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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito - N. 17, JUL/DEZ 2014 COMO ENFRENTAR A GUERRA FISCAL EM MATÉRIA DE ICMS SEM FERIR O PACTO FEDERATIVO? (PARTE 1) Eduardo Rafael de Mello Souza 1 ; Ana Lúcia Damascena 2 RESUMO Em face das peculiaridades do Estado Federal, vislumbra-se a presença de Estados membros em uma constante busca por recursos que serão destinados a saciar sua necessidade de desenvolvimento e garantir o cumprimento de suas obrigações constitucionalmente estabelecidas. Entretanto, enquanto ocorre o aumento das atribuições conferidas aos entes Estaduais, demonstra-se contraditoriamente à insuficiência de recursos. Situação que faz surgir à luta dos Estados membros pela captação de recursos próprios através da concessão de incentivos fiscais para o ICMS. Por se darem as referidas concessões, muitas vezes, sem a devida celebração de convênio entre os demais Estados, acabam surgindo conflitos denominados de “Guerra Fiscal”, haja vista, que, o Estado receptor acaba suportando o crédito concedido e não recolhido no Estado de origem. Diante do exposto, o presente artigo pretende enfrentar os problemas da guerra fiscal sob uma análise jurídica da situação, buscando encontrar alternativas que venham garantir a autonomia dos Estados membros e do Distrito Federal em matéria de ICMS, sem ferir o pacto federativo. Palavras – Chave: Guerra Fiscal. ICMS. Estados membros. Pacto Federativo. ABSTRACT 1 Bacharel em Direito pelo Instituto Metodista Granbery (2015). 2 Bacharela em Direito pelo Instituto Metodista Granbery (2010) e Mestre em Políticas Sociais e Gestão Pública pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFJF (2013), professora das disciplinas de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário do Instituto Metodista Granbery.

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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery

http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377

Curso de Direito - N. 17, JUL/DEZ 2014

COMO ENFRENTAR A GUERRA FISCAL EM MATÉRIA DE ICMS SEM FERIR O

PACTO FEDERATIVO? (PARTE 1)

Eduardo Rafael de Mello Souza1;

Ana Lúcia Damascena2

RESUMO

Em face das peculiaridades do Estado Federal, vislumbra-se a presença de Estados membros

em uma constante busca por recursos que serão destinados a saciar sua necessidade de

desenvolvimento e garantir o cumprimento de suas obrigações constitucionalmente

estabelecidas. Entretanto, enquanto ocorre o aumento das atribuições conferidas aos entes

Estaduais, demonstra-se contraditoriamente à insuficiência de recursos. Situação que faz

surgir à luta dos Estados membros pela captação de recursos próprios através da concessão de

incentivos fiscais para o ICMS. Por se darem as referidas concessões, muitas vezes, sem a

devida celebração de convênio entre os demais Estados, acabam surgindo conflitos

denominados de “Guerra Fiscal”, haja vista, que, o Estado receptor acaba suportando o

crédito concedido e não recolhido no Estado de origem. Diante do exposto, o presente artigo

pretende enfrentar os problemas da guerra fiscal sob uma análise jurídica da situação,

buscando encontrar alternativas que venham garantir a autonomia dos Estados membros e do

Distrito Federal em matéria de ICMS, sem ferir o pacto federativo.

Palavras – Chave: Guerra Fiscal. ICMS. Estados membros. Pacto Federativo.

ABSTRACT

1Bacharel em Direito pelo Instituto Metodista Granbery (2015).

2 Bacharela em Direito pelo Instituto Metodista Granbery (2010) e Mestre em Políticas Sociais e Gestão Pública

pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFJF (2013), professora das disciplinas de Direito

Administrativo, Financeiro e Tributário do Instituto Metodista Granbery.

Given the peculiarities of the Federal State, the presence of member States becomes

noticeable, in constant search for resources to be allocated to satisfy the need for development

and to ensure compliance with its constitutionally established obligations. However, while

there is increase of powers conferred to State entities, a contradiction to insufficiency of

resources is shown. This situation raises a fight amongst the member States for equity through

the tax incentives for ICMS (or Tax on Circulation of Goods and Services). Because these

concessions are given, often times, without proper agreement between the other States, certain

conflicts arise, usually referred to as “Fiscal Wars”, considering that the State that receives the

product ends up paying taxes that were not collected in the State of origin. Therefore, this

research aims to address the problems of tax competition in a legal analysis of the situation,

trying to find alternatives that will ensure the autonomy of member States and the Federal

District in respect of ICMS, without hurting the federal pact.

Keywords: Fiscal Wars. ICMS. Member States. Federal Pact.

1 INTRODUÇÃO

Alvo de críticas, a guerra fiscal levanta argumentos que demonstram sua

nocividade ao desenvolvimento nacional. Como forma de vencer a competição, alguns

Estados concedem benefícios inviáveis, que, longe de resolver o problema, agravam ainda

mais a situação, estimulando uma competição desleal entre os entes federados.

Há de se verificar, que, quando um Estado concede incentivos fiscais para o ICMS

sem prévia e necessária celebração de convênio entre os demais Estados e o Distrito Federal,

bem como, sem lei complementar que discipline inteiramente a matéria, conforme determina

a Constituição, o Estado receptor acaba suportando o crédito concedido e não recolhido no

Estado de origem em virtude do incentivo por ele outorgado. Desta forma, acaba por não

auferir nenhum benefício em termos de arrecadação.

Neste sentido, em virtude das considerações expostas e de sua não

cumulatividade, o ICMS repercute seus efeitos em todo território nacional. Com isso, a

concessão de incentivos tributários desarrazoados se torna uma verdadeira arma no contexto

da guerra fiscal.

Cumpre examinar que cada Estado membro busca alternativas para cumprir suas

prioridades e necessidades, haja vista a constante condição de insuficiência de recursos,

situação que por muitas vezes tem levado a decisões que acarretam violações de preceitos

constitucionais.

Entretanto, o tema é mais complexo do que parece, e não pode ser analisado a

priori, já que esbarra em questões ligadas à própria organização do Estado Nacional, ou seja,

o Princípio Federativo. Portanto, ao se buscar uma resposta para a guerra fiscal, não se pode

deixar de analisar o federalismo fiscal.

Convém notar que ao serem partilhadas as competências entre os entes

federativos, devem ser assegurados recursos suficientes para cumprirem com suas obrigações,

bem como, alcançar os objetivos traçados constitucionalmente.

Por outro lado, o que se observa é uma concentração de recursos na União, e uma

constante mutilação dos Estados membros em face da restrição de receitas. Assim, ainda que

tenham autonomia para gerenciar, lhes faltam recursos suficientes, situação que acarreta a

busca por meios necessários a garantir o cumprimento das atribuições constitucionalmente

estabelecidas.

Por tais razões, o presente artigo tem como objetivo enfrentar a guerra fiscal em

matéria de ICMS com o grande desafio de buscar alternativas que não venham a ferir o pacto

Federativo. Assim, visa responder aos seguintes questionamentos: como garantir aos Estados

membros autonomia em matéria de ICMS sem ferir o pacto federativo? Como evitar a

“Guerra Fiscal” sem afrontar o espírito descentralizador, bem como a harmonia federativa

instituída pela Constituição de 1988?

A fim de alcançar respostas para os problemas formulados, o trabalho buscou

aprofundar no instigante tema do federalismo fiscal e compreender as causas da “guerra

fiscal”, analisando o modelo federalista brasileiro, suas influências, características e reflexos

no atual modelo de repartição de competência tributária, e especificamente, no campo do

ICMS.

A partir destas informações, buscou-se traçar o perfil jurídico do ICMS e,

sobretudo, sua capacidade de garantir a autonomia financeira dos Estados membros em

harmonia ao pacto federativo.

Para alcançar o resultado esperado, foi analisada a doutrina de grandes

especialistas na área, de modo a construir uma pesquisa solidificada em grandes alicerces.

Essa estrutura foi fundamental para traçar os contornos do federalismo fiscal brasileiro, sua

raiz histórica e principalmente, suas diferenças em comparação a outros modelos.

Diante de tais informações, o perfil jurídico do ICMS foi analisado tecnicamente,

a fim de verificar se sua estrutura é capaz de conviver harmonicamente em um Estado

Federal.

Ao alcançar este ponto, o leitor encontrará as origens dos conflitos fiscais entre os

Estados membros, bem como os principais aspectos causadores da “guerra fiscal”.

Em uma segunda parte a ser publicada oportunamente, passa-se a análise da

guerra fiscal, a partir da leitura crítica dos doutrinários de direito sobre o tema, apresentando-

se algumas das propostas de solução da “guerra fiscal” e preservação do pacto federativo, a

fim de verificar se as possíveis reformas seriam capazes de garantir a autonomia fiscal dos

Estados membros sem desrespeitar a forma federativa do Estado brasileiro.

Em suma, longe da pretensão de esgotar o tema, que, diga-se de passagem, é

riquíssimo em discussões, a pesquisa buscou verificar os conflitos entre as unidades

federativas, apresentando algumas das possíveis soluções propostas por pesquisadores da

área, além de assinalar se as mesmas encontram-se em consonância com o pacto federativo e

a autonomia dos Estados membros.

2 O SURGIMENTO DO ESTADO FEDERAL

Antes de adentrar na análise do federalismo fiscal brasileiro, é importante

apresentarmos considerações de ordem histórica sobre o modelo de federalismo norte-

americano, que conforme a professora Almeida (2007, p.3), ressalta, “[...] corresponde a uma

criação dos convencionais de Filadélfia, reunidos em 1787.”, como protótipo desse formato de

organização estatal.

O modelo federativo tem sua origem nas 13 colônias inglesas da América do

Norte, que submetidas a pesados impostos, proclamaram sua independência em 1776,

reunindo-se em uma confederação, passando posteriormente a federação.

Segundo lição de Oliveira:

A pressão sobre as 13 colônias decorreu da guerra franco-inglesa pela posse

do território do que é hoje o Canadá. Tendo perdido a guerra, os ingleses

voltaram-se sobre suas colônias, exigindo mais recursos. Daí a declaração de

independência e, posteriormente, a Constituição, discutida e aprovada na

Filadélfia em 1787, com dezesseis (16) artigos. (OLIVEIRA, 2013, p.39)

Conforme lição de Almeida (2007), naquele contexto, o surgimento do Estado

Federal se mostrava uma organização política verdadeiramente nova, que visava solucionar os

problemas enfrentados pela forma confederativa de Estado.

O modelo de Estado Federativo foi implantado logo após a ineficácia do Estado

confederado, que demonstrou problemas de ordem externa e interna, além de uma inegável e

constante fragilidade em sua organização. Isto devido à preservação da soberania de cada

Estado, situação que oferecia o risco de que a qualquer momento, um dos integrantes pudesse

romper seu vínculo.

Desta forma, conclui-se inegavelmente que, para preservar a União, esta forma de

organização do Estado deveria ser revista, a fim de que suas falhas fossem corrigidas. Sendo

assim, em busca de tal objeto, chegou-se a um modelo totalmente original , ou seja, o Estado

Federado.

É bem verdade, que, ao optarem pela forma federativa, os Estados independentes

da Confederação Americana abriram mão de sua soberania, qualidade que passa a ser

exclusiva do Estado Federado, representado no plano internacional pela União. Aos Estados,

agora denominados Estados membros, verifica-se a autonomia, isto dentro de um círculo de

competências traçado pelo poder soberano.

O Estado Federal norte-americano formou-se por agregação, ou seja, decorrente

da reunião de estados preexistentes, e isto por meio de uma força centrípeta, impulsionando os

Estados independentes da periferia para o centro, formando assim, um novo e único Estado

(ALMEIDA, 2007).

Conforme mencionado, o aspecto fundamental da federação é a autonomia dos

Estados membros dentro de um círculo de competência. Assim, sem prejuízo das demais

competências, dentre elas a administrativa e legislativa, o presente trabalho se limitará a

apresentar a autonomia financeira.

Portanto, dentro do esquema federativo, cada ente deve receber discriminação

Constitucional de receitas próprias, pois, é justamente a existência de renda suficiente que

garantirá o cumprimento das necessidades fundamentais da população.

A questão da autonomia financeira é indiscutivelmente importante, haja vista, que,

a insuficiência de recursos acarretará a ineficiência do Estado em garantir o cumprimento de

seus deveres, levando-o a busca de recursos em outras fontes, o que leva ao ciclo da

dependência financeira e consequentemente política.

2.1 A raiz histórica da matriz brasileira

A federação brasileira, segundo definição de Oliveira (2013), possui natureza

centrífuga, sendo formada pela descentralização política de um Estado unitário, razão pela

qual, não guarda as mesmas características da matriz Norte-Americana, o que torna o modelo

brasileiro um federalismo mal estruturado, apresentando um grande desequilíbrio da União

em face do fortalecimento de alguns poucos Estados que acabaram dominando a vida política

do País.

O ponto é abordado de forma clara na lição de Oliveira (2013, p.45), “Em

verdade, parece-nos que não temos um Estado Federal, em sua essência, pois, este se

constituiria no exercício de poderes intangíveis. Temos um Estado unitário descentralizado.”.

Não há como analisar o federalismo brasileiro sem observar alguns detalhes

históricos, que, inegavelmente, exerceram forte influência para a formação do modelo

federativo atual, haja vista, as peculiaridades que distinguem a formação do Estado Federal

Brasileiro.

Neste contexto histórico, Costa (2004, p. 31) apresenta importante informação.

Para o referido autor a estrutura de organização no período colonial se caracterizava através

de uma divisão territorial em núcleos de povoamento, concedidas por Portugal através de

capitanias hereditárias, não havendo entre estas, nenhum vínculo de interesses, e estando

subordinadas diretamente a Portugal. Assim, segundo o autor, conviviam na colonização

brasileira duas situações antagônicas: de um lado Portugal, adotando uma centralização do

poder político e jurídico das colônias; do outro a descentralização administrativa, com base

nas capitanias, dispersando o poder e criando interesses regionais.

Devido as suas dimensões continentais e ao modelo português, focado em um

Estado centralizado e na dispersão administrativa das capitanias hereditárias, o poder foi aos

poucos se pulverizando, demonstrando interesses regionais e locais completamente diferentes.

Sendo assim, é importante observar, que, diferente do federalismo americano,

onde os Estados se uniram em uma federação com objetivos comuns, caracterizando a união

de vários Estados soberanos, no Brasil, a federação decorreu da descentralização do poder em

vários Estados autônomos.

Nesta situação, deslumbrou-se o Estado Federal Brasileiro, carecedor de um

amadurecimento federativo, agravado pelas diferenças dos, agora, Estados autônomos. Assim,

houve um isolamento dos Estados membros, acompanhado de uma União que não

harmonizou a federação, fato que inegavelmente abriu espaço para o “coronelismo”, figura

marcante e até hoje presente em nossa história social e política (COSTA, 2004).

Para compreendermos melhor o mecanismo da guerra fiscal, que é o objetivo

principal do trabalho, resta indispensável aprofundarmos nos conceitos e raízes do

federalismo, como bem elucida Almeida (2007, p.11), os Estados membros devem desfrutar

de uma verdadeira autodeterminação dentro de seu círculo de competências, devendo ser o

ente federativo capaz de auto-organização; autogoverno; autolegislação e autoadministração.

Não havendo para as mencionadas atribuições, qualquer vínculo hierárquico dos poderes

Estaduais aos poderes da União.

Desta feita, a formação do federalismo brasileiro se deu de forma completamente

diferente da matriz norte americana, sofrendo forte influência do modelo centralizador

português. Razão pela qual, guarda características próprias, estando ainda hoje em constante

movimento, em um processo dinâmico de transformação e adaptação.

Assim, torna-se extremamente difícil a tarefa de conceituar o Estado Federal. Não

contrariando este entendimento, o Estado Federal Brasileiro surge de forma peculiar,

apresentando suas próprias características, como resultado de seu processo histórico de

formação.

Portanto, para compreendermos os contornos do federalismo, e seus reflexos na

denominada “guerra fiscal”, torna-se indispensável levarmos em consideração as

peculiaridades do processo de formação do Estado Federal Brasileiro.

2.2 A distribuição de competências tributárias no Brasil a partir de nosso modelo de

federalismo fiscal

Uma das características fundamentais do federalismo é atribuir competência e

deveres aos entes federados, com isso, para que o Estado membro possa cumprir com suas

atribuições é indispensável à existência de autonomia financeira.

Desta forma, adverte Dallari (1986, p. 20), que quando não ocorre equilíbrio entre

encargos financeiros e renda, surgem duas situações; ou a administração não consegue agir

eficientemente e as necessidades da população não são atendidas, ou são atendidas de forma

deficiente. Neste contexto, surge à necessidade de buscar recursos em outras fontes, fato que

acaba criando uma dependência financeira e política.

Ao analisar a matriz Norte-Americana, verifica-se que um dos pontos deficientes

do Estado Confederado foi a dificuldade de angariar recursos necessários à manutenção de

suas necessidades. Ponto amplamente censurado pela doutrina federalista.

Portanto, um dos objetivos dos idealizadores do federalismo foi suprir essa

necessidade, proporcionando aos entes federados, fontes de receitas próprias, e acima de tudo,

suficientes a manter sua autonomia ao desempenhar suas competências.

No contexto tributário brasileiro, a fim de proporcionar a autonomia financeira

dos Estados membros, foram desenvolvidas formas de arrecadação de receitas tributárias

como principal fonte de obtenção de recursos necessários ao cumprimento das obrigações dos

entes da federação, União, Estados membros, Distrito Federal e municípios.

Assim, o sistema de partilha de receitas entre os entes federados no Brasil se dá de

duas formas: partilha na fonte, que ocorre com a distribuição de competências tributárias; e

partilha no produto em que a União e os Estados partilham alguns valores arrecadados a partir

de sua competência tributária com os entes menores. (OLIVEIRA, 2013, p.48)

Como instrumento definidor desta competência tributária se encontra a

Constituição Federal, que apresenta em seu texto a competência legislativa e a capacidade

tributária de cada ente. Nestes termos, os artigos 153 a 156 da CF, entregam à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, parcelas do poder de tributar, relativamente aos

impostos.

Cumpre observar que o texto Constitucional em seu art. 155, delimita os impostos

de competência dos Estados e do Distrito Federal, a saber: ITCD, ICMS, IPVA. Como

somente por meio da partilha na fonte não é possível a autonomia financeira dos entes

federados, frente ao acúmulo de competências tributárias nas mãos da União, a partilha no

produto da arrecadação se dá por meio da distribuição dos recursos arrecadados com a

tributação. Assim, os entes maiores (União e Estados) repassam aos entes menores (Estados e

Municípios) parcela do que arrecadaram ao exercerem sua competência tributária, a partir de

critérios que tentam beneficiar com um repasse maior aos entes que economicamente mais

necessitam, a fim de concretizar um dos objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil: art. 3º, III, CF/88 – “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais”, (OLIVEIRA, 2013).

O Estado Brasileiro é um Estado Federal, com isso, os Estados membros

conservam sua autonomia no plano interno, não havendo qualquer hierarquia entre a União,

os Estados membros e os municípios. E para que ocorra um relacionamento harmônico entre

os entes federativos, indispensável é a repartição de competências, peça fundamental para

evitar conflitos e riscos à parceria federativa.

Em esclarecimento sobre o tema Oliveira (2013, p.48) apresenta suas

considerações. Segundo o autor, cada unidade federativa deve possuir recursos próprios

através de suas atividades tributárias, e por outro lado deve receber de forma racional a

transferência de recursos das unidades maiores, a fim de cumprir com suas atribuições.

Para que haja uma verdadeira autonomia entre os Estados, a competência

tributária deve garantir suas necessidades, de forma real e concreta. Em sua análise do pacto,

Oliveira (2013, p.50) indica como o pacto fiscal está torto, ocorrendo um grande desequilíbrio

em favor da União. Para o autor, os recursos destinados a União devem ser os necessários a

atender as finalidades da segurança externa do país, representação diplomática, Justiça

Federal, manutenção da estrutura burocrática dos Ministérios e da administração direta,

recursos para pagamento de seus servidores e manutenção de equipamentos e prédios.

Devendo o restante, ser repassado aos Estados e Municípios. Em sua visão, caso as fontes de

recursos dos Estados membros fossem maiores, não haveria a necessidade da assunção de

suas dívidas pela União, nem o repasse anual de fundos perdidos.

Assim, da insuficiência de recursos surge à luta dos Estados membros pela

captação de recursos privados, utilizando concessão de incentivos e renúncia fiscal. Neste

ponto, surge o embate entre os entes Estaduais, que sob o aspecto jurídico levanta importante

discussão.

Não há como negarmos que dentro de um Estado Federal os entes queiram

progredir, quanto mais em uma realidade histórica, que, conforme mencionado, surge com

interesses regionais completamente diferentes, apresentando Estados membros supostamente

autônomos, mas, que na realidade são limitados, haja vista a maior parte dos recursos ser

direcionada para a União.

2.3 Uma análise sobre o modelo federalista brasileiro

Antes de iniciar uma análise sobre o federalismo brasileiro, a fim de compreender

se existe ou não um real federalismo fiscal no Brasil, é necessário encontrar um ponto chave

para federalismo fiscal, pois, a finança é a parte vital de qualquer Estado, sem a qual, ficará

impossibilitado de exercer suas funções mais essenciais.

Nestes termos, a autonomia financeira, aqui compreendida pela regular

capacidade de adquirir receitas próprias através da arrecadação de impostos de sua

competência, deve ser suficiente para a manutenção do Estado membro no cumprimento de

todas as suas obrigações constitucionalmente estabelecidas, sendo um ingrediente vital para

sua autonomia.

Caso a capacidade de arrecadação dos Estados membros não seja suficiente, um

de dois males ocorrerá: ou o Estado se sujeitará a dependência econômica e

consequentemente política de outro ente federativo, ou ficará atrofiado na sua capacidade de

atender às necessidades públicas. Em face deste dilema fiscal surge a saída equivocada que

fere o federalismo, que é a competição entre os Estados pela busca de recursos por meios

próprios.

Diante do exposto chegamos a um ponto chave: ou ente federativo terá recursos

suficientes para garantir sua autonomia financeira, ou deverá receber tais recursos por repasse

de outro ente. Neste contexto se faz necessário analisar outros modelos a fim de compreender

se o exposto é possível dentro de um modelo federativo.

Quando falamos em Estado Federal não podemos ter em mente um modelo

previamente definido, haja vista as particularidades que envolvem o federalismo, que

conforme será demonstrado, se mostra adaptável a diferentes realidades. Logo, os conceitos

de centralização e descentralização não são absolutos. Em certas circunstâncias, a simetria

excessiva levaria o Estado Federal a desfazer-se em unitário, bem como, a excessiva

dissimetria iria desfazer o Estado Federal em uma pluralidade de Estados Soberanos.

O processo de descentralização fiscal apresenta características próprias em

diferentes regimes federativos, onde a forma de repartição de competência tributária define o

nível de federalismo adotado. Segundo definição do Economista Fernando Rezende (2006, p.

28), a forma de descentralização fiscal pode apresentar características próprias em

determinadas federações. Sendo assim, em determinados sistemas pode ocorrer uma

descentralização tributária com inegável preponderância de competência concentrada na

União, isto com o objetivo de atribuir a esfera mais alta de governo uma função

estabilizadora, tanto por políticas monetárias como por recursos à tributação.

O referido autor, ao nos convidar a uma análise comparada das diversidades em

matéria de federalismo fiscal, indica um modelo federalista que tem sua aplicação em

federações com grandes diferenças de renda entre suas unidades federadas. A medida se

justifica sob o seguinte argumento: se a maior parcela de receitas for administrada e

arrecadada pelos Estados membros, o Governo Federal ficará sem mecanismos para promover

a equalização entre as unidades, haja vista o enfraquecimento de suas bases tributárias. Com

isso, o Governo Federal teria menos instrumentos para aplicar sua política fiscal. Um exemplo

deste modelo federativo é EUA, que apresenta alguns Estados com renda per capita muito

inferior aos outros.

Entretanto, alerta Rezende (2006), que o exemplo acima não pode ser adotado

como um dogma a ser seguido por outras federações, pois a forma pela qual é organizada a

estrutura de um governo é o resultado complexo e decorrente de um processo histórico e

cultural. Portanto, políticas adotadas em determinada Federação podem não funcionar em

outras.

Outro exemplo apresentado na pesquisa de Rezende (2006) é a Alemanha, que em

virtude de seu contexto histórico de separação e posterior reunificação dos entes federados,

apresenta os Estados da antiga Alemanha Oriental em posição de inferioridade aos demais,

entretanto, seu sistema federativo não se assemelha ao implantado nos EUA. Por lá se instalou

o denominado federalismo cooperativo, apresentando uma série de medidas destinadas a

incrementar a posição fiscal dos Estados mais pobres.

Rezende (2006) indica que, ainda que a Alemanha apresente Estados com renda

per capita substancialmente desiguais, os Estados alemães são dotados de grande parcela de

autonomia, tendo acesso a quase todas as bases tributáveis. Desta forma, ao invés de uma

equalização vertical implantada pela União, vigora uma equalização horizontal, com uma

distribuição de receitas dos Estados mais ricos para os mais pobres.

A fim de demonstrar ainda mais a diferença entre os modelos federativos, o citado

autor aponta como exemplo a Suíça, outra federação completamente diferente, distribuída em

25 cantões dotados de elevada autonomia, onde cada qual estabelece legislação tributária

própria, inclusive sobre imposto de renda, não havendo neste modelo qualquer possibilidade

de socorro por parte do Governo Federal.

Ao analisar a Federação Canadense, onde os entes federativos são dotados de

elevada autonomia, fato que se comprova pela inexistência de centralização das bases

tributárias, o autor indica que cada ente da federação explora as mesmas bases de arrecadação

e que em situação completamente contrária se encontra a Malásia, aprestando um federalismo

de base centralizada, onde os Estados membros arrecadam pouco mais de 5% das receitas, e

recebem um grande volume de transferências do governo federal.

Em virtude destas considerações podemos afirmar que os modelos federativos são

diferentes entre si, e que, diante do sucesso de regimes completamente distintos, torna-se

tarefa extremamente difícil à comparação e eleição de um modelo mais adequado, dado, que,

um modelo bem sucedido em determinado país pode não ser em outro.

Voltando o olhar para o federalismo brasileiro, Rezende (2006) apresenta a forte

demanda dos Estados membros pela ampliação de suas bases tributárias, haja vista a

necessidade de conciliação da centralização das receitas em face da descentralização dos

gastos, fator que acaba estimulando transferências não constitucionais através de programas

específicos e fomentando a busca por recursos através de estímulos fiscais.

Assim, o modelo federativo brasileiro apresenta uma grande contradição. Ao

mesmo tempo em que apresenta uma repartição de responsabilidades cada vez maior entre os

entes federativos, fator que induz a uma descentralização de receitas, utiliza um modelo de

repartição de competência tributária que não garante autonomia financeira a eles. Desta

forma, os entes federativos não são capazes de cumprir com suas obrigações com recursos

próprios, razão pela qual as transferências de recursos são constantes, criando assim uma forte

centralização fiscal e política.

Em síntese, Rezende (2006) destaca que a descentralização fiscal é saudável

quando os governos subnacionais são responsáveis por financiar, com recursos próprios, uma

parte significativa dos seus gastos. De forma oposta, quando as unidades federativas são

dotadas de bases tributárias que não geram economias significativas a financiar seus gastos, e

consequentemente, são obrigadas a se sustentar com transferências compensatórias, fica

demonstrado um modelo não saudável, onde ocorre um grande engessamento orçamentário,

acentuada dependência política e desequilíbrio entre os entes federativos.

A fim de elucidar o exposto, Rezende (2006) defende que a trajetória do

federalismo fiscal brasileiro num curto espaço de 12 anos, entre 1997 e 2005, no que se refere

ao financiamento dos gastos dos entes federativos com recursos próprios, caiu de 3/4 para 2/3,

em decorrência das transferências federais e da concentração das bases tributárias na União.

Em concordância com os argumentos defendidos por Rezende, a doutrina de

Oliveira (2013, p.41) demonstra a origem dos problemas do federalismo brasileiro, que surgiu

da seguinte forma: no início tratava-se de uma colônia portuguesa, que posteriormente passou

a Reino Unido de Portugal e Algarves, e depois para sede imperial. O período de colonização

sempre adotou um modelo unitário, que, nas palavras do doutrinador, “em um gesto de

mágica, passou a República dos Estados Unidos do Brasil”, transformando-se assim em uma

federação.

Através de uma rápida passagem pelo contexto histórico da federação brasileira,

Oliveira (2013, p.42), demonstra as mudanças do federalismo brasileiro; primeiramente, com

a Constituição de 1891, foi estabelecido um regime de competências divididas entre os entes

federativos, União e Estados membros. Com a reforma de 1926, foi imposta limitações aos

Estados membros, situação que foi agravada em 1937, com o surgimento da “Polaca”, carta

imposta por Getúlio Vargas no Estado Novo. Neste contexto a federação foi mantida em

termos formais, porém, distanciada de seu real conceito.

Ainda navegando na história do federalismo pátrio, Oliveira (2013, p.42),

apresenta o retorno do federalismo formal em 1946, bem como sua interrupção com o Golpe

Militar de 1964, situação que interrompeu a evolução da democracia da federação brasileira.

Por tais razões, o federalismo fiscal brasileiro sofreu processos de interrupções,

fator que atrapalhou seu amadurecimento. Hoje, o Brasil adota um modelo que concentra

grande parte de suas receitas na União, impedindo que os demais entes exerçam sua

autonomia plena, pois, a repartição de competências tributárias não destina parcela suficiente

de receitas, deste modo, os Estados membros não conseguem sobreviver apenas com suas

fontes tributáveis, devendo recorrer aos repasses da União.

Entretanto, nem por isso se pode desconsiderar a existência de um federalismo

brasileiro, pois, conforme apresentado, existem diversos modelos de federalismos, alguns

mais centralizados e outros mais descentralizados. Portanto, em que pese às peculiaridades e

problemas do modelo brasileiro, principalmente no que se refere ao ICMS, inadequado seria

classificar o modelo brasileiro, como nas palavras de Oliveira (2013, p.45), “um Estado

unitário descentralizado”.

Na visão de Horta (2010, p. 274), a organização de um Estado Federado é

laboriosa, razão pela qual, requer uma verdadeira engenharia constitucional, haja vista a

convivência de um duplo ordenamento, ou no contexto brasileiro, triplo, onde convivem

normas da Federação ou da União, dos Estados membros e dos Municípios. Além do exposto,

a fim de assegurar a coexistência entre estes múltiplos ordenamentos, atuam a Constituição

Federal e a Constituição dos Estados membros.

Neste contexto de mudanças Rezende (2006) destaca que a despeito dos sinais de

esgotamento de opções adotadas a conduzir um processo de reforma tributária, não se podem

desconsiderar os grandes desafios apresentados pelo mundo globalizado e pela economia de

mercado aberto. Com a formação de blocos econômicos regionais, a federação é pressionada

pela necessidade de harmonização de políticas econômicas e uniformização dos impostos,

fator que apresenta um grande desafio ao modelo federativo, impondo limites à autonomia

dos Estados membros e busca da redução das disparidades regionais.

Logo, não se pode diagnosticar de forma pessimista o federalismo brasileiro.

Trata-se de um federalismo em evolução, experimentando um processo de mudança trazido

pela Constituição de 1988 e sua descentralização das fontes de receitas tributárias.

Contudo, não se pode perder de vista a necessidade de reformas tributárias,

sobretudo no que concerne ao ICMS, principal fonte de arrecadação dos Estados membros.

3 O ICMS

Conforme exposto no art.155 da Constituição Federal, é da competência dos

Estados e do Distrito Federal a instituição do ICMS. A competência tributária estabelecida

aos Estados membros e ao Distrito Federal no que se refere ao ICMS advém da necessidade

de se conferir autonomia financeira, destinando uma importante parcela das atividades

suscetíveis de tributação aos referidos entes.

Nos termos do art.1º da Lei Complementar 87/96, é da competência privativa dos

Estados membros e do Distrito Federal instituir o ICMS, neste sentido, nem mesmo diante de

sua omissão pode ser delegada competência para outros entes da federação.

Apesar de ser um imposto de competência estadual, o ICMS tem grande

importância no cenário nacional, haja vista sua posição como principal fonte de receita dos

Estados membros, cerca de 80% (SABBAG, 2012, p. 1058) e sua importante contribuição no

orçamento municipal através do repasse aos municípios.

De forma sucinta, apenas com a pretensão de delinear o caminho do presente

estudo, cabe mencionar o significativo tratamento Constitucional dado ao ICMS, bem como a

normatização apresentada pela Lei Complementar 87/96, que em seu art. 4° apresenta o

sujeito passivo do ICMS, a saber; pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de

mercadorias; importação de bens de qualquer natureza; prestações de serviço de transporte

interestadual e intermunicipal; prestadores de serviço de comunicação.

O fato gerador do ICMS tem sua base na circulação de mercadorias, prestação de

serviços de transporte interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação, ainda

que iniciados no exterior, conforme determinado no art.155, II, da Carta Magna.

Em termos didáticos, pode-se observar a existência de quatro impostos definidos

na competência do art.155, II da Constituição Federal; o imposto sobre circulação de

mercadorias; imposto sobre serviços de transportes interurbanos e interestaduais e de

comunicação; imposto sobre a produção, importação, circulação, distribuição e consumo de

combustíveis líquidos e gasosos e energia elétrica; imposto sobre extração, importação,

circulação, distribuição e consumo de minerais.

Sendo assim, com fundamento na doutrina de Sabbag, a base de cálculo do ICMS

pode se efetivar da seguinte forma:

A o valor da operação, em se tratando de operação de circulação de

mercadorias;

B o preço do serviço, em se tratando de transporte (interurbano e

interestadual) e de comunicação;

C o valor da mercadoria ou bem importado, constante em documento de

importação, convertido em moeda nacional pela mesma taxa de câmbio

utilizada para cálculo do imposto de importação, e acrescido do IPI, do IOF,

do próprio II (Imposto de Importação) e das despesas aduaneiras.

(SABBAG, 2012, p. 1065)

No que compete a suas alíquotas, conforme previsão do art. 155 da Constituição

Federal, e Resolução do Senado Federal n°22/89, as alíquotas internas restam livremente

estipuladas pelos Estados membros desde que não inferiores ao mínimo estipulado pelo

Senado e não podendo ser inferiores as alíquotas interestaduais, que seguem o seguinte

critério: alíquota de 7% para as operações interestaduais que destinarem mercadorias ou

serviços a contribuintes dos Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste e para o

Espírito Santo; alíquotas de 12% para operações interestaduais que destinarem mercadorias ou

serviços a contribuintes dos Estados das regiões Sul e Sudeste;

Conforme demonstrado, a Constituição Federal destina uma importância especial

à temática das alíquotas, haja vista ser um potencial causador de conflitos entre os Estados

membros, estimulando assim a “Guerra Fiscal”.

Mister se faz ressaltar, que, em operações intraestaduais, a arrecadação do ICMS

compete ao Estado onde se realizou a operação; nos casos de importação, o ICMS será devido

ao Estado destinatário da mercadoria ou serviço, mesmo que o ingresso do produto se dê por

outro Estado; já no caso das operações interestaduais, o ICMS dependerá da atividade

exercida pelo destinatário/consumidor final da mercadoria, no caso de ser contribuinte ou não.

A doutrina de Sabbag apresenta a diferença nas operações interestaduais de forma

clara:

A - Art.155,§2°, VII, b, CF: se o destinatário da mercadoria não for

contribuinte, uma pessoa física, o imposto caberá integralmente ao Estado de

origem da operação, devendo ser calculado pela alíquota interna do Estado

de origem, (...) a quem cabe o valor total do imposto a ser recolhido.

B – Art.155,§2°, VII, a, e VIII, CF: se o destinatário da mercadoria for

contribuinte, um comerciante, produtor, industrial ou equiparado, o imposto

caberá aos Estados de origem e destino, incidindo duas vezes, da seguinte

forma:

1° Cobra-se o imposto no Estado de origem pela alíquota interestadual – a

recolha deve se dar na saída da mercadoria ou no início da prestação dos

serviços pelo estabelecimento de origem; e

2° Cobra-se o imposto no Estado de destino pela diferença entre a alíquota

interna (Estado de destino) e a alíquota interestadual – a recolha deve se dar

na entrada da mercadoria ou na utilização dos serviços pelo estabelecimento

destinatário. (SABBAG, 2012, p.1068)

Ainda sobre a temática, o esclarecimento de Sabbag (2012) aos casos onde o

destinatário da mercadoria em operação interestadual, embora contribuinte do imposto, não

seja consumidor final (comerciante, produtor, industrial ou equiparado). Nestes casos o

imposto caberá ao Estado de origem, sendo calculado pela alíquota interestadual, ao Estado de

destino, somente será devido o ICMS relativo à próxima operação, ou seja, revenda da

mercadoria.

Em suma, a exposição apresentada se limita a aprestar alguns aspectos

importantes sobre o ICMS, tendo em vista se tratar somente de uma breve introdução aos

contornos da “Guerra Fiscal” e ao pacto federativo.

3.1 O perfil jurídico do ICMS

Restaria impossível analisar o perfil jurídico do ICMS sem compreendermos sua

origem no antigo ICM, imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, de

competência dos Estados membros que veio como substituto do IVC, imposto sobre vendas e

consignações.

Segundo Costa (2004, p. 88), diferente do ICM e ICMS, o IVC era um imposto

cumulativo, ou seja, quanto maior fosse a quantidade de operações, maior seria o ônus

tributário. Sendo assim, seu reflexo incidiria sobre todo o ciclo de produção e

comercialização, criando situações de conflitos entre os Estados Membros.

O citado autor indica que com a emenda 18/1965, o IVC foi substituído pelo ICM,

imposto que veio com a proposta de corrigir os defeitos de seu antecessor, principalmente no

que se refere a não cumulatividade e seus efeitos sobre o valor acrescido, o que veio a ser sua

principal marca.

Os efeitos do ICM incidiam em toda cadeia econômica de circulação, desde a

produção até o consumo, e somente sobre o valor agregado de forma não cumulativa.

Entretanto, as experiências de tributos sobre valor agregado como o ICM e o

ICMS se deram em modelos de Estados unitários, assunto trabalhado de forma magistral na

doutrina de Costa:

Note-se que na França, sobre ser a principal precursora da tributação sobre o

valor agregado, enfatizava o aperfeiçoamento deste tributo numa perspectiva

de sua “neutralidade” ante seus efeitos econômicos na cadeia produtiva. A

problemática da centralização político jurídica ali não existia, haja vista ser

um Estado Unitário. (COSTA, 2004, p.91)

Neste contexto, ao ser atribuída competência Estadual ao ICM, seus reflexos no

federalismo foram inevitáveis, pois, seu perfil incide sobre toda a cadeia econômica de

circulação de mercadorias, de forma plurifásica, e não cumulativa, incidindo sobre o valor

agregado em cada fase.

Sendo assim, em que pese sua competência Estadual, seus efeitos não se limitam

ao Estado onde surgiu a obrigação tributária, mas, como incidem em toda cadeia econômica

de circulação de mercadorias, repercutem em toda esfera nacional.

Em suma, diferente da realidade Europeia onde se inspirou a criação do ICM, o

federalismo brasileiro adaptou um imposto de reflexos nacionais a uma competência Estadual,

atitude no mínimo desafiadora e de efeitos jurídicos inevitáveis, fato que complicou ainda

mais o federalismo brasileiro, e contribuiu para a “Guerra fiscal” entre os Estados Membros.

Cabe salientar, no que tange ao ICM, que, inobstante tratar-se de um imposto

estadual, houve uma grande preocupação com seus efeitos, criando-se uma uniformização da

política de isenções, que deveria ser disciplinada por Convênios entre os Estados, Ato

Complementar 34, de 30/01/67.

Segundo Costa (2004, p.89), a mencionada atitude se justificava pelo caráter

nacional do ICM e seu efeito em toda a federação, entretanto, não se fundamenta sob o

princípio federativo e o flagrante desrespeito à autonomia dos Estados membros, que se veem

limitados dentro de um imposto de sua competência.

Em que pese reconhecer a evolução do ICM se comparado ao IVC, seus efeitos

agravaram ainda mais a situação do problemático federalismo brasileiro. A estrutura do

principal imposto de competência dos Estados se mostrava incompatível com uma autonomia,

restando impossível garantir uma total autonomia dos Estados Membros no que se refere ao

ICM/ICMS sem trazer efeitos nefastos à economia e crescentes conflitos entre os entes

federativos Estaduais.

Sendo assim, o desenvolvimento democrático introduzido pela constituição de

1988, e a pressão descentralizadora dos Estados membros, não inovou ao transformar o ICM

em ICMS, apenas ampliou seu âmbito de competência para abranger a prestação de serviço de

transporte interestadual, intermunicipal e de comunicações (COSTA, 2004).

Portanto, a competência dos Estados se mostrou mitigada com o pretexto de

controlar os reflexos de um imposto de abrangência nacional, ao mesmo tempo, houve a

limitação de possibilidades de reformas a garantir a autonomia legislativa e financeira dos

Estados, ou seja, foi criado um sistema tributário complexo e desarmônico em seu conjunto.

De fato, os problemas inerentes ao ICMS não são exclusivos, mas característicos

de impostos que incidem economicamente sobre uma cadeia produtiva até o consumo, mais

especificamente, a problemática se encontra no IPI, ISS e no objeto do presente trabalho, o

ICMS. Os problemas que acompanharam a estrutura do ICM encontram-se presentes no

ICMS, problemas estes que comprometem a autonomia e real descentralização dos Estados

membros, haja vista a influência do ICMS na federação brasileira.

Em um contexto geral, o perfil jurídico do ICMS é uma cópia ampliada do ICM

com um aumento de competência material, a saber, a inclusão das prestações de serviço de

transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, além do acréscimo dos antigos

impostos da competência da União sobre energia elétrica, combustíveis e lubrificantes

líquidos, gasosos e minerais. Por tais razões, é possível definir o ICMS como um grupo de

seis impostos a que foi atribuído um tratamento uniforme de não cumulatividade e incidência

plurifásica dentro da competência dos Estados membros (COSTA, 2004).

Todavia, a tentativa de promover uma maior autonomia financeira aos entes

federativos estaduais através de uma descentralização de competência, não tem se mostrado

capaz de conviver com a necessidade de uniformidade inerente ao ICMS, ferindo assim o

pacto federativo.

Desta forma o ICMS ampliou as possibilidades de conflitos entre os Estados

membros no âmbito fiscal, e como solução a Constituição confiou à lei complementar e as

resoluções do Senado a função de estabilizar a situação de um imposto de perfil nacional e de

competência estadual, situação que será abordada adiante de forma mais detalhada.

Por tais razões, ao se analisar o ICMS e sua influência na “Guerra Fiscal”, existe

uma realidade da qual não se pode fugir, trata-se de um imposto tipicamente nacional cujos

efeitos econômicos ultrapassam as fronteiras dos Estados e atingem todo o território nacional.

Daí o caráter uniforme das normas limitadoras da competência dos Estados membros.

4 ASPECTOS DA “GUERRA FISCAL”

Em matéria tributária a Constituição de 1988 adotou uma postura rígida em seu

tratamento. No que se refere ao ICMS o exposto fica ainda mais visível, haja vista o ímpeto

do legislador constitucional em conter seus efeitos econômicos e jurídicos, demonstrando uma

delicada convivência do ICMS e do federalismo brasileiro.

Segundo entendimento defendido por Costa (2004), o perfil jurídico do ICMS já

nasceu hipertrofiado, apresentando uma grande limitação da competência tributária dos

Estados membros e do Distrito Federal. Para o autor, a ampla atribuição de funções conferida

pela Constituição à Lei Complementar demonstra a tentativa em conter os efeitos nacionais do

ICMS, adotando uma uniformização de seu perfil.

Assim, sobre a pretensão de uma uniformização jurídica do ICMS houve um

alargamento das atribuições da Constituição Federal e da Lei complementar, isso sem dizer

das Resoluções do Senado Federal. Desta forma, considerando que todos os principais

aspectos da norma de incidência do ICMS já foram definidos pela Constituição, pela Lei

Complementar ou pelas Resoluções do Senado no caso das alíquotas, o que restou ao

legislador Estadual no exercício de sua competência?

Portanto, a competência do principal imposto Estadual e responsável pela maior

parcela da arrecadação demonstra-se mitigada, contexto que vai de encontro aos defensores de

um federalismo fiscal. Desta forma o presente capítulo busca abordar alguns dos aspectos

causadores da “Guerra Fiscal” de um ponto de vista estritamente jurídico.

4.1 A Lei Complementar 87/96 e seu reflexo na “Guerra Fiscal”

Diante do contexto apresentado, não é possível deixar de comentaros reflexos da

organização da repartição de competência vertical entre a União e os Estados Membros, ponto

que permite o exercício da legislação federal de normas gerais, com função de traçar diretrizes

e bases a legislação estadual supletiva.

Portanto, no que se refere à tributação do ICMS, resta necessário mencionar o

reflexo da lei complementar, bem como sua participação no fenômeno da “Guerra Fiscal”.

Conforme exposto no art.146, III da Constituição Federal: “Cabe a lei

complementar: III estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (...)”. E

também no art. 24, I da Constituição Federal, prevê que cabe a união, aos Estados e ao

Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário.

Neste contexto, fica em evidência a força da União no Federalismo brasileiro,

pois, ainda que o Senado, representante dos Estados membros no Congresso, possa através de

resolução fixar base de cálculo e alíquota sobre o ICMS, bem como legislar por meio de

normas gerais complementares, exercitando controle permanente sobre o teor e o exercício

das normas gerais sobre ICMS, o legislativo dos Estados membros ficará sempre limitado em

sua competência, pois, jamais poderá ultrapassar os limites delineados na lei complementar.

Desta forma, a União poderá exercer um controle sobre a centralização legislativa

do ICMS, fato que demonstra o sacrifício da autonomia dos Estados Membros para garantir

uma praticidade do direito.

Em que pese o sacrifício da autonomia dos demais entes federativos em proveito

da União, existem vozes contrárias ao exposto. Nesse sentido, a visão de Coêlho (2014, p.

95): “A vantagem está na unificação do sistema tributário nacional, epifenômeno da

centralização legislativa”.

Por outro lado, com fundamento em fortes raízes federalistas, vislumbra-se que

por diversas vezes a legislação complementar sobre o ICMS cuida de temas que, longe de

constituírem normas gerais, delimitam a competência privativa e indelegável dos Estados

membros, contrariando a Carta Constitucional de 1988.

Segundo a obra de Baleeiro (2010, p.157) atualizado por Derzi: “a norma geral

não decreta tributo, nem lhe fixa alíquota. Isso cabe exclusivamente à lei ordinária da pessoa

de direito público competente para instituí-lo”. Neste sentido a Lei complementar não pode

criar limitações inexistentes no texto constitucional, sua atuação não pode restringir ou

ampliar a delimitação da Carta Magna. Em virtude destas considerações, a norma

complementar preocupa o pacto federativo quando suas diretrizes ultrapassam os limites da

generalidade, ou seja, invadem a competência dos Estados Membros para, sufocar,

amesquinhar, reduzir e anular o exercício do legislativo Estadual em matéria de ICMS,

reduzindo com isso a autonomia dos entes federativos Estaduais.

Portanto, os limites às normas gerais devem estar bem traçados, pois, à luz de um

federalismo fiscal, versam sobre matérias que, originariamente são de competência dos

Estados membros. Desta forma, as normas gerais devem encontrar seu limite na autonomia

dos entes federativos Estaduais, sob pena de impor um modelo centralizador e unitário.

É importante assinalar, segundo Coêlho (2014, p. 84), diante das limitações

impostas pelo texto constitucional e pela lei complementar, o ICMS é um imposto

hipertrofiado. Tendo em vista seu papel como principal imposto Estadual, o ICMS retrata

claramente a preocupação em conter a descentralização dos Estados Membros, tendo um

perfil uniformizado, onde o que não é delimitado pela Constituição é restringido pela lei

complementar.

Sendo assim, o que resta para o exercício da competência dos Estados membros?

A verdade é que a lei complementar tem um alargado campo de atuação no que se refere ao

ICMS, limitando sobremaneira a liberdade do legislador ordinário, que possui, pelo menos em

tese, a competência para legislar sobre o referido imposto.

Com muito mais propriedade se pode afirmar que todos os aspectos de incidência

tributária do ICMS que deveriam ser instituídos pelo legislador Estadual - que é quem possui

competência legislativa no campo do ICMS - já se encontram definidos pela lei

complementar, assim como pelas resoluções do Senado, assunto que será abordado no tópico

seguinte.

Portanto, não poderia ser outra a conclusão, o exercício da competência Estadual é

mínimo no que compete ao ICMS. Fica evidente que a margem de atuação do legislador

ordinário Estadual é reduzida pela Lei Complementar.

Assim, a Lei Complementar 87/96 é quem define o perfil jurídico do ICMS,

segundo Coêlho (2014, p. 86), a legislação estadual é uma mera reprodução da Lei

Complementar. Apesar de não ser objetivo de estudo analisar profundamente a Lei

Complementar 87/96, é inevitável deixar de mencionar que o legislador estadual fica obrigado

a praticamente manter o mesmo conteúdo da Lei Complementar, em um verdadeiro

desrespeito à autonomia dos Estados membros.

Em um Estado Federal deve haver isonomia entre os entes, surgindo assim uma

verdadeira descentralização. De forma alguma a norma geral em matéria de ICMS deve

substituir o exercício da competência legislativa estadual, até porque, a competência definida

pela Carta Magna é para definir normas gerais, portanto, a norma que atribui competência aos

Estados Membros para legislar sobre ICMS possui eficácia imediata, razão pela qual a União

não poderá, através de Lei Complementar legislar sobre tributo alheio à sua competência.

Nestes termos, mesmo que inexistisse Lei Complementar sobre a matéria,

conforme exposto no art.146, I, II, III, da Constituição, a competência dos Estados Membros

para legislar sobre ICMS não seria bloqueada, nos termos do art. 24 §3° e §4° da

Constituição.

Por conseguinte, a Lei Complementar ao ultrapassar os limites da generalidade e

invadir a competência dos Estados Membros, acaba por contribuir para o fenômeno da

“Guerra Fiscal”, haja vista o engessamento do legislador estadual no exercício da

competência de sua principal fonte arrecadadora.

4.2 As Resoluções do Senado

Dentro de um contexto limitador da descentralização do ICMS, a Constituição

Federal apresenta a função do Senado Federal para fixar as alíquotas interestaduais, bem

como a alíquota mínima interna não inferior as alíquotas interestaduais.

Nas palavras de Carrazza (2012, p. 99), alíquota pode ser definida como um

critério legal expresso em percentagem (%), ou seja, em conjunto a base de cálculo, permite

definir qual é o valor devido a título de tributo.

As alíquotas também estão submetidas ao princípio da legalidade, devendo ser

fixadas por lei, entretanto, no tocante ao ICMS, ocorre uma mitigação da competência dos

Estados, pois, em que pese à necessidade de fixação das alíquotas por meio de Lei Ordinária

Estadual ou Distrital, sua liberdade é limitada pelo Senado.

Conforme bem elucida Carrazza (2012, p. 100), é o Senado competente, por

iniciativa de um terço de seus membros, para através de resoluções, aprovadas pela maioria

absoluta de seus membros, fixar alíquotas mínimas de ICMS nas operações internas. Neste

sentido, o ilustre doutrinador afirma a impossibilidade de que os Estados e o Distrito Federal

incidam alíquotas abaixo do patamar mínimo fixado. No que compete às alíquotas máximas, o

autor deixa claro que a competência do Senado, agora por iniciativa da maioria absoluta e

aprovada por dois terços de seus membros, fixará as alíquotas máximas de ICMS para as

operações internas. Com isso, a medida tem o objetivo de neutralizar abusos dos entes

Estaduais e impedir a eficácia das Leis Estaduais que ultrapassem o teto fixado pelo Senado.

Neste contexto é preciso lembrar que as Resoluções do Senado não podem fixar as

alíquotas de ICMS, sob pena de violar a competência dos Estados e desrespeitar o princípio

federativo. A competência do Senado é para fixar a alíquota mínima e máxima, sendo assim,

sua resolução é reguladora, exercendo limitação constitucional ao poder de tributar dos

Estados e do Distrito Federal.

A fim de esclarecer o tema, Costa (2004, p.101), define que ao Estado só resta à

capacidade para aumentar a alíquota interna, e mesmo assim, nunca de forma plena, pois o

Senado detém o poder para fixar as alíquotas mínimas e máximas, além das alíquotas

interestaduais.

Sendo assim, já que a alíquota mínima em cada Estado não pode ser inferior a

interestadual, salvo por deliberação unânime do CONFAZ, conforme será abordado no

próximo item, as alíquotas internas convergiram para padrões idênticos, numa fragrante

violação da autonomia dos Estados.

Ainda sobre o papel do Senado, poderia surgir o argumento de que se trata dos

representantes dos Estados membros no Congresso Nacional, fato que defenderia a autonomia

dos Estados nas Resoluções do Senado. Entretanto, no que concerne ao ICMS, cada Estado

membro é dotado de competência privativa e individual sobre o imposto, ao passo que as

Resoluções do Senado são deliberações negociadas por todos os Senadores. Sendo assim, o

contexto demonstra a mitigação da competência privativa dos Estados membros em face da

necessidade de uniformização de um imposto tipicamente nacional, medida adotada a fim de

controlar os conflitos fiscais entre os entes federativos Estaduais e evitar a guerra fiscal.

Mesmo diante da mitigação da competência estadual, as resoluções do Senado

exercem um importante papel, haja vista o perfil tipicamente nacional do ICMS. Desta forma

exercem um papel de contenção dos efeitos do ICMS, impedindo que seus reflexos venham

desequilibrar toda economia nacional.

Mister se faz ressaltar, que as Resoluções do Senado estabelecem fortes limitações

a competência dos Estados membros, porém, são medidas cabíveis em detrimento do alcance

do ICMS, que longe de incidir efeitos apenas ao ente competente, alcança todos os entes

relacionados na cadeia, pois abarca operações interestaduais e de exportação, podendo refletir,

a depender do caso, em todo o Estado Nacional.

4.3 O papel dos convênios interestaduais relativos ao ICMS no Conselho Nacional de

Política Fazendária (CONFAZ) e a Lei Complementar 24/75

Conforme exposto no art. 155, XII, g, da Constituição Federal, cabe a Lei

Complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito

Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.

Antes de criar isenções em matéria de ICMS, cabe aos Estados e ao Distrito

Federal, firmarem acordos (convênios, pactos, contratos, ajustes, programas) por meio de seus

Executivos. O referido convênio e deliberado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária,

CONFAZ, formado por representantes de cada Estado membro e do Distrito Federal.

Entretanto, o CONFAZ deve ser visto com cautela, razão pela qual, se mostra

indispensável à advertência de Carraza:

Assentadas estas premissas, fica fácil proclamar que convênio não é lei, nem

CONFAZ órgão legislativo. Assim, os funcionários do Poder Executivo que

o integram não podem, a pretexto de dispor sobre isenções de ICMS,

“legislar” a respeito. É o poder legislativo de cada Estado e do Distrito

Federal – onde têm assento os representantes do povo local – que,

ratificando o convênio, as concederá. (CARRAZA, 2006, p. 220)

E com fundamento crítico adverte Coêlho:

É ver bem. O que cabe a lei complementar é regular o modo como (modus

faciendi) se processarão os convênios. Evidentemente, a lei complementar

não poderá deferir a um colegiado interestadual de funcionários públicos

poderes para dar e tirar tributação (isenção e reduções e suas revogações)

sem lei, contra o princípio da legalidade. Estes convênios não são invenção

do constituinte de 1988. A carta de 1967 os previa, numa outra redação

menos precisa, e a Lei Complementar n° 24 cumpria a função de regular os

convênios. O caso é que extrapolou e excedeu os limites processuais que lhe

tinham sido balizados e acabou por transformar estas assembleias de estados

em verdadeiras Assembleias Legislativas de Estados Membros, sem

legisladores eleitos, contra o espírito da Constituição. Inexplicavelmente, o

Judiciário tolerou o agravo. (COÊLHO, 2014, p. 182)

Neste contexto, cada Estado membro deve apresentar um representante indicado

pelo Chefe do Executivo, a fim de deliberarem em assembleia sobre as propostas de

convênios. Porém, conforme abordado por Carraza (2006), o CONFAZ não tem poder para

validar as propostas aprovadas em assembleia. Sendo assim, cada Estado deve levar o

conteúdo do convênio à sua respectiva Assembleia Legislativa, que no exercício de sua

competência deve ratificar os convênios pré-firmados pelo CONFAZ.

Neste exato sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no RE

630705 AgR/MT:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. ICMS. BENEFÍCIO FISCAL. AUSÊNCIA DE LEI

ESPECÍFICA INTERNALIZANDO O CONVÊNIO FIRMADO PELO

CONFAZ. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE RECONHECENDO A

IMPRESCINDIBILIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL PARA

DISPOR SOBRE A MATÉRIA. 1. As razões deduzidas pela agravante

equivocam-se quanto às razões de decidir do juízo monocrático. Não ficara

assentada naquela decisão a impossibilidade de o convênio autorizar a

manutenção dos créditos escriturais. O que se reconhecera fora a

impossibilidade de o benefício fiscal ser implementado à margem da

participação do Poder Legislativo. 2. Os convênios são autorizações para que

o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no

ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do

Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter

hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte

originário. 3. Agravo regimental não provido. (BRASIL, Supremo Tribunal

Federal. AgRg no RE 630.705/MT-STF. Primeira Turma. Relator. Min. Dias

Toffoli. 2012).

Embora a necessidade de ratificação pela Assembleia Legislativa seja clara, à luz

da Carta Magna de 1988 e do Princípio da Legalidade da tributação, a Lei Complementar

24/75 que delibera sobre a concessão de isenções em matéria de ICMS firmada por meio de

convênio entre os Estados, apresenta, em seus artigos 1° e 4° descrições completamente

contrárias ao comando constitucional.

Conforme observado, o exposto na Lei Complementar é contrário à Constituição,

visto que o convênio só pode ser ratificado pelo legislativo estadual, e não por decreto do

executivo, como exposto no art.4° da Lei Complementar 24/75. Pensar de outra forma seria o

mesmo que admitir a possibilidade de um Poder praticar um ato e ele mesmo homologá-lo,

contrariando de forma clara o princípio da repartição dos poderes.

Partilhando da mesma posição Carraza indica que:

A lei complementar a que se refere o supracitado artigo não pode alterar os

princípios básicos do direito tributário brasileiro, como, por exemplo, o da

independência e harmonia dos poderes. É o que fez, segundo nosso modo de

ver, a mencionada Lei Complementar 24/1975 ao usurpar, em seu art.4°,

prerrogativas do Poder Legislativo. Deve, sim, limitar-se a estabelecer os

mecanismos jurídicos (as formas) que hão de facilitar a celebração dos

convênios interestaduais e entre os Estados membros e o Distrito Federal.

(CARRAZZA, 2006, p. 224)

Sob um olhar mais aprofundado sobre os convênios, conforme lição de Coêlho

(2014, p. 183), trata-se de ato formalmente administrativo, pois emana de assembleia formada

por representantes do executivo estadual, e materialmente legislativo, pois tem conteúdo e

preceito normativo sobre tributo, fato que, de acordo com o Princípio da Legalidade, exige lei

em sentido formal, ou seja, proveniente de órgão legislativo. Desta forma a ratificação pelo

legislativo estadual do convênio aprovado pelo CONFAZ tem a finalidade de conferir a este,

força de lei.

Na brilhante visão de Coêlho (2014, p.182), a Lei Complementar n°24 ao atribuir

competência ao próprio Executivo para ratificar as decisões do CONFAZ, demonstra uma

fraude a Constituição, traindo seu espírito e negando os princípios da legalidade e da

separação dos poderes.

Portanto, à luz da Carta Constitucional de 1988, a República, a Federação, bem

como o princípio da repartição dos poderes e da legalidade, são supra ordenados, não havendo

possibilidade, inclusive, de serem objetos de emenda. Em virtude destas considerações, os

mencionados princípios definem a organização constitucional do Estado brasileiro. Desta

feita, os convênios devem ser interpretados em atenção ao comando constitucional, sob pena

de inconstitucionalidade.

Firmado no princípio da legalidade tributária, a competência dos convênios, como

mero acordo entre os Estados membros, não pode criar isenções de ICMS. Devendo ser

ratificados pelas Assembleias Legislativas, bem como pela Câmara Legislativa no caso do

Distrito Federal.

Cabe ainda observar, que a revogação de isenção em matéria de ICMS não ocorre

por meio de Lei Ordinária, mas pelo decreto legislativo que ratifica o convênio entre os

Estados. Desta forma, os convênios que revogam isenções só passam a ter validade após

aprovados legislativamente por meio do decreto que ratifica o convênio. Apresentando-se

assim como uma tentativa de conter os efeitos jurídicos do ICMS, e evitar a guerra fiscal entre

os Estados membros.

Em que pese o exposto, na prática ocorrem isenções de ICMS concedidas por Lei

Ordinária e em muitos casos, por decreto do executivo, de forma autônoma e sem qualquer

deliberação pelo CONFAZ, razão pela qual podem ser contestadas perante o Supremo

Tribunal Federal.

Logo, o convênio entre os Estados Membros não cria nem tira direitos a nenhuma

Fazenda ou contribuinte, sendo apenas um pressuposto para o exercício eficaz da competência

exonerativa tributária do legislativo estadual. Assim, cabe ao executivo a celebração do

convênio e ao legislativo estadual a posterior ratificação.

4.3.1 O convênio entre os Estados membros em face do perfil jurídico do ICMS

Conforme apresentado anteriormente, o ICMS apresenta um perfil jurídico de

imposto tipicamente nacional, difundindo seus efeitos por toda a federação.

Em face da complexidade do imposto, que conforme foi apresentado, não é

adequado para países organizados federativamente, surge a seguinte questão: como os Estados

membros podem exercer sua competência exonerativa em relação ao ICMS e ao mesmo

tempo não colocar em risco a unidade econômica da federação?

Pelo que foi constatado até o momento, os convênios entre os estados são uma

resposta para a indagação anterior. Entretanto, ainda é visto por uma parcela significativa da

doutrina, como uma forma de limitação da competência dos Estados membros em matéria

exonerativa, e entre os que defendem esta posição, a doutrina de Coêlho (2014).

Sobre o tema, Oliveira apresenta as seguintes considerações:

A luta, pois, pela captação de recursos privados, a concessão de incentivos, a

prática de renúncia fiscal, é perfeitamente amoldável no sistema federativo.

O que não se pode permitir, e para isso o Estado federal tem que impor

limites, é o destino sempre indesejado de todos os recursos apenas para uma

das unidades federadas. Logo, importante que se criem regras, até para

permitir o desenvolvimento regional. No entanto, imprescindível o pacto

federativo que deve orientar ou reorientar incentivos, fixando restrições,

amoldando interesses, evitando desgastes que possa redundar em secessão.

(OLIVEIRA, 2013, p. 51)

O exercício da competência exonerativa de um Estado pode refletir em vários

estados federados, com isso, estando o ICMS organizado na forma atual é impossível

conviver uma plena competência em matéria de ICMS sem sacrificar outros entes federativos.

Por isso, muito mais do que em outros tributos, existem limitações uniformizantes sobre o

ICMS com o objetivo de conter seus efeitos.

Enfim, é indiscutível que o papel desempenhado pelo CONFAZ apresente

limitação à competência exonerativa dos Estados Membros em matéria de ICMS. Porém, as

necessidades de desenvolvimento dos estados podem acarretar uma utilização sem limites,

interferindo economicamente em outros entes, ocorrendo assim à denominada “guerra fiscal”

entre os estados envolvidos.

Diante deste fator, os convênios entre os estados surgem como uma forma de

obter consenso entre os estados, através de um congresso entre iguais, numa verdadeira

atuação colegiada e sem que ocorra qualquer interferência da União. E lembrando mais uma

vez, trata-se de um ato preparatório, visto ser indispensável sua posterior ratificação pelo

legislativo estadual.

Observa-se, assim, a grande dificuldade de se estabelecer parâmetros para

enfrentar a guerra fiscal entre os Entes Federados. Porém, qualquer proposta de intervenção

deve observar o respeito aos fundamentos do pacto federativo, logo, difícil é criar

mecanismos de correção das distorções praticadas pelos Estados, sem ferir a autonomia dos

mesmos.

Na segunda parte do presente artigo, a ser publicada na próxima edição da Revista

Eletrônica do Instituto Metodista Granbery, serão aprofundados os fundamentos da discussão

relativa à guerra fiscal, à influência do mecanismo misto de titularidade de receitas na guerra

fiscal, seu ônus ao contribuinte e as propostas de solução da guerra fiscal e a preservação do

pacto federativo.

7 CONCLUSÃO

Diante da proposta do presente artigo, que se limita a um pequeno recorte dentro

do extenso e complexo tema da guerra fiscal, foi verificado que as causas da guerra fiscal do

ICMS apresentam raízes profundas.

Neste sentido, os problemas surgem desde o processo de formação do federalismo

brasileiro, inspirado no modelo centralizador português que construiu uma União

extremamente fortalecida em detrimento dos demais entes federativos, os quais, em que pese

à autonomia teórica, estão ligados por uma dependência econômica surgida pela insuficiência

de recursos.

A fim de demonstrar o amadurecimento do federalismo brasileiro no que tange a

autonomia dos Estados membros, foi apresentada a evolução do principal imposto Estadual,

partindo do IVC, ICM e o atual ICMS.

Conforme foi demonstrado, uma grande parte dos problemas relativos à guerra

fiscal se encontra no ICMS, que devido a seu perfil jurídico, se mostra inadequado a uma

competência Estadual, haja vista que seus efeitos não se limitam ao ente competente. Trata-se

de um imposto que incide sobre o consumo, assim, estende seus efeitos por toda a cadeia

produtiva até alcançar o consumidor final.

Neste contexto seus efeitos causam desequilíbrio entre regiões e Estados,

contrariando um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, garantir o

desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Como forma de conter seus efeitos, a Carta Constitucional de 1988 instituiu uma

série de limitações à autonomia dos Estados membros, atribuindo a Lei Complementar e ao

Senado uma grande parcela neste poder limitador. Assim, a competência dos Estados e do

Distrito Federal se mostrou retalhada pelas medidas limitadoras dos efeitos do ICMS.

A fim de resolver o problema surge uma série de propostas de reformas,

entretanto, a questão é polêmica e deve ser observada com demasiada atenção. Não se

podendo a pretexto de atribuir maior autonomia aos Estados membros destruir a economia

nacional, massacrando mercados e formando verdadeiros oligopólios de grandes empresas

privilegiadas e de alguns Estados beneficiados.

As medidas destinadas a conter os avanços da guerra fiscal devem garantir uma

maior autonomia dos Estados membros sem ferir o pacto federativo. Portanto, a segunda parte

deste artigo apresentará algumas reformas pontuais necessárias, abordando questões cruciais

ao federalismo fiscal, como as alíquotas interestaduais, o princípio do destino, o modelo do

IVA, além das propostas de unificação da legislação.

Enfim, fica o leitor convidado a verificar algumas das medidas propostas para a

solução da guerra fiscal na segunda parte do estudo, medidas estas que objetivam preservar a

federação e superar os problemas encontrados no ICMS.

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