseguiu especializar-se e apresentar alguns sucessos numquinto grupo, que, por não constituir problema, não foi incluído a tempo.Trata-se, obviamente, do comércio entre os países desenvolvidos do Oci-dente. Assim sendo, na hipótese de se evoluir, eventualmente, para umorganismo mundial de comércio, o GATT poderia ser integrado no mes-mo como um dos seus departamentos ou “braços executivos”. O problemamais difícil seria, evidentemente, o do comércio entre países subdesenvol-vidos e o bloco socialista. Esse problema apresentará facetas diversas,interligadas com os demais, tais como a possibilidade de triangulação den-tro da área e de triangulação da área com os demais agrupamentos, de talforma que se aumente ao máximo o valor marginal de cada unidade dedivisa obtida pela exportação dos países subdesenvolvidos.10. Obtida a visão dos fluxos e das triangulações necessárias – e dasnaturezas dos estímulos e da supervisão operacional necessária –, ter-se-á

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de encontrar a formulação jurídica que corresponda a esta estrutura e ob-jetivos, sacramentado-os. Na medida do possível, dever-se-á adotarprincípios gerais, válidos para todos. Será possível evitar que, num sistemaeclético como o que se visualiza, seja necessária a formulação – sob umacúpula relativamente vaga de princípios gerais – de princípios e regras es-pecíficas para os fluxos de comércio entre os diferentes agrupamentosindicados acima nas letras a, b, c, d.

11. Ordem dos trabalhos e atribuições dos mesmos a diferentes entidades,nacionais e internacionais. Parece evidente que, na linha de montagemfinal, o trabalho econométrico deverá preceder o trabalho jurídico-institu-cional. Só a visão clara das magnitudes e dinâmicas das correntes de comér-cio, da sua distribuição no espaço e evolução no tempo, permitirão a noçãoadequada da instrumentação necessária. Não será, evidentemente, indis-pensável marcar passo relativamente à pesquisa histórico-institucional quedeverá enriquecer e complementar o trabalho já delineado, exibindo cla-ramente os defeitos, qualidades, fracassos e sucessos das tentativas ante-riores de se equacionar o problema mundial de comércio.12. Assim, como inicialmente recomendado, dever-se-ão iniciar, simul-taneamente, quatro trabalhos:

a) levantamento das necessidades de exportação e importação até1980, com especial ênfase em 1965 e 1970;

b) levantamento do mapa dinâmico do comércio mundial, com ênfaseem períodos equivalentes aos indicados em a, acima;

c) pesquisa histórico-institucional dos esforços de organização mun-dial de comércio, incluindo os últimos passos dados pelo GATTpara supervisionar o comércio entre países subdesenvolvidos edesenvolvidos;

d) levantamento de todos os organismos, mundiais ou regionais, uni-versais ou específicos, que direta ou indiretamente – quer comoúnico objetivo, quer como objetivo incidental – controlam, super-visionam, estimulam (ou desestimulam) e pesquisam o comérciointernacional.

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13. Desses trabalhos iniciais, o primeiro só pode ser realizado no própriopaís interessado. No caso brasileiro, o Plano Trienal já faz estimativas (queparecem pouco ambiciosas) e o STAP já tem estudos sobre o assunto. Nãoserá difícil completá-los, como uma satisfatória primeira aproximação.14. A adimplementação da letra b deverá ser atribuída à ONU, que tem,para realizá-la, documentação, técnica e equipamento que nenhum paíssubdesenvolvido poderia reunir. O Brasil poderá oferecer, a título de ilus-tração, um trabalho já feito pelo STAP, que representa exatamente o quese deseja como estrutura final, mas que foi realizado como primeira apro-ximação, usando-se de metodologia estritamente simplificada (projeçõeslineares de fluxos monetários globais baseados em séries muitas vezesinterpoladas).15. Os trabalhos c e d acima podem ser atacados simultaneamente pelaONU e pelos países interessados. De fato, é pouco provável que a ONUpossa realizar esse trabalho (uma análise crítica de evolução e de estruturadas instituições que lidam com comércio internacional) de forma adequa-da. É igualmente pouco provável que o Brasil possa reunir, em tempo hábile sem omissões possivelmente graves, toda a documentação pertinente.Estima-se, assim, que o ataque simultâneo desses trabalhos pelo órgãomundial e pelos países interessados seja o caminho certo para os resulta-dos desejados. A secretaria técnica da conferência, recém-criada, poderáencarregar-se dessa tarefa, que deverá ser feita de forma exaustiva.16. O trabalho de programação propriamente dito – que justaporá, aoquadro mundial, a progressão brasileira – terá de aguardar, evidentemente,a terminação de a e b acima; porém, pode ser ensaiado, do ponto de vistametodológico, com os dados disponíveis, de maneira que fornecerá algu-mas indicações de tendências antes mesmo de tornados disponíveis ospré-requisitos mencionados.17. O trabalho jurídico-institucional será a evolução lógica da pesquisa emc e d acima, adquirindo os seus contornos definitivos quando justapostosao trabalho econométrico. Convém destacar que, nessa fase final, o tipo decompetência necessária envolverá um trabalho cuja natureza e metodologiasão característicos de “pesquisa operacional”.18. Problemas correlatos. O estímulo e supervisão do comércio interna-

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cional envolverão, necessariamente, um período interino, que poderá serrelativamente longo, em que as medidas tomadas no campo puramentecomercial serão insuficientes para suprir os países subdesenvolvidos comos níveis mínimos de comércio que necessitam. Durante esse período, seránecessário encontrar compensação para certas tendências nocivas do comér-cio, a principal das quais é a tendência para deterioração das relações detroca dos exportadores de produtos primários, bem como a tendência paraflutuações excessivas de preços e quantidades desses produtos.19. A verdade é que, sobre o assunto, já existem inúmeros estudos eanálises, muitos dos quais realizados com participação brasileira. O proble-ma é, hoje, de natureza política, dependendo da aceitação, por parte depaíses industrializados, da responsabilidade solidária na disciplina domercado e estabilização dos preços dos produtos primários, que constituemsuas principais fontes de receitas cambiais, e responsabilidade pela com-pensação da deterioração das relações de troca, o que parece não estaremainda psicologicamente preparados para fazer.20. No interregno, o Brasil continuará a favorecer a política de estabiliza-ção de “produto por produto”, como o faz com o café, seguro de que estarácontribuindo, por esta maneira, para melhorar a posição dos produtos pri-mários no comércio internacional.

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DOCUMENTO 13

Conclusões do conselheiro Antonio Houaiss sobre os trabalhos da quartacomissão da XVII Assembléia Geral da ONUOfício confidencial n. 168, de 25 de janeiro de 1963.

O estado atual da descolonização

Hoje é ponto pacífico que a descolonização política é, essencialmente, afinalidade por atingir, no mundo inteiro, em matéria de territórios a quais-quer títulos dependentes. Isso, no contexto das Nações Unidas, deriva dapredominância eleitoral quantitativa e, sob certos aspectos, qualitativa, dosEstados-membros.

Do ponto de vista numérico, a XVII sessão marcou o ingresso, nasNações Unidas, da República de Ruanda, do Reino de Burundi, da Jamaica,de Trinidad e Tobago, da Argélia e de Uganda, perfazendo o total de 110Estados-membros. Na realidade, esse ingresso foi apenas a sacramentaçãode um estado de coisas consumado antes. Por isso, é possível perguntar se,neste ano, a descolonização não marcou um compasso de espera, sobretu-do se se atende a que o acordo intervindo entre a República da Indonésiae os Países Baixos, quanto à Nova Guiné Ocidental ou Iriã Ocidental, aindanão significa um termo final, no sentido da descolonização, dos problemasdesse território.

Desde pelo menos a VIII sessão (1953), e em movimento cumula-tivo crescente, até a XV sessão (1960) – ano da África nas Nações Unidas–, a descolonização teve passos ponderáveis a cada ano, em consonância commovimento que vinha já do fragor da última grande guerra, em que aspopulações dos territórios dependentes desempenharam relevantíssimopapel – ainda hoje não posto de manifesto na historiografia habitualeuropeocentrista ou ocidentalocentrista –, adquirindo, destarte, uma vocaçãode independência nacional que, a ser sofreada, poria em risco muito cedoa precária paz do mundo. No quadro das Nações Unidas, no ano de 1960,quando foi aprovada a Resolução 1.514, com a Declaração de Outorga deIndependência aos Países e Povos Coloniais, a organização entrou a declinar

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na sua consagração de independências, pois a liquidação do colonialismo,enquanto verbalmente estipulada como imediata na resolução em causa,esbarrava com dificuldades já de antes pressentidas por certos observado-res, mas ainda não “oficialmente” confessadas nos debates da organização.

As razões para o declínio da descolonização podem ser capituladasnas seguintes ordens de fatos:

1) Nos territórios de exploração pura e simples, caracterizados pormínima fração de populações colonizadoras – geralmente funcionários,prepostos, contingentes militares, transladados das metrópoles a título tran-sitório –, a oposição à descolonização seria acompanhada de operações deresistência e de terrorismo nacionalista ou tribalista, que transformariam aocupação colonial em operação onerosa, sem perspectivas positivas para ocolonizador; destarte, quando possível, a integração dessas áreas, politica-mente tornadas independentes, em complexos econômicos e políticos maisaltos, era o passo mais rendoso e eficaz, de parte a parte – e por isso se con-sumou não só com relativa rapidez, mas também relativa prioridade – sótendo retardamentos de natureza “técnica”: preparação de quadros, con-sulta aos partidos políticos nacionais, assistência na emergência deelementos dirigentes nativos, instalação da máquina do estado. Note-seque esses territórios, no que se refere ao continente negro, se localizam emmaioria na África equatorial, não considerados os da África setentrional,cujo processo de descolonização, culminado na guerra da Argélia, tevecaracterísticas diferenciais, cujas raízes remontam necessariamente às con-seqüências da I Guerra Mundial. É ainda com relação a esses tipos deterritórios – equatoriais com contingentes mínimos de colonizadores – quea presente XVII sessão apresentou saldo mais positivo, pois é certo que hárazões múltiplas para se crer numa descolonização pacífica a breve prazode Zanzibar, Quênia, Nissa e, até onde a África do Sul não reagir manumilitari, a Bechuanalândia e Suazilândia.2) Nos territórios de povoamento, marcados pela instalação em caráterpermanente de frações colonizadoras entre 8 a 15% de brancos ou descen-dentes a eles identificados, geralmente chamados europeus, o sistema deexploração colonial se baseia em complexos econômicos mais desenvolvi-

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dos ou muito desenvolvidos, sobretudo na indústria da mineração, com essafração a usufruir in loco de um padrão relativamente alto de vida e vincu-lada com os detentores do poder econômico e financeiro das metrópoles, nãoraro articulados em cartéis supranacionais. Nesta XVII sessão, a denúnciadesse mecanismo de oposição à descolonização se fez quase lugar-comumpor parte de um bom número de delegações do grupo afro-asiático e dogrupo socialista, sob o nome de Unholy Alliance (Aliança Ímpia). Estãonessa categoria os territórios genericamente denominados do copper belt, cujariqueza, em verdade, se funda não apenas no cobre, senão que numa va-riada gama de minérios de alto valor para a tecnologia avançada do mundocontemporâneo. O complexo incluiria a província de Catanga, as Rodésiase Niassalândia; articular-se-ia com a mineração diamantífera do sudesteafricano, com a economia da África do Sul e com a mão-de-obra, ademaisda local nativa, dos territórios portugueses de Moçambique e Angola –incluindo-se nesse cinturão, porque encraves geográficos nele, aBechuanalândia, a Basutolândia e a Suazilândia. Depoimento de umpeticionário, o reverendo Michael Scott, sobre esse particular, logrou serobjeto de decisão da quarta comissão, no sentido de ser circulado comodocumento da mesma, em conexão com a questão da Rodésia do Sul (A/C.4/564, de outubro de 1962), merecendo citação a seguinte passagem domesmo, extratada após considerações em torno da montagem do aparatode guerra que diz estar em curso na África meridional:

Por trás de tudo isso (do aparato militar), há a mais poderosa orga-nização industrial da África, as indústrias miníferas do ouro, do

diamante, do cobre, com sua rede de sociedades mineradoras e in-dústrias associadas, cujos conselhos de administração são solidários,

e que se denomina “Aliança Ímpia” – sociedades tais como a AngloAmerican Corporation, Tanganyika Concessions, a De Beers, a União

Mineira e as sociedades de minas de ouro da África do Sul, com suaorganização diretora, o Gold Producers Committee. Essas socieda-

des constituem um dos monopólios mais poderosos do mundo enenhuma legislação antitruste comparável à que existe nos Estados

Unidos da América limita sua atividade.

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3) Para fazer face à pressão anticolonial, as potências colonialistas racio-nalizam as respectivas posições da seguinte maneira:

a) O Reino Unido alega dificuldades constitucionais intramuros, comrelação à Federação das Rodésias e Niassalândia, ao fundar-se nofato de que os territórios em causa já gozam de efetivo estatutoautônomo e de que seu direito de veto sobre as decisões autôno-mas nunca foi exercido – impedimento com que consagra o fato deque a autonomia em causa foi conferida através de audiência tão-somente de uma minoria aí instalada, em época em que a desco-lonização era ainda embrionária no mundo; ademais, o ReinoUnido faz ver que quaisquer resoluções das Nações Unidas queincidam especificamente sobre um só território são ilegais, dentroda Carta.

b) Os sul-africanos alegam que a situação do sudoeste africano estájuridicamente fora da competência das Nações Unidas, pois omandato a ela deferido estaria defunto com a defunção do man-dante, a Sociedade das Nações; essa alegação, já terminada a XVIIsessão, acaba de sofrer desmentido quase irremediável, com adecisão recém-tomada pela Corte Internacional de Justiça sobreas objeções preliminares concernentes com a competência da cor-te e sua jurisdição compulsória sobre o diferendo (ver ofício n. 137,de 19 de janeiro de 1963).

c) Os portugueses mantêm-se irredutíveis em que suas províncias ul-tramarinas são partes integrantes do território nacional português,bem como que os africanos desses territórios são portugueses demuito boa cepa, Estado multirracial que é, gerador de Brasis, sen-do, assim, a Carta explícita em que a matéria escapa à competênciadas Nações Unidas, conforme seu artigo 2, parágrafo 7.

d) Além desses, mas com matizações essencialmente na base do dis-positivo da Carta acima citado, estão as posições da França e dosPaíses Baixos – sobretudo no que concerne a territórios america-nos – e a Espanha.

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Do relatório que aqui se encerra, depreende-se claramente a posiçãoanticolonial do Brasil, coerente até o ponto em que se defronta com osseguintes tropeços:

a) a situação dos territórios portugueses, em que nos mantivemosinalterados no conceito básico de que são não autônomos, comdireito à autodeterminação, daí, à independência, se for essa adecisão livre de suas populações;

b) a aceitação de resoluções fortes contra as autoridades administra-doras, com a condição de que não se use de palavras diretas – cujafórmula pode ser sintetizada em “deplores, mas não condemns”;

c) o receio da palavra sanctions ou da expressão including sanctions,mesmo quando, pela lógica de fatos, aceitemos que uma questãoseja deferida ao Conselho de Segurança, em cuja ação aquelesconceitos não estão apenas implícitos como instrumentos, senãoque claramente enunciados nas partes próprias da Carta;

d) passividade ante a existência de territórios não autônomos no con-tinente americano, passividade que é justificada porque oslatino-americanos mais interessados, vale dizer, aqueles que têmreivindicações territoriais contra autoridades administradoras eu-ropéias (Guatemala, México, Argentina e, de certo modo e por ora,a Venezuela), estão também passivos. Sobre este particular, im-porta que a Secretaria de Estado, desde já, volte suas atençõespara projeto que estaria sendo elaborado no sentido de uma de-claração de cessação de existência de territórios não autônomosdentro do continente americano. Trata-se do projeto que ochanceler Fellman Velarde teria tornado público na Bolívia, con-forme CT – 161, de 20 de novembro de 1962, da embaixada emLa Paz à Secretaria de Estado.

Não é difícil, destarte, compreender como, na organização interna-cional, a posição anticolonial do Brasil tem sido elemento positivo para orespeito com que suas iniciativas são tomadas; como, também, as brechas

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parciais de sua posição parecem por vezes excessivamente sentimentais,quando não ilógicas; como – na medida em que os fatores de nossa políticainterna o permitissem – capitalizaríamos mais respeito ainda, se prosse-guíssemos sem essas brechas, visto como os interesses maiores do Brasilparecem ser mais bem atendidos com uma posição claramente e conseqüen-temente anticolonial, inclusive no jogo inevitável, no mundo de hoje, deexpansão de nossos mercados, nossa cultura e de nosso desenvolvimentonacional. No quadro das Nações Unidas – até onde pode ser ele apreciadoem si mesmo – os efeitos disso seriam, seguramente, enormes.

Nova York,em 25 de janeiro de 1963.

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DOCUMENTO 14

Entrevista coletiva do embaixador Jayme Azevedo Rodrigues, secretário-geral adjunto para Assuntos EconômicosCircular n. 4.577, de 31 de janeiro de 1963.

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

IA primeira grande tentativa de coordenação das relações internacionais decomércio foi realizada em Havana, no período 1947-1948, na Conferên-cia do Comércio e Emprego. A preocupação principal das potênciasocidentais foi, então, de restabelecer as correntes tradicionais de troca,profundamente perturbadas pelo conflito mundial e de propiciar a expan-são futura do comércio, mediante o abaixamento generalizado das altastarifas que haviam predominado nos últimos tempos. Da Carta de Hava-na, que criava a Organização Internacional do Comércio, somente foiimplementada, uma parte – o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, conhe-cido como GATT.

Sobre esta estrutura parcial desenvolveram-se, nos últimos quinzeanos, as relações internacionais de comércio, caracterizadas por uma dete-rioração constante e progressiva das condições dos países subdesenvolvidos,que contrastava com o progresso acelerado das áreas industrializadas.Assim é que, de 1950 a 1960, as exportações totais dos países desenvol-vidos passaram de 37,2 bilhões de dólares para 85,4 bilhões, enquanto asexportações dos países subdesenvolvidos cresceram apenas de 19,1 bilhõesde dólares para 27,3 bilhões.

Este agravamento dos problemas de comércio exterior dos paísesexportadores de bens primários, contudo, foi acompanhado por um processode amadurecimento da compreensão de suas necessidades de intercâmbiocomo função do desenvolvimento econômico. Reunidos no Cairo, em julhode 1962 – estando o Brasil representado na figura do embaixador OctavioA. Dias Carneiro –, os países subdesenvolvidos formularam uma declara-

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ção, na qual se alinhavam todos aqueles fatores que, no campo do comér-cio internacional, constituíam obstáculos a seus esforços de desenvolvimentoeconômico, concluindo por recomendar a realização de uma conferência quetratasse da matéria sob esse novo prisma.

Na recente Assembléia Geral das Nações Unidas, já agora sob aorientação do ministro Miguel Osório de Almeida, a delegação do Brasilatuou de modo decisivo no sentido de que fosse aprovada a Resolução n.1.785, pela qual se convocava a Conferência Internacional sobre Comér-cio e Desenvolvimento.

No intuito de assegurar a preparação cuidadosa da conferência, essaresolução previa a realização, ao longo de 1963, de pelo menos três reu-niões preliminares, a cargo de uma comissão composta de 30 membros. Éjustamente a primeira dessas reuniões que se inicia hoje em Nova York, nasede das Nações Unidas, onde estamos representados por uma delegaçãochefiada pelo embaixador Sérgio Armando Frazão e integrada pelo minis-tro Miguel Osório de Almeida, contando com a assessoria dos secretáriosSérgio Paulo Rouanet, Mario Augusto dos Santos, Mauro Mendes deAzeredo e Carlos Átila Álvares da Silva.

Esse, portanto, o primeiro grande passo para a concretização dosobjetivos que, há tantos anos, vêm sendo perseguidos pelas nações subde-senvolvidas em todos os foros internacionais. A bem dizer, a ConferênciaInternacional de Comércio e Desenvolvimento tem início hoje. Esta primei-ra reunião da comissão preparatória se reveste de grande importância parao êxito da própria conferência, uma vez que fixará a agenda do conclave e,em função dela, as necessidades de documentação e assessoramento téc-nico passíveis de serem atendidas pelas Nações Unidas.

Ambos os itens são, de fato, fundamentais: quanto à agenda, seránecessário assegurar que ela abranja toda a problemática de comércio in-ternacional dos países subdesenvolvidos, de modo a que não possa subsistirqualquer dúvida quanto à competência futura da conferência para abordartais problemas e procurar, para eles, soluções obrigatórias de caráter mul-tilateral. Qualquer lacuna ou omissão, nesse estágio, seria praticamentefatal, pois que a reestruturação desejada pelos países em desenvolvimen-to tem sua própria validade fundamentada no tratamento global de seus

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requisitos de comércio exterior em termos de desenvolvimento econômico.Quanto à fixação das necessidades de documentação e assessoramentotécnico, sua importância decorre da própria complexidade dos assuntos aserem debatidos, uma vez que seria impossível chegar ao estágio de deci-sões políticas efetivas sem um elaborado tratamento econométrico dosproblemas.

IIA partir de 1954, a atual estrutura do comércio internacional tem-se reve-lado cada vez menos capaz de agir como elemento propulsor dodesenvolvimento econômico, podendo-se apontar a deterioração das rela-ções de troca dos países subdesenvolvidos como principal responsável peladiminuição de suas receitas de exportação. Para os países do grupo subde-senvolvido em geral, essa deterioração, nos últimos oito anos, foi da ordemde 20% (excluídas suas exportações de produtos manufaturados e impor-tações de produtos primários) e se deveu, em grande parte, à tendênciadeclinante dos preços de seus produtos de exportação. No caso do Brasil,a perda de poder aquisitivo das exportações para os Estados Unidos ape-nas, no período 1955/61, eleva-se a US$ 1.486 milhões.

Além dessa queda de preços, os produtos brasileiros defrontam-se comsistemas preferenciais discriminatórios, no caso dos produtos primários, ecom restrições aplicadas pelos países desenvolvidos, nos termos do GATT,aos produtos industrializados e semimanufaturados dos países subdesen-volvidos. Essa situação desfavorável tem impedido que nossas receitas deexportação acompanhem sequer o crescimento da população, quando sa-bemos que um incremento de importações per capita é um dos requisitospara o desenvolvimento econômico sustentado.

Com vistas a eliminar essas distorções e a aumentar o valor das expor-tações, o Brasil preconiza não só uma política de negociação de acordosmultilaterais, produto por produto, (tal como demonstrado por nossa atu-ação em prol do Convênio Internacional do Café), mas também a revisãodo sistema institucional que preside às trocas econômicas internacionais(orientação consubstanciada em nosso apoio á Conferência Internacionalde Comércio e Desenvolvimento). Em termos esquemáticos, são os seguin-tes nossos objetivos:

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1) a eliminação dos sistemas preferenciais discriminatórios contraprodutos brasileiros e dos subsídios à produção interna de bensprimários, por parte dos países que formam os mercados “conven-cionais”;

2) a eliminação de artifícios que impliquem restrições aos produtosindustriais ou semimanufaturados brasileiros nos mercados “con-vencionais”;

3) a penetração no sistema comercial dos países socialistas(COMECON), que crescem a uma taxa mais alta que a dos mer-cados “convencionais” e apresentam elasticidade-renda dedemanda de exportações extraordinariamente elevada, podendo,portanto, constituir mercado em crescente expansão para nossosprodutos.

Entendemos, por outro lado, que a consecução desses objetivos exi-ge uma alteração profunda da estrutura institucional do comércio interna-cional, ensejando a criação de um novo organismo que, seja integrando osjá existentes sob nova cúpula, seja substituindo-os, facilite o tipo de expan-são comercial indispensável ao desenvolvimento econômico brasileiro.

Certo é que, a persistirem as tendências registradas nos últimos anos– e nada indica o contrário – os países ricos ficarão cada vez mais ricos e ospaíses pobres cada vez mais pobres. Projetadas tais tendências para operíodo de uma geração, o resultado seria uma renda per capita de 251dólares para os países subdesenvolvidos em geral e 3.630 para os paísesdesenvolvidos, ou seja, para um incremento de 131 dólares na renda dospaíses subdesenvolvidos, 2.130 seriam adicionados à renda das naçõesindustrializadas.

Essas conclusões são tão significativas que dispensam qualquer co-mentário. O que se impõe – e esse é o sentido da Conferência Internacionalde Comércio e Desenvolvimento – é a ação consciente dos povos subde-senvolvidos para que o comércio exterior deixe de ser um fator deempobrecimento e se transforme, efetivamente, em instrumento de suaemancipação econômica.

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DOCUMENTO 15

Declaração conjunta dos presidentes da Bolívia, Brasil, Chile, Equador eMéxico sobre desnuclearização da América Latina. Mensagens trocadasentre os presidentes João Goulart, do Brasil, e Adolfo López Mateos, doMéxicoCircular n. 4.675, de 30 de maio de 1963.

México adere à proposta brasileira sobre desnuclearização da América Lati-na: troca de mensagens entre os presidentes López Mateos e João Goulart.

A delegação do Brasil apresentou à XVII Assembléia Geral das NaçõesUnidas, em 29 de outubro de 1962, o seguinte projeto de resolução sobrea desnuclearização da América Latina (esse projeto recebeu posteriormen-te a assinatura da Bolívia, Chile e Equador):

À Assembléia Geral,

Tendo em conta a necessidade vital de poupar as gerações presentese futuras do flagelo de uma guerra nuclear;

Profundamente preocupada com os atuais desenvolvimentos da con-juntura internacional que promovem a expansão de armas nucleares

a novas regiões geográficas;Acreditando que se deveria adotar uma ação urgente para impedir uma

maior disseminação de armas nucleares;Recordando suas Resoluções 1.380 (XIV), de 20 de novembro de

1959; 1.576 (XV), de 20 de dezembro de 1960; 1.664 (XVI) e 1.665(XVI), de 4 de dezembro de 1961;

Recordando a Resolução 1.652 (XVI), de 24 de novembro de 1961,que reconheceu a necessidade de impedir que a África seja envolvida

na corrida armamentista e que considerou o continente africano comouma zona desnuclearizada;

Considerando que os perigos e ameaças inerentes à presente crisemundial tornam imperativo que todos os Estados-membros da área

latino-americana considerem entre si a elaboração de acordos que

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tornem a América Latina zona desnuclearizada, impedindo, assim, a

maior disseminação de armas nucleares;Reconhecendo a necessidade de impedir que os países da África e da

América Latina sejam envolvidos na corrida armamentista nuclear,que coloca em perigo a paz mundial e causa profunda ansiedade a

todos os povos e nações;1) Recomenda que os países da América Latina, pelos meios e ca-

nais que forem considerados mais convenientes, negociem acordospelos quais os países da área resolveriam:

a) concordar em não fabricar, receber, armazenar ou experimen-tar armas nucleares e engenhos transportadores;

b) concordar em desfazer-se imediatamente de quaisquer armasatômicas ou engenhos transportadores que se possam encontrar

agora em seu território;c) concordar em adotar medidas para verificação desses acordos de

modo a garantir que eles estarão realmente sendo respeitados.2) Concita todos os Estados a cooperar plenamente com os acor-

dos que se concluírem e, na conformidade dos mesmos, considerareme respeitarem o território da América Latina como uma zona desnu-

clearizada.3) Solicita ao secretário-geral que, a pedido daqueles Estados,

preste sua assistência no sentido de lograr e executar os acordos men-cionados no parágrafo 1.

No dia 21 de março de 1963, o senhor Adolfo López Mateos, pre-sidente da República do México, dirigiu a seguinte mensagem aopresidente João Goulart:

Senhor Presidente,

Animado pelas relações de fraternidade que afortunadamente ligamnossos dois povos e com elevada fé nos dotes de estadista que me apraz

reconhecer em Vossa Excelência, dirijo-me agora ao governante eamigo para tratar de um tema ligado ao bem-estar desta região do

globo que nos tocou habitar. Refiro-me à matéria em que coube à

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Política Externa Independente 111

diplomacia brasileira desempenhar papel de relevo: a desnucleariza-

ção da América Latina.Permita-me, Senhor Presidente, antes de apreciar diretamente o as-

sunto, referir-me a três antecedentes que, sem dúvida, servirão paradelinear com maior clareza as possibilidades de ação que, estou firme-

mente convencido, se oferecem no momento para conseguir progressoimportante em matéria tão transcendental.

Quando o México teve pela primeira vez a oportunidade de fazer suavoz ouvida na Comissão de Desarmamento das Dezoito Potências,

pedi ao secretário de Relações Exteriores expressar os seguintes con-ceitos:

“A nosso juízo, a desnuclearização podia, pode e deve fazer-se, enquan-to não se consegue um acordo mundial, mediante decisões espontâneas

dos Estados.É por isso que o governo do México resolveu não ter, nem admitir no

âmbito do território nacional, armas nucleares de qualquer espécie,nem os meios que poderiam ser utilizados para transportá-las. É cla-

ro que não temos possibilidades técnicas ou econômicas para isso,porém, ainda que as tivéssemos, nossa atitude seria a mesma. Igual-

mente temos acompanhado com nossa opinião e nosso voto,resoluções que têm sido apresentadas com o objetivo de evitar a di-

fusão de armas nucleares.”Levou-me a ditar tais instruções ao chefe da delegação mexicana não

apenas a identidade entre o seu conteúdo e a vocação pacifista do povodo México, mas ainda a firme convicção que tenho de que estamos

vivendo horas dramáticas, horas que exigem de todos e de cada um denós – e, de maneira mais especial, aqueles que recebemos um man-

dato de interpretar a voz dos nossos povos – uma conduta decidida econstante em favor da preservação da própria vida.

Foi, pois, com singular prazer que notei – e passo com isso a referir-me ao segundo dos antecedentes a que aludi antes – que a delegação

do Brasil à XVIII [sic] sessão da Assembléia Geral das Nações Uni-das tomou a feliz e oportuna iniciativa de apresentar um projeto de

resolução, a cujo patrocínio vieram unir-se as delegações da Bolívia,

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Chile e Equador, destinado a satisfazer o anseio tão caro ao homem

latino-americano, qual seja o da desnuclearização da nossa região.Reconhecendo, a um tempo só, o mérito e a importância do aludido

projeto, determinei na oportunidade que fossem expedidas instruçõesà delegação do México para que lhe desse todo o apoio possível. In-

felizmente, surgiram elementos de índole meramente circunstancial– e Vossa Excelência as conhece tão bem quanto eu –, que aconselha-

ram as delegações patrocinadoras transferir a discussão do ditodocumento, cujos altos objetivos foram reconhecidos por todos.

Pessoalmente – e com isso termino esta exposição preambular – con-siderei conveniente dar novo alento aos esforços até aqui realizados e

manifestei publicamente que o governo do México está disposto afirmar o compromisso – se um grupo importante de repúblicas lati-

no-americanas, ou todas elas, o aceitarem de comum acordo, seja pormeio de declarações unilaterais, seja por meio de convênio multila-

teral específico – de não adquirir sob nenhum título, nem permitir pornenhum motivo, que em território nacional armazenem-se e trans-

portem-se armamentos nucleares ou instalem-se bases de lançamento.Chego, assim, Senhor Presidente, ao problema que agora se apresenta

aos governantes latino-americanos: a seleção dos meios adequadospara obter a aspiração que, à luz do exposto, não vacilo em qualificar

de comum a Vossa Excelência e a mim.Após meditar detidamente, creio oportuno chamar a atenção dos ilus-

tres governantes dos Estados patrocinadores do projeto de resoluçãojá referido para a necessidade de não ficarem interrompidas as medi-

das iniciadas para a desnuclearização da América Latina. A isso,animou-me a convicção de que é a estes quatro países, associado ao

meu, que incumbe, de maneira mais direta, retomar a iniciativa.Dirijo-me a Vossa Excelência, Senhor Presidente, ao estadista que

tantas provas de maturidade política tem dado frente ao seu povo,com a segurança de que a experiência que tão singularmente o distin-

gue, resultará de especial valia na tarefa de seleção que nos defronta.Um método, que a meu juízo apresenta possibilidades de êxito nesta

empresa, seria o de os presidentes do Brasil, Bolívia, Chile, Equador

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Política Externa Independente 113

e México fazerem conjuntamente uma declaração pela qual anuncia-

ríamos nossa disposição de firmar um acordo multilateral com osdemais países da América Latina, no qual se estabeleça o compromisso

de não fabricar, receber, armazenar ou ensaiar armas nucleares ouartefatos de lançamento nuclear. Tal declaração destacaria o anseio do

resto das nações latino-americanas no sentido de chegar-se a consti-tuir, para nossos povos, uma espécie de carta de alforria contra a ameaça

nuclear. Não creio pecar por excessivo otimismo se manifesto a Vos-sa Excelência que um tal documento viria a ter efeitos muito salutares

nos esforços que tanto a Assembléia Geral das Nações Unidas quan-to a Comissão de Desarmamento vêm realizando para afastar, para

sempre, o espectro da guerra nuclear.As gerações que nos precederam lograram para nossa América títu-

los especiais de que podemos, justamente, orgulhar-nos. Entre estesnão é o menor o de constituirmos um grupo de Estados que pela

primeira vez empreendeu com êxito esta grande aventura de convivên-cia pacífica que é a colaboração multilateral através de organismos

internacionais. Se nossa geração logra, por sua vez, a desnucleariza-ção da América Latina, como primeiro passo para o desarmamento

do globo e ulteriormente um desarmamento universal e completo,poderá descansar na certeza de que não lhe será adverso o julgamento

da História. É certo que são muitas as dificuldades a vencer, mas querocrer, e para isso me apoio na experiência do nosso passado como na-

ções amantes da paz, que não são menores nem nossa vontade nemnossa habilidade para superá-las. Uma forma muito concreta de iniciar

esta superação poderia consistir, na minha opinião, em firmarmos coma possível presteza a declaração que me permito sugerir nesta carta.

Na convicção de que Vossa Excelência emprestará a esta causa a va-liosa colaboração de sua experiência e saber, envio-lhe, Senhor

Presidente, minhas saudações mais cordiais e a expressão dos votos queformulo pelo seu bem-estar e ventura pessoais.

Adolfo López Mateos

Em 8 de abril de 1963, o presidente João Goulart respondeu a SuaExcelência o presidente Adolfo López Mateos nos seguintes termos:

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Grande e bom amigo,

Desejo inicialmente manifestar a satisfação com que recebi a carta naqual Vossa Excelência propõe que assinemos, conjuntamente com

nossos caros amigos os presidentes Paz Estensoro, da Bolívia, JorgeAlessandri, do Chile e Carlos Arosemena, do Equador, uma decla-

ração que anuncie a comum intenção de nossos países de firmarem umacordo multilateral latino-americano pelo qual os países do continen-

te se comprometeriam a não fabricar, receber, armazenar nem testararmas nucleares ou veículos de lançamento destas armas.

A política de paz preconizada pelo Brasil, política que visa a afastardo horizonte dos destinos humanos a perspectiva terrível de um

holocausto termonuclear, vem sendo seguida de maneira consistentequer nos seio da Assembléia Geral das Nações Unidas e de suas co-

missões, quer no seio da Conferência dos Dezoito Países em Genebra.A proposta de desnuclearização da América Latina que o Brasil for-

mulou, com o co-patrocínio da Bolívia, do Chile e do Equadordurante a XVII sessão da Assembléia Geral, representa um passo da

mais alta significação na implementação da política de paz que o meupaís preconiza. Só esta política poderá garantir o sucesso, a longo

prazo, dos esforços gigantescos de todo o continente latino-americanoem busca do desenvolvimento econômico e social dos povos que o

habitam.A sugestão que Vossa Excelência me dirigiu em tão boa hora cons-

titui uma contribuição decisiva para a vitória da idéia brasileira. Osgovernos e os povos do mundo inteiro conhecem e admiram o entu-

siasmo com que o México há anos se vem dedicando ao sucesso dasaspirações comuns que irmanam numa só família os povos da Amé-

rica Latina. A atuação da delegação mexicana à Conferência doComitê dos Dezoito Países sobre o Desarmamento demonstra de

forma cabal a fidelidade do seu país aos princípios fundamentais querepresentam a herança espiritual do comitê.

É, pois, com alegria, que recebo a sugestão de Vossa Excelência. Tenhoa esperança de que nossos países possam sem demora manifestar,

juntamente com a Bolívia, o Chile e o Equador, a comum intenção

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de trabalhar no sentido da desnuclearização da América Latina.

Anima-me, por fim, a certeza de que os países latino-americanosexprimirão seu apoio à declaração comum proposta por Vossa Exce-

lência, por reconhecerem nela uma contribuição vital para a melhoriadas relações internacionais. Representa a mesma uma feliz e transcen-

dental iniciativa de seu nobre e grande país em favor da paz e dasegurança internacional.

Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protes-tos da minha alta estima e sincera amizade.

João Goulart

Declaração conjunta, de 30 de abril de 1963, dos presidentes do Brasil, Bolí-via, Chile , Equador e México.

Os presidentes das repúblicas da Bolívia, Brasil, Chile, Equador e

México;Profundamente preocupados com o atual desenvolvimento da situ-

ação internacional, que favorece a difusão das armas nucleares;Considerando que, devido à sua invariável tradição pacifista, os Esta-

dos latino-americanos devem juntar seus esforços a fim de convertera América Latina numa zona desnuclearizada, com o que contribui-

rão para diminuir os perigos que ameaçam a paz do mundo;Desejosos de preservar seus países das trágicas conseqüências que

acarretaria uma guerra nuclear e alentados pela esperança de que aconclusão de um acordo regional latino-americano possa contribuir para

a adoção de um instrumento de caráter contratual no âmbito mundial;Em nome de seus povos e de seus governos, resolveram:

1) Anunciar, desde já, que os governos estão dispostos a assinar umacordo multilateral latino-americano, pelo qual os países se compro-

meteriam a não fabricar, receber, armazenar nem testar armasnucleares ou instrumentos de lançamento nuclear.

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2) Dar a conhecer a presente declaração aos chefes de Estado das

demais repúblicas latino-americanas, fazendo votos para que seus go-vernos adiram a ela da maneira que considerem adequada.

3) Cooperar entre si e com as demais repúblicas latino-americanas queaderirem à presente declaração, a fim de que a América Latina seja

reconhecida, o mais cedo possível, como uma zona desnuclearizada.

Texto da mensagem de 30 de abril, dirigida pelo presidente João Goulart aoschefes de Estado das repúblicas latino-americanas:

Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, nointuito de prestarem uma contribuição positiva à causa da segurança mundiale da paz interamericana, os presidentes da República da Bolívia, Chile,Equador, México e Brasil estão formulando a seguinte declaração conjunta:

Os presidentes das repúblicas da Bolívia, Brasil, Chile, Equador eMéxico;

Profundamente preocupados com o atual desenvolvimento da situ-ação internacional, que favorece a difusão das armas nucleares;

Considerando que, devido à sua invariável tradição pacifista, os Esta-dos latino-americanos devem juntar seus esforços a fim de converter

a América Latina numa zona desnuclearizada, com o que contribui-rão para diminuir os perigos que ameaçam a paz do mundo;

Desejosos de preservar seus países das trágicas conseqüências queacarretaria uma guerra nuclear e alentados pela esperança de que a

conclusão de um acordo regional latino-americano possa contribuir paraa adoção de um instrumento de caráter contratual no âmbito mundial;

Em nome de seus povos e de seus governos, resolveram:1) Anunciar, desde já, que os governos estão dispostos a assinar um

acordo multilateral latino-americano, pelo qual os países se compro-meteriam a não fabricar, receber, armazenar nem testar armas

nucleares ou instrumentos de lançamento nuclear.

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2) Dar a conhecer a presente declaração aos chefes de Estado das

demais repúblicas latino-americanas, fazendo votos para que seus go-vernos adiram a ela da maneira que considerem adequada.

3) Cooperar entre si e com as demais repúblicas latino-americanas queaderirem à presente declaração, a fim de que a América Latina seja

reconhecida, o mais cedo possível, como uma zona desnuclearizada.

Ao dar conhecimento da presente declaração, apelo a Vossa Excelên-cia no sentido da colaboração de seu governo neste esforço, que deverá sercomum a todas as repúblicas latino-americanas para que possa produzir osresultados colimados. Consideramos a tendência para a disseminação dearmas nucleares como um dos traços mais inquietantes e ameaçadores dalatente crise internacional. Anima-me, assim, a convicção de que a valiosacontribuição de seu país representará fator decisivo para que a AméricaLatina venha a tomar uma posição de vanguarda nesta grande causa da paze do desarmamento mundial.

Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protes-tos da minha alta estima e sincera amizade.

a) João Goulart

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DOCUMENTO 16

Entrevista concedida pelo embaixador João Augusto de Araújo Castroao Jornal do Brasil, em 2 de junho de 1963Circular n. 4.700, de 3 de junho de 1963.

O secretário-geral adjunto para Organismos Internacionais do Itamaraty,embaixador João Augusto de Araújo Castro, declarou ao Jornal do Brasilque “poucos países detêm as mesmas perspectivas do Brasil no que toca àspossibilidades de expansão e irradiação diplomática”. Acrescentou que:

– Sem problemas políticos externos, sem reivindicações territoriais,sem condições limitativas de sua soberania, o Brasil está em condições ideaispara, na Organização das Nações Unidas, continuar a luta em torno dosseus três grandes temas fundamentais: desarmamento, desenvolvimentoe descolonização.

Analisando, com exclusividade para o Jornal do Brasil, a ação brasi-leira nos organismos internacionais, como a ONU, sobre os quais recaigrande parte da responsabilidade pela preservação da paz mundial, disseo embaixador Araújo Castro que é um dos que formam, no Ministério dasRelações Exteriores, para levar o Itamaraty bem para o centro da vidabrasileira, a fim de que a execução da nossa diplomacia represente efeti-vamente o Brasil, com os seus anseios e pretensões, suas dúvidas eapreensões.

Trinômio “D”Sobre os motivos por que o Brasil assenta sua batalha, no plano interna-cional, em direção ao “trinômio D” – Desarmamento, Desenvolvimento eDescolonização – diz o embaixador Araújo Castro que:

– A luta pelo desarmamento e pela imediata cessação de todas as ex-periências nucleares é a própria luta pela paz e pela sobrevivência dahumanidade e, em sentido mais restrito e mais direto, a luta pela igualda-

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de jurídica dos Estados, que ficariam a salvo de agressões e violações dedireitos por vizinhos – e não necessariamente vizinhos – mais fortes e maispoderosos.

– A luta pelo desenvolvimento econômico e pela rápida liquidação dosistema colonial corresponde à própria luta pela emancipação econômica epela emancipação política. No fundo, trata-se de uma afirmação, no seio daONU, de um movimento do mundo não armado, não nuclear e não desen-volvido, que possui reivindicações e procura os meios políticos e diplomá-ticos para transformá-las em realidade.

Equívoco brasileiro– Aqui no Brasil – prossegue o embaixador – comete-se com freqüência oequívoco de ver a ONU como palco, por excelência, da luta entre o Ocidentee o Oriente. Esse equívoco constitui, simplesmente, o resultado de trans-posição para o campo das relações internacionais de antinomias internas,que infelizmente tendem a polarizar-se.

Acentuou que, na realidade, o que ocorreu na ONU é algo muitodiferente.

– É evidente que se processou ali uma articulação parlamentar naforma de blocos de direita, de centro e esquerda, como acontece em qual-quer congresso – adiantou.

Pequenas potênciasO que se poderia chamar de “articulação parlamentar” de um possívelgrupo de esquerda não inclui o bloco socialista. O grupo seria preponde-rantemente integrado pelas nações subdesenvolvidas da Ásia, África eAmérica Latina.

Estas nações têm um elenco de reivindicações (desarmamento, des-colonização, desenvolvimento econômico, direitos humanos, luta contradiscriminação, etc.) e sabem que nãoas realizarão com facilidade, dada aatual estrutura de poder político e econômico internacional.

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Por conseguinte elas buscam, pela ação conjunta dentro da ONU,uma modificação substancial da mencionada estrutura, que permita a rea-lização de suas aspirações nacionais. A realização de uma conferênciainternacional de comércio, como a que a ONU convocou para o próximo ano,para cuja realização o Brasil lutou seriamente, é apenas um exemplo. OBrasil deseja a transformação da estrutura do comércio internacional, comoum dos fatores propulsores do desenvolvimento econômico.

Nem tudo é Leste e OesteDestaca o embaixador Araújo Castro que se tornaram freqüentes na ONUos casos em que formam, de um lado, o bloco ocidental e o bloco socialista,e, de outro, o bloco de nações subdesenvolvidas. A articulação parlamen-tar dentro da ONU se faz, presentemente, não dentro do contexto daGuerra Fria,mas dentro do contexto mais grave e mais complexo de umaoposição entre os hemisférios norte e sul, nascida das disparidades de poderpolítico e econômico entre as duas áreas. O que acontece é que os interes-ses do mundo não armado, não nuclear e não desenvolvido muitas vezesse contrapõem aos interesses das grandes potências ocidentais ou socialis-tas. Nem tudo é Leste e Oeste na ONU.

Os países latino-americanos, por exemplo, que tendem a seguir oOcidente nas grandes questões da paz e segurança, tendem a distanciar-se dele nas questões econômicas, sociais e coloniais, já que nesses assuntosseus interesses não podem ser os mesmos das grandes nações industriali-zadas.

O voto do Brasil– Como já procurei acentuar, recentemente, o importante não é determi-nar se, numa questão particular, o Brasil votou com o Leste, com o Oeste,com os neutros ou com os não-alinhados. O importante é precisar se o Brasilvotou de acordo com seus compromissos, suas tradições e seus interesses.Na ONU não subsiste uma dualidade Leste-Oeste, mas uma multiplici-dade de correntes e subcorrentes, blocos e sub-blocos. Tudo isso contribuipara o fenômeno da crescente parlamentarização das Nações Unidas.

Frisa o diplomata que:

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– Uma grande parte da controvérsia existente sobre a política exte-rior brasileira deriva de uma certa confusão em torno dos conceitos deneutralismo e não-alinhamento e de uma falsa noção sobre a atual distri-buição de forças na Assembléia Geral da ONU.

ONU ainda é fortePara o embaixador Araújo Castro, a crise de outubro, que teve imensoimpacto na Guerra Fria, e a iminência de uma guerra nuclear, naquelaoportunidade admitida pela humanidade, vieram provar [que]:

1º a ONU ainda é o instrumento mais seguro para a manutenção dapaz e da segurança internacional;

2º foi através dos canais diplomáticos da ONU que se estabeleceramos contatos diretos que permitiram evitar a eclosão do conflito;

3º a pressão diplomática dos pequenos países, não armados e nãodesenvolvidos, foi extremamente importante para a manutençãode um clima favorável às negociações; as pequenas potências con-tribuíram decisivamente para salvar a paz.

Brasil entre os 70 ou 80Deve-se acentuar que os debates na Assembléia Geral da ONU e noConselho de Segurança não esgotam o conteúdo diplomático das NaçõesUnidas. Entre setembro e dezembro de cada ano, Nova York se torna ocentro diplomático do mundo, com a presença de 70 ou 80 ministros dasrelações exteriores, que comparecem na qualidade de chefes das delega-ções dos seus respectivos países. Essa é uma oportunidade ideal para oestabelecimento de contatos bilaterais, que, dentro da ONU, se processamde maneira informal, sem protocolos, banquetes, condecorações e outorgasde títulos que caracterizam as viagens de chanceleres de um a outro país.

Destaca o embaixador Araújo Castro que, para o Brasil, a AssembléiaGeral da ONU tem proporcionado oportunidade de um contato com asjovens nações africanas, nas quais o Brasil ainda não está presente, dadaa impossibilidade, por motivos administrativos e financeiros, de represen-tações diplomáticas diretas com a generalidade desses países.

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– É por todos estes motivos que o Itamaraty já iniciou o preparo daparticipação brasileira na próxima Assembléia Geral, a instalar-se em se-tembro. Vemos na assembléia uma oportunidade não apenas para exprimirnossos pontos de vista em face dos grandes problemas mundiais, mas tam-bém e cada vez mais como um foro para o tratamento de questões bilateraise multilaterais.

No Conselho de SegurançaA participação do Brasil no Conselho de Segurança é, a seguir, explicadapelo embaixador Araújo Castro. Lembra ele que o Brasil é o único querecebeu, até hoje, um quarto mandato para o Conselho de Segurança e jánestes últimos dois meses agiu dinamicamente em dois problemas sérios:a queixa do Senegal contra a violação de seu território por forças sediadasna Guiné Portuguesa e a queixa do Haiti contra a República Dominicana.

No affaire Haiti-República Dominicana, o Brasil sustentou tese quepermitiu bem caracterizar a OEA como organização regional da ONU:defendeu o ministro Geraldo de Carvalho Silos a competência da ONUpara conhecer de quaisquer controvérsias internacionais, ainda quandoafetem as relações entre dois Estados americanos. Manteve-se o Brasil,dessa forma, fiel às obrigações contraídas tanto na Carta da ONU como naOEA.

O Brasil no bloco de cáNa ONU, o Brasil pertence apenas a um bloco: o bloco latino-americano.Esse bloco tem decrescido de importância numérica relativa. Éramos vin-te num conjunto de 47 nações quando a ONU foi criada, em 1945; hoje,o total se eleva a 111 (o Kuwait foi o último país a ser admitido). De maisde um terço da totalidade de membros, os países latino-americanos passa-ram a ser menos de 1/5 e pouco mais de 1/6. Isso cria evidentemente umproblema de representação dos países latino-americanos nos conselhos, co-mitês e órgãos das Nações Unidas, dada a necessidade de atendimento dasreivindicações de representação dos novos Estados.

Destaca o embaixador Araújo Castro que:

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– É, assim, extremamente significativo que, ao ser eleito em novem-bro último, para o Conselho de Segurança da ONU, haja o Brasil recebido91 votos, à frente da Noruega e do Marrocos (eleito em segundo escrutínio).

Reclamos do BrasilO apoio do bloco latino-americano a projetos de iniciativa brasileira (sus-pensão de testes nucleares, desarmamento, financiamento das operaçõesde paz na ONU, etc.) demonstra que, mesmo no tratamento das grandesquestões internacionais, o Brasil não perde sua fisionomia de país latino-americano.

O que o Brasil tem reclamado,– e isso desde os dias do lançamentoda Operação Pan-Americana, é a necessidade de uma voz mais forte eatuante da América Latina no encaminhamento dos problemas mundiais.

“O problema dos problemas”: GenebraLembra o embaixador Araújo Castro que o Brasil integra a comissão dodesarmamento desde março de 1962, cumprindo mandato que lhe foioutorgado pela ONU. É uma conferência que, em Genebra, procura umasolução para o “problema dos problemas”, que é o do desarmamento gerale completo.

O desarmamento é um problema central porque é, basicamente, umaquestão de poder e as grandes potências se mostram naturalmente infensasa abandonar seus grandes arsenais de armamentos nesta fase em que,infelizmente, as relações internacionais ainda se regulam, em grande par-te, pela “política de poder”.

Cem vezes mais difícilPor mais grave que seja qualquer problema internacional, como Cuba,Berlim, Laos, por exemplo, qualquer deles será cem vezes mais fácil desolucionar do que o do desarmamento.

O que o Brasil tem procurado frisar, em Genebra e em Nova York, éque o conceito de segurança nacional deve ceder terreno gradual e progres-sivamente ao conceito de segurança internacional. Paradoxalmente, sãohoje as grandes potências as que se sentem mais vulneráveis e mais

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ameaçadas em sua segurança e sua própria vida. O poder não trouxe asegurança e nenhuma potência poderá, hoje, considerar-se segura, pormaior número de mísseis que possua e por maior número de testes nucle-ares que haja realizado. O problema do desarmamento deixa, assim, de serum problema político para transformar-se num problema humano, de so-brevivência.

CondenaçãoO Brasil, compreendendo a natureza das dificuldades que ainda nos se-param do objetivo final do desarmamento geral e completo, vem-se batendopela rápida adoção de medidas que pelo menos aliviem a tensão e afastemo perigo da guerra imediata. Outras iniciativas brasileiras:

1º pedido de prioridade para a interdição das experiências nucleares;2º apresentação à Assembléia Geral da ONU, em outubro de 1962,

de projeto de resolução – aprovado por 81 votos a favor e que tevea co-autoria de 36 países – pelo qual se condenou, pela primeiravez, as experiências nucleares, estabelecendo-se a data de 1º dejaneiro último para cessação das explosões atômicas.

Desnuclearização da América LatinaEsclarece o senhor Araújo Castro que o Brasil também tem reclamadomedidas tendentes a evitar a disseminação de armas nucleares e nesse con-texto se situa a iniciativa para a desnuclearização da América Latina,mediante um acordo multilateral entre todas as repúblicas latino-americanas.O Brasil não pediu, como se tem erroneamente afirmado, que a AssembléiaGeral declarasse a América Latina uma zona desnuclearizada. O Brasilpediu à assembléia que recomendasse às repúblicas latino-americanas queestudassem a conveniência de assumir, em um ato internacional, o compro-misso de não fabricar, armazenar ou experimentar armas nucleares. Nostermos do projeto brasileiro e da declaração conjunta de 29 de abril, firma-da pelos presidentes do Brasil, Bolívia, Chile, Equador e México, adesnuclearização da América Latina viria, não como imposição da ONU,mas de um “ato de soberania” das repúblicas do continente.

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O Brasil tem a intenção de submeter o projeto ao voto da próximaAssembléia Geral da ONU.

Brasil não recuaráNa questão das experiências nucleares, o Brasil tem sustentado que a áreade acordo entre as grandes potências é muito maior do que qualquer doslados desejaria ou ousaria admitir. E o Brasil tem sistematicamente protes-tado contra a realização de quaisquer experiências nucleares, partam deonde partirem. O Brasil tem, ainda, reclamado medidas que evitem a guerrapor acidente, erro de cálculo ou falha no sistema de comunicações.

Fez questão o embaixador Araújo Castro de reafirmar o desmentidoque fez ao Jornal do Brasil, no domingo passado, insistindo em que o Brasilcumprirá até o fim, esgotando todos os recursos possíveis, o mandato quelhe foi outorgado pelos 111 países membros da ONU, na luta pelo desar-mamento.

Ajuda recebida– Muita gente se pergunta – diz o embaixador – se o Brasil recebe algumbenefício concreto de sua participação nos organismos internacionais. In-dependentemente do fato, já por si importante, de que não mais seconceberia um isolamento diplomático do Brasil, deve ser dito que estamosrecebendo significativa ajuda internacional para a solução de alguns dosnossos problemas. Referir-me-ei aos programas de assistência técnica e dofundo especial.

– A assistência técnica é proporcionada pela ONU por meio do Pro-grama Ampliado de Assistência Técnica e do Fundo Especial deDesenvolvimento. Pelo programa ampliado, o Brasil receberá, entre 1963-1964, cooperação técnica num valor total de US$ 1,089.879, a ser prestadaatravés da FAO, Agência Internacional de Energia Atômica, Junta deAssistência Técnica, Organização Internacional do Trabalho, UNESCOe Organização Mundial de Saúde.

Projetos financiados– Quanto ao fundo especial, o Brasil pediu e obteve financiamento para osseguintes projetos:

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1º levantamento do potencial hidrelétrico da região Centro-Sul;2º estabelecimento de um centro de pesquisa e tecnologia de alimen-

tos tropicais;3º recuperação econômica da Baixada Sul-Rio-Grandense.

– Incluindo-se o projeto de estabelecimento do Instituto de FísicaPura e Aplicada da Universidade de Brasília, o total da cooperação do fundoespecial montará a US$ 5,7 milhões.

– Nossas contribuições ao programa ampliado e ao fundo especial, em1962, somaram US$ 103 mil, pagos em cruzeiros, e em 1963 deveremosentrar com US$ 195.555. Mais de 18 milhões de dólares já recebeu o Brasilda ONU, até 1962, em matéria de assistência técnica, registrando-se, ainda,uma ajuda de 9 milhões de dólares partida do FISI, nos 12 anos de assis-tência prestada ao Brasil.

Itamaraty no Brasil de hojeConcluindo sua entrevista, o embaixador Araújo Castro diz que, apesar dosprogressos realizados na última reforma do serviço diplomático brasileiro enão obstante o espírito renovador que anima todos os setores da casa, oItamaraty ainda não está aparelhado para defender na plenitude os inte-resses do país, que cresceu muito além de nossas expectativas.

– Minha conclusão – destaca – não é, entretanto, pessimista. Não foio Itamaraty que piorou. Foi o Brasil que cresceu, despertou para a vida in-ternacional.

– Quando nossa política internacional se processava discretamente,no silêncio de nossa chancelaria, o Itamaraty era tido como infalível, masessa infalibilidade não era senão um reflexo da apatia e desinteresse comque a opinião pública encarava os problemas de nossa política externa, queera apenas um assunto para vagas conferências, à margem dos cisnes, nahora do crepúsculo.

A última palavra do embaixador Araújo Castro é de confiança noCongresso. Tendo exposto, na Comissão de Relações Exteriores da Câma-

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ra, há dias, aspectos de sua especialidade, da política externa brasileira, dizo diplomata que voltou convencido de que o Congresso deseja prestar aoItamaraty toda a ajuda e assistência de que necessita para atualizar-se ereaparelhar-se.

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DOCUMENTO 17

Nota do governo brasileiro sobre a suspensão dos testes nucleares, de12 de junho de 1963Circular n. 4.716, de 20 de junho de 1963.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Rio de JaneiroSuspensão dos testes nucleares. Conversações de Moscou. Desnuclearização daÁfrica. Nota do governo brasileiro.

Às missões diplomáticas edelegações junto a organismos internacionais

A Secretaria de Estado das Relações Exteriores cumprimenta asmissões diplomáticas e delegações junto a organismos internacionais e tema honra de remeter-lhes, em anexo, cópia da nota do governo brasileiro de12 de junho passado.2. A nota em apreço exprime a satisfação com que o governo brasileirorecebeu a notícia de que as potências nucleares realizarão, em breve, emMoscou, conversações sobre um tratado de suspensão das experiênciasnucleares. Reafirma, outrossim, o apoio do Brasil à idéia de desnucleariza-ção da África, idéia consagrada recentemente, na Conferência deAdis-Abeba.

Rio de Janeiro,em 20 de junho de 1963.

Exteriores

[Anexo único]

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Nota do governo brasileiro, de 12/6/1963

O governo brasileiro, que tem sistematicamente protestado contra arealização de quaisquer experiências nucleares, em quaisquer circunstân-cias, acolhe, com entusiasmo e esperança, a idéia de uma próxima reuniãode representantes das potências nucleares, com vistas à conclusão de umentendimento para a cessação definitiva de tais experiências.

Consciente das dificuldades que se antepõem à celebração de umtratado de desarmamento geral e completo, o governo brasileiro vem insis-tindo, em Genebra e em Nova York, na necessidade de uma imediata“cessação de fogo” nuclear e na adoção de medidas tendentes a evitar adisseminação de armas nucleares, mediante o estabelecimento progressi-vo de áreas desnuclearizadas. É dentro desse contexto que se situam ainiciativa brasileira tendente à condenação de tais experiências (Resoluçãon. 1.762, da XVII Assembléia Geral) e o projeto brasileiro sobre a desnu-clearização da América Latina.

O governo brasileiro não pode deixar de apoiar calorosamente a pre-sente iniciativa das potências nucleares, assim como apóia o recentepronunciamento de 30 chefes de Estados africanos sobre a desnucleariza-ção da África e a proposta ontem apresentada em Genebra pelas delegaçõesda Etiópia, Nigéria e República Árabe Unida, na qual se oferecem novasbases de negociação sobre as experiências nucleares.

O governo brasileiro tem externado repetidas vezes a opinião de quesão mínimas e quase sem sentido as divergências que ainda separam osdois lados nesta questão da cessação de experiências e dirige um apelo àspotências nucleares para que entabulem e conduzam suas próximas nego-ciações tendo em vista os interesses vitais da humanidade e não apenas osseus chamados interesses de segurança.

O governo brasileiro está convencido de que o conceito de segurançaestá hoje indissoluvelmente ligado ao conceito de paz e considera a reali-zação de experiências nucleares, em flagrante violação de reiteradasmanifestações da Assembléia Geral da ONU, como contrária aos interes-ses da paz e da segurança mundial.

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GESTÃO

Evandro Lins e Silva

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DOCUMENTO 18

Discurso de posse do ministro de Estado das Relações Exteriores,Evandro Cavalcanti Lins e SilvaPalácio Itamaraty, 20 de junho de 1963.

Senhor Ministro Hermes Lima,Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Confesso que entre as aspirações que poderia normalmente alimen-tar, no curso de minha carreira, feliz como ela possa ter sido, de advogadoe de professor de Direito, não figurava a de ocupar, um dia, a cadeira de RioBranco.

A própria vida pública, entendida como o exercício de cargos admi-nistrativos ou políticos, essa mesma, não se situava no campo natural dasminhas cogitações.

Não que a julgasse menos digna de meus interesses. Não. Sou dosque entendem que a função pública, com todos os seus ônus e sacrifícios,é a maior honra a que pode aspirar o cidadão: servir ao interesse coletivo.Apenas, desvinculado das atividades político-partidárias e sem jamais terocupado qualquer cargo público, era justo que limitasse os meus alvos aomundo dos deveres da minha atividade profissional: a defesa da liberda-de individual e o magistério.

Isto, no entanto, não significava o meu alheamento dos problemasnacionais. A minha antiga atividade só formalmente era privada. Na rea-lidade, pela sua própria motivação social e pelos seus fins últimos, ela se ligaà vida e à evolução da sociedade. E se a essas circunstâncias acrescentar umapreocupação constante pela problemática política brasileira, nascida, quem

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sabe, de uma tendência de meu espírito, terei explicado como, emboraafastado dos encargos formais da vida administrativa, sou um homem, nofundo e em essência, de natureza aberta ao trato da coisa pública.

Senti-me, assim, à vontade ao aceitar a convocação que me fez osenhor presidente da República para exercer, há quase dois anos, primei-ro o cargo de procurador-geral da República e depois o de chefe de sua CasaCivil.

A nação e a opinião pública são testemunhas do zelo e devotamentocom que, embora sem brilho, procurei me desincumbir dessas duas tarefas.

Conduz-me, agora, a confiança do senhor presidente da Repúblicaà chefia do Itamaraty. Por desvanecedora que seja a honra – que outra, maisalta, existirá? – ela não tolda, por nenhum momento, no entanto, a cons-ciência clara do vulto das responsabilidades que acarreta. É com esse sen-timento que as assumo, comprometendo-me, neste instante, a empregartodas as forças de que possa dispor para atender a confiança do presidenteJoão Goulart e à expectativa normal do país na defesa dos seus interesses.

Pela voz e pela ação dos brasileiros eminentes que me antecederamnesta casa, desde os albores da nacionalidade, o Brasil tem defendido,segundo os estágios da sua história e as etapas da sua evolução social epolítica, os princípios da sua política externa. Há, assim, para quem assu-me a chefia da diplomacia brasileira um fundo de quadro lógico, historica-mente norteador da sua atuação.

A política externa, por imposição mesmo da natureza dinâmica dosinteresses sociais e econômicos do povo brasileiro, há que refletir as muta-ções e as fases da evolução desses interesses. Por força dessa correlação, osprincípios são inovados ou ampliados, de modo a traduzirem as novas rea-lidades.

Nos últimos anos, a política externa do país procurou refletir a parti-cipação do Brasil na luta pela implantação dos seguintes princípios:

• direito de cada povo à independência e ao desenvolvimento;• direito de cada povo de manter relações com os demais povos da

terra, sem discriminações de qualquer natureza;• autodeterminação dos Estados e não-intervenção;

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• reconhecimento das comunidades e das organizações jurídicas in-ternacionais, como imposição de interdependência técnica, econô-mica e cultural;

• defesa intransigente da paz, desarmamento e proibição das armasatômicas.

Esses princípios estão hoje vitoriosos e configuram uma etapa defini-tiva e irreversível do processo histórico brasileiro. E, antes de uma inspiraçãoou um modelo de comportamento internacional, representam uma toma-da interna de consciência por parte da comunidade brasileira, no tocanteà sua própria identidade, a seus interesses e a seus fins, como agrupamen-to nacional consciente que não abdica de comandar o seu próprio destino.

Esses princípios estão hoje consagrados universalmente na mensagemdo Papa João XXIII, em clara definição, onde são reconhecidos comoanseios inelutáveis da civilização cristã. O Sumo Pontífice iluminou o temana encíclica Pacem in Terris, verdadeiro catecismo de política externa con-temporânea, com estas palavras de infinita sabedoria:

(...) as relações mútuas entre as comunidades políticas se devem re-

ger pelo critério da liberdade. Isto quer dizer que nenhuma nação temo direito de exercer qualquer opressão injusta sobre outras, nem de in-

terferir indevidamente nos seus negócios. Todas, pelo contrário, de-vem contribuir para desenvolver, nas outras, o senso de responsabilidade,

o espírito de iniciativa e o empenho em tornar-se protagonistas dopróprio desenvolvimento em todos os campos.

Para atingir a esse estágio de consciência, o povo brasileiro lutou muitoe as divergências internas debilitaram, de algum modo, o vigor e a unidadeda política externa. Agora, a política externa precisa ser fortalecida pelaunidade interna na fixação dos objetivos que atendam aos legítimos inte-resses nacionais. Não se trata de posição hostil a qualquer comunidade nemde repúdio aos compromissos que assumimos livremente, visando aosnossos próprios interesses, nem tampouco o afastamento do Brasil da convi-vência cordial e fraterna com as áreas a que nos ligam afinidades históricas.

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Para que os princípios defendidos pelo Brasil não se transformem emnovas fórmulas verbais, urge extrair deles todo um roteiro de ação, que nosdevemos impor para a consecução vigorosa e acelerada dos objetivos einteresses nacionais.

Recebi instruções do presidente João Goulart no sentido de projetara política internacional como a face externa do nosso esforço interno parao desenvolvimento econômico e social do país e da sua segurança.

A par da nossa cooperação para o estabelecimento de condições queassegurem a solução pacífica das divergências entre os povos – eis que odilema trágico é coexistir ou não existir –, vamos mobilizar o serviço diplo-mático brasileiro para uma ofensiva simultânea, em todas as frentes ondeo interesse nacional deva ser defendido.

O Brasil tem necessidades prementes no âmbito do seu comércio in-ternacional e dos seus compromissos financeiros.

Como acentuou o eminente senhor presidente da República, namensagem enviada este ano ao Congresso Nacional, “os preços dos nossosprodutos de exportação vêm declinando por todo um decênio”. Hoje, nãohá mais dúvida de que os países exportadores de produtos primários, comoo Brasil, em suas relações com os países plenamente industrializados, so-frem uma contínua deterioração em seus valores de troca. Os organismosinternacionais reconhecem esse processo e, para corrigi-lo, vêm realizandoreuniões que simplesmente adiam a solução para as próximas reuniões.

Procuraremos criar as condições para a ampliação das nossas vendasem todos os mercados. Lutaremos, com empenho especial, para que todoscompreendam que só mediante o aumento de nossas vendas, inclusive deprodutos manufaturados, é que podemos aumentar a nossa capacidade depagamento. Daremos ênfase particular ao desenvolvimento do mercadocomum latino-americano, através da ALALC, dentro da orientação traçadapelo senhor presidente da República na sua recente visita ao Chile e ao Uru-guai e das subseqüentes medidas tomadas para a sua dinamização. E,dentro dessa orientação, entraremos por uma revisão das condições docomércio internacional, de forma a garantir preços compensadores e está-veis dos produtos primários e a igualdade que deve existir, para os países

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em processo de desenvolvimento, relativamente aos países industrializa-dos, no tocante à sua participação no comércio internacional.

Fixar as necessidades reais e os objetivos do nosso comércio interna-cional e de nossas obrigações financeiras e unir o país no esforço e noempenho de solucioná-las, em curto prazo, pode ser a síntese de uma novapolítica externa.

Senhor Ministro, entre as honras da minha investidura nas funçõesde ministro das Relações Exteriores, distingo uma, particularmente: rece-ber o cargo das mãos de Vossa Excelência. Jurista eminente, mestre damocidade e, já agora, ministro do Supremo Tribunal Federal, Vossa Exce-lência emprestou a esta casa os fulgores de sua inteligência e a segurançade sua experiência.

Meus Senhores, a eficiência da execução de uma política externa, poralta que seja a sua inspiração e corretos e adequados os seus desígnios,repousa finalmente na capacidade dos agentes que vão transformar essapolítica em atos e providências práticas.

Sei – e, comigo, a opinião do país – que o serviço diplomático brasi-leiro compreende o mais qualificado e competente corpo de funcionárioscivis do Estado. É a eles que me dirijo, finalmente, onde quer que estejam,para dizer-lhes do meu apreço pelo seu devotamento à causa dos interes-ses brasileiros, da certeza de que poderei contar com a sua indispensávelcooperação na tarefa a que se propõe o presidente João Goulart de orien-tar a política externa no rumo dos objetivos nacionais, o que vale dizer deidentificação com a sua política interna, concebida no ideal de justiça eprogresso social e econômico do povo brasileiro, e cujo sentido definitivo, noplano externo, pode ser resumido nestas palavras: nem subordinação, nemisolamento; mas, sim, independência e cooperação, no interesse do país eda paz entre os povos.

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DOCUMENTO 19

Discurso do chanceler Evandro Lins e Silva no almoço que ofereceu aosdiretores de jornais brasileiros, no Palácio Itamaraty, em 11 de julho de1963Circular n. 4.754, de 18 de julho de 1963.

Desejo agradecer a presença dos senhores jornalistas hoje no Itama-raty, para esta conversa franca e informal sobre problemas ligados à polí-tica externa, num momento em que o governo se revela sumamenteinteressado em dinamizar e revitalizar a ação diplomática do Brasil. Tomeia iniciativa de promover esta reunião, com a idéia de ouvir opiniões e conhe-cer pontos de vista, a fim de estabelecer as bases de um contato permanenteentre o Itamaraty e a imprensa brasileira.

Num regime democrático como o nosso, a política externa não podemais ser formulada e executada no silêncio e na placidez dos gabinetes detrabalho, longe da vida nacional e à margem da realidade brasileira. Apolítica externa do Brasil há de refletir todos os anseios e reivindicações denosso povo e, por isso mesmo, torna-se imperativo que o Itamaraty cami-nhe para o centro da vida nacional, a fim de buscar a inspiração e experiên-cia que o guiarão em seus esforços e em seus trabalhos.

Os princípios que norteiam a política externa brasileira acham-secontidos na última mensagem do presidente João Goulart ao CongressoNacional e estão condensados em meu discurso de posse no cargo de mi-nistro das Relações Exteriores. Esses princípios, que derivam de nossacondição de povo livre, ligam-se à melhor tradição diplomática do Brasil,consciente de seus direitos e deveres na comunidade das nações.

Não se trata agora de reformular uma política, mas de dar-lhe umarealidade prática e tangível através da mobilização de todos os nossos re-cursos pessoais e materiais. É por este esforço nacional de irradiação diplo-mática e de desenvolvimento econômico que eu peço – e estou seguro deobter – a colaboração da imprensa brasileira. Sei que nenhuma imprensalivre abdica de seu direito de criticar e de discordar e, em minha gestão àfrente do Ministério das Relações Exteriores, não desejo senão beneficiar-

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me de suas críticas e sugestões. O único apoio que peço é para os assuntosque se refiram à defesa dos interesses brasileiros no campo internacional.

Há um mundo de coisas a fazer e nosso primeiro esforço está sendoo de dar um balanço em nossas realizações e em nossas perspectivas de açãoimediata, seja na próxima Assembléia Geral das Nações Unidas, quandoseremos chamados a externar nossos pontos de vista sobre os grandes pro-blemas mundiais (paz, desarmamento, segurança coletiva, luta contra osubdesenvolvimento, discriminação racial, problemas coloniais); seja nareunião de ministros, em Montevidéu, sobre os problemas da AssociaçãoLatino-Americana de Livre Comércio; seja na próxima reunião de Londresdas partes contratantes do Acordo Internacional do Café, quando teremosde defender a situação de nosso principal produto de exportação e quan-do os membros daquele acordo procederão ao estabelecimento de uma or-ganização mundial do café, prevista naquele instrumento legal.

A estreita correlação existente entre os problemas de comércio interna-cional e os problemas de superação do subdesenvolvimento leva ao firmepropósito de, prosseguindo na orientação traçada pelo senhor presidenteda República, realizar um esforço continuado e tenaz para promover aexpansão de nosso comércio exterior.

Os principais objetivos visados por esta política externa, para o desen-volvimento econômico, já são conhecidos dos senhores: diversificação danossa pauta de exportações; conquista de novos mercados; reconhecimento,pelos organismos internacionais, de que o comércio deve ser encarado comoum meio de fornecer recursos para o desenvolvimento econômico; adoçãode corretivos às atuais distorções decorrentes da deterioração de nossasrelações de trocas; e superação dos obstáculos levantados à colocação denossos produtos no mercado industrializado. Essas reivindicações, nós asdefenderemos unidos aos demais países em desenvolvimento no plenáriodas reuniões internacionais e na Conferência das Nações Unidas sobreComércio e Desenvolvimento, em 1964.

Nesse sentido, não podemos deixar de dar ênfase toda especial àsrelações interamericanas, mediante um esforço de reativação de órgãos eentidades existentes, de maneira a transformar o pan-americanismo nummovimento dinâmico de desenvolvimento e progresso social. O fortaleci-

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mento da ALALC, nos termos propostos pelos presidentes João Goularte Alessandri, terá, assim, de ser considerado como um dos objetivos ime-diatos de nossa ação diplomática.

Teremos, igualmente, de alongar o raio de ação da diplomacia brasi-leira, de maneira a estarmos presentes nos países africanos e asiáticos queemergem do colonialismo e, nas Nações Unidas, têm formado ao nosso ladono encaminhamento de questões relativas ao desarmamento, ao desenvol-vimento e à descolonização.

Estou convicto de que, para alcançarmos esses objetivos, teremos depensar em novos métodos e normas de ação, de manter o espírito aberto aidéias e sugestões e, sobretudo, de procurar melhor coordenar e racionali-zar uma ação convergente dos vários órgãos do governo. Prende-se a essapreocupação a idéia, que ora consideramos, de propor ao senhor presiden-te da República a criação de um conselho de coordenação de comércioexterior com a participação dos ministros da Fazenda e da Indústria eComércio, para entrosar com o Itamaraty todos os órgãos da administraçãopública relacionados com o comércio externo do país. Será essa a única formade conjugar atividades dispersas para uma melhor racionalização dos nos-sos esforços no sentido de executar uma verdadeira política de comércioexterior.

Como vêem os senhores, é grande e árdua a tarefa que temos diantede nós, mas, com o otimismo e confiança adquiridos em meus primeiroscontatos com a casa de Rio Branco, ouso considerá-la perfeitamente factívele dentro de nossas possibilidades de realização.

É para esta obra de interesse nacional que eu convoco o apoio e acompreensão de todos, a fim de que a ação internacional do país não ve-nha a sofrer e desgastar-se no atrito das paixões pessoais. Podemos hones-tamente discordar em muita coisa, mas não podemos, sem grave risco,permitir que nossas discordâncias venham comprometer um esforço sérioem favor do desenvolvimento do país, que está, em grande parte, condi-cionado a uma eficiente ação da diplomacia no campo das relações econô-micas internacionais.

Creio não cair num otimismo fácil quando afirmo esperar que, nadefesa dos interesses internacionais do Brasil, não prevalecerão alguns dos

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aspectos negativos que, ao lado de aspectos verdadeiramente positivos,caracterizam a vida política brasileira. A política externa de um país cons-titui, em essência, um projeto de longo prazo. Ela só proporciona resulta-dos se a chancelaria é capaz de preservar, neste longo prazo, a coerência ea consistência das suas linhas fundamentais.

Erguendo minha taça, formulo votos pela prosperidade da imprensabrasileira, certo de que ela saberá manter suas tradições de independên-cia, na defesa dos superiores interesses nacionais.

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DOCUMENTO 20

Discurso do chanceler Evandro Lins e Silva, na posse do secretário-geral de Política Exterior, embaixador João Augusto de Araújo Castro,em 12 de julho de 1963Circular n. 4.756, de 19 de julho de 1963.

Ao formalizar o ato de posse de Vossa Excelência na alta função desecretário-geral, quero declarar-lhe e, por seu intermédio, a toda a casa, queminha escolha se pautou, em primeiro lugar, pela identificação de funcio-nário que aliasse, à condição de uma experiência total da função diplomá-tica, uma perfeita identificação com as novas realidades da sociedadepolítica brasileira. Em segundo lugar, e em uma casa composta de funcio-nários tão excepcionalmente dotados e devotados, a escolha foi-me natu-ralmente sugerida pela experiência comum de ação no exterior, ocasião emque me foi dado verificar de sua capacidade de ação, de seu equilíbrio deanálise e de conceito, bem como de sua cultura. Creio, assim, haver insti-tuído através dessa escolha um vínculo que, sobre dar-me, pessoalmente,a segurança de cumprimento exato, eficiente e rápido do programa que metracei nesta casa, por determinação do senhor presidente da República, sereveste, automaticamente, daquelas condições de aceitabilidade institucional,tão imprescindível à ingente tarefa do exercício da autoridade.

Devo ainda declarar, a Vossa Excelência e a esta casa, que oparadigma desta escolha, que reputo indispensavelmente pessoal, me foifornecido pelo secretário-geral que ora lhe cede o lugar, embaixadorHenrique Rodrigues Valle, cuja alta qualificação e cuja dedicada e eficientecooperação venho verificando e apreciando, desde que assumi o cargo deministro de Estado das Relações Exteriores. E é devido, sobretudo, à efi-ciente colaboração do embaixador Henrique Rodrigues Valle, que hoje mesinto à vontade para poder ajuizar do vulto dos problemas que nosassoberbam e, bem assim, dos meios de que dispomos para a boa execu-ção da política externa brasileira. Não pretendo abrir mão de concurso tãovalioso. Espero e conto com a cooperação do embaixador Henrique

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Rodrigues Valle para a ingente tarefa que nos espera, no sentido derevitalizar a Associação Latino-Americana de Livre Comércio.

Concito-o, pois, a emprestar-nos seu concurso no próximo conclavede ministros das Relações Exteriores dos países membros da associação,cuja significação e cujos objetivos derivam da conclamação continental dopresidente João Goulart. Tudo terá e deverá ser feito no sentido de que osanseios nacionais e continentais encontrem expressão política e prática noâmbito daquele organismo latino-americano.

Senhor Embaixador Araújo Castro: ao entregar-lhe a Secretaria-Geral, confio nos seus altos méritos para a projeção da política internacio-nal do Brasil no sentido de que lhes falei aqui, ao tomar posse, isto é, comoa face externa do nosso esforço interno, visando ao desenvolvimento eco-nômico e social do Brasil e de seu povo.

Muito espero da ação de Vossa Excelência, Senhor Secretário-Geral,a fim de que venha a Secretaria-Geral de Política Exterior, por todos os seusórgão e escalões, a refletir, na constância de seus trabalhos, aquela atitudesegundo a qual o mais importante e o que deve merecer primazia de tra-tamento, é o interesse nacional, em função de seus objetivos.

Nesse sentido, o processo de consulta permanente e diária, de quevenho e pretendo continuar participando nos concílios desta casa, deve serestendido, como norma preliminar de trabalho, de modo a abranger conta-tos mais autênticos e mais sistematizados com instituições públicas e pri-vadas do país, para que a conceituação da política externa brasileira serevista da autenticidade característica de uma sociedade política organizadana base da democracia representativa, como é o Brasil.

Desejo, pois, a Vossa Excelência e a todos os seus colaboradores daSecretaria-Geral de Política Exterior todo o êxito na tarefa comum queestamos empreendendo. O país está a exigir de todos nós, mais do quenunca, uma cooperação sem limites e sem reservas. Que a tarefa lhe sejapropícia.

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DOCUMENTO 21

Discurso do embaixador João Augusto de Araújo Castro, na cerimôniade posse no cargo de secretário-geral de Política Exterior, em 12 de julhode 1963Circular n. 4.756, de 19 de julho de 1963.

Desejo, em primeiro lugar, exprimir a Vossa Excelência, SenhorMinistro, meu profundo reconhecimento por seu gesto de confiança, aoformular ao senhor presidente da República a indicação de meu nome paraocupar o cargo de secretário-geral de Política Exterior do Itamaraty. É comhumildade, com imenso sentido de responsabilidade, mas também comentusiasmo e otimismo, que acolho este novo encargo do governo.

Minha responsabilidade é tanto maior quanto é certo que recebo ocargo das mãos de meu querido amigo e velho companheiro, embaixadorHenrique Rodrigues Valle, cuja alta competência e inexcedíveis qualida-des pessoais e intelectuais o impuseram ao respeito e à admiração de todosos seus colegas, que nesta casa sempre o procuraram e sempre o procura-rão em busca de uma sugestão, de um conselho, de uma palavra de orien-tação e, até mesmo, de um pouco de bom humor.

Senhor Ministro, interpreto minha designação como um mandatopara, sob a permanente orientação de Vossa Excelência, coordenar areativação e dinamização da política externa do Brasil, definida por VossaExcelência, em seu discurso de posse, em torno de cinco princípios funda-mentais. Cabe agora ao Itamaraty, como agente e instrumento da políticaexterna do governo, dar a esses princípios aplicação prática, através de umaação diplomática coerente e articulada, flexível em seus métodos, masextremamente firme e rígida em seus objetivos. Diplomacia não é um fimem si mesmo, mas um conjunto de meios e de técnicas para a consecuçãode determinados fins. Definidos os objetivos, será agora nosso dever mo-bilizar o nosso aparelhamento diplomático, no Brasil e no exterior, demaneira a transformá-los em realidade. Como no passado, o Itamaratycumprirá a missão que lhe é cometida pelo governo.

A opinião pública brasileira ainda não está familiarizada com os es-

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forços realizados pelo Brasil, em Nova York e em Genebra, no âmbito daConferência das Dezoito Nações sobre o Desarmamento e na AssembléiaGeral das Nações Unidas, no que se refere ao trabalho pela paz e pelasegurança mundial, pela suspensão imediata das experiências e pela não-disseminação de armas nucleares. Pouca gente sabe, no Brasil, que seoriginaram em nossa delegação os dois principais projetos submetidos àcomissão política da XVII Assembléia Geral da ONU. Refiro-me ao pro-jeto brasileiro, finalmente adotado pela Assembléia Geral, com vistas àsuspensão dos testes e ao projeto, que recebeu a co-autoria de Bolívia,Chile, Equador e México, quanto à desnuclearização da América Latina.Partiu igualmente do Brasil a idéia, ora objeto de discussão entre as potên-cias nucleares, de conclusão de um tratado parcial preliminar sobre as ex-periências na atmosfera, no espaço cósmico e nos oceanos.

Por outro lado, a delegação do Brasil assumiu uma posição de lideran-ça nos trabalhos da segunda comissão da Assembléia Geral da ONU, comvistas à convocação da Conferência de Comércio e Desenvolvimento e,posteriormente, à criação de uma organização internacional do comércio.Torna-se, assim, indispensável não apenas perseverar nesses esforços,como encetar um trabalho de divulgação e de elucidação em torno dosobjetivos da política externa brasileira, de maneira a desfazer equívocos emal entendidos, julgamentos apressados ou errôneas interpretações.

Sem dispor de meios militares, políticos ou econômicos de pressãopara impor seus pontos de vista na comunidade das nações, o Brasildesfruta, entretanto, de uma posição possivelmente única no que toca àssuas possibilidades de irradiação diplomática. Sem reivindicaçõesterritoriais, sem condições restritivas ou limitativas de sua soberania, comsua expansão demográfica e econômica e com sua vocação universal, oBrasil tem condições – e é imperioso tenha a maturidade política – paradar uma contribuição sua, original e positiva, no encaminhamento dosgrandes problemas mundiais. Temos pontes naturais para todos os po-vos e todos os continentes. O que não tínhamos, até há pouco, era o gostoe a inclinação de utilizá-las.

Para a consecução de nossos objetivos e com a cooperação dos senho-res secretários-gerais adjuntos, todos velhos amigos e companheiros e

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homens da mais alta competência profissional, tenho o propósito de darcorpo e vida à Comissão de Planejamento Político, com vistas a assegurar-mos uma ação harmônica e conjugada da Secretaria de Estado e das nos-sas missões ao exterior. A idéia do planejamento diplomático é uma idéiarelativamente nova, mas já irrecusável e irreversível. A criação, ora propostapor Vossa Excelência, ao senhor presidente da República, da função desecretário-geral adjunto para Planejamento Político contribuirá para que seobtenham melhores rendimentos na proposição dos rumos de ação a tomare dos métodos a utilizar, dentro das grandes linhas traçadas pelo governo.O Brasil é hoje um país demasiado grande e seus interesses demasiadocomplexos para que possamos continuar acreditando em nossa capacida-de de improvisação. Com o processo de aceleração da história, temos cadadia um mundo inteiramente novo, que se revela na leitura do jornal damanhã, mas é indispensável que enfrentemos essa inelutável fragmenta-ção dos acontecimentos políticos com uma unidade de ação e uma unida-de de comando e, sobretudo, com uma noção perfeitamente clara e de ondese situa o interesse nacional. Por outro lado, a fim de que possamos atingiros objetivos indicados pela Comissão de Planejamento Político, teremos deconfiar à Comissão de Coordenação, também criada pela última reforma,a tarefa de examinar os meios e recursos para o reaparelhamento do Itama-raty, o qual, não obstante os progressos realizados e não obstante o espí-rito renovador que anima todos os setores da casa, ainda não está capacitado– tenhamos a coragem e a honestidade de confessar – para defender, emsua plenitude, os interesses de um país que, felizmente, cresceu muito alémde nossa expectativa e de nosso poder de previsão.

Senhor Ministro, estes últimos dias, de trabalho árduo e de serõesprolongados, em que Vossa Excelência procedeu pessoalmente a um ba-lanço no que se está fazendo e do que se necessita fazer no Itamaraty eem que nos transmitiu suas ordens e diretrizes, dão a todos os funcioná-rios da casa um sentimento de otimismo e um grande sentido de respon-sabilidade. Peço-lhe depositar inteira confiança em nossa dedicação e emnossa disciplina. A tradição não consiste, para nós, na conservação demétodos obsoletos de trabalho, nem no apego a fórmulas e praxes que nãomais se ajustam à realidade do mundo em que vivemos. A tradição do

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Itamaraty é uma tradição de renovação e esta casa, que Vossa Excelên-cia hoje dirige com tão alto espírito público e com tão acentuado espíritodemocrático, não deseja senão colocar-se à vanguarda do esforço nacio-nal de desenvolvimento.

Senhor Ministro, desejo agora dirigir uma palavra aos funcionáriosmais jovens, que ainda se iniciam na carreira diplomática. Quero dizer quedeles espero a contribuição de imaginação e de inconformismo, sem a qualserá impossível a renovação de nossos métodos e a atualização de nossasidéias. A eles peço que não me poupem em suas críticas, assim como oembaixador Valle e eu, há vinte e poucos anos, não poupávamos os nossoschefes de então. Fomos injustos naquela época, como hoje injustos serãoos senhores, mas sei que nenhum organismo permanece vivo sem a inces-sante renovação de todas as suas partes. O Brasil é uma experiência intei-ramente nova na história da humanidade e essa experiência não podeprocessar-se à base da rotina, da timidez ou de preconceitos.

Senhor Ministro, para terminar, repito aqui o que disse ao assumir, emnovembro de 1961, o cargo de secretário-geral adjunto para OrganismosInternacionais. Trago bem poucas qualidades para este cargo. Mas tragouma imensa vontade de servir e de auxiliar Vossa Excelência em sua gran-de tarefa. Nisso vai uma confissão, mas também uma promessa. E é essaa promessa que ora faço a Vossa Excelência e a todos os bons amigos ecolegas que me cercam nesta sala.

[Anexo]

Biografia do senhor secretário-geral de Política Exterior:embaixador João Augusto de Araújo Castro

Nascido no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 1919, João Augustode Araújo Castro bacharelou-se em direito pela Faculdade de Direito deNiterói, em 1941. Diplomado em língua inglesa pela Universidade deCambridge, em 1940.

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Em 1940, ingressou na carreira diplomática, por concurso, como ter-ceiro secretário. Removido, serviu, a partir de 1943, em Porto Rico, Miamie Nova York. Promovido a segundo secretário, foi designado, em 1951, paraintegrar a delegação do Brasil junto à ONU. Dois anos depois, promovidopor merecimento a primeiro secretário, foi removido para Roma. Conselhei-ro em 1957, ministro de 2ª classe por merecimento em 1958, foi removidopara Tóquio em 1959. De regresso à Secretaria de Estado foi designadopara o cargo de secretário-geral adjunto para Organismos Internacionais epromovido a ministro de 1ª classe.

Exerceu, entre outras, as seguintes comissões:Secretário da delegação do Brasil à IV Assembléia Geral da ONU,

em Nova York, setembro de 1949; assessor da delegação do Brasil à Vsessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York, em setem-bro de 1950; secretário da delegação do Brasil à IV Reunião de Consultados Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, emWashington, em março de 1951; assessor da delegação do Brasil à VIsessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Paris, em novembrode 1951; assessor da delegação do Brasil à VII sessão da Assembléia Geraldas Nações Unidas, em Nova York, outubro de 1952; delegado à VII ses-são da Conferência da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO), emRoma, novembro de 1953; chefe do Departamento Político e Cultural doMRE, de 5/7/58 a 11/7/1959; delegado suplente do Brasil à XIII sessãoda Assembléia Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, realizada emTóquio, de 28/10/1959 a 16/11/1959; observador do governo brasileirona Conferência do Cairo, junho de 1961; delegado e, posteriormente, chefeda delegação do Brasil à Conferência do Desarmamento, Genebra, julhode 1962; delegado do Brasil à XVII sessão da Assembléia Geral dasNações Unidas, setembro de 1962.

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DOCUMENTO 22

Discurso do chanceler Evandro Lins e Silva, no encerramento da VIConferência Brasileira de Comércio Exterior, realizada em BeloHorizonte, no dia 20 de julho de 1963Circular n. 4.761, de 29 de julho de 1963.

Foi com grande satisfação que recebi de Sua Excelência o senhorpresidente da República a incumbência de encerrar, em seu nome, os tra-balhos da VI Conferência Brasileira de Comércio Exterior. Estou certo deque não poderia encontrar melhor foro – aqui, onde representantes dossetores público e privado se reúnem com o propósito de alargar as frontei-ras econômicas do país – para reafirmar a importância que o governo atri-bui aos problemas econômicos no quadro de nossas relações exteriores.

Como estudiosos dos múltiplos aspectos do comércio exterior brasi-leiro, não vos escapa, por certo, a dinâmica do problema com que nos de-frontamos.

O desenvolvimento do país traz consigo o aumento das pressões daeconomia nacional sobre o setor externo, seja para garantir o alargamentoda capacidade de importar bens de produção e matérias-primas de usoindustrial, seja para suplementar a formação interna de capital, através datransferência de poupanças externas.

A capacidade de importar, porém, bem como a capacidade deendividamento externo dependem, em última análise, de nossa capacida-de de exportar: e esta, a seu turno, está fundamentalmente ligada ao com-portamento dos mercados internacionais de produtos primários.

Nessa ordem de idéias, não podemos deixar de ter vivo em nossoespírito o fato de que, embora não mais a principal força propulsora dodesenvolvimento do país – que já se apóia em fatores de ordem interna –,está o setor externo de nossa economia chamado a desempenhar papel decapital importância na aceleração do ritmo de crescimento da nação. No en-tanto, é na atual conjuntura que vamos encontrar, como exportadores debens primários que somos, uma estrutura de comércio internacional clara-mente insatisfatória.

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Não caberia aqui, diante de técnicos, relacionar as causas da instabi-lidade dos preços internacionais dos produtos de base ou da deterioraçãode nossas relações de intercâmbio – para só mencionar dois de nossosmuitos problemas de comércio exterior – e, muito menos, analisar-lhes osefeitos negativos sobre a economia nacional.

Devo ressaltar, porém, que a consciência aguda de todos esses pro-blemas é que dará substância a uma política externa voltada para a supe-ração do subdesenvolvimento, permitindo que a ação diplomática se exerça,efetiva e prioritariamente, com vistas à emancipação econômica e social dopovo brasileiro.

Exemplo dessa filosofia encontra-se em nossa atitude para com aConferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, oraem fase de preparação.

Tal como a entende o Brasil, caberá à conferência colocar as normase instituições reguladoras do comércio internacional em termos que contri-buam especificamente para acelerar o desenvolvimento econômico dospaíses menos desenvolvidos.

A entrada em vigor, no fim da década dos 40, do Acordo Geral deTarifas Aduaneiras e Comércio deu origem a um organismo que visava àeliminação geral de tarifas e de outros obstáculos ao comércio e à não-dis-criminação em matéria de relações comerciais internacionais.

Esses objetivos, formulados principalmente sob a influência dos paí-ses altamente industrializados da Europa ocidental e da América do Nor-te, resultaram na expansão das relações comerciais entre as economias deestrutura industrial semelhante. Não havia a preocupação de reconhecer asituação especial dos países cuja renda nacional estava em níveis muitobaixos. Foi assim que, no decorrer dos últimos quinze anos, o desenvolvi-mento do comércio internacional se processou sob a égide do GATT.Durante esse período, o volume do comércio entre os países altamenteindustrializados cresceu a uma taxa anual muito superior àquela do comér-cio entre os países menos desenvolvidos e o resto do mundo. Daí vir ogoverno brasileiro insistindo na necessidade de rever as bases institucionaisdo comércio internacional, a fim de que sejam formulados princípios regu-ladores capazes de permitir a aceleração do crescimento do comércio inter-nacional dos países menos desenvolvidos.

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O problema econômico crítico do mundo contemporâneo é o desen-volvimento; e a escassez de capital para promover esse desenvolvimentocoloca os países menos desenvolvidos em posição de acentuada dependên-cia em suas relações econômicas internacionais.

Uma vez que a transferência internacional de capitais não se temrealizado em escala adequada às necessidade do desenvolvimento, o co-mércio internacional constitui instrumento de fundamental importância naaquisição de equipamentos e matérias-primas industriais indispensáveis aodesenvolvimento econômico acelerado. Para obtenção desses recursos, ospaíses menos desenvolvidos precisam não somente encontrar preçoscompensadores para suas exportações, mas, também, criar normas de ne-gociação que levem a concessões tarifárias de parte dos países industriali-zados, sem necessidade de contrapartida, o que, aliás, já foi reconhecido pelaAssembléia Geral das Nações Unidas, em resolução de 1961.

Torna-se indispensável, pois, dar aplicação efetiva ao princípio de queas instituições de comércio internacional devem servir de instrumentos dodesenvolvimento dos países menos desenvolvidos. A Conferência dasNações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento deverá levar-nos a esseresultado.

Paralelamente às medidas de cooperação internacional, urge criarinternamente instituições capazes de coordenar todos os elementos gover-namentais e privados, a fim de promover a expansão das exportações bra-sileiras em ritmo adequado. Existe atualmente grande número de agênciasgovernamentais com atribuições nesse setor, mas muito há que fazer ain-da em busca de uma articulação capaz de aumentar o rendimento comum.

São conhecidos da nação os propósitos do presidente João Goulart,consagrados em sua Mensagem ao Congresso Nacional, relativamente àdinamização do comércio exterior do país.

O robustecimento do intercâmbio comercial existe, a conquista denovos mercados e a diversificação progressiva de nossa pauta de exporta-ções são corolários indispensáveis da política ali definida. Pronunciamen-tos mais recentes de Sua Excelência, inclusive durante sua visita ao Chilee ao Uruguai, ratificam tais propósitos e nos indicam com clareza o rumo aseguir.

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Em meu discurso de posse no Itamaraty, segui as diretrizes enun-ciadas pelo senhor presidente da República, para fixar princípios fun-damentais, que pretendo observar com relação à política exterior para odesenvolvimento econômico do Brasil. Deles decorre, entre outras, a idéiado estabelecimento de um conselho de coordenação de comércio exterior,cuja finalidade precípua é evitar o fracionamento de responsabilidadegovernamental e as deliberações contraditórias, assegurando a harmoniza-ção das medidas tendentes a propiciar a expansão comercial do país.

O governo está vitalmente interessado em incrementar o volume dasexportações brasileiras. Existe estreita correlação entre o nível de nossocomércio exterior e a nossa capacidade para levar a bom termo importan-tes objetivos de política internacional. Pretendo, conseguintemente, apa-relhar nossas missões diplomáticas, repartições consulares e os serviços depropaganda e expansão comercial, para executar com êxito todo um progra-ma de expansão comercial compatível com os legítimos interesses nacionais.

Para atingir, o mais rapidamente possível, esses objetivos, confia ogoverno na colaboração esclarecida e patriótica das classes produtoras. E,por isso, julga do mais alto interesse nacional as diretrizes e conclusões dosdebates aqui realizados.

Desejo assinalar, por outro lado, que já dispomos de um instrumento– o Tratado de Montevidéu – que poderá tornar-se, em futuro próximo,eficaz propulsor do comércio interlatino-americano.

A ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio –entrou em pleno funcionamento em janeiro do ano passado e as partes con-tratantes já se outorgaram, mutuamente, mais de 7.500 concessões de ordemtarifária. Essas vantagens recíprocas incluem patrioticamente todos os itensdo comércio internacional intrazonal, limitado quase que exclusivamentea produtos primários, mas se estendem também a um número considerávelde manufaturas. Em apenas duas conferências negociadoras, a ALALCconseguiu avançar satisfatoriamente no terreno das concessões tarifárias.

A esse avanço, entretanto, não tem correspondido um aumento pro-porcional no fluxo do comércio internacional. É absolutamente indispen-sável que os países membros da ALALC se detenham a examinar, comurgência, as medidas complementares que se devam tomar, a fim de que

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as preferências obtidas através das concessões tarifárias produzam os re-sultados esperados.

O comércio entre os países membros da ALALC representa, hoje emdia, apenas 10%, no máximo, do intercâmbio global de cada um deles. Porisso, estamos empenhados em promover a gradual substituição das impor-tações de terceiros países por produtos originários da zona. Esta substitui-ção já se tem conseguido em numerosos casos, mas atinge, sobretudo, osetor de produtos agrícolas e matérias-primas industriais.

No campo das manufaturas, não obstante o grande número deconcessões já negociadas, as transações se vêm processando em ritmo maislento. É que neste setor se torna imprescindível a criação de uma menta-lidade voltada para os problemas de exportação. Não bastam, no caso, osfavores obtidos através da ALALC; o indispensável é promover a concor-rência efetiva com mercados tradicionalmente em mãos dos países maisindustrializados.

Grande parte da tarefa a cumprir, na promoção das oportunidadescriadas pela ALALC, incumbe ao setor privado.

No que toca à atitude governamental, as preocupações do presidenteJoão Goulart levaram-no a propor, juntamente com o presidente Alessandri,a criação de um órgão de consulta permanente, integrado por ministros deEstado e capaz de conseguir, para as dificuldades que enfrentamos, solu-ções rápidas, que só podem ser tomadas em alto nível político. A partir dapróxima reunião de chanceleres da ALALC, empenhar-se-á o Brasil nosentido da criação, em cada um dos países membros, das condições ne-cessárias para que o programa de liberação do intercâmbio possa prosse-guir em termos mais dinâmicos e mais ajustados aos objetivos regionais deintegração econômica.

É preciso iniciar um programa gradual de harmonização dos instru-mentos de política comercial de nossos países, capaz de permitir que a li-beração comercial se processe sem criar condições anômalas de concorrênciaentre as partes. Além disso, e complementarmente, devemos cuidar dacoordenação dos programas de desenvolvimento econômico, a fim de evi-tar a inadequação, por excesso ou falta, das unidades industriais a seremcriadas em função de mercados ampliados pela existência da ALALC.

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Esses dois temas, harmonização de políticas e coordenação de ativi-dades, no campo do desenvolvimento econômico, devem constituir a tôni-ca da ação conjugada de todos os países membros, a fim de dar à ALALCo impulso indispensável à mais rápida consecução do seu objetivo maior deintegração continental.

Enquanto buscam os governos cumprir as tarefas que se propuseram,em prol da dinamização e do fortalecimento político da ALALC, incumbeao setor privado prestar à associação, em ritmo cada vez mais intenso, aquelacolaboração sem a qual não conseguiremos aumentar os níveis do comér-cio, não atingiremos a complementação regional de nossas economias e nãoalcançaremos a nossa meta final de integração latino-americana.

Felizmente, no Brasil, ela não nos tem faltado. Nos múltiplos setoresem que se desdobra a ação do governo na execução dos programas daALALC, as classes produtoras têm com ele trabalhado, lado a lado, comfé, com entusiasmo, imbuídas de elevado espírito de entendimento paracom os demais países latino-americanos.

Acreditamos, portanto, que, no futuro, ao maior esforço que empre-ende agora o governo, a fim de acelerar o processo de formação da zona delivre comércio, corresponderá, de parte do setor privado, uma compreensãoainda mais ampla dos problemas da ALALC, fruto do reconhecimento dopapel preponderante que há de representar a integração econômica nodesenvolvimento da América Latina.

Meus Senhores, esta VI Conferência Brasileira de Comércio Exte-rior constitui um exemplo significativo. O esforço sério, a ponderação ob-jetiva, a análise percuciente dos problemas, a mobilização de inteligênciase recursos para enfrentar desafios – a que não devemos e não queremosesquivar-nos – mostram de sobejo que o povo brasileiro já fez a sua opção.A luta pelo desenvolvimento não admite recuos nem esmorecimentos.Devemos levá-la adiante, cada vez mais conscientes de que dela dependea grandeza do país e a melhoria das condições de vida do povo brasileiro.

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DOCUMENTO 23

Declaração do representante do Brasil no Conselho de Segurança, sobrea situação dos territórios sob dominação portuguesaCircular n. 4.784, de 12 de agosto de 1963.

Senhor Presidente,

A delegação do Brasil não pode esconder o alto senso de responsa-bilidade com que, como membro do Conselho de Segurança, vai agora exporo ponto de vista de seu governo quanto ao pedido de trinta e dois Estados-membros africanos, para que este conselho examine “a situação dos terri-tórios sob dominação portuguesa”.2. A situação deve ser examinada à luz da Carta das Nações Unidas, dasdecisões da Assembléia Geral e das obrigações delas decorrentes. Os prin-cípios da Carta estão claramente definidos no seu capítulo XI. As resolu-ções pertinentes são a de n. 1.514 (XV), Declaração de Outorga deIndependência aos Países e Povos Coloniais; a de n. 1.541 (XV), relativaaos princípios que devem guiar os Estados-membros na determinação dese existe [sic] obrigação de transmitir informação e à qual se refere o artigo73 da Carta; a de n. 1.542 (XV), que relaciona povos e territórios depen-dentes sob administração portuguesa; a de n. 1.654 (XVI), que trata dasituação relativa à implementação da Declaração de Outorga de Indepen-dência aos Países e Povos Coloniais.3. Ninguém tem dúvida de que a Carta de São Francisco, no seu capí-tulo XI, pôs ponto final à “legalidade” do colonialismo. Ao assinar a Carta,ou ao ingressar nesta organização, os Estados-membros solenemente secomprometeram a cumprir seus princípios constitucionais com as decisõesdecorrentes e a pôr em prática uns e outras. Entre as obrigações constitu-cionais figuram, em primeiro plano, a de preparar os povos das antigascolônias para a autodeterminação e a independência. A Carta das NaçõesUnidas legaliza, assim, a evolução anticolonialista, transformando proces-sos revolucionários – que fatalmente levariam à tensão internacional e àguerra – numa operação política pacífica e progressiva de descolonização.

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Graças à sabedoria da Carta e dos Estados-membros, cerca de um terço dahumanidade alcançou a independência, beneficiando-se desse processopacífico e progressivo.4. A Resolução 1.514 constitui o desenvolvimento lógico da letra e doespírito do capítulo XI da Carta, e já se revelou instrumento poderoso eeficaz para a implementação de seus princípios. Dela destacamos, em co-nexão com o presente caso, particularmente os parágrafos 2º e 4º da parteoperativa.5. Aprovando a Resolução 1.541, a Assembléia Geral dirimiu parasempre a dúvida – levantada, é certo, por poucos membros – sobre o con-ceito de colônia à luz da Carta. Caracterizou inequivocamente como colô-nia “um território geograficamente separado e sob o ponto de vista étnico,ou cultural, ou ambos, distinto do país que o administra” (princípio IV). Nocaso específico dos territórios sob administração portuguesa, a AssembléiaGeral foi ainda além da caracterização estabelecida na Resolução 1.541,pois que, aprovando a Resolução 1.542, relacionou os territórios dependen-tes que colocam Portugal sob as obrigações do capítulo XI da Carta.6. Na opinião da delegação do Brasil, a Carta e as resoluções acima ci-tadas constituem os instrumentos legais à luz dos quais este conselho deveagora examinar o pedido dos Estados africanos.7. Preliminarmente, desejaria ressaltar três pontos. O primeiro é o ple-no direito que assiste àqueles Estados de apresentar o pedido ao Conse-lho de Segurança. Em segundo lugar, não há dúvida quanto à competênciado conselho para dele se ocupar. Em terceiro lugar, quero frisar – e este pontoparece fundamental – que, pela primeira vez, o Conselho de Segurança échamado a examinar a situação do conjunto dos territórios não autônomossob administração portuguesa, em virtude do não-cumprimento, pelo go-verno português, das obrigações decorrentes da Carta e das resoluções aque me referi acima.8. O Conselho de Segurança, não tendo levado a efeito “ação preven-tiva ou coercitiva” contra Portugal, no que se refere ao conjunto dos terri-tórios sob sua administração, não se encontra em posição de recomendar àAssembléia Geral a medida de que é objeto o artigo 5 da Carta. Por outrolado, a expulsão do Estado-membro que “houver violado persistentemente

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os princípios” da Carta, contemplada no artigo 6, constitui, obviamente,fase posterior à medida preconizada no artigo 5, esta relativa à suspensãodo “exercício dos direitos e privilégios de membro”. Os autores da Cartativeram a intenção sábia de graduar o processo contra qualquer Estado-membro faltoso, aplicando medidas coerentes e progressivas. Exclui-se,também, no presente caso, a aplicação do artigo 6º.9. O não-cumprimento, por Portugal, dos princípios da Carta e dasresoluções da Assembléia Geral está criando, entretanto, uma situação quese configura no capítulo VI da Carta, particularmente no seu artigo 33. Asoperações militares e de guerrilha, levadas a efeito por angolenses contraforças militares e autoridades portuguesas em Angola, bem como as que oraestão em curso na Guiné portuguesa, as tensões políticas delas decorren-tes e o transbordamento de suas conseqüências em territórios de outrosEstados africanos, de um lado, e, de outro, o acirramento da hostilidade depaíses africanos diante da inflexibilidade da posição portuguesa, não obs-tante as disposições da Carta e as resoluções pertinentes da AssembléiaGeral, estão efetivamente contribuindo para a formação de um estado detensão capaz de colocar em perigo a manutenção da paz e da segurançainternacional. É dever do Conselho de Segurança agir, com firmeza e ra-pidez, mas com cautela e sabedoria política, no sentido de pôr termo a essasituação, através dos remédios legais que lhe oferece o capítulo VI da Cartade São Francisco. E, entre esses remédios, se encontram negociação, inqué-rito, mediação, conciliação.10. A delegação do Brasil, baseada na larga experiência histórica de suasrelações com Portugal, tem motivos para esperar que o governo portuguêsnão permita que a situação se agrave e que aceitará, portanto, o diálogo comas Nações Unidas, tomando as providências que o levarão ao cumprimen-to de suas obrigações e, conseqüentemente, ao preparo de suas colônias paraa autodeterminação e a independência. Somente no caso de isso não ocor-rer, contra todas as nossas esperanças, seríamos levados a considerar aaplicação de outras disposições da Carta.11. Aliás, neste ensejo, cabe-me reiterar declaração feita pelo senhorAfonso Arinos de Melo Franco, como chefe da delegação do Brasil à XVIsessão da Assembléia Geral, quando da discussão da questão de Angola.

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Eis suas palavras:

O Brasil julga que tem o dever de lançar um apelo a Portugal para que

aceite a marcha natural da história e, com sua vasta experiência e sa-bedoria política reconhecidas, encontre a inspiração que transforma-

rá Angola em um núcleo criador de idéias e de sentimentos, e não emum foco de ódio e ressentimento. O Brasil exorta Portugal a assumir

a direção do movimento pela liberdade de Angola e sua transforma-ção em país independente, tão amigo de Portugal como o é o Brasil.

12. Da análise dos preceitos da Carta e das resoluções acima menciona-das, a delegação do Brasil chega às seguintes conclusões:

1º o Brasil não aceita a interpretação portuguesa segundo a qual osterritórios coloniais sob sua administração constituem provínciasultramarinas;

2º em conseqüência, o Brasil não pode aceitar a tese segundo a qualaqueles territórios se encontram fora da competência das NaçõesUnidas, pois que estão incluídos nos dispositivos do capítulo XI daCarta, não tendo Portugal fundamento para invocar o artigo 2,parágrafo 7, da mesma Carta;

3º o Brasil está convencido de que a melhor solução para qualquerquestão colonial se encontra na evolução pacífica, sobretudo quan-do se encara a questão no contexto geral do problema da paz e dasegurança internacionais;

4º o Brasil, como já tem dito e repetido várias vezes nesta organiza-ção, sustenta que a única solução para a questão dos territórios nãoautônomos sob administração portuguesa é a evolução dos seuspovos para a autodeterminação e a independência.

13. Tanto Portugal quanto a África estão presentes nas raízes históricasde nossa nacionalidade. Portugueses e africanos encontram-se em terrasbrasileiras e ali contribuíram substancialmente para a primeira grandeexperiência da civilização moderna nos trópicos. Os traços culturais de

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Portugal e da África marcam profundamente a fisionomia do Brasil. APortugal e à África devemos, os brasileiros, talvez o que há de melhor emnós mesmos: o senso agudo de igualdade dos homens, a ausência de pre-conceitos raciais, o horror a todas as formas de discriminação. Baseado nessaexperiência histórica, os votos do Brasil são por que Portugal continue arealização do seu destino de nação criadora de nações. Assim como Portu-gal sobrevive nos seus valores essenciais de cultura e de civilização naAmérica, pela sua presença no Brasil, assim poderá sobreviver na África,com os mesmos valores de cultura e de civilização.14. Aos povos que buscam sua independência, o Brasil dirá que a justi-ça e o sentido da história tornam inapelável a vitória da sua causa. Dirá quenão está indiferente à sua sorte e que deseja trabalhar no sentido de suarápida emancipação. Dirá que esses povos têm para protegê-los – o que nãoaconteceu com o Brasil e os povos da América – um instrumento políticoadmirável pela sua eficiência, pela sua plasticidade: esta organização, aCarta, os seus princípios, as suas resoluções e a sua filosofia. A aplicaçãocorreta da Carta, dos seus princípios, de suas resoluções, acelerará o pro-cesso político de descolonização. A aplicação apaixonada, sôfrega ou pre-cipitada dos mesmos poderá prolongar a sobrevivência do regime colonial,que queremos extirpar.15. No estágio atual do problema, é indispensável a plena e irrestritacolaboração de Portugal e, por isso mesmo, devemos guiar-nos pela preocu-pação de não comprometermos, mediante a adoção de medidas drásticas,essa possibilidade de cooperação. O que desejamos é autodeterminaçãodesses territórios por meios pacíficos e através dos métodos recomendadosno artigo 33 da Carta das Nações Unidas. É neste sentido que o Brasilatuará, não apenas no presente debate no Conselho de Segurança, comotambém no quadro geral de suas relações com Portugal, dentro do espíritoda comunidade luso-brasileira, à qual o Brasil se orgulha de pertencer. Nesteproblema de autodeterminação dos territórios portugueses na África, oBrasil tem um grande empenho e, até mesmo, como já dissemos, uma boaparcela de responsabilidade, a que não deseja nem poderia fugir. O Brasilnão pode deixar de apoiar a independência de Angola, Moçambique eoutros territórios, sempre que esse seja o desejo de seus povos, mas não pode,

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por dever histórico inelutável, alhear-se à sorte de elementos culturais eespirituais que lhe são caros. Fiel à sua vocação histórica e à sua experiên-cia política e inspirando-se no exemplo de outras antigas potências colo-niais, Portugal não pode deixar de aceitar o desafio da história e colocar-sena vanguarda do movimento de autodeterminação. O Brasil não abdica daesperança de uma ação radicalmente nova e altamente construtiva dePortugal nesta matéria e coloca, desde já, sua diplomacia a serviço dessaesperança.

Nova York, 24 de julho de 1963.

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DOCUMENTO 24

Entrevista concedida pelo embaixador João Augusto de Araújo Castroao Correio da Manhã, sobre o Tratado Parcial de Proscrição dasExperiências Nucleares, em 26 de julho de 1963Circular n. 4.765, de 1º de agosto de 1963.

Brasil mantém luta pelo desarmamento

Lembrando que, na Conferência do Desarmamento, partiu do Brasil asugestão para a conclusão de um tratado parcial de proscrição das experi-ências nucleares (chamada em Genebra e pela imprensa européia de “pro-posta brasileira”) o ministro, interino, das Relações Exteriores, sr. JoãoAugusto de Araújo Castro, em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã,declarou que, transposta esta primeira etapa, cumpre passar às outrasmedidas capazes de conferir segurança e estabilidade ao precário equilíbriode poder internacional.

– O Brasil vê com satisfação que os resultados das conversações deMoscou comprovaram a correção do tratamento que propomos no esforçoduro, lento e penoso por um mundo desarmado e desnuclearizado. E o Bra-sil quer continuar na primeira linha das nações que não têm poupado esfor-ços pelo desarmamento e pela paz – disse o embaixador Araújo Castro.

A PropostaA pergunta brasileira, formulada em 25 de julho de 1962, encontrou oobstinado silêncio das potências nucleares, o que nos levou a reiterá-la nasessão de 17 de agosto. A 27 de agosto, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha declararam aceitar a idéia, à qual a União Soviética se opunha.Agora, os soviéticos aceitaram a solução parcial, através das declarações dosenhor Kruchev em Berlim. A proposta brasileira, é bom ressaltar, foi for-temente apoiada pelo México e pela Suécia.

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DificuldadesO embaixador Araújo Castro acrescenta que as negociações, no seio daConferência de Dezoito Países Sobre Desarmamento, vinham sendo di-ficultadas pelas inter-relações entre medidas desarmamentistas em váriosmeios.

Daí resultava que as dificuldades quanto à identificação de um certotipo de testes subterrâneos impedia o acordo em matéria de testes atmos-féricos, siderais e submarinos. Só um tratamento gradualista poderia solu-cionar o impasse. Diante da complexidade e da enormidade do problemado desarmamento geral e completo, o governo brasileiro, ao passo que re-conhece a necessidade do desarmamento, tem defendido um tratamentogradualista e pragmático do problema, que permita traduzir imediatamenteo progresso alcançado em certas áreas em medidas concretas de desarma-mento. Evita-se, assim, o perigo inerente em fazer progressos parciaissubordinados à obtenção de um eventual tratado de desarmamento gerale completo, ou mesmo de um tratado de proscrição das experiências nuclea-res que englobe todos os tipos de experiências, inclusive as subterrâneas.A proposta de desnuclearização da América Latina, apresentada peloBrasil à XVII sessão da Assembléia Geral e apoiada pela Bolívia, Chile eEquador, reflete de maneira fiel o que acreditamos ser o método mais efi-caz na solução do problema do desarmamento.

Perspectivas– O tratamento proposto pelo Brasil – continua o ministro, interino, dasRelações Exteriores – para a solução do problema do desarmamento nãose limita a sugerir medidas graduais. Pede, também, que certas medidasparciais sejam tratados prioritariamente no seio da conferência de 18 paí-ses. No discurso que pronunciei a 16 de julho do ano passado, solicitei quea conferência concentrasse seus esforços no tratamento da proscrição dostestes nucleares, no problema da disseminação de armas nucleares e noestudo dos meios de evitar uma guerra por acidente, erro de cálculo ou falhano sistema de comunicações. Até agora, a conferência só pôde concluir umentendimento entre os Estados Unidos e a União Soviética visando à ins-talação de uma linha direta de comunicações entre a Casa Branca e oKremlin.

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O senhor Araújo Castro afirma que a assinatura do tratado parcial deproscrição das experiências nucleares representa um ponto vital na histó-ria da Guerra Fria [e que] participa da opinião segundo a qual a conclusãode um tratado como este abre perspectivas amplas para o encaminhamen-to da solução de alguns grandes problemas mundiais.

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DOCUMENTO 25

Declaração do presidente João Goulart sobre a assinatura, por parte doBrasil, do tratado que proíbe as experiências nuclearesCircular n. 4.785, de 13 de agosto de 1963.

Acabo de dar instruções aos embaixadores do Brasil em Londres,Moscou e Washington, para assinar ad referendum do Congresso Nacio-nal, o Tratado de Proscrição das Experiências Nucleares na Atmosfera, noEspaço Cósmico e Sob a Água.1 O povo brasileiro reafirma, desta manei-ra, a sua vocação de paz e reitera a sua aspiração de que a sociedade inter-nacional se encaminhe nos rumos de uma comunidade pacífica de naçõesinteiramente dedicadas ao trabalho criador e à produção de riquezas.

O tratado de proscrição representa um passo inicial – mas de signi-ficação profunda – no duro, penoso e difícil caminho ao termo do qual, estoucerto, se verá realizado o sonho milenar de paz que anima todos os povos.Ele indica que as potências nucleares já estão plenamente conscientes deque a palavra “vitória” deve ser riscada dos dicionários de um mundo ar-mado de poderes de destruição maciça. E mais: o tratado indica, também,que as potências nucleares já resolveram passar à fase de medidas práti-cas e concretas, para evitar o desencadeamento de uma catástrofe que es-magaria indistintamente povos desarmados e povos armados, naçõespobres e nações ricas, inocentes e culpados.

A satisfação do governo brasileiro é tanto maior porque ele se encon-tra associado, desde o primeiro momento, ao esforço pelo tratado de pros-crição. Em Genebra, no âmbito da Conferência de Dezoito Nações sobreo Desarmamento, tivemos a oportunidade – nas sessões de 15 de março,de 25 de julho e 17 de agosto do ano passado – de propor a assinatura deum tratado de proscrição das experiências nucleares na atmosfera, no es-paço cósmico e sob a água, dado o impasse surgido entre as potências

1 N.E. – Tratado concluído em Moscou, em 5 de agosto de 1963, e assinado pelo Brasilem Londres e Washington, em 8 de agosto de 1963, e em Moscou, a 9 de agosto de1963.

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nucleares em matérias de experiências subterrâneas. Ademais, os represen-tantes brasileiros solicitaram, repetidamente, que fosse dada toda priorida-de à discussão de um tratado de proscrição.

Para conclusão do tratado, contribuíram o esforço continuado da di-plomacia brasileira e a correção do tratamento que o Brasil propôs para oproblema do desarmamento, desde o início das negociações de Genebra.A assinatura do Brasil constitui a conseqüência lógica dos esforços quefizemos na Conferência do Desarmamento e na Assembléia Geral dasNações Unidas.

Quero manifestar, mais uma vez, a decisão do povo brasileiro deprosseguir na luta por um mundo desarmado e desnuclearizado. Os povosde todo o mundo sabem que está ao seu alcance atingir os níveis de bemestar que se limitam hoje ao terço industrializado e desenvolvido do planeta.Hoje, mais do que nunca, a luta pela paz e pelo desarmamento se confun-de com a luta pelo desenvolvimento econômico e social.

Consciente disso, o povo brasileiro, por seus representantes diplomá-ticos, não se arredará um só momento das mesas de negociações de Gene-bra e de Nova York, que a aspiração coletiva dos povos soube transformarem trincheiras da paz, para acabar com as guerras.

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DOCUMENTO 26

Entrevista concedida pelo secretário-geral do Itamaraty, João Augustode Araújo Castro, ao Jornal do Brasil, em 3 de agosto de 1963Circular n. 4.782, de 12 de agosto de 1963.

Nosso problema é mais de maturidade

– O problema da política externa do Brasil não é propriamente um proble-ma de independência. É, sobretudo, um problema de maturidade. Se o paísrevelar essa maturidade, a independência de sua ação nunca será posta emcausa – declarou, em entrevista concedida a um programa de televisão, oembaixador Araújo Castro, secretário-geral do Itamaraty.

Nessa ocasião, o senhor Araújo Castro procurou recapitular toda aação diplomática do Brasil, em Genebra e em Nova York, no tocante àsquestões do desarmamento e da suspensão de experiências nucleares.Lembrou que partiu do Brasil a idéia da conclusão de um tratado parcial,como medida preliminar para a interdição global dos testes em todos oselementos. A proposta nesse sentido foi apresentada pelo próprio senhorAraújo Castro, então chefe da delegação do Brasil, na sessão de 25 de julhodo ano passado.

O secretário-geral do Itamaraty declarou que a assinatura do tratadoparcial abria amplas perspectivas de negociação sobre os grandes proble-mas mundiais. Frisou que, em Genebra, o Brasil não tem uma responsa-bilidade política, mas uma imensa responsabilidade diplomática, noexercício de um mandato de mediação que lhe foi outorgado por 110 mem-bros das Nações Unidas. Procurou demonstrar que, em Nova York e emGenebra, desde março do ano passado até a presente data, o Brasil temagido dentro do mais perfeito realismo.

– Muita gente nos pergunta o que temos a ver com desarmamento esuspensão de testes, já que esses são assuntos típicos de grandes potên-cias. A pergunta é ingênua e absurda, porque na realidade se trata de um

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problema de sobrevivência da humanidade. E esse problema de sobrevi-vência não pode ser considerado como um problema a ser resolvido por umdiretório de grandes potências.

O embaixador identificou um certo sentimento de timidez, na opiniãopública brasileira, em torno dos problemas de política externa.

– Com o Brasil aconteceu coisa curiosa. Nosso período de ufanismo(“A Europa curva-se diante do Brasil”, etc.) se situa no momento em querealmente nada pesávamos na vida internacional. Agora, quando temosuma ação diplomática efetiva, em quase todos os assuntos, vem-nos essesentimento de timidez. O Brasil não está por conta própria na comissão dedesarmamento. Está cumprindo um mandato de 110 membros da ONU.Por isso mesmo, tem de falar e de formular propostas, como essa de 25 dejulho, que foi o ponto de partida para o tratado parcial.

Sobre o mesmo tema do desarmamento, o embaixador Araújo Cas-tro proferira, na parte da manhã, uma longa conferência na Escola Supe-rior de Guerra, tendo os debates girado principalmente em torno daproposta brasileira tendente à desnuclearização da América Latina.

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DOCUMENTO 27

Entrevista concedida pelo chanceler Evandro Lins e Silva à revistaManchete, em 10 de agosto de 1963Circular n. 4.782, de 12 de agosto de 1963.

Cinco rumos da política externa

Evandro Lins e Silva, chanceler, atravessa os atapetados salões do PalácioItamaraty com a sua já clássica postura elegante. Dois anos atrás, ativomilitante dos tribunais, o famoso advogado criminal talvez não cogitasse deingressar na vida pública. Mas, em apenas 700 dias, ele cumpriu excepcio-nal trajetória: de advogado a procurador-geral da República, a chefe daCasa Civil da Presidência e a ministro das Relações Exteriores. Em todosos postos, o mesmo homem eficiente, de andar ereto, dicção impecável eolhar penetrante. É cordial, mas não enseja divagações fora do programa.Argumenta com seqüência e lógica, dom natural e fruto de sua prática nabarra dos tribunais. O chanceler Evandro Lins e Silva define, com exclu-sividade para Manchete, os princípios fundamentais da ação do Brasil nocampo internacional:

Ministro Evandro Lins e Silva – Na atual conjuntura, os princípiosfundamentais que norteiam a política exterior do Brasil são os seguintes:

1) direito de cada povo à independência e ao desenvolvimento;2) direito de cada povo de manter relações com os demais povos da

terra, sem discriminação de qualquer natureza;3) autodeterminação dos Estados e não-intervenção;

4) reconhecimento das comunidades e das organizações jurídicasinternacionais, como imposição de interdependência técnica,

econômica e cultural;5) defesa intransigente da paz, desarmamento e proibição das ar-

mas atômicas;

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Esses princípios estão hoje vitoriosos e configuram uma etapa defini-tiva e irreversível do processo histórico brasileiro.

E, antes de uma inspiração ou de um modelo de comportamentointernacional, representam uma tomada interna de consciência por parte dacomunidade brasileira: no tocante à sua própria identidade, a seus interessese a seus fins, como agrupamento nacional consciente que não abdica decomandar seu próprio destino. A política exterior brasileira se torna, assim,a expressão internacional da luta do povo brasileiro pelo desenvolvimento.Acredito poder resumi-la com estas palavras: nem subordinação, nem iso-lamento, mas interdependência e cooperação no interesse do país e da pazentre os povos.

O Brasil se situa hoje entre os países do bloco ocidental, os neutros, ou os“não-alinhados” da ONU?

A discussão sobre se o Brasil pertence ou não a blocos me parece umtanto simplista e bizantina. O essencial, para o Brasil, é definir com preci-são os seus interesses no campo internacional, agindo em função deles e dasua consecução. Manteremos todos os nossos compromissos, mas não ve-mos nesses compromissos nenhuma renúncia à nossa soberania. Na rea-lização dos objetivos internacionais do Brasil, os organismos internacionaisproporcionam uma esfera de grandes possibilidades, cuja importânciaaumenta permanentemente, ultrapassado o mundo em que os puros canaisbilaterais eram suficientes para atender às necessidade diplomáticas. Aoscéticos, que encaram a ONU ou os outros organismos internacionais comoclubes de diplomatas ociosos, gostaria de pedir que tentassem imaginar omundo atual sem a ONU e sem as suas agência especializadas. Esta se-gunda metade do século em que vivemos não conseguiria manter-se emequilíbrio e em paz sem a complexa teia de organismos internacionais jáexistentes e que estão por vir. O que se torna indispensável é que o Brasilretire o maior benefício possível de sua participação nesses organismos,mediante um melhor levantamento de suas necessidades. Urge, assim, umaarticulação mais permanente do Itamaraty com outros órgãos e setores daadministração, com vistas ao levantamento dessas necessidades.

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O que norteará a ação do Brasil na próxima Assembléia Geral das Na-ções Unidas?

Atribuo grande importância à participação do Brasil na próximaAssembléia Geral, a iniciar-se em setembro. Já recebi e transmiti as instru-ções do presidente João Goulart no sentido de preparar as posições queentão adotaremos, com relação ao elenco de problemas internacionais queconstará da agenda. Estamos considerando, inclusive, a possibilidade deuma marcante iniciativa brasileira em matéria de desarmamento, sem fa-lar, é claro, da reapresentação do projeto de desnuclearização da AméricaLatina, co-patrocinado pela Bolívia, Chile, Equador e México e cuja ins-crição na agenda já solicitamos ao secretário-geral da ONU. O Brasil tam-bém terá, na próxima Assembléia Geral, a oportunidade de reiterar os seuspontos de vista sobre a Conferência Internacional do Comércio e Desen-volvimento a realizar-se em 1964, e sobre a necessidade de uma revisão daatual estrutura institucional do comércio internacional, com vistas atransformá-lo em instrumento do desenvolvimento econômico. Cabe, ain-da, mencionar outra iniciativa de importância: a criação de uma agênciainternacional de desenvolvimento industrial, possibilidade estudada emmarço por um grupo de peritos, cujo relatório deverá ser examinado nodecorrer da Assembléia Geral.

Qual a posição do Brasil no tocante ao problema de Angola?A posição do Brasil com respeito ao problema dos territórios não

autônomos sob administração portuguesa é nítida e coerente. Em primei-ro lugar, o Brasil não concorda com a opinião do governo português, segundoa qual o artigo 2º, parágrafo 7, da Carta de São Francisco se aplicaria àspossessões portuguesas, o que impediria o tratamento do problema no seioda ONU. O Brasil crê, pelo contrário, que o capítulo XI da Carta se aplicaàs chamadas “províncias ultramarinas” e que, em decorrência, Portugal seacha preso às obrigações estabelecidas no capítulo em tela. Em segundolugar, o Brasil reconhece o direito dos povos dos territórios sob administra-ção portuguesa à autodeterminação e à independência. Em terceiro lugar,o Brasil entende que a marcha dos territórios portugueses para a autode-terminação se faça de maneira pacífica. Em decorrência, o Brasil se opõe ao

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uso de sanções contra Portugal, por pensar que tal uso teria o único resul-tado de radicalizar as posições e de tornar inevitável a solução pela força.

Como pode ser caracterizada a sua atuação à frente do Ministério dasRelações Exteriores?

Tenho dito que a minha preocupação predominante no Itamaraty éo trabalho. Fixados os objetivos internacionais do Brasil, cabe passar aoesforço penoso, paciente e longo de traduzir esses objetivos na ação diplo-mática e de aplicá-los coerentemente às inúmeras questões que surgem. Efarei tudo para levar o Itamaraty bem para o centro da vida nacional. Emmatéria de relações bilaterais, há toda uma série de decisões a tomar. Igual-mente, se impõe a dinamização da ALALC, de modo a permitir que aintegração econômica das suas partes contratantes redunde num impulsoadicional ao processo de desenvolvimento econômico dessas partes. Urgeencarar com realismo os problemas e dificuldades criados pelo MercadoComum Europeu para os países subdesenvolvidos, a quem seu sistema depreferências tarifárias e de restrições comerciais fecha as portas. O Brasil,em ação conjugada com outros países do hemisfério, tudo fará no sentidode transformar o pan-americanismo num movimento dinâmico e criador, enum instrumento do bem-estar, do progresso social e do desenvolvimentoeconômico dos povos latino-americanos.

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GESTÃO

Araújo Castro

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DOCUMENTO 28

Discurso de posse do embaixador João Augusto de Araújo Castro nocargo de ministro das Relações ExterioresPalácio Itamaraty, 22 de agosto de 1963.

Senhor Ministro,

Neste velho gabinete de trabalho do Barão, juntam-se todos os fun-cionários do Itamaraty para um ato comum de amizade, de simpatia e degratidão. Todos somos, a Vossa Excelência, reconhecidos pela bondade egenerosidade com que nos acolheu nesta sala. Devo dizer-lhe, contudo,que nosso reconhecimento se prende, ainda mais, ao muito que VossaExcelência fez, pelo Itamaraty e pelo Brasil, durante os dois meses em quelhe coube a responsabilidade da pasta das Relações Exteriores.

Temos bem presentes os primeiros dias de sua incansável atividade,quando Vossa Excelência procurava dar pessoalmente um balanço do quese havia recentemente feito, do que se estava a fazer e do que se necessi-tava fazer nos diferentes setores da política externa do Brasil. A orienta-ção então imprimida por Vossa Excelência, em perfeita consonância com opensamento do senhor presidente da República, permitiu-nos pôr emmarcha um esquema de reativação e de dinamização, ora em franco e au-dacioso processamento. Somos extremamente gratos pelo tratamento prá-tico, direto e objetivo que Vossa Excelência dispensou a todos os nossosassuntos, sem idéias preconcebidas, sem posições rígidas e inamovíveis, ecom a clara e lúcida noção das novas responsabilidades do Brasil no cam-po internacional. Vossa Excelência, que deixa grandes saudades e grandesamigos nesta casa, pode afastar-se hoje com a consciência tranqüila dehaver prestado, nesta oportunidade, os mais relevantes serviços ao país.

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É, agora, Vossa Excelência chamado a exercer o cargo de ministro doSupremo Tribunal Federal. Não existe no país função mais alta e nobili-tante. No Supremo, ao qual me prende pessoalmente uma vinculaçãoafetiva de família, terá Vossa Excelência o coroamento natural de sua car-reira de homem voltado para as coisas do direito e para as grandes causasda liberdade humana. São nossos votos. Senhor Ministro, que a sua per-manência em Brasília seja tão feliz e brilhante quanto profícua para a naçãobrasileira. Esses votos – que formulo, tenho a certeza, em nome de toda acasa – se estendem a sua excelentíssima esposa e a todos que lhe são caros.

Senhor Ministro, confiou-me o senhor presidente da República apasta das Relações Exteriores, num momento em que são tão graves asresponsabilidades, mas ao mesmo tempo tão promissoras as perspectivasda diplomacia brasileira. Ainda recentemente, tive a oportunidade de sa-lientar que, sem problemas políticos pendentes no campo externo, semcondições restritivas ou limitativas de sua soberania, sem causas históricasde ressentimento, sem reivindicações territoriais, o Brasil está, hoje, emposição ideal para prestar uma contribuição positiva e original no encami-nhamento dos grandes problemas internacionais. Temos pontes naturaispara todos os povos e todos os continentes; o que não tínhamos, até hápouco, era o gosto ou a inclinação de utilizá-las. No momento, estamosdispostos a utilizar todas essas pontes, pois um país jovem e vigoroso comoo Brasil não pode condenar-se ao isolamento, nem pode querer fechar osportos que foram abertos ainda na era colonial. Não podemos permitir quegeneralizações apressadas ou falsas opções venham a comprometer esseesforço para ajustar as tendências de nossa ação diplomática à vocaçãouniversal do povo brasileiro. O Brasil é, hoje, suficientemente maduro econsciente para que possa negociar e assumir compromissos com quem querque seja. Aos alarmados e aos descrentes, onde quer que eles se encontrem– no centro, à direita ou à esquerda –, eu peço que tenham um pouco maisde confiança em nosso país e no Itamaraty. Devo frisar, nesta oportunida-de, que nunca estivemos tão presentes nem tão atuantes no cenário inter-nacional. O que é indispensável é que o povo brasileiro, em todas as suascamadas sociais, em todos os seus agrupamentos políticos ou partidários,se una, sempre que surja um legítimo interesse brasileiro a defender no

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exterior. Esta casa não existe senão para defender os interesses permanen-tes do Brasil; e, entre esses interesses permanentes de nossa pátria, se incluio estabelecimento de um clima de paz, concórdia e entendimento entretodos os membros da comunidade das nações, e o trabalho permanente emprol da melhoria de condições de vida da parcela – e trata-se de muito maisdo que uma parcela – subdesenvolvida e desprotegida da humanidade.

Em Nova York e em Genebra, em todo e qualquer foro internacional,a diplomacia brasileira não deixará de bater-se pelos grandes temas dodesarmamento, do desenvolvimento econômico e da descolonização. Muitoembora não se possa enquadrar neste trinômio toda a multiplicidade deinteresses políticos e econômicos do Brasil na comunidade das nações,torna-se cada dia mais claro que esses três objetivos informam toda umaação política, a ser desenvolvida, em plena e estreita cooperação com asnações irmãs do hemisfério e com todas aquelas que a nós se queiram jun-tar, num esforço diplomático comum. Desarmamento, desenvolvimento edescolonização são temas e objetivos arrolados na Carta das Nações Uni-das. Ao reclamarmos uma ação efetiva e continuada nessas três grandesáreas de progresso político e social, não estamos reclamando senão o cum-primento das promessas de São Francisco.

O Brasil continuará a dar todo o seu apoio ao trabalho da Comissãodas Dezoito Nações sobre Desarmamento, ora reunida em Genebra. Aíestá o Brasil no cumprimento de um mandato de mediação, que lhe foiconferido – assim como a sete outros países amigos – pela totalidade dosmembros das Nações Unidas. Teve o Brasil, em Genebra, a responsabi-lidade da iniciativa da proposta de um tratado parcial sobre proscrição deexperiências nucleares na atmosfera, sob a água e no espaço cósmico –tratado, cuja assinatura veio abrir novas e grandes perspectivas para a causada paz e do desarmamento. Essa proposta brasileira, formulada nas sessõesde 16 de março, 25 de julho e 17 de agosto do ano passado, não pôde,naquele momento, encontrar a receptividade de qualquer das potênciasque integravam o subcomitê de ensaios nucleares da conferência. Fatosposteriores vieram provar que estávamos certos em nossa opinião de que,sem esperar a conclusão de um tratado de desarmamento geral e completo– o qual, infelizmente, ainda estamos muito longe de concluir –, devería-

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mos ir formalizando ajustes graduais e sucessivos, à medida que fossemsendo caracterizadas as áreas de acordo entre as grandes potências. Nocumprimento de um mandato das Nações Unidas, o Brasil assumiu a res-ponsabilidade da iniciativa e correu o risco das incompreensões, das inter-pretações apressadas e, muitas vezes, informadas por interesses táticosmomentâneos. Todo problema político se caracteriza por sua extrema com-plexidade e não podemos razoavelmente esperar que toda e qualquer ini-ciativa nossa seja imediatamente vitoriosa ou mesmo compreendida. Nissotudo, novamente se envolve o problema de maturidade política a que aci-ma aludi. O que é indispensável é que, em todos os momentos, tenhamoso pensamento voltado para o Brasil e para o que este país representa, comoexperiência nova, na história da humanidade. E é indispensável que, aoperseguirmos objetivos tão amplos, não percamos o sentido de objetividadee de realismo político que temos conseguido manter em nossa diplomacia.

No tocante ao segundo ponto, o Brasil terá de realizar grandes esfor-ços, no sentido de obter dos órgãos internacionais um reconhecimento daestreita correlação existente entre a estrutura do comércio internacional eo problema do desenvolvimento econômico. É por isso que nos temos ba-tido e continuaremos a nos bater pelo estabelecimento de uma organiza-ção internacional de comércio, que venha a corrigir os efeitos nocivos dasvigentes distorções que determinam e condicionam a ruinosa deterioraçãode preços de matérias primas e produtos básicos no mercado internacional.Visamos a um sistema de segurança coletiva no campo econômico, parale-lo àquele que temos ajudado a construir no campo político e de segurança.Por esse mesmo motivo, estamos realizando trabalhos e estudos que infor-mem a posição brasileira na próxima reunião de outubro, em São Paulo, doConselho Interamericano Econômico e Social, quando seremos chamadosa dar um depoimento sobre a aplicação prática dos princípios contidos naCarta de Punta del Este – formulada, precisamente, há dois anos – e, emprosseguimento à posição enunciada conjuntamente pelos presidentes doChile e do Brasil, deveremos colocar ênfase no problema de revitalizaçãoda Associação Latino-Americana de Livre Comércio, que, em virtude deinstruções pessoais e diretas do presidente João Goulart, constitui um dosobjetivos imediatos da diplomacia brasileira.

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Outro ponto para o qual se volta e com o qual se identifica plenamentea vocação universalista, humanitária e generosa de nossa política externaé a descolonização. Por isso mesmo, por tudo o que essa aspiração irrever-sível de nossos dias encerra de autenticidade e de justiça, desejamos vê-larealizada num clima de compreensão recíproca, em que os ódios e asintransigências cedam progressivamente o passo à tolerância e ao espíritode fraternidade humana. Desde a primeira hora, não tem sido outro o nossoobjetivo, nem outro tem sido o sentido de nossos pronunciamentos no amploforo das Nações Unidas. Teremos, outrossim, de ser intransigentes nadefesa do princípio de autodeterminação e não-intervenção.

O Brasil não pertence a blocos. O Brasil integra um sistema, ou maisprecisamente, o sistema interamericano, o sistema que para nós significaum instrumento de trabalho em prol da paz e do entendimento entre asnações. O que é imperioso é que esse sistema interamericano se transfor-me num elemento dinâmico de renovação e de justiça social, de luta per-manente pela real implementação dos princípios contidos na Carta [daOrganização] dos Estados Americanos. O pan-americanismo é para nósuma atitude de solidariedade diante de problemas comuns e não umaposição retórica de juridicismo ou academicismo. Os problemas da Amé-rica Latina são demasiado urgentes e demasiado graves para que nos pos-samos contentar com a mera reafirmação das fórmulas inexpressivas – e, porisso mesmo, unânimes – que caracterizaram certos pronunciamentos cole-tivos do passado. Não podemos permitir que um gravíssimo problemapolítico se esconda debaixo das roupagens da linguagem lírica dos clássi-cos comunicados e proclamações.

Falei até agora em problemas internacionais e interamericanos, masnenhuma diplomacia digna desse nome pode deixar de estar atenta a pro-blemas nacionais, que só podem ser hoje defendidos mediante uma estri-ta vigilância no campo internacional. O Itamaraty tudo fará, SenhorMinistro, no sentido de dar aplicação tangível ao preconizado por VossaExcelência, no que toca à necessidade de expansão de nosso comércioexterior, diversificação de nossa pauta de exportação e defesa intransigenteda posição de nossos produtos no mercado internacional. Desejo referir-meespecificamente à situação do café, dada a importância fundamental des-se produto em nossas receitas cambiais.

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Por outro lado, temos de caminhar decisivamente para a solução dealgumas questões econômicas pendentes no campo de nossas relaçõesbilaterais com países tradicionalmente amigos. Numa base de respeitomútuo e legítima compreensão dos interesses respectivos, nenhuma des-sas questões é insolúvel, se, de um lado e do outro, dela nos aproximarmoscom calma e objetividade, sem atitudes preconcebidas, sem suspeitas e semressentimentos. Neste, como em outros casos, o Brasil não deseja senão odiálogo, diálogo franco e sincero.

Teremos de preservar o sistema de consultas, que Vossa Excelênciaprocurou estimular, no que toca às relações com as duas casas do Congres-so Nacional, dada a necessidade – que cada vez mais sentimos – de aus-cultar o sentimento popular, através de seus representantes.

Em todas essas palavras, não vai senão um eco de conversas e reu-niões processadas durante os últimos meses, nesta casa de Rio Branco que,estou certo, ficará vinculada às suas recordações e na qual buscarei apoio,conselho e assistência para o exercício do pesado encargo que me foi con-fiado pelo senhor presidente da República. Devo confessar que, em minhaspreocupações, conforta-me o pensamento de que o Itamaraty todo parti-lha desta responsabilidade e de que o Itamaraty, na medida de suas for-ças, continuará a dar execução a esta política externa independente – deafirmação brasileira, fraternidade continental e vocação universal – que seráem toda linha preservada e que situa o Brasil no mundo em que terá deviver.

Nesta casa, onde trabalho há 23 anos, estão os grandes amigos queformei em minha vida. Colegas que sempre lutaram por uma voz mais vivae atuante do Brasil no cenário internacional. Colegas que sempre se rebe-laram contra a rotina, contra o conformismo e contra as exterioridades econvencionalismos de uma diplomacia há muito superada. É a eles, a to-dos eles, em torno de mim nesta sala, que, com humildade, mas comirrestrita confiança, desejo recorrer agora, quando, em nome do Itamaraty,esta geração de funcionários diplomáticos assume uma grave responsabi-lidade para com o governo e para com o Brasil.

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DOCUMENTO 29

Trecho do relatório, preparado pelo secretário Eduardo MoreiraHosanah, sobre o Pacto Multilateral de Não-Agressão, no âmbito daConferência do Comitê das Dezoito Potências sobre DesarmamentoOfício n. 194, de 30 de agosto de 1963.

............................................................................................................................

Pacto multilateral de não-agressão16. O discurso pronunciado, em 22 de agosto, pelo embaixador Josué deCastro, que ocupava a presidência da sessão, foi um dos fatos importantesdo período recém-encerrado da Conferência do Desarmamento. A idéia daelaboração de um tratado multilateral de não-agressão despertou reaçõesoficiosas altamente favoráveis e um interesse extraordinário dentro e forada sala de trabalhos. Embora o assunto fosse apenas sugerido, as impren-sas européia e internacional compreenderam imediatamente o alcance daidéia e comentaram-na em editoriais de seus principais órgãos como, porexemplo, o Times, de Londres, o Figaro, de Paris, o Herald Tribune, deNova York, etc..17. A repercussão foi tanto maior quanto, ignorando a sugestão que nossopaís faria dentro de alguns momentos, a delegação italiana, porta-voz daala mais conservadora do bloco ocidental, na mesma sessão, havia critica-do as limitações de um pacto de não-agressão OTAN-Varsóvia, tendo seuchefe declarado, textualmente:

Nous voudrions éliminer ces menaces partout, dans tous les hémis-phères, dans tous les continents, non seulement en Europe, mais aussi

dans les pays qui appartiennent à certaines alliances militaires. C’estlà la grande tâche de l’Organization des Nations Unies, à laquelle

s’impose peut-être une responsabilité accrue en ce moment où desperspectives de paix durable commencent à nous apparaître. Tous les

pays du monde doivent collaborer et mettre à profit ces perspectivespleines de promesses. (ENDC/PV/154)

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18. Dificilmente poderia haver melhor preparação de terreno para nossasugestão que, vindo a seguir, produziu considerável impacto. Constituíauma resposta prática e simples às críticas italianas e, ao mesmo tempo,oferecia a solução das dificuldades ideológicas e pragmáticas que, cristali-zadas como se encontram atualmente, impedem, ou pelo menos dificultammuito, a assinatura de um pacto Leste-Oeste. A participação, em um tra-tado geral de não-agressão, de nações menos comprometidas, menosantagonizadas, descaracterizaria evidentemente as posições mais difíceisde conciliar e contornaria aspectos formais (mas importantes) relacionadoscom a assinatura de tal ato internacional.19. O mérito maior da idéia apresentada pelo chefe da delegação brasi-leira é o de – possibilitando resultados práticos equivalentes ao do pactoLeste-Oeste – adaptar-se mais facilmente às realidades políticas do mundoatual, por sua generalização, e permitir a participação, no acordo, de paísesque, embora possam ser considerados menos importantes, do ponto de vistamilitar, são essenciais, estrategicamente falando, e que não se poderiamsentir ligados por um tratado de não-agressão limitado ao bloco da OTANe do Pacto de Varsóvia.20. Acredito que a idéia brasileira deva ser retomada em Nova York, nosdebates sobre o desarmamento que realizará a Assembléia Geral da ONUe que, de posse das informações sobre a receptividade que terá, a delega-ção do Brasil deverá insistir, em termos mais concretos, na sua sugestão.Estou certo de que constitui uma alternativa aceitável para um possívelimpasse nas negociações russo-americanas sobre o pacto, limitado, de não-agressão e de que pode facilitar o encaminhamento de diversas outrasquestões internacionais pendentes.21. As manifestações oficiais de apoio e simpatia à nossa proposta foramlimitadas pelo pouco tempo transcorrido entre sua apresentação e o encer-ramento dos trabalhos da conferência, mas, mesmo assim, inúmeras refe-rências foram a ela feitas nos discursos pronunciados na última sessão............................................................................................................................

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DOCUMENTO 30

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro aoDiário de Notícias, em 2 de setembro de 1963Circular n. 4.824, de 3 de setembro de 1963.

Araújo Castro antecipa o que Brasil vai defender na ONU

– A Assembléia Geral, marcada para o dia 17 de setembro próximo, situa-se num momento particularmente significativo, não só da evolução da pró-pria ONU, como da conjuntura internacional em geral, pois a assinatura doTratado de Proscrição das Experiências Nucleares na Atmosfera, no Es-paço Cósmico e sob as Águas foi um acontecimento positivo para a huma-nidade. O relaxamento da tensão internacional, que adveio do acordo,poderá fazer da XVIII Assembléia uma sessão fecunda do ponto de vistada solução dos problemas que, há anos, desafiam as Nações Unidas –declarou, ontem, o ministro Araújo Castro em entrevista exclusiva ao Diá-rio de Notícias.

Objetivos fundamentaisQuanto à diretriz política na próxima assembléia, o ministro Araújo Cas-tro declarou que:

– A delegação do Brasil será instruída no sentido de defender os ob-jetivos fundamentais que orientam a nossa ação diplomática nas NaçõesUnidas: desarmamento, desenvolvimento econômico e descolonização.

DesnuclearizaçãoO chanceler afirmou ainda que “o Brasil reiterará sua preocupação pela con-tinuação dos testes subterrâneos e proporá de novo sua proscrição”, masdada a dificuldade de uma proibição total dos testes, insistirá na solicita-ção de Genebra, no sentido de que as potências nucleares “estudem aviabilidade de um tratado que proscreva as experiências subterrâneas acimade determinado nível de kilotons”.

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Pacto multilateralQuanto à proposta brasileira, que estaria sendo elaborada visando à assina-tura de um pacto multilateral de não-agressão, o ministro Araújo Castrodeclarou que é, realmente, o Brasil quem defenderá a proposta. Entretanto,tudo indica que será estudada pela primeira comissão, juntamente com atese da desnuclearização da América Latina, que foi objeto de uma decla-ração conjunta liderada pelo Brasil, contando com a co-autoria da Bolívia,Chile, Equador e México.

Prossegue o ministro do Exterior:

– O Brasil defende a necessidade de se desenvolver um sistema desegurança coletiva econômica, paralela ao sistema de segurança coletiva denatureza política que a Carta de São Francisco incorpora, porque, apesarda importância do programa de assistência técnica das Nações Unidas, aação da organização, em matéria de cooperação econômica internacional,não tem sido satisfatória do ponto de vista das aspirações dos países em de-senvolvimento. A solução apresentada pela delegação brasileira para esteproblema será a de união das nações em desenvolvimento em torno deobjetivos comuns, com a argumentação de que, se o bloco anticolonial pôdetransformar a ONU num instrumento eficaz da luta anticolonial, por quenão poderia todo o imenso bloco de países subdesenvolvidos fazer da ONUo instrumento de uma luta contra o subdesenvolvimento?

Desenvolvimento industrialO ministro Araújo Castro salientou, ainda, a necessidade urgente de sercriada uma agência de desenvolvimento industrial, pois o setor industrialé, reconhecidamente, o mais dinâmico no processo de desenvolvimentoeconômico. Apontou, como uma grande falha das Nações Unidas, ainexistência desta agência de desenvolvimento industrial e disse que:

– A convocação, no próximo ano, de uma conferência internacionalde comércio e desenvolvimento se deve, em grande parte, aos esforços dadiplomacia brasileira, que propõe, inclusive, uma revisão urgente da atualestrutura institucional do comércio internacional, de modo a transformá-loem instrumento de desenvolvimento industrial.

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ColonialismoReafirmou, depois, a posição coerente e tradicional da política exteriorbrasileira no que diz respeito à descolonização, dizendo que esta posiçãoencontra a mais completa receptividade do bloco latino-americano, eis que:

– Os países da América Latina tiveram sempre um papel de desta-que no processo de emancipação política e a sua posição na matéria serviu,muitas vezes, para estabelecer um diálogo entre potências coloniais eanticoloniais, que foi de extrema utilidade na implementação pacífica docapítulo XI da Carta das Nações Unidas.

Ano de cooperaçãoE finalizou:

– Temos dois objetivos principais: o primeiro será o de lutar pela re-forma da Carta das Nações Unidas, pois o Brasil deseja uma Organizaçãodas Nações Unidas que responda às condições de 1963 e não de 1945;enquanto o segundo consistirá no total apoio à proposta indiana para re-alização de um ano de cooperação internacional, porque só através dessesmovimentos é que lograremos transformar a ONU numa instituição maisforte, eficaz e digna das aspirações dos estadistas que a conceberam e rea-lizaram.

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Discurso do chanceler João Augusto de Araújo Castro, na solenidade deposse do secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores,embaixador Aguinaldo Boulitreau Fragoso, em 11 de setembro de 1963Circular n. 4.847, de 12 de setembro de 1963.

Ao dar posse ao embaixador Aguinaldo Boulitreau Fragoso no cargode secretário-geral, desejo manifestar a satisfação com que vejo entregueà Sua Excelência a direção do órgão que, na estrutura implantada com areforma do Itamaraty, está investido de responsabilidade precípua na con-dução de nossos negócios externos.

Ninguém nesta casa desconhece a magnitude e complexidade dosencargos que incumbem à Secretaria-Geral de Política Exterior, em seu pa-pel de auxiliar do ministro de Estado no planejamento e execução das ati-vidades de natureza política, econômica, cultural e informativa. Pois éatravés dela que se canalizam as decisões básicas do nosso comportamen-to internacional, aquelas que refletem os anseios do povo brasileiro e tute-lam os seus interesses mais sagrados, relativos à sua segurança, progressoe bem-estar.

Fossem outras as circunstâncias, e a simples alusão a esse quadro deresponsabilidades bastaria para dar-nos a medida do vulto da tarefa con-fiada ao secretário-geral.

O fato é, porém, que vivemos um momento ímpar de nossa história.A nação, amadurecida e fortalecida nos embates da luta pelo desenvolvi-mento, busca, na ativação de nossa política externa, o desdobramento ló-gico e necessário aos esforços realizados no plano interno. À expectativaprudente de outras épocas deve substituir-se a afirmação oportuna e co-rajosa de nossos princípios, a defesa intransigente de nossos direitos, a per-seguição incessante de nossos objetivos. O futuro e a felicidade do nossopovo assim o exigem. Não são outras as diretrizes que nos foram traçadaspelo senhor presidente da República, em sua preocupação de orientar apolítica exterior de maneira vigilante e em perfeita consonância com ossupremos interesses do país.

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É bem de ver-se que tal conjuntura nos impõe, não raro, vencer pre-conceitos, remover hábitos, inovar métodos, assim como prever mais eprojetar melhor, num esforço diuturno de adaptação, de captação, na mul-tiplicidade de linhas de ação que se cruzam ou de forças que se entrecho-cam no cenário interno, daquilo que é autêntico, essencial, como expressãode nossos interesses permanentes.

Redobradas estão, portanto, as responsabilidades com que se defrontao Itamaraty.

Ao submeter o seu nome, Senhor Embaixador, à consideração dosenhor presidente da República, fi-lo movido não pelos laços de amizadeque de longa data me unem a Vossa Excelência, mas pela convicção de quesua ampla experiência no trato de problemas internacionais, a autoridadeque granjeou nesta casa e nos muitos postos em que serviu, ao longo deuma carreira brilhante, trariam valiosa contribuição à efetivação do progra-ma que o governo se impôs em matéria de política exterior.

Acedendo à convocação para as árduas funções de Secretário-Geral,Vossa Excelência fez prova, mais uma vez, de seu acentuado espírito pú-blico.

Parece-me desnecessário recapitular aqui, por sobejamente conheci-da, sua longa folha de serviços ao Itamaraty e à nação. Basta-me dizer que,regressando à Secretaria de Estado, para desempenhar-se de suas novasobrigações, Vossa Excelência se vê cercado da confiança e da estima gerais.Em todos os escalões da casa, Vossa Excelência conta – e Vossa Excelên-cia bem o sabe – com amigos e admiradores sinceros, que, com lealdade ededicação, aguardam sua palavra de ordem.

Congratulo-me, pois, com o Itamaraty e com Vossa Excelência peladecisão do senhor presidente da República e, com os meus votos de boasvindas, formulo-lhe, meu caro Embaixador, os melhores augúrios de ple-no êxito.

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Discurso do embaixador João Augusto de Araújo Castro na abertura daXVIII sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 17 de setembrode 1963Circular n. 4.854, de 19 de setembro de 1963.

Dezoito anos de intensa atividade diplomática parlamentar marcama existência das Nações Unidas. Hoje, como nos dias de São Francisco, asfinalidades programáticas da Carta para a construção de uma comunida-de sã, fraternal e pacífica continuam a guiar todos os Estados coletivamentee a cada um de per si. Mas hoje, como no tempo da fundação da organiza-ção internacional, os Estados-membros, individualmente ou por grupos,continuam a diferir na concepção dos meios e modos de implementar asfinalidades programáticas da Carta.2. Essa diferença de concepção é um fato da vida, que tem raízes nodesenvolvimento histórico-social específico de cada Estado-membro. En-tretanto, a Carta – refletindo a realidade desse fato da vida – reconheceu,desde sempre, não apenas essa diferença de concepção, senão que tambémacolheu a necessidade de as Nações Unidas operarem eficazmente, den-tro do clima dessa diferença de concepção. O mundo em que vivemos é ricode idéias, teorias, concepções e sistemas de pensamento, e as NaçõesUnidas não foram criadas para afirmar a eterna validade ou a proscriçãodefinitiva de nenhuma delas. Nossa unidade de propósito deverá neces-sariamente assentar sobre a inevitável diversidade de nossas opiniões. Sea ONU vai conservar seu caráter universal, deverá manter-se representa-tiva de todas as idéias e concepções da humanidade.3. Não há como silenciar, entretanto, que as diferenças e divergências deconcepção e prática dos objetivos da Carta foram, desde os primeiros tem-pos da organização, situadas em termos de luta ideológica, não apenascontraditórios, mas até antagônicos. Os anos aqui vividos – e no grandemundo – sob o signo dessa luta conceitual levada a um extremo maniqueístanão parecem ter sido particularmente fecundos para ninguém. E, o que émais grave, a política de poder, daí decorrente, levou esse mundo à mais

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onerosa corrida armamentista da história e à mais catastrófica perspectivapara a espécie toda – a destruição coletiva termonuclear, ironicamentegraduada entre os que deverão perecer nos primeiros minutos e os quedeverão sucumbir meses ou anos depois, sob as piores formas degenerativasde vida. Será esse um absurdo preço a pagar pela intolerância e pelaintransigência. A verdade absoluta não poderá ser proclamada sobre ascinzas da desolação nuclear. Teremos de ser mais humildes, se queremossalvar nossas vidas. A ortodoxia e o fanatismo representam perigo extre-mo na era atômica.

Perspectiva política das Nações Unidas4. O mundo de 1963 não é o mundo pré-atômico de 1945 e não é emvão que se vivem 18 anos de história, em plena era nuclear. A entrada paraa organização internacional de um numeroso contingente de novos Estados-membros, sobretudo africanos e asiáticos, foi, sob todos os aspectos, pro-fundamente benéfica para a vida internacional toda. É que, objetivamentecolocados – por seus problemas, anseios, necessidades e desígnios – forados pólos da Guerra Fria, esses novos Estados-membros, pela força desua presença, de seu número e de seus argumentos, compeliram todos osEstados-membros a viver e a interpretar a realidade da arena internacio-nal sob uma visão inteiramente nova. É lícito, por esse motivo, afirmar que,no cenário internacional, como no seio da organização internacional que oreflete, se assiste a uma relativa obsolescência da polarização do mundo emduas grandes fatias ideológicas. As idéias são importantes, mas nenhumaidéia sobrevive ao espírito que a anima.5. Nem tudo é Leste ou Oeste nas Nações Unidas de 1963. O mundopossui outros pontos cardeais. Esses termos, que dominavam toda a polí-tica internacional até há pouco tempo, poderão eventualmente ser devol-vidos à área da geografia. O esmaecimento do conflito ideológico e aprogressiva despolitização dos termos Este e Oeste vieram também trazeralgumas conseqüências – tanto políticas, quanto semânticas – nos concei-tos de neutralismo ou de não-alinhamento. O neutralismo ou o não-alinha-mento vão perdendo sua solidez e sua consistência à medida que se tornammenos rígidos os pólos que os sustentavam. Não podemos perder de vista

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que o mundo mudou, do último outubro pra cá, e não podemos deixar deexplorar ao máximo as possibilidades de negociação que se abriram com aassinatura do recente tratado parcial sobre experiências nucleares.6. Olhemos em torno de nós nesta sala e verifiquemos se o mundo aquirepresentado poderia ser adequadamente descrito por essas generalizaçõesapressadas e por essa rígida catalogação. Três classificações genéricas nãopoderiam cobrir toda a gama de idéias, concepções e tendências de toda ahumanidade. A humanidade é mais rica e mais complexa do que seuscatalogadores. Isso talvez complique o problema político e talvez obrigueà revisão de alguns livros e de alguns panfletos de propaganda política, mastemos a esperança de que, com isso, se tornará menos perigoso e menosexplosivo o mundo em que vivemos. Os sociólogos e os teoristas políticosterão mais trabalho, mas os estadistas e diplomatas possivelmente traba-lharão em clima de maior confiança.7. Assistimos, no mundo contemporâneo e nas Nações Unidas, à emer-gência não de blocos neutros ou “não-alinhados”, ou de uma terceira forçapolítica ou ideológica, mas de afinidades: afinidades talvez menos estáveis,porém, mais atuantes em termos de objetivos táticos, configurados na basede reivindicações comuns. O que estamos aqui presenciando é a emergênciade uma articulação parlamentar no seio das Nações Unidas e uma articu-lação parlamentar de pequenas e médias potências que se unem, fora ouà margem das ideologias e das polarizações militares, numa luta continua-da em torno de três temas fundamentais: Desarmamento, Desenvolvimentoeconômico e Descolonização. É fácil precisar o sentido de cada um dos ter-mos desse trinômio. A luta pelo desarmamento é a própria luta pela paz epela igualdade jurídica de Estados que desejam colocar-se a salvo do medoe da intimidação. A luta pelo desenvolvimento é a própria luta pela eman-cipação econômica e pela justiça social. A luta pela descolonização, em seuconceito mais amplo, é a própria luta pela emancipação política, pela liber-dade e pelos direitos humanos. É esse, Senhores Delegados, o grandemovimento que aqui se delineia: movimento de médias e pequenas potên-cias, que, considerando superado o velho esquema maniqueísta de apenashá alguns anos, desejam que as Nações Unidas se adaptem ao mundo de1963, ao mundo em que terão de viver, debaixo de grandes perigos e no

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limiar de grandes perspectivas. Esta articulação parlamentar, ainda nãoperfeitamente caracterizada, transcende os termos da antiga divisão domundo em Ocidente, Oriente e mundo “não-alinhado”. Esse movimento,iniciado sob o signo dos três “Ds” mencionados – Desarmamento, Desen-volvimento econômico e Descolonização –, não faz senão exigir o cumprimen-to das promessas já contidas na Carta de São Francisco.8. Cada nação, grande ou pequena, será sempre o melhor juiz de suasnecessidades de segurança e defesa. Meu país, por exemplo, nunca acei-tou a designação de neutralismo para sua política externa independente. OBrasil não pertence a blocos, mas integra um sistema, o sistema interame-ricano, que concebemos como um instrumento de paz e de entendimentoentre todos o membros da comunidade das nações. O Brasil, como a gene-ralidade das nações latino-americanas e afro-asiáticas, não poderia, entre-tanto, estar alheio a essa articulação parlamentar, que certamente constituia ampla maioria dos 111 membros desta organização mundial e impulsionaa sua renovação.

O veto invisível9. E, contudo, dentro de um espírito de puro realismo político, devemosadmitir que esta maioria não consegue, com acentuada freqüência, verimplementadas suas recomendações em cada um dos três grandes temasfundamentais. Prossegue a corrida armamentista, a despeito das resolu-ções, sempre reiteradas, da organização mundial. Uma imensa parte dahumanidade ainda vegeta sob condições humilhantes, incompatíveis coma dignidade humana, e milhões de criaturas ainda se encontram privadasda liberdade e de direitos humanos, sob formas degradantes de opressãopolítica ou colonial. Isso se deve – tenhamos a coragem de dizê-lo – ao fatoda existência e da sobrevivência de um poder de veto, de um veto invisí-vel, nesta Assembléia Geral. Esse veto invisível, do qual muito pouco sefala e muito pouco se ouve, poderá revelar-se – nas grandes questões deDesarmamento, do Desenvolvimento e da Descolonização – ainda mais fu-nesto e mais perigoso do que o lado negativo do princípio de unanimida-de, que tem dificultado o funcionamento e impedido a ação eficiente doConselho de Segurança. É esse veto invisível que impede a passagem de

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algumas resoluções ou – o que é muito mais freqüente – impede a imple-mentação de resoluções porventura adotadas. E é contra esse veto invisí-vel que devem, agora, dirigir-se os esforços de nações que têm anseios ereivindicações comuns – anseios de paz, de desenvolvimento e também deliberdade. Porque, na luta pela paz e pelo desenvolvimento, o homem nãopode comprometer sua liberdade.

Desarmamento10. No cumprimento do mandato de mediação que lhe foi conferido pelaAssembléia Geral, o Brasil, no âmbito do Comitê de Dezoito Nações so-bre o Desarmamento, se tem conduzido dentro do mais estrito realismo. Odesarmamento – dissemos em Genebra – é um tema central e todos osoutros problemas políticos se contêm e se refletem nesse problema, porassim dizer, espectral. Comparada com o desarmamento, qualquer outraquestão política, por mais difícil que nos pareça – e citemos, como exem-plo, a de Berlim – parece relativamente fácil de resolver-se, porque, emqualquer solução eventual, cada lado teria uma idéia aproximada do queestaria a ganhar ou a perder e, também, porque qualquer solução porven-tura alcançada poderia não ser final ou definitiva, se se conservassem osmeios e a possibilidade de alterá-la. O desarmamento é um problema depoder e, tradicionalmente, os problemas de poder se têm resolvido pelaoperação do próprio mecanismo do poder. O desafio de Genebra consisteprecisamente em resolver este problema de poder através de negociaçõese por meio de persuasão. Não é tarefa fácil; e um senso elementar de rea-lismo nos leva a admitir que ainda estamos muito longe da conclusão de umtratado de desarmamento geral e completo. No que toca ao texto dessetratado, fomos muito pouco além de alguns parágrafos do preâmbulo.Enquanto isso, somas e recursos enormes, que deveriam ser promessas esementes de vida, se apresentam como fatores de ameaças e destruição. Apresente corrida armamentista, que prossegue em um ritmo insensato, é aprincipal responsável pela carência de recursos para as grandes tarefas dodesenvolvimento econômico. Como se pode seriamente falar no progressocultural de uma humanidade que não faz senão elaborar e aperfeiçoar oselementos de sua própria destruição? Só é respeitável a técnica que conduzà vida e à liberdade.

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11. Os oito países mediadores de Genebra – Birmânia, Brasil, Etiópia,Índia, México, Nigéria, República Árabe Unida e Suécia – detêm umaimensa responsabilidade diplomática, nesta questão do desarmamento.Não atuaram esses países como um bloco político, mas como um grupo di-plomático, que, num mandato de mediação, procura tenazmente ampliar astênues áreas de acordo entre os dois blocos de potências. Agindo invaria-velmente em nome da opinião pública mundial, essas nações contribuíramdecisivamente para que a Conferência das Dezoito Nações sobre o Desar-mamento pudesse assegurar seu primeiro grande passo positivo: o Tratadode Proscrição de Ensaios Nucleares na Atmosfera, no Espaço Cósmico eSob as Águas, concertado recentemente em Moscou. O Brasil sempredefendeu a idéia de que, sem esperar a conclusão de um tratado sobre odesarmamento geral e completo, as potências nucleares deveriam ir forma-lizando os acordos à medida que se verificassem coincidências de pontosde vista. Por isso, sempre advogamos prioridade para a questão das expe-riências nucleares, não-disseminação de armas nucleares e prevenção daguerra por acidente. Foi neste contexto que, verificando perdurarem asdificuldades sobre a detecção e verificação dos ensaios subterrâneos, oBrasil endereçou, no dia 25 de julho de 1962, a seguinte pergunta àspotências nucleares:

Tem-se dito que é difícil alcançar um tratado de proscrição dos tes-tes nucleares, porque as grandes potências não podem ou não desejam

chegar a um acordo no que se refere ao complicado problema docontrole, um problema que se baseia na confiança. Contudo, é bem

sabido que as divergências e discrepâncias principais se situam nosproblemas de detecção e identificação dos testes subterrâneos, já que

o controle internacional necessário aos testes atmosféricos e espa-ciais não parece apresentar tantas e tão insuperáveis dificuldades. Por

que, então, não concentrar nossos esforços nessa questão dos testesatmosféricos e espaciais, que são os mais perigosos – real e potencial-

mente – e aqueles que têm o efeito mais perturbador sobre o cérebro,o corpo e o sistema nervoso? Por que não explorar, ao longo das linhas

sugeridas pelo memorandum dos oito países, a possibilidade de um

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acordo sobre a questão do controle dos testes atmosféricos e espaci-

ais e, ao mesmo tempo, iniciar uma discussão sobre os métodos ade-quados de detecção e identificação dos testes subterrâneos?

12. Essa pergunta, formulada em 25 de julho e reiterada em 17 de agos-to de 1962, encontrou então o silêncio de cada uma das três potências queintegravam o Subcomitê de Testes Nucleares da Comissão das DezoitoNações. Somente no dia 27 de agosto, começaram as grandes potências amover-se, com a apresentação da proposta conjunta anglo-americana so-bre a interdição parcial dos testes nucleares. Menciono aqui esse fato nãopara ressaltar a contribuição de meu país à causa do desarmamento, maspara assinalar que, no cumprimento de seu mandato de mediação, os oitopaíses de Genebra têm o dever de correr o risco das incompreensões e decríticas muitas vezes suscitadas por motivos táticos momentâneos.13. Meu país saudou com entusiasmo a assinatura do Tratado Parcial deMoscou e o presidente João Goulart, em mensagem dirigida ao presidenteKennedy e aos primeiros-ministros Krushev e MacMillan, exprimiu a altaapreciação do Brasil pelo espírito construtivo com que os Estados Unidosda América, a URSS e o Reino Unido conduziram suas negociações eentendimentos. Meu governo foi dos primeiros a firmar o tratado e já osubmeteu à ratificação do Congresso brasileiro. Para o Brasil, o tratadoparcial tem não apenas o grande mérito de afastar imediatamente os efei-tos nocivos das contaminações radioativas, como também o valor simbóli-co de demonstrar que sempre é possível e viável um esforço comum dasgrandes potências para compor suas divergências. Neste sentido, o Brasilacolheu o tratado parcial como um dos fatos mais auspiciosos, desde 1945,e como ponto de partida para entendimentos ainda mais amplos e criado-res. As palavras que acrescentarei não podem, assim, ser interpretadascomo indicando falta de entusiasmo em relação ao tratado.14. Sem querer diminuir o impacto e a alta significação deste tratadoparcial, cuja idéia defendemos desde os primeiros dias da Conferência deGenebra, não podemos deixar de lamentar haver sido a reunião de Mos-cou conduzida fora do âmbito da Conferência das Dezoito Nações sobreDesarmamento. Não encontramos razão lógica e plausível para tal fato, já

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que não podemos admitir a possibilidade de que as potências nucleareshajam querido afastar os oito países mediadores da solução de uma ques-tão que eles haviam sido os primeiros a suscitar. Se havia em Genebra umsubcomitê de testes nucleares, integrado apenas pelas três potências nu-cleares – subcomitê que, segundo as regras da conferência, poderia reunir-se em qualquer lugar e com qualquer nível de representação –, por que nãoquiseram as três potências que a reunião de Moscou fosse caracterizadacomo uma reunião do subcomitê? Isso teria tido o grande mérito de colocara matéria dentro do contexto de desarmamento geral e completo e de ser-vir de ponto de partida para todo o trabalho que o comitê há de desenvol-ver no futuro. A paz e a segurança mundiais não podem mais ser objeto denegociações exclusivas de um diretório de grandes potências, por maiorese mais poderosas que sejam. A um perigo comum – de morte e destruição– há de corresponder uma responsabilidade comum, e é essa a responsa-bilidade que os países não-nucleares desejam assumir.15. Assim como formulamos nossa pergunta em 25 de julho de 1962,o Brasil formula hoje, desta tribuna, as seguintes perguntas às três potên-cias nucleares:

– Quais as dificuldade que nos separam de uma solução definitiva,em relação aos testes subterrâneos?

– Por que não reconhecer que, sobre a questão, os pontos de vistaantagônicos estão tão próximos, que qualquer dos lados poderiaaceitar o ponto de vista oposto, sem estar, na realidade, fazendograndes concessões?

– Por que não explorar, de comum acordo, a possibilidade de ampliar,de imediato, a área de acordo alcançada em Moscou, mediante oacréscimo, à área de proibição, de uma faixa de testes subterrâneosacima de um determinado ponto de detectabilidade?

16. O subcomitê de testes nucleares da Comissão das Dezoito Naçõessobre Desarmamento poderia, talvez, explorar imediatamente a possibili-dade de um tratamento gradual e sucessivo para a questão da proscrição deensaios subterrâneos. Poder-se-ia, por exemplo, num primeiro estágio – de

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execução imediata –, proscrever aquelas experiências subterrâneas que,acima de certo limite, possam ser assinaladas pelos sistemas de verificaçãode cada uma das partes; proscrever, num segundo estágio – de execução aser iniciada no prazo máximo de um ano –, aquelas experiências nuclearessubterrâneas acima do limite, digamos, de 4.75 ou daquele mais compatí-vel com últimos progressos científicos; num terceiro estágio – de execuçãoa ser iniciada no prazo máximo de dois anos –, proscrever todas as expe-riências com armas nucleares e em todos os meios. A matéria envolve evi-dentemente aspectos técnicos e científicos, sujeitos a revisão e alteração nosentendimentos entre as potências nucleares, que certamente dispõem demelhores elementos técnicos de avaliação, dada a sua notória familiarida-de com esse tipo de experiência.17. É claro que, em todos esses casos, é essencial um acordo de vontadesentre as potências nucleares, que, entretanto, não podem continuar a ig-norar as reiteradas manifestações desta Assembléia Geral. E é possível queencontremos agora, mais uma vez, algumas das incompreensões que an-teriormente encontramos.18. O Brasil – juntamente com a Bolívia, o Chile, o Equador e o México– continuará seus esforços por ver consagrada, em acordo unânime, a des-nuclearização da América Latina, fazendo, ao mesmo tempo, ardentes votospor que acordos semelhantes venham a ser consagrados, a fim de cobrirem,o quanto antes, o máximo de superfície do globo. No tocante à desnucle-arização da América Latina, minha delegação, que submeteu um item es-pecífico à Assembléia Geral, deseja frisar não estar propondo que a AméricaLatina seja declarada desnuclearizada pela Assembléia Geral. O Brasilestá propondo, isso sim, que as nações latino-americanas, como naçõessoberanas, considerem, através dos meios e canais mais apropriados, aconveniência de concluírem um tratado pelo qual se obriguem a não fabri-car, armazenar ou experimentar armas nucleares. É este o sentido daprodeclaração conjunta de 30 de abril, assinada pelos presidentes da Bo-lívia, Brasil, Chile, Equador e México. Minha delegação manterá, a esserespeito, o mais estreito contato com todas as delegações latino-americanas.19. Dentro do mesmo espírito, a delegação do Brasil à Comissão doDesarmamento lançou recentemente, em Genebra, a idéia de um tratado

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multilateral de não-agressão, que criaria um mecanismo recíproco entre omáximo número de Estados que aderissem ao pacto de não se engajaremem agressão contra nenhum outro, qualquer que fosse a situação geográ-fica relativa dos mesmos. A imprensa internacional deu relevo justo à ini-ciativa, que tem a seu favor tantos fundamentos válidos, que esperamosvenha a frutificar generosamente. Esta idéia parece extremamente maisrazoável e dinâmica do que a idéia, anteriormente aventada, de um simplespacto de não-agressão entre os membros da OTAN e os integrantes doPacto de Varsóvia. O espírito da Carta é um espírito universal. A paz deveprevalecer entre todos os membros da comunidade das nações e não ape-nas entre aqueles que se entrincheiram atrás de alianças militares especí-ficas. A idéia de um pacto limitado vincula-se ao antigo esquemaLeste-Oeste, que, como dissemos, tende a esmaecer.20. O Brasil continua favorável a que se institua, no âmbito da Comis-são das Dezoito Nações, um comitê técnico incumbido de estudar os pro-blemas de controle, problema sem cuja solução não se poderá caminhardecisivamente no sentido do desarmamento geral e completo. Continuamosa pensar que as discussões políticas não podem permanentemente mover-se num vácuo técnico. Não concebemos desarmamento sem controle.

Desenvolvimento21. O segundo feixe de considerações que a delegação do Brasil senteindispensável expender relaciona-se com o desenvolvimento econômico esocial. O problema do desenvolvimento econômico, pela conjuntura demo-gráfica e econômica mundial, tende a ser, aos nossos olhos, de igual urgên-cia que o do desarmamento, mas com uma diferença básica: enquanto odesarmamento se escalona como um processo que se arrastará no tempo,mas que diluirá sua própria periculosidade na medida em que os passospacíficos forem sendo conquistados pela humanidade, o desenvolvimentoeconômico se tornará pressão dia a dia mais insuportável pela estrutura dassociedades humanas, se medidas urgentes destinadas a desencadeá-lo eacelerá-lo não forem tomadas no mais curto lapso de tempo, em ritmo cu-mulativo. Se somos, hoje em dia, inevitavelmente levados a associar a se-gurança coletiva à noção de desarmamento geral e completo sob controle

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internacional, somos, de outro lado, levados a associar, iniludivelmente, anoção de segurança coletiva a outra segurança: a segurança econômicacoletiva.22. Nas condições atuais, dois terços da humanidade, atravessando umaconjuntura demográfica explosiva, vivem em níveis de mera subsistência,sofrendo em toda a sua extensão os males sociais e econômicos que carac-terizam o estágio de subdesenvolvimento. Ao lado desse imenso contin-gente humano, uma minoria da população mundial – beneficiada peloaumento cumulativo da produtividade deflagrada pela industrialização –atinge altos níveis de prosperidade econômica e bem-estar social.23. O elemento-chave para compreensão do problema com que nosdefrontamos – nós, comunidade internacional – não é, contudo, a meraexistência de grandes desníveis de riqueza entre as nações desenvolvidase as subdesenvolvidas: é, isto sim, o fato de que esse desequilíbrio vem cres-cendo e, caso não sejam prontamente corrigidas as tendências hoje preva-lecentes, continuará a crescer indefinidamente. É dentro desse quadro dedados e previsões sombrias que devemos procurar compreender os esfor-ços dos países subdesenvolvidas para atender aos reclamos de progressosocial e justiça econômica de seus povos. Esses reclamos, que correspondemaos anseios mais legítimos das comunidades humanas, não poderão serreprimidos e, para seu atendimento no mais curto prazo possível, é quedevemos conjugar, aos esforços de cada nação subdesenvolvida, os esfor-ços da comunidade internacional como um todo.24. Embora a luta pelo desenvolvimento tenha de ser travada em váriasfrentes, cabe às Nações Unidas – pela universalidade de sua vocação e coe-rentes com a letra e o espírito da organização internacional – desenvolverum papel de excepcional relevância para obter a redenção econômica esocial de grande maioria da população do globo, que hoje em dia vive emcondições infra-humanas. As atividades das Nações Unidas no campo dodesenvolvimento devem, no entender do meu governo, atender a três áre-as prioritárias: a industrialização, a mobilização de capital para o desenvol-vimento e o comércio internacional.25. Existe hoje uma convicção unânime de que, sem prejuízo de impor-tância do desenvolvimento econômico integrado, a indústria representa o

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setor mais dinâmico da economia dos países subdesenvolvidos e o maissuscetível de assegurar, num tempo historicamente curto, a diversificaçãoe a emancipação econômica desses países. A doutrina clássica da especia-lização internacional do trabalho, que condenava os chamados países pe-riféricos à posição imutável de fornecedores de produtos primários, já entroudefinitivamente em descrédito e foi substituída por uma teoria econômicamais compatível com as realidades do mundo contemporâneo. Concebida,entretanto, numa época em que essa revolução doutrinária ainda não es-tava inteiramente cristalizada, a família das Nações Unidas durante mui-to tempo ocupou-se apenas residualmente do setor industrial, dando ênfasequase exclusiva a setores como a agricultura e a saúde pública. É certo queos recursos destinados à industrialização têm crescido nos últimos anos. Oritmo de crescimento é, todavia, mínimo, em confronto com as necessida-des dos países subdesenvolvidos e as possibilidades dos países desenvol-vidos, como foi indicado pelo comitê de peritos que examinou recentementeas atividades das Nações Unidas no campo da industrialização. Conformeo relatório dos peritos, a atual estrutura institucional nessa matéria é ina-dequada, devendo ser urgentemente substituída por uma nova estrutura,mais consentânea com as exigências gerais da humanidade por uma indus-trialização acelerada. O governo brasileiro considera que o estabelecimentode uma agência especializada de desenvolvimento industrial contribuiriadecisivamente para atender a essas exigências.26. A segunda área prioritária é a mobilização de capitais para os paísessubdesenvolvidos, provenientes dos países desenvolvidos, em que essescapitais são abundantes. Tal mobilização constitui uma das condiçõesessenciais para que aqueles países possam atingir progressivamente níveisde bem estar comparáveis aos dos países desenvolvidos. É indispensável,entretanto, que o fluxo de recursos financeiros seja realmente articulado comas necessidades dos países subdesenvolvidos, tanto do ponto de vistaquantitativo – no sentido de que o volume total disponível deve ser propor-cional às necessidades de capital – como do ponto de vista qualitativo, o quesignifica que as condições dos empréstimos devem levar em conta as difi-culdades estruturais do balaço de pagamento que caracterizam as econo-mias dos países subdesenvolvidos. A significação dos empréstimos em

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condições concessionárias foi convincentemente posta em relevo pelo an-tigo presidente do Banco Mundial, o senhor Eugenio Black, que asseve-rou que, se os empréstimos desse tipo não aumentarem ponderavelmente,“o mecanismo do desenvolvimento econômico poderia ficar de tal modosobrecarregado de dívidas externas que se paralisaria, em meio a projetosincompletos e montanhas de planos rejeitados”. A insuficiência de recur-sos financeiros internacionais compatíveis com as características dos paísessubdesenvolvidos poderia compelir esses países à adoção de soluções deemergência, de natureza quase heterodoxa, a fim de evitar a estagnação ouo retrocesso econômico e a inquietação social generalizada.27. É questão que não padece dúvida que a assistência financeira deveser liberta de quaisquer possíveis conotações políticas condicionantes, idéiaque, aliás, vem sendo alimentada tanto pelos países exportadores quantopelos países importadores de capitais. É que isso visa a sanear, a um tem-po, grande parte da atmosfera política internacional e as arenas políticasnacionais de matéria passível de controvérsia. Devemos reconhecer querumar nessa direção é tomar o caminho que atende aos anseios de todas assoberanias. Dentre os esforços atualmente em curso para a multilaterali-zação da assistência financeira cumpre realçar os de tipo regional, cujo al-cance deveria ser, nessa mesma linha de evolução, multiplicado tantoquanto possível. Sem prejuízo de quaisquer canais ora existentes, seria, porconseqüente, da maior importância que as Nações Unidas dispusessem deum organismo próprio de financiamento, capaz de permitir à organizaçãointernacional ingressar no campo da assistência financeira aos países sub-desenvolvidos. Foi dentro deste espírito que a delegação do Brasilpropugnou e continua a propugnar pelo estabelecimento de um fundo decapital das Nações Unidas, integrado por todos os países membros daONU e das agências especializadas, equipado para conceder empréstimossuaves e doações diretas, e que fosse administrado de forma a atribuir atodos os países membros igual poder decisório, independentemente de suacapacidade de contribuição. Seria igualmente desejável que uma parcelasubstancial, senão a totalidade dos recursos liberados com o desarmamentogeral e completo, fosse desviado para esse fundo e que, enquanto não seconcretiza essa medida, desejada ardentemente pela humanidade inteira,

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uma determinada percentagem das despesas militares atualmente em cursofosse posta à disposição do novo organismo. O simples desvio de um porcento das atuais despesas armamentistas representaria uma soma de nadamenos de um bilhão e 200 milhões de dólares, o que daria ao fundo de ca-pital das Nações Unidas condições iniciais de viabilidade acima de qual-quer expectativa. A nossa única esperança é de que os 120 bilhões dedólares anualmente invertidos em despesas militares nunca venham a teraplicação bélica. A nossa melhor esperança é que os homens do futuropossam dizer que se tratava de gastos inúteis para fins insensatos. Por que,então, pareceria hoje ousado pedir o sacrifício – ou a salvação – de um porcento dessa loucura para uma obra de redenção social e de desenvolvimentode toda a humanidade?28. Finalmente, para marcar a presença das Nações Unidas no campo dofinanciamento internacional e para permitir aos governos dos Estados-membros manter sob revista contínua e sistemática o fluxo total de capitaispara os países subdesenvolvidos, a Assembléia Geral poderia considerara possibilidade de criar um comitê permanente do Conselho Econômico eSocial, à semelhança do comitê para o desenvolvimento industrial e outrosórgãos subsidiários.29. A terceira área de prioridade – certamente, nessa altura, a mais im-portante – é a do comércio internacional, que deve, conseqüentemente,receber atenção especial no contexto das atividades econômico-sociais dasNações Unidas. É um lamentável fato da vida que o comércio internacio-nal tenha, apesar de suas imensas potencialidades, contribuído tão poucopara o desenvolvimento econômico dos países de baixa renda per capita,sobretudo nos últimos tempos da história humana. Em certos casos, atra-vés de mecanismos de deterioração das relações de troca, o comércio inter-nacional tem atuado até mesmo como fator de empobrecimento relativo dospaíses subdesenvolvidos e como veículo de agravamento dos desníveis derendas entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. A Conferênciadas Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento, convocada pelaAssembléia Geral, vai reunir-se precisamente porque a atual estrutura docomércio internacional não favorece os países subdesenvolvidos e estábaseada num conjunto de princípios e regras operacionais que, não raro,

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atendem preferentemente aos interesses e peculiaridades dos países indus-trializados. Essa conferência significa a presença viva das Nações Unidas,com sua ética universalista e sua preocupação com os problemas de desen-volvimento econômico, no campo do comércio internacional, até então quaseinteiramente fora de sua alçada. Significa, também, o desejo de modificaras tendências do comércio internacional, que operam num sentido desfa-vorável aos interesses dos países subdesenvolvidos. Significa, por fim, adecisão política de rever o que precisa ser revisto, de reformular princípiosobsoletos, de estabelecer novas regras de comportamento, de criar condi-ções para uma nova divisão internacional do trabalho, baseada na correla-ção entre comércio e desenvolvimento, e de estabelecer os mecanismosinstitucionais indispensáveis para implementar as decisões da conferência.Essas expectativas, se frustradas, representarão um dos mais dolorososmalogros da família das Nações Unidas. É essencial que a conferênciajustifique as legítimas esperanças que nela depositam todos os paísessubdesenvolvidos, esperanças que não podem deixar de contar com acompreensão daqueles que maior responsabilidade têm no processo deracionalização da vida econômica e social da humanidade: os países de-senvolvidos.30. Ao cabo dessa conferência e como cristalização de um longo processode debates políticos e de intercâmbio de idéias fecundantes, crê o governobrasileiro que deveria ser proclamada uma declaração para a consecução emanutenção da segurança econômica coletiva. Tal declaração – já pronun-ciada, em suas grandes linhas, na Declaração Conjunta dos Países emDesenvolvimento, em Genebra – seria um ato político de enormetranscendência, certamente dos mais importantes já realizados sob osauspícios das Nações Unidas, e que poderia ocupar um lugar de relevo aolado das duas outras declarações de que tanto podemos orgulhar-nos: aDeclaração dos Direitos Humanos e a Declaração de Outorga de Indepen-dência aos Países e Povos Coloniais. Não se trataria de documento queviesse a dar, pela rigidez ou fluidez de suas fórmulas, soluções ideais paraa segurança econômica coletiva. Tratar-se-ia, ao contrário, de propor, embases claras e objetivas, uma soma de princípios que, a longo prazo, pos-sam servir de metas a serem atingidas pelas Nações Unidas nesse campo.

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Tratar-se-ia, por conseguinte, de se achar um terreno de encontro paracertas noções fundamentais sobre a vida econômica internacional, noçõesde que derivem possibilidades de empreendimentos mais fáceis, quandose venham a discutir problemas práticos relacionados com a organizaçãoeconômica da comunidade internacional. A analogia que melhor se prestapara definir esse desiderato é a Declaração dos Direitos Humanos: numcorpo sintético de enunciações básicas, atinentes ao mais complexo tema dostemas – o homem – reduzimos, de forma luminosa e perdurável, toda umaprogramação futura para a construção do homem de amanhã pelo homemde hoje. Não seria possível, destarte, chegarmos a essa declaração outra, quetrataria do segundo mais controverso tema do mundo social presente – o dasrelações econômicas entre as nações?31. A delegação brasileira, ao advogar essa declaração, não ignora as di-ficuldades que se antepõem à elaboração desse documento. Tanto mais quenão temos em mira uma formulação meramente retórica, em que a concor-dância geral em torno de enunciados fluidos viesse a substituir o registro deuma disposição sincera de cooperação internacional, em prol do atendimen-to das necessidades dos países subdesenvolvidos. De nada nos serviria –e, pelo contrário, só poderia prejudicar-nos – um texto grandiloqüente, quenão encontrasse eco no cotidiano das relações econômicas internacionais.Para a elaboração desse documento, a conferência contará com acervovaliosíssimo, de natureza doutrinária e intelectual, que a família das Na-ções Unidas vem acumulando ao longo dos anos, inclusive o anteprojeto dedeclaração sobre cooperação econômica internacional, ora em exame por umcomitê ad hoc do Conselho Econômico e Social. Desse complexo acervo deestudos, pesquisas e meditações, surge, naturalmente, em todo o seu alcan-ce e inteireza, o conceito de segurança econômica coletiva. Cumpre-noscodificá-lo em uma declaração que, como afirmação coletiva de fé naracionalidade do processo econômico global, possa nortear efetivamente asações internacionais em prol da superação do subdesenvolvimento. O votomais sincero que a delegação do Brasil formula, neste respeito, é o de quepossamos, nas festas do Ano Jubilar de 1965 das Nações Unidas, ter jáconsagrada a declaração para a consecução e manutenção da segurançaeconômica coletiva.

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32. Nesta digressão sobre as tarefas com que se defrontam as NaçõesUnidas na promoção do desenvolvimento econômico, um ponto creio queemerge com absoluta clareza: o alto estágio do desenvolvimento atingidopor um pequeno número de países do mundo não deve, necessariamente,implicar a persistência do subdesenvolvimento dos outros países. É óbvio,pelo contrário, que a segurança econômica e social atingida por alguns estáem risco, se essa segurança econômica e social não for atingida por todos.Estamos, com efeito, no limiar da construção de uma nova comunidadeinternacional, em que a sobrevivência de formas econômicas e socialmen-te subdesenvolvidas será um risco coletivo. Vivemos um sistema de causase efeitos recíprocos. Assim como a paz é indivisível – pois a paz implica umnexo de interdependência cuja consolidação requer a cooperação das so-beranias –, assim também é indivisível o desenvolvimento econômico e so-cial, condição e expressão dessa paz. Senhor Presidente, não estamos nodomínio do sonho, da fantasia ou da abstração; estamos lidando com du-ras realidades, que exigem pronta e decisiva ação desta assembléia.

Descolonização33. É possível, sem nenhum exagero, asseverar que a humanidade atin-giu a fase final do processo colonial com as cores que o caracterizaram noscinco últimos séculos. É possível, assim, reconhecer que o processo colo-nial é um arcaísmo histórico e sociológico, cujos resíduos perdurantes sãofocos de tensões e atritos políticos no mundo contemporâneo, que podeme devem ser, finalmente, erradicados e liquidados.34. O que mais sobressai, entretanto, nesse processo global, é que, en-quanto não liquidado totalmente, constitui ele, em grande parte, o princi-pal obstáculo ao desenvolvimento das antigas colônias tornadas Estadossoberanos: salvo pouquíssimas exceções, tais Estados soberanos tiveramobstáculos enormes ao seu desenvolvimento, em conseqüência de relaçõesde troca de variada natureza, que viciaram os meios econômicos de quepodiam dispor as antigas colônias – seu estatuto econômico perdurou comosemicolonial.35. A liquidação e erradicação do arcaísmo histórico e sociológico docolonialismo é, por conseguinte, processo que representa medida de alto

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interesse defensivo das economias de todas as antigas colônias, quaisquerque sejam as fases de sua libertação política e quaisquer que sejam oscontinentes em que se localizem.36. Pode-se dizer que, hoje, é ponto pacífico que a descolonização totalé, essencialmente, a finalidade por atingir, no mundo inteiro, em matériade territórios e povos a quaisquer títulos dependentes. Isso, no contexto dasNações Unidas, deriva não só de um elemento quantitativo – a predomi-nância eleitoral dos novos Estados –, mas também de um fator qualita-tivo, a saber: as teses anticoloniais têm todos os fundamentos – éticos,econômicos, demográficos, sociais, políticos – a seu favor. Somente razõesde relações de potência e de poder podem coonestar diferimentos epostergações, pois que as chamadas alegações “técnicas” – desenvolvimentocultural, capacidade de autogoverno, viabilidade “nacional”, despreparo dequadros dirigentes e afins – militam, de fato, contra as teses colonialistas:o que não foi feito ao longo dos decênios passados dificilmente o seria empoucos anos por vir, pois o que não foi feito deriva da vocação de não fazer,no que respeita intrinsecamente ao problema colonial.

Desde, pelo menos, a VIII sessão (1953) da Assembléia Geral e emmovimento cumulativo crescente, cuja preparação teórica em grande par-te se deveu à ação das delegações latino-americanas, até a XV sessão(1960) da Assembléia Geral – ano da África nas Nações Unidas –, a des-colonização teve passos ponderáveis a cada ano, em consonância com mo-vimento que vinha já do fragor da última grande guerra – em que aspopulações dos territórios dependentes, na África e na Ásia, desempenha-ram papel relevantíssimo, ainda hoje insuficientemente ressaltado –, ad-quirindo, destarte, uma vocação de independência nacional que, a sersofreada, poria em risco muito cedo a precária paz do mundo. No quadrodas Nações Unidas, no ano de 1960, quando foi aprovada a Resolução1.514 (XV), com a Declaração de Outorga da Independência aos Paísese Povos Coloniais, a organização entrou a declinar na sua consagração deautodeterminações e independências, pois a liquidação do colonialismo,enquanto verbalmente estipulada como imediata na declaração em causa,esbarrava com dificuldades já antes pressentidas por certos observadores,mas ainda não “oficialmente” denunciadas nos debates da organização.

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37. O Brasil reconhece que os elementos residuais de colonialismo ofe-recem resistência e exigirão, por algum tempo ainda, esforços e sabedoriacoletivos concentrados. A ação descolonizadora poderá, entretanto, noquadro da Carta das Nações Unidas e das resoluções aprovadas pelaAssembléia Geral, consumar-se pacificamente. O Comitê dos 24 para aDescolonização tem atuado de maneira que merece o apoio da grandemaioria das Nações Unidas. As potências que detiveram, no passado, umimpério colonial compreenderam todas, quase sem exceção, as vozes dosnovos tempos. Os pontos de estrangulamento desse processo, que subsis-tem, exigem, por isso mesmo, cuidados multiplicados da organização inter-nacional, para que possamos conseguir seu desenlace racional e pacífico. É,por conseguinte, momento oportuno para que o Comitê dos 24, ao reencetarseus trabalhos, passe em revista sistemática cada continente de per si, nãoomitindo o continente americano e os seus territórios dependentes depotências extracontinentais. Enquanto subsistir um território dependen-te, aí haverá um foco de desentendimentos internacionais, num tipo derelação internacional superado e anacrônico. Essa é a lição dos tempos.38. Para o Brasil, a luta pela descolonização abrange todos os aspectos daluta secular pela liberdade e pelos direitos humanos. O Brasil é contra todaforma de colonialismo: político, econômico ou policial. Por esse motivo, oBrasil vê com extremo cuidado a emergência de formas sucedâneas docolonialismo político, formas já consagradas sob a expressão de neocolonia-lismo. Será, assim, de desejar que os mesmos órgãos das Nações Unidas queora cuidam da descolonização dentro das Nações Unidas principiem a voltaras suas vistas para esse novo fenômeno do mundo moderno – cujapericulosidade me dispenso de ressaltar.

Fortalecimento das Nações Unidas39. As Nações Unidas seriam um malogro a mais e o mais doloroso, nalonga história de esperança da raça humana, e trairiam sua razão de ser esua destinação, se não enfrentassem, com a determinação e a urgência queos tempos presentes requerem, esses três feixes de problemas internacio-nais: o Desarmamento, o Desenvolvimento e a Descolonização.

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40. Entretanto, na medida em que vamos avançando na realização des-ses objetivos, reconhecemos a necessidade inadiável de fortalecermos,paralelamente, a organização internacional, para que esta se adapte aosdesafios propostos por suas próprias obrigações e deveres. A essa tarefa derenovação, não tem faltado a compreensão, a assistência, o impulso criadorde nosso secretário-geral. É da mais elementar justiça assinalar o quantoesta organização deve a U Thant e quão felizes somos de ter, na direção dosecretariado, um homem eminente, cujas qualidades de pensamento e açãosão complementadas por uma compreensão exata do que devem ser asNações Unidas neste mundo de perigo nuclear e subdesenvolvimento, degrandes desafios e grandes perspectivas.41. O saldo positivo da organização internacional é incontestável – qual-quer que seja a dose de ceticismo usada na sua avaliação. A verificação dessarealidade, entretanto, não basta por si só. É que o processo e o tempo dahistória se aceleram e, com eles, a urgência das necessidades coletivas.Representativa das pressões dessas necessidades coletivas, é mister que aorganização internacional, como instrumento próprio para aferi-las, não asdeixe atingir o ponto crítico explosivo.42. É, assim, urgente vitalizar cada dia mais a organização internacional:primeiro, indagando sobre o que deveria ter sido feito e não o foi; depois,indagando sobre o que parece dever ser feito.43. Daí o cabimento de certas questões, à luz do próprio texto da Carta.Por que tantos artigos da Carta jamais receberam aplicação? Por que, porexemplo, não floresceu a implementação do seu artigo 66? Por que não seinstitucionalizou o artigo 43, em conexão com os artigos 45, 46 e 47? Porque não se avançou na linha preconizada pelos artigos 57 e 63, e não sereconheceu que, malgrado as despesas que implicasse, teria havido vanta-gens consideráveis na estrutura orgânica das agências especializadas exis-tentes com as que cumpre serem criadas, na razão dos altos interessescoletivos? Por que, de outro lado, não nos esforçamos pela final caducida-de dos capítulos XI, XII e XIII da Carta, realizando-lhes in toto os obje-tivos explícitos?44. Não há por que silenciar as razões por trás desses impedimentos. ACarta – apesar dos enormes méritos que lhe deram a forma do mais alto

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instrumento diplomático até hoje lavrado pela humanidade –, guarda osestigmas do impacto sob que nasceu, a saber, a herança da II GrandeGuerra. E, por isso, ficou marcada pela conjuntura, como instrumento depaz entre os grandes, como saldo das lutas terminadas em 1945. De modoque a sua verdadeira finalidade – que é a da instauração de um mundo depaz desarmada, na base da justiça universal –, a sua verdadeira finalidadeficou comprometida por certos vícios de origem, vícios talvez inevitáveis noseu tempo, mas que já hoje merecem ser sanados ou superados. Que di-zer, por exemplo, do artigo 107 da Carta, nesta altura dos tempos?45. A implementação efetiva da Carta esbarra no diretório efetivo exer-cido pelos grandes. A ação destes, entretanto, seria positiva, se se circuns-crevesse aos limites reais e literais da própria Carta. Hoje sentimos, todos,a urgência da atualização e adaptação da Carta às condições do mundopresente – na linha, aliás, preconizada pelos próprios artigos 108 e 109 daCarta. Entretanto, reivindicações absolutamente justas, como o aumentoimediato do número de membros do Conselho de Segurança e do Conse-lho Econômico e Social; a criação eventual de novos conselhos e fortaleci-mento do Conselho de Segurança; a instrumentação da capacidade deoperações efetivas de manutenção da paz, objetivos desejados pelalarguíssima maioria dos Estados-membros, esbarram no diretório das gran-des potências, que insistem em condicionar a ação das Nações Unidas a umjogo maniqueísta de política de poder ou a soluções políticas específicas emuma questão determinada.46. Criou-se, assim, o círculo vicioso em que se debate a revisão da Car-ta e, mesmo, a possibilidade de exercer-se a presença efetiva das NaçõesUnidas nos mais importantes atos diplomáticos contemporâneos. Pois, nãoé verdade que o Acordo de Proscrição, recém-concertado em Moscou, o foifora do quadro das Nações Unidas?

Senhor Presidente, Senhores Delegados,47. Não há dúvida de que, se o círculo vicioso não for superado e o vetoinvisível não for vencido, com a boa-vontade inclusive das grandes potên-cias, a Carta, de vocação dinâmica, tenderá a imobilizar-se. É necessário quetodas as potências, todos os Estados-membros, todos os Estados não-membros – mas aspirantes ao ingresso nas Nações Unidas – que todos, em

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suma, se compenetrem daquilo que alegam sempre ter: realismo político.É necessário que possamos derrubar todas as barreiras que se opõem aoprogresso e à liberdade humana. Porque, em nosso caminho para o progres-so, não pretendemos abdicar da liberdade.48. As coordenadas fundamentais, a nosso ver, para essa tarefa impor-tante de vitalizar a Carta, podem ser esboçadas nos seguintes fatos:

1) O conceito de segurança está hoje indissoluvelmente ligado ao con-ceito de paz: sem paz, não haverá segurança para nação alguma, por maiorque seja o número de armas nucleares que haja estocado e por maior nú-mero de experiências que haja realizado. Por isso, o conceito de segurançaé realmente coletivo e condicionado ao da paz desarmada coletiva. A Car-ta, que se baseou numa concepção de segurança absoluta de cada país deper si, tem de refletir a nova realidade termonuclear.2) Os conceitos econômicos – que quase não apareciam no Pacto daLiga das Nações, pois este tinha só uma alínea (a alínea e do artigo 23), quese referia à “liberdade de comunicação e trânsito e tratamento eqüitativopara o comércio internacional” – aparecem na Carta num nível, ainda as-sim, de extrema generalidade, mas já representam um passo à frente nosentido do reconhecimento de responsabilidade internacional na promoçãodo desenvolvimento econômico. O mundo de hoje, com suas urgências,necessita, porém, muito mais do que essas generalizações extremas. Osesforços nos últimos anos, feitos para objetivar a responsabilidade interna-cional têm de ser concretizados nesta organização internacional, que neces-sita de uma Carta e de suas nações unidas, que exprimam decididamenteas exigências de um mundo que, para sobreviver, tem de dinamizar-se.3) O conceito de libertação colonial e autodeterminação dos povos, ins-crito na Carta, é uma realidade hoje de tal modo indisputável, que suaimplementação prática tem de ser precipitada. O processo de implemen-tação criou a realidade da organização internacional de hoje em dia, cujaCarta, aceita pelos 51 Estados-membros fundadores, é a que se impõe a60 novos membros, os quais ainda não puderam dar-lhe os novos lineamen-tos exigidos pelas realidades do mundo presente.

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Não é possível protelar por mais tempo o pronunciamento dos 60Estados, admitidos desde 1945, sobre a natureza e o objetivo da organi-zação que hoje integram com grande força criadora. Esta é a consideraçãoque torna imperativa a revisão da Carta, de maneira a adaptá-la às reali-dades da era nuclear.49. Na Conferência de São Francisco, quando se estruturou esta organi-zação, foi o Brasil um dos primeiros e mais ardentes defensores do princí-pio da flexibilidade da Carta, sustentando a tese de que suas provisõesdeviam ser permanentemente sujeitas a um processo orgânico de revisão.Nesse sentido, a delegação do Brasil apresentou emenda, segundo a quala Assembléia Geral devia necessariamente examinar o estatuto básico daorganização, cada cinco anos, para introduzir-lhe as modificações que aexperiência aconselhasse. Depois de citar uma opinião, segundo a qual arevisão, em direito constitucional, é antes questão de experiência que delógica, minha delegação dizia, então: “As instituições legais, uma vez cria-das, adquirem vida própria. Com o tempo, a organização revelará as virtu-des e os defeitos de sua estrutura, e indicará os ajustamentos necessáriosà sua sobrevivência e à consecução da paz e da justiça”. Como se vê, nadaexiste de novo ou de revolucionário na idéia da revisão da Carta das Na-ções Unidas. O conceito da necessidade da revisão, como o seu processo,estão previstos na própria Carta. Em última análise, o que exigimos é aaplicação dos dispositivos da Carta.50. Minha delegação, Senhor Presidente, na forma das idéias oraexpendidas sobre várias questões de nossa vida orgânica coletiva, procu-rará, no correr dos trabalhos que ora encetamos, estar em estreito diálogocom todas as outras delegações dos Estados-membros. Na base dessasconsultas e diálogos, a delegação do Brasil reserva-se o direito de, conjun-ta ou individualmente, apresentar alguns projetos de resolução que possamdar corpo a essas idéias, ligadas a uma nova conceituação das NaçõesUnidas – as Nações Unidas de 1963. Não é em vão, repito, que se vivem18 anos de história. E de história na era nuclear. Desarmamento, Desenvol-vimento e Descolonização são as únicas alternativas à morte, à fome e àescravidão. Porque, em tudo e acima de tudo, o essencial é assegurar a li-berdade humana. O homem nada terá obtido de definitivo, se tiver perdi-

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do sua liberdade: liberdade de viver, de pensar e de agir. Pelo progresso epelo desenvolvimento econômico, meu país fará todos os sacrifícios, mas nãofará sacrifícios de liberdade. Nenhuma idéia será aceitável para nós, setrouxer consigo a supressão da liberdade humana. Como a segurança estáhoje vinculada à paz, o conceito de liberdade passa a estar vinculado aoconceito de progresso social e desenvolvimento econômico. O que quere-mos é dar alguns passos à frente no caminho da liberdade. E devemoscaminhar rápido. Porque o tempo se está tornando curto, tanto para asNações Unidas quanto para a humanidade.

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DOCUMENTO 33

Entrevista concedida pelo secretário-geral Boulitreau Fragoso ao Jornaldo Brasil, em 20 de outubro 1963Circular n. 4.905, de 29 de outubro de 1963.

EUA devem aproveitar CIES para mudar aliança

Preconizando a necessidade de uma revisão, de parte dos Estados Unidos,em sua política de cooperação econômico-financeira com a América Latina,o embaixador Aguinaldo Boulitreau Fragoso, secretário-geral de PolíticaExterior do Itamaraty, declarou ao JB que a próxima reunião do ConselhoInteramericano Econômico e Social da OEA, que terá início no dia 29, emSão Paulo, será uma oportunidade para livrar a Aliança para o Progressoda morosidade burocrática de que padece.

Em análise sobre a ação brasileira no campo internacional, exclusivapara o JB, o embaixador Boulitreau Fragoso destacou, a propósito da reu-nião do CIES, que não há dúvida de que os países que irão à conferência,inclusive o Brasil, não desejam sair dela sem haver obtido um mínimo demedidas concretas, no quadro de suas reivindicações dentro da Aliançapara o Progresso.

Fora com as delongasOs relatórios dos ex-presidentes Kubitschek e Lleras Camargo, que cons-tituem, aliás, um dos itens do projeto de agenda a ser submetido à confe-rência – disse o embaixador –, contêm observações que deverão serexaminadas de imediato, com vistas a modificar alguns mecanismos exis-tentes. Hoje em dia, os processos por demais burocráticos da Aliança re-tardam a decisão sobre projetos, cuja prioridade muitas vezes não admitedelongas.

Como conseqüência do exame destas críticas e dos outros itens daagenda, tanto se poderá chegar a um novo órgão catalisador – o CID, agên-cia destinada a receber os projetos, processá-los e dar uma solução rápida,dentro de uma dinâmica mais consentânea com as realidades atuais da

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América Latina – ou, alternadamente, sem se criarem novos órgãos, masdando aos que já existem suficiente elasticidade, retirando-lhes as limita-ções de toda a ordem e permitindo-lhes, em decorrência, chegar aos mes-mos objetivos. Uma outra solução poderá vir a ser adotada, mas sempre combase na modificação da estrutura vigente. Isto porque, indubitavelmente,padece de morosidade burocrática a Aliança para o Progresso. Claro estáque a próxima reunião do CIES não se limitará à discussão dos citadosrelatórios. Cada item da agenda, porém, deverá ter em mira a necessidadepremente da dinamização de processos e readaptação de estruturas, a fimde se chegar a algo mais do que se tem agora.

Posição dos EUADa mesma forma, a posição dos Estados Unidos merece, como tambémindicam aqueles relatórios, certa revisão. Revisão, aqui, com o sentido deum reexame à luz da experiência adquirida e dos resultados alcançados. Defato, as falhas reveladas e apontadas deverão dar lugar a uma nova atitude,tendente a colocar o mecanismo da aliança realmente a serviço das neces-sidades mínimas dos países em desenvolvimento da América Latina.

Frisou o diplomata que “se a aliança até agora não correspondeu in-tegralmente à expectativa, há que modificá-la e enquadrá-la em moldesefetivos e realistas, a partir dos quais se poderá, então, chegar a melhoresresultados”.

Como vê a políticaDefinindo a política externa do presidente João Goulart, executada peloItamaraty, disse o embaixador Boulitreau Fragoso que busca a mesma serautêntica e corresponder ao que somos verdadeiramente como povo, comocultura e como expressão econômica e social. Tem como pressuposto bási-co o interesse nacional.

– No trinômio Desenvolvimento, Desarmamento e Descolonização,encontramos sua síntese conceitual. Esses princípios constituem, aliás, va-riantes das normas fundamentais de nossa tradicional política externa desoberania, liberdade, paz e democracia. Devido aos imperativos da atual

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conjuntura mundial, produto de deslocamentos históricos, precipitadospelas duas guerras mundiais e devido a certos fatores operantes no mun-do de hoje, que uniram continentes e aproximaram as regiões mais opos-tas do globo, o Brasil procurou enquadrar sua posição internacional na clavedo realismo político. Assim, o imperativo do desenvolvimento varreu qual-quer veleidade autárquica e eliminou qualquer tendência à política deblocos, sem discriminações.

Não estamos tolhidosA solidariedade à tradição ocidental não esgota o conteúdo de nossa polí-tica exterior, nem implica hipoteca política ou compromissos que nos tolhama capacidade de escolher. Essa posição realista não significa, de modo al-gum, abandono de nossa tradicional conduta, mas apenas sua inserçãoadequada dentro do atual quadro mundial.

Inteiramente devotado à consecução de um objetivo vital – o desen-volvimento –, o governo do presidente Goulart, para não falsear esse es-copo, procura assentar nossa posição internacional em bases e linhas de açãocambiantes e flexíveis, que lhe permitam atender às exigências dos diver-sos fatores de poder, dosando de maneira equilibrada os ingredientes ideo-lógicos, pragmáticos e realistas. Procura, para esse efeito, aproveitar de todasas forças divergentes a contribuição que comunica com a vontade nacional.

SobrevivênciaA versatilidade e a mobilidade constituem formalmente a nota dominantedessa posição e são os instrumentos táticos que melhor se compaginam comuma filosofia política que vê o desenvolvimento como alternativa única paraa sobrevivência e a realização de nosso projeto nacional. Sentimo-nos his-tórica e politicamente maduros para construir nosso destino. Equilibramosa não-intervenção com a solidariedade coletiva, a soberania do Estado como respeito às decisões emanadas dos organismos internacionais, a solida-riedade ao mundo ocidental – a que nos integramos por uma raiz culturalcomum – com uma solidariedade instintiva e irrenunciável aos países sub-desenvolvidos.

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O desejo de desenvolvimento traduz o nosso direito de existir; adescolonização é a reafirmação de nosso anti-racismo e do princípio deautodeterminação, enfim, do direito à liberdade. Esta palavra perdeu seusentido lírico, matizada que está de tons acentuadamente sociais e coleti-vos. O desarmamento responde à nossa tradição pacifista, contida, aliás, naConstituição Federal em um admirável artigo que proíbe guerras de con-quista ou de agressão.

Interlocutor válidoQue contribuição pode dar o Brasil para um melhor equacionamento dosproblemas mundiais mais palpitantes?

– O Brasil desfruta de condições únicas para dar uma contribuiçãooriginal e positiva, autenticamente sua, no equacionamento dos problemasmundiais. Temos avenidas naturais e comunicação com todos os povos econtinentes. Não temos reivindicações territoriais. Temos um passado isentode conotações imperialistas ou colonialistas. Não recolhemos, por outro lado,nenhum legado colonial traumático. Não temos ressentimento. Cultural-mente europeus, somos racialmente mestiços.

– O Brasil encontra-se em situação especial para servir de elo, traçode união, ou desempenhar o papel de interlocutor válido entre as grandespotências ocidentais e aqueles povos que desabrocham para a vida inter-nacional. País anticolonialista, anti-racista, convicto da necessidade dodesenvolvimento com base na democracia, apoiamos todas as iniciativastendentes ao progresso das áreas pobres. Isso significa, entretanto, que, senossos interesses coincidem com os dos países subdesenvolvidos e se nos-sos objetivos de soerguimento econômico são idênticos, a forma de encará-los e de resolvê-los pode variar exatamente em função dos respectivos grausde amadurecimento democrático.

Nós e a América LatinaExplicando como vê a ação brasileira no quadro latino-americano, disse osr. Boulitreau Fragoso:

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– A América Latina é o nosso âmbito natural. Aqui se desenvolvenossa história e se gera nosso destino. Ela é nossa circunstância, o nossocontorno, o cenário de nossos triunfos e de nossos fracassos. Ela é nossacomunidade histórica, nossa aliança natural, nossa fraternidade. Integrar-nos no mundo através e com a América Latina deve constituir um dospostulados básicos da nossa política.

– Procuramos consolidar relações com os Estados americanos e forta-lecer o pan-americanismo progressivamente, escoimando-o da roupagemretórica e convencional e orientando-o ao longo de linhas que respondamàs exigências de soerguimento econômico dos países do hemisfério. Procu-ramos conjugar esforços e canalizá-los através de uma ação diplomática co-mum nos organismos internacionais.

– Cuidamos de dar à ALALC um impulso vigoroso com vistas à for-mação de um mercado comum capaz de promover o desenvolvimento detodos os países do hemisfério, através da intensificação do comérciointrazonal.

Illía e o BrasilO embaixador Boulitreau Fragoso, que assumiu a Secretaria-Geral dePolítica Exterior há cerca de um mês, era o embaixador brasileiro em Bue-nos Aires. Com base em sua experiência na chefia da embaixada do Bra-sil na Argentina, ele diz das perspectivas para as relações Brasil-Argentina,empossado o governo Arturo Illía.

– Todo governo surgido da vontade popular, livremente sufragado nasurnas, é naturalmente acolhido sob uma expectativa de beneplácito geral.Pela vivência que tenho da Argentina, de seus círculos oficiais e das cama-das mais representativas de sua opinião pública, altamente politizada econsciente dos problemas nacionais, em particular, e latino-americanos emgeral, creio que o governo Illía pode significar a ampliação das zonas defranco entendimento que unem a grande nação vizinha ao Brasil.

– Nota-se, no povo argentino, dos seus grupos mais humildes aos seusestratos dirigentes, uma sincera admiração pelo Brasil, por seus esforços dedesenvolvimento, por suas magníficas realizações e pelo alto padrão de

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produtividade de seu povo, obtidos sem sacrifício das liberdades republi-canas. Dado esse clima psicológico estimulante, que penetra o mais íntimosentimento popular e que encontra sua reciprocidade na maneira como obrasileiro se sente irmanado ao povo argentino, em face de problemas co-muns, entendo que o governo Arturo Illía poderá dar uma grande contri-buição para o encaminhamento desses problemas comuns.

Primeiro passoO primeiro passo da unidade latino-americana reside na cooperação estreitaentre os dois países, baseada numa tomada crítica de consciência de suaverdadeira posição no contexto internacional e na consonância de diretri-zes para uma ação comum. Sem pretensões hegemônicas, a posição rela-tiva e absoluta, entretanto, dos países do concerto interamericano é de talordem e importância, que a simples descoordenação entre suas políticasconstitui fator de desarticulação de todo o sistema.

No terreno econômico, é de interesse recíproco aumentar o fluxo dasexportações para mercados que constituem mutuamente escoadourosnaturais, verdadeiras zonas de reserva para suas jovens indústrias. Impor-ta, assim, vincular estreitamente as duas economias, removendo óbices quetêm entorpecido o desenvolvimento das relações comerciais entre os doispaíses, mantidas em níveis inferiores ao seu grau de evolução e às suaspossibilidades potenciais; aumentar e diversificar o volume global do comér-cio bilateral, com vistas ao fortalecimento das duas economias; concertaruma posição comum, com vistas à próxima Conferência de Comércio e De-senvolvimento da ONU.

Nada de rivalidadeNo país platino, como aqui, corporifica-se a consciência de que a rivalida-de rotineira entre o Brasil e a Argentina, compreensível na fase colonial esemicolonial dos dois países, tornou-se um contra-senso oneroso, a partirdo momento em que ambos enveredaram pelo desenvolvimento.

O novo governo Illía aumenta as esperanças e a confiança daquelesque vêem, na aproximação entre os dois países, um pressuposto do desen-volvimento de toda a área e, na simples descoordenação de suas políticas,

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um fator de desarticulação de todo o sistema latino-americano. Todos te-mos a lucrar com o desenvolvimento. Todos temos a perder com o subde-senvolvimento.

Por dentroQue pode fazer o secretário-geral de Política Exterior para dinamizar, nomomento, a ação do Itamaraty?

– O secretário-geral tem por função auxiliar o ministro de Estado noplanejamento e execução das atividades de natureza política, econômica,cultural e informativa do Ministério das Relações Exteriores.

– O Itamaraty passou por profunda reforma estrutural, visando acolocá-lo em condições de dar pronta resposta às exigências crescentes danova política exterior e a torná-lo um dispositivo orgânico e flexível, permeá-vel e vigilante, capaz de traduzir em ação diplomática os princípios queinformam nossa política. Essa evolução de um conjunto de ilhas burocrá-ticas para um sistema progressivamente integrado, implica, necessariamen-te, uma fase de reajuste e readaptação em que os defeitos operacionais damáquina antiga não desapareceram de todo e em que as novas condiçõescorretivas não têm ainda plena vigência. É, portanto, uma fase de transi-ção e, por isso mesmo, de certa dificuldade.

Linha de frenteAlém de suas atribuições específicas e de direção das áreas que lhe estãodireta e verticalmente subordinadas, o secretário-geral entrará em contatocom a casa através da Comissão de Coordenação, de que é presidente,sendo através desse organismo que pode fazer sentir sua ação de chefia,com vistas a dar unidade de comando à tarefa dinamizadora do Itamaraty.

Concluindo, aponta o embaixador Aguinaldo Boulitreau Fragosoalguns dos assuntos que estão na linha de frente do seu campo de traba-lho, obedecendo ao esquema de prioridade ditado pelo chanceler AraújoCastro: formalização das normas regimentais complementares à lei de 14de julho de 1961, que reorganizou o Ministério das Relações Exteriores,com especial atenção para a delimitação da competência que deva ser

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estabelecida para as divisões geográficas e para as divisões funcionais daSecretaria-Geral de Política Exterior; análise dos recursos orçamentários doministério, visando à eliminação dos coeficientes de desperdício, a fim deque possam ser tomadas medidas de economia sem prejuízo das ativida-des essenciais do Itamaraty; visão dos programas do Instituto Rio Branco,tendo em vista a necessidade de profissionalizar a carreira, de modo a queos objetivos e critérios de formação, aperfeiçoamento e especialização dosdiplomatas e dos funcionários administrativos melhor correspondam àstécnicas da ação diplomática que se impõem hoje; a ativação dos planos deconstrução do edifício-sede do Ministério do Exterior em Brasília e de trans-ferência harmônica da Secretaria de Estado para o Distrito Federal.

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DOCUMENTO 34

Discurso do chanceler João Augusto de Araújo Castro na inauguraçãodas sessões de nível técnico da II Reunião Anual Ordinária do ConselhoInteramericano Econômico e Social, em 30 de outubro de 1963Circular n. 4.908, de 31 de outubro de 1963.

Ao inaugurar os trabalhos em nível técnico da Segunda Reunião doConselho Interamericano Econômico e Social, desejo expressar, em nomede meu governo, os sinceros votos de boas vindas ao Brasil a todas as de-legações aqui presentes, pelo muito que nos honra a oportunidade de tera cidade de São Paulo como sede deste conclave. Nesta oportunidade,desejo manifestar nosso agradecimento ao governo de São Paulo pela ines-timável cooperação e assistência que nos foram proporcionadas.

Não temeria incorrer em exagero ao reafirmar a alta significação dosdebates que ora se iniciam. No temário de nossas reuniões – sob as rubri-cas de planejamento, reformas, comércio exterior, integração regional –estaremos de fato encontrando, em sua real magnitude, a complexidade, aproblemática de todo um continente. E não nos move um impulso transi-tório ou uma preocupação efêmera. Pelo contrário, a medida de nossasresponsabilidades é dada por um compromisso histórico – pela certeza deque nos identifica um passado de lutas comuns – e, acima de tudo, pelaconvicção de que o futuro de nossos povos também constitui uma emprei-tada comum.

Hoje, já não nos falta a consciência de que, da determinação políticaque imprimimos agora a cada uma de nossas ações, dependerá substancial-mente a forma de evolução futura de nossos povos. O que devemos terpresente, em todos os instantes, é que as legítimas aspirações de bem-estareconômico e justiça social de nossas comunidades já não poderão ser maispostergadas. O processo autêntico de reivindicação de nossas populações,seu desejo de alcançar níveis de vida compatíveis com a dignidade dapessoa humana constituem hoje forças irreprimíveis, atuando no sentido deuma transformação radical de nosso panorama econômico e social. Aten-der a esses justos reclamos – assegurando às nações da América Latina a

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viabilidade de uma revolução pacífica, consentânea com sua arraigadaíndole democrática – essa, a tarefa histórica que recai sobre a presentegeração de dirigentes americanos.

No passado, não desconhecíamos as deficiências sociais e econômi-cas de nossos países. O pauperismo, a subnutrição, o analfabetismo, aimprodutividade, a mortalidade infantil – enfim, todo o cortejo de males queimpediam o pleno aproveitamento do potencial humano de nossas comu-nidades se impuseram sempre como realidade iniludível de nossa história.O que nos faltava, isto sim, era a compreensão unificada de nossa condi-ção, a perspectiva histórica que nos permite hoje visualizar o subdesenvol-vimento como processo, como produto da interpenetração de causas e efeitosracionalmente identificáveis.

Ao evoluirmos da concepção estática de pobreza – para cuja explica-ção éramos erroneamente levados a procurar justificativas fatalistas – atin-gimos um estágio de consciência de nossos problemas, dentro de uma visãoessencialmente dinâmica, em que já sabemos por que agir, onde agir e paraque agir.

Daí decorre a verdadeira responsabilidade que nos incumbe na épo-ca atual. Já não poderemos justificar nossos erros pela mera ignorância datotalidade do problema. A menos que queiramos renegar a própriaracionalidade de nossos instrumentos de análise, teremos de arcar com oônus de agir pronta e efetivamente para a solução dos problemas que com-prometem o futuro mesmo de nossas pátrias. A nosso favor, já possuímosum acervo magnífico de conhecimento técnico das questões específicas quecompõem o quadro geral de nossas dificuldades. E é, de fato, uma razãopara grande alento o sabermos que, como resultado precípuo da ação dediversos organismos internacionais motivados por essa consciência, conta-mos atualmente com toda a fundamentação necessária para o equaciona-mento de nossas decisões.

E, se é preciso agir, deve ser motivo de orgulho e tranqüilidade saber-mos que não o faremos de maneira inconseqüente. Definindo os rumos denosso comportamento futuro, temos hoje a motivação política de uma cons-ciência historicamente amadurecida e o instrumental analítico e técnicopara traduzir esta consciência em medidas concretas e eficazes.

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Somente neste contexto podemos apreender a real significação dasreuniões que ora se iniciam. De fato, como reflexo direto do desconhecimen-to anterior de nossa verdadeira condição, o sistema interamericano revelauma sensível discrepância entre sua evolução jurídico-política e seu desem-penho no campo econômico.

Não que a Carta da Organização dos Estados Americanos tivesseomitido inteiramente o elemento econômico, e prova em contrário é o arti-go 26, no qual se consubstancia a necessidade de cooperação mútua namatéria; é a própria existência do Conselho Interamericano Econômico eSocial. Mas, é inegável que, particularmente em confronto com o elevadograu de elaboração interamericana das questões de segurança do hemisférioe da coordenação político-jurídica, a cooperação no terreno econômico esocial estava praticamente relegada à insignificância.

Nesses 15 anos que nos separam da assinatura da Carta de Bogotá,os problemas de subdesenvolvimento da América Latina se agravaram con-tinuamente. Não que hoje estejamos em pior situação do que em 1948.Todavia, como conseqüência mesmo dos esforços de desenvolvimentoefetuados por todos os nossos países, mais patentes se tornaram as fraque-zas da estrutura econômica subjacente e mais urgente se fez a necessida-de de corrigi-las.

Em cada nação latino-americana, nesse curto prazo de 15 anos,operou-se uma profunda transformação de vontades e objetivos, a revolu-ção das expectativas crescentes. E mais, formou-se a convicção de que, naesteira desse despertar de expectativas, teria de vir, necessariamente, ou-tra revolução: a revolução de atitude e comportamentos que assegurassemao homem latino-americano a plena expressão de seu valor.

É evidente que um movimento dessa ordem não poderia ficar confi-nado aos limites territoriais de cada país e, de fato, transbordou essas fron-teiras para se espraiar na esfera continental. A Operação Pan-Americana,iniciativa brasileira, constituiu sem dúvida a primeira manifestação articu-lada da necessidade de um entrosamento hemisférico na superação do sub-desenvolvimento econômico da América Latina. Tal como concebido, estemovimento já se fundava sobre a imprescindibilidade de uma ação coorde-nada de todos os países do continente, em que as responsabilidades indi-

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viduais de todas as nações afastassem o espectro do assistencialismo decunho unilateral.

Como hoje podemos compreender, esta iniciativa serviu como elemen-to catalisador das preocupações generalizadas que, em etapa seguinte,encontraram expressão em Punta del Este. A Carta então elaborada repre-sentou, provocada pela nobre inspiração do presidente Kennedy, indubi-tavelmente, um significativo progresso conceitual, ao equacionar o papel dacooperação interamericana na consecução do desenvolvimento econômicoe social da América Latina, como elemento supletivo dos esforços internosde cada país.

Em seus dois anos de operação, contudo, a Aliança para o Progressoficou muito aquém de satisfazer as expectativas legitimamente criadas emPunta del Este, a ponto de exigir – por parte de todos aqueles que reconhe-cem a importância dos propósitos de colaboração econômica continental –esforços sinceros no sentido de reexaminar a totalidade do programa, a fimde corrigir suas deficiências. Com esse espírito, encaramos favoravelmen-te a decisão – tomada nas reuniões do passado – de encarregar os presidentesJuscelino Kubitschek e Lleras Camargo de estudar a Aliança para o Pro-gresso e sugerir medidas para sua maior efetividade.

É justo, portanto, que os relatórios dos dois grandes estadistas, ofe-recidos agora à consideração dos países americanos, constituam tarefa degrande relevância no curso de nossos debates, devido mesmo ao valor dasanálises neles contidas e à transcendência das sugestões aí feitas. Esperao governo brasileiro que, como resultado de nossas discussões, seja possí-vel imprimir ao programa da Aliança para o Progresso o caráter positivo deinovação e eficácia prometida na Declaração aos Povos da América.

Apesar da relevância deste tema, não devemos todavia prejudicar oamplo tratamento das demais matérias que compõem nossa agenda. As-sim, é imprescindível que nos debrucemos sobre as tendências recentes dodesenvolvimento econômico e social dos países latino-americanos. Naanálise que nos compete empreender, estou certo de que não encontrare-mos qualquer motivo para complacência, pois os raros e auspiciosos elemen-tos positivos da conjuntura do ano que passou são insuficientes parailuminar o quadro sombrio em que se desenrola o desenvolvimento latino-americano.

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Dessa análise, em última instância, deverão resultar meditações,providências e diretrizes com respeito ao planejamento e às reformas debase, para só citar nesse momento duas matérias perfeitamente represen-tativas da nova consciência latino-americana. E nunca é demais lembrar queessas duas expressões – planejamento e reformas – hoje inteiramente as-similadas pelo vocabulário político de nossos governos e de nossas massaspopulares, eram até bem pouco consideradas esdrúxulas no contexto dacooperação econômica interamericana.

Por outro lado, o governo brasileiro empresta grande significação àoportunidade que teremos, já aqui em São Paulo, de discutir os problemasde comércio exterior da América Latina em sua projeção na Conferência dasNações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Já não podemos, hoje,pôr em dúvida a íntima correlação entre o comércio internacional – fonte derecursos externos e suplemento das poupanças internas – e o desenvolvi-mento econômico dos países não-industrializados, particularmente nomomento em que empreendem a expansão de sua infra-estrutura e atin-gem a fase de industrialização. Por outro lado, como o comprovam demaneira inequívoca as estatísticas nacionais e internacionais, é inegável queos problemas de comércio exterior dos países produtores de matérias-primasse vêm agravando de forma persistente nos últimos anos, a ponto de cons-tituírem pontos de estrangulamento em seu processo de emancipação eco-nômica e social. Nesse particular, poderíamos mesmo aliciar a cooperaçãoesclarecida dos Estados Unidos da América, os quais, na sua dupla qua-lidade de grande produtor e exportador de produtos de base, encontram,muito embora em grau mais atenuado, as mesmas dificuldades de merca-do que nós outros, países em processo de desenvolvimento.

Falando recentemente perante o Congresso do Chile, o presidenteJoão Goulart teve a ocasião de referir-se ao processo implacável de dete-rioração das relações de troca e aos efeitos negativos dos tratamentosdiscriminatórios aplicados aos produtos latino-americanos, terminando porafirmar:

Os efeitos de todas estas distorções, os reflexos de todos estes desajus-

tamentos são matéria de inquietação para os países latino-americanos.Aí estão, como males crônicos das economias subdesenvolvidas, os

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déficits de balanço de pagamentos; aí está a necessidade de recorrer-

mos seguidamente às instituições internacionais de crédito e a gover-nos de países desenvolvidos a fim de cobrir estes déficits; aí está a

ameaça sempre presente de termos de sacrificar nossos esforços dedesenvolvimento pela maior redução das importações.

A identidade de nossos problemas de comércio exterior está, portan-to, a exigir uma coordenação maior das políticas comerciais da AméricaLatina, a fim de que possamos apresentar, em todos os foros internacionais,uma posição coesa e efetiva na defesa de nossos interesses. E é exatamentepor isso que – quando as Nações Unidas patrocinam o debate internacio-nal sobre toda a problemática das trocas mundiais em função do desenvol-vimento econômico – torna-se essencial que a América Latina se una naapresentação coordenada de suas necessidades e reivindicações. Espera-mos, por isso, que os debates propiciados pelo tema II de nossa agendarepresentem um progresso na identificação dos problemas a serem trata-dos pela futura conferência, capacitando-nos, assim, a contribuir eficaz-mente para o êxito desse significativo evento internacional.

Finalmente, como capítulo de grande relevância em nossos trabalhos,poderemos mais uma vez aprofundar nossos esforços em prol da integraçãoregional, convictos de que o desenvolvimento econômico da América Latina,conquanto fundamentado no esforço nacional de cada país, só poderá de fatofrutificar através da integração de nossas economias. O firme apoio que, desdea primeira hora, demos ao Tratado de Montevidéu e à Associação Latino-Americana de Livre Comércio é a maior prova de nossa determinação deatingir a meta consubstanciada no tema III de nossa agenda.

A transcendência das matérias que haveremos de cuidar – e que melimitei simplesmente a enunciar – é demonstração suficientemente clara datarefa que nos compete no curso destas reuniões. O governo brasileirocontribuirá, com o máximo empenho, no sentido de que este encontro – quetemos a felicidade de ver realizado em território brasileiro – possa inserir-se, como marco positivo, na resposta dos povos americanos ao desafio his-tórico com que nos defrontamos todos.

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Discurso do presidente João Goulart na inauguração das sessões em nívelministerial da II Reunião do Conselho Interamericano Econômico e SocialCircular n. 4.941, de 3 de dezembro de 1963.

É para mim motivo de grande satisfação inaugurar esta reunião,1 emnível ministerial, do Conselho Interamericano Econômico e Social. Com osmeus agradecimentos, desejo dar boas vindas aos senhores ministros deEstado do continente americano, aqui reunidos, e aos demais dignos mem-bros das delegações que nos honram com sua presença.

No curso das duas últimas semanas, os técnicos de nossos paísesexaminaram, com dedicação e com eficiência, cada um dos importantestemas que compõem a agenda destas reuniões. Ao cumprimentá-los pelotrabalho que realizaram, faço votos por que seja possível aos senhoresministros de Estado, ao fim dos debates que ora se iniciam, alcançar aque-las decisões realmente compatíveis com a gravidade do momento presentee com a grandeza de nossos objetivos históricos.

Ao dirigir-me a esta assembléia, de onde falo ao Brasil e às Américas,não poderia deixar de assinalar o significado de nos reunirmos na cidade deSão Paulo. Na verdade, para o dirigente de um país que luta pela eman-cipação social de seu povo e pela superação do atraso econômico, São Pau-lo constitui o testemunho vivo da capacidade latino-americana paraassegurar um futuro digno a suas populações, arrancando-as do pauperismoque, até bem pouco, poderia parecer-nos um destino irremediável. A pu-jança deste centro industrial, contudo, é a afirmação do que desejamos parao Brasil e para a América Latina. Mais ainda: São Paulo é a certeza do quepodemos e vamos obter para nossos povos.

São Paulo, todavia, não é uma exceção no panorama de esforços erealizações que marcam o despertar da América Latina. Em cada um denossos países podemos encontrar expressões igualmente autênticas e re-

1 N.E. – O discurso anexo à circular não tem data. As reuniões em nível ministerialaconteceram em São Paulo, de 11 a 16 de novembro de 1963, o que permite situá-lona primeira data.

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presentativas de uma mesma vontade nacional dirigida à redenção dohomem latino-americano. Esta vontade irreprimível, assentada que está nopróprio sentimento do povo, é a maior garantia de que não nos deteránenhum obstáculo na marcha para o progresso e para a emancipação. E estevigor, nascido do povo, a ele reverterá na forma de condições de vida ver-dadeiramente compatíveis com os ideais de bem-estar econômico e justiçasocial, que tantas e tantas vezes reafirmamos, mas que não chegamos ain-da a concretizar.

Para essa arrancada, para atender aos reclamos legítimos de nossoshomens do campo e da cidade, as palavras não poderão servir para escon-der a inação e a imprevidência. Cada frase nossa deve corresponder a umaação e cada declaração a um feito, se é que desejamos realmente que nos-sos povos continuem a nos ouvir.

Neste momento de nossa história, é absolutamente essencial que aAmérica Latina tenha a mais objetiva, a mais apurada consciência da iden-tidade de suas fraquezas e insuficiências, de seus males sociais e econômi-cos. Se nos compenetrarmos desta identidade fundamental, saberemosidentificar, em toda a sua amplitude, a comunhão de nossos interesses.

Enfraquecidos, imobilizados e divididos, éramos de fato incapazes denos unir em torno de reivindicações comuns. Mas hoje, já não podemostolerar que a América Latina permaneça um arquipélago de nações, impla-cavelmente separadas pelo mar de frustrações de nossas próprias dificul-dades.

Debilitados, recorríamos à introspecção, aos projetos solitários de umprogresso romântico. Buscávamos refúgio nas manifestações isoladas derebeldia contra a realidade implacável que nos sufocava.

Hoje, já possuímos a certeza de nossas possibilidades. Já definimosclaramente nossos propósitos, quando aceitamos o desafio de nosso tem-po. Hoje, já não podemos pagar o preço do desconhecimento mútuo e dafalta de coordenação de nossos esforços. Hoje, e cada vez mais, a AméricaLatina deve apresentar ao mundo uma face unificada, uma frente sólida ecoesa, na defesa coletiva de interesses comuns.

As energias que cada uma de nossas nações possa retirar desta comu-nhão vão refletir-se certamente em nossas atitudes externas, mas se farãosentir, com igual intensidade, em nosso próprio comportamento nacional.

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De fato, nosso problema básico é o mesmo: como realizar as reformas es-truturais exigidas pelo desenvolvimento social e econômico de nossos paí-ses, sem fraudarmos o patrimônio de conquistas democráticas dos direitoshumanos.

Em cada um de nossos países, neste exato instante, vivemos o mesmoproblema de romper uma estrutura agrária manifestamente arcaica, em queas barreiras do feudalismo e dos privilégios insuportáveis sufocam nossosesforços pelo desenvolvimento, pela industrialização e a diversificação eco-nômica. A nós cabe superar a contradição dessa realidade, exposta na co-existência de um centro industrial das dimensões de São Paulo com um regimede terras comprometido pelo latifúndio improdutivo e desumano.

O governo do Brasil não se preocupa em ocultar este fato, porqueassume a inteira responsabilidade de transformar as atuais estruturas, le-vando ao trabalhador rural – até agora à margem do progresso nacional –a certeza de que encontrará, no esforço honesto, sua própria redenção. Seassumimos um compromisso indeclinável em prol das reformas de base, éporque estamos plenamente conscientes do papel que nos cabe na eman-cipação de nossas populações.

Estou certo de que a América Latina saberá encontrar as soluçõesdefinitivas para todos os seus complexos problemas estruturais, sem vio-lentar a sua verdadeira vocação democrática. Percorreremos, todos, áspe-ros caminhos, cada país atendendo às suas particularidades nacionais, cadaqual guardando sua própria configuração histórica. Mas, também nessesesforços internos – e aí retomo minha afirmação anterior –, a América Latinase beneficiará da consciência de sua identificação regional. A experiênciade cada um de nós servirá aos outros: os êxitos de cada um de nossos paí-ses serão incentivos para os demais. E nesse processo mútuo, iremos con-cretizar o ideal de uma América Latina forte e una.

Diante de nós se abre a grande estrada da integração continental,capaz de ampliar nossos horizontes econômicos, libertando-os das limita-ções de nossas fronteiras geográficas. Na perspectiva de um mercado deduzentos milhões de latino-americanos, já temos condições de antever opleno aproveitamento do potencial humano e físico de nossas pátrias. Aquitambém não disporemos de soluções fáceis, de atalhos ou de fórmulasmiraculosas.

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A Associação Latino-Americana de Livre Comércio e a Sociedade deIntegração Econômica Centro-Americana apontam o caminho mais efeti-vo para a concretização final dos propósitos de integração regional. Apesarde sua breve existência, esses dois organismos já encerram um inestimá-vel acervo de experiências e realizações, agindo efetivamente em prol dasuperação dos inevitáveis e complexos óbices que se antepõem ao enten-dimento mais íntimo de nossas economias. O Brasil, que desde a primeirahora deu seu total apoio ao Tratado de Montevidéu, prosseguirá contri-buindo para a consolidação da ALALC, cônscio de que o objetivo último deintegração da América Latina será o marco decisivo do desenvolvimento denossos países.

Mas, nem mesmo a integração latino-americana pode ser considera-da como solução definitiva para nossos problemas. Do mesmo modo quenão buscamos internamente o desenvolvimento autárquico, não podería-mos desejar que a América Latina se voltasse para dentro de si mesma,desprezando suas imensas potencialidades de comércio. Pelo contrário,estamos convencidos de que o comércio exterior é elemento essencial paraa continuidade e a aceleração de nosso processo de desenvolvimento.

Todavia – e aí se coloca um dos problemas mais agudos da AméricaLatina – não é tolerável que o comércio exterior, ao invés de desempenharseu papel legítimo de instrumento para o desenvolvimento, continue arepresentar uma sangria constante para nossas economias. Não buscamosno comércio exterior novas cargas para perpetuar nossa miséria, mas simrecursos para conquistarmos novas etapas de progresso.

As estatísticas aí estão, contudo, a demonstrar que, no curso de todoo decênio anterior, os países produtores de bens primários foram sendoimplacavelmente forçados a uma participação cada vez menor no comérciointernacional. Volumes maiores de exportação nos traziam rendimentoscada vez menores, à medida que os preços internacionais se aviltavam. Enos mercados de países altamente industrializados, encontrávamos barrei-ras intransponíveis a reprimir a demanda desses produtos, a impedir a plenaexpansão do seu comércio e de seu consumo.

E tudo isso ocorreu e ocorre dentro de um sistema em que, dia a dia,maiores e mais prementes se tornam nossas necessidades de importação,

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quando a nossa capacidade de importar equipamentos e matérias-primasindustriais condiciona o próprio ritmo de nosso desenvolvimento.

A resultante final poderia parecer uma triste fatalidade latino-americana: necessidades incompressíveis de importação, combinadascom receitas decrescentes de exportação, tornam-se responsáveis, em gran-de parte, pelo processo inflacionário destruidor dos valores do trabalho na-cional, o agravamento de nosso déficit no balanço de pagamentos,ameaçando a própria liquidez internacional do país, levando-nos a nego-ciar empréstimos ou recomposições de dívidas em condições que não aten-dem aos interesses do nosso povo.

Ao longo de todo este processo – não precisaria acrescentar – a maiorameaça é aquela que paira sobre nossos próprios esforços de emancipaçãonacional, de libertação econômica e de justiça social.

Esta situação não pode continuar, pois que está destruindo nossospaíses na voragem desse círculo vicioso. Nem nos podem interessar solu-ções paliativas ou falsas concessões superficiais: nosso objetivo final deveser a total reversão das tendências que nos vêm prejudicando por anos a fio;nosso objetivo deve ser a implantação de uma nova divisão internacionaldo trabalho, com novos padrões de produção e comércio; nosso objetivo deveser a obtenção de preços justos e remuneradores para nossas exportaçõesde bens primários e a eliminação dos obstáculos e práticas discriminatóriasque dificultam seu acesso aos mercados de países industrializados; nossoobjetivo deve ser a expansão de nossas exportações de manufaturas esemimanufaturas, de modo a que ingressemos no setor verdadeiramentedinâmico do comércio internacional.

Em março vindouro, as Nações Unidas farão realizar a ConferênciaInternacional de Comércio e Desenvolvimento. O Brasil comparecerá aGenebra com o propósito de debater, a fundo, todos esses problemas comque nos defrontamos no campo das trocas mundiais. No momento em queas Nações Unidas voltam a ingressar no terreno capital das trocas mundiais,é absolutamente imprescindível que a América Latina esteja preparadapara apresentar conjuntamente seus pontos de vista, lutando lado a ladopor seus interesses mais altos e duradouros. E não nos devemos iludir: apróxima conferência nada mais é que um primeiro passo, conquanto impor-

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tante, de um esforço que deveremos estar prontos a manter no futuro, emtodos os foros que nos são abertos, em todas as oportunidades que nósmesmos devemos procurar. A grandeza da tarefa que temos diante de nóse seu significado para a consecução de nossos objetivos comuns de desen-volvimento justificam o empenho com que nos devemos lançar à revisão dasbases atuais do comércio internacional.

Senhor Presidente, ninguém duvida que estamos hoje atravessandouma fase difícil da história de nossos povos. A América Latina, ao ter ple-na consciência de suas necessidades, luta por assumir a posição que lhecabe no quadro das relações mundiais, em lugar compatível com suapotencialidade econômica e sua elevada tradição cultural. Sabemos todosque, para tanto, teremos de transformar em realidade os ideais de bem-estareconômico e justiça social que inspiram nosso pensamento político.

Que desta reunião possa sair uma expressão da “Aliança para o Pro-gresso” realmente consentânea com os nobres ideais que inspiram a “Car-ta de Punta del Este”.

Auguro, pois, Senhor Presidente, o maior êxito aos trabalhos da Se-gunda Reunião Anual, em nível ministerial, do Conselho InteramericanoEconômico e Social.

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DOCUMENTO 36

Projetos de explicação de voto brasileiro sobre a questão dos territóriosportuguesesTelegrama, expedido de Nova York, em 21 de novembro de 1963.

Da missão do Brasil junto às Nações Unidas – Nova YorkEm /21/21/XI/63XVIII Assembléia Geral. Territórios portugueses.

CONFIDENCIAL URGENTE

676 – QUINTA-FEIRA – 14H00 – Agradeceria comunicar, imediatamente, aosenhor ministro de Estado. De acordo com as instruções telefônicas, remetodois projetos de explicação de voto sobre a questão dos territórios portugue-ses: 1) “A delegação do Brasil nota que a questão continua sob a conside-ração do Conselho de Segurança, que ainda não se pronunciou sobre orelatório do secretário-geral. Como membro do Conselho de Segurança, oBrasil acha de seu dever não antecipar-se às decisões que, eventualmen-te, venham a ser tomadas naquele órgão. De outro lado, tendo em vistadisposto artigo 12 da Carta das Nações Unidas, que pede à AssembléiaGeral não atuar quanto a questão que já esteja na agenda do Conselho deSegurança, o Brasil crê que, com sua abstenção, exprimiu de forma clara seudesejo de não prejulgar e sua conformidade com o artigo 12 referido”. 2) “Oprojeto de resolução, que acaba de ser votado, mereceu o voto do Brasil, porter caráter eminentemente processual, não prejulgando os desdobramen-tos da questão no Conselho de Segurança, órgão que, de outro lado, já estátratando da questão. Como as resoluções em que se funda o projeto, querda Assembléia Geral, quer do conselho, mereceram voto favorável doBrasil, ainda que sujeitas em certos casos a reservas que, na devida opor-tunidade, foram fundamentadas em explicação de voto hábil, o presentevoto é conseqüência dessas posições anteriores”. Agradeceria que VossaExcelência me mandasse suas instruções, tão pronto quanto possível.

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Tenho razões para crer, ademais, que a versão do projeto de resolução, talcomo foi remetida pelo meu telegrama 668, será despojada de quaisquerelementos não processuais. Assim, logo que o projeto for oficialmenteapresentado, comunicarei as alterações para pedir-lhe novas instruções, senecessárias. CARLOS ALFREDO BERNARDES2

2 N.E. – Abaixo da assinatura: “Comunicado ao ministro Calero. Às 18h00 – Em /21/XI/63”.

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DOCUMENTO 37

Instruções sobre a posição brasileira na XVIII Assembléia Geral da ONU,a respeito dos territórios portuguesesTelegrama, de 21 de novembro de 1963.

Para a missão do Brasil junto às Nações Unidas – Nova YorkEm/21/XI/63XVIII Assembléia Geral. Territórios portugueses.

CONDIFENCIAL – URGENTÍSSIMO

491 – QUINTA-FEIRA – 18H45 – Confirmando minha conversação telefônica,rogo a Vossa Excelência abster-se em relação ao projeto sobre territóriosportugueses. Embora o texto não seja mais forte que o já aprovado noConselho de Segurança, uma abstenção do Brasil no momento é recomen-dável, tendo em vista a possibilidade de nossa futura ação diplomática juntoa Lisboa. Vossa Excelência poderá explicar o voto nos termos de seu tele-grama n. 676. EXTERIORES

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DOCUMENTO 38

Esclarecimentos sobre a posição do Brasil na II Reunião do ConselhoInteramericano Econômico e SocialCircular n. 4.947, de 9 de dezembro de 1963.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Rio de JaneiroSegunda Reunião Anual Ordinária do Conselho Interamericano Econômicoe Social. Atuação da delegação do Brasil.

RESERVADO

Às missões diplomáticas na América

A Secretaria de Estado das Relações Exteriores cumprimenta asmissões diplomáticas do Brasil na América e, a fim de habilitá-las a des-fazer eventuais versões contraditórias ou tendenciosas, porventura veicu-ladas na imprensa local, sobre a atitude da delegação do Brasil à II ReuniãoAnual Ordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social, realiza-da em São Paulo, de 29 de outubro último a 16 de novembro último, tema honra de prestar-lhes os esclarecimentos que se seguem.2. Graças à iniciativa da delegação do Brasil em ambas as etapas dareunião, a de nível técnico e a de nível ministerial, foi possível lograr a apro-vação de vários projetos de resolução, dentre os quais se destacam o rela-tivo à criação de uma comissão especial de coordenação latino-americanae o referente ao estabelecimento de um fundo interamericano de desenvol-vimento da Aliança para o Progresso.3. É inegável a importância do papel que a Comissão Especial de Coor-denação Latino-Americana (anexo 1) (CECLA) desempenhará no sen-tido de, proporcionando aos países latino-americanos a possibilidade deadotarem uma posição comum em face dos problemas que serão debatidosdurante a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e De-senvolvimento, lograr reformas essenciais na estrutura do comércio mun-

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dial e contribuir para a solução dos graves problemas que vêm retardandoseu desenvolvimento econômico e social, dentre os quais se destaca aqueda de suas receitas de exportação, conseqüente à deterioração dostermos de seu intercâmbio com os países industrializados.4. A delegação do Brasil desenvolveu, igualmente, intensa atividade noseio da comissão encarregada do exame dos progressos alcançados e dasdificuldades encontradas na realização dos objetivos previstos na Carta dePunta del Este (Aliança para o Progresso).5. A atuação da representação brasileira mereceu, entretanto, por par-te de alguns setores da imprensa nacional e estrangeira, reparos que estãolonge de refletir fielmente as verdadeiras preocupações de que se sentiupossuída logo ao início dos trabalhos da comissão, quando, antes mesmo deproceder-se ao exame minucioso da marcha da Aliança para o Progresso,começou a circular um projeto de resolução que prescrevia para o audacio-so programa do falecido presidente Kennedy remédio muito menos eficazdo que as medidas sugeridas nos relatórios apresentados sobre o assuntopelos ex-presidentes Alberto Lleras Camargo e Juscelino Kubitschek deOliveira.6. A verdade, e dela se compenetrou desde o início a delegação do Bra-sil, é que nenhuma das delegações ali presentes – inclusive, e sobretudo,a dos Estados Unidos da América – parecia disposta a empreender umaanálise aprofundada dos documentos apresentados pelos dois eminentesestadistas. Assim é que nem sequer foi considerado o aspecto mais impor-tante da proposta do senador Kubitschek, qual seja o que dizia respeito ànecessidade de aprovação parlamentar do protocolo constitutivo do ComitêInteramericano de Desenvolvimento (anexo 2).7. O Comitê Interamericano de Desenvolvimento (CID), tal comoproposto pelo ex-presidente Kubitschek, seria um órgão não apenas repre-sentativo, coordenador e promotor da Aliança para o Progresso, senão, tam-bém – e sobretudo –, o verdadeiro executor do programa do presidenteKennedy, com poderes para regulamentar, em cada exercício, a distribui-ção dos fundos disponíveis e fixar critérios para sua aplicação imparcial nofinanciamento de planos de desenvolvimento econômico e social, dentro doespírito da Carta de Punta del Este.

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8. O principal mérito do projeto do senador Kubitschek, secundado peloex-presidente Lleras Camargo, residia, precisamente, na sugestão de queo protocolo constitutivo do CID, uma vez assinado, fosse submetido àsanção parlamentar de cada um dos países signatários. A apreciação peloscongressos latino-americanos, e também pelo norte-americano, do proto-colo constitutivo do CID seria, na opinião do governo brasileiro, o meio maisseguro de auscultar-se, através de seus representantes parlamentares, areceptividade da opinião pública continental ao grandioso programa dopresidente Kennedy. Por outro lado, a eventual aprovação do protocolopelos parlamentos latino-americanos e estadunidense viria, implicitamente,dar força obrigatória aos compromissos assumidos em Punta del Este,transformando a “Declaração aos Povos da América” e a Carta de Puntadel Este em instrumento jurídico de força contratual para todos os Esta-dos ratificantes.9. Este era o pensamento do Brasil e neste sentido foram baixadas ins-truções à delegação que o representou nas reuniões de São Paulo. Confron-tada, porém, com a súbita apresentação de um projeto de resolução que, emsuas linhas gerais, já parecia contar com o apoio da delegação dos EstadosUnidos da América e de maioria significativa dos países latino-americanos,a delegação do Brasil, devidamente autorizada, absteve-se, durante a fasetécnica da reunião, de participar dos debates, reservando-se para prestarsua contribuição durante a fase política da conferência, quando os minis-tros da Economia encetassem o exame do trabalho dos técnicos.10. A delegação do Brasil foi levada a adotar esta posição estratégicaporque estava convencida, desde o início da primeira fase da reunião, deque só mesmo à chegada dos representantes ministeriais se poderia pen-sar em discutir seriamente a possibilidade de adotar a conferência qualquermedida eficaz, verdadeiramente capaz de dinamizar a aliança.11. Assim, embora tenha dado sua aprovação ao projeto de resolução quecriou o Comitê Interamericano da Aliança para o Progresso (CIAP) – ór-gão que (v. anexo 3), além de não possuir qualquer mandato executivo, irádesempenhar várias funções já exercidas por outras entidades existentesno sistema interamericano, como o Comitê dos Nove e o próprio ConselhoInteramericano Econômico e Social (CIES) –, empenhou-se a delegação

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do Brasil em ampliar as atribuições do CIAP à luz das recomendaçõesfeitas pelos dois ex-presidentes da Colômbia e do Brasil. Assim é quelogrou a delegação brasileira incluir, entre as funções e atribuições do CIAP,a de “promover um crescente aperfeiçoamento do processo de multilatera-lização da Aliança para o Progresso” e, com base nesse dispositivo, fazerpassar, por unanimidade, não sem antes ter de vencer tenaz resistência porparte da delegação dos Estados Unidos da América, a Resolução 23-M-23 (anexo 4), que, em sua parte resolutiva, reza:

que o Comitê Interamericano da Aliança para o Progresso (CIAP),dentro de seis meses de sua constituição, deverá apresentar aos gover-

nos dos Estados-membros um estudo sobre um fundo interamerica-no de desenvolvimento da Aliança para o Progresso e, de acordo com

suas conclusões, um projeto para a criação do mesmo.

12. Considera o governo brasileiro que esta foi realmente uma contribui-ção positiva e construtiva à concretização dos edificantes ideais proclama-dos em Punta del Este. Sem contar com fundos regulares e permanentesde financiamento e na ausência de uma responsabilidade conjunta multi-lateral – tanto no que respeita à obtenção, quanto à aplicação de recursosfinanceiros –, a Aliança para o Progresso não passará de mero rótulo paradesignar fontes rotineiras de auxílio externo – mananciais caprichosos ealeatórios, que jorram ao sabor de transitórias contingências políticas, tãoem dissonância com a grandeza dos ideais formulados em Punta del Este.

Rio de Janeiro, em 9 de dezembro de 1963.

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DOCUMENTO 39

Declaração de voto do representante do Brasil, embaixador Ilmar PennaMarinho, no Conselho da OEA, sobre a queixa da Venezuela contraCuba, em 3 de dezembro de 1963Circular n. 4.953, de 17 de dezembro de 1963.

O Brasil, tanto no sistema interamericano quanto no sistema dasNações Unidas, jamais negou seu voto a um Estado que pede uma inves-tigação, porquanto entende que só mediante amplo conhecimento dosproblemas será possível encontrar uma solução adequada e justa parasolvê-los. Dentro do sistema interamericano, sempre reconhecemos a qual-quer Estado que se sinta atingido por atos de agressão, armada ou não, odireito de invocar o Tratado de Assistência Recíproca, com base em seusartigos correlatos, e pleitear a nomeação de uma comissão de investigaçãodestinada a proporcionar aos órgãos do sistema todos os elementos de jul-gamento. Assim sendo, a delegação do Brasil votará favoravelmente àconvocação do órgão de consulta e à constituição de uma comissão de in-vestigação, solicitadas pelo governo da Venezuela. Releva, porém, a dele-gação brasileira que o seu voto não se refere ao fundo do problema, nemconstitui um préjulgamento das conclusões a que chegará, sobre a matéria,a comissão investigadora. Uma vez conhecido o relatório da comissão deinvestigação, examinados os fatos alegados, estudados os resultados obti-dos e apreciadas as conclusões finais, o Brasil emitirá, então, o seu votosobre o mérito mesmo do problema. Nosso voto de hoje, portanto, é únicae exclusivamente a favor da convocação do órgão de consulta e da consti-tuição de uma comissão investigadora. Por isso, considera a delegação doBrasil que a investigação a ser feita deverá ser a mais ampla possível, abran-gendo averiguações, tanto na Venezuela quanto em Cuba, e facilitando-se a este último Estado todas as oportunidades de defesa, para o que acomissão poderá, a nosso ver, pedir licença para ir a Cuba e ouvir, também,a respeito, o governo cubano.

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DOCUMENTO 40

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro aoJornal do Brasil, em 29 de dezembro de 1963Circular n. 4.965, de 2 de janeiro de 1964.

Para o chanceler, tônica diplomática foi a maturidade

Política externaO chanceler João Augusto de Araújo Castro, dando um balanço, com ex-clusividade para o Jornal do Brasil, dos resultados e tendências da açãobrasileira no campo internacional em 1963, disse que “o habitual inventáriode fim de ano encontra o Ministério das Relações Exteriores empenhado emrealizar uma política externa que tem a sua tônica na maturidade”.

O Itamaraty está sintonizado com o momento histórico brasileiro.Procurou, no ano que finda, que o seu pensamento traduzisse – e refletis-se a sua voz – os anseios de uma nação jovem e vigorosa, despertada parao progresso, segura dos seus objetivos e fortalecida nos embates da luta pelodesenvolvimento.

IdentificaçãoA atuação do Itamaraty – prossegue o chanceler – só se legitima na medi-da em que é identificada com os interesses da nação. E sua autoridade nosparlamentos mundiais será tanto maior quanto mais consonante com osinteresses do país sob a sua orientação. Não existe o Itamaraty senão paradefender os interesses permanentes do Brasil, interesses que já consegui-mos definir de forma bem clara e que são os da paz, da concórdia, do en-tendimento entre todos os membros da comunidade das nações e os doprogresso para a parcela subdesenvolvida e desprotegida da humanidade.

Inspiram a nossa ação internacional três considerações gerais: afirma-ção brasileira, vocação universal e fraternidade continental. O Brasil é hojesuficientemente maduro para poder afirmar-se no exterior com posiçãoprópria e independente, reconhecendo apenas como limitação os compro-missos livremente contraídos. Com essa restrição, o Brasil mantém a posi-

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ção mais independente, concebida no sentido de que deve o país conser-var sua faculdade de querer e de agir na esfera internacional. A nossavocação universal nos leva a manter laços diplomáticos e comerciais comtodos os povos. Estamos suficientemente amadurecidos para negociar comtodos, sem ilusões e sem complacência, mas sem receios ou desconfiançasem nós mesmos. Não é possível que, nos dias de hoje, o Brasil se intimide,com medo do que chamaríamos de “más companhias” da vida internacional.Devemos estar sempre abertos ao diálogo, com qualquer interlocutor. Não es-quecemos, entretanto, que a América Latina é o nosso espaço diplomáticoimediato, o nosso âmbito político natural, e, dentro dessa realidade, procu-ramos incrementar as nossas relações culturais e comerciais com os países docontinente e, juntos, encaminhar a solução de problemas comuns.

Tenho tido oportunidade de afirmar que, desde a vigília nuclear deoutubro de 1962, a situação mundial modificou-se. A polarização interna-cional não se apresenta com a nitidez anterior. Embora permaneça o con-flito Leste-Oeste e subsistam os problemas que separam o Ocidente doOriente, a verdade é que se relaxaram as tensões e o panorama interna-cional se apresenta menos rígido. Os problemas permanecem, mas sãomenos críticos do que antes do mês de outubro de 1962. Como símbolo doabrandamento das tensões, temos o teletipo vermelho, contato direto en-tre Washington e Moscou que representa uma nova forma de entendi-mento entre as duas maiores potências nucleares. Desse modo – o fato pôdeser observado com bastante clareza na Assembléia Geral das NaçõesUnidas –, tornaram-se menos rígidos os pólos Leste-Oeste e a divisão quepresidia as análises anteriores vai esmaecendo consideravelmente. Porconseqüência, a haste intermediária do neutralismo tornou-se menos só-lida e mais inviável. Não existe nenhum país que esteja mediando entre aURSS e os EUA nas grandes questões internacionais.

Assembléia da ONUNesse novo contexto, abriu-se a XVIII Assembléia Geral das NaçõesUnidas, na qual temos atuado intensamente, orientando os nossos esfor-ços para os objetivos consignados no “trinômio D” – Desarmamento, Desen-volvimento e Descolonização –, síntese do que nos parece reivindicação

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comum de considerável parcela da humanidade, cada vez mais informadacom as disparidades do grau de desenvolvimento entre os diferentes paí-ses. Esta tese não é mero jogo de palavras. O que procuramos dizer noparlamento mundial é que a luta pelo desarmamento e pelo relaxamentogradual das tensões internacionais identifica-se, hoje, com a própria lutapela sobrevivência da humanidade. A luta pelo desenvolvimento é a lutapela emancipação econômica e pela justiça social. E a luta pela descoloni-zação é a própria luta pela emancipação política, pela liberdade e pelosdireitos humanos.

O desarmamento gradual e progressivo, questão que o Brasil sempreencarou com grande realismo, está, inegavelmente, ligado ao problema dodesenvolvimento econômico. A liberação progressiva de recursos, ora diri-gidos para o esforço armamentista, poderia, evidentemente, proporcionarum fluxo maior de capitais para as ingentes tarefas do desenvolvimento.Nesse sentido, a delegação do Brasil sugeriu, na Assembléia Geral, quecomo passo inicial, se dedicasse 1% dos cento e vinte bilhões de dólares queanualmente se despendem em armamentos, ou seja, um bilhão e duzen-tos milhões de dólares, aos programas de desenvolvimento. Pedimos, en-tão, que 1% da loucura humana fosse dirigido para tarefas construtivas eque, progressivamente, se pudesse aumentar essa proporção de modo a que,ao chegar ao total de 10% ou 15%, estivessem praticamente atendidas,embora não definitivamente resolvidas, as necessidades financeiras dospaíses em desenvolvimento. Saudamos, com entusiasmo, a assinatura doTratado Parcial de Moscou, que também firmamos e que agora está sub-metido à apreciação do Congresso Nacional.

Consideramos esse tratado como um dos fatos mais auspiciosos des-de 1945 e um ponto de partida para entendimentos mais amplos. Lamen-tamos, entretanto, que esse acordo tenha sido obtido fora do âmbito daConferência das Dezoito Nações sobre Desarmamento, pois consideramosque a paz e a segurança mundiais devem deixar de ser objeto de negocia-ções exclusivas das grandes potências, por mais poderosas que sejam. Operigo é comum e a ele corresponde uma responsabilidade comum, respon-sabilidade que os países não nucleares desejam assumir.

Outro problema de igual urgência é o do desenvolvimento econômi-co e social. Não podemos ignorar a pressão – dia a dia mais insuportável –

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dos países que desejam para seus habitantes níveis de vida mais altos. Se,hoje em dia, associamos a segurança coletiva à noção do desarmamento gerale completo sob controle internacional, somos levados, iniludivelmente, auma segunda noção de segurança coletiva: à segurança econômica coleti-va. Esta é a idéia que o Brasil apresentou na Assembléia Geral das NaçõesUnidas. O problema não se limita à mera observação do grande desnívelde riqueza entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas. O cresci-mento contínuo desse desequilíbrio é que nos faz chegar a previsões som-brias, se não forem corrigidas as tendências ora prevalecentes. Entendemosque a luta pelo desenvolvimento deve ser travada em várias frentes; masque cabe às Nações Unidas um papel excepcional para obter a redençãoeconômica e social. O Brasil considera decisivo, para atender às exigênciasde uma industrialização acelerada, o estabelecimento de uma agência es-pecializada das Nações Unidas para o desenvolvimento industrial. Consi-dera, igualmente, da maior relevância que as Nações Unidas disponham deorganismos próprios de financiamento – sem prejuízo dos canais ora exis-tentes –, que lhes permitam ingressar no campo da assistência financeiraaos países subdesenvolvidos. Com esse espírito, a delegação do Brasil naONU propugna pelo estabelecimento de um fundo de capitais integradopor todos os países membros e agências especializadas, que seria concebi-do de modo a oferecer empréstimos suaves e dotações diretas e que seriaadministrado de forma a atribuir a todos os países membros igual partedecisória, independente da capacidade de contribuição.

Reunião de GenebraConsideramos da maior importância a Conferência das Nações Unidassobre o Comércio e Desenvolvimento que vai rever, em março de 1964,em Genebra, a atual estrutura do comércio internacional e procurartransformá-la, de modo a que não mais dificulte e passe a favorecer o de-senvolvimento econômico. Essa conferência representa a presença viva dasNações Unidas e a sua convocação, uma decisão política de rever o que pre-cisa ser revisto, de reformular princípios obsoletos, de estabelecer novasregras de comportamento para atender às reivindicações dos países em de-senvolvimento.

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O terceiro tema, o da descolonização, procura o Brasil caracterizá-lode maneira muito ampla, de maneira a que não signifique apenas o fim daopressão colonial, mas de todo tipo de opressão política, econômica ou policial– em última análise, a defesa da liberdade e dos direitos humanos. Noprocesso da descolonização, o Brasil guia-se por um espírito construtivo degradualismo. Compreendemos que o nosso papel não é estimular revolu-ções, mas reconhecer os autênticos movimentos anticoloniais e procurar oencaminhamento pacífico e progressivo da autodeterminação. No casoespecífico dos territórios portugueses na África – Angola, Moçambique,Guiné e Cabo Verde – pronunciamo-nos pela autodeterminação e inde-pendência. Deixamos bem claro, contudo, que desejamos uma soluçãopacífica para esse problema, a ser encontrada com a colaboração de Portu-gal. Esperamos de Portugal uma ação nova e construtiva e, como já disseem outra oportunidade, colocamos toda a nossa diplomacia a serviço dessaesperança, a serviço de um entendimento entre angolanos, moçambicanose portugueses, ou entre Portugal e os países africanos.

Podemos assinalar, com satisfação, que algumas iniciativas do Brasilna Assembléia Geral da ONU mereceram o apoio e a aprovação dos de-mais Estados-membros: assim o projeto de resolução sobre a desnucleari-zação da América Latina, cuja aprovação representa uma tomada deposição da América Latina no encaminhamento das grandes questões depaz e desarmamento.

Por unanimidade, foi aprovado o projeto de resolução apresentadopela delegação do Brasil pedindo que a questão do sistema internacionaldas patentes seja examinada pela própria Conferência de Comércio eDesenvolvimento, na base do estudo preparado pelo secretário-geral dasNações Unidas. O nosso objetivo é afastar os obstáculos ao progresso datecnologia nos países subdesenvolvidos, sugerindo medidas que dêemmaior flexibilidade a esse sistema, de modo a evitar o excessivo encargo dosroyalties. Propusemos, ainda, as seguintes iniciativas, já aprovadas: proje-to de resolução que indica como base, para as deliberações da próximaConferência sobre o Comércio e Desenvolvimento, a declaração conjuntados países subdesenvolvidos, proposta pelo Brasil e 17 outros países nasegunda reunião do comitê preparatório da conferência, realizada em ju-

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lho último, em Genebra; criação de uma comissão, junto ao ECOSOC, paratratar do incremento dos investimentos internacionais e supervisionar ofluxo de capitais para os países subdesenvolvidos; continuação dos estu-dos que o comitê científico da ONU realiza sobre as conseqüências, atuaise futuras, da radioatividade resultante, sobretudo, dos testes nucleares; cri-ação de novo órgão internacional para promover e acelerar a industrializa-ção dos países subdesenvolvidos; expansão das atividades do fundoespecial das Nações Unidas a projetos de investimento direto sobretudo nosetor do desenvolvimento industrial e da educação técnica; recomendaçãoà comissão de direitos humanos para que elabore um projeto de convençãointernacional contra todas as formas de discriminação racial.

Fora de blocosTenho afirmado que o Brasil não pertence a blocos, mas integra um siste-ma – o sistema interamericano –, que compreendemos ser instrumento detrabalho em prol da paz e do entendimento entre as nações. Negamos umaconcepção do pan-americanismo que se reduz a mera posição retórico-juridicista. Cremos que o pan-americanismo significa muito mais, signifi-ca uma atitude de solidariedade diante de problemas comuns e devetransformar-se em elemento dinâmico de renovação. No discurso que pro-nunciei na reunião em nível técnico do Conselho Interamericano Econô-mico e Social, procurei ressaltar a responsabilidade que recai sobre apresente geração de dirigentes das Américas no atendimento das aspira-ções de bem-estar econômico e justiça social dos nossos povos e o despreparodo sistema interamericano para lidar com esses problemas. Considero degrande significado o encontro de São Paulo, no que ofereceu de oportuni-dade para a meditação e o debate dos problemas da América Latina e o en-caminhamento de soluções novas e criadoras para as nossas dificuldades.Os resultados, considero-os amplamente satisfatórios para o Brasil. Se di-vergências houve nessas reuniões, só as podemos considerar naturais quan-do se encontram nações maduras, conscientes de seus interesses eresolvidas a defendê-los dentro de um clima de compreensão.

Maturidade e disposição para o diálogo caracterizaram também asnossas relações bilaterais, neste ano. Procuramos manter e incrementar as

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nossas relações com os demais países, preocupados unicamente com o in-teresse nacional, sem nos deixar perturbar por preconceitos de rotulagempolítica ou desmaios de timidez. Não esperávamos encontrar apenas ma-nifestações cordiais de protocolo. Esperávamos encontrar problemas.

E não será isso de espantar, pois que os problemas constituem o dia-a-dia da vida internacional. Não se pode admitir que uma comunidade denações livres e soberanas marche uníssona como um pelotão em exercíciode ordem unida. As chancelarias existem justamente para, no diálogo, nanegociação, encontrar as soluções desses problemas, a composição de in-teresses. A chancelaria brasileira não se recusa a conversar e discutir sobrequaisquer problemas, com qualquer outra chancelaria. Realizamos umesforço cotidiano, orientado no sentido de aproximação crescente e demelhor entendimento com todos os povos. Nesse esforço, só nos restringemos óbices de natureza orçamentária. Faremos tudo que estiver ao nossoalcance para vitalizar e ampliar as nossas relações políticas, comerciais eculturais com todos os países que se dispuserem ao franco diálogo conosco.

MaturidadeA maturidade com que o Brasil define os seus objetivos e o Itamaratyexecuta a política externa é de esperar-se que seja correspondida nas aná-lises com que os observadores interpretam, para a opinião pública, a atua-ção da diplomacia brasileira. Não se pode admitir que radicalizaçõesabsurdas comprometam o julgamento de um voto do Brasil, de uma ges-tão, de uma negociação, da assinatura de um acordo, levando a conclusõesfantasiosas de subordinação da nossa diplomacia a interesses distintosdaqueles que ela representa: os do Brasil. Na área da política externa, maisdo que em qualquer outra, não podemos ficar permanentemente domina-dos por juízes de branco ou preto, de oito ou oitenta, com oscilações doinfravermelho ao ultravioleta. O importante é determinar se, numa ques-tão internacional, o Brasil está exprimindo opinião autêntica, de acordo comos seus interesses.

O essencial é mantermos uma posição de autenticidade, representa-tiva dos interesses brasileiros na presente conjuntura. E que não nos assus-temos com possíveis divergências, como as que se manifestaram na recente

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reunião do CIES. É óbvio que não podemos ver os problemas da AméricaLatina da mesma maneira por que os vêem os Estados Unidos. Estamosnuma fase, ou estágio, de reivindicações. Daqui a 20 ou 30 anos, quandoestivermos em franca industrialização, é possível que tenhamos posições esustentemos pontos de vista semelhantes aos hoje sustentados pelos Es-tados Unidos da América.

OtimismoVejo com grande otimismo a curiosidade crescente que despertam na opi-nião pública os assuntos da política externa. É salutar para todos nós, quetemos esses assuntos como preocupação cotidiana, observar as reações daopinião pública diante do panorama internacional. É o outro diálogo queabrimos e desejamos incentivar e para o qual contamos com a ajuda de todaa imprensa. Os jornais, as estações de rádio e televisão representam papelaltamente dinâmico, como meios de levar ao povo informação e esclareci-mento sobre a realidade da atuação da diplomacia brasileira, desfazendoeventuais equívocos ou incompreensões, e de trazer para o Itamaraty ascertezas, os anseios e as perplexidades desse povo, elementos que nosorientarão e nos auxiliarão ao procurarmos definir os interesses diplomáti-cos do Brasil. Realizamos no Itamaraty um trabalho de equipe, uma aná-lise profissional dos nossos problemas, com extremo realismo e, também,com certa dose de humildade, mas humildade que não exclui o orgulho derepresentar um país como o Brasil, que já conta, decisivamente, no enca-minhamento dos grandes problemas internacionais – embora esse fatoainda surpreenda bom número de brasileiros.

Manteremos a política externa a serviço dos objetivos e interessesgerais da nação brasileira, fazendo do Itamaraty um instrumento da lutapelo progresso econômico e pelo bem-estar social, dentro dos propósitos depaz e entendimento entre todos os povos. Se a maturidade e diálogo defi-nem a atuação da diplomacia brasileira em 1963, maturidade e diálogoorientarão os nossos esforços no ano que se inicia dentro de alguns dias.

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DOCUMENTO 41

Discurso pronunciado pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro,em 31 de dezembro de 1963Circular n. 4.966, de 3 de janeiro de 1964.

Ao agradecer ao senhor secretário-geral as suas palavras, desejo tam-bém manifestar a todos os bons amigos e colegas aqui presentes o meu maissincero reconhecimento por esta reunião, que me sensibilizou profunda-mente. Vejo nesta iniciativa, antes e acima de tudo, uma expressão dogeneroso e integral espírito de cooperação com que a casa – desde os seuschefes até os mais jovens funcionários – tem emprestado à minha gestão.

Não desejaria, entretanto, deixar passar esta oportunidade de fim deano, tão propícia às tomadas e prestação de contas, sem tecer algumasconsiderações e externar alguns conceitos sobre os problemas que se an-tepõem à ação, à iniciativa e à imaginação da diplomacia brasileira no fu-turo imediato.

Podemos olhar com confiança, embora sem complacência, para o tra-balho realizado em 1963. Na Assembléia Geral das Nações Unidas, deacordo com as diretrizes traçadas pelo senhor presidente da República,definimos uma posição autêntica e original diante dos problemas da comu-nidade das nações. Reivindicamos para as pequenas e médias potências odireito de opinar sobre a paz e sobre o desarmamento. Vimos coroadas deêxito algumas iniciativas nossas na questão da supressão de experiênciasnucleares e no estabelecimento, gradual e progressivo, de zonas desnuclea-rizadas no planeta. Lutamos contra a incompreensão de muitos, principal-mente das grandes potências nucleares, mas tínhamos, nesse processo, aconsciência de retomar uma tradição brasileira, de luta pela igualdade ju-rídica das nações. Em tudo isso, o Itamaraty se conservou fiel às memóriasde seu passado, mas não hesitarei em dizer que nos conservamos fiéis,sobretudo, às promessas de nosso futuro como país e como nacionalidade.

O Itamaraty não pode ter senão uma ideologia: a ideologia dos inte-resses, dos compromissos e das tradições do Brasil. O Itamaraty não é umaacademia de direito internacional ou uma sociedade de debates sobre

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bizantinismos ideológicos. Não se formula ou se conduz uma política ex-terna de independência e maturidade sem calma, sem reflexão e sem ob-jetividade. E não podemos permitir que problemas externos – sobre os quaisnos pronunciaremos, com independência e autoridade, quando formos cha-mados a fazê-lo, em foros ou conferências internacionais – se transformemem elementos perturbadores de nossa paz ou tranqüilidade interna. No-vamente, aí se coloca um problema de maturidade.

O Brasil não pode, nem deseja isolar-se do mundo que o circunda,mas insiste em conduzir seu próprio destino de acordo com suas idéias econcepções, seus princípios e seus interesses. E, neste esforço de indepen-dência e de maturidade, o Itamaraty, como instituição, não pode omitir-sesob impacto de críticas ou incompreensões momentâneas.

Temos de separar o transitório do permanente, o contingente donecessário. E permanentes para nós são os interesses deste país, que, comtodas as suas dificuldades, com todos os seus problemas, é um grandeexemplo de trabalho e de energia criadora e uma das grandes esperançasda humanidade.

É com esse espírito e com essa determinação que o Itamaraty, obe-decendo à orientação do senhor presidente da República, espera enfren-tar os problemas de 1964, que eu peço a Deus seja feliz e próspero paratodos os bons amigos e colegas que me rodeiam nesta sala. São todos con-vocados a continuar a colaborar num trabalho paciente e diuturno pelagrandeza e prosperidade do Brasil.

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DOCUMENTO 42

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro aoDiário de Notícias, em 5 de janeiro de 1964Circular n. 4.968, de 6 de janeiro de 1964.

Brasil verá caso de Cuba com base nas Cartas da OEA e ONU

Falando com exclusividade ao Diário de Notícias, sobre a posição do Brasilno caso de Cuba, o chanceler Araújo Castro afirmou que:

– Não há razão para que nos cobrem, desde já, um voto que somentedaremos na ocasião própria, quando teremos examinado a situação e de-finido nossa posição, com reflexão e objetividade, à luz dos compromissosassumidos não apenas na Carta da OEA, mas também na Carta dasNações Unidas.

Após declarar que “o Brasil sempre se declarou contrário a toda polí-tica de sanções, expulsão, exclusão ou corte de relações diplomáticas ou co-merciais”, relembrou que somos contra a política de “ficar de mal” e, “enquantoos nossos homens se digladiam, URSS e Estados Unidos continuam a ne-gociar”, fazendo ver que “o Itamaraty se recusa a debater a questão emtermos ideológicos, ao sabor das anacrônicas radicalizações e polarizaçõesque infelizmente dividem o país”.

Estudo em sigiloMais adiante, disse que “o Brasil não pode definir sua posição in abstracto,antes de conhecer os termos do Relatório da Comissão de Investigação e antesde conhecer as medidas recomendadas e pleiteadas”. E lembrou que, “des-de já, estamos mantendo contatos de chancelaria sobre o problema e ape-nas, no momento atual, temos de nos ater ao sigilo diplomático, numaquestão que interessa à comunidade latino-americana”.

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Sem prejulgarPor outro lado, asseverou o ministro das Relações Exteriores:

– Não desejo prejulgar nem antecipar nossa posição. Não esconderei,entretanto, que na ONU, o Brasil sempre se declarou contrário a todapolítica de sanções, expulsão, exclusão ou corte de relações diplomáticas oucomerciais. Nossa política externa pressupõe a idéia do diálogo franco eaberto com todos os povos do mundo, quaisquer que sejam seus regimese suas ideologias. Somos também contra qualquer política sistemática denão-reconhecimento. Lembrarei que, recentemente, reconhecemos osgovernos de Honduras e República Dominicana. O Brasil lutará semprepara que as questões se resolvam por meios pacíficos e insiste na manuten-ção do diálogo, porque só o diálogo é capaz de evitar a guerra. E, acima detudo, é claro que o Brasil não abandonará a defesa dos princípios de não-intervenção e de autodeterminação, sobre os quais se baseia sua políticaexterna. À luz desses princípios e desses antecedentes, será definida aposição brasileira. Resumindo: o Brasil não acredita em isolamento. OBrasil não se afastará de nenhum foro internacional em que possa fazer ouvirsua voz e defender seus pontos de vista. E em sua diplomacia de diálogoe maturidade, o Brasil é contra a política de ficar de mal.

Voto na OEAContinuou o chanceler:

– O Brasil contribuiu com seu voto para a decisão unânime da OEA,favorável à criação de uma comissão de investigação para apurar a queixada Venezuela contra Cuba. Dei instruções ao embaixador Penna Marinhopara votar dessa maneira e assumo integral responsabilidade nesse parti-cular. Nosso voto foi coerente com a posição que sempre adotamos, na ONUe na OEA, em face de quaisquer pedidos de averiguação. Foi essa a po-sição brasileira quando da apresentação ao Conselho de Segurança da quei-xa do Senegal, que alegava violação de sua integridade territorial por partede Portugal. Em nenhum dos casos, prejulgamos – e não o estamos fazen-do agora – a procedência da queixa e sempre fomos fiéis ao princípio de que

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o ônus da prova pertence a quem alega e não a quem nega. Por isso mes-mo, reservamos totalmente nossa posição quanto ao mérito da questão einsistimos por que se desse a Cuba o direito de defesa. Mas, sem quebrade nossos princípios – e foi por amor a nossos princípios que, acertadamente,em Punta del Este, procuramos impedir a exclusão de Cuba da OEA –, nãopodíamos negar a um Estado-membro o direito de expor seus pontos devista à OEA. É precisamente a independência de nossa política externa –independência que o Itamaraty preservará em todos os momentos – queexige de nós a maior objetividade no trato de questões internacionais.

ImaturidadeDepois de asseverar que “o Itamaraty se recusa a debater esta questão emtermos ideológicos, ao sabor das anacrônicas radicalizações e polarizaçõesque infelizmente ainda dividem o país”, afirmou:

– Vivemos o momento ideológico que outros países viveram há déca-das. Como tenho dito, a extrema direita no Brasil está quilômetros à direitado Pentágono e a extrema esquerda está quilômetros à esquerda do Kremlin.Se alguns dos nossos mais extremados ideólogos da esquerda e da direitainfluenciassem a ação diplomática da URSS ou dos Estados Unidos –, oque, felizmente, não acontece – o mundo há tempos já se teria transforma-do em um montão de ruínas. E o entendimento Kennedy-Khruschev, deoutubro de 1962, sobre esta mesma questão cubana, teria sido impossível,na vigília da guerra nuclear. Enquanto os nossos homens se digladiam,URSS e Estados Unidos continuam a negociar. A imaturidade e o radica-lismo no terreno diplomático conduziriam à poeira nuclear. Alguns denossos revolucionários ainda estão brandindo um documento de 1848, comose tratasse de um vient de paraître, e certos homens de direita descobriram,com um século de atraso, as inflexíveis lições de um desgastado liberalis-mo econômico. Não podemos continuar neste subdesenvolvimento ideo-lógico e, como disse há dias, não podemos permitir que problemas externos– sobre os quais nos pronunciaremos, com independência e autoridade,quando formos chamados a fazê-lo – perturbem a nossa paz e tranqüili-dade interna.

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E concluiu:

– Uma política externa – para ser verdadeiramente independente –tem de ser independente das pressões da imaturidade e do radicalismo”.

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DOCUMENTO 43

Nota sobre proposta brasileira no Conselho de Segurança da ONU, arespeito de incidentes ocorridos na zona do canal do Panamá, distribuídaà imprensa em 11 de janeiro de 1964Circular n. 4.978, de 13 de janeiro de 1964, às missões diplomáticas na América.

O ministro Araújo Castro transmitiu ontem, às 20h00, ao embaixa-dor Carlos Alfredo Bernardes, instruções para:

1) votar a favor da inclusão da queixa do Panamá na agenda doConselho de Segurança das Nações Unidas;

2) manifestar a profunda preocupação do governo brasileiro pelosincidentes ocorridos na Zona do Canal e exprimir condolências àsfamílias das vítimas;

3) propor ao Conselho de Segurança que incumbisse seu presidentede dirigir um apelo aos governos dos Estados Unidos e do Panamá,no sentido de que cessassem quaisquer hostilidades e impusessema maior moderação à suas forças militares e à população civil.

A proposta brasileira, acolhida tanto pelos EE.UU., como pelo Panamá,foi secundada pelos representantes da Grã-Bretanha, Marrocos, Costa doMarfim e China. Tendo sido aprovada por unanimidade, o Conselho de Se-gurança autorizou o seu presidente a realizar as gestões solicitadas pelo Brasil.

O governo brasileiro acompanha o assunto com a maior atenção einteresse, com o firme propósito de continuar a colaborar no sentido de umentendimento pacífico entre as duas repúblicas irmãs, à base do respeitomútuo e do acatamento ao princípio da igualdade jurídica dos Estados.

Em todas as fases da questão, o ministro Araújo Castro se tem man-tido em estreito contato com o senhor presidente da República, que deter-minou a imediata partida para o Panamá do novo embaixador daquele país,senhor Colmar Daltro.

Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1964.

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DOCUMENTO 44

Discurso do presidente João Goulart sobre a regulamentação da Lei deRemessa de Lucros, em 20 de janeiro de 1964Circular n. 5.003, de 24 de janeiro de 1964.

Ao assinar, no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, o decreto que regu-lamenta a remessa de lucros, o presidente da República proferiu o seguin-te discurso:

Aqui estamos para dar mais um passo no sentido de dotar o país doselementos legais que libertem as forças potenciais necessárias ao seu de-senvolvimento.

A política até hoje adotada pelo Brasil, em relação ao capital privadoestrangeiro, sempre se caracterizou pela completa liberdade de movimen-to, chegando mesmo a se constituir em verdadeira subversão, paga pelopovo brasileiro e realizada em prejuízo dos interesses nacionais. Dava-seao investimento estrangeiro o duplo benefício de aglutinar lucros geradosno país e de se valer de um mercado cambial favorecido para as remessasde suas vendas.

Os erros e a indiferença do passado mereceram constantes denúnciasda vigilância patriótica do presidente Getúlio Vargas, definidas, principal-mente, no candente discurso pronunciado na noite de 31 de dezembro de1951 e na sua carta-testamento, legado de fidelidade aos mais legítimosanseios de emancipação nacional do povo brasileiro. O nosso dever, agora,é impedir que esses erros se repitam, para sermos fiéis aos ideais do gran-de presidente e à consciência nacionalista do país.

A regulamentação que hoje assinamos, tendo em vista o problema docapital estrangeiro, está essencialmente vinculado à supressão das barrei-ras que retardam ou mesmo impedem o nosso progresso. Ela se baseia emcritério de justiça econômica, evitando as imposições de caráter sectário eas explorações do espírito colonialista.

A história da participação dos capitais estrangeiros na economia dospaíses subdesenvolvidos reflete a evolução por que têm passado os concei-

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tos fundamentais da conveniência internacional. Ao longo de algumasdécadas, o caminho percorrido marca o esforço das nações pobres em afir-mar, contra a mentalidade de um imperialismo hoje ultrapassado e deca-dente, o seu direito ao desenvolvimento e às conquistas da civilização.Assistimos, assim, ao despertar das nações subdesenvolvidas, ansiosas dealcançar a melhoria de suas condições de vida e de proporcionar a todas ascamadas da população um nível de bem-estar compatível com a dignida-de humana.

Infelizmente, dois terços da população mundial vivem, ainda hoje, àmargem do progresso de nossa época. Importa, porém, ressaltar que a cons-ciência universal sabe que esse estado de coisas não pode permanecer, semgraves ofensas aos princípios da justiça social e sem sérios riscos para aprópria estabilidade de um mundo em que convivem nações ricas e naçõespobres. Já ninguém ousaria sustentar, em nosso tempo, a acomodação coma injustiça, ou a indiferença diante da miséria.

É natural, pois, que essa mudança de mentalidade, que representouneste século uma autêntica revolução, tenha repercutido, direta e decisiva-mente, sobre a missão reservada aos capitais estrangeiros, hoje divididos emdois tipos distintos: um, colonizador e imperialista; e outro, colaborador edesenvolvimentista. Aquele é um remanescente do século passado, queinsiste em sobreviver em um mundo que passou por profundas e radicaistransformações; este, o capital que se dispõe a empregar-se na recupera-ção econômica dos países onde é investido, tem a seu cargo uma das maisimportantes tarefas na presente conjuntura mundial. Cabe-lhe a nobili-tante missão de associar-se ao esforço que estão desenvolvendo as naçõespobres para superar e vencer, de uma vez por todas, as barreiras do sub-desenvolvimento.

A solenidade de hoje adquire, assim, uma elevada importância. Aregulamentação da lei sobre remessa de lucros significa adotar e pôr emprática um estatuto jurídico há muito reclamado pela consciência nacionale pelos próprios capitais estrangeiros interessados na sua ordenação, den-tro dos quadros de nosso processo de desenvolvimento.

Um criterioso estudo do Secretariado Econômico das Nações Unidasdemonstrou que, até a Segunda Guerra, os capitais estrangeiros preferiram

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operar na área dos serviços públicos, sob o regime de concessão, assim comona produção de matérias-primas, para transformação nos países de suaorigem. Essa circunstância lhes permitia manipulação nos preços dos mer-cados internacionais. Segundo o mesmo relatório, é esta uma das determi-nantes principais da deterioração dos produtos primários, cuja exportaçãoconstitui a fonte quase exclusiva dos recursos de que dispõem as naçõessubdesenvolvidas.

No que diz respeito à realidade brasileira, essa etapa de nossa econo-mia está sendo superada. O financiamento de Volta Redonda, negociadodurante a guerra, significou o primeiro sintoma de uma mudança de menta-lidade, que iria ter amplas e profundas conseqüências.

Dado o primeiro passo, com a implantação dessa indústria de base,impunha-se uma nova perspectiva quanto à colaboração do capital estran-geiro em nosso processo de desenvolvimento. Segundo essa nova menta-lidade, contra a qual se rebelam, ainda hoje, os espíritos afeitos à visão dosproveitos colonialistas, os serviços públicos de energia e transporte, consi-derados como infra-estrutura da economia nacional, tradicionalmentepreferidos pelos investimentos estrangeiros, teriam de caminhar para indis-pensável tutela do poder público. Não se tratava de ampliar, sem nenhumcritério, a área da intercessão do Estado no domínio econômico. Cumpriaapenas que o poder público detivesse em suas mãos, sob seu direto controle,os instrumentos essenciais ao estímulo, à ordenação e ao comando do de-senvolvimento nacional, de forma a resguardar os interesses de nossa pró-pria soberania.

Passamos a dispor de uma produção industrial que transforma, den-tro de nossas fronteiras, as matérias-primas de que éramos simples e pró-digos fornecedores, para uso e benefício de países estrangeiros. Nessa novaconfiguração da economia nacional, numerosas firmas estrangeiras respon-deram ao apelo que lhes foi dirigido e vieram colaborar no desenvolvimen-to do Brasil, sob a égide de nossas tradicionais garantias jurídicas. Forçosoé reconhecer que esta participação do capital estrangeiro tem sido estimu-lantemente positiva.

Esse é o capital que nos cumpre proteger, uma vez que deixou raízesem nossa realidade e aqui se confundiu com os nossos próprios interesses.

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É sabido, contudo, que, a par desse, há outro tipo de capital, que persistetenazmente em se infiltrar pelas brechas e fraquezas do nosso organismoeconômico, com o único intuito de ampliar os seus lucros, à custa do atrasoe da estagnação do país. Esse capital colonizador, que embaraça o progressonacional, não merece qualquer contemplação. Só lhe resta a alternativa deadaptar-se aos novos tempos, ou de cessar as suas investidas – cada vezmais inoperantes, diante das estruturas que se desenham para um futuropróximo – e queiram, inarredavelmente, corresponder às exigências deuma nação consciente de sua força e de sua independência.

Quanto ao capital que coopera conosco, vindo a integrar-se no pro-cesso de desenvolvimento do país, cumpre-nos dar-lhe condições tranqüilasde expansão, dentro do prisma de nossos interesses comuns.

Este é o imperativo da hora que atravessamos. Ao abordá-lo, nesteato de tanta significação para os nossos destinos, limito-me à análise obje-tiva e rigorosa do procedimento que têm tido, dentro de nossas fronteiras,os dois tipos de capitais estrangeiros, para os quais importa convocar asatenções gerais nesta hora. Já ultrapassamos, felizmente, o campo da po-lêmica e a melhor prova disto é a lei votada pelo Congresso Nacional e queagora passa à execução.

A ninguém será lícito negar a realidade de que, há muito, eram recla-madas medidas de disciplina dos investimentos estrangeiros. Importa limi-tar a remessa dos rendimentos para o exterior, tanto sob a forma de royalties,como sob a forma de lucros. A fixação de um teto para o envio de rendimen-tos não obedeceu, nem obedecerá a critérios arbitrários, geradores deintranqüilidade e desestímulo para o trabalho comum. O que importa, coma fixação desse teto, é apenas barrar o caminho à espoliação, dentro de umquadro legal que assegura condições normais e contínuas de cooperação.Medidas como a que agora estamos anunciando, e que iremos executar àrisca, visam a coibir abusos intoleráveis.

Tais distinções, com relação ao capital estrangeiro, não são estranhasàs cogitações jurídicas e econômicas de países nos mais variados estágios dedesenvolvimento. Na Austrália, as remessas de lucros para o exterior es-tão sob controle do governo, não se garantindo o retorno de capital, salvoem casos justificados.

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Na Espanha, a remessa de rendimentos não pode ultrapassar a taxade 8% e o pagamento de royalties só é permitido com aprovação especial,dentro de um limite máximo de 5% do lucro líquido.

Somente a partir de 1959, quando se consolidou a sua recuperaçãoeconômica, a França liberou as remessas para o exterior, mas mantém oprincípio da autorização prévia para os royalties.

Nos Estados Unidos, a lei faz incidir um imposto específico de 30%sobre acionistas residentes no exterior.

A Índia limitou a 5% a remessa do rendimento para o exterior; en-quanto na Itália, salvo casos especiais, o teto está legalmente fixado em 8%.

Na Inglaterra, pesam restrições sobre o retorno de capital e todos oscontratos de royalties, firmados após a guerra, estão sujeitos ao regime decontrole oficial.

Conclui-se, daí, que o Brasil vai, agora, pôr em prática uma legislaçãoque outras nações já adotaram e executaram, segundo os interesses corres-pondentes às fases de desenvolvimento em que se encontram.

Estamos atendendo aos reclamos da emancipação econômica do país,no estrito respeito às normas legais.

Não há, pois, no esforço que estamos empreendendo para ordenardevidamente uma realidade de nossa atual paisagem econômica, a maisleve sombra de violência à ordem jurídica e democrática. Neste sentido, éoportuno mencionar, para repudiá-las com energia, as acusações, francasou disfarçadas, com que nos têm procurado atingir. Tais acusações partemprecisamente daqueles setores comprometidos com as frustradas tentati-vas de golpes contra as instituições.

Os meus acusadores são os mesmos que já tramavam o golpe contraa posse do saudoso e grande presidente Vargas. A nação ainda não esque-ceu a conjura que se formou, mais recentemente, para impedir a minhaposse na presidência da República. É desses grupos, infatigáveis em seusdesígnios antinacionais e antipopulares, que partem as acusações contra omeu governo.

Minha vida pública fez-se, toda ela, com o apoio do povo, cujosanseios tenho procurado interpretar com fidelidade e sem desfalecimento,em meio a tantas e tão grandes vicissitudes. Golpe é manobra de cúpula,

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gerado na inconformação com a vontade popular. É recurso ditado pelafrustração e por insopitáveis, espúrias e insatisfeitas ambições.

Tenho dito e repetido, em numerosas oportunidades, que só enten-do o exercício do poder dentro de princípios sadiamente democráticos, entreos quais [se] inclui, como um reclame da consciência nacional, a disposiçãode abrir os quadros de direção do país à extensão ampla da vontade popu-lar. Até os meus adversários mais acirrados reconhecem que sou um homemdas praças públicas e não das manobras de gabinete. Esta, a principal razãode tantos ataques que tenho procurado suportar ao longo de todos estesanos em que permaneço fiel à vontade soberana das mais vastas camadasde nosso povo.

Ninguém pode, porém, iludir-se a respeito de tais acusações e mano-bras, partidas que são de grupos interessados em prejudicar a execução dasreformas de base. As reformas precisam ser feitas e, ninguém se iluda, vãoser feitas. A pregação reformista ganhou a consciência popular e nela estádefinitivamente entranhada. Só as reformas serão capazes de aliviar apressão social, que agrava a crise que estamos vivendo, e só elas, por issomesmo, poderão afastar de nosso povo a solução pela violência, que ne-nhum sincero patriota pode desejar.

Dentro dessa convicção, nada e ninguém nos afastará da linha deserenidade e de prudência na manutenção do equilíbrio político e socialindispensável à paz interna, mas de firmeza, coragem e decisão, quando emjogo estiverem os interesses desta nação, cuja soberania todos nós juramosdefender.

O dilema não é reforma ou golpe, como pretendem fazer crer,afoitamente, os eternos insatisfeitos, ambiciosos de atingir o poder, paradirigi-lo contra o povo, interrompendo o processo de nosso desenvolvimentoe, sobretudo, de nossa total emancipação econômica. Reforma ou golpe éfalso dilema. Sabemos que a nação enfrenta um único e verdadeiro dilema,já definido pelo jovem e grande estadista John Kennedy: “O dilema é:reforma ou revolução”.

O Brasil já não se conforma com o atraso, a miséria, a doença e a ig-norância. O povo sabe que não estamos condenados a ser o país dos con-trastes, com um pequeno número de privilegiados afrontando a grande

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maioria marginalizada. De nada adianta tranqüilizar apenas parte da na-ção, satisfazendo, por um momento, com atos de habilidade e concessão,os que não querem abrir mão dos privilégios insustentáveis e superados. Senão fossem feitas as reformas que a realidade exige – e ninguém duvida queserão feitas –, então, só nos restaria o agravamento catastrófico da crise,precipitada por estruturas arcaicas, que não demorariam a desabar.

Repelindo, portanto, os rumores do golpe e atuando firmemente nosentido de obter as reformas, de evidente sentimento cristão e democráti-co, o governo está consciente de suas responsabilidades e vem dando pro-vas, a cada dia, de sua disposição de lutar pelos ideais populares. Lutamospela verdadeira independência da nossa pátria, pela sua completa e efe-tiva emancipação econômica. É dentro desta perspectiva que se há de ana-lisar o regulamento que ora promulgamos.

Ninguém de boa-fé tem o que temer, nem razão para dar ouvido àsaves de mau agouro, ansiosas de impedir o surgimento do Brasil novo, fortee soberano, fundado no regime representativo e no atendimento das reivin-dicações de todo o povo.

Não me afastarei do objetivo principal do meu governo, que é o depromover o bem-estar das massas urbanas e rurais, que até aqui têm sidomantidas à margem da vida nacional. Sem a participação delas no proces-so de nosso desenvolvimento, não haverá democracia, nem ordem social,nem ordenação jurídica que resista. O que nos cumpre é atender aos recla-mos dos milhões de brasileiros como nós, desejosos de ter as mesmas razõespara estimular e defender as instituições. Para tanto, o que importa éampliar e consolidar essas instituições.

Este ato, em que se regulamenta a Lei de Remessa de Lucros, seinsere, portanto, entre aqueles que, desde há muitos anos, desafiam opatriotismo, a coragem e a capacidade administrativa dos que governam.

Figura no mesmo grupo das providências que têm, como linha de ação,a defesa e a segurança dos interesses da economia nacional e sob cuja ins-piração outros empreendimentos foram implantados: a Petrobrás, umarealidade perfeitamente integrada no processo econômico do país, e aEletrobrás, como realização efetiva no campo da produção energética,básica àquele desenvolvimento.

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Entre as mais recentemente adotadas, aponto o decreto n. 53.337, dedezembro último, que estabeleceu o monopólio das importações de petró-leo, permitindo diminuir o dispêndio de divisas, com aquisições a preçosmais baixos, e ampliar as perspectivas de colocação de nossos produtos noexterior. Entre essas medidas, está a criação da Empresa Brasileira deTelecomunicações, destinada a explorar com exclusividade os troncos in-tegrantes, as ligações interestaduais e a operar os serviços desapropriadosou adquiridos pela União.

No conjunto de medidas tomadas pelo governo, com o objetivo deproteger a economia nacional e eliminar a transferência de capital para oexterior, por meios fraudulentos, destaco ainda a contida no decreto n.52.471, baixado em novembro do ano passado, que instituiu o GrupoExecutivo da Indústria Químico-Farmacêutica e determinou à CACEXo controle prévio dos preços de importação de matérias-primas.

Confiando nos frutos da lei n. 4.131, destinada a tantas e tão fecun-das repercussões em nossa vida econômica, o governo reafirma, nestemomento, a convicção de que a melhor defesa que se pode fazer do siste-ma democrático é não adiar as reformas de base, que irão inaugurar umanova fase de nossa história: de maior progresso nacional e de bem-estar paratodos.

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DOCUMENTO 45

Discurso do ministro João Augusto de Araújo Castro, por ocasião dahomenagem que lhe foi prestada pelo Instituto Brasileiro-Judaico deCultura e Divulgação, em 24 de janeiro de 1964Circular n. 5.008, de 27 de janeiro de 1964.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Rio de JaneiroChanceler Araújo Castro homenageado pelo Instituto Brasileiro-Judaico deCultura.

[COMUNICADO]

N.77Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1964.

Em reconhecimento ao trabalho que vem realizando a favor do desar-mamento mundial, o ministro Araújo Castro foi homenageado pelo Insti-tuto Brasileiro-Judaico de Cultura e Divulgação, em um almoço hojerealizado no Copacabana Palace.

Na ocasião falaram o dr. Jaime Rotstein, primeiro-secretário do insti-tuto, e o chanceler Araújo Castro, cujo discurso está sendo distribuído emanexo a este noticiário.

Entre outras personalidades, compareceram ao almoço, que foi pre-sidido pelo dr. Joseph Eskomazi-Parnidji, presidente do Instituto Brasileiro-Judaico, o ministro Barros Barreto, o deputado Emanuel Waissman, oprofessor Austregésilo de Athayde, o professor Hélio de Almeida, o dr.Josué Montello, o embaixador Boulitreau Fragoso e os srs. Adolpho Bloch,Paulo Filho e Guilherme de Figueiredo.

[Anexo]

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Desejo demonstrar meu reconhecimento ao Instituto Brasileiro-Judaico de Cultura e Divulgação, na pessoa do seu presidente, e a todosos amigos aqui reunidos, por este ato de generosidade que recebo com gran-de honra e satisfação. Interpreto-o como homenagem dirigida a todos aque-les que têm contribuído, no Itamaraty e fora dele, para assegurar ao Brasiluma posição relevante no encaminhamento da questão do desarmamento.

É com prazer que assinalo a circunstância de realizar-se este almoçopor iniciativa de um instituto de cultura, cujos esforços pela aproximação dedois grandes povos muito se tem de louvar. Acredito que, para construir-mos o mundo por todos nós desejado – aquele livre do terror da destruiçãosúbita e total, e limpo das perseguições e opressões de toda espécie, no quala convivência harmônica seja a regra suprema –, para construirmos essemundo, é imprescindível incentivar, antes de tudo, o conhecimento recípro-co dos povos, primeiro alicerce da confiança mútua. É nesse capítulo quejulgo inexcedível a contribuição de organizações como esta, na qual se reú-nem homens de boa vontade para a dupla tarefa de divulgar e conhecer aexperiência histórica e a realidade presente de brasileiros e judeus. Denossa parte, olhamos com respeito e admiração a longa caminhada do povojudaico, marcada de sofrido heroísmo e profunda sabedoria, e reconhece-mos, desvanecidos, a presença ao nosso lado de numerosos representan-tes seus, os quais, pela técnica e pelo trabalho, nos trazem fecundo aporteà gigantesca obra, em que estamos empenhados, do desenvolvimento eco-nômico do país.

A questão do desarmamento tem – para o Brasil, como para os de-mais países subdesenvolvidos – importância prioritária, pois somente umclima de paz pode assegurar-lhes as condições necessárias para acelerar oseu processo de desenvolvimento e atingir os seus objetivos de justiça social.

O Brasil tem participado ativamente dos debates e das negociaçõessobre o desarmamento no foro das Nações Unidas, tanto na AssembléiaGeral quanto na Conferência de Genebra, onde cumpre mandato demediação juntamente com sete outros países que representam o mundo nãoarmado e não nuclear. Entendemos que a destruição nuclear é um riscocoletivo, de que participam todas as nações e que, portanto, não se podemlimitar as negociações sobre a paz e a segurança mundial a um diretório de

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que participassem apenas algumas superpotências, qualificadas pelo seupoder destrutivo. Essa responsabilidade, como o perigo a que corresponde,é comum e as potências médias e pequenas desejam assumi-la na suaplenitude.

Comparecemos, assim, a Genebra, na qualidade de representantesde grande parcela da humanidade, com objetivos definidos de procurarimpedir que o egoísmo ou a intransigência de uns poucos signifique adestruição de todos e de fazer com que o interesse geral da humanidadeprevaleça contra os desígnios particulares de alguns países, por mais fortesque sejam.

Encaramos a questão do desarmamento com realismo, conscientesdas sérias dificuldades técnicas e políticas existentes e atentos a quaisquerpossibilidades de entendimento que se abram no curso das conversações.Anima-nos o propósito construtivo de aproximar posições – e não o de evi-denciar polêmicas; de superar oposições de sistemas – e não o de exacerbarantagonismos; de somar conquistas graduais – e não o de adiar soluções; dealcançar resultados concretos, embora parciais – e não o de impressionar aopinião pública mundial com propostas grandiosas e utópicas.

Essa posição atuante e fecunda já nos oferece, em dois anos de con-ferência, resultados apreciáveis. O próprio Tratado de Proscrição de En-saios Nucleares da Atmosfera, no Espaço Cósmico e sob as Águas,assinado recentemente em Moscou – cuja conclusão fora de órbita daComissão das Dezoito Nações lamentamos, mas cuja alta significação nãodeixamos de ressaltar – registra, em sua gênese de primeiro grande passopara o desarmamento, uma proposta brasileira, surgida em Genebra, em1962, e amadurecida no decorrer da conferência.

O Brasil defende a idéia de que, sem esperar a conclusão de um tra-tado sobre desarmamento geral e completo, sejam alcançados acordosparciais, à medida que se identifiquem pontos de vista comuns. Em vez deesforços fatalmente estéreis para obter de imediato o desarmamento geral,propugnamos o alargamento gradual das áreas de entendimento, por maistênues que sejam, com prioridade para a questão das experiências nuclea-res, da não-disseminação de armas nucleares e da prevenção da guerra poracidente.

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No discurso que tive ocasião de pronunciar na abertura do debate geralda XVIII Assembléia Geral das Nações Unidas, expus a idéia de explorar-se a possibilidade de um tratamento gradual e sucessivo para a questão daproscrição de ensaios subterrâneos. Sugeri, então, que o subcomitê de tes-tes nucleares da Comissão das Dezoito Nações examinasse um processode três estágios: num primeiro estágio, de execução imediata, seriam pros-critas aquelas experiências subterrâneas que, acima de certo limite, pudes-sem ser assinaladas pelos sistemas de verificação de cada uma das partes;num segundo estágio, de execução no prazo máximo de um ano, as expe-riências nucleares subterrâneas acima do limite de 4.75, ou de outro maiscompatível com os progressos científicos; e num terceiro estágio, de execu-ção no prazo máximo de dois anos, todas as experiências com armas nucle-ares, e em todos os meios, seriam proscritas. A idéia recebeu, há poucos dias,a aprovação da Confederação Internacional de Desarmamento, reunida emCopenhague, que resolveu recomendá-la como critério a ser adotado pe-las entidades que lhe são filiadas. Parecem-me os três estágios sugeridosuma seqüência natural do Tratado Parcial de Moscou e a melhor forma dealcançar-se a eliminação completa das experiências nucleares. Pretende-mos reviver a idéia no atual período de sessões da Conferência de Genebra.

De outro lado, propusemos, em Genebra, a assinatura de um trata-do multilateral de não-agressão, que vinculasse o maior número de Esta-dos, independente da posição geográfica relativa de cada um – proposta quevisava a ampliar a idéia de um acordo limitado aos membros da OTAN eaos integrantes do Pacto de Varsóvia. Continuamos insistindo na criação,no âmbito da Comissão das Dezoito Nações, de um comitê técnico, incum-bido de estudar os problemas de controle e facilitar, desse modo, as deci-sões políticas.

Acreditamos sinceramente que a presença em Genebra das oitopotências mediadoras tenha contribuído, de forma positiva, para moderara tensão internacional e para o progresso já alcançado no campo do desar-mamento. Esses oito países, com sua grande responsabilidade diplomáti-ca, trazem novos caminhos, identificam pontos de convergência, abrandama rudeza das posições conflitantes e, sobretudo, agem como a consciênciado mundo desarmado, cujo sereno julgamento incide sobre a sinceridadee a boa-fé das potências nucleares.

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Com espírito realista e sem propostas de puro radicalismo demagó-gico, conseguimos provar aos céticos e aos descrentes que a diplomaciabrasileira está capacitada a desempenhar um papel importante no encami-nhamento dos grandes problemas mundiais. A posição brasileira,demarcada com perfeita segurança pelo professor San Tiago Dantas, emdiscurso de 16 de março de 1962, foi invariavelmente reconhecida comoesforço sincero de aproximação entre posições antagônicas e aparentementeinconciliáveis. A atuação do Brasil no desarmamento é o melhor exemplodo sentido de maturidade que tentamos imprimir à nossa política externa.

Ao ensejo da reabertura dos trabalhos da Conferência de Desarma-mento, o governo brasileiro reiterou a sua crença na necessidade da açãodiplomática em Genebra e a sua esperança de que ali se encontrem oscaminhos da paz desarmada por que tanto anseia a humanidade. É estaesperança que desejo, agora, reforçar, renovando o nosso firme propósitode manter a diplomacia brasileira a serviço da construção de um mundoracional e pacífico, que esteja para sempre liberto das angústias do terrornuclear. Esperança fortalecida com a revisão do caminho percorrido nestesdois anos e que, afinal, se fundamenta na decisão humana de sobreviver.

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DOCUMENTO 46

Entrevista concedida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro àrevista MancheteCircular n. 4.983, de 15 de janeiro de 1964.

Nova política externa

A revista Manchete, em seu número de 25 de janeiro de 1964, publica aseguinte entrevista, concedida pelo embaixador João Augusto de AraújoCastro, ministro das Relações Exteriores, ao jornalista Artur de Sousa.

Existe uma nova política externa no Brasil? Quais são os seus rumos?A Operação Pan-Americana, no governo de JK, foi a primeira tentativapara fixá-los. Em 1961, no de Jânio Quadros, deu-se o reatamento com aURSS. E um observador do Itamaraty foi à Conferência dos Países Não-Alinhados, no Cairo. Era o atual chanceler, embaixador Araújo Castro, quedesde a OPA vem colaborando na reformulação da nossa política exterior.Membro da missão econômica João Goulart à China e chefe da nossadelegação à Conferência do Desarmamento, o ministro das Relações Ex-teriores é um exemplo de coerência na ação diplomática. E hoje ele fala àManchete sobre a verdadeira revolução que se vem operando no Itamaraty:

– Houve avanços enormes. E, em março, na Conferência de Comér-cio e Desenvolvimento, em Genebra, a posição brasileira se definirá comclareza ainda maior. Muitos se obstinam em identificá-la em relação a ape-nas um problema particular, sem enquadrá-la no contexto geral da políti-ca externa. O fato é que o mundo está mudando dia a dia. Cada manhã éradicalmente diferente do mundo da véspera. A posição brasileira de 1964não poderia ser a mesma de 1961. Se a nossa política externa não se adap-tasse ao momento histórico, se converteria em mero exercício acadêmico. OItamaraty não pode ser mera academia de direito internacional, ou umasociedade de debates em terreno puramente ideológico. Em meu recentediscurso na ONU procurei definir a nova posição do Brasil, mostrando que

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nem tudo era Oriente ou Ocidente nas Nações Unidas de 1963. Essestermos dominavam a política internacional até há pouco, mas o mundopossui hoje outros pontos cardeais. O esmaecimento do conflito ideológicoe a progressiva despolitização dos termos Oriente e Ocidente vieram influirnos conceitos de neutralismo e de não-alinhamento. Estes conceitos vãoperdendo a sua consistência à medida que se tornam menos rígidos os pólosque os sustentavam. Quem leu atentamente esse discurso viu que atribuímaior significação à articulação parlamentar, dentro da ONU, das peque-nas e médias potências que se unem, fora ou à margem das ideologias e daspolarizações militares, numa luta continuada em torno de três temas fun-damentais: Desarmamento, Desenvolvimento econômico e Descolonização. Aluta pelo desarmamento é a própria luta pela paz e pela igualdade jurídicade Estados que desejam colocar-se a salvo do medo e da intimidação. A lutapelo desenvolvimento é a própria luta pela emancipação econômica e pelajustiça social. A luta pela descolonização, em seu conceito mais amplo, é aprópria luta pela emancipação política, pela liberdade e pelos direitos hu-manos. Essa articulação parlamentar, ainda não perfeitamente caracteri-zada, transcende os termos da antiga divisão do mundo em Ocidente,Oriente e mundo “não-alinhado” e não faz senão exigir o cumprimento daspromessas já contidas na Carta de São Francisco.

Sem jamais aceitar a designação de neutralismo para sua políticaexterna independente e sem pertencer a blocos, o Brasil integra um siste-ma, o sistema interamericano, que concebemos como um instrumento depaz e de entendimento entre todos os membros da comunidade das nações.Mas, como a generalidade das nações latino-americanas e afro-asiáticas,não poderia estar alheio a essa articulação parlamentar, que certamenteconstitui a ampla maioria dos 111 membros da organização mundial eimpulsiona a sua renovação. Situou-se, assim, não num terreno deneutralismo ou de não-alinhamento, eqüidistante de dois blocos ideológi-cos, mas dentro daquela articulação parlamentar de Desarmamento, Desen-volvimento econômico e Descolonização. Essa colocação do problemasignifica que, num momento de maturidade, o Brasil procurava uma posi-ção autêntica, condizente com seus problemas e com suas reivindicações,e se recusava a colocar a sua política externa em posições inviáveis de oito

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ou oitenta. O Brasil despojou-se, então, de todo e qualquer amadorismo ouimaturidade na conduta de sua política externa.

Para ser verdadeiramente independente, ela tem de ser independentetambém das pressões que derivam de subdesenvolvimento ideológico.

O que definimos na ONU não foi uma política de centro. Foi umapolítica revolucionária, de maturidade e de objetividade. Protestamos contraa tendência das grandes potências nucleares de constituírem-se emdiretório para solução dos problemas mundiais e protestamos fortementepor ter sido o Tratado Parcial de Moscou concluído fora do âmbito daConferência de Genebra. Definimos um conceito de segurança coletiva noterreno econômico, paralelo ao que já vigora no campo político, e reclama-mos medidas rápidas para apressar o processo de descolonização. Nuncao Brasil foi tão maduro e tão independente quanto a partir de 19 de setem-bro de 1963.

Digo tudo isso porque aqui existe uma tendência estéril e infeliz parareduzir um problema político – como é todo problema diplomático – aostermos puros e simples de um problema semântico. Vivemos num país enum momento em que as palavras passaram a valer mais do que as idéias.Daí a confusão reinante.

Embora alguns não se tenham dado conta, a polarização da vida in-ternacional perdeu muito em nitidez. Houve inegável relaxamento de ten-sões. E tornaram-se inviáveis os esforços de mediação entre a UniãoSoviética e os Estados Unidos, que certas potências se tinham habituadoa desenvolver. Hoje em dia, o contato é direto, simbolizado pela existênciado teletipo vermelho entre Washington e Moscou. Isso não significa queas divergências Oriente-Ocidente estejam superadas: o que se pode afir-mar é que elas não se apresentam com o caráter crítico que antes as qua-lificava. As chancelarias norte-americana e soviética continuam a negociare esse clima de negociação tende a manter-se e expandir-se.

O jogo da Guerra Fria continua, mas as regras mudaram. É precisoque nos acostumemos a esse novo esquema da realidade política interna-cional e superemos, em favor de fórmulas mais realistas e criadoras, asanálises anteriores, condicionadas por divisões de rígida polarização. É nessecontexto que se deve situar e compreender a política do Brasil, não só nos

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seus objetivos de paz e de diálogo com todos os povos, mas nos de desen-volvimento econômico para a enorme parcela da humanidade que se en-contra à margem do progresso e das conquistas tecnológicas.

Nossa política exterior configura-se de acordo com duas realidades: aconsciência que já temos dos objetivos de progresso econômico e de justiçasocial, e a responsabilidade aceita de uma participação afirmativa e crescen-te nas relações internacionais. A ação da diplomacia brasileira integra-se noesforço geral do país pela emancipação econômica. Podemos afirmar que,em nenhum momento de nossa história, esteve a atitude internacional doBrasil tão afinada com os anseios do seu povo. Não mais se define, nem seexecuta a política externa à sombra de gabinetes ou em arroubos literários.Hoje em dia, ela encontra a sua autenticidade na fiel interpretação dosobjetivos nacionais e é o reflexo das nossas certezas e das nossas perplexida-des. Repele qualquer subordinação a outras injunções que não as dos legí-timos interesses do Brasil. E é essa segurança de representatividade que lheautoriza a palavra e lhe permite a mais ampla liberdade de análise e ação.

Sem problemas políticos pendentes no campo externo, sem condiçõesrestritivas ou limitativas de sua soberania, sem causas históricas de ressen-timento, sem reivindicações territoriais, o Brasil está hoje em condições deprestar uma contribuição positiva e original no encaminhamento dos gran-des problemas internacionais. Temos pontes naturais para todos os povose todos os continentes; o que não tínhamos até há pouco era o gosto ou ainclinação de utilizá-las.

Na consecução dos seus objetivos nacionais, o Brasil sustenta posiçãoprópria e independente, com a condicionante dos compromissos livrementeassumidos. Assim se caracteriza um país amadurecido, consciente da suapresença na comunidade internacional e decidido a nela conservar a facul-dade de querer e de agir. Temos uma vocação universal e, fiéis a ela,estamos abertos ao diálogo com todos os povos, quer nas Nações Unidas,quer nos contatos bilaterais. E porque identificamos com clareza os nossosobjetivos, não devem assaltar-nos temores de rótulos políticos nem nosangustia a desconfiança de nós mesmos. Seria inadmissível que, nos diasde hoje, vivesse o Brasil sobressaltado com o que se poderia classificar de“más companhias” internacionais ou que se deixasse intimidar por uminjustificável “complexo-de-chapeuzinho-vermelho-diante-do-lobo-mau”.

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A chancelaria brasileira está pronta a negociar, a dialogar, a entender-se comqualquer outra chancelaria, num esforço constante pela aproximação e peloentendimento com todos os povos.

Uma política externa de independência, maturidade e diálogo – aúnica correspondente ao momento histórico e afirmação que vive o povobrasileiro – não se pode condicionar a irrealismos ideológicos, sob pena deminar-lhe as bases e frustrar-lhe os fins. Justamente no momento em quea União Soviética e os Estados Unidos dialogam sem mediadores e inten-sificam negociações, não é plausível que à diplomacia brasileira se desejeimpor uma camisa-de-força. Ou que, no momento em que se rasgam pers-pectivas para o atendimento de nossas reivindicações através de uma atua-ção consistente na comunidade internacional, em que se abrem esperançaspara o processo do nosso desenvolvimento em que é tão intensa a expec-tativa favorável dos demais países em relação ao Brasil – que nesse justomomento, sejamos levados por pressões de grupos extremados à posição deabsoluta impossibilidade de negociação, quer com o Oriente quer com oOcidente, à posição de termos praticamente de fechar os portos que abri-mos ainda em 1808.

Em relação aos problemas internacionais, o importante não é saber seo Brasil está votando com o Oriente, com Ocidente, ou com os neutralistas.O importante é determinar se o Brasil está agindo em defesa de seus le-gítimos interesses, que, aliás, coincidem, em muitos pontos, com os da grandemaioria dos povos. Devemos colocar o rótulo após o remédio e não inven-tar o remédio para ajustar-se a um rótulo predeterminado.

A questão do desarmamentoA assinatura, em agosto passado, do Tratado de Proscrição das Experiên-cias Nucleares na Atmosfera, no Espaço Cósmico e sob as Águas, abriuperspectivas novas para a questão do desarmamento. A última AssembléiaGeral da ONU retomou, à sombra das esperanças que o Tratado deMoscou fez renascer em todo mundo, os debates e negociações sobre oassunto. O Brasil teve uma atuação destacada, de acordo com os seus in-teresses fundamentais e com a posição realista e corajosa que assumiu naConferência de Genebra sobre o Desarmamento.

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A última Assembléia Geral aprovou várias resoluções de importân-cia sobre a questão do desarmamento. Ressalta, entre elas, a Resolução1.884, que constitui uma medida concreta de desarmamento. Aprovada poraclamação e apresentada por um grupo de países entre os quais se achavao Brasil, concita os Estados-membros a se absterem de pôr em órbita ou deinstalar no espaço cósmico armas nucleares e outras de destruição maciça.Essa resolução, juntamente com o Tratado de Moscou, forma um conjun-to de medidas que importam na desnuclearização do espaço cósmico.Desde abril de l963 o Brasil se batia, especialmente no Comitê do EspaçoCósmico da ONU, a favor de um acordo desta natureza. Contudo, acre-ditamos que o trabalho não deve ser deixado pela metade e que o espaçocósmico deve constituir uma área não só desnuclearizada como tambémdesmilitarizada, a exemplo do que foi feito com a Antártida.

Escusado salientar a significação da Resolução 1.884 para todos nós.Ela impede que a carreira armamentista nuclear se estenda ao espaço cós-mico, com conseqüências imprevisíveis para a segurança de todos os países– e não apenas das potências nucleares. Gostaria de lembrar que o assenti-mento norte-americano ao texto da Resolução l.884 foi dado pelo próprio pre-sidente Kennedy ao chanceler Gromiko, algumas semanas antes da tragédiade Dallas, e representa a última das grandes contribuições que o estadistanorte-americano prestou à causa da paz e do entendimento entre as nações.

Outra importante decisão tomada pela última Assembléia Geralsobre desarmamento diz respeito à desnuclearização da América Latina,coroando de sucesso uma sugestão de iniciativa do Brasil, que apresenta-mos nos dias da crise nuclear de outubro de 1962. A Resolução 1.911recomenda aos países latino-americanos o início de estudos visando àdesnuclearização do continente e solicita a cooperação das potências nu-cleares para o acordo eventualmente atingido. Foi aprovada por 91 votoscontra zero e exprime com fidelidade o apoio que a comunidade interna-cional dispensou à iniciativa brasileira.

A Assembléia Geral aprovou ainda duas outras resoluções, versan-do a questão do desarmamento geral e completo, e o problema da suspen-são dos testes nucleares subterrâneos. Ambas constituem os termos dereferência que deverão orientar os trabalhos da Conferência do Desarma-mento no seu próximo período de sessões.

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O Brasil interveio de maneira incisiva nas negociações sobre o desar-mamento. Quando abri o debate na Assembléia Geral, tive a oportunida-de de propor às potências nucleares a conclusão de um acordo de proibiçãodos testes nucleares subterrâneos, que já são passíveis de controle pelossistemas nacionais de detecção. Creio que essa importante proposta me-recerá a melhor atenção da Conferência do Desarmamento a reiniciar-seainda este mês.

Conferência de Comércio e DesenvolvimentoNo campo econômico, teremos, em 1964, um acontecimento internacionalde grande significação – a Conferência das Nações Unidas sobre Comér-cio e Desenvolvimento. A finalidade básica desse conclave, que se inicia-rá em Genebra no mês de março próximo, consiste em rever toda aproblemática do comércio internacional sob o prisma das necessidades dedesenvolvimento dos países de baixas rendas per capita. O que vai ocor-rer, de fato, é a cristalização, em termos de uma reunião que contará coma presença de mais de 115 países, de um longo processo de amadurecimentoda consciência internacional do problema do subdesenvolvimento e, emespecial, de sua projeção no campo das trocas internacionais.

Em todo o após-guerra, as condições de comércio dos países essen-cialmente exportadores de bens primários – como o Brasil – vieram sedeteriorando constantemente, não só pela queda de suas relações de trocacom os países industrializados, mas também pelos efeitos altamente pre-judiciais de instabilidade dos preços internacionais das matérias-primas eprodutos agrícolas. Paralelamente, à medida que grande parte dos paísessubdesenvolvidos se lançava em programas de industrialização e transfor-mação estrutural, foi ficando também cada vez mais nítido que a situaçãoprevalecente no campo do comércio representava sério obstáculo à concre-tização dos anseios de progresso econômico e bem-estar social nas naçõessubdesenvolvidas. O Brasil, de maneira particular, tem vivido muito inten-samente este problema e não é de surpreender a repercussão que já vêmtendo nossas dificuldades de comércio em todas as camadas da população.

Todas essas preocupações afluíram para as Nações Unidas, em suaqualidade de mais alto foro internacional. Há dois anos, ficou decidida a

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realização de uma conferência que examinasse todo o horizonte das trocasmundiais à luz das necessidades de desenvolvimento dos países não-indus-trializados. Partia-se da premissa de que o comércio deveria ser entendidonão como um fim em si, mas como um instrumento, dos mais poderosos,para a aceleração do desenvolvimento econômico.

O caminho percorrido até a convocação da conferência – e mesmodurante as duas reuniões preparatórias já realizadas – foi marcado pordificuldades, mas considero ainda mais importantes os progressos igualmen-te assinalados. Depois de uma resistência inicial, as nações industrializa-das, beneficiárias do sistema vigente, já demonstram maior compreensãodos objetivos dos países em desenvolvimento. Convenceram-se gradativa-mente da justeza de suas reivindicações e da necessidade de uma açãointernacional coordenada, em que é logicamente essencial a concordânciadas nações mais fortes, a fim de que sejam oferecidas, aos países em desen-volvimento, condições de comércio compatíveis com a tarefa histórica deelevar o padrão de vida de dois terços da humanidade. Para tanto, tambémveio contribuir o relaxamento das tensões internacionais – avanço impor-tante que vem desanuviar as ameaças nefastas de uma politização destamatéria de interesse vital para nossos países.

O Brasil, desde os primeiros dias da conferência, desempenha papelmuito ativo na condução do assunto, combinando sua atuação política como melhor de seus esforços técnicos. Assim o fizemos nas duas primeirassessões do comitê preparatório da conferência e nas recentes reuniões doCIES, em São Paulo. Restam-nos, ainda, no caminho para Genebra, aterceira sessão do comitê preparatório e duas significativas oportunidadespara o estabelecimento de uma frente comum e coesa dos países latino-americanos: a realização do Seminário de Peritos Governamentais daCEPAL, em Brasília, a partir de 20 de janeiro, e da segunda reunião daComissão Especial de Coordenação Latino-Americana (CECLA), emBuenos Aires, de 24 de fevereiro a 14 de março. A chancelaria brasileiraempresta importância decisiva a esses dois encontros, convencida de que,para fazer valer seus legítimos interesses, é essencial que os países sub-desenvolvidos em geral, e os latino-americanos em especial, reconheçam aprofunda identidade de seus problemas e se preparem para agir coordena-damente nos foros internacionais, em prol de objetivos comuns.

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Pan-americanismo e OEANo meu entender, o pan-americanismo tem de significar uma atitude desolidariedade diante de problemas comuns – e despregar-se de seu senti-do retórico ou meramente jurídico. Cabe à comunidade latino-americanapromover a revisão dinâmica do pan-americanismo. Nessa ordem de idéias,atribuo grande significado à II Reunião Anual do Conselho InteramericanoEconômico e Social, recentemente realizada em São Paulo, pela oportuni-dade de debate dos problemas latino-americanos e de consideração denovas soluções. Já tive oportunidade de declarar que acho satisfatórios parao Brasil os resultados desse encontro. Se houve divergências durante osdebates, terão sido naturais e previsíveis em conferência que reúne naçõesmaduras e conscientes dos seus interesses. Não esconderei, entretanto, quenão estamos satisfeitos com muito do que se passa na OEA. Nossa posi-ção, em relação à OEA, é francamente revisionista. Mas, é claro que nun-ca abandonaremos foro algum em que possamos fazer ouvir nossa voz edefender nossos pontos de vista.

E temos, evidentemente, de seguir uma linha coerente, quaisquerque sejam as partes interessadas e as tendências políticas dos governosrespectivos. Assim como não negamos à Venezuela o direito de apresen-tar sua queixa contra Cuba, não poderíamos deixar de votar a favor dainclusão da queixa do Panamá contra os Estados Unidos na agenda doConselho de Segurança. Em ambos os casos, a posição do Brasil será de-finida com objetividade, em função das averiguações a serem realizadas.

Como se verifica, não estamos lidando com problemas abstratos, ouposições juridicistas. Estamos lidando com problemas tangíveis e concre-tos, problemas internos brasileiros, que já não podem ser resolvidos fora docampo da cooperação internacional. A política externa do Brasil não éapenas uma posição do Brasil perante o mundo. É, hoje, sobretudo, umareflexão do país sobre si mesmo, sobre seus problemas e suas reivindica-ções.

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DOCUMENTO 47

Entrevista concedida pelo embaixador Jayme Azevedo Rodrigues,secretário-geral adjunto para Assuntos Econômicos do Itamaraty, aoJornal do BrasilCircular n. 5.011, de 27 de janeiro 1964.

Subdesenvolvidos farão, em Brasília, planos para Genebra

Para estudar as reivindicações que o bloco latino-americano levará à Con-ferência de Comércio e Desenvolvimento que a ONU realizará em Gene-bra, em março, peritos em política comercial do continente estarão reunidosamanhã, em Brasília, constituindo o encontro mais uma etapa da formaçãoda grande frente de países subdesenvolvidos que vêem na mudança ur-gente das regras do comércio mundial o caminho exato para encurtar adistância que os separa dos povos industrializados.

O Seminário de Peritos Governamentais em Política e Comércio daAmérica Latina – que se desenvolverá no Hotel Nacional de Brasília atéo dia 28 – resultará na apresentação de um documento a ser submetido,logo em seguida, à reunião da comissão coordenadora latino-americanacriada na última reunião do CIES e que terá por objetivo unificar o pontode vista latino-americano e traçar a estratégia para Genebra.

Não é panacéiaEm entrevista ao Jornal do Brasil sobre preparativos e as perspectivas emtorno da Conferência de Genebra, o embaixador Jayme de AzevedoRodrigues, secretário-geral adjunto para Assuntos Econômicos do Itama-raty – e que integrará o alto comando da delegação brasileira à reunião deBrasília – declarou que:

– É conveniente fixarmos, de modo preciso, a nossa compreensãosobre a Conferência de Comércio e Desenvolvimento: não encaramos esteconclave como uma panacéia para todos os males que afligem os paísessubdesenvolvidos no campo das trocas internacionais. Não seria possível,

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e disto temos perfeita consciência, alterar – em três meses de negociação,que é o tempo de duração previsto para a conferência – todo um quadro derelações econômicas cujas raízes históricas não encontraríamos neste século.Sua real significação e a real importância que a ela empresta o governobrasileiro advêm do fato de que esta conferência constitui a primeira res-posta internacional, no foro da ONU, ao problema do comércio em suascorrelações com o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos.

Para o embaixador Jayme Rodrigues,

– Qualquer esforço empreendido em prol da conferência e toda amobilização de recursos técnicos por ela ensejada, no âmbito interno ouexterno, não se esgotam com sua realização; mas, pelo contrário, irão con-tribuir para o amadurecimento de uma consciência universal do problemabásico de nosso tempo e, por via de conseqüência, para o aperfeiçoamentodos instrumentos de cooperação internacional, orientada para a elevaçãodos níveis de renda de dois terços da humanidade.

Entra o GATTApós frisar que uma ativa participação brasileira na Conferência de Comér-cio e Desenvolvimento da ONU não implica o abandono de nossas linhastradicionais de ação econômica exterior, pois não cuidaremos de modo al-gum das vias bilaterais ou qualquer outro foro internacional, disse o diplo-mata que, entretanto, o exame integrado de nossos problemas de comércioexige uma reavaliação – e o eventual reajustamento – de procedimentos enormas cuja aplicação não foi suficiente para tornar dispensável a realiza-ção da conferência. “Nesse sentido, vale elucidar a confrontação que temsido feita entre a conferência e o GATT capaz de conduzir à errônea no-ção que se trata de foros conflitantes ou caminhos contraditórios”.

O GATT é um organismo de composição limitada, ao qual não per-tence a maioria dos países subdesenvolvidos e socialistas, destinado pre-cipuamente a promover a expansão do comércio internacional mediante oabaixamento recíproco das tarifas aduaneiras de suas partes contratantes.Somente nos últimos anos, diante do agravamento continuado dos proble-

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mas de comércio dos países subdesenvolvidos, registrou-se no seio daqueleorganismo um impulso renovador que, extravasando os quadros originaisdo acordo, buscavam encontrar soluções paralelas para os problemas depaíses subdesenvolvidos, especialmente no campo dos produtos de base.

ReformasEsse movimento vem-se aprofundando e já agora assistimos ao examecrítico da própria adequação das normas e princípios do GATT às neces-sidades peculiares das economias não industrializadas – pelo qual se com-provam, entre outras, a impropriedade de exigir, dos países menosdesenvolvidos, concessões tarifárias equivalentes àquelas outorgadas porpaíses altamente industrializados e as distorções causadas pela aplicaçãoindiscriminada da cláusula da nação mais favorecida.

O Brasil, reconhecendo há muito a inadequação da própria filosofiacomercial que preside ao GATT, foi sempre um dos maiores batalhadoresem prol das tendências reformistas, mas não nos pode escapar a constataçãode que os resultados até hoje obtidos – e as perspectivas futuras – estãomuito aquém do mínimo desejável, como bem demonstraram recentesreuniões do GATT.

Segurança econômicaTodavia, mesmo que a situação dos países em desenvolvimento, noGATT, fosse extremamente vantajosa, o que está longe de ser, nem porisso perderia a conferência sua razão de ser e sua significação para o Brasil.E isto porque, não bastasse a presença, na conferência da ONU, dos minis-tros do comércio de mais de 110 países, a mera enumeração dos tópicos desua agenda demonstra que lá iremos tratar não só do comércio de produ-tos de base e manufaturas, mas ainda do problema dos invisíveis (fretes,seguros, royalties e demais serviços), das questões múltiplas do financia-mento (compensatório e outros), dos efeitos dos agrupamentos econômicosregionais (seja de países desenvolvidos como a CEE e o COMECON, sejade países subdesenvolvidos) e, finalmente, do mecanismo institucional vi-gente, com vistas a corrigir inúmeras justaposições e duplos empregos quehoje prevalecem a efetuar os aperfeiçoamentos e inovações que se façam

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necessários para assegurar o atendimento mais racional e eficiente dos re-quisitos de comércio dos países subdesenvolvidos. Dentro deste últimoitem certamente será estudado o GATT, como um dos organismos dessecomplexo mecanismo institucional que compreende mais de 40 órgãos,como também se estudará a viabilidade de criação de um organismo, nosquadros da ONU, capaz de abranger em sua totalidade os problemas re-lacionados na agenda da Conferência de Comércio e Desenvolvimento.

Compreendida esta, em sua inteireza, verifica-se que se trata, portan-to, de uma etapa essencial para o advento da segurança econômica coleti-va, imprescindível à consecução dos princípios da ONU.

Governo ditaráApós classificar de “boa” a receptividade encontrada até agora de parte dosdemais países do continente, quanto aos preparativos para a Conferênciade Genebra, ressaltou o embaixador Jayme Rodrigues que, no que toca aoBrasil, nossa ação tem sido discreta e rotineira, mas sumamente intensa.Explicou que cinco grandes grupos de trabalho estão aprontando estudosque vão servir para a formulação de política a ser sugerida pelo nosso paísem Genebra. Esses estudos passarão pelo crivo de uma comissão intermi-nisterial de alto nível – cujo decreto de criação foi submetido ao presidenteda República, nas últimas horas – e que será integrada pelos ministros doExterior, da Fazenda, da Agricultura, das Minas e Energia, da Indústriae Comércio e pelo coordenador do Planejamento Nacional.

Todas as missões diplomáticas brasileiras no exterior foram mobiliza-das no estudo de aspectos diversos dos assuntos que serão abordados emGenebra e observadores pessoais foram mandados, nas últimas semanas,para os Estados Unidos (a fim de estudar questões ligadas ao funcionamen-to dos organismos financeiros internacionais, principalmente) e à Europa(para preparar um relatório sobre o Mercado Comum Europeu e oCOMECON, notadamente).

Na linha certaO embaixador Jayme de Azevedo Rodrigues, procurando mostrar que jáé sentido – como prova recente editorial do jornal norte-americano New

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York Times – o acerto da posição brasileira no que toca à discussão do pro-blema de comércio internacional e à tese de que deve ter papel meramentesupletivo a assistência externa no financiamento do desenvolvimento eco-nômico dos países de baixas rendas per capita, assinala alguns trechos dessecomentário. Reconhece o jornal, a certa altura, que “as quedas nos preçosdos produtos primários têm, de fato, retirado mais recursos dos países emdesenvolvimento do que estas nações receberam através da crescente as-sistência”.

Lembra, então, o embaixador, que, apesar disso, quando o governodefende seus pontos de vista sobre o assunto, não faltam vozes para acu-sar uma distorção dos fatos. Acrescentou, contudo, o secretário-geral deAssuntos Econômicos do Itamaraty, que o Brasil está agora, mais do quenunca, preocupado em participar, à altura de suas responsabilidades, dagrande ofensiva que os países subdesenvolvidos começaram a empreenderaté a Conferência de Genebra, onde esperam discutir soluções através dasquais, exclusivamente, poderão acelerar seu processo de desenvolvimen-to econômico e social.

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DOCUMENTO 48

Discurso do chanceler João Augusto de Araújo Castro na sessão de ins-talação da Comissão Interministerial Preparatória da Conferência In-ternacional de Comércio e Desenvolvimento, em 19 de fevereiro de 1964Circular n. 5.051, de 20 de fevereiro de 1964.

É para mim motivo de grande satisfação inaugurar os trabalhos dacomissão interministerial encarregada de preparar a posição do Brasil naConferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

Já temos hoje, no Brasil, a perfeita consciência do papel que devedesempenhar o comércio exterior na aceleração e sustentação de nossodesenvolvimento econômico. Nesse sentido, é inteiramente justificável aimportância que o governo brasileiro vem atribuindo ao futuro conclave,como prova de nossa determinação em pugnar internacionalmente pelareversão das tendências de comércio que tanto vêm prejudicando os paí-ses em desenvolvimento.

A verdadeira extensão do problema com que nos defrontamos ficaevidenciada pelos seguintes fatos:

a) o volume das exportações totais dos países em desenvolvimentocresceu a uma taxa muito baixa entre 1950 e 1960 (3,6%), equi-valente a aproximadamente a metade do crescimento das expor-tações dos países desenvolvidos e a um terço da taxa dos países deeconomia centralmente planificada;

b) o preço médio das exportações do conjunto dos países em desen-volvimento pouco cresceu em relação ao nível registrado em 1950;no mesmo período, os preços de suas importações elevaram-se demaneira significativa, daí resultando uma deterioração global de 9%nos termos de intercâmbio dos países em desenvolvimento;

c) como resultado da interação dos dois fatores acima apontados, aparticipação dos países subdesenvolvidos no comércio interna-cional caiu de 30% para 20% entre 1950 e 1960, enquanto, nomesmo período, crescia a participação dos países industrializados

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de 60% para 67% e dos países de economia centralmente plani-ficada de 8% para 12%;

d) como conseqüência final, reduziu-se violentamente o poder decompra dos países subdesenvolvidos, com o resultante estrangu-lamento da capacidade para importar, justamente quando o de-senvolvimento faz crescerem suas necessidades essenciais deimportação.

É dentro desse quadro de graves condicionantes, objetivamenteverificadas e quantificadas, que se insere a Conferência das Nações Uni-das sobre Comércio e Desenvolvimento e, em particular, a atuação cadavez mais consciente dos países subdesenvolvidos, com o fim de alterar oquadro do intercâmbio mundial. Esses esforços, contudo, nada têm deacidental e, para sua plena compreensão, torna-se imprescindível que te-nhamos bem vivos os antecedentes do futuro conclave.

A necessidade de uma perspectiva histórica mínima nos leva a exa-minar esquematicamente a evolução do pensamento econômico internacio-nal em matéria de comércio no após-guerra, embora saibamos perfeitamenteque as verdadeiras raízes da situação presente estejam em um passadobastante remoto. Em 1948, como fruto de longa preparação, as NaçõesUnidas fizeram realizar a Conferência de Comércio e Pleno Emprego, daqual resultou a Carta de Havana; seu objetivo fundamental era a norma-lização das relações comerciais, desorganizadas profundamente pelo con-flito mundial, e, mais ainda, a tentativa de restabelecer as condições deintercâmbio vigentes antes da grande depressão mundial da década de 30.Esta Carta ainda refletia uma consciência pouco madura das dificuldadeshoje encontradas pelos países em desenvolvimento e se ocupava largamen-te com as questões de reconstrução e do pleno emprego. São bem conhe-cidos os elementos políticos que impediram a ratificação da Carta deHavana por parte de grandes potências comerciais. Sobre as ruínas daOrganização Internacional de Comércio, criada pela Carta, levantou-se,então, um arcabouço parcial, hoje conhecido como Acordo Geral de Tari-fas e Comércio – o GATT. Desde o início, se revelou a orientação do acor-do geral lesiva aos interesses dos países subdesenvolvidos, pela razão

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mesma de que os requisitos e necessidades desses países eram conflitantescom os ideais do acordo extirpado da Carta de Havana. Esses ideais eram,substancialmente, a eliminação geral de tarifas e outros obstáculos ao co-mércio, e a não-discriminação das relações tarifárias e comerciais entre cadapaís e todos os demais países.

Dado que, ao lado desses princípios, não se introduziu o reconhe-cimento da correlação peculiar entre o desenvolvimento econômico e o co-mércio internacional, bem como da disparidade econômica entre paísesindustrializados e subdesenvolvidos, o GATT terminou sendo um ajusteadequado apenas aos países desenvolvidos. Não caberia aqui levar a cabouma análise conceitual do GATT, nem mesmo um estudo de seu funcio-namento. Todavia, é necessário fixar, ainda que em termos esquemáticos,as maiores deficiências do acordo geral, no que concerne aos países emdesenvolvimento, e que são as seguintes:

a) o acordo geral adotou o princípio da plena reciprocidade nas ne-gociações tarifárias, evidentemente prejudicial aos países não-industrializados; somente no ano passado, no foro do GATT, asnações industrializadas concordaram em reconhecer o princípio dareciprocidade relativa;

b) a condescendência do GATT com respeito ao emprego de restri-ções quantitativas por parte dos países desenvolvidos, como ins-trumento protecionista, prejudicou e prejudica as exportaçõesagrícolas e minerais dos países em desenvolvimento, sendo aindade assinalar o florescimento da doutrina de “desorganização demercados”, criada pelos países industrializados, que atinge aosbens manufaturados exportados pelos subdesenvolvidos;

c) o princípio da não-discriminação, corporificado no GATT pelacláusula da nação mais favorecida, não cancelou as preferênciasexistentes quando de sua criação e, o que é mais importante,permitiu a extensão de preferências após a formação da Comuni-dade Econômica Européia;

d) o desinteresse de grande número de países subdesenvolvidos e depaíses de economia centralmente planificada em ingressar no

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GATT faz com que parcela significativa das trocas mundiais serealize virtualmente em um vácuo institucional.

Esta descrição superficial das deficiências fundamentais do GATTé muito elucidativa do tipo de mecanismo institucional que regeu e,logicamente, influenciou a evolução mais recente dos problemas de inter-câmbio dos países menos desenvolvidos. Não foi por mero acaso ou coin-cidência que, durante o período de vigência do GATT como principal forodas questões de comércio internacional, a participação dos países subde-senvolvidos veio caindo, gradativa, mas implacavelmente, até nos confron-tarmos com a situação atual.

Dos dias de Havana até hoje e em conseqüência mesmo da perda desubstância econômica a que estão submetidos os países subdesenvolvidosatravés do comércio, veio se consolidando, a pouco e pouco, a consciênciada necessidade de uma profunda modificação no mecanismo das trocasmundiais. Muitos fatores contribuíram para o despertar desta consciência,sendo de justiça assinalar o papel relevante exercido nesta matéria pelasNações Unidas, seja através dos estudos técnicos conduzidos por aquelaorganização, seja pelas oportunidades de confrontação internacional por elaoferecidas. Também no GATT se fizeram sentir as influências renovado-ras, como demonstram as reformas – conquanto tímidas e periféricas – de1955 e, alguns anos depois, o relatório Harbeler, que cristalizou uma aná-lise profunda das dificuldades de comércio dos países em desenvolvimen-to. Ainda na década de 50, os amplos debates internacionais queprecederam a formação da Comunidade Econômica Européia e se segui-ram à assinatura do Tratado de Roma colocaram, com grande intensidade,a questão do comércio internacional – e, particularmente, os problemas dospaíses subdesenvolvidos – sob os refletores da opinião mundial e dos cír-culos econômicos nacionais.

Ao longo de todo este processo, o traço mais característico é a crescentecompreensão dos próprios países em desenvolvimento da identidade bá-sica de seus problemas e da necessidade de uma ação comum, dotada deinevitável carga política, no sentido de alertar as grandes potências indus-triais para a necessidade de reversão das tendências do comércio mundial.

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Foi, assim, amadurecendo a iniciativa de convocação de uma grande con-ferência internacional de comércio, em que a revisão do mecanismo exis-tente já se pudesse fazer à luz dos requisitos de desenvolvimento dos paísesde baixas rendas per capita. Na Assembléia Geral de 1961, foi aprovadauma resolução requisitando ao secretário-geral das Nações Unidas queauscultasse a opinião dos Estados-membros sobre a convocação de tal con-ferência. No mesmo ano, uma reunião ministerial do GATT acentuou aimprescindibilidade de medidas urgentes em prol dos países em desenvol-vimento, sem, contudo, oferecer qualquer continuidade prática às grandi-loqüentes afirmações de boas intenções então formuladas. No anoseguinte, grande número de países subdesenvolvidos se reuniu no Cairo,a fim de trocar impressões sobre as dificuldades, internas e externas, quevinham comprometendo seus esforços em prol do progresso econômico e osincapacitando de atender aos legítimos reclamos sociais de seus povos,concluindo pela necessidade de convocação de ampla conferência quereexaminasse, a fundo, o mecanismo das trocas mundiais.

Na XVII Assembléia Geral das Nações Unidas, em fins de 1962,afinal se cristalizaram as inquietações dos países em desenvolvimento,nascidas da realidade implacável de um comércio empobrecedor. Mas, nementão encontraram facilidades para a concretização preliminar de seusjustos objetivos. É preciso relembrar aqui, para que tenhamos a noção exatado caminho já percorrido e das dificuldades que a matéria oferece, que, noseio da segunda comissão da Assembléia Geral, votaram contra a convo-cação da conferência dez países, dentre os quais se incluíam as grandesnações comerciais do mundo, responsáveis por bem mais da metade docomércio mundial. Caracterizava-se, assim, a relutância dos países bene-ficiários do sistema vigente em comparecer a um conclave no qual os paí-ses em desenvolvimento levariam a necessidade de revisão das própriasbases do intercâmbio mundial. Dentre os argumentos opostos à realizaçãoda conferência, um dos principais dizia respeito à ameaça de que os paísesde economia centralmente planificada transformassem o conclave em umforo de debate político.

O governo brasileiro, desde a primeira hora, manifestou sua repulsaà tentativa de transformar a questão da conferência – seja por ação, seja por

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omissão – em plataforma para o embate de posições políticas de grandesblocos de países desenvolvidos. Desse modo, não aceitando a validadedaquele argumento, não poderíamos concordar com a politização da matériapor quaisquer países, pois o problema das nações subdesenvolvidas é tãopremente e tão sério, que não pode ficar sujeito ao jogo de interesses dessanatureza. Por outro lado, não havia por que temermos a manifestação deapoio dos países de economia centralmente planificada à conferência, dadoque, como é do conhecimento geral, esses países chegaram a um estágio dedesenvolvimento em que dificilmente poderão manter as taxas atuais decrescimento sem uma expansão acentuada de suas trocas com o resto domundo, o que tem sido sobejamente evidenciado pela significativa evoluçãorecente de seu intercâmbio com os países desenvolvidos de livre empresa.

É um fato positivo, todavia, que a resolução convocatória da conferên-cia, ao ser apresentada ao plenário da Assembléia Geral, fosse, enfim, apro-vada por unanimidade, numa expressiva evolução da atitude inicialmenteassumida pelas grandes potências comerciais e, ao mesmo tempo, numaeloqüente demonstração da firmeza de propósitos dos países subdesenvol-vidos ao reivindicar o exame internacional de seus problemas de comércio.

Os debates conducentes à convocação da conferência tiveram profun-do significado, ao fixar, de modo definitivo, a correlação entre o comérciointernacional e o desenvolvimento econômico. O Brasil, nessa ocasião,reputou o conceito anacrônico do comércio como um fim em si mesmo,pugnando pela conceituação do intercâmbio como meio, como instrumen-to para o desenvolvimento econômico. Ainda nessa oportunidade, a dele-gação brasileira demonstrou que, mesmo na hipótese em que tanto os paísesindustrializados quanto os países subdesenvolvidos crescessem a umamesma taxa de 5% ao ano, a renda média per capita dos países em desen-volvimento passaria, em uma geração, de 120 para 250 dólares. Isto sig-nifica que os desníveis mundiais de renda cresceriam de 12 para 15 vezes,com conseqüências econômicas e políticas imprevisíveis. Partindo dessaverificação – e da premissa de que o único fim legítimo da cooperação in-ternacional deva ser a superação das discrepâncias entre nações ricas enações pobres –, o Brasil e os demais países subdesenvolvidos pugnarampelo reconhecimento do comércio internacional como única alavanca paraa concretização desta imensa tarefa.

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Convocada a conferência, foi criado um comitê preparatório integradopor 32 países – dentre os quais, o Brasil – que realizou ao todo três sessões.

A primeira sessão do comitê preparatório – reunida em Nova York de22 de janeiro a 4 de fevereiro de 1963 – se destinou à elaboração da agen-da provisória da conferência, ocasião em que se observaram duas grandestendências: de um lado, os países desenvolvidos favoreciam um temário tãogenérico e vago quanto possível e procuraram limitar o escopo do conclaveprincipalmente ao campo dos produtos de base. Em situação oposta seencontravam o Brasil e diversos outros países em desenvolvimento, advo-gando a necessidade de que a agenda da conferência fosse o mais analíti-ca e técnica possível, bem como suficientemente ampla para cobrir todos osproblemas de comércio dos países não industrializados, o que a faria abran-ger, além dos produtos de base, as questões referentes a manufaturas,invisíveis, financiamento, agrupamentos econômicos, regionais e mecanis-mo institucional. Como resultado do entrechoque destas duas tendências,formulou-se uma agenda provisória bastante larga, capaz de compreendertodos os temas acima mencionados. Embora estivesse longe de ser tãominucioso quanto o projeto apresentado pelo Brasil, o texto resultante sóse afastava substancialmente do nosso ao deixar de mencionar especifica-mente a questão do estabelecimento de uma nova organização internacio-nal de comércio, ponto em que era mais intensa a oposição dos paísesdesenvolvidos.

O comitê preparatório realizou sua segunda sessão em Genebra, de21 de maio a 29 de junho de 1963. Nessa ocasião, procedeu-se à identi-ficação dos problemas de comércio internacional dos países em desenvol-vimento e a uma primeira formulação das linhas possíveis de solução.

A delegação do Brasil contribuiu ativamente para estender eaprofundar esta análise, não só através de intervenções orais, mas tambémpela apresentação de vários documentos ao comitê. O relatório da sessãoconstitui peça realmente importante, ao relacionar exaustivamente osmúltiplos aspectos da problemática das trocas mundiais. Mas o verdadei-ro significado desta segunda sessão foi demonstrar a exeqüibilidade doconfronto de teses entre países subdesenvolvidos e desenvolvidos, sem queesta necessária confrontação se traduzisse em termos de antagonismo.

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Ao fim desta sessão e como fruto do trabalho construtivo que forarealizado, os países subdesenvolvidos integrantes do comitê preparatórioformularam uma declaração conjunta, que resume suas reivindicações fun-damentais no campo do comércio. Nesse documento, em cuja redação oBrasil contribuiu ativamente, releva notar o reconhecimento da necessidadede ser estabelecida nova divisão internacional do trabalho, com novospadrões de produção e comércio, a qual somente poderá resultar da alte-ração profunda do atual mecanismo de trocas. Vale ainda assinalar que, notranscorrer da XVIII sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, estadeclaração foi subscrita por todos os demais países subdesenvolvidos,perfazendo um total de 75.

Esta declaração, além do significado intrínseco dos conceitos nelaincorporados, reflete de maneira nítida a crescente solidariedade dos paí-ses em desenvolvimento, a consciência de problemas e interesses comunse o fortalecimento da vontade política de agirem conjuntamente em prol doatendimento de suas legítimas reivindicações comerciais. Tem sido umaconstante do comportamento brasileiro nos trabalhos preparatórios daconferência o conferir a mais alta prioridade a todas as iniciativas conducen-tes a um maior entrosamento dos países subdesenvolvidos.

Em particular, o Brasil envidou seus melhores esforços a fim de asse-gurar a coordenação dos países latino-americanos, capaz de permitir-lhesuma atuação coerente e coesa na futura conferência. Movido por tais propó-sitos, o Brasil incentivou o debate dos problemas de comércio da AméricaLatina dentro das perspectivas abertas pela Conferência sobre Comércio eDesenvolvimento, durante a II Reunião Anual do Conselho Interameri-cano Econômico e Social, realizada em São Paulo, em outubro-novembrode 1963. Ao inaugurar os trabalhos em nível ministerial dessa reunião, opresidente João Goulart reiterou o papel relevante do comércio na continui-dade e aceleração do processo de desenvolvimento e, referindo-se especi-ficamente ao próximo conclave, afirmou que:

no momento em que as Nações Unidas voltam a ingressar no terrenocapital das trocas mundiais, é absolutamente imprescindível que a

América Latina esteja preparada para apresentar conjuntamente seus

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pontos de vista, lutando lado a lado por seus interesses mais altos e

duradouros.

Ao fim dos importantes debates travados em São Paulo, foi unanime-mente aprovada uma resolução criando a Comissão Especial de Coorde-nação Latino-Americana (CECLA), que se reunirá em Alta Gracia,Argentina. Compõem esta comissão todos os países latino-americanosmembros do CIES, dela participando, na qualidade de observadores, osEstados Unidos da América e os países subdesenvolvidos da África e daÁsia integrantes do comitê preparatório da conferência. À tal comissão, cabeo elevado encargo de promover a coordenação política dos países latino-americanos, formulando recomendações sobre as posições que, em geral,deverão ser por eles sustentadas na futura conferência.

Os esforços de aproximação dos critérios políticos latino-americanosprecisavam obviamente fundar-se sobre bases técnicas. Tendo em mira anecessidade de assegurar tais fundamentos, o Brasil foi co-autor, juntamen-te com o Chile, de uma resolução apresentada durante o X período desessões da CEPAL, em março de 1963, a qual determinava a realizaçãode um encontro de especialistas em matéria de comércio, que se destinariaa coordenar as posições técnicas dos países latino-americanos na próximaconferência. Como testemunho da importância que atribuía a esteconclave, o Brasil propôs a cidade de Brasília como sua sede, onde afinalse realizou, de 20 a 26 de janeiro do corrente ano, a Reunião de PeritosGovernamentais da América Latina em política comercial.

Com base no excelente relatório submetido pela CEPAL à reuniãode Brasília, puderam os peritos latino-americanos efetuar o equacionamen-to dos múltiplos e complexos problemas de comércio exterior enfrentadospor seus países, do qual resultou o reconhecimento de uma ampla identi-dade de situações, interesses e objetivos. O sentido dos debates entãotravados está fielmente expresso no importante corpo de conclusões apro-vadas, as quais cobrem as questões referentes aos princípios que devemgovernar a nova estruturação do comércio internacional e as recomendaçõesespecíficas no campo dos produtos de base, das manufaturas, dos invisí-veis, do financiamento, da diversificação geográfica do intercâmbio latino-

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americano e do mecanismo institucional. O verdadeiro significado destasconclusões transparece no fato de que, em nenhuma instância anterior, re-presentantes de países subdesenvolvidos haviam articulado de maneira tãocompleta e minuciosa seus requisitos comerciais e as linhas de ação inter-nacional necessárias à satisfação desses requisitos.

Muito recentemente, de 3 a 14 do corrente mês, realizou-se em NovaYork a terceira sessão do comitê preparatório, ao longo da qual se fixaramalgumas das mais importantes questões administrativas pendentes e seaprovou a agenda provisória da conferência, tendo sido mantido o textoformulado na primeira sessão daquele comitê. Paralelamente aos trabalhosformais do comitê, tiveram lugar valiosos contatos informais entre os paí-ses da América Latina e demais subdesenvolvidos, da África e da Ásia,com base inclusive nas conclusões da reunião de Brasília. Tais contatos,ainda que por natureza preliminares, são suficientes para demonstrar que,a despeito de algumas naturais divergências quanto a questões concretasde efeito imediato, existe entre os países subdesenvolvidos de todos oscontinentes uma efetiva comunhão de interesses, capaz de sustentá-los emposições bastante próximas na futura conferência.

No caminho para Genebra, resta-nos agora somente a reunião daCECLA, que se iniciará em Alta Gracia, a 24 do corrente mês. Como sedisse anteriormente, será este o momento para cuidar da coordenaçãopolítica das posições dos países da América Latina na conferência, capazde habilitá-los a multiplicar seu poder de barganha na defesa de interes-ses comuns. Nessa oportunidade, deverão também ser examinados os cri-térios dos países subdesenvolvidos de África e Ásia, seja mediante apresença dos observadores que integram o comitê preparatório, seja atra-vés das impressões recolhidas na recém-finda sessão deste comitê.

Este é, portanto, o quadro de compromissos internacionais dentro doqual se desenrolam os trabalhos preparatórios da Conferência das NaçõesUnidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Pela própria natureza destastarefas, coube, principalmente, ao Ministério das Relações Exteriores acondução das atividades brasileiras nesta fase, conquanto tenham partici-pado das delegações do Brasil a estas diversas reuniões representantes deoutros órgãos da administração e de entidades de classe, tal como consta do

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documento hoje distribuído à comissão interministerial. Neste documen-to, se expõe, igualmente, o esquema seguido na preparação preliminar daposição brasileira no futuro conclave, para a qual contribuíram e estão con-tribuindo inúmeros órgãos e elementos do serviço público e de entidadesprivadas.

Dos intensos trabalhos, internos e externos, que compõem até omomento a preparação da conferência de comércio e desenvolvimento,podemos extrair um ensinamento fundamental: o futuro conclave não é umacaso na evolução das relações econômicas internacionais. Sua realizaçãonão obedece a impulsos aleatórios ou a motivações passageiras. Pelo con-trário, a conferência traduz a cristalização de inquietações crescentes e deproblemas inadiáveis, que põem em jogo a própria viabilidade do desen-volvimento dos países não industrializados, sem quebra das instituiçõesdemocráticas e sem a aceitação de pesados custos sociais. Assistiremos aoretorno das Nações Unidas a um terreno realmente vital das relações inter-nacionais – pouco mais de 15 anos após o fracasso da Carta de Havana – enão somente encontraremos uma nova configuração de forças nas NaçõesUnidas, mas igualmente modificada a compreensão mundial dos problemascom que nos vamos defrontar.

Dentro desse contexto, a atuação do Brasil com respeito à conferênciade comércio e desenvolvimento tem seguido, até aqui, três grandes diretri-zes: a da responsabilidade dos países subdesenvolvidos na colocação de seusproblemas de comércio, a da necessidade de que esta colocação se faça demaneira incisiva e, finalmente, a de que os países subdesenvolvidos defen-dam com vigor o atendimento satisfatório de suas justas reivindicações.

Quanto à primeira dessas diretrizes, significa ela que não podemosesperar que partam dos países desenvolvidos, beneficiários do sistemavigente, as iniciativas conducentes ao equacionamento e à análise de nos-sos problemas de intercâmbio. É esta uma responsabilidade que recai so-bre os países prejudicados pelo atual mecanismo de trocas, sobre os quevêem seus esforços de desenvolvimento sacrificados pela implacável per-da de substância econômica através do comércio. E é exatamente a perfei-ta compreensão deste encargo, fortalecida pela consciência de uma naturalcomunhão de objetivos e aspirações, que deve conduzir os países subde-

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senvolvidos a uma atuação cada vez mais dinâmica e solidária na defesa deseus interesses em todos os foros internacionais.

A partir da noção desta responsabilidade, chegamos à segunda pre-missa: a de que os países subdesenvolvidos devem colocar de maneiraincisiva, clara e inequívoca suas necessidades de comércio e, conseqüen-temente, suas reivindicações. Existe uma diferença real entre as condiçõescomerciais dos países em desenvolvimento e dos países industrializados, daqual decorrem interesses diferentes e até mesmo divergentes. Enquantoesta confrontação não for inteiramente explicitada, enquanto não foremdemarcadas com precisão as áreas de interesses comuns e as áreas de in-teresses antagônicos, enquanto perdurarem as indeterminações e as incer-tezas – os países subdesenvolvidos, econômica e comercialmente maisdébeis, serão sempre prejudicados. É fundamental, portanto, que nósmesmos saibamos formular nossas reivindicações e que as levemos aospaíses desenvolvidos com pleno conhecimento do que significará sua acei-tação ou sua recusa.

Assim o fazendo, restará apenas aos países subdesenvolvidos defen-der com vigor e combatividade – em todos os foros internacionais – o aten-dimento de suas reivindicações comerciais. A reversão das atuais tendênciasdo intercâmbio mundial depende essencialmente, como se declara comfreqüência, da manifestação de uma vontade política dos países industria-lizados, em virtude mesmo de sua potencialidade comercial. Mas não hádúvida de que esta vontade política só surgirá, verdadeiramente, se encon-trar a contrapartida da vontade política dos países subdesenvolvidos,dirigida à satisfação internacional de seus justos e inadiáveis reclamos. Senão estamos a pleitear concessões indevidas, seria injustificável e contra-producente transigir na aceitação de vantagens superficiais ou manifesta-ções vazias e ineficazes de boas intenções.

Acima de tudo, é importante ter em mente que o processo de reivin-dicação dos países subdesenvolvidos, no campo do comércio, apenas seinicia. Três meses de negociações, por mais frutíferas que sejam, não che-garão obviamente a alterar o quadro – para nós tão adverso – em que sedesenrolam as trocas mundiais. A Conferência das Nações Unidas sobreComércio e Desenvolvimento é, sem dúvida, um grande acontecimento na

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vida das relações econômicas internacionais. Mas, o mais importante éguardarmos a perspectiva de que a conferência é um marco, e apenas ummarco, no esforço que devemos estar prontos para manter por muitos anosno futuro.

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DOCUMENTO 49

Resumo noticioso, distribuído à imprensa, acerca dos objetivos e resultadosda reunião da Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana,realizada em Alta Gracia, de 24 de fevereiro a 6 de março de 1964Circular n. 5.078, de 11 de março de 1964.

Significado da reunião de Alta GraciaA Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana (CECLA), quese reuniu em Alta Gracia, Argentina, foi criada pela II Reunião Anual doCIES em nível ministerial, realizada em São Paulo no mês de outubro de1963. Como órgão político, competia à CECLA estabelecer as bases de-finitivas de coordenação dos países da América Latina, com vistas a umaatuação conjunta na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio eDesenvolvimento, a se iniciar em Genebra a 23 de março.

A reunião de Alta Gracia representou, assim, o ponto final de um longoprocesso de unificação dos critérios de política comercial da América Lati-na, que foi sendo consolidado através das três sessões efetuadas pelo co-mitê preparatório da conferência e, em particular, nos seguintes conclavesde âmbito regional: a X sessão da CEPAL, em Mar del Plata; a II ReuniãoAnual do CIES, em São Paulo; as reuniões de peritos independentes daAmérica Latina, realizadas pela CEPAL em Santiago; e, ultimamente, aReunião de Peritos Governamentais da América Latina, que teve lugar emBrasília, sob os auspícios da CEPAL, em janeiro do corrente ano.

Resultados da reunião de Alta GraciaAo fim de duas semanas de deliberações – de que participaram, na qua-lidade de observadores, representantes dos Estados Unidos, Índia, Iu-goslávia, Senegal, Nigéria, Paquistão, Tunísia e República Árabe Unida –os países latino-americanos formularam a Carta de Alta Gracia. Esta Cartase compõe de três partes:

I Declaração de Alta Gracia: em que são expostas a situação dospaíses em desenvolvimento no quadro do intercâmbio mundial, a

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necessidade de reestruturação do comércio internacional e os prin-cípios a serem defendidos pelos países da América Latina, a fimde que esta reestruturação transforme o comércio em instrumen-to eficaz para o desenvolvimento. Esta declaração contém igual-mente a manifestação do desejo latino-americano de coordenarsuas posições com as dos países em desenvolvimento de outroscontinentes.

II Princípios gerais: onde estão explicitadas as diretrizes que, a juízodos países latino-americanos, devem reger a nova estruturação docomércio internacional a fim de adequá-lo às necessidades dedesenvolvimento dos países subdesenvolvidos e, conseqüente-mente, contribuir para diminuir a diferença hoje crescente entre osníveis de renda, que os separa dos países industrializados.

III Conclusões gerais: em que se definem as normas e medidas cor-respondentes aos produtos primários, manufaturados, invisíveis,financiamento, diversificação geográfica do comércio, agrupa-mentos econômicos de países em desenvolvimento e estruturainstitucional.Essas conclusões são as de Brasília que receberam agora confir-mação política por parte dos governos latino-americanos.

Propósitos do Brasil em Alta GraciaOs propósitos do Brasil em Alta Gracia eram os mesmos que moveramtodas as demais nações latino-americanas que se uniram na CECLA:consolidar, em nível político, a base de entendimento necessária a umaatuação coerente e conjunta na futura conferência. O Brasil, ao longo detoda a fase de preparação da conferência, contribuiu com seus melhoresesforços em prol da coordenação latino-americana, considerando-a comoestágio imprescindível para a harmonização posterior dos critérios e inte-resses de todos os países em desenvolvimento do mundo.

O governo brasileiro julgava satisfatório, em seu todo, o corpo deconclusões técnicas a que se chegara em Brasília, embora estimasse pos-sível reforçar tais conclusões em diversos pontos. Daí sua firme intenção de

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levar, em Alta Gracia, nosso endosso político aos princípios e medidasconstantes do documento final de Brasília. É com satisfação, portanto, quea chancelaria brasileira viu todo o trabalho de Brasília reforçado e endos-sado politicamente, incorporando-se à Carta de Alta Gracia. Desse modo,possuímos hoje a ampla base de elementos concretos capaz de sustentar adesejada ação concertada da América Latina na futura conferência.

O simples fato de as deliberações da CECLA terem sido reunidas emuma carta – a Carta de Alta Gracia – é representativo da importânciapolítica que lhe atribuíram os países latino-americanos. Por sua natureza,contudo, a Carta de Alta Gracia se destina a ter efeitos que ultrapassemos três meses da próxima negociação em Genebra, constituindo uma pla-taforma duradoura para a atuação futura da América Latina em todos osforos internacionais.

A Declaração de Alta Gracia reflete, ainda, com toda a fidelidade, aspreocupações do Brasil no que toca à situação adversa de comércio com quese confrontam os países em desenvolvimento, o que tem contribuído paraaumentar as discrepâncias mundiais de riqueza. Por outro lado, ao advo-gar a reestruturação do atual mecanismo de trocas, esta declaração acolheo ponto de vista, sempre defendido pelo Brasil, no sentido de que é neces-sário transformar o comércio em instrumento para o desenvolvimento.Assim ocorre igualmente com o reconhecimento de que cabe aos paísesdesenvolvidos, beneficiários do sistema vigente, a responsabilidade prin-cipal nesta reformulação, responsabilidade que é necessariamente propor-cional à participação majoritária desses países no intercâmbio mundial e àsua maior potencialidade econômica.

Enfim, devemos destacar a inteira concordância do Brasil com asmanifestações da Declaração de Alta Gracia relativas à aproximação comos países subdesenvolvidos de outros continentes, assim afirmadas: “AAmérica Latina professa a convicção de que um elemento essencial parao êxito desta conferência se encontra nos denominadores comuns quepossam proporcionar a base de uma ação concertada com os países emdesenvolvimento de outras áreas do mundo”.

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DOCUMENTO 50

Instruções para a delegação do Brasil à Conferência das Nações Unidassobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCD)

SECRETARIA DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Rio de Janeiro

CONFIDENCIAL

Introdução1. As presentes instruções3 constituem o sumário das instruções em que,através de toda a fase de preparação da Conferência das Nações Unidassobre Comércio e Desenvolvimento, o governo brasileiro fixou o compor-tamento de suas delegações. Particularmente, tais instruções complemen-tam o disposto nas instruções às delegações às três sessões do comitêpreparatório da conferência, bem como naquelas que foram formuladas paraa II Reunião Anual do CIES, em São Paulo; para a Reunião de PeritosGovernamentais, realizada pela CEPAL, em Brasília; e para a reunião daComissão Especial de Coordenação Latino-Americana (CECLA), queteve lugar em Alta Gracia, Argentina. Na sua parte específica, concernenteaos diversos itens que compõem a agenda provisória da conferência, aspresentes instruções visam precipuamente a demarcar os pontos funda-mentais que devem ser defendidos com relação a cada matéria, apresen-tando ainda alternativas de ação e indicações de prioridade, dentro doquadro geral de formulação doutrinária constituído pelo corpo de instruçõesacima referido.2. Os casos omissos deverão, portanto, ser resolvidos pela delegação, emconformidade com a orientação geral traçada nos documentos acima indi-

3 N.E. – Minuta sem data, com a única rubrica do ministro Jayme Azevedo Rodrigues,ao que tudo indica, seu autor. Não dispomos do texto das instruções efetivamenteexpedidas. O documento retrata o pensamento de uma figura expressiva do períodona formulação da política externa do Itamaraty no plano econômico.

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cados, que fazem parte integrante das presentes instruções. Por outro lado,constituirão subsídio para a atuação da delegação brasileira todos os rela-tórios das delegações do Brasil às mencionadas reuniões, bem como o vas-to acervo de estudos e pesquisas realizados com o objetivo específico defundamentar as posições brasileiras na conferência. A relação desses do-cumentos está anexada ao final das presentes instruções.3. A atuação do Brasil com respeito à Conferência de Comércio e De-senvolvimento tem-se pautado por três grandes diretrizes: a da responsa-bilidade dos países subdesenvolvidos na colocação de seus problemas decomércio, a da necessidade de que esta colocação se faça de maneira inci-siva e, finalmente, a de que os países subdesenvolvidos defendam com vigoro atendimento satisfatório de suas justas reivindicações.4. Quanto à primeira dessas diretrizes, significa ela que não podemosesperar que partam dos países desenvolvidos, beneficiários do sistemavigente, as iniciativas conducentes ao equacionamento e à análise de nos-sos problemas de intercâmbio. É esta uma responsabilidade que recai so-bre os países prejudicados pelo atual mecanismo de trocas, sobre os quevêem seus esforços de desenvolvimento sacrificados pela implacável per-da de substância econômica através do comércio. E é exatamente a perfei-ta compreensão deste encargo, fortalecida pela consciência de uma naturalcomunhão de objetivos e aspirações, que deve conduzir os países subde-senvolvidos a uma atuação cada vez mais dinâmica e solidária na defesa deseus interesses em todos os foros internacionais.5. A partir da noção desta responsabilidade, chegamos à segunda pre-missa: a de que os países subdesenvolvidos devem colocar de maneiraincisiva, clara e inequívoca suas necessidades de comércio e, conseqüen-temente, suas reivindicações. Existe uma diferença real entre as condiçõescomerciais dos países em desenvolvimento e dos países industrializados, daqual decorre interesses diversos e até mesmo divergentes. Enquanto estaconfrontação não for inteiramente explicitada, enquanto não foremdemarcadas com precisão as áreas de interesses comuns e as áreas de in-teresses antagônicos, enquanto perdurarem as indeterminações e as incer-tezas, os países subdesenvolvidos, econômica e comercialmente maisdébeis, serão sempre prejudicados. É fundamental, portanto, que nós mes-

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mos saibamos formular nossas reivindicações e que as levemos aos paísesdesenvolvidos com pleno conhecimento do que significará sua aceitação ousua recusa.6. Assim fazendo, restará apenas aos países subdesenvolvidos defen-der com vigor e combatividade – em todos os foros internacionais – o aten-dimento de suas reivindicações comerciais. A reversão das atuais tendênciasdo intercâmbio mundial depende essencialmente da manifestação de umavontade política dos países industrializados, em virtude mesmo de seumaior poderio econômico e comercial. Mas não há dúvida de que esta von-tade política só surgirá, verdadeiramente, se encontrar a contrapartida davontade política dos países subdesenvolvidos, dirigida à satisfação interna-cional de seus justos e inadiáveis reclamos. Se não estamos a pleitear con-cessões indevidas, seria injustificável e contraproducente transigir naaceitação de vantagens superficiais ou manifestações vazias e ineficazes deboas intenções.7. Acima de tudo, é importante ter em mente que o processo de reivin-dicação dos países subdesenvolvidos, no campo do comércio, apenas seinicia. Três meses de negociações, por mais frutíferas que sejam, não che-garão obviamente a alterar o quadro – para nós tão adverso – em que sedesenrolam as trocas mundiais. A Conferência das Nações Unidas sobreComércio e Desenvolvimento é, sem dúvida, um grande acontecimento navida das relações econômicas internacionais. Mas, o mais importante éguardarmos a perspectiva de que a conferência é um marco, e apenas ummarco, no esforço que os países em desenvolvimento devem estar prontosa manter por muitos anos no futuro.8. Com vistas à efetivação dessas diretrizes políticas, o Brasil se empe-nhou no esforço de coordenação das posições dos países da América La-tina, estágio básico para a consecução dos propósitos de coordenação geraldos países subdesenvolvidos. Este processo de unificação de critérios cul-minou, na reunião da CECLA, com a elaboração da Carta de Alta Gracia,que constitui a plataforma de reivindicações latino-americanas em maté-ria de comércio internacional.9. Por seu significado e escopo, a Carta de Alta Gracia deverá ser o do-cumento básico orientador da atuação da delegação brasileira. Na sua po-

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sição de repositório de posições comuns a um grande número de países emdesenvolvimento – primeiro documento desse tipo a ser levado a um foromundial de comércio – a Carta de Alta Gracia tem inegável poder político.A delegação do Brasil deverá procurar, em um primeiro momento, evitarque tal poder se perca através da tomada de posições isoladas pelos paíseslatino-americanos que a formularam, o que implica, também de nossa parte,um alto grau de coerência com suas disposições. Em um segundo momen-to, deverá a delegação buscar reforço da Carta, atraindo para ela os paísesem desenvolvimento de outros continentes, se não em termos de endossoformal, pelo menos na forma de aceitação implícita de seus postulados.10. Nesse sentido, será certamente necessário ajustar os critérios latino-americanos aos pontos de vista e interesses de outras regiões em desen-volvimento, tomada a Carta como quadro de referência geral. Essaacomodação, todavia, não deverá implicar sacrifício à integridade da Cartade Alta Gracia, cuja validade transcende o âmbito e a validade temporalda Conferência de Comércio e Desenvolvimento. Esta tarefa de coorde-nação com os países em desenvolvimento deverá basear-se, ainda, comple-mentarmente à Carta de Alta Gracia, sobre o relatório do secretário-geralda conferência, senhor Raul Prebisch, o qual servirá inevitavelmente comoimportante elemento balizador dos debates na conferência.11. Desse modo, para que se garanta a coerência com as atitudes ante-riores do Brasil e com os princípios que vem defendendo, a delegaçãodeverá levar sempre suas iniciativas à consideração prévia do Grupo Infor-mal Latino-Americano e, subseqüentemente, do Grupo de Países emDesenvolvimento. Através desse duplo processo de decantação e confron-to, estará a delegação melhor capacitada para apresentar recomendações epropostas consentâneas com a linha geral de pensamento dos países sub-desenvolvidos, sem cujo apoio ou assentimento não teriam qualquer con-dição de êxito. Isto não impede que, após efetuar tais entendimentos, adelegação brasileira assuma posições mais avançadas do que aquelas es-posadas pelos subdesenvolvidos como todo, sempre que não contraditaremo disposto na Carta de Alta Gracia e, pelo contrário, facilitarem uma solu-ção de compromisso mais favorável aos interesses dos países em desenvol-vimento.

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12. Finalmente, a delegação do Brasil deverá ter em mente que a confe-rência é apenas um marco inicial no processo de reivindicação comercial dospaíses em desenvolvimento. Desse modo – e em virtude mesmo da mag-nitude de nossos problemas –, não pode o Brasil encarar a conferência sobum prisma imediatista, conquanto devamos perseguir a adoção de medi-das que, no curto e médio prazos, possam representar aumentos significa-tivos em nossa receita de exportação. Todavia, reconhecido o caráter delongo prazo da tarefa de reformulação da estrutura de comércio vigente, deveo Brasil pugnar, acima de tudo, pela aceitação universal dos princípios quedevem reger as trocas internacionais, a fim de transformá-las em instrumen-to eficaz para o desenvolvimento.13. Nesse sentido, uma absoluta coerência em matéria de princípios e umesforço prioritário em prol da coordenação dos países em desenvolvimento,apesar das dificuldades imediatas que encerram, podem significar ganhosmaiores e mais sólidos no futuro. Cabe, por isso, à delegação brasileiraatentar para que não se esgotem, em Genebra, as potencialidades políti-cas já geradas pela conferência, assegurando a continuidade de tratamen-to universal do problema através dos mecanismos institucionais adequados.

Item 1A expansão do comércio internacional e sua importância para o desenvolvimen-to econômico

14. No tratamento deste item, que engloba toda a problemática geral docomércio internacional e sua correlação com o processo de desenvolvimen-to, a delegação do Brasil deverá sustentar e reforçar a tese que vem defen-dendo desde a XVII Assembléia Geral das Nações Unidas, de que ocomércio não constitui um fim em si mesmo, mas um dos meios para seatingir a meta da aceleração do processo de desenvolvimento econômico dasnações subdesenvolvidas.

1.1 – Exame das tendências do comércio mundial e suas perspectivas

15. Os trabalhos da delegação do Brasil no tocante a esse subitem e aos

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de número dois e quatro, deverão fundamentar-se no recente trabalho“Avaliação das necessidades de investimentos dos países em desenvolvi-mento”, que faz parte da documentação. As conclusões que se podemextrair desse trabalho confirmam, com pequenas modificações quanto amagnitudes, as tendências apontadas pelo estudo Long Term Trends alongthe Main Flows of Trade, submetido pelo Brasil ao comitê preparatório, emsua segunda sessão. Assim, as novas projeções realizadas indicam que, sese mantiverem as tendências atuais, o quadro das relações do comérciointernacional espelhará com nitidez progressivamente maior as distorçõesexistentes.16. Será necessário, portanto, deixar bem caracterizadas na conferência,desde o início, todas as implicações decorrentes da eventual concretizaçãodessas tendências, com o fim de manter e mesmo acentuar o impacto pro-duzido pela exposição crua dos dados representativos do comércio interna-cional dos países subdesenvolvidos.

1.2 – Necessidades de comércio dos países em desenvolvimento para seucrescimento econômico acelerado

17. A esse respeito, é importante avaliar-se corretamente os recursosnecessários aos países em desenvolvimento. As avaliações feitas até hojetêm seguido, invariavelmente, uma orientação inadequada e utilizandocritérios irrealistas. Por essa razão, as diversas estimativas das necessida-des dos países em desenvolvimento têm apresentado uma margem devariação extremamente ampla, conduzindo em todos os casos à subavalia-ção das necessidades reais. A fim de que se sanem estas incorreções, adelegação deverá valer-se ainda do estudo referido no subitem anterior.

1.3 – Comércio internacional e suas conexões com o planejamento, po-líticas e instituições nacionais relacionadas com o desenvolvimento

18. Este item, embora de grande importância na solução dos problemasde comércio dos países em desenvolvimento, foi incluído na agenda provi-sória por insistência dos países desenvolvidos, desejosos de contrapor aos

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debates sobre intercâmbio mundial a responsabilidade interna dos primei-ros. Dessa maneira, procuram condicionar a correção das tendências docomércio a modificações estruturais que os países em desenvolvimentodevem efetuar, as quais, contudo, não constituem matéria própria paradebate internacional. Nesse sentido, conquanto não se deva esquivar dediscutir a substância do item, a delegação do Brasil deverá impedir suautilização pelos países desenvolvidos para justificar a postergação dasmedidas internacionais que se impõem no campo do comércio.

1.4 – Problemas de comércio internacional entre países

• com níveis semelhantes de desenvolvimento;• em diferentes estágios de desenvolvimento;• com sistemas econômicos e sociais diferentes.

19. A posição brasileira a esse respeito tem sido sempre a de pugnar pelaintegração do comércio mundial, advogando um tratamento que atenda aosinteresses dos diversos fluxos de comércio, inclusive através de mecanismose normas adequadas a cada fluxo, como consta dos princípios gerais da Cartade Alta Gracia. Dentro desse tratamento, a delegação se ocupará princi-palmente dos fluxos de comércio dos países em desenvolvimento entre si,e dos países em desenvolvimento com os países desenvolvidos e com os paísessocialistas. O comércio Leste-Oeste deve merecer também a atenção do Bra-sil, na medida em que seu incremento favorece indiretamente o intercâmbiodos países em desenvolvimento, principalmente com a área socialista.

1.5 – Princípios que regem as relações de comércio mundial e políticasde comércio conducentes ao desenvolvimento

20. Sob esse item se coloca, de fato, toda a filosofia da conferência. Adelegação do Brasil dispõe de vasto material de base para o debate damatéria, devendo a ele recorrer para expor a necessidade de reformulaçãogeral dos princípios, normas e políticas vigentes, com vistas a transformaro comércio em instrumento para o desenvolvimento. No que concerne es-

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pecificamente aos princípios, deverá o Brasil pugnar pelo reconhecimentoda inadequação do princípio da reciprocidade e da cláusula da nação maisfavorecida aos interesses dos países em desenvolvimento, defendendo, emcontrapartida, os princípios incorporados à Carta de Alta Gracia.

Item 2Produtos de base

21. Com relação ao comércio internacional de produtos de base, a dele-gação do Brasil deverá pugnar pela adoção de um programa orgânico, ba-seando sua atuação nas seguintes diretrizes e princípios:

• coerência com a posição doutrinária do Brasil no passado;• utilização das conclusões gerais da Carta de Alta Gracia, na par-

te referente aos produtos de base, para compor uma frente amplados países em desenvolvimento;

• equacionamento dos interesses do Brasil em obter, a longo prazo,a total reformulação das normas e condições em que opera o comér-cio de produtos de base, ajustando tal objetivo à necessidade deadoção de medidas práticas, no campo internacional, que tenhamimpacto significativo sobre nossas receitas de exportação, no cur-to e médios prazos;

• defesa da necessidade de obter tanto a remoção dos obstáculos aocomércio e consumo, quanto o ordenamento do mercado, mediantea fixação de preços e regulamentação da oferta em convênios in-ternacionais abertos a produtores e consumidores;

• prioridade, no tocante à remoção de obstáculos, para a redução dastaxas internas e eliminação das restrições quantitativas existentes,que afetam produtos tropicais;

• ampliação do número de convênios e fortalecimento dos vigentes,mediante a incorporação de disposições sobre preços e mecanis-mos financeiros complementares;

• aceitação da tese da reserva de mercados (metas de importação)para produtos temperados e minerais importados, de países sub-desenvolvidos, por países industrializados;

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• endosso ao princípio de multilateralização do sistema de colocaçãode excedentes agropecuários e condenação de vendas de exceden-tes, em modalidades não comerciais, a países desenvolvidos; e

• apoio a todas as iniciativas que levem ao desenvolvimento docomércio de produtos de base entre países subdesenvolvidos.

Item 3Comércio de manufaturas e semimanufaturados

22. Uma das condições para a consecução e manutenção de uma taxa decrescimento que conduza ao desenvolvimento acelerado e sustentado daeconomia dos países em desenvolvimento é o aumento de sua capacidadede importar, sobretudo equipamentos e bens de uso intermediário. A fimde disporem de recursos para atender a essas importações, tornar-se-áindispensável recorrer a:

• ampliação dos mercados externos de produtos primários;• intensificação da assistência financeira internacional; e• aumento das exportações de produtos manufaturados.

No longo prazo, este último constitui, pelas ilimitadas possibilidadesde diversificação da pauta de exportação, a solução principal para a obten-ção de recursos de origem externa em montante compatível com as neces-sidades do desenvolvimento econômico.23. Todavia, dadas as características que cercam o processo de industria-lização nos países em desenvolvimento, é imperativo que a política desubstituição de importações seja combinada com medidas adequadas depromoção de exportações de produtos manufaturados, sem o que asdistorções por ela introduzidas se agravarão e continuarão impedindo, porfalta de vantagens comparativas, a expansão das exportações de produtosmanufaturados.24. As possibilidades de incrementar as exportações de manufaturas dospaíses em desenvolvimento esbarram, entretanto, em restrições de váriostipos, adotadas pelos países industrializados. As principais – mais direta-mente relacionadas com a formulação e execução de políticas comerciais –

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são aquelas referentes ao sistema tarifário, regime de quotas, acordos quecriam áreas preferenciais, acordos de reserva de mercado e contratos paraa utilização de patentes industriais.25. Com vistas à eliminação dos entraves daí resultantes, a delegação doBrasil deverá defender, sempre mediante entendimento com os demaispaíses em desenvolvimento, a plena realização das recomendações de AltaGracia com respeito ao comércio de manufaturas. No que se refere às re-comendações do Relatório Prebisch, a delegação deverá combater a tese daspreferências exclusivas para os países de menor desenvolvimento relativoe defender a posição, sustentada pelo Brasil em Alta Gracia, a favor daspreferências gerais. Ainda com relação ao sistema de preferências, a dele-gação deverá combater em todas as oportunidades o critério seletivo, talcomo incorporado no Plano Brasseur. Dado que o tratamento do proble-ma da exportação de manufaturas pelos países em desenvolvimento é re-lativamente recente, recorrer-se-á sempre às premissas de posição brasileira,para a análise de novas propostas eventualmente apresentadas.

Item 4Invisíveis

26. Em matéria de invisíveis, a delegação do Brasil deverá pautar-se pelosprincípios consubstanciados nas conclusões pertinentes da Carta de AltaGracia. Em resumo, deverão ser sustentadas as seguintes posições:

4.1 – Fretes

• Liberdade de contratação de transporte marítimo dos países emdesenvolvimento.

• Estímulo à expansão e manutenção de marinhas mercantes dospaíses em desenvolvimento.

• Preferências sem reciprocidade em tudo o que se refere a transpor-te de fretes, inclusive com reserva de carga.

• Fiscalização efetiva, pelos governos dos países em desenvolvimen-to, das decisões que afetam as condições e preços do transportemarítimo, inclusive quando tomadas por conferências de fretes.

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• Estabelecimento de linhas regulares de navegação entre paísessubdesenvolvidos e entre estes e mercados não-tradicionais.

• Uniformização da coleta de dados e análise estatística, sobretudodos manifestos de carga.

• Transformação do sistema de compras e vendas no exterior, pas-sando as importações a serem realizadas em base FOB e as expor-tações em base CIF.

4.2 – Seguros

• Maior retenção nos países subdesenvolvidos das transações deseguro e resseguros.

• Maior colocação, pelo mercado internacional, de seguros de bonsriscos nos países subdesenvolvidos.

• Criação de instituições regionais de resseguros dos países subde-senvolvidos.

• Uniformização de cláusulas e unificação de estatísticas de segu-ros e resseguros.

4.3 – Turismo

• Intensificação da publicidade para atrair turistas para os paísessubdesenvolvidos, sobretudo em bases regionais.

• Financiamento à infra-estrutura do turismo.• Diminuição de barreiras burocráticas.• Incentivo à realização, nos países subdesenvolvidos, de reuniões

e congressos de organizações internacionais oficiais e particulares.

4.4 – Royalties

• Necessidade de comprovação da utilidade das patentes.• Vinculação das remessas de royalties à rentabilidade efetiva das

patentes.• Controle da vigência das patentes.

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• Fiscalização de remessas pela liderança de marcas de comércio eproibição de limitações de exportação para evitar concorrência comas matrizes.

• Coibição de vinculações abusivas de concessões de patentes ouvenda de equipamento com fornecimento de assistência técnica,muitas vezes desnecessária, e controle da remessa de lucros efe-tuada sob o manto de assistência técnica.

4.5 – Juros, dividendos e outras formas de remessa de lucros

27. Como no item anterior, a delegação brasileira se pautará pela orien-tação ditada na Lei de Remessa de Lucros. Atenção especial será dada aoônus do serviço dos financiamentos e investimentos externos, que nãodeverá ultrapassar parcela razoável da capacidade de pagamento dos paí-ses subdesenvolvidos.

Item 5Implicação dos agrupamentos econômicos regionais

28. A posição do Brasil com relação aos agrupamentos econômicos regio-nais caracteriza-se por:

• reconhecer o direito à associação econômica e as vantagens quedela podem decorrer;

• repudiar práticas protecionistas e discriminatórias ao comércio depaíses em desenvolvimento, que possam advir ao estabelecimentodestes agrupamentos.

29. Quanto à Comunidade Econômica Européia, os principais proble-mas que suscita para o Brasil são os seguintes:

• com relação aos produtos primários, sobretudo os produtos agríco-las tropicais, o alto nível das taxas internas, a tarifa exterior comum,as restrições quantitativas e outros entraves a seu livre acesso;

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• as barreiras à expansão do comércio de produtos manufaturadose semimanufaturados;

• o tratamento preferencial e discriminatório concedido aos paísesassociados, em detrimento dos demais países em desenvolvimento.

30. No que se refere ao tratamento preferencial, a delegação do Brasildeverá defender o princípio da não-discriminação entre subdesenvolvidos;mas, dada a situação peculiar dos países beneficiados, advogará uma subs-tituição gradual das preferências por outras vantagens que não impliquemdiscriminação comercial.31. Com respeito ao Conselho de Assistência Econômica Mútua, o Brasilreconhece as possibilidades positivas que oferece para a expansão do co-mércio dos países em desenvolvimento. A delegação deverá reivindicar afixação de metas quantitativas, por parte dos países socialistas, para asimportações de produtos primários e manufaturas provenientes de paísesem desenvolvimento, as quais deverão integrar seus planos de longo pra-zo. A delegação deverá ainda insistir na necessidade de que os paísessocialistas permitam a transferibilidade, dentro da área, dos saldos decor-rentes de transações comerciais com países em desenvolvimento. Por ou-tro lado, deverá a delegação atentar para a aparente retração dos paísessocialistas com respeito à conferência, fato que nos retiraria importanteelemento de pressão sobre os países desenvolvidos.32. No que concerne aos agrupamentos de países em desenvolvimento,a delegação brasileira deverá pugnar pelo reconhecimento de que os mes-mos constituem instrumento eficaz para assegurar um crescimento susten-tado para os países que os integram. Nesse sentido, deverá a delegaçãoprincipalmente:

• procurar a cooperação internacional para o fortalecimento técnicoe financeiro das instituições regionais de países em desenvolvi-mento;

• pugnar pelo estabelecimento de normas mais flexíveis para aimplantação desses agrupamentos;

• promover instrumentos que facilitem e ampliem o financiamentodo intercâmbio e aperfeiçoem os sistemas de pagamentos dentro

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dos mecanismos de integração, evitando a oposição dos países quecomerciam dentro do regime de livre conversibilidade.

Item 6Financiamento

6.1 – Princípios gerais

33. A correção das distorções do comércio internacional é indispensável,mas não constitui condição suficiente para assegurar aos países subdesen-volvidos um ritmo de crescimento satisfatório, especialmente durante operíodo em que se irá operar tal correção. Desse modo, impõe-se tambéma intensificação do fluxo de transferência de poupanças de países desen-volvidos para os países subdesenvolvidos.

6.2 – Cooperação financeira a longo prazo

34. Os seguintes temas deverão ser sustentados pela delegação:

• Internacionalização da cooperação financeira e sua despolitização.• Quantificação das necessidades e das disponibilidades de finan-

ciamento. O estudo das necessidades de investimentos levará emconta as estimativas realizadas pelo STAP. O estudo das dispo-nibilidades deverá servir de base a uma revisão da proporção de1% do PNB a ser fornecido pelos países desenvolvidos, revisãoesta que leve em conta uma espécie de taxação progressiva darenda real dos países desenvolvidos. Por outro lado, deverá serdiscutida a canalização imediata de parte dos recursos liberadospelo processo de desarmamento para a tarefa de desenvolvimento.

• Maior participação dos países subdesenvolvidos nas decisões re-ferentes à cooperação financeira, inclusive através da reestrutura-ção dos órgãos financeiros internacionais existentes.

• Endosso do financiamento externo de custos locais, sobretudo paraa compra de equipamentos produzidos localmente.

• Condenação dos tied loans.

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• Redução do ônus do serviço do endividamento externo a níveiscompatíveis com a capacidade de pagamento, objetivo a ser atin-gido mediante o reescalonamento da dívida externa anteriormenteacumulada.

6.3 – Compensação financeira pela queda de receitas

35. Neste item, a delegação brasileira deverá seguir as linhas traçadaspelas conclusões pertinentes de Alta Gracia, pautando-se pela longa tra-dição brasileira no trato do assunto.

6.4 – Liquidez internacional

36. O assunto está em estudo no plano internacional e ainda não permi-te a tomada de posições definidas. A delegação brasileira deverá acompa-nhar a discussão do assunto, ressaltando sempre os requisitos específicosdos países subdesenvolvidos e a necessidade de que participem dos estu-dos e das decisões relativas ao sistema monetário internacional.

6.5 – Financiamento à exportação

37. A delegação endossará a necessidade de uma expansão dos recursosdestinados ao financiamento das exportações de países subdesenvolvidos.Ao mesmo tempo, apoiará o sistema incipiente do BID, advogando a suaaplicação em outras regiões.

6.6 – Assistência técnica

38. Deverá ser defendida a multilateralização da assistência técnica ex-terna e sua despolitização, bem como a intensificação de seu fluxo. É ne-cessário, também, insistir sobre a conveniência de adaptação dessaassistência às condições reais do país recipiente, assim como a imperiosidadede abrir novas perspectivas para o acesso dos países subdesenvolvidos aoacervo tecnológico e científico, hoje altamente concentrado nos paísesdesenvolvidos.

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Item 7Problemas institucionais

39. Com respeito às questões institucionais, cabe ressaltar que o próprioenunciado do item correspondente da agenda – “Instituições, métodos emecanismos para executar medidas relativas à expansão do comércio inter-nacional” – consubstancia algumas das idéias fundamentais que foramsempre defendidas e desenvolvidas pelo Brasil, dentro da conceituação docomércio como meio para o desenvolvimento econômico e social, e não comoum fim em si. Esta filosofia básica deverá continuar a constituir, na confe-rência, o quadro doutrinário da atuação da delegação brasileira.40. Com efeito, o sucesso dos esforços realizados pelos países em desen-volvimento dependerá de sua capacidade de encaminhar uma soluçãosatisfatória do problema institucional, qual seja, a substituição do mecanis-mo presente, ineficiente e inadequado, por um sistema orgânico e integra-do de tratamento das questões de comércio internacional. O mecanismoatual, desenvolvido quase todo sob a inspiração das Nações Unidas, nas-ceu da não-ratificação da Carta de Havana, que previa a criação da Orga-nização Internacional de Comércio.41. Na inexistência de um organismo do gênero, improvisou-se, ao longodos anos de após-guerra, um mecanismo institucional cujos traços caracte-rísticos consistem num extremo fracionamento de órgãos de natureza epoderes os mais diversos e na ausência de uma divisão precisa de funçõesentre as várias peças do mecanismo. Procurou-se, assim, atender – por meiode órgãos isolados, criados de maneira caótica – às exigências de naturezainstitucional que o fracasso de Havana deixara irrespondidas.42. Como resultado dessa situação, existem hoje, no campo do comércio,mais de quarenta órgãos. Além da Organização das Nações Unidas pro-priamente, ocupam-se de questões de comércio quatro das suas agênciasespecializadas: a FAO, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundialde Reconstrução e Desenvolvimento, e a Organização Internacional doTrabalho. A essas agências somam-se o Acordo Geral de Tarifas e Comér-cio (GATT), os grupos de estudos dos produtos de base e os conselhos que

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administram os vários acordos sobre o comércio destes produtos, como o dotrigo, o do açúcar, o do estanho, o do café, etc., cuja coordenação com a ONUé feita – de maneira insatisfatória – por intermédio do Comitê Provisório deCoordenação para Acordos Internacionais de Produtos de Base (ICCICA).Embora o GATT não seja formalmente uma agência especializada da ONU,a ela está ligado por meio do Comitê Administrativo de Coordenação, ondetêm assento, sob a presidência do secretário-geral, os diretores-executivos dasvárias agências que compõem a família das Nações Unidas.43. Dentro da própria ONU, dedicam-se ao exame das questões decomércio internacional: a Assembléia Geral por intermédio da sua segun-da comissão (econômica e financeira), o Conselho Econômico e Social e asquatro comissões econômicas regionais, além do já mencionado ICCICA.Uma das comissões funcionais do ECOSOC estuda os problemas dasflutuações dos preços dos produtos de base e recomenda medidas de na-tureza compensatória com vistas a atenuar tais flutuações. Por sua vez, aFAO também dispõe de uma comissão de produtos de base e de uma sériede comitês e de grupos de trabalho encarregados da análise do comércio devários produtos.44. Num tal sistema, as duplicações e lacunas são inevitáveis. A elas sesomam as dificuldades de coordenação. Contudo, o mecanismo presenterepresenta o que era possível realizar em função das circunstâncias existen-tes. Historicamente, as suas deficiências resultam do próprio processo queo configurou. O fracasso da Organização Internacional do Comércio rele-gou inevitavelmente as questões de comércio internacional a um tratamentosetorial e compartimentado, não global e integrado. Como teve ocasião desalientar o relatório do grupo de peritos designado pela Resolução 919(XXXIV) do ECOSOC,

é concebível que o número de organismos pudesse ter sido menor se

a tentativa feita em 1948 de estabelecer uma organização internaci-onal do comércio, como contemplada na Carta de Havana, não tivesse

fracassado (...). O vácuo deixado pelo fracasso do estabelecimento daorganização tendeu a ser preenchido em menor ou maior grau por um

número maior de organismos.

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Por outro lado, não existia uma consciência nítida das interrelaçõesentre o comércio internacional e o processo de desenvolvimento. Ademais,mesmo se essa consciência existisse, é de duvidar que os países subdesen-volvidos tivessem o poder de impor a criação de um mecanismo que permi-tisse o tratamento global e integrado das questões de comércio. Mesmo omecanismo atual, com todas as suas deficiências e inadequações, não foi cria-do sem dificuldades. Por fim, como assinala o relatório do grupo de peritos,

novos organismos eram algumas vezes criados não ali onde mais se fa-

ziam necessários, mas ali onde a pressão política era mais forte. Paí-ses que não estavam satisfeitos com a orientação e as funções dos

organismos existentes pressionavam pela criação de novos.

45. A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvi-mento enfrentará a tarefa de criar um novo e adequado mecanismo insti-tucional. Sob certos aspectos, a conferência já antecipa, no seu própriofuncionamento, esse novo mecanismo. Ela substituirá a fase do tratamentofracionado pela fase do tratamento global dos problemas de comércio, ini-ciando assim um processo de importância vital para os países subdesenvol-vidos. A conferência não se limitará a uma discussão das questões deprodutos de base, mas alcançará todo o campo das trocas internacionais,inclusive o comércio de invisíveis e de produtos manufaturados e semimanu-faturados oriundos dos países subdesenvolvidos. A exclusiva preocupaçãocom o comércio daqueles, paralelamente ao desinteresse pelo comérciodestes, constitui uma das limitações mais sérias do presente mecanismo. Poroutro lado, a conferência submeterá a discussão de toda a problemática docomércio internacional à perspectiva global do desenvolvimento econômico,tarefa igualmente impossível de ser realizada por meio do mecanismo atual,que revela as árvores mas esconde a floresta.46. Contudo, para que o trabalho da conferência corresponda às expec-tativas dos que lutaram por ela, faz-se mister dar-lhe continuidade notempo. Só uma organização internacional do comércio poderá proceder comsucesso à obra de reformulação de todo o sistema de trocas internacionaise de criação de uma nova divisão internacional do trabalho, que constitui

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a reivindicação fundamental dos países subdesenvolvidos em matéria decooperação internacional. A essa organização, se atribuiria a missão deformular e recomendar medidas, visando à expansão do comércio interna-cional, à ordenação racional dos fluxos de comércio e à criação de novosfluxos, ao estabelecimento de uma correlação justa de preços entre os pro-dutos primários e os produtos manufaturados. Caber-lhe-ia, também, afixação de princípios legais orientadores das relações comerciais entre paí-ses. Cumpriria, por fim, dotá-la da capacidade executiva indispensável àefetivação das medidas acordadas.47. Em nenhum momento o Brasil advogou a eliminação do GATT, massim sua integração dentro da nova estrutura, preferentemente como órgãodestinado a reger as trocas entre países industrializados. Este objetivo delongo prazo não implica, contudo, a recomendação de seu imediato apro-veitamento na estrutura provisória que possa ser erigida na conferência eassim, tal como consta das conclusões pertinentes da Carta da Alta Gracia,o GATT teria vida própria enquanto não se chegasse a constituir a novaorganização. Procura-se evitar, desse modo, que o GATT aglutine asnovas medidas e competências a serem fixadas na conferência, sem quepreviamente se opere uma transformação radical de seus princípios e nor-mas operacionais.48. Esta linha geral de comportamento deverá ser seguida pela delega-ção brasileira, com vistas, inclusive, à obtenção de resoluções destinadas amodificar os estatutos e as práticas dos organismos internacionais vigentes,cujos objetivos ou métodos de ação não se conformem à filosofia que mo-tivou a convocação da conferência. Simples alterações tópicas, contudo, nãosolucionarão o problema fundamental, que é o de transformar o comércioem instrumento para o desenvolvimento. Por essa razão, deverá a delega-ção brasileira defender a criação de uma organização internacional de co-mércio e desenvolvimento, que deveria ter o caráter de uma agênciaespecializada das Nações Unidas, estruturando-se em torno de uma con-ferência anual, um secretariado permanente, um conselho de comércio edesenvolvimento, um conselho financeiro e uma junta executiva, com asnecessárias comissões.49. Em vista mesmo das razões políticas que tornam praticamente impos-

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sível, no momento, a criação de uma organização deste molde, a delegaçãodo Brasil poderá aceitar uma solução transitória, tal como consubstanciadanas conclusões da Carta de Alta Gracia. Nesta hipótese, procurará adotaro mecanismo provisório, ainda que em estado embrionário, dos órgãos com-ponentes da organização ideal, atentando especialmente para a necessida-de de criação dos comitês especiais propostos em Alta Gracia.

ANEXO ÚNICO

Lista de documentos subsidiários das instruções

1) Produtos de base

1.1 Trabalhos apresentados pelo grupo encarregado de realizar estudossobre o assunto:

GT 1/1 “Alguns aspectos da política comercial de países indus-trializados que afetam o comércio de produtos de base”.

GT 1/2 “Instituições e mecanismos internacionais de estudo e es-tabilização dos mercados dos produtos de base”.

GT 1/3 “Análise crítica das alternativas abertas à ação do Brasilem matéria de produtos de base”.

GT 1/4 “Quadros estatísticos que englobam dados sobre produ-ção, exportação, importação, preços e fluxos de comérciodos principais produtos de base brasileiros e mundiais”.

GT 1/5 “A Comunidade Econômica Européia e o comércio deprodutos tropicais”.

GT 1/6 “O programa de ação do GATT”.GT 1/7 “Quadros estatísticos sobre concentração de exportações

e sobre preços de produtos de base”.GT 1/8 “Catalogação das medidas já sugeridas para a remoção de

entraves ao comércio de produtos de base, com indicaçãode foro em que as ações foram propostas”.

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GT 1/9 “Observações sobre a tese francesa de organização demercados”.

GT 1/10 “Produtos de base e a Conferência das Nações Unidassobre Comércio e Desenvolvimento”.

GT 1/11 “A colocação de excedentes agrícolas” (programas norte-americanos de disposição de excedentes agrícolas).

GT 1/12 “Problemas do comércio internacional de produtos debase” (O. A. Dias Carneiro).

GT 5/1 “Avaliação das necessidades de investimento dos paísessubdesenvolvidos”.

1.2 Outros documentos:

1.2.1 “Instruções para delegação do Brasil à 36a sessão da CPB daFAO”.

1.2.2 “Instruções para a delegação do Brasil à XVIII AssembléiaGeral das Nações Unidas. Parte econômica”.

1.2.3 “Instruções para a delegação do Brasil à reunião da CEPB daOEA, 1963”.

1.2.4 “Relatório da delegação brasileira às conferências interna-cionais do café”.

1.2.5 “Relatório da delegação do Brasil à Conferência Internacio-nal do Cacau”.

1.2.6 “Segunda sessão do comitê preparatório. Projeto de propos-ta brasileira sobre princípios reguladores do comércio interna-cional”.

2) Manufaturas

2.1 Trabalhos apresentados pelo grupo encarregado de realizar estudossobre o assunto:

GT 2/1 “Grupo de trabalho sobre manufaturas. Informação”.GT 2/2 “Medidas e iniciativas para diversificação e expansão da

exportação de produtos manufaturados”.

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GT 2/3 “Medidas e iniciativas para promover o comércio de pro-dutos manufaturados e semimanufaturados entre os paí-ses em desenvolvimento. Medidas cambiais. Sistema depagamentos”.

GT 2/4 “Normas técnicas e seu reflexo no comércio”.GT 2/5 “Importação e exportação. Burocracia e encargos”.GT 2/6 “Comércio exterior. Exportação de produtos manufatura-

dos e semimanufaturados de países em desenvolvimento”.GT 2/7 “Exportação de produtos manufaturados brasileiros”.GT 2/8 “Como exportar para os Estados Unidos”.GT 2/9 “Problemas e possibilidades de exportação de produtos

manufaturados para países em desenvolvimento”.GT 2/10 “Medidas para a expansão da exportação de manufatu-

ras dos países em desenvolvimento”.GT 2/11 “Confronto entre as conclusões de Brasília e o Relatório

Prebisch”.

2.2 Outros documentos:

2.2.1 “Ofício n. 50, de 9/IV/1962, da delegação em Genebra”(comitê de têxteis de algodão, GATT).

2.2.2 “Comitê III” (trabalho do secretário Mauro Mendes deAzeredo).

2.2.3 “Comentário analítico do embaixador O. A. Dias Carneirosobre o comércio de produtos manufaturados e semimanufa-turados”.

2.2.4 “Long term trends along the main flows of trade”.2.2.5 “GATT. Grupo de peritos sobre informação comercial.

SEPRO. Relatório da delegação do Brasil. Genebra, feve-reiro de 1964”.

3) Financiamento e invisíveis

3.1 Trabalhos apresentados pelo grupo encarregado de realizar estudossobre o assunto:

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GT 3/1 “Problemas do comércio internacional de produtos debase”.

GT 3/2 “Invisíveis: turismo”.GT 3/3 “Invisíveis: transportes marítimos”.GT 3/4 “Invisíveis: seguro”.GT 3/5 “Sistema financeiro internacional. Organismos financeiros

internacionais multilaterais”.GT 3/6 “Invisíveis” (trabalho de Alberto Hahn).GT 3/7 “Financiamento de exportações”.GT 3/8 “Princípios que regem o comércio internacional”.

GT 3/9a “Financiamento compensatório – médio e curto prazo”.GT 3/9b “Financiamento compensatório – longo prazo”.GT 3/9c “A assistência internacional como fonte de recursos exter-

nos para o desenvolvimento”.GT 3/10 “Ajuda econômica britânica ao exterior”.GT 3/11 “Auxílio francês ao exterior”.GT 3/12 “Assistência técnica”.

3.2 Outros documentos:

3.2.1 “Relatório da delegação do Brasil à reunião do grupo de téc-nicos sobre a estabilização de receitas de exportação. Wash-ington, 1962”.

3.2.2 “A compensação financeira das perdas na receita de expor-tação”.

4) Arranjos institucionais

4.1 Trabalhos apresentados pelo grupo encarregado de realizar estudossobre o assunto:

GT 4/1 “A estrutura institucional no campo do comércio interna-cional. Análise geral e classificação”.

GT 4/2 “O comportamento do Brasil no GATT. Exame crítico doacordo geral”.

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GT 4/3 “O comportamento do Brasil no GATT. A posição doBrasil a partir da reforma do acordo geral”.

GT 4/4 “Mecanismos institucionais no campo do comércio inter-nacional. Situação atual e perspectivas”.

GT 4/5 “O GATT – comércio exterior e desenvolvimento”.GT 4/5a Apreciação sobre a monografia “O GATT – comércio

exterior e desenvolvimento”.GT 4/5b Trabalho crítico sobre a apreciação da monografia “O

GATT – comércio exterior e desenvolvimento”.GT 4/6 “Validade da ação multilateral no campo do comércio e

desenvolvimento – GATT”.GT 4/7 “Princípios no campo do comércio internacional e desen-

volvimento”.GT 4/8 “Etude analytique des organismes internacionaux ayant

trait du mandat du groupe d’experts”.GT 4/9 “Estudo sobre a FAO”.

GT 4/10 “Comentário analítico do temário provisório”.GT 4/11 “Esquema da OICD”.GT 4/12 “Comentário sobre as conclusões a que chegou a reunião

de técnicos governamentais da América Latina em políticacomercial”.

GT 4/13 “Sistema financeiro internacional”.

5) Agrupamentos regionais

5.1 “Implicações dos agrupamentos regionais de países desenvolvidospara o comércio dos países em desenvolvimento” (José Luiz SilveiraMiranda).

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DOCUMENTO 51

Artigo do ministro João Augusto de Araújo Castro, publicado no Jornal doBrasil, em 15 de marçoCircular n. 5.083, de 18 de março de 1964.

O Brasil e a Conferência de Comércio da ONU

O Itamaraty considera a Conferência de Comércio e Desenvolvimento, ainaugurar-se em Genebra a 23 do corrente, um dos marcos da história dasrelações internacionais e das Nações Unidas. A imprensa brasileira vemampla e objetivamente informando a opinião pública do país a respeito daimportância e da significação da conferência. O Brasil comparecerá aGenebra após mais de um ano de intensos estudos visando à formulaçãode uma posição que corresponda realmente aos interesses e às necessida-des nacionais no tocante à contribuição do comércio internacional ao pro-cesso de desenvolvimento econômico. Mas, a ação da chancelaria brasileiranão se limitou à fixação de sua posição. Ela conduziu toda uma série denegociações com vistas à formação de uma frente coesa de países subde-senvolvidos, cimentada num conjunto de reivindicações comuns. Essestrabalhos deram lugar a um debate fecundo, que nos proporcionou umaidéia precisa das necessidades de expansão do comércio dos países emdesenvolvimento, dos obstáculos de natureza estrutural que impedem essaexpansão e das medidas de cooperação internacional que urge tomar paraafastá-los, de maneira definitiva.

O trabalho da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e oDesenvolvimento não se reduzirá ao debate dos problemas de caráterpuramente econômico. Ele deverá também, como se vê do item VII daagenda do encontro, ocupar-se das instituições, métodos e mecanismos deexecução das medidas relativas à expansão do comércio internacional, pro-cedendo a um “reexame da atividade dos organismos internacionais decomércio dos países em desenvolvimento” e considerando “a viabilidadede eliminar, coordenar e consolidar as atividades de tais organismos, de criarcondições para aumentar-lhes a composição e de tomar tantas outras ini-

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ciativas quanto forem necessárias para maximizar os resultados favoráveisdo comércio para o desenvolvimento econômico”.

O problema da formulação de um sistema institucional adequado aoatendimento dos imperativos de expansão comercial dos países subdesen-volvidos representará um dos grandes desafios de Genebra. Em últimaanálise, o sucesso dos esforços realizados por estes países dependerá da suacapacidade de encaminhar uma solução satisfatória do problema institucio-nal. Não resta dúvida sobre qual é a solução satisfatória: ela constitui nasubstituição do mecanismo presente, ineficiente e inadequado, por umsistema orgânico integrado de tratamento das questões de comércio inter-nacional.

O mecanismo atual, desenvolvido quase todo sob a inspiração dasNações Unidas, nasceu de uma frustração. Refiro-me à não-ratificação daCarta de Havana e à morte da Organização Internacional de Comércio queela previa. Na inexistência de um organismo do gênero, improvisou-se, aolongo dos anos de após-guerra, um mecanismo institucional cujos traçoscaracterísticos consistem num extremo fracionamento de órgãos de natu-reza e poderes os mais diversos e na ausência de uma divisão prévia defunções entre várias peças do mecanismo. Procurou-se, assim, atender – pormeio de órgãos isolados, criados de maneira caótica – às exigências denatureza institucional que o fracasso de Havana deixara irrespondidas.

Para que o leitor tenha uma idéia do conglomerado de órgãos, agên-cias, comissões, subcomissões, etc., que, sob a égide das Nações Unidas,atua no campo do comércio internacional, é suficiente lembrar os seguin-tes fatos. Além da Organização das Nações Unidas propriamente, ocupam-se de questões de comércio quatro das suas agências especializadas: a FAO,o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial de Reconstrução eDesenvolvimento e a Organização Internacional do Trabalho. A essasagências, somam-se o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), osgrupos de estudo dos produtos de base e os conselhos que administram osvários acordos sobre o comércio destes produtos, como o do trigo, o do açú-car, o do café, etc., cuja coordenação com a ONU é feita por intermédio doComitê Provisório de Coordenação para Acordos Internacionais de Produ-tos de Base, mais conhecido pela sua sigla em inglês ICCICA. Embora o

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GATT não seja formalmente uma agência especializada da ONU, a elaestá ligado por meio do Comitê Administrativo de Coordenação, onde têmassento, sob a presidência do secretário-geral, os diretores-executivos dasvárias agências que compõem a família das Nações Unidas.

Dentro da própria ONU, dedicam-se ao exame das questões decomércio internacional: a Assembléia Geral por intermédio da sua segun-da comissão (Econômica e Financeira), o Conselho Econômico e Social e asquatro comissões econômicas regionais, além do já mencionado ICCICA.Uma das comissões funcionais do ECOSOC estuda os problemas dasflutuações dos preços dos produtos de base e recomenda medidas de na-tureza compensatória com vistas a atenuar tais flutuações. Por sua vez, aFAO também dispõe de uma comissão de produtos de base e de uma sériede comitês e de grupos de trabalho encarregados da análise do comércio devários produtos.

Num tal sistema, as duplicações e lacunas são inevitáveis. A elas sesomam as dificuldades de coordenação. Contudo, o mecanismo presenterepresenta o que era possível realizar, em função das circunstâncias exis-tentes. Historicamente, as suas deficiências resultam do próprio processoque a configurou. O fracasso da Organização Internacional do Comérciorelegou inevitavelmente as questões de comércio internacional a um trata-mento setorial e compartimentado, não global e integrado. Como teve aocasião de salientar o relatório do grupo de peritos designado pela Resolu-ção 919 (XXXIV) do ECOSOC,

é concebível que o número de organismos pudesse ter sido menor se a

tentativa feita em 1948 de estabelecer uma organização internacio-nal do comércio, como contemplada na Carta de Havana, não tives-

se fracassado(...). O vácuo deixado pelo fracasso do estabelecimentoda organização tendeu a ser preenchido em menor ou maior grau por

um número de organismos. (p. 44)

Por outro lado, não existia uma consciência nítida das interrelaçõesentre o comércio internacional e o processo de desenvolvimento. Ademais,mesmo se essa consciência existisse, é de duvidar que os países subdesen-

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volvidos tivessem o poder de impor a criação de um mecanismo que permi-tisse o tratamento global e integrado das questões de comércio. Mesmo omecanismo atual, com todas as suas deficiências e inadequações, não foicriado sem dificuldades. Por fim, como assinala o relatório do grupo deperitos,

novos organismos eram algumas vezes criados não ali onde mais se

faziam necessários, mas ali onde a pressão política era mais forte.Países que não estavam satisfeitos com a orientação e as funções dos

organismos existentes pressionavam pela criação de novos. (p. 44)

A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvi-mento enfrentará a tarefa de criar um novo e adequado mecanismo insti-tucional. Sob certos aspectos, a conferência já antecipa, no seu própriofuncionamento, esse novo mecanismo. Ela substituirá a fase do tratamen-to fracionado pela fase do tratamento global dos problemas de comércio,iniciando, assim, um processo de importância vital para os países subdesen-volvidos. A conferência não se limitará a uma discussão das questões deprodutos de base, mas alcançará todo o campo das trocas internacionais,inclusive o comércio de invisíveis e dos produtos manufaturados e semima-nufaturados oriundos dos países subdesenvolvidos. A exclusiva preocupa-ção com o comércio daqueles, paralelamente ao desinteresse pelo comérciodestes, constitui uma das limitações mais sérias do presente mecanismo. Poroutro lado, a conferência submeterá a discussão de toda a problemática docomércio internacional à perspectiva global do desenvolvimento econômi-co, tarefa igualmente impossível de ser realizada por meio do mecanismoatual, que revela as árvores mas esconde a floresta.

Contudo, para que o trabalho da conferência corresponda às expec-tativas dos que lutaram por ela, faz-se mister dar-lhe continuidade notempo. Só uma organização internacional de comércio poderá proceder comsucesso à obra de reformulação de todo o sistema de trocas internacionaise de criação de uma nova divisão internacional do trabalho, que constituia reivindicação fundamental dos países subdesenvolvidos em matéria decooperação internacional. A essa organização, se atribuiria a missão de

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formular e recomendar medidas, visando à expansão do comércio interna-cional, à ordenação racional dos fluxos de comércio e à criação de novosfluxos, ao estabelecimento de uma correlação justa de preços entre os pro-dutos primários e os produtos manufaturados. Caber-lhe-ia, também, afixação de princípios legais orientadores das relações comerciais entre paí-ses. Cumpriria, por fim, dotá-la da capacidade executiva indispensável àefetivação das medidas acordadas.

O processo de reformular todo o funcionamento do comércio interna-cional, à luz das necessidades dos países subdesenvolvidos, apenas se ini-cia. Os resultados da conferência não serão espetaculares, nem seus efeitosse farão sentir de maneira imediata. Não se transforma, no espaço de algu-mas semanas, um sistema de divisão internacional do trabalho que é oproduto de séculos. Mas um provérbio imemorial nos ensina que umacaminhada de muitas léguas começa por um passo. É num espírito de só-brio otimismo que o Brasil comparecerá a Genebra.

Estamos em pleno processo de aceleração da história. Contemplem-se, por exemplo, os resultados alcançados, em curto prazo, no setor dadescolonização. Com suas resoluções, que em certo momento pareceramplatônicas e inconclusivas, a ONU criou o mundo de 1964, o mundo daautodeterminação e da libertação dos povos.

A atual política do Itamaraty, caracterizada pelo trinômio Desarma-mento, Desenvolvimento e Descolonização, baseia-se num agudo senso derealismo. Mas o realismo não abrange apenas a consideração das dificul-dades e dos fatores. O realismo brasileiro não pode abdicar da esperança,esperança de um mundo melhor, que se renove dia a dia, numa ânsia deliberdade e de justiça. Com suas teses apresentadas no campo da desco-lonização, do desarmamento e do desenvolvimento, a política externa doBrasil atinge um momento de maturidade e de autenticidade. O Itamara-ty tem de ser representativo do Brasil, com todos os seus anseios e reivin-dicações.

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DOCUMENTO 52

Trecho da mensagem do presidente da República ao Congresso Nacional,na abertura da sessão legislativa de 1964, em 15 de marçoCircular n. 5.088, de 23 de março de 1964.

...........................................................................................................................

Parte VPolítica externa

1 – Considerações gerais

A política externa do Brasil, inspirada nos preceitos cristãos quemoldaram a nossa vida nacional e orientada pelas normas de respeito mútuoe diálogo pacífico que sempre guiaram a nossa conduta nos assuntos inter-nacionais, participa do esforço geral do país pelo progresso econômico e pelobem-estar social.

Assim, a ação da diplomacia brasileira não se subordina a qualquerconsideração alheada do processo de desenvolvimento nacional e nele seintegra como um dos seus instrumentos indispensáveis, encontrando-se a suaautenticidade na fiel interpretação dos objetivos nacionais e fundando-se asua autoridade na perfeita identificação com os legítimos anseios populares.

Os propósitos gerais da política externa do Brasil são os de paz eentendimento com todos os povos. A posição que o país hoje em dia ocupano concerto das nações impõe-lhe responsabilidades de participação nosgrandes problemas do mundo, às quais vem correspondendo numa atitu-de afirmativa em todos os foros mundiais de que tem participado.

No seu incessante esforço pela paz, a diplomacia brasileira reiteracertos princípios fundamentais que mantêm a coerência da nossa políticaexterna, reforçando-lhe a hierarquia, e cuja sustentação considera devercapital: não-intervenção no processo político dos demais Estados, autode-terminação dos povos, igualdade jurídica dos Estados, solução pacífica dascontrovérsias, respeito aos direitos humanos e fidelidade aos compromis-sos internacionais.

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Nesse contexto, o Brasil tem procurado contribuir para uma soluçãosatisfatória da questão do desarmamento, propondo medidas que signifi-quem avanço gradual mas concreto no sentido de afastar a humanidade datragédia nuclear. Tem, por igual, revelado sua preocupação com o grandedesafio do após-guerra: o desenvolvimento de dois terços da humanidadeainda não beneficiados pelos progressos científicos e tecnológicos da nos-sa era. Para que se rompa o círculo vicioso da pobreza, considera necessá-ria a cooperação das nações capitalistas e socialistas, bem como a da ONUe demais organismos internacionais, mediante o financiamento, assistên-cia técnica e a reestruturação do comércio internacional. De outro lado,reconhece o nosso país que não há mais lugar no mundo moderno para ocolonialismo e apóia a execução acelerada do processo de descolonização.

Admitindo como única restrição os compromissos livremente assumi-dos, o Brasil reserva-se completa independência de ação no campo inter-nacional e propõe-se ao diálogo com todos os povos do mundo, fiel à suavocação de universalidade e consciente de ser esta a melhor maneira dealiviar as tensões mundiais.

O governo está profundamente convencido da legitimidade da linhade independência que adotou na sua política externa e que considera aúnica em harmonia com as aspirações nacionais e com as exigências deafirmação apresentadas ao país pela comunidade internacional.

2 – Política externa para o desenvolvimento

A mensagem que enviei ao Congresso Nacional no ano passado con-tém a afirmação de que “atingimos o momento de fixar uma política exter-na para o desenvolvimento, atribuindo-lhe a prioridade imprescindível noquadro de nosso comportamento internacional”.

Na verdade, mais do que em qualquer outra fase de nossa evolução,a vinculação instrumental da política exterior aos projetos nacionais inter-nos é, hoje, particularmente relevante. O processo de desenvolvimento, emespecial no período que atravessamos de implantação e consolidação, exi-ge alterações estruturais que, em seu reflexo externo, implicam uma toma-da de posição internacional necessariamente mais dinâmica do que em

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estágios anteriores de nossa evolução. A intensa mobilização de forças,essencial ao desenvolvimento, requer, portanto, uma contribuição ativa denossa política externa para a consecução dos objetivos nacionais deemancipação econômica e justiça social.

A primeira condição de uma política externa para o desenvolvimentoestá no fato de que o progresso do país não pode ser medido simplesmen-te em termos absolutos. Pelo contrário, a taxa de crescimento do produtonacional brasileiro ou a melhoria das condições de vida da nossa popula-ção têm de ser contrastadas com o ritmo de crescimento econômico dosdemais países, tomado por base o estádio de desenvolvimento já por elesatingido.

Não nos pode satisfazer, como alvo dos nossos esforços, um ritmo decrescimento que redunde em nosso gradual empobrecimento relativo,deixando-nos cada vez mais distantes dos padrões de bem-estar que vãosendo atingidos por outros povos.

O grande problema do nosso tempo não está apenas na acentuadadiscrepância dos graus de riqueza entre os povos, mas também, e sobretu-do, no fato de que esse desnível continua a ampliar-se. Existe, assim, aolado de um já verificado hiato de rendas, um hiato dinâmico, que se traduzno fato de precisamente os países mais ricos apresentarem taxas mais al-tas de crescimento. A resultante final é a relativa pauperização crescentedas áreas subdesenvolvidas do mundo.

Esse fenômeno tem raízes seculares. Só recentemente, contudo, graçasao despertar das aspirações de desenvolvimento nas nações mais atrasadase às oportunidades de confrontação internacional proporcionadas pelo foroamplo das Nações Unidas, começou a cristalizar-se, na consciência dessasnações, a compreensão de seu alcance histórico e de suas implicações úl-timas. O Brasil, muito especialmente, tem contribuído para a elucidação doque hoje pode ser identificado como um conflito latente entre o Hemisfé-rio Norte e o Hemisfério Sul. Essa clara identificação dos problemas naordem internacional vigente tem sido e continuará a ser uma das tarefasfundamentais da política externa do governo, tão certos estamos de quesomente a aferição inequívoca das dificuldades próprias da convivênciainternacional deparará razoáveis expectativas de soluções satisfatórias.

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É bem verdade que o desenvolvimento econômico depende, sobre-tudo, de um esforço interno, racional e continuado. Somos, em última aná-lise, os únicos responsáveis por nosso progresso e constitui mesmo premissada formação brasileira o não transferir a outrem o traçado de nosso destinoe a direção de nosso desenvolvimento.

Não obstante, vivemos em um mundo de interdependências e, emrazão mesmo de sermos um país em desenvolvimento, a marcha de nossaevolução reflete um complexo de forças mundial, cuja determinação esca-pa ao nosso controle isolado. Em outras palavras – e isto se aplica a todosos países subdesenvolvidos –, o sentido e a velocidade do nosso crescimentopodem ser influenciados pela existência de um ambiente internacionalfavorável ou desfavorável a esses esforços internos.

Cabe-nos, assim, a responsabilidade de orientar uma política externaque aproveite ao máximo as nossas potencialidades diplomáticas, no senti-do de inverter as tendências que tornam possível a permanência dos obstá-culos ao progresso mais rápido das áreas subdesenvolvidas do globo. E é oque faremos, com plena consciência de que buscamos tão-somente a con-cretização dos ideais e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas.

Dentre os campos em que, no contexto mesmo das Nações Unidas,é mais premente a necessidade de uma ação vigorosa e coordenada, avul-ta o do comércio internacional. A extensão dessa necessidade revela-se noconfronto entre o papel do setor externo na promoção do desenvolvimentoeconômico e a situação adversa de intercâmbio que vêm encontrando ospaíses não industrializados.

Não caberia aqui analisar com minúcias a função estratégica que, nocaso do Brasil, desempenha o comércio exterior na manutenção de uma taxaelevada de crescimento econômico. Após um período de rápida substitui-ção de produtos importados, chegamos a um ponto em que nossa pauta deimportações se tornou muito rígida, pois se compõe quase inteiramente debens de capital, matérias-primas de primeira necessidade e combustíveis.Esses produtos apresentam alto grau de importância, pois influem direta-mente sobre o nível de atividade econômica geral, bem como sobre o em-prego e a formação da capacidade produtiva requerida para aumentar arenda nacional no futuro imediato. Dado que a capacidade de importar do

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país depende, em última análise, das receitas de exportação, chega-se àconclusão irrecusável de que, não apenas a estagnação ou a queda, mas opróprio crescimento das receitas de exportação a uma taxa não satisfatóriapoderão sacrificar de maneira ponderável o nosso desenvolvimento.

Para esse grave problema, as transferências de capital – seja medianteinvestimentos diretos, seja mediante assistência financeira – não consti-tuem solução permanente e única. De fato, os capitais investidos no paístêm a necessária contrapartida da remessa de lucros e do seu possível re-patriamento, enquanto os empréstimos financeiros exigem amortização epagamentos de juros, o que, em ambos os casos, implica disponibilidadesde divisas que só podemos obter por intermédio da exportação.

É evidente, portanto, que a assistência financeira e os ingressos decapital têm limitações intrínsecas, não constituindo alternativa para o au-mento da nossa receita de exportações. Nem poderia ser diferente, quan-do se sabe que, nos últimos dez anos, os recursos líquidos de assistênciafinanceira recebidos, sob qualquer título, pelo Brasil, ficaram aquém denossas perdas de receita cambial decorrentes da deterioração das relaçõesde troca de nossos produtos. As crises de balanço de pagamentos do paístêm resultado da queda do valor das nossas exportações, em contraste comuma pauta de importações crescentemente incompressível e com o acúmulode compromissos externos, a obrigação de cujo pagamento reduz o nossojá limitado poder de compra. Nessas circunstâncias, estabelece-se umverdadeiro círculo vicioso, em que a assistência financeira serve princi-palmente para evitar um colapso total e imediato da nossa capacidade depagar as importações e satisfazer os compromissos externos, sem, todavia,impedir o caráter quase crônico dessa deficiência de meios de pagamento.E mais: a obrigatoriedade de repagamento dos empréstimos exige, aindaque diferida, uma expansão das receitas de exportação, pois, em caso con-trário, o serviço da dívida externa só poderia ser atendido mediante novacontratação da capacidade de importar, já em si insuficiente para satisfa-zer os requisitos de um rápido desenvolvimento.

Essa experiência brasileira é, sob muitos pontos de vista, represen-tativa da situação em que se encontra a maior parte dos países subdesen-volvidos. Graças, entre outros meios, ao acervo de conhecimentos técnicos

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acumulados pelas Nações Unidas e seus órgãos, são hoje abundantemen-te conhecidos os problemas de intercâmbio enfrentados pelos países expor-tadores de bens primários. Para diversos desses problemas a soluçãodepende sobretudo de medidas de política comercial, que devem ser toma-das pelos próprios países em desenvolvimento – tais como o estímulo àsubstituição de importações e à diversificação de exportações – e decisõesconducentes à abertura de novos mercados. Tais, precisamente, as diretri-zes que têm orientado e continuarão a orientar a ação de meu governo.

Os países em desenvolvimento não têm, todavia, a capacidade detransformar, por si sós, o sistema vigente, na medida imposta por suasnecessidades de progresso. O que é preciso, portanto, é a determinaçãopolítica da comunidade de nações de enfrentar as dificuldades de soluçãodesses problemas, mediante adoção de medidas concretas e coordenadas.Nesse sentido, grande responsabilidade recai sobre as potências comer-ciais, que detêm quase 70% das trocas internacionais e sem cuja colabora-ção será impossível alterar o quadro atual.

O Brasil, bem como os demais países em desenvolvimento, tem plenaconsciência das medidas que precisam ser adotadas. Delas, a principal é aaceitação de novos princípios e normas para reger o intercâmbio mundial,baseados na correlação entre comércio e desenvolvimento e capazes deproporcionar melhores condições competitivas aos países subdesenvolvidos.Concretamente, tais princípios e normas deverão traduzir-se em medidas quepromovam o travamento do processo de deterioração das relações de troca,mediante a recuperação dos preços dos produtos primários e de sua esta-bilização em níveis justos e remunerativos; remoção das barreiras artificiaisque impedem ou dificultam o acesso de produtos primários dos paísesmenos desenvolvidos aos mercados das nações industrializadas; aberturade possibilidades concretas para que os países subdesenvolvidos expandamsuas exportações de manufaturas, ingressando, assim, na corrente das tro-cas internacionais; modificação da política financeira mundial, a fim detorná-la mais compatível com as necessidades dos países em desenvolvi-mento, inclusive para permitir a consideração, em conjunto, dos problemasde comércio e financiamento; melhoria do comércio de invisíveis dos paísesnão-industrializados, de forma que se alivie o peso da rubrica referente a

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serviços em seus balanços de pagamentos. A adoção sistemática das so-luções acima indicadas conduzirá necessariamente à reformulação dosprincípios que regulam o comércio internacional, a fim de propiciar amaior integração desse comércio e assegurar a adoção das medidas im-prescindíveis à reversão das atuais tendências desfavoráveis aos paísessubdesenvolvidos.

Todas essas proposições devem ser traduzidas em providências con-cretas, que, em verdade, corroborando a validade da posição brasileira, sãoparte da agenda de um conclave internacional, a Conferência das NaçõesUnidas sobre Comércio e Desenvolvimento, que se iniciará em Genebraa 23 de março. Para o êxito dessa reunião, desenvolveram-se, durante todoo ano de 1963, intensos trabalhos técnicos e diplomáticos, para os quais oBrasil, um dos 32 membros do comitê preparatório da conferência, contri-buiu ativamente, pondo em evidência a sua alta significação desde as pri-meiras manifestações conducentes à convocação.

Chegamos, assim, à conferência sem improvisações, após cuidadosotrabalho de elucidação de problemas e identificação de linhas ao longo dasquais pode a comunidade internacional dar-lhes solução. Não esperamos,evidentemente, que três meses de negociações transformem radicalmentetoda a estrutura do intercâmbio mundial, tarefa que envolve remover ar-raigados preconceitos e poderosos interesses. Estamos, pois, cônscios deque a próxima conferência é apenas o primeiro estádio de um trabalho delongo prazo, em que venham a concretizar-se, no campo vital do comércio,os propósitos de cooperação internacional incorporados na Carta das Na-ções Unidas.

Mas os problemas comerciais, do Brasil e demais países em desenvol-vimento, são prementes e há muito que pode ser feito, desde já, pararesolvê-los. Aqui, então, coloca-se a verdadeira responsabilidade dos paí-ses altamente industrializados, pois não há obstáculo técnico que possaimpedir a plena manifestação de uma vontade política sincera e racional-mente dirigida para a solução de tais problemas.

Na mensagem que enviei ao Congresso, no ano passado, já assina-lava esse fato, ao dizer que os resultados da conferência “serão o melhorcritério para se aferir o espírito de cooperação dos países desenvolvidos na

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superação do atraso econômico dos povos subdesenvolvidos”. A nós, inte-ressa que esse espírito de cooperação esteja presente com a máxima inten-sidade.

3 – Nações Unidas

Em 1963, o Brasil continuou a marcar sua presença nas NaçõesUnidas por uma política ativa e coerente, mantendo a posição de prestígioque ali conseguiu alcançar. Intensificando seus esforços por uma atuaçãocada vez mais eficiente da ONU em favor da solução dos grandes proble-mas internacionais, o Brasil concentrou sua ação no trinômio básico: De-sarmamento, Desenvolvimento e Descolonização.

3.1 Desarmamento:

Considerando ser o desarmamento, na atual conjuntura, o objetivomais imediato na luta pela paz e pelo progresso, o Brasil continuou a de-senvolver persistentes esforços no sentido de aproximar pontos de vista eencontrar fórmulas que permitam chegar às metas desejadas. A ação doBrasil se fez sentir, seja na Assembléia Geral da ONU, seja na Conferên-cia dos Dezoito Países sobre o Desarmamento, em Genebra.

Teve o nosso país a satisfação de ver concretizada, com o tratado sobreproscrição parcial das experiências nucleares, assinado em Moscou, em 5de agosto de 1963, sugestão apresentada pela delegação do Brasil à Con-ferência do Desarmamento, em julho e agosto de 1962. Nessa ocasião, oBrasil havia proposto a conclusão imediata de um tratado que proibisse asexperiências com armas nucleares na atmosfera, no espaço cósmico e sobas águas. Argumentava a delegação brasileira que as dificuldades encon-tradas para chegar-se a acordo sobre um sistema internacional de controleindicavam a conveniência de proibir, desde logo, aquelas experiências quejá pudessem ser evidenciadas pelos sistemas nacionais de verificação, umavez que, em relação a elas, não existia o problema de comprovar possíveisviolações das obrigações assumidas.

Na mesma ordem de idéias, o Brasil sugeriu – em 1963, na Assem-

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bléia Geral – um tratamento gradual e sucessivo para a questão das expe-riências nucleares subterrâneas, propondo que se proibissem, desde logo,as experiências que, situando-se acima de certo limite, já podem ser assi-naladas pelos sistemas nacionais de verificação.

No que diz respeito às chamadas medidas colaterais, isto é, àquelasque, pela redução da tensão internacional, podem facilitar o progresso dodesarmamento, o Brasil sugeriu, na Conferência de Genebra, um tratadomultilateral de não-agressão, capaz de criar um mecanismo recíproco en-tre o maior número possível de Estados, que se comprometeriam a nãocometer agressão contra qualquer dos demais. Por sua generalidade euniversalidade, essa idéia parece mais útil e mais eficaz do que a de sim-ples pacto parcial de não-agressão entre os países integrantes de blocosmilitares.

Na Assembléia Geral, o Brasil viu aprovados quatro projetos sobredesarmamento, apresentados com sua assinatura: o primeiro, concita todosos Estados a absterem-se de usar o espaço cósmico para atividades milita-res com armas nucleares; o segundo, dá instruções à Conferência do De-sarmamento para que retome com energia e determinação seus trabalhos;o terceiro, recomenda à mesma comissão que, com caráter de urgência,busque tornar geral a proibição parcial de experiências nucleares consignadano Tratado de Moscou; o quarto, finalmente, nota com satisfação a inicia-tiva de procurar chegar à desnuclearização da América Latina e exprime aesperança de que os países dessa área iniciem os estudos capazes de levara esse objetivo. Essa resolução é conseqüência natural de projeto apresen-tado sobre o mesmo assunto na Assembléia Geral anterior e da declaraçãoconjunta dos presidentes, de 29 de abril de 1963. Na referida declaração,os presidentes do Brasil, do México, do Chile, da Bolívia e do Equadoranunciaram a intenção dos respectivos governos de procurar alcançar umacordo que estabelecesse a América Latina como área desnuclearizada.

Essa linha de ação inscreve-se na política geral de evitar dissemina-ção ainda mais extensa das armas nucleares, com riscos cada vez maiorespara a humanidade, e coincide com o interesse comum do Brasil e daque-las repúblicas irmãs de não desviar para uma ruinosa corrida de armas nu-cleares os recursos tão necessários ao desenvolvimento econômico e social.

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A tradução desse nobre ideal em um texto positivo é tarefa comple-xa, que exigirá estudos cuidadosos. O governo brasileiro disso tem plenaconsciência e não assumirá nenhum compromisso na matéria, sem que fi-que perfeitamente assegurado que não haverá nenhuma interferência nodesenvolvimento do uso pacífico da energia nuclear e nem de longe serácomprometida, em ponto algum, a segurança nacional.

3.2 Desenvolvimento:

O Brasil defendeu nas Nações Unidas a tese de que é indivisível daidéia de paz, a da segurança econômica e de que não é possível permitir,sem grave risco para todos, que se mantenham as condições presentes, nasquais dois terços da humanidade vivem em níveis de mera subsistência,sofrendo, em toda a sua extensão, os males econômicos e sociais caracte-rísticos do estágio do subdesenvolvimento. Para corrigir tal situação, o Brasilpreconiza um esforço coletivo, consciente e firme, de que devem participarconjuntamente todos os membros da comunidade internacional.

O Brasil apontou três setores em que lhe parece indispensável umaação urgente, sob a égide das Nações Unidas: industrialização, movimentointernacional de capitais para o desenvolvimento e comércio internacional.Quanto ao último ponto, já se salientou acima o que foi feito na prepara-ção do terreno para a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio eDesenvolvimento, convocada pela Assembléia Geral para março próximo[sic], em Genebra, e o que se espera dessa conferência.

No relativo à questão das medidas que a ONU possa tomar em favorda industrialização, o Brasil continuou a sustentar a tese de que é neces-sária a criação de um órgão especializado, que se ocupe dos problemas daindustrialização, como a FAO se ocupa dos da agricultura e a UNESCOdos da educação. Sem lograr ainda a vitória completa de sua tese, pôde oBrasil obter que a Assembléia Geral reconhecesse que a atual estrutura daONU para lidar com os problemas do desenvolvimento industrial é insu-ficiente e deve ser modificada.

Sobre o problema do fluxo internacional de capitais, o Brasil conseguiua aprovação, por unanimidade, de projeto que visa a obter um estudo sis-

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temático do assunto, a fim de serem definidos os mecanismos que possamconduzir à aceleração do desenvolvimento econômico dos países subdesen-volvidos.

3.3 Descolonização:

No capítulo descolonização, continuam as Nações Unidas empenha-das em obter plena efetivação da Declaração de Outorga da Independên-cia aos Países e Povos Coloniais, aprovada pela Assembléia Geral em1960. O Brasil vem-se mantendo fiel à linha anticolonialista que tem ca-racterizado sua política, emprestando pleno apoio a todas as medidas emconsonância com ela. A delegação do Brasil à XVIII Assembléia Geralreafirmou a tese brasileira de que, enquanto subsistir um território depen-dente, aí haverá um foco de desentendimentos internacionais, num tipo derelação anacrônico e ultrapassado.

A Assembléia Geral acompanha o processo de descolonização porintermédio de um comitê especial e os debates da XVIII sessão concen-tram-se sobre algumas situações que parecem justificar interesse particu-lar: Rodésia do Sul, sudoeste Africano, territórios sob administraçãoportuguesa e Omã.

Em todos esses casos, a delegação do Brasil participou dos debates eemitiu voto coerente com o interesse de fazer prevalecer os princípios con-sagrados na Carta das Nações Unidas.

3.4 Conselho de Segurança:

No desempenho de mandato que lhe foi conferido durante a XVIIsessão da Assembléia Geral, o Brasil participou, em 1963, do Conselho deSegurança das Nações Unidas.

Entre os diferentes assuntos examinados pelo conselho no decorrerdo ano, merecem menção, à vista da posição assumida pelo Brasil, duasquestões: a da política racial da África do Sul e a dos territórios sob admi-nistração portuguesa.

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No que diz respeito à África do Sul, a delegação do Brasil manifes-tou o integral apoio de seu governo à causa de 32 países africanos, quelevaram a questão, uma vez mais, à consideração do conselho. O Brasilvotou a favor de resolução, aprovada em 7 de julho, pela qual o conselhopediu a todos os Estados que cessassem o fornecimento de armas, muni-ções e veículos militares à África do Sul. Absteve-se, entretanto, quandofoi votado um artigo que recomendaria a cessação de todo o comércio comaquele país: esse artigo não foi aceito pelo conselho.

Os territórios portugueses foram objeto de dois debates no Conselhode Segurança: o primeiro em julho, o segundo em dezembro.

Durante o primeiro, a delegação do Brasil emitiu seu ponto de vis-ta sobre o assunto, dizendo que reconhecia tanto a competência do con-selho quanto o direito de autodeterminação dos territórios. Opunha-se,no entanto, a qualquer medida coercitiva, uma vez que a questão nãoparecia configurar-se como incidente, no capítulo VII da Carta da ONU,sendo, antes, daquelas que o conselho deveria procurar resolver pelaaplicação dos métodos de solução pacífica, previstos no capítulo VI damesma Carta. A delegação do Brasil votou a favor da resolução entãoaprovada pelo conselho.

No segundo debate, em dezembro, a delegação do Brasil procuroulançar em evidência os aspectos construtivos dos contatos havidos entrePortugal e os Estados africanos, afirmando sua certeza de que uma solu-ção acabará por ser encontrada, graças a negociações e outros meios pací-ficos. Nessa ocasião, votou igualmente a favor da resolução aprovada peloConselho de Segurança.

A posição do Brasil em relação a esse problema dos territórios portu-gueses é guiada, de um lado, pela nossa tradicional amizade com Portugale pelo desejo de manter e estreitar as boas relações que temos com essepaís; de outro, pelo dever de sustentar o princípio básico de autodetermi-nação dos povos, afirmado na Carta das Nações Unidas e uma das pedrasangulares de nossa política exterior. O Brasil tem boas razões para esperarque se chegue a uma solução negociada e pacífica, capaz de satisfazer atodos os interessados e, como o afirmou no Conselho de Segurança, colocapermanentemente sua diplomacia a serviço dessa esperança.

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4 – Política continental

As relações do Brasil com os países do hemisfério sempre se pauta-ram por absoluta fidelidade aos compromissos que naturalmente decorremde sua participação no sistema interamericano. O governo brasileiro enten-de o pan-americanismo como uma atitude de solidariedade diante de pro-blemas comuns e como um instrumento dinâmico de renovação, capaz depropiciar aos povos deste continente o bem-estar econômico e a justiçasocial, dentro dos quadros da democracia representativa e à luz dos prin-cípios que informam a Carta de Bogotá.

Atendo-se sempre ao mais estrito cumprimento dos dois princípios emque se funda o sistema – o de autodeterminação e o de não-intervenção –teve o governo brasileiro, em 1963, várias oportunidades de reafirmar suaadesão àquelas normas, buscando sempre evitar que a OEA se transfor-masse num organismo supra-estatal, com poderes para intervir nos assun-tos internos de qualquer dos países membros. Assim procedeu quando setratou de redigir o Estatuto da Comissão Especial Consultiva de Seguran-ça, criada pela VII Reunião de Consulta, para assistir os governos, porsolicitação destes, no combate à infiltração comunista. Viu-se, nessa oca-sião, a delegação do Brasil obrigada a votar contra o estatuto aprovado pelamaioria, porquanto uma de suas cláusulas, infringindo flagrantemente omandato atribuído à Comissão de Segurança, pela Resolução n. 2, de Puntadel Este, que a criara, conferiu ao Conselho da OEA a faculdade de, porsua própria iniciativa, solicitar a assistência da comissão.

Posteriormente, também, a propósito da idéia de convocar-se umareunião de consulta para considerar a possibilidade da adoção de umaatitude comum dos países membros em face dos governos oriundos de golpede Estado, a chancelaria brasileira sentiu-se no dever de manifestar suasdúvidas sobre a oportunidade e mesmo utilidade daquela reunião, tendoem vista que tal assunto não poderia evidentemente ser debatido semprejuízo para o princípio de não-intervenção. Graças à sua atuação, a idéiafoi abandonada e, em vez de convocar-se a reunião de consulta para dis-cussão daquele tema, decidiu-se convocar, em data ainda não marcada, oórgão de consulta para considerar o problema da preservação e do fortale-cimento da democracia representativa no continente.

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Ao encerrar-se o ano de 1963, novamente teve o governo brasileiroocasião de evidenciar o seu respeito às normas que regulam a convivênciapacífica interamericana, ao votar favoravelmente à convocação do órgão deconsulta para examinar a queixa apresentada pelo governo da Venezuelacontra o de Cuba, pela descoberta, segundo alegação do primeiro, de trêstoneladas de material bélico de procedência cubana, na costa venezuelana.Ao acolher o pedido da Venezuela para convocação da consulta, o nossopaís exprimiu o seu voto nestes termos:

O Brasil, tanto no sistema interamericano quando no sistema dasNações Unidas, jamais negou seu voto a um Estado que pede uma in-

vestigação, porquanto entende que só mediante amplo conhecimen-to dos problemas será possível encontrar uma solução adequada e justa

para solvê-los. Dentro do sistema interamericano, sempre reconhe-cemos a qualquer Estado que se sinta atingido por atos de agressão,

armada ou não, o direito de invocar o Tratado de Assistência Recípro-ca, com base em seus artigos correlatos, e pleitear a nomeação de uma

comissão de investigação destinada a proporcionar aos órgãos do sis-tema todos os elementos de julgamento. Assim sendo, a delegação do

Brasil votou favoravelmente à convocação do órgão de consulta e àconstituição de uma comissão de investigação, solicitadas pelo governo

da Venezuela. Releva, porém, a delegação brasileira que o seu voto nãose refere ao fundo do problema, nem constitui um prejulgamento das

conclusões a que chegará, sobre a matéria, a comissão investigadora.Uma vez conhecido o relatório da comissão de investigação, exami-

nados os fatos alegados, estudados os resultados obtidos e apreciadasas conclusões finais, o Brasil emitirá, então, o seu voto sobre o mé-

rito mesmo do problema. Nosso voto de hoje, portanto, é única e ex-clusivamente a favor da convocação do órgão de consulta e da

constituição de uma comissão investigadora. Por isso, considera adelegação do Brasil que a investigação a ser feita deverá ser a mais

ampla possível, abrangendo investigações, tanto na Venezuela quantoem Cuba, e facilitando-se a este último Estado todas as oportunida-

des de defesa, para o que a comissão poderá, a nosso ver, pedir licençapara ir a Cuba e ouvir, também, a respeito, o governo cubano.

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Uma das preocupações mais constantes do governo brasileiro vemsendo a necessidade de combater, mediante um esforço comum de coope-ração, o subdesenvolvimento dos povos latino-americanos. Foi animado deamplo espírito de colaboração que o Brasil compareceu à II Reunião doConselho Interamericano Econômico e Social, realizada em São Paulo, deoutubro a novembro de 1963. Graças à iniciativa do governo brasileiro emambas as fases dessa conferência, a de nível técnico e a de nível ministerial,foi possível a aprovação de duas importantes resoluções: uma relativa àcriação de uma Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana; ou-tra sobre o estabelecimento de um Fundo Interamericano de Desenvolvi-mento da Aliança para o Progresso (FIDAP). É possível exagerar aimportância do papel que a Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana – órgão de cuja falta há muito se ressentia o sistema – desem-penhará no sentido de, proporcionando aos países latino-americanos apossibilidade de adotarem uma posição comum em face dos problemas queserão debatidos durante a próxima Conferência das Nações Unidas sobreComércio e Desenvolvimento, lograr reformas essenciais na estrutura docomércio mundial e contribuir para a solução dos graves problemas que vêmretardando seu desenvolvimento econômico e social, dentre os quais épreeminente a queda de suas receitas de exportação, conseqüente à dete-rioração dos termos de seu intercâmbio com os países industrializados.

Ao Brasil deve-se, igualmente, a idéia da criação de um Fundo Inte-ramericano da Aliança para o Progresso. Não satisfeito com o mandatoatribuído ao novo órgão – criado para promover a consecução dos objetivosda Carta de Punta del Este – o Comitê Interamericano da Aliança para oProgresso (CIAP) propôs a inclusão, entre as atribuições do CIAP, de umadestinada a “promover um crescente aperfeiçoamento do processo demultilateralização da Aliança para o Progresso” e, com base nesse dispo-sitivo, logrou, com apoio unânime, fazer passar a Resolução 23-M/63 que,em sua parte resolutiva reza:

que o Comitê Interamericano da Aliança para o Progresso, dentro deseis meses de sua constituição, deverá apresentar aos governos dos

Estados-membros um estudo sobre um fundo interamericano de de-

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senvolvimento da Aliança para o Progresso e, de acordo com suas con-

clusões, elaborar um projeto para a criação do mesmo.

Considera o governo brasileiro que esta foi realmente uma contribui-ção positiva à concretização dos ideais proclamados em Punta del Este. Comefeito, sem dispor de fundos regulares e permanentes de financiamento ena ausência de uma responsabilidade conjunta, multilateral, tanto no quediz respeito à obtenção quanto à aplicação de recursos financeiros, o progra-ma da Aliança para o Progresso não compreenderá senão fontes rotineirasde auxílio externo.

No âmbito das relações bilaterais com os países do continente, desejo,especialmente, recordar o significado e as realizações positivas resultantesde minhas visitas à República do Chile e à República Oriental do Uruguai,no mês de abril. Guardo ainda com emoção as calorosas manifestações desimpatia que recebi do governo e do povo desses dois países irmãos, naquelaoportunidade.

Com o presidente Jorge Alessandri, após examinarmos assuntos deinteresse comum, no plano regional e no plano mundial, tive a honra deexpressar, em declaração conjunta, o reconhecimento da coincidência dosobjetivos do Brasil e do Chile – traduzida em identidade de posições nasorganizações internacionais de que participam – e, bem assim, subscreveruma reafirmação de nosso irrestrito respeito aos princípios de autodetermi-nação e de não-intervenção.

Tivemos, igualmente, ocasião de reiterar a nossa convicção de que aintegração econômica dos países latino-americanos é um dos fundamen-tos essenciais de qualquer política destinada a promover o desenvolvimentoeconômico e social da América Latina em bases sólidas e permanentes.

Meu encontro com o presidente do Conselho de Governo do Uru-guai, senhor Daniel Crespo, deu ensejo, por outro lado, à assinatura dosacordos de criação das comissões mistas que se encarregarão da construçãoda ponte Quaraí-Artigas e dos estudos para o aproveitamento da bacia daLagoa Mirim. Com grande honra e satisfação, dirigi-me, então, ao Con-gresso Nacional do Uruguai e pude recordar os meus vivos sentimentos degratidão ao governo e povo uruguaios pela generosa acolhida que me dis-

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pensaram por ocasião do meu desembarque em Montevidéu, em meio àgrave crise que o Brasil atravessou em 1961.

Mais recentemente, aceitei o honroso convite que me formulou opresidente Paz Estensoro para visitar a Bolívia, nação a que nos unem laçosfraternais, e, com satisfação, recebi a resposta afirmativa do presidenteArturo Illía ao convite que lhe dirigi para, no corrente ano, visitar o Brasil.Tenho a certeza de que esses encontros se constituirão em outras tantasoportunidades para aproximações conducentes a uma ação harmônica emfavor dos reais interesses de nossos povos.

É com igual prazer que ponho em relevo a particular atenção dada pormeu governo à posse do presidente Illía, em outubro do ano findo, quan-do enviei a Buenos Aires missão especial chefiada pelo embaixador JoãoAugusto de Araújo Castro, ministro de Estado das Relações Exteriores; àposse, em agosto, do presidente da República do Paraguai, general AlfredoStroessner, quando me fiz representar pelo deputado Abelardo Jurema,ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores; bem como à posse dosenhor Fernando Belaúnde Terry na presidência da República do Peru, aque assistiu, em julho, o então chanceler Evandro Lins e Silva.

Tive ocasião de receber, em cordial encontro, o presidente do Para-guai, general Alfredo Stroessner, e com ele conversar, na maior cordialida-de e compreensão, sobre o projeto de aproveitamento do potencialenergético de Sete Quedas, cuja realização poderá proporcionar à econo-mia da região uma oferta de energia da ordem de dez milhões de kW. Dasconversações resultou um completo entendimento entre nossos dois países,dentro do respeito aos interesses mútuos. Estou convicto de que o empre-endimento de Sete Quedas não só permitirá a valorização econômica davasta área adjacente, mas também contribuirá poderosamente para a cau-sa da fraternidade americana.

Cabe ainda relembrar a viagem do então ministro da Fazenda, CarlosAlberto A. de Carvalho Pinto, a Santiago para a inauguração de uma agên-cia do Banco do Brasil, ali instalada, como precedentemente em BuenosAires, Assunção, Montevidéu e La Paz, para servir de efetivo instrumen-to de nossas relações comerciais.

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O ano de 1963 constituiu, também, etapa decisiva para o incremen-to do intercâmbio comercial com o México, tendo chegado a bom termo osentendimentos entre a PETROBRÁS e a PEMEX (Petróleos MexicanosS.A.), pelo protocolo de 31 de janeiro, no qual se prevê, além da assistên-cia técnica recíproca, todo um plano de atividades de interesse para as duasempresas estatais. De outro lado, abriu-se o mercado mexicano à borrachasintética brasileira, havendo sido exportadas, nos últimos quatro meses doano, 2.400 toneladas desse produto. Incentivos ainda maiores ao intercâm-bio são esperados para 1964, mercê das conclusões a que possa chegar oGrupo Misto de Cooperação Industrial, criado em 1962, notadamente noque concerne à indústria automobilística, à indústria de construção navale às indústrias químicas e eletrônicas.

Merece particular registro, ainda, a criação, em dezembro, da embai-xada do Brasil junto ao governo da Jamaica, representação que, a princípio,ficará a cargo do chefe da missão diplomática do Brasil em Bogotá.

Nossas relações com os Estados Unidos da América, inspiradas porsincera cordialidade mútua, mantiveram em 1963, particularmente, o ca-ráter de diálogo franco e realista, capaz de permitir a compreensão dosproblemas que o Brasil defronta nesta fase de seu desenvolvimento eco-nômico e social. A missão San Tiago Dantas, em março do ano findo, visouà adoção das bases para a cooperação financeira entre os dois países: nes-sa ocasião, o governo brasileiro apresentou um programa objetivo, voltadonão apenas para a correção das crises de balanço de pagamentos, mas,também, e de acordo com os princípios da Carta de Punta del Este, paraa obtenção de recursos básicos para efetivo desenvolvimento econômico esocial a longo prazo.

A carta que me dirigiu o presidente Lyndon Johnson, em dezembroúltimo, é indicativa dos propósitos de colaboração e entendimento do go-verno dos Estados Unidos da América em relação aos problemas brasilei-ros e reafirma a atmosfera de amizade em que se desenvolvem as relaçõesentre os nossos dois países.

No que diz respeito, finalmente, às atividades da Associação Latino-Americana de Livre Comércio durante o ano de 1963, procurou o governobrasileiro, em apoio decidido aos objetivos de integração econômica do

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Tratado de Montevidéu, contribuir substancialmente para a aprovação, noIII Período de Sessões da Conferência das Partes Contratantes, de progra-ma destinado a obter a coordenação das políticas econômicas e a harmoni-zação dos instrumentos de política comercial dos países associados,resolução que reflete o intuito de preservar – e, se possível, ampliar – o pro-grama de liberação comercial, passo importante para que aqueles objetivosfinais do tratado possam vir a ser alcançados em prazo razoável.

5 – Europa Ocidental

Laços de natureza política, econômica e cultural, entre o Brasil e ospaíses da Europa ocidental, fizeram sempre dessa região uma área de acen-tuado interesse para a política exterior brasileira. Tal interesse se vê aindaaumentado, não só porque a Europa desempenha papel saliente no jogointernacional, mas também porque nossa ação diplomática, fundada nosaltos objetivos ditados pelo interesse nacional, se concentra na utilização detodas as possibilidades de mobilização de recursos para o desenvolvimen-to econômico do país. Para esse efeito, procuramos assegurar a cooperaçãoeconômico-financeira de países de grande liquidez internacional com osquais mantemos ponderáveis correntes de comércio. Ao mesmo tempo,lutamos contra os obstáculos que, em matéria de política comercial, algunspaíses da Europa ocidental vêm oferecendo à expansão das exportaçõesbrasileiras e, conseqüentemente, a uma acumulação maior de recursos paranosso desenvolvimento.

A mais avançada forma de integração européia, que é a Comunida-de Econômica Européia, embora trazendo reflexos positivos de naturezapolítica e econômica para todo o mundo ocidental, não deixou de se fazercom sérias implicações para a economia brasileira. À vista disso, o Brasil, aoaprovar aqueles aspectos positivos de natureza política e econômica doMercado Comum Europeu, apressou-se em chamar a atenção dos criado-res da “Europa dos Seis” para a correção dos pontos que julgava prejudi-ciais ao Brasil, em especial, e aos países latino-americanos, em geral. Entreesses pontos, figuravam:

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a) uma tarifa externa comum acentuadamente elevada;b) uma política agrícola comum de tendência auto-suficiente que

atingiria fatalmente correntes de exportações tradicionais; ec) a associação com os Estados africanos e malgaxe em moldes incom-

patíveis com as regras de comércio internacional, consubstanciadasno Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT).

Assim, desde 1957, o governo brasileiro não deixou de manifestar-se fortemente contra esses aspectos desfavoráveis da Comunidade Econô-mica Européia e o fez, seja no âmbito do GATT, seja em diálogo direto coma Comissão da Comunidade, seja, ainda, em gestões junto a cada um dosgovernos dos seis países membros, numa vigilância que persiste na açãodiplomática, tanto nos setores já indicados quanto em organismos e confe-rências internacionais. É firme intenção do governo brasileiro persistir emtodos esses modos de ação para o efeito de lograr a eliminação de obstácu-los ao comércio e do status quo nas relações econômicas internacionais, ina-ceitável para os países em desenvolvimento.

Nossa atividade se exercerá nos trabalhos da próxima Conferência dasNações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, nos organismos eco-nômicos internacionais como o GATT, num diálogo firme e positivo comagrupamentos regionais, tais como o Mercado Comum Europeu e nasrelações bilaterais com determinados países.

Tal a filosofia que inspira nossa ação diplomática em face dos paíseseuropeus ocidentais. Enquanto zela por seus interesses de natureza eco-nômica e comercial, o Brasil não descuida de aprofundar suas relaçõeseconômico-financeiras com aquela região.

Em fins de 1963, o governo brasileiro enviou à República Federal daAlemanha uma delegação, sob a chefia do ministro da Indústria e Comér-cio, senhor Egydio Michaelsen, com o objetivo de levar adiante os enten-dimentos, iniciados durante 1962, com a vinda, ao Brasil, de missão alemãchefiada pelo embaixador Hans Granow. As negociações de Bonn foramcercadas de completo êxito, terminando pela assinatura de diversos atos,dentre os quais o Protocolo sobre Cooperação Financeira, que reabriu aoBrasil as correntes européias de financiamento. Outro ato de grande im-portância negociado em Bonn foi o Acordo Básico de Cooperação Técni-

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ca, pelo qual a República Federal da Alemanha passará a ser a segundafonte de assistência técnica ao Brasil, superada apenas pelos EstadosUnidos da América.

Com relação à França, é forçoso reconhecer que existem alguns pro-blemas que, de certo modo, têm perturbado o diálogo, tradicionalmentefácil e construtivo. Dentre esses problemas, pelo impacto que então teveseu desenvolvimento, em princípios de 1963, salienta-se o ligado à pescada lagosta na plataforma continental brasileira. Não aludo, porém, a essesproblemas senão para manifestar nossa segurança em considerá-los comoquestões passageiras e que poderão ser satisfatoriamente resolvidas. Nes-se sentido, atribuo especial significado à normalização do nosso diálogo,alcançado por meio das cartas que tive a oportunidade de trocar com ogeneral Charles de Gaulle e que testemunharam os sentimentos recípro-cos de amizade entre os nossos dois povos e o desejo mútuo de aproxima-ção para a realização de tarefas comuns – objetivos que superam e tornamsem expressão quaisquer atritos anteriormente verificados. Preparamo-nos, governo e povo, para receber, no decorrer deste ano, com as homena-gens que lhe correspondem, o presidente da República Francesa.

As relações políticas e econômicas com os demais países da área trans-correram de maneira satisfatória e cordial, havendo que notar as renovaçõesdo Acordo Provisório de Comércio e Pagamentos, de 1960, com a Grécia,e do Acordo de Comércio Brasil-Portugal, de 1954.

Cabe finalmente assinalar, como fato auspicioso, pelo que significa decompreensão das necessidades de expansão de comércio internacional dospaíses menos desenvolvidos, a decisão do parlamento sueco de eliminar, apartir de 1º de janeiro de 1964, algumas das taxas internas sobre o caféconsumido na Suécia. Essa medida, recomendada pelo GATT e defendi-da com insistência pelos países em desenvolvimento, o Brasil espera veradotada também pelos demais países europeus.

6 – Países socialistas

Durante o ano de 1963, as relações entre o Brasil e os países socia-listas, em todos os campos, continuaram a desenvolver-se em ambiente decompleta normalidade.

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Fiel às diretrizes e aos objetivos de sua política externa, o Brasilmanteve com os países socialistas, em todos os foros e oportunidades, diá-logo positivo e franco em torno dos grandes problemas do mundo e em buscados caminhos definitivos da paz e do desenvolvimento.

A esse propósito, é importante consignar a vinda, ao Brasil, do pre-sidente Josip Broz Tito, da Iugoslávia, primeiro chefe de Estado socialistaa visitar-nos. Durante sua visita, não só foram examinados os assuntos deinteresse bilateral, mas também passadas em revista a conjuntura interna-cional e as perspectivas de consolidação da paz mundial. Dentre os impor-tantes atos então assinados, merece menção especial, por suas benéficasrepercussões em nossa economia, o contrato para a utilização do portoiugoslavo de Rijeka, como entreposto de recebimento e distribuição deminério de ferro brasileiro.

As relações econômicas do Brasil com os países socialistas conti-nuaram em expansão e consolidação. Enquanto o nível total do intercâm-bio apresentava incremento da ordem de 50%, relativamente ao anoanterior, novos atos foram acrescentados ao instrumental jurídico docomércio, tornando-se mais amplo e atual. Esses atos foram:

a) Acordo de Comércio e Pagamentos entre o Brasil e a URSS;b) Protocolo Brasil-URSS sobre Representações Comerciais;c) Acordo de Cooperação Técnica e Científica Brasil-Polônia;d) Protocolo Adicional ao Acordo de Comércio e Pagamentos Brasil-

Bulgária.

O Brasil foi visitado por numerosas missões econômicas de paísessocialistas, dentre as quais se distinguem, pelo nível de seus chefes e im-portância das conversações, a missão búlgara, chefiada pelo senhor StankoTodorov, vice-presidente do Conselho de Ministros da Bulgária, e a mis-são polonesa, chefiada pelo senhor Franciszek Modrzewski, vice-ministrodo Comércio Exterior. Também estiveram no Brasil missões da Hungria,da Tchecoslováquia e da República Democrática Alemã.

Todas essas missões manifestaram, uma vez mais, interesse em au-mentar seu comércio com o Brasil e reiteraram as ofertas de vultosos crédi-

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tos ao nosso país, em condições vantajosas, para fornecimento de máqui-nas e equipamentos ainda não produzidos pela indústria nacional.

O Ministério das Relações Exteriores, pelos seus órgãos especializa-dos, empenhou-se, durante o ano, no estudo profundo e intensivo daspossibilidades de expansão do nosso intercâmbio com os países socialistas,bem como das modalidades de utilização daqueles créditos, que já se ele-vam a mais de 400 milhões de dólares.

Graças a esses estudos e à apreciação realista das tendências do nossocomércio com esses países, estima-se que, no ano de 1964, tal intercâm-bio experimentará elevação ainda mais significativa. E, o que é mais impor-tante, deverão ser adotadas medidas concretas para o início da cooperaçãotécnico-econômica do Brasil com a União Soviética e outros países socia-listas, numa reafirmação da nossa política de entendimento e colaboraçãocom todos os países e da preocupação do governo brasileiro de expandir ediversificar as fontes de ajuda externa ao nosso desenvolvimento.

7 – Ásia

Conforme estava previsto na Mensagem Presidencial lida perante oCongresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa de 1963,o governo brasileiro enviou ao sul e sudeste da Ásia um grupo técnicoencarregado de examinar as perspectivas para a intensificação das corren-tes de comércio do Brasil com os países daquela área. Com esse objetivo,foram discutidos os termos de acordos de comércio com a Tailândia, a Ín-dia, o Ceilão e a República do Vietnã. Com o governo da Indonésia foiestudado, nessa ocasião, o texto de um acordo de comércio e pagamentos,cuja discussão final e cuja assinatura deverão realizar-se no Brasil, no decor-rer de 1964, durante a visita que uma delegação econômico-comercialindonésia fará ao nosso país.

O grupo técnico brasileiro levou também a incumbência de trocaridéias, com as autoridades governamentais dos países visitados e filiadosao GATT, acerca de uma posição comum aos países menos desenvolvidosem face da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Comércio eDesenvolvimento.

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Prosseguindo na política de dinamização do seu comércio exterior, oBrasil deverá enviar à Austrália e à Nova Zelândia, no decorrer de 1964,nova missão econômica de caráter exploratório, a fim de complementar otrabalho iniciado pelo grupo técnico brasileiro que visitou o sul e o sudesteda Ásia, em setembro do ano passado.

Está prevista, para o corrente ano, a realização, em Tóquio, de umareunião de representantes governamentais brasileiros e japoneses dasUsinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. (USIMINAS) com o objetivode tratar do aumento de capital da empresa, capaz de permitir a expansãode sua capacidade produtiva.

Dentro do programa de intensificação de suas relações com os paísesda Ásia e Oceania, o governo brasileiro preocupa-se em expandir a rede demissões diplomáticas e repartições consulares naqueles continentes e, coma finalidade de ampliar o comércio com a República da Coréia, a embaixa-da em Seul, que era cumulativa com a de Tóquio, passou a ser autônoma.Assim também, foram iniciadas gestões para a criação de uma embaixadaem Wellington, Nova Zelândia, cumulativa com a de Camberra. Cuida-se, igualmente, do estabelecimento de relações com outros países da região,onde há grande interesse comercial para o Brasil. Caso as condições or-çamentárias e de pessoal o permitam, dever-se-á, igualmente, ampliar o nú-mero dos Serviços de Propaganda e Expansão Comercial (SEPRO) na Ásia.

No propósito de facilitar as relações comerciais com os países da área,o governo apoiou a iniciativa de estabelecer-se uma linha regular de nave-gação marítima entre o Brasil e o Japão, com escalas no sul e sudeste asiá-tico. Esse serviço, em franco desenvolvimento, está sendo realizado pelacompanhia Navegação Riograndense S.A..

8 – África

O governo brasileiro vem seguindo, com a maior atenção, a evoluçãodos acontecimentos no continente africano, tendo em mira a dinamizaçãode nossa política exterior numa área do mundo cuja importância se tem tor-nado crescente, não só em razão do grande número de países que a com-põem, mas, sobretudo, em virtude das grandes questões internacionais que

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nela surgiram, os problemas da descolonização e do subdesenvolvimento.O bloco africano, recentemente unificado pela criação da “Organização daUnidade Africana” exerce influência cada vez maior na política interna-cional e nas decisões das Nações Unidas.

A atitude brasileira funda-se tanto na necessidade de uma aproxima-ção política e diplomática sempre maior com os povos africanos, em funçãodos vínculos históricos e culturais e da identidade de interesses que nosunem à África, quanto na de encontrar-se uma solução humana e justa, pormeios pacíficos e de acordo com os princípios das Nações Unidas, para odifícil problema colonial. Esperamos, por outro lado, em união de vistas coma grande maioria dos países africanos, obter resultados positivos e concre-tos para o encaminhamento da questão vital da erradicação do subdesen-volvimento, no curso da próxima Conferência das Nações Unidas sobreComércio e Desenvolvimento. Cuidamos, finalmente, da intensificaçãoprogressiva de nosso intercâmbio comercial com os novos países africanos,ainda incipiente, mas de resultados promissores, apesar dos obstáculosnaturais que defrontamos.

Segundo tais diretrizes, o governo brasileiro, além do trabalho normal-mente desempenhado por nossas missões diplomáticas, acompanhou, porintermédio de um observador, os trabalhos da quinta sessão da ComissãoEconômica para a África, em Léopoldville, em fevereiro do ano findo. Aconvite do governo brasileiro, visitaram-nos diversas personalidades afri-canas, entre as quais o senhor Waziri Ibrahim, ministro do Desenvolvimen-to Econômico da Nigéria, que veio estudar o desenvolvimento industrial doBrasil e as possibilidades de exportação de máquinas agrícolas para o seupaís. O Brasil espera receber, no correr deste ano, a visita de outras perso-nalidades africanas.

Sempre no plano do estreitamento de nossas relações com os paísesafricanos, está o Itamaraty estudando a criação e instalação de missõesdiplomáticas, além das que temos nos países da África do norte e em qua-tro países da África subsaárica, Senegal, Gana, Nigéria e África do Sul.

Em relação ao incremento do intercâmbio comercial com a África donorte, cabe mencionar a venda feita pelo IBC à Argélia, em 1963, de150.000 sacas de café, que faz surgir o Brasil como fornecedor num mer-

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cado até então suprido exclusivamente por produtores africanos. No que dizrespeito ainda à Argélia, a PETROBRÁS adquiriu, também, em 1963,200.000 toneladas de petróleo bruto de Hassi Messaud.

Não foram ainda removidos todos os obstáculos – pelo que numero-sos contatos estão sendo tomados, com o devido apoio diplomático – entrefirmas brasileiras e africanas, para o estabelecimento de novas linhas deexportação, sobretudo com o Senegal e a Nigéria, na África ao sul do Saara.

No plano cultural, o governo continua mantendo, no Brasil, váriosbolsistas africanos em cursos de nível universitário; e professores, nas uni-versidades de Dacar, Lagos e Ibadã, encarregam-se de despertar o inte-resse dos africanos pela cultura brasileira.

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CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIPLOMÁTICA

Coordenação Editorial e RevisãoMaria do Carmo Strozzi Coutinho

Projeto Gráfico, Editoração e RevisãoNatalia Costa

Impressão e AcabamentoGráfica e Editora Brasil Ltda.

Tiragem1.000 exemplares

Esta publicação foi elaborada com as fontesLapidary333 BT, ACaslon Regular e Vrinda.

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Revisão: Marina Mendes e Jacinto Guerra

Colaboração: Gabriel Oliveira Marçal Ferreira – Pesquisador Funag/IPRI

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Editores: Jeronimo Moscardo e Victor Alegria

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M. P. Haickel é professor de Literatura, formado em Letras pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Romancista, acaba de lançar Cinza da Solidão. É editor da revista eletrônica www.nosrevista.com.br

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NOTA BIOGRÁFICA

José Maria da Silva Paranhos Júnior, o BA-RÃO DO RIO BRANCO, nasceu no Rio de Janei-ro no dia 20 de abril de 1845, fi lho de José Maria da Silva Paranhos e de Teresa de Figueiredo Faria. Advogado, político, jornalista e diplomata, ele foi responsável pela consolidação das atuais fronteiras do Brasil, no início do século XX, conquistando, através da diplomacia, a garantia de um território equivalente a 900 mil quilômetros quadrados, sem disparar um só tiro. Grande parte do mapa brasileiro foi riscado pela caneta do diplomata.

A solução de todos os problemas fronteiriços brasileiros ainda no início do século XX foi uma grande vantagem legada às futuras gerações do Bra-sil e da América do Sul. Questões de limites nacio-nais costumam consumir energia, sangue e recursos por longos anos, mesmo séculos. Países balcânicos se digladiam hoje num confl ito que remete aos ante-cedentes da descoberta da pólvora. Mesmo na Amé-rica do Sul contendas sérias ainda existem, como por exemplo a demanda boliviana frente ao Chile e ao Peru por uma saída para o mar, fundamental para

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O jovem Barão do Rio Branco

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o desenvolvimento de seu comércio, perdida numa guerra ainda do século XIX. Nosso país continental, numa linha que percorre 15.600km, limita seu terri-tório com todas as nações sul-americanas à exceção do Chile e do Equador. E, no entanto, não enfren-tamos confl itos fronteiriços com quaisquer desses países. Graças à diplomacia de Rio Branco, portan-to, nossa Política Externa se viu liberada desses en-traves, ganhando desenvoltura para tratar de outras questões. Hoje, a América do Sul como um todo se benefi cia da inexistência de confl itos dessa natureza com o maior país do continente proporcionando, en-tre outros, um caminho menos obstaculizado rumo à integração regional.

Mais velho de 9 fi lhos, teve no pai, notável ho-mem do Segundo Império, Deputado, Plenipoten-ciário brasileiro no Uruguai, Ministro da Marinha e dos Negócios Estrangeiros, Senador e Primeiro Ministro, Visconde do Rio Branco, sua maior ins-piração. Uma das fi guras mais importantes do Bra-sil Imperial, José Paranhos (pai) negociou o fi m da Guerra do Paraguai em 1869 e, dois anos mais tarde, foi nomeado Presidente do Conselho de Ministros. Promulgou a Lei do Ventre Livre, que dava liber-dade aos fi lhos de escravos. Na adolescência, Juca (como era conhecido o futuro Barão do Rio Branco)

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O escritório onde o Barão do Rio Branco passava boa parte de seu tempo preparando as defesas dos tratados diplomáticos do Brasil

acompanhava o Visconde em suas missões ao Sul do Brasil, onde já demonstrava interesse pelas ques-tões fronteiriças, tão comuns à época.

Inicia seus estudos no tradicional Colégio Pe-dro II, no Rio de Janeiro, onde mais tarde veio a le-cionar Geografi a e História do Brasil. Aos 17 anos, Juca Paranhos transfere-se para São Paulo, a fi m de ingressar na Faculdade de Direito, curso que viria a completar no Recife. Na capital pernambucana, co-laborou com o jornal O Vinte e Cinco de Março, edi-tado por Pinto de Campos, além de contribuir com

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desenhos e artigos sobre a Guerra do Paraguai para a revista francesa L’Ilustration.

Grande colecionador de mapas, cartas e docu-mentos, correspondia-se com o Instituto Histórico e Geográfi co Brasileiro (IHGB) e com a Biblioteca Nacional, enviando cópias de documentos encon-trados em arquivos europeus e solicitando material para sua coleção particular. A partir de 1891, passou a colaborar com o Jornal do Brasil, sempre usando pseudônimo e dando alfi netadas na jovem Repúbli-ca. Foi o segundo ocupante da cadeira 34 da Acade-mia Brasileira de Letras, eleito em 1º de outubro de 1898, na sucessão de Pereira da Silva.

Em julho de 1868, depois de seis anos de do-mínio liberal, os conservadores voltaram ao po-der. José Maria da Silva Paranhos (pai), Senador por Mato Grosso desde 1863, foi designado Mi-nistro dos Negócios Estrangeiros. Juca Paranhos, por infl uência do pai, elegeu-se Deputado Geral pelo Mato Grosso, tomando posse em maio de 1869. Foi Deputado por duas legislaturas, tendo exercido o mandato até 1876.

Antes da posse na Câmara, atuou como Secre-tário particular do pai por alguns meses em missão diplomática relacionada ao término da Guerra do Paraguai. Em 1870, já como Deputado, acompa-

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A elegância em trajes e estilos da época do Barão

nhou o pai na missão que negociou a assinatura do tratado de paz defi nitivo entre Paraguai, Uruguai, Brasil e Argentina. Paralelamente à atividade políti-ca, passou a escrever artigos para o jornal A Nação, ligado ao Partido Conservador.

Freqüentador de casas de espetáculos e res-taurantes por onde circulavam os membros da elite carioca, conhece a atriz Marie Philomène Stevens, com quem iniciou um romance, que deu origem a um escândalo na tradicional sociedade da época. Em 1873, sob pressão do pai, na época chefe de gabinete ministerial, Marie Philomène embarca de

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volta para a França, onde nasceu o primeiro dos cin-co fi lhos que o Barão teve com ela. Em 1898, Marie vem a falecer, depois de uma longa enfermidade.

Em 1883, após a morte do pai, Rio Branco foi encarregado de representar o país na Feira de São Petersburgo, na Rússia. Ao fi m da missão, recebeu o título de Conselheiro e, em 1888, o de Barão. Cônsul-Geral em Liverpool, foi Ministro creditado na Alemanha em 1900, assumindo o Ministério das Relações Exteriores, cargo que exerceu de 1902 até sua morte, em 1912.

Ainda em 1895, havia já conseguido assegurar ao Brasil boa parte do território dos estados de San-ta Catarina e Pará, em litígio com a Argentina, no que fi cou conhecido como a Questão de Palmas. Foi o prestígio obtido nesses dois casos que fez com que Rodrigues Alves escolhesse Paranhos para o posto máximo da diplomacia em 1902, quando o Brasil estava justamente envolvido em uma questão de fronteiras, desta vez com a Bolívia.

Em 1903, assinou com a Bolívia o Tratado de Petrópolis, pondo fi m ao confl ito dos dois países em relação ao território do Acre, que passou a pertencer ao Brasil. Esta é a mais conhecida obra diplomática de Rio Branco, cujo nome foi dado à capital daquele território, hoje estado do Acre.

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O Barão do Rio Branco foi o estadista que mais tempo exerceu o cargo de Ministro do Exterior, ser-vindo a quatro governos da República ininterrupta-mente, sendo considerado um patrimônio nacional. Além da solução dos problemas de fronteiras, Rio Branco lançou as bases de uma nova política inter-nacional, adaptada às necessidades do Brasil mo-derno. Nesse sentido, foi um devotado pan-america-nista, preparando o terreno para uma aproximação mais estreita com as repúblicas hispano-americanas e acentuando a tradição de amizade e cooperação com os Estados Unidos da América.

Exemplo de virtude e sucesso, o Barão do Rio Branco foi um vencedor por excelência, tanto que o povo se agarrava às suas vitórias diplomáticas como forma de restituir um pouco de auto-estima nacio-nal. Essa gratidão pelas vitórias fi cou visível, ainda em sua vida, com as homenagens por ocasião de seu regresso ao Rio de Janeiro, em 1902, para assumir o Ministério das Relações Exteriores, depois de longa ausência do País. Foi uma das mais impressionantes manifestações de rua jamais vista no Rio de Janeiro, então capital federal da República.

Morreu em 10 de fevereiro de 1912, aos 66 anos, no seu gabinete de trabalho, ainda Ministro, de insufi ciência renal. Sua morte causou comoção

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em todo o país e foi notícia nos principais jornais nacionais e até no estrangeiro. Seu corpo foi velado no Itamaraty e mobilizou grande multidão que veio prestar as últimas homenagens ao grande estadista, cujos serviços e cujo nome fi carão eternamente vi-vos na gratidão brasileira.

No início do século XX, o Barão do Rio Branco foi o principal responsável por colocar o Ministé-rio das Relações Exteriores, ou o Itamaraty, como passaria a ser chamado, em lugar de destaque na burocracia republicana. Durante os 10 anos que es-teve à frente do Ministério, registrou-se um sensível aumento do número de representações do país no exterior. Entre 1905 e 1911 foram criados 25 novos consulados. Seu prestígio era tanto que, em 1909 seu nome foi sugerido para a sucessão presidencial do ano seguinte.

Sua morte, durante o carnaval de 1912, alterou o calendário da festa popular naquele ano, dado o luto ofi cial e as intensas homenagens que lhe rende-ram na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1945, seu nome seria dado ao Instituto cria-do no Ministério das Relações Exteriores pelo Pre-sidente Getúlio Vargas para seleção e treinamento dos diplomatas brasileiros.

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Principais obras:Efemérides brasileiras (1893-1918); A questão

de limites entre o Brasil e a República Argentina, 6 vols. (1894); A questão de limites entre o Brasil e a Guiana Francesa, 7 vols. (1899-1900); numero-sas obras de história do Brasil, história diplomáti-ca, biografi as, séries de comentários concernentes às questões de fronteira, além de artigos publicados em jornais.

Sugestões de leitura:Moura, Cristina Patriota de. Rio Branco: a Monar-quia e a República. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/irbr/barao/ barão.htm e http://www.biblio.com.br/con-teudo/biografi as/baraodoriobranco.htm.Lins, Álvaro. Rio Branco (O Barão do Rio Bran-co): biografi a pessoal e história política. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1996. 516p.Viana, Luís Filho. A Vida do Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959. 458p.Cardim, C. H., Cruz, J. B. e Franco, A. da C. (Org.). O Barão do Rio Branco por grandes autores. Rio de Janeiro: EMC edições/FUNAG, 2003.

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Referências Bibliográfi casPersonalidades da política externa brasileira Alzira de Abreu, Sérgio Lamarão, organizadores. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007. 166p.

Sítios pesquisados na Net:http://www.academia.org.brhttp://www.geocities.com/relsite/ricupero.htmlhttp://www.terra.com.br/istoe/biblioteca/brasileiro/lideres/est8.htm

“Rio Branco é sinonímia mais alta que se en-contra no dicionário do Brasil. Na mitologia do Bra-sil, Rio Branco será nosso Hércules; suas proezas nos estimulam o coração e dão imagens a nossos olhos. Se há alguma coisa para que o Brasil possa olhar, vibrando, são os feitos de Rio Branco. Mis-sões, Amapá, Acre são alegorias fl orentes no livro para crianças que é a história de todo povo digno de glória, capaz de orgulho nacional.”

Gilberto Amado

“Sobre qualquer assunto brasileiro, o Barão do Rio Branco tem sempre, em alguma gaveta, a última palavra.”

Eduardo Prado

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“A mais alta das razões para que ainda o evo-quemos é, porém, a de que, entre brasileiros, nenhu-ma outra vida de homem pública merece mais ser rememorada. Por seu devotamento ao Brasil, por sua normalidade, por sua continuidade lógica, por sua coerência, por sua beleza. Nenhuma improvisação aventurosa. Nenhum milagre, ainda que ocorressem algumas circunstâncias felizes. Um esforço conti-nuado, tenacíssimo, de todas as horas, ininterrupto, por longos e longos anos – afi nal bem recompensa-do. Nenhum resquício de fi lhotismo, de parasitismo doméstico.”

Levi Carneiro

“O dia de hoje não é dos mais próprios para es-crever cartas, mas vai esta a apresentar-lhe congra-tulações pela libertação, que, a esta hora, meia de-pois do meio dia, ainda não está realizada, mas não pode tardar mais do que momentos. A obra iniciada por seu glorioso pai toca o termo. Mil parabéns.”

Capistrano de Abreu

Carta ao Barão do Rio Branco no dia 13 de maio de 1888

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