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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery
http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377
Curso de Direito - N. 17, JUL/DEZ 2014
COMO ENFRENTAR A GUERRA FISCAL EM MATÉRIA DE ICMS SEM FERIR O
PACTO FEDERATIVO? (PARTE 1)
Eduardo Rafael de Mello Souza1;
Ana Lúcia Damascena2
RESUMO
Em face das peculiaridades do Estado Federal, vislumbra-se a presença de Estados membros
em uma constante busca por recursos que serão destinados a saciar sua necessidade de
desenvolvimento e garantir o cumprimento de suas obrigações constitucionalmente
estabelecidas. Entretanto, enquanto ocorre o aumento das atribuições conferidas aos entes
Estaduais, demonstra-se contraditoriamente à insuficiência de recursos. Situação que faz
surgir à luta dos Estados membros pela captação de recursos próprios através da concessão de
incentivos fiscais para o ICMS. Por se darem as referidas concessões, muitas vezes, sem a
devida celebração de convênio entre os demais Estados, acabam surgindo conflitos
denominados de “Guerra Fiscal”, haja vista, que, o Estado receptor acaba suportando o
crédito concedido e não recolhido no Estado de origem. Diante do exposto, o presente artigo
pretende enfrentar os problemas da guerra fiscal sob uma análise jurídica da situação,
buscando encontrar alternativas que venham garantir a autonomia dos Estados membros e do
Distrito Federal em matéria de ICMS, sem ferir o pacto federativo.
Palavras – Chave: Guerra Fiscal. ICMS. Estados membros. Pacto Federativo.
ABSTRACT
1Bacharel em Direito pelo Instituto Metodista Granbery (2015).
2 Bacharela em Direito pelo Instituto Metodista Granbery (2010) e Mestre em Políticas Sociais e Gestão Pública
pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFJF (2013), professora das disciplinas de Direito
Administrativo, Financeiro e Tributário do Instituto Metodista Granbery.
Given the peculiarities of the Federal State, the presence of member States becomes
noticeable, in constant search for resources to be allocated to satisfy the need for development
and to ensure compliance with its constitutionally established obligations. However, while
there is increase of powers conferred to State entities, a contradiction to insufficiency of
resources is shown. This situation raises a fight amongst the member States for equity through
the tax incentives for ICMS (or Tax on Circulation of Goods and Services). Because these
concessions are given, often times, without proper agreement between the other States, certain
conflicts arise, usually referred to as “Fiscal Wars”, considering that the State that receives the
product ends up paying taxes that were not collected in the State of origin. Therefore, this
research aims to address the problems of tax competition in a legal analysis of the situation,
trying to find alternatives that will ensure the autonomy of member States and the Federal
District in respect of ICMS, without hurting the federal pact.
Keywords: Fiscal Wars. ICMS. Member States. Federal Pact.
1 INTRODUÇÃO
Alvo de críticas, a guerra fiscal levanta argumentos que demonstram sua
nocividade ao desenvolvimento nacional. Como forma de vencer a competição, alguns
Estados concedem benefícios inviáveis, que, longe de resolver o problema, agravam ainda
mais a situação, estimulando uma competição desleal entre os entes federados.
Há de se verificar, que, quando um Estado concede incentivos fiscais para o ICMS
sem prévia e necessária celebração de convênio entre os demais Estados e o Distrito Federal,
bem como, sem lei complementar que discipline inteiramente a matéria, conforme determina
a Constituição, o Estado receptor acaba suportando o crédito concedido e não recolhido no
Estado de origem em virtude do incentivo por ele outorgado. Desta forma, acaba por não
auferir nenhum benefício em termos de arrecadação.
Neste sentido, em virtude das considerações expostas e de sua não
cumulatividade, o ICMS repercute seus efeitos em todo território nacional. Com isso, a
concessão de incentivos tributários desarrazoados se torna uma verdadeira arma no contexto
da guerra fiscal.
Cumpre examinar que cada Estado membro busca alternativas para cumprir suas
prioridades e necessidades, haja vista a constante condição de insuficiência de recursos,
situação que por muitas vezes tem levado a decisões que acarretam violações de preceitos
constitucionais.
Entretanto, o tema é mais complexo do que parece, e não pode ser analisado a
priori, já que esbarra em questões ligadas à própria organização do Estado Nacional, ou seja,
o Princípio Federativo. Portanto, ao se buscar uma resposta para a guerra fiscal, não se pode
deixar de analisar o federalismo fiscal.
Convém notar que ao serem partilhadas as competências entre os entes
federativos, devem ser assegurados recursos suficientes para cumprirem com suas obrigações,
bem como, alcançar os objetivos traçados constitucionalmente.
Por outro lado, o que se observa é uma concentração de recursos na União, e uma
constante mutilação dos Estados membros em face da restrição de receitas. Assim, ainda que
tenham autonomia para gerenciar, lhes faltam recursos suficientes, situação que acarreta a
busca por meios necessários a garantir o cumprimento das atribuições constitucionalmente
estabelecidas.
Por tais razões, o presente artigo tem como objetivo enfrentar a guerra fiscal em
matéria de ICMS com o grande desafio de buscar alternativas que não venham a ferir o pacto
Federativo. Assim, visa responder aos seguintes questionamentos: como garantir aos Estados
membros autonomia em matéria de ICMS sem ferir o pacto federativo? Como evitar a
“Guerra Fiscal” sem afrontar o espírito descentralizador, bem como a harmonia federativa
instituída pela Constituição de 1988?
A fim de alcançar respostas para os problemas formulados, o trabalho buscou
aprofundar no instigante tema do federalismo fiscal e compreender as causas da “guerra
fiscal”, analisando o modelo federalista brasileiro, suas influências, características e reflexos
no atual modelo de repartição de competência tributária, e especificamente, no campo do
ICMS.
A partir destas informações, buscou-se traçar o perfil jurídico do ICMS e,
sobretudo, sua capacidade de garantir a autonomia financeira dos Estados membros em
harmonia ao pacto federativo.
Para alcançar o resultado esperado, foi analisada a doutrina de grandes
especialistas na área, de modo a construir uma pesquisa solidificada em grandes alicerces.
Essa estrutura foi fundamental para traçar os contornos do federalismo fiscal brasileiro, sua
raiz histórica e principalmente, suas diferenças em comparação a outros modelos.
Diante de tais informações, o perfil jurídico do ICMS foi analisado tecnicamente,
a fim de verificar se sua estrutura é capaz de conviver harmonicamente em um Estado
Federal.
Ao alcançar este ponto, o leitor encontrará as origens dos conflitos fiscais entre os
Estados membros, bem como os principais aspectos causadores da “guerra fiscal”.
Em uma segunda parte a ser publicada oportunamente, passa-se a análise da
guerra fiscal, a partir da leitura crítica dos doutrinários de direito sobre o tema, apresentando-
se algumas das propostas de solução da “guerra fiscal” e preservação do pacto federativo, a
fim de verificar se as possíveis reformas seriam capazes de garantir a autonomia fiscal dos
Estados membros sem desrespeitar a forma federativa do Estado brasileiro.
Em suma, longe da pretensão de esgotar o tema, que, diga-se de passagem, é
riquíssimo em discussões, a pesquisa buscou verificar os conflitos entre as unidades
federativas, apresentando algumas das possíveis soluções propostas por pesquisadores da
área, além de assinalar se as mesmas encontram-se em consonância com o pacto federativo e
a autonomia dos Estados membros.
2 O SURGIMENTO DO ESTADO FEDERAL
Antes de adentrar na análise do federalismo fiscal brasileiro, é importante
apresentarmos considerações de ordem histórica sobre o modelo de federalismo norte-
americano, que conforme a professora Almeida (2007, p.3), ressalta, “[...] corresponde a uma
criação dos convencionais de Filadélfia, reunidos em 1787.”, como protótipo desse formato de
organização estatal.
O modelo federativo tem sua origem nas 13 colônias inglesas da América do
Norte, que submetidas a pesados impostos, proclamaram sua independência em 1776,
reunindo-se em uma confederação, passando posteriormente a federação.
Segundo lição de Oliveira:
A pressão sobre as 13 colônias decorreu da guerra franco-inglesa pela posse
do território do que é hoje o Canadá. Tendo perdido a guerra, os ingleses
voltaram-se sobre suas colônias, exigindo mais recursos. Daí a declaração de
independência e, posteriormente, a Constituição, discutida e aprovada na
Filadélfia em 1787, com dezesseis (16) artigos. (OLIVEIRA, 2013, p.39)
Conforme lição de Almeida (2007), naquele contexto, o surgimento do Estado
Federal se mostrava uma organização política verdadeiramente nova, que visava solucionar os
problemas enfrentados pela forma confederativa de Estado.
O modelo de Estado Federativo foi implantado logo após a ineficácia do Estado
confederado, que demonstrou problemas de ordem externa e interna, além de uma inegável e
constante fragilidade em sua organização. Isto devido à preservação da soberania de cada
Estado, situação que oferecia o risco de que a qualquer momento, um dos integrantes pudesse
romper seu vínculo.
Desta forma, conclui-se inegavelmente que, para preservar a União, esta forma de
organização do Estado deveria ser revista, a fim de que suas falhas fossem corrigidas. Sendo
assim, em busca de tal objeto, chegou-se a um modelo totalmente original , ou seja, o Estado
Federado.
É bem verdade, que, ao optarem pela forma federativa, os Estados independentes
da Confederação Americana abriram mão de sua soberania, qualidade que passa a ser
exclusiva do Estado Federado, representado no plano internacional pela União. Aos Estados,
agora denominados Estados membros, verifica-se a autonomia, isto dentro de um círculo de
competências traçado pelo poder soberano.
O Estado Federal norte-americano formou-se por agregação, ou seja, decorrente
da reunião de estados preexistentes, e isto por meio de uma força centrípeta, impulsionando os
Estados independentes da periferia para o centro, formando assim, um novo e único Estado
(ALMEIDA, 2007).
Conforme mencionado, o aspecto fundamental da federação é a autonomia dos
Estados membros dentro de um círculo de competência. Assim, sem prejuízo das demais
competências, dentre elas a administrativa e legislativa, o presente trabalho se limitará a
apresentar a autonomia financeira.
Portanto, dentro do esquema federativo, cada ente deve receber discriminação
Constitucional de receitas próprias, pois, é justamente a existência de renda suficiente que
garantirá o cumprimento das necessidades fundamentais da população.
A questão da autonomia financeira é indiscutivelmente importante, haja vista, que,
a insuficiência de recursos acarretará a ineficiência do Estado em garantir o cumprimento de
seus deveres, levando-o a busca de recursos em outras fontes, o que leva ao ciclo da
dependência financeira e consequentemente política.
2.1 A raiz histórica da matriz brasileira
A federação brasileira, segundo definição de Oliveira (2013), possui natureza
centrífuga, sendo formada pela descentralização política de um Estado unitário, razão pela
qual, não guarda as mesmas características da matriz Norte-Americana, o que torna o modelo
brasileiro um federalismo mal estruturado, apresentando um grande desequilíbrio da União
em face do fortalecimento de alguns poucos Estados que acabaram dominando a vida política
do País.
O ponto é abordado de forma clara na lição de Oliveira (2013, p.45), “Em
verdade, parece-nos que não temos um Estado Federal, em sua essência, pois, este se
constituiria no exercício de poderes intangíveis. Temos um Estado unitário descentralizado.”.
Não há como analisar o federalismo brasileiro sem observar alguns detalhes
históricos, que, inegavelmente, exerceram forte influência para a formação do modelo
federativo atual, haja vista, as peculiaridades que distinguem a formação do Estado Federal
Brasileiro.
Neste contexto histórico, Costa (2004, p. 31) apresenta importante informação.
Para o referido autor a estrutura de organização no período colonial se caracterizava através
de uma divisão territorial em núcleos de povoamento, concedidas por Portugal através de
capitanias hereditárias, não havendo entre estas, nenhum vínculo de interesses, e estando
subordinadas diretamente a Portugal. Assim, segundo o autor, conviviam na colonização
brasileira duas situações antagônicas: de um lado Portugal, adotando uma centralização do
poder político e jurídico das colônias; do outro a descentralização administrativa, com base
nas capitanias, dispersando o poder e criando interesses regionais.
Devido as suas dimensões continentais e ao modelo português, focado em um
Estado centralizado e na dispersão administrativa das capitanias hereditárias, o poder foi aos
poucos se pulverizando, demonstrando interesses regionais e locais completamente diferentes.
Sendo assim, é importante observar, que, diferente do federalismo americano,
onde os Estados se uniram em uma federação com objetivos comuns, caracterizando a união
de vários Estados soberanos, no Brasil, a federação decorreu da descentralização do poder em
vários Estados autônomos.
Nesta situação, deslumbrou-se o Estado Federal Brasileiro, carecedor de um
amadurecimento federativo, agravado pelas diferenças dos, agora, Estados autônomos. Assim,
houve um isolamento dos Estados membros, acompanhado de uma União que não
harmonizou a federação, fato que inegavelmente abriu espaço para o “coronelismo”, figura
marcante e até hoje presente em nossa história social e política (COSTA, 2004).
Para compreendermos melhor o mecanismo da guerra fiscal, que é o objetivo
principal do trabalho, resta indispensável aprofundarmos nos conceitos e raízes do
federalismo, como bem elucida Almeida (2007, p.11), os Estados membros devem desfrutar
de uma verdadeira autodeterminação dentro de seu círculo de competências, devendo ser o
ente federativo capaz de auto-organização; autogoverno; autolegislação e autoadministração.
Não havendo para as mencionadas atribuições, qualquer vínculo hierárquico dos poderes
Estaduais aos poderes da União.
Desta feita, a formação do federalismo brasileiro se deu de forma completamente
diferente da matriz norte americana, sofrendo forte influência do modelo centralizador
português. Razão pela qual, guarda características próprias, estando ainda hoje em constante
movimento, em um processo dinâmico de transformação e adaptação.
Assim, torna-se extremamente difícil a tarefa de conceituar o Estado Federal. Não
contrariando este entendimento, o Estado Federal Brasileiro surge de forma peculiar,
apresentando suas próprias características, como resultado de seu processo histórico de
formação.
Portanto, para compreendermos os contornos do federalismo, e seus reflexos na
denominada “guerra fiscal”, torna-se indispensável levarmos em consideração as
peculiaridades do processo de formação do Estado Federal Brasileiro.
2.2 A distribuição de competências tributárias no Brasil a partir de nosso modelo de
federalismo fiscal
Uma das características fundamentais do federalismo é atribuir competência e
deveres aos entes federados, com isso, para que o Estado membro possa cumprir com suas
atribuições é indispensável à existência de autonomia financeira.
Desta forma, adverte Dallari (1986, p. 20), que quando não ocorre equilíbrio entre
encargos financeiros e renda, surgem duas situações; ou a administração não consegue agir
eficientemente e as necessidades da população não são atendidas, ou são atendidas de forma
deficiente. Neste contexto, surge à necessidade de buscar recursos em outras fontes, fato que
acaba criando uma dependência financeira e política.
Ao analisar a matriz Norte-Americana, verifica-se que um dos pontos deficientes
do Estado Confederado foi a dificuldade de angariar recursos necessários à manutenção de
suas necessidades. Ponto amplamente censurado pela doutrina federalista.
Portanto, um dos objetivos dos idealizadores do federalismo foi suprir essa
necessidade, proporcionando aos entes federados, fontes de receitas próprias, e acima de tudo,
suficientes a manter sua autonomia ao desempenhar suas competências.
No contexto tributário brasileiro, a fim de proporcionar a autonomia financeira
dos Estados membros, foram desenvolvidas formas de arrecadação de receitas tributárias
como principal fonte de obtenção de recursos necessários ao cumprimento das obrigações dos
entes da federação, União, Estados membros, Distrito Federal e municípios.
Assim, o sistema de partilha de receitas entre os entes federados no Brasil se dá de
duas formas: partilha na fonte, que ocorre com a distribuição de competências tributárias; e
partilha no produto em que a União e os Estados partilham alguns valores arrecadados a partir
de sua competência tributária com os entes menores. (OLIVEIRA, 2013, p.48)
Como instrumento definidor desta competência tributária se encontra a
Constituição Federal, que apresenta em seu texto a competência legislativa e a capacidade
tributária de cada ente. Nestes termos, os artigos 153 a 156 da CF, entregam à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, parcelas do poder de tributar, relativamente aos
impostos.
Cumpre observar que o texto Constitucional em seu art. 155, delimita os impostos
de competência dos Estados e do Distrito Federal, a saber: ITCD, ICMS, IPVA. Como
somente por meio da partilha na fonte não é possível a autonomia financeira dos entes
federados, frente ao acúmulo de competências tributárias nas mãos da União, a partilha no
produto da arrecadação se dá por meio da distribuição dos recursos arrecadados com a
tributação. Assim, os entes maiores (União e Estados) repassam aos entes menores (Estados e
Municípios) parcela do que arrecadaram ao exercerem sua competência tributária, a partir de
critérios que tentam beneficiar com um repasse maior aos entes que economicamente mais
necessitam, a fim de concretizar um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: art. 3º, III, CF/88 – “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais”, (OLIVEIRA, 2013).
O Estado Brasileiro é um Estado Federal, com isso, os Estados membros
conservam sua autonomia no plano interno, não havendo qualquer hierarquia entre a União,
os Estados membros e os municípios. E para que ocorra um relacionamento harmônico entre
os entes federativos, indispensável é a repartição de competências, peça fundamental para
evitar conflitos e riscos à parceria federativa.
Em esclarecimento sobre o tema Oliveira (2013, p.48) apresenta suas
considerações. Segundo o autor, cada unidade federativa deve possuir recursos próprios
através de suas atividades tributárias, e por outro lado deve receber de forma racional a
transferência de recursos das unidades maiores, a fim de cumprir com suas atribuições.
Para que haja uma verdadeira autonomia entre os Estados, a competência
tributária deve garantir suas necessidades, de forma real e concreta. Em sua análise do pacto,
Oliveira (2013, p.50) indica como o pacto fiscal está torto, ocorrendo um grande desequilíbrio
em favor da União. Para o autor, os recursos destinados a União devem ser os necessários a
atender as finalidades da segurança externa do país, representação diplomática, Justiça
Federal, manutenção da estrutura burocrática dos Ministérios e da administração direta,
recursos para pagamento de seus servidores e manutenção de equipamentos e prédios.
Devendo o restante, ser repassado aos Estados e Municípios. Em sua visão, caso as fontes de
recursos dos Estados membros fossem maiores, não haveria a necessidade da assunção de
suas dívidas pela União, nem o repasse anual de fundos perdidos.
Assim, da insuficiência de recursos surge à luta dos Estados membros pela
captação de recursos privados, utilizando concessão de incentivos e renúncia fiscal. Neste
ponto, surge o embate entre os entes Estaduais, que sob o aspecto jurídico levanta importante
discussão.
Não há como negarmos que dentro de um Estado Federal os entes queiram
progredir, quanto mais em uma realidade histórica, que, conforme mencionado, surge com
interesses regionais completamente diferentes, apresentando Estados membros supostamente
autônomos, mas, que na realidade são limitados, haja vista a maior parte dos recursos ser
direcionada para a União.
2.3 Uma análise sobre o modelo federalista brasileiro
Antes de iniciar uma análise sobre o federalismo brasileiro, a fim de compreender
se existe ou não um real federalismo fiscal no Brasil, é necessário encontrar um ponto chave
para federalismo fiscal, pois, a finança é a parte vital de qualquer Estado, sem a qual, ficará
impossibilitado de exercer suas funções mais essenciais.
Nestes termos, a autonomia financeira, aqui compreendida pela regular
capacidade de adquirir receitas próprias através da arrecadação de impostos de sua
competência, deve ser suficiente para a manutenção do Estado membro no cumprimento de
todas as suas obrigações constitucionalmente estabelecidas, sendo um ingrediente vital para
sua autonomia.
Caso a capacidade de arrecadação dos Estados membros não seja suficiente, um
de dois males ocorrerá: ou o Estado se sujeitará a dependência econômica e
consequentemente política de outro ente federativo, ou ficará atrofiado na sua capacidade de
atender às necessidades públicas. Em face deste dilema fiscal surge a saída equivocada que
fere o federalismo, que é a competição entre os Estados pela busca de recursos por meios
próprios.
Diante do exposto chegamos a um ponto chave: ou ente federativo terá recursos
suficientes para garantir sua autonomia financeira, ou deverá receber tais recursos por repasse
de outro ente. Neste contexto se faz necessário analisar outros modelos a fim de compreender
se o exposto é possível dentro de um modelo federativo.
Quando falamos em Estado Federal não podemos ter em mente um modelo
previamente definido, haja vista as particularidades que envolvem o federalismo, que
conforme será demonstrado, se mostra adaptável a diferentes realidades. Logo, os conceitos
de centralização e descentralização não são absolutos. Em certas circunstâncias, a simetria
excessiva levaria o Estado Federal a desfazer-se em unitário, bem como, a excessiva
dissimetria iria desfazer o Estado Federal em uma pluralidade de Estados Soberanos.
O processo de descentralização fiscal apresenta características próprias em
diferentes regimes federativos, onde a forma de repartição de competência tributária define o
nível de federalismo adotado. Segundo definição do Economista Fernando Rezende (2006, p.
28), a forma de descentralização fiscal pode apresentar características próprias em
determinadas federações. Sendo assim, em determinados sistemas pode ocorrer uma
descentralização tributária com inegável preponderância de competência concentrada na
União, isto com o objetivo de atribuir a esfera mais alta de governo uma função
estabilizadora, tanto por políticas monetárias como por recursos à tributação.
O referido autor, ao nos convidar a uma análise comparada das diversidades em
matéria de federalismo fiscal, indica um modelo federalista que tem sua aplicação em
federações com grandes diferenças de renda entre suas unidades federadas. A medida se
justifica sob o seguinte argumento: se a maior parcela de receitas for administrada e
arrecadada pelos Estados membros, o Governo Federal ficará sem mecanismos para promover
a equalização entre as unidades, haja vista o enfraquecimento de suas bases tributárias. Com
isso, o Governo Federal teria menos instrumentos para aplicar sua política fiscal. Um exemplo
deste modelo federativo é EUA, que apresenta alguns Estados com renda per capita muito
inferior aos outros.
Entretanto, alerta Rezende (2006), que o exemplo acima não pode ser adotado
como um dogma a ser seguido por outras federações, pois a forma pela qual é organizada a
estrutura de um governo é o resultado complexo e decorrente de um processo histórico e
cultural. Portanto, políticas adotadas em determinada Federação podem não funcionar em
outras.
Outro exemplo apresentado na pesquisa de Rezende (2006) é a Alemanha, que em
virtude de seu contexto histórico de separação e posterior reunificação dos entes federados,
apresenta os Estados da antiga Alemanha Oriental em posição de inferioridade aos demais,
entretanto, seu sistema federativo não se assemelha ao implantado nos EUA. Por lá se instalou
o denominado federalismo cooperativo, apresentando uma série de medidas destinadas a
incrementar a posição fiscal dos Estados mais pobres.
Rezende (2006) indica que, ainda que a Alemanha apresente Estados com renda
per capita substancialmente desiguais, os Estados alemães são dotados de grande parcela de
autonomia, tendo acesso a quase todas as bases tributáveis. Desta forma, ao invés de uma
equalização vertical implantada pela União, vigora uma equalização horizontal, com uma
distribuição de receitas dos Estados mais ricos para os mais pobres.
A fim de demonstrar ainda mais a diferença entre os modelos federativos, o citado
autor aponta como exemplo a Suíça, outra federação completamente diferente, distribuída em
25 cantões dotados de elevada autonomia, onde cada qual estabelece legislação tributária
própria, inclusive sobre imposto de renda, não havendo neste modelo qualquer possibilidade
de socorro por parte do Governo Federal.
Ao analisar a Federação Canadense, onde os entes federativos são dotados de
elevada autonomia, fato que se comprova pela inexistência de centralização das bases
tributárias, o autor indica que cada ente da federação explora as mesmas bases de arrecadação
e que em situação completamente contrária se encontra a Malásia, aprestando um federalismo
de base centralizada, onde os Estados membros arrecadam pouco mais de 5% das receitas, e
recebem um grande volume de transferências do governo federal.
Em virtude destas considerações podemos afirmar que os modelos federativos são
diferentes entre si, e que, diante do sucesso de regimes completamente distintos, torna-se
tarefa extremamente difícil à comparação e eleição de um modelo mais adequado, dado, que,
um modelo bem sucedido em determinado país pode não ser em outro.
Voltando o olhar para o federalismo brasileiro, Rezende (2006) apresenta a forte
demanda dos Estados membros pela ampliação de suas bases tributárias, haja vista a
necessidade de conciliação da centralização das receitas em face da descentralização dos
gastos, fator que acaba estimulando transferências não constitucionais através de programas
específicos e fomentando a busca por recursos através de estímulos fiscais.
Assim, o modelo federativo brasileiro apresenta uma grande contradição. Ao
mesmo tempo em que apresenta uma repartição de responsabilidades cada vez maior entre os
entes federativos, fator que induz a uma descentralização de receitas, utiliza um modelo de
repartição de competência tributária que não garante autonomia financeira a eles. Desta
forma, os entes federativos não são capazes de cumprir com suas obrigações com recursos
próprios, razão pela qual as transferências de recursos são constantes, criando assim uma forte
centralização fiscal e política.
Em síntese, Rezende (2006) destaca que a descentralização fiscal é saudável
quando os governos subnacionais são responsáveis por financiar, com recursos próprios, uma
parte significativa dos seus gastos. De forma oposta, quando as unidades federativas são
dotadas de bases tributárias que não geram economias significativas a financiar seus gastos, e
consequentemente, são obrigadas a se sustentar com transferências compensatórias, fica
demonstrado um modelo não saudável, onde ocorre um grande engessamento orçamentário,
acentuada dependência política e desequilíbrio entre os entes federativos.
A fim de elucidar o exposto, Rezende (2006) defende que a trajetória do
federalismo fiscal brasileiro num curto espaço de 12 anos, entre 1997 e 2005, no que se refere
ao financiamento dos gastos dos entes federativos com recursos próprios, caiu de 3/4 para 2/3,
em decorrência das transferências federais e da concentração das bases tributárias na União.
Em concordância com os argumentos defendidos por Rezende, a doutrina de
Oliveira (2013, p.41) demonstra a origem dos problemas do federalismo brasileiro, que surgiu
da seguinte forma: no início tratava-se de uma colônia portuguesa, que posteriormente passou
a Reino Unido de Portugal e Algarves, e depois para sede imperial. O período de colonização
sempre adotou um modelo unitário, que, nas palavras do doutrinador, “em um gesto de
mágica, passou a República dos Estados Unidos do Brasil”, transformando-se assim em uma
federação.
Através de uma rápida passagem pelo contexto histórico da federação brasileira,
Oliveira (2013, p.42), demonstra as mudanças do federalismo brasileiro; primeiramente, com
a Constituição de 1891, foi estabelecido um regime de competências divididas entre os entes
federativos, União e Estados membros. Com a reforma de 1926, foi imposta limitações aos
Estados membros, situação que foi agravada em 1937, com o surgimento da “Polaca”, carta
imposta por Getúlio Vargas no Estado Novo. Neste contexto a federação foi mantida em
termos formais, porém, distanciada de seu real conceito.
Ainda navegando na história do federalismo pátrio, Oliveira (2013, p.42),
apresenta o retorno do federalismo formal em 1946, bem como sua interrupção com o Golpe
Militar de 1964, situação que interrompeu a evolução da democracia da federação brasileira.
Por tais razões, o federalismo fiscal brasileiro sofreu processos de interrupções,
fator que atrapalhou seu amadurecimento. Hoje, o Brasil adota um modelo que concentra
grande parte de suas receitas na União, impedindo que os demais entes exerçam sua
autonomia plena, pois, a repartição de competências tributárias não destina parcela suficiente
de receitas, deste modo, os Estados membros não conseguem sobreviver apenas com suas
fontes tributáveis, devendo recorrer aos repasses da União.
Entretanto, nem por isso se pode desconsiderar a existência de um federalismo
brasileiro, pois, conforme apresentado, existem diversos modelos de federalismos, alguns
mais centralizados e outros mais descentralizados. Portanto, em que pese às peculiaridades e
problemas do modelo brasileiro, principalmente no que se refere ao ICMS, inadequado seria
classificar o modelo brasileiro, como nas palavras de Oliveira (2013, p.45), “um Estado
unitário descentralizado”.
Na visão de Horta (2010, p. 274), a organização de um Estado Federado é
laboriosa, razão pela qual, requer uma verdadeira engenharia constitucional, haja vista a
convivência de um duplo ordenamento, ou no contexto brasileiro, triplo, onde convivem
normas da Federação ou da União, dos Estados membros e dos Municípios. Além do exposto,
a fim de assegurar a coexistência entre estes múltiplos ordenamentos, atuam a Constituição
Federal e a Constituição dos Estados membros.
Neste contexto de mudanças Rezende (2006) destaca que a despeito dos sinais de
esgotamento de opções adotadas a conduzir um processo de reforma tributária, não se podem
desconsiderar os grandes desafios apresentados pelo mundo globalizado e pela economia de
mercado aberto. Com a formação de blocos econômicos regionais, a federação é pressionada
pela necessidade de harmonização de políticas econômicas e uniformização dos impostos,
fator que apresenta um grande desafio ao modelo federativo, impondo limites à autonomia
dos Estados membros e busca da redução das disparidades regionais.
Logo, não se pode diagnosticar de forma pessimista o federalismo brasileiro.
Trata-se de um federalismo em evolução, experimentando um processo de mudança trazido
pela Constituição de 1988 e sua descentralização das fontes de receitas tributárias.
Contudo, não se pode perder de vista a necessidade de reformas tributárias,
sobretudo no que concerne ao ICMS, principal fonte de arrecadação dos Estados membros.
3 O ICMS
Conforme exposto no art.155 da Constituição Federal, é da competência dos
Estados e do Distrito Federal a instituição do ICMS. A competência tributária estabelecida
aos Estados membros e ao Distrito Federal no que se refere ao ICMS advém da necessidade
de se conferir autonomia financeira, destinando uma importante parcela das atividades
suscetíveis de tributação aos referidos entes.
Nos termos do art.1º da Lei Complementar 87/96, é da competência privativa dos
Estados membros e do Distrito Federal instituir o ICMS, neste sentido, nem mesmo diante de
sua omissão pode ser delegada competência para outros entes da federação.
Apesar de ser um imposto de competência estadual, o ICMS tem grande
importância no cenário nacional, haja vista sua posição como principal fonte de receita dos
Estados membros, cerca de 80% (SABBAG, 2012, p. 1058) e sua importante contribuição no
orçamento municipal através do repasse aos municípios.
De forma sucinta, apenas com a pretensão de delinear o caminho do presente
estudo, cabe mencionar o significativo tratamento Constitucional dado ao ICMS, bem como a
normatização apresentada pela Lei Complementar 87/96, que em seu art. 4° apresenta o
sujeito passivo do ICMS, a saber; pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de
mercadorias; importação de bens de qualquer natureza; prestações de serviço de transporte
interestadual e intermunicipal; prestadores de serviço de comunicação.
O fato gerador do ICMS tem sua base na circulação de mercadorias, prestação de
serviços de transporte interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação, ainda
que iniciados no exterior, conforme determinado no art.155, II, da Carta Magna.
Em termos didáticos, pode-se observar a existência de quatro impostos definidos
na competência do art.155, II da Constituição Federal; o imposto sobre circulação de
mercadorias; imposto sobre serviços de transportes interurbanos e interestaduais e de
comunicação; imposto sobre a produção, importação, circulação, distribuição e consumo de
combustíveis líquidos e gasosos e energia elétrica; imposto sobre extração, importação,
circulação, distribuição e consumo de minerais.
Sendo assim, com fundamento na doutrina de Sabbag, a base de cálculo do ICMS
pode se efetivar da seguinte forma:
A o valor da operação, em se tratando de operação de circulação de
mercadorias;
B o preço do serviço, em se tratando de transporte (interurbano e
interestadual) e de comunicação;
C o valor da mercadoria ou bem importado, constante em documento de
importação, convertido em moeda nacional pela mesma taxa de câmbio
utilizada para cálculo do imposto de importação, e acrescido do IPI, do IOF,
do próprio II (Imposto de Importação) e das despesas aduaneiras.
(SABBAG, 2012, p. 1065)
No que compete a suas alíquotas, conforme previsão do art. 155 da Constituição
Federal, e Resolução do Senado Federal n°22/89, as alíquotas internas restam livremente
estipuladas pelos Estados membros desde que não inferiores ao mínimo estipulado pelo
Senado e não podendo ser inferiores as alíquotas interestaduais, que seguem o seguinte
critério: alíquota de 7% para as operações interestaduais que destinarem mercadorias ou
serviços a contribuintes dos Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste e para o
Espírito Santo; alíquotas de 12% para operações interestaduais que destinarem mercadorias ou
serviços a contribuintes dos Estados das regiões Sul e Sudeste;
Conforme demonstrado, a Constituição Federal destina uma importância especial
à temática das alíquotas, haja vista ser um potencial causador de conflitos entre os Estados
membros, estimulando assim a “Guerra Fiscal”.
Mister se faz ressaltar, que, em operações intraestaduais, a arrecadação do ICMS
compete ao Estado onde se realizou a operação; nos casos de importação, o ICMS será devido
ao Estado destinatário da mercadoria ou serviço, mesmo que o ingresso do produto se dê por
outro Estado; já no caso das operações interestaduais, o ICMS dependerá da atividade
exercida pelo destinatário/consumidor final da mercadoria, no caso de ser contribuinte ou não.
A doutrina de Sabbag apresenta a diferença nas operações interestaduais de forma
clara:
A - Art.155,§2°, VII, b, CF: se o destinatário da mercadoria não for
contribuinte, uma pessoa física, o imposto caberá integralmente ao Estado de
origem da operação, devendo ser calculado pela alíquota interna do Estado
de origem, (...) a quem cabe o valor total do imposto a ser recolhido.
B – Art.155,§2°, VII, a, e VIII, CF: se o destinatário da mercadoria for
contribuinte, um comerciante, produtor, industrial ou equiparado, o imposto
caberá aos Estados de origem e destino, incidindo duas vezes, da seguinte
forma:
1° Cobra-se o imposto no Estado de origem pela alíquota interestadual – a
recolha deve se dar na saída da mercadoria ou no início da prestação dos
serviços pelo estabelecimento de origem; e
2° Cobra-se o imposto no Estado de destino pela diferença entre a alíquota
interna (Estado de destino) e a alíquota interestadual – a recolha deve se dar
na entrada da mercadoria ou na utilização dos serviços pelo estabelecimento
destinatário. (SABBAG, 2012, p.1068)
Ainda sobre a temática, o esclarecimento de Sabbag (2012) aos casos onde o
destinatário da mercadoria em operação interestadual, embora contribuinte do imposto, não
seja consumidor final (comerciante, produtor, industrial ou equiparado). Nestes casos o
imposto caberá ao Estado de origem, sendo calculado pela alíquota interestadual, ao Estado de
destino, somente será devido o ICMS relativo à próxima operação, ou seja, revenda da
mercadoria.
Em suma, a exposição apresentada se limita a aprestar alguns aspectos
importantes sobre o ICMS, tendo em vista se tratar somente de uma breve introdução aos
contornos da “Guerra Fiscal” e ao pacto federativo.
3.1 O perfil jurídico do ICMS
Restaria impossível analisar o perfil jurídico do ICMS sem compreendermos sua
origem no antigo ICM, imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, de
competência dos Estados membros que veio como substituto do IVC, imposto sobre vendas e
consignações.
Segundo Costa (2004, p. 88), diferente do ICM e ICMS, o IVC era um imposto
cumulativo, ou seja, quanto maior fosse a quantidade de operações, maior seria o ônus
tributário. Sendo assim, seu reflexo incidiria sobre todo o ciclo de produção e
comercialização, criando situações de conflitos entre os Estados Membros.
O citado autor indica que com a emenda 18/1965, o IVC foi substituído pelo ICM,
imposto que veio com a proposta de corrigir os defeitos de seu antecessor, principalmente no
que se refere a não cumulatividade e seus efeitos sobre o valor acrescido, o que veio a ser sua
principal marca.
Os efeitos do ICM incidiam em toda cadeia econômica de circulação, desde a
produção até o consumo, e somente sobre o valor agregado de forma não cumulativa.
Entretanto, as experiências de tributos sobre valor agregado como o ICM e o
ICMS se deram em modelos de Estados unitários, assunto trabalhado de forma magistral na
doutrina de Costa:
Note-se que na França, sobre ser a principal precursora da tributação sobre o
valor agregado, enfatizava o aperfeiçoamento deste tributo numa perspectiva
de sua “neutralidade” ante seus efeitos econômicos na cadeia produtiva. A
problemática da centralização político jurídica ali não existia, haja vista ser
um Estado Unitário. (COSTA, 2004, p.91)
Neste contexto, ao ser atribuída competência Estadual ao ICM, seus reflexos no
federalismo foram inevitáveis, pois, seu perfil incide sobre toda a cadeia econômica de
circulação de mercadorias, de forma plurifásica, e não cumulativa, incidindo sobre o valor
agregado em cada fase.
Sendo assim, em que pese sua competência Estadual, seus efeitos não se limitam
ao Estado onde surgiu a obrigação tributária, mas, como incidem em toda cadeia econômica
de circulação de mercadorias, repercutem em toda esfera nacional.
Em suma, diferente da realidade Europeia onde se inspirou a criação do ICM, o
federalismo brasileiro adaptou um imposto de reflexos nacionais a uma competência Estadual,
atitude no mínimo desafiadora e de efeitos jurídicos inevitáveis, fato que complicou ainda
mais o federalismo brasileiro, e contribuiu para a “Guerra fiscal” entre os Estados Membros.
Cabe salientar, no que tange ao ICM, que, inobstante tratar-se de um imposto
estadual, houve uma grande preocupação com seus efeitos, criando-se uma uniformização da
política de isenções, que deveria ser disciplinada por Convênios entre os Estados, Ato
Complementar 34, de 30/01/67.
Segundo Costa (2004, p.89), a mencionada atitude se justificava pelo caráter
nacional do ICM e seu efeito em toda a federação, entretanto, não se fundamenta sob o
princípio federativo e o flagrante desrespeito à autonomia dos Estados membros, que se veem
limitados dentro de um imposto de sua competência.
Em que pese reconhecer a evolução do ICM se comparado ao IVC, seus efeitos
agravaram ainda mais a situação do problemático federalismo brasileiro. A estrutura do
principal imposto de competência dos Estados se mostrava incompatível com uma autonomia,
restando impossível garantir uma total autonomia dos Estados Membros no que se refere ao
ICM/ICMS sem trazer efeitos nefastos à economia e crescentes conflitos entre os entes
federativos Estaduais.
Sendo assim, o desenvolvimento democrático introduzido pela constituição de
1988, e a pressão descentralizadora dos Estados membros, não inovou ao transformar o ICM
em ICMS, apenas ampliou seu âmbito de competência para abranger a prestação de serviço de
transporte interestadual, intermunicipal e de comunicações (COSTA, 2004).
Portanto, a competência dos Estados se mostrou mitigada com o pretexto de
controlar os reflexos de um imposto de abrangência nacional, ao mesmo tempo, houve a
limitação de possibilidades de reformas a garantir a autonomia legislativa e financeira dos
Estados, ou seja, foi criado um sistema tributário complexo e desarmônico em seu conjunto.
De fato, os problemas inerentes ao ICMS não são exclusivos, mas característicos
de impostos que incidem economicamente sobre uma cadeia produtiva até o consumo, mais
especificamente, a problemática se encontra no IPI, ISS e no objeto do presente trabalho, o
ICMS. Os problemas que acompanharam a estrutura do ICM encontram-se presentes no
ICMS, problemas estes que comprometem a autonomia e real descentralização dos Estados
membros, haja vista a influência do ICMS na federação brasileira.
Em um contexto geral, o perfil jurídico do ICMS é uma cópia ampliada do ICM
com um aumento de competência material, a saber, a inclusão das prestações de serviço de
transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, além do acréscimo dos antigos
impostos da competência da União sobre energia elétrica, combustíveis e lubrificantes
líquidos, gasosos e minerais. Por tais razões, é possível definir o ICMS como um grupo de
seis impostos a que foi atribuído um tratamento uniforme de não cumulatividade e incidência
plurifásica dentro da competência dos Estados membros (COSTA, 2004).
Todavia, a tentativa de promover uma maior autonomia financeira aos entes
federativos estaduais através de uma descentralização de competência, não tem se mostrado
capaz de conviver com a necessidade de uniformidade inerente ao ICMS, ferindo assim o
pacto federativo.
Desta forma o ICMS ampliou as possibilidades de conflitos entre os Estados
membros no âmbito fiscal, e como solução a Constituição confiou à lei complementar e as
resoluções do Senado a função de estabilizar a situação de um imposto de perfil nacional e de
competência estadual, situação que será abordada adiante de forma mais detalhada.
Por tais razões, ao se analisar o ICMS e sua influência na “Guerra Fiscal”, existe
uma realidade da qual não se pode fugir, trata-se de um imposto tipicamente nacional cujos
efeitos econômicos ultrapassam as fronteiras dos Estados e atingem todo o território nacional.
Daí o caráter uniforme das normas limitadoras da competência dos Estados membros.
4 ASPECTOS DA “GUERRA FISCAL”
Em matéria tributária a Constituição de 1988 adotou uma postura rígida em seu
tratamento. No que se refere ao ICMS o exposto fica ainda mais visível, haja vista o ímpeto
do legislador constitucional em conter seus efeitos econômicos e jurídicos, demonstrando uma
delicada convivência do ICMS e do federalismo brasileiro.
Segundo entendimento defendido por Costa (2004), o perfil jurídico do ICMS já
nasceu hipertrofiado, apresentando uma grande limitação da competência tributária dos
Estados membros e do Distrito Federal. Para o autor, a ampla atribuição de funções conferida
pela Constituição à Lei Complementar demonstra a tentativa em conter os efeitos nacionais do
ICMS, adotando uma uniformização de seu perfil.
Assim, sobre a pretensão de uma uniformização jurídica do ICMS houve um
alargamento das atribuições da Constituição Federal e da Lei complementar, isso sem dizer
das Resoluções do Senado Federal. Desta forma, considerando que todos os principais
aspectos da norma de incidência do ICMS já foram definidos pela Constituição, pela Lei
Complementar ou pelas Resoluções do Senado no caso das alíquotas, o que restou ao
legislador Estadual no exercício de sua competência?
Portanto, a competência do principal imposto Estadual e responsável pela maior
parcela da arrecadação demonstra-se mitigada, contexto que vai de encontro aos defensores de
um federalismo fiscal. Desta forma o presente capítulo busca abordar alguns dos aspectos
causadores da “Guerra Fiscal” de um ponto de vista estritamente jurídico.
4.1 A Lei Complementar 87/96 e seu reflexo na “Guerra Fiscal”
Diante do contexto apresentado, não é possível deixar de comentaros reflexos da
organização da repartição de competência vertical entre a União e os Estados Membros, ponto
que permite o exercício da legislação federal de normas gerais, com função de traçar diretrizes
e bases a legislação estadual supletiva.
Portanto, no que se refere à tributação do ICMS, resta necessário mencionar o
reflexo da lei complementar, bem como sua participação no fenômeno da “Guerra Fiscal”.
Conforme exposto no art.146, III da Constituição Federal: “Cabe a lei
complementar: III estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (...)”. E
também no art. 24, I da Constituição Federal, prevê que cabe a união, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário.
Neste contexto, fica em evidência a força da União no Federalismo brasileiro,
pois, ainda que o Senado, representante dos Estados membros no Congresso, possa através de
resolução fixar base de cálculo e alíquota sobre o ICMS, bem como legislar por meio de
normas gerais complementares, exercitando controle permanente sobre o teor e o exercício
das normas gerais sobre ICMS, o legislativo dos Estados membros ficará sempre limitado em
sua competência, pois, jamais poderá ultrapassar os limites delineados na lei complementar.
Desta forma, a União poderá exercer um controle sobre a centralização legislativa
do ICMS, fato que demonstra o sacrifício da autonomia dos Estados Membros para garantir
uma praticidade do direito.
Em que pese o sacrifício da autonomia dos demais entes federativos em proveito
da União, existem vozes contrárias ao exposto. Nesse sentido, a visão de Coêlho (2014, p.
95): “A vantagem está na unificação do sistema tributário nacional, epifenômeno da
centralização legislativa”.
Por outro lado, com fundamento em fortes raízes federalistas, vislumbra-se que
por diversas vezes a legislação complementar sobre o ICMS cuida de temas que, longe de
constituírem normas gerais, delimitam a competência privativa e indelegável dos Estados
membros, contrariando a Carta Constitucional de 1988.
Segundo a obra de Baleeiro (2010, p.157) atualizado por Derzi: “a norma geral
não decreta tributo, nem lhe fixa alíquota. Isso cabe exclusivamente à lei ordinária da pessoa
de direito público competente para instituí-lo”. Neste sentido a Lei complementar não pode
criar limitações inexistentes no texto constitucional, sua atuação não pode restringir ou
ampliar a delimitação da Carta Magna. Em virtude destas considerações, a norma
complementar preocupa o pacto federativo quando suas diretrizes ultrapassam os limites da
generalidade, ou seja, invadem a competência dos Estados Membros para, sufocar,
amesquinhar, reduzir e anular o exercício do legislativo Estadual em matéria de ICMS,
reduzindo com isso a autonomia dos entes federativos Estaduais.
Portanto, os limites às normas gerais devem estar bem traçados, pois, à luz de um
federalismo fiscal, versam sobre matérias que, originariamente são de competência dos
Estados membros. Desta forma, as normas gerais devem encontrar seu limite na autonomia
dos entes federativos Estaduais, sob pena de impor um modelo centralizador e unitário.
É importante assinalar, segundo Coêlho (2014, p. 84), diante das limitações
impostas pelo texto constitucional e pela lei complementar, o ICMS é um imposto
hipertrofiado. Tendo em vista seu papel como principal imposto Estadual, o ICMS retrata
claramente a preocupação em conter a descentralização dos Estados Membros, tendo um
perfil uniformizado, onde o que não é delimitado pela Constituição é restringido pela lei
complementar.
Sendo assim, o que resta para o exercício da competência dos Estados membros?
A verdade é que a lei complementar tem um alargado campo de atuação no que se refere ao
ICMS, limitando sobremaneira a liberdade do legislador ordinário, que possui, pelo menos em
tese, a competência para legislar sobre o referido imposto.
Com muito mais propriedade se pode afirmar que todos os aspectos de incidência
tributária do ICMS que deveriam ser instituídos pelo legislador Estadual - que é quem possui
competência legislativa no campo do ICMS - já se encontram definidos pela lei
complementar, assim como pelas resoluções do Senado, assunto que será abordado no tópico
seguinte.
Portanto, não poderia ser outra a conclusão, o exercício da competência Estadual é
mínimo no que compete ao ICMS. Fica evidente que a margem de atuação do legislador
ordinário Estadual é reduzida pela Lei Complementar.
Assim, a Lei Complementar 87/96 é quem define o perfil jurídico do ICMS,
segundo Coêlho (2014, p. 86), a legislação estadual é uma mera reprodução da Lei
Complementar. Apesar de não ser objetivo de estudo analisar profundamente a Lei
Complementar 87/96, é inevitável deixar de mencionar que o legislador estadual fica obrigado
a praticamente manter o mesmo conteúdo da Lei Complementar, em um verdadeiro
desrespeito à autonomia dos Estados membros.
Em um Estado Federal deve haver isonomia entre os entes, surgindo assim uma
verdadeira descentralização. De forma alguma a norma geral em matéria de ICMS deve
substituir o exercício da competência legislativa estadual, até porque, a competência definida
pela Carta Magna é para definir normas gerais, portanto, a norma que atribui competência aos
Estados Membros para legislar sobre ICMS possui eficácia imediata, razão pela qual a União
não poderá, através de Lei Complementar legislar sobre tributo alheio à sua competência.
Nestes termos, mesmo que inexistisse Lei Complementar sobre a matéria,
conforme exposto no art.146, I, II, III, da Constituição, a competência dos Estados Membros
para legislar sobre ICMS não seria bloqueada, nos termos do art. 24 §3° e §4° da
Constituição.
Por conseguinte, a Lei Complementar ao ultrapassar os limites da generalidade e
invadir a competência dos Estados Membros, acaba por contribuir para o fenômeno da
“Guerra Fiscal”, haja vista o engessamento do legislador estadual no exercício da
competência de sua principal fonte arrecadadora.
4.2 As Resoluções do Senado
Dentro de um contexto limitador da descentralização do ICMS, a Constituição
Federal apresenta a função do Senado Federal para fixar as alíquotas interestaduais, bem
como a alíquota mínima interna não inferior as alíquotas interestaduais.
Nas palavras de Carrazza (2012, p. 99), alíquota pode ser definida como um
critério legal expresso em percentagem (%), ou seja, em conjunto a base de cálculo, permite
definir qual é o valor devido a título de tributo.
As alíquotas também estão submetidas ao princípio da legalidade, devendo ser
fixadas por lei, entretanto, no tocante ao ICMS, ocorre uma mitigação da competência dos
Estados, pois, em que pese à necessidade de fixação das alíquotas por meio de Lei Ordinária
Estadual ou Distrital, sua liberdade é limitada pelo Senado.
Conforme bem elucida Carrazza (2012, p. 100), é o Senado competente, por
iniciativa de um terço de seus membros, para através de resoluções, aprovadas pela maioria
absoluta de seus membros, fixar alíquotas mínimas de ICMS nas operações internas. Neste
sentido, o ilustre doutrinador afirma a impossibilidade de que os Estados e o Distrito Federal
incidam alíquotas abaixo do patamar mínimo fixado. No que compete às alíquotas máximas, o
autor deixa claro que a competência do Senado, agora por iniciativa da maioria absoluta e
aprovada por dois terços de seus membros, fixará as alíquotas máximas de ICMS para as
operações internas. Com isso, a medida tem o objetivo de neutralizar abusos dos entes
Estaduais e impedir a eficácia das Leis Estaduais que ultrapassem o teto fixado pelo Senado.
Neste contexto é preciso lembrar que as Resoluções do Senado não podem fixar as
alíquotas de ICMS, sob pena de violar a competência dos Estados e desrespeitar o princípio
federativo. A competência do Senado é para fixar a alíquota mínima e máxima, sendo assim,
sua resolução é reguladora, exercendo limitação constitucional ao poder de tributar dos
Estados e do Distrito Federal.
A fim de esclarecer o tema, Costa (2004, p.101), define que ao Estado só resta à
capacidade para aumentar a alíquota interna, e mesmo assim, nunca de forma plena, pois o
Senado detém o poder para fixar as alíquotas mínimas e máximas, além das alíquotas
interestaduais.
Sendo assim, já que a alíquota mínima em cada Estado não pode ser inferior a
interestadual, salvo por deliberação unânime do CONFAZ, conforme será abordado no
próximo item, as alíquotas internas convergiram para padrões idênticos, numa fragrante
violação da autonomia dos Estados.
Ainda sobre o papel do Senado, poderia surgir o argumento de que se trata dos
representantes dos Estados membros no Congresso Nacional, fato que defenderia a autonomia
dos Estados nas Resoluções do Senado. Entretanto, no que concerne ao ICMS, cada Estado
membro é dotado de competência privativa e individual sobre o imposto, ao passo que as
Resoluções do Senado são deliberações negociadas por todos os Senadores. Sendo assim, o
contexto demonstra a mitigação da competência privativa dos Estados membros em face da
necessidade de uniformização de um imposto tipicamente nacional, medida adotada a fim de
controlar os conflitos fiscais entre os entes federativos Estaduais e evitar a guerra fiscal.
Mesmo diante da mitigação da competência estadual, as resoluções do Senado
exercem um importante papel, haja vista o perfil tipicamente nacional do ICMS. Desta forma
exercem um papel de contenção dos efeitos do ICMS, impedindo que seus reflexos venham
desequilibrar toda economia nacional.
Mister se faz ressaltar, que as Resoluções do Senado estabelecem fortes limitações
a competência dos Estados membros, porém, são medidas cabíveis em detrimento do alcance
do ICMS, que longe de incidir efeitos apenas ao ente competente, alcança todos os entes
relacionados na cadeia, pois abarca operações interestaduais e de exportação, podendo refletir,
a depender do caso, em todo o Estado Nacional.
4.3 O papel dos convênios interestaduais relativos ao ICMS no Conselho Nacional de
Política Fazendária (CONFAZ) e a Lei Complementar 24/75
Conforme exposto no art. 155, XII, g, da Constituição Federal, cabe a Lei
Complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito
Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.
Antes de criar isenções em matéria de ICMS, cabe aos Estados e ao Distrito
Federal, firmarem acordos (convênios, pactos, contratos, ajustes, programas) por meio de seus
Executivos. O referido convênio e deliberado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária,
CONFAZ, formado por representantes de cada Estado membro e do Distrito Federal.
Entretanto, o CONFAZ deve ser visto com cautela, razão pela qual, se mostra
indispensável à advertência de Carraza:
Assentadas estas premissas, fica fácil proclamar que convênio não é lei, nem
CONFAZ órgão legislativo. Assim, os funcionários do Poder Executivo que
o integram não podem, a pretexto de dispor sobre isenções de ICMS,
“legislar” a respeito. É o poder legislativo de cada Estado e do Distrito
Federal – onde têm assento os representantes do povo local – que,
ratificando o convênio, as concederá. (CARRAZA, 2006, p. 220)
E com fundamento crítico adverte Coêlho:
É ver bem. O que cabe a lei complementar é regular o modo como (modus
faciendi) se processarão os convênios. Evidentemente, a lei complementar
não poderá deferir a um colegiado interestadual de funcionários públicos
poderes para dar e tirar tributação (isenção e reduções e suas revogações)
sem lei, contra o princípio da legalidade. Estes convênios não são invenção
do constituinte de 1988. A carta de 1967 os previa, numa outra redação
menos precisa, e a Lei Complementar n° 24 cumpria a função de regular os
convênios. O caso é que extrapolou e excedeu os limites processuais que lhe
tinham sido balizados e acabou por transformar estas assembleias de estados
em verdadeiras Assembleias Legislativas de Estados Membros, sem
legisladores eleitos, contra o espírito da Constituição. Inexplicavelmente, o
Judiciário tolerou o agravo. (COÊLHO, 2014, p. 182)
Neste contexto, cada Estado membro deve apresentar um representante indicado
pelo Chefe do Executivo, a fim de deliberarem em assembleia sobre as propostas de
convênios. Porém, conforme abordado por Carraza (2006), o CONFAZ não tem poder para
validar as propostas aprovadas em assembleia. Sendo assim, cada Estado deve levar o
conteúdo do convênio à sua respectiva Assembleia Legislativa, que no exercício de sua
competência deve ratificar os convênios pré-firmados pelo CONFAZ.
Neste exato sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no RE
630705 AgR/MT:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. ICMS. BENEFÍCIO FISCAL. AUSÊNCIA DE LEI
ESPECÍFICA INTERNALIZANDO O CONVÊNIO FIRMADO PELO
CONFAZ. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE RECONHECENDO A
IMPRESCINDIBILIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL PARA
DISPOR SOBRE A MATÉRIA. 1. As razões deduzidas pela agravante
equivocam-se quanto às razões de decidir do juízo monocrático. Não ficara
assentada naquela decisão a impossibilidade de o convênio autorizar a
manutenção dos créditos escriturais. O que se reconhecera fora a
impossibilidade de o benefício fiscal ser implementado à margem da
participação do Poder Legislativo. 2. Os convênios são autorizações para que
o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no
ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do
Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter
hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte
originário. 3. Agravo regimental não provido. (BRASIL, Supremo Tribunal
Federal. AgRg no RE 630.705/MT-STF. Primeira Turma. Relator. Min. Dias
Toffoli. 2012).
Embora a necessidade de ratificação pela Assembleia Legislativa seja clara, à luz
da Carta Magna de 1988 e do Princípio da Legalidade da tributação, a Lei Complementar
24/75 que delibera sobre a concessão de isenções em matéria de ICMS firmada por meio de
convênio entre os Estados, apresenta, em seus artigos 1° e 4° descrições completamente
contrárias ao comando constitucional.
Conforme observado, o exposto na Lei Complementar é contrário à Constituição,
visto que o convênio só pode ser ratificado pelo legislativo estadual, e não por decreto do
executivo, como exposto no art.4° da Lei Complementar 24/75. Pensar de outra forma seria o
mesmo que admitir a possibilidade de um Poder praticar um ato e ele mesmo homologá-lo,
contrariando de forma clara o princípio da repartição dos poderes.
Partilhando da mesma posição Carraza indica que:
A lei complementar a que se refere o supracitado artigo não pode alterar os
princípios básicos do direito tributário brasileiro, como, por exemplo, o da
independência e harmonia dos poderes. É o que fez, segundo nosso modo de
ver, a mencionada Lei Complementar 24/1975 ao usurpar, em seu art.4°,
prerrogativas do Poder Legislativo. Deve, sim, limitar-se a estabelecer os
mecanismos jurídicos (as formas) que hão de facilitar a celebração dos
convênios interestaduais e entre os Estados membros e o Distrito Federal.
(CARRAZZA, 2006, p. 224)
Sob um olhar mais aprofundado sobre os convênios, conforme lição de Coêlho
(2014, p. 183), trata-se de ato formalmente administrativo, pois emana de assembleia formada
por representantes do executivo estadual, e materialmente legislativo, pois tem conteúdo e
preceito normativo sobre tributo, fato que, de acordo com o Princípio da Legalidade, exige lei
em sentido formal, ou seja, proveniente de órgão legislativo. Desta forma a ratificação pelo
legislativo estadual do convênio aprovado pelo CONFAZ tem a finalidade de conferir a este,
força de lei.
Na brilhante visão de Coêlho (2014, p.182), a Lei Complementar n°24 ao atribuir
competência ao próprio Executivo para ratificar as decisões do CONFAZ, demonstra uma
fraude a Constituição, traindo seu espírito e negando os princípios da legalidade e da
separação dos poderes.
Portanto, à luz da Carta Constitucional de 1988, a República, a Federação, bem
como o princípio da repartição dos poderes e da legalidade, são supra ordenados, não havendo
possibilidade, inclusive, de serem objetos de emenda. Em virtude destas considerações, os
mencionados princípios definem a organização constitucional do Estado brasileiro. Desta
feita, os convênios devem ser interpretados em atenção ao comando constitucional, sob pena
de inconstitucionalidade.
Firmado no princípio da legalidade tributária, a competência dos convênios, como
mero acordo entre os Estados membros, não pode criar isenções de ICMS. Devendo ser
ratificados pelas Assembleias Legislativas, bem como pela Câmara Legislativa no caso do
Distrito Federal.
Cabe ainda observar, que a revogação de isenção em matéria de ICMS não ocorre
por meio de Lei Ordinária, mas pelo decreto legislativo que ratifica o convênio entre os
Estados. Desta forma, os convênios que revogam isenções só passam a ter validade após
aprovados legislativamente por meio do decreto que ratifica o convênio. Apresentando-se
assim como uma tentativa de conter os efeitos jurídicos do ICMS, e evitar a guerra fiscal entre
os Estados membros.
Em que pese o exposto, na prática ocorrem isenções de ICMS concedidas por Lei
Ordinária e em muitos casos, por decreto do executivo, de forma autônoma e sem qualquer
deliberação pelo CONFAZ, razão pela qual podem ser contestadas perante o Supremo
Tribunal Federal.
Logo, o convênio entre os Estados Membros não cria nem tira direitos a nenhuma
Fazenda ou contribuinte, sendo apenas um pressuposto para o exercício eficaz da competência
exonerativa tributária do legislativo estadual. Assim, cabe ao executivo a celebração do
convênio e ao legislativo estadual a posterior ratificação.
4.3.1 O convênio entre os Estados membros em face do perfil jurídico do ICMS
Conforme apresentado anteriormente, o ICMS apresenta um perfil jurídico de
imposto tipicamente nacional, difundindo seus efeitos por toda a federação.
Em face da complexidade do imposto, que conforme foi apresentado, não é
adequado para países organizados federativamente, surge a seguinte questão: como os Estados
membros podem exercer sua competência exonerativa em relação ao ICMS e ao mesmo
tempo não colocar em risco a unidade econômica da federação?
Pelo que foi constatado até o momento, os convênios entre os estados são uma
resposta para a indagação anterior. Entretanto, ainda é visto por uma parcela significativa da
doutrina, como uma forma de limitação da competência dos Estados membros em matéria
exonerativa, e entre os que defendem esta posição, a doutrina de Coêlho (2014).
Sobre o tema, Oliveira apresenta as seguintes considerações:
A luta, pois, pela captação de recursos privados, a concessão de incentivos, a
prática de renúncia fiscal, é perfeitamente amoldável no sistema federativo.
O que não se pode permitir, e para isso o Estado federal tem que impor
limites, é o destino sempre indesejado de todos os recursos apenas para uma
das unidades federadas. Logo, importante que se criem regras, até para
permitir o desenvolvimento regional. No entanto, imprescindível o pacto
federativo que deve orientar ou reorientar incentivos, fixando restrições,
amoldando interesses, evitando desgastes que possa redundar em secessão.
(OLIVEIRA, 2013, p. 51)
O exercício da competência exonerativa de um Estado pode refletir em vários
estados federados, com isso, estando o ICMS organizado na forma atual é impossível
conviver uma plena competência em matéria de ICMS sem sacrificar outros entes federativos.
Por isso, muito mais do que em outros tributos, existem limitações uniformizantes sobre o
ICMS com o objetivo de conter seus efeitos.
Enfim, é indiscutível que o papel desempenhado pelo CONFAZ apresente
limitação à competência exonerativa dos Estados Membros em matéria de ICMS. Porém, as
necessidades de desenvolvimento dos estados podem acarretar uma utilização sem limites,
interferindo economicamente em outros entes, ocorrendo assim à denominada “guerra fiscal”
entre os estados envolvidos.
Diante deste fator, os convênios entre os estados surgem como uma forma de
obter consenso entre os estados, através de um congresso entre iguais, numa verdadeira
atuação colegiada e sem que ocorra qualquer interferência da União. E lembrando mais uma
vez, trata-se de um ato preparatório, visto ser indispensável sua posterior ratificação pelo
legislativo estadual.
Observa-se, assim, a grande dificuldade de se estabelecer parâmetros para
enfrentar a guerra fiscal entre os Entes Federados. Porém, qualquer proposta de intervenção
deve observar o respeito aos fundamentos do pacto federativo, logo, difícil é criar
mecanismos de correção das distorções praticadas pelos Estados, sem ferir a autonomia dos
mesmos.
Na segunda parte do presente artigo, a ser publicada na próxima edição da Revista
Eletrônica do Instituto Metodista Granbery, serão aprofundados os fundamentos da discussão
relativa à guerra fiscal, à influência do mecanismo misto de titularidade de receitas na guerra
fiscal, seu ônus ao contribuinte e as propostas de solução da guerra fiscal e a preservação do
pacto federativo.
7 CONCLUSÃO
Diante da proposta do presente artigo, que se limita a um pequeno recorte dentro
do extenso e complexo tema da guerra fiscal, foi verificado que as causas da guerra fiscal do
ICMS apresentam raízes profundas.
Neste sentido, os problemas surgem desde o processo de formação do federalismo
brasileiro, inspirado no modelo centralizador português que construiu uma União
extremamente fortalecida em detrimento dos demais entes federativos, os quais, em que pese
à autonomia teórica, estão ligados por uma dependência econômica surgida pela insuficiência
de recursos.
A fim de demonstrar o amadurecimento do federalismo brasileiro no que tange a
autonomia dos Estados membros, foi apresentada a evolução do principal imposto Estadual,
partindo do IVC, ICM e o atual ICMS.
Conforme foi demonstrado, uma grande parte dos problemas relativos à guerra
fiscal se encontra no ICMS, que devido a seu perfil jurídico, se mostra inadequado a uma
competência Estadual, haja vista que seus efeitos não se limitam ao ente competente. Trata-se
de um imposto que incide sobre o consumo, assim, estende seus efeitos por toda a cadeia
produtiva até alcançar o consumidor final.
Neste contexto seus efeitos causam desequilíbrio entre regiões e Estados,
contrariando um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, garantir o
desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Como forma de conter seus efeitos, a Carta Constitucional de 1988 instituiu uma
série de limitações à autonomia dos Estados membros, atribuindo a Lei Complementar e ao
Senado uma grande parcela neste poder limitador. Assim, a competência dos Estados e do
Distrito Federal se mostrou retalhada pelas medidas limitadoras dos efeitos do ICMS.
A fim de resolver o problema surge uma série de propostas de reformas,
entretanto, a questão é polêmica e deve ser observada com demasiada atenção. Não se
podendo a pretexto de atribuir maior autonomia aos Estados membros destruir a economia
nacional, massacrando mercados e formando verdadeiros oligopólios de grandes empresas
privilegiadas e de alguns Estados beneficiados.
As medidas destinadas a conter os avanços da guerra fiscal devem garantir uma
maior autonomia dos Estados membros sem ferir o pacto federativo. Portanto, a segunda parte
deste artigo apresentará algumas reformas pontuais necessárias, abordando questões cruciais
ao federalismo fiscal, como as alíquotas interestaduais, o princípio do destino, o modelo do
IVA, além das propostas de unificação da legislação.
Enfim, fica o leitor convidado a verificar algumas das medidas propostas para a
solução da guerra fiscal na segunda parte do estudo, medidas estas que objetivam preservar a
federação e superar os problemas encontrados no ICMS.
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