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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AOS ACTOS DO XV GOVERNO CONSTITUCIONAL QUE LEVARAM À DEMISSÃO DE RESPONSÁVEIS PELO COMBATE AO CRIME ECONÓMICO, FINANCEIRO E FISCAL, TRÊS MESES DEPOIS DA SUA NOMEAÇÃO (Reunião de 5 de Novembro 2002) - 2ª. Parte - Audição de: Dr.ª Maria José Morgado, ex-Directora Nacional Adjunta da Polícia Judiciária

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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AOS ACTOS DO XV GOVERNO CONSTITUCIONAL QUE LEVARAM À DEMISSÃO DE

RESPONSÁVEIS PELO COMBATE AO CRIME ECONÓMICO, FINANCEIRO E FISCAL, TRÊS MESES DEPOIS DA SUA

NOMEAÇÃO

(Reunião de 5 de Novembro 2002) - 2ª. Parte -

Audição de: Dr.ª Maria José Morgado, ex-Directora Nacional Adjunta da Polícia Judiciária

Presidente: Luís Marques Guedes (PSD) Oradores: Eduardo Cabrita (PS) Isabel Castro (Os Verdes) Francisco Louçã (BE) António Filipe (PCP) Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) Jorge Neto (PSD) Alberto Martins (PS) Luís Montenegro (PSD) José Magalhães (PS) Odete Santos (PCP) Osvaldo Castro (PS) Jorge Lacão (PS) Telmo Correia (CDS-PP) Adriana de Aguiar Branco (PSD) Marques Júnior (PS)

Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Já temos entre nós a Dr.ª Maria José Morgado, a quem agradeço a

pontualidade, pois estava no Palácio às 15 horas em ponto.

Como os Srs. Deputados sabem, vamos cumprir a metodologia de

trabalho igual à desta manhã. Peço-vos que tentem manter a mesma

disciplina que foi possível durante a audição anterior, com duas excepções

por parte dos Deputados Eduardo Cabrita e Jorge Neto a quem peço que

tentem conter-se, à semelhança dos outros Srs. Deputados, para que seja

possível não só a prestação de todos os esclarecimentos por parte da Sr.ª

Dr.ª Maria José Morgado como ainda a participação de todos os Srs.

Deputados que entendam usar da palavra durante esta audição.

Já há duas inscrições, a primeira das quais é do Sr. Deputado

Eduardo Cabrita, a quem dou a palavra de imediato.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, tentarei cooperar com a

sua recomendação a bem da eficácia dos trabalhos.

Começo por saudar a Dr.ª Maria José Morgado pela sua comparência

nesta Assembleia, agora num quadro diferente do anterior, no de uma

comissão de inquérito, visando apurar a verdade relativamente aos actos do

Governo, designadamente da Sr.ª Ministra da Justiça, com incidência na

estrutura directiva da Polícia Judiciária e na estratégia de combate ao crime

económico, financeiro e fiscal.

Colocarei um conjunto de questões que se prendem,

fundamentalmente, com domínios relativamente aos quais a Sr.ª Dr.ª

invocou legitimamente o segredo profissional, quando aqui esteve no

quadro de uma reunião aberta.

No que se refere a outras questões, não farei mais do que referências

indirectas, dado que as declarações então prestadas estão juntas aos autos e

caberá à Sr.ª Dr.ª considerá-las como reproduzidas e, se entender,

acrescentar alguma clarificação relativamente a matérias sobre as quais não

invocou o segredo profissional.

Em primeiro lugar, há aqui uma dúvida que julgo que todos temos.

Conhecemos temporalmente a altura em que se verificou o seu pedido de

demissão: estava em gozo de férias num local de onde enviou o fax, no dia

27 de Agosto. No entanto, que circunstâncias, ocorridas num período em

que, como declarou, manteve um contacto regular, quase diário, quer com

os operacionais da estrutura que dirigia quer com o Sr. Director Nacional,

determinaram esta decisão de, em férias, apresentar o seu pedido de

demissão nos termos que são de todos conhecidos?

Em segundo lugar, falou em divergências com o Director Nacional

sobre questões estratégicas e em divergências estratégicas relativamente às

orientações que sentia estarem a ser cometidas à Polícia em matéria de

combate ao crime económico, financeiro e fiscal.

Em que se traduzem estas divergências? Relativamente a que

projectos concretos, a que definição de prioridades num contexto sempre

marcado pela falta de meios para desafios vastos, se traduziam estas

divergências?

Em terceiro lugar, referiu que era fundamental o apoio interno e

externo. Apoio externo no sentido de apoio político que disse não sentir da

parte da Sr.ª Ministra da Justiça quanto à continuação do combate que

vinha travando. Apoio interno por parte do Director Nacional que, segundo

disse no seu depoimento, deixou progressivamente de sentir.

Por outro lado, se não aqui, em declarações à comunicação social,

disse, a determinada altura, que essa sensação de perda de apoio foi notória,

não desde o início mas, sobretudo, a partir do mês de Junho.

É possível precisar melhor relativamente a que circunstâncias, a que

processos certamente importantes localiza essa sensação de perda de um

apoio interno que anteriormente julgava existir?

Em quarto lugar, cabe à Polícia Judiciária apoiar o Ministério

Público relativamente a processos relevantes mesmo depois da conclusão

da fase de investigação. Tanto quanto sei – e hoje mesmo falámos disso

aqui, da parte da manhã, com o Dr. Pedro Cunha Lopes –, relativamente a

processos importantes, esse apoio era levado mesmo a um

acompanhamento dos magistrados do Ministério Público em fase de

julgamento, acompanhamento esse feito através de contactos, de presença

no julgamento.

Gostaria que, relativamente à DCICCEF, me desse nota de qual o

tipo de processos em que aquele acompanhamento era feito.

Designadamente no que respeita a um processo sobre o qual invocou

segredo profissional, o chamado «caso Moderna», gostaria de saber se

havia esse acompanhamento, em que termos era feito e se nalgum

momento foi determinada, e em que termos, uma alteração da forma de

acompanhamento.

Passo à quinta questão. Tem sido várias referido que, da intervenção

do Director Nacional, e, num caso, na sequência de um pedido de

informação por parte de um membro do Governo, concretamente da

Ministra das Finanças, resultaram interferências na gestão de meios que

levariam a uma alteração de prioridades de investigação com prejuízo da

própria investigação desenvolvida.

Se é assim, em que termos e em que medida é que é possível

substanciar tais alterações de prioridades por intromissão do Director

Nacional ou por intromissão externa, com consequências relativamente à

afectação de meios a investigações em curso.

Passo à sexta questão. Foi referida publicamente, nomeadamente em

depoimento aberto do Dr. Pedro Cunha Lopes, logo em Maio, aquando da

formação da equipa dirigente, quando o Dr. Adelino Salvado foi convidado

para exercer as funções de Director Nacional da Polícia Judiciária, a

existência de convites a outros magistrados para ocuparem as funções que a

Sr.ª Dr.ª então exercia na Polícia Judiciária. O Dr. Pedro Cunha Lopes

afirmou ter sido convidado, mas foram referidos outros convites.

Pergunto-lhe, pois, se teve conhecimento desses convites e,

designadamente do que foi declarado em reunião aberta de comissão

segundo o que a Sr.ª Ministra da Justiça não via com bons olhos a sua

continuação na DICCEF. Gostaria de saber se tem conhecimento do facto

de essa circunstância ter sido falada, quer em termos públicos, quer no

meio da magistratura, quer mesmo entre altas entidades de Estado com

responsabilidades relativamente ao sector da justiça.

Que interferências são essas? Em que momento teve conhecimento

deste tipo de intervenções?

Passo à última pergunta, sistematizando. Não tanto no seu

depoimento anterior em comissão mas em declarações à comunicação

social, referiu com particular ênfase determinadas investigações nos

domínios do crime económico, financeiro e fiscal, nomeadamente:

investigações a fraudes relacionadas com o IVA, a crimes relacionados

com impostos especiais sobre o consumo de álcool, de tabaco, a crimes

relacionados com imposto sobre combustíveis; disse que esse tipo de crime

tem hoje uma gravidade comparável, se não mesmo superior, a formas

tradicionais de crime como os ligados à droga; disse, ainda, que, nessa

matéria, a perda de apoio que sentiu traduziu-se não só em efeitos sobre a

investigação, sobre a motivação dos operacionais da Polícia Judiciária mas

também, como referiu numa entrevista, pôs em causa investigações em

curso e, designadamente, a utilização de arrependidos indispensáveis ao

apuramento da verdade nalguns desses processos.

Ora, perante isto alguma vez teve a sensação – e, em caso afirmativo,

a partir de que momento – de que as investigações que a Polícia Judiciária

estava a desenvolver estavam a pôr em causa altas figuras ligadas à

administração fiscal, empresas e entidades com relevantes interesses

económicos, advogados, consultores fiscais com estreitas ligações à

administração fiscal ou integrantes da mesma em momentos anteriores e

que se tivessem sentido postos em causa por investigações desenvolvidas

nestes domínios específicos, que tão profundamente enfatizou, ligados ao

combate ao crime económico, financeiro e fiscal?

Termino aqui as perguntas e apenas acrescentarei três pedidos de

elementos que foram referidos na ocasião anterior em que veio depor à

comissão e que não nos foi possível pedir formalmente, a saber: o relatório

da DCICCEF referente a 2001, o qual quisemos pedir oficialmente; o

relatório de um grupo de trabalho multidisciplinar, relatório esse que foi

apresentado ao então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e que era

relativo a matéria de combate ao crime económico; e diversos relatórios de

instâncias internacionais sobre a matéria e os que considerasse relevantes

certamente e que seriam muito úteis para o trabalho desta Comissão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado (ex-Directora Nacional Adjunta da

Polícia Judiciária): - Agradeço a atenção dos Srs. Deputados.

Previamente, tenho a referir que me considero numa situação de

dever de colaboração com a descoberta da verdade nesta Comissão e que a

única limitação às minhas revelações é o eventual dano que daí poderia

advir para a investigação criminal, para a prevenção ou para a segurança

dos seus investigadores. Tirando essas eventualidades, farei todas as

revelações que considero necessárias dentro do interesse preponderante da

descoberta da verdade, a verdade verdade.

Todos sabemos que, nos processos, há uma verdade formal, uma

verdade material – não sei se também vou aprender alguma verdade

parlamentar –, mas a verdade que quero revelar aqui é a verdade verdade.

Quanto às questões que o Sr. Deputado me colocou, julgo que tenho

direito a uma resposta proporcional.

As questões que o Sr. Deputado amavelmente me colocou julgo que

têm direito a uma resposta proporcional: envolvem toda a história da minha

actuação, das prioridades definidas, em matéria de prevenção, em matéria

de investigação criminal, em matéria de apoio à investigação criminal, em

matéria de tipologias de crime, em matéria de análise dos modus operandi e

correspondente adaptação dos meios de prova, em matéria de adopção de

uma atitude não tradicional para diminuir o impacto da corrupção e da

fraude financeira internacional.

E explicar tudo isto é muito complexo; mas explicar tudo isto

simultaneamente e explicar e rebobinar é, como no branqueamento,

começar da frente para trás. O que é que aconteceu no dia 27 de Agosto? E

por que é que aconteceu no dia 27 de Agosto? E quem é que escolheu que

acontecesse no dia 27 de Agosto? Se fui eu ou se houve alguma

sobreposição à minha vontade, ainda torna mais complexa esta tarefa.

Enfim, vou lembrar-me das dificuldades de análise no combate ao

crime económico, que é sempre velado, indirecto, complexo, inovador,

mutante e não tem cara. Vou lembrar-me de todas essas dificuldades e fazer

um esforço, para ver se consigo descobrir alguma capacidade de conseguir

tratar destas questões em termos minimamente satisfatórios e

esclarecedores.

Começando com o pedido de demissão, Srs. Deputados, poderia

talvez dizer isto: inicialmente, eu tinha um compromisso para ficar; a partir

do dia 27 de Agosto, fiquei com um compromisso para partir da Polícia

Judiciária.

Compromisso para ficar, compromisso para partir – e isto não é

nenhuma telenovela (aliás, não vejo telenovelas), mas reconheço que há

qualquer coisa de rocambolesco nisto, mas não sou eu a «produtora» deste

filme. Aliás, nada disto aconteceu em circunstâncias normais, nada disto

aconteceu num quadro da normalidade, e, até hoje, não domino tudo o que

aconteceu em termos factuais.

Ora bem, começando pelo compromisso de partir: já sei que tenho

fama de ter mau génio, alguém, porventura, estará interessado em fazer-me

passar por intratável, mas não foi nada disso que aconteceu.

No dia 27 de Agosto, aliás, quando fui para férias, deixei prioridades

definidas e deixei investigações prioritárias no terreno (e sem danificar os

interesses da investigação), das quais uma delas tinha a ver com um dos

alvos mais importantes neste país em termos de contrabando organizado de

cigarros, de tráfico de droga e outro tipo de fraudes internacionais, e uma

outra investigação tinha a ver com entregas controladas em matéria de

fraude ou de IEC.

Portanto, tratava-se tudo de fraudes de índole internacional, a serem

investigadas por uma pequena brigada de cinco pessoas (porque é assim

que se trabalha na Polícia Judiciária, pelo menos, foi assim que eu

trabalhei), das quais uma delas estava a ser operada e outra estava de férias,

estando a brigada reduzida a três pessoas, e tinha de haver rigor e uma

atitude drástica no cumprimento desses objectivos, até porque estas duas

investigações punham em causa a cooperação da Polícia Judiciária com a

Brigada Fiscal e com a Direcção-Geral das Alfândegas, pois tratava-se de

investigações a serem executadas por meio de equipas multidisciplinares, o

que era uma experiência nova a ser desenvolvida na DCICCEF por minha

iniciativa. Efectivamente, fiz uma reunião com o DCIAP, fiz uma reunião

com o Sr. Coronel Vitória, da Brigada Fiscal, e pus em marcha estas

equipas multidisciplinares, perante o pessimismo do Sr. Director Nacional,

Dr. Adelino Salvado, que me foi dizendo pelo telefone «Sr.ª Dr.ª, isso não

dá nada!…». Mas, dando ou não dando, era aquela a minha opção.

Tinham ficado tarefas definidas, de recolha de prova, de recolha e

análise de informação, nesses dois inquéritos que corriam na Secção de

Contrabando Organizado, uma secção com 10 pessoas - não são 100; são

10 pessoas!

Ora bem, tinha ficado também, para os 15 dias de férias que eu tinha

tirado, a recolha de prova e o desenvolvimento do processo da corrupção

nas finanças, que estava em desenvolvimento depois de uma última

operação de recolha de prova que se tinha desencadeado, lembro-me

perfeitamente, no dia 3 de Abril e que era um processo muito sensível.

Nesse processo, punha-se a questão da colaboração através de

agentes colaboradores, de gente que, do interior do sistema, entregasse

provas, colaborasse na descoberta da verdade através de meios de prova. É

talvez dos processos mais importantes que, nesta matéria, houve no País.

Um processo onde estão a ser investigadas cento e tal empresas, onde, à

data em que eu saí, havia a quebra do sigilo bancário de mais de 100 contas

bancárias, e um processo a ser investigado por cinco (cinco!)

investigadores, neles se incluindo a chefia operacional, o inspector-chefe -

cinco pessoas!

Portanto, este era o programa para os meus 15 dias de férias. Havia

também o processo da nandrolona, a ser investigado pela secção do

contrabando (tinha decidido colocá-lo nessa secção por causa de questões

referentes a tráficos, neste caso, de nandrolona). Tratava-se tudo de crime

organizado, crime internacional, fraudes de grande danosidade, que

utilizavam a corrupção como instrumento fundamental de consumação do

crime.

Fui para férias preocupada, mas tinha de ir, porque há um ano e meio

que não parava. Todavia, combinei com a Sr.ª Subdirectora, Dr.ª Mariana,

todos os dias, fazer um ponto de situação, de manhã, no início do dia, e ao

fim do dia, para me manter actualizada.

De acordo com esse ponto de situação, ia falando, por minha

iniciativa, com o Sr. Director Nacional, porque, nessa data, ou eu falava por

minha iniciativa com o Sr. Director Nacional ou o Sr. Director Nacional era

como se eu não existisse ou fizesse parte do pessoal operário e auxiliar da

Polícia Judiciária. Isto é uma consideração minha, mas, de facto, ele não

tomava iniciativas de me procurar, de pedir uma opinião, de se inteirar

sobre as linhas de orientação, as prioridades e os acontecimentos no terreno

- é que estávamos ali numa frente de batalha.

Assim, desde que fui para férias - e, antes de ir para férias, despedi-

me do Sr. Director Nacional -, todos os dias, depois de falar com a Sr.ª

Subdirectora, eu ligava ao Sr. Director Nacional, até porque, durante as

férias, foram ocorrendo coisas surpreendentes e inexplicáveis, até aos dias

de hoje, para mim (ou, pelo menos, não explicáveis de forma lógica e

clara).

Mas indo ao compromisso para sair: no dia 27 de Agosto, toca o

telefone, passava das 10 horas e ainda não eram 10 horas e 30 minutos -

enfim, é uma casa em férias, em que as pessoas se levantam mais tarde,

estava eu, o meu marido…

O Sr. Alberto Martins (PS): - Em que dia foi, Sr.ª Dr.ª?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Dia 27 de Agosto, depois das 10

horas e antes das 10 horas e 30 minutos, Sr. Deputado, aí por volta das 10

horas e 20 minutos.

Lembro-me perfeitamente, porque eu estava preocupada, uma vez

que, na véspera, tinha havido uma reunião sobre ajudas de custo e

prevenção activa, a Polícia estava numa situação de confusão e discussão a

esse respeito, por causa dos últimos regulamentos produzidos nessa matéria

– aliás, eu própria tinha dúvidas acerca das práticas a adoptar.

Devo dizer que na DCICCEF nunca houve problemas com ajudas de

custo, nem com dinheiros, nem com prevenções activas, não havia «rabos

de palha». No entanto, no mês de Julho, tinha entrado em vigor um

regulamento que obrigava a determinados procedimentos novos,

relativamente difíceis de compreender pela maneira como tinham sido

adoptados, e isso tinha suscitado dúvidas.

Portanto, tinha havido uma reunião na véspera e eu tinha dito à

Subdirectora «ó Dr.ª Mariana, se for preciso eu vou aí», ao que ela me

respondeu «não, não é preciso, então para que é que há subdirectores?!». E

eu disse «está bem; então, a Dr.ª Mariana veja lá o que é que se passa e,

amanhã, diga-me».

Devo dizer que o Sr. Director Nacional nunca travou a menor

análise, a menor discussão, o menor confronto, o menor contraditório,

qualquer abordagem, nesta matéria, comigo. Nunca! Até à minha saída e

muito menos depois da minha saída.

Entre as 10 horas e as 10 horas e 30 minutos, deviam ser 10 horas e

20 minutos, toca o telefone e quem é? É o Dr. Adelino Salvado. Fiquei logo

preocupada, porque achei que a iniciativa do telefonema dele não

representava uma boa notícia, e disse: «Sr. Director, faça o favor de dizer».

O Sr. Director Nacional, como de costume, fazia sempre umas grandes

encenações nas suas intervenções comigo e disse-me «Sr.ª Dr.ª, esta noite

não dormi» (começava sempre assim quando havia problemas) e eu disse-

lhe: «tem graça, porque eu também não; estou preocupada, se calhar, isto é

transmissão de pensamento» - a conversa foi mesmo assim.

Diz-me o Sr. Dr. Adelino Salvado: «Eu vou mudar isto tudo, de alto

a baixo! Já sei que a Sr.ª Directora não vai concordar…» - isto é taxativo -

«… e, portanto, está liberta do nosso compromisso», que era o

compromisso que ele me tinha pedido para jamais, em caso algum,

acontecesse o que acontecesse, pedir a cessação da comissão. «Está liberta

do nosso compromisso, Sr.ª Dr.ª Maria José», disse-me.

Bom, eu sempre tive muita relutância em contar isto, mas devo fazê-

lo, em nome do respeito que merecem os Srs. Deputados e o dever de

verdade. «Como personalidade de prestígio…» - acho até um bocado

caricato este tipo de conversa, mas foi assim - «… a Dr.ª Maria José, faz

favor, pede a cessação da comissão, em vez de ser eu a fazê-lo. Tenho já

uma pessoa para o seu lugar com um perfil idêntico,…» - como se vê, até

porque a minha demissão foi aceite na quinta-feira e essa pessoa com o

perfil idêntico (pode ser mais alta e mais forte, mas terá o perfil idêntico e o

sexo oposto…) tomou posse na segunda-feira, portanto, o que se vê é que

ninguém foi apanhado de surpresa, tudo isto foi pensado - «… pelo que a

Dr.ª Maria José, como personalidade de prestígio, talvez seja melhor

colocar a sua comissão à disposição». E eu disse: «Sr. Director

Nacional,…» - sempre o tratei muito cerimoniosamente - «… sim senhor,

isto é uma questão de minutos. Por acaso, não tenho aqui papel, os

computadores acabaram com o papel, nem tenho fax, nem Internet, mas

redijo já o meu pedido de cessação da comissão. Gostava de saber os

motivos…», ao que ele me respondeu: «Não, não vale a pena». Continuei,

«Sr. Director Nacional, estou a 40 minutos de Lisboa, posso ir a Lisboa

falar consigo, as minhas férias terminam segunda-feira,…» (era uma terça-

feira) «… mas eu gostava de falar consigo».

O Sr. Director Nacional, na 1.ª Comissão, falou muito de conversas

«olhos nos olhos», mas comigo foi «ouvidos nos ouvidos», que é outra

modalidade. Embora eu tivesse insistido «gostava de falar consigo,

perceber isto…», ele disse-me «não vale a pena». Vi que ele já tinha

passado à fase seguinte, já praticamente não me ouvia, já não tinha tempo

disponível para mim, e, então, eu disse: «Pronto, Sr. Director Nacional,

muito bem, tem o meu compromisso em como eu peço a cessação da

comissão».

Desliguei, fiquei a pensar em tudo o que ficava para trás, nas pessoas

que, súbita e aparentemente, eu tinha abandonado naquele momento, mas

era irreversível, eu não tinha escolha. Havia um autor moral para isto, há

um autor material para isto - sou eu, eu pedi a demissão. Sempre o assumi,

sou uma pessoa com ética e, a partir do momento em que assumo a

responsabilidade de pedir a demissão, é evidente que sou eu que peço a

demissão. Mas o dia, as circunstâncias, a hora e a ponderação das

consequências não me pertenceram.

Fiquei a pensar se devia vir a Lisboa, se não devia, e cheguei à

conclusão de que não viria fazer nada a Lisboa senão confrontar-me com

aqueles que tinham colaborado e lutado comigo na primeira linha de

combate à fraude internacional e à corrupção, confrontar-me com uma

situação já irreversível - aliás, os telefonemas começaram a «chover» horas

depois - e decidi, eram dez horas e tal, depois de pensar umas quatro horas,

que não valia…

Se me perguntarem quem são as testemunhas deste telefonema, é

evidente que são as testemunhas das 10 horas da manhã, num dia de férias.

Estava o meu marido presente e a Professora Lúcia Amaral, que estava a

passar férias connosco em casa, que perceberam perfeitamente o meu

drama. Porque é dramático abandonar, saltar assim de uma direcção

central, que conduzia com seriedade, com objectivos, com prioridade, com

sacrifício.

Passava já das duas horas da tarde, os correios estavam fechados,

resolvi mandar um fax da Junta de Turismo da Ericeira, que tenho aqui para

entregar à Comissão – aliás, este fax apareceu no Público e não fui eu que o

entreguei, alguém suficientemente ansioso para o efeito o entregou, mas

também não me interessa quem -, em que digo: «Apresento a minha

demissão do cargo de DNA da PJ a partir desta data». Às cinco da tarde,

telefono ao Dr. Adelino Salvado, a confirmar o envio do fax. O Dr. Adelino

Salvado, na altura, diz-me que ainda não tinha recebido qualquer fax,

perguntando-me o que é que se passava, e eu disse-lhe: «Então, é melhor

procurar, se calhar já anda a ‘passear’ pelas redacções dos jornais, porque

eu já o mandei há três horas».

O Dr. Adelino Salvado mostrou-se exasperado por eu ter apresentado

um pedido de demissão, porque o que estava combinado era um pedido de

cessação da comissão, e eu disse-lhe que para o caso tanto importava,

porque o que me importava era o resultado, e a esse respeito não valia a

pena discutirmos formalidades.

Pedi-lhe encarecidamente, e pela última vez, talvez até um bocado

estupidamente, que me dissesse o que é que tinha corrido mal, quais eram

as razões, porque ando neste mundo por valores e gostava de saber. A

resposta do Dr. Adelino Salvado – eu sei que em relação a tudo isto é a

minha palavra contra a dele, mas é assim, e as pessoas valem o que valem –

foi: «Não me massacre a mim, nem a si. Deixe-me. Pergunte aos seus

colegas». Eu disse-lhe: «Sr. Director, o meu compromisso era consigo, não

era com os meus colegas» e devo dizer que ele queria referir-se ao Dr. José

Branco e ao Dr. João Vieira, que vieram com ele para a Polícia Judiciária e

que são o braço direito para tudo e mais alguma coisa em relação a ele, e,

porventura, pareceu-me ofendido por eu não falar com os meus colegas a

este respeito, delegação essa que eu não aceitava, porque era a ele que

reportava. A partir daí, o Dr. Adelino Salvado nunca mais me atendeu,

nunca mais me recebeu, nunca mais aceitou falar comigo.

Passei um dia horrível e, na quinta-feira, resolvi vir a Lisboa e enviei

por fax, dirigido da Alexandre Herculano, da DCICCEF, porque se

levantava uma grande celeuma na imprensa a respeito da minha

demissão… Havia uma ambiente de Titanic na DCICCEF, porque ninguém

compreendia como é que isto tinha acontecido assim subitamente, sem

qualquer explicação, com tudo a correr bem, com a Polícia Judiciária no

combate ao crime económico prestigiada, com investigações a decorrerem

a meio… Aliás, deixei tudo a meio, basta dizer que nem o meu gabinete

tive tempo de arrumar, quanto mais o resto.

E perante esse ambiente de Titanic e, porventura, numa última

tentativa de proteger os operacionais, de evitar represálias – o Dr. Adelino

Salvado chamava-me muito «mãe ursa», internamente criticava-me por

proteger demais os operacionais, porque publicamente acusa-me de

protagonismo, que é outra história -, porventura eu própria, quando pedi a

demissão, não tinha o domínio funcional do facto e como não sabia que

interpretações se podiam fazer a respeito do meu pedido de demissão,

enviei um fax ao Director Nacional, fax esse que hoje foi entregue por

alguém às televisões, não por mim, mas já o ouvi ler nas televisões, em que

acentuei que o pedido de demissão se enraizava em divergências de

estratégia operacional e de organização da DCICCEF e que não havia uma

interpretação de natureza política a fazer sobre esse pedido.

Mas esse repúdio de interpretação política é a respeito do meu

pedido e não a respeito das iniciativas de terceiros que me colocaram nesta

fatalidade e nesta posição irreversível. A carta é assinada por mim e o que

eu digo é que, quando fiz aquele pedido de demissão, não tive intenções

políticas. Porque, a certa altura, eu já não sabia para onde é que o Dr.

Adelino Salvado me estava a empurrar, porque recebo, no sossego das dez

e tal da manhã, em minha casa, um telefonema que me sussurra: «Peça a

cessação da comissão». E quando vejo todas as especulações que surgem

depois, sinto necessidade de acentuar o dever de neutralidade de uma

magistrada, mas isto é um facto da minha esfera de actuação, não é da

esfera de actuação do Dr. Adelino Salvado, da Sr.ª Ministra ou de quem

quer que seja que, porventura, esteja implicado nesta história.

Como eu disse, houve um autor moral, houve um autor moral: eu fui

autora material, eu executei! Mas a iniciativa não me pertenceu, a avaliação

das circunstâncias não me pertenceu e eu não percebia o que estava a

acontecer. Isto quanto às razões de natureza política.

Eu não tinha razões de natureza política e não podia ser acusada de

estar a fazer um pedido de cessação da comissão, para, depois, o explorar

politicamente, simplesmente aqueles que apontam esta carta como uma

explicação dos seus comportamentos, estão enganados numa coisa: é que

esta carta explica o meu comportamento, esta carta é assinada por mim, não

é assinada por mim, pelo Dr. Adelino Salvado e pela Dr.ª Celeste Cardona.

É uma carta assinada por mim, e quem não tinha intenções políticas era eu,

mais ninguém! O resto não sei, o resto não me diz respeito.

Aliás, o Dr. Adelino Salvado, quando me propõe a cessação da

comissão, tem a certeza de três coisas. Quais são? O protocolo de acesso às

bases de dados e de cooperação entre a Polícia Judiciária, DGAIEC, a DGI,

a DGCI, a Brigada Fiscal, etc., etc. Esse protocolo começou a ser

trabalhado por ordem do Sr. Director Nacional a partir do dia 12 de Agosto

– eu fui para férias no dia 8 de Agosto -, sendo que eu tinha bytes de

análise sobre esta matéria, havia dois grupos de trabalho na UCLEFA a

trabalhar nesta matéria, havia projectos de protocolo a serem elaborados

pela UCLEFA, havia gente com treino e experiência – isso posso entregar a

esta Comissão –, com análises também nessa matéria, e o Sr.

Desembargador espera que eu vá para férias para pôr operacionais da

polícia, que não têm treino, nem experiência, nem tão-pouco perfil, a

trabalhar nesta matéria do protocolo.

Com base em quê? Plagiando os instrumentos teóricos que eu lhe

tinha mandado, ou seja, plagiando o relatório de actividades da UCLEFA, o

relatório de actividades da UCLEFA para 2002, o relatório do grupo de

trabalho da UCLEFA sobre o dever de sigilo e o acesso às bases de dados,

o relatório sobre a criminalidade do grupo de trabalho sobre a

criminalidade económica, financeira e fiscal do subgrupo de trabalho

dirigido pela Polícia Judiciária e um outro relatório e as conclusões de um

grupo de trabalho que eu tinha dirigido no ano 2000/2001 sobre as

tipologias da criminalidade económica, financeira e fiscal e os acessos às

bases de dados.

O Dr. Adelino Salvado, absorvendo os conhecimentos desse

relatório, faz um projecto de protocolo, que, se me perguntarem a esse

respeito, direi que é um nado-morto, é um acesso à informação sem

operacionalização dessa mesma informação e com indiferença completa e

com violação das recomendações internacionais nessa matéria. Basta dizer

que nem sequer se fala em detecção e confisco de bens produto de

branqueamento e de actividades criminosas e vantagens do crime. Mas isso

é matéria para vermos à parte.

Mas no dia em que o Sr. Desembargador me propõe este

comportamento, há o projecto de protocolo que estava já em marcha, há a

alteração da Lei Orgânica da Investigação Criminal, que inclui a atribuição

da competência à Polícia Judiciária no combate ao crime tributário, em

moldes semelhantes àqueles que eu propus ao Sr. Desembargador, mas

com alterações, que são graves e que possibilitam alguma desorientação ou

que vão originar alguma desorientação, no ataque à fraude e à corrupção,

mas isso é matéria para ver à parte.

Portanto, havia o protocolo, o alargamento das competências da Lei

Orgânica da Polícia Judiciária, o projecto financeiro da Polícia Judiciária,

que estava a ser apresentado e negociado com a tutela à data, segundo me

disse o Sr. Desembargador em funções de Director Nacional da Polícia

Judiciária, e havia no terreno – e disso o Sr. Director Nacional tinha a

certeza, porque eu lhe tinha prestado contas – três operações preparadas.

Quais eram? A da fraude da Samsung, que foi desencadeada em Setembro;

a do combate à corrupção na Brigada de Trânsito, para a qual eu tinha

criado uma brigada especial desde 22 de Fevereiro de 2001; e ainda uma

outra, que estará latente, e estava com os elementos de prova preparados e

só por falta de meios é que não se tinha avançado, que dizia respeito às

fraude nos laboratórios, que era a continuação da fraude nas farmácias.

Penso que é legítimo eu concluir que, nesse dia, o Sr. Director

Nacional concluiu que a resposta «não digam que eu não quero combater o

crime de colarinho branco» estava garantida. No dia 31 havia manchetes no

Público e no Expresso sobre os novos poderes atribuídos à Polícia

Judiciária, sendo que um desses novos poderes era o protocolo, que é uma

deslocação dos poderes da UCLEFA. Em vez de serem os poderes da

UCLEFA, presididos pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,

esses poderes são deslocados para a presidência do Sr. Director Nacional

da Polícia Judiciária. É um projecto hegemónico e vazio de

operacionalidade.

Portanto, estava preparado um quadro: «Não digam que eu não quero

combater o colarinho branco, e esta senhora pode ir à vida». Estava

escorada a minha saída, era algodão que amaciava a minha saída. O

projecto de protocolo, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária e as operações

no terreno, que estavam trabalhadas, estavam garantidas. Era uma questão

apenas de tempo, até a dormir se faziam. Nem que se mudasse tudo de alto

a baixo, aquilo estava sempre garantido. Até ao fim do ano havia

comidinha garantida nessa matéria. Eu era uma pessoa que, aparentemente,

não fazia falta e podia ser despachada desta maneira. Isto é o que ia ser

para o futuro.

Eu estava convencida de que o Sr. Director Nacional tinha um

projecto programático para a Polícia judiciária. Não é que ele tivesse

discutido esse projecto comigo, porque nunca o discutiu, nunca houve

reuniões em que se discutissem estratégias de combate ao crime. E, vendo a

intervenção do Sr. Director Nacional nesta Comissão, não vejo qualquer

análise de estratégia, de prioridades, de linhas de orientação, de guide lines

no combate ao crime. Não sei quais são as prioridades, só sei que o Sr.

Director Nacional limita-se a dizer que o crime agora é todo único, tem um

cérebro, está muito organizado, e, como tal, tem de se concentrar a resposta

a esse crime num único órgão de polícia criminal. É a única coisa que eu

percebo ali, portanto, não sei se é um projecto hegemónico de a Polícia

Judiciária passar a combater toda a espécie de criminalidade ou o que é.

E o que vejo também da Sr.ª Ministra é que está muito preocupada

com os telemóveis e com os carros e, depois, em matéria de combate à

grande criminalidade, é combater aquilo que o nosso povo quer que nós

combatamos. Portanto, eu também não sei o que é o nosso povo quer que

nós combatamos.

Agora, indo para o compromisso de ficar, devo dizer que quando o

Sr. Desembargador tomou posse, no dia 24 de Maio, havia um clima na

Polícia de que era melhor todos pormos o lugar à disposição. Eu coloquei a

questão ao meu, então, director, o Dr. Luís Bonina e disse-lhe: «É

melhor…» Aliás, o Dr. Luís Bonina sabia que tinha havido, da parte da Sr.ª

Ministra, uma grande censura à minha pessoa, por causa de umas palavras

que ela apelidava de entrevista à TSF, que, no fundo, eram uma exortação

aos operacionais, no sentido de que continuassem a combater a corrupção

fosse qual fosse a pessoa que ficasse à frente da Direcção Central. Sei que

essas palavras desagradaram muito à Sr.ª Ministra e fui acusada de excesso

de visibilidade. O Dr. Bonina, na altura, disse-me: «Bem, penso que o

assunto está sanado e eu faço questão que continues na Direcção Central.

Há muito trabalho em marcha, há coisas que não podem ser abandonadas a

meio e penso que toda a gente pensa isso, é uma atitude institucional

correcta».

Entretanto, nunca fui contactada pelo Dr. Adelino Salvado e eu fui

colocando sempre a questão de ser melhor pôr o lugar à disposição.

Disseram-me sempre que não, que o Dr. Adelino Salvado queria que eu

fizesse parte da direcção dele…

Eu, hoje, até já tenho dúvidas de que seja assim tão admissível a

constituição de equipas para desempenhar funções de comissão na Polícia

Judiciária, porque penso que a Polícia Judiciária não pode estar sujeita a

este vai e vem de programas e de pessoas. Isto é, de cada vez que há um

director nacional há uma nova lei orgânica da Polícia Judiciária, há novos

regulamentos, há tudo novo e, de facto, a certa altura, a própria Polícia

Judiciária entra em desorientação e vêm à superfície muitos fenómenos que

nada têm a ver com o combate ao crime - mas, enfim, isso já é produto da

minha análise.

Na altura, achava perfeitamente legítimo que se escolhesse uma

equipa, com prejuízo e com interrupção das comissões que estavam a ser

desenvolvidas, sendo que a minha comissão era de três anos e eu estava a

um ano e meio do fim da mesma.

Eu sabia que havia um encontro com a Sr.ª Ministra, no dia 23 ao fim

da tarde, porque me tinham dito, para assentar definitivamente nos nomes

da direcção, e tinha combinado, tinha pedido ao ainda meu director, Dr.

Bonina, que telefonasse a dizer-me, de facto, o que é que eu devia fazer,

porque tinha necessidade de esclarecer, de saber com que linhas me cosia.

A tarde foi passando, já íamos a meio da noite, quando me telefona o

Dr. Bonina e me diz: «Está tudo resolvido e a direcção conta contigo, fazes

parte da direcção». E eu peço: «Deixa-me falar com o Dr. Adelino, tenho

de falar com o Dr. Adelino, tenho de saber o que é que se passa».

Portanto, aquela conversa passou-se também na presença - julgo eu -

do Dr. Bonina, porque é ele que me pôs em contacto, por telemóvel, com o

Sr. Desembargador, que, na altura, disse-me: «Não diga nada. Estou muito

cansado. O que eu lhe quero pedir é que, aconteça o que acontecer, fará

sempre parte da minha direcção e eu recuso-me a tomar posse…» - disse-

me o Sr. Desembargador - «… se a Sr.ª Doutora se recusar a fazer parte

desta direcção. Mas não diga nada.». E eu disse: «Bom! Isto parece tudo

contrário à lógica, porque se me diz para eu não dizer nada é porque havia

qualquer coisa para dizer mas, está bem, não é altura para discutir as coisas.

Sinto-me muito honrada, muito comovida, muito exaltada até com a sua

atitude e está bem, aceito, fazemos esse compromisso. Eu faço parte da

direcção e, pronto, o Sr. Desembargador poderá tomar posse à vontade,

porque eu não vou recuar neste compromisso». Ele disse-me: «Mas

garanta-me, porque a Sr.ª Ministra não queria que fizesse parte da lista e eu

disse-lhe que não tomava posse se a Sr.ª Doutora não fizesse parte da

direcção».

Isto, disse-me o Sr. Desembargador a mim, foi a versão dele para

mim dos acontecimentos. Mas, do Sr. Desembargador para mim, ele só

tomava posse se eu aceitasse fazer parte da direcção. A razão de todo este

dramatismo é porque havia alguém, e era a Sr.ª Ministra, que não queria

que eu fizesse parte da direcção.

Ora, perante a atitude intransigente - terá sido, no dizer do próprio -

do Sr. Desembargador, a Sr.ª Ministra… Não aceitou nem deixou de

aceitar, porque era uma atitude intransigente, ele não tomava posse se eu

não fizesse parte. Penso que, segundo ele me disse, a Sr.ª Ministra até lhe

terá dito que ia pedir ao Sr. Procurador-Geral para me arranjar outro lugar

qualquer, o que não faz grande sentido, porque eu estava numa comissão

fora do Ministério Público mas… Atenção, isto é uma conversa por

telemóvel entre o Sr. Desembargador e eu estou a relatar as palavras do Sr.

Desembargador, mais nada! Não sei o que é que efectivamente se passou,

sei o que se passou comigo.

Fiquei, como podem calcular, preocupada com tudo isto. No dia

seguinte, de manhã, telefono ao Sr. Desembargador e, por mais patético

que isto possa parecer, peço-lhe autorização para ir à tomada de posse,

porque eu própria já não sabia se devia aparecer ou não na tomada de

posse. A isto, ele disse-me «Sim, senhora, quero que, mais uma vez,

confirme, reitere o seu compromisso» e eu respondo-lhe «Sim, senhor, eu

não mudo da noite para o dia, a esse respeito não sou uma pessoa

inconstante. Com certeza que continuo, mas peço-lhe para ir à sua posse».

Ele diz-me «Vá mas não fale com os jornalistas» e eu respondo-lhe «Está

bem, também não tenho o hábito de andar a falar com os jornalistas por

tudo e por nada, só quando há alguma coisa de importante e de interesse

público para dizer mas não é o caso, não é a altura para isso e gostaria de ir

à sua posse». E assim foi.

A posse foi numa sexta-feira e a posse dos directores nacionais

adjuntos terá sido depois, na segunda-feira.

Faço notar que eu não tomei posse, eu continuei a comissão, quer

dizer, aconteceu que não houve cessação da comissão mas eu não tomei

posse nenhuma. Não houve despacho nenhum, não houve nada, houve o

continuar de uma situação administrativa funcional que se manteve em

vigor, que não foi anulada.

No dia seguinte, no sábado, o Sr. Director Nacional faz questão de

ter uma conversa comigo nas instalações da Alexandre Herculano,

conversa relativamente à qual eu estaria até funcionalmente ansiosa. E eu

coloquei-lhe a questão, agradeci-lhe muito todo o apoio que me tinha dado

e disse-lhe que esperava que ele compreendesse que o apoio que estava a

dar à minha pessoa não tinha nada de pessoal, era um apoio institucional, a

métodos de trabalho, uma vez que eu estava numa direcção central que

estava há um ano e meio debaixo de fogo, era uma direcção central em que

ninguém andava a dormir em cima dos papéis, era uma direcção central que

tinha vindo para a rua prender, apreender e desmantelar - eram essas as

palavras de ordem: prender, apreender e desmantelar -, tínhamos

prioridades ao nível da corrupção na administração fiscal, nas forças

policiais, ao nível da fraude internacional financeira, do megacrime

financeiro, da fraude no futebol, da corrupção no futebol, tínhamos

investigações muito delicadas em marcha, investigações desproporcionadas

em relação aos meios, estávamos num ponto de viragem, estava tudo a

tornar-se muito difícil e a fasquia estava muito alta.

Quis saber se ele percebia que, de facto, aquilo que estava a apoiar

não era uma pessoa, eram métodos de trabalho, eram objectivos, eram

linhas de orientação. Não me lembro da resposta que me deu o Sr. Director

Nacional mas achei que ele estava a perceber que estaria a apoiar isso e

insisti em discutirmos as estratégias definidas para a DCICCEF - eu tinha

essas estratégias definidas no Relatório Anual de 2001 -, as tendências da

criminalidade, as tendências da resposta, as dificuldades, os obstáculos à

produção de prova, as questões da prevenção…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Sr.ª Doutora, disse o Relatório Anual

de 2001?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sim, tenho aqui uma fotocópia

de uma parte… Já agora, gostaria de entregar a tal carta que andou hoje nas

televisões, em que eu pedi a demissão, se fosse possível…

O Sr. Presidente: — Já está distribuída, Sr.ª Doutora.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Quanto ao relatório, tenho aqui

fotocópia do índice e mais algumas partes, pois todo o relatório é um

«tijolo» de todo o tamanho e optei por trazer fotocópia de partes relevantes,

mas penso que não é possível julgar o meu trabalho, falar de estatística,

falar de crime económico sem ler este relatório, por muito mal que ele

esteja. É o Relatório Anual de 2001/DCICCEF…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — E é possível deixar essa parte à

Comissão, Sr.ª Doutora?

A Sr. ª Dr.ª Maria José Morgado: — É sim, senhor, e está aqui um

índice do relatório, por onde os Srs. Deputados poderão ver quais são os

assuntos que interessam e os que não interessam.

Perguntei ao Sr. Director Nacional se, pelo menos, tinha lido o

relatório - o relatório é muito grande -, ele disse-me que sim e eu fiquei

descansada - fazem-se relatórios, são documentos de trabalho, para alguma

coisa é - e achei que, em princípio, ele estaria esclarecido sobre as linhas de

orientação e sobre os métodos de trabalho a adoptar, sobre a importância da

prevenção, etc. É que havia aqui questões muito sérias ao nível da

prevenção, não só da investigação criminal… Havia medidas… A

DCICCEF estava em restruturação, agora, pelos vistos, está outra vez em

restruturação, é outra restruturação.

Nesse dia, o Sr. Director Nacional só me disse que estava

preocupado acerca de por que é que… Ou seja, a crítica que me tinha sido

feita pela Sr.ª Ministra era de «excesso de visibilidade». Ora, o excesso de

visibilidade, no dizer dele, não representava nenhum motivo sério para

afastar ninguém e, como tal, ele queria saber o que é que se passava

naquela casa que suscitasse tamanha oposição. Aliás, pareceu-me

preocupado comigo, disse-me até que a Dr.ª Celeste e o Dr. Portas tinham

um medo horroroso de mim… Não sei porquê…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — O Sr. Director Nacional

disse-lhe isso?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sim! Disse-me, disse-me, disse-

me! «Têm medo de si, têm medo de si». Respondi-lhe: «Não sei porquê,

tenho 51 anos, acho que sou uma pessoa que tenho dado provas de sensatez

e…». Enfim, isto é uma conversa! Isto é uma conversa mas já que as coisas

chegam a este ponto…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Mas foi a Sr.ª Ministra

que lhe disse isso?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Diga, Sr. Deputado…

O Sr. Presidente: — Peço que não haja interrupções, porque, depois,

não fica gravado e os Srs. Deputados já sabem disso.

A Sr.ª Doutora não leve a mal mas, em termos de gravação das actas,

este tipo de interrupções não fica registado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Está bem, não há problema. Até

é bom, até é bom!

Sim, o Sr. Director Nacional disse-me isso. Espero que o Sr. Doutor

também não seja uma dessas pessoas, não é?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — V. Ex.ª saberá melhor do

que ninguém, V. Ex.ª sabe tudo.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Não sei, não. Não sei, não, mas

não vale a pena haver nervosismo por causa dessas coisas, porque parece-

me perfeitamente supérfluo e o que eu gostaria de discutir aqui são

questões sérias, de estratégia de combate ao crime económico, porque é que

o crime económico é prioritário no crime organizado internacional.

Mas o que é certo é que sou levada para estes campos não por minha

iniciativa mas pelos acontecimentos, não por minha vontade mas por

vontade alheia. E isto é importante só por isto: porque o Sr. Director

Nacional diz-me que essas pessoas têm medo de mim ou ele acha que têm

medo de mim ou ele achava que era bom convencer-me de que essas

pessoas tinham medo de mim, mas não sei. Isso não me impressionou! Sou

magistrada, tenho provas dadas no tribunal, os últimos recursos que fiz, no

Tribunal da Boa Hora, foram em nome da defesa, em nome dos interesses

da defesa. Portanto, não sou uma aventureira, não sou uma guerrilheira e

não dei importância a essa afirmação nem me perturbou minimamente.

O que é certo é que o Sr. Director Nacional me disse que era preciso

reforçar a estrutura da DCICCEF, em termos de não se pensar que a cabeça

ali era eu mas que aquilo tinha uma cabeça própria e que, mesmo que eu

me fosse embora, mesmo que eu desaparecesse do mapa, pronto, que

deixasse de estar lá, a luta continuava e o trabalho continuava. E pediu-me

uma proposta nesse sentido, perguntando-me se tinha alguma ideia a esse

respeito.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Posso interrompê-la Sr.ª Doutora?

Gostaria, porque me perdi na exposição da Sr.ª Procuradora – por

defeito meu certamente –, de pedir à Sr.ª Procuradora que situe esta

conversa, dando-nos a data da mesma.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Foi no dia 25, num sábado à tarde.

Foi no dia a seguir à tomada de posse e foi uma análise da tese do excesso

de visibilidade, ou seja, porque é que tinha surgido essa crítica do excesso

de visibilidade.

Perguntei-lhe se tinha lido o relatório da DCICCEF, e ele respondeu-

me que sim. Mas o Sr. Director Nacional, como é normal e como de resto

aceito, porque é perfeitamente legítimo,…

Desculpem-me! Mas a interrupção do Sr. Deputado fez com que eu

me perdesse no que estava a dizer… Ah, estava a referir-me ao aspecto

pessoal.

O aspecto pessoal era o de criar uma estrutura que demonstrasse

externamente que eu não era a «cabeça», embora fosse a Directora daquela

casa. Portanto, não seria a cabeça, o que significava que não era a pessoa

decisiva e, se eu fosse afastada, tudo continuaria a funcionar.

Propus ao Sr. Director Nacional a nomeação de um segundo

subdirector. Disse-lhe mesmo: «Olhe, eu já não chego para as encomendas,

porque isto é corrupção, peculato, tráfico de influências, é moeda falsa,

fraude internacional, é contrabando organizado, é criminalidade

informática, é investigação criminal toda integrada e conseguir arranjar um

fio condutor nisto tudo, é a prevenção criminal, é a análise, é a recolha de

informação, é o apoio à investigação, é a cooperação judiciária

internacional, é a cooperação policial internacional, é a coadjuvação às

autoridades judiciárias, é a cooperação institucional administrativa com as

outras entidades administrativas, eu já não dou conta disto! O Sr. Director

Nacional nomeie-me um segundo subdirector, e assim eu faço uma

subdivisão interna. Entrega-se a investigação criminal a um subdirector e

entrega-se a prevenção, vigilância, recolha de informação, etc., à

subdirectora».

O Sr. Director Nacional achou que era uma boa ideia, disse-me que

isso reforçava a estrutura e atribuía eficácia, pelo que iríamos avançar nesse

sentido. E dei-lhe um nome, o do Dr. Carlos Farinha, que foi logo aceite.

Na segunda-feira, o Dr. Carlos Farinha estava em Lisboa e, de uma

maneira rápida de mais, e porventura insensata, e penitencio-me por isso,

porque foi o primeiro problema sério que tive com os meus operacionais

(os meus, na altura, na DCICCEF). Isto porque o Dr. Farinha vinha de fora,

e a entrada dele na DCICCEF não foi bem aceite, uma vez que ele não era

um coordenador superior e entendia-se que para subdirector tinha de ser um

coordenador superior. Portanto, ele não era da DCICCEF, não era de

Lisboa, e era de fora!

Mas enfim, o Sr. Director Nacional não me deixou ponderar nada

disto, e disse-me: «A responsabilidade é minha! Avança-se, e acabou-se!».

Disseram-me mais tarde que a nomeação do Dr. Farinha era um ideia

para me «queimar», ou seja, para criar ali um funil do género «se não podes

apear o cavaleiro, mata o cavalo». Mas não sei, são apenas especulações!…

O que é certo é que o Dr. Carlos Farinha é um profissional com todas

as letras. É um homem de grande honestidade e seriedade e o pouco tempo

que esteve nesta direcção central fez um trabalho notável, sério, tenaz,

digno! E o Dr. Farinha foi demitido nas mesmas circunstâncias que eu: foi-

lhe sugerido, pelo telefone, que ele próprio tomasse a iniciativa de pedir a

cessação da comissão. Isto foi no dia 29, no dia em que vim a Lisboa.

Ainda nessa conversa, tentei fazer com o Sr. Director Nacional o

ponto da situação das investigações criminais. Pouco se viu, mas falei ao

Sr. Director Nacional na investigação do caso das finanças, que era uma

investigação que ocupava a 1.ª Brigada há cerca de 10 meses. Tratava-se de

uma investigação delicada, sensível, porque tínhamos conseguido, através

de métodos pró-activos de investigação, definir um modus operandi,

localizar uma série de redes intermediárias para a corrupção no interior da

máquina fiscal, e estávamos a dirigir a investigação para cima, para os

centros de direcção, para as direcções distritais e para pessoas que

desempenhavam cargos de chefia, porque essas pessoas surgiam, na análise

que fazíamos, fortemente indiciadas nestas práticas.

Mas referi ao Sr. Director Nacional que esta era uma investigação

muito opaca, muito desigual, na qual existiam três vectores fundamentais: o

dos intermediários fora da máquina fiscal, o dos angariadores, que eram

representados por homens que se reformaram das finanças e abriam

escritórios oferecendo os seus préstimos às empresas e às pessoas

singulares em dificuldades, para resolverem a situação no seio da

administração fiscal. Estas pessoas actuavam através dos intermediários

entre os angariadores e a administração fiscal, os intermediários perdiam-se

no interior da administração fiscal, e a investigação, sem utilização de

meios específicos de prova, tinha imensa dificuldade a individualizar

responsabilidade no interior da máquina fiscal.

Estávamos a dar prioridade à utilização dos meios específicos de

prova. Tinha até havido uma reunião, convocada a meu pedido, entre o

DIAP e o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal).

O Sr. Procurador-Geral Distrital, Dr. Dias Borges, esteve nessa reunião,

que ocorreu muito antes da tomada de posse do Dr. Adelino Salvado, e que

teve lugar no DIAP, para a discussão dos aspectos delicados e sensíveis

dessa investigação. Mas foi, de facto, um processo de qual falei ao Dr.

Adelino Salvado.

E falei-lhe também do processo da BT. Esta operação que foi

desencadeada hoje estava prevista para Junho, mas eu disse-lhe: «Eu não

vou poder avançar em Junho. Tenho as brigadas esgotadas! Há gente que

dorme dia sim, dia não. Tenho encontrado inspectores a dormir, às 8 da

manhã. Vou falar com eles porque penso que estão acordados, mas eles

estão a dormir em frente aos computadores. Eu própria tenho dias de sair

daqui às 3 da manhã e estar de volta às 8 da manhã. Acho que é uma

violência estar a avançar com esta operação, agora, em Junho». Aliás, eu

não estava contente com a prova recolhida e precisava de a consolidar.

De qualquer das formas, ele disse: «Mas a BT não é problema

nenhum. Isso pode avançar!». Ao que lhe respondi: «As brigadas não têm

neste momento resistência para isso!» e optei por não fazer, com desagrado

do Ministério Público, que estava atento a este processo. Aliás, no dia 7 de

Junho houve uma reunião com o Ministério Público sobre este processo, e

eu disse: «Dr. Pedro, neste momento, não vamos poder avançar. Esperamos

mais dois ou três meses e a prova estará mais consolidada». Assim foi

combinado. E, cá está a operação! E ainda bem!

Mas disse: «Vamos avançar com a operação da Brisa». A Brisa é um

processo engraçado, cuja identificação do modus operandi foi obtido,

graças à actuação dos meios de vigilância, que permitiram, noites e noites a

fio, identificar como é que se fazia a fraude com os tickets da Brisa. Se não

fosse assim, a Brisa iria continuar a suportar os prejuízos até hoje e o

processo seria apenas um monte de papel.

O processo só não foi um monte de papel, porque foram utilizadas

técnicas pró-activas de investigação e meios específicos e de prova, no

quadro legal e no quadro da coadjuvação das autoridades judiciárias e com

a autorização das autoridades judiciárias, como é evidente.

Essa conversa terminou desta maneira, isto é, sem nunca se discutir

as grandes linhas de fundo.

O que é que sucedeu depois da operação da Brisa? A operação da

Brisa foi no dia 3 de Junho, o Sr. Director Nacional até me deu os parabéns

e enviou-me uma caixa de bombons e um cartãozinho.

A partir dessa data, houve de facto grandes dificuldades no exercício

das minhas funções. Nunca eram grandes coisas. Vamos ver, quando falo

em divergências de natureza operacional, estou a raciocinar com base em

dois fenómenos, que são: «Isto vai mudar tudo! Já sabemos que a Sr.ª

Doutora não concorda! Acredito, tenho de acreditar. Não tenho razões para

não acreditar».

Depois, há aquilo que eu estava a fazer. É preciso saber aquilo que

eu estava a fazer. Ora, aquilo que eu estava a fazer quando a direcção

Adelino Salvado tomou posse era um processo não tradicional de combate

à grande fraude e à corrupção.

Eu considerava o crime económico prioritário, porque o crime

económico está no coração da fraude internacional e do crime organizado

internacional. Porquê? Porque os circuitos financeiros da fraude fiscal, do

branqueamento e do tráfico de droga são idênticos. Mais: a corrupção é o

elemento potenciador do crime económico e do crime organizado

internacional. Tal como as novas tecnologias de informação são um

elemento potenciador do crime económico e do crime organizado

internacional.

Nesse sentido, percebi que não podíamos estar a investigar para o

passado e não podíamos estar a «dormir em cima dos papéis». Para isso,

havia que quebrar três mitos: o mito de que os juizes de instrução não têm

sensibilidade para estes casos, e como tal não dão resposta às operações de

recolha de prova da polícia; o mito de que o Ministério Público não está no

terreno e não acompanha a polícia neste tipo de investigações; e o mito de

que nós não temos meios humanos.

Devo dizer que durante metade da minha direcção trabalhei com

metade dos coordenadores e metade dos efectivos previstos para aquela

direcção central, porque os quadros só foram completados, em termos de

quadro previsto, em finais de Novembro de 2001.

No entanto, proibi as pessoas de falarem mais e disse: «Vamos para

o terreno, há muito que fazer, vamos investigar, utilizar meios específicos

de prova, fazer acompanhar as investigações com um sentido integrado

dessas investigações». Isto porque há uma ligação entre as investigações da

corrupção, da fraude, do contrabando organizado e da criminalidade

informática. Como tal, tem de haver uma análise e um tratamento de toda a

informação que decorre de todas essas investigações.

Portanto, criei o lugar de coordenador superior de investigação

criminal, para fazer a investigação integrada ao nível das secções de

investigação criminal.

Criei uma secção de investigação do contrabando organizado, que

não existia (foi criada em Novembro de 2001, com 10 pessoas), ideia que

me foi transmitida pelo Dr. Rosário Teixeira.

Criei uma secção de vigilâncias em Novembro de 2001, para recolha

de prova no terreno em tempo real, para identificação dos autores da

infracção; fiz acompanhar todas as investigações de perícias informáticas,

perícias financeiras e perícias contabilísticas.

Desenvolvi a pluridisciplinaridade; pedi apoio à IGF, pedi apoio à

banca, reuni com os representantes do contencioso da banca,

nomeadamente do Montepio Geral, portanto pedi a colaboração das

instituições financeiras para fornecimento de informações no combate ao

branqueamento, ao dinheiro sujo, aos proventos do crime.

Pedi às operadoras de telecomunicações o fornecimento de dados

digitais em termos de identificar os autores dos crimes praticados através

da internet.

Desenvolvi um espírito de trabalho combativo, de um trabalho com

visibilidade, de um trabalho que divulgasse junto da opinião pública os

valores da honestidade, da seriedade e do combate à corrupção.

Defini prioridades orgânicas que passavam pela distinção entre a

prevenção, entre a investigação, entre a análise e recolha de prova.

Defini prioridades no terreno em termos de investigação criminal,

que diziam respeito a zonas de risco na sociedade portuguesa, onde a

corrupção atingiu níveis intoleráveis, a saber: a máquina fiscal, forças

policiais, como a Brigada de Trânsito, no futebol, leiloeiras, que estão

também inseridas em todo este circuito – isto, já, no domínio de prioridades

dentro das tipologias do crime –, contrabando ao IVA em carrossel,

contrabando aos IEC (Impostos Especiais sobre o Consumo) e, como os

meios eram escassos, desenvolvi protocolos, e, ainda, a fraude na saúde,

farmácias e laboratórios.

Aprovei um protocolo com a Inspecção-Geral de Saúde, como a

forma de colmatar a fala de recursos humanos, pedi apoio à IGF, o qual

nunca me foi negado, tive peritos da IGF a trabalharem constantemente

connosco, pedi apoio a polícias estrangeiros, a congéneres estrangeiras –

aliás, tenho aqui um agradecimento de uma polícia estrangeira, a polícia

aduaneira inglesa, a respeito do trabalho que foi desenvolvido sob a minha

direcção durante esse tempo e que me foi enviado no dia 28 de Agosto.

Isto para dizer que o meu espírito não era estar enfiada no buraco do

n.º 42-A da Rua Alexandre Herculano, mas, sim, vir para a rua, prender,

apreender e desmantelar, no quadro das investigações, no quadro das

prioridades legais definidas, dar visibilidade à actuação da Polícia

Judiciária e dar um sinal à opinião pública de que estava a fazer-se

qualquer coisa.

Com isso, obteve-se uma grande viragem no combate ao crime

económico e a Polícia Judiciária foi prestigiada. Eu saí há dois meses da

Polícia Judiciária e há trabalho que ficou lá, do tempo da minha direcção.

Protagonismo, por protagonismo, não me importo de o dizer: há trabalho

que eu deixei lá e que, neste momento, permite às pessoas invocarem que

estão a continuar a luta contra a corrupção, até estão a continuar a defender

os meus objectivos, porque esse trabalho ficou lá, é trabalho sólido.

Portanto, o meu protagonismo não foi de exibicionismo pessoal, nem

de valores pessoais, nem de promoção pessoal, não fui para a Polícia para

isso, bem pelo contrário!

Quando fui para a Polícia tinha um nome - aliás, eu costumava dizer

aos operacionais que eu antes de vir para a Polícia era uma pessoa

prestigiada, não sei se saio daqui uma pessoa prestigiada. O que é certo é

que foi restabelecida a confiança nas instituições, choviam mails na

DCICCEF, todos os dias, em que se dizia: vocês fazem-nos acreditar em

que a justiça não é uma farsa, continuem, parabéns!

A confiança nas instituições fez com que aumentassem as denúncias,

que é uma coisa importante, é uma coisa recomendada pelo grupo

multidisciplinar contra a corrupção. E havia entusiasmo, todos tinham

projectos, naquela casa, desde a informática ao contrabando organizado,

todos se reviam no trabalho que estavam a fazer, ninguém regateava

esforços, todos estavam dispostos a sacrifícios porque valia a pena! E o

trabalho vê-se! Não preciso de falar no trabalho. Aliás, no dia em que eu

peço a demissão é um trabalho que está a meio, é um trabalho que há-de ser

concluído, um, outro não sei o que é que sucederá, mas era trabalho, todo

ele, que estava em marcha. Acontece…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Dr.ª, não vou retirar-lhe a palavra, queria só

deixar-lhe duas notas: em primeiro lugar, Sr.ª Dr.ª, tenho que lhe dizer isto,

esperei até cumprir uma hora já de intervenção…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — É verdade, tem toda a razão!

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados, membros da Comissão,

também terão outras questões para colocar e eu pedia à Sr.ª Dr.ª que

tentasse o mais possível abreviar porque, senão, é praticamente impossível

funcionarmos.

E em segundo lugar, só dizer-lhe também que não é à Polícia

Judiciária que estamos aqui a inquirir e, muito menos à Sr.ª Dr.ª às suas

funções na Polícia Judiciária, é os actos do XV Governo e as demissões

protagonizadas neste XV Governo.

Portanto, pedia à Sr.ª Dr.ª que, independentemente que a Sr.ª

entender – se o entender – que tem necessidade de, vez por vez, recuar no

tempo para situar alguma questão, tentasse cingir-se um pouco à questão

concreta do mandato desta Comissão, sob pena de não conseguirmos ser

eficazes no nosso trabalho.

Peço-lhe desculpa, pela interrupção.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Tem toda a razão, Sr. Presidente,

mas foi o número de perguntas que me foram postas. Mas é que há aqui um

problema: eu estava inserida numa estrutura operacional, tinha uma

direcção operacional. E não tinha contacto directo com a tutela. De maneira

que todas as acções da tutela se repercutem ao nível da estrutura orgânica e

das prioridades definidas.

O que posso dizer-lhes é que até ao dia 27 de Agosto, há da parte do

Dr. Adelino Salvado toda uma atitude que me parece de desautorização

pessoal, minha! A saber: por exemplo: praticamente a proibição de

coordenação funcional de recolha de informação em matéria de corrupção,

a nível nacional. Em que termos? Eu digo «praticamente a proibição»,

porque tudo se passou também desta maneira complexa e que tem de ser

explicada.

Antes do dia 16 (e depois, no dia 16 é que foi discutida esta matéria),

num determinado fim-de-semana, a um sábado de manhã, também, às 10

horas, ou uma coisa qualquer assim, fui abordada pelo Sr. Director

Nacional, sobre se tinha alguma coisa a propor sobre a alteração da Lei

Orgânica da Polícia Judiciária, tendo eu colocado a questão dos crimes

tributários, que, depois, ficou da forma que se viu.

Mas disse-lhe: olhe, estou a fazer um despacho sobre averiguações

preventivas, porque pretendo uniformizar a recolha de informação das

averiguações preventivas, em matéria de corrupção e criminalidade

económico-financeira, pretendo utilizar o dever de coordenação funcional

por parte da DCICCEF, tenho um despacho preparado, já conversei sobre

ele com os directores nacionais adjuntos das diversas directorias, e gostava

de ouvir o Sr. Director Nacional sobre isso.

Então, li-lhe o despacho e ele retorquiu: mas porque é que não sou eu

a fazer o despacho? E respondi: o artigo 27.º da lei orgânica dá-me, a mim,

esse poder-dever. Isto é matéria sectorial que se prende com a coordenação

em matéria de corrupção e eu sentia-me desautorizada, senão fizesse o

despacho.

E, pronto, combinou-se que eu fazia o despacho. Enviei o despacho

aos directores nacionais adjuntos. É evidente, este despacho pretende

uniformizar procedimentos de recolha de informação. Ora, qual é a razão

da uniformização de procedimentos de recolha de informação da

corrupção? É ter o quadro global da corrupção no País com a dimensão do

fenómeno, o âmbito do fenómeno, a categoria profissional das pessoas

implicadas no fenómeno, as ligações entre o fenómeno corrupção e o crime

organizado e a capacidade de resposta, quer a nível de Direcção Central

quer a nível dos serviços regionais, a respeito do combate à corrupção.

Quando envio o despacho por fax aos directores nacionais adjuntos, é

evidente que há resistências, porque há uma resistência na Polícia

Judiciária entre direcções centrais e serviços regionais. E o Director

Nacional tem que fazer a média destas situações e unir as pessoas e não

tomar partido em relação a serviços regionais ou em relação a direcções

centrais.

Acontece que depois de eu ter feito o despacho - e tenho-o aqui e

faço questão de deixá-lo a esta Comissão - em que defini as regras

orientadoras de recolha da informação em matéria de averiguações

preventivas e recebi, passados dois dias, no dia 10 de Julho, um ofício, que

me foi entregue em mão, por parte do Sr. Director Nacional, em que me

censura severamente e de uma forma como eu nunca fui censurada na

minha vida profissional, porque, mais ou menos, sempre fui cumprindo as

minhas obrigações, dizendo: «Atento o teor do despacho número 20 de 10

de Julho, que acompanhou o ofício em referência…» – é o tal despacho que

está aqui – «… verifiquei que V. Ex.ª ao dirigir-se expressamente aos

directores nacionais adjuntos nas directorias de Porto, Coimbra e Faro,

permitiu-se…» – eu! – «… utilizar o termo imperativo ‘determina-se’…» -

que, aliás, é a fórmula dos despachos… Mas isto já era difícil assim, que

faria, pedindo por favor… - «… quando, em nosso entendimento, deveria

ter usado o verbo solicitar ou outro de similar abrangência, assim apelando

à necessária cooperação e indispensável solidariedade institucional,

visando obter a pretendida uniformização de procedimentos.

Porque entendo que nas relações entre directores nacionais adjuntos

da Polícia Judiciária sempre se impõe manter o melhor relacionamento e a

máxima colaboração, venho sugerir a V. Ex.ª que, de futuro, quando a eles

se dirigir, evite utilizar termos eivados de desnecessário e contraproducente

autoritarismo».

Depois, fez-me um processo de intenções, fez-me notar que tinha

havido uma reunião no dia 5 de Julho, em que eu poderia ter colocado esta

matéria à discussão e eu não o fiz, nem sequer estava preparada, nem fazia

parte da ordem de trabalhos, e fez-me notar que iria ser marcada uma nova

reunião do Conselho de Coordenação Operacional – como foi, no dia 16 de

Julho – para discutir esta matéria.

Senti-me completamente desautorizada por isto – aliás, já tinha posto

a hipótese da minha demissão em meados do mês de Junho, a propósito de

um incidente semelhante, e como não podia passar a vida a andar a pedir a

demissão guardei para a reunião do dia 16 a minha posição a esse respeito.

Nessa reunião do dia 16 pedi mais uma vez ao Sr. Director Nacional

que me libertasse do meu compromisso, tendo feito notar que a Polícia

Judiciária poderia vir a pagar um preço muito elevado por aquela

necessidade que ele parecia demonstrar de se demarcar da minha pessoa,

uma vez que tanto me tinha defendido, parecia obrigado a demarcar-se de

mim constantemente.

O Sr. Director Nacional não deu relevância a este meu pedido,

passou à frente, nem sequer considerou e tivemos uma reunião em que se

discutiu tudo e mais alguma coisa - questões supérfluas -, mas, no fundo,

aquilo que eu pude concluir é que havia da parte do Sr. Director Nacional

uma má interpretação acerca do papel e função das direcções centrais.

De facto, havia a ideia da parte do Sr. Director Nacional que as

direcções centrais punham em causa as competências das direcções

regionais e dos serviços regionais de uma forma que eu não compreendia o

que é que ele queria dizer com isso, porque as centrais são a resposta

temática de combate ao crime organizado e as direcções centrais não põem

em causa a coordenação entre a Polícia Judiciária, até porque tem de haver

coordenação com a especialização em relação ao crime organizado

internacional.

De maneira que eu não percebi; ou melhor, percebi que havia ali uma

má vontade em relação às direcções centrais e aos mecanismos de

centralização funcional da informação, por parte das direcções centrais, que

é a única maneira de combater com impacto o crime organizado

internacional.

Nesse dia 16 - sei que foi dia 16, porque no dia 15 tive uma reunião

do grupo GRECO (um grupo de Estados contra a corrupção) e portanto não

pôde ser a reunião no dia 15 – a reunião prolongou-se até às 14,30 horas,

mais ou menos, até tarde e quando eu ia almoçar com os meus colegas, sou

chamada através de um colega para ir ao quarto andar falar com o pelo Sr.

Director Nacional, sendo que estavam também presentes, o Sr. Dr. José

Branco e Dr. João Vieira.

O Sr. Director Nacional deu-me a entender - já não me lembro das

palavras exactas – que teria acabado de receber telefonema da Sr.ª Ministra

da Justiça e era essa a razão de ele me chamar. Esse telefonema da Sr.ª

Ministra da Justiça também estaria ligado a um pedido de esclarecimento

do Dr. Paulo Portas e era também essa a razão pela qual ele me estava a

chamar, sendo que esses esclarecimentos tinham que ver com uma coisa

que eu não percebi, até porque estava cansada, era tarde e não tinha

almoçado, mas que levaram o Sr. Director Nacional a perguntar-me quem

era o homem que andava em Monsanto.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — «Andava em Monsanto»,

acompanhava o processo, já se está a ver.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sim. Mas a expressão foi essa.

Eu não percebia nada, pedia mais explicações. Senti-me algo confusa

e depois de mais explicações foi-me dito que haveria alguém da DCICCEF

que andava em Monsanto e acompanhava o Ministério Público e não sei

quê, isso não podia ser, dava problemas… E foram-me dadas instruções

verbais - não escritas, verbais! - e o Dr. José Branco e o Dr. João Vieira

estavam presentes – para ninguém da DCICCEF ir a Monsanto. Ninguém!

Eram instruções verbais que tinham a ver porventura com o apoio

logístico que se estava a dar ao Ministério Público, que tinham a ver com a

ida do Pedro Albuquerque, que era segurança do secretariado da direcção e

também meu segurança e o homem que me acompanhava sempre – aliás,

até o mudaram de serviço a seguir à minha saída da Polícia Judiciária. É

um homem de uma dedicação notável e de uma intuição policial fora de

série que apoiou a investigação do caso Moderna.

Como é tradicional, e nós estamos em condições de o fazer, a Polícia

Judiciária costuma coadjuvar os magistrados do Ministério Público nos

megaprocessos. Aconteceu isso no caso FP 25, como o Dr. Adelino

Salvado sabe; aconteceu no processo das FP 27, o qual correu

paralelamente ao das FP 25, em que fui titular da acção penal e fui

coadjuvada por uma equipa da DCCB, que não me largava; aconteceu no

processo do Vale e Azevedo, em que o Ministério Público foi coadjuvado

pela Polícia Judiciária. Enfim, aconteceu em muitos outros processos

classificáveis de megaprocessos.

É uma tradição na Polícia Judiciária dar apoio logístico ao Ministério

Público, além de que também tem a ver com o feed-back do julgamento,

com a recolha da informação, com a análise dos resultados e não tem a ver

— não foi essa a dimensão da recomendação, chamemos-lhe assim, ou da

instrução verbal do Sr. Director Nacional — com: «Não quero a presença

de testemunhas do processo Moderna em julgamento».

Sou magistrada com muitos anos de experiência, não sou

principiante, não era um erro desses que eu estava a cometer. Não havia

nenhuma testemunha do caso Moderna presente em Monsanto e, muito

menos, na sala de audiências de julgamento. Tinha havido era algum apoio,

embora fosse fraco — com pena minha, porque gostaria de dar um apoio

maior ao Ministério Público, tinha muito orgulho em poder dá-lo — e até

disse ao Ministério Público: «Lamento imenso, estamos com falta de

meios, mas vou pedir ao meu segurança que o leve durante a primeira

semana de julgamento e que lhe dê esse apoio». Foi uma iniciativa minha,

com muito orgulho, com muito gosto.

Vi que, meses depois, essa iniciativa suscitou preocupações, pedidos

de esclarecimento e uma instrução, que não era para confusões, da parte do

Sr. Director Nacional, que disse: «Não quero ninguém em Monsanto». Era

estar em Monsanto a acompanhar o Ministério Público, a coadjuvar, não

era na sala de audiência, não tinha a ver com cautelas em relação à

produção de prova — e chamo a atenção para o facto de o Ministério

Público poder pedir a coadjuvação da Polícia. Por exemplo, no processo da

UGT eu própria determinei a coadjuvação do magistrado de julgamento

para a notificação das testemunhas. É algo que é prática na Polícia.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Está na lei orgânica.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Está, mas também é prática da

Polícia. O que não está na lei é dizer que não pode ir ninguém lá.

Entretanto, estava ainda com esse dilema, pensei: «Este homem tem-

me defendido tanto que o melhor é obedecer para não haver problemas.

Não lhe quero causar problemas». Era esse o meu espírito e obedeci

cegamente. Fui para a Alexandre Herculano, mandei chamar o coordenador

da brigada, Borlido, que estava em férias e que veio de propósito por causa

disto e fiz uma reunião com ele ao fim da tarde.

Chamei o coordenador Borlido, o Inspector Gonçalves Pica, o

Inspector Álvaro de Sousa e o Pedro, que era um inspector novo (se não me

engano, eram esses três inspectores e o coordenador, os restantes estavam

de férias) e disse-lhes: «Não vai ninguém a Monsanto. Não sei se estão ou

não a ir pessoas a Monsanto, tenho mais que fazer, é um julgamento de

porta aberta e não têm que me pedir autorização para ir a Monsanto falar

com o Ministério Público, para recolher informação, para ter um feed-back

do julgamento. Não era preciso pedirem-me autorização para isso, mas a

partir de agora não vai ninguém a Monsanto».

Eles ficaram surpreendidos, não compreenderam, não estavam no

dilema em que eu estava, até protestaram e perguntaram-me, já que a

minha relação com eles eram franca: «Sr.ª Dr.ª, mas porquê?». Queriam

compreender a legitimidade da minha ordem, porque era eu que a estava a

transmitir. E eu disse: «Não vão, porque o Sr. Director Nacional deu-me

essa instrução, e, portanto, não vai ninguém». E assim ficámos, com as

reflexões inerentes a um acontecimento destes.

Voltei a falar com o Sr. Dr. Director Nacional sobre isso, dei-lhe

contas, disse que tinha transmitido estas instruções à brigada e disse ainda:

«Mas não percebo e julgo que está a haver falta de confiança em mim».

Senti que havia falta de confiança política em mim a partir dessa data, de

forma inequívoca e irreversível.

Houve mais episódios, não sei, mas, porventura, talvez seja melhor

eu terminar por aqui…

Entretanto, para terminar, devo dizer que quando fui para férias

entreguei ao Sr. Director Nacional a estatística, que está aqui, sobre a

produtividade da DCCICEF. O Sr. Director Nacional não mostrou especial

entusiasmo em relação à estatística, só me disse — porque me fui despedir

dele pessoalmente —: «A partir de agora vão passar a fazer todos» — é a

tal estatística semestral.

A partir do segundo dia de férias tive notícia de interferências que

nunca tinham sucedido anteriormente; foi dada uma ordem de prioridade ao

processo dos combustíveis, com desorientação da brigada, em relação aos

dois processos prioritários que tinham alvos importantíssimos e em relação

aos quais estava em causa a cooperação com outros órgãos de polícia

criminal. O processo dos combustíveis vinha de uma averiguação

preventiva, desenvolvida por minha iniciativa e de acordo com as minhas

instruções, com abundância de informação e cujo inquérito eu tinha

proposto ao DCIAP em Janeiro de 2002. A prova estava garantida e estava

pendente do cumprimento de uma carta rogatória. Portanto, não

compreendi…

Também não compreendi por que é que o Sr. Director Nacional, com

quem falava todos os dias, não trocava impressões comigo sobre esses

processos, porque eu conhecia-os directamente.

Entretanto, sem que nada me fosse perguntado, foi pedida

informação por escrito em relação ao processo das finanças ao

coordenador, Sr. Calado Oliveira, para que fosse enviada ao Sr. Director

Nacional uma informação circunstanciada sobre o estado do

desenvolvimento do processo.

Perguntei ao Sr. Director Nacional se alguma vez eu lhe tinha faltado

com informação sobre a matéria, porque entendi que era uma

desautorização e que era um mau sinal estar a pedir informação de um

processo daquela natureza e sensibilidade na minha ausência e

aproveitando as minhas férias. O Sr. Director Nacional manifestou-me um

grande pessimismo a respeito do processo, acerca da probabilidade de

existirem resultados concludentes do processo. Eu disse-lhe que era

irreversível, que havia gente presa e que não havia outro caminho. Ele

mostrou-me de facto um grande pessimismo, mas isto foi tudo através de

uma conversa pelo telefone.

Seguiu o projecto de protocolo sem ter em conta todo o trabalho que

havia da DCICCEF — basta lerem o relatório anual de 2001 e as

conclusões do subgrupo de trabalho sobre a criminalidade económica,

financeira e fiscal que posso entregar a esta Comissão.

Portanto, no dia 27 de Agosto, fiquei convencida que o meu nome

entrava num pacote político; era aprovado o protocolo, era aprovada a lei

orgânica, era aprovado o projecto financeiro da Polícia Judiciária e eu não

era «aprovada». Julgo que tenho legitimidade para tirar estas conclusões.

É tudo o que eu quero dizer agora a este respeito. Prefiro aguardar

que sejam feitas mais perguntas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Sr. Presidente, não porei qualquer

questão nova, mas gostaria apenas de obter aclaramentos quanto às

questões que coloquei, que foram de algum modo referidas, mas que não

ficaram inteiramente claras.

No dia 16 de Julho deixou de haver acompanhamento do julgamento

do processo do chamado caso Moderna, em Monsanto, por instrução verbal

do Sr. Director Nacional, na sequência de um telefonema da Sr.ª Ministra

da Justiça. E, a partir daí, o segurança Pedro Albuquerque, que até aí tinha

acompanhado o procurador que coordenava a acusação, que, julgo, chamar-

se Dr. Manuel Dores, deixou de o fazer.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Há dois procuradores…

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Mas o que tem sido referido na

comunicação social é o Dr. Manuel Dores.

A segunda questão é a seguinte: confesso ser um pouco estranho que,

não tendo havido nenhum despacho de nomeação por parte da Sr.ª Ministra

da Justiça, e tendo prosseguido uma comissão de serviço que vinha de trás,

ao contrário do que por vezes se tem vindo a fazer crer, a continuação na

equipa da direcção da Polícia Judiciária tenha resultado de um contacto tido

apenas na noite da véspera do dia anterior à tomada de posse com o

Director Nacional, Dr. Adelino Salvado.

Há, quanto a esta questão, dois aspectos importantes, sendo bom que

fique claro o que é que aqui foi dito. Um deles tem a ver com uma

referência a um contacto com o Dr. Luís Bonina, anterior Director

Nacional, com quem houve contactos nesta fase, em que o Dr. Luís Bonina

terá referido que a Sr.ª Ministra da Justiça teria manifestado desagrado pela

exuberância de acções e, se bem percebi, isso teria a ver com o chamado

processo das finanças, que era na altura uma questão recente.

O segundo aspecto tem a ver com o seguinte: o Dr. Adelino Salvado

terá dito que a Sr.ª Ministra não estaria interessada na manutenção da Dr.ª

Maria José Morgado na equipa e que aquela, como disse há pouco, iria

fazer um contacto com o Sr. Procurador-Geral da República no sentido de

encontrar uma colocação compatível com o seu estatuto profissional no

Ministério Público. Gostaria de confirmar este aspecto.

Tendo em conta que se tratam de matérias demasiado importantes,

que envolvem uma alta personalidade do Estado, o Dr. Souto Moura, que

todos respeitamos, pessoalmente e pelas elevadas funções que desempenha,

gostaria de saber se há alguma indicação de que a Sr.ª Ministra da Justiça

tenha feito diligências no sentido de, por um lado, encontrar uma colocação

compatível e de, por outro, em consequência disso, não permanecer em

funções na Polícia Judiciária.

Finalmente, manifestou aqui, na parte final da sua intervenção, uma

grande preocupação do Director Nacional e, por outro lado, um grande

desinteresse relativamente ao chamado processo das finanças.

No chamado processo das finanças, pelo que recentemente vi na

comunicação social, foram confirmadas situações de prisão preventiva,

tendo um número elevado de arguidos, e vi numa entrevista sua, julgo que

ao Expresso, referência relativamente a este processo, e a processos nesta

área, que só com arrependidos é que é possível aqui obter ou constituir

prova sólida em julgamento.

Tem consciência, neste processo, por um lado, que haja uma

estratégia de desqualificação da prova e de invalidação desta possibilidade

de constituir arrependidos viáveis, disponíveis, e, por outro lado, que

estejam aqui a ser ofendidos interesses quer de altos dirigentes da estrutura

da administração fiscal quer de – segundo falou – intermediários,

angariadores, advogados, tendo com eles relações?

O Relatório de 2001 foi referido. Mesmo se não podemos ter acesso

ao tal «tijolo», pelo menos que, para já, se tenha acesso aos tais elementos.

Isso era certamente importante para o nosso conhecimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr. Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - O contacto foi na véspera, no dia

23, à noite, às 9, 10 horas da noite. Refiro-me ao tal contacto do Dr.

Adelino Salvado comigo, na véspera da tomada de posse, no dia 23 à noite.

Soube depois que tinha havido diligências do Dr. Adelino Salvado

junto do Dr. Rui do Carmo, Subdirector do CEJ, no sentido de ocupar o

meu lugar, e muito dignamente o Dr. Rui do Carmo não aceitou.

Soube junto dos meus colegas. Na Relação toda a gente sabia e isto

foi espalhado pelo próprio Dr. Adelino Salvado, que dizia que não sabia o

que havia de fazer com a Maria José porque a Ministra não a queria.. Isto é

o que corre nos corredores da Relação! Era isto!....

Isto é depoimento indirecto, porque o Dr. Adelino Salvado disse-me

a mesma coisa, que havia oposição da Ministra em relação a mim...

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Dr.ª, por depoimento indirecto - e

não o referi porque é demasiado grave -, há referência às diligências junto

do Sr. Procurador-Geral da República. Tem alguma indicação dessas

diligências?

A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - Não tenho...

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas há 21

Deputados nesta Comissão, a reunião já vai em mais de uma hora e meia e

ainda só falou um Sr. Deputado.

Portanto, peço atenção, porque se não vou ter de começar a

disciplinar de maneira diferente os trabalhos, sob pena de ser

completamente impossível aos Srs. Deputados participarem no debate.

Isto não é admissível e, portanto, peço à Sr.ª Dr.ª Maria José

Morgado para responder e aos Srs. Deputados para não tomarem a

iniciativa de falarem sem eu lhes dar a palavra.

A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - O contacto foi na véspera e os

rumores que corriam, ou melhor, já não lhes chamo rumores mas um facto

notório. Toda a Lisboa sabia, apareceu na comunicação social e nunca foi

desmentido pelo Dr. Adelino Salvado.

Eu esperava, quando foi da 1.ª Comissão, que o Dr. Adelino Salvado

assumisse esse facto. Sinceramente, esperava. Talvez tenha sido a minha

última ingenuidade, mas esperava, porque fiz, na 1.ª Comissão, uma

abordagem genérica do meu pedido de demissão e, neste momento, estou a

concretizar os factos e as circunstâncias em que ela ocorreu.

O desagrado da Sr.ª Ministra em relação a mim tinha a ver com uma

acusação de excesso de visibilidade. Acho que é excesso de resultados, não

excesso de visibilidade; é a visibilidade que dá o combate à corrupção.

Esse desagrado que ela manifestou em relação ao Dr. Bonina é

depoimento indirecto, não era por causa do processo das finanças –

atenção, quero corrigir essa afirmação, não fui eu que a fiz, essa é uma

interpretação das minhas afirmações –, era por causa de uma intervenção

que eu tive na TSF. Ainda não se sabia quem era o director nacional e

perguntaram-me se eu estava disposta a continuar na Polícia; eu disse que

os operacionais, os homens e mulheres da DCICEF, estavam dispostos a

continuar a combater a corrupção fosse quem fosse que viesse a assumir

essa direcção.

Estas minhas palavras deixaram a Sr.ª Ministra da Justiça muito

desagradada e ela transmitiu esse desagrado ao Dr. Bonina. Achava que

havia excesso de visibilidade da minha parte! Mas era a propósito daquilo

que ela chamou entrevista na TSF, que não foi uma entrevista mas umas

meras palavras. Portanto, quero corrigir isso.

Em relação ao Sr. Procurador-Geral da República, sei o que o Dr.

Adelino Salvado me disse. Porventura, o Sr. Procurador-Geral da

República melhor do que ninguém saberá explicar o que se passou.

Em relação ao processo das finanças, é verdade que estávamos a

trabalhar uma hipótese de arrependidos, a concretizar-se em Setembro, no

meu regresso de férias.

A questão dos arrependidos ou dos agentes colaboradores, ou como

lhes queiram chamar, tem um quadro legal previsto, mas o quadro legal não

faz milagres, pois é preciso haver confiança nas instituições e em quem está

a trabalhar naquele momento. É uma matéria que precisa de alguém que

lidere o processo e faça a ligação entre a Polícia e o Ministério Público e

com o próprio colaborador. Tive situações dessas, em que tem de se falar

com o colaborador, tem de se expor quais são as suas obrigações, qual é o

seu estatuto no processo, saber se a pessoa está disposta ou não. Portanto, é

preciso alguma sensibilidade e algum treino, algum empenho nesta matéria.

De facto, isso estava previsto mas não faço ideia sequer se o Dr.

Adelino Salvado sabe isso ou não, porque, como digo, ele mostrou sempre

pessimismo a respeito desse processo. Disse-me que achava que este

processo não ia dar nada! É claro que estes são processos terríveis, são do

mais difícil que há, suscitam oposições de toda a parte e se não há apoio de

um director nacional nesta matéria é o desanimo!

Não sou muito dada a desanimos, mas, de facto, que ele me disse, a

mim, que achava que o processo não ia dar nada... Pronto, é uma opinião!

Até pode ser que não dê nada! Só a evolução da investigação o

demonstrará. Porque, quando me pediram para pedir a demissão, ninguém

me deu aquilo que o Sr. Director Nacional pediu aqui, na 1.ª Comissão, na

Assembleia da República, que foi tempo. Eu não tive tempo!

Estava num princípio de trabalho, estava a ensaiar novos métodos,

que nunca se tinham ensaiados neste país, porque aquilo que se está a fazer

no crime económico só se fazia no tráfico de droga e no banditismo, nunca

se fez no crime económico. Nunca houve operações com recolha de prova,

com buscas e com detenções. Nunca! E nós fizemos mais de 100 detenções

na DCICCEF, todas, todas consideradas legais e confirmadas pelos juizes

de instrução criminal.

As buscas foram todas confirmadas pelo juiz de instrução criminal,

não houve um fragmento de qualquer diligência que tenha sido considerado

irregular, tão pouco, para já não falar de ilegal!

E, mais: conseguiu-se, em menos de um ano, julgamentos de fraudes

gravíssimas como o caso Vale e Azevedo, que era um símbolo de

impunidade neste País, como o caso de fraude ao IVA em carrossel, que é

dos processos mais difíceis que estiveram em tribunal neste país e que

houve condenação em Junho. Isto consegui-se em menos de um ano!

Alguma coisa isto deve querer dizer, apesar de tudo! É claro que não

fiz metade daquilo que me propunha fazer, aquilo que foi feito foi muito

pouco, mas houve de facto uma viragem, houve uma mudança e houve uma

percepção disso por parte da opinião pública. Houve prestígio para a

Polícia Judiciária!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José

Morgado, permita-me que, em primeiro lugar, a cumprimente e agradeça a

sua colaboração nesta Comissão de Inquérito, com vista ao esclarecimento,

como disse, e bem, da verdade e só da verdade, no caso a verdade material

e não a verdade formal, e muito menos a dita verdade parlamentar.

Deixe-me dizer-lhe desde já, numa primeira abordagem desta

questão, que nós também partilhamos da observação feita a dado passo da

sua exposição, de que a questão central que deveria aqui ser discutida era

de facto a questão do combate eficaz ao crime económico-financeiro e ao

crime organizado. Essa é que é a questão central! As linhas estratégicas

desse combate é que deveriam estar aqui a ser discutidas e não, como

manifestamente ocorre, aqui e acolá, questões marginais, espúrias, e muitas

delas eivadas de mera conjectura e de mera especulação e, como tal,

indemonstráveis.

Aliás, en passant, deixe-me dizer-lhe que por duas vezes fez

referência ao facto público e notório, represtinando uma observação que já

tinha feito na 1.ª Comissão, aquando da sua passagem aí, há um mês atrás,

mas ao contrário daquilo que afirma, que o facto público e notório não

precisa de ser provado – na verdade, está ali um colega meu que aprecia

muito estas citações, há um brocardo latino que diz notoria non est

probatione, ou seja, os factos notórios não precisam de prova –, este facto

concreto, que V. Ex.ª apoda, a meu ver irroneamente, de facto público e

notório, não o é, porque tem de ser provado.

Quando V. Ex.ª diz que a Sr.ª Ministra da Justiça não a via com bons

olhos, ou que a Sr.ª Ministra da Justiça e o Sr. Dr. Paulo Portas tinham

medo de V. Ex.ª, far-me-á a justiça de admitir que esta matéria não está

provada por natureza, necessita de prova, manifestamente não é um facto

público e notório.

Esta é apenas uma observação marginal, mas que obviamente tem

relevo no contexto da sua intervenção, que, aliás, apreciei, deixe-me dizer-

lhe, até porque boa parte dela está manifestamente eivada, citando Vitorino

Nemésio «de uma abundância de alma». Ou seja, aquilo que V. Ex.ª

expressa aqui, estou em crer, é exactamente aquilo que V. Ex.ª sente e

pensa relativamente àquele que é o caminho, a via a trilhar pela Polícia

Judiciária com vista à eficácia do combate ao crime económico-financeiro

e ao crime organizado. Não tenho sobre isso a menor dúvida e não tenho

qualquer pejo em afirmá-lo com toda a seriedade e frontalidade!

Mas vamos às questões concretas que lhe queria colocar e, desde

logo à primeira, aquela que se antolha evidente e incontornável, que é, de

facto, o fio condutor das razões que enformam a sua demissão da direcção

da DCICCEF.

Manda a verdade dizer que, numa primeira fase, quiçá um pouco

pressionada pelas contingências ocasionais desse mesmo dia, V. Ex.ª

começa por enviar, da Junta de Turismo da Ericeira, um fax ao Sr. Director

da Polícia Judiciária apresentado a sua demissão.

Aliás, é curioso constatar – e esta análise, ou psicanálise, não é de

todo em todo irrelevante – que até no próprio texto da carta se nota alguma

pressão da parte de V. Ex.ª na elaboração do referido texto, posto que

corrige por duas vezes o próprio termo da demissão, começando por dizer

«venho (e depois corta o «venho») apresentar a de (e depois corta o «de)

demissão», o que significa ou indicia – e para quem anda no mundo direito

estas questões têm relevo, e eu prezo-me de andar há muito neste mundo e

ter a preocupação de perceber muitas vezes o que é que subliminarmente

decorre do conteúdo das mensagens – uma situação de alguma pressão da

parte de V. Ex.ª na elaboração dessa carta de demissão.

O que é facto é que ela é absolutamente clara e inequívoca

relativamente ao seu conteúdo, que é, pura e simplesmente, a demissão das

funções de directora da DCICCEF, e a jusante, dois dias depois, aí com

certeza com alguma detença – citando agora Saramago –, com alguma

ponderação e reflexão, V. Ex.ª reitera o teor desse mesmo fax, mas agora

com particular percuciência relativamente às razões fundamentadoras da

sua demissão. E quais são elas? Desde logo – repare-se neste detalhe –

única e exclusivamente razões de estratégia operacional respeitantes à

organização desta Direcção Central. Há aqui um cuidado particular de V.

Ex.ª de eliminar qualquer tipo de especulação ou de conjectura, como hoje

aqui se procura joeirar, à vol d’oiseau, dizendo que é única e

exclusivamente por questões de natureza, de estratégia operacional

respeitantes à organização desta Direcção Central.

Manda a verdade dizer também que V. Ex.ª é coerente, porque na

intervenção que fez aqui na 1.ª Comissão, a 11 de setembro, reitera ipsis

verbis esta expressão. V. Ex.ª, na exposição escrita que traz à 1.ª Comissão,

começa exactamente por utilizar, sem tirar nem pôr, esta expressão

concreta «questões de estratégia operacional respeitantes à organização

desta Direcção Central». Isto é claro, clarinho!

Em segundo lugar, segundo a nota dessa sua missiva, V. Ex.ª faz

questão em sublinhar que repudia — e de forma veemente, como aliás, aqui

está expresso — toda e qualquer interpretação de natureza política,

nomeadamente a que tinha sido feita por certos órgãos de comunicação

social, a qual lhe era inteiramente estranha. V. Ex.ª rechaça, de uma forma

peremptória, toda e qualquer especulação que se faça relativamente às

putativas pressões políticas que alguns, na altura, suscitavam que V. Ex.ª

teria sofrido. Está aqui dito, preto no branco.

E, por último, V. Ex.ª vai ao ponto de — stupete gentes! — traçar, in

fine, um elogio ao próprio Sr. Director Nacional, posto que diz que (e

penso que isto não será apenas uma mera cortesia ou uma mera elegância

da sua parte) «para aceitar este repúdio, relativamente a essas especulações

e a essas interpretações, como prova da minha consideração pessoal e

profissional e prova do meu respeito por V. Ex.ª».

Bom, esta expressão revela da sua parte, naturalmente, cortesia e

elegância, mas estou em crer que, até pela sinceridade e genuinidade do seu

depoimento, também corresponde, em rigor, àquilo que efectivamente lhe

ia na alma, àquilo que V. Ex.ª pensava, naquela altura, naquele momento,

sobre o Sr. Director Nacional.

A posteriori, como já referi, a 11 de Setembro, ainda com mais

detença, com mais ponderação, mais reflexão — sem que haja, aqui,

qualquer argumento lateral de precipitação ou de ligeireza —, V. Ex.ª

reitera estas mesma razões na exposição que faz no início da sua

intervenção na 1.ª Comissão.

A questão que importa aqui colocar, com a toda a sagacidade e

pertinência, é esta: há alguma nuance, há algum facto superveniente, há

alguma razão ulterior que tenha levado V. Ex.ª a mudar de opinião? Será

que as razões que V. Ex.ª expendeu, no momento em que elaborou o fax

enviado da Junta da Ericeira, o fax de 29 de Agosto, e a exposição que aqui

apresentou no dia 11 de Setembro, na 1.ª Comissão… Será que ocorrerem

alguns factos a posterior que tenham levado V. Ex.ª a retractar-se? A

desdizer o que disse? A mudar de opinião?

Se há, gostava que V. Ex.ª esclarecesse. Porque, de outra forma, o

que fica patente e notório — aqui, sim, é um facto público e notório, que

não necessita de prova — é que V. Ex.ª, de uma forma clara, reiterada,

persistente, sempre defendeu que as razões determinantes da sua demissão

nada tinham a ver com as supostas pressões políticas, que aqui se está a

tentar esclarecer, mas única e exclusivamente por razões de estratégia

operacional.

Aliás, ainda a esse respeito, deixe-me dizer-lhe que V. Ex.ª também

foi muito clara na 1.ª Comissão. V. Ex.ª disse, até dado passo, que era

imune a pressões, porque isso fazia parte da essência do próprio

magistrado. E até utilizou esta expressão curiosa: «sou daltónica, ou seja

estou absolutamente imune a qualquer tipo de pressões».

Portanto, isso é acusação ou imputação que seguramente não colhe,

relativamente ao seu perfil idiossincrático. V. Ex.ª foi clara sobre isso e,

portanto, gostava de perceber claramente o que é que aconteceu — se é que

aconteceu alguma coisa — para V. Ex.ª ter hoje, sobre esta matéria, uma

opinião diferente da que tinha no dia 27 de Agosto, no dia 29 de Agosto e

no dia 11 de Setembro.

Segunda questão: mais coisa menos coisa, da análise atenta das suas

declarações, aqui, hoje e do cotejo com as declarações que V. Ex.ª proferiu

a 11 de Setembro na 1.ª Comissão e, bem assim, comparando essas

declarações com o que foi dito pelo Sr. Director Nacional da Polícia

Judiciária, é absolutamente incontornável concluir — é um postulado

axiomático — que o que está aqui na génese desta discrepância e deste

conflito é apenas uma questão de modelo organizacional da Polícia

Judiciária.

E eu diria, muito brevemente, que V. Ex.ª defende um modelo bem

sustentado, com as razões a jusante justificadoras da complexidade e

especificidade da comunidade económico-financeira.

V. Ex.ª cita três pontos: a dificuldade da natureza da criminalidade

investigada, a questão da utilização de vários filtros na comunidade

económico-financeira, a dificuldade dos tribunais e o logro na feitura e na

realização da prova. Até, a dado passo, creio que cita a depressão que é

objecto de um case study feito pelos ingleses, relativamente ao gato que

existe entre o esforço feito pelos investigadores e o insucesso quanto à

prova produzida em tribunal — o que, aliás, é um facto também manifesto

e conhecido.

Sabemos estas razões, que aliás, são fundadas. Conhecemos o seu

modelo, as recomendações do Conselho de Tempere, a UCLEFA (Unidade

de Coordenação da Luta conta a Evasão e a Fraude Fiscal e Aduaneira), a

GRECO, enfim, todas essas instâncias internacionais que apontam para

uma estrutura central organizada que possa ser eficaz no combate à

criminalidade económico-financeira, face ao seu carácter mutante (esta

expressão é sua) e à sua recomposição rápida. Conhecemos e sabemos.

A pari, a opinião do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária é

outra. Sabemos que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária também,

de uma forma bem intencionada, procura combater com eficácia a

criminalidade económico-financeira, mas sustenta que tem de haver alguma

parcimónia de meios; sustenta que tem de haver uma estrutura centralizada;

que não pode haver «sol na eira e chuva no nabal», em matéria de meios

dispostos pelos diversos departamentos da Polícia Judiciária.

Nesse sentido, ele preconiza o modelo atinente à centralização dos

departamentos, que V. Ex.ª interpreta como uma desconcentração das

competências que vai levar à perda de eficácia do combate ao crime

económico-financeiro e sabemos que ele também defende a criação de um

novo departamento que possa fazer a gestão financeira de todos os

departamentos da Polícia Judiciária. Daí, de facto, a proposta por ele

veiculada e já alinhavada de uma reforma da Lei Orgânica da Polícia

Judiciária.

Em suma, tudo visto e ponderado, o que está aqui em causa é

somente isto: são dois modelos diferentes de organização da Polícia

Judiciária, que, salvo melhor opinião, qualquer um deles tem, pelo menos,

o benefício da dúvida de poder ser eficaz no combate ao crime económico-

financeiro e ao crime organizado transnacional. Pelo menos, temos de dar

esse benefício da dúvida.

Ou, então, pergunto à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: será que V.

Ex.ª, sem prejuízo da inegável competência que lhe reconheço e que,

penso, todos lhe reconhecem, julga ter um monopólio dos instrumentos e

do conhecimento necessário para traduzir o combate à criminalidade

económico-financeira num combate eficaz? Será que V. Ex.ª é uma pessoa

insubstituível nessa matéria? Será que apenas o seu modelo é exequível,

para que esse combate se traduza em sucesso e em êxito? Ou admite que

possa existir um modelo diferenciado que conduza aos mesmos resultados

ou até a melhores do que V. Ex.ª apresentou enquanto dirigiu este

departamento?

Terceira e última questão: V. Ex.ª elencou, e bem, algumas das

actividades concretas desenvolvidas pelo departamento que dirigiu. Focou,

de facto, algumas prioridades sobre essa matéria, a una voce. Penso que

ninguém pode questionar a bondade e o acerto dessas prioridades.

Mas há uma questão fulcral que se suscita num Estado de direito

democrático, como o nosso, que se rege inexoravelmente pelo respeito

escrupuloso do princípio da legalidade, que é esta: nós sabemos que a

legitimidade da acção penal compete ao Ministério Público; nós sabemos

que a competência funcional para a investigação e para a tutela da

investigação criminal compete ao Ministério Público; e nós sabemos que à

Polícia Judiciária está confinado o papel de executor das tarefas de

investigação criminal sob alçada, tutela e legitimidade do Ministério

Público — a legitimidade funcional é do Ministério Público.

Sendo assim, mister se torna perguntar se nas situações concretas que

teve oportunidade de enunciar, nas averiguações privativas levadas a cabo

pela Polícia Judiciária e pelo seu departamento sob a sua direcção,

relativamente à história de Monsanto e aos Srs. Agentes da Polícia

Judiciária, que se encontravam em Monsanto a fazer o acompanhamento do

processo, procurando indagar e perscrutar aqui e ali elementos que

pudessem conduzir a um aprofundamento da investigação criminal

(naturalmente que ninguém põe em causa o desidrato ou o escopo desse

esforço feito pelos elementos da Polícia Judiciária), se, nesse caso concreto,

existia também a tutela funcional do Ministério Público.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Era a pedido do Ministério

Público, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Neto (PSD): — É essa questão que quero colocar.

Há instruções, há directrizes do Ministério Público para realizar esse

tipo de investigação?

São estas as questões que queira deixar, para já, à Sr.ª Dr.ª Maria

José Morgado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sr. Presidente, Sr. Deputado

Jorge Neto, no que diz respeito à carta — ela é pequena, até dá para a

decorar —, o que se passa é o seguinte: quando eu peço a demissão, não

tinha o domínio funcional do facto; não tive a iniciativa, fui empurrada.

Tenho orgulho e senti alguma necessidade de proteger as pessoas que

deixava de especulações nefastas. Foi, talvez, o último serviço que prestei à

Polícia Judiciária. Mas é assim! Ou talvez um erro, não sei. É o que é, e

não vale a pena ler, reler…

É uma carta escrita por quem não tem o domínio funcional do facto,

não sabe o que vai acontecer. E a carta fala das minhas intenções e não das

intenções de terceiros.

Bom, mas entrando nas intenções de terceiros, perguntou se houve

factos supervenientes à carta. Sim, estava convencida que havia uma

estratégia para a Polícia Judiciária por parte do Director Nacional, mas o

que sei é que, até ao dia de hoje, nada mudou na DCICCEF; tirando a

minha substituição e a demissão do Dr. Carlos Farinha, está tudo

rigorosamente na mesma. Pode não ter havido tempo para mudar as coisas,

mas nada mudou.

Além disso, lendo a intervenção do Dr. Adelino Salvado perante a 1.ª

Comissão, fiquei com a ideia de uma ausência completa de linhas

estratégicas para a Polícia Judiciária no combate ao crime organizado

internacional, porque o combate ao crime organizado internacional tem no

seu coração o crime económico, por causa dos circuitos financeiros.

Os circuitos financeiros são comuns à droga, à fraude fiscal, ao

branqueamento, à fraude ao IVA, à fraude aos IEC. E, como os circuitos

financeiros são comuns, todas as investigações envolvem aquilo a que os

americanos chamam follow the money; envolvem tracing, sized and

confiscation dos bens, produtos e vantagens da actividade criminosa;

envolvem cooperação com especialização.

Tem de haver direcções centrais temáticas. Tem de haver direcções

centrais ligadas a estas três grandes áreas da criminalidade: tráfico de

droga, crime económico e banditismo. E essas três direcções centrais têm

de fazer troca de informação. Para isso é que existe o Sistema Integrado de

Informação Criminal, que o Sr. Director Nacional, porventura, ainda não

percebeu para o que é que serve.

Srs. Deputados, foi criada uma secção central de branqueamento sem

nunca referir as directivas de 26 de Junho de 2001, sobre a apreensão,

detecção e confisco de bens, proventos e vantagens das actividades

criminosas e sobre a prevenção do sistema financeiro em relação às práticas

de branqueamento de capitais; sem referir a actualização da directiva de 12

de Junho de 2001; sem referir a convenção do branqueamento de capitais,

sendo baseada num protocolo que define como âmbito, apenas, o

branqueamento, nomeadamente em termos de crimes tributários.

Ora, a orientação internacional e as necessidades de detecção e

combate à fraude económico-financeira não correspondem ao que está no

protocolo. É um protocolo que não visa a detecção, o congelamento e o

confisco de vantagens e produtos do crime; que não visa a detecção, o

congelamento e o seguimento dos «dinheiros» que circulam e que são

«dinheiros milionários» produzidos por estas actividades criminosas.

Em nenhuma parte do protocolo se fala do confisco; em nenhuma

parte se fala do seguimento das operações financeiras. É um protocolo que

é um vazio! É um protocolo que é copiado do plano de trabalho da

UCLEFA. E, se os Srs. Deputados a virem a constituição da UCLEFA, as

entidades que aí têm assento são as entidades que têm assento no protocolo.

É um deslocamento, uma deslocação da UCLEFA para a Polícia Judiciária.

Ou seja, temos uma UCLEFA que, em vez de ser dirigida pelo Sr.

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é dirigida pelo Sr. Director

Nacional da Polícia Judiciária. Estar a falar-se que esse protocolo e esse

acesso às bases de dados é para ter acesso à informação em tempo real, é

nada saber de criminalidade, porque a informação em tempo real vem da

rua, vem dos operacionais, não é adquirida de «rabo sentado» a consultar

dados institucionais!

Os dados do IRC, do IRS, do património, dos automóveis e do

registo dos imóveis são inertes, são dados para serem utilizados em ligação

com a investigação criminal, para serem operacionalizados e são criados ao

nível de uma estrutura meramente burocrática e administrativa!

Isto é a morte da investigação e vai ser a morte das direcções

centrais, dado que temos uma secção central de branqueamento

burocratizada, porque, diga-se o que se disser, os meios são escassos e para

haver duas secções centrais, uma de branqueamento e uma de vigilâncias,

têm de retirar-se as vigilâncias, os inspectores, os inspectores-chefes e os

coordenadores às direcções centrais, e, se isto ocorrer, as direcções centrais

ficam «cegas», «sem braços», «sem pernas» e soçobram no dia seguinte!

Na DCICCEF existe uma brigada de vigilâncias com seis pessoas.

No dia em que se tirarem duas pessoas dessa brigada acaba-se a pró-

actividade no combate ao crime económico, e a pró-actividade no combate

ao crime económico começou com o caso Venigod, em Outubro de 2001,

por causa da constituição desta brigada. Andava-se há dois anos à procura

do autor principal do crime, que não se conseguia encontrar, e ele foi

encontrado numa semana, graças ao bom trabalho da brigada de

vigilâncias! Está percebido, Sr. Deputado?

De maneira que o centralismo defendido pelo Dr. Adelino Salvado é

um centralismo vazio, sem quadro estratégico, sem conhecimento das

recomendações internacionais em relação ao crime organizado

internacional.

Considero que o crime económico está no coração do crime

organizado internacional e que os países têm de centralizar o seu combate

na detecção, na apreensão dos bens e no seguimento das operações

financeiras e o protocolo não refere nada disso! Esse protocolo vai ser o

vazio! É um protocolo que nem sequer refere a corrupção, que é um

instrumento «potenciador» e vital de todas as práticas do crime económico

organizado!

E é preciso não esquecer que houve uma reunião, aquando da

presidência dinamarquesa da União Europeia, em 26 e 27 de Setembro,

cujas conclusões tenho comigo! Basta os Srs. Deputados compararem estas

conclusões com o que consta deste protocolo! As conclusões chamam a

atenção para o facto de o crime organizado internacional procurar o ganho

financeiro e económico e de os países terem de centrar a sua atenção na

detecção e congelamento dos bens, no congelamento dos produtos

financeiros desses bens, mas o protocolo não tem uma única linha sobre

isto, nem na motivação nem no âmbito!

É um protocolo que nem sequer refere a corrupção como crime

precedente do branqueamento! A tendência internacional é a de

alargamento dos crimes precedentes: a Lei n.º 10, de 2000, alargou o

âmbito dos crimes precedentes até aos crimes puníveis, em abstracto, com

pena de cinco anos de prisão e o protocolo refere meramente os crimes

tributários. E sabem porquê, Srs. Deputados? Quando perguntei ao Sr.

Director Nacional, Dr. Adelino Salvado (na altura, pelo telefone, porque

este protocolo nunca foi discutido por mim, nunca me foi mostrado, foi

discutido quando eu estava de férias), por que é que o protocolo não referia

a corrupção, a fraude internacional, o banditismo, o tráfico de pessoas, a

pedofilia na internet, etc., ele disse-me que agora a única coisa que

preocupava o poder político eram os crimes tributários e que só assim é que

o protocolo passava, quanto ao resto, depois logo se via, porque eram actas

adicionais.

Trata-se de um protocolo que é uma «letra morta», porque é

burocrático, não se articula com a investigação, não corresponde às

necessidades de combate ao crime organizado internacional, não se baseou

no treino e na experiência dos investigadores.

Como eu disse (perguntem ao secretariado da UCLEFA), havia dois

grupos de trabalho, sobre protocolos e sobre acesso a bases de dados, e eles

não foram ouvidos! Foram chamados à reunião de protocolo a Subdirectora

Mariana Raimundo e o Inspector-Chefe do contrabando organizado, apenas

por uma questão de descargo de consciência, mas não foram utilizados a

experiência nem o trabalho da DCICCEF nesta matéria e este protocolo foi

feito para deslocar os poderes que existiam na UCLEFA, sob a direcção do

Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para a direcção do Dr.

Adelino Salvado!

E é um protocolo burocrático, porque todo o acesso à informação

sem reforço da operacionalidade é uma aberração, como é uma aberração a

secção central de vigilâncias, porque está desligada das investigações, aliás,

está desligada das tipologias da criminalidade, está desligada do treino, não

sabe o que é que está fazer! Ficam as direcções centrais «cegas», «surdas»

e «mudas» e fica a secção de vigilâncias «cega», «surda» e «muda», porque

não sabe o que é anda a fazer!

Aliás, a respeito de centralização, o modelo que posso conceber que

o Dr. Adelino Salvado defende é um modelo de centralização burocrática

vazia, com regionalismos. Eu defendo um modelo de centralização

especializada, com assento nas direcções centrais, no apoio à investigação,

no apoio ao departamento de perícia financeira e contabilística, no apoio à

informática.

Na última operação de recolha de prova num caso de corrupção, na

DCICCEF, vieram para a Polícia Judiciária 14 CPU. Não sei se o Sr.

Deputado sabe o que é que isto representa em termos de análise de

informação! Onde é que, na alteração da lei orgânica e até mesmo no

protocolo, é atribuída qualquer prioridade às novas tecnologias e à

formação da Polícia Judiciária nessa matéria?

Quanto à pedofilia na internet, defendi, e fiz aprovar isso, a

competência nacional exclusiva da secção central de investigação

informática, em matéria de pedofilia na internet. Além disso, centralizei as

vigilâncias. Quando entrei na DCICEF não havia vigilâncias mas, sim, um

grupo que fazia recolha de prova ao nível da contrafacção de moeda. Aliás,

fui criticada por fazer despachos eivados de autoritarismos desnecessários.

Eram despachos centralizadores. Considero que defendia a centralização.

O que o Dr. Adelino Salvado fez foi tomar uma série de medidas ad

hoc, que correspondiam a medidas propostas por mim, ideias do Dr.

Bonina. Eu fui a primeira pessoa que falei na secção central de

branqueamento. Falei disso nesse sábado, dia 24! Aliás, disse-lhe que só

havia uma condenação por branqueamento em Portugal! Fui eu que falei

nisso, não é produto de estudo do Dr. Adelino Salvado, nem tem de ser,

mas era bom que as pessoas reconhecessem os antecedentes!

Também era bom que as pessoas reconhecessem que tem de haver

uma polícia moderna e que, para isso, é preciso construir novos

instrumentos, mas respeitando aqueles que vêm do passado! E não pode

dizer-se que se encontrou a Polícia Judiciária em marcha para a decadência,

com disse o Dr. Adelino Salvado! Então, uma pessoa que não tem um

projecto para a Polícia Judiciária, que não tem um programa, encontra a

Polícia Judiciária em marcha para a decadência e em três meses faz uma

Polícia Judiciária nova?!… Isto tem sentido? Há aqui qualquer coisa que

não bate certo!

E o que eu afirmo é que o Dr. Adelino Salvado ou não tem um

programa para a Polícia Judiciária ou tem um programa que,

objectivamente, há-de traduzir-se na «desoperacionalização» das direcções

centrais! Porquê? Porque cria estruturas centrais burocráticas de

investigação de «rabo sentado», sem ligação com o terreno, sem

conhecimento das tipologias da criminalidade! Não vejo no protocolo a

definição de nenhuma tipologia de criminalidade!

Vejam que neste grupo de trabalho sobre a fraude financeira

económica fiscal há uma definição sobre tipologias de criminalidade e as

pessoas têm a ideia de que é preciso detectar as fontes ilícitas da riqueza, os

sinais exteriores de riqueza, recolher informação nessa matéria, fazer

averiguações pluridisciplinares e propor ao Ministério Público a

instauração de inquéritos, mas com cooperação entre as instituições! E isso

não se faz com projectos hegemónicos em que a Polícia Judiciária assume a

competência de todos os OPC existentes no País, sem nenhuma

preocupação de harmonização legislativa, porque o quadro legislativo, no

que respeita ao combate à fraude, é uma manta de retalhos! E o que vai

acontecer, em relação à alteração da Lei Orgânica da Polícia Judiciária no

combate aos crimes tributários, é uma sobreposição de competências com o

REGIT, com as consequências inerentes no desenvolvimento dos

inquéritos, levantando-se questões que depois terão que ver com a

competência material do OPC, com atrasos e com impossibilidade de

realização de justiça em tempo útil.

Em relação ao monopólio, a questão não é a do monopólio ou a de

ser insubstituível, a questão, Sr. Deputado, é ter convicção no modelo que

se defende, é ter um modelo que, apesar de tudo, é copiado pelo Dr.

Adelino Salvado, porque os comunicados à imprensa e as operações com

visibilidade foram um modelo que eu lancei na Polícia Judiciária e que o

Dr. Adelino Salvado prossegue, sem ao menos ter a humildade de dizer

onde é que se inspirou.

Gostava que o Dr. Adelino Salvado, quanto à investigação da brigada

de trânsito, dissesse o que encontrou feito na Polícia Judiciária por uma

brigada de três inspectores. O trabalho que hoje foi desencadeado foi um

trabalho de ano e meio de três inspectores.

Portanto, a questão é a convicção dos modelos, é a realização da

justiça em tempo útil, é a actuação em tempo real, é o modelo novo de

combate à criminalidade económico-financeira, mas é o modelo que se

baseia no conhecimento das tipologias da fraude, que é uma coisa de que o

Dr. Adelino Salvado não mostra conhecimento! O Dr. Adelino Salvado

nunca falou aqui em tipologia de fraude, nunca falou em prioridades!

Eu não sei qual é a prioridade para o Dr. Adelino Salvado, se é o

tráfico de droga, se é o banditismo, se é o crime económico. Eu digo que é

o crime económico, porque ele é transversal, atravessa a criminalidade

organizada internacional - é o que dizem as instâncias internacionais, mas

não é isso que diz o Dr. Adelino Salvado – e o crime económico e o crime

organizado internacional visam o lucro, geram lucros milionários e não há

nenhuma investigação que possa ser feita sem acesso à informação, sem

especialização financeira, contabilística, bancária, informática. Isso não é

feito com protocolos - todos os dias são publicados protocolos no Diário da

República -, mas com o reforço da prevenção, com análise!

Em vésperas de ir para férias, pedi ao Dr. Adelino Salvado mais uma

pessoa para análise, na DCICCEF, porque precisava de acompanhar a

investigação com análises. Tínhamos análise na moeda: o trabalho feito na

contrafacção da moeda, por parte de DCICCEF, é notável; o trabalho de

prevenção em relação ao euro é um trabalho notável. Vejam o site da

Polícia Judiciária, na internet, sobre o euro, e verifiquem se alguém, o Dr.

Adelino Salvado ou a Dr.ª Maria Celeste Cardona, o refere.

Sr. Deputado, eu terminei o meu tempo à frente da Polícia Judiciária.

Podem falar de estatísticas, fazer análises quantitativas de estatísticas, o

que quiserem, o que é certo é que saí a meio do meu trabalho e tinha uma

estratégia e prioridades definidas para três anos.

Além disso, estou em desigualdade de circunstâncias e numa

situação adversa: uma coisa é responderem perante esta Comissão um

Director Nacional e pessoas que têm acesso à informação e à

documentação, outra coisa é responder uma pessoa que está fora e cuja

demissão foi aceite. Há aqui uma desigualdade de armas que não me

impressiona, nem me aflige e à qual estou habituada. Nunca me habituei a

estar em posições fáceis, portanto no dia em que eu tivesse uma posição

fácil estranharia.

E esta posição não é fácil, mas é bom que os Srs. Deputados tenham

noção disso, porque não eu estou numa posição igual à do Director

Nacional e à da Sr.ª Ministra mas, sim, numa posição completamente

diferente e não sou daquelas pessoas que saem com o caixote de fotocópias

atrás; aquilo que eu trouxe é aquilo que estou a dizer à Comissão.

Quanto à tabela de casos que foram desencadeados enquanto estive

na Polícia Judiciária, à frente da DCICCEF, que são uma dúzia, e que

correspondem ao caso Vale e Azevedo; ao caso da fraude ao imposto

automóvel, em que foram apreendidos 32 automóveis, em Março de 2001;

ao caso Venigod, em Outubro de 2001; o caso Alcazar, que foi agora

distribuído para julgamento, em Novembro de 2001: ao caso do pedófilo,

que, numa operação em que participaram 19 países, foi o único arguido

cuja prisão foi confirmada, em Dezembro de 2001; o caso dos barcos da

Expo, em Março de 2002; o caso da fraude nas farmácias, em Fevereiro de

2002; o caso das finanças, em Abril de 2002; o caso da Carré & Ribeiro,

em Maio de 2002, o caso da Brisa, em Junho de 2002; o caso Venâncio,

que era um industrial de máquinas de fortuna e de azar e que está preso…

…o caso da fraude nas farmácias em Fevereiro de 2002, o caso das

Finanças em Abril de 2002, o caso da Carré & Ribeiro em Maio de 2002, o

caso da Brisa em Junho de 2002, o caso Venâncio, um industrial de

máquinas de fortuna e de azar, que está preso por corrupção a agentes da

PSP, em Julho de 2002, o caso Vitória de Guimarães em Julho de 2002.

Todos estes casos demonstram prioridades que correspondem à

análise de níveis de risco insuportáveis na sociedade portuguesa e a uma

visibilidade de ataque com impacto, da qual me orgulho e que, agora, é

imitada e seguida por todos os que lá ficaram!

No dia em que se despediram de mim, no dia em que escrevi esta

carta, havia coordenadores inspectores-chefe voltados para a parede a

chorar, que se despediram de mim dizendo que sabiam que eu tinha um

projecto e que iam segui-lo! Está a perceber, Sr. Deputado?! Isso,

provavelmente, é uma coisa íntima entre mim e os operacionais, mas eles

sabem que havia um projecto, e não era um projecto pessoal, era um

projecto de ataque à corrupção, ao crime organizado internacional.

O modelo é imitado! O modelo está cá - os comunicados de

imprensa, as buscas, as detenções, as apreensões -, simplesmente, se não

houver prevenção com recolha, análise e tratamento de informação, se não

houver formação dos operacionais em matérias como, por exemplo,

contabilidade, informática, empreitadas e obras públicas, formação para

saberem, em termos de prioridades, o que há na corrupção… Que

prioridades há em termos de corrupção? Finanças, autarquias, corrupção no

futebol. Que análises são feitas nessa matéria? Os IEC, fraude ao IVA em

carrossel. O que se passa na fraude ao IVA em carrossel? Quantas pessoas

estão presas? Qual é o modus operandi? Quais são as tipologias?

Estávamos a fazer isso! Aliás, em comum com a DCITE, a DCICCEF e os

elementos representantes das instituições financeiras estávamos a fazer as

tipologias do branqueamento.

Nem sei se o Sr. Director Nacional sabe que isto existe, mas fizemos

uma compilação de práticas, de procedimentos em matéria de

branqueamento de capitais. Para quê? Para informação da banca também na

matéria das instituições financeiras, porque hoje, mais do que nunca, não

pode combater-se o crime organizado internacional nem no «buraco» nem

com estruturas centralizadores, burocráticas, meramente administrativas de

investigação de «rabo sentado»; essas estruturas são uma aberração!

Aposto que, daqui a um ou dois anos, se se seguir este modelo, as

direcções centrais vão soçobrar, e se soçobrarem as direcções centrais não

haverá detecção, não haverá identificação dos fenómenos, não haverá

combate ao crime organizado internacional.

Isso não é possível com estruturas centralizadoras burocráticas, com

regionalismos e medidas ad hoc! Porque isto são medidas ad hoc, todas

elas tomadas numa sofreguidão regulamentar como nunca vi, e nem sei

porquê! Na Polícia Judiciária, neste momento, não há momento para

pensar, não há tempo para reflectir, não há tempo para ponderar nada, tem

é de haver um regulamento por dia, sem definição de quadros estratégicos,

sem tipologias de criminalidade, sem conhecimento de tendências de

respostas, sem avaliação do que se passa ao nível dos meios específicos de

prova!

A respeito do Ministério Público, Sr. Deputado, posso dizer-lhe que

sou magistrada do Ministério Público e que as prioridades são definidas

pela Polícia Judiciária, não pelo Ministério Público. Porquê? Sr. Deputado,

vá ver a lei de organização de investigação criminal, em que se fala da

dependência funcional com autonomia administrativa. A Polícia, de acordo

com os seus meios, tem de definir as estratégias, o momento de agir, os

objectivos de agir e, então, o Sr. Deputado tem duas possibilidades de agir.

Vou dar o exemplo do processo do Hospital Amadora-Sintra, que me

foi enviado no dia 12 de Julho. A Polícia Judiciária ou decide que fica ali a

ver todos aqueles papelinhos muito bem vistos - porque num crime

económico há muito papel, muita informação, muitos documentos -, fica ali

três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove ou dez anos a ver aquilo tudo muito

bem e ao fim de 10 anos temos um julgamento que não corresponde a

nenhuma expectativa de justiça em relação à opinião pública e nem

corresponde a nenhuma efectividade nem actualidade da repressão no caso,

ou, então, tem uma brigada que vai para o terreno, faz buscas, apreensões,

recolhe, em termos de meios de prova, os instrumentos do crime, vai ver

onde foi parar o dinheiro, se é que houve ganhos indevidos e criminosos

com práticas criminosas, e tem as pessoas a serem julgadas com

efectividade e actualidade da repressão num ano.

Não sei o que vai acontecer neste processo, mas comparo o que

aconteceu nos casos Vale e Azevedo e Fundo Social Europeu. Trata-se de

dois modelos, sendo que no caso do Fundo Social Europeu a justiça não foi

efectiva nem actual. Aliás, uma das recomendações das instâncias

internacionais - do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), do

Grupo de Acção Financeira sobre Branqueamento de Capitais (GAFI), das

conclusões da presidência da União Europeia - é haver efectividade e

actualidade na repressão. Ora, para haver efectividade e actualidade tem de

haver prevenção articulada com investigação, não é com estruturas desse

género!

Digo-lhe mais uma coisa a respeito do Fundo Social Europeu: a

minha direcção pôs termo a todas as pendências do antigo Fundo Social

Europeu. Todas! Já que alguém falou de estatísticas na 1.ª Comissão, posso

dizer que a minha direcção pôs termos a todas as pendências, paralelamente

com todas as investigações efectivas e actuais.

Um caso que era muito falado, o Pequito/Bayer, foi resolvido até

Junho de 2001 com 26 propostas de acusação e 49 propostas de

arquivamento. Portanto, não só actuámos no terreno com efectividade e

actualidade como resolvemos os casos antigos.

Não há verdadeira investigação criminal sem autonomia e, a esse

respeito, a dependência funcional do Ministério Público é inócua. O

Ministério é sedentário nas investigações criminais, acompanha ou não as

investigações segundo a sua própria decisão, mas se a Polícia disser que

não tem meios, que foram lá mas não encontraram o que queriam, aliás a

discricionariedade aumenta à medida que nos aproximamos da base… Há

uma coisa muito importante na Polícia, que é a motivação. Se a estrutura

não estiver motivada não há investigação nem dependência funcional que

nos valha, porque a polícia vai lá, não encontra, não apreende, não prende,

não localiza.

A verdadeira investigação criminal é aquela que é feita com

autonomia, com especialização, com treino, com técnicas especiais dos

polícias. O Ministério Público dá a acusação - é esse o modelo que

defendo. Se a Polícia não quiser ou não poder investigar um caso a

dependência funcional não consegue resolver o problema! É o que resulta

da minha experiência enquanto magistrada do Ministério Público.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge

Neto, peço a atenção quer da Sr. Dr.ª Maria José Morgado quer dos Srs.

Deputados para não nos desviarmos do objecto desta inquirição e do

mandato da Comissão.

Não está aqui em análise nem o percurso pessoal nem funcional da

Dr.ª Maria José Morgado na Polícia Judiciária mas, sim, as demissões e as

alterações de orientações ou de estratégia, que também têm sido vastamente

abordadas hoje à tarde – não ponho isso em causa.

Portanto, peço a atenção de todos para não nos desviarmos do

objecto da inquirição, pois, no fundo, estamos a perder tempo e não

conseguimos a produtividade necessária.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José

Morgado, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que ouvi atentamente a

resposta que deu às questões que coloquei.

Registo o tom tutti quanti apaixonado com que aborda estas

questões, o que, aliás, é perfeitamente natural dado o seu empenho e o seu

profissionalismo absolutamente ímpares demonstrados no exercício das

funções. Deixe-me, porém, dizer-lhe que vi que a sua exposição está

alicerçada em convicções, o que penso ser um mau caminho. Sabe porquê?

Porque partilho da opinião de Nietsche, que dizia que as convicções são

mais inimigas da verdade do que as mentiras, em Humano, Demasiado

Humano. Mas não é o único a dizê-lo. Ainda recentemente alguém da

nossa área e da nossa cultura, António Damásio, que escreveu O Erro de

Descartes, também suscita essa questão.

Exactamente porque muitas vezes a conduta humana é eivada de

demasiada emotividade na racionalidade da sua conduta leva a que seja

tolhida em relação ao acerto e à bondade das decisões! Isso leva a que

efectivamente seja tolhida em relação ao acerto e à bondade das decisões!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas também diz que as emoções fazem

parte do raciocínio!

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Bem, o que disse foi apenas um aparte

relativamente às convicções, porque quando ouço alguém falar de

convicções não resisto a citar a Nietsche, que era de uma perspicácia e de

uma acutilância absolutamente ímpares nessa matéria quanto à análise da

conduta humana.

O que referi é, no entanto, um detalhe, Sr.ª Procuradora, o que

importa aqui relevar – e registo-o – é que V. Ex.ª, nesta matéria, tem um

pensamento estruturado relativamente àquilo que deve ser o combate ao

crime económico-financeiro. É um pensamento estruturado, bem

fundamento – não posso, de modo algum, refutar isso -, mas é facto

também que avulta da sua exposição uma discrepância manifesta entre o

modelo que preconiza para a investigação criminal neste domínio e o

modelo que V. Ex.ª aponta ser o da lavra ou da autoria do Sr. Director

Nacional da Polícia Judiciária.

A questão concreta que lhe coloquei era a de saber se, efectivamente,

na génese de todo este dissídio, de toda esta dissensão, não está uma

discrepância metodológica em relação ao que deve ser o modus operandi –

para usar a sua expressão -, o modus faciendi do combate eficaz à

criminalidade económico-financeira. A sua resposta é absolutamente

afirmativa nesse domínio, e é esse o busílis da questão.

Passo à última nota que quero deixar. Ouvi a sua referência

relativamente à operacionalidade da Polícia Judiciária - é óbvio que a sua

constatação é eivada de absoluto fundamento e é irrebatível -, mas deixe-

me dizer-lhe que há regras que têm de ser acatadas e respeitadas com todo

o escrúpulo, designadamente por uma questão que para mim não é de

somenos, não é coisa pouca: os direitos, liberdades e garantias.

Da sua exposição verifiquei que dá um enfoque particular à

operacionalidade da Polícia Judiciária. Mesmo quanto à tutela funcional do

Ministério Público fiquei com a impressão que lhe dá uma importância um

tanto ou quanto residual, mas não fez nenhuma referência, por mais

recôndita que fosse, aos direitos, liberdades e garantias.

Deixe-me dizer-lhe, Sr.ª Procuradora, que nesta matéria – e estão

aqui alguns juristas e outros Srs. Deputados que intervieram com afinco e

com denodo nas revisões constitucionais, designadamente para a

salvaguarda estrita dos direitos liberdades e garantias - não pode ter-se dois

pesos e duas medidas. Da mesma forma que tem de ser eficaz no crime

económico-financeiro, ou qualquer que ele seja, em todos os azimutes,

também tem de ser escrupulosamente respeitadora dos direitos, liberdades e

garantias consagrados na Constituição, também aí em todos os azimutes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge

Neto, não sou daqueles que acenam a bandeira dos direitos, liberdades e

garantias para melhor os trair! Sr. Deputado - desculpe que lhe diga, mas é

muito novo -, fui presa antes e depois do 25 de Abril e, portanto, vivi na

carne a defesa das liberdades e garantias!

Quando se fala no combate ao crime económico costuma haver dois

códigos de processo penal: há o código do combate ao tráfico de droga e do

combate ao banditismo; e o código de combate ao crime económico. Só se

fala dos direitos, liberdades e garantias quando se atacam os poderosos no

combate ao crime económico.

Digo-lhe uma coisa a respeito de direitos, liberdades e garantias:

vivemos em democracia e eles estão salvaguardados! Encontrei uma

direcção central de um rigor quase supersticioso da parte dos

investigadores nessa matéria.

A minha preocupação em matéria de crime económico, porque as

coisas têm uma dinâmica, têm um quadro estratégico, é a impunidade.

Quando há impunidade e se fala de direitos, liberdades e garantias quer

prosseguir-se com a impunidade, consciente ou inconscientemente!

A preocupação, no nosso país… Quantas pessoas estão presas a

cumprir pena por tráfico, por contrabando organizado de tabaco? Fique

sabendo que o valor da acção interposta pela União Europeia contra a

Reynolds nos Estados Unidos é de milhões e milhões de euros, sendo que

80% desse valor é representado por tráfico, por contrabando de tabaco

organizado, havendo 70 vagões de tabaco que desapareceram no nosso país

sem que até hoje se conseguisse identificar ou punir os seus autores!

E vem o Sr. Deputado falar-me em direitos, liberdades e garantias!…

Há um «hipergarantismo» no nosso sistema penal que paralisa! Em

Fevereiro de 2003 vai iniciar-se novamente o julgamento do processo da

saúde, vai voltar tudo ao princípio por causa de uma decisão do Tribunal

Constitucional.

Do que há necessidade neste país é – os direitos, liberdades e

garantias, esses, estão lá – de efectividade e de actualidade na repressão.

Sr. Deputado, sabe qual é a discussão hoje na Europa. Nos dias 26 e

27 de Setembro, sob a presidência da Dinamarca, a discussão foi a inversão

do ónus da prova em relação ao produto, vantagens e lucros da actividade

criminosa. A Irlanda tem um sistema de confisco de bens, administrativo e

fiscal, não penal, para as fortunas não justificadas adquiridas nos últimos

cinco anos, em relação a pessoas que tenham praticado evasão fiscal ou

outros crimes. E o que os ingleses dizem é que isso não põe em causa os

human rights. E a Inglaterra é a pátria dos human rights!… Portanto, este é

um bom exemplo.

Sr. Deputado, hoje, dia 5 de Novembro de 2002, aquilo a que tem de

dar atenção é à impunidade.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - E à legalidade!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Mas a legalidade está lá. Até hoje,

Sr. Deputado – e as minhas acções foram avaliadas pelos juizes de

instrução criminal – todas as intervenções da DCICCEF foram validadas

por um juiz de instrução criminal e acompanhadas pelo Ministério Público.

Em relação às vigilâncias, tenho o despacho de 24 de Janeiro de

2002, se não me engano, em que se define – e ainda nem sonhava que o Dr.

Adelino Salvado iria estar na DCICCEF -, rigorosamente, as regras em

relação à matéria das vigilâncias na DCICCEF. Fiz o levantamento de todo

esse equipamento, que entreguei, no dia 4 de Julho – e era um grande

documento – ao Sr. Director Nacional.

Sr. Deputado, a esse respeito sou tão intransigente, tão rigorosa, que

nem sequer me sinto atingida por qualquer espécie de afirmação. Li, na

intervenção que o Sr. Dr. Adelino Salvado fez na 1.ª Comissão alguma

preocupação a esse respeito e não percebi. Nunca tínhamos discutido isso,

não tinha nada a ver com a minha actividade, sou rigorosa nessa matéria

em todas as minhas intervenções e não há juiz algum… O Sr. Dr. Adelino

Salvado conhece-me do tribunal, embora eu aceite que não conheça o meu

excessivo rigor nessa matéria!…

Como lhe disse, fui presa antes e depois do 25 de Abril, pela PIDE e

depois pelo COPCON, sendo que da última vez até com o mandado de

captura em branco. Portanto, há coisas que não me atingem! E quando o Sr.

Deputado diz isso é o mesmo que não estar a falar comigo...

Mas repare: o Dr. Adelino Salvado referiu a questão das liberdades e

garantias na 1.ª Comissão e passado uma semana ou duas sai no semanário

O Independente uma notícia sobre a história de eventuais violações em

intercepções telefónicas. O que é que isto quer dizer?!… Há aqui qualquer

coisa de estranho, mas isto não me diz respeito, como não diz respeito à

DCICCEF, porque a DCICCEF debate-se com o problema de combater um

crime sem cara - não é como na droga!… -, de combater um crime sem

vítima. Nunca há confissões, nunca há testemunhas!… Os meios

específicos de prova são essenciais, as intercepções telefónicas são

essenciais e, nessa matéria, nenhum investigador arriscava qualquer

irregularidade, muito menos qualquer ilegalidade.

Mais: como sabem – e se não sabem podem ficar a saber – há uma

obrigatoriedade, que foi definida em despacho pelo Dr. Bonina - não foi

pelo Dr. Adelino Salvado – de inserção no sistema integrado de informação

criminal de todas as intercepções telefónicas, para controlo em tempo real e

para coordenação das operações. E num levantamento feito já pelo Adelino

Salvado, em Junho, a DCICCEF e o Departamento do Funchal eram os

organismos com apresentavam maior rigor no registo das intercepções

telefónicas. Em relação à DCICCEF, a falha era apenas de dois números

telefónicos, quando na Directoria de Faro a falha era de quase 100%, mas

todos os outros departamentos da Polícia Judiciária tinham grandes défices

no registo.

Mas isto é registo, não tem a ver com a legalidade!… A legalidade,

aqui, não tem de preocupar-me porque é natural, é espontânea, é uma

preocupação como o ar que respiro, Sr. Deputado. E nunca o Dr. Adelino

Salvado me colocou essa questão, nem podia, porque há carência de

objecto. A DCICCEF nunca cometeu o menor erro! Pode discutir-se, sim,

em processos onde houve longas intercepções telefónicas, o grau de

conhecimento directo do juiz de instrução criminal, mas o grau de

acompanhamento e de conhecimento directo é uma coisa que já surge no

quadro processual do desenvolvimento de uma operação controlada

judicialmente. Mas isso já tem a ver com interpretações jurisprudenciais.

Se quiserem peçam ao Dr. Adelino Salvado – não sei se ele sabe –

um despacho do Dr. Bonina, de Fevereiro ou Março de 2002, onde reitera,

mais uma vez, a necessidade de rigor nas intercepções telefónicas. E mais:

estabelece um formulário a ser preenchido pelos operacionais, do qual se

faz constar que a partir do conhecimento da intercepção telefónica o Sr.

Juiz de Instrução Criminal tem acesso directo e imediato ao conteúdo das

intercepções telefónicas. E isso foi feito circulando dentro da Polícia

Judiciária um acórdão do Tribunal Constitucional, de Junho de 2002, sobre

essa matéria, onde se define o princípio do acompanhamento directo do

juiz de instrução criminal.

Portanto, as questões do acompanhamento do juiz de instrução

criminal e dos actos jurisdicionais de inquérito, nunca, mas mesmo nunca,

foram postas em causa na DCICCEF. Nessa matéria a DCICCEF era

exemplar. Porquê? Porque as intercepções telefónicas eram demasiado

preciosas para se pudessem correr riscos nessa matéria.

A esse respeito, Sr. Deputado, a minha preocupação não podem ser

as liberdade e garantias, porque isso é natural, é como o ar que respiro; a

minha preocupação é com a impunidade, que é uma coisa muito mais séria,

Sr. Deputado. Neste momento, o que preocupa é a impunidade; as

liberdades e garantias estão asseguradas, sei-as de cor, não preciso que

ninguém me as ensine.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Teixeira de

Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, com a

maior serenidade, começo por agradecer à Sr.ª Doutora a oportunidade que

nos dá com uma questão prévia.

Acaba V. Ex.ª de afirmar que os direitos fundamentais são para si

como o ar que respira.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Exactamente.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Doutora, eu não sou

procurador mas também sou advogado há já alguns anos, apesar deste meu

ar jovem, e tenho para mim que a presunção de inocência de um arguido é

um direito verdadeiramente fundamental. V. Ex.ª ponderou, em algum

momento, inverter, em matéria de relevância penal, o ónus da prova? Ou

seja…

Protestos do PS.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - É a Lei n.º 5/2002.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Srs. Deputados, eu estou a

usar da palavra!… Os Srs. Deputados vão ter tempo para intervir!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que nos oiçamos em

silêncio. Até agora a audição tem corrido bem e portanto, cada um dos Srs.

Deputados falará na sua vez e a Sr.ª Doutora responderá na vez dela.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu ouvi

atentamente, tenho o direito de dizer tudo o que entender e os Srs.

Deputados depois comentarão, contraditarão o que quiserem.

Sr.ª Doutora, devo dizer-lhe que, para mim, isso releva muito do

entendimento de V. Ex.ª ou do destaque que dá á questão dos direitos

fundamentais. Mas também percebo que, por razão de formação

profissional, V. Ex.ª é Procuradora Adjunta e portanto tem, naturalmente, a

perspectiva do acusador muito vingada; naturalmente que eu, como

advogado que já defendeu muitos arguidos em muitos processos-crime,

teria de estar, nessa parte, nas antípodas de V. Ex.ª.

De todo o modo, há pouco V. Ex.ª questionou – e devo dizer que o

fez num contexto que achei, no mínimo, estranho – se eu não seria uma

dessas pessoas. E, aliás, eu chamo o assunto à discussão porque ele ficou

registado em acta. V. Ex.ª recordar-se-á que eu respondi: «V. Ex.ª, que sabe

tudo, saberá também disso.»

Sr.ª Doutora, suponho que nós nunca falámos antes. Eu só conhecia

V. Ex.ª porque é uma ilustríssima magistrada deste país, mas pelos jornais,

se bem que V. Ex.ª também não me conheça, já que sou um Deputado mais

ou menos anónimo deste país mas muito pouco dado a insinuações e muito

zeloso do meu bom nome.

E porque ficou registado em acta, dito por V. Ex.ª, se eu não seria

uma dessas pessoas, gostava que V. Ex.ª, também como questão prévia,

precisasse, para registar em acta, a que tipo de pessoas se referia, porque eu

gosto de saber em que conta V. Ex.ª me tem, quanto mais não seja porque é

o meu bom nome que está em causa, naturalmente. E se em algum

momento V. Ex.ª, com essa intervenção, que acredito tenha sido mais

emotiva, quis envolver-me com o que quer que seja, gostaria também de

sabê-lo, quanto mais não seja para depois usar na minha defesa.

Voltando propriamente a esta matéria, Sr.ª Procuradora, quero

relevar que quando falo com V. Ex.ª não falo com uma pessoa qualquer -

como acontece, de resto, em relação ao depoente desta manhã -, pois V.

Ex.ª foi Directora Adjunta na Polícia Judiciária, V. Ex.ª é uma ilustríssima

magistrada do Ministério Público e, portanto, quando valoramos os seus

actos e as suas declarações não podemos valorá-los como valoraríamos as

declarações de um qualquer cidadão, porque V. Ex.ª está acima de um

cidadão médio normal, V. Ex.ª é uma referência em algum ponto de vista.

Por isso, para efeitos de análise desses actos e desses

comportamentos, vamos a factos e a documentos, por muito que V. Ex.ª,

hoje, não os queira relevar.

Primeiro facto: V. Ex.ª demitiu-se, V. Ex.ª não foi demitida. Pelo fax

do dia 27, V. Ex.ª apresentou a sua demissão do cargo a partir dessa altura.

O segundo facto inquestionável, Sr.ª Procuradora, é que, relevando

este pedido de demissão, o Director Nacional da PJ deu «por finda, a seu

pedido, a comissão de serviço que vinha sendo exercida» - isto também

está demonstrado documentalmente.

Dois dias depois, no dia 29, V. Ex.ª confirmou junto do Director

Nacional – isto é particularmente importante do meu ponto de vista, Sr.ª

Procuradora -, que o pedido de demissão «relaciona-se única e

exclusivamente com as questões de estratégia operacional respeitantes à

organização da direcção central.» À organização, repito, única e

exclusivamente. E em organização estamos a falar de organigrama, estamos

a falar de estrutura organizativa da direcção central.

V. Ex.ª conhece, até pela sua formação, o valor probatório dos

documentos particulares, mas, mesmo assim, chamo aqui à colação o Prof.

Antunes Varela, que escreve muito bem sobre a matéria e é muito claro até

na relevância dos factos desfavoráveis, como V. Ex.ª sabe. E como sabe

também, aqui aplica-se muita matéria processual.

Posteriormente, em 11 de Setembro de 2002, V. Ex.ª , uma vez mais,

então em sede de 1.ª Comissão, disse: «os motivos originadores do meu

pedido de demissão estão relacionados com questões de estratégia

operacional respeitantes à organização da direcção central.» Sublinho a

expressão «à organização».

Não foi uma única declaração, feita de fugida, que V. Ex.ª proferiu

algures, em parte incerta!… Foram declarações feitas na 1.ª Comissão,

reiteradas, escritas e confirmadas por V. Ex.ª.

O mesmo afirmou à imprensa, que fez títulos tão sugestivos como

Maria José Morgado rejeita politização da sua demissão e, que me conste,

nunca vi V. Ex.ª desmentir publicamente estes títulos, embora agora

pretendesse que a Ministra da Justiça viesse desmentir outros factos que,

supostamente, a imprensa lhe terá imputado. Ou seja, pretendia para a Sr.ª

Ministra da Justiça um comportamento diverso daquele que V. Ex.ª teve.

Continuando nessa notícia, nela se lê expressamente: «A Procuradora

Adjunta Maria José Morgado, rejeitou ontem a politização da sua demissão

da Polícia Judiciária, afirmando que a decisão deriva apenas de

divergências técnicas e operacionais com o director Adelino Salvado».

Aliás, nem sequer referiu a Ministra da Justiça ou o Ministro Paulo Portas;

foi «com o director Adelino Salvado».

Isto leva-me, Sr.ª Procuradora, quanto à razão de fundo – aparte a

questão prévia que lhe coloquei -, à primeira questão. É que das duas uma:

ou V. Ex.ª, por razão de coerência, atenta inclusivamente a pessoa que é,

mantém o que sempre afirmou, ou seja, que a sua saída se deveu a razões

respeitantes à organização da direcção central - o que disse e repetiu

insistentemente -, ou então V. Ex.ª entra aqui num processo de contradição

que, devo dizer-lhe, parece quase que insanável a quem tenta analisar estes

factos politicamente, dá o dito por não dito e isso a nós, que somos

políticos, legitima uma conclusão – pelo menos a mim legitima, com toda a

certeza -, a de que pelas suas declarações anteriores, escritas e reiteradas,

efectivamente nunca houve politização alguma na demissão de V. Ex.ª. O

que me parece haver já é politização na sua acção, Sr.ª Procuradora, desde

que começou a contradizer-se com razões que não são conciliáveis com a

sua posição anterior.

Assim, ou não houve politização no passado e V. Ex.ª é coerente

com o que sempre afirmou, ou a partir da sua demissão, aí sim, há

politização. E havendo politização, Sr.ª Procuradora, isso leva-me a

pergunta-lhe se V. Ex.ª, desde que se demitiu, por si ou por interposta

pessoa, tem mantido contacto com algum Sr. Deputado, aqui presente ou

aqui ausente, sobre a matéria em discussão. E pondere bem nessa resposta,

por razões que depois lhe explicarei, Sr.ª Procuradora Adjunta.

V. Ex.ª teve também uma expressão muito curiosa. A dado passo

disse que o autor material da demissão de V. Ex.ª foi V. Ex.ª, mas que o

autor moral não foi V. Ex.ª.

Sr.ª Procuradora, do decurso das suas longas intervenções nesta

comissão verificamos que, em inúmeras ocasiões, o autor moral e o autor

material da demissão de V. Ex.ª coincidiram apenas em V. Ex.ª. E dou-lhe

como exemplo a dita reunião de 16 de Julho, onde lhe disse que já tinha

decidido que iria demitir-se pelas razões que aqui apontou, sendo que

depois, aí, não se demitiu. Ou seja, nesse momento o autor moral da

demissão de V. Ex.ª foi V. Ex.ª e o autor material que não permitiu a

demissão de V. Ex.ª, com a sua argumentação, foi o Director Nacional da

PJ. E isso já não relevou V. Ex.ª!… E, também nesta parte, V. Ex.ª não

pode ter dois pesos e duas medidas.

O que me leva também à questão do acompanhamento do caso

Moderna, Sr.ª Procuradora!… Como estamos no âmbito do direito, sendo

eu advogado e conhecendo relativamente bem o Código de Processo Penal,

que me conste, esse processo está em fase de julgamento.

Ora, estando na fase de julgamento, o processo já não se encontra

sob a dependência do Ministério Público e, assim sendo, não me parece que

competisse ao Ministério Público determinar o que quer que fosse para

efeitos do dito acompanhamento que V. Ex.ª referiu.

Assim, a minha pergunta é muito clara e também não vai admitir, no

meu ponto de vista grandes divagações. Queria saber se, no âmbito deste

processo, há ou não algum despacho do Procurador Adjunto que nesta fase

processual, no que toca ao Ministério Público, tem o processo à sua ordem.

Se há algum despacho!…

Uma outra questão, Sr.ª Procuradora, tem que ver com o Sr.

Segurança Albuquerque, por quem V. Ex.ª tem consideração, porque,

afinal, era seu subordinado. E a pergunta é esta: o Sr. Director Nacional

determinou apenas a transferência do Sr. Segurança Albuquerque ou

determinou a rotatividade de todos os seguranças da PJ, Sr. Albuquerque

incluído? Foi no âmbito dessa decisão que ele também foi transferido?

Parece-me ainda Sr.ª Procuradora, o facto de V. Ex.ª ter criticado

muito o Dr. Adelino Salvado por ele ter destacado, no caso do protocolo,

agentes que, no entendimento de V. Ex.ª, não teriam perfil para a tarefa. E a

pergunta que lhe faço, Sr.ª Procuradora, é esta: afinal, neste âmbito, quem

era o director e quem era a directora adjunta, quem era o superior

hierárquico e quem era o subordinado, quem determinava e quem põe em

pratica as determinações? Simplificando: quem mandava, era o Dr. Adelino

Salvado ou era V. Ex.ª?

Portanto, mesmo que com razões de discordância, o Dr. Adelino

Salvado não tinha toda a legitimidade para decidir como muito bem

decidiu?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe que fosse breve.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu vou ser

muito breve, só que, como convirá, as exposições foram muito longas, eu

não quero, depois, usar do direito de réplica e, como está a ver, eu sou

preciso e cirúrgico nas questões que coloco, que são todas muito objectivas.

A Sr.ª Dr.ª está a pôr agora em causa - agora, só agora – a idoneidade

de um magistrado como o Sr. Dr. Adelino Salvado, que, julgo eu, todos nós

temos como reputadíssimo, cujo passado também fala por si e que pela

defesa das liberdades de todos os portugueses também já teve a própria

vida em risco, como é de todos conhecido?

V. Ex.ª veio hoje, aqui, atacar insistentemente o Dr. Salvado e eu,

Sr.ª Dr.ª, de todo o modo, também aqui me reporto aos documentos. Ora,

eu leio a dita missiva de V. Ex.ª do dia 29 de Agosto de 2002, em que

confirma tudo aquilo que já tinha decidido antes e o que V. Ex.ª nela

escreve relativamente ao Dr. Adelino Salvado é que lhe manifesta prova da

consideração pessoal e profissional e prova do respeito.

Então V. Ex.ª, no dia 29 de Agosto, tem pelo Dr. Salvado o maior

apreço, a maior consideração, pessoal e profissional, e passados dois meses

ele já é a pessoa mais incompetente do mundo, profissionalmente já não

releva nada?!… Eu pergunto-me o que é que vamos esperar de V. Ex.ª, no

que toca a afirmações públicas, daqui a mais dois meses!… Porventura o

Dr. Adelino Salvado já será outra vez o melhor do mundo, pelo menos a

avaliar pelo grande desempenho que a Polícia Judiciária tem tido nos

últimos tempos, sem prejuízo do desempenho que V. Ex.ª nela em tempos

teve, igualmente muito meritório.

Outra questão, Sr. Presidente e Sr.ª Procuradora: V. Ex.ª referiu que,

numa conversa de telemóvel, o Dr. Adelino Salvado lhe disse que a Sr.ª

Ministra não a queria na sua equipa. Parece que ele não confirma esta

afirmação – pelo menos à 1.ª Comissão não o confirmou – o que nos leva a

mais um problema insanável.

No entanto, Sr.ª Procuradora, aquilo que me interessa – e vamos aos

tais depoimentos indirectos que V. Ex.ª referiu – é, muito concretamente,

saber se V. Ex.ª alguma vez o ouviu da Ministra ou se V. Ex.ª pode provar

aqui que a Ministra o disse. E quero também, naturalmente, lembrar-lhe o

que manda o Código de Processo Penal quanto aos depoimentos indirectos

e quanto aos documentos, quando diz que – como sabe o Código de

Processo Penal tem aplicação subsidiária nesta Comissão – a testemunha é

inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo; quanto ao

depoimento indirecto, se o depoimento é resultado do que se ouviu dizer a

pessoas determinadas, o juiz pode chamar essas a depor. O que nos leva à

dita contradição!… É que chamado o Dr. Salvado…

Protestos do PS e do PCP.

Srs. Deputados, posso falar?

Protestos do PS e do PCP.

Aparte inaudível por não ter sido feito para o microfone.

Sr. Deputado, há um respeito que eu concedo a V. Ex.ª mas que V.

Ex.ª não me concede!… Mas verá, quando usar da palavra, que o ouvi com

toda a atenção.

Apartes inaudíveis de vários Deputados e da Dr.ª Maria José

Morgado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que continue e que

termine.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Eu tento, Sr. Presidente, e

gostava que a Sr.ª Procuradora e os Srs. Deputados me ouvissem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Sr.ª Procuradora está a ouvir.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É que eu estou a falar de

coisas muito sérias, Sr. Presidente!… E em causa está o bom nome de

muita gente!

No caso concreto das imputações que a Sr.ª Procuradora aqui fez à

Sr.ª Ministra da Justiça, a única pessoa que referiu como tendo transmitido

factos a V. Ex.ª foi o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. Foram

duas conversas com o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, o que

significa que, chamada esta pessoa que a Sr.ª Procuradora trouxe à colação,

há um depoimento que não o confirma, o que nos leva à total vacuidade,

usando uma expressão que é querida a muita gente, daquilo que V. Ex.ª diz.

Agora, V. Ex.ª já disse aqui - e já o disse também noutros sítios - que

nunca falou com a Sr.ª Ministra Justiça e o que eu lhe pergunto é se alguma

vez falou com outros ministros, nomeadamente com o Sr. Ministro António

Costa. Com a Sr.ª Ministra da Justiça V. Ex.ª já nos esclareceu que não

falou e o que eu quero que nos esclareça é se alguma vez falou com o Sr.

Ministro António Costa.

Passando à questão da Brisa, V. Ex.ª referiu esse caso como de

grande sucesso e eu devo dizer-lhe que, de facto, foi mediático e

importante.

Agora, neste caso, gostava de colocar a seguinte questão a V. Ex.ª :

houve ou não ao nível dos factos, no caso da Brisa, intervenção dos

portageiros nos Carvalhos, mais a norte? Foram ou não, alguma vez, esses

portageiros constituídos arguidos? Houve ou não algum contacto na fase

investigatória, com o homólogo de V. Ex.ª lá mais a norte, um dos tais em

que o juiz não podia vir para aqui porque, não sendo do sul, isso seria quase

razão de curriculum? Caso não tenha havido, V. Ex.ª não entende que com

esse procedimento a investigação possa ter saído prejudicada?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não tenha dúvidas!

Posso responder?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Depois V. Ex.ª explicará.

Sr.ª Procuradora – e esta é outra questão - V. Ex.ª disse aqui que

criou isto, que criou aquilo, que criou aqueloutro e eu pergunto: criou V.

Ex.ª ou criou a Direcção Nacional da Polícia Judiciária, de que V. Ex.ª

também fazia parte? V. Ex.ª podia, de motu proprio, alterar no organigrama

a estrutura da Polícia Judiciária, ou para isso tinha também de ter a

autorização e o assentimento dos seus superiores hierárquicos? Se tinha,

por que razão V. Ex.ª diz «criei isto, criei aquilo, criei aqueloutro» e não

teve pelo menos a humildade – eu sei que V. Ex.ª terá e, portanto, fê-lo

certamente por distracção – de compartilhar esses méritos, como, de resto,

os deméritos, com todos os que faziam parte da equipa.

Quero crer que a Polícia Judiciária não era apenas V. Ex.ª e que

acima de V. Ex.ª havia, certamente, mais pessoas que tinham de sancionar

o respectivo comportamento. Ou, de outra forma, seria tão legítimo dizer

que V. Ex.ª criou isto – e lembro, por exemplo, que há pouco apontou o

caso do subordinado de V. Ex.ª que lhe sugeriu e V. Ex.ª criou – como

dizer que o superior hierárquico, a sugestão de V. Ex.ª, também criou.

Desse ponto de vista, afinal quem tinha criado era o superior hierárquico e

não V. Ex.ª!

Por outro lado, V. Ex.ª trouxe à discussão detenções que ocorreram

hoje como sendo fruto do trabalho de V. Ex.ª e eu pergunto-lhe por que é

que em numerosas declarações públicas que V. Ex.ª fez em relação a outras

detenções que ocorreram ao tempo em que desempenhava funções na PJ,

não referiu o trabalho dos outros, que justificaram essas detenções.

De resto, citou o caso do Dr. Vale e Azevedo, que é exemplar na

justiça portuguesa, mas também, Sr.ª Procuradora, deixe que lhe diga: V.

Ex.ª, com a entrevista que deu, e que eu ouvi, à data da detenção, no

momento, quando se encontrava lá, no tribunal, quase que criou em toda a

população a convicção que foi V. Ex.ª que determinou a detenção, que fez

e aconteceu. E eu pergunto-lhe: foi V. Ex.ª que o fez? Afinal, quem

determinou a detenção? Foi V. Ex.ª?

Estas perguntas não têm o que quer que seja de excipiente em relação

a V. Ex.ª , porque em relação a V. Ex.ª, como profissional, só posso relevar

pela positiva. Agora o que gostava de assinalar também que o facto de ter

um desempenho altamente meritório não significa que outras pessoas

também não tenham tido, não apenas na cadeia hierárquica abaixo de V.

Ex.ª, mas também acima.

V. Ex.ª, inclusivamente na comunicação e aqui, destaca sempre os

agentes, os agentes, os agentes, como se acima de V. Ex.ª não houvesse

mais ninguém e como se só V. Ex.ª mandasse, como se só V. Ex.ª fosse a

responsável por tudo, quando me parece que o aconteceu foi um trabalho

de equipa em que V. Ex.ª teve muito mérito, mas que também tem de ser

partilhado com quem estava acima de si e, desde logo, em alguma parte do

processo pelo Dr. Adelino Salvado, superior hierárquico de V. Ex.ª.

Não quero ser ofensivo — e sei que não o vou ser — mas, da mesma

maneira que V. Ex.ª fez apreciações subjectivas ao nível do comportamento

de várias pessoas, desde logo do Director Nacional, da Ministra, etc., devo

dizer que quase tenho a sensação de que a grande razão da mágoa de V.

Ex.ª é nunca ter sido convidada para directora nacional da Polícia

Judiciária. Mas se foi, ou se é isto, não perca a esperança, Sr.ª Procuradora,

porque ainda resta muito a tempo, pois V. Ex.ª é muito competente, é muito

nova, e quem sabe não o será um dia.

Termino apelando à coerência de V. Ex.ª, relembrando documentos

que hoje não são apenas meros documentos, pois têm um valor probatório

muito claro, sendo particularmente esclarecedores.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José

Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Vai ser manifestamente

impossível responder a todas as questões, não tenho capacidade nem tempo

para o efeito. Mas, agradeço as suas simpáticas e amáveis palavras.

Começando pelos direitos fundamentais, todos nós que trabalhamos

na investigação criminal sabemos que há uma tensão permanente no

processo crime, por um lado, em relação à eficácia, e por outro quanto aos

direitos fundamentais. Esta tensão tem que ser resolvida, momento a

momento, de acordo com as necessidades de efectividade e actualidade da

repressão e com os bens jurídicos a tutelar.

Quando está em causa criminalidade altamente lesiva, crime

altamente organizado, é evidente que o grau de compressão dos direitos

fundamentais é maior através dos meios específicos de prova. Mas tudo

isto está previsto legalmente, é uma questão de ponderação de interesses,

de bom senso e de se proceder caso a caso. Sempre dei a atenção a isso —

o último recurso que fiz na Boa Hora foi em defesa dos interesses da defesa

propriamente dita, pelo que isto a mim não me faz impressão nenhuma.

Tem é que haver sempre a ponderação dos bens e quando temos uma

criminalidade velada, indirecta, poderosa, que faz lucros fabulosos, que em

3 minutos transfere — ou em 3 segundos, através das novas tecnologias e

da Internet — o dinheiro para paraísos fiscais, é evidente que o grau de

compressão de direitos tem de ser maior. Mas isto está tudo previsto e a

opção é se vamos combater o crime, com eficácia, com efectividade, com

actualidade, ou se vamos permitir a impunidade.

Portanto, não deve haver qualquer preconceito nessa matéria. Deve

saber-se construir o caso e ver caso a caso quais são os interesses a tutelar.

Se o Sr. Deputado era uma dessas pessoas… Não estou a pôr em

causa o seu bom nome, porque o Sr. Deputado tem um óptimo nome.

Quando referi que me tinham dito que havia pessoas do poder político que

tinham pavor e pânico de mim e o Sr. Deputado começou a agitar-se,

perguntei-lhe se era um desses, aqui, cara a cara. Se não é, não é; se é,

também é — não tem problema nenhum. Não vale a pena estar… Aplique,

de facto, a sua capacidade de análise noutros assuntos, porque este é apenas

isto. Se também é uma dessas pessoas… Provavelmente não é, nem há

razão para isso…

Ainda quanto à questão dos direitos fundamentais e à inversão do

ónus da prova, a Lei n.º 5/2002 prevê a inversão do ónus da prova em caso

de condenação pelos crimes de catálogo nela previstos e para património

adquirido nos últimos cinco anos que não seja produto do crime da

condenação, mas que não tenha proveniência lícita. O arguido terá de

provar a proveniência lícita.

A presidência dinamarquesa da União Europeia até propõe — é uma

proposta de directiva, que se calhar também vai ter que ser aprovada pelo

Governo português e aplicada no nosso quadro legal — a declaração de

perda de bens de cônjuge ou de bens que sejam transmitidos a sociedades

utilizadas como «testa de ferro» e que não estejam ligados à condenação do

crime propriamente dito, mas à actividade criminosa da pessoa nos últimos

cinco anos. E propõe um leque de crimes muito mais vasto do que aquele

que está previsto na Lei n.º 5/2000.

Portanto, não são originalidade minhas nem ataques aos human

rights, são matérias que se discutem hoje na Europa por causa da

agressividade do crime internacional organizado e do perigo que ele

representa para os orçamentos da Comunidade, para o Estado português,

para a democracia e para a estabilidade económica e política.

Quanto à coerência, podemos ficar a saber as cartas de cor (isto até já

aparece o processo do Melancia, com tanto fax e tantas cartas…), mas não

há qualquer incoerência nem contradição. Estive muito relutante, não ia

contar na praça pública estes pormenores, que penso serem desprestigiantes

para quem actua de forma tão caprichosa — a discricionariedade tem que

ser fundada.

O Dr. Adelino Salvado não teve qualquer conversa séria comigo,

esperou que eu fosse de férias e, às 10 da manhã — um bocado depois das

10 horas, para não dizerem que entrei em contradição quanto às horas —,

telefonou-me, propondo-me que eu pedisse a cessação da comissão. Toda a

evolução dos acontecimentos mostra que ele um homem preparado para o

efeito, que não foi apanhado de surpresa. Tinha uma pessoa escolhida que

tomou posse segunda-feira, quando a demissão é aceite na quinta-feira,

tinha o projecto de protocolo, tinha a alteração da lei orgânica, o plano

financeiro da Polícia Judiciária e tinha todas estas operações para

escorarem a minha saída, dizendo: «Não digam agora que eu não combato

o colarinho branco». Portanto, ele achou que era o momento ideal para se

desfazer de mim.

Não tinha intenções políticas, não tenho projectos político-

partidários. Se tivesse, estava na política há muito tempo, como estava o

meu companheiro de partido na altura, José Manuel Durão Barroso, e como

está o José Lamego, legitimamente. Mas, naquele tempo cada um seguiu o

seu caminho. Acreditei num determinado projecto, e quando vim para o

Ministério Público, o que tem tantos anos quantos tem a minha filha hoje,

foi por abandono de um projecto político-partidário. Não é que eu pense

ilegítimo que as pessoas tenham uma militância político-partidária, eu é

que não tenho.

Quando o Dr. Adelino Salvado me empurra para fora da Polícia e

aparece toda esta confabulação à volta do meu nome, senti necessidade de

marcar o meu terreno de magistrada. Está a perceber, Sr. Deputado? Não ia

explicar ao Público, ao Expresso, ao 24 Horas, ao Correio da Manhã, ao

Independente, ao que quer que fosse, que o Sr. Director Nacional me tinha

telefonado às 10 da manhã a pedir para eu me demitir, porque isso ia

desprestigiar o Sr. Director nacional. E eu ainda o via com os olhos de

magistrados, porque nos conhecemos no tribunal.

Os magistrados têm um nome, têm uma cotação, os nomes dos

magistrados têm uma cotação, como na bolsa e o nome do Sr.

Desembargador tinha uma cotação, como o meu. Levei muito tempo a

compreender isto. Mas, atenção!, não há aqui qualquer incoerência.

Enquanto não compreendi o fenómeno, optei, prudentemente, repito,

prudentemente, seriamente, com respeito pelo Dr. Adelino Salvado, sem

uma palavra que lhe é cara, que é o «envinagramento», por esta solução.

Quando escrevi a carta no dia 29, dois depois de me ter empurrado

para fora da Polícia, tinha os operacionais todos da Alexandre Herculano a

chorarem, desde os segurança, passando pelos inspectores, aos

coordenadores. Não havia ninguém que consegui-se despedir-se de mim

sem chorar! Eu não sabia o que é que ia acontecer àqueles homens e senti

necessidade de escrever aquela carta.

Mais: quis ir à Gomes Freire entregar o crachá da Polícia ao Dr.

Adelino Salvado, que não me recebeu. Isto é um comportamento

caprichoso, não fundado, que não compreendo, não tenho instrumentos

para compreender! O Dr. Adelino Salvado disse-me: «Não me massacre».

E, portanto, é justo para o Dr. Adelino Salvado que eu diga isto nesta

Comissão.

Os Srs. Deputados têm que saber se querem a verdade material — a

verdade formal está nas cartas, a verdade material está naquilo que eu digo,

mas a verdade é inconfundível, ainda que processualmente inválida, e toda

a evolução dos acontecimentos mostra que eu fui empurrada. Simplesmente

eu tinha um compromisso e disse-lhe: «Sim, eu peço para sair». E assumi-o

publicamente, assumi publicamente a bem da Polícia Judiciária, a bem do

Sr. Director Nacional, porque considerei que era preponderante o interesse

da Direcção Nacional da Polícia Judiciária.

Mas, depois disso, compreendi muita coisa, que também não podia

compreender na altura. Como já expliquei, há um autor moral e há um

autor material — depois, o Sr. Doutor pode brincar à vontade com as

autorias materiais e morais ao longo do processo que expliquei.

Simplesmente, naquele dia 27 houve um autor moral e um autor material.

Não rejeito as responsabilidade de autora material. Pedi a demissão, podia

ter escolhido outro caminho, podia ter dito: «Não, demita-me, demita-me».

Mas tenho orgulho, optei por pedir eu a demissão.

Não digo que não pedi a demissão, mas não posso dizer que pedi a

demissão porque tivemos grandes discussões, porque o Dr. Adelino

Salvado não concordava com a minha estratégia, porque discutimos isto,

aquilo e aqueloutro. Não discutimos absolutamente nada! Não discutimos

sequer aquilo que estamos a discutir aqui, e daí a expressão «história sem

história».

A única coisa foi: «Isto vai mudar tudo, já sei que a senhora não

concorda, portanto, como personalidade de prestígio, peça a cessação da

comissão». E eu, sem escolha, sem qualquer hipótese de escolha, fui metida

neste processo irreversível em que fui lançada para a fogueira, fui

transformada em dinamite política, por iniciativa do Sr. Director Nacional!

Não foi por minha iniciativa! A minha única iniciativa era ser fanática no

combate ao crime económico organizado, nele incluindo o branqueamento

e a corrupção. Porventura, era o meu único fanatismo. Era a única coisa

que eu via naquele momento.

O Sr. Director Nacional estava a falar com uma pessoa esgotada de

não dormir e de quase não comer. Desde o dia 24 de Novembro de 2002

que eu não parava, e não porque fosse eu a executar as coisas, mas porque

tinha que estudar, dinamizar, utilizar os conhecimentos que me eram dados

pela investigação para reestruturar a DCICCEF que estava necessitada

disso, porque encontrei uma direcção central traumatizada pela

investigação do caso Moderna.

Sei reconhecer o valor e a obra dos meus antecessores. Mas, Sr.

Deputado, o que eu fiz na primeira comissão foi obra dos investigadores,

não foi obra minha. Limitei-me a liderar, a coordenar determinadas

investigações, a tirar conclusões e a conceber planos e modelos de

investigação.

Em relação ao caso da Brigada de Trânsito, fui abordada pelo

Inspector Chefe de Setúbal, em Fevereiro de 2001, que me mostrou

elementos da investigação de Setúbal do Cabo Machado, que eram uma

lista de nomes de pessoas da BT que recebiam regularmente cheques junto

de empresas. Olhei para aquilo e disse ao Inspector Chefe: «Tem de se

fazer qualquer coisa, nós não temos meios, mas isto fica comigo e esteja

convencido de que não cai em ‘saco roto’».

Pedi ao Dr. Bonina (estou a falar para cima) a constituição de uma

brigada, que era chamada a «brigada maravilha», da qual faziam parte três

pessoas, e que fez um trabalho notável de recolha de informação na estrada,

através de meios, de equipamento de vigilância electrónica, todos

autorizados pelo juiz de instrução criminal de Setúbal, tendo sido

constituídas 23 empresas como colaboradoras.

E tudo o que hoje se traduz em detenção, significa trabalho de

recolha de prova e de informação de três inspectores, que quase não

comiam nem dormiam para fazer isso e o modelo, concebi-o eu. E o

Inspector Chefe Baião sabe isso, o Inspector Uni e a Inspectora Anabela

sabem isso, porque eu disse-lhes: Isto é intolerável! Tem de fazer-se uma

operação com impacto e com divulgação pública, que ponha termo ao

escândalo da corrupção na BT! E a operação tem de ter: lista de detenções,

pelo menos, 30 ou 40 pessoas detidas, que são os cabecilhas; verificação

dos sinais exteriores de riqueza; dos meios de enriquecimento ilegítimos e

definição do modus operandi.

Hoje temos uma investigação com três inspectores, que é neste

momento a investigação mais cara que a Polícia Judiciária jamais teve. É

cara, não vou dizer porquê, mas é uma investigação cara em termos de

meios de equipamento, por exemplo, e do que se gastou para se conseguir

definir os modus operandi.

Aqui entra um elemento, que são as ideias, as concepções e o apoio

que dei à investigação, a concepção que fiz da operação – porque, de facto,

foi a primeira operação que concebi, desde que entrei para a Polícia

Judiciária, isso é uma verdade –, e o apoio que obtive do Dr. Bonina para o

efeito.

Quanto à politização, não é o meu «calcanhar de Aquiles»! Como já

referi, houve um tempo em que todos andámos na política. Cada um seguiu

o seu caminho, e eu segui o do Ministério Público, é aqui que quero estar.

Não sou um «caso Negrão». Não sou, nem nunca serei! O tempo o dirá!

E como não tenho objectivos político-partidários, escrevi as cartas

que escrevi. Se os tivesse, não as tinha escrito. Há também a ingenuidade e

a neutralidade própria dos magistrados e há uma vontade muito grande de

defender os operacionais. Eu não sabia o que lhes ia acontecer. Aquilo era

uma Direcção a funcionar tipo roleta, não se sabia nunca o que é que ia

acontecer no dia seguinte.

A propósito da política, devo dizer que não percebi as perguntas do

Sr. Deputado. Não percebi! As perguntas não têm inteligibilidade. Mas não

contactei ninguém desta Comissão! Não sei o que é que o Sr. Deputado

quer dizer!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se desde que se demitiu

manteve alguma conversa…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Desde que me demiti, não! Não!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não é se foi contactada ou

se contactou. O que estou a perguntar é se, desde que se demitiu, manteve

alguma conversa, por si ou por interposta pessoa, com algum Sr. Deputado

aqui presente ou ausente?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Bom, parece que estou a ser

constituída arguida desta Comissão de inquérito e os arguidos têm direito

ao silêncio!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não acha que no caso da

Brisa, poderia haver uma maior articulação, nomeadamente com a

Directoria do Porto?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Olhe, Sr. Deputado, há

amizades…, mas não houve qualquer contacto, nem por mim nem por

interposta pessoa. Aliás, não se está a referir-se ao meu marido. O meu

marido tem amizades na política, mas também é um homem que se vê

completamente desinteressado de qualquer carreira político-partidária,

porque senão não fazia o que faz! Portanto, é um homem sem partido, e

fala com quem calha e com quem lhe apetece! E eu também falo com quem

calha e com quem me apetece!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E com o Dr. António

Costa?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Com o Dr. António Costa?!…

Com certeza que falei com o Dr. António Costa, no dia da minha tomada

de posse.

Tive também várias reuniões com o Dr. António Costa, no âmbito do

pacote da legislação económico-financeira. E sabe quem esteve também

nessas reuniões, Sr. Deputado? O Sr. Procurador-Geral Souto Moura, a Dr.ª

Cândida Almeida, a Dr.ª Teresa Almeida, a Dr.ª Cláudia Santos, o Dr.

Rocha Andrade, o Dr. Bonina, o Dr. António Costa e eu. Houve, portanto,

várias reuniões nessa matéria! E tive também reuniões com o Dr. Rocha

Andrade, sobre a matéria da prevenção do euro.

Aliás, não sei se o Sr. Deputado sabe que a DCICCEF e a Polícia

Judiciária é a entidade nacional competente para a centralização da

informação em matéria de contrafacção de moeda.

Portanto, de facto, tive essas reuniões. Também tive encontros com o

Dr. António Costa na Rua Alexandre Herculano, n.º 42-A, sede da

DCICCEF, numa visita que o Dr. António Costa fez à DCICCEF,

conforme fez à DCITE, à DCCB e a outros departamentos da Polícia

Judiciária. Nessa visita, foi acompanhado pelo Dr. Bonina, falou com todos

os investigadores, de todas as secções de investigação criminal, e almoçou

na cantina no 7.º andar da DCICCEF.

Mais: deixe-me também dizer-lhe que gosto muito do Dr. António

Costa como pessoa, e gostei muito dele como Ministro da Justiça. As Leis

n.os 5/2002 e 10/2002, a Lei dos Encobertos, a Lei que aumentou os

poderes processuais da Polícia Judiciária, a lei da quebra do sigilo bancário

foi feita com um levantamento dos obstáculos à produção de prova em

matéria de acesso à documentação bancária, junto dos investigadores e

junto da banca. E deu um bom resultado! E deu uma boa lei! Isso é um bom

método. Se alguém agora fizer o mesmo, ficarei a admirar esse método.

Digo-lhe mais: o Dr. António Costa era um Ministro da Justiça

muito, muito estimado na Polícia Judiciária. Era 100% estimado na Polícia

Judiciária! Porquê? Porque era uma pessoa que conhecia os problemas da

Polícia, visitava a Polícia, ouvia Polícia, fez reuniões com a Polícia e

percebia-se que ele percebia quais eram os problemas da Polícia.

Porque a Polícia, Sr. Deputado, tem problemas sérios e graves, que

não são propriamente só as questões de telemóveis e de carros. Há

problemas muito, muito mais sérios e muito delicados.

Portanto, falei, sim, com o Dr. António Costa. Aliás, se quer que lhe

diga, eu conheço o Dr. António Costa há muitos, muitos anos. Nem sei

desde quando! Porque eu não nasci quando fui para a Rua Alexandre

Herculano; tive actividade política, antes e depois do 25 de Abril, e sempre

tive actividade pública, portanto falo com quem entendo. Quanto ao Dr.

António Costa, conheço-o de há muitos anos, nem lhe sei dizer desde

quando.

Agora, no exercício das minhas funções, enquanto estive à frente da

DCICCEF, fiz todas essas reuniões na presença do Sr. Procurador-Geral, da

Dr.ª Cândida Almeida, do Dr. Bonina e dos assessores do Dr. António

Costa.

Já agora, digo-lhe que estou a ver que o Sr. Deputado tem boas

informações dentro da Polícia Judiciária, nomeadamente da Directoria do

Porto. Parabéns!

Mas digo-lhe também que para haver efectividade e actualidade, os

processos não podem ser monstros, porque senão acontece como no

processo da UGT. Portanto, o processo da Brisa está bem assim, e há-de

dar um bom julgamento assim!

Eu (e voltamos à 1.ª pessoa) levei para a Polícia a experiência que

tinha nos tribunais, que é aproximar a data da consumação do crime, da

data da acusação e da data do julgamento, para tornar efectiva a repressão,

para dar efectividade, actualidade e impacto junto das pessoas e para

educar as pessoas nestes valores.

Mas para isso os processos não podem ser monstros. Já nos

deparamos com suficientes dificuldades no crime económico, por isso não

vale a pena estar a torná-las em dificuldades maiores. Vejam o que é que

aconteceu no processo Bayer/Pequito, ou no processo Fundo Social

Europeu, ou no processo UGT!

Os megaprocessos anestesiam a justiça, porque tornam impossível

um julgamento eficaz!

Repare que no processo Vale e Azevedo há trânsito em julgado. Ora,

ele foi preso no dia 16 de Fevereiro, e o trânsito em julgado ocorreu agora,

portanto faça as contas e compare com os outros casos!

Por conseguinte, trata-se de uma questão de métodos, não é uma

questão de pessoas. Mas é claro que os métodos não nascem nos

computadores, directamente. Têm de ser as pessoas a pensá-los, a reflectir

e a analisar.

E há algo que é importantíssimo na Polícia Judiciária: o que se faz,

faz-se com 80% de factor humano e 20% de factor técnico. E o Dr. Adelino

Salvado subestima o factor humano! Para ele, as pessoas são fusíveis. Não

tem princípios humanistas na Direcção, porque senão não fazia o que fez

em relação à minha Direcção, sequer. Eu tenho princípios humanistas!

Sempre tive! Era acusada pelo Dr. Adelino Salvado de exagerar no apoio à

investigação criminal.

Os Srs. Deputados vejam quantas vezes eu apareci publicamente?

Dei duas entrevistas, e todas as conferências de imprensa eram dadas pelos

operacionais, porque sempre fui defensora da investigação suada, da pessoa

com olhos encarnados que acabou de fazer a operação, porque é essa que

sabe o que quer transmitir à opinião pública. O Dr. Adelino Salvado é

defensor da informação padronizada.

Aliás, quando o Dr. Adelino Salvado tinha acabado de tomar posse e

eu lhe propus um agraciamento público a todos os investigadores do caso

Brisa e do caso das Finanças, o Dr. Adelino Salvado, por escrito,

respondeu-me que não concordava com esse agraciamento público, porque

era contrário à cultura organizacional da PJ – DCICCEF.

Portanto, dois pesos e duas medidas não sou eu que tenho!

Sempre falei da dinâmica dos investigadores e do que aprendi com

os investigadores. E se alguma crítica faço ao Dr. Adelino Salvado é

precisamente a de não dar importância ao manancial de experiência dos

investigadores e não se apoiar suficientemente nos investigadores – pelo

menos nos investigadores que tinham experiência e treino no crime

económico.

Não há aqui um problema de pessoas! Sabe o que é que me disse um

colega Procurador-Geral Adjunto quando fui para a Polícia Judiciária? Que

eu ia desempenhar uma função abaixo da minha categoria funcional

administrativa no Estatuto. Porque, enquanto Procuradora-Geral Adjunta,

só reporto ao Procurador-Geral, e como Directora Nacional Adjunta,

reporto a um Director Nacional, que por sua vez reporta à Ministra. Mas

isto não me fazia impressão nenhuma, porque a minha convicção e era

fazer alguma coisa para combater a corrupção!

Toda a restruturação da PJ/DCICCEF, que se pode ver no relatório

anual, foi uma restruturação feita com base nos ensinamentos trazidos da

experiência dos investigadores, ensinamentos nacionais e internacionais,

inclusive e, com certeza, com o apoio do Dr. Bonina e com o apoio para

cima do Dr. Bonina e do Dr. António Costa.

Da parte do Sr. Director Nacional actual, os apoios que tive foi um

isolamento crescente, conforme numerosos exemplos que podia dar. Da

parte da actual Sr.ª Ministra da Justiça também não tenho conhecimento de

qualquer apoio.

Como o Sr. Deputado me perguntou se eu alguma vez falei com ela,

posso dizer-lhe que não falei, nem vou falar, nem faz sentido que fale,

porque a minha inserção no sistema era operacional, e como tal só podia ter

uma interpretação operacional de todas estas matérias.

O trabalho em equipa na PJ/DCICCEF sempre existiu, e não foi um

trabalho de equipa só no n.º 42-A da Alexandre Herculano, foi um trabalho

em equipa com a Inspecção-Geral de Saúde, com a Inspecção-Geral de

Finanças, com a Banca, com a CMVM, com polícia, com congéneres

estrangeiras.

Inclusivamente, se os Srs. Deputados quiserem, está aqui uma

comunicação da Embaixada Britânica/Law Enforcement, uma carta datada

de 28 de Agosto de 2002, que foi enviada para a DCICCEF pelo oficial de

ligação para os assuntos fiscais da Embaixada Britânica e que diz o

seguinte: «Cara Dr.ª Maria José, não podemos deixar passar esta

oportunidade de lhe agradecer toda a valiosa colaboração prestada pela

DCICCEF a este Gabinete nos últimos anos. Sempre pudemos contar com

o vosso apoio, o que tornou possível a obtenção de bons resultados quando

trabalhámos em conjunto. E estamos certos que isso se deveu em grande

parte ao seu trabalho na chefia dessa Direcção Central».

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso não está em causa!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Parece que está em causa. Porque,

não sei se os Srs. Deputados querem coisas acéfalas, mas há uma coisa na

minha visibilidade. Eu assumi a responsabilidade na condução das

investigações e assumi riscos! Hoje, quando vou na rua, sou conhecida, e

isso é um risco. Isso não me preocupa! Tenho uma ética de

responsabilidade. Sempre a tive! No Tribunal assumia riscos, na Polícia

assumi riscos, aqui assumo riscos em dizer o que digo! E atenção Sr.

Deputado, preocupações político-partidárias, não as tenho! Não tenho

vocação para isso! Não estão no meu horizonte! As suas perguntas não me

impressionam!

Mas, a respeito de liberdades e garantias, há uma coisa que gostava

de referir, que é o seguinte: eu tinha um telemóvel na Polícia, com um

determinado número que não sei qual é mas o Sr. Director Nacional há-de

saber (é uma questão de pedir esse número aos serviços) e, até há poucos

dias (e não sei se hoje, esqueci-me de verificar), o cartão desse telemóvel

estava activado. Quem ligasse para aquele número era atendido com a

mensagem: «De momento não posso atender, deixe a sua mensagem».

Ora, uma pessoa que tem uma preocupação tão obsessiva com as

liberdades e garantias, que presencia um pedido de demissão nessas

circunstâncias, poderia, porventura, ter tido o cuidado de dizer aos serviços:

«Onde está o telemóvel dessa senhora? Desliguem-no!». Já foi desligado?»

Também não sei por que razão isso acontece. É evidente que quem quiser

ligar para esse telemóvel fica lá a mensagem. Não sei se neste momento, a

esta hora, há alguém da polícia a fazer a lista das mensagens para aquele

número. Isso acontece e não estou minimamente preocupada, mas

provavelmente, se fossem ligar para lá agora – perguntem à polícia o

número – esse cartão ainda está activado, não obstante os problemas de

verbas. Sempre é uma assinatura que está a ser paga!… Penso eu, não sei.

Não percebo! Pode, até, ser esquecimento pura e simplesmente, mas são

esquecimentos… Enfim, podem não ter grande importância, mas quando se

quer «ver à lupa» a questão das liberdades e garantias e do bom nome, até

se podem referir coisas destas.

Não sei o que o Sr. Deputado quer que diga mais sobre este assunto.

Quanto à questão das hierarquias, nunca fui anarquista, Aliás, essa

carta do dia 29 só mostra a minha fidelidade e a minha lealdade a um

Director Nacional. É um comportamento disciplinado. Sempre fui uma

pessoa de disciplina férrea e levei algum tempo a perceber todo o cenário.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Até hoje!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Até hoje, Sr. Deputado.

Eu não tive a iniciativa do pedido de demissão. Pedi a demissão a

pedido. Tive muita relutância em contar isto publicamente e jamais o

contarei publicamente. Conto nesta Comissão…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não esteja a ser ingénua,

porque logo à noite já se sabe tudo nas televisões!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - O Sr. Deputado é que sabe! O Sr.

Deputado é que sabe o grau e o nível de respeito que quer escolher para

esta Comissão em termos de verdade material. Comecei por dignificar a

minha posição aqui. Eu quero a verdade material. Se os Sr. Deputados não

querem a verdade material, se querem a verdade formal, ou a verdade

parlamentar, ou a verdade da maioria, ou a verdade das cartas, não me diz

respeito. Estou acima disso, é-me rigorosamente indiferente. O meu

coração não bate nem mais uma vez, as minhas pulsações não aumentam

nem mais uma… É como olhar para o fundo de uma piscina. Estamos

sempre na mesma e sempre a ver a mesma coisa.

Isso não modifica o telefonema do Dr. Adelino Salvado, o pedido

que ele me fez para que me demitisse, a forma caprichosa, arbitrária,

infundada, inesperada, surpreendente, não transparente como tudo isto

decorreu e como se vê pela evolução dos acontecimentos. Quem não tinha

intenções políticas era eu. Não tinha, não tenho nem nunca terei, porque se

tivesse, garanto-lhe que o meu comportamento não era este, Sr. Deputado.

É por não ter intenções políticas que falo com quem me apetece, com quem

gosto, porque julgo que ainda vivemos num país livre.

O Sr. Presidente: - Antes de mais, quero reiterar, nomeadamente à

Dr.ª Maria José Morgado, que se cinja às questões que estão aqui na mesa e

que não tome como pessoais e evidentes as perguntas que lhe são colocadas

– o objecto desta Comissão é muito claro –, caso contrário acabamos por

ficar aqui indefinidamente com uma hora de pergunta/resposta para cada

Sr. Deputado. Tenho mais oito Deputados inscritos e, portanto, podem ver

o horizonte que nos espera.

Peço ao Dr. Nuno Teixeira de Melo, que tem direito a fazer uma

réplica, que seja muito sintético, para depois poder dar a palavra ao Sr.

Deputado António Filipe.

Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de

registar, telegraficamente, mais uma contradição da Sr.ª Procuradora,

porquanto, lendo um parágrafo da acta da audição da Sr.ª Procuradora, do

dia 11 de Setembro de 2002, dizia a Sr.ª Procuradora «Quanto aos

contactos com a Sr.ª Ministra da Justiça, é evidente que não tenho categoria

nem estatuto para ter contacto com Ministros. Nunca tive. Aquilo que eu

disse é o que está escrito, é aquilo que posso dizer.» Portanto nunca teve

contactos com Ministros! Ao que parece teve e vários…

Bom, à parte esta nota que fica para registar, gostaria de pedir à Sr.ª

Procuradora que precise aquilo que não precisou, ou seja, se está em

condições de provar, aqui – é uma responsabilidade política, de políticos

que aqui estão e que querem tirar conclusões com recurso a V. Ex.ª, porque

se há coisa que não é ingénua, até porque é uma pessoa inteligente e,

portanto, calculará que tudo o que disse, logo à noite, estará nos telejornais

e nos jornais, sabe isso muito bem; não se tente balizar no sigilo desta

Comissão para justificar o que está a dizer, porque sabe bem aquilo que se

vai passar –, e de confirmar se V. Ex.ª…

Protestos do PS.

Ó Sr. Deputado, caso se queira indignar, indigne-se amanhã se o que

eu disser é mentira! Se o que eu disser é mentira, amanhã V. Ex.ª poderá

indignar-se!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, preferia que não entrasse em

diálogo e que se limitasse a dialogar com a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Gostava que nos dissesse

– porque isto releva politicamente – se nos pode provar aqui que a Sr.ª

Ministra disse o que V. Ex.ª diz que o Dr. Salvado disse a V. Ex.ª que ele

disse. Isso, para nós, é que releva. Gostava que precisasse esta parte, além

de outras que eventualmente não respondeu, mas deixo-as para outras

intervenções.

Registo também que a Sr.ª Procuradora afirmou aqui que desde que

se demitiu – também para constar em acta – não manteve qualquer contacto

com nenhum Sr. Deputado presente ou ausente, por si ou por interposta

pessoa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - O Dr. Adelino Salvado disse-me, a

mim, não estou a desvirtuar a realidade, que a Sr.ª Ministra não queria que

eu continuasse na Polícia Judiciária por excesso de visibilidade. Disse-o a

mim, ao Dr. Bonina, a toda a gente da Relação, a jornalistas, a muita gente.

Há muita gente que ouviu isso e por motivo apelido este facto como sendo

uma facto notório. É este o facto. É assim e eu não ia inventar uma coisa

destas. Não era possível inventar com esta fundamentação de excesso de

visibilidade e com todo este dramatismo de não tomar posse se eu não

aceitasse continuar. O Dr. Bonina sabe que isso aconteceu e na Relação

toda a gente sabia que o Dr. Adelino Salvado dizia que estava com

problemas porque a Ministra não queria que eu continuasse na Polícia

Judiciária. Isto foi-me dito por ele e também a muitas pessoas, sem nunca o

ter desmentido, a não ser na 1.ª Comissão.

Pronto. Fico aqui à mercê das minhas palavras, mas é assim.

O que é que o Sr. Deputado perguntou mais?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Referi-me às contradições

entre as suas declarações na 1.ª Comissão quando disse que não tinha tido

relações com os Ministros da Justiça e, afinal, há pouco referiu que tinha

tido reuniões com o Ministro António Costa.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, as reuniões que tive

com o Dr. António Costa foram reuniões de uma comissão e quando falo

nesse tipo de contactos são os contactos feitos com a tutela. Não tinha

contactos directos com a tutela por força do exercício das funções. Tive

reuniões no âmbito da Comissão de Análise e Estudo para a Legislação

Económico-Financeira. Penso que isso está explicado.

Quanto aos contactos por interposta pessoa, o Sr. Deputado quer ter a

delicadeza de me dizer quem é a interposta pessoa? Importa-se? Será o meu

marido?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Procuradora, convirá

que quero dizer exactamente aquilo que disse e perguntar exactamente

aquilo que perguntei. V. Ex.ª responderá também como disse ou pode

alterar, se pretender…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim senhor! A sua frontalidade é

notável! Mas penso que se está a referir ao meu marido.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Estou a cogitar!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Está a cogitar. Mas julgo que se

está a referir ao meu marido porque ele tem amigos na…

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

Ai não? Então esses são fantasmas! Eu não raciocino com base em

fantasmas, Sr. Deputado. Os fantasmas não me afligem. É o que se chama

uma pergunta fantasma, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas a resposta não!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - A resposta não é fantasma?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado

não deseja responder mais…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, eu tenho mais que

fazer do que andar em encontros com os Srs. Deputados!

Tenho processos para despachar, tenho coisas para estudar. Já lhe

disse que não tenho objectivos político-partidários, mas tenho amigos que

estão na política. Agora não, mas quando corria o julgamento do Melancia

até tive amigos, que na altura estavam no poder político, que me visitaram

em casa e que me conheciam dos tempos do MRPP e resolveram visitar-

me.

Agora, penso que a minha honorabilidade está acima de qualquer má

interpretação. Posso encontrar-me com qualquer… Aliás, tenho amigos

tanto da direita como da esquerda, se quisermos ir para essa dicotomia

tradicional. Essa interposta pessoa, não sei se é fantasma ou quem é. Tanto

falo com pessoas do PS como até falo com o António Lobo Xavier, por

exemplo. Está a perceber, Sr. Deputado?

A esse respeito nada tenho a esconder. Quando sair daqui vou a pé

para casa. A pé! E não me preocupo. Não olho para trás nem por cima do

ombro! É que o Sr. Deputado está a falar com uma pessoa que já passou

muito na vida e está rigorosamente acima dessas… Como é que lhes hei-de

chamar? Desses fantasmas, desses problemas. Nem sequer me preocupam!

Posso ter o meu trauma, mas isso tem a ver com o passado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, vou tentar reconduzir o

inquérito à disciplina que V. Ex.ª no início da sessão tentou, mas depois

deixou as coisas andarem de uma forma…

Em primeiro lugar, quero agradecer o depoimento da Sr.ª Dr. Maria

José Morgado que foi muito importante para o esclarecimento de alguns

aspectos e que nos obriga a proceder com algumas diligências,

designadamente a tentar ouvir alguns depoimentos de pessoas que a Sr.ª

Dr.ª aqui citou, podendo contribuir construtivamente para este inquérito.

Vou pedir-lhe que precise alguns aspectos concretos de assuntos que

já abordou.

A Sr.ª Dr.ª referiu-se ao processo das finanças e a informações que

teriam sido… Referiu-nos que o Sr. Director Nacional afirmava não

acreditar no sucesso desse processo, que ele não ia dar em nada, mas refere,

a dada altura, que foi pedida uma informação por escrito ao Inspector

Coordenador Calado Oliveira, creio que foi o nome que referiu, e que esse

pedido de informação não passou como deveria ter passado pela Sr.ª

Directora Adjunta. Tem algum conhecimento sobre que tipo de

informações foram solicitadas pelo Sr. Director Nacional acerca desse

processo? Sabe qual foi a origem dessa informação? Quem terá solicitado

que essa informação fosse dada? Concretamente, o que pretendia saber o

Sr. Director Nacional? Qual a razão concreta para que essa informação não

lhe tenha sido pedida a si e tenha sido pedida directamente ao Inspector?

Vou-lhe pedir uma segunda pormenorização. A propósito do

afastamento da pessoa ou das pessoas que estavam a acompanhar o

julgamento do caso Moderna, a Sr.ª Dr.ª referiu, a dado passo – não

consegui tomar nota –, o nome dos inspectores da Polícia Judiciária que

fizeram parte da brigada que investigou o caso da Universidade Moderna.

Referiu os nomes. Peço-lhe, apenas, que os repita, porque gostaria de tomar

nota e esta minha solicitação não é compatível com o tempo que demora,

agora, a ouvir a gravação. Portanto, peço-lhe, por razões de celeridade da

nossa investigação, se nos pode repetir os nomes que disse há pouco.

Houve notícias de que foram recusados louvores pela hierarquia da

Judiciária. Saiu uma notícia no jornal Público de que, já no tempo do Dr.

Adelino Salvado, foi recusado um louvor aos investigadores do caso

Moderna, que tinha sido proposto.

Pergunto-lhe se nos pode dizer quem foram estes investigadores, se

tem conhecimento directo desta recusa de louvores e se tem conhecimento

de que algum desses inspectores tenha sido afastado das funções que

desempenhava, ao tempo, na Polícia Judiciária.

Para já, são estas as questões que lhe queria colocar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.

A Dr.ª Maria José Morgado: — Sr. Presidente, Sr. Deputado António

Filipe, no processo das finanças a atitude do Sr. Director Nacional, em

conversa comigo, era pessimista.

De qualquer das formas, a informação… Não se trata do tipo de

informação. Será uma informação sobre o andamento de um processo, que

é uma coisa que um director nacional tem legitimidade, em princípio, para

fazer, mas que não é costume ser feito assim, nestes moldes. Porque o

Director Nacional não me pede a informação a mim.

Quanto ao momento, tenho razões para pensar que esperou que eu

fosse para férias para pedir essa informação. Portanto, é uma maneira de

chamar a atenção aos investigadores para o processo da marcação da

direcção, da directora. E, como tal, foi interpretado. É um mau sinal para a

investigação, quando isso se faz na ausência da direcção do departamento.

E o momento foi em férias. Terá sido por volta de vinte e tal de Agosto.

Quase ia jurar que foi quinta ou sexta-feira e o meu pedido de demissão foi

na terça. Portanto, as coisas andavam todas a concentrar-se e a afunilar-se

cada vez mais.

Para mim, a questão principal é: por que é que se espera pela minha

ausência em férias? Por que é pedido desta maneira? É uma forma de me

desautorizar. E, como veio a suceder, é uma forma de dizer: «Atenção, ela

já não está aqui». E não estava. Eu é que pensava que estava… De facto, o

coordenador ficou um bocado admirado com isso e deu a informação. E a

informação terá ido na semana anterior ao meu pedido de demissão.

Chamo a atenção que, de facto, este é dos processo mais sensíveis

que existe, neste momento, na DCICCEF. É um processo que apontava

para níveis de direcção no interior da máquina fiscal e é de uma dificuldade

de prova extraordinária. E, agora, quem está pessimista a respeito do

processo sou eu.

Quanto ao caso de Monsanto, só quem não conhece estas realidades

é que pode fazer perguntas, no sentido de saber se havia despacho do

Ministério Público ou se havia isto ou aquilo. O que acontece, nestes casos,

é um acompanhamento informal da Polícia Judiciária, uma coadjuvação

informal ao Ministério Público. Há um acordo entre a Polícia Judiciária e o

Ministério Público. É uma coisa que decorre naturalmente das funções da

Polícia Judiciária e das necessidades do Ministério Público.

Como tal, havia um ou outro apoio esporádico, logístico ao Dr.

Manuel das Dores, como eu disse, com desgosto meu de não poder reforçar

esse apoio, porque nem sequer tinha meios para isso. Faço notar que isto é

um processo gigantesco e que este apoio não é despiciendo. É um apoio

compreensível e normal. O que não foi normal foram os reparos que houve

sobre o apoio.

Uma das pessoas que destaquei para o apoio foi o Pedro

Albuquerque, porque era a única pessoa que eu tinha. É o homem dos sete

ofícios, é capaz de fazer 30 coisas ao mesmo tempo. Como tal, deu esse

apoio no início — no início —, em Abril, no julgamento, ao Dr. Manuel

das Dores. Depois, terá havido um ou outro apoio logístico, de acordo com

as necessidades do Ministério Público.

Os nomes das pessoas a quem eu transmiti esta orientação, e que têm

a ver também com a brigada que tinha investigado o caso Moderna, foram:

o coordenador de investigação criminal João Borlido, que estava de férias e

eu chamei para vir falar comigo nesse dia ao fim da tarde; o inspector

Gonçalves Pica; o inspector Álvaro de Sousa; e, se não me engano, o

inspector Pedro, que é novo, tomou posse em Novembro de 2001 na

brigada de pesquisa e, como tal, não fez parte da investigação do caso

Moderna. Mas é evidente que não quer dizer que fossem estes inspectores

que iam a Monsanto. Havia uma apoio logístico esporádico, de acordo com

a agenda e as possibilidades.

É claro que isto não tinha nada a ver… Não havia presença de

testemunhas do caso Moderna em Monsanto nem assistência ao

julgamento. Não é disso que se trata. São apoios logísticos.

Aliás, pouco tempo depois do Dr. Adelino Salvado ter tomado posse,

apareceu uma manchete no Diário de Notícias sobre buscas da Polícia

Judiciária, que tinham sido feitas no âmbito do processo que está a correr

no Tribunal de Instrução Criminal, em que é a Dinensino a queixosa. O Sr.

Director Nacional chamou-me e levei, juntamente comigo, o Dr. Egídio

Cardoso, que é o director do Departamento de Perícia Financeira e

Contabilística, para explicar, porque o Sr. Director Nacional tinha acabado

de tomar posse há poucos dias e estava muito agitado por ter aparecido

aquela notícia sobre buscas na Moderna no Diário de Notícias.

Realmente as buscas tinha sido feitas por nós, já em coadjuvação

com juiz de instrução criminal. Expliquei isso ao Sr. Director. Expliquei-

lhe que não sabia por que é que tinha havido aquela fuga. E o Sr. Director

até me pediu, diante de quem estava — o Dr. Egídio Cardoso, o Dr. João

Vieira e o Dr. José Branco —, um levantamento sobre a situação,

nomeadamente sobre pessoas ligadas ao processo da Moderna e os

interesse nessa matéria. Eu pedi aos inspectores para fazerem esse

levantamento, que fizeram, e entreguei-lhe um documento de análise com

informação tratada sobre a matéria.

Quanto à questão dos louvores no caso Moderna, tanto quanto sei,

porque isso é superveniente à minha saída da Polícia Judiciária, estava

agendada para o Conselho Superior de Polícia a aprovação de uma proposta

de louvor aos investigadores da Polícia Judiciária. Eu conheço a proposta

de louvor, porque foi feita pelo meu antecessor, Dr. Rosário Teixeira.

Entretanto, eu acrescentei a essa proposta de louvor uma referência

elogiosa do Dr. Manuel das Dores no fim da instrução.

Essa proposta dividia os investigadores em duas categorias: a

categoria do trabalho excepcional, que eram aqueles que tinham tido a

vanguarda da investigação e a direcção da recolha de prova, em relação aos

quais propunha o louvor; e, em relação aos restantes, propunha a menção

elogiosa.

No regulamento de mérito do pessoal da Polícia Judiciária ou numa

escala de zero a dez o louvor é o dez e a menção elogiosa é o um. Abaixo

da menção elogiosa, só há o prémio pecuniário. Parece — e eu tenho a

confirmação disso — que o processo não foi despachado, porque o relator

anterior adoeceu gravemente. O Dr. Loureiro era meu colega, em Coimbra,

e, como adoeceu gravemente, o processo entrou em morosidade. Foi,

depois, recuperado para esta direcção nacional. E o parecer que foi

aprovado no Conselho Superior de Polícia foi o de baixar o louvor para

menção elogiosa, considerando que o trabalho não era excepcional e não

justificava o louvor. Era apenas um trabalho de mérito.

Em relação a um segurança que tinha apoiado a investigação, a Lei

Orgânica da Polícia Judiciária permite-o. A segurança pode apoiar a

investigação criminal. Ele apoiou-a em buscas e detenções, nos momentos

decisivos da prova, com tenacidade, com coragem, com combatividade. E

esse segurança é censurado na proposta de louvor por ter extravasado o

conteúdo funcional das suas funções e ter posto em causa o mérito dos

investigadores.

É claro que a Polícia Judiciária é uma realidade muito complexa e há

uma rivalidade antiga entre seguranças e investigação criminal, ou seja,

entre o apoio à investigação e a investigação criminal. Mas essas

rivalidades não podem ser promovidas; têm de ser combatidas.

E o que eu entendo é que o Conselho Superior de Polícia deveria ter

obrigado à revogação daquela proposta, porque era, de facto, uma proposta

injusta, em relação a quem se tinha destacado em momentos de

operacionalidade crítica, como são as detenções, as buscas e a recolha de

prova. E, de facto, isso não sucedeu, o que é uma maneira de elogiar sem

elogiar. Depois houve a distribuição desses prémios publicamente, no dia

21 de Outubro, no Instituto Superior de Polícia Judiciária, e houve até

investigadores que nem compareceram, porque se sentiam ofendidos com

este procedimento.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José

Morgado, quero apenas precisar se tem conhecimento de que o inspector

João Borlido tenha visto alteradas as suas funções na Polícia Judiciária,

depois dessa investigação.

A Dr.ª Maria José Morgado: — Eu só tenho conhecimento daquilo

que veio publicado na comunicação social. Nessa altura, já não estava lá.

Mas, porventura, pode perguntar-lhe a ele.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, vou seguir as

sugestões que o Presidente tem feito, várias vezes, nesta Comissão,

lembrando que não tem sentido discutirmos aqui assuntos tão relevantes

como a estratégia para a Polícia Judiciária ou, até, interpretações diferentes

sobre essa matéria. Portanto, ao contrário do Sr. Deputado Jorge Neto, não

seguirei por esse caminho.

Em contrapartida, queria assinalar, desde já, que, dos depoimentos

apresentados hoje à tarde pelas várias intervenções da Dr.ª Maria José

Morgado, resulta claro que, para o esclarecimento complementar que é

necessário no âmbito próprio desta Comissão, terá todo o sentido ouvir o

Dr. Luís Bonina e o Dr. Rui do Carmo, que foram directamente citados,

além, naturalmente, dos depoimentos que já estão previsto do Director

Nacional da Polícia Judiciária e da Ministra da Justiça.

Quero colocar-lhe, Dr.ª Maria José Morgado, três questões concretas,

visto que nós queremos esclarecer somente a incidência de actuação

política do Ministério da Justiça, no que diz respeito às demissões nas

direcções da Polícia Judiciária. Como esse é o nosso âmbito e o nosso

objectivo, é sobre isso que temos de nos pronunciar, pelo que queria que

me desse esclarecimentos complementares sobre três matérias.

A primeira, é que, ao referir a reunião de 16 de Julho em que sentiu

necessidade de colocar o seu lugar à disposição — o que não foi, então,

considerado —, no momento em que pela primeira vez se referiu a essa

reunião, disse que já tinha havido um incidente semelhante em Junho, e não

deu mais detalhes sobre esse facto.

Não sei se na altura, aquando desse incidente, cujo conteúdo não nos

esclareceu – e pedia que o fizesse –, considerou também que, apesar de ter

passado apenas um mês da sua tomada de posse, se justificava esse mesmo

entendimento que teve mais tarde, de que se estava a esboroar a relação de

confiança. Portanto, queria saber se esse incidente tem relevância para o

que nos interessa, que é interpretar este processo de evolução nas relações

hierárquicas e na sua relação com o Director Nacional da Polícia Judiciária

e, eventualmente, com a Ministra da Justiça.

Em segundo lugar, sobre a reunião de 16 de Julho, referiu-se várias

vezes ao apoio logístico – e fê-lo agora de uma forma detalhada – que o

agente Pedro Albuquerque teria sido encarregue, por si, de dar ao

Ministério Público no âmbito do processo Moderna. Não ficou claro para

mi se a qualificação que ele tinha para essa matéria era a que decorria da

sua competência como segurança, visto que cumpria essas funções em

relação a si, como nos disse, ou se havia competências decorrentes das suas

capacidades de investigação, ou do conhecimento do processo, ou do

conhecimento de processos que fossem relevantes do ponto de vista do

combate à criminalidade económica e à corrupção.

No fundo, pergunto se havia alguma particularidade que o indicasse

como uma pessoa competente, ou especialmente competente, para fazer

este acompanhamento. Em particular, queria saber se ele tinha um

conhecimento anterior do caso que estava a ser julgado então.

No âmbito desta segunda questão, ainda sobre a reunião de 16 Julho,

disse-nos – se bem tomei nota da sua intervenção – que o Dr. Adelino

Salvado lhe terá dito que queria saber se andava um homem em Monsanto

e que isso decorria de um telefonema da Ministra da Justiça derivado de um

pedido de esclarecimento de Paulo Portas. Naturalmente, pareceu-me

entender que se referia a uma afirmação que lhe é feita pelo Director

Nacional da Polícia Judiciária, mas queria que, na medida do possível,

precisasse se lhe é dito que este contacto da Ministra da Justiça – sabemos

que não é feito consigo, porque já nos disse que nunca falou com ela – é

feito com ele, directamente, se é a Ministra da Justiça que indica o pedido

de esclarecimento de Paulo Portas ao Dr. Adelino Salvado, ou se é feito

directamente pelo Ministro de Estado e da Defesa ao próprio Director

Nacional da Polícia Judiciária.

Por último, queria que me precisasse aquilo a que se refere como o

«processo das finanças». Também é certo que, nesta última resposta ao

Deputado António Filipe, já deu algum esclarecimento complementar.

Disse-nos aqui a Dr.ª Maria José Morgado que esse é um processo dos mais

difíceis, dos mais trabalhosos, dos mais importantes, daqueles que têm mais

consequências e que se pretendia que, em Setembro, se concretizasse a

colaboração com alguns arrependidos que poderiam dar um impulso à

investigação.

No entanto (e ressalvando todas as precauções que compreendo que

tenha e entendo que deve ter), não ficou muito claro que tipo de processo se

trata. Trata-se de uma investigação sobre elisão fiscal? Trata-se de uma

investigação sobre corrupção? Trata-se de uma investigação estritamente

no âmbito de funcionários da administração tributária?

Faço-lhe estas perguntas porque pretendo saber – não é,

evidentemente, o que a Polícia Judiciária investigou, ou poderá investigar

hoje em dia, porque é dos processos mais sensíveis, naturalmente – se deste

processo decorre a possibilidade de pressões políticas significativas, ou se

entende que pressões políticas possam ter ocorrido na sequência deste

processo, tanto mais que este calendário dos acontecimentos que são

factuais, designadamente os conflitos a propósito do caso Moderna, no dia

16 de Julho, a sua entrada em férias, a multiplicação de incidentes

hierárquicos durante o seu período de férias e o telefonema do Director

Nacional da PJ no dia 27 de Agosto, que leva à apresentação da sua

demissão nesse mesmo dia, são imediatamente precedentes àquele que era

um passo significativo neste processo investigatório, no mês de Setembro.

Queria ainda perguntar se interpreta que este processo tem relevância

quanto aos calendários em que ocorrem estes múltiplos incidentes e em que

lhe é pedido que se demita, neste contexto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo pediu a

palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente,

naturalmente, não quero voltar a intervir nem tenho esse direito, mas queria

informar a mesa – e, nessa circunstância, também a Sr.ª Dr.ª Maria José

Morgado – que, tal como dizia antes, perante a indignação do Sr. Deputado

António Filipe, o que a Sr.ª Procuradora aqui tem vindo a dizer já foi

noticiado pela Lusa, pelas televisões…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, eu não abandonei o

meu lugar nem telefonei!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não estou a dizer que o

fez.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, peço-lhe

que desligue o microfone, porque não se trata de uma interpelação à mesa.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria

apenas que ficasse registado em acta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado,

começando pelo fim, quanto à relevância no calendário do processo das

finanças, há algo que me parece incontornável: esperar que eu levasse essa

investigação até ao fim, manter a minha direcção até ao fim e, só então,

convidar-me a sair. Ou, indiferente ao decurso desta investigação, talvez

com uma espécie de insensibilidade qualquer, dizer-me: «Sr.ª Dr.ª, ponha

termo à sua comissão».

Penso que as coisas falam por si. Eu abandono a Polícia Judiciária

com investigações altamente sensíveis, na fase mais sensível, como é o

caso das finanças, o caso do Vitória de Guimarães, o caso nandrolona, o

caso do contrabando organizado de fraude em IVA em carrossel, de fraude

aos IEC, etc., etc. Ninguém me pediu a responsabilidade do resultado

daquelas investigações, portanto agora a responsabilidade é de quem lá

ficou, da Direcção Nacional e do meu sucessor. Eu tive responsabilidade

até àquele dia.

O que me dá impressão é que o Sr. Director Nacional não achou que

isso era importante, não pesou essas investigações na balança em termos de

dizer: atenção, estão a decorrer estas investigações, é melhor não haver

alterações; já é tudo tão difícil em matéria de crime económico que não

vale a pena tornar as coisas mais difíceis, porque isto causa perturbações à

investigação. Como já disse numa entrevista, a investigação sabe sempre de

que lado sopra o vento! E quando uma directora, que tem o apoio dos

operacionais, é «empurrada» desta maneira, os operacionais não sabem

muito bem o que vai acontecer no dia seguinte, porque tudo isto pode

transformar-se numa roleta russa.

Portanto, não posso responder mais nada, a não ser que ninguém me

deu oportunidade de levar estas investigações até ao fim. E justificava-se,

dada a gravidade. Estes processos de que falei nunca tinham sido

investigados na DCICCEF desta maneira, com estes métodos e com estes

objectivos.

É evidente que o processo das finanças, na operação de 3 de Abril,

levou à detenção de subdirectores, de um subdirector da 2.ª Distrital de

Finanças e de um director do IVA, depois soltos por insuficiência de

indícios, segundo o despacho da Dr.ª Fátima Mata Mouros. Mas foram

detidos por despacho judicial, mandato de detenção assinado pela juiz de

instrução criminal. E o que é surpreendente é que ninguém espera que estas

investigações cheguem ao fim. Faz-se uma mudança de direcção com tudo

isto a decorrer.

Em relação à questão de precisar o telefonema da Sr.ª Ministra da

Justiça e à questão de Monsanto, penso que as minhas palavras não foram

ainda inteiramente compreendidas. Havia uma orientação minha de, sempre

que possível, dar apoio ao Ministério Público, e este, sempre que possível,

passava muitas vezes pelo apoio do segurança, porque este segurança tem

uma particularidade: é o homem dos sete ofícios. Conhece bem a Polícia

Judiciária, conhece os métodos de investigação, tem disponibilidade, é

dedicado, combativo e uma pessoa completa para o efeito pretendido, que

era o de dar algum apoio logístico e acompanhar o Ministério Público. Isso

foi feito durante o início do julgamento; depois, pode ter havido um ou

outro apoio esporádico, mas sem continuidade, porque estávamos sem

meios e a Direcção Central estava a «rebentar pelas costuras».

O que sucedeu no dia 16 de Julho foi que, a seguir à reunião do

Conselho de Coordenação Operacional, o Sr. Director Nacional chamou-

me e disse que tinha acabado de receber um telefonema da Sr.ª Ministra da

Justiça, por uma questão que lhe tinha sido colocada pelo Dr. Paulo Portas,

por causa de alguém da DCICCEF que andaria em Monsanto, e não devia

andar. E a instrução verbal que me foi dada era para não andar, ou seja,

ninguém podia ir a Monsanto! Ora, num quadro de normalidade, isto é algo

que não é inteiramente compreensível: por que raio não podíamos ir a

Monsanto?! É costume, nestes processos, a Polícia Judiciária falar com o

Ministério Público. Foi o que aconteceu com as FP-25, também no

processo do Melancia e no das FP-27, ambos comigo; no processo de Vale

e Azevedo, com a Dr.ª Leonor Machado; no processo da UGT, com o Dr.

João Guerra. E em nenhum desses processos foi dito «não queremos

ninguém lá», bem pelo contrário!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A investigar!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não é a investigar, Sr. Deputado.

Eu falei em apoio logístico e não em investigação. Ou bem que o Sr.

Deputado aceita a existência da Polícia Judiciária, ou não aceita – a Polícia

existe e para alguma coisa é! E, quando há julgamentos, a Polícia Judiciária

tem de conhecer o feedback do julgamento, o seu resultado, e pode ter

necessidade de recolher informação para acompanhar o julgamento. A

Polícia Judiciária pode fazê-lo, está no âmbito da sua actuação.

Não estou a dizer que a Polícia Judiciária o fez no caso do processo

Moderna, mas pode fazê-lo porque está dentro da função prevenção.

Talvez nem possa existir Polícia – o melhor é acabar com ela… –,

porque tem uma função de prevenção, de recolha, análise e tratamento da

informação. Esse é um serviço que a Polícia Judiciária presta à democracia

e aos cidadãos, e também aos Srs. Deputados.

Mas não estou a dizer, sequer, que a Polícia Judiciária o fez no caso

Moderna, porque não havia tempo para isso: estávamos a «rebentar pelas

costuras», não havia quase tempo para dormir. O que se passou foi que

houve uma pessoa que foi a Monsanto e o facto dessa pessoa ter ido a

Monsanto causou agitação do lado do poder político, porque fui chamada à

atenção sobre esse facto! Portanto, é a isso que me refiro. E fui chamada à

atenção sobre isso no dia 16 de Julho, porque foi esse o dia da reunião do

Conselho de Coordenação Operacional.

Em Monsanto, o que aconteceu foi o seguinte: o Pedro Albuquerque

transportou o Dr. Manuel das Dores: levou-o e foi buscá-lo. E não sei por

que razão um «factozinho» destes causa tanta agitação e dá origem…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Há uma coisa que se

chama Constituição!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim, mas a Constituição não o

impede de levar e trazer o Ministério Público ao tribunal!

O incidente anterior, em que pedi a demissão, tem a ver com uma

outra situação, em finais de Junho, em que há um pedido de entrevista do

Expresso sobre a crescente eficácia da Polícia Judiciária no combate ao

crime económico – o Expresso andava há um ano a pedir essa entrevista e

eu andava há um a recusá-la, por minha iniciativa.

Em relação a esse último pedido o Dr. Adelino Salvado exarou na

folha do fax enviada pelo Expresso dois parágrafos basicamente nestes

termos: o primeiro elogiava a Sr.ª Jornalista e o trabalho que ela sempre

tinha feito de acompanhamento do crime económico e das acções da

Polícia Judiciária, etc. No segundo, depreciava o meu trabalho, porque

dizia que o trabalho feito pela Polícia Judiciária é um trabalho de equipa

não era um trabalho de uma só pessoa e, portanto, não era essa pessoa que

dava as informações era o gabinete de estudos e documentação.

É evidente que eu sempre funcionei em equipa, aliás, parece-me que

funciono em equipa de forma tal que as acções que continuam depois de

mim, o que prova a capacidade de constituir equipas, gosto do trabalho em

equipa, é uma coisa que me entusiasma e até sou conhecida por isso em

todo o lado por onde tenho passado.

Na Boa Hora, estive oito anos e fui reconhecida por juizes e colegas

por formar equipas, constituir equipas e ter essa obsessão. Agora, é

evidente que é preciso que alguém fale, é preciso que alguém, perante a

opinião pública, assuma a divulgação das coisas e assuma aquilo que é

importante em termos de dar visibilidade ao combate ao crime.

Entendi que o Sr. Director Nacional ao tomar essa posição, e ao

divulgá-la internamente, estava, mais uma vez, a desautorizar-me. Agarrei

no fax, ao fim do dia, eram 8 horas da noite, fui falar com ele à Gomes

Freire, ao 4.º andar, e disse-lhe «Sr. Director Nacional o que está em causa

aqui é que eu tenho de me ir embora, porque o Sr. Director Nacional não

compreende os meus métodos de trabalho, nem os aceita. Quis continuar

comigo na direcção por razões(…)», e até fui brutal, «(…)egoístas e então

não vale a pena eu continuar é melhor deixar-me ir embora já».

Resposta do Sr. Director Nacional: «Eu estava com «gorilas» na

cabeça (…)», isto é para dar espontaneidade e sinceridade ao depoimento,

portanto ele estava com «gorilas» na cabeça e tinha tomado a opção de eu

continuar a fazer parte da direcção da Polícia Judiciária, por três razões:

uma razão egoísta, sim senhora ele reconheceu a razão egoísta, porque

dizia que se eu não ficasse na direcção era acusado de não querer combater

o colarinho branco; uma razão de justiça, porque não era justo interromper

quem estava a trabalhar e a direcção central tinha sido uma direcção central

que se tinha levantado e estava a fazer coisas extraordinárias e uma razão

de eficácia porque estávamos a conseguir resultados. Portanto, egoísmo,

justiça e eficácia!

Isto foi em finais de Junho, e eu saí, mais uma vez, dilacerada pelo

dilema que me levou a escrever as cartas finais. Este homem defendeu-me

tanto, defendendo os métodos de trabalho e de ataque ao crime económico,

nele incluindo a corrupção e o branqueamento ou se me defendeu por

razões egoístas. Até hoje nunca soube isso, mas, de facto, os meus três

meses com o Dr. Adelino Salvado foram dilacerados por esse dilema, por

essa dúvida, pelo que em finais de Junho coloquei-lhe brutalmente a

questão e disse-lhe: «O Sr. Doutor só quis ficar comigo por razões

egoístas». Então, ele declarou-me que não era bem assim, mas eu temia que

a Polícia Judiciária fosse pagar um preço por isso e está a ver-se que a esse

respeito tive alguma lucidez.

Aliás, o Dr. Adelino Salvado, no Sábado, dia 25, em que falou

comigo, pela primeira vez a seguir à tomada de posse e em que me reiterou

as revelações acerca da oposição da Sr.ª Ministra à minha continuação na

Polícia Judiciária, disse-me também uma questão interessante é que iniciar

a direcção sem me encontrar à frente da DCICCEF, é como iniciar uma

operação com 39 graus de febre e pedia-me que, acontecesse o que

acontecesse, eu jamais pedisse a cessação da comissão. Pediu-me para eu

firmar esse compromisso com ele, acontecesse o que acontecesse. Eu fiquei

preocupada porque o Dr. Adelino Salvado disse-me que se o problema era

o excesso de visibilidade ele tratava disso e eu fiquei preocupada, repito,

porque não compreendia o que era ele «tratar disso». Mas talvez eu hoje

compreenda o que é «tratar disso».

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-

Geral Adjunta, gostaria de colocar-lhe algumas perguntas, tanto quanto

possível directas e concretas, mas antes de chegar às perguntas directas e

concretas devo dizer-lhe, e é o único comentário que farei, que sou tentado

a partilhar duas opiniões, que são as minhas, neste momento, em relação

àquilo que ouvimos aqui hoje à tarde.

A primeira é quando nós temos consciência pessoal, e já lhe disse

isto da primeira vez que esteve não aqui, mas na 1.ª Comissão, de estar a

fazer pelo nosso padrão e pelo nosso critério, bem o nosso trabalho, é

suposto termos orgulho nesse trabalho. É assim com uma directora adjunta

da Polícia Judiciária, é assim com o Director Nacional, é assim com um

Deputado, é assim com um advogado, seja com quem for.

Por isso, não a posso criticar, porque realmente ouvindo as suas

palavras ficamos com a ideia de uma pessoa que tinha grande empenho e

grande determinação no seu trabalho e como disse aqui o Sr. Deputado

Jorge Neto, tem inclusivamente, um modelo para a Polícia Judiciária, uma

ideia, que nos fica até, de facto, a impressão que gostaria de ver a sua ideia

a ser implementada na responsabilidade máxima da Polícia Judiciária, em

vez do modelo, ou da ideia, que terá o Sr. Director Nacional.

Mas isso é uma questão de divergências de modelo, de diferenças de

concepção em que qualquer uma delas será mais legítima e em que

qualquer uma delas se poderá ver nos resultados se funciona ou não. De

resto, não valerá a pena explorar essa contradição, porque a contradição

seria tão-só a de dizer «ainda bem que estão a copiar» como a Sr.ª Doutora

diz, às vezes e outras vezes dizer «o modelo não é este deveria ser outro

completamente diferente». Poderíamos ir por aí mas não vale tentar

explorar essa contradição, porque não me parece que seja a mais relevante,

mas digo-lhe só, e isto também é uma opinião meramente pessoal, que às

vezes nas suas palavras há…

Eu compreendo que seja fruto dessa sua dedicação e dessa sua

convicção na certeza de que o seu modelo é o melhor, mas há a ideia de

que antes de mim não existia e depois de mim nunca mais vai voltar a

funcionar. Às vezes as suas palavras são de tal forma determinadas e

incisivas que parece passar no seu depoimento a ideia de que antes de si

aquilo não podia funcionar de maneira nenhuma e que depois de si, como a

Sr.ª Doutora disse, também funcionará porque deixou muito trabalho feito,

mas a seguir virá forçosamente o caos.

Ora, não quero acreditar nisso, porque, entre outras razões, Sr.ª

Doutora, cada um tem as suas convicções e os seus valores, eu sou um

institucionalista e acredito que a Polícia Judiciária funcionava antes,

funcionará depois, é uma excelente instituição, é a opinião que tenho, mas é

a opinião de um leitor de jornais e de um espectador atento e mais nada do

que isso. Nem nos meus tempos de advogado que já lá vão, pelo menos de

prática corrente, com alguma distância me dediquei ao processo criminal e,

portanto, é uma mera convicção de leitor de jornais, repito, de que a Polícia

Judiciária funcionava, funciona e, estou certo e convicto, que continuará a

funcionar, pelo que na minha opinião, e daquilo que ouvi, haverá algum

exagero dessa sua visão.

Em relação a esta matéria e de estarmos aqui a tratar, ou não, de um

processo político devo dizer-lhe, Sr.ª Procuradora, que também tenho uma

conclusão e que é a seguinte: este processo, do meu ponto de vista, e

lamentavelmente, é cada vez mais político. Claramente, hoje aqui e é isso

que me transmitia ainda agora um colega meu que se terá deslocado por

minutos ao bar, um processo que tem um objectivo já claríssimo de

envolvimento político de duas pessoas, designadamente a Sr.ª Ministra da

Justiça e do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional.

No início este processo não era político, no início este processo era

um processo baseado em diferenças de concepção, divergências de opinião,

pequenas decisões que foram contrariadas, pequenas situações em que a

Sr.ª Doutora se sentiu, está no seu direito, cada um tem a sua

susceptibilidade própria, uns são mais susceptíveis, outros são menos, não

estou a criticá-la por isso, mas em que a Sr.ª Doutora se sentiu

pontualmente desautorizada.

Era isso que estava em causa e isso é a lógica da sua carta que aqui

foi referida várias vezes. É, de facto, isso que ali está dito, a Sr.ª Doutora

sentiu-se desautorizada ao ponto de dizer «vou-me embora, porque estão a

impor um modelo que não é o meu, há pequenas intromissões naquilo que

eu considero ser a minha esfera e o meu raio de acção, há pequenas

instruções com as quais eu (…)» pequenas ou grandes, enfim, penso que a

Sr.ª Doutora usou a certa altura essa expressão de pequenas coisas que a

foram incomodando, penso que a expressão foi sua e que não estou a

cometer qualquer erro, nem a deturpar as suas palavras por isto, espero eu.

Como dizia, «(…) pequenas coisas em que foi sendo decidido de

forma diferente ao que eu pensava ou que me foram exigidas coisas que

foram diferentes(…)» e, por isso, a certa altura, passo a expressão, depois

de eventualmente de uma conversa onde, como a Sr.ª Doutora disse, o Sr.

Director Nacional disse «eu liberto-a desse compromisso e, portanto, se a

senhora quiser sair, se calhar este é o momento», pelo que a senhora disse

foi isto, amanhã ouviremos o Sr. Director Nacional e ele dirá ou não se

assim foi e a Sr.ª Doutora diz que realmente depois destas coisas e tal é o

momento de bater com a porta.

Chamo-lhe a atenção para um facto que já aqui foi dito por inúmeros

Srs. Deputados que todas as suas declarações posteriores vão no mesmo

sentido da carta, não vão noutro. Agora é que a Sr.ª Doutora se lembrou

que havia outra razão e hoje é que nos trouxe outras questões que não tinha

trazido até agora, porque as suas declarações subsequentes vão

exactamente no mesmo sentido da carta.

De facto, chamo-lhe atenção para esta sua entrevista, que confesso

que por força das minhas funções nesta Comissão li e reli com alguma

atenção, ser num determinado dado, na minha opinião, a Sr.ª Doutora dirá,

mas na minha opinião muito explícita que é quando a Sr.ª Doutora diz que

estava em férias quando se demitiu. Há uma entrevista no Público em que o

jornalista diz que fez o gesto, mas não quis dizer…

Enfim, eu não estava lá, não vi o gesto e, portanto, não sei ao que ele

se estava a referir. Mas nesta a Sr.ª Doutora não faz gesto e diz qualquer

coisa, diz que estava de férias quando se demitiu o que faz supor que algo

de inesperado sucedeu ou lhe foi comunicado e determinou a sua decisão.

Repito, «Estava de férias quando se demitiu(…)», diz o jornalista, «(…)o

que faz supor que algo de inesperado sucedeu ou que lhe foi comunicado e

terminou a sua decisão».

A Sr.ª Doutora, na altura, respondeu: «Mantive-me em contacto com

os operacionais para estar actualizada (…)», como disse aqui hoje «(…)

como era minha obrigação, tinham ficado definidas prioridades por causa

da escassez de meios humanos, a certa altura houve uma alteração dessas

prioridades. Como eu disse, os meios humanos são escassos e quem está

investigar os processos A e B não pode investigar os processos A, B e C».

Ou seja, a Sr.ª Doutora nesta entrevista diz claramente que não

contrariando tudo o que tinha dito antes foi uma determinada conversa e

uma alteração de prioridades que levou à sua demissão. Uma alteração de

prioridades!

Depois, é-lhe ainda perguntado se se estava a referir à intervenção

que o Director da PJ disse ter tido após uma interpelação da Ministra das

Finanças e a Sr.ª Doutora respondeu na altura: «Provavelmente!».

«Ora, já agora, e como caiu no domínio público, chamo a atenção

que nesse caso toda a prova a recolher em território nacional estava

devidamente acautelada e o processo no desenvolvimento correcto». «Mas

estava parado há dois anos», disse o jornalista, «o inquérito foi instaurado

em Janeiro» e a Sr.ª Doutora a seguir dá as explicações que entendeu dever

dar sobre este processo.

Isto é, até aqui tínhamos uma leitura claríssima: a Sr.ª Doutora tinha

algumas divergências com o Dr. Salvado, já percebemos quais eram

algumas delas, a certa altura o Dr. Salvado intervém neste processo, a Sr.ª

Doutora ainda não nos disse se bem, se mal, na sua opinião, admito que

mal, na sua opinião, mas eu acho que a posição dele, tanto quanto nós a

conhecemos é perfeitamente sustentável, aqui é claramente matéria de

opinião, porque a Sr.ª Doutora dirá «está bem, mas eu estava de férias,

porque é que falaram com a pessoa que estava lá e não comigo

directamente?». Enfim, não sei o que é que ele dirá sobre essa matéria, mas

parece-me lógico que ele dirá, já o enunciou de alguma forma, «bom, mas

estava de férias, eu falei com quem lá estava naquela altura e se a Ministra

das Finanças me faz uma denúncia e uma denúncia é perfeitamente

legítimo, não há qualquer pressão nem nenhuma pressão nem intromissão

do poder político nessa matéria, até porque não é dessa que viemos aqui

hoje falar – não há nenhuma intromissão.

A Ministra das Finanças tem uma informação – já todos percebemos

isso, aliás, não entendo por que continua a fazer-se essa pergunta – quanto

a esse processo, o processo dos combustíveis (é disso que estamos a falar,

de resto, a própria Sr.ª Dr.ª o diz), a informação de que há uma quebra, de

que deixou de vender-se, de que há uma fraude. Não é só naqueles casos

que a Sr.ª Dr.ª referiu, também aqui se trata de milhões de contos; não é só

nos outros casos! Portanto, não podemos ser selectivos nesse tipo de

análise!

A Ministra das Finanças diz que deixou de consumir-se, que deixou

de vender-se combustíveis no Norte de Portugal e, portanto, pergunta o que

se passa, se os senhores estão a investigar ou não, e o Sr. Director Nacional

contacta com a pessoa que lá está. A Sr.ª Dr.ª entendeu que isso era uma

intromissão, sentiu-se ofendida… Enfim, isso é da susceptibilidade de cada

um!… Até lhe diria, Sr.ª Dr.ª, que isso é uma coisa que acontece não só

consigo como com qualquer um de nós.

Permita-me a simplicidade do exemplo, mas isso é uma coisa com

que – além de ser Deputado sou líder parlamentar – nos confrontamos

todos os dias. Por exemplo, isso pode acontecer da parte de um Deputado

quando tomamos uma decisão numa área que lhe estava confiada, que é da

sua comissão, que é da sua especialidade, e ele me diz que não gostou,

pergunta por que não falei com ele primeiro, por que falei com outro que lá

estava, que ele estava de férias mas que podia ter falado com ele.

É essa conversa, que a Sr.ª Dr.ª refere nesta entrevista, que parece ter

sido – passe a expressão – a «gota de água» que determinou o seu diálogo

mais ríspido com o Dr. Adelino Salvado e, depois, a sua demissão. Só que

esta versão – Sr.ª Dr.ª, tenho de confrontá-la com isto – vai mudando.

Inicialmente, havia uma carta que a Sr.ª Dr.ª escreveu, penso que

serenamente e de cabeça fria, porque ninguém escreve uma carta daquele

tipo de cabeça quente, de resto, o conteúdo da carta é frio. A Sr.ª Dr.ª não

diz, nessa carta, «o senhor ultrapassou-me de toda a maneira» ou «na

sequência da nossa conversa de ontem e daquilo que me disse, venho

apresentar a minha demissão». Não, a carta diz que, por razões estritamente

de organização, apresenta a sua demissão; é um conteúdo frio!

A seguir, diz-nos que o único acontecimento que poderia existir era

esta conversa anterior, que tem que ver com um processo parado em

Espanha e com o processo dos combustíveis, em que o Sr. Director

Nacional terá diligenciado para um avanço mais rápido, na sua opinião

invertendo as suas prioridades e desrespeitando-a, mas isso é uma matéria

de opinião que não contesto; está no seu direito de pensar assim e não é

isso que estou a contestar.

Posteriormente, sabemos em comissão que, afinal, parece que a Sr.ª

Ministra da Justiça não gostaria de si. Não sei se assim é - quando a Sr.ª

Ministra da Justiça cá vier vou perguntar-lhe -, mas admito que aquilo que

a Sr.ª Dr.ª nos disse aqui possa ser rigorosamente assim, não tenho razão

para duvidar. A Sr.ª Dr.ª fez determinadas declarações, não aceitou pôr o

seu lugar à disposição, como fizeram outros directores adjuntos, por isso

eu, se fosse Ministro da Justiça, garanto-lhe que não teria gostado dessa

atitude, mas a Sr.ª Ministra da Justiça dirá se assim é, ou não. Eu não teria

gostado, acharia normal que todos pusessem o seu lugar à disposição e que

não fizessem declarações em sentido contrário.

Portanto, esta versão vai progressivamente mudando, e hoje

chegamos a uma outra versão. A de hoje refere-se a algo que até agora

nunca tinha aparecido. Porquê? Por segredo profissional? O segredo

profissional referia-se ao facto de o Sr. Director Nacional lhe ter dito que a

Sr.ª Dr.ª Maria Celeste Cardona e o Dr. Paulo Portas não gostariam de si ou

até teriam medo de si? Isso é que era o segredo profissional que a Sr.ª Dr.ª

não podia revelar?! Não era! Podia tê-lo dito na entrevista, podia tê-lo dito

antes, podia tê-lo dito depois, podia tê-lo dito na 1.ª Comissão, mas nunca o

disse, e aparece hoje uma versão nova!

Sr.ª Dr.ª, tenho dificuldade em confrontar-me com estas várias

versões. Reconhecendo o seu apartidarismo de hoje e o seu partidarismo do

passado, pois a Sr.ª Dr.ª referiu quer uma coisa quer outra - não tenho

dúvidas nem problemas nenhuns com isso -, parece-me que, a partir do

momento em que há desagravo, em que a Sr.ª Dr.ª sente que não deveria ter

sido condicionada, afastada, seja o que for, em que acha que o seu trabalho

era o melhor do mundo e que não será tão bom depois da sua saída,

portanto, quando acha isto tudo e a partir do momento em que este

processo é conduzido politicamente (não por si, isso faço-lhe justiça. A Sr.ª

Dr.ª está aqui por que a chamaram, e nós também, porque eu também não

votei a constituição desta Comissão) a versão vai-se tornando cada vez

mais política. E hoje chegamos à versão mais política de todas as que

tínhamos ouvido até hoje!

Feitas estas considerações, há uma matéria que não é só de opinião

(não sou especialista nesta área, mas tenho o direito de fazer perguntas e

obter esclarecimentos, até para ser esclarecido cabalmente), que é a

insinuação política. Não me parecendo que isso seja lógico, penso (e estou

no meu direito de pensar, até porque conheço as pessoas e não admito

determinado tipo de raciocínio em relação a elas. Mais uma vez, é uma

opinião contra a outra, mas quanto ao resto também é uma opinião contra a

outra: a Sr.ª Dr.ª diz uma coisa, depois vamos ouvir o Sr. Director Nacional

e temos conhecimento indirecto e opiniões umas contra as outras) que

algumas das coisas que aqui foram ditas se baseiam num preconceito em

relação a políticos, a dois deles em concreto que a Sr.ª Dr.ª referiu. Penso

que se baseiam num preconceito, e só podem basear-se num preconceito!

Sr.ª Dr.ª, quando é que se faz a ligação? É que a pior coisa que pode

acontecer aqui é ficarem suspeições sobre as atitudes e os comportamentos

seja de quem for! Essa é a pior coisa que pode fazer-se, porque este é um

processo de intenções! A pior coisa que pode acontecer num processo de

intenções é ficarem suspeitas e meros julgamentos de intenção em relação

ao comportamento das pessoas. Por isso mesmo, para que não fiquem essas

dúvidas, essas suspeições…

Isto liga-se depois com o quê? Liga-se com várias coisas que aqui

foram ditas: com um suposto medo que não está demonstrado, de resto, a

própria conversa é-lhe dita pelo Dr. Salvado – antes nunca tínhamos ouvido

essa versão, ouvimo-la hoje pela primeira vez – e, depois, liga-se com a sua

demissão. Só que a sua demissão decorrente de qualquer facto que tivesse

que ver com essas pessoas ocorre dois meses depois, designadamente ao tal

processo e à tal situação do acompanhamento do caso Moderna, porque é

disso que estamos a falar, e vamos falar claro. Portanto, a sua demissão

ocorre dois meses depois!

A Sr.ª Dr.ª, quando recebeu qualquer instrução que tivesse que ver

com o caso Moderna, não a considerou tão grave como isso, não se

demitiu, não acusou estes políticos de estarem a fazer pressão política!

Porque se há aqui uma pressão até pode ser da parte destes políticos, de

negação ou obstrução à justiça! Devia ter sido imediatamente posto um

processo a esses políticos por obstrução de justiça, mas tal não foi feito e a

Sr.ª Dr.ª continuou a exercer as suas funções, demitindo-se na sequência

desta intervenção do Director Nacional quando estava de férias, no caso

dos combustíveis, escrevendo uma carta alegando questões

organizacionais.

Em relação à questão concreta de Monsanto, aqui referida por vários

Srs. Deputados, quero ainda fazer-lhe algumas perguntas (Sr. Presidente,

vou tentar ser breve, mas trata-se de perguntas que, em minha opinião, são

da maior importância para o esclarecimento).

Disse-nos a Sr.ª Dr.ª que estava um segurança, que penso ter sido seu

motorista, a acompanhar o processo e o julgamento em Monsanto. Essa

história do motorista, como sabe, não é nova, porque no mesmo dia em que

a Sr.ª Dr.ª deu a sua entrevista ao Expresso aparece no mesmo jornal uma

notícia referindo precisamente o funcionário que Maria José Morgado tinha

destacado para dar apoio logístico ao Procurador que conduzia a acusação

no caso Moderna. Portanto, exactamente na mesma data da sua entrevista

aparece esta notícia, que conta precisamente a história que aqui referiu,

relativa a um senhor que, no Expresso, de forma criptográfica, é referido

como P.A., mas que agora ficámos a saber chamar-se Pedro Albuquerque.

Essa história tinha sido contada, o que eu não sabia e fiquei a saber –

e parece-me interessante - é que, além deste homem (tomei nota da

pergunta do Sr. Deputado António Filipe), o Sr. Inspector Borlido, o Sr.

Inspector Gonçalves Pica (de Pedro Albuquerque já falámos) e também um

outro inspector, chamado Pedro, que referiu na resposta ao Sr. Deputado

António Filipe, poderiam estar, todos eles (ora à vez, ora ao mesmo tempo,

não sei bem), a acompanhar este mesmo processo. Estes homens - «sim»

ou «não» - são todos da DCICCEF? Este «sim» ou «não» não é

intimidatório, de maneira nenhuma. Não é uma pergunta tradicional de

advogado no sentido de só querer uma resposta clara; não é nesse sentido.

Estes inspectores são ou não homens da DCICCEF? Gostaria de saber se

confirma que eram estes os homens que poderiam estar a acompanhar este

processo.

Por que estavam eles a acompanhar esse processo? Por que eram

precisos tantos homens e tantas circunstâncias para fazer uma coisa que,

certamente, o segurança ou o motorista, por muito qualificado ou dedicado

que fosse ( a Sr.ª Dr.ª diz isso nas suas entrevistas), não era a pessoa mais

indicada para a fazer, ou seja, dar um apoio técnico, que normalmente é

dado por técnicos.

Para mim não é irrelevante - e já se perceberá porquê – se existia ou

não pedido formal, seja do colectivo de juizes, seja do Ministério Público.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Dos juizes?! Que ignorância! Só faltava

essa!…

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, como Vice-presidente, deveria

ser o primeiro a dar o exemplo.

Se quer inscrever-se, faça favor, que dar-lhe-ei a palavra como dou a

todos os Srs. Deputados desta Comissão. Parece-me, porém, evidente que

todos os Srs. Deputados têm o direito de ser ouvidos e de ser contraditados

pelos outros. Não vale a pena interrompermo-nos uns aos outros. Peço a

todos, não particularmente ao Sr. Deputado Osvaldo Castro – calhou ser

desta vez o Sr. Deputado Osvaldo Castro –, que respeitem isso, porque já

aqui estamos há cinco horas e vamos passar mais cinco!

Faça favor de continuar, Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Agradeço essa sua intervenção, Sr.

Presidente, por uma razão simples: não tenho a pretensão - e comecei por

dizê-lo na minha intervenção - de tudo aquilo que digo ou pergunto à Sr.ª

Procuradora estar certo ou ser exactamente assim. É por isso que estou a

fazer perguntas e ouvirei as respostas com a correcção e com a educação

que é suposto termos nesta Comissão. Ainda que a minha pergunta faça ou

não sentido, certamente que a Sr.ª Procuradora responder-me-á também

com a mesma correcção.

Continuando o que eu estava a dizer, é sustentável o entendimento

que, designadamente em relação à intervenção da Polícia Judiciária, há

uma tutela genérica, abstracta, do Ministério da Justiça, que, depois, é feita,

na fase de inquérito, pelo Ministério Público, na fase de instrução pelo juiz

de instrução e na fase de julgamento pelo colectivo de juizes. Portanto, ou

estes ou o Ministério Público, sendo que, nesse caso, já o entendimento não

é tão unânime em termos doutrinários, poderão solicitar esta colaboração.

Parece-me a mim – a Sr.ª Dr.ª o dirá – que este pedido é pressuposto.

A Sr.ª Dr.ª fala de vários casos em que essa colaboração terá acontecido.

Pergunto-lhe se nesses casos ela foi feita sem que ninguém tivesse pedido e

se este pedido não existiu nesses casos. É que a existência, ou não, desse

pedido pode fazer toda a diferença. Porquê? Porque daí retiraremos com

que legitimidade, ao abrigo de que legitimidade e de que poderes estes

homens estavam a intervir.

Em segundo lugar, pergunto-lhe ainda quem mandou retirar, se foi a

Sr.ª Ministra da Justiça ou o Sr. Director Nacional. A Sr.ª Dr.ª,

curiosamente, utilizou uma expressão que me alertou e que considerei

muito interessante. A certa altura, a Sr.ª Dr.ª refere que o Sr. Director

Nacional lhe disse para retirar o homem (a Sr.ª Dr.ª, pelos vistos, mandou

retirar vários), porque a Sr.ª Ministra da Justiça não gostava da ideia, o

poder político não gostava da ideia. Não foi – disse a Sr.ª Dr.ª sem que

ninguém lho tivesse perguntado – porque alguns deles fosse testemunha

nesse mesmo processo.

Como imagina, ouvida esta resposta, fica-me uma dúvida óbvia: por

que mencionou a Sr.ª Dr.ª a possibilidade de algum deles ser testemunha no

processo, uma vez que ninguém lhe tinha perguntado isso até aí, ninguém

tinha falado nessa possibilidade. É a Sr.ª Dr.ª que diz, na sua resposta, que

nenhum deles era testemunha no processo. Por que referiu isso? Nenhum

dos Srs. Deputados lho perguntou, ninguém levantou a questão, é a Sr.ª Dr.ª

que espontaneamente diz: «Atenção, que nenhum deles era testemunha no

processo!» De onde vem essa conversa? De onde vem essa dúvida?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - As testemunhas não podem assistir ao

julgamento!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Se, como diz o Sr. Deputado que

continua aos gritos enquanto intervenho, nenhuma testemunha pode assistir

ao processo, pergunto-lhe se a Sr.ª Dr.ª pode garantir-nos, preto no branco,

que nenhum homem da DCICCEF testemunha no processo estava em

Monsanto a acompanhar esse mesmo julgamento.

Esta é uma pergunta relevante porque suponhamos que estes homens

foram os mesmos que investigaram o processo. Se foram os mesmos, é

perfeitamente possível que sejam testemunhas no processo. Se são

testemunhas no processo, não podiam estar a acompanhar o julgamento

porque, Sr.ª Dr.ª, se foi essa a fundamentação, era enorme o risco de

invalidação do depoimento ou mesmo, se esse depoimento fosse prestado,

de pôr em causa todo o processo e o julgamento relativo à Universidade

Moderna.

Termino, perguntando se existiu ou não essa solicitação formal. É

que se a mesma não existiu, de duas uma: ou havia uma qualquer

averiguação – e já nos disse que não havia porque não era isso que estava

em causa – ou estes homens estavam a agir por conta da DCICCEF, ou

mesmo por conta própria.

Ora, quanto a isso, devo dizer-lhe, sem medo nenhum, que acho

preocupante, porque fica uma dúvida – e, agora, sim, uma dúvida séria –, a

de saber o que eles estavam a fazer. Estavam a conduzir uma investigação

por conta própria? A tentar dirigir de alguma forma a acusação? A tentar

dirigir a acusação mesmo com um possível intuito político? O que é que se

passa? Esta é uma questão relevante porque, se esse pedido formal não

existia, levantam-se duas questões, a primeira das quais é óbvia, é a do

princípio da legalidade. E é o princípio da legalidade que é posto em causa

por esta mesma intervenção, sendo certo que, nesse caso, existem,

obviamente, responsabilidades que são graves.

A Sr.ª Dr.ª, no seu depoimento, não foi clara quanto a esta matéria de

nos garantir o que estavam a fazer os homens que lá estavam. Estavam a

fazer o quê? Estavam a pedido do colectivo de juizes ou mesmo do

Ministério Público? Estavam com que funções? Com que interesse? Com

que objectivo? Porquê estes homens todos? E algum deles era testemunha

no processo?

Por último, a Sr.ª Dr.ª refere, em várias entrevistas que concedeu, que

a questão fundamental são os resultados e, quanto a resultados, o que conta

são as prisões preventivas.

Sr.ª Dr.ª, também como leitor atento de jornais, devo dizer-lhe que,

nesse aspecto, parece-me que o caso da mega fraude fiscal não foi

propriamente um sucesso em matéria de prisões preventivas. De entre os

vários detidos – e, sinceramente, não sei quantos eram –, tenho ideia de ter

lido no jornal que, em 13, estão detidos preventivamente dois ou três…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Cinco ou seis!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sinceramente, não sei quantos,

mas sei que são poucos os que ficaram detidos preventivamente.

Gostaria de saber se isso pode ter a ver com a produção de prova ou

com dificuldades na obtenção de prova nesse mesmo processo.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, tem a palavra.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - No que diz respeito à questão de

Monsanto, a questão nuclear foi a instrução que me foi dada verbalmente

para não haver ninguém da DCICCEF em Monsanto. Esta instrução é

desproporcionada em relação ao que a motivou. É que o que a motivou não

é toda essa elaboração teórica e doutrinária que o Sr. Deputado, que muito

respeito, acabou de fazer agora. Isso não corresponde a factos. O único

facto que existia era um segurança ter ido dar apoio logístico ao Dr.

Manuel das Dores.

O Sr. Director Nacional perguntou-me – acho que fui clara! – quem

era o homem que andava em Monsanto – Quem era o homem? Quem era o

homem? No seguimento disso, deu-me instruções verbais no sentido de que

ninguém devia ir a Monsanto. Na altura, até referi ao Sr. Director Nacional

que não tinha conhecimento sobre se havia ou não contactos entre o

Ministério Público e a brigada de investigação do processo da Moderna,

nem tinha que ter, porque isso era matéria do âmbito do Ministério Público.

Portanto, há aqui duas questões fundamentais.

A questão que me parece fundamental é a de eu ser interpelada por

causa de uma pessoa que vai a Monsanto. Isso origina uma interpelação a

uma directora no sentido de saber o que se passa e a preocupação do Sr.

Director Nacional surge porque tinha sido interpelado pela Sr.ª Ministra da

Justiça que, por sua vez, lhe tinha transmitido isso do Dr. Paulo Portas.

Tudo isto por causa de uma pessoa que vai a Monsanto, uma mera pessoa

que dá apoio logístico.

Ora, para dar apoio logístico, não é preciso haver nenhum despacho

do Ministério Público nem nenhuma autorização, porque este é um apoio

extra-processual, não é enquadrável processualmente. Trata-se de um apoio

logístico que é feito porque o Dr. Manuel das Dores não conhecia bem o

caminho para Monsanto, sentiu necessidade de algum apoio e eu dei-lho.

Depois, o que eu disse foi que até tinha pena de não dar outro apoio

mais completo ao Ministério Público, mas não estávamos com

possibilidades, não havia meios humanos para isso.

Portanto, o que conta, o que é decisivo nesta história é que sou

chamada à atenção por causa de uma pessoa que tinha ido a Monsanto – e

até já não estava a ir, tinha ido!

Na sequência desse facto, é-me dada a instrução verbal no sentido de

que não deve ir ninguém a Monsanto. Eu demarquei esta instrução verbal

de uma recomendação em termos de testemunhas. O Sr. Director Nacional

não me disse que a preocupação era com a presença, em Monsanto, de

testemunhas do caso Moderna – esse erro ninguém cometeria! –, o que me

disse era que não devia ir ninguém da DCICCEF a Monsanto.

Então, chamei a brigada inteira, que eu sabia que tinha contactos

com o Dr. Manuel das Dores por causa de outros processos e de outras

investigações – eu tinha pedido os diários do Ministério Público; eu fazia a

ponte com o Ministério Público – e disse-lhes: «atenção, não vai ninguém a

Monsanto, porque recebi esta instrução do Sr. Director Nacional». É

preciso entender isto como é. O facto é este: há uma pessoa que vai a

Monsanto, o que suscita todos estes reparos e todas estas preocupações que

me parecem desproporcionadas, ou, então, há qualquer coisa que não

percebo.

Não tenho nenhum preconceito em relação a ninguém e muito menos

em relação às duas pessoas que o Sr. Deputado citou. Essas pessoas é que

parecem ter um preconceito a meu respeito, porque há uma pessoa que é

meu segurança e que vai a Monsanto e isso dá nas vistas, chama a atenção.

Não sei por que é que repararam por causa da ida de um segurança a

Monsanto. Não sei por que é que repararam, porque isto é um facto normal,

banal, não tem importância nenhuma. Aliás, o Sr. Deputado disse que esta

não era uma pessoa tecnicamente qualificada. Eu não sei qual é a

importância disto. Sou chamada à atenção – e não estou a deturpar a

realidade! – por causa de ter uma pessoa que foi a Monsanto!

Agora, se isto é tudo absurdo, se isto não tem sentido, a culpa não é

minha. Este processo é um processo absurdo do princípio ao fim e não

tenho culpa disso.

A questão de Monsanto é a de que há uma desproporcionalidade,

uma desadequação em relação a estas instruções verbais e àquilo que se

tinha feito no terreno. Há uma pessoa que foi lá, a Monsanto.

E digo mais: é legítima a coadjuvação ao Ministério Público.

No processo das FP-27 e no processo Melancia, tive a coadjuvação

da Polícia Judiciária e nunca houve nenhum ofício. Essas coisas acontecem

naturalmente por força do exercício de funções. Mas, neste caso, nem

sequer sucedeu isso porque as pessoas sentiam que não havia ambiente para

isso, tinham de tomar cautelas exageradas. Acontece que eu transmito uma

instrução, por dever de obediência e porque acho que não quero correr o

risco de voltar a ser chamada à atenção sobre a matéria.

Agora, o Sr. Deputado pergunta-me por que é que não me demiti

nesse dia.

Isto foi no dia 16 de Julho. Eu tinha apresentado um pedido de

demissão de manhã, não podia apresentar pedidos de demissão, de manhã,

à tarde e à noite! Assim não se trabalha seriamente! Como tal – isto é

complexo mas é assim! –, fiquei num dilema: o Dr. Adelino Salvado

defendeu-me tanto que é também a minha vez de não lhe criar problemas.

Isso só prova que não tenho objectivos políticos de espécie nenhuma.

E voltamos, outra vez, às cartas, às entrevistas e ao «porquê hoje?»

Parece-me que os Srs. Deputados têm em muito má conta esta

Comissão de Inquérito.

Eu não estou a entrar em contradição – já disse que isto é como olhar

para o fundo de uma piscina –, estou a concretizar os motivos, as

circunstâncias e os pormenores em que ocorreu a minha demissão. Não foi

um ataque de mau génio, não foi uma iniciativa minha, não foi uma escolha

minha, foi um pedido do Director Nacional, num determinado dia, estando

eu em férias. Por que é que ele escolheu esse dia? Por que é que escolheu

telefonar-me às 10 horas e 20 minutos da manhã? Por que é que não

esperou que eu terminasse as férias? Por que é que já tinha contactado com

o Dr. Albano Pinto muito antes de ter falado comigo? O Dr. Albano Pinto

estava à espera de vir para Lisboa… Aliás, não é preciso ninguém

desmentir ou confirmar isso… O Dr. Albano Pinto toma posse na segunda-

feira. Isso transcende-me. O Dr. Adelino Salvado meteu-me neste processo

sem hipótese de escolha e eu estou a concretizar.

Atenção, a versão que dei é a versão de abordagem genérica –

motivos de divergências de organização, de estratégia operacional,

isolamento político – e mantenho. A minha inserção era operacional, eu

não tinha contactos com a tutela.

Agora, o que digo é que não pedi a demissão espontaneamente, foi a

pedido do Sr. Director Nacional, foi por causa do Sr. Director Nacional me

ter proposto isso. O Sr. Director Nacional propôs-me a minha demissão.

Espera que eu vá de férias, espera ter o projecto financeiro da Polícia

Judiciária com garantias de aprovação, espera ter o protocolo de acesso às

bases de dados elaborado, espera ter garantias de aprovação da Lei

Orgânica da Polícia Judiciária, sabe que há duas ou três operações em

marcha e escolhe o momento. Ele é que escolheu o momento. Isto não é

cada vez mais político. Se isto é político ou não, a culpa, a meus olhos e

directamente, é do Dr. Adelino Salvado, porque ele é que me empurra para

esta situação. Eu não tive escolha nenhuma, não tive escolha de espécie

nenhuma. Sou abordada, às 10 horas e 20 minutos da manhã de um dia de

férias, com tudo isso em cima!

As explicações não variam! Estou a concretizar porque respeito os

Srs. Deputados. Se os Srs. Deputados querem uma verdade meramente

formal, paciência!, também não me vai surpreender. Agora, não esperava

que existisse uma comissão de inquérito! Esperava que tudo tivesse

acabado no dia 29. Não acabou porque, porventura, neste país, não é

possível praticar actos de uma arbitrariedade tamanha – e ainda bem! É

sinal que há democracia!

É que nunca tive nenhuma discussão séria com o Sr. Director

Nacional sobre nada. O Sr. Director Nacional diz-me «vai haver alterações

de estrutura; já sei que não concorda, portanto, está liberta do nosso

compromisso». Eu, como pessoa leal e séria que sou, disse «sim senhor,

estou liberta do compromisso, vou tomar a iniciativa de pedir a demissão»

e tenho mantido isso publicamente, é a minha atitude pública. Se me

perguntam em que circunstâncias ocorreu a demissão, Srs. Deputados, não

posso mentir, tenho de concretizar e julgo que são pormenores a mais para

ser uma história inventada…!

Se os Srs. Deputados quiserem, podem pedir os dados relativos ao

tráfego do meu telefone e do telefone do Sr. Director Nacional e verificar

quem é que telefonou a quem nesse dia, de manhã. Aliás, há uma proposta

sobre preservação de dados digitais, que ainda foi subscrita por mim

própria e enviada à Sr.ª Ministra da Justiça, que foi chumbada por um dos

seus assessores… Representa tanto como a possibilidade de identificação

dos autores no crime informático e nos crimes cometidos através da

Internet.

Portanto, Sr. Deputado, não há o «porquê hoje?» O «porquê hoje?» é

porque eu não podia vir a esta Comissão sem concretizar estas

circunstâncias.

O que os Srs. Deputados me pedem é que eu não diga a verdade toda,

mas isso não posso respeitar. Estou a dizer a verdade toda, o porquê, hoje.

As entrevistas são entrevistas genéricas. Apesar de ser acusada de

protagonismo, nunca manipulei as entrevistas nem a comunicação com o

grande público para dizer coisas que me interessassem do ponto vista

pessoal. Aproveitei sempre essas oportunidades para fazer a educação das

pessoas nos valores da luta contra a corrupção e contra o crime organizado

internacional. Foi aquilo que eu fiz. Não tive entrevistas de intrigas, não

tive entrevistas de conversas pessoais. Acho que procurei manter uma

atitude nobre e digna, mas neste momento tenho de dizer a verdade e ou os

Srs. Deputados cospem em cima da verdade e dizem que eu estou maluca,

que estou alucinada e que estou a inventar isto tudo, ou os Srs. Deputados

respeitam aquilo que eu tenho respeitado, que é a verdade material.

Fiz uma abordagem genérica e tenho consciência disso, em nome da

defesa do prestígio das instituições, em nome da defesa de mim própria e

da Polícia Judiciária. Imaginem os Srs. Deputados o que era contar aos

jornais ou na televisão histórias tão edificantes como estas! Porque o que

há aqui de edificante é absolutamente nada! O que há é um Director

Nacional que, de forma infundada e perfeitamente arbitrária, diz: «minha

senhora, ponha-se a andar. Não quero mais falar consigo!». E nunca mais

falou comigo! E nunca mais falou comigo!

Agora, Srs. Deputados, não posso vir para uma Comissão manter-me

numa posição genérica. O que eu fiz foi uma abordagem genérica, em

nome de um determinado interesse. Neste momento, estou a concretizar e

estou a dizer porque é que não o fiz antes. Não o fiz antes porque quando

falo para a sociedade, para as pessoas, falo de questões nobres e dignas, de

questões que interessam para as pessoas pensarem, não falo de intrigas, de

coisas completamente disparatadas, que não têm sentido.

Aqui, desculpem, Srs. Deputados, tenho de os deixar com estes

factos. Façam deles o que quiserem, mas que isto aconteceu, aconteceu!

Que eu tinha o dever de o contar aos Srs. Deputados, tinha! Que isto é

tudo... Isto não acontece num quadro de normalidade, porque não é normal

um director nacional esperar que uma directora vá para férias e fazer isto!

Não é normal dizer: «não vale a pena vir Lisboa, não falamos mais»! Eu

estava a 40 minutos de Lisboa... Isto não é normal, pelo menos não é uma

discricionariedade fundada e é legítimo que eu o diga!

Agora, não quis dizer isso à imprensa. Não quis, não digo nem

jamais direi! Mas digo aos Srs. Deputados, pelo respeito que lhes tenho.

Pelo vistos, os Srs. Deputados acham que eu estou a exagerar no respeito

que lhes tenho. Não estou a politizar nada nem me interessa, repito, nem

me interessa!...

Quanto a preconceitos em relação a políticos, esses políticos é que

têm preconceitos em relação a mim, porque, se não, não me criticavam por

excesso de visibilidade. A crítica era por excesso de visibilidade, e não

posso ter inventado isto. Portanto, há alguém que não gosta, de facto, da

visibilidade tal como era dada no combate ao crime económico, nele

incluindo a corrupção e o branqueamento de capitais.

Pensava até que estava a prestar um serviço a esses políticos, e que

eles tinham razões para estarem gratos porque a Polícia Judiciária estava

prestigiada. Também não compreendo essa...

Aliás, vamos entrar, e a conjuntura é-me desfavorável, nas

justificações rolantes, porque amanhã o Sr. Director Nacional dirá o que

entender, a Sr.ª Ministra dirá o que entender e daqui pouco tudo está de

rastos... Entrámos no «síndroma da tanga», que é o de que quando tomaram

posse estava tudo de rastos na Polícia. O Sr. Director Nacional disse aqui

que encontrou a Polícia Judiciária em marcha para a decadência. Não fui eu

que o disse! Sempre falei da recuperação da experiência e do know how dos

investigadores, sempre disse que o que sabia de crime económico tinha

aprendido com o Dr. Rosário Teixeira e com os investigadores.

O discurso do apagar o passado não é meu. Quero saber se o Sr.

Director Nacional, amanhã, diz, em relação à operação da BT, qual foi o

tipo de investimento que foi feito pela direcção anterior, ou se foi tudo

trabalho e iniciativa dele! Refiro a direcção anterior incluindo o Dr.

Bonina.

O Sr. Director Nacional veio para aqui dizer que não existia uma

Polícia Judiciária e ele é que ia criar uma Polícia Judiciária. Por acaso sem

estratégia, sem quadro estratégico, porque nunca se falou de criminalidade

nem de tipologias, nem de tendências da criminalidade...

Mas o meu quadro é um quadro estratégico, é um quadro de

criminalidade, não é um quadro pessoal. Se fosse um quadro pessoal teria

contado estes factos à comunicação social, mas não é um quadro pessoal

nem individual. É um quadro institucional de abordagem genérica, porque

tive muita relutância e é com algum desgosto que revelo estes factos aos

Srs. Deputados, mas acho que era a única atitude a ter. Reflecti muito, tive

tempo para isso, e é a única atitude a ter perante esta Comissão.

É claro que tudo isto me transcende. Nunca esperei que existisse uma

Comissão de Inquérito por causa disto, mas se calhar com alguma justiça,

na medida em que a discricionariedade absoluta deve ser censurada e não

vejo... Nunca o Sr. Desembargador me disse «você fez mal nisto, naquilo

ou naqueloutro». Nunca me disse! Portanto, agora, ele pode inventar as

explicações que quiser, inventar no sentido de as arranjar, no sentido de

que não foram conversadas comigo...

Aliás, como se está a ver, estou a ser criticada por ter obedecido

cegamente no dia 16. Obedecido cegamente porque era uma pessoa

disciplinada e considerava-me nessa obrigação. Só que o meu tempo à

frente da Polícia Judiciária não ia durar muito, era uma questão de dias,

estava à espera do dia. E antes tinha-lhe dito isto duas vezes; ele disse-me

que não, que tivesse juízo que estava com gorilas na cabeça. Esta bem, eu

espero... E naquele dia disse-me: «afinal, pode-se ir embora. Está

terminado o compromisso comigo». Mas estou para saber qual foi a causa

directa.

Contei um processo, desde o dia 24 de Maio até ao dia 27 de Agosto,

que é um processo complexo, e o que eu digo é que não tive nenhum

ataque de mau génio, não desencadeei nenhum pedido de demissão que

fosse controlável por mim, que obedecesse conscientemente à minha

estratégia à frente da Polícia Judiciária. Foi-me imposto, foi-me pedido e,

por orgulho, aceitei o pedido. Se não o aceitasse, era demitida e isto tudo

aconteceria no dia 27, terça-feira.

Na segunda-feira tinha sucedido a mesma situação com o Dr. Pedro

da Cunha Lopes, situação que eu ignorava. Ele foi abordado pelo Sr.

Director Nacional, que lhe disse: «demita-se.» Recusou a demissão – coisa

que eu ignorava – e na terça-feira é proposta pelo Dr. Adelino Salvado a

minha demissão, provavelmente para juntar as duas demissões, por uma

questão de celeridade e de economia processual. Mas reparem que se há

alguém responsável por tudo isto, pelas consequências de tudo isto, pelo

preço que se possa pagar por tudo isto, aos meus olhos, é o Dr. Adelino

Salvado, porque eu não tive escolha, repito, não tive escolha!

Estou aqui a cumprir o meu destino e com alguma ironia, repito, com

alguma ironia, porque a primeira operação que eu pensei na Polícia

Judiciária está a acontecer enquanto decorre a minha audição nesta

Comissão. Com alguma ironia, com algum sacrifício pessoal, com todas as

desvantagens, mas não há nenhum juízo de censurabilidade que eu possa

aceitar nesta matéria, porque a iniciativa não foi minha, a decisão não foi

minha; aceitei-a e seguia, com a lealdade e fidelidade que sempre me

caracterizou, afinal de contas.

Não consegui evitar o pior; tentei, tentei mas não consegui. Agora,

ou bem que os Srs. Deputados se acham dignos de uma verdade concreta,

da verdade, verdade, ou acham que eu tinha que silenciar isto!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A verdade demonstrada!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - É a verdade inconfundível!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, a

quem peço para ser brevíssimo, porque na primeira intervenção ultrapassou

longamente o seu tempo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço desculpa, Sr. Presidente.

Provavelmente, tenho unicamente em meu benefício o não ter sido caso

único, mas procurarei ser mais breve agora.

Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, as suas apreciações em relação ao Sr.

Director Nacional não as contesto. Porém, acho estranho, e continuo a

achar depois desta sua resposta, que, tendo a Sr.ª Dr.ª a opinião que tem

hoje e que está tão expressa neste depoimento – se ler as actas encontro

milhares de coisas sobre o Sr. Director Nacional –, no momento crítico que,

ainda por cima, estava para acontecer à não sei quanto tempo, que vinha de

não sei quantos agravos, a senhora se tenha dirigido a ele nesta carta, fria e

serenamente, dizendo «queira V. Ex.ª aceitar este repúdio como prova da

minha consideração pessoal e profissional e prova do meu respeito V.

Ex.ª.»

Sr.ª Dr.ª, cada um tem o seu feitio e a sua maneira de ser, mas devo

garantir-lhe uma coisa: uma pessoa sobre a qual eu pensasse aquilo que a

Sr.ª Dr.ª hoje pensa dele – e nunca mais falou com ele depois, pelo que

aquilo que pensa dele vem dessa altura, das discordâncias e das

intromissões dele e das pressões políticas, etc. –, nunca escreveria isto!

Mas cada um tem o seu feitio! Eu nunca lhe escreveria dando-lhe prova da

minha consideração pessoal e profissional, do meu respeito! Mas isso é

uma interpretação minha e penso que esta versão vem de facto a mudar.

Em relação às pressões políticas, trata-se de uma aclaração, porque

esta matéria não ficou clara nesta resposta.

A existirem pressões políticas, esse é que é o âmbito desta Comissão,

porque ela não está aqui por acaso nem fui eu que a convoquei ou que fiz

as declarações que alguns Srs. Deputados fizeram, a dizer que há uma

ligação de pressões políticas entre a Sr.ª Ministra da Justiça e o caso

Moderna, que foi o que foi dito desde o princípio pelo Sr. Deputado

Eduardo Cabrita e depois pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, pelos Srs.

Deputados que motivaram esta Comissão e que nos trouxeram até aqui.

Devo dizer que estou aqui com agrado, porque, intelectualmente, isto

é estimulante, mas, por outro lado, não estou aqui com agrado, porque

tenho receio que tudo o que saia desta Comissão não seja bom nem para

mim nem para si, nem para ninguém em particular e sobretudo para a

Polícia Judiciária, e isso é sentido de responsabilidade.

Penso que a partir do momento em que entrámos neste processo da

insinuação política, da acusação política, do envolvimento e da pressão

política, Sr.ª Dr.ª .... Eu não tenho nada contra si, nem no passado nem

hoje, e devo dizer que, se me perguntassem, diria que, pelo que vejo na

comunicação social, com mais ou menos exagero, com mais ou menos

protagonismo, mais justiceira ou menos, a ideia que tenho, e todos

tínhamos, no país, penso eu, era a de uma pessoa que estava a fazer um

bom combate, importante para todos, para os cidadãos e para todos nós. A

partir do momento em que este processo começou, acho que não fizemos

nada de bom em relação à Polícia Judiciária. Mas essa é a minha opinião

pessoal.

Agora, há questões a que a Sr.ª Dr.ª não respondeu. Designadamente,

ainda não consegui perceber como é que se a Sr.ª Dr.ª mandou um homem

acompanhar o julgamento em Monsanto, para dar o tal apoio logístico,

mandou retirar quatro, ou teve que chamar quatro para os mandar retirar?!

Ainda não percebi!

Em segundo lugar, também ainda não percebi – e esse é um ponto

nevrálgico desta questão – quem é que falou na possibilidade de estes

homens serem testemunhas no processo.

A Sr.ª Dr.ª disse, no seu depoimento: «mandei-os retirar por causa da

tal conversa da Sr.ª Ministra da Justiça, não foi porque fossem testemunhas

no processo, não foi por isso!» Mas onde é que essa hipótese surgiu? Quem

é que contou? Eu não o disse aqui, nenhum Sr. Deputado o disse, pelos

vistos o Sr. Director Nacional também não o disse... De onde surgiu essa

dúvida de eles poderem ser testemunhas no processo? Foi um dos corvos

que contou, para usar uma figura de estilo, como a Sr.ª Dr.ª também usou

várias vezes no decorrer desta Comissão? Foi um dos corvos que passou e,

à vol d’oiseau, terá dito: «cuidado que algum deles pode ser testemunha no

processo?»

Esta questão não ficou esclarecida, como também não ficou

esclarecida, na minha opinião, uma outra pergunta que lhe fiz, no sentido

de saber se no processo da mega fraude existem, ou existiram, dificuldades

ou dúvidas na obtenção de prova e se isso teve alguma coisa a ver com o

facto de, certamente, as prisões preventivas não corresponderem ao número

que era esperado em relação às detenções que foram feitas nessa matéria,

porque isto, efectivamente, pressupõe e exige uma avaliação de resultados.

Em relação ao resto, Sr.ª Dr.ª, é uma questão de opinião. Na minha

opinião, sinceramente, tenho as maiores dúvidas sobre o que estes agentes

poderiam estar a fazer, não tendo nem mandato do Ministério Público nem

mandato ou solicitação de ninguém e tenho as maiores dúvidas de que não

estejamos perante uma ilegalidade, que a Sr.ª Dr.ª, que os mandou retirar,

não assume que soubesse que eles lá estavam... Sabia de um, diz a Sr.ª Dr.ª;

mas os outros estavam lá porquê, por conta própria? Agiam por conta

própria, estavam em «roda livre»? Estava já DCICCEF a funcionar em

«roda livre»? Tenho as maiores dúvidas!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr. Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - Sr. Deputado, também não sei de

onde é que vem essa ilegalidade em «roda livre», sinceramente!

O que tenho dito aqui é: o que é estranho é que me tenham

interpelado ao nível de transmitir o que tinha sido dito pela Sr.ª Ministra da

Justiça e o Dr. Paulo Portas, sobre «quem era que andava em Monsanto». E

tudo isto acontece por causa de uma pessoa que vai dar apoio logístico!…

Ora, o apoio logístico é extraprocessual, e neste caso foi transportar o Dr.

Manuel das Dores.

Portanto, mandei chamar a brigada, preventivamente,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Chamar de onde?

A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Chamar ao meu gabinete no…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Chamar de onde?…

A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Ó Sr. Deputado, mandei chamar de

onde ela estava! E, Sr. Deputado, não vale a pena ficar tão nervoso com

esta história de Monsanto! Eu mandei-os chamar do 1.º andar, onde eles se

encontravam – um deles encontrava-se em férias. Portanto, mandei-os

chamar ao meu gabinete no 5.º andar da Rua Alexandre Herculano, ao fim

da tarde.

Aliás, como não percebi nada da história do «homem que andava em

Monsanto», quis averiguar o que é que se passava, para saber se andava

realmente alguém em Monsanto. Afinal de contas, o «homem em

Monsanto» dizia respeito ao Pedro Albuquerque, que tinha transportado o

Dr. Manuel das Dores. Era o apoio logístico que referi! Ora, este apoio

logístico tinha suscitado toda esta «excitação». Excitação é a minha

interpretação dos factos.

Então, chamei a Brigada e pedi o esclarecimento sobre quem é que

estava a ir a Monsanto. E, Sr. Deputado, não sou obrigada a saber se há

encontros entre o Ministério Público e brigadas que investigaram o

processo quando estão julgamentos a decorrer. O Ministério Público tem

autoridade e legitimidade para pedir, como fez no caso vale e Azevedo, por

exemplo.

Portanto, chamei a Brigada, e não estava ninguém a ir a Monsanto. E

transmiti-lhes a seguinte orientação: «A partir de agora, não vai ninguém a

Monsanto! Nem que tenham de ir, não vai ninguém a Monsanto!».

A questão das testemunhas é a questão de distinguir esta instrução

verbal do Sr. Director Nacional de uma outra instrução que porventura

tivesse a ver com testemunhas. E, Sr. Deputado, tenho muitos anos de

julgamentos (alguns 18 anos de julgamentos), e tenho especialização e

sensibilidade para estas matérias. Por isso, percebi perfeitamente que a

instrução não tinha a ver com presença de testemunhas em Monsanto, mas

tinha a ver com o facto de não poder haver ninguém da DCICCEF em

Monsanto.

O Sr. Director Nacional até queria saber se andava alguém da

DCICCEF em Monsanto,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - (Por não ter falado ao

microfone, não foi possível transcrever as palavras do Orador).

A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Já lhe expliquei, Sr. Deputado!

Levanto, porque tenho cerca de 18 anos de julgamentos e tenho o hábito de

classificar e analisar as coisas. E não foi uma instrução que dissesse:

«Tenha cuidado! Veja lá, por causa das testemunhas». Era uma coisa que

tinha a ver com um «homem que andava em Monsanto», e não devia haver

ninguém da DCICCEF em Monsanto.

Logo, se está o Sr. Deputado muito intrigado com a minha história da

classificação do tipo de instrução que é, estou eu muito intrigada com a

história de «quem é que andava», e «quem é que andava em roda livre». O

Sr. Deputado não me quererá esclarecer?! Dá-me a ideia que o Sr.

Deputado sabe mais do que aquilo que está a dizer nesta matéria. Porque eu

só sei isto! Não sei mais nada!

Quanto ao processo das finanças, como já disse, trata-se de um

processo de grande opacidade, de grande dificuldade na obtenção da prova.

As detenções foram todas determinadas pelo juiz de instrução criminal,

com a promoção do Ministério Público.

Não posso fazer mais revelações sobre este processo, porque

continua numa fase crucial. Trata-se de um processo que tem cinco presos

preventivos.

Aliás, há um aspecto curioso (mas isto é apenas um aparte): houve

uma prisão preventiva que foi confirmada quando já não existia. E foi

confirmada pelo Tribunal da Relação! Isto porque houve um desfasamento

processual e, no momento em que foi confirmada a prisão preventiva, já

tinha havido uma ordem de revogação da mesma por parte do Ministério

Público.

Portanto, estamos no domínio de um processo muito, muito

complicado, muito sensível, e não percebo a pergunta do Sr. Deputado

nesta matéria, porque as dificuldades na obtenção da prova existiam e

continuam a existir (e eu tinha noção disso!), mas não era razão para não se

fazer aquela investigação.

É que não sei qual é a alternativa que o Sr. Deputado me está a

colocar! Dá-me a impressão de que se era um processo difícil, ele não se

devia investigar. Mas não! Investigava-se por ser difícil! Porque

representava um nível de criminalidade intolerável ao nível da máquina

fiscal. Aliás, se lerem o relatório da IGF sobre o «caso borda d’água»,

ficam a perceber que há um «lodo» de corrupção na máquina fiscal, sendo

quase impossível individualizar responsabilidades, por causa da degradação

dos próprios circuitos hierárquicos e burocráticos da máquina fiscal. Está lá

escrito! É um relatório que deu origem a quatro ou cinco inquéritos que não

tive a oportunidade de seguir até ao fim, mas que instaurei durante o mês

de Julho quando ainda estava na Polícia Judiciária.

Portanto, a opção neste tipo de casos é: ou se avança e se faz todo o

esforço possível e se apoiam os investigadores, ou se diz: «Isto é muito

difícil! Não é possível! Vamos deixar-nos disto!». Não há duas opções

possíveis! E devo dizer que tinha uma Brigada com cinco pessoas só a

trabalhar neste processo há um ano, com as restantes investigações paradas,

tal foi a prioridade que foi dada! O caso da corrupção nas finanças, o caso

Lanalgo eram todos prioridade da 1.ª Brigada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-Geral

Adjunta, o depoimento que V. Ex.ª nos trouxe, em meu juízo, foi um

depoimento muito minucioso e muito preciso, que suscita naturalmente o

aprofundamento de muitas questões e o exercício do contraditório para

apurar algumas das questões que nos trouxe, que são efectivamente muito

relevantes.

O objectivo desta Comissão de inquérito, como a Sr.ª Procuradora

sabe, é apurar a verdade, para fazermos um juízo da responsabilização e da

responsabilidade política que cabe no âmbito das funções de fiscalização da

Assembleia da República, das quais a comissão de inquérito é um

instrumento essencial.

Daí o retermos com normalidade que V. Ex.ª nos tenha fornecido

hoje dados muito mais precisos, muito mais minuciosos, muito mais

detalhados, do que aqueles que nos deu na primeira vez que esteve na 1.ª

Comissão, até pelas razões que desde logo invocou do segredo de justiça e

do segredo profissional.

Por isso, em relação às questões que nos trouxe e que, na sua

maioria, foram já dilucidadas, e até por razões de economia, gostaria de

colocar-lhe quatro questões que peço que aprofunde, se puder fazê-lo.

A primeira é uma questão factual. Gostaria de saber se depois de

formulado o segundo pedido de demissão telefónico… - porque, se bem

entendi, houve um segundo pedido de demissão ou uma confirmação

depois do pedido de demissão. Por isso, gostaria de saber se esse foi o

contacto formal, com maior solenidade, no âmbito da sua demissão com o

seu Director Nacional.

A segunda questão surge ainda no âmbito das escutas telefónicas. Foi

para nós muito surpreendente aquela página muito destacada de O

Independente com as escutas telefónicas, com as alusões que vinham no

seu texto àquelas fontes habituais «internas», «próximas de…». Depois,

num prazo de cinco dias, houve o desmentido do Director Nacional.

Gostaríamos de saber da parte da Sr.ª Procuradora, por um lado, a

confirmação que já nos deu, mas que nos pode tranquilizar quanto a um

rigoroso cumprimento da legalidade nessa matéria, por outro lado, se pode

ajudar-nos a formular um juízo da razão da saída destas informações.

E ainda (e esta questão foi colocada esta manhã ao Dr. Pedro Cunha

Lopes), sobre as dúvidas que temos sobre se uma acusação tão grave como

essa, à idoneidade, ao rigor e à legalidade da Polícia Judiciária, foi objecto

de alguma acção, alguma queixa, algum inquérito, porque manifestamente

isto constitui, como foi dito esta manhã (e bem), matéria criminal.

Terceira questão, Sr.ª Procuradora, um dos objectivos desta

Comissão é, como sabe, não só a questão das intromissões ilegítimas do

poder político nas indicações, designação e exoneração dos dirigentes da

Polícia Judiciária, mas ainda avaliarmos se está precarizado o combate ao

crime económico.

A Sr.ª Procuradora tem dito que há um risco evidente de fragilização

da prova em todo o caso das finanças. Invocou, no primeiro momento do

seu depoimento, que este caso envolve intermediários, angariadores, cargos

de chefia, eventualmente advogados que estejam ligados a esses processos,

consultores, etc.

A Sr.ª Procuradora já disse que não gostaria de fazer referências

nominativas, por razões que se compreendem. De qualquer forma,

gostaríamos que nos dissesse quais são os elementos concretos, quais são

os temores e os receios concretos, que parecem muito fundados, quanto à

precarização e à fragilização da prova, e eventualmente ao seu

desaparecimento.

Por fim, e ainda articulada com esta questão, temos que nesta matéria

parece haver coincidências a mais. Assim, gostaria que nos tranquilizasse

quanto a esse aspecto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria

José Morgado.

A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Em relação à primeira pergunta,

sobre o pedido de demissão por telefone, suponho que o Sr. Deputado quer

referir-se ao meu último pedido, o de 27 de Agosto.

Trata-se de um pedido, a pedido. Tinha um compromisso para ficar,

e um compromisso para sair. Foi um pedido, a pedido, por via telefónica,

como já expliquei.

Apartes inaudíveis de vários Deputados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço, uma vez mais, que não

sejam feitas perguntas, especialmente sem microfone, porque depois não

ficam registadas e não se percebe a resposta da Sr.ª Doutora.

A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, parece que há uma

dúvida acerca de um segundo telefonema nesse dia. E houve, mas foi para

confirmar o envio do fax com o pedido de demissão. Foi ao fim da tarde, às

17 horas.

Cerca das 10 horas aceitei, sem qualquer espécie de resistência –

aliás, não tinha alternativa e seria ridícula qualquer resistência, porque

quem está em comissão é para sair no primeiro momento em que lhe abrem

a porta –, e disse ao Sr. Director Nacional que, sim senhora, que enviaria

imediatamente um fax com o meu pedido de cessação da comissão.

Perguntei-lhe se queria falar comigo pessoalmente, insistindo que

vinha a Lisboa, e o Sr. Director Nacional disse-me que não valia a pena e

disse-me até que tinha uma pessoa com o perfil igual ao meu para me

substituir no lugar.

Portanto, Sr. Deputado, a evolução dos acontecimentos demonstra a

verdade material de toda esta história. Porque há uma evolução dos

acontecimentos rápida, com a posse de um novo director, com divulgação

de novos poderes da Polícia Judiciária, etc. Portanto, tudo isto estava

preparado. E quem preparou não fui eu, foi quem me pediu para pedir a

demissão!

Portanto, às 17 horas telefonei ao Sr. Director Nacional para

confirmar a recepção do fax com o pedido de demissão. O Sr. Director

Nacional não tinha ainda recebido o fax, mas pedi-lhe para o pedir ou para

ir à procura dele, para ele não pensar que era alguma brincadeira – uma vez

que não tinha tido possibilidade de o mandar a não ser pela Junta de

Turismo da Ericeira.

Nessa altura, pedi ao Sr. Director Nacional que me explicasse quais

eram os motivos para aquele comportamento tão inusitado da parte dele. E

ele disse-me que não o massacrasse, nem a mim nem a ele! Foi assim! Eu

não ia dizer isto aos jornais, acho eu! Aliás, se o tivesse feito na 1.ª

Comissão, diante da comunicação social, era feita em «salame» por aqueles

que agora me criticam por não o ter feito.

Creio que esta era matéria reservada e estou a transmiti-la com a

solenidade inerente ao acto. Se os Srs. Deputados não querem corresponder

a esta solenidade, paciência! Mas, de facto, esta era matéria que

considerava reservada. E toda a gente na Polícia Judiciária sabe que isto

aconteceu assim – aliás, não faz sentido uma pessoa ir para férias

entusiasmada com o trabalho que está a fazer e depois, de repente,

apresentar uma demissão inusitada. A evolução dos acontecimentos fala

por si.

As cartas são apenas um elemento. De facto, são frias e serenas,

porque queria serenar os ânimos e defender os operacionais do que não

sabia que poderia acontecer. Tinha algum receio do que viesse a acontecer

e ainda alguma esperança, alguma expectativa de poder conservar o

trabalho que estava a ser desenvolvido, que era muito e bom. E, de facto, é

uma carta de «gelo» para tentar arrefecer ao ânimos do Sr. Director

Nacional, não os meus. Sou igualzinha ao que era no dia 27 de Agosto.

Em relação às escutas e às intercepções telefónicas, é evidente que a

Polícia Judiciária, tal como todas as polícias, tem os seus problemas, deve

ser fiscalizada e vigiada, mas isso é assim em toda a parte do mundo – a

polícia britânica tem uma polícia dos polícias com 800 homens. Aliás, a

DCICCEF não era popular no seio da própria Polícia Judiciária porque os

inspectores que combatiam a corrupção eram mal vistos pelos outros e,

ainda no dia 16 de Abril, a DCICCEF tinha ido prender um inspector da

Polícia Judiciária à Directoria de Lisboa, no seu local de trabalho. Ora, isto

não é bem visto pelos restantes colegas.

Portanto, também havia anticorpos internos em relação a todo o

corpo da DCICCEF que envolviam a necessidade de apoio da parte do Sr.

Director Nacional em relação a essas pessoas, porque eram pessoas que não

suscitavam muitas simpatias junto de determinado grupo de colegas – mas

dizia isto a propósito das escutas telefónicas.

Em relação às intercepções telefónicas, há uma evolução histórica na

Polícia Judiciária que tem a ver com a pressão do crime grave altamente

organizado, que começou a fazer-se no tempo das FP-25, que se

desenvolveu com o tráfico de droga (os grandes carteiros da droga) e com o

banditismo. Porém, a DCICCEF foi criada muito recentemente, se não me

engano em 1995, ainda não estava sujeita a esta pressão do crime altamente

organizado e não teve as provações no terreno que teve a DCCB e a

DCITE, designadamente determinados problemas com o uso dos

encobertos e, até, ao nível de intercepções telefónicas. Mas tratavam-se de

problemas que eram resolvidos no terreno pelos seus directores nacionais

adjuntos e pelo Director Nacional.

Na DCICCEF não havia um problema em relação a intercepções

telefónicas. As intercepções telefónicas eram consideradas um meio

importante de prova quando por outro meio não era possível alcançar a

verdade; era uma meio específico de prova e, inclusivamente, fiz reuniões

com o DIAP, nas quais esteve presente a Dr.ª Francisca Van Dunen, sobre

práticas, boas práticas, nas intercepções telefónicas.

Numa dessas reuniões com a Dr.ª Francisca Van Dunen até se

combinou que – porque as formalidades das operações são complexas e

ocorrem durante várias fases –, após a autorização da intercepção telefónica

dada pelo juiz de instrução criminal, a Polícia Judiciária apresentaria os

suportes magnéticos com a sugestão do número de sessões sem transcrição

e de sessões a transcrever de 10 em 10 dias, o que é uma exigência notável,

e foi cumprida, por causa do princípio de conhecimento imediato do JIC.

Portanto, até nisso houve reuniões e uma sedimentação de orientação com

o Ministério Público e os JIC. A Dr.ª Fátima Mata Mouros deslocou-se

numerosas vezes, e penso que continua a fazê-lo, às instalações da

DCICCEF para se inteirar do conteúdo das intercepções telefónicas.

No caso das finanças, desde que o processo foi para o DCIAP, os

suportes magnéticos eram apresentados de cinco em cinco dias no início,

passando depois a ser apresentados de 10 em 10 dias. Portanto, havia quase

uma paranóia legalista a respeito das intercepções telefónicas; havia

despachos do Director Nacional Dr. Luís Bonina sobre a matéria e um

controlo administrativo com obrigatoriedade de inserção na SIC de todas as

intercepções telefónicas por causa da coordenação e até do conhecimento

da simultaneidade das várias intercepções.

A esse respeito, o cumprimento da legalidade era do mais rigoroso

que existia.

Surpreendeu-me, de facto, a posição do Sr. Director Nacional na

1.ªComissão. Nunca me foi suscitado qualquer problema nessa matéria

sobre o trabalho e os métodos da DCICCEF: não tenho conhecimento de

nenhum problema, não foi instaurado nenhum processo crime nem há

queixa alguma de ninguém por intercepções ilegais.

Admito, pode suceder que, em julgamento – nomeadamente no caso

das finanças –, o Sr. Juiz venha a interpretar que os suportes ou as

transcrições não foram feitas no prazo de x dias, porque a lei refere

«imediatamente», e a interpretação do «imediatamente» vai desde 3 dias

até um mês, ou de 10 em 10 dias, ou de 5 em 5 dias… O Tribunal

Constitucional definiu que «imediatamente» é o conhecimento directo do

conteúdo das intercepções por parte do juiz de instrução criminal. Esse

conhecimento directo era garantido na DCICCEF, nunca houve censura

alguma a esse respeito, logo surpreende-me que tal tenha surgido e penso

que não me diz respeito. E dizer publicamente que há problemas de

intercepções ilegais na Polícia Judiciária é quase a mesma coisa que dizer

que a Polícia Judiciária assalta bancos ou trafica droga!

É evidente que corrupção, crimes e prevaricações há em toda a parte.

A esse respeito, a minha obrigação era estar atenta enquanto estava na

Polícia Judiciária. Mas não houve problema algum desse tipo nem havia

uma história de problemas em matéria de meios específicos de prova na

DCICCEF. Os meios específicos de prova quase se iniciaram no processo

da Moderna e, depois, com a minha direcção, porque é a única maneira de

combater o crime económico e o crime grave organizado, uma vez que se

trata de uma criminalidade altamente especializada, sofisticada e que não se

combate sem ser através da «artilharia pesada», como lhe chamam os

italianos – isto em termos grosseiros.

A esse respeito posso garantir aos Srs. Deputados que não havia

qualquer problema na DCICCEF e – penso – na Polícia Judiciária, em

geral. Aliás, não percebo… Ouvi dizer, ouvi mesmo dizer que a Sr.ª

Directora de O Independente, nas vésperas da publicação daquele artigo, ou

notícia, ou o que seja sobre as intercepções telefónicas e irregularidades na

Polícia Judiciária, esteve a visitar as instalações da Polícia Judiciária, na

Rua Gomes Freire, inclusivamente as instalações que dizem respeito ao

terminal de intercepções telefónicas. E eu pergunto: o que é que uma

jornalista…? Que instância de fiscalização é uma Inês Serra Lopes para ir

visitar o terminal de intercepções telefónicas da Polícia Judiciária, na

Gomes Freire? Penso que isso aconteceu e, depois, saiu o artigo sobre as

intercepções telefónicas.

É claro que vim a público defender os operacionais da Polícia

Judiciária, porque acho que eles mereciam isso e, neste momento, falar em

ilegalidades em matéria de intercepções telefónicas é querer quebrar o

combate no crime económico, é querer desmoralizar os operacionais. E a

minha atitude pública de defesa não foi porque me senti comprometida

mas, sim, porque quis moralizá-los, fiz bem em moralizá-los e senti os

respectivos efeitos. Isso foi algo que o Sr. Director Nacional só fez cinco

dias depois de este assunto andar no ar.

Portanto, a respeito de intercepções telefónicas, há um rigoroso

cumprimento da legalidade na Polícia Judiciária, pelo menos na Polícia

Judiciária que conheço e tive oportunidade de dirigir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José

Morgado, nestas circunstâncias, apenas gostaria de fazer uma pergunta

relacionada com o caso das finanças.

A verdade que nos trouxe é muito melindrosa, muito desagradável,

não queria discutir nesta sede a situação muito perigosa de crise no

combate ao crime económico e fiscal que se desgarra da viragem ou da

contraviragem estratégica que acabou de criticar – e isso fica nos autos –,

mas gostava de perguntar se nos pode trazer mais alguma informação sobre

esse processo de grande opacidade e dificuldade, em que ainda há presos

preventivos. Ou seja, no actual quadro da situação, poderá responder se

entre os envolvidos (de que tem conhecimento, naturalmente) estão pessoas

que, no passado, tiveram alguma relação próxima com ex-funcionários do

Ministério das Finanças, designadamente com a actual Ministra da Justiça

enquanto funcionária do Ministério das Finanças.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José

Magalhães, não posso dar-lhe uma resposta taxativa a uma pergunta tão

taxativa porque não é possível. O processo tem uma malha probatória que

vai abrindo ou fechando consoante as possibilidades de recolha de prova.

Já disse que tinha um limite para as minhas declarações a esta

Comissão de Inquérito, que é a eventualidade de danos à investigação

criminal. E não quero ser acusada de amanhã o processo fracassar, ter um

colapso e isso ser atribuído a estas declarações.

É evidente que quando se está a investigar a corrupção das finanças

ao mais alto nível há sempre uma imprevisibilidade de alvos a atingir. E há

sempre o outro lado, ou seja, há quem possa estar implicado e a própria

Polícia não saiba, não é? O que é certo é que este era um processo muito

ambicioso em termos de alvos e um processo que atingia pessoas com

responsabilidades de direcção dentro da máquina fiscal. É evidente que

quando há angariadores fora que têm relações com escritórios de

advocacia, por vezes a investigação tem os seus caminhos caprichosos,

tanto num sentido como noutro. Mas mais não lhe posso dizer.

De facto, enquanto o processo está em aberto tem essa

potencialidade, essa eventualidade de atravessar caminhos probatórios

relativamente a pessoas que nem sequer era previsível no início. Mas,

sinceramente, nem sequer era uma coisa que me preocupasse.

Preocupava-me, de facto, algum impacto, diminuir a corrupção no

seio da máquina fiscal. Pensava que o Estado não podia continuar a

funcionar assim, que era uma tragédia se continuasse assim e dispus-me a

fazer todo o esforço, para além de todas as forças que pudessem existir,

para que houvesse resultados nesta matéria.

Pedi, aliás, uma reunião a dois Secretários de Estado dos Assuntos

Fiscais, por minha iniciativa, uma ao Dr. Rogério Fernandes Ferreira,

quando ele ainda era secretário de Estado, outra ao Dr. Vasco Valdez –

penso que no dia 30 de Abril, ainda era o Dr. Bonina Director da polícia

Judiciária –, expus as minhas preocupações sobre este processo aos Srs.

Secretários de Estado e disse-lhes: «Não pensem que a Polícia Judiciária

tem uma varinha para resolver os problemas da fraude e da evasão fiscal,

estamos a fazer o que podemos, mas o caso é muito difícil. Tem de haver

medidas disciplinares e administrativas do vosso lado. Ajudem-nos

também». E mantive sempre uma proximidade com os Secretários de

Estado no que se refere a esta matéria, dentro de um princípio de

transparência e de lealdade.

Agora, de facto, trata-se de um processo preocupante. Não digo que

seja no sentido que o Sr. Deputado diz, porque isso já me ultrapassa

completamente, porque foi um processo que eu deixei praticamente no

início. Os oito meses de prisão preventiva – este é um prazo normal,

porque, se for considerado um processo complexo, este prazo pode ir até

um ano ou um ano e meio – serão atingidos em Dezembro. O caso estava a

ser construído e deixou de me dizer respeito a partir do dia 27 de Agosto.

Ninguém sabe, quando há arrependidos num caso, até onde é que os

arrependidos nos podem levar. Ninguém sabe! Aquilo que estimo, que

desejo e que a Polícia Judiciária há-de ser capaz de fazer é que, porventura,

o processo tenha um resultado razoável e compatível com as expectativas

do início da investigação e com o esforço e grau de ocupação de meios

utilizados no processo. Porque, de facto, as finanças, a BT, os processos da

saúde, a pedofilia na Internet, etc. eram uma prioridade.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Dr.ª

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-Geral

Adjunta, como, possivelmente, não acompanhei com a devida atenção a sua

resposta, pelo-lhe que me esclareça uma dúvida.

Esse processo de que acabou agora de falar na resposta ao Sr.

Deputado José Magalhães foi o tal processo em relação ao qual, nas férias

da Sr.ª Procuradora, o Sr. Director Nacional pediu informações?

O Sr. Presidente: - Esse era sobre combustíveis!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, não é o mesmo processo,

suponho eu – e é isso que quero esclarecer -, porque o Sr. Director Adelino

Salvado, quando cá esteve, falou que tinha pedido informações sobre um

processo a pedido da Sr.ª Ministra das Finanças. Pelo que leio aqui,

suponho que não será o mesmo, porque a resposta do Sr. Director Nacional

é que o processo estava estagnado, estava dependente de uma diligência

noutro país, e que, graças à sua intervenção, o processo foi para a frente.

Não é o mesmo processo, pois não?! Se o Sr. Presidente quiser ver, tenho

aqui…

A Sr.ª Maria José Morgado: - Não, não é! Posso esclarecer, se quiser.

O Sr. Presidente: - Não sei se a Sr.ª Deputada já concluiu ou se…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não! Já concluí, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Maria José Morgado: - Sr.ª Deputada, trata-se de dois pedidos

de informação: um é sobre o caso de fraude internacional organizada,

fraude ao IVA e aos IEC, nos combustíveis, e o outro é sobre o caso das

finanças.

No caso da fraude internacional de combustíveis, há um pedido de

informação, na sequência de uma preocupação da Sr.ª Ministra das

Finanças, que é legítima, que correspondia também a uma preocupação

naquela casa e por causa disso tinha posto em marcha uma equipa, durante

dois meses, a recolher prova, a detectar o modus operandi e a apurar quem

eram as empresas envolvidas na fraude e qual a sua dimensão e, no

seguimento dessa recolha de informação, no âmbito da averiguação

preventiva, permitida pela Lei n.º 36/94, em Janeiro de 2002 propus ao

DCIAP a instauração de um inquérito para averiguar das responsabilidades

nessa matéria.

A prova estava garantida e estava apenas dependente de uma carta

rogatória. Ora, as cartas rogatórias em matéria de crime económico têm

uma média de duração de três anos e, na altura, o Sr. Director Nacional

entendeu que o processo tinha de ultrapassar todos os outros, quando, no

meu entender, e no terreno… E se ele me ouvisse, porque isto não é…

Vamos lá ver: o Director Nacional tem de ouvir quem está no

terreno, sob pena de não serem precisos directores nacionais adjuntos,

porque um director nacional fazia tudo. Mas, como havia directores

nacionais adjuntos operacionais, e eu tinha conhecimento das prioridades

no terreno, tentei explicar-lhe que não se estava a perder prova com a

espera da carta rogatória, que em Setembro ou Outubro insistiríamos sobre

o envio da carta rogatória e que tinha a brigada ocupada com duas

investigações que punham em causa a cooperação com a Brigada Fiscal e

com as alfândegas, que tinham a ver com alvos importantíssimos de

criminalidade internacional organizada no âmbito das mercadorias

sensíveis, álcool e tabaco.

No entanto, o Sr. Director Nacional não considerou estas prioridades,

quis avançar a todo o custo com o processo dos combustíveis, sem

possibilidades probatórias, porque não foi possível avançar com o processo.

A carta rogatória, realmente, foi respondida em pouco tempo, e mal fora

que não fosse, com a interferência também do Sr. Procurador-Geral, e

ainda bem, mas, depois, até se verificou – e eu não estou a causar danos ao

processo – que a documentação que vinha de Espanha batia certo com a

que estava na Alfândega de Braga e que, portanto, o modus operandi da

fraude era outro, que agora não posso revelar. Havia duas modalidades,

duas hipóteses, e havia um outro modus operandi, e, afinal de contas, veio

a confirmar-se que era este e não aquele que, aparentemente, parecia estar

no terreno.

Portanto, se se tivesse avançado com uma operação, como, na altura,

o Sr. Director Nacional pretendia, teria sido um fracasso, porque não teria

correspondido ao modus operandi que estava a ser implementado pelo

grupo organizado por várias empresas no terreno. Mas este é o processo

dos combustíveis.

O pedido de informação sobre o processo das finanças passa-se uns

dias depois. O Sr. Director Nacional verbalmente, não por escrito, pede,

através de coordenadores que trabalhavam - e trabalham - junto de si, para

lhe enviarem uma informação circunstanciada sobre o processo das

finanças, o que foi feito.

O que digo é que não percebo qual o interesse dessa informação,

uma vez que eu informava regularmente o Sr. Director Nacional sobre este

processo, estava preocupada com o processo e, por isso, o pedido de

informação por escrito parece-me uma maneira de me desautorizar, parece-

me um sinal aos investigadores, parece-me, porque, senão… Vamos lá ver:

o Sr. Director Nacional sabia da minha boca, transmitido por mim, o que se

estava a passar com o processo. Aliás, era um processo acompanhado

pessoal e directamente, quase diariamente, pelo Ministério Público; havia

reuniões semanais entre os operacionais e o magistrado do Ministério

Público titular do processo, Procurador da República do DCIAP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que peça

mais dois esclarecimentos?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, quero

colocar-lhe mais duas questões.

A primeira é perguntar-lhe se, no processo dos combustíveis, o

pedido de informação foi apenas verbal ou se foi também por escrito.

A segunda, trocando por miúdos algumas coisas que fui recolhendo,

é perguntar-lhe se o modelo da Polícia Judiciária defendido pelo Sr. Dr.

Adelino Salvado era um modelo com uma maior concentração de poderes

nele, retirando alguma autonomia às direcções centrais. É isto que posso

concluir? E terá sido fundamentalmente por causa disso que houve o

conflito, uma vez que as direcções centrais necessitavam de ter a

autonomia que, de facto, tinham para levar a cabo um combate eficaz ao

crime e o Sr. Director Nacional queria uma maior concentração de poderes

e que tudo passasse por ele? Terá sido assim?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria

José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr.ª Deputada, em relação ao

processo dos combustíveis, o que houve foi uma intervenção do Sr.

Director Nacional, ou várias, para dar prioridade ao processo. Penso que

isso ficou escrito também. Na altura, foi enviado por fax à subdirectora que

me substituía na minha ausência. Prioridade, porque, de repente, o Sr.

Director Nacional foi confrontado com essa preocupação da Sr.ª Ministra,

mas eu tinha essa preocupação há muito tempo, não é por nada. E aquela

era uma prioridade artificial, do meu ponto de vista, porque não

correspondia ao estado de desenvolvimento da prova e prejudicava todas as

outras operações.

Agora, quanto ao modelo para a Polícia Judiciária, é muito

complicado de falar, porque o próprio Director Nacional disse, perante a 1.ª

Comissão, que não tinha um programa nem um quadro estratégico de

definição para a Polícia Judiciária. Mas, entretanto, cria secções centrais.

Ora, a Secção Central de Branqueamento e a Secção Central de

Vigilâncias, criadas desta maneira, a meu ver, não correspondem a

qualquer processo centralizador, correspondem a um processo hegemónico,

que é uma coisa completamente diferente.

Mas não só um processo centralizador, porque, primeiro, não há

meios humanos suficientes e, como tal, como não há capacidade de

afectação de meios humanos às investigações, vai ser necessário retirar os

meios às brigadas de vigilâncias que existem nas direcções centrais e os

meios de análise, de prevenção e de recolha e tratamento de informação

que existem nas direcções centrais vão ter de ser deslocados para estas

supersecções centrais. Como vão ser deslocados e a manta é curta, há aqui

uma quebra de operacionalidade, e, como há quebra de operacionalidade,

temos uma informação estática, temos uma informação estéril, temos uma

informação institucional de bases de dados, mas não temos uma informação

especulativa de recolha no terreno, com conhecimentos dos modus

operandi, com análise dos riscos de criminalidade.

Neste momento, a análise de risco que eu faço é que o crime

económico é, de facto, o principal desta matéria, porque gere lucros

fabulosos e, como tal, precisa de os branquear, visa também o lucro, é um

crime que surge de braço dado com a corrupção, é um crime que segue os

mesmos modus operandi e tem as mesmas rotas do tráfico de droga e do

banditismo.

Por exemplo, o crime organizado internacional em matéria de

telecomunicações e contrafacção de cartões tem as mesmas rotas do crime

de tráfico de pessoas, o crime de tráfico de droga tem as mesmas rotas do

contrabando de álcool e tabaco

Tudo isto envolve uma necessidade de definir estas tipologias, para

se saber como é que a criminalidade funciona no terreno, e isso só acontece

com gente com treino no terreno que recolha essa informação e essa

informação tem de ser passada para a análise e para o tratamento para a

secção de prevenção, para, por sua vez, ser devolvida à investigação. Só

isto aumenta a capacidade de resposta da Polícia Judiciária.

Quando se retiram meios às direcções centrais para superdirecções

centrais, essa superdirecções centrais vão morrer, porque não há

investigação, e a informação sem investigação é uma perversão, não há

operacionalidade. Há uma série de burocratas que estão ali sentados, são

muito importantes, têm o poder, dominam, de facto, a informação, até

podem escolher alvos, mas não há formação, treino, motivação de

investigação, a investigação não se desenvolve.

Era isto que eu sentia, sentia que a DCICCEF estava numa viragem e

precisava de recolha, análise, tratamento de informação e de prevenção,

para conhecermos as tipologias a cada momento e definirmos as

prioridades, diagnosticarmos o problema. E neste momento a respeito da

DCICCEF está tudo na mesma. Mas no dia em que o Sr. Director Nacional

quiser pôr a funcionar a secção central de branqueamento e a secção central

de vigilâncias vai ter de tirar pessoas da DCICCEF, conforme vai ter de

tirar da DCITE. E essas pessoas que vão sair vão quebrar, vão cortar,

necessariamente, a operacionalidade das direcções centrais e vamos ter

uma informação sem objectivos de combate ao crime económico. É uma

informação especulativa, hegemónica, não é uma informação em tempo

real.

Portanto, tudo isto tem de ser muito bem articulado — e o meu

projecto até era centralizador, tendo sido criticada por isso — porque tem

de haver recolha da informação ao nível centralizado das instâncias para

conhecimento dos fenómenos e com devolução às instâncias que estão no

terreno desses estudos e desse conhecimento. Aliás, visitei a Polícia

Judiciária no terreno, inclusivamente fui às directorias mais longínquas

pedir-lhes que dessem informação à direcção central para esta lhes poder

devolver essa informação trabalhada e com capacidade de ataque ao crime.

A investigação da brigada de trânsito em Faro iniciou-se com informação

transmitida pela DCICCEF; a investigação da directoria de Coimbra sobre

a DGV iniciou-se com informação recolhida pela DCICCEF — refiro casos

que têm tido visibilidade.

Portanto, este é um trabalho de relojoaria muito complexo. E não se

pense que é por se criarem supersecções centrais que a polícia fica

modernizada, que fica apetrechada. Porque eu pergunto: quem é que

identifica os fenómenos? Quem é que os estuda? Quem é que define as

tipologias de crime? Quem é que define as prioridades? Até agora, não vi

— e não vi na intervenção do Sr. Director Nacional na 1.ª Comissão — a

definição de nenhuma prioridade. Aliás, vi um projecto hegemónico, em

que o Sr. Director diz que «eles, do outro lado, em relação ao crime

organizado, estão organizados, têm um cérebro único, como tal não se

justifica que haja vários OPC a combaterem o crime, deve ser tudo

combatido pela mesma instância.» Será que há aqui um projecto consciente

ou inconsciente de integração policial? Não sei, não sei... O que eu sei que

o Sr. Director Nacional fez, olhando e fazendo um juízo de prógnose

póstuma, foi uma série de medidas ad hoc regulamentares, de natureza

administrativa, com centralização burocrática e com regionalismo, porque,

ao mesmo tempo, o Sr. Director Nacional fala em distribuir competências

para as direcções regionais e para os DIC.

Atenção, que na Polícia Judiciária há uma história antiga de

rivalidade entre direcções regionais e DIC e direcções centrais! As

direcções centrais são uma elite que corresponde a uma evolução no ataque

ao crime organizado. As directorias e os DIC sempre tiveram alguma

resistência para com as direcções centrais, e a resistência é a dos serviços

regionais. E não se pode ficar neutro na Polícia Judiciária em relação a

estas matérias.

A minha interpretação dos factos é que o Dr. Adelino Salvado está

numa posição de regresso ao regionalismo. Mas o regresso ao regionalismo

é um regresso ao passado, é um regresso ao tempo em que o crime não era

organizado nem era internacional, nem era sofisticado. Portanto, segundo a

minha interpretação, isso não vai apetrechar a Polícia Judiciária com os

conhecimentos necessários para combater e atacar o crime.

A centralização é aqui uma palavra muito equívoca, muito

ambivalente. Eu própria fui criticada por excessos de centralismo.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Doutora.

Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. ª Procuradora, seis horas

volvidas desde o início desta reunião, penso que as coisas estão mais do

que claras. E permita-me que lhe diga com alguma mágoa o seguinte: de

certa forma, sinto-me triste com o que se está a passar, e lamento. Mas

lamento sinceramente, e estou triste por si, Sr.ª Procuradora, porque penso

que V. Ex.ª, que é uma pessoa com grande valor, que desempenhou

funções de relevo, caiu num logro em que muitas pessoas com a capacidade

que V. Ex.ª possui por vezes caem. Isto é, V. Ex.ª não soube sair no

momento certo.

Disse que foi empurrada. Ó Sr.ª Procuradora, ninguém é empurrado!

V. Ex.ª foi convidada a abandonar o lugar!

Penso que a postura correcta era a de, pura e simplesmente,

abandonar o lugar e não dar azo a tudo o que aconteceu, que envolve, na

minha perspectiva, no sentido negativo, a Polícia Judiciária,

designadamente o facto da própria existência da comissão de inquérito.

Penso que ninguém se pode esquecer de que é na sequência de algumas das

suas afirmações que hoje existe uma comissão de inquérito.

Portanto, Sr.ª Procuradora, lamento-o por uma razão: V. Ex.ª disse

— e acredito — que era fanática no combate ao crime organizado.

Acredito! V. Ex.ª estava empenhada num processo, V. Ex.ª estava

envolvida, V. Ex.ª gostava daquilo que fazia e não admitiu que um dia

tinha que sair. Penso ser fundamental que todos quantos exercem... — por

exemplo, todos estes Deputados que aqui estão um dia vão sair e não terão

de chorar por isso nem terão de esperar choros sequer dos funcionários da

Assembleia da República ou de outros!

Penso ser fundamental que as pessoas, no momento certo, saibam

abandonar. E a ideia com que fico, Sr.ª Procuradora, é que V. Ex.ª ficou

zangada, ficou «azeda» — permita-me, entre aspas, a expressão — por ter

sido convidada a demitir-se.

E, para mim, o pormenor de V. Ex.ª ter assumido a demissão ou de

V. Ex.ª ter ficado e ter sido demitida, como aconteceu, aliás, com o colega

de V. Ex.ª que esteve cá na parte da manhã, é absolutamente irrelevante. A

consequência era a mesma. O Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária,

Dr. Adelino Salvado, entendia que, face à nova orgânica, não podia, não

queria contar consigo. Isso é absolutamente legítimo.

E a V. Ex.ª custa-lhe aceitar isso. Permita-me que lhe diga que

passou seis horas a referir as diferenças entre aquele que é o seu modelo e o

modelo do Dr. Adelino Salvado. Mas é preciso — e eu queria ter um

comentário seu sobre isto — que tenhamos consciência de que neste

momento é ao Dr. Adelino Salvado que compete a orientação da Polícia

Judiciária, não a V. Ex.ª.

Hoje, V. Ex.ª está num tribunal da Relação. É lá que tem de definir a

sua actividade profissional como magistrada, não é junto da Polícia

Judiciária. Deixe isso para o Dr. Adelino Salvado. No fim, ele vai,

naturalmente, ser julgado pelo exercício das suas funções. Ele vai ser

julgado pela apresentação ou não de resultados! Porque é que V. Ex.ª tem

de estar aqui sempre a contraditar, a dizer que o modelo que defende é

melhor do que o dele, se o dele ainda nem sequer começou ou está agora a

começar?!

Queria também, Sr.ª Procuradora, que comentasse, com toda a

sinceridade, o seguinte: V. Ex.ª saiu do lugar mas para o seu lugar foi outra

pessoa. V. Ex.ª é, naturalmente, uma pessoa competente e digna, mas tem

de reconhecer que quem a substituiu é também competente e digno!

Não acredito que V. Ex.ª conceba, admita e permita especulações em

torno de uma estrutura de que diz tanto gostar, que é a Polícia Judiciária, e

permita que haja especulações a este nível, designadamente pondo em

causa as pessoas que estão hoje no lugar que V. Ex.ª ocupou, que são

também seus colegas magistrados e que têm, naturalmente, igual dignidade.

E se não terão mais competência, terão pelo menos — admita isso, se é

possível — igual competência! E terão igual empenho! E, se calhar, no dia

em que abandonarem aquela estrutura, provavelmente também vão ver

gente a chorar! Mas isso é a lei da vida, Sr.ª Procuradora!

Na minha perspectiva, esta questão é absolutamente clara, ou seja

que há uma mágoa profunda em si por algo que lhe custou, face ao seu

envolvimento e ao seu empenho. Aceito isso, mas não devia ter sido dessa

forma, porque sinceramente, Sr.ª Procuradora, estes actos desprestigiam-na,

desvalorizam-na! E a senhora tem, de facto, muito valor e uma importância

demasiado grande para se deixar desvalorizar a si própria, permitindo a

especulação. Penso que faz mal desvalorizar-se, porque antes na Polícia

Judiciária, hoje no tribunal da Relação, onde está, V. Ex.ª é importante e é

precisa, como no combate à criminalidade. Também combate essa

criminalidade nos tribunais, aliás combate por cima, como Procuradora. A

Polícia Judiciária é orientada pelo Ministério Público, como é óbvio.

Portanto, não percebo porque é que, de facto, V. Ex.ª tem estas

atitudes.

E permita-me que lhe diga outra coisa, que é importante. Hoje, V.

Ex.ª cometeu aqui aquilo que eu considero serem inconfidências graves. E

digo-lhe porquê. Disse V. Ex.ª, a dado momento, que fica à mercê das suas

palavras. É verdade que fica. Assim, amanhã, se calhar, ouviremos o Sr.

Director Nacional da Polícia Judiciária dizer também «fico à mercê das

minhas palavras.» Sr.ª Procuradora, quer V. Ex.ª, quer o Sr. Dr. Adelino

Salvado são pessoas dignas, que têm valor e que merecem o respeito de

todos nós e das instituições, pelo que lhe pergunto: como é que vamos sair

deste imbróglio? Vão ser os dois que vão ficar mal! Mas por culpa de

revelações de V. Ex.ª e não dele!

Na 1.ª Comissão, o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária em

momento nenhum fez referências do género daquelas que já então V. Ex.ª

havia feito! E o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária não foi tão

longe!

Foram, pois, cometidas aqui inconfidências que me levam a

perguntar: como é que vamos deslindá-las? Dado tratar-se de conversas

tidas a dois, qual é que vale mais, a sua palavra ou a palavra dele, Sr.ª

Procuradora? Ambas são palavras que, à partida, merecem e têm de

merecer todo o crédito. Mas pergunto-lhe como é que vamos sair disto.

Provavelmente vai ser o Deputado José Magalhães a resolver o problema,

que é quem aqui tem solução para tudo.

Mas que vamos ficar mal, vamos! E o pior, Sr. ª Procuradora —

digo-lhe isto com mágoa, não por mim, mas pela instituição Polícia

Judiciária, de que a senhora diz tanto gostar, e que eu respeito muitíssimo

—, é que V. Ex.ª vai prejudicar fortemente a imagem da Polícia Judiciária,

de todos aqueles que são seus amigos e que lá trabalham, que lá continuam

e que vão continuar provavelmente por muitos anos. Penso que isso é

grave, é inaceitável e inadmissível.

Fala aqui em verdade material e em verdade formal!? Ó Sr.ª

Procuradora, então os documentos são o quê? Os documentos não são uma

prova? Um documento probatório não é verdade material? Então os

documentos que V. Ex.ª escreveu, em que, designadamente, elogia o Sr.

Director Nacional da Polícia Judiciária, isso é verdade formal?! Não, isso é

verdade material, Sr. ª Procuradora! Verdade material é essa!

Agora, duvido que consiga a descoberta da verdade material por via

de conversas tidas a dois em gabinetes que sabe-se lá quem disse o quê! V.

Ex.ª disse, eu não posso contestar a sua palavra porque me merece todo o

respeito. Amanhã o Dr. Adelino Salvado provavelmente vai dizer coisa

diversa. Não será muito difícil de avaliar porque já disse na 1.ª Comissão e

eu tenho de acreditar na palavra dele.

Portanto, esta situação é absolutamente lastimável. Penso que

ninguém vai ganhar com isto, o País não vai ganhar com isto, muito menos

a Polícia Judiciária.

Gostava igualmente, com todo o respeito e com toda a sinceridade,

de lhe dizer uma coisa, Sr.ª Procuradora — tenho muito respeito por todos

os magistrados, independentemente do lugar que, em cada momento, eles

ocupam: também lastimo que V. Ex.ª venha com insinuações de que A, B

ou C têm medo. Ninguém tem medo de ninguém! Quem anda na vida

política, quem aceita assumir cargos a nível governamental,

designadamente, como o Ministro da Defesa ou o Ministro da Justiça, não

pode ter medo do que quer que seja! Nós, os Deputados, por certo também

não temos medo!

E, aliás, permita-me ainda que, até sem conhecer muito bem,

pessoalmente, os dois ministros que referi, diria até que os conheço muito

mal, lhe diga o seguinte: posso atestar, posso quase atestar, porque é fiável,

que eles também conhecem suficientemente o valor dos magistrados, para

saberem, nomeadamente, que V. Ex.ª era incapaz de perseguir quem quer

que fosse. Portanto, medo?! Isso não se compreende. Se algum dia essa

conversa aconteceu, como V. Ex.ª disse, então, só por mera brincadeira é

que ela poderia ter sucedido. Só por mera brincadeira! É que eu não estou a

ver nem o Sr. Ministro Paulo Portas nem a Sr.ª Ministra Celeste Cardona

terem medo, permita-me, Sr.ª Procuradora, quer de si quer de quem quer

que seja. Olhe, eu, pessoalmente, não tenho, o meu colega Nuno Melo

também já disse que não tem e não acredito que haja aqui algum

Deputado… Aliás, quem tem medo não vai para a vida política,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Ou compra um cão!

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — … porque está, naturalmente,

exposto, fortemente exposto.

Portanto, Sr.ª Procuradora, termino por aqui, dizendo-lhe,

sinceramente, que lastimo isto tudo e que espero que V. Ex.ª ainda vá a

tempo de corrigir alguns dos erros que cometeu, designadamente com

entrevistas como aquela que deu ao Público.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria

José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sr. Presidente, Sr. Deputado,

acho que a sua intervenção é de natureza tão subjectiva, tão subjectiva, que

não contém perguntas às quais eu possa responder.

Só lhe digo, Sr. Deputado, que nada disto correu num quadro de

normalidade e eu tentei trazer a esta Comissão o quadro em que ocorreu o

meu pedido de demissão. Não é um quadro normal, é este quadro que eu

trouxe aqui. Não vale a pena exagerar nas interpretações. Foi assim. Não o

fiz publicamente, precisamente por defesa do prestígio da Polícia Judiciária

e das instituições.

Agora, eu penso que a Polícia Judiciária não sai prejudicada disto

nem é esse o sentimento que há dentro da Polícia Judiciária. E penso que se

alguém cometeu imprudências nesta matéria não fui eu, porque, como lhe

disse, não escolhi o momento nem o modo de actuação, não tive outra

alternativa.

Depois, os acontecimentos transcenderam-me, ultrapassaram-me,

nunca foram do meu domínio. Não tenho culpa disso. Não estou num

processo que seja dominado por mim. Eu sou um instrumento deste

processo. Não sei que processo é que é, simplesmente o que estou a dizer, o

que eu digo… Eu aceito, como aceitei… Eu disse ao Dr. Bonina: «Eu vou-

me embora da Polícia Judiciária. É uma comissão de serviço, ela tem um

termo».

A questão não é essa, a questão é ser-me feito um pedido dramático

para ficar, a ponto de o Dr. Adelino Salvado me dizer que não tomava

posse se eu não aceitasse continuar, eu estabelecer um compromisso com o

Dr. Adelino Salvado e, depois, bruscamente, sem que eu consiga

compreender os fundamentos, o Dr. Adelino Salvado dizer-me o contrário.

Isto é uma situação… Não é uma situação normal e, porventura, depois,

provoca, de facto, especulações que me transcendem. Mas a culpa foi de

quem dominou o processo. Eu não dominei o processo. Não era eu que

tinha uma pessoa para tomar posse no meu lugar, no dia 29, que tinha os

novos poderes da Polícia Judiciária para serem divulgados no dia 31, etc.,

etc., etc. Eu fui uma peça deste processo, fui uma peça da engrenagem. É

evidente que haverá agora pessoas com vontade de me triturarem nisto

tudo. Tenho consciência da minha situação mas a escolha não foi minha.

Se há nisto alguma coisa errada e a lamentar não é por mim, eu

estou, pura e simplesmente, a ser vítima de todos estes acontecimentos. E

não gosto de me sentir vítima. Por isso, escrevi as cartas, por isso dei as

entrevistas nos termos que dei.

Perante esta Comissão e o dever de verdade material, senti-me

obrigada a contar, a concretizar mas tudo o resto que eu disse não entra em

contradição com esta concretização. Limitei-me a dizer agora as

circunstâncias de facto do pedido de demissão e que a iniciativa não era

minha. E não sei se foi por causa das intercepções telefónicas, se foi por

causa do processo dos combustíveis, se foi por causa do processo das

finanças, se foi por causa da secção central de branqueamento, se foi por

causa da secção central de vigilâncias… Sinceramente, podem apontar-se

estas razões todas. Depois… É que, de facto, não houve nenhum debate

interno sobre isso. Não houve!

Por exemplo, sobre as vigilâncias, pedi ao Dr. Adelino Salvado para

deixar ficar as vigilâncias na DCICCEF, que tinham sido criadas em

Novembro de 2001 e estavam a dar bom resultado na investigação. Mais:

tínhamos equipamento de vigilâncias que nos tinha sido dado em

subvenção, pelo OLAF. O Sr. Brüner convidou-me a ir a Bruxelas,

conversámos sobre as prioridades do combate ao crime organizado, ele

ficou agradado com o trabalho que a Polícia Judiciária estava a fazer, eu

assumi o compromisso de dar prioridade no combate à fraude dos IEC e de

toda a criminalidade que punha em causa os interesses financeiros da

Comunidade, para além dos interesses do Estado, e, no seguimento desse

acordo, tivemos duas subvenções que perfizeram uns trinta e tal mil contos.

Com esse dinheiro, que não era dinheiro da Polícia Judiciária, foi

dinheiro arranjado desta maneira, comprámos o primeiro equipamento para

a brigada de vigilâncias e pedi ao Sr. Director Nacional que conservasse

esse equipamento na DCICCEF. E até brinquei, porque disse que, se assim

não fosse, era considerado desvio na obtenção de subsídio, uma vez que

tinha obtido o subsídio com o objectivo de dar prioridade ao combate à

fraude sobre os produtos sensíveis - álcool e tabaco. O Sr. Director

Nacional concordou, disse-me que sim, eu fiz-lhe um ofício a pedir isso e

ele não me disse, a mim, pessoalmente, que não. E quando as pessoas têm

comportamentos assim, é evidente que, depois, se libertam forças que não

se dominam. Nem sei quais, nem sei quais.

Mas o comportamento do Sr. Director Nacional a meu respeito foi,

de facto, de algum capricho. Primeiro, era o capricho de ficar; depois, era o

capricho de ir embora. Mas, de facto, não sei…

Amanhã, o Sr. Director Nacional até pode dizer que, a respeito das

prevenções activas e das ajudas de custo, fiz despachos infundados, porque,

provavelmente, durante todo o mês de Julho fiz despachos de juízos de

imprescindibilidade sobre o pagamento das prevenções activas e das ajudas

de custo que nunca tinha feito antes, em função de um outro despacho do

Sr. Director Nacional. E, provavelmente, o Sr. Director Nacional não terá

concordado. Não sei. É uma hipótese que eu ponho, não é?!

Portanto, contei as coisas por ordem cronológica, sintetizando factos

que foram sucedendo e não posso criar outros. Se isto, de facto,… Se o Sr.

Deputado acha lamentável, eu também acho mas não fui produtora deste

«filme». Não fui.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — Sr. Presidente, permita-me só

que…

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — Sr. Presidente, é muito breve, são

apenas 10 segundos.

Quero apenas fazer uma pergunta à Sr.ª Procuradora, que tem a ver

com o seguinte: a Sr.ª Procuradora dá a ideia de que a sua conduta, mesmo

em termos públicos, foi sempre totalmente correcta. Só lhe quero perguntar

se é verdade ou mentira que o Sr. Procurador-Geral da República chamou-a

para lhe dar uma reprimenda relativamente à notícia que veio na Público. É

que constou…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Qual notícia do Público?

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — A entrevista que V. Ex.ª deu ao

Público. Se é verdade ou não, isso veio noticiado. Se é verdade ou

mentira…

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Veio noticiado isso?

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — Eu já ouvi isso.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Por acaso, não li…

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Por acaso, não li e o Sr.

Procurador-Geral não me deu nenhuma reprimenda.

Uma voz não identificada: — Mas chamou-a lá?

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Não, não chamou! Eu é que pedi

ao Sr. Procurador-Geral para me receber. Eu pedi ao Sr. Procurador-Geral

para me receber, a iniciativa foi minha.

O Sr. Presidente: — Tenho agora inscrito o Sr. Deputado Luís

Montenegro.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, permite-me o uso da

palavra?

O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): — Para fazer uma interpelação à Mesa,

Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Diga, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, quero solicitar a V.

Ex.ª que seja feito chegar um documento ou a todos os Srs. Deputados da

Comissão ou, no mínimo, à Sr.ª Procuradora Maria José Morgado.

O Sr. Presidente: — Qual é o teor do documento, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): — É que eu tomei conhecimento da

existência de um despacho da Agência Lusa…

O Sr. Presidente: — Ó Sr. Deputado, se é sobre notícias da

comunicação social, tenho de lhe dizer o mesmo que disse, há pouco, ao Sr.

Deputado Nuno Melo. Peço imensa desculpa mas, quanto mais não seja,

por respeito para com as pessoas que estão aqui desde as 3 horas da tarde e

que não saíram para falar com a comunicação social, é melhor que as

questões relativas à comunicação social sejam colocadas no final dos

depoimentos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, peço desculpa mas

não obtive nada disto junto da comunicação social, obtive através dos

serviços do meu grupo parlamentar…

O Sr. Presidente: — Mas eu é que estou a dizer que, se é por causa

de uma notícia da comunicação social, tenho de lhe dizer o mesmo que

disse, há pouco, ao Sr. Deputado Nuno Melo, que também tentou interpelar

a Mesa por causa da mesma situação.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, entendo que, no

mínimo, por uma mera questão de lealdade para com a Sr.ª Procuradora

Maria José Morgado, ela não deveria sair desta sala sem tomar

conhecimento deste documento.

O Sr. Presidente: — Tomará conhecimento de todos os documentos

de que o Sr. Deputado lhe quiser dar conhecimento no fim dos pedidos de

esclarecimentos. Tenho mais Srs. Deputados inscritos e parece-me que

todos eles têm o mesmo direito de falar que aqueles que se inscreveram

inicialmente.

O Sr. António Filipe (PCP): — Então, não direi mais nada, Sr.

Presidente, e faço-lhe apenas um pedido: seguramente, a Sr.ª Procuradora

Maria José Morgado, quando sair daqui, vai ser confrontada com

declarações que lhe são imputadas aqui…

O Sr. Presidente: — O senhor terá ocasião de lhe entregar, antes do

final…

O Sr. António Filipe (PCP): — … e, portanto, peço a V. Ex.ª que lhe

faça chegar…

O Sr. Presidente: — Antes do final. Com certeza!

O Sr. António Filipe (PCP): — … este documento, para que a Sr.ª

Procuradora saiba o que a espera quando sair daqui.

O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Mas é um comunicado…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Fonte da maioria!

O Sr. Presidente: — Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, peço-lhe que siga

a sequência das perguntas, como é evidente, e tomará conhecimento de

tudo o que os Srs. Deputados quiserem no final. Agora, não é forma… E

devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Filipe, que me parece completamente

irresponsável, da sua parte, interromper a sequência das inscrições.

A sequência de inscrições dos Srs. Deputados nesta Comissão não é

controlável por ninguém, o direito de todos é igual e nenhum Sr. Deputado

tem o direito de interromper a sequência das audições, colocando aqui o

feedback ou intervenções a latere que não têm a ver com a sequência das

intervenções.

No final, o Sr. Deputado tem o direito de se inscrever novamente

para usar da palavra, se quiser, ou de se inscrever para entregar algum

documento ou até para conversar com a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

Agora, o que eu não posso é tirar a palavra a outros Srs. Deputados que se

inscreveram, alguns deles há várias horas, e que estão à espera do seu

momento para intervir.

Portanto, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Montenegro e peço

à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado o favor de tomar atenção às perguntas que

lhe forem formuladas.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora,

não obstante o tempo já dispendido nesta audição, ainda tenho, de facto,

algumas dúvidas e vou tentar ser objectivo, pragmático e ir directo às

questões que lhe quero colocar.

A Sr.ª Procuradora apresenta hoje aqui, aliás, fê-lo, logo, ab initio,

uma teoria que nós desconhecíamos relativamente ao pedido de demissão,

já que toda a informação que tinha sido disponibilizada até ao dia de hoje

indicava que a demissão tinha partido da sua iniciativa.

Hoje, veio dizer-nos que, apesar de ter enviado o fax para a

Directoria Nacional, a demissão resulta de um pedido, de uma sugestão

expressa do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. E diz mais: diz que

esse pedido surge de uma forma inesperada, de uma forma surpreendente.

Devo dizer-lhe que, depois de a ter ouvido, nas várias intervenções

que já teve oportunidade de produzir aqui hoje, julgo precisamente o

contrário, ou seja, julgo que o epílogo desta história, a sua demissão, o seu

pedido de demissão ou, eventualmente, a sugestão do Sr. Director Nacional

resultam do historial que aqui nos trouxe e não surpreendem ninguém,

muito pelo contrário, surpreendente seria que, dada a conflitualidade que

vinha crescendo - segundo as suas próprias palavras - ao longo do tempo

que se sucedeu à assunção do mandato, por parte do actual Director

Nacional, não houvesse um desfecho que só poderia ser um de dois: ou saía

a Sr.ª Procuradora ou, então, teria de sair, forçosamente, o Sr. Director

Nacional. Aliás, tanto assim é que, inclusivamente, V. Ex.ª chegou a

afirmar aqui, hoje – e é a sua própria expressão –, que «sabia que não ia

durar muito tempo» na Polícia Judiciária. Disse também que o Sr. Director

Nacional era um homem preparado para o efeito – também foi uma

expressão sua. Por mim, acrescento que V. Ex.ª também já estava

preparada para este efeito, na medida em que, já em meados de Junho,

como teve ocasião de dizer-nos, e, de uma forma expressa, já na tal reunião

do dia 16 de Julho, V. Ex.ª tinha apresentado a sua demissão. No caso

concreto do dia 16 de Julho, pelo que nos disse, fê-lo de uma forma

perfeitamente expressa.

Sinceramente, não compreendo, por um lado, que se possa considerar

surpreendente o que aconteceu no dia 27 de Agosto e, por outro, não posso

compreender que V. Ex.ª diga que o Sr. Director Nacional sugeriu a sua

demissão quando a iniciativa primeira coube exactamente a si própria, no

dia 16 de Julho.

Por outro lado. V. Ex.ª remata a história do dia 27 de Agosto,

dizendo que não teve escolha. Ora, também já aqui ficou patente – aliás,

era algo que, isso, sim, era do domínio público – que V. Ex.ª é, de facto,

uma pessoa de convicções, e convicções profundas.

A questão que lhe coloco é a seguinte: se V. Ex.ª tem, de facto, essa

maneira de ser e possui essa convicção e se, por sua iniciativa, não tinha

vontade de se demitir no dia 27 de Agosto, por que é que o fez? É que não

colhe a tese de que foi empurrada. Não foi! De facto, não foi, porque, no

âmbito do seu campo de actuação, estava a possibilidade de não proceder

ao pedido que efectivamente veio a fazer depois.

Uma segunda questão que gostava de colocar-lhe tem que ver com as

divergências que, repetida e repisadamente, aqui tem assumido e a

respectiva correlação com uma outra afirmação que também produziu aqui

quando disse que «eles», portanto, os actuais dirigentes da Polícia

Judiciária, «estão a copiar tudo aquilo que eu tinha em mente, o modelo

que eu estava a incrementar na Direcção Central». Disse, inclusivamente –

e se não foi precisamente esta a expressão foi muito próxima –, que «a papa

estava feita» e que, depois, era uma questão de ser servida, o que vale por

dizer que, afinal, apesar de todas estas divergências e de toda esta

conflitualidade, actualmente, a Polícia Judiciária segue, de facto, um

modelo que foi incrementado por V. Ex.ª.

Portanto, atrever-me-ia a dizer que, porventura, essas divergências

não parecem tão profundas quanto nos fez crer e que, utilizando também

uma expressão sua, estaremos mais na presença de «diferentes e

incompatíveis métodos de trabalho».

Uma outra questão – e vou ser telegráfico na análise que faço e na

dúvida que ainda me persegue relativamente a esta matéria – tem que ver

com a instrução verbal, também do dia 16 de Julho, relativamente à não

presença de investigadores da Polícia Judiciária no Tribunal de Monsanto.

V. Ex.ª disse que essa instrução foi veiculada pela via oral e que,

embora não concordando, melhor dito, discordando radicalmente daquilo

que estava a ser-lhe solicitado, em todo o caso, decidiu pô-la em prática

porque o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária a tinha defendido

muito. Desde logo, isto parece-me incongruente, no dia 16 de Julho, com o

facto de «haver uma perda progressiva» da sua capacidade de prosseguir o

seu modelo que teve o seu início em meados de Junho, quinze dias após a

tomada de posse.

Mas, no dia 16 de Julho, V. Ex.ª ainda diz que «não, não! O Sr.

Director Nacional da Polícia Judiciária, apesar de estar progressivamente a

tirar-me capacidade de intervenção, é alguém que me defende muito e não

compreendo muito bem como é que». O fundamento da sua tomada de

posição, que foi o de seguir a instrução verbal que lhe fora dada, é este.

É evidente que não é V. Ex.ª que está aqui a ser julgada e tenho a

perfeita noção disso.

Devo dizer-lhe mais, fazendo novamente apelo ao facto de V. Ex.ª

ser uma pessoa de convicções. É que, para quem se prestava a cumprir uma

instrução com a qual discordava radicalmente e com a carreira judicial que

V. Ex.ª tem, parece-me que, no mínimo, V. Ex.ª deveria ter acautelado a

situação, pedindo, solicitando que essa instrução lhe fosse dada sob a forma

escrita. Acho que era o mínimo que deveria ter feito nessa circunstância,

para sua salvaguarda e também para salvaguarda das suas convicções.

Uma última questão, que eu diria que é a vexata questio desta

Comissão de Inquérito, que é a de sabermos se houve ou não pressões

políticas.

V. Ex.ª já foi peremptória em afirmar que nunca sofreu, não podia

sofrer, não aceitaria sofrer pressões de natureza política. Essa resposta foi

clara, já na primeira vez em que esteve na 1.ª Comissão. V. Ex.ª disse que

não tinha sofrido esse tipo de pressão.

De qualquer forma, hoje, várias vezes aludiu a comentários, a boatos

que circulavam, nomeadamente nos corredores da Relação de Lisboa.

Quero entender que estas notícias que circulavam nesses corredores não

eram, de facto, pressões de natureza política, que é o que esta Comissão

tem de apurar definitivamente.

A talhe de foice, devo dizer que até acho que não tem interesse que

uma comissão de inquérito parlamentar esteja a falar, a comentar ou a aferir

boatos que correm nos corredores. É que, de facto, isso acontece em todo o

lado, até na própria Assembleia da República. Aliás, se fossemos fazer um

inquérito ao que dizem os Srs. Deputados dos mesmos partidos nos

corredores desta Assembleia, os partidos políticos acabariam, porque a

coesão dos grupos parlamentares por certo iria ao ar. Portanto, julgo que

não tem relevância o que se diz nesses fóruns.

O que tem relevância – e é a última questão que lhe coloco – é que

V. Ex.ª mantém o que disse e V. Ex.ª disse que não tinha sofrido de forma

nenhuma, nem era passível de ter sofrido qualquer tipo de pressão política.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Acho que o Sr. Deputado fez as

perguntas e deu as respostas. Só em relação à última é que não procedeu

assim.

Quanto às pressões, mantenho o que disse. Agora, em relação a todas

as outras questões, são as que revelei aqui…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): - São contradições!

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não são contradições, não! Porque

eu não disse que ninguém me tinha pressionado a fazer assim ou assado. A

única coisa que disse foi a respeito do pedido de demissão. Disse que não

tinha sido da minha iniciativa, que tinha feito o pedido de demissão, ou o

pedido de cessação da comissão, por sugestão do Sr. Director Nacional,

mas que eu tinha aceite essa sugestão. Mas não classifiquei isso como

pressão.

Depois, referi determinados factos, sobre os quais os Srs. Deputados

fazem as interpretações que entendem e não tenho culpa disso. Eu fui

factual e não tirei muitas conclusões. Fui meramente factual.

Quanto ao resto das questões que me coloca, de facto, foram

perguntas com respostas: modelo que é modelo, que deixa de ser modelo e

passa a ser modelo outra vez… Divergências que existiam e que não

existiam… Talvez possamos concluir que nestas coisas, a realidade nunca

parece o que é e nunca é o que parece.

Penso que já esclareci tudo nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Obrigada, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

Estão inscritos a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco e, por último,

o Sr. Deputado Marques Júnior.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco.

A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, vou ser rápida

e reportar-me exclusivamente à questão da demissão da Sr.ª Procuradora.

Percebi hoje, aqui, que, do ponto de vista da Sr.ª Procuradora, a

vítima nesta história é a Sr.ª Procuradora e, portanto, percebo que esteja

ressabiada.

O que não percebi é quem é o carrasco e era o que gostava de

perceber. O carrasco é o Sr. Dr. Adelino Salvado? O carrasco é a Sr.ª

Ministra da Justiça? É o Sr. Ministro Paulo Portas?

Gostava de saber, em concreto, se considera que o Sr. Dr. Adelino

Salvado agiu como agiu em relação à sua demissão de modo próprio ou

como mandante da Sr.ª Ministra da Justiça ou de outros.

No caso de a Sr.ª Procuradora entender que ele agiu a mando da Sr.ª

Ministra, gostava de saber se tem ideia de qual a razão ou razões profundas

ou ocultas de tal perseguição, já que disse aqui, várias vezes, que nunca

falou com ela e nem sequer a conhece. Portanto, parece estranho uma

perseguição destas quando, afinal, nem sequer se conhecem.

É que, realmente, uma tal perseguição, uma tal cabala que montaram

contra a Sr.ª Procuradora, apenas por razões de excesso de protagonismo,

de facto, a mim sabe-me a pouco.

Também gostava de saber se a Sr.ª Procuradora tem provas, factos

concretos que sustentem essa ideia da perseguição.

Vai desculpar que lhe diga que, se assim não for, fica a ideia de que,

porventura, a Sr.ª Procuradora está a dar demasiada importância a si

própria, está empolar a questão e, porventura, terá demasiados «gorilas» na

cabeça em relação a uma suposta perseguição com o intuito de afastá-la.

Por último, queria dizer-lhe que gostei muito das suas declarações

iniciais, quando disse que não se deixava embarcar em politiquices. Porquê,

então, esta viragem? É que, na verdade, está a deixar-se embarcar em

politiquices. Será que as politiquices de ontem são a reserva de hoje? De

facto, «não condiz a cara com a careta».

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer uma

interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Queria definir aqui qual o papel de um

Deputado numa comissão de inquérito. É que acho que é preciso definir se

é ou não para averiguar factos.

Depois – e é por isso que isto tem demorado tanto tempo! –, as

considerações que os Srs. Deputados estão a fazer são para ser feitas numa

reunião em que apreciaremos os factos…

Isto tem demorado muito por causa das considerações…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, deixe-me responder

duas coisas à sua interpelação.

Em primeiro lugar, é evidente que, se me pede que tenha um papel

paternalista no sentido de tentar instruir os Srs. Deputados sobre o que lhes

cabe nas comissões de inquérito, a minha resposta é, directamente, «não!».

Nunca embarcarei numa tarefa desse género porque penso que todos os Srs.

Deputados são meus iguais ou meus superiores no entendimento que têm

das suas funções neste Parlamento.

Em segundo lugar, relativamente ao tempo, deixe-me dizer-lhe que a

senhora está a ser profundamente injusta, porque todos os que estão aqui

desde o início sabem perfeitamente que, se juntarmos todo o tempo que os

Srs. Deputados falaram nesta sala, verificamos que, no máximo, ele não vai

além de duas horas. E se esta reunião tem demorado é porque a Comissão

tem entendido (o meu critério tem sido esse e ainda ninguém me chamou a

atenção para isso) que a depoente tem o direito de expor livremente tudo

aquilo que entender.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente! Estou de acordo com

isso!

O Sr. Presidente: - E se a Sr.ª Deputada não concorda com isso, é a

esse tempo perdido que a Sr.ª Deputada deve apontar o dedo pelo atraso da

hora e não aos Srs. Deputados, porque isso é injusto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença? É que o

Sr. Presidente censurou-me de eu estar a dizer que era o tempo da depoente

e eu não disse nada disso.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada disse rigorosamente o contrário.

Eu disse que é injusto dizer que são os Srs. Deputados que estão a perder

tempo. Foi o que eu disse, porque a sua acusação foi que os Srs. Deputados

não estavam a interpretar bem o seu papel e, por causa disso, estávamos

aqui há muito tempo. Ora, eu acho que isso é injusto e que a Sr.ª Deputada

não tem razão, porque se a Sr.ª Deputada se der ao trabalho de, depois,

ouvir a gravação e somar o tempo de intervenção de todos os Srs.

Deputados, verificará que esse tempo não vai além de, provavelmente, duas

horas ou duas horas e pouco, se tanto.

Tendo dado a minha explicação, considero encerrada esta

interpelação.

Dou, agora, a palavra à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, pedindo-lhe

desculpa por esta interrupção.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não sei se é do adiantado da hora,

mas as perguntas estão a transformar-se em resposta impossível. Lamento

muito mas penso que não posso responder às perguntas da Sr.ª Deputada,

nomeadamente, às questões de «estar ressabiada» e de saber «quem é o

carrasco». Parecem-me aquilo que o Código Penal considera perguntas

impertinentes ou sugestivas. Não posso responder a essas perguntas, não há

resposta possível.

Eu nunca falei em perseguição; falei de um processo que teve fases e

que teve este desenlace do dia 27 de Agosto. Não falei em perseguição.

Acabei por dizer que fui vítima de tudo isto, porque os acontecimentos

tiveram, de facto, uma dinâmica que me ultrapassou completamente. E,

mais uma vez, volto a dizer que eu não escolhi o momento do pedido de

demissão, mas não tinha alternativa, pois, se não pedisse a demissão, era

demitida e, provavelmente, tudo aconteceria da mesma maneira. E,

sinceramente, seja qual for o resultado de tudo isto, não me sinto com

juízos de culpa nesta matéria, porque não tive escolha, todo o processo para

mim foi irreversível.

A escolha que eu tive foi no início: depois de saber que havia críticas

da Sr.ª Ministra por excesso de visibilidade, não queria continuar, achei que

isto não ia dar bom resultado, que a minha posição era artificial e pedi, na

altura, para sair. Porém, pediram-me o contrário: «continue».

Pediram-me esse compromisso; pediram-me até que, acontecesse o

que acontecesse, eu jamais pusesse o meu lugar à disposição. E toda a

minha tarefa à frente da Polícia Judiciária, toda a minha missão, a partir

dessa altura, foi desenvolvida com base neste dilema e foi isso que motivou

todos os meus comportamentos, comportamentos que expliquei com

sinceridade e espontaneidade aos Srs. Deputados. Não vale a pena exagerar

sobre isso. É assim. Não tenho culpa que as questões não tenham sido mais

nobres, porque também não mas puseram assim, embora o meu esforço

fosse sempre no sentido de dignificar as questões.

Agora, quando tenho de concretizar, eu não estou numa quarta

versão do pedido de demissão; estou numa comissão de inquérito, a

concretizar os factos, as circunstâncias. Até aí, fiz abordagens genéricas;

agora, estou a concretizar. É uma coisa completamente diferente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar

Branco.

A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo

mais nenhum esclarecimento. É só para que não fique a ideia de que fiquei

com medo e assustada, por causa da intervenção da Sr.ª Deputada Odete

Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu não meto medo a ninguém!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, parece que sou o último

a intervir. Prometo aos meus colegas que vou ser muito breve. E vou fazer

uma intervenção um pouco heterodoxa relativamente àquilo que é habitual

nesta Comissão. Talvez pela circunstância de eu não ser licenciado em

Direito, não ser advogado (a maior parte dos meus colegas aqui são-no),

devo dizer que, apesar de já estar há alguns anos na Assembleia da

República e de já ter participado em várias comissões de inquérito, é

sempre com um grande esforço pessoal que acompanho a evolução das

comissões de inquérito. É que custa-me muito ver - é capaz de ser mesmo

assim - a forma como, às vezes, são feitos os interrogatórios às pessoas que

aqui vêm aqui. E custa-me muito, porque pode perspectivar-se um pouco a

ideia de que o objectivo essencial do interrogatório não é saber a verdade.

Ora, acho que esse objectivo, o de sabermos a verdade, é o objectivo

essencial.

E, desse ponto de vista, penso que - até para referir duas ou três

observações que aqui foram feitas por outros colegas - a Comissão de

Inquérito tem plena justificação. Se nós pensarmos bem (e houve aqui

alguns colegas que disseram que não são responsáveis pela Comissão de

Inquérito, o que, aliás, é rigorosamente verdade), chegamos à conclusão

(pelo menos, é a minha opinião) de que não seria possível à Assembleia da

República, concretamente, aos Deputados da 1.ª Comissão, depois de

ouvirem os depoimentos que aí ouviram, fazerem de conta que nada tinha

acontecido. Por isso, penso que a Comissão de Inquérito tem plena

justificação. Aliás, a presença aqui da Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta e do

Sr. Magistrado Pedro Cunha Lopes demonstra, de uma forma cabal, a

importância e a justificação da própria Comissão de Inquérito.

E, pela minha parte, depois de ter assistido na 1.ª Comissão (porque,

agora, não sou membro efectivo da 1.ª Comissão) a todas as audições aí

feitas sobre esta matéria, saio daqui hoje muito mais enriquecido do que

estava no sentido de saber a verdade.

Gostaria ainda de sublinhar - e perdoem-me esta minha observação -

a dignidade com que o Sr. Magistrado Pedro Cunha Lopes e a Sr.ª

Procuradora-Geral Adjunta encararam a sua presença nesta Comissão de

Inquérito. É que é evidente que há uma evolução, uma precisão, um

complemento e uma clarificação, na Comissão de Inquérito, que não foram

feitos no âmbito da 1.ª Comissão. Portanto, para nós podermos saber a

verdade, penso que isto tem toda a justificação.

Gostaria ainda de dizer o seguinte: não sei o que é que vai sair da

Comissão de Inquérito, nem sei o que, hoje, irá ainda dizer-se na Comissão

de Inquérito, mas ainda não ouvi aqui ninguém - nenhum Sr. Deputado e

nenhuma das pessoas que aqui vieram depor - que não tivesse a

preocupação de defender a instituição Polícia Judiciária. Este é um aspecto

que gostaria de sublinhar.

Depois destas considerações, pelas quais peço desculpa porque se

calhar são desajustadas, gostaria de fazer uma pergunta à Sr.ª Procuradora-

Geral Adjunta, pergunta essa que, provavelmente, já foi respondida em

parte relativamente a outras questões e que tem a ver com o seguinte: um

dos aspectos mais importantes - eventualmente o mais importante, do meu

ponto de vista - que está subjacente a todo este problema é o que consta do

requerimento de pedido de inquérito do Partido Socialista, assim como de

outros partidos que propuseram esta Comissão de Inquérito, e que está

contido no ponto 2, alínea b), onde se diz que o inquérito tem por objecto,

designadamente, «o integral esclarecimento e a apreciação política dos

actos da responsabilidade do Governo no que respeita à estratégia e às

orientações do Governo no âmbito do combate ao crime económico,

financeiro e fiscal, bem como ao modo como vem exercendo as suas

competências funcionais neste domínio».

E, sobre esta matéria, poderei deduzir que a Sr.ª Procuradora-Geral

Adjunta já disse algumas coisas com interesse. No entanto, eu permitia-me,

nesta fase final, e não querendo que a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta se

mace muito depois de todas estas horas, pedir-lhe que elencasse (se é que

tem condições para o fazer) os aspectos relevantes daquilo que se

pressupõe ser uma nova estratégia de combate ao crime económico,

financeiro e fiscal, relativamente àquela que vinha sendo seguida. Este

aspecto parece-me muito importante. Está a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta

em condições de enunciar os elementos essenciais, que, do seu ponto de

vista, considera poderem ser negativos ou positivos, daquilo que se

pressupõe ser uma nova estratégia, relativamente à anterior, no combate ao

crime económico, financeiro e fiscal? Ficar-lhe-ia agradecido, se o fizesse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - (Por não ter falado ao microfone,

não foi possível registar as palavras iniciais da oradora.) … orientadoras

no combate ao crime económico estão todas, não de forma perfeita porque

não havia tempo para isso, no relatório da DCICCEF de 2001. Se o Sr.

Director Nacional entender entregá-lo… Eu entreguei aqui uma parte que

diz respeito aos grupos da criminalidade económica, financeira e fiscal.

Mas estão lá; basta tirar. O que tem o relatório que não se possa divulgar

publicamente? Matrículas da frota automóvel e nomes de pessoas. Mas isso

apaga-se, porque o relatório está no computador e tiram-se essas partes.

Não é por pessoalizar nem é por individualismo da minha parte mas

eu conheço o trabalho que estava a fazer e não conheço nenhum programa

de estratégia de combate ao crime económico ao Sr. Director Nacional,

nem lendo as actas da 1.ª Comissão.

A estratégia que os investigadores defendiam na DCICCEF para o

combate ao crime económico tinha a ver com três linhas fundamentais, que

era a distinção entre a prevenção, a investigação criminal e o apoio à

investigação criminal.

A prevenção dedicar-se-ia à recolha, análise e tratamento da

informação. Recolha, análise e tratamento da informação ao nível

institucional, através das bases de dados - havia uma cultura de dados na

DCICCEF e necessidades dessa matéria - mas também com ligações à

informação recolhida no terreno, a chamada «informação especulativa»,

aquela que é pró-activa, que é a policial propriamente dita.

Essa secção de prevenção teria como estruturas fundamentais uma

estrutura de análise, de recolha de informação a nível nacional, de

centralização da informação da corrupção, da fraude internacional e do

crime informático, bases de dados dessa matéria, nomeadamente uma que

estava em perspectiva que era a base de dados sobre pedofilia na Internet,

base de dados de contrafacção de cartões e uma outra base de dados, já com

o Banco Europeu, que dizia respeito à contrafacção de moeda, bases de

dados das espécies contrafeitas apreendidas, que era a mais desenvolvida e

a mais perfeita no trabalho da DCICCEF, uma vez que a DCICCEF da

Polícia Judiciária é a entidade nacional competente para a recolha de

informação e a classificação das espécies, em termos de contrafacção da

moeda e de cartões.

Além disso, havia a secção de análise. A análise da moeda estava

desenvolvida; a análise das fraude financeira, incluindo contrabando

organizado e corrupção, não estava desenvolvida por falta de meios e era

incipiente. Procurava-se fazer uma análise ao nível da corrupção nas

autarquias, nas finanças e na saúde e, na fraude financeira internacional, ao

nível de empresas e grande crime implicado na fraude aos IEC, na fraude

ao IVA e na fraude IVA «em carrossel». Principalmente, era essa a nossa

preocupação.

Ainda na secção de prevenção, foi criada uma estrutura de

vigilâncias centralizadas – as vigilâncias da DCICCEF – para recolha de

informação especulativa no terreno e recolha de meios de prova e produção

de prova, em articulação com a investigação no sentido de identificar os

autores do crime e o modus operandi.

Ainda sem falar das secções de investigação criminal, passo ao apoio

à investigação criminal.

O apoio à investigação criminal tinha duas vertentes preciosas.

Por um lado, a vertente contabilística, financeira, de análise

documental, que incumbia ao Departamento de Perícia Financeira e

Contabilística. O Departamento de Perícia Financeira e Contabilística

acompanhava as buscas, durante as quais recolhia toda a documentação, e

fazia logo um relatório preliminar sobre as buscas para evitar aqueles

grandes relatórios que, depois, os magistrados não dominam e ninguém

percebe, ou seja, ia fazendo pequenos relatórios ao longo da investigação

para dar mobilidade e capacidade à mesma.

Por outro lado, havia um outro departamento, o núcleo de perícia

informática, que tinha a ver com a recolha e conservação da prova em meio

informático e digital – porque, aí, há uma característica preocupante que é a

volatilidade dos meios de prova –, a utilização da Internet e dos

computadores, na prática, toda esta criminalidade. Não se podia falar em

crime financeiro, em fraude, em corrupção que não se falasse em não sei

quantos CPU apreendidos e, portanto, também tínhamos de ter meios de

extrair da memória dos computadores os elementos de prova necessários à

prova das responsabilidades e da prática do crime.

Inclusivamente, foram feitas experiências interessantes na DCICCEF

com um software, o Ncase, que foi comprado à polícia canadiana, cuja

última versão, o Ncase 3, tem a seguinte característica: transpõe e analisa a

memória de um computador, fazendo em uma semana o que um técnico

demoraria três meses a fazer. Aliás, enquanto estive na Polícia Judiciária,

houve fases em que havia computadores ligados há três meses ao Ncase e

que ainda não tinham esgotado a recolha da prova essencial à descoberta da

verdade.

Havia um outro problema em matéria de informática. É que os

próprios meios nunca conseguiam responder aos avanços da criminalidade,

na medida em que, por exemplo, cada inspector da secção de criminalidade

informática tinha computadores com 10 gigabytes de memória e, de

repente, somos confrontados com computadores que têm 30 gigabytes e 60

gigabytes de memória e nem sequer há máquinas para recolher a prova que

está dentro desses computadores.

Portanto, estes são problemas delicados e sérios que têm de ser

considerados conjuntamente numa direcção central desta natureza.

A par disto, existiam as secções de investigação criminal da

corrupção, da fraude internacional, do contrabando organizado, da

contrafacção de moeda e de meios de pagamento electrónicos que não em

dinheiro e da criminalidade informática.

O esforço que existia era para conseguir uma investigação integrada

em relação a todas estas secções de investigação criminal no sentido de se

dominarem as tipologias do crime económico.

Ao fim de um ano e meio, ficámos com um diagnóstico dessas

tipologias que, como já disse, nos permitiram concluir que o contrabando

organizado passava pelas rotas do tráfego de droga, que a fraude nos

cartões e nos meios de pagamento que não em dinheiro passava pelas rotas

das máfias de Leste e, inclusive, das máfias do Oriente, que todas estas

modalidades tinham representação na fraude ao IVA e aos IEC, que, no

domínio da fraude aos IEC, havia empresas-ecrã que eram tituladas por

vadios, por testas-de-ferro que simulavam transacções intracomunitárias

com facturas fictícias em cascata e, depois, quando as finanças iam ao

local, não encontravam nada nem ninguém; nada existia e o Estado e a

sociedade são lesados em milhões e milhões de euros.

No que diz respeito à fraude ao IVA, o mesmo sistema, em carrossel,

de empresas-ecrã que simulam transacções intracomunitárias para produzir

reembolsos indevidos na ordem de milhões de contos. Uma das últimas

fraudes cujo inquérito deu entrada respeitava a 7 ou 8 milhões de IVA em

dívida ao longo de dois anos. Havia uma fraude ao IVA em que estavam

implicados dois presidentes de conselhos de administração.

Portanto, tudo isto nos levava a pensar que tínhamos de ter meios em

acção que envolvessem a cooperação institucional interna com as restantes

polícias nas restantes direcções centrais, com os serviços regionais.

Precisávamos, também, de cooperação com a banca por causa dos

circuitos financeiros e do tracing e do sizing do dinheiro. Fizemos esforços

nesse sentido e sensibilizámos a banca e as instituições financeiras. Quanto

à cooperação com a CMVM, fizemos esforços nesse sentido e tínhamos

cooperação com esta entidade. Havia cooperação com os peritos da

Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, da Inspecção-Geral de

Finanças e das Alfândegas.

Para além disso, como não podia deixar de ser, havia articulação

estreita com os magistrados do Ministério Público. Havia reuniões

periódicas, reuniões semanais com os responsáveis do Ministério Público

pelas secções que tinham incidência na nossa competência material.

Na UCLEFA propusemos grupos de trabalho que pudessem

combater com impacto a evasão e a fraude fiscais, nomeadamente grupos

sobre a criminalidade económica, financeira e fiscal e as novas formas de

criminalidade, sobre o dever de sigilo e o acesso às bases de dados, sobre

protocolos entre a Polícia Judiciária, as alfândegas e a DGCI. Devo dizer

que já existia um protocolo com as alfândegas desde 1997 e não dava

frutos.

Nesses grupos de trabalho, todos dirigidos pela Polícia Judiciária, à

excepção do grupo de trabalho do acesso às bases de dados, procurámos

estabelecer uma cultura de cooperação com salvaguarda do perfil

institucional de cada um dos intervenientes e com cooperação e

especialização, porque só assim é possível atacar, prevenir e combater o

crime organizado.

Ao nível das empreitadas e dos grandes empreendimentos de obras

públicas, fizemos análises de risco. Tínhamos propostas a fazer,

nomeadamente criar uma base de dados de empreiteiros de risco, de

empresas de risco, o que penso que há-de corresponder a orientações da

própria União Europeia nessa matéria.

Fizemos estudos acerca da corrupção nas autarquias e definimos

modus operandi nessa matéria.

Isto era um trabalho que estava em marcha, que vivia da motivação

dos investigadores, do treino dos investigadores, mas vivia da colaboração

de todas as instituições que se encontravam no outro lado, ou seja, fora da

Polícia Judiciária, instituições que, no terreno, estavam implicadas no

combate à fraude.

A minha visão do combate à fraude é, de facto, a de congregar essas

instituições e não a de fazer projectos hegemónicos, esmagadores, para os

outros órgãos de polícia criminal. É que, neste momento, se o projecto de

lei de organização criminal for para a frente com aquela formulação em

relação aos crimes tributários – elaborei uma formulação, que entreguei ao

Dr. Adelino Salvado, que não é exactamente a que foi aceite por ele –,

acontece que há uma sobreposição de competências entre a Polícia

Judiciária e os demais órgãos específicos.

É que a Polícia Judiciária não tem vocação para o combate aos

crimes tributários propriamente ditos. A Polícia Judiciária tem vocação é

para desmantelar grupos organizados no terreno e atacar as cabeças desses

grupos. É nesse momento que a Polícia Judiciária deve intervir, aliada,

consoante os casos, à DGCI, ou à Direcção-Geral das Alfândegas, ou à

Inspecção-Geral da Saúde, em cooperação institucional, desempenhando a

Policia Judiciária o papel, no terreno, de desmantelamento de grupos –

detenção, apreensões, recolha de prova, ataque à cabeça de grupo, àquilo a

que os ingleses chamam os bosses, o que é um problema no crime

internacional organizado –, confisco, detecção e confisco das vantagens do

crime e a utilização dos conhecimentos técnicos e periciais dos outros

órgãos específicos de polícia criminal, nomeadamente no âmbito da DGCI

e das alfândegas.

A experiência irlandesa é no sentido da existência de uma secção

altamente especializada que inclui dos mais qualificados magistrados do

Ministério Público e pessoas com diversas qualificações técnicas e

operacionais – polícias, técnicos, peritos – que actuam com uma finalidade,

o confisco de bens, o confisco de vantagens indevidas do crime. Por

exemplo, no protocolo, nunca ninguém fala em confisco de bens, ignora-se

completamente as directivas da União Europeia nessa matéria.

O que digo é que este não é um tipo de orgânica que dê à Polícia

Judiciária modernidade e capacidade de resposta, mas, sim, pela análise

que é feita por quem tem treino, está no terreno e tem experiência. Essas

pessoas não foram ouvidas. Foram ouvidas outras pessoas que são da

Polícia Judiciária mas que não têm o treino no combate a este tipo de

criminalidade e não perceberam os obstáculos na produção de prova

existentes no crime organizado internacional.

Nada é fácil, tudo é difícil, tudo são dificuldades. Estamos a falar de

um crime-indústria, de um crime altamente sofisticado que transpõe todas

as fronteiras. É um crime que envolve a necessidade de cooperação

internacional.

É muito difícil conseguir explicar isto, a esta hora, mas penso que

consegui dar uma pálida imagem do esforço que estava a ser feito.

Devo dizer que não encontrei esta estratégia naquilo que o Sr.

Director Nacional apresentou à 1.ª Comissão como sendo o seu programa

para a Polícia Judiciária, nem a encontrei lendo as actas.

Confesso que não foi discutido comigo nenhum quadro estratégico.

Não posso dizer que foi. Acreditei que ia haver alterações. Acreditei…

talvez na Secção Central de Vigilâncias, na Secção Central de

Branqueamento… Tudo bem, mas, se são essas as alterações, tenho estas

críticas a fazer.

Devo dizer que não tenho estas críticas a fazer por considerar que

deva ser a Directora Nacional da Polícia Judiciária – como já disse

publicamente, não tenho perfil para isso – ou porque tenha aspirações para

o efeito, é porque estou numa comissão de inquérito e tenho de

fundamentar as minhas posições. É isso que estou a fazer, porque isto é

«preso por ter cão e preso por não ter», ou seja, se não fundamento, é

porque são conversas de café e de corredor, se fundamento, é porque tenho

ambições excessivas.

Sei que, a meu respeito, a boa vontade não é grande, mas, enfim, há

que haver alguma objectividade.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr.ª Dr.ª.

Srs. Deputados, não há mais inscrições.

Antes de agradecer à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado o depoimento que

prestou, quero deixar claro que o prolongamento desta reunião deveu-se ao

que foi o critério definido pela Comissão, e não contestado por ninguém, de

não se coarctar e não se definir nenhum tempo para a prestação de

depoimentos. A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, depoente nesta reunião de

hoje, entendeu, no seu legítimo direito, que tinha muitas coisas para dizer e

disse-as livremente.

Agradeço aos Srs. Deputados terem-se mantido, apesar de tudo com

bastante disciplina e atenção ao longo destas mais de 7 horas de

depoimento da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, e em especial agradeço à Sr.ª

Dr.ª a abertura e a disponibilidade que teve para aguentar esta maratona,

seguramente, pelo menos, com prejuízo da sua tranquilidade física, e já não

falo da outra.

Vou despedir-me da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado e peço aos Srs.

Deputados para aguardarem mais uns minutos, porque temos dois

requerimentos na Mesa que eu gostaria de colocar à consideração da

Comissão.

A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Muito obrigada e boa noite.

Pausa.

Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, ao longo desta reunião, dois

requerimentos, sendo um subscrito por Srs. Deputados do PS, que

rapidamente passo a ler.

«As declarações produzidas pelo Sr. Dr. Pedro da Cunha Lopes e

pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado vieram justificar e adensar todas as

preocupações que levaram à criação desta Comissão de Inquérito e, pelo

seu significado e gravidade, exigem audição complementar do Sr. ex-

Director da Polícia Judiciária, Dr. Luís Bonina, e do Sr. Procurador-Geral

da República, Dr. Souto Moura.»

O segundo requerimento, subscrito pelo Sr. Deputado Francisco

Louçã, diz o seguinte: «Em função das declarações hoje proferidas pelo Sr.

Dr. Pedro da Cunha Lopes e pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, venho

requerer a audição complementar do Dr. Rui do Carmo, Subdirector do

CEJ (Centro de Estudos Judiciários), além do Dr. Luís Bonina e do

Procurador-Geral da República, Dr. Souto Moura.»

Foi também entregue na Mesa outro requerimento, que vou mandar

distribuir mas que também passo a ler para ganharmos tempo, apresentado

pelo PSD e pelo CDS-PP.

«Tendo em conta o enorme relevo para o apuramento da verdade dos

factos e para a análise dos elementos processuais relativos ao processo de

furto de documentos de identificação do Ministério dos Negócios

Estrangeiros aludido no depoimento do Dr. Pedro da Cunha Lopes, os

Deputados signatários requerem que seja solicitada certidão do processo

em causa à Polícia Judiciária (DCCB).»

Srs. Deputados, ainda que haja qualquer tipo de segredo, isso caberá

à entidade requerida vir ou não alegá-lo perante a Comissão, e esta, depois,

deliberará de acordo com as informações que lhe forem prestadas, em

conformidade com os seus direitos legais.

Coloco estes requerimentos à consideração dos Srs. Deputados,

sendo certo que, para me manter fiel ao critério que referi desde o início

desta Comissão, a menos que todos os Deputados entendam que há

condições de se proceder à votação destes requerimentos – e neste

momento falta a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que teve de se ausentar e que

a meio da tarde me comunicou esse facto –, é meu entendimento que a

votação fique para amanhã. De qualquer maneira, gostaria de ouvir os Srs.

Deputados.

Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, mesmo antes de o

Sr. Presidente ter feito essa alusão, eu ia sugeri-lo, até porque os

requerimentos surgem na sequência de depoimentos que acabámos de

ouvir. Foram muitas horas de trabalho e talvez conviesse reflectir um

pouco sobre os documentos e sobre as próprias propostas e pedidos que nos

são feitos. A ter que votar agora, fá-lo-ia, como é evidente, mas não vejo

nenhum inconveniente, antes pelo contrário, em podermos votar amanhã e

podermos analisar mais detalhadamente os pedidos que são feitos,

cotejando-os, até, com a memória que temos da audição que foi feita.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para lhe

manifestar a nossa anuência em relação à sugestão que formula.

Aliás, era nosso propósito avançar com uma proposta concreta nesse

sentido porque, de facto, não faz sentido neste momento votar esses

requerimentos. Há audições que estão já agendadas para amanhã e o

momento azado para a pronuncia sobre a oportunidade ou não da votação

desses requerimentos deve ter lugar após essas audições.

Daí que, em sintonia com o que o Sr. Presidente adiantou e o

Deputado Telmo Correia sufragou, nós também comunguemos desse ponto

de vista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, damos o nosso acordo a

esta hipótese de trabalho e iremos apresentar mais requerimentos sobre

algumas das matérias que foram agora trazidas ao debate, para

esclarecimento da Comissão de Inquérito.

O Sr. Presidente: - Então, solicitava ao Sr. Deputado Alberto Martins

e a todos os outros Srs. Deputados, para amanhã não virmos de novo a ser

confrontados com uma situação similar, que logo desde o início da reunião

tivessem o cuidado de anunciar e entregar na Mesa, se for possível, esses

requerimentos.

O que eu não queria era que fosse gorada a expectativa que foi

criada, nomeadamente na última reunião, e foi isso que me levou a dizer o

que disse antes de ouvir os Srs. Deputados. A expectativa era a de que as

audições eram estas e que depois de elas terminarem a Comissão

ponderaria sobre a necessidade, ou não, de proceder a novas audições. Daí

eu entender, por exemplo, que a ausência da Sr. Deputada Isabel Castro,

que representa uma força política neste Parlamento, levaria a que, em

sintonia com essa lógica e com a boa fé da Sr.ª Deputada, presumo eu, a

votação não se devia fazer na sua ausência.

Assim, folgo em saber que é esse também o entendimento

generalizado da Comissão e, portanto, fica apenas o meu pedido aos Srs.

Deputados para, caso venha a acontecer que pretendam apresentar mais

requerimentos, como anunciou agora o Sr. Deputado Alberto Martins, que

o tentem fazer logo na parte da manhã, pelo menos, se possível no início da

reunião, a fim de que eu tenha hipótese de comunicar a todos os Srs.

Deputados que porventura não estejam cá nesse momento que existe

determinado tipo de requerimentos e é vontade da Comissão, no final das

audições, proceder à respectiva votação.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é apenas para uma nota

indicativa. Estando de acordo com isso, evidentemente que alguns

requerimentos serão suscitados pelo próprio desenrolar dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Obviamente que percebo essa circunstância.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é no sentido de dizer

que, concordando com tudo o que foi dito, há determinado tipo de

requerimentos relativamente aos quais preferimos aguardar pelo

depoimento do Sr. Desembargador Adelino Salvado e, portanto, fica desde

já ressalvado o direito de, na sequência desse depoimento, podermos

requerer alguma coisa.

O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a reunião, diria apenas, em jeito

de síntese, que face ao que acabou de ser dito pelos Srs. Deputados, eu

próprio tomarei iniciativa de amanhã, no início da reunião, avisar todos os

Srs. Deputados. É evidente que os presentes já estão avisados e entendo-o

como tal. Parece-me que se trata apenas da Sr.ª Deputada Isabel Castro,

mas amanhã terei o cuidado de lhe comunicar que há vários requerimentos

que serão colocados à discussão e votação no final da audição da tarde de

amanhã e assim penso que todos ficarão de sobreaviso.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, tenho apenas uma

dúvida e pedia a sua atenção. Se a Comissão entender que há audições a

fazer, pela natureza dos depoimentos que forem trazidos aqui, deveria

ponderar-se se esses depoimentos não deveriam ser feitos antes da vinda da

Sr.ª Ministra da Justiça. Evidentemente que ela pode vir cá mais do que

uma vez, mas creio que essa hipótese seria ponderável. Porém, o Sr.

Presidente verá e porá essa questão à Comissão amanhã, se o entender.

O Sr. Presidente: - Amanhã, no início da reunião, posso perguntar a

opinião dos Srs. Deputados, mas chamo a atenção de que há declarações

que ninguém ignora de vários Srs. Deputados, e eu também não posso

ignorar até indicação em contrário. Foram os Srs. Deputados que marcaram

as audições que temos em curso que declararam que, relativamente a outro

tipo de audições, só após estas é que ponderariam a sua aceitação ou não.

De qualquer maneira, tomei boa nota da sua questão e da mesma

maneira que amanhã de manhã não deixarei de dar indicação à Sr.ª

Deputada Isabel Castro, imediatamente distribuirei à Comissão todos os

requerimentos que deram entrada, permitindo-me ainda colocar à

ponderação da Comissão se existe ou não assentimento generalizado para

que, porventura, possa haver a votação de um requerimento no final da

manhã. Se não for esse o caso, a votação far-se-á no final da audição

marcada para a tarde.

Está encerrada a reunião.