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COMPARATIVO ENTRE O DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E ANGLO-EUROPEU E A POSSIBILIDADE DE UMA COMUNIDADE LATINO- AMERICANA Alexandre Sturion de Paula * RESUMO O estudo em questão possui enfoque nas atribuições do Estado no tocante ao direito constitucional e comunitário. Analisa estudo de direito constitucional comparado tendo a comunidade e a sociedade como plano de fundo. Pretende trazer reflexões sobre a Constituição, especificamente acerca da interação entre a Constituição brasileira e o constitucionalismo anglo-europeu, almejando destacar se o texto constitucional brasileiro promulgado em 1988 representa os anseios nacionais ou traduz-se apenas como um conjunto normativo constitucional que sintetiza os demais textos constitucionais da Europa e dos EUA. Estas reflexões direcionam o estudo para a constatação da possibilidade ou não da formação de uma comunidade latino-americana tal como preconiza o parágrafo único do artigo 4º da Constituição brasileira. A Constituição deve representar os anseios de uma determinada nação que nela consagra as conquistas do passado, a realidade presente e as metas para o futuro do Estado. Por tal razão é que a concepção de Constituição apresenta-se sempre premente. A analise da Constituição pátria com o constitucionalismo mundialmente tradicional nos conduz à possibilidade de identificar a maior ou menor presença de uma Constituição material e nacional ou uma Constituição meramente formal. Diante destas reflexões pretende-se concluir entrelaçando o direito constitucional nacional com os valores comunitários para responder à questão da possibilidade de constituição de uma comunidade latino-americana segundo os valores que se consagrou na Constituição de 1988. Adotou-se o método de procedimento comparativo e técnica de pesquisa documental indireta, segundo a abordagem dedutiva. PALAVRAS-CHAVE: COMUNIDADE – ESTADO - CONSTITUIÇÃO * Advogado. Especialista em Direito do Estado (Constitucional) e Mestrando em Direito Negocial (Processo Civil) pela UEL. Bolsista da CAPES. Autor e Coordenador das obras: O Direito Alternativo e o Novo Paradigma Jurídico; Exame de Ordem; Estudos Avançados do Direito; Ensaios Constitucionais de Direitos Fundamentais; Dimensões de Direito Público. E-mail: [email protected]

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COMPARATIVO ENTRE O DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E

ANGLO-EUROPEU E A POSSIBILIDADE DE UMA COMUNIDADE LATINO-

AMERICANA

Alexandre Sturion de Paula*

RESUMO

O estudo em questão possui enfoque nas atribuições do Estado no tocante ao direito

constitucional e comunitário. Analisa estudo de direito constitucional comparado tendo a

comunidade e a sociedade como plano de fundo. Pretende trazer reflexões sobre a

Constituição, especificamente acerca da interação entre a Constituição brasileira e o

constitucionalismo anglo-europeu, almejando destacar se o texto constitucional brasileiro

promulgado em 1988 representa os anseios nacionais ou traduz-se apenas como um

conjunto normativo constitucional que sintetiza os demais textos constitucionais da

Europa e dos EUA. Estas reflexões direcionam o estudo para a constatação da

possibilidade ou não da formação de uma comunidade latino-americana tal como

preconiza o parágrafo único do artigo 4º da Constituição brasileira. A Constituição deve

representar os anseios de uma determinada nação que nela consagra as conquistas do

passado, a realidade presente e as metas para o futuro do Estado. Por tal razão é que a

concepção de Constituição apresenta-se sempre premente. A analise da Constituição pátria

com o constitucionalismo mundialmente tradicional nos conduz à possibilidade de

identificar a maior ou menor presença de uma Constituição material e nacional ou uma

Constituição meramente formal. Diante destas reflexões pretende-se concluir entrelaçando

o direito constitucional nacional com os valores comunitários para responder à questão da

possibilidade de constituição de uma comunidade latino-americana segundo os valores que

se consagrou na Constituição de 1988. Adotou-se o método de procedimento comparativo

e técnica de pesquisa documental indireta, segundo a abordagem dedutiva.

PALAVRAS-CHAVE: COMUNIDADE – ESTADO - CONSTITUIÇÃO

* Advogado. Especialista em Direito do Estado (Constitucional) e Mestrando em Direito Negocial (Processo Civil) pela UEL. Bolsista da CAPES. Autor e Coordenador das obras: O Direito Alternativo e o Novo Paradigma Jurídico; Exame de Ordem; Estudos Avançados do Direito; Ensaios Constitucionais de Direitos Fundamentais; Dimensões de Direito Público. E-mail: [email protected]

2

ABSTRACT

The study in question it possesss approach in the attributions of the State in regards to the

constitucional law and communitarian. It points study of constitucional law compared

having the community and the society as plain of deep. It intends to bring reflections on

the Constitution, specifically concerning the interaction between the brazilian Constitution

and the constitutionalism anglian-european, longing for to detach if the promulgated

Brazilian constitutional text in 1988 it represents the national yearnings or it is only

expressed as a constitutional normative set that synthecizes the too much texts

constitutional of the Europe and U.S.A. These reflections direct the study for the evidence

of the possibility or of the formation of a latin american community as it does not praise

the only paragraph of the article 4º of the brazilian Constitution. The Constitution must

represent the yearnings of one definitive nation that in it consecrates the conquests of the

past, the present reality and the goals for the future of the State. For such reason it is that

the conception of Constitution is always presented pressing. It analyzes it of the native

Constitution with the world-wide traditional constitutionalism in leads them to the

possibility to identify to the greater or minor presence of a material and national

Constitution or a mere formality Constitution. Ahead of these reflections it is intended to

conclude interlacing the national constitucional law with the communitarian values

according to to answer to the question of the possibility of constitution of a latin american

community values that if consecrated in the Constitution of 1988. One adopted the method

of comparative procedure and technique of indirect documentary research, according to

deductive boarding.

KEYWORDS: COMMUNITY - STATE - CONSTITUTION

1. INTRODUÇÃO

Já se faz cristalino entre nós a concepção de que não convivemos mais

em uma comunidade como antigamente. Percebemos, inclusive, que nem mesmo estamos

imersos em uma sociedade local, mas sim, numa sociedade internacional, globalizada,

onde pobres e ricos; socialistas, comunistas e capitalistas; liberais, sociais e neoliberais;

brancos e negros; intelectuais e analfabetos de diferentes nações convivem em camuflada

3

harmonia. Harmonia esta que é revestida pelos valores culturais dos diferentes povos e da

proteção de seus Estados.

Cada Estado possui suas fronteiras, onde tentam ao máximo preservar

valores regionais mínimos para que a internacionalização exagerada e forçada não retire

valores que são relevantes para um Estado e sua nação e irrelevantes para os interesses de

outros Estados de maior potencial econômico e/ou bélico. E o limite desta fronteira é a

Constituição dos Estados que amparam no âmbito interno os cidadãos e no âmbito

internacional impõe a identidade do Estado, que será melhor vislumbrada conforme a

maior proximidade entre a Constituição formal e a material. Por tais motivos é sempre

fundamental bem compreendermos as nascentes da Constituição e a nossa Constituição

vigente.

A Constituição pretende traduzir a vontade da nação, daí sua

significativa importância no ordenamento jurídico, pois reflete os valores materialmente

conquistados e cristalizados pela soberania popular, apresentando-se, ainda, como

comando obrigatório às atribuições do Estado. Assim, ao cotejarmos acerca da

possibilidade de formação de uma comunidade latino americana tal como preconiza o

parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal de 1988, é necessário

compreendermos o que de fato representa a Constituição, bem como se a Constituição

Federal de 1988 fora concebida a partir dos interesses nacionais ou segundo o

constitucionalismo tradicional com amparo em textos paradigmas anglo-europeus, para

então entrelaçarmos o direito constitucional pátrio com a possibilidade de um direito

comunitário latino-americano.

O estudo, portanto, almeja trazer a lume o resgate conceitual da

Constituição, a relação entre nosso texto constitucional com os principais paradigmas do

constitucionalismo mundial e apontar pela possibilidade ou não da formação de uma

comunidade latina.

2. GÊNESE DA CONSTITUIÇÃO POSITIVA

As atuais concepções acerca da Constituição emergiram com a sua

positivação, cujo marco pode ser firmado em 1653 com o “Instrument of Government” de

Cromwell, considerada a primeira Constituição escrita.1 Observe-se, porém, que para se

1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 62.

4

alcançar a vigente noção de Constituição, o esboço constitucional que se apresenta é

pretérito ao séc. XVII de Cromwell, remontando à politeia grega, onde se principia as

noções de Constituição enquanto essência da comunidade, sendo que Aristóteles, em

Política, apresentava a seguinte conceituação de Constituição: “A Constituição do Estado

tem por objeto a organização das magistraturas, a distribuição dos poderes, as atribuições

de soberania, numa palavra, a determinação do fim especial de cada associação política”.2

Extrai-se desta concepção aristotélica a idéia de Constituição como a

estrutura de uma associação política a qual poderíamos hoje associar como sendo o

Estado, e em cujo conteúdo já constava a distribuição dos poderes, antecedendo ao

aclaramento de Montesquieu. Os romanos, com Cícero e as concepções republicanas,

também apresentavam uma compreensão de Constituição a partir desta res publica, que

entendia, citado por Canotilho, como “agregado de homens associados mediante um

consentimento jurídico e por causa de uma utilidade comum”.3

Estas concepções clássicas, ainda que de certa forma rudimentares em

comparação às noções hodiernas, bem demonstram que os conceitos de Constituição

antecedem em muito à sedimentação da Constituição escrita. Lassalle mesmo já salientava

que “uma Constituição ‘real’ e ‘efetiva’ a possuíram e a possuirão sempre todos os países,

pois é um erro julgarmos que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos modernos”.4

Mas a noção grega ou romana de Constituição sedimenta-se nas idéias

de Constituição material, e não na formal, cujos conceitos e proliferação eclodiram a partir

do séc. XVII. Karl Loewenstein já enfatizava que:

Para Platón y Aristoteles, así como en toda la teoria política griega,

la ‘politeia’ fue la constitución en sentido material. Aun los más

agudos juristas de la época posterior de la República romana, sobre

todo Cicerón y los estoicos, no exigieron que las normas

fundamentales de la comunidad fuesen escritas en ‘legues’

materiales, o simplemente codificadas. Ellos tenían conciencia de

un derecho superior que, conforme a la naturaleza, predominaba

sobre todas las legislaciones humanas.5

2 ARISTOTÉLES, Política. Trad. Mario da Gama Kury. Brasília: UnB, 1997, p. 98. 3 CANOTILHO, op. cit., p. 58. 4 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6. ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001, p. 25. 5 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. 2. ed., Barcelona: Ariel, 1970, p. 152.

5

Porém, é cristalino que de fato a partir do final do séc. XVII, que se

universaliza a Constituição escrita, em especial em razão das conquistas das revoluções

americana e francesa, assim como da autocracia napoleônica e da disseminação das

técnicas de Constituição escrita à monarquia constitucional.6 Esta crescente adesão à

positivação formal da Constituição é que promove eco e estudos acerca da Teoria da

Constituição.

Porém, é de se ressaltar que enquanto as Constituições materiais

possuíam maior solidez, vez que se alicerçavam nos costumes, princípios, valores

observados pela comunidade, as Constituições escritas detinham e ainda apresentam

algumas desvantagens, como seu caráter formal e legal. Como bem salienta Santi Romano,

Com a queda do dogma do Estado de natureza e com a dissipação

das teorias contratualistas, revigorado o princípio da unidade

orgânica do Estado, as constituições escritas não são hoje

consideradas senão como uma categoria de leis, ainda que tenham

o mesmo caráter e, às vezes, eficácia diversa e maior do que a das

leis ordinárias.7

Significa dizer que as Constituições estão sujeitas às alterações por

critérios políticos, econômicos e jurídicos, não raras vezes discutíveis, abrindo espaço a

interesses escusos ou a movimentos e tendências nacionais e internacionais virem a

interferir na sua alteração e da dirupção dos valores e cultura nacionais.

E tal fato não dista de nosso cotidiano. Recentes exemplos deste aspecto

vêm se dando na Constituição Cidadã desde 1995, com as modificações por Emendas

Constitucionais n.º 5, 6, 7, 8, 9, 16, 19, 20, 27, 28, 30, 39, sob a forte influência dos efeitos

da globalização8, demonstrado-se que o direito, e a própria Constituição material de um

Estado cede espaço à economia global.

Contudo, apesar desta característica desvantagem, que retira a força

ideológica e material da Constituição escrita, esta ainda consiste em sistema largamente

difundido, “e aparece, indissoluvelmente, ligado à forma do constitucionalismo hodierno,

6 Ibid., p. 159. 7 ROMANO, Santi. Princípios de Direito Constitucional Geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 44. 8 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Constitucional Comparado. Porto Alegre: SAFE, 2006, p. 19-22.

6

em contraposição ao fato de que as constituições precedentes eram todas, salvo algumas

exceções particulares, prevalentemente consuetudinárias.”9

Seja qual for a forma adotada, material ou escrita, é certo que a

Constituição possui funções imprescindíveis à existência do Estado e ao exercício do

poder. Konrad Hesse de forma sintética reúne tais funções ao ensinar que:

La Constitución es el ‘orden jurídico fundamental de la

Comunidad’. La Constitución fija los principios rectores con

arreglo a los cuales se debe formar la unidad politica y se deben

asumir las tareas del Estado. Contiene los procedimientos para

resolver los conflictos en el interior de la Comunidad. Regula la

organización y el procedimiento de formación de la unidad politica

y la actuación estatal. Crea las bases y determina los principios del

orden juridico en su conjunto. En todo ello es la Constitución ‘el

plan estructural básico, orientado a determinados principios de

sentido para la conformación juridica de una Comunidad’. [...] La

Constitución establece los presupuestos de la creación, vigencia y

ejecución de las normas del resto del ordenamiento jurídico.10

Desta forma encerra-se que a Constituição fixa os princípios, determina

as tarefas do Estado, disciplina a criação e execução de leis, limita poderes, estrutura e

planeja o ordenamento jurídico e disciplina as relações internacionais, em atenção aos

valores da nação, tudo a partir da formação e da cooperação das atuações humanas que se

organizam para realizar as tarefas estatais. Podemos findar afirmando que a Constituição

direciona com imperatividade e normatividade as atuações do Estado através das funções

desempenhadas pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, devendo estes,

obrigatória e independentemente, cumprir todos os preceitos e valores constitucionais,

uma vez que a cada um fora atribuída uma função específica, mas a todos compete o

cumprimento da completude do sistema constitucional.

3. CARACTERÍSTICAS DO CONSTITUCIONALISMO ANGLO-EUROPEU

Como percebemos a Constituição é a pilastra de uma comunidade e

sociedade interna e do Estado. Mas a Constituição que temos diferencia-se ou identifica-se

com as demais que estão guardando os Estados estrangeiros? Representa a vontade 9 ROMANO, op. cit., p. 45. 10 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Lael, 1983, p. 16-17.

7

nacional ou retrata o conjunto normativo constitucional apresentado por demais

Constituições anglo-européias?

O professor Arnaldo Sampaio Godoy leciona que as Constituições

escritas reproduzem um único ideal, de matriz nacional, iluminista e oitocentista. Aponta

que o contexto local acerca das influências teológicas, sociológicas e antropológicas são

irrelevantes, pois hoje se preocupa muito mais com os direitos humanos e conquistas de

liberdades mundiais sem se preocupar, de fato, com a realidade dos cidadãos nacionais.11

Esta questão é relevante, pois, se as comunidades e sociedades nacionais

são diferentes umas das outras, e a Constituição é um retrato da sociedade, então como

podem existir Constituições do Ocidente e do Oriente tão semelhantes? Induz-se, pois, a

uma identidade fruto de um ou mais referenciais constitucionais.

Observa-se que os países também agem em efeito “manada”, ou seja,

nada se cria, tudo se copia, mas não se copia aleatoriamente, reproduz-se aquilo que está

“na onda”, no “momento”, o que está em voga. Assim é que o Direito Constitucional

Inglês tornou-se o pai de vários outros Direitos Constitucionais que em nada se

aproximam com a sociedade inglesa, inclusive o Brasil.

Também é desta forma é que o Direito Constitucional Norte-americano

se tornou o irmão mais velho e referencial de constitucionalismo para o restante do

mundo, e de igual modo é que atualmente, o Direito Constitucional Alemão, vêm se

apresentando como o caçula preferido da Teoria Constitucional. A pergunta que devemos

fazer é: estes direitos constitucionais, que servem de inspiração a tantos outros Estados, de

diversos continentes, e de diferentes culturas, conseguem ou devem ser exemplos para

todo e qualquer sociedade nacional?

A título de melhor exemplificação façamos um paralelo entre algumas

Constituições de Continentes diferentes.

Bem sabemos que o Direito Constitucional Inglês é o patriarca do

constitucionalismo. Mas o que apresenta este Direito Constitucional?

Forma Consuetudinária – não escrita – 1215

11 Cf. GODOY, op. cit.

8

Origem Da tradição constitucional e política inglesa e de suas

revoluções

É modelo? Sim, foi e continua sendo inspirada por outros Estados como:

EUA, Índia, Paquistão, Austrália, etc

Característica Resistência popular contra o poder absolutista

Realidade social De fato a Constituição representa a realidade da sociedade

inglesa

Rigidez Flexível – a partir de John Locke. Mas durável, estável em

razão de cultura material estar sedimentada

Modelo Político e

Econômico

Monarquia parlamentarista (Primeiro-Ministro), Capitalismo,

Liberalismo

Principais fontes de

Direito

Petição de Direitos (1628); Declaração de Direitos (1689);

Ato de União com a Escócia (1707) e com a Irlanda (1800);

Estatuto de Westiminster (1931).

Relações internacionais Por se tratar de um sistema consuetudinário os princípios

estão acobertados pelos próprios costumes internacionais.

O Direito Constitucional Inglês, como se pôde perceber, deriva da

tradição, dos costumes que ganharam autoridade, alicerça-se na Constituição material e

não na Constituição escrita. Este modelo singular acabou sendo reproduzido

indiscriminadamente por Estados que em nada se identificam com a sociedade inglesa e o

Estado inglês.

O Direito Constitucional Norte-americano também é amplamente

difundido no mundo. Vejamos suas características:

Forma Escrita mas extremamente reduzida – 1787 (4400 palavras) e

27 Emendas até hoje.

9

Origem Da reação das Colônias da América do Norte contra a

Inglaterra onde essas saíram vitoriosas

É modelo? Sim, o texto sintético e eficaz foi alvo de referência inclusive

para a Revolução Francesa. O federalismo também fora

largamente difundido.

Característica Resistência das colônias agrícolas contra a tributação e

opressão da monarquia inglesa

Realidade social De fato a Constituição representa a realidade da sociedade

norte-americana.

Rigidez Média flexibilidade – mas altamente durável e estável

Modelo Político e

Econômico

Presidencialismo, Capitalismo, Liberalismo

Principais fontes de

Direito

Constituição, emendas constitucionais, legislações estaduais,

jurisprudência

Relações internacionais A seção 8, inciso 3 determina que cabe ao Congresso regular

as relações internacionais.

O Direito Constitucional Norte-americano também recebeu calorosos

aplausos pela sua forma sintética, mas materialmente tão densa que ainda permaneça

vigente mesmo após mais de 200 anos de existência. As Constituições, inglesa e norte-

americana, serviram de referencial para dezenas de Estados.

O Direito Constitucional Alemão do pós-Guerra, de 1949, também é

amplamente difundido nos dias atuais, inclusive sendo bem recebido pelo Constituinte e

pela doutrina brasileira, que tem nos Direitos constitucionais alemão e português seu

alicerce pretérito e atual. A Constituição Alemã é a Constituição moderna mais copiada da

atualidade.

Forma Escrita e extensa: 146 artigos e conta com várias Emendas –

10

1949.

Origem Fruto da ruptura política e do término da 2ª Guerra em que a

Alemanha fora derrotada pelos Aliados.

É modelo? Sim, em especial pela defesa dos direitos essenciais e

proteção da pessoa humana. A Constituição do Brasil de 1988

colheu parte do rol de direitos fundamentais que a seção

inicial da Constituição alemã apresentou.

Característica Mudança de um regime nazista para um regime democrático.

As alterações atuais decorreram que após 1989 houve a

reunificação das Alemanhas Oriental e Ocidental

Realidade social De fato a Constituição representa a realidade da sociedade

alemã.

Rigidez Alta – constitucionalidade controlada pelo Tribunal

Constitucional Federal. Estável.

Modelo Político e

Econômico

Presidencialismo (com Chanceler Federal), Capitalismo.

Embora a Constituição apregoe a social democracia, a

economia alemã é liberal.

Fontes de Direito Constituição, emendas constitucionais, legislação federal e

estadual, jurisprudência

Relações internacionais A Constituição alemã prevê que as regras de Direito

Internacional produzirão direitos e obrigações para os

habitantes do território federal e prevalecerão sobre as leis.

O Direito Constitucional Alemão tem sido alvo de estudos de diversos

constitucionalistas brasileiros, justamente pelo tratamento que dá aos direitos

fundamentais, ao controle de constitucionalidade, e à hermenêutica constitucional.

11

O Direito Constitucional Francês também apresenta um

constitucionalismo marcante e reproduzido, mormente em razão dos ideários da

Revolução Francesa de 1789.

Forma A Constituição de 1791 é a mais conhecida, embora a vigente

Constituição seja de 1958, com alterações relevantes em

1968. Escrita.

Origem Fruto da pós crise da Argélia, onde se desenvolveu

movimento político reformista que redundou na 5ª República,

comandada inicialmente por Charles de Gaulle.

É modelo? A Constituição de 1791 sim, em especial pela incursão desde

Monstesquieu do fracionamento dos poderes.

Característica Caracteriza-se pelo mote: liberdade, igualdade e fraternidade.

Tem a melhor tratativa na relação entre direitos do homem e

os princípios da soberania.

Realidade social De fato a Constituição representa a realidade da sociedade

francesa.

Rigidez Alta – as alterações constitucionais devem ser aprovadas por

3/5 do Parlamento e por referendo popular. Estável.

Modelo Político e

Econômico

Presidencialismo (com Primeiro-Ministro), Capitalismo.

Embora a Constituição apregoe a social democracia, a

economia francesa prepondera pelas linhas econômicas do

liberalismo

Fontes de Direito Constituição, emendas constitucionais, legislação federal e

estadual.

Relações internacionais A Constituição francesa atribui competência ao Presidente da

República para negociar e ratificar tratados.

12

O Direito Constitucional Francês atual não é alvo de maiores

inspirações, mas sim, o seu constitucionalismo pós Revolução Francesa, mormente a

Constituição de 1791.

O Direito Constitucional Português não é difundido como as demais

Constituições européias, no entanto, foi o grande referencial para as colônias portuguesas,

dentre elas o Brasil.

Forma Escrita – 1976.

Origem Fruto da ruptura política com a queda do regime fascista e da

ditadura opressora.

É modelo? Não. Pelo contrário, inspirou-se na Constituição Alemã para a

redação de partes de seu texto.

Característica Mudança de um regime facista. Adequação ao integralismo

nacional que se firmou em meados da década de 70.

Realidade social De fato a Constituição representa a realidade da sociedade

portuguesa.

Rigidez Alta – a alteração exige o respeito a mais de uma dezena de

cláusulas pétreas.

Modelo Político e

Econômico

Presidencialismo, Capitalismo. Embora a Constituição

apregoe a social democracia, a economia portuguesa é liberal.

Fontes de Direito Constituição, emendas constitucionais, legislação federal e

estadual.

Relações internacionais Admite a eficácia dos tratados mesmo quando material ou

formalmente inconstitucionais, desde que vigentes no

ordenamento da outra parte, e desde que não viole direitos

fundamentais portugueses.

13

Estes foram os principais modelos constitucionais existentes e

inspiradores do constitucionalismo dos demais Estados, os quais se percebem terem

servido de referencial para o Brasil, demonstrando que o país jungiu anseios nacionais

com constitucionalismo mundial.

4. DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

O Direito Constitucional Brasileiro tem a característica de ter colhido

dos demais modelos constitucionais alguns pontos essenciais. É possível encontrar em

nossa Constituição características de todas as demais Constituições acima apontadas.

Contudo, mesmo apresentando-se com um texto constitucional recente

em comparação aos demais acima referidos, a Constituição brasileira já fora alvo de

discussão de diversos constitucionalistas, cientistas políticos, juristas em geral em todo o

mundo, em razão de seu tratamento humanitário que dá às relações e ordem econômica e

às legislações infraconstitucionais que inspirou. São estas suas principais características.

Forma Escrita e extensa – 1988

Origem Fruto da ruptura política com a queda do regime ditatorial e

pela democratização incursionada pelo Movimento Diretas

Já, que contou com a participação de toda a sociedade.

É modelo? Não podemos reputar a Constituição brasileira como modelo

aos demais Estados, mas com certeza, em um referencial

indispensável a um estudo de Direito Constitucional

Comparado.

Característica Retorno da democracia e do governo de civis. Ampliação do

catálogo dos direitos e garantias fundamentais. Instituição de

um Estado Democrático de Direito com forte vinculação

social.

Realidade social A Constituição, infelizmente, não representa a realidade da

sociedade brasileira, que embora tenha a dignidade humana

como princípio mor, tem mais de 50% de analfabetos e

14

marginalizados, e milhares que literalmente passam fome em

um dos maiores países agrícolas do mundo.

Rigidez Alta – a alteração exige a aprovação por parte de 3/5 do

Congresso em dois turnos. Embora seja alta a rigidez é

Instável, pois a Constituição é freqüentemente alterada.

Modelo Político e

Econômico

Presidencialismo, Capitalismo. Embora a Constituição

apregoe também a social democracia, a economia brasileira

oscila entre o liberalismo e o neoliberalismo.

Principais fontes de

Direito

Constituição, emendas constitucionais, legislação federal e

estadual.

Relações internacionais Disciplinou especificamente sobre as relações internacionais

com a instituição de 10 princípios no artigo 4º. Também

trouxe nova recepção aos tratados nos parágrafos do artigo 5º.

Se bem observamos podemos concluir pelo seguinte: o Constituinte

brasileiro adotou o modelo convencional e mais difundido no mundo quanto a forma de

redação da Constituição, ou seja escrita. O ordenamento jurídico brasileiro, inclusive,

caracteriza-se por ser exacerbadamente positivado.

No tocante a origem, a Constituição brasileira empregou também a

noção elementar do constitucionalismo internacional de que em havendo ruptura do

regime político, de governo, ou mesmo de alterações sociais, inclusive guerras e

revoluções, que demandem uma nova reformulação de agir do Estado e/ou da nação, há de

se erigir um novo Texto Constitucional. Como entre nós houve a queda do regime

ditatorial para a democracia, e a configuração de um Estado social, justificou-se a

promulgação da Constituição de 1988.

Quanto ao modelo, podemos perceber que a Constituição brasileira de

certa forma tem se destacado como referencial não por apresentar algo que é inovador,

pelo contrário, justamente por condensar o que o mundo inteiro apontou de bom. A

elaboração de uma Constituição como centro do ordenamento jurídico e limitador do

poder, copiamos dos ingleses; a moderna tripartição das funções dos poderes em

15

Legislativo, Executivo e Judiciário copiamos dos franceses; o presidencialismo copiamos

dos norte-americanos; o controle de constitucionalidade condensamos os modelos

concentrado e difuso que colhemos da Alemanha, Portugal e Estados Unidos; o rol de

direitos e garantias fundamentais copiamos da Alemanha e Portugal em especial, enfim, a

Constituição brasileira pode ser considerada a essência do constitucionalismo

internacional.

No que se refere à realidade é que nos vem a principal diferenciação.

Nos demais Estados a Constituição representa o que a sociedade vive e clama. Por certo o

grau de desenvolvimento econômico e cultural tem grande influência, assim como a

experiência do Antigo Mundo. No entanto, poderíamos ter absorvido a experiência

conquistada nos demais Estados e percebido que não se faz uma Constituição aos moldes

de outra sociedade, mas sim, segundo as nossas próprias realidades, segundo as questões

regionais internas e não externas.

O Brasil seguramente tem um dos melhores textos constitucionais, mas

que ainda não conseguiu se concretizar no seio da sociedade, em especial as que mais

demandam dos direitos e garantias colacionados na Constituição. Não se trata de

realizarmos outra Constituição, mas de aproveitarmos o que de bom temos, o que nos

exige uma mudança de pensamento, fazendo com que este novo paradigma jurídico que a

Constituição de 1988 seja melhor interpretada e aplicada.

Quanto a rigidez nossa Constituição seguiu em parte o modelo francês, e

em especial, se inspirou no modelo português quanto ao estabelecimento de cláusulas

pétreas. Porém, diferente da Constituição norte-americana que tem 27 Emendas em mais

de 200 anos, em apenas 18 anos já contamos com mais de 52 Emendas Constitucionais

que estão retalhando a Constituição.

Quanto ao modelo político apenas nos adequamos como os principais

países do Ocidente fizeram, ou seja, romperam o modelo monarquista para o

presidencialista. O parlamentarismo no Brasil teve curtíssima duração e não funcionou à

época. Como estamos numa aldeia global que não pára e sempre gira, também adotamos

ou toleramos o capitalismo. Contudo, o maior conflito brasileiro, inclusive no seio

jurídico, é conciliar o modelo liberal com o social, ou seja, o particular versus o

público/coletivo. Neste duelo caminhamos por um neoliberalismo que tange lá e cá em

significativas oscilações.

16

As fontes de direito adotadas pelo Brasil, são as mesmas adotadas pelos

Estados que contam com ordenamento jurídico positivado e Constituição escrita. É

interessante ressaltar que depois que Hans Kelsen passou pela face da Terra, falar em

costumes e jusnaturalismo passou a perder força argumentativa, contudo, os movimentos

sociológicos e filosóficos estão retornando com força: Movimento do Direito Livre,

Jurisprudência dos Interesses, Realismo Jurídico Norte-americano e Escandinavo; Direito

Alternativo; enfim, o positivismo jurídico está sendo posto em xeque, pois não atende

mais as exigências das realidades sociais em todo o mundo, o que faz com que o Direito

busque cada vez mais apoio da Filosofia e da Sociologia para encontrar suas balizas

procedimentais novamente;

A Constituição brasileira, no tocante às relações internacionais destacou-

se por inserir no próprio texto constitucional, de forma explícita, princípios que regem a

República Federativa do Brasil perante os Estados estrangeiros e as relações

internacionais, consignando mais ainda, a formação de uma “comunidade latino-

americana”. A questão é: esta principiologia de relações internacionais de fato proporciona

condições para uma comunidade latino-americana ou estes próprio princípios são o

entrave desta formação?

5. ENTRELAÇAMENTO ENTRE O DIREITO CONSTITUCIONAL E A

POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO LATINO-AMARICANA

A partir das reflexões acima que apontaram pela gênese da Constituição

positiva, pelas características das Constituições paradigmas e da Constituição brasileira,

questionamos se diante do salto de valores nacionais para a recepção de valores

internacionais poderemos retornar com segurança para a constituição de uma comunidade

latino-americana considerando o que colhemos dos demais textos constitucionais e que

doravante compõem nossa Constituição formal.

De pronto podemos aferir que como a Constituição de um país

representa a norma fundamental que determinará o que os seus Poderes deverão fazer no

âmbito interno e externo. É dela que devem ser extraídos os princípios que nortearão o

Estado em suas relações internacionais. E estes, por sua vez, conduzirão o país a uma

maior ou menor abertura social, política, econômica e jurídica diante das relações

exteriores, conforme o grau de resguardo que os princípios constitucionais apresentarem à

'Soberania', que exerce relevante papel na formação do Estado e na sua conduta frente a

17

seus pares estatais. Em síntese, os princípios permitirão ou não que o Brasil deixe o

artificialismo da sociedade internacional e forme a comunidade latino-americana

juntamente com os demais Estados latinos.

Ao erigir a principiologia das relações internacionais, o legiferante

constitucional demonstrou ora um acompanhamento com os ordenamentos jurídicos e

constitucionalismo moderno, ora um anacronismo por manter princípios que não se

compatibilizam com as exigências internacionais atuais, e que à época, 1988, já se

tornavam consideravelmente visíveis. Os avanços consistiram, em síntese, quanto à

solidificação do país na defesa da paz, na solução pacífica dos conflitos, na igualdade

entre os Estados, na cooperação e na defesa dos direitos humanos, que, considerando-se as

turbulências historicamente existentes na América Latina representam respeitável posição.

Entretanto, o mesmo Constituinte obstaculizou, de certa forma, não só a

formação de uma comunidade latino-americana, como a aplicação dos próprios princípios

que beneficiam a relação internacional brasileira, quando fez marcar indelevelmente a

perene e reverberadora presença do resguardo exacerbado à Soberania, através dos

princípios da independência nacional, da autodeterminação dos povos, não-intervenção, e

subjetivamente, nos princípios da igualdade entre os Estados, repúdio ao terrorismo e

concessão de asilo.

Verifica-se que os princípios da prevalência dos direitos humanos e da

cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, acabam por sintetizar os

princípios que não estão isolados na restrita defesa da Soberania, por permitirem a

inserção de conceitos e diretrizes para a fomentação de fatores culturais, compartilhando-

se, desde a sua gênese, os mais diversos valores que promovam a elaboração de uma

efetiva comunidade intrinsecamente ética e moral.

O professor Celso A. Mello12 observa que o nosso Texto Maior

consagrou "uma antinomia da ordem internacional: a soberania e a cooperação

internacional, vez que esta só se realiza às expensas daquela", por isto ressalta o emérito

professor que "a tendência atual é a da soberania existir como um conceito meramente

formal". Frise-se que a cooperação está arraigada na 'moral internacional', caminhando

12 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional: uma introdução. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 131.

18

tenuamente com o princípio da solidariedade e auxílio mútuo. Desta forma, conveniente

um singelo dizer sobre ambos princípios.

O Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos é rico em

comentários que no momento não nos permite maiores apontamentos. Mas é salutar

destacar a lição de Pedro Dallari citado por Mazzuoli acerca deste princípio ao preconizar

que:

A ‘prevalência dos direitos humanos’, enquanto princípio

norteador das relações exteriores do Brasil e fundamento colimado

pelo País para a regência da ordem internacional não implica tão-

somente o engajamento no processo de edificação de sistemas de

normas vinculados ao Direito Internacional Público. Impõe-se

buscar a plena integração das regras de tais sistemas à ordem

jurídica interna de cada Estado.13

Cremos, portanto, que não estaríamos equivocados em dizer que a

questão reside em buscar a aplicação dos direitos humanos do genérico regramento

transnacional para a efetiva aplicação em solo nacional, ou seja, abstrair da sociedade

internacional para implantar na comunidade regional. O professor Fernando Barcellos de

Almeida, acerca deste tópico, tece o seguinte conceito:

Direitos humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou

as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais

e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e

concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser

humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de

inteligência, dignidade e consciência e permitir a satisfação de suas

necessidades materiais e espirituais.14

Inegável que dentre todos os princípios este é o mais abrangente, além

de nele estar sintetizado todos os demais direitos fundamentais, uma vez que respeitados

os direitos humanos estar-se-á homenageando os demais princípios, que de certa forma,

estão intrinsecamente alicerçados nele.

13 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos & Relações Internacionais. Campinas: Agá Juris, 2000, p. 132. 14 ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: SAFe, 1996, p. 24.

19

A prevalência dos direitos humanos na América Latina consiste,

contudo, num desafio ardoroso, visto que historicamente os países latinos são marcados

por caudilhismos, ditaduras que foram extintas recentemente, golpes de Estado e

populismos que persistem até o presente milênio, além dos eternos movimentos

guerrilheiros e sociais de luta armada e da inconstante efetividade constitucional dos

países deste Continente, conforme leciona o professor Paulo Napoleão Nogueira da

Silva.15 A efetivação de uma comunidade latino-americana de nações não subsistiria

paralelamente a tais anacronismos.

Portanto, pejorativo que os países sul-americanos promovam com

autenticidade e veemência a aplicação dos direitos humanos que é o berço da democracia e

da completa e plena configuração de uma comunidade internacional, mas que tal

promoção seja de dentro para fora, e não mera retórica de governantes que pregam em

parlatórios internacionais, exigindo o fim da fome no mundo, enquanto seus pátrios

sobrevivem de lixões ou de bolsas paternalistas, que em nada se diferenciam de

condicionamento à miserabilidade.

Se o nosso escopo é de que haja uma comunidade internacional, é

imprescindível a existência intrínseca, perene e incomodadora, se for o caso, dos direitos

humanos e dos direitos subjacentes que este comporta, em todas as Nações que pretendam

harmonizar-se numa só comunidade internacional.

O Princípio da Cooperação entre os Povos para o Progresso da

Humanidade também está previsto no art. 4º, IX, da Lei Maior. Tupinambá Miguel C. do

Nascimento16 afirma que a "cooperação indicada no inciso IX do artigo em comento é

finalística. Há a cooperação com o objeto de alcançar o progresso da humanidade. Não é

uma simples cooperação; é o ato de cooperar altamente positivo", isto por, como sabemos,

poder existir uma cooperação entre países para um fim destrutivo. O mencionado

doutrinador salienta ainda, que "esta cooperação pode se realizar de duas formas

diferentes: como ato unilateral brasileiro, colaborando e ajudando outros Estados em sua

tentativa de progredir, e como ato bilateral".17

15 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. Direito Constitucional do Mercosul. 1. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 267 seq. 16 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel C. Comentários à Constituição Federal: princípios fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 219. 17 Id Ibid.

20

O Brasil, diga-se, possui várias relações internacionais de cooperação,

reflexo do princípio em questão, citamos, apenas a título de exemplo: a Declaração de

Princípios sobre a Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o

Governo do Canadá para a Manutenção da Paz e da Segurança Internacionais, realizado

em Brasília, em 15 de janeiro de 1998, e o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta

entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, aprovado pela

Resolução da Assembléia da República n.º 83/2000, de 14 de dezembro de 2000. O

próprio Tratado de Assunção, de 1991, representa uma forte cooperação entre os países do

Mercosul.

Conclui-se, portanto, que há de estender às relações internacionais no

sentido de promover a cooperação cultural, sócio-econômica, tecnológica e científica, e o

intercâmbio educacional, entre outras diversas áreas, no seio da comunidade latino-

americana, pois possuem características mais próximas que os europeus conosco. Entre os

países da comunidade latina, não deve pairar o artificialismo, a mera camaradagem

existente na cooperação entre sul-americanos e europeus, asiáticos ou anglo-saxãos, mas

sim, um efetivo enraizamento cooperativo entre as nações aqui presentes, que além de

vizinhos, necessitam viver numa fraternidade política, econômica, jurídica e social,

harmonizando as peculiaridades culturais inerente a cada um.

6. CONCLUSÃO

Tendo como características a limitação do poder, a constituição do

Estado, a atribuição das tarefas dos poderes estatais e aos governantes, a instituição das

bases jurídicas e a preservação dos valores peculiares a um determinado povo e Estado, a

Constituição erigiu-se como um forte instrumento normativo, que quanto maior

identificar-se dos anseios de seu povo, maior poder formal emprega.

Para a criação desta lex legum os Estados absorveram o que se

apresentavam ao momento histórico da elaboração de suas Constituições, servindo-se dos

referenciais anglo-europeus como norte do constitucionalismo e de redação da

Constituição.

O Brasil seguiu a mesma trilha dos demais Estados quanto da elaboração

da Constituição de 1988, com maior independência em razão do próprio amadurecimento

do final de II Milênio, porém, com a consagração do constitucionalismo tradicional de

então.

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Neste anseio a comunidade rural brasileira interou-se com a sociedade

internacional. Os valores nacionais com os internacionais. E a Constituição formal passou

a padecer um distanciamento da Constituição material.

E subjacente a este cenário podemos concluir que a doutrina do

humanismo social que busca integrar o homem ao Estado está sofrendo uma inversão pelo

que até então se pôde verificar, pois entre o indivíduo e o poder político existem grupos

naturais, tais quais a família, que estão intrinsecamente relacionados ao conceito de

comunidade, no entanto, as transformações sócio-econômicas estão conduzindo esta

comunidade, essencialmente natural, a um artificialismo concentrado na sociedade

internacional. Ecoa, desta forma, as palavras de Rousseau18, segundo o qual 'o homem

nasce livre e em toda parte se acha aprisionado'.

Verificamos isto com a prisão que a sociedade impõe através de sua

codificação nacional e também internacional, por intermédio da soberania, aos brasileiros

e estrangeiros. Em épocas pretéritas, mas não muito longínquas, o ser humano vivia

verdadeiramente em família, sem os rebuscos da globalização. Com o progresso da

humanidade a comunidade passou a se relacionar mais, surgindo a sociedade. E a

globalização, e tudo o que está subjacente a esta palavra e concepção, pacificaram a

existência de uma sociedade internacional.

Nesta mutação, o homem deixou de ser homem para ser representado por

papel. Sua existência não está mais no que "é", mas no que "tem" ou no que pode

"comprovar ser". Surgiram as legislações e as codificações em cada Estado, regulando o

que a comunidade poderia fazer dentro da sociedade. A lei intrincou-se no cerne da

população de tal forma que a comunidade foi relegada a segundo plano.

Em seguida os Estados começaram a se relacionar entre si, assim, as

ciências jurídicas logo resolveram de criar tratados, convenções, princípios... que

regulassem a convivência e as diversas relações existentes entre as sociedade formando

uma autêntica sociedade internacional como está hoje, agrupada em blocos econômicos,

sobrepondo as relações comerciais aos valores culturais da nação, que transcende o

18 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Hemus, 1997.

22

conceito de povo, como já dizia Emmanuel Joseph Sieyès19, em seu clássico Qu'est-ce que

le Tiers État?.

Concluímos por fim, que se constata que o mundo está vivendo um caos

justamente por desprestigiar a sua natureza, seus conceitos primordiais, que estavam bem

alicerçados na arcaica comunidade. E a análise do direito constitucional comparado

demonstra um cenário pessimista, em que os Estados não conseguirão mais romper com o

constitucionalismo liberal reinante do passado e preponderante no presente, de forma que

o Estado social, por exemplo, embora vislumbrado por vários textos constitucionais

apresenta-se como meras folhas de papel no dizer pretérito e atual de Lassalle, que em

nosso entender, apenas uma alteração judicial seria capaz de transformar esta evolução

legal e política de deterioramento das conquistas em prol à dignidade da pessoa humana.

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SAFe, 1996.

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1970.

HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Lael, 1983.

19 Cf. SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa, Trad. Norma Azeredo, 3. ed., Lumem Juris, 1997.

23

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ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6. ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris,

2001.

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