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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AOS ACTOS DO XV GOVERNO CONSTITUCIONAL QUE LEVARAM À DEMISSÃO DE
RESPONSÁVEIS PELO COMBATE AO CRIME ECONÓMICO, FINANCEIRO E FISCAL, TRÊS MESES DEPOIS DA SUA
NOMEAÇÃO
(Reunião de 5 de Novembro 2002) - 2ª. Parte -
Audição de: Dr.ª Maria José Morgado, ex-Directora Nacional Adjunta da Polícia Judiciária
Presidente: Luís Marques Guedes (PSD) Oradores: Eduardo Cabrita (PS) Isabel Castro (Os Verdes) Francisco Louçã (BE) António Filipe (PCP) Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) Jorge Neto (PSD) Alberto Martins (PS) Luís Montenegro (PSD) José Magalhães (PS) Odete Santos (PCP) Osvaldo Castro (PS) Jorge Lacão (PS) Telmo Correia (CDS-PP) Adriana de Aguiar Branco (PSD) Marques Júnior (PS)
Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Já temos entre nós a Dr.ª Maria José Morgado, a quem agradeço a
pontualidade, pois estava no Palácio às 15 horas em ponto.
Como os Srs. Deputados sabem, vamos cumprir a metodologia de
trabalho igual à desta manhã. Peço-vos que tentem manter a mesma
disciplina que foi possível durante a audição anterior, com duas excepções
por parte dos Deputados Eduardo Cabrita e Jorge Neto a quem peço que
tentem conter-se, à semelhança dos outros Srs. Deputados, para que seja
possível não só a prestação de todos os esclarecimentos por parte da Sr.ª
Dr.ª Maria José Morgado como ainda a participação de todos os Srs.
Deputados que entendam usar da palavra durante esta audição.
Já há duas inscrições, a primeira das quais é do Sr. Deputado
Eduardo Cabrita, a quem dou a palavra de imediato.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, tentarei cooperar com a
sua recomendação a bem da eficácia dos trabalhos.
Começo por saudar a Dr.ª Maria José Morgado pela sua comparência
nesta Assembleia, agora num quadro diferente do anterior, no de uma
comissão de inquérito, visando apurar a verdade relativamente aos actos do
Governo, designadamente da Sr.ª Ministra da Justiça, com incidência na
estrutura directiva da Polícia Judiciária e na estratégia de combate ao crime
económico, financeiro e fiscal.
Colocarei um conjunto de questões que se prendem,
fundamentalmente, com domínios relativamente aos quais a Sr.ª Dr.ª
invocou legitimamente o segredo profissional, quando aqui esteve no
quadro de uma reunião aberta.
No que se refere a outras questões, não farei mais do que referências
indirectas, dado que as declarações então prestadas estão juntas aos autos e
caberá à Sr.ª Dr.ª considerá-las como reproduzidas e, se entender,
acrescentar alguma clarificação relativamente a matérias sobre as quais não
invocou o segredo profissional.
Em primeiro lugar, há aqui uma dúvida que julgo que todos temos.
Conhecemos temporalmente a altura em que se verificou o seu pedido de
demissão: estava em gozo de férias num local de onde enviou o fax, no dia
27 de Agosto. No entanto, que circunstâncias, ocorridas num período em
que, como declarou, manteve um contacto regular, quase diário, quer com
os operacionais da estrutura que dirigia quer com o Sr. Director Nacional,
determinaram esta decisão de, em férias, apresentar o seu pedido de
demissão nos termos que são de todos conhecidos?
Em segundo lugar, falou em divergências com o Director Nacional
sobre questões estratégicas e em divergências estratégicas relativamente às
orientações que sentia estarem a ser cometidas à Polícia em matéria de
combate ao crime económico, financeiro e fiscal.
Em que se traduzem estas divergências? Relativamente a que
projectos concretos, a que definição de prioridades num contexto sempre
marcado pela falta de meios para desafios vastos, se traduziam estas
divergências?
Em terceiro lugar, referiu que era fundamental o apoio interno e
externo. Apoio externo no sentido de apoio político que disse não sentir da
parte da Sr.ª Ministra da Justiça quanto à continuação do combate que
vinha travando. Apoio interno por parte do Director Nacional que, segundo
disse no seu depoimento, deixou progressivamente de sentir.
Por outro lado, se não aqui, em declarações à comunicação social,
disse, a determinada altura, que essa sensação de perda de apoio foi notória,
não desde o início mas, sobretudo, a partir do mês de Junho.
É possível precisar melhor relativamente a que circunstâncias, a que
processos certamente importantes localiza essa sensação de perda de um
apoio interno que anteriormente julgava existir?
Em quarto lugar, cabe à Polícia Judiciária apoiar o Ministério
Público relativamente a processos relevantes mesmo depois da conclusão
da fase de investigação. Tanto quanto sei – e hoje mesmo falámos disso
aqui, da parte da manhã, com o Dr. Pedro Cunha Lopes –, relativamente a
processos importantes, esse apoio era levado mesmo a um
acompanhamento dos magistrados do Ministério Público em fase de
julgamento, acompanhamento esse feito através de contactos, de presença
no julgamento.
Gostaria que, relativamente à DCICCEF, me desse nota de qual o
tipo de processos em que aquele acompanhamento era feito.
Designadamente no que respeita a um processo sobre o qual invocou
segredo profissional, o chamado «caso Moderna», gostaria de saber se
havia esse acompanhamento, em que termos era feito e se nalgum
momento foi determinada, e em que termos, uma alteração da forma de
acompanhamento.
Passo à quinta questão. Tem sido várias referido que, da intervenção
do Director Nacional, e, num caso, na sequência de um pedido de
informação por parte de um membro do Governo, concretamente da
Ministra das Finanças, resultaram interferências na gestão de meios que
levariam a uma alteração de prioridades de investigação com prejuízo da
própria investigação desenvolvida.
Se é assim, em que termos e em que medida é que é possível
substanciar tais alterações de prioridades por intromissão do Director
Nacional ou por intromissão externa, com consequências relativamente à
afectação de meios a investigações em curso.
Passo à sexta questão. Foi referida publicamente, nomeadamente em
depoimento aberto do Dr. Pedro Cunha Lopes, logo em Maio, aquando da
formação da equipa dirigente, quando o Dr. Adelino Salvado foi convidado
para exercer as funções de Director Nacional da Polícia Judiciária, a
existência de convites a outros magistrados para ocuparem as funções que a
Sr.ª Dr.ª então exercia na Polícia Judiciária. O Dr. Pedro Cunha Lopes
afirmou ter sido convidado, mas foram referidos outros convites.
Pergunto-lhe, pois, se teve conhecimento desses convites e,
designadamente do que foi declarado em reunião aberta de comissão
segundo o que a Sr.ª Ministra da Justiça não via com bons olhos a sua
continuação na DICCEF. Gostaria de saber se tem conhecimento do facto
de essa circunstância ter sido falada, quer em termos públicos, quer no
meio da magistratura, quer mesmo entre altas entidades de Estado com
responsabilidades relativamente ao sector da justiça.
Que interferências são essas? Em que momento teve conhecimento
deste tipo de intervenções?
Passo à última pergunta, sistematizando. Não tanto no seu
depoimento anterior em comissão mas em declarações à comunicação
social, referiu com particular ênfase determinadas investigações nos
domínios do crime económico, financeiro e fiscal, nomeadamente:
investigações a fraudes relacionadas com o IVA, a crimes relacionados
com impostos especiais sobre o consumo de álcool, de tabaco, a crimes
relacionados com imposto sobre combustíveis; disse que esse tipo de crime
tem hoje uma gravidade comparável, se não mesmo superior, a formas
tradicionais de crime como os ligados à droga; disse, ainda, que, nessa
matéria, a perda de apoio que sentiu traduziu-se não só em efeitos sobre a
investigação, sobre a motivação dos operacionais da Polícia Judiciária mas
também, como referiu numa entrevista, pôs em causa investigações em
curso e, designadamente, a utilização de arrependidos indispensáveis ao
apuramento da verdade nalguns desses processos.
Ora, perante isto alguma vez teve a sensação – e, em caso afirmativo,
a partir de que momento – de que as investigações que a Polícia Judiciária
estava a desenvolver estavam a pôr em causa altas figuras ligadas à
administração fiscal, empresas e entidades com relevantes interesses
económicos, advogados, consultores fiscais com estreitas ligações à
administração fiscal ou integrantes da mesma em momentos anteriores e
que se tivessem sentido postos em causa por investigações desenvolvidas
nestes domínios específicos, que tão profundamente enfatizou, ligados ao
combate ao crime económico, financeiro e fiscal?
Termino aqui as perguntas e apenas acrescentarei três pedidos de
elementos que foram referidos na ocasião anterior em que veio depor à
comissão e que não nos foi possível pedir formalmente, a saber: o relatório
da DCICCEF referente a 2001, o qual quisemos pedir oficialmente; o
relatório de um grupo de trabalho multidisciplinar, relatório esse que foi
apresentado ao então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e que era
relativo a matéria de combate ao crime económico; e diversos relatórios de
instâncias internacionais sobre a matéria e os que considerasse relevantes
certamente e que seriam muito úteis para o trabalho desta Comissão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado (ex-Directora Nacional Adjunta da
Polícia Judiciária): - Agradeço a atenção dos Srs. Deputados.
Previamente, tenho a referir que me considero numa situação de
dever de colaboração com a descoberta da verdade nesta Comissão e que a
única limitação às minhas revelações é o eventual dano que daí poderia
advir para a investigação criminal, para a prevenção ou para a segurança
dos seus investigadores. Tirando essas eventualidades, farei todas as
revelações que considero necessárias dentro do interesse preponderante da
descoberta da verdade, a verdade verdade.
Todos sabemos que, nos processos, há uma verdade formal, uma
verdade material – não sei se também vou aprender alguma verdade
parlamentar –, mas a verdade que quero revelar aqui é a verdade verdade.
Quanto às questões que o Sr. Deputado me colocou, julgo que tenho
direito a uma resposta proporcional.
As questões que o Sr. Deputado amavelmente me colocou julgo que
têm direito a uma resposta proporcional: envolvem toda a história da minha
actuação, das prioridades definidas, em matéria de prevenção, em matéria
de investigação criminal, em matéria de apoio à investigação criminal, em
matéria de tipologias de crime, em matéria de análise dos modus operandi e
correspondente adaptação dos meios de prova, em matéria de adopção de
uma atitude não tradicional para diminuir o impacto da corrupção e da
fraude financeira internacional.
E explicar tudo isto é muito complexo; mas explicar tudo isto
simultaneamente e explicar e rebobinar é, como no branqueamento,
começar da frente para trás. O que é que aconteceu no dia 27 de Agosto? E
por que é que aconteceu no dia 27 de Agosto? E quem é que escolheu que
acontecesse no dia 27 de Agosto? Se fui eu ou se houve alguma
sobreposição à minha vontade, ainda torna mais complexa esta tarefa.
Enfim, vou lembrar-me das dificuldades de análise no combate ao
crime económico, que é sempre velado, indirecto, complexo, inovador,
mutante e não tem cara. Vou lembrar-me de todas essas dificuldades e fazer
um esforço, para ver se consigo descobrir alguma capacidade de conseguir
tratar destas questões em termos minimamente satisfatórios e
esclarecedores.
Começando com o pedido de demissão, Srs. Deputados, poderia
talvez dizer isto: inicialmente, eu tinha um compromisso para ficar; a partir
do dia 27 de Agosto, fiquei com um compromisso para partir da Polícia
Judiciária.
Compromisso para ficar, compromisso para partir – e isto não é
nenhuma telenovela (aliás, não vejo telenovelas), mas reconheço que há
qualquer coisa de rocambolesco nisto, mas não sou eu a «produtora» deste
filme. Aliás, nada disto aconteceu em circunstâncias normais, nada disto
aconteceu num quadro da normalidade, e, até hoje, não domino tudo o que
aconteceu em termos factuais.
Ora bem, começando pelo compromisso de partir: já sei que tenho
fama de ter mau génio, alguém, porventura, estará interessado em fazer-me
passar por intratável, mas não foi nada disso que aconteceu.
No dia 27 de Agosto, aliás, quando fui para férias, deixei prioridades
definidas e deixei investigações prioritárias no terreno (e sem danificar os
interesses da investigação), das quais uma delas tinha a ver com um dos
alvos mais importantes neste país em termos de contrabando organizado de
cigarros, de tráfico de droga e outro tipo de fraudes internacionais, e uma
outra investigação tinha a ver com entregas controladas em matéria de
fraude ou de IEC.
Portanto, tratava-se tudo de fraudes de índole internacional, a serem
investigadas por uma pequena brigada de cinco pessoas (porque é assim
que se trabalha na Polícia Judiciária, pelo menos, foi assim que eu
trabalhei), das quais uma delas estava a ser operada e outra estava de férias,
estando a brigada reduzida a três pessoas, e tinha de haver rigor e uma
atitude drástica no cumprimento desses objectivos, até porque estas duas
investigações punham em causa a cooperação da Polícia Judiciária com a
Brigada Fiscal e com a Direcção-Geral das Alfândegas, pois tratava-se de
investigações a serem executadas por meio de equipas multidisciplinares, o
que era uma experiência nova a ser desenvolvida na DCICCEF por minha
iniciativa. Efectivamente, fiz uma reunião com o DCIAP, fiz uma reunião
com o Sr. Coronel Vitória, da Brigada Fiscal, e pus em marcha estas
equipas multidisciplinares, perante o pessimismo do Sr. Director Nacional,
Dr. Adelino Salvado, que me foi dizendo pelo telefone «Sr.ª Dr.ª, isso não
dá nada!…». Mas, dando ou não dando, era aquela a minha opção.
Tinham ficado tarefas definidas, de recolha de prova, de recolha e
análise de informação, nesses dois inquéritos que corriam na Secção de
Contrabando Organizado, uma secção com 10 pessoas - não são 100; são
10 pessoas!
Ora bem, tinha ficado também, para os 15 dias de férias que eu tinha
tirado, a recolha de prova e o desenvolvimento do processo da corrupção
nas finanças, que estava em desenvolvimento depois de uma última
operação de recolha de prova que se tinha desencadeado, lembro-me
perfeitamente, no dia 3 de Abril e que era um processo muito sensível.
Nesse processo, punha-se a questão da colaboração através de
agentes colaboradores, de gente que, do interior do sistema, entregasse
provas, colaborasse na descoberta da verdade através de meios de prova. É
talvez dos processos mais importantes que, nesta matéria, houve no País.
Um processo onde estão a ser investigadas cento e tal empresas, onde, à
data em que eu saí, havia a quebra do sigilo bancário de mais de 100 contas
bancárias, e um processo a ser investigado por cinco (cinco!)
investigadores, neles se incluindo a chefia operacional, o inspector-chefe -
cinco pessoas!
Portanto, este era o programa para os meus 15 dias de férias. Havia
também o processo da nandrolona, a ser investigado pela secção do
contrabando (tinha decidido colocá-lo nessa secção por causa de questões
referentes a tráficos, neste caso, de nandrolona). Tratava-se tudo de crime
organizado, crime internacional, fraudes de grande danosidade, que
utilizavam a corrupção como instrumento fundamental de consumação do
crime.
Fui para férias preocupada, mas tinha de ir, porque há um ano e meio
que não parava. Todavia, combinei com a Sr.ª Subdirectora, Dr.ª Mariana,
todos os dias, fazer um ponto de situação, de manhã, no início do dia, e ao
fim do dia, para me manter actualizada.
De acordo com esse ponto de situação, ia falando, por minha
iniciativa, com o Sr. Director Nacional, porque, nessa data, ou eu falava por
minha iniciativa com o Sr. Director Nacional ou o Sr. Director Nacional era
como se eu não existisse ou fizesse parte do pessoal operário e auxiliar da
Polícia Judiciária. Isto é uma consideração minha, mas, de facto, ele não
tomava iniciativas de me procurar, de pedir uma opinião, de se inteirar
sobre as linhas de orientação, as prioridades e os acontecimentos no terreno
- é que estávamos ali numa frente de batalha.
Assim, desde que fui para férias - e, antes de ir para férias, despedi-
me do Sr. Director Nacional -, todos os dias, depois de falar com a Sr.ª
Subdirectora, eu ligava ao Sr. Director Nacional, até porque, durante as
férias, foram ocorrendo coisas surpreendentes e inexplicáveis, até aos dias
de hoje, para mim (ou, pelo menos, não explicáveis de forma lógica e
clara).
Mas indo ao compromisso para sair: no dia 27 de Agosto, toca o
telefone, passava das 10 horas e ainda não eram 10 horas e 30 minutos -
enfim, é uma casa em férias, em que as pessoas se levantam mais tarde,
estava eu, o meu marido…
O Sr. Alberto Martins (PS): - Em que dia foi, Sr.ª Dr.ª?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Dia 27 de Agosto, depois das 10
horas e antes das 10 horas e 30 minutos, Sr. Deputado, aí por volta das 10
horas e 20 minutos.
Lembro-me perfeitamente, porque eu estava preocupada, uma vez
que, na véspera, tinha havido uma reunião sobre ajudas de custo e
prevenção activa, a Polícia estava numa situação de confusão e discussão a
esse respeito, por causa dos últimos regulamentos produzidos nessa matéria
– aliás, eu própria tinha dúvidas acerca das práticas a adoptar.
Devo dizer que na DCICCEF nunca houve problemas com ajudas de
custo, nem com dinheiros, nem com prevenções activas, não havia «rabos
de palha». No entanto, no mês de Julho, tinha entrado em vigor um
regulamento que obrigava a determinados procedimentos novos,
relativamente difíceis de compreender pela maneira como tinham sido
adoptados, e isso tinha suscitado dúvidas.
Portanto, tinha havido uma reunião na véspera e eu tinha dito à
Subdirectora «ó Dr.ª Mariana, se for preciso eu vou aí», ao que ela me
respondeu «não, não é preciso, então para que é que há subdirectores?!». E
eu disse «está bem; então, a Dr.ª Mariana veja lá o que é que se passa e,
amanhã, diga-me».
Devo dizer que o Sr. Director Nacional nunca travou a menor
análise, a menor discussão, o menor confronto, o menor contraditório,
qualquer abordagem, nesta matéria, comigo. Nunca! Até à minha saída e
muito menos depois da minha saída.
Entre as 10 horas e as 10 horas e 30 minutos, deviam ser 10 horas e
20 minutos, toca o telefone e quem é? É o Dr. Adelino Salvado. Fiquei logo
preocupada, porque achei que a iniciativa do telefonema dele não
representava uma boa notícia, e disse: «Sr. Director, faça o favor de dizer».
O Sr. Director Nacional, como de costume, fazia sempre umas grandes
encenações nas suas intervenções comigo e disse-me «Sr.ª Dr.ª, esta noite
não dormi» (começava sempre assim quando havia problemas) e eu disse-
lhe: «tem graça, porque eu também não; estou preocupada, se calhar, isto é
transmissão de pensamento» - a conversa foi mesmo assim.
Diz-me o Sr. Dr. Adelino Salvado: «Eu vou mudar isto tudo, de alto
a baixo! Já sei que a Sr.ª Directora não vai concordar…» - isto é taxativo -
«… e, portanto, está liberta do nosso compromisso», que era o
compromisso que ele me tinha pedido para jamais, em caso algum,
acontecesse o que acontecesse, pedir a cessação da comissão. «Está liberta
do nosso compromisso, Sr.ª Dr.ª Maria José», disse-me.
Bom, eu sempre tive muita relutância em contar isto, mas devo fazê-
lo, em nome do respeito que merecem os Srs. Deputados e o dever de
verdade. «Como personalidade de prestígio…» - acho até um bocado
caricato este tipo de conversa, mas foi assim - «… a Dr.ª Maria José, faz
favor, pede a cessação da comissão, em vez de ser eu a fazê-lo. Tenho já
uma pessoa para o seu lugar com um perfil idêntico,…» - como se vê, até
porque a minha demissão foi aceite na quinta-feira e essa pessoa com o
perfil idêntico (pode ser mais alta e mais forte, mas terá o perfil idêntico e o
sexo oposto…) tomou posse na segunda-feira, portanto, o que se vê é que
ninguém foi apanhado de surpresa, tudo isto foi pensado - «… pelo que a
Dr.ª Maria José, como personalidade de prestígio, talvez seja melhor
colocar a sua comissão à disposição». E eu disse: «Sr. Director
Nacional,…» - sempre o tratei muito cerimoniosamente - «… sim senhor,
isto é uma questão de minutos. Por acaso, não tenho aqui papel, os
computadores acabaram com o papel, nem tenho fax, nem Internet, mas
redijo já o meu pedido de cessação da comissão. Gostava de saber os
motivos…», ao que ele me respondeu: «Não, não vale a pena». Continuei,
«Sr. Director Nacional, estou a 40 minutos de Lisboa, posso ir a Lisboa
falar consigo, as minhas férias terminam segunda-feira,…» (era uma terça-
feira) «… mas eu gostava de falar consigo».
O Sr. Director Nacional, na 1.ª Comissão, falou muito de conversas
«olhos nos olhos», mas comigo foi «ouvidos nos ouvidos», que é outra
modalidade. Embora eu tivesse insistido «gostava de falar consigo,
perceber isto…», ele disse-me «não vale a pena». Vi que ele já tinha
passado à fase seguinte, já praticamente não me ouvia, já não tinha tempo
disponível para mim, e, então, eu disse: «Pronto, Sr. Director Nacional,
muito bem, tem o meu compromisso em como eu peço a cessação da
comissão».
Desliguei, fiquei a pensar em tudo o que ficava para trás, nas pessoas
que, súbita e aparentemente, eu tinha abandonado naquele momento, mas
era irreversível, eu não tinha escolha. Havia um autor moral para isto, há
um autor material para isto - sou eu, eu pedi a demissão. Sempre o assumi,
sou uma pessoa com ética e, a partir do momento em que assumo a
responsabilidade de pedir a demissão, é evidente que sou eu que peço a
demissão. Mas o dia, as circunstâncias, a hora e a ponderação das
consequências não me pertenceram.
Fiquei a pensar se devia vir a Lisboa, se não devia, e cheguei à
conclusão de que não viria fazer nada a Lisboa senão confrontar-me com
aqueles que tinham colaborado e lutado comigo na primeira linha de
combate à fraude internacional e à corrupção, confrontar-me com uma
situação já irreversível - aliás, os telefonemas começaram a «chover» horas
depois - e decidi, eram dez horas e tal, depois de pensar umas quatro horas,
que não valia…
Se me perguntarem quem são as testemunhas deste telefonema, é
evidente que são as testemunhas das 10 horas da manhã, num dia de férias.
Estava o meu marido presente e a Professora Lúcia Amaral, que estava a
passar férias connosco em casa, que perceberam perfeitamente o meu
drama. Porque é dramático abandonar, saltar assim de uma direcção
central, que conduzia com seriedade, com objectivos, com prioridade, com
sacrifício.
Passava já das duas horas da tarde, os correios estavam fechados,
resolvi mandar um fax da Junta de Turismo da Ericeira, que tenho aqui para
entregar à Comissão – aliás, este fax apareceu no Público e não fui eu que o
entreguei, alguém suficientemente ansioso para o efeito o entregou, mas
também não me interessa quem -, em que digo: «Apresento a minha
demissão do cargo de DNA da PJ a partir desta data». Às cinco da tarde,
telefono ao Dr. Adelino Salvado, a confirmar o envio do fax. O Dr. Adelino
Salvado, na altura, diz-me que ainda não tinha recebido qualquer fax,
perguntando-me o que é que se passava, e eu disse-lhe: «Então, é melhor
procurar, se calhar já anda a ‘passear’ pelas redacções dos jornais, porque
eu já o mandei há três horas».
O Dr. Adelino Salvado mostrou-se exasperado por eu ter apresentado
um pedido de demissão, porque o que estava combinado era um pedido de
cessação da comissão, e eu disse-lhe que para o caso tanto importava,
porque o que me importava era o resultado, e a esse respeito não valia a
pena discutirmos formalidades.
Pedi-lhe encarecidamente, e pela última vez, talvez até um bocado
estupidamente, que me dissesse o que é que tinha corrido mal, quais eram
as razões, porque ando neste mundo por valores e gostava de saber. A
resposta do Dr. Adelino Salvado – eu sei que em relação a tudo isto é a
minha palavra contra a dele, mas é assim, e as pessoas valem o que valem –
foi: «Não me massacre a mim, nem a si. Deixe-me. Pergunte aos seus
colegas». Eu disse-lhe: «Sr. Director, o meu compromisso era consigo, não
era com os meus colegas» e devo dizer que ele queria referir-se ao Dr. José
Branco e ao Dr. João Vieira, que vieram com ele para a Polícia Judiciária e
que são o braço direito para tudo e mais alguma coisa em relação a ele, e,
porventura, pareceu-me ofendido por eu não falar com os meus colegas a
este respeito, delegação essa que eu não aceitava, porque era a ele que
reportava. A partir daí, o Dr. Adelino Salvado nunca mais me atendeu,
nunca mais me recebeu, nunca mais aceitou falar comigo.
Passei um dia horrível e, na quinta-feira, resolvi vir a Lisboa e enviei
por fax, dirigido da Alexandre Herculano, da DCICCEF, porque se
levantava uma grande celeuma na imprensa a respeito da minha
demissão… Havia uma ambiente de Titanic na DCICCEF, porque ninguém
compreendia como é que isto tinha acontecido assim subitamente, sem
qualquer explicação, com tudo a correr bem, com a Polícia Judiciária no
combate ao crime económico prestigiada, com investigações a decorrerem
a meio… Aliás, deixei tudo a meio, basta dizer que nem o meu gabinete
tive tempo de arrumar, quanto mais o resto.
E perante esse ambiente de Titanic e, porventura, numa última
tentativa de proteger os operacionais, de evitar represálias – o Dr. Adelino
Salvado chamava-me muito «mãe ursa», internamente criticava-me por
proteger demais os operacionais, porque publicamente acusa-me de
protagonismo, que é outra história -, porventura eu própria, quando pedi a
demissão, não tinha o domínio funcional do facto e como não sabia que
interpretações se podiam fazer a respeito do meu pedido de demissão,
enviei um fax ao Director Nacional, fax esse que hoje foi entregue por
alguém às televisões, não por mim, mas já o ouvi ler nas televisões, em que
acentuei que o pedido de demissão se enraizava em divergências de
estratégia operacional e de organização da DCICCEF e que não havia uma
interpretação de natureza política a fazer sobre esse pedido.
Mas esse repúdio de interpretação política é a respeito do meu
pedido e não a respeito das iniciativas de terceiros que me colocaram nesta
fatalidade e nesta posição irreversível. A carta é assinada por mim e o que
eu digo é que, quando fiz aquele pedido de demissão, não tive intenções
políticas. Porque, a certa altura, eu já não sabia para onde é que o Dr.
Adelino Salvado me estava a empurrar, porque recebo, no sossego das dez
e tal da manhã, em minha casa, um telefonema que me sussurra: «Peça a
cessação da comissão». E quando vejo todas as especulações que surgem
depois, sinto necessidade de acentuar o dever de neutralidade de uma
magistrada, mas isto é um facto da minha esfera de actuação, não é da
esfera de actuação do Dr. Adelino Salvado, da Sr.ª Ministra ou de quem
quer que seja que, porventura, esteja implicado nesta história.
Como eu disse, houve um autor moral, houve um autor moral: eu fui
autora material, eu executei! Mas a iniciativa não me pertenceu, a avaliação
das circunstâncias não me pertenceu e eu não percebia o que estava a
acontecer. Isto quanto às razões de natureza política.
Eu não tinha razões de natureza política e não podia ser acusada de
estar a fazer um pedido de cessação da comissão, para, depois, o explorar
politicamente, simplesmente aqueles que apontam esta carta como uma
explicação dos seus comportamentos, estão enganados numa coisa: é que
esta carta explica o meu comportamento, esta carta é assinada por mim, não
é assinada por mim, pelo Dr. Adelino Salvado e pela Dr.ª Celeste Cardona.
É uma carta assinada por mim, e quem não tinha intenções políticas era eu,
mais ninguém! O resto não sei, o resto não me diz respeito.
Aliás, o Dr. Adelino Salvado, quando me propõe a cessação da
comissão, tem a certeza de três coisas. Quais são? O protocolo de acesso às
bases de dados e de cooperação entre a Polícia Judiciária, DGAIEC, a DGI,
a DGCI, a Brigada Fiscal, etc., etc. Esse protocolo começou a ser
trabalhado por ordem do Sr. Director Nacional a partir do dia 12 de Agosto
– eu fui para férias no dia 8 de Agosto -, sendo que eu tinha bytes de
análise sobre esta matéria, havia dois grupos de trabalho na UCLEFA a
trabalhar nesta matéria, havia projectos de protocolo a serem elaborados
pela UCLEFA, havia gente com treino e experiência – isso posso entregar a
esta Comissão –, com análises também nessa matéria, e o Sr.
Desembargador espera que eu vá para férias para pôr operacionais da
polícia, que não têm treino, nem experiência, nem tão-pouco perfil, a
trabalhar nesta matéria do protocolo.
Com base em quê? Plagiando os instrumentos teóricos que eu lhe
tinha mandado, ou seja, plagiando o relatório de actividades da UCLEFA, o
relatório de actividades da UCLEFA para 2002, o relatório do grupo de
trabalho da UCLEFA sobre o dever de sigilo e o acesso às bases de dados,
o relatório sobre a criminalidade do grupo de trabalho sobre a
criminalidade económica, financeira e fiscal do subgrupo de trabalho
dirigido pela Polícia Judiciária e um outro relatório e as conclusões de um
grupo de trabalho que eu tinha dirigido no ano 2000/2001 sobre as
tipologias da criminalidade económica, financeira e fiscal e os acessos às
bases de dados.
O Dr. Adelino Salvado, absorvendo os conhecimentos desse
relatório, faz um projecto de protocolo, que, se me perguntarem a esse
respeito, direi que é um nado-morto, é um acesso à informação sem
operacionalização dessa mesma informação e com indiferença completa e
com violação das recomendações internacionais nessa matéria. Basta dizer
que nem sequer se fala em detecção e confisco de bens produto de
branqueamento e de actividades criminosas e vantagens do crime. Mas isso
é matéria para vermos à parte.
Mas no dia em que o Sr. Desembargador me propõe este
comportamento, há o projecto de protocolo que estava já em marcha, há a
alteração da Lei Orgânica da Investigação Criminal, que inclui a atribuição
da competência à Polícia Judiciária no combate ao crime tributário, em
moldes semelhantes àqueles que eu propus ao Sr. Desembargador, mas
com alterações, que são graves e que possibilitam alguma desorientação ou
que vão originar alguma desorientação, no ataque à fraude e à corrupção,
mas isso é matéria para ver à parte.
Portanto, havia o protocolo, o alargamento das competências da Lei
Orgânica da Polícia Judiciária, o projecto financeiro da Polícia Judiciária,
que estava a ser apresentado e negociado com a tutela à data, segundo me
disse o Sr. Desembargador em funções de Director Nacional da Polícia
Judiciária, e havia no terreno – e disso o Sr. Director Nacional tinha a
certeza, porque eu lhe tinha prestado contas – três operações preparadas.
Quais eram? A da fraude da Samsung, que foi desencadeada em Setembro;
a do combate à corrupção na Brigada de Trânsito, para a qual eu tinha
criado uma brigada especial desde 22 de Fevereiro de 2001; e ainda uma
outra, que estará latente, e estava com os elementos de prova preparados e
só por falta de meios é que não se tinha avançado, que dizia respeito às
fraude nos laboratórios, que era a continuação da fraude nas farmácias.
Penso que é legítimo eu concluir que, nesse dia, o Sr. Director
Nacional concluiu que a resposta «não digam que eu não quero combater o
crime de colarinho branco» estava garantida. No dia 31 havia manchetes no
Público e no Expresso sobre os novos poderes atribuídos à Polícia
Judiciária, sendo que um desses novos poderes era o protocolo, que é uma
deslocação dos poderes da UCLEFA. Em vez de serem os poderes da
UCLEFA, presididos pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,
esses poderes são deslocados para a presidência do Sr. Director Nacional
da Polícia Judiciária. É um projecto hegemónico e vazio de
operacionalidade.
Portanto, estava preparado um quadro: «Não digam que eu não quero
combater o colarinho branco, e esta senhora pode ir à vida». Estava
escorada a minha saída, era algodão que amaciava a minha saída. O
projecto de protocolo, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária e as operações
no terreno, que estavam trabalhadas, estavam garantidas. Era uma questão
apenas de tempo, até a dormir se faziam. Nem que se mudasse tudo de alto
a baixo, aquilo estava sempre garantido. Até ao fim do ano havia
comidinha garantida nessa matéria. Eu era uma pessoa que, aparentemente,
não fazia falta e podia ser despachada desta maneira. Isto é o que ia ser
para o futuro.
Eu estava convencida de que o Sr. Director Nacional tinha um
projecto programático para a Polícia judiciária. Não é que ele tivesse
discutido esse projecto comigo, porque nunca o discutiu, nunca houve
reuniões em que se discutissem estratégias de combate ao crime. E, vendo a
intervenção do Sr. Director Nacional nesta Comissão, não vejo qualquer
análise de estratégia, de prioridades, de linhas de orientação, de guide lines
no combate ao crime. Não sei quais são as prioridades, só sei que o Sr.
Director Nacional limita-se a dizer que o crime agora é todo único, tem um
cérebro, está muito organizado, e, como tal, tem de se concentrar a resposta
a esse crime num único órgão de polícia criminal. É a única coisa que eu
percebo ali, portanto, não sei se é um projecto hegemónico de a Polícia
Judiciária passar a combater toda a espécie de criminalidade ou o que é.
E o que vejo também da Sr.ª Ministra é que está muito preocupada
com os telemóveis e com os carros e, depois, em matéria de combate à
grande criminalidade, é combater aquilo que o nosso povo quer que nós
combatamos. Portanto, eu também não sei o que é o nosso povo quer que
nós combatamos.
Agora, indo para o compromisso de ficar, devo dizer que quando o
Sr. Desembargador tomou posse, no dia 24 de Maio, havia um clima na
Polícia de que era melhor todos pormos o lugar à disposição. Eu coloquei a
questão ao meu, então, director, o Dr. Luís Bonina e disse-lhe: «É
melhor…» Aliás, o Dr. Luís Bonina sabia que tinha havido, da parte da Sr.ª
Ministra, uma grande censura à minha pessoa, por causa de umas palavras
que ela apelidava de entrevista à TSF, que, no fundo, eram uma exortação
aos operacionais, no sentido de que continuassem a combater a corrupção
fosse qual fosse a pessoa que ficasse à frente da Direcção Central. Sei que
essas palavras desagradaram muito à Sr.ª Ministra e fui acusada de excesso
de visibilidade. O Dr. Bonina, na altura, disse-me: «Bem, penso que o
assunto está sanado e eu faço questão que continues na Direcção Central.
Há muito trabalho em marcha, há coisas que não podem ser abandonadas a
meio e penso que toda a gente pensa isso, é uma atitude institucional
correcta».
Entretanto, nunca fui contactada pelo Dr. Adelino Salvado e eu fui
colocando sempre a questão de ser melhor pôr o lugar à disposição.
Disseram-me sempre que não, que o Dr. Adelino Salvado queria que eu
fizesse parte da direcção dele…
Eu, hoje, até já tenho dúvidas de que seja assim tão admissível a
constituição de equipas para desempenhar funções de comissão na Polícia
Judiciária, porque penso que a Polícia Judiciária não pode estar sujeita a
este vai e vem de programas e de pessoas. Isto é, de cada vez que há um
director nacional há uma nova lei orgânica da Polícia Judiciária, há novos
regulamentos, há tudo novo e, de facto, a certa altura, a própria Polícia
Judiciária entra em desorientação e vêm à superfície muitos fenómenos que
nada têm a ver com o combate ao crime - mas, enfim, isso já é produto da
minha análise.
Na altura, achava perfeitamente legítimo que se escolhesse uma
equipa, com prejuízo e com interrupção das comissões que estavam a ser
desenvolvidas, sendo que a minha comissão era de três anos e eu estava a
um ano e meio do fim da mesma.
Eu sabia que havia um encontro com a Sr.ª Ministra, no dia 23 ao fim
da tarde, porque me tinham dito, para assentar definitivamente nos nomes
da direcção, e tinha combinado, tinha pedido ao ainda meu director, Dr.
Bonina, que telefonasse a dizer-me, de facto, o que é que eu devia fazer,
porque tinha necessidade de esclarecer, de saber com que linhas me cosia.
A tarde foi passando, já íamos a meio da noite, quando me telefona o
Dr. Bonina e me diz: «Está tudo resolvido e a direcção conta contigo, fazes
parte da direcção». E eu peço: «Deixa-me falar com o Dr. Adelino, tenho
de falar com o Dr. Adelino, tenho de saber o que é que se passa».
Portanto, aquela conversa passou-se também na presença - julgo eu -
do Dr. Bonina, porque é ele que me pôs em contacto, por telemóvel, com o
Sr. Desembargador, que, na altura, disse-me: «Não diga nada. Estou muito
cansado. O que eu lhe quero pedir é que, aconteça o que acontecer, fará
sempre parte da minha direcção e eu recuso-me a tomar posse…» - disse-
me o Sr. Desembargador - «… se a Sr.ª Doutora se recusar a fazer parte
desta direcção. Mas não diga nada.». E eu disse: «Bom! Isto parece tudo
contrário à lógica, porque se me diz para eu não dizer nada é porque havia
qualquer coisa para dizer mas, está bem, não é altura para discutir as coisas.
Sinto-me muito honrada, muito comovida, muito exaltada até com a sua
atitude e está bem, aceito, fazemos esse compromisso. Eu faço parte da
direcção e, pronto, o Sr. Desembargador poderá tomar posse à vontade,
porque eu não vou recuar neste compromisso». Ele disse-me: «Mas
garanta-me, porque a Sr.ª Ministra não queria que fizesse parte da lista e eu
disse-lhe que não tomava posse se a Sr.ª Doutora não fizesse parte da
direcção».
Isto, disse-me o Sr. Desembargador a mim, foi a versão dele para
mim dos acontecimentos. Mas, do Sr. Desembargador para mim, ele só
tomava posse se eu aceitasse fazer parte da direcção. A razão de todo este
dramatismo é porque havia alguém, e era a Sr.ª Ministra, que não queria
que eu fizesse parte da direcção.
Ora, perante a atitude intransigente - terá sido, no dizer do próprio -
do Sr. Desembargador, a Sr.ª Ministra… Não aceitou nem deixou de
aceitar, porque era uma atitude intransigente, ele não tomava posse se eu
não fizesse parte. Penso que, segundo ele me disse, a Sr.ª Ministra até lhe
terá dito que ia pedir ao Sr. Procurador-Geral para me arranjar outro lugar
qualquer, o que não faz grande sentido, porque eu estava numa comissão
fora do Ministério Público mas… Atenção, isto é uma conversa por
telemóvel entre o Sr. Desembargador e eu estou a relatar as palavras do Sr.
Desembargador, mais nada! Não sei o que é que efectivamente se passou,
sei o que se passou comigo.
Fiquei, como podem calcular, preocupada com tudo isto. No dia
seguinte, de manhã, telefono ao Sr. Desembargador e, por mais patético
que isto possa parecer, peço-lhe autorização para ir à tomada de posse,
porque eu própria já não sabia se devia aparecer ou não na tomada de
posse. A isto, ele disse-me «Sim, senhora, quero que, mais uma vez,
confirme, reitere o seu compromisso» e eu respondo-lhe «Sim, senhor, eu
não mudo da noite para o dia, a esse respeito não sou uma pessoa
inconstante. Com certeza que continuo, mas peço-lhe para ir à sua posse».
Ele diz-me «Vá mas não fale com os jornalistas» e eu respondo-lhe «Está
bem, também não tenho o hábito de andar a falar com os jornalistas por
tudo e por nada, só quando há alguma coisa de importante e de interesse
público para dizer mas não é o caso, não é a altura para isso e gostaria de ir
à sua posse». E assim foi.
A posse foi numa sexta-feira e a posse dos directores nacionais
adjuntos terá sido depois, na segunda-feira.
Faço notar que eu não tomei posse, eu continuei a comissão, quer
dizer, aconteceu que não houve cessação da comissão mas eu não tomei
posse nenhuma. Não houve despacho nenhum, não houve nada, houve o
continuar de uma situação administrativa funcional que se manteve em
vigor, que não foi anulada.
No dia seguinte, no sábado, o Sr. Director Nacional faz questão de
ter uma conversa comigo nas instalações da Alexandre Herculano,
conversa relativamente à qual eu estaria até funcionalmente ansiosa. E eu
coloquei-lhe a questão, agradeci-lhe muito todo o apoio que me tinha dado
e disse-lhe que esperava que ele compreendesse que o apoio que estava a
dar à minha pessoa não tinha nada de pessoal, era um apoio institucional, a
métodos de trabalho, uma vez que eu estava numa direcção central que
estava há um ano e meio debaixo de fogo, era uma direcção central em que
ninguém andava a dormir em cima dos papéis, era uma direcção central que
tinha vindo para a rua prender, apreender e desmantelar - eram essas as
palavras de ordem: prender, apreender e desmantelar -, tínhamos
prioridades ao nível da corrupção na administração fiscal, nas forças
policiais, ao nível da fraude internacional financeira, do megacrime
financeiro, da fraude no futebol, da corrupção no futebol, tínhamos
investigações muito delicadas em marcha, investigações desproporcionadas
em relação aos meios, estávamos num ponto de viragem, estava tudo a
tornar-se muito difícil e a fasquia estava muito alta.
Quis saber se ele percebia que, de facto, aquilo que estava a apoiar
não era uma pessoa, eram métodos de trabalho, eram objectivos, eram
linhas de orientação. Não me lembro da resposta que me deu o Sr. Director
Nacional mas achei que ele estava a perceber que estaria a apoiar isso e
insisti em discutirmos as estratégias definidas para a DCICCEF - eu tinha
essas estratégias definidas no Relatório Anual de 2001 -, as tendências da
criminalidade, as tendências da resposta, as dificuldades, os obstáculos à
produção de prova, as questões da prevenção…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Sr.ª Doutora, disse o Relatório Anual
de 2001?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sim, tenho aqui uma fotocópia
de uma parte… Já agora, gostaria de entregar a tal carta que andou hoje nas
televisões, em que eu pedi a demissão, se fosse possível…
O Sr. Presidente: — Já está distribuída, Sr.ª Doutora.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Quanto ao relatório, tenho aqui
fotocópia do índice e mais algumas partes, pois todo o relatório é um
«tijolo» de todo o tamanho e optei por trazer fotocópia de partes relevantes,
mas penso que não é possível julgar o meu trabalho, falar de estatística,
falar de crime económico sem ler este relatório, por muito mal que ele
esteja. É o Relatório Anual de 2001/DCICCEF…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — E é possível deixar essa parte à
Comissão, Sr.ª Doutora?
A Sr. ª Dr.ª Maria José Morgado: — É sim, senhor, e está aqui um
índice do relatório, por onde os Srs. Deputados poderão ver quais são os
assuntos que interessam e os que não interessam.
Perguntei ao Sr. Director Nacional se, pelo menos, tinha lido o
relatório - o relatório é muito grande -, ele disse-me que sim e eu fiquei
descansada - fazem-se relatórios, são documentos de trabalho, para alguma
coisa é - e achei que, em princípio, ele estaria esclarecido sobre as linhas de
orientação e sobre os métodos de trabalho a adoptar, sobre a importância da
prevenção, etc. É que havia aqui questões muito sérias ao nível da
prevenção, não só da investigação criminal… Havia medidas… A
DCICCEF estava em restruturação, agora, pelos vistos, está outra vez em
restruturação, é outra restruturação.
Nesse dia, o Sr. Director Nacional só me disse que estava
preocupado acerca de por que é que… Ou seja, a crítica que me tinha sido
feita pela Sr.ª Ministra era de «excesso de visibilidade». Ora, o excesso de
visibilidade, no dizer dele, não representava nenhum motivo sério para
afastar ninguém e, como tal, ele queria saber o que é que se passava
naquela casa que suscitasse tamanha oposição. Aliás, pareceu-me
preocupado comigo, disse-me até que a Dr.ª Celeste e o Dr. Portas tinham
um medo horroroso de mim… Não sei porquê…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — O Sr. Director Nacional
disse-lhe isso?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sim! Disse-me, disse-me, disse-
me! «Têm medo de si, têm medo de si». Respondi-lhe: «Não sei porquê,
tenho 51 anos, acho que sou uma pessoa que tenho dado provas de sensatez
e…». Enfim, isto é uma conversa! Isto é uma conversa mas já que as coisas
chegam a este ponto…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Mas foi a Sr.ª Ministra
que lhe disse isso?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Diga, Sr. Deputado…
O Sr. Presidente: — Peço que não haja interrupções, porque, depois,
não fica gravado e os Srs. Deputados já sabem disso.
A Sr.ª Doutora não leve a mal mas, em termos de gravação das actas,
este tipo de interrupções não fica registado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Está bem, não há problema. Até
é bom, até é bom!
Sim, o Sr. Director Nacional disse-me isso. Espero que o Sr. Doutor
também não seja uma dessas pessoas, não é?!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — V. Ex.ª saberá melhor do
que ninguém, V. Ex.ª sabe tudo.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Não sei, não. Não sei, não, mas
não vale a pena haver nervosismo por causa dessas coisas, porque parece-
me perfeitamente supérfluo e o que eu gostaria de discutir aqui são
questões sérias, de estratégia de combate ao crime económico, porque é que
o crime económico é prioritário no crime organizado internacional.
Mas o que é certo é que sou levada para estes campos não por minha
iniciativa mas pelos acontecimentos, não por minha vontade mas por
vontade alheia. E isto é importante só por isto: porque o Sr. Director
Nacional diz-me que essas pessoas têm medo de mim ou ele acha que têm
medo de mim ou ele achava que era bom convencer-me de que essas
pessoas tinham medo de mim, mas não sei. Isso não me impressionou! Sou
magistrada, tenho provas dadas no tribunal, os últimos recursos que fiz, no
Tribunal da Boa Hora, foram em nome da defesa, em nome dos interesses
da defesa. Portanto, não sou uma aventureira, não sou uma guerrilheira e
não dei importância a essa afirmação nem me perturbou minimamente.
O que é certo é que o Sr. Director Nacional me disse que era preciso
reforçar a estrutura da DCICCEF, em termos de não se pensar que a cabeça
ali era eu mas que aquilo tinha uma cabeça própria e que, mesmo que eu
me fosse embora, mesmo que eu desaparecesse do mapa, pronto, que
deixasse de estar lá, a luta continuava e o trabalho continuava. E pediu-me
uma proposta nesse sentido, perguntando-me se tinha alguma ideia a esse
respeito.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Posso interrompê-la Sr.ª Doutora?
Gostaria, porque me perdi na exposição da Sr.ª Procuradora – por
defeito meu certamente –, de pedir à Sr.ª Procuradora que situe esta
conversa, dando-nos a data da mesma.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Foi no dia 25, num sábado à tarde.
Foi no dia a seguir à tomada de posse e foi uma análise da tese do excesso
de visibilidade, ou seja, porque é que tinha surgido essa crítica do excesso
de visibilidade.
Perguntei-lhe se tinha lido o relatório da DCICCEF, e ele respondeu-
me que sim. Mas o Sr. Director Nacional, como é normal e como de resto
aceito, porque é perfeitamente legítimo,…
Desculpem-me! Mas a interrupção do Sr. Deputado fez com que eu
me perdesse no que estava a dizer… Ah, estava a referir-me ao aspecto
pessoal.
O aspecto pessoal era o de criar uma estrutura que demonstrasse
externamente que eu não era a «cabeça», embora fosse a Directora daquela
casa. Portanto, não seria a cabeça, o que significava que não era a pessoa
decisiva e, se eu fosse afastada, tudo continuaria a funcionar.
Propus ao Sr. Director Nacional a nomeação de um segundo
subdirector. Disse-lhe mesmo: «Olhe, eu já não chego para as encomendas,
porque isto é corrupção, peculato, tráfico de influências, é moeda falsa,
fraude internacional, é contrabando organizado, é criminalidade
informática, é investigação criminal toda integrada e conseguir arranjar um
fio condutor nisto tudo, é a prevenção criminal, é a análise, é a recolha de
informação, é o apoio à investigação, é a cooperação judiciária
internacional, é a cooperação policial internacional, é a coadjuvação às
autoridades judiciárias, é a cooperação institucional administrativa com as
outras entidades administrativas, eu já não dou conta disto! O Sr. Director
Nacional nomeie-me um segundo subdirector, e assim eu faço uma
subdivisão interna. Entrega-se a investigação criminal a um subdirector e
entrega-se a prevenção, vigilância, recolha de informação, etc., à
subdirectora».
O Sr. Director Nacional achou que era uma boa ideia, disse-me que
isso reforçava a estrutura e atribuía eficácia, pelo que iríamos avançar nesse
sentido. E dei-lhe um nome, o do Dr. Carlos Farinha, que foi logo aceite.
Na segunda-feira, o Dr. Carlos Farinha estava em Lisboa e, de uma
maneira rápida de mais, e porventura insensata, e penitencio-me por isso,
porque foi o primeiro problema sério que tive com os meus operacionais
(os meus, na altura, na DCICCEF). Isto porque o Dr. Farinha vinha de fora,
e a entrada dele na DCICCEF não foi bem aceite, uma vez que ele não era
um coordenador superior e entendia-se que para subdirector tinha de ser um
coordenador superior. Portanto, ele não era da DCICCEF, não era de
Lisboa, e era de fora!
Mas enfim, o Sr. Director Nacional não me deixou ponderar nada
disto, e disse-me: «A responsabilidade é minha! Avança-se, e acabou-se!».
Disseram-me mais tarde que a nomeação do Dr. Farinha era um ideia
para me «queimar», ou seja, para criar ali um funil do género «se não podes
apear o cavaleiro, mata o cavalo». Mas não sei, são apenas especulações!…
O que é certo é que o Dr. Carlos Farinha é um profissional com todas
as letras. É um homem de grande honestidade e seriedade e o pouco tempo
que esteve nesta direcção central fez um trabalho notável, sério, tenaz,
digno! E o Dr. Farinha foi demitido nas mesmas circunstâncias que eu: foi-
lhe sugerido, pelo telefone, que ele próprio tomasse a iniciativa de pedir a
cessação da comissão. Isto foi no dia 29, no dia em que vim a Lisboa.
Ainda nessa conversa, tentei fazer com o Sr. Director Nacional o
ponto da situação das investigações criminais. Pouco se viu, mas falei ao
Sr. Director Nacional na investigação do caso das finanças, que era uma
investigação que ocupava a 1.ª Brigada há cerca de 10 meses. Tratava-se de
uma investigação delicada, sensível, porque tínhamos conseguido, através
de métodos pró-activos de investigação, definir um modus operandi,
localizar uma série de redes intermediárias para a corrupção no interior da
máquina fiscal, e estávamos a dirigir a investigação para cima, para os
centros de direcção, para as direcções distritais e para pessoas que
desempenhavam cargos de chefia, porque essas pessoas surgiam, na análise
que fazíamos, fortemente indiciadas nestas práticas.
Mas referi ao Sr. Director Nacional que esta era uma investigação
muito opaca, muito desigual, na qual existiam três vectores fundamentais: o
dos intermediários fora da máquina fiscal, o dos angariadores, que eram
representados por homens que se reformaram das finanças e abriam
escritórios oferecendo os seus préstimos às empresas e às pessoas
singulares em dificuldades, para resolverem a situação no seio da
administração fiscal. Estas pessoas actuavam através dos intermediários
entre os angariadores e a administração fiscal, os intermediários perdiam-se
no interior da administração fiscal, e a investigação, sem utilização de
meios específicos de prova, tinha imensa dificuldade a individualizar
responsabilidade no interior da máquina fiscal.
Estávamos a dar prioridade à utilização dos meios específicos de
prova. Tinha até havido uma reunião, convocada a meu pedido, entre o
DIAP e o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal).
O Sr. Procurador-Geral Distrital, Dr. Dias Borges, esteve nessa reunião,
que ocorreu muito antes da tomada de posse do Dr. Adelino Salvado, e que
teve lugar no DIAP, para a discussão dos aspectos delicados e sensíveis
dessa investigação. Mas foi, de facto, um processo de qual falei ao Dr.
Adelino Salvado.
E falei-lhe também do processo da BT. Esta operação que foi
desencadeada hoje estava prevista para Junho, mas eu disse-lhe: «Eu não
vou poder avançar em Junho. Tenho as brigadas esgotadas! Há gente que
dorme dia sim, dia não. Tenho encontrado inspectores a dormir, às 8 da
manhã. Vou falar com eles porque penso que estão acordados, mas eles
estão a dormir em frente aos computadores. Eu própria tenho dias de sair
daqui às 3 da manhã e estar de volta às 8 da manhã. Acho que é uma
violência estar a avançar com esta operação, agora, em Junho». Aliás, eu
não estava contente com a prova recolhida e precisava de a consolidar.
De qualquer das formas, ele disse: «Mas a BT não é problema
nenhum. Isso pode avançar!». Ao que lhe respondi: «As brigadas não têm
neste momento resistência para isso!» e optei por não fazer, com desagrado
do Ministério Público, que estava atento a este processo. Aliás, no dia 7 de
Junho houve uma reunião com o Ministério Público sobre este processo, e
eu disse: «Dr. Pedro, neste momento, não vamos poder avançar. Esperamos
mais dois ou três meses e a prova estará mais consolidada». Assim foi
combinado. E, cá está a operação! E ainda bem!
Mas disse: «Vamos avançar com a operação da Brisa». A Brisa é um
processo engraçado, cuja identificação do modus operandi foi obtido,
graças à actuação dos meios de vigilância, que permitiram, noites e noites a
fio, identificar como é que se fazia a fraude com os tickets da Brisa. Se não
fosse assim, a Brisa iria continuar a suportar os prejuízos até hoje e o
processo seria apenas um monte de papel.
O processo só não foi um monte de papel, porque foram utilizadas
técnicas pró-activas de investigação e meios específicos e de prova, no
quadro legal e no quadro da coadjuvação das autoridades judiciárias e com
a autorização das autoridades judiciárias, como é evidente.
Essa conversa terminou desta maneira, isto é, sem nunca se discutir
as grandes linhas de fundo.
O que é que sucedeu depois da operação da Brisa? A operação da
Brisa foi no dia 3 de Junho, o Sr. Director Nacional até me deu os parabéns
e enviou-me uma caixa de bombons e um cartãozinho.
A partir dessa data, houve de facto grandes dificuldades no exercício
das minhas funções. Nunca eram grandes coisas. Vamos ver, quando falo
em divergências de natureza operacional, estou a raciocinar com base em
dois fenómenos, que são: «Isto vai mudar tudo! Já sabemos que a Sr.ª
Doutora não concorda! Acredito, tenho de acreditar. Não tenho razões para
não acreditar».
Depois, há aquilo que eu estava a fazer. É preciso saber aquilo que
eu estava a fazer. Ora, aquilo que eu estava a fazer quando a direcção
Adelino Salvado tomou posse era um processo não tradicional de combate
à grande fraude e à corrupção.
Eu considerava o crime económico prioritário, porque o crime
económico está no coração da fraude internacional e do crime organizado
internacional. Porquê? Porque os circuitos financeiros da fraude fiscal, do
branqueamento e do tráfico de droga são idênticos. Mais: a corrupção é o
elemento potenciador do crime económico e do crime organizado
internacional. Tal como as novas tecnologias de informação são um
elemento potenciador do crime económico e do crime organizado
internacional.
Nesse sentido, percebi que não podíamos estar a investigar para o
passado e não podíamos estar a «dormir em cima dos papéis». Para isso,
havia que quebrar três mitos: o mito de que os juizes de instrução não têm
sensibilidade para estes casos, e como tal não dão resposta às operações de
recolha de prova da polícia; o mito de que o Ministério Público não está no
terreno e não acompanha a polícia neste tipo de investigações; e o mito de
que nós não temos meios humanos.
Devo dizer que durante metade da minha direcção trabalhei com
metade dos coordenadores e metade dos efectivos previstos para aquela
direcção central, porque os quadros só foram completados, em termos de
quadro previsto, em finais de Novembro de 2001.
No entanto, proibi as pessoas de falarem mais e disse: «Vamos para
o terreno, há muito que fazer, vamos investigar, utilizar meios específicos
de prova, fazer acompanhar as investigações com um sentido integrado
dessas investigações». Isto porque há uma ligação entre as investigações da
corrupção, da fraude, do contrabando organizado e da criminalidade
informática. Como tal, tem de haver uma análise e um tratamento de toda a
informação que decorre de todas essas investigações.
Portanto, criei o lugar de coordenador superior de investigação
criminal, para fazer a investigação integrada ao nível das secções de
investigação criminal.
Criei uma secção de investigação do contrabando organizado, que
não existia (foi criada em Novembro de 2001, com 10 pessoas), ideia que
me foi transmitida pelo Dr. Rosário Teixeira.
Criei uma secção de vigilâncias em Novembro de 2001, para recolha
de prova no terreno em tempo real, para identificação dos autores da
infracção; fiz acompanhar todas as investigações de perícias informáticas,
perícias financeiras e perícias contabilísticas.
Desenvolvi a pluridisciplinaridade; pedi apoio à IGF, pedi apoio à
banca, reuni com os representantes do contencioso da banca,
nomeadamente do Montepio Geral, portanto pedi a colaboração das
instituições financeiras para fornecimento de informações no combate ao
branqueamento, ao dinheiro sujo, aos proventos do crime.
Pedi às operadoras de telecomunicações o fornecimento de dados
digitais em termos de identificar os autores dos crimes praticados através
da internet.
Desenvolvi um espírito de trabalho combativo, de um trabalho com
visibilidade, de um trabalho que divulgasse junto da opinião pública os
valores da honestidade, da seriedade e do combate à corrupção.
Defini prioridades orgânicas que passavam pela distinção entre a
prevenção, entre a investigação, entre a análise e recolha de prova.
Defini prioridades no terreno em termos de investigação criminal,
que diziam respeito a zonas de risco na sociedade portuguesa, onde a
corrupção atingiu níveis intoleráveis, a saber: a máquina fiscal, forças
policiais, como a Brigada de Trânsito, no futebol, leiloeiras, que estão
também inseridas em todo este circuito – isto, já, no domínio de prioridades
dentro das tipologias do crime –, contrabando ao IVA em carrossel,
contrabando aos IEC (Impostos Especiais sobre o Consumo) e, como os
meios eram escassos, desenvolvi protocolos, e, ainda, a fraude na saúde,
farmácias e laboratórios.
Aprovei um protocolo com a Inspecção-Geral de Saúde, como a
forma de colmatar a fala de recursos humanos, pedi apoio à IGF, o qual
nunca me foi negado, tive peritos da IGF a trabalharem constantemente
connosco, pedi apoio a polícias estrangeiros, a congéneres estrangeiras –
aliás, tenho aqui um agradecimento de uma polícia estrangeira, a polícia
aduaneira inglesa, a respeito do trabalho que foi desenvolvido sob a minha
direcção durante esse tempo e que me foi enviado no dia 28 de Agosto.
Isto para dizer que o meu espírito não era estar enfiada no buraco do
n.º 42-A da Rua Alexandre Herculano, mas, sim, vir para a rua, prender,
apreender e desmantelar, no quadro das investigações, no quadro das
prioridades legais definidas, dar visibilidade à actuação da Polícia
Judiciária e dar um sinal à opinião pública de que estava a fazer-se
qualquer coisa.
Com isso, obteve-se uma grande viragem no combate ao crime
económico e a Polícia Judiciária foi prestigiada. Eu saí há dois meses da
Polícia Judiciária e há trabalho que ficou lá, do tempo da minha direcção.
Protagonismo, por protagonismo, não me importo de o dizer: há trabalho
que eu deixei lá e que, neste momento, permite às pessoas invocarem que
estão a continuar a luta contra a corrupção, até estão a continuar a defender
os meus objectivos, porque esse trabalho ficou lá, é trabalho sólido.
Portanto, o meu protagonismo não foi de exibicionismo pessoal, nem
de valores pessoais, nem de promoção pessoal, não fui para a Polícia para
isso, bem pelo contrário!
Quando fui para a Polícia tinha um nome - aliás, eu costumava dizer
aos operacionais que eu antes de vir para a Polícia era uma pessoa
prestigiada, não sei se saio daqui uma pessoa prestigiada. O que é certo é
que foi restabelecida a confiança nas instituições, choviam mails na
DCICCEF, todos os dias, em que se dizia: vocês fazem-nos acreditar em
que a justiça não é uma farsa, continuem, parabéns!
A confiança nas instituições fez com que aumentassem as denúncias,
que é uma coisa importante, é uma coisa recomendada pelo grupo
multidisciplinar contra a corrupção. E havia entusiasmo, todos tinham
projectos, naquela casa, desde a informática ao contrabando organizado,
todos se reviam no trabalho que estavam a fazer, ninguém regateava
esforços, todos estavam dispostos a sacrifícios porque valia a pena! E o
trabalho vê-se! Não preciso de falar no trabalho. Aliás, no dia em que eu
peço a demissão é um trabalho que está a meio, é um trabalho que há-de ser
concluído, um, outro não sei o que é que sucederá, mas era trabalho, todo
ele, que estava em marcha. Acontece…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Dr.ª, não vou retirar-lhe a palavra, queria só
deixar-lhe duas notas: em primeiro lugar, Sr.ª Dr.ª, tenho que lhe dizer isto,
esperei até cumprir uma hora já de intervenção…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — É verdade, tem toda a razão!
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados, membros da Comissão,
também terão outras questões para colocar e eu pedia à Sr.ª Dr.ª que
tentasse o mais possível abreviar porque, senão, é praticamente impossível
funcionarmos.
E em segundo lugar, só dizer-lhe também que não é à Polícia
Judiciária que estamos aqui a inquirir e, muito menos à Sr.ª Dr.ª às suas
funções na Polícia Judiciária, é os actos do XV Governo e as demissões
protagonizadas neste XV Governo.
Portanto, pedia à Sr.ª Dr.ª que, independentemente que a Sr.ª
entender – se o entender – que tem necessidade de, vez por vez, recuar no
tempo para situar alguma questão, tentasse cingir-se um pouco à questão
concreta do mandato desta Comissão, sob pena de não conseguirmos ser
eficazes no nosso trabalho.
Peço-lhe desculpa, pela interrupção.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Tem toda a razão, Sr. Presidente,
mas foi o número de perguntas que me foram postas. Mas é que há aqui um
problema: eu estava inserida numa estrutura operacional, tinha uma
direcção operacional. E não tinha contacto directo com a tutela. De maneira
que todas as acções da tutela se repercutem ao nível da estrutura orgânica e
das prioridades definidas.
O que posso dizer-lhes é que até ao dia 27 de Agosto, há da parte do
Dr. Adelino Salvado toda uma atitude que me parece de desautorização
pessoal, minha! A saber: por exemplo: praticamente a proibição de
coordenação funcional de recolha de informação em matéria de corrupção,
a nível nacional. Em que termos? Eu digo «praticamente a proibição»,
porque tudo se passou também desta maneira complexa e que tem de ser
explicada.
Antes do dia 16 (e depois, no dia 16 é que foi discutida esta matéria),
num determinado fim-de-semana, a um sábado de manhã, também, às 10
horas, ou uma coisa qualquer assim, fui abordada pelo Sr. Director
Nacional, sobre se tinha alguma coisa a propor sobre a alteração da Lei
Orgânica da Polícia Judiciária, tendo eu colocado a questão dos crimes
tributários, que, depois, ficou da forma que se viu.
Mas disse-lhe: olhe, estou a fazer um despacho sobre averiguações
preventivas, porque pretendo uniformizar a recolha de informação das
averiguações preventivas, em matéria de corrupção e criminalidade
económico-financeira, pretendo utilizar o dever de coordenação funcional
por parte da DCICCEF, tenho um despacho preparado, já conversei sobre
ele com os directores nacionais adjuntos das diversas directorias, e gostava
de ouvir o Sr. Director Nacional sobre isso.
Então, li-lhe o despacho e ele retorquiu: mas porque é que não sou eu
a fazer o despacho? E respondi: o artigo 27.º da lei orgânica dá-me, a mim,
esse poder-dever. Isto é matéria sectorial que se prende com a coordenação
em matéria de corrupção e eu sentia-me desautorizada, senão fizesse o
despacho.
E, pronto, combinou-se que eu fazia o despacho. Enviei o despacho
aos directores nacionais adjuntos. É evidente, este despacho pretende
uniformizar procedimentos de recolha de informação. Ora, qual é a razão
da uniformização de procedimentos de recolha de informação da
corrupção? É ter o quadro global da corrupção no País com a dimensão do
fenómeno, o âmbito do fenómeno, a categoria profissional das pessoas
implicadas no fenómeno, as ligações entre o fenómeno corrupção e o crime
organizado e a capacidade de resposta, quer a nível de Direcção Central
quer a nível dos serviços regionais, a respeito do combate à corrupção.
Quando envio o despacho por fax aos directores nacionais adjuntos, é
evidente que há resistências, porque há uma resistência na Polícia
Judiciária entre direcções centrais e serviços regionais. E o Director
Nacional tem que fazer a média destas situações e unir as pessoas e não
tomar partido em relação a serviços regionais ou em relação a direcções
centrais.
Acontece que depois de eu ter feito o despacho - e tenho-o aqui e
faço questão de deixá-lo a esta Comissão - em que defini as regras
orientadoras de recolha da informação em matéria de averiguações
preventivas e recebi, passados dois dias, no dia 10 de Julho, um ofício, que
me foi entregue em mão, por parte do Sr. Director Nacional, em que me
censura severamente e de uma forma como eu nunca fui censurada na
minha vida profissional, porque, mais ou menos, sempre fui cumprindo as
minhas obrigações, dizendo: «Atento o teor do despacho número 20 de 10
de Julho, que acompanhou o ofício em referência…» – é o tal despacho que
está aqui – «… verifiquei que V. Ex.ª ao dirigir-se expressamente aos
directores nacionais adjuntos nas directorias de Porto, Coimbra e Faro,
permitiu-se…» – eu! – «… utilizar o termo imperativo ‘determina-se’…» -
que, aliás, é a fórmula dos despachos… Mas isto já era difícil assim, que
faria, pedindo por favor… - «… quando, em nosso entendimento, deveria
ter usado o verbo solicitar ou outro de similar abrangência, assim apelando
à necessária cooperação e indispensável solidariedade institucional,
visando obter a pretendida uniformização de procedimentos.
Porque entendo que nas relações entre directores nacionais adjuntos
da Polícia Judiciária sempre se impõe manter o melhor relacionamento e a
máxima colaboração, venho sugerir a V. Ex.ª que, de futuro, quando a eles
se dirigir, evite utilizar termos eivados de desnecessário e contraproducente
autoritarismo».
Depois, fez-me um processo de intenções, fez-me notar que tinha
havido uma reunião no dia 5 de Julho, em que eu poderia ter colocado esta
matéria à discussão e eu não o fiz, nem sequer estava preparada, nem fazia
parte da ordem de trabalhos, e fez-me notar que iria ser marcada uma nova
reunião do Conselho de Coordenação Operacional – como foi, no dia 16 de
Julho – para discutir esta matéria.
Senti-me completamente desautorizada por isto – aliás, já tinha posto
a hipótese da minha demissão em meados do mês de Junho, a propósito de
um incidente semelhante, e como não podia passar a vida a andar a pedir a
demissão guardei para a reunião do dia 16 a minha posição a esse respeito.
Nessa reunião do dia 16 pedi mais uma vez ao Sr. Director Nacional
que me libertasse do meu compromisso, tendo feito notar que a Polícia
Judiciária poderia vir a pagar um preço muito elevado por aquela
necessidade que ele parecia demonstrar de se demarcar da minha pessoa,
uma vez que tanto me tinha defendido, parecia obrigado a demarcar-se de
mim constantemente.
O Sr. Director Nacional não deu relevância a este meu pedido,
passou à frente, nem sequer considerou e tivemos uma reunião em que se
discutiu tudo e mais alguma coisa - questões supérfluas -, mas, no fundo,
aquilo que eu pude concluir é que havia da parte do Sr. Director Nacional
uma má interpretação acerca do papel e função das direcções centrais.
De facto, havia a ideia da parte do Sr. Director Nacional que as
direcções centrais punham em causa as competências das direcções
regionais e dos serviços regionais de uma forma que eu não compreendia o
que é que ele queria dizer com isso, porque as centrais são a resposta
temática de combate ao crime organizado e as direcções centrais não põem
em causa a coordenação entre a Polícia Judiciária, até porque tem de haver
coordenação com a especialização em relação ao crime organizado
internacional.
De maneira que eu não percebi; ou melhor, percebi que havia ali uma
má vontade em relação às direcções centrais e aos mecanismos de
centralização funcional da informação, por parte das direcções centrais, que
é a única maneira de combater com impacto o crime organizado
internacional.
Nesse dia 16 - sei que foi dia 16, porque no dia 15 tive uma reunião
do grupo GRECO (um grupo de Estados contra a corrupção) e portanto não
pôde ser a reunião no dia 15 – a reunião prolongou-se até às 14,30 horas,
mais ou menos, até tarde e quando eu ia almoçar com os meus colegas, sou
chamada através de um colega para ir ao quarto andar falar com o pelo Sr.
Director Nacional, sendo que estavam também presentes, o Sr. Dr. José
Branco e Dr. João Vieira.
O Sr. Director Nacional deu-me a entender - já não me lembro das
palavras exactas – que teria acabado de receber telefonema da Sr.ª Ministra
da Justiça e era essa a razão de ele me chamar. Esse telefonema da Sr.ª
Ministra da Justiça também estaria ligado a um pedido de esclarecimento
do Dr. Paulo Portas e era também essa a razão pela qual ele me estava a
chamar, sendo que esses esclarecimentos tinham que ver com uma coisa
que eu não percebi, até porque estava cansada, era tarde e não tinha
almoçado, mas que levaram o Sr. Director Nacional a perguntar-me quem
era o homem que andava em Monsanto.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — «Andava em Monsanto»,
acompanhava o processo, já se está a ver.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sim. Mas a expressão foi essa.
Eu não percebia nada, pedia mais explicações. Senti-me algo confusa
e depois de mais explicações foi-me dito que haveria alguém da DCICCEF
que andava em Monsanto e acompanhava o Ministério Público e não sei
quê, isso não podia ser, dava problemas… E foram-me dadas instruções
verbais - não escritas, verbais! - e o Dr. José Branco e o Dr. João Vieira
estavam presentes – para ninguém da DCICCEF ir a Monsanto. Ninguém!
Eram instruções verbais que tinham a ver porventura com o apoio
logístico que se estava a dar ao Ministério Público, que tinham a ver com a
ida do Pedro Albuquerque, que era segurança do secretariado da direcção e
também meu segurança e o homem que me acompanhava sempre – aliás,
até o mudaram de serviço a seguir à minha saída da Polícia Judiciária. É
um homem de uma dedicação notável e de uma intuição policial fora de
série que apoiou a investigação do caso Moderna.
Como é tradicional, e nós estamos em condições de o fazer, a Polícia
Judiciária costuma coadjuvar os magistrados do Ministério Público nos
megaprocessos. Aconteceu isso no caso FP 25, como o Dr. Adelino
Salvado sabe; aconteceu no processo das FP 27, o qual correu
paralelamente ao das FP 25, em que fui titular da acção penal e fui
coadjuvada por uma equipa da DCCB, que não me largava; aconteceu no
processo do Vale e Azevedo, em que o Ministério Público foi coadjuvado
pela Polícia Judiciária. Enfim, aconteceu em muitos outros processos
classificáveis de megaprocessos.
É uma tradição na Polícia Judiciária dar apoio logístico ao Ministério
Público, além de que também tem a ver com o feed-back do julgamento,
com a recolha da informação, com a análise dos resultados e não tem a ver
— não foi essa a dimensão da recomendação, chamemos-lhe assim, ou da
instrução verbal do Sr. Director Nacional — com: «Não quero a presença
de testemunhas do processo Moderna em julgamento».
Sou magistrada com muitos anos de experiência, não sou
principiante, não era um erro desses que eu estava a cometer. Não havia
nenhuma testemunha do caso Moderna presente em Monsanto e, muito
menos, na sala de audiências de julgamento. Tinha havido era algum apoio,
embora fosse fraco — com pena minha, porque gostaria de dar um apoio
maior ao Ministério Público, tinha muito orgulho em poder dá-lo — e até
disse ao Ministério Público: «Lamento imenso, estamos com falta de
meios, mas vou pedir ao meu segurança que o leve durante a primeira
semana de julgamento e que lhe dê esse apoio». Foi uma iniciativa minha,
com muito orgulho, com muito gosto.
Vi que, meses depois, essa iniciativa suscitou preocupações, pedidos
de esclarecimento e uma instrução, que não era para confusões, da parte do
Sr. Director Nacional, que disse: «Não quero ninguém em Monsanto». Era
estar em Monsanto a acompanhar o Ministério Público, a coadjuvar, não
era na sala de audiência, não tinha a ver com cautelas em relação à
produção de prova — e chamo a atenção para o facto de o Ministério
Público poder pedir a coadjuvação da Polícia. Por exemplo, no processo da
UGT eu própria determinei a coadjuvação do magistrado de julgamento
para a notificação das testemunhas. É algo que é prática na Polícia.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Está na lei orgânica.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Está, mas também é prática da
Polícia. O que não está na lei é dizer que não pode ir ninguém lá.
Entretanto, estava ainda com esse dilema, pensei: «Este homem tem-
me defendido tanto que o melhor é obedecer para não haver problemas.
Não lhe quero causar problemas». Era esse o meu espírito e obedeci
cegamente. Fui para a Alexandre Herculano, mandei chamar o coordenador
da brigada, Borlido, que estava em férias e que veio de propósito por causa
disto e fiz uma reunião com ele ao fim da tarde.
Chamei o coordenador Borlido, o Inspector Gonçalves Pica, o
Inspector Álvaro de Sousa e o Pedro, que era um inspector novo (se não me
engano, eram esses três inspectores e o coordenador, os restantes estavam
de férias) e disse-lhes: «Não vai ninguém a Monsanto. Não sei se estão ou
não a ir pessoas a Monsanto, tenho mais que fazer, é um julgamento de
porta aberta e não têm que me pedir autorização para ir a Monsanto falar
com o Ministério Público, para recolher informação, para ter um feed-back
do julgamento. Não era preciso pedirem-me autorização para isso, mas a
partir de agora não vai ninguém a Monsanto».
Eles ficaram surpreendidos, não compreenderam, não estavam no
dilema em que eu estava, até protestaram e perguntaram-me, já que a
minha relação com eles eram franca: «Sr.ª Dr.ª, mas porquê?». Queriam
compreender a legitimidade da minha ordem, porque era eu que a estava a
transmitir. E eu disse: «Não vão, porque o Sr. Director Nacional deu-me
essa instrução, e, portanto, não vai ninguém». E assim ficámos, com as
reflexões inerentes a um acontecimento destes.
Voltei a falar com o Sr. Dr. Director Nacional sobre isso, dei-lhe
contas, disse que tinha transmitido estas instruções à brigada e disse ainda:
«Mas não percebo e julgo que está a haver falta de confiança em mim».
Senti que havia falta de confiança política em mim a partir dessa data, de
forma inequívoca e irreversível.
Houve mais episódios, não sei, mas, porventura, talvez seja melhor
eu terminar por aqui…
Entretanto, para terminar, devo dizer que quando fui para férias
entreguei ao Sr. Director Nacional a estatística, que está aqui, sobre a
produtividade da DCCICEF. O Sr. Director Nacional não mostrou especial
entusiasmo em relação à estatística, só me disse — porque me fui despedir
dele pessoalmente —: «A partir de agora vão passar a fazer todos» — é a
tal estatística semestral.
A partir do segundo dia de férias tive notícia de interferências que
nunca tinham sucedido anteriormente; foi dada uma ordem de prioridade ao
processo dos combustíveis, com desorientação da brigada, em relação aos
dois processos prioritários que tinham alvos importantíssimos e em relação
aos quais estava em causa a cooperação com outros órgãos de polícia
criminal. O processo dos combustíveis vinha de uma averiguação
preventiva, desenvolvida por minha iniciativa e de acordo com as minhas
instruções, com abundância de informação e cujo inquérito eu tinha
proposto ao DCIAP em Janeiro de 2002. A prova estava garantida e estava
pendente do cumprimento de uma carta rogatória. Portanto, não
compreendi…
Também não compreendi por que é que o Sr. Director Nacional, com
quem falava todos os dias, não trocava impressões comigo sobre esses
processos, porque eu conhecia-os directamente.
Entretanto, sem que nada me fosse perguntado, foi pedida
informação por escrito em relação ao processo das finanças ao
coordenador, Sr. Calado Oliveira, para que fosse enviada ao Sr. Director
Nacional uma informação circunstanciada sobre o estado do
desenvolvimento do processo.
Perguntei ao Sr. Director Nacional se alguma vez eu lhe tinha faltado
com informação sobre a matéria, porque entendi que era uma
desautorização e que era um mau sinal estar a pedir informação de um
processo daquela natureza e sensibilidade na minha ausência e
aproveitando as minhas férias. O Sr. Director Nacional manifestou-me um
grande pessimismo a respeito do processo, acerca da probabilidade de
existirem resultados concludentes do processo. Eu disse-lhe que era
irreversível, que havia gente presa e que não havia outro caminho. Ele
mostrou-me de facto um grande pessimismo, mas isto foi tudo através de
uma conversa pelo telefone.
Seguiu o projecto de protocolo sem ter em conta todo o trabalho que
havia da DCICCEF — basta lerem o relatório anual de 2001 e as
conclusões do subgrupo de trabalho sobre a criminalidade económica,
financeira e fiscal que posso entregar a esta Comissão.
Portanto, no dia 27 de Agosto, fiquei convencida que o meu nome
entrava num pacote político; era aprovado o protocolo, era aprovada a lei
orgânica, era aprovado o projecto financeiro da Polícia Judiciária e eu não
era «aprovada». Julgo que tenho legitimidade para tirar estas conclusões.
É tudo o que eu quero dizer agora a este respeito. Prefiro aguardar
que sejam feitas mais perguntas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Sr. Presidente, não porei qualquer
questão nova, mas gostaria apenas de obter aclaramentos quanto às
questões que coloquei, que foram de algum modo referidas, mas que não
ficaram inteiramente claras.
No dia 16 de Julho deixou de haver acompanhamento do julgamento
do processo do chamado caso Moderna, em Monsanto, por instrução verbal
do Sr. Director Nacional, na sequência de um telefonema da Sr.ª Ministra
da Justiça. E, a partir daí, o segurança Pedro Albuquerque, que até aí tinha
acompanhado o procurador que coordenava a acusação, que, julgo, chamar-
se Dr. Manuel Dores, deixou de o fazer.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Há dois procuradores…
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Mas o que tem sido referido na
comunicação social é o Dr. Manuel Dores.
A segunda questão é a seguinte: confesso ser um pouco estranho que,
não tendo havido nenhum despacho de nomeação por parte da Sr.ª Ministra
da Justiça, e tendo prosseguido uma comissão de serviço que vinha de trás,
ao contrário do que por vezes se tem vindo a fazer crer, a continuação na
equipa da direcção da Polícia Judiciária tenha resultado de um contacto tido
apenas na noite da véspera do dia anterior à tomada de posse com o
Director Nacional, Dr. Adelino Salvado.
Há, quanto a esta questão, dois aspectos importantes, sendo bom que
fique claro o que é que aqui foi dito. Um deles tem a ver com uma
referência a um contacto com o Dr. Luís Bonina, anterior Director
Nacional, com quem houve contactos nesta fase, em que o Dr. Luís Bonina
terá referido que a Sr.ª Ministra da Justiça teria manifestado desagrado pela
exuberância de acções e, se bem percebi, isso teria a ver com o chamado
processo das finanças, que era na altura uma questão recente.
O segundo aspecto tem a ver com o seguinte: o Dr. Adelino Salvado
terá dito que a Sr.ª Ministra não estaria interessada na manutenção da Dr.ª
Maria José Morgado na equipa e que aquela, como disse há pouco, iria
fazer um contacto com o Sr. Procurador-Geral da República no sentido de
encontrar uma colocação compatível com o seu estatuto profissional no
Ministério Público. Gostaria de confirmar este aspecto.
Tendo em conta que se tratam de matérias demasiado importantes,
que envolvem uma alta personalidade do Estado, o Dr. Souto Moura, que
todos respeitamos, pessoalmente e pelas elevadas funções que desempenha,
gostaria de saber se há alguma indicação de que a Sr.ª Ministra da Justiça
tenha feito diligências no sentido de, por um lado, encontrar uma colocação
compatível e de, por outro, em consequência disso, não permanecer em
funções na Polícia Judiciária.
Finalmente, manifestou aqui, na parte final da sua intervenção, uma
grande preocupação do Director Nacional e, por outro lado, um grande
desinteresse relativamente ao chamado processo das finanças.
No chamado processo das finanças, pelo que recentemente vi na
comunicação social, foram confirmadas situações de prisão preventiva,
tendo um número elevado de arguidos, e vi numa entrevista sua, julgo que
ao Expresso, referência relativamente a este processo, e a processos nesta
área, que só com arrependidos é que é possível aqui obter ou constituir
prova sólida em julgamento.
Tem consciência, neste processo, por um lado, que haja uma
estratégia de desqualificação da prova e de invalidação desta possibilidade
de constituir arrependidos viáveis, disponíveis, e, por outro lado, que
estejam aqui a ser ofendidos interesses quer de altos dirigentes da estrutura
da administração fiscal quer de – segundo falou – intermediários,
angariadores, advogados, tendo com eles relações?
O Relatório de 2001 foi referido. Mesmo se não podemos ter acesso
ao tal «tijolo», pelo menos que, para já, se tenha acesso aos tais elementos.
Isso era certamente importante para o nosso conhecimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr. Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - O contacto foi na véspera, no dia
23, à noite, às 9, 10 horas da noite. Refiro-me ao tal contacto do Dr.
Adelino Salvado comigo, na véspera da tomada de posse, no dia 23 à noite.
Soube depois que tinha havido diligências do Dr. Adelino Salvado
junto do Dr. Rui do Carmo, Subdirector do CEJ, no sentido de ocupar o
meu lugar, e muito dignamente o Dr. Rui do Carmo não aceitou.
Soube junto dos meus colegas. Na Relação toda a gente sabia e isto
foi espalhado pelo próprio Dr. Adelino Salvado, que dizia que não sabia o
que havia de fazer com a Maria José porque a Ministra não a queria.. Isto é
o que corre nos corredores da Relação! Era isto!....
Isto é depoimento indirecto, porque o Dr. Adelino Salvado disse-me
a mesma coisa, que havia oposição da Ministra em relação a mim...
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Dr.ª, por depoimento indirecto - e
não o referi porque é demasiado grave -, há referência às diligências junto
do Sr. Procurador-Geral da República. Tem alguma indicação dessas
diligências?
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - Não tenho...
O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas há 21
Deputados nesta Comissão, a reunião já vai em mais de uma hora e meia e
ainda só falou um Sr. Deputado.
Portanto, peço atenção, porque se não vou ter de começar a
disciplinar de maneira diferente os trabalhos, sob pena de ser
completamente impossível aos Srs. Deputados participarem no debate.
Isto não é admissível e, portanto, peço à Sr.ª Dr.ª Maria José
Morgado para responder e aos Srs. Deputados para não tomarem a
iniciativa de falarem sem eu lhes dar a palavra.
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - O contacto foi na véspera e os
rumores que corriam, ou melhor, já não lhes chamo rumores mas um facto
notório. Toda a Lisboa sabia, apareceu na comunicação social e nunca foi
desmentido pelo Dr. Adelino Salvado.
Eu esperava, quando foi da 1.ª Comissão, que o Dr. Adelino Salvado
assumisse esse facto. Sinceramente, esperava. Talvez tenha sido a minha
última ingenuidade, mas esperava, porque fiz, na 1.ª Comissão, uma
abordagem genérica do meu pedido de demissão e, neste momento, estou a
concretizar os factos e as circunstâncias em que ela ocorreu.
O desagrado da Sr.ª Ministra em relação a mim tinha a ver com uma
acusação de excesso de visibilidade. Acho que é excesso de resultados, não
excesso de visibilidade; é a visibilidade que dá o combate à corrupção.
Esse desagrado que ela manifestou em relação ao Dr. Bonina é
depoimento indirecto, não era por causa do processo das finanças –
atenção, quero corrigir essa afirmação, não fui eu que a fiz, essa é uma
interpretação das minhas afirmações –, era por causa de uma intervenção
que eu tive na TSF. Ainda não se sabia quem era o director nacional e
perguntaram-me se eu estava disposta a continuar na Polícia; eu disse que
os operacionais, os homens e mulheres da DCICEF, estavam dispostos a
continuar a combater a corrupção fosse quem fosse que viesse a assumir
essa direcção.
Estas minhas palavras deixaram a Sr.ª Ministra da Justiça muito
desagradada e ela transmitiu esse desagrado ao Dr. Bonina. Achava que
havia excesso de visibilidade da minha parte! Mas era a propósito daquilo
que ela chamou entrevista na TSF, que não foi uma entrevista mas umas
meras palavras. Portanto, quero corrigir isso.
Em relação ao Sr. Procurador-Geral da República, sei o que o Dr.
Adelino Salvado me disse. Porventura, o Sr. Procurador-Geral da
República melhor do que ninguém saberá explicar o que se passou.
Em relação ao processo das finanças, é verdade que estávamos a
trabalhar uma hipótese de arrependidos, a concretizar-se em Setembro, no
meu regresso de férias.
A questão dos arrependidos ou dos agentes colaboradores, ou como
lhes queiram chamar, tem um quadro legal previsto, mas o quadro legal não
faz milagres, pois é preciso haver confiança nas instituições e em quem está
a trabalhar naquele momento. É uma matéria que precisa de alguém que
lidere o processo e faça a ligação entre a Polícia e o Ministério Público e
com o próprio colaborador. Tive situações dessas, em que tem de se falar
com o colaborador, tem de se expor quais são as suas obrigações, qual é o
seu estatuto no processo, saber se a pessoa está disposta ou não. Portanto, é
preciso alguma sensibilidade e algum treino, algum empenho nesta matéria.
De facto, isso estava previsto mas não faço ideia sequer se o Dr.
Adelino Salvado sabe isso ou não, porque, como digo, ele mostrou sempre
pessimismo a respeito desse processo. Disse-me que achava que este
processo não ia dar nada! É claro que estes são processos terríveis, são do
mais difícil que há, suscitam oposições de toda a parte e se não há apoio de
um director nacional nesta matéria é o desanimo!
Não sou muito dada a desanimos, mas, de facto, que ele me disse, a
mim, que achava que o processo não ia dar nada... Pronto, é uma opinião!
Até pode ser que não dê nada! Só a evolução da investigação o
demonstrará. Porque, quando me pediram para pedir a demissão, ninguém
me deu aquilo que o Sr. Director Nacional pediu aqui, na 1.ª Comissão, na
Assembleia da República, que foi tempo. Eu não tive tempo!
Estava num princípio de trabalho, estava a ensaiar novos métodos,
que nunca se tinham ensaiados neste país, porque aquilo que se está a fazer
no crime económico só se fazia no tráfico de droga e no banditismo, nunca
se fez no crime económico. Nunca houve operações com recolha de prova,
com buscas e com detenções. Nunca! E nós fizemos mais de 100 detenções
na DCICCEF, todas, todas consideradas legais e confirmadas pelos juizes
de instrução criminal.
As buscas foram todas confirmadas pelo juiz de instrução criminal,
não houve um fragmento de qualquer diligência que tenha sido considerado
irregular, tão pouco, para já não falar de ilegal!
E, mais: conseguiu-se, em menos de um ano, julgamentos de fraudes
gravíssimas como o caso Vale e Azevedo, que era um símbolo de
impunidade neste País, como o caso de fraude ao IVA em carrossel, que é
dos processos mais difíceis que estiveram em tribunal neste país e que
houve condenação em Junho. Isto consegui-se em menos de um ano!
Alguma coisa isto deve querer dizer, apesar de tudo! É claro que não
fiz metade daquilo que me propunha fazer, aquilo que foi feito foi muito
pouco, mas houve de facto uma viragem, houve uma mudança e houve uma
percepção disso por parte da opinião pública. Houve prestígio para a
Polícia Judiciária!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José
Morgado, permita-me que, em primeiro lugar, a cumprimente e agradeça a
sua colaboração nesta Comissão de Inquérito, com vista ao esclarecimento,
como disse, e bem, da verdade e só da verdade, no caso a verdade material
e não a verdade formal, e muito menos a dita verdade parlamentar.
Deixe-me dizer-lhe desde já, numa primeira abordagem desta
questão, que nós também partilhamos da observação feita a dado passo da
sua exposição, de que a questão central que deveria aqui ser discutida era
de facto a questão do combate eficaz ao crime económico-financeiro e ao
crime organizado. Essa é que é a questão central! As linhas estratégicas
desse combate é que deveriam estar aqui a ser discutidas e não, como
manifestamente ocorre, aqui e acolá, questões marginais, espúrias, e muitas
delas eivadas de mera conjectura e de mera especulação e, como tal,
indemonstráveis.
Aliás, en passant, deixe-me dizer-lhe que por duas vezes fez
referência ao facto público e notório, represtinando uma observação que já
tinha feito na 1.ª Comissão, aquando da sua passagem aí, há um mês atrás,
mas ao contrário daquilo que afirma, que o facto público e notório não
precisa de ser provado – na verdade, está ali um colega meu que aprecia
muito estas citações, há um brocardo latino que diz notoria non est
probatione, ou seja, os factos notórios não precisam de prova –, este facto
concreto, que V. Ex.ª apoda, a meu ver irroneamente, de facto público e
notório, não o é, porque tem de ser provado.
Quando V. Ex.ª diz que a Sr.ª Ministra da Justiça não a via com bons
olhos, ou que a Sr.ª Ministra da Justiça e o Sr. Dr. Paulo Portas tinham
medo de V. Ex.ª, far-me-á a justiça de admitir que esta matéria não está
provada por natureza, necessita de prova, manifestamente não é um facto
público e notório.
Esta é apenas uma observação marginal, mas que obviamente tem
relevo no contexto da sua intervenção, que, aliás, apreciei, deixe-me dizer-
lhe, até porque boa parte dela está manifestamente eivada, citando Vitorino
Nemésio «de uma abundância de alma». Ou seja, aquilo que V. Ex.ª
expressa aqui, estou em crer, é exactamente aquilo que V. Ex.ª sente e
pensa relativamente àquele que é o caminho, a via a trilhar pela Polícia
Judiciária com vista à eficácia do combate ao crime económico-financeiro
e ao crime organizado. Não tenho sobre isso a menor dúvida e não tenho
qualquer pejo em afirmá-lo com toda a seriedade e frontalidade!
Mas vamos às questões concretas que lhe queria colocar e, desde
logo à primeira, aquela que se antolha evidente e incontornável, que é, de
facto, o fio condutor das razões que enformam a sua demissão da direcção
da DCICCEF.
Manda a verdade dizer que, numa primeira fase, quiçá um pouco
pressionada pelas contingências ocasionais desse mesmo dia, V. Ex.ª
começa por enviar, da Junta de Turismo da Ericeira, um fax ao Sr. Director
da Polícia Judiciária apresentado a sua demissão.
Aliás, é curioso constatar – e esta análise, ou psicanálise, não é de
todo em todo irrelevante – que até no próprio texto da carta se nota alguma
pressão da parte de V. Ex.ª na elaboração do referido texto, posto que
corrige por duas vezes o próprio termo da demissão, começando por dizer
«venho (e depois corta o «venho») apresentar a de (e depois corta o «de)
demissão», o que significa ou indicia – e para quem anda no mundo direito
estas questões têm relevo, e eu prezo-me de andar há muito neste mundo e
ter a preocupação de perceber muitas vezes o que é que subliminarmente
decorre do conteúdo das mensagens – uma situação de alguma pressão da
parte de V. Ex.ª na elaboração dessa carta de demissão.
O que é facto é que ela é absolutamente clara e inequívoca
relativamente ao seu conteúdo, que é, pura e simplesmente, a demissão das
funções de directora da DCICCEF, e a jusante, dois dias depois, aí com
certeza com alguma detença – citando agora Saramago –, com alguma
ponderação e reflexão, V. Ex.ª reitera o teor desse mesmo fax, mas agora
com particular percuciência relativamente às razões fundamentadoras da
sua demissão. E quais são elas? Desde logo – repare-se neste detalhe –
única e exclusivamente razões de estratégia operacional respeitantes à
organização desta Direcção Central. Há aqui um cuidado particular de V.
Ex.ª de eliminar qualquer tipo de especulação ou de conjectura, como hoje
aqui se procura joeirar, à vol d’oiseau, dizendo que é única e
exclusivamente por questões de natureza, de estratégia operacional
respeitantes à organização desta Direcção Central.
Manda a verdade dizer também que V. Ex.ª é coerente, porque na
intervenção que fez aqui na 1.ª Comissão, a 11 de setembro, reitera ipsis
verbis esta expressão. V. Ex.ª, na exposição escrita que traz à 1.ª Comissão,
começa exactamente por utilizar, sem tirar nem pôr, esta expressão
concreta «questões de estratégia operacional respeitantes à organização
desta Direcção Central». Isto é claro, clarinho!
Em segundo lugar, segundo a nota dessa sua missiva, V. Ex.ª faz
questão em sublinhar que repudia — e de forma veemente, como aliás, aqui
está expresso — toda e qualquer interpretação de natureza política,
nomeadamente a que tinha sido feita por certos órgãos de comunicação
social, a qual lhe era inteiramente estranha. V. Ex.ª rechaça, de uma forma
peremptória, toda e qualquer especulação que se faça relativamente às
putativas pressões políticas que alguns, na altura, suscitavam que V. Ex.ª
teria sofrido. Está aqui dito, preto no branco.
E, por último, V. Ex.ª vai ao ponto de — stupete gentes! — traçar, in
fine, um elogio ao próprio Sr. Director Nacional, posto que diz que (e
penso que isto não será apenas uma mera cortesia ou uma mera elegância
da sua parte) «para aceitar este repúdio, relativamente a essas especulações
e a essas interpretações, como prova da minha consideração pessoal e
profissional e prova do meu respeito por V. Ex.ª».
Bom, esta expressão revela da sua parte, naturalmente, cortesia e
elegância, mas estou em crer que, até pela sinceridade e genuinidade do seu
depoimento, também corresponde, em rigor, àquilo que efectivamente lhe
ia na alma, àquilo que V. Ex.ª pensava, naquela altura, naquele momento,
sobre o Sr. Director Nacional.
A posteriori, como já referi, a 11 de Setembro, ainda com mais
detença, com mais ponderação, mais reflexão — sem que haja, aqui,
qualquer argumento lateral de precipitação ou de ligeireza —, V. Ex.ª
reitera estas mesma razões na exposição que faz no início da sua
intervenção na 1.ª Comissão.
A questão que importa aqui colocar, com a toda a sagacidade e
pertinência, é esta: há alguma nuance, há algum facto superveniente, há
alguma razão ulterior que tenha levado V. Ex.ª a mudar de opinião? Será
que as razões que V. Ex.ª expendeu, no momento em que elaborou o fax
enviado da Junta da Ericeira, o fax de 29 de Agosto, e a exposição que aqui
apresentou no dia 11 de Setembro, na 1.ª Comissão… Será que ocorrerem
alguns factos a posterior que tenham levado V. Ex.ª a retractar-se? A
desdizer o que disse? A mudar de opinião?
Se há, gostava que V. Ex.ª esclarecesse. Porque, de outra forma, o
que fica patente e notório — aqui, sim, é um facto público e notório, que
não necessita de prova — é que V. Ex.ª, de uma forma clara, reiterada,
persistente, sempre defendeu que as razões determinantes da sua demissão
nada tinham a ver com as supostas pressões políticas, que aqui se está a
tentar esclarecer, mas única e exclusivamente por razões de estratégia
operacional.
Aliás, ainda a esse respeito, deixe-me dizer-lhe que V. Ex.ª também
foi muito clara na 1.ª Comissão. V. Ex.ª disse, até dado passo, que era
imune a pressões, porque isso fazia parte da essência do próprio
magistrado. E até utilizou esta expressão curiosa: «sou daltónica, ou seja
estou absolutamente imune a qualquer tipo de pressões».
Portanto, isso é acusação ou imputação que seguramente não colhe,
relativamente ao seu perfil idiossincrático. V. Ex.ª foi clara sobre isso e,
portanto, gostava de perceber claramente o que é que aconteceu — se é que
aconteceu alguma coisa — para V. Ex.ª ter hoje, sobre esta matéria, uma
opinião diferente da que tinha no dia 27 de Agosto, no dia 29 de Agosto e
no dia 11 de Setembro.
Segunda questão: mais coisa menos coisa, da análise atenta das suas
declarações, aqui, hoje e do cotejo com as declarações que V. Ex.ª proferiu
a 11 de Setembro na 1.ª Comissão e, bem assim, comparando essas
declarações com o que foi dito pelo Sr. Director Nacional da Polícia
Judiciária, é absolutamente incontornável concluir — é um postulado
axiomático — que o que está aqui na génese desta discrepância e deste
conflito é apenas uma questão de modelo organizacional da Polícia
Judiciária.
E eu diria, muito brevemente, que V. Ex.ª defende um modelo bem
sustentado, com as razões a jusante justificadoras da complexidade e
especificidade da comunidade económico-financeira.
V. Ex.ª cita três pontos: a dificuldade da natureza da criminalidade
investigada, a questão da utilização de vários filtros na comunidade
económico-financeira, a dificuldade dos tribunais e o logro na feitura e na
realização da prova. Até, a dado passo, creio que cita a depressão que é
objecto de um case study feito pelos ingleses, relativamente ao gato que
existe entre o esforço feito pelos investigadores e o insucesso quanto à
prova produzida em tribunal — o que, aliás, é um facto também manifesto
e conhecido.
Sabemos estas razões, que aliás, são fundadas. Conhecemos o seu
modelo, as recomendações do Conselho de Tempere, a UCLEFA (Unidade
de Coordenação da Luta conta a Evasão e a Fraude Fiscal e Aduaneira), a
GRECO, enfim, todas essas instâncias internacionais que apontam para
uma estrutura central organizada que possa ser eficaz no combate à
criminalidade económico-financeira, face ao seu carácter mutante (esta
expressão é sua) e à sua recomposição rápida. Conhecemos e sabemos.
A pari, a opinião do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária é
outra. Sabemos que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária também,
de uma forma bem intencionada, procura combater com eficácia a
criminalidade económico-financeira, mas sustenta que tem de haver alguma
parcimónia de meios; sustenta que tem de haver uma estrutura centralizada;
que não pode haver «sol na eira e chuva no nabal», em matéria de meios
dispostos pelos diversos departamentos da Polícia Judiciária.
Nesse sentido, ele preconiza o modelo atinente à centralização dos
departamentos, que V. Ex.ª interpreta como uma desconcentração das
competências que vai levar à perda de eficácia do combate ao crime
económico-financeiro e sabemos que ele também defende a criação de um
novo departamento que possa fazer a gestão financeira de todos os
departamentos da Polícia Judiciária. Daí, de facto, a proposta por ele
veiculada e já alinhavada de uma reforma da Lei Orgânica da Polícia
Judiciária.
Em suma, tudo visto e ponderado, o que está aqui em causa é
somente isto: são dois modelos diferentes de organização da Polícia
Judiciária, que, salvo melhor opinião, qualquer um deles tem, pelo menos,
o benefício da dúvida de poder ser eficaz no combate ao crime económico-
financeiro e ao crime organizado transnacional. Pelo menos, temos de dar
esse benefício da dúvida.
Ou, então, pergunto à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: será que V.
Ex.ª, sem prejuízo da inegável competência que lhe reconheço e que,
penso, todos lhe reconhecem, julga ter um monopólio dos instrumentos e
do conhecimento necessário para traduzir o combate à criminalidade
económico-financeira num combate eficaz? Será que V. Ex.ª é uma pessoa
insubstituível nessa matéria? Será que apenas o seu modelo é exequível,
para que esse combate se traduza em sucesso e em êxito? Ou admite que
possa existir um modelo diferenciado que conduza aos mesmos resultados
ou até a melhores do que V. Ex.ª apresentou enquanto dirigiu este
departamento?
Terceira e última questão: V. Ex.ª elencou, e bem, algumas das
actividades concretas desenvolvidas pelo departamento que dirigiu. Focou,
de facto, algumas prioridades sobre essa matéria, a una voce. Penso que
ninguém pode questionar a bondade e o acerto dessas prioridades.
Mas há uma questão fulcral que se suscita num Estado de direito
democrático, como o nosso, que se rege inexoravelmente pelo respeito
escrupuloso do princípio da legalidade, que é esta: nós sabemos que a
legitimidade da acção penal compete ao Ministério Público; nós sabemos
que a competência funcional para a investigação e para a tutela da
investigação criminal compete ao Ministério Público; e nós sabemos que à
Polícia Judiciária está confinado o papel de executor das tarefas de
investigação criminal sob alçada, tutela e legitimidade do Ministério
Público — a legitimidade funcional é do Ministério Público.
Sendo assim, mister se torna perguntar se nas situações concretas que
teve oportunidade de enunciar, nas averiguações privativas levadas a cabo
pela Polícia Judiciária e pelo seu departamento sob a sua direcção,
relativamente à história de Monsanto e aos Srs. Agentes da Polícia
Judiciária, que se encontravam em Monsanto a fazer o acompanhamento do
processo, procurando indagar e perscrutar aqui e ali elementos que
pudessem conduzir a um aprofundamento da investigação criminal
(naturalmente que ninguém põe em causa o desidrato ou o escopo desse
esforço feito pelos elementos da Polícia Judiciária), se, nesse caso concreto,
existia também a tutela funcional do Ministério Público.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Era a pedido do Ministério
Público, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Neto (PSD): — É essa questão que quero colocar.
Há instruções, há directrizes do Ministério Público para realizar esse
tipo de investigação?
São estas as questões que queira deixar, para já, à Sr.ª Dr.ª Maria
José Morgado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sr. Presidente, Sr. Deputado
Jorge Neto, no que diz respeito à carta — ela é pequena, até dá para a
decorar —, o que se passa é o seguinte: quando eu peço a demissão, não
tinha o domínio funcional do facto; não tive a iniciativa, fui empurrada.
Tenho orgulho e senti alguma necessidade de proteger as pessoas que
deixava de especulações nefastas. Foi, talvez, o último serviço que prestei à
Polícia Judiciária. Mas é assim! Ou talvez um erro, não sei. É o que é, e
não vale a pena ler, reler…
É uma carta escrita por quem não tem o domínio funcional do facto,
não sabe o que vai acontecer. E a carta fala das minhas intenções e não das
intenções de terceiros.
Bom, mas entrando nas intenções de terceiros, perguntou se houve
factos supervenientes à carta. Sim, estava convencida que havia uma
estratégia para a Polícia Judiciária por parte do Director Nacional, mas o
que sei é que, até ao dia de hoje, nada mudou na DCICCEF; tirando a
minha substituição e a demissão do Dr. Carlos Farinha, está tudo
rigorosamente na mesma. Pode não ter havido tempo para mudar as coisas,
mas nada mudou.
Além disso, lendo a intervenção do Dr. Adelino Salvado perante a 1.ª
Comissão, fiquei com a ideia de uma ausência completa de linhas
estratégicas para a Polícia Judiciária no combate ao crime organizado
internacional, porque o combate ao crime organizado internacional tem no
seu coração o crime económico, por causa dos circuitos financeiros.
Os circuitos financeiros são comuns à droga, à fraude fiscal, ao
branqueamento, à fraude ao IVA, à fraude aos IEC. E, como os circuitos
financeiros são comuns, todas as investigações envolvem aquilo a que os
americanos chamam follow the money; envolvem tracing, sized and
confiscation dos bens, produtos e vantagens da actividade criminosa;
envolvem cooperação com especialização.
Tem de haver direcções centrais temáticas. Tem de haver direcções
centrais ligadas a estas três grandes áreas da criminalidade: tráfico de
droga, crime económico e banditismo. E essas três direcções centrais têm
de fazer troca de informação. Para isso é que existe o Sistema Integrado de
Informação Criminal, que o Sr. Director Nacional, porventura, ainda não
percebeu para o que é que serve.
Srs. Deputados, foi criada uma secção central de branqueamento sem
nunca referir as directivas de 26 de Junho de 2001, sobre a apreensão,
detecção e confisco de bens, proventos e vantagens das actividades
criminosas e sobre a prevenção do sistema financeiro em relação às práticas
de branqueamento de capitais; sem referir a actualização da directiva de 12
de Junho de 2001; sem referir a convenção do branqueamento de capitais,
sendo baseada num protocolo que define como âmbito, apenas, o
branqueamento, nomeadamente em termos de crimes tributários.
Ora, a orientação internacional e as necessidades de detecção e
combate à fraude económico-financeira não correspondem ao que está no
protocolo. É um protocolo que não visa a detecção, o congelamento e o
confisco de vantagens e produtos do crime; que não visa a detecção, o
congelamento e o seguimento dos «dinheiros» que circulam e que são
«dinheiros milionários» produzidos por estas actividades criminosas.
Em nenhuma parte do protocolo se fala do confisco; em nenhuma
parte se fala do seguimento das operações financeiras. É um protocolo que
é um vazio! É um protocolo que é copiado do plano de trabalho da
UCLEFA. E, se os Srs. Deputados a virem a constituição da UCLEFA, as
entidades que aí têm assento são as entidades que têm assento no protocolo.
É um deslocamento, uma deslocação da UCLEFA para a Polícia Judiciária.
Ou seja, temos uma UCLEFA que, em vez de ser dirigida pelo Sr.
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é dirigida pelo Sr. Director
Nacional da Polícia Judiciária. Estar a falar-se que esse protocolo e esse
acesso às bases de dados é para ter acesso à informação em tempo real, é
nada saber de criminalidade, porque a informação em tempo real vem da
rua, vem dos operacionais, não é adquirida de «rabo sentado» a consultar
dados institucionais!
Os dados do IRC, do IRS, do património, dos automóveis e do
registo dos imóveis são inertes, são dados para serem utilizados em ligação
com a investigação criminal, para serem operacionalizados e são criados ao
nível de uma estrutura meramente burocrática e administrativa!
Isto é a morte da investigação e vai ser a morte das direcções
centrais, dado que temos uma secção central de branqueamento
burocratizada, porque, diga-se o que se disser, os meios são escassos e para
haver duas secções centrais, uma de branqueamento e uma de vigilâncias,
têm de retirar-se as vigilâncias, os inspectores, os inspectores-chefes e os
coordenadores às direcções centrais, e, se isto ocorrer, as direcções centrais
ficam «cegas», «sem braços», «sem pernas» e soçobram no dia seguinte!
Na DCICCEF existe uma brigada de vigilâncias com seis pessoas.
No dia em que se tirarem duas pessoas dessa brigada acaba-se a pró-
actividade no combate ao crime económico, e a pró-actividade no combate
ao crime económico começou com o caso Venigod, em Outubro de 2001,
por causa da constituição desta brigada. Andava-se há dois anos à procura
do autor principal do crime, que não se conseguia encontrar, e ele foi
encontrado numa semana, graças ao bom trabalho da brigada de
vigilâncias! Está percebido, Sr. Deputado?
De maneira que o centralismo defendido pelo Dr. Adelino Salvado é
um centralismo vazio, sem quadro estratégico, sem conhecimento das
recomendações internacionais em relação ao crime organizado
internacional.
Considero que o crime económico está no coração do crime
organizado internacional e que os países têm de centralizar o seu combate
na detecção, na apreensão dos bens e no seguimento das operações
financeiras e o protocolo não refere nada disso! Esse protocolo vai ser o
vazio! É um protocolo que nem sequer refere a corrupção, que é um
instrumento «potenciador» e vital de todas as práticas do crime económico
organizado!
E é preciso não esquecer que houve uma reunião, aquando da
presidência dinamarquesa da União Europeia, em 26 e 27 de Setembro,
cujas conclusões tenho comigo! Basta os Srs. Deputados compararem estas
conclusões com o que consta deste protocolo! As conclusões chamam a
atenção para o facto de o crime organizado internacional procurar o ganho
financeiro e económico e de os países terem de centrar a sua atenção na
detecção e congelamento dos bens, no congelamento dos produtos
financeiros desses bens, mas o protocolo não tem uma única linha sobre
isto, nem na motivação nem no âmbito!
É um protocolo que nem sequer refere a corrupção como crime
precedente do branqueamento! A tendência internacional é a de
alargamento dos crimes precedentes: a Lei n.º 10, de 2000, alargou o
âmbito dos crimes precedentes até aos crimes puníveis, em abstracto, com
pena de cinco anos de prisão e o protocolo refere meramente os crimes
tributários. E sabem porquê, Srs. Deputados? Quando perguntei ao Sr.
Director Nacional, Dr. Adelino Salvado (na altura, pelo telefone, porque
este protocolo nunca foi discutido por mim, nunca me foi mostrado, foi
discutido quando eu estava de férias), por que é que o protocolo não referia
a corrupção, a fraude internacional, o banditismo, o tráfico de pessoas, a
pedofilia na internet, etc., ele disse-me que agora a única coisa que
preocupava o poder político eram os crimes tributários e que só assim é que
o protocolo passava, quanto ao resto, depois logo se via, porque eram actas
adicionais.
Trata-se de um protocolo que é uma «letra morta», porque é
burocrático, não se articula com a investigação, não corresponde às
necessidades de combate ao crime organizado internacional, não se baseou
no treino e na experiência dos investigadores.
Como eu disse (perguntem ao secretariado da UCLEFA), havia dois
grupos de trabalho, sobre protocolos e sobre acesso a bases de dados, e eles
não foram ouvidos! Foram chamados à reunião de protocolo a Subdirectora
Mariana Raimundo e o Inspector-Chefe do contrabando organizado, apenas
por uma questão de descargo de consciência, mas não foram utilizados a
experiência nem o trabalho da DCICCEF nesta matéria e este protocolo foi
feito para deslocar os poderes que existiam na UCLEFA, sob a direcção do
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para a direcção do Dr.
Adelino Salvado!
E é um protocolo burocrático, porque todo o acesso à informação
sem reforço da operacionalidade é uma aberração, como é uma aberração a
secção central de vigilâncias, porque está desligada das investigações, aliás,
está desligada das tipologias da criminalidade, está desligada do treino, não
sabe o que é que está fazer! Ficam as direcções centrais «cegas», «surdas»
e «mudas» e fica a secção de vigilâncias «cega», «surda» e «muda», porque
não sabe o que é anda a fazer!
Aliás, a respeito de centralização, o modelo que posso conceber que
o Dr. Adelino Salvado defende é um modelo de centralização burocrática
vazia, com regionalismos. Eu defendo um modelo de centralização
especializada, com assento nas direcções centrais, no apoio à investigação,
no apoio ao departamento de perícia financeira e contabilística, no apoio à
informática.
Na última operação de recolha de prova num caso de corrupção, na
DCICCEF, vieram para a Polícia Judiciária 14 CPU. Não sei se o Sr.
Deputado sabe o que é que isto representa em termos de análise de
informação! Onde é que, na alteração da lei orgânica e até mesmo no
protocolo, é atribuída qualquer prioridade às novas tecnologias e à
formação da Polícia Judiciária nessa matéria?
Quanto à pedofilia na internet, defendi, e fiz aprovar isso, a
competência nacional exclusiva da secção central de investigação
informática, em matéria de pedofilia na internet. Além disso, centralizei as
vigilâncias. Quando entrei na DCICEF não havia vigilâncias mas, sim, um
grupo que fazia recolha de prova ao nível da contrafacção de moeda. Aliás,
fui criticada por fazer despachos eivados de autoritarismos desnecessários.
Eram despachos centralizadores. Considero que defendia a centralização.
O que o Dr. Adelino Salvado fez foi tomar uma série de medidas ad
hoc, que correspondiam a medidas propostas por mim, ideias do Dr.
Bonina. Eu fui a primeira pessoa que falei na secção central de
branqueamento. Falei disso nesse sábado, dia 24! Aliás, disse-lhe que só
havia uma condenação por branqueamento em Portugal! Fui eu que falei
nisso, não é produto de estudo do Dr. Adelino Salvado, nem tem de ser,
mas era bom que as pessoas reconhecessem os antecedentes!
Também era bom que as pessoas reconhecessem que tem de haver
uma polícia moderna e que, para isso, é preciso construir novos
instrumentos, mas respeitando aqueles que vêm do passado! E não pode
dizer-se que se encontrou a Polícia Judiciária em marcha para a decadência,
com disse o Dr. Adelino Salvado! Então, uma pessoa que não tem um
projecto para a Polícia Judiciária, que não tem um programa, encontra a
Polícia Judiciária em marcha para a decadência e em três meses faz uma
Polícia Judiciária nova?!… Isto tem sentido? Há aqui qualquer coisa que
não bate certo!
E o que eu afirmo é que o Dr. Adelino Salvado ou não tem um
programa para a Polícia Judiciária ou tem um programa que,
objectivamente, há-de traduzir-se na «desoperacionalização» das direcções
centrais! Porquê? Porque cria estruturas centrais burocráticas de
investigação de «rabo sentado», sem ligação com o terreno, sem
conhecimento das tipologias da criminalidade! Não vejo no protocolo a
definição de nenhuma tipologia de criminalidade!
Vejam que neste grupo de trabalho sobre a fraude financeira
económica fiscal há uma definição sobre tipologias de criminalidade e as
pessoas têm a ideia de que é preciso detectar as fontes ilícitas da riqueza, os
sinais exteriores de riqueza, recolher informação nessa matéria, fazer
averiguações pluridisciplinares e propor ao Ministério Público a
instauração de inquéritos, mas com cooperação entre as instituições! E isso
não se faz com projectos hegemónicos em que a Polícia Judiciária assume a
competência de todos os OPC existentes no País, sem nenhuma
preocupação de harmonização legislativa, porque o quadro legislativo, no
que respeita ao combate à fraude, é uma manta de retalhos! E o que vai
acontecer, em relação à alteração da Lei Orgânica da Polícia Judiciária no
combate aos crimes tributários, é uma sobreposição de competências com o
REGIT, com as consequências inerentes no desenvolvimento dos
inquéritos, levantando-se questões que depois terão que ver com a
competência material do OPC, com atrasos e com impossibilidade de
realização de justiça em tempo útil.
Em relação ao monopólio, a questão não é a do monopólio ou a de
ser insubstituível, a questão, Sr. Deputado, é ter convicção no modelo que
se defende, é ter um modelo que, apesar de tudo, é copiado pelo Dr.
Adelino Salvado, porque os comunicados à imprensa e as operações com
visibilidade foram um modelo que eu lancei na Polícia Judiciária e que o
Dr. Adelino Salvado prossegue, sem ao menos ter a humildade de dizer
onde é que se inspirou.
Gostava que o Dr. Adelino Salvado, quanto à investigação da brigada
de trânsito, dissesse o que encontrou feito na Polícia Judiciária por uma
brigada de três inspectores. O trabalho que hoje foi desencadeado foi um
trabalho de ano e meio de três inspectores.
Portanto, a questão é a convicção dos modelos, é a realização da
justiça em tempo útil, é a actuação em tempo real, é o modelo novo de
combate à criminalidade económico-financeira, mas é o modelo que se
baseia no conhecimento das tipologias da fraude, que é uma coisa de que o
Dr. Adelino Salvado não mostra conhecimento! O Dr. Adelino Salvado
nunca falou aqui em tipologia de fraude, nunca falou em prioridades!
Eu não sei qual é a prioridade para o Dr. Adelino Salvado, se é o
tráfico de droga, se é o banditismo, se é o crime económico. Eu digo que é
o crime económico, porque ele é transversal, atravessa a criminalidade
organizada internacional - é o que dizem as instâncias internacionais, mas
não é isso que diz o Dr. Adelino Salvado – e o crime económico e o crime
organizado internacional visam o lucro, geram lucros milionários e não há
nenhuma investigação que possa ser feita sem acesso à informação, sem
especialização financeira, contabilística, bancária, informática. Isso não é
feito com protocolos - todos os dias são publicados protocolos no Diário da
República -, mas com o reforço da prevenção, com análise!
Em vésperas de ir para férias, pedi ao Dr. Adelino Salvado mais uma
pessoa para análise, na DCICCEF, porque precisava de acompanhar a
investigação com análises. Tínhamos análise na moeda: o trabalho feito na
contrafacção da moeda, por parte de DCICCEF, é notável; o trabalho de
prevenção em relação ao euro é um trabalho notável. Vejam o site da
Polícia Judiciária, na internet, sobre o euro, e verifiquem se alguém, o Dr.
Adelino Salvado ou a Dr.ª Maria Celeste Cardona, o refere.
Sr. Deputado, eu terminei o meu tempo à frente da Polícia Judiciária.
Podem falar de estatísticas, fazer análises quantitativas de estatísticas, o
que quiserem, o que é certo é que saí a meio do meu trabalho e tinha uma
estratégia e prioridades definidas para três anos.
Além disso, estou em desigualdade de circunstâncias e numa
situação adversa: uma coisa é responderem perante esta Comissão um
Director Nacional e pessoas que têm acesso à informação e à
documentação, outra coisa é responder uma pessoa que está fora e cuja
demissão foi aceite. Há aqui uma desigualdade de armas que não me
impressiona, nem me aflige e à qual estou habituada. Nunca me habituei a
estar em posições fáceis, portanto no dia em que eu tivesse uma posição
fácil estranharia.
E esta posição não é fácil, mas é bom que os Srs. Deputados tenham
noção disso, porque não eu estou numa posição igual à do Director
Nacional e à da Sr.ª Ministra mas, sim, numa posição completamente
diferente e não sou daquelas pessoas que saem com o caixote de fotocópias
atrás; aquilo que eu trouxe é aquilo que estou a dizer à Comissão.
Quanto à tabela de casos que foram desencadeados enquanto estive
na Polícia Judiciária, à frente da DCICCEF, que são uma dúzia, e que
correspondem ao caso Vale e Azevedo; ao caso da fraude ao imposto
automóvel, em que foram apreendidos 32 automóveis, em Março de 2001;
ao caso Venigod, em Outubro de 2001; o caso Alcazar, que foi agora
distribuído para julgamento, em Novembro de 2001: ao caso do pedófilo,
que, numa operação em que participaram 19 países, foi o único arguido
cuja prisão foi confirmada, em Dezembro de 2001; o caso dos barcos da
Expo, em Março de 2002; o caso da fraude nas farmácias, em Fevereiro de
2002; o caso das finanças, em Abril de 2002; o caso da Carré & Ribeiro,
em Maio de 2002, o caso da Brisa, em Junho de 2002; o caso Venâncio,
que era um industrial de máquinas de fortuna e de azar e que está preso…
…o caso da fraude nas farmácias em Fevereiro de 2002, o caso das
Finanças em Abril de 2002, o caso da Carré & Ribeiro em Maio de 2002, o
caso da Brisa em Junho de 2002, o caso Venâncio, um industrial de
máquinas de fortuna e de azar, que está preso por corrupção a agentes da
PSP, em Julho de 2002, o caso Vitória de Guimarães em Julho de 2002.
Todos estes casos demonstram prioridades que correspondem à
análise de níveis de risco insuportáveis na sociedade portuguesa e a uma
visibilidade de ataque com impacto, da qual me orgulho e que, agora, é
imitada e seguida por todos os que lá ficaram!
No dia em que se despediram de mim, no dia em que escrevi esta
carta, havia coordenadores inspectores-chefe voltados para a parede a
chorar, que se despediram de mim dizendo que sabiam que eu tinha um
projecto e que iam segui-lo! Está a perceber, Sr. Deputado?! Isso,
provavelmente, é uma coisa íntima entre mim e os operacionais, mas eles
sabem que havia um projecto, e não era um projecto pessoal, era um
projecto de ataque à corrupção, ao crime organizado internacional.
O modelo é imitado! O modelo está cá - os comunicados de
imprensa, as buscas, as detenções, as apreensões -, simplesmente, se não
houver prevenção com recolha, análise e tratamento de informação, se não
houver formação dos operacionais em matérias como, por exemplo,
contabilidade, informática, empreitadas e obras públicas, formação para
saberem, em termos de prioridades, o que há na corrupção… Que
prioridades há em termos de corrupção? Finanças, autarquias, corrupção no
futebol. Que análises são feitas nessa matéria? Os IEC, fraude ao IVA em
carrossel. O que se passa na fraude ao IVA em carrossel? Quantas pessoas
estão presas? Qual é o modus operandi? Quais são as tipologias?
Estávamos a fazer isso! Aliás, em comum com a DCITE, a DCICCEF e os
elementos representantes das instituições financeiras estávamos a fazer as
tipologias do branqueamento.
Nem sei se o Sr. Director Nacional sabe que isto existe, mas fizemos
uma compilação de práticas, de procedimentos em matéria de
branqueamento de capitais. Para quê? Para informação da banca também na
matéria das instituições financeiras, porque hoje, mais do que nunca, não
pode combater-se o crime organizado internacional nem no «buraco» nem
com estruturas centralizadores, burocráticas, meramente administrativas de
investigação de «rabo sentado»; essas estruturas são uma aberração!
Aposto que, daqui a um ou dois anos, se se seguir este modelo, as
direcções centrais vão soçobrar, e se soçobrarem as direcções centrais não
haverá detecção, não haverá identificação dos fenómenos, não haverá
combate ao crime organizado internacional.
Isso não é possível com estruturas centralizadoras burocráticas, com
regionalismos e medidas ad hoc! Porque isto são medidas ad hoc, todas
elas tomadas numa sofreguidão regulamentar como nunca vi, e nem sei
porquê! Na Polícia Judiciária, neste momento, não há momento para
pensar, não há tempo para reflectir, não há tempo para ponderar nada, tem
é de haver um regulamento por dia, sem definição de quadros estratégicos,
sem tipologias de criminalidade, sem conhecimento de tendências de
respostas, sem avaliação do que se passa ao nível dos meios específicos de
prova!
A respeito do Ministério Público, Sr. Deputado, posso dizer-lhe que
sou magistrada do Ministério Público e que as prioridades são definidas
pela Polícia Judiciária, não pelo Ministério Público. Porquê? Sr. Deputado,
vá ver a lei de organização de investigação criminal, em que se fala da
dependência funcional com autonomia administrativa. A Polícia, de acordo
com os seus meios, tem de definir as estratégias, o momento de agir, os
objectivos de agir e, então, o Sr. Deputado tem duas possibilidades de agir.
Vou dar o exemplo do processo do Hospital Amadora-Sintra, que me
foi enviado no dia 12 de Julho. A Polícia Judiciária ou decide que fica ali a
ver todos aqueles papelinhos muito bem vistos - porque num crime
económico há muito papel, muita informação, muitos documentos -, fica ali
três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove ou dez anos a ver aquilo tudo muito
bem e ao fim de 10 anos temos um julgamento que não corresponde a
nenhuma expectativa de justiça em relação à opinião pública e nem
corresponde a nenhuma efectividade nem actualidade da repressão no caso,
ou, então, tem uma brigada que vai para o terreno, faz buscas, apreensões,
recolhe, em termos de meios de prova, os instrumentos do crime, vai ver
onde foi parar o dinheiro, se é que houve ganhos indevidos e criminosos
com práticas criminosas, e tem as pessoas a serem julgadas com
efectividade e actualidade da repressão num ano.
Não sei o que vai acontecer neste processo, mas comparo o que
aconteceu nos casos Vale e Azevedo e Fundo Social Europeu. Trata-se de
dois modelos, sendo que no caso do Fundo Social Europeu a justiça não foi
efectiva nem actual. Aliás, uma das recomendações das instâncias
internacionais - do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), do
Grupo de Acção Financeira sobre Branqueamento de Capitais (GAFI), das
conclusões da presidência da União Europeia - é haver efectividade e
actualidade na repressão. Ora, para haver efectividade e actualidade tem de
haver prevenção articulada com investigação, não é com estruturas desse
género!
Digo-lhe mais uma coisa a respeito do Fundo Social Europeu: a
minha direcção pôs termo a todas as pendências do antigo Fundo Social
Europeu. Todas! Já que alguém falou de estatísticas na 1.ª Comissão, posso
dizer que a minha direcção pôs termos a todas as pendências, paralelamente
com todas as investigações efectivas e actuais.
Um caso que era muito falado, o Pequito/Bayer, foi resolvido até
Junho de 2001 com 26 propostas de acusação e 49 propostas de
arquivamento. Portanto, não só actuámos no terreno com efectividade e
actualidade como resolvemos os casos antigos.
Não há verdadeira investigação criminal sem autonomia e, a esse
respeito, a dependência funcional do Ministério Público é inócua. O
Ministério é sedentário nas investigações criminais, acompanha ou não as
investigações segundo a sua própria decisão, mas se a Polícia disser que
não tem meios, que foram lá mas não encontraram o que queriam, aliás a
discricionariedade aumenta à medida que nos aproximamos da base… Há
uma coisa muito importante na Polícia, que é a motivação. Se a estrutura
não estiver motivada não há investigação nem dependência funcional que
nos valha, porque a polícia vai lá, não encontra, não apreende, não prende,
não localiza.
A verdadeira investigação criminal é aquela que é feita com
autonomia, com especialização, com treino, com técnicas especiais dos
polícias. O Ministério Público dá a acusação - é esse o modelo que
defendo. Se a Polícia não quiser ou não poder investigar um caso a
dependência funcional não consegue resolver o problema! É o que resulta
da minha experiência enquanto magistrada do Ministério Público.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge
Neto, peço a atenção quer da Sr. Dr.ª Maria José Morgado quer dos Srs.
Deputados para não nos desviarmos do objecto desta inquirição e do
mandato da Comissão.
Não está aqui em análise nem o percurso pessoal nem funcional da
Dr.ª Maria José Morgado na Polícia Judiciária mas, sim, as demissões e as
alterações de orientações ou de estratégia, que também têm sido vastamente
abordadas hoje à tarde – não ponho isso em causa.
Portanto, peço a atenção de todos para não nos desviarmos do
objecto da inquirição, pois, no fundo, estamos a perder tempo e não
conseguimos a produtividade necessária.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José
Morgado, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que ouvi atentamente a
resposta que deu às questões que coloquei.
Registo o tom tutti quanti apaixonado com que aborda estas
questões, o que, aliás, é perfeitamente natural dado o seu empenho e o seu
profissionalismo absolutamente ímpares demonstrados no exercício das
funções. Deixe-me, porém, dizer-lhe que vi que a sua exposição está
alicerçada em convicções, o que penso ser um mau caminho. Sabe porquê?
Porque partilho da opinião de Nietsche, que dizia que as convicções são
mais inimigas da verdade do que as mentiras, em Humano, Demasiado
Humano. Mas não é o único a dizê-lo. Ainda recentemente alguém da
nossa área e da nossa cultura, António Damásio, que escreveu O Erro de
Descartes, também suscita essa questão.
Exactamente porque muitas vezes a conduta humana é eivada de
demasiada emotividade na racionalidade da sua conduta leva a que seja
tolhida em relação ao acerto e à bondade das decisões! Isso leva a que
efectivamente seja tolhida em relação ao acerto e à bondade das decisões!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas também diz que as emoções fazem
parte do raciocínio!
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Bem, o que disse foi apenas um aparte
relativamente às convicções, porque quando ouço alguém falar de
convicções não resisto a citar a Nietsche, que era de uma perspicácia e de
uma acutilância absolutamente ímpares nessa matéria quanto à análise da
conduta humana.
O que referi é, no entanto, um detalhe, Sr.ª Procuradora, o que
importa aqui relevar – e registo-o – é que V. Ex.ª, nesta matéria, tem um
pensamento estruturado relativamente àquilo que deve ser o combate ao
crime económico-financeiro. É um pensamento estruturado, bem
fundamento – não posso, de modo algum, refutar isso -, mas é facto
também que avulta da sua exposição uma discrepância manifesta entre o
modelo que preconiza para a investigação criminal neste domínio e o
modelo que V. Ex.ª aponta ser o da lavra ou da autoria do Sr. Director
Nacional da Polícia Judiciária.
A questão concreta que lhe coloquei era a de saber se, efectivamente,
na génese de todo este dissídio, de toda esta dissensão, não está uma
discrepância metodológica em relação ao que deve ser o modus operandi –
para usar a sua expressão -, o modus faciendi do combate eficaz à
criminalidade económico-financeira. A sua resposta é absolutamente
afirmativa nesse domínio, e é esse o busílis da questão.
Passo à última nota que quero deixar. Ouvi a sua referência
relativamente à operacionalidade da Polícia Judiciária - é óbvio que a sua
constatação é eivada de absoluto fundamento e é irrebatível -, mas deixe-
me dizer-lhe que há regras que têm de ser acatadas e respeitadas com todo
o escrúpulo, designadamente por uma questão que para mim não é de
somenos, não é coisa pouca: os direitos, liberdades e garantias.
Da sua exposição verifiquei que dá um enfoque particular à
operacionalidade da Polícia Judiciária. Mesmo quanto à tutela funcional do
Ministério Público fiquei com a impressão que lhe dá uma importância um
tanto ou quanto residual, mas não fez nenhuma referência, por mais
recôndita que fosse, aos direitos, liberdades e garantias.
Deixe-me dizer-lhe, Sr.ª Procuradora, que nesta matéria – e estão
aqui alguns juristas e outros Srs. Deputados que intervieram com afinco e
com denodo nas revisões constitucionais, designadamente para a
salvaguarda estrita dos direitos liberdades e garantias - não pode ter-se dois
pesos e duas medidas. Da mesma forma que tem de ser eficaz no crime
económico-financeiro, ou qualquer que ele seja, em todos os azimutes,
também tem de ser escrupulosamente respeitadora dos direitos, liberdades e
garantias consagrados na Constituição, também aí em todos os azimutes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge
Neto, não sou daqueles que acenam a bandeira dos direitos, liberdades e
garantias para melhor os trair! Sr. Deputado - desculpe que lhe diga, mas é
muito novo -, fui presa antes e depois do 25 de Abril e, portanto, vivi na
carne a defesa das liberdades e garantias!
Quando se fala no combate ao crime económico costuma haver dois
códigos de processo penal: há o código do combate ao tráfico de droga e do
combate ao banditismo; e o código de combate ao crime económico. Só se
fala dos direitos, liberdades e garantias quando se atacam os poderosos no
combate ao crime económico.
Digo-lhe uma coisa a respeito de direitos, liberdades e garantias:
vivemos em democracia e eles estão salvaguardados! Encontrei uma
direcção central de um rigor quase supersticioso da parte dos
investigadores nessa matéria.
A minha preocupação em matéria de crime económico, porque as
coisas têm uma dinâmica, têm um quadro estratégico, é a impunidade.
Quando há impunidade e se fala de direitos, liberdades e garantias quer
prosseguir-se com a impunidade, consciente ou inconscientemente!
A preocupação, no nosso país… Quantas pessoas estão presas a
cumprir pena por tráfico, por contrabando organizado de tabaco? Fique
sabendo que o valor da acção interposta pela União Europeia contra a
Reynolds nos Estados Unidos é de milhões e milhões de euros, sendo que
80% desse valor é representado por tráfico, por contrabando de tabaco
organizado, havendo 70 vagões de tabaco que desapareceram no nosso país
sem que até hoje se conseguisse identificar ou punir os seus autores!
E vem o Sr. Deputado falar-me em direitos, liberdades e garantias!…
Há um «hipergarantismo» no nosso sistema penal que paralisa! Em
Fevereiro de 2003 vai iniciar-se novamente o julgamento do processo da
saúde, vai voltar tudo ao princípio por causa de uma decisão do Tribunal
Constitucional.
Do que há necessidade neste país é – os direitos, liberdades e
garantias, esses, estão lá – de efectividade e de actualidade na repressão.
Sr. Deputado, sabe qual é a discussão hoje na Europa. Nos dias 26 e
27 de Setembro, sob a presidência da Dinamarca, a discussão foi a inversão
do ónus da prova em relação ao produto, vantagens e lucros da actividade
criminosa. A Irlanda tem um sistema de confisco de bens, administrativo e
fiscal, não penal, para as fortunas não justificadas adquiridas nos últimos
cinco anos, em relação a pessoas que tenham praticado evasão fiscal ou
outros crimes. E o que os ingleses dizem é que isso não põe em causa os
human rights. E a Inglaterra é a pátria dos human rights!… Portanto, este é
um bom exemplo.
Sr. Deputado, hoje, dia 5 de Novembro de 2002, aquilo a que tem de
dar atenção é à impunidade.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - E à legalidade!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Mas a legalidade está lá. Até hoje,
Sr. Deputado – e as minhas acções foram avaliadas pelos juizes de
instrução criminal – todas as intervenções da DCICCEF foram validadas
por um juiz de instrução criminal e acompanhadas pelo Ministério Público.
Em relação às vigilâncias, tenho o despacho de 24 de Janeiro de
2002, se não me engano, em que se define – e ainda nem sonhava que o Dr.
Adelino Salvado iria estar na DCICCEF -, rigorosamente, as regras em
relação à matéria das vigilâncias na DCICCEF. Fiz o levantamento de todo
esse equipamento, que entreguei, no dia 4 de Julho – e era um grande
documento – ao Sr. Director Nacional.
Sr. Deputado, a esse respeito sou tão intransigente, tão rigorosa, que
nem sequer me sinto atingida por qualquer espécie de afirmação. Li, na
intervenção que o Sr. Dr. Adelino Salvado fez na 1.ª Comissão alguma
preocupação a esse respeito e não percebi. Nunca tínhamos discutido isso,
não tinha nada a ver com a minha actividade, sou rigorosa nessa matéria
em todas as minhas intervenções e não há juiz algum… O Sr. Dr. Adelino
Salvado conhece-me do tribunal, embora eu aceite que não conheça o meu
excessivo rigor nessa matéria!…
Como lhe disse, fui presa antes e depois do 25 de Abril, pela PIDE e
depois pelo COPCON, sendo que da última vez até com o mandado de
captura em branco. Portanto, há coisas que não me atingem! E quando o Sr.
Deputado diz isso é o mesmo que não estar a falar comigo...
Mas repare: o Dr. Adelino Salvado referiu a questão das liberdades e
garantias na 1.ª Comissão e passado uma semana ou duas sai no semanário
O Independente uma notícia sobre a história de eventuais violações em
intercepções telefónicas. O que é que isto quer dizer?!… Há aqui qualquer
coisa de estranho, mas isto não me diz respeito, como não diz respeito à
DCICCEF, porque a DCICCEF debate-se com o problema de combater um
crime sem cara - não é como na droga!… -, de combater um crime sem
vítima. Nunca há confissões, nunca há testemunhas!… Os meios
específicos de prova são essenciais, as intercepções telefónicas são
essenciais e, nessa matéria, nenhum investigador arriscava qualquer
irregularidade, muito menos qualquer ilegalidade.
Mais: como sabem – e se não sabem podem ficar a saber – há uma
obrigatoriedade, que foi definida em despacho pelo Dr. Bonina - não foi
pelo Dr. Adelino Salvado – de inserção no sistema integrado de informação
criminal de todas as intercepções telefónicas, para controlo em tempo real e
para coordenação das operações. E num levantamento feito já pelo Adelino
Salvado, em Junho, a DCICCEF e o Departamento do Funchal eram os
organismos com apresentavam maior rigor no registo das intercepções
telefónicas. Em relação à DCICCEF, a falha era apenas de dois números
telefónicos, quando na Directoria de Faro a falha era de quase 100%, mas
todos os outros departamentos da Polícia Judiciária tinham grandes défices
no registo.
Mas isto é registo, não tem a ver com a legalidade!… A legalidade,
aqui, não tem de preocupar-me porque é natural, é espontânea, é uma
preocupação como o ar que respiro, Sr. Deputado. E nunca o Dr. Adelino
Salvado me colocou essa questão, nem podia, porque há carência de
objecto. A DCICCEF nunca cometeu o menor erro! Pode discutir-se, sim,
em processos onde houve longas intercepções telefónicas, o grau de
conhecimento directo do juiz de instrução criminal, mas o grau de
acompanhamento e de conhecimento directo é uma coisa que já surge no
quadro processual do desenvolvimento de uma operação controlada
judicialmente. Mas isso já tem a ver com interpretações jurisprudenciais.
Se quiserem peçam ao Dr. Adelino Salvado – não sei se ele sabe –
um despacho do Dr. Bonina, de Fevereiro ou Março de 2002, onde reitera,
mais uma vez, a necessidade de rigor nas intercepções telefónicas. E mais:
estabelece um formulário a ser preenchido pelos operacionais, do qual se
faz constar que a partir do conhecimento da intercepção telefónica o Sr.
Juiz de Instrução Criminal tem acesso directo e imediato ao conteúdo das
intercepções telefónicas. E isso foi feito circulando dentro da Polícia
Judiciária um acórdão do Tribunal Constitucional, de Junho de 2002, sobre
essa matéria, onde se define o princípio do acompanhamento directo do
juiz de instrução criminal.
Portanto, as questões do acompanhamento do juiz de instrução
criminal e dos actos jurisdicionais de inquérito, nunca, mas mesmo nunca,
foram postas em causa na DCICCEF. Nessa matéria a DCICCEF era
exemplar. Porquê? Porque as intercepções telefónicas eram demasiado
preciosas para se pudessem correr riscos nessa matéria.
A esse respeito, Sr. Deputado, a minha preocupação não podem ser
as liberdade e garantias, porque isso é natural, é como o ar que respiro; a
minha preocupação é com a impunidade, que é uma coisa muito mais séria,
Sr. Deputado. Neste momento, o que preocupa é a impunidade; as
liberdades e garantias estão asseguradas, sei-as de cor, não preciso que
ninguém me as ensine.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Teixeira de
Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, com a
maior serenidade, começo por agradecer à Sr.ª Doutora a oportunidade que
nos dá com uma questão prévia.
Acaba V. Ex.ª de afirmar que os direitos fundamentais são para si
como o ar que respira.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Exactamente.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Doutora, eu não sou
procurador mas também sou advogado há já alguns anos, apesar deste meu
ar jovem, e tenho para mim que a presunção de inocência de um arguido é
um direito verdadeiramente fundamental. V. Ex.ª ponderou, em algum
momento, inverter, em matéria de relevância penal, o ónus da prova? Ou
seja…
Protestos do PS.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - É a Lei n.º 5/2002.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Srs. Deputados, eu estou a
usar da palavra!… Os Srs. Deputados vão ter tempo para intervir!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que nos oiçamos em
silêncio. Até agora a audição tem corrido bem e portanto, cada um dos Srs.
Deputados falará na sua vez e a Sr.ª Doutora responderá na vez dela.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu ouvi
atentamente, tenho o direito de dizer tudo o que entender e os Srs.
Deputados depois comentarão, contraditarão o que quiserem.
Sr.ª Doutora, devo dizer-lhe que, para mim, isso releva muito do
entendimento de V. Ex.ª ou do destaque que dá á questão dos direitos
fundamentais. Mas também percebo que, por razão de formação
profissional, V. Ex.ª é Procuradora Adjunta e portanto tem, naturalmente, a
perspectiva do acusador muito vingada; naturalmente que eu, como
advogado que já defendeu muitos arguidos em muitos processos-crime,
teria de estar, nessa parte, nas antípodas de V. Ex.ª.
De todo o modo, há pouco V. Ex.ª questionou – e devo dizer que o
fez num contexto que achei, no mínimo, estranho – se eu não seria uma
dessas pessoas. E, aliás, eu chamo o assunto à discussão porque ele ficou
registado em acta. V. Ex.ª recordar-se-á que eu respondi: «V. Ex.ª, que sabe
tudo, saberá também disso.»
Sr.ª Doutora, suponho que nós nunca falámos antes. Eu só conhecia
V. Ex.ª porque é uma ilustríssima magistrada deste país, mas pelos jornais,
se bem que V. Ex.ª também não me conheça, já que sou um Deputado mais
ou menos anónimo deste país mas muito pouco dado a insinuações e muito
zeloso do meu bom nome.
E porque ficou registado em acta, dito por V. Ex.ª, se eu não seria
uma dessas pessoas, gostava que V. Ex.ª, também como questão prévia,
precisasse, para registar em acta, a que tipo de pessoas se referia, porque eu
gosto de saber em que conta V. Ex.ª me tem, quanto mais não seja porque é
o meu bom nome que está em causa, naturalmente. E se em algum
momento V. Ex.ª, com essa intervenção, que acredito tenha sido mais
emotiva, quis envolver-me com o que quer que seja, gostaria também de
sabê-lo, quanto mais não seja para depois usar na minha defesa.
Voltando propriamente a esta matéria, Sr.ª Procuradora, quero
relevar que quando falo com V. Ex.ª não falo com uma pessoa qualquer -
como acontece, de resto, em relação ao depoente desta manhã -, pois V.
Ex.ª foi Directora Adjunta na Polícia Judiciária, V. Ex.ª é uma ilustríssima
magistrada do Ministério Público e, portanto, quando valoramos os seus
actos e as suas declarações não podemos valorá-los como valoraríamos as
declarações de um qualquer cidadão, porque V. Ex.ª está acima de um
cidadão médio normal, V. Ex.ª é uma referência em algum ponto de vista.
Por isso, para efeitos de análise desses actos e desses
comportamentos, vamos a factos e a documentos, por muito que V. Ex.ª,
hoje, não os queira relevar.
Primeiro facto: V. Ex.ª demitiu-se, V. Ex.ª não foi demitida. Pelo fax
do dia 27, V. Ex.ª apresentou a sua demissão do cargo a partir dessa altura.
O segundo facto inquestionável, Sr.ª Procuradora, é que, relevando
este pedido de demissão, o Director Nacional da PJ deu «por finda, a seu
pedido, a comissão de serviço que vinha sendo exercida» - isto também
está demonstrado documentalmente.
Dois dias depois, no dia 29, V. Ex.ª confirmou junto do Director
Nacional – isto é particularmente importante do meu ponto de vista, Sr.ª
Procuradora -, que o pedido de demissão «relaciona-se única e
exclusivamente com as questões de estratégia operacional respeitantes à
organização da direcção central.» À organização, repito, única e
exclusivamente. E em organização estamos a falar de organigrama, estamos
a falar de estrutura organizativa da direcção central.
V. Ex.ª conhece, até pela sua formação, o valor probatório dos
documentos particulares, mas, mesmo assim, chamo aqui à colação o Prof.
Antunes Varela, que escreve muito bem sobre a matéria e é muito claro até
na relevância dos factos desfavoráveis, como V. Ex.ª sabe. E como sabe
também, aqui aplica-se muita matéria processual.
Posteriormente, em 11 de Setembro de 2002, V. Ex.ª , uma vez mais,
então em sede de 1.ª Comissão, disse: «os motivos originadores do meu
pedido de demissão estão relacionados com questões de estratégia
operacional respeitantes à organização da direcção central.» Sublinho a
expressão «à organização».
Não foi uma única declaração, feita de fugida, que V. Ex.ª proferiu
algures, em parte incerta!… Foram declarações feitas na 1.ª Comissão,
reiteradas, escritas e confirmadas por V. Ex.ª.
O mesmo afirmou à imprensa, que fez títulos tão sugestivos como
Maria José Morgado rejeita politização da sua demissão e, que me conste,
nunca vi V. Ex.ª desmentir publicamente estes títulos, embora agora
pretendesse que a Ministra da Justiça viesse desmentir outros factos que,
supostamente, a imprensa lhe terá imputado. Ou seja, pretendia para a Sr.ª
Ministra da Justiça um comportamento diverso daquele que V. Ex.ª teve.
Continuando nessa notícia, nela se lê expressamente: «A Procuradora
Adjunta Maria José Morgado, rejeitou ontem a politização da sua demissão
da Polícia Judiciária, afirmando que a decisão deriva apenas de
divergências técnicas e operacionais com o director Adelino Salvado».
Aliás, nem sequer referiu a Ministra da Justiça ou o Ministro Paulo Portas;
foi «com o director Adelino Salvado».
Isto leva-me, Sr.ª Procuradora, quanto à razão de fundo – aparte a
questão prévia que lhe coloquei -, à primeira questão. É que das duas uma:
ou V. Ex.ª, por razão de coerência, atenta inclusivamente a pessoa que é,
mantém o que sempre afirmou, ou seja, que a sua saída se deveu a razões
respeitantes à organização da direcção central - o que disse e repetiu
insistentemente -, ou então V. Ex.ª entra aqui num processo de contradição
que, devo dizer-lhe, parece quase que insanável a quem tenta analisar estes
factos politicamente, dá o dito por não dito e isso a nós, que somos
políticos, legitima uma conclusão – pelo menos a mim legitima, com toda a
certeza -, a de que pelas suas declarações anteriores, escritas e reiteradas,
efectivamente nunca houve politização alguma na demissão de V. Ex.ª. O
que me parece haver já é politização na sua acção, Sr.ª Procuradora, desde
que começou a contradizer-se com razões que não são conciliáveis com a
sua posição anterior.
Assim, ou não houve politização no passado e V. Ex.ª é coerente
com o que sempre afirmou, ou a partir da sua demissão, aí sim, há
politização. E havendo politização, Sr.ª Procuradora, isso leva-me a
pergunta-lhe se V. Ex.ª, desde que se demitiu, por si ou por interposta
pessoa, tem mantido contacto com algum Sr. Deputado, aqui presente ou
aqui ausente, sobre a matéria em discussão. E pondere bem nessa resposta,
por razões que depois lhe explicarei, Sr.ª Procuradora Adjunta.
V. Ex.ª teve também uma expressão muito curiosa. A dado passo
disse que o autor material da demissão de V. Ex.ª foi V. Ex.ª, mas que o
autor moral não foi V. Ex.ª.
Sr.ª Procuradora, do decurso das suas longas intervenções nesta
comissão verificamos que, em inúmeras ocasiões, o autor moral e o autor
material da demissão de V. Ex.ª coincidiram apenas em V. Ex.ª. E dou-lhe
como exemplo a dita reunião de 16 de Julho, onde lhe disse que já tinha
decidido que iria demitir-se pelas razões que aqui apontou, sendo que
depois, aí, não se demitiu. Ou seja, nesse momento o autor moral da
demissão de V. Ex.ª foi V. Ex.ª e o autor material que não permitiu a
demissão de V. Ex.ª, com a sua argumentação, foi o Director Nacional da
PJ. E isso já não relevou V. Ex.ª!… E, também nesta parte, V. Ex.ª não
pode ter dois pesos e duas medidas.
O que me leva também à questão do acompanhamento do caso
Moderna, Sr.ª Procuradora!… Como estamos no âmbito do direito, sendo
eu advogado e conhecendo relativamente bem o Código de Processo Penal,
que me conste, esse processo está em fase de julgamento.
Ora, estando na fase de julgamento, o processo já não se encontra
sob a dependência do Ministério Público e, assim sendo, não me parece que
competisse ao Ministério Público determinar o que quer que fosse para
efeitos do dito acompanhamento que V. Ex.ª referiu.
Assim, a minha pergunta é muito clara e também não vai admitir, no
meu ponto de vista grandes divagações. Queria saber se, no âmbito deste
processo, há ou não algum despacho do Procurador Adjunto que nesta fase
processual, no que toca ao Ministério Público, tem o processo à sua ordem.
Se há algum despacho!…
Uma outra questão, Sr.ª Procuradora, tem que ver com o Sr.
Segurança Albuquerque, por quem V. Ex.ª tem consideração, porque,
afinal, era seu subordinado. E a pergunta é esta: o Sr. Director Nacional
determinou apenas a transferência do Sr. Segurança Albuquerque ou
determinou a rotatividade de todos os seguranças da PJ, Sr. Albuquerque
incluído? Foi no âmbito dessa decisão que ele também foi transferido?
Parece-me ainda Sr.ª Procuradora, o facto de V. Ex.ª ter criticado
muito o Dr. Adelino Salvado por ele ter destacado, no caso do protocolo,
agentes que, no entendimento de V. Ex.ª, não teriam perfil para a tarefa. E a
pergunta que lhe faço, Sr.ª Procuradora, é esta: afinal, neste âmbito, quem
era o director e quem era a directora adjunta, quem era o superior
hierárquico e quem era o subordinado, quem determinava e quem põe em
pratica as determinações? Simplificando: quem mandava, era o Dr. Adelino
Salvado ou era V. Ex.ª?
Portanto, mesmo que com razões de discordância, o Dr. Adelino
Salvado não tinha toda a legitimidade para decidir como muito bem
decidiu?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe que fosse breve.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu vou ser
muito breve, só que, como convirá, as exposições foram muito longas, eu
não quero, depois, usar do direito de réplica e, como está a ver, eu sou
preciso e cirúrgico nas questões que coloco, que são todas muito objectivas.
A Sr.ª Dr.ª está a pôr agora em causa - agora, só agora – a idoneidade
de um magistrado como o Sr. Dr. Adelino Salvado, que, julgo eu, todos nós
temos como reputadíssimo, cujo passado também fala por si e que pela
defesa das liberdades de todos os portugueses também já teve a própria
vida em risco, como é de todos conhecido?
V. Ex.ª veio hoje, aqui, atacar insistentemente o Dr. Salvado e eu,
Sr.ª Dr.ª, de todo o modo, também aqui me reporto aos documentos. Ora,
eu leio a dita missiva de V. Ex.ª do dia 29 de Agosto de 2002, em que
confirma tudo aquilo que já tinha decidido antes e o que V. Ex.ª nela
escreve relativamente ao Dr. Adelino Salvado é que lhe manifesta prova da
consideração pessoal e profissional e prova do respeito.
Então V. Ex.ª, no dia 29 de Agosto, tem pelo Dr. Salvado o maior
apreço, a maior consideração, pessoal e profissional, e passados dois meses
ele já é a pessoa mais incompetente do mundo, profissionalmente já não
releva nada?!… Eu pergunto-me o que é que vamos esperar de V. Ex.ª, no
que toca a afirmações públicas, daqui a mais dois meses!… Porventura o
Dr. Adelino Salvado já será outra vez o melhor do mundo, pelo menos a
avaliar pelo grande desempenho que a Polícia Judiciária tem tido nos
últimos tempos, sem prejuízo do desempenho que V. Ex.ª nela em tempos
teve, igualmente muito meritório.
Outra questão, Sr. Presidente e Sr.ª Procuradora: V. Ex.ª referiu que,
numa conversa de telemóvel, o Dr. Adelino Salvado lhe disse que a Sr.ª
Ministra não a queria na sua equipa. Parece que ele não confirma esta
afirmação – pelo menos à 1.ª Comissão não o confirmou – o que nos leva a
mais um problema insanável.
No entanto, Sr.ª Procuradora, aquilo que me interessa – e vamos aos
tais depoimentos indirectos que V. Ex.ª referiu – é, muito concretamente,
saber se V. Ex.ª alguma vez o ouviu da Ministra ou se V. Ex.ª pode provar
aqui que a Ministra o disse. E quero também, naturalmente, lembrar-lhe o
que manda o Código de Processo Penal quanto aos depoimentos indirectos
e quanto aos documentos, quando diz que – como sabe o Código de
Processo Penal tem aplicação subsidiária nesta Comissão – a testemunha é
inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo; quanto ao
depoimento indirecto, se o depoimento é resultado do que se ouviu dizer a
pessoas determinadas, o juiz pode chamar essas a depor. O que nos leva à
dita contradição!… É que chamado o Dr. Salvado…
Protestos do PS e do PCP.
Srs. Deputados, posso falar?
Protestos do PS e do PCP.
Aparte inaudível por não ter sido feito para o microfone.
Sr. Deputado, há um respeito que eu concedo a V. Ex.ª mas que V.
Ex.ª não me concede!… Mas verá, quando usar da palavra, que o ouvi com
toda a atenção.
Apartes inaudíveis de vários Deputados e da Dr.ª Maria José
Morgado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que continue e que
termine.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Eu tento, Sr. Presidente, e
gostava que a Sr.ª Procuradora e os Srs. Deputados me ouvissem.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Sr.ª Procuradora está a ouvir.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É que eu estou a falar de
coisas muito sérias, Sr. Presidente!… E em causa está o bom nome de
muita gente!
No caso concreto das imputações que a Sr.ª Procuradora aqui fez à
Sr.ª Ministra da Justiça, a única pessoa que referiu como tendo transmitido
factos a V. Ex.ª foi o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. Foram
duas conversas com o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, o que
significa que, chamada esta pessoa que a Sr.ª Procuradora trouxe à colação,
há um depoimento que não o confirma, o que nos leva à total vacuidade,
usando uma expressão que é querida a muita gente, daquilo que V. Ex.ª diz.
Agora, V. Ex.ª já disse aqui - e já o disse também noutros sítios - que
nunca falou com a Sr.ª Ministra Justiça e o que eu lhe pergunto é se alguma
vez falou com outros ministros, nomeadamente com o Sr. Ministro António
Costa. Com a Sr.ª Ministra da Justiça V. Ex.ª já nos esclareceu que não
falou e o que eu quero que nos esclareça é se alguma vez falou com o Sr.
Ministro António Costa.
Passando à questão da Brisa, V. Ex.ª referiu esse caso como de
grande sucesso e eu devo dizer-lhe que, de facto, foi mediático e
importante.
Agora, neste caso, gostava de colocar a seguinte questão a V. Ex.ª :
houve ou não ao nível dos factos, no caso da Brisa, intervenção dos
portageiros nos Carvalhos, mais a norte? Foram ou não, alguma vez, esses
portageiros constituídos arguidos? Houve ou não algum contacto na fase
investigatória, com o homólogo de V. Ex.ª lá mais a norte, um dos tais em
que o juiz não podia vir para aqui porque, não sendo do sul, isso seria quase
razão de curriculum? Caso não tenha havido, V. Ex.ª não entende que com
esse procedimento a investigação possa ter saído prejudicada?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não tenha dúvidas!
Posso responder?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Depois V. Ex.ª explicará.
Sr.ª Procuradora – e esta é outra questão - V. Ex.ª disse aqui que
criou isto, que criou aquilo, que criou aqueloutro e eu pergunto: criou V.
Ex.ª ou criou a Direcção Nacional da Polícia Judiciária, de que V. Ex.ª
também fazia parte? V. Ex.ª podia, de motu proprio, alterar no organigrama
a estrutura da Polícia Judiciária, ou para isso tinha também de ter a
autorização e o assentimento dos seus superiores hierárquicos? Se tinha,
por que razão V. Ex.ª diz «criei isto, criei aquilo, criei aqueloutro» e não
teve pelo menos a humildade – eu sei que V. Ex.ª terá e, portanto, fê-lo
certamente por distracção – de compartilhar esses méritos, como, de resto,
os deméritos, com todos os que faziam parte da equipa.
Quero crer que a Polícia Judiciária não era apenas V. Ex.ª e que
acima de V. Ex.ª havia, certamente, mais pessoas que tinham de sancionar
o respectivo comportamento. Ou, de outra forma, seria tão legítimo dizer
que V. Ex.ª criou isto – e lembro, por exemplo, que há pouco apontou o
caso do subordinado de V. Ex.ª que lhe sugeriu e V. Ex.ª criou – como
dizer que o superior hierárquico, a sugestão de V. Ex.ª, também criou.
Desse ponto de vista, afinal quem tinha criado era o superior hierárquico e
não V. Ex.ª!
Por outro lado, V. Ex.ª trouxe à discussão detenções que ocorreram
hoje como sendo fruto do trabalho de V. Ex.ª e eu pergunto-lhe por que é
que em numerosas declarações públicas que V. Ex.ª fez em relação a outras
detenções que ocorreram ao tempo em que desempenhava funções na PJ,
não referiu o trabalho dos outros, que justificaram essas detenções.
De resto, citou o caso do Dr. Vale e Azevedo, que é exemplar na
justiça portuguesa, mas também, Sr.ª Procuradora, deixe que lhe diga: V.
Ex.ª, com a entrevista que deu, e que eu ouvi, à data da detenção, no
momento, quando se encontrava lá, no tribunal, quase que criou em toda a
população a convicção que foi V. Ex.ª que determinou a detenção, que fez
e aconteceu. E eu pergunto-lhe: foi V. Ex.ª que o fez? Afinal, quem
determinou a detenção? Foi V. Ex.ª?
Estas perguntas não têm o que quer que seja de excipiente em relação
a V. Ex.ª , porque em relação a V. Ex.ª, como profissional, só posso relevar
pela positiva. Agora o que gostava de assinalar também que o facto de ter
um desempenho altamente meritório não significa que outras pessoas
também não tenham tido, não apenas na cadeia hierárquica abaixo de V.
Ex.ª, mas também acima.
V. Ex.ª, inclusivamente na comunicação e aqui, destaca sempre os
agentes, os agentes, os agentes, como se acima de V. Ex.ª não houvesse
mais ninguém e como se só V. Ex.ª mandasse, como se só V. Ex.ª fosse a
responsável por tudo, quando me parece que o aconteceu foi um trabalho
de equipa em que V. Ex.ª teve muito mérito, mas que também tem de ser
partilhado com quem estava acima de si e, desde logo, em alguma parte do
processo pelo Dr. Adelino Salvado, superior hierárquico de V. Ex.ª.
Não quero ser ofensivo — e sei que não o vou ser — mas, da mesma
maneira que V. Ex.ª fez apreciações subjectivas ao nível do comportamento
de várias pessoas, desde logo do Director Nacional, da Ministra, etc., devo
dizer que quase tenho a sensação de que a grande razão da mágoa de V.
Ex.ª é nunca ter sido convidada para directora nacional da Polícia
Judiciária. Mas se foi, ou se é isto, não perca a esperança, Sr.ª Procuradora,
porque ainda resta muito a tempo, pois V. Ex.ª é muito competente, é muito
nova, e quem sabe não o será um dia.
Termino apelando à coerência de V. Ex.ª, relembrando documentos
que hoje não são apenas meros documentos, pois têm um valor probatório
muito claro, sendo particularmente esclarecedores.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José
Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Vai ser manifestamente
impossível responder a todas as questões, não tenho capacidade nem tempo
para o efeito. Mas, agradeço as suas simpáticas e amáveis palavras.
Começando pelos direitos fundamentais, todos nós que trabalhamos
na investigação criminal sabemos que há uma tensão permanente no
processo crime, por um lado, em relação à eficácia, e por outro quanto aos
direitos fundamentais. Esta tensão tem que ser resolvida, momento a
momento, de acordo com as necessidades de efectividade e actualidade da
repressão e com os bens jurídicos a tutelar.
Quando está em causa criminalidade altamente lesiva, crime
altamente organizado, é evidente que o grau de compressão dos direitos
fundamentais é maior através dos meios específicos de prova. Mas tudo
isto está previsto legalmente, é uma questão de ponderação de interesses,
de bom senso e de se proceder caso a caso. Sempre dei a atenção a isso —
o último recurso que fiz na Boa Hora foi em defesa dos interesses da defesa
propriamente dita, pelo que isto a mim não me faz impressão nenhuma.
Tem é que haver sempre a ponderação dos bens e quando temos uma
criminalidade velada, indirecta, poderosa, que faz lucros fabulosos, que em
3 minutos transfere — ou em 3 segundos, através das novas tecnologias e
da Internet — o dinheiro para paraísos fiscais, é evidente que o grau de
compressão de direitos tem de ser maior. Mas isto está tudo previsto e a
opção é se vamos combater o crime, com eficácia, com efectividade, com
actualidade, ou se vamos permitir a impunidade.
Portanto, não deve haver qualquer preconceito nessa matéria. Deve
saber-se construir o caso e ver caso a caso quais são os interesses a tutelar.
Se o Sr. Deputado era uma dessas pessoas… Não estou a pôr em
causa o seu bom nome, porque o Sr. Deputado tem um óptimo nome.
Quando referi que me tinham dito que havia pessoas do poder político que
tinham pavor e pânico de mim e o Sr. Deputado começou a agitar-se,
perguntei-lhe se era um desses, aqui, cara a cara. Se não é, não é; se é,
também é — não tem problema nenhum. Não vale a pena estar… Aplique,
de facto, a sua capacidade de análise noutros assuntos, porque este é apenas
isto. Se também é uma dessas pessoas… Provavelmente não é, nem há
razão para isso…
Ainda quanto à questão dos direitos fundamentais e à inversão do
ónus da prova, a Lei n.º 5/2002 prevê a inversão do ónus da prova em caso
de condenação pelos crimes de catálogo nela previstos e para património
adquirido nos últimos cinco anos que não seja produto do crime da
condenação, mas que não tenha proveniência lícita. O arguido terá de
provar a proveniência lícita.
A presidência dinamarquesa da União Europeia até propõe — é uma
proposta de directiva, que se calhar também vai ter que ser aprovada pelo
Governo português e aplicada no nosso quadro legal — a declaração de
perda de bens de cônjuge ou de bens que sejam transmitidos a sociedades
utilizadas como «testa de ferro» e que não estejam ligados à condenação do
crime propriamente dito, mas à actividade criminosa da pessoa nos últimos
cinco anos. E propõe um leque de crimes muito mais vasto do que aquele
que está previsto na Lei n.º 5/2000.
Portanto, não são originalidade minhas nem ataques aos human
rights, são matérias que se discutem hoje na Europa por causa da
agressividade do crime internacional organizado e do perigo que ele
representa para os orçamentos da Comunidade, para o Estado português,
para a democracia e para a estabilidade económica e política.
Quanto à coerência, podemos ficar a saber as cartas de cor (isto até já
aparece o processo do Melancia, com tanto fax e tantas cartas…), mas não
há qualquer incoerência nem contradição. Estive muito relutante, não ia
contar na praça pública estes pormenores, que penso serem desprestigiantes
para quem actua de forma tão caprichosa — a discricionariedade tem que
ser fundada.
O Dr. Adelino Salvado não teve qualquer conversa séria comigo,
esperou que eu fosse de férias e, às 10 da manhã — um bocado depois das
10 horas, para não dizerem que entrei em contradição quanto às horas —,
telefonou-me, propondo-me que eu pedisse a cessação da comissão. Toda a
evolução dos acontecimentos mostra que ele um homem preparado para o
efeito, que não foi apanhado de surpresa. Tinha uma pessoa escolhida que
tomou posse segunda-feira, quando a demissão é aceite na quinta-feira,
tinha o projecto de protocolo, tinha a alteração da lei orgânica, o plano
financeiro da Polícia Judiciária e tinha todas estas operações para
escorarem a minha saída, dizendo: «Não digam agora que eu não combato
o colarinho branco». Portanto, ele achou que era o momento ideal para se
desfazer de mim.
Não tinha intenções políticas, não tenho projectos político-
partidários. Se tivesse, estava na política há muito tempo, como estava o
meu companheiro de partido na altura, José Manuel Durão Barroso, e como
está o José Lamego, legitimamente. Mas, naquele tempo cada um seguiu o
seu caminho. Acreditei num determinado projecto, e quando vim para o
Ministério Público, o que tem tantos anos quantos tem a minha filha hoje,
foi por abandono de um projecto político-partidário. Não é que eu pense
ilegítimo que as pessoas tenham uma militância político-partidária, eu é
que não tenho.
Quando o Dr. Adelino Salvado me empurra para fora da Polícia e
aparece toda esta confabulação à volta do meu nome, senti necessidade de
marcar o meu terreno de magistrada. Está a perceber, Sr. Deputado? Não ia
explicar ao Público, ao Expresso, ao 24 Horas, ao Correio da Manhã, ao
Independente, ao que quer que fosse, que o Sr. Director Nacional me tinha
telefonado às 10 da manhã a pedir para eu me demitir, porque isso ia
desprestigiar o Sr. Director nacional. E eu ainda o via com os olhos de
magistrados, porque nos conhecemos no tribunal.
Os magistrados têm um nome, têm uma cotação, os nomes dos
magistrados têm uma cotação, como na bolsa e o nome do Sr.
Desembargador tinha uma cotação, como o meu. Levei muito tempo a
compreender isto. Mas, atenção!, não há aqui qualquer incoerência.
Enquanto não compreendi o fenómeno, optei, prudentemente, repito,
prudentemente, seriamente, com respeito pelo Dr. Adelino Salvado, sem
uma palavra que lhe é cara, que é o «envinagramento», por esta solução.
Quando escrevi a carta no dia 29, dois depois de me ter empurrado
para fora da Polícia, tinha os operacionais todos da Alexandre Herculano a
chorarem, desde os segurança, passando pelos inspectores, aos
coordenadores. Não havia ninguém que consegui-se despedir-se de mim
sem chorar! Eu não sabia o que é que ia acontecer àqueles homens e senti
necessidade de escrever aquela carta.
Mais: quis ir à Gomes Freire entregar o crachá da Polícia ao Dr.
Adelino Salvado, que não me recebeu. Isto é um comportamento
caprichoso, não fundado, que não compreendo, não tenho instrumentos
para compreender! O Dr. Adelino Salvado disse-me: «Não me massacre».
E, portanto, é justo para o Dr. Adelino Salvado que eu diga isto nesta
Comissão.
Os Srs. Deputados têm que saber se querem a verdade material — a
verdade formal está nas cartas, a verdade material está naquilo que eu digo,
mas a verdade é inconfundível, ainda que processualmente inválida, e toda
a evolução dos acontecimentos mostra que eu fui empurrada. Simplesmente
eu tinha um compromisso e disse-lhe: «Sim, eu peço para sair». E assumi-o
publicamente, assumi publicamente a bem da Polícia Judiciária, a bem do
Sr. Director Nacional, porque considerei que era preponderante o interesse
da Direcção Nacional da Polícia Judiciária.
Mas, depois disso, compreendi muita coisa, que também não podia
compreender na altura. Como já expliquei, há um autor moral e há um
autor material — depois, o Sr. Doutor pode brincar à vontade com as
autorias materiais e morais ao longo do processo que expliquei.
Simplesmente, naquele dia 27 houve um autor moral e um autor material.
Não rejeito as responsabilidade de autora material. Pedi a demissão, podia
ter escolhido outro caminho, podia ter dito: «Não, demita-me, demita-me».
Mas tenho orgulho, optei por pedir eu a demissão.
Não digo que não pedi a demissão, mas não posso dizer que pedi a
demissão porque tivemos grandes discussões, porque o Dr. Adelino
Salvado não concordava com a minha estratégia, porque discutimos isto,
aquilo e aqueloutro. Não discutimos absolutamente nada! Não discutimos
sequer aquilo que estamos a discutir aqui, e daí a expressão «história sem
história».
A única coisa foi: «Isto vai mudar tudo, já sei que a senhora não
concorda, portanto, como personalidade de prestígio, peça a cessação da
comissão». E eu, sem escolha, sem qualquer hipótese de escolha, fui metida
neste processo irreversível em que fui lançada para a fogueira, fui
transformada em dinamite política, por iniciativa do Sr. Director Nacional!
Não foi por minha iniciativa! A minha única iniciativa era ser fanática no
combate ao crime económico organizado, nele incluindo o branqueamento
e a corrupção. Porventura, era o meu único fanatismo. Era a única coisa
que eu via naquele momento.
O Sr. Director Nacional estava a falar com uma pessoa esgotada de
não dormir e de quase não comer. Desde o dia 24 de Novembro de 2002
que eu não parava, e não porque fosse eu a executar as coisas, mas porque
tinha que estudar, dinamizar, utilizar os conhecimentos que me eram dados
pela investigação para reestruturar a DCICCEF que estava necessitada
disso, porque encontrei uma direcção central traumatizada pela
investigação do caso Moderna.
Sei reconhecer o valor e a obra dos meus antecessores. Mas, Sr.
Deputado, o que eu fiz na primeira comissão foi obra dos investigadores,
não foi obra minha. Limitei-me a liderar, a coordenar determinadas
investigações, a tirar conclusões e a conceber planos e modelos de
investigação.
Em relação ao caso da Brigada de Trânsito, fui abordada pelo
Inspector Chefe de Setúbal, em Fevereiro de 2001, que me mostrou
elementos da investigação de Setúbal do Cabo Machado, que eram uma
lista de nomes de pessoas da BT que recebiam regularmente cheques junto
de empresas. Olhei para aquilo e disse ao Inspector Chefe: «Tem de se
fazer qualquer coisa, nós não temos meios, mas isto fica comigo e esteja
convencido de que não cai em ‘saco roto’».
Pedi ao Dr. Bonina (estou a falar para cima) a constituição de uma
brigada, que era chamada a «brigada maravilha», da qual faziam parte três
pessoas, e que fez um trabalho notável de recolha de informação na estrada,
através de meios, de equipamento de vigilância electrónica, todos
autorizados pelo juiz de instrução criminal de Setúbal, tendo sido
constituídas 23 empresas como colaboradoras.
E tudo o que hoje se traduz em detenção, significa trabalho de
recolha de prova e de informação de três inspectores, que quase não
comiam nem dormiam para fazer isso e o modelo, concebi-o eu. E o
Inspector Chefe Baião sabe isso, o Inspector Uni e a Inspectora Anabela
sabem isso, porque eu disse-lhes: Isto é intolerável! Tem de fazer-se uma
operação com impacto e com divulgação pública, que ponha termo ao
escândalo da corrupção na BT! E a operação tem de ter: lista de detenções,
pelo menos, 30 ou 40 pessoas detidas, que são os cabecilhas; verificação
dos sinais exteriores de riqueza; dos meios de enriquecimento ilegítimos e
definição do modus operandi.
Hoje temos uma investigação com três inspectores, que é neste
momento a investigação mais cara que a Polícia Judiciária jamais teve. É
cara, não vou dizer porquê, mas é uma investigação cara em termos de
meios de equipamento, por exemplo, e do que se gastou para se conseguir
definir os modus operandi.
Aqui entra um elemento, que são as ideias, as concepções e o apoio
que dei à investigação, a concepção que fiz da operação – porque, de facto,
foi a primeira operação que concebi, desde que entrei para a Polícia
Judiciária, isso é uma verdade –, e o apoio que obtive do Dr. Bonina para o
efeito.
Quanto à politização, não é o meu «calcanhar de Aquiles»! Como já
referi, houve um tempo em que todos andámos na política. Cada um seguiu
o seu caminho, e eu segui o do Ministério Público, é aqui que quero estar.
Não sou um «caso Negrão». Não sou, nem nunca serei! O tempo o dirá!
E como não tenho objectivos político-partidários, escrevi as cartas
que escrevi. Se os tivesse, não as tinha escrito. Há também a ingenuidade e
a neutralidade própria dos magistrados e há uma vontade muito grande de
defender os operacionais. Eu não sabia o que lhes ia acontecer. Aquilo era
uma Direcção a funcionar tipo roleta, não se sabia nunca o que é que ia
acontecer no dia seguinte.
A propósito da política, devo dizer que não percebi as perguntas do
Sr. Deputado. Não percebi! As perguntas não têm inteligibilidade. Mas não
contactei ninguém desta Comissão! Não sei o que é que o Sr. Deputado
quer dizer!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se desde que se demitiu
manteve alguma conversa…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Desde que me demiti, não! Não!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não é se foi contactada ou
se contactou. O que estou a perguntar é se, desde que se demitiu, manteve
alguma conversa, por si ou por interposta pessoa, com algum Sr. Deputado
aqui presente ou ausente?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Bom, parece que estou a ser
constituída arguida desta Comissão de inquérito e os arguidos têm direito
ao silêncio!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não acha que no caso da
Brisa, poderia haver uma maior articulação, nomeadamente com a
Directoria do Porto?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Olhe, Sr. Deputado, há
amizades…, mas não houve qualquer contacto, nem por mim nem por
interposta pessoa. Aliás, não se está a referir-se ao meu marido. O meu
marido tem amizades na política, mas também é um homem que se vê
completamente desinteressado de qualquer carreira político-partidária,
porque senão não fazia o que faz! Portanto, é um homem sem partido, e
fala com quem calha e com quem lhe apetece! E eu também falo com quem
calha e com quem me apetece!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E com o Dr. António
Costa?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Com o Dr. António Costa?!…
Com certeza que falei com o Dr. António Costa, no dia da minha tomada
de posse.
Tive também várias reuniões com o Dr. António Costa, no âmbito do
pacote da legislação económico-financeira. E sabe quem esteve também
nessas reuniões, Sr. Deputado? O Sr. Procurador-Geral Souto Moura, a Dr.ª
Cândida Almeida, a Dr.ª Teresa Almeida, a Dr.ª Cláudia Santos, o Dr.
Rocha Andrade, o Dr. Bonina, o Dr. António Costa e eu. Houve, portanto,
várias reuniões nessa matéria! E tive também reuniões com o Dr. Rocha
Andrade, sobre a matéria da prevenção do euro.
Aliás, não sei se o Sr. Deputado sabe que a DCICCEF e a Polícia
Judiciária é a entidade nacional competente para a centralização da
informação em matéria de contrafacção de moeda.
Portanto, de facto, tive essas reuniões. Também tive encontros com o
Dr. António Costa na Rua Alexandre Herculano, n.º 42-A, sede da
DCICCEF, numa visita que o Dr. António Costa fez à DCICCEF,
conforme fez à DCITE, à DCCB e a outros departamentos da Polícia
Judiciária. Nessa visita, foi acompanhado pelo Dr. Bonina, falou com todos
os investigadores, de todas as secções de investigação criminal, e almoçou
na cantina no 7.º andar da DCICCEF.
Mais: deixe-me também dizer-lhe que gosto muito do Dr. António
Costa como pessoa, e gostei muito dele como Ministro da Justiça. As Leis
n.os 5/2002 e 10/2002, a Lei dos Encobertos, a Lei que aumentou os
poderes processuais da Polícia Judiciária, a lei da quebra do sigilo bancário
foi feita com um levantamento dos obstáculos à produção de prova em
matéria de acesso à documentação bancária, junto dos investigadores e
junto da banca. E deu um bom resultado! E deu uma boa lei! Isso é um bom
método. Se alguém agora fizer o mesmo, ficarei a admirar esse método.
Digo-lhe mais: o Dr. António Costa era um Ministro da Justiça
muito, muito estimado na Polícia Judiciária. Era 100% estimado na Polícia
Judiciária! Porquê? Porque era uma pessoa que conhecia os problemas da
Polícia, visitava a Polícia, ouvia Polícia, fez reuniões com a Polícia e
percebia-se que ele percebia quais eram os problemas da Polícia.
Porque a Polícia, Sr. Deputado, tem problemas sérios e graves, que
não são propriamente só as questões de telemóveis e de carros. Há
problemas muito, muito mais sérios e muito delicados.
Portanto, falei, sim, com o Dr. António Costa. Aliás, se quer que lhe
diga, eu conheço o Dr. António Costa há muitos, muitos anos. Nem sei
desde quando! Porque eu não nasci quando fui para a Rua Alexandre
Herculano; tive actividade política, antes e depois do 25 de Abril, e sempre
tive actividade pública, portanto falo com quem entendo. Quanto ao Dr.
António Costa, conheço-o de há muitos anos, nem lhe sei dizer desde
quando.
Agora, no exercício das minhas funções, enquanto estive à frente da
DCICCEF, fiz todas essas reuniões na presença do Sr. Procurador-Geral, da
Dr.ª Cândida Almeida, do Dr. Bonina e dos assessores do Dr. António
Costa.
Já agora, digo-lhe que estou a ver que o Sr. Deputado tem boas
informações dentro da Polícia Judiciária, nomeadamente da Directoria do
Porto. Parabéns!
Mas digo-lhe também que para haver efectividade e actualidade, os
processos não podem ser monstros, porque senão acontece como no
processo da UGT. Portanto, o processo da Brisa está bem assim, e há-de
dar um bom julgamento assim!
Eu (e voltamos à 1.ª pessoa) levei para a Polícia a experiência que
tinha nos tribunais, que é aproximar a data da consumação do crime, da
data da acusação e da data do julgamento, para tornar efectiva a repressão,
para dar efectividade, actualidade e impacto junto das pessoas e para
educar as pessoas nestes valores.
Mas para isso os processos não podem ser monstros. Já nos
deparamos com suficientes dificuldades no crime económico, por isso não
vale a pena estar a torná-las em dificuldades maiores. Vejam o que é que
aconteceu no processo Bayer/Pequito, ou no processo Fundo Social
Europeu, ou no processo UGT!
Os megaprocessos anestesiam a justiça, porque tornam impossível
um julgamento eficaz!
Repare que no processo Vale e Azevedo há trânsito em julgado. Ora,
ele foi preso no dia 16 de Fevereiro, e o trânsito em julgado ocorreu agora,
portanto faça as contas e compare com os outros casos!
Por conseguinte, trata-se de uma questão de métodos, não é uma
questão de pessoas. Mas é claro que os métodos não nascem nos
computadores, directamente. Têm de ser as pessoas a pensá-los, a reflectir
e a analisar.
E há algo que é importantíssimo na Polícia Judiciária: o que se faz,
faz-se com 80% de factor humano e 20% de factor técnico. E o Dr. Adelino
Salvado subestima o factor humano! Para ele, as pessoas são fusíveis. Não
tem princípios humanistas na Direcção, porque senão não fazia o que fez
em relação à minha Direcção, sequer. Eu tenho princípios humanistas!
Sempre tive! Era acusada pelo Dr. Adelino Salvado de exagerar no apoio à
investigação criminal.
Os Srs. Deputados vejam quantas vezes eu apareci publicamente?
Dei duas entrevistas, e todas as conferências de imprensa eram dadas pelos
operacionais, porque sempre fui defensora da investigação suada, da pessoa
com olhos encarnados que acabou de fazer a operação, porque é essa que
sabe o que quer transmitir à opinião pública. O Dr. Adelino Salvado é
defensor da informação padronizada.
Aliás, quando o Dr. Adelino Salvado tinha acabado de tomar posse e
eu lhe propus um agraciamento público a todos os investigadores do caso
Brisa e do caso das Finanças, o Dr. Adelino Salvado, por escrito,
respondeu-me que não concordava com esse agraciamento público, porque
era contrário à cultura organizacional da PJ – DCICCEF.
Portanto, dois pesos e duas medidas não sou eu que tenho!
Sempre falei da dinâmica dos investigadores e do que aprendi com
os investigadores. E se alguma crítica faço ao Dr. Adelino Salvado é
precisamente a de não dar importância ao manancial de experiência dos
investigadores e não se apoiar suficientemente nos investigadores – pelo
menos nos investigadores que tinham experiência e treino no crime
económico.
Não há aqui um problema de pessoas! Sabe o que é que me disse um
colega Procurador-Geral Adjunto quando fui para a Polícia Judiciária? Que
eu ia desempenhar uma função abaixo da minha categoria funcional
administrativa no Estatuto. Porque, enquanto Procuradora-Geral Adjunta,
só reporto ao Procurador-Geral, e como Directora Nacional Adjunta,
reporto a um Director Nacional, que por sua vez reporta à Ministra. Mas
isto não me fazia impressão nenhuma, porque a minha convicção e era
fazer alguma coisa para combater a corrupção!
Toda a restruturação da PJ/DCICCEF, que se pode ver no relatório
anual, foi uma restruturação feita com base nos ensinamentos trazidos da
experiência dos investigadores, ensinamentos nacionais e internacionais,
inclusive e, com certeza, com o apoio do Dr. Bonina e com o apoio para
cima do Dr. Bonina e do Dr. António Costa.
Da parte do Sr. Director Nacional actual, os apoios que tive foi um
isolamento crescente, conforme numerosos exemplos que podia dar. Da
parte da actual Sr.ª Ministra da Justiça também não tenho conhecimento de
qualquer apoio.
Como o Sr. Deputado me perguntou se eu alguma vez falei com ela,
posso dizer-lhe que não falei, nem vou falar, nem faz sentido que fale,
porque a minha inserção no sistema era operacional, e como tal só podia ter
uma interpretação operacional de todas estas matérias.
O trabalho em equipa na PJ/DCICCEF sempre existiu, e não foi um
trabalho de equipa só no n.º 42-A da Alexandre Herculano, foi um trabalho
em equipa com a Inspecção-Geral de Saúde, com a Inspecção-Geral de
Finanças, com a Banca, com a CMVM, com polícia, com congéneres
estrangeiras.
Inclusivamente, se os Srs. Deputados quiserem, está aqui uma
comunicação da Embaixada Britânica/Law Enforcement, uma carta datada
de 28 de Agosto de 2002, que foi enviada para a DCICCEF pelo oficial de
ligação para os assuntos fiscais da Embaixada Britânica e que diz o
seguinte: «Cara Dr.ª Maria José, não podemos deixar passar esta
oportunidade de lhe agradecer toda a valiosa colaboração prestada pela
DCICCEF a este Gabinete nos últimos anos. Sempre pudemos contar com
o vosso apoio, o que tornou possível a obtenção de bons resultados quando
trabalhámos em conjunto. E estamos certos que isso se deveu em grande
parte ao seu trabalho na chefia dessa Direcção Central».
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso não está em causa!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Parece que está em causa. Porque,
não sei se os Srs. Deputados querem coisas acéfalas, mas há uma coisa na
minha visibilidade. Eu assumi a responsabilidade na condução das
investigações e assumi riscos! Hoje, quando vou na rua, sou conhecida, e
isso é um risco. Isso não me preocupa! Tenho uma ética de
responsabilidade. Sempre a tive! No Tribunal assumia riscos, na Polícia
assumi riscos, aqui assumo riscos em dizer o que digo! E atenção Sr.
Deputado, preocupações político-partidárias, não as tenho! Não tenho
vocação para isso! Não estão no meu horizonte! As suas perguntas não me
impressionam!
Mas, a respeito de liberdades e garantias, há uma coisa que gostava
de referir, que é o seguinte: eu tinha um telemóvel na Polícia, com um
determinado número que não sei qual é mas o Sr. Director Nacional há-de
saber (é uma questão de pedir esse número aos serviços) e, até há poucos
dias (e não sei se hoje, esqueci-me de verificar), o cartão desse telemóvel
estava activado. Quem ligasse para aquele número era atendido com a
mensagem: «De momento não posso atender, deixe a sua mensagem».
Ora, uma pessoa que tem uma preocupação tão obsessiva com as
liberdades e garantias, que presencia um pedido de demissão nessas
circunstâncias, poderia, porventura, ter tido o cuidado de dizer aos serviços:
«Onde está o telemóvel dessa senhora? Desliguem-no!». Já foi desligado?»
Também não sei por que razão isso acontece. É evidente que quem quiser
ligar para esse telemóvel fica lá a mensagem. Não sei se neste momento, a
esta hora, há alguém da polícia a fazer a lista das mensagens para aquele
número. Isso acontece e não estou minimamente preocupada, mas
provavelmente, se fossem ligar para lá agora – perguntem à polícia o
número – esse cartão ainda está activado, não obstante os problemas de
verbas. Sempre é uma assinatura que está a ser paga!… Penso eu, não sei.
Não percebo! Pode, até, ser esquecimento pura e simplesmente, mas são
esquecimentos… Enfim, podem não ter grande importância, mas quando se
quer «ver à lupa» a questão das liberdades e garantias e do bom nome, até
se podem referir coisas destas.
Não sei o que o Sr. Deputado quer que diga mais sobre este assunto.
Quanto à questão das hierarquias, nunca fui anarquista, Aliás, essa
carta do dia 29 só mostra a minha fidelidade e a minha lealdade a um
Director Nacional. É um comportamento disciplinado. Sempre fui uma
pessoa de disciplina férrea e levei algum tempo a perceber todo o cenário.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Até hoje!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Até hoje, Sr. Deputado.
Eu não tive a iniciativa do pedido de demissão. Pedi a demissão a
pedido. Tive muita relutância em contar isto publicamente e jamais o
contarei publicamente. Conto nesta Comissão…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não esteja a ser ingénua,
porque logo à noite já se sabe tudo nas televisões!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - O Sr. Deputado é que sabe! O Sr.
Deputado é que sabe o grau e o nível de respeito que quer escolher para
esta Comissão em termos de verdade material. Comecei por dignificar a
minha posição aqui. Eu quero a verdade material. Se os Sr. Deputados não
querem a verdade material, se querem a verdade formal, ou a verdade
parlamentar, ou a verdade da maioria, ou a verdade das cartas, não me diz
respeito. Estou acima disso, é-me rigorosamente indiferente. O meu
coração não bate nem mais uma vez, as minhas pulsações não aumentam
nem mais uma… É como olhar para o fundo de uma piscina. Estamos
sempre na mesma e sempre a ver a mesma coisa.
Isso não modifica o telefonema do Dr. Adelino Salvado, o pedido
que ele me fez para que me demitisse, a forma caprichosa, arbitrária,
infundada, inesperada, surpreendente, não transparente como tudo isto
decorreu e como se vê pela evolução dos acontecimentos. Quem não tinha
intenções políticas era eu. Não tinha, não tenho nem nunca terei, porque se
tivesse, garanto-lhe que o meu comportamento não era este, Sr. Deputado.
É por não ter intenções políticas que falo com quem me apetece, com quem
gosto, porque julgo que ainda vivemos num país livre.
O Sr. Presidente: - Antes de mais, quero reiterar, nomeadamente à
Dr.ª Maria José Morgado, que se cinja às questões que estão aqui na mesa e
que não tome como pessoais e evidentes as perguntas que lhe são colocadas
– o objecto desta Comissão é muito claro –, caso contrário acabamos por
ficar aqui indefinidamente com uma hora de pergunta/resposta para cada
Sr. Deputado. Tenho mais oito Deputados inscritos e, portanto, podem ver
o horizonte que nos espera.
Peço ao Dr. Nuno Teixeira de Melo, que tem direito a fazer uma
réplica, que seja muito sintético, para depois poder dar a palavra ao Sr.
Deputado António Filipe.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de
registar, telegraficamente, mais uma contradição da Sr.ª Procuradora,
porquanto, lendo um parágrafo da acta da audição da Sr.ª Procuradora, do
dia 11 de Setembro de 2002, dizia a Sr.ª Procuradora «Quanto aos
contactos com a Sr.ª Ministra da Justiça, é evidente que não tenho categoria
nem estatuto para ter contacto com Ministros. Nunca tive. Aquilo que eu
disse é o que está escrito, é aquilo que posso dizer.» Portanto nunca teve
contactos com Ministros! Ao que parece teve e vários…
Bom, à parte esta nota que fica para registar, gostaria de pedir à Sr.ª
Procuradora que precise aquilo que não precisou, ou seja, se está em
condições de provar, aqui – é uma responsabilidade política, de políticos
que aqui estão e que querem tirar conclusões com recurso a V. Ex.ª, porque
se há coisa que não é ingénua, até porque é uma pessoa inteligente e,
portanto, calculará que tudo o que disse, logo à noite, estará nos telejornais
e nos jornais, sabe isso muito bem; não se tente balizar no sigilo desta
Comissão para justificar o que está a dizer, porque sabe bem aquilo que se
vai passar –, e de confirmar se V. Ex.ª…
Protestos do PS.
Ó Sr. Deputado, caso se queira indignar, indigne-se amanhã se o que
eu disser é mentira! Se o que eu disser é mentira, amanhã V. Ex.ª poderá
indignar-se!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, preferia que não entrasse em
diálogo e que se limitasse a dialogar com a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Gostava que nos dissesse
– porque isto releva politicamente – se nos pode provar aqui que a Sr.ª
Ministra disse o que V. Ex.ª diz que o Dr. Salvado disse a V. Ex.ª que ele
disse. Isso, para nós, é que releva. Gostava que precisasse esta parte, além
de outras que eventualmente não respondeu, mas deixo-as para outras
intervenções.
Registo também que a Sr.ª Procuradora afirmou aqui que desde que
se demitiu – também para constar em acta – não manteve qualquer contacto
com nenhum Sr. Deputado presente ou ausente, por si ou por interposta
pessoa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - O Dr. Adelino Salvado disse-me, a
mim, não estou a desvirtuar a realidade, que a Sr.ª Ministra não queria que
eu continuasse na Polícia Judiciária por excesso de visibilidade. Disse-o a
mim, ao Dr. Bonina, a toda a gente da Relação, a jornalistas, a muita gente.
Há muita gente que ouviu isso e por motivo apelido este facto como sendo
uma facto notório. É este o facto. É assim e eu não ia inventar uma coisa
destas. Não era possível inventar com esta fundamentação de excesso de
visibilidade e com todo este dramatismo de não tomar posse se eu não
aceitasse continuar. O Dr. Bonina sabe que isso aconteceu e na Relação
toda a gente sabia que o Dr. Adelino Salvado dizia que estava com
problemas porque a Ministra não queria que eu continuasse na Polícia
Judiciária. Isto foi-me dito por ele e também a muitas pessoas, sem nunca o
ter desmentido, a não ser na 1.ª Comissão.
Pronto. Fico aqui à mercê das minhas palavras, mas é assim.
O que é que o Sr. Deputado perguntou mais?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Referi-me às contradições
entre as suas declarações na 1.ª Comissão quando disse que não tinha tido
relações com os Ministros da Justiça e, afinal, há pouco referiu que tinha
tido reuniões com o Ministro António Costa.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, as reuniões que tive
com o Dr. António Costa foram reuniões de uma comissão e quando falo
nesse tipo de contactos são os contactos feitos com a tutela. Não tinha
contactos directos com a tutela por força do exercício das funções. Tive
reuniões no âmbito da Comissão de Análise e Estudo para a Legislação
Económico-Financeira. Penso que isso está explicado.
Quanto aos contactos por interposta pessoa, o Sr. Deputado quer ter a
delicadeza de me dizer quem é a interposta pessoa? Importa-se? Será o meu
marido?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Procuradora, convirá
que quero dizer exactamente aquilo que disse e perguntar exactamente
aquilo que perguntei. V. Ex.ª responderá também como disse ou pode
alterar, se pretender…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim senhor! A sua frontalidade é
notável! Mas penso que se está a referir ao meu marido.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Estou a cogitar!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Está a cogitar. Mas julgo que se
está a referir ao meu marido porque ele tem amigos na…
Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.
Ai não? Então esses são fantasmas! Eu não raciocino com base em
fantasmas, Sr. Deputado. Os fantasmas não me afligem. É o que se chama
uma pergunta fantasma, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas a resposta não!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - A resposta não é fantasma?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado
não deseja responder mais…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, eu tenho mais que
fazer do que andar em encontros com os Srs. Deputados!
Tenho processos para despachar, tenho coisas para estudar. Já lhe
disse que não tenho objectivos político-partidários, mas tenho amigos que
estão na política. Agora não, mas quando corria o julgamento do Melancia
até tive amigos, que na altura estavam no poder político, que me visitaram
em casa e que me conheciam dos tempos do MRPP e resolveram visitar-
me.
Agora, penso que a minha honorabilidade está acima de qualquer má
interpretação. Posso encontrar-me com qualquer… Aliás, tenho amigos
tanto da direita como da esquerda, se quisermos ir para essa dicotomia
tradicional. Essa interposta pessoa, não sei se é fantasma ou quem é. Tanto
falo com pessoas do PS como até falo com o António Lobo Xavier, por
exemplo. Está a perceber, Sr. Deputado?
A esse respeito nada tenho a esconder. Quando sair daqui vou a pé
para casa. A pé! E não me preocupo. Não olho para trás nem por cima do
ombro! É que o Sr. Deputado está a falar com uma pessoa que já passou
muito na vida e está rigorosamente acima dessas… Como é que lhes hei-de
chamar? Desses fantasmas, desses problemas. Nem sequer me preocupam!
Posso ter o meu trauma, mas isso tem a ver com o passado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, vou tentar reconduzir o
inquérito à disciplina que V. Ex.ª no início da sessão tentou, mas depois
deixou as coisas andarem de uma forma…
Em primeiro lugar, quero agradecer o depoimento da Sr.ª Dr. Maria
José Morgado que foi muito importante para o esclarecimento de alguns
aspectos e que nos obriga a proceder com algumas diligências,
designadamente a tentar ouvir alguns depoimentos de pessoas que a Sr.ª
Dr.ª aqui citou, podendo contribuir construtivamente para este inquérito.
Vou pedir-lhe que precise alguns aspectos concretos de assuntos que
já abordou.
A Sr.ª Dr.ª referiu-se ao processo das finanças e a informações que
teriam sido… Referiu-nos que o Sr. Director Nacional afirmava não
acreditar no sucesso desse processo, que ele não ia dar em nada, mas refere,
a dada altura, que foi pedida uma informação por escrito ao Inspector
Coordenador Calado Oliveira, creio que foi o nome que referiu, e que esse
pedido de informação não passou como deveria ter passado pela Sr.ª
Directora Adjunta. Tem algum conhecimento sobre que tipo de
informações foram solicitadas pelo Sr. Director Nacional acerca desse
processo? Sabe qual foi a origem dessa informação? Quem terá solicitado
que essa informação fosse dada? Concretamente, o que pretendia saber o
Sr. Director Nacional? Qual a razão concreta para que essa informação não
lhe tenha sido pedida a si e tenha sido pedida directamente ao Inspector?
Vou-lhe pedir uma segunda pormenorização. A propósito do
afastamento da pessoa ou das pessoas que estavam a acompanhar o
julgamento do caso Moderna, a Sr.ª Dr.ª referiu, a dado passo – não
consegui tomar nota –, o nome dos inspectores da Polícia Judiciária que
fizeram parte da brigada que investigou o caso da Universidade Moderna.
Referiu os nomes. Peço-lhe, apenas, que os repita, porque gostaria de tomar
nota e esta minha solicitação não é compatível com o tempo que demora,
agora, a ouvir a gravação. Portanto, peço-lhe, por razões de celeridade da
nossa investigação, se nos pode repetir os nomes que disse há pouco.
Houve notícias de que foram recusados louvores pela hierarquia da
Judiciária. Saiu uma notícia no jornal Público de que, já no tempo do Dr.
Adelino Salvado, foi recusado um louvor aos investigadores do caso
Moderna, que tinha sido proposto.
Pergunto-lhe se nos pode dizer quem foram estes investigadores, se
tem conhecimento directo desta recusa de louvores e se tem conhecimento
de que algum desses inspectores tenha sido afastado das funções que
desempenhava, ao tempo, na Polícia Judiciária.
Para já, são estas as questões que lhe queria colocar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.
A Dr.ª Maria José Morgado: — Sr. Presidente, Sr. Deputado António
Filipe, no processo das finanças a atitude do Sr. Director Nacional, em
conversa comigo, era pessimista.
De qualquer das formas, a informação… Não se trata do tipo de
informação. Será uma informação sobre o andamento de um processo, que
é uma coisa que um director nacional tem legitimidade, em princípio, para
fazer, mas que não é costume ser feito assim, nestes moldes. Porque o
Director Nacional não me pede a informação a mim.
Quanto ao momento, tenho razões para pensar que esperou que eu
fosse para férias para pedir essa informação. Portanto, é uma maneira de
chamar a atenção aos investigadores para o processo da marcação da
direcção, da directora. E, como tal, foi interpretado. É um mau sinal para a
investigação, quando isso se faz na ausência da direcção do departamento.
E o momento foi em férias. Terá sido por volta de vinte e tal de Agosto.
Quase ia jurar que foi quinta ou sexta-feira e o meu pedido de demissão foi
na terça. Portanto, as coisas andavam todas a concentrar-se e a afunilar-se
cada vez mais.
Para mim, a questão principal é: por que é que se espera pela minha
ausência em férias? Por que é pedido desta maneira? É uma forma de me
desautorizar. E, como veio a suceder, é uma forma de dizer: «Atenção, ela
já não está aqui». E não estava. Eu é que pensava que estava… De facto, o
coordenador ficou um bocado admirado com isso e deu a informação. E a
informação terá ido na semana anterior ao meu pedido de demissão.
Chamo a atenção que, de facto, este é dos processo mais sensíveis
que existe, neste momento, na DCICCEF. É um processo que apontava
para níveis de direcção no interior da máquina fiscal e é de uma dificuldade
de prova extraordinária. E, agora, quem está pessimista a respeito do
processo sou eu.
Quanto ao caso de Monsanto, só quem não conhece estas realidades
é que pode fazer perguntas, no sentido de saber se havia despacho do
Ministério Público ou se havia isto ou aquilo. O que acontece, nestes casos,
é um acompanhamento informal da Polícia Judiciária, uma coadjuvação
informal ao Ministério Público. Há um acordo entre a Polícia Judiciária e o
Ministério Público. É uma coisa que decorre naturalmente das funções da
Polícia Judiciária e das necessidades do Ministério Público.
Como tal, havia um ou outro apoio esporádico, logístico ao Dr.
Manuel das Dores, como eu disse, com desgosto meu de não poder reforçar
esse apoio, porque nem sequer tinha meios para isso. Faço notar que isto é
um processo gigantesco e que este apoio não é despiciendo. É um apoio
compreensível e normal. O que não foi normal foram os reparos que houve
sobre o apoio.
Uma das pessoas que destaquei para o apoio foi o Pedro
Albuquerque, porque era a única pessoa que eu tinha. É o homem dos sete
ofícios, é capaz de fazer 30 coisas ao mesmo tempo. Como tal, deu esse
apoio no início — no início —, em Abril, no julgamento, ao Dr. Manuel
das Dores. Depois, terá havido um ou outro apoio logístico, de acordo com
as necessidades do Ministério Público.
Os nomes das pessoas a quem eu transmiti esta orientação, e que têm
a ver também com a brigada que tinha investigado o caso Moderna, foram:
o coordenador de investigação criminal João Borlido, que estava de férias e
eu chamei para vir falar comigo nesse dia ao fim da tarde; o inspector
Gonçalves Pica; o inspector Álvaro de Sousa; e, se não me engano, o
inspector Pedro, que é novo, tomou posse em Novembro de 2001 na
brigada de pesquisa e, como tal, não fez parte da investigação do caso
Moderna. Mas é evidente que não quer dizer que fossem estes inspectores
que iam a Monsanto. Havia uma apoio logístico esporádico, de acordo com
a agenda e as possibilidades.
É claro que isto não tinha nada a ver… Não havia presença de
testemunhas do caso Moderna em Monsanto nem assistência ao
julgamento. Não é disso que se trata. São apoios logísticos.
Aliás, pouco tempo depois do Dr. Adelino Salvado ter tomado posse,
apareceu uma manchete no Diário de Notícias sobre buscas da Polícia
Judiciária, que tinham sido feitas no âmbito do processo que está a correr
no Tribunal de Instrução Criminal, em que é a Dinensino a queixosa. O Sr.
Director Nacional chamou-me e levei, juntamente comigo, o Dr. Egídio
Cardoso, que é o director do Departamento de Perícia Financeira e
Contabilística, para explicar, porque o Sr. Director Nacional tinha acabado
de tomar posse há poucos dias e estava muito agitado por ter aparecido
aquela notícia sobre buscas na Moderna no Diário de Notícias.
Realmente as buscas tinha sido feitas por nós, já em coadjuvação
com juiz de instrução criminal. Expliquei isso ao Sr. Director. Expliquei-
lhe que não sabia por que é que tinha havido aquela fuga. E o Sr. Director
até me pediu, diante de quem estava — o Dr. Egídio Cardoso, o Dr. João
Vieira e o Dr. José Branco —, um levantamento sobre a situação,
nomeadamente sobre pessoas ligadas ao processo da Moderna e os
interesse nessa matéria. Eu pedi aos inspectores para fazerem esse
levantamento, que fizeram, e entreguei-lhe um documento de análise com
informação tratada sobre a matéria.
Quanto à questão dos louvores no caso Moderna, tanto quanto sei,
porque isso é superveniente à minha saída da Polícia Judiciária, estava
agendada para o Conselho Superior de Polícia a aprovação de uma proposta
de louvor aos investigadores da Polícia Judiciária. Eu conheço a proposta
de louvor, porque foi feita pelo meu antecessor, Dr. Rosário Teixeira.
Entretanto, eu acrescentei a essa proposta de louvor uma referência
elogiosa do Dr. Manuel das Dores no fim da instrução.
Essa proposta dividia os investigadores em duas categorias: a
categoria do trabalho excepcional, que eram aqueles que tinham tido a
vanguarda da investigação e a direcção da recolha de prova, em relação aos
quais propunha o louvor; e, em relação aos restantes, propunha a menção
elogiosa.
No regulamento de mérito do pessoal da Polícia Judiciária ou numa
escala de zero a dez o louvor é o dez e a menção elogiosa é o um. Abaixo
da menção elogiosa, só há o prémio pecuniário. Parece — e eu tenho a
confirmação disso — que o processo não foi despachado, porque o relator
anterior adoeceu gravemente. O Dr. Loureiro era meu colega, em Coimbra,
e, como adoeceu gravemente, o processo entrou em morosidade. Foi,
depois, recuperado para esta direcção nacional. E o parecer que foi
aprovado no Conselho Superior de Polícia foi o de baixar o louvor para
menção elogiosa, considerando que o trabalho não era excepcional e não
justificava o louvor. Era apenas um trabalho de mérito.
Em relação a um segurança que tinha apoiado a investigação, a Lei
Orgânica da Polícia Judiciária permite-o. A segurança pode apoiar a
investigação criminal. Ele apoiou-a em buscas e detenções, nos momentos
decisivos da prova, com tenacidade, com coragem, com combatividade. E
esse segurança é censurado na proposta de louvor por ter extravasado o
conteúdo funcional das suas funções e ter posto em causa o mérito dos
investigadores.
É claro que a Polícia Judiciária é uma realidade muito complexa e há
uma rivalidade antiga entre seguranças e investigação criminal, ou seja,
entre o apoio à investigação e a investigação criminal. Mas essas
rivalidades não podem ser promovidas; têm de ser combatidas.
E o que eu entendo é que o Conselho Superior de Polícia deveria ter
obrigado à revogação daquela proposta, porque era, de facto, uma proposta
injusta, em relação a quem se tinha destacado em momentos de
operacionalidade crítica, como são as detenções, as buscas e a recolha de
prova. E, de facto, isso não sucedeu, o que é uma maneira de elogiar sem
elogiar. Depois houve a distribuição desses prémios publicamente, no dia
21 de Outubro, no Instituto Superior de Polícia Judiciária, e houve até
investigadores que nem compareceram, porque se sentiam ofendidos com
este procedimento.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José
Morgado, quero apenas precisar se tem conhecimento de que o inspector
João Borlido tenha visto alteradas as suas funções na Polícia Judiciária,
depois dessa investigação.
A Dr.ª Maria José Morgado: — Eu só tenho conhecimento daquilo
que veio publicado na comunicação social. Nessa altura, já não estava lá.
Mas, porventura, pode perguntar-lhe a ele.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, vou seguir as
sugestões que o Presidente tem feito, várias vezes, nesta Comissão,
lembrando que não tem sentido discutirmos aqui assuntos tão relevantes
como a estratégia para a Polícia Judiciária ou, até, interpretações diferentes
sobre essa matéria. Portanto, ao contrário do Sr. Deputado Jorge Neto, não
seguirei por esse caminho.
Em contrapartida, queria assinalar, desde já, que, dos depoimentos
apresentados hoje à tarde pelas várias intervenções da Dr.ª Maria José
Morgado, resulta claro que, para o esclarecimento complementar que é
necessário no âmbito próprio desta Comissão, terá todo o sentido ouvir o
Dr. Luís Bonina e o Dr. Rui do Carmo, que foram directamente citados,
além, naturalmente, dos depoimentos que já estão previsto do Director
Nacional da Polícia Judiciária e da Ministra da Justiça.
Quero colocar-lhe, Dr.ª Maria José Morgado, três questões concretas,
visto que nós queremos esclarecer somente a incidência de actuação
política do Ministério da Justiça, no que diz respeito às demissões nas
direcções da Polícia Judiciária. Como esse é o nosso âmbito e o nosso
objectivo, é sobre isso que temos de nos pronunciar, pelo que queria que
me desse esclarecimentos complementares sobre três matérias.
A primeira, é que, ao referir a reunião de 16 de Julho em que sentiu
necessidade de colocar o seu lugar à disposição — o que não foi, então,
considerado —, no momento em que pela primeira vez se referiu a essa
reunião, disse que já tinha havido um incidente semelhante em Junho, e não
deu mais detalhes sobre esse facto.
Não sei se na altura, aquando desse incidente, cujo conteúdo não nos
esclareceu – e pedia que o fizesse –, considerou também que, apesar de ter
passado apenas um mês da sua tomada de posse, se justificava esse mesmo
entendimento que teve mais tarde, de que se estava a esboroar a relação de
confiança. Portanto, queria saber se esse incidente tem relevância para o
que nos interessa, que é interpretar este processo de evolução nas relações
hierárquicas e na sua relação com o Director Nacional da Polícia Judiciária
e, eventualmente, com a Ministra da Justiça.
Em segundo lugar, sobre a reunião de 16 de Julho, referiu-se várias
vezes ao apoio logístico – e fê-lo agora de uma forma detalhada – que o
agente Pedro Albuquerque teria sido encarregue, por si, de dar ao
Ministério Público no âmbito do processo Moderna. Não ficou claro para
mi se a qualificação que ele tinha para essa matéria era a que decorria da
sua competência como segurança, visto que cumpria essas funções em
relação a si, como nos disse, ou se havia competências decorrentes das suas
capacidades de investigação, ou do conhecimento do processo, ou do
conhecimento de processos que fossem relevantes do ponto de vista do
combate à criminalidade económica e à corrupção.
No fundo, pergunto se havia alguma particularidade que o indicasse
como uma pessoa competente, ou especialmente competente, para fazer
este acompanhamento. Em particular, queria saber se ele tinha um
conhecimento anterior do caso que estava a ser julgado então.
No âmbito desta segunda questão, ainda sobre a reunião de 16 Julho,
disse-nos – se bem tomei nota da sua intervenção – que o Dr. Adelino
Salvado lhe terá dito que queria saber se andava um homem em Monsanto
e que isso decorria de um telefonema da Ministra da Justiça derivado de um
pedido de esclarecimento de Paulo Portas. Naturalmente, pareceu-me
entender que se referia a uma afirmação que lhe é feita pelo Director
Nacional da Polícia Judiciária, mas queria que, na medida do possível,
precisasse se lhe é dito que este contacto da Ministra da Justiça – sabemos
que não é feito consigo, porque já nos disse que nunca falou com ela – é
feito com ele, directamente, se é a Ministra da Justiça que indica o pedido
de esclarecimento de Paulo Portas ao Dr. Adelino Salvado, ou se é feito
directamente pelo Ministro de Estado e da Defesa ao próprio Director
Nacional da Polícia Judiciária.
Por último, queria que me precisasse aquilo a que se refere como o
«processo das finanças». Também é certo que, nesta última resposta ao
Deputado António Filipe, já deu algum esclarecimento complementar.
Disse-nos aqui a Dr.ª Maria José Morgado que esse é um processo dos mais
difíceis, dos mais trabalhosos, dos mais importantes, daqueles que têm mais
consequências e que se pretendia que, em Setembro, se concretizasse a
colaboração com alguns arrependidos que poderiam dar um impulso à
investigação.
No entanto (e ressalvando todas as precauções que compreendo que
tenha e entendo que deve ter), não ficou muito claro que tipo de processo se
trata. Trata-se de uma investigação sobre elisão fiscal? Trata-se de uma
investigação sobre corrupção? Trata-se de uma investigação estritamente
no âmbito de funcionários da administração tributária?
Faço-lhe estas perguntas porque pretendo saber – não é,
evidentemente, o que a Polícia Judiciária investigou, ou poderá investigar
hoje em dia, porque é dos processos mais sensíveis, naturalmente – se deste
processo decorre a possibilidade de pressões políticas significativas, ou se
entende que pressões políticas possam ter ocorrido na sequência deste
processo, tanto mais que este calendário dos acontecimentos que são
factuais, designadamente os conflitos a propósito do caso Moderna, no dia
16 de Julho, a sua entrada em férias, a multiplicação de incidentes
hierárquicos durante o seu período de férias e o telefonema do Director
Nacional da PJ no dia 27 de Agosto, que leva à apresentação da sua
demissão nesse mesmo dia, são imediatamente precedentes àquele que era
um passo significativo neste processo investigatório, no mês de Setembro.
Queria ainda perguntar se interpreta que este processo tem relevância
quanto aos calendários em que ocorrem estes múltiplos incidentes e em que
lhe é pedido que se demita, neste contexto.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo pediu a
palavra para que efeito?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente,
naturalmente, não quero voltar a intervir nem tenho esse direito, mas queria
informar a mesa – e, nessa circunstância, também a Sr.ª Dr.ª Maria José
Morgado – que, tal como dizia antes, perante a indignação do Sr. Deputado
António Filipe, o que a Sr.ª Procuradora aqui tem vindo a dizer já foi
noticiado pela Lusa, pelas televisões…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, eu não abandonei o
meu lugar nem telefonei!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não estou a dizer que o
fez.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, peço-lhe
que desligue o microfone, porque não se trata de uma interpelação à mesa.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria
apenas que ficasse registado em acta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado,
começando pelo fim, quanto à relevância no calendário do processo das
finanças, há algo que me parece incontornável: esperar que eu levasse essa
investigação até ao fim, manter a minha direcção até ao fim e, só então,
convidar-me a sair. Ou, indiferente ao decurso desta investigação, talvez
com uma espécie de insensibilidade qualquer, dizer-me: «Sr.ª Dr.ª, ponha
termo à sua comissão».
Penso que as coisas falam por si. Eu abandono a Polícia Judiciária
com investigações altamente sensíveis, na fase mais sensível, como é o
caso das finanças, o caso do Vitória de Guimarães, o caso nandrolona, o
caso do contrabando organizado de fraude em IVA em carrossel, de fraude
aos IEC, etc., etc. Ninguém me pediu a responsabilidade do resultado
daquelas investigações, portanto agora a responsabilidade é de quem lá
ficou, da Direcção Nacional e do meu sucessor. Eu tive responsabilidade
até àquele dia.
O que me dá impressão é que o Sr. Director Nacional não achou que
isso era importante, não pesou essas investigações na balança em termos de
dizer: atenção, estão a decorrer estas investigações, é melhor não haver
alterações; já é tudo tão difícil em matéria de crime económico que não
vale a pena tornar as coisas mais difíceis, porque isto causa perturbações à
investigação. Como já disse numa entrevista, a investigação sabe sempre de
que lado sopra o vento! E quando uma directora, que tem o apoio dos
operacionais, é «empurrada» desta maneira, os operacionais não sabem
muito bem o que vai acontecer no dia seguinte, porque tudo isto pode
transformar-se numa roleta russa.
Portanto, não posso responder mais nada, a não ser que ninguém me
deu oportunidade de levar estas investigações até ao fim. E justificava-se,
dada a gravidade. Estes processos de que falei nunca tinham sido
investigados na DCICCEF desta maneira, com estes métodos e com estes
objectivos.
É evidente que o processo das finanças, na operação de 3 de Abril,
levou à detenção de subdirectores, de um subdirector da 2.ª Distrital de
Finanças e de um director do IVA, depois soltos por insuficiência de
indícios, segundo o despacho da Dr.ª Fátima Mata Mouros. Mas foram
detidos por despacho judicial, mandato de detenção assinado pela juiz de
instrução criminal. E o que é surpreendente é que ninguém espera que estas
investigações cheguem ao fim. Faz-se uma mudança de direcção com tudo
isto a decorrer.
Em relação à questão de precisar o telefonema da Sr.ª Ministra da
Justiça e à questão de Monsanto, penso que as minhas palavras não foram
ainda inteiramente compreendidas. Havia uma orientação minha de, sempre
que possível, dar apoio ao Ministério Público, e este, sempre que possível,
passava muitas vezes pelo apoio do segurança, porque este segurança tem
uma particularidade: é o homem dos sete ofícios. Conhece bem a Polícia
Judiciária, conhece os métodos de investigação, tem disponibilidade, é
dedicado, combativo e uma pessoa completa para o efeito pretendido, que
era o de dar algum apoio logístico e acompanhar o Ministério Público. Isso
foi feito durante o início do julgamento; depois, pode ter havido um ou
outro apoio esporádico, mas sem continuidade, porque estávamos sem
meios e a Direcção Central estava a «rebentar pelas costuras».
O que sucedeu no dia 16 de Julho foi que, a seguir à reunião do
Conselho de Coordenação Operacional, o Sr. Director Nacional chamou-
me e disse que tinha acabado de receber um telefonema da Sr.ª Ministra da
Justiça, por uma questão que lhe tinha sido colocada pelo Dr. Paulo Portas,
por causa de alguém da DCICCEF que andaria em Monsanto, e não devia
andar. E a instrução verbal que me foi dada era para não andar, ou seja,
ninguém podia ir a Monsanto! Ora, num quadro de normalidade, isto é algo
que não é inteiramente compreensível: por que raio não podíamos ir a
Monsanto?! É costume, nestes processos, a Polícia Judiciária falar com o
Ministério Público. Foi o que aconteceu com as FP-25, também no
processo do Melancia e no das FP-27, ambos comigo; no processo de Vale
e Azevedo, com a Dr.ª Leonor Machado; no processo da UGT, com o Dr.
João Guerra. E em nenhum desses processos foi dito «não queremos
ninguém lá», bem pelo contrário!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A investigar!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não é a investigar, Sr. Deputado.
Eu falei em apoio logístico e não em investigação. Ou bem que o Sr.
Deputado aceita a existência da Polícia Judiciária, ou não aceita – a Polícia
existe e para alguma coisa é! E, quando há julgamentos, a Polícia Judiciária
tem de conhecer o feedback do julgamento, o seu resultado, e pode ter
necessidade de recolher informação para acompanhar o julgamento. A
Polícia Judiciária pode fazê-lo, está no âmbito da sua actuação.
Não estou a dizer que a Polícia Judiciária o fez no caso do processo
Moderna, mas pode fazê-lo porque está dentro da função prevenção.
Talvez nem possa existir Polícia – o melhor é acabar com ela… –,
porque tem uma função de prevenção, de recolha, análise e tratamento da
informação. Esse é um serviço que a Polícia Judiciária presta à democracia
e aos cidadãos, e também aos Srs. Deputados.
Mas não estou a dizer, sequer, que a Polícia Judiciária o fez no caso
Moderna, porque não havia tempo para isso: estávamos a «rebentar pelas
costuras», não havia quase tempo para dormir. O que se passou foi que
houve uma pessoa que foi a Monsanto e o facto dessa pessoa ter ido a
Monsanto causou agitação do lado do poder político, porque fui chamada à
atenção sobre esse facto! Portanto, é a isso que me refiro. E fui chamada à
atenção sobre isso no dia 16 de Julho, porque foi esse o dia da reunião do
Conselho de Coordenação Operacional.
Em Monsanto, o que aconteceu foi o seguinte: o Pedro Albuquerque
transportou o Dr. Manuel das Dores: levou-o e foi buscá-lo. E não sei por
que razão um «factozinho» destes causa tanta agitação e dá origem…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Há uma coisa que se
chama Constituição!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim, mas a Constituição não o
impede de levar e trazer o Ministério Público ao tribunal!
O incidente anterior, em que pedi a demissão, tem a ver com uma
outra situação, em finais de Junho, em que há um pedido de entrevista do
Expresso sobre a crescente eficácia da Polícia Judiciária no combate ao
crime económico – o Expresso andava há um ano a pedir essa entrevista e
eu andava há um a recusá-la, por minha iniciativa.
Em relação a esse último pedido o Dr. Adelino Salvado exarou na
folha do fax enviada pelo Expresso dois parágrafos basicamente nestes
termos: o primeiro elogiava a Sr.ª Jornalista e o trabalho que ela sempre
tinha feito de acompanhamento do crime económico e das acções da
Polícia Judiciária, etc. No segundo, depreciava o meu trabalho, porque
dizia que o trabalho feito pela Polícia Judiciária é um trabalho de equipa
não era um trabalho de uma só pessoa e, portanto, não era essa pessoa que
dava as informações era o gabinete de estudos e documentação.
É evidente que eu sempre funcionei em equipa, aliás, parece-me que
funciono em equipa de forma tal que as acções que continuam depois de
mim, o que prova a capacidade de constituir equipas, gosto do trabalho em
equipa, é uma coisa que me entusiasma e até sou conhecida por isso em
todo o lado por onde tenho passado.
Na Boa Hora, estive oito anos e fui reconhecida por juizes e colegas
por formar equipas, constituir equipas e ter essa obsessão. Agora, é
evidente que é preciso que alguém fale, é preciso que alguém, perante a
opinião pública, assuma a divulgação das coisas e assuma aquilo que é
importante em termos de dar visibilidade ao combate ao crime.
Entendi que o Sr. Director Nacional ao tomar essa posição, e ao
divulgá-la internamente, estava, mais uma vez, a desautorizar-me. Agarrei
no fax, ao fim do dia, eram 8 horas da noite, fui falar com ele à Gomes
Freire, ao 4.º andar, e disse-lhe «Sr. Director Nacional o que está em causa
aqui é que eu tenho de me ir embora, porque o Sr. Director Nacional não
compreende os meus métodos de trabalho, nem os aceita. Quis continuar
comigo na direcção por razões(…)», e até fui brutal, «(…)egoístas e então
não vale a pena eu continuar é melhor deixar-me ir embora já».
Resposta do Sr. Director Nacional: «Eu estava com «gorilas» na
cabeça (…)», isto é para dar espontaneidade e sinceridade ao depoimento,
portanto ele estava com «gorilas» na cabeça e tinha tomado a opção de eu
continuar a fazer parte da direcção da Polícia Judiciária, por três razões:
uma razão egoísta, sim senhora ele reconheceu a razão egoísta, porque
dizia que se eu não ficasse na direcção era acusado de não querer combater
o colarinho branco; uma razão de justiça, porque não era justo interromper
quem estava a trabalhar e a direcção central tinha sido uma direcção central
que se tinha levantado e estava a fazer coisas extraordinárias e uma razão
de eficácia porque estávamos a conseguir resultados. Portanto, egoísmo,
justiça e eficácia!
Isto foi em finais de Junho, e eu saí, mais uma vez, dilacerada pelo
dilema que me levou a escrever as cartas finais. Este homem defendeu-me
tanto, defendendo os métodos de trabalho e de ataque ao crime económico,
nele incluindo a corrupção e o branqueamento ou se me defendeu por
razões egoístas. Até hoje nunca soube isso, mas, de facto, os meus três
meses com o Dr. Adelino Salvado foram dilacerados por esse dilema, por
essa dúvida, pelo que em finais de Junho coloquei-lhe brutalmente a
questão e disse-lhe: «O Sr. Doutor só quis ficar comigo por razões
egoístas». Então, ele declarou-me que não era bem assim, mas eu temia que
a Polícia Judiciária fosse pagar um preço por isso e está a ver-se que a esse
respeito tive alguma lucidez.
Aliás, o Dr. Adelino Salvado, no Sábado, dia 25, em que falou
comigo, pela primeira vez a seguir à tomada de posse e em que me reiterou
as revelações acerca da oposição da Sr.ª Ministra à minha continuação na
Polícia Judiciária, disse-me também uma questão interessante é que iniciar
a direcção sem me encontrar à frente da DCICCEF, é como iniciar uma
operação com 39 graus de febre e pedia-me que, acontecesse o que
acontecesse, eu jamais pedisse a cessação da comissão. Pediu-me para eu
firmar esse compromisso com ele, acontecesse o que acontecesse. Eu fiquei
preocupada porque o Dr. Adelino Salvado disse-me que se o problema era
o excesso de visibilidade ele tratava disso e eu fiquei preocupada, repito,
porque não compreendia o que era ele «tratar disso». Mas talvez eu hoje
compreenda o que é «tratar disso».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-
Geral Adjunta, gostaria de colocar-lhe algumas perguntas, tanto quanto
possível directas e concretas, mas antes de chegar às perguntas directas e
concretas devo dizer-lhe, e é o único comentário que farei, que sou tentado
a partilhar duas opiniões, que são as minhas, neste momento, em relação
àquilo que ouvimos aqui hoje à tarde.
A primeira é quando nós temos consciência pessoal, e já lhe disse
isto da primeira vez que esteve não aqui, mas na 1.ª Comissão, de estar a
fazer pelo nosso padrão e pelo nosso critério, bem o nosso trabalho, é
suposto termos orgulho nesse trabalho. É assim com uma directora adjunta
da Polícia Judiciária, é assim com o Director Nacional, é assim com um
Deputado, é assim com um advogado, seja com quem for.
Por isso, não a posso criticar, porque realmente ouvindo as suas
palavras ficamos com a ideia de uma pessoa que tinha grande empenho e
grande determinação no seu trabalho e como disse aqui o Sr. Deputado
Jorge Neto, tem inclusivamente, um modelo para a Polícia Judiciária, uma
ideia, que nos fica até, de facto, a impressão que gostaria de ver a sua ideia
a ser implementada na responsabilidade máxima da Polícia Judiciária, em
vez do modelo, ou da ideia, que terá o Sr. Director Nacional.
Mas isso é uma questão de divergências de modelo, de diferenças de
concepção em que qualquer uma delas será mais legítima e em que
qualquer uma delas se poderá ver nos resultados se funciona ou não. De
resto, não valerá a pena explorar essa contradição, porque a contradição
seria tão-só a de dizer «ainda bem que estão a copiar» como a Sr.ª Doutora
diz, às vezes e outras vezes dizer «o modelo não é este deveria ser outro
completamente diferente». Poderíamos ir por aí mas não vale tentar
explorar essa contradição, porque não me parece que seja a mais relevante,
mas digo-lhe só, e isto também é uma opinião meramente pessoal, que às
vezes nas suas palavras há…
Eu compreendo que seja fruto dessa sua dedicação e dessa sua
convicção na certeza de que o seu modelo é o melhor, mas há a ideia de
que antes de mim não existia e depois de mim nunca mais vai voltar a
funcionar. Às vezes as suas palavras são de tal forma determinadas e
incisivas que parece passar no seu depoimento a ideia de que antes de si
aquilo não podia funcionar de maneira nenhuma e que depois de si, como a
Sr.ª Doutora disse, também funcionará porque deixou muito trabalho feito,
mas a seguir virá forçosamente o caos.
Ora, não quero acreditar nisso, porque, entre outras razões, Sr.ª
Doutora, cada um tem as suas convicções e os seus valores, eu sou um
institucionalista e acredito que a Polícia Judiciária funcionava antes,
funcionará depois, é uma excelente instituição, é a opinião que tenho, mas é
a opinião de um leitor de jornais e de um espectador atento e mais nada do
que isso. Nem nos meus tempos de advogado que já lá vão, pelo menos de
prática corrente, com alguma distância me dediquei ao processo criminal e,
portanto, é uma mera convicção de leitor de jornais, repito, de que a Polícia
Judiciária funcionava, funciona e, estou certo e convicto, que continuará a
funcionar, pelo que na minha opinião, e daquilo que ouvi, haverá algum
exagero dessa sua visão.
Em relação a esta matéria e de estarmos aqui a tratar, ou não, de um
processo político devo dizer-lhe, Sr.ª Procuradora, que também tenho uma
conclusão e que é a seguinte: este processo, do meu ponto de vista, e
lamentavelmente, é cada vez mais político. Claramente, hoje aqui e é isso
que me transmitia ainda agora um colega meu que se terá deslocado por
minutos ao bar, um processo que tem um objectivo já claríssimo de
envolvimento político de duas pessoas, designadamente a Sr.ª Ministra da
Justiça e do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional.
No início este processo não era político, no início este processo era
um processo baseado em diferenças de concepção, divergências de opinião,
pequenas decisões que foram contrariadas, pequenas situações em que a
Sr.ª Doutora se sentiu, está no seu direito, cada um tem a sua
susceptibilidade própria, uns são mais susceptíveis, outros são menos, não
estou a criticá-la por isso, mas em que a Sr.ª Doutora se sentiu
pontualmente desautorizada.
Era isso que estava em causa e isso é a lógica da sua carta que aqui
foi referida várias vezes. É, de facto, isso que ali está dito, a Sr.ª Doutora
sentiu-se desautorizada ao ponto de dizer «vou-me embora, porque estão a
impor um modelo que não é o meu, há pequenas intromissões naquilo que
eu considero ser a minha esfera e o meu raio de acção, há pequenas
instruções com as quais eu (…)» pequenas ou grandes, enfim, penso que a
Sr.ª Doutora usou a certa altura essa expressão de pequenas coisas que a
foram incomodando, penso que a expressão foi sua e que não estou a
cometer qualquer erro, nem a deturpar as suas palavras por isto, espero eu.
Como dizia, «(…) pequenas coisas em que foi sendo decidido de
forma diferente ao que eu pensava ou que me foram exigidas coisas que
foram diferentes(…)» e, por isso, a certa altura, passo a expressão, depois
de eventualmente de uma conversa onde, como a Sr.ª Doutora disse, o Sr.
Director Nacional disse «eu liberto-a desse compromisso e, portanto, se a
senhora quiser sair, se calhar este é o momento», pelo que a senhora disse
foi isto, amanhã ouviremos o Sr. Director Nacional e ele dirá ou não se
assim foi e a Sr.ª Doutora diz que realmente depois destas coisas e tal é o
momento de bater com a porta.
Chamo-lhe a atenção para um facto que já aqui foi dito por inúmeros
Srs. Deputados que todas as suas declarações posteriores vão no mesmo
sentido da carta, não vão noutro. Agora é que a Sr.ª Doutora se lembrou
que havia outra razão e hoje é que nos trouxe outras questões que não tinha
trazido até agora, porque as suas declarações subsequentes vão
exactamente no mesmo sentido da carta.
De facto, chamo-lhe atenção para esta sua entrevista, que confesso
que por força das minhas funções nesta Comissão li e reli com alguma
atenção, ser num determinado dado, na minha opinião, a Sr.ª Doutora dirá,
mas na minha opinião muito explícita que é quando a Sr.ª Doutora diz que
estava em férias quando se demitiu. Há uma entrevista no Público em que o
jornalista diz que fez o gesto, mas não quis dizer…
Enfim, eu não estava lá, não vi o gesto e, portanto, não sei ao que ele
se estava a referir. Mas nesta a Sr.ª Doutora não faz gesto e diz qualquer
coisa, diz que estava de férias quando se demitiu o que faz supor que algo
de inesperado sucedeu ou lhe foi comunicado e determinou a sua decisão.
Repito, «Estava de férias quando se demitiu(…)», diz o jornalista, «(…)o
que faz supor que algo de inesperado sucedeu ou que lhe foi comunicado e
terminou a sua decisão».
A Sr.ª Doutora, na altura, respondeu: «Mantive-me em contacto com
os operacionais para estar actualizada (…)», como disse aqui hoje «(…)
como era minha obrigação, tinham ficado definidas prioridades por causa
da escassez de meios humanos, a certa altura houve uma alteração dessas
prioridades. Como eu disse, os meios humanos são escassos e quem está
investigar os processos A e B não pode investigar os processos A, B e C».
Ou seja, a Sr.ª Doutora nesta entrevista diz claramente que não
contrariando tudo o que tinha dito antes foi uma determinada conversa e
uma alteração de prioridades que levou à sua demissão. Uma alteração de
prioridades!
Depois, é-lhe ainda perguntado se se estava a referir à intervenção
que o Director da PJ disse ter tido após uma interpelação da Ministra das
Finanças e a Sr.ª Doutora respondeu na altura: «Provavelmente!».
«Ora, já agora, e como caiu no domínio público, chamo a atenção
que nesse caso toda a prova a recolher em território nacional estava
devidamente acautelada e o processo no desenvolvimento correcto». «Mas
estava parado há dois anos», disse o jornalista, «o inquérito foi instaurado
em Janeiro» e a Sr.ª Doutora a seguir dá as explicações que entendeu dever
dar sobre este processo.
Isto é, até aqui tínhamos uma leitura claríssima: a Sr.ª Doutora tinha
algumas divergências com o Dr. Salvado, já percebemos quais eram
algumas delas, a certa altura o Dr. Salvado intervém neste processo, a Sr.ª
Doutora ainda não nos disse se bem, se mal, na sua opinião, admito que
mal, na sua opinião, mas eu acho que a posição dele, tanto quanto nós a
conhecemos é perfeitamente sustentável, aqui é claramente matéria de
opinião, porque a Sr.ª Doutora dirá «está bem, mas eu estava de férias,
porque é que falaram com a pessoa que estava lá e não comigo
directamente?». Enfim, não sei o que é que ele dirá sobre essa matéria, mas
parece-me lógico que ele dirá, já o enunciou de alguma forma, «bom, mas
estava de férias, eu falei com quem lá estava naquela altura e se a Ministra
das Finanças me faz uma denúncia e uma denúncia é perfeitamente
legítimo, não há qualquer pressão nem nenhuma pressão nem intromissão
do poder político nessa matéria, até porque não é dessa que viemos aqui
hoje falar – não há nenhuma intromissão.
A Ministra das Finanças tem uma informação – já todos percebemos
isso, aliás, não entendo por que continua a fazer-se essa pergunta – quanto
a esse processo, o processo dos combustíveis (é disso que estamos a falar,
de resto, a própria Sr.ª Dr.ª o diz), a informação de que há uma quebra, de
que deixou de vender-se, de que há uma fraude. Não é só naqueles casos
que a Sr.ª Dr.ª referiu, também aqui se trata de milhões de contos; não é só
nos outros casos! Portanto, não podemos ser selectivos nesse tipo de
análise!
A Ministra das Finanças diz que deixou de consumir-se, que deixou
de vender-se combustíveis no Norte de Portugal e, portanto, pergunta o que
se passa, se os senhores estão a investigar ou não, e o Sr. Director Nacional
contacta com a pessoa que lá está. A Sr.ª Dr.ª entendeu que isso era uma
intromissão, sentiu-se ofendida… Enfim, isso é da susceptibilidade de cada
um!… Até lhe diria, Sr.ª Dr.ª, que isso é uma coisa que acontece não só
consigo como com qualquer um de nós.
Permita-me a simplicidade do exemplo, mas isso é uma coisa com
que – além de ser Deputado sou líder parlamentar – nos confrontamos
todos os dias. Por exemplo, isso pode acontecer da parte de um Deputado
quando tomamos uma decisão numa área que lhe estava confiada, que é da
sua comissão, que é da sua especialidade, e ele me diz que não gostou,
pergunta por que não falei com ele primeiro, por que falei com outro que lá
estava, que ele estava de férias mas que podia ter falado com ele.
É essa conversa, que a Sr.ª Dr.ª refere nesta entrevista, que parece ter
sido – passe a expressão – a «gota de água» que determinou o seu diálogo
mais ríspido com o Dr. Adelino Salvado e, depois, a sua demissão. Só que
esta versão – Sr.ª Dr.ª, tenho de confrontá-la com isto – vai mudando.
Inicialmente, havia uma carta que a Sr.ª Dr.ª escreveu, penso que
serenamente e de cabeça fria, porque ninguém escreve uma carta daquele
tipo de cabeça quente, de resto, o conteúdo da carta é frio. A Sr.ª Dr.ª não
diz, nessa carta, «o senhor ultrapassou-me de toda a maneira» ou «na
sequência da nossa conversa de ontem e daquilo que me disse, venho
apresentar a minha demissão». Não, a carta diz que, por razões estritamente
de organização, apresenta a sua demissão; é um conteúdo frio!
A seguir, diz-nos que o único acontecimento que poderia existir era
esta conversa anterior, que tem que ver com um processo parado em
Espanha e com o processo dos combustíveis, em que o Sr. Director
Nacional terá diligenciado para um avanço mais rápido, na sua opinião
invertendo as suas prioridades e desrespeitando-a, mas isso é uma matéria
de opinião que não contesto; está no seu direito de pensar assim e não é
isso que estou a contestar.
Posteriormente, sabemos em comissão que, afinal, parece que a Sr.ª
Ministra da Justiça não gostaria de si. Não sei se assim é - quando a Sr.ª
Ministra da Justiça cá vier vou perguntar-lhe -, mas admito que aquilo que
a Sr.ª Dr.ª nos disse aqui possa ser rigorosamente assim, não tenho razão
para duvidar. A Sr.ª Dr.ª fez determinadas declarações, não aceitou pôr o
seu lugar à disposição, como fizeram outros directores adjuntos, por isso
eu, se fosse Ministro da Justiça, garanto-lhe que não teria gostado dessa
atitude, mas a Sr.ª Ministra da Justiça dirá se assim é, ou não. Eu não teria
gostado, acharia normal que todos pusessem o seu lugar à disposição e que
não fizessem declarações em sentido contrário.
Portanto, esta versão vai progressivamente mudando, e hoje
chegamos a uma outra versão. A de hoje refere-se a algo que até agora
nunca tinha aparecido. Porquê? Por segredo profissional? O segredo
profissional referia-se ao facto de o Sr. Director Nacional lhe ter dito que a
Sr.ª Dr.ª Maria Celeste Cardona e o Dr. Paulo Portas não gostariam de si ou
até teriam medo de si? Isso é que era o segredo profissional que a Sr.ª Dr.ª
não podia revelar?! Não era! Podia tê-lo dito na entrevista, podia tê-lo dito
antes, podia tê-lo dito depois, podia tê-lo dito na 1.ª Comissão, mas nunca o
disse, e aparece hoje uma versão nova!
Sr.ª Dr.ª, tenho dificuldade em confrontar-me com estas várias
versões. Reconhecendo o seu apartidarismo de hoje e o seu partidarismo do
passado, pois a Sr.ª Dr.ª referiu quer uma coisa quer outra - não tenho
dúvidas nem problemas nenhuns com isso -, parece-me que, a partir do
momento em que há desagravo, em que a Sr.ª Dr.ª sente que não deveria ter
sido condicionada, afastada, seja o que for, em que acha que o seu trabalho
era o melhor do mundo e que não será tão bom depois da sua saída,
portanto, quando acha isto tudo e a partir do momento em que este
processo é conduzido politicamente (não por si, isso faço-lhe justiça. A Sr.ª
Dr.ª está aqui por que a chamaram, e nós também, porque eu também não
votei a constituição desta Comissão) a versão vai-se tornando cada vez
mais política. E hoje chegamos à versão mais política de todas as que
tínhamos ouvido até hoje!
Feitas estas considerações, há uma matéria que não é só de opinião
(não sou especialista nesta área, mas tenho o direito de fazer perguntas e
obter esclarecimentos, até para ser esclarecido cabalmente), que é a
insinuação política. Não me parecendo que isso seja lógico, penso (e estou
no meu direito de pensar, até porque conheço as pessoas e não admito
determinado tipo de raciocínio em relação a elas. Mais uma vez, é uma
opinião contra a outra, mas quanto ao resto também é uma opinião contra a
outra: a Sr.ª Dr.ª diz uma coisa, depois vamos ouvir o Sr. Director Nacional
e temos conhecimento indirecto e opiniões umas contra as outras) que
algumas das coisas que aqui foram ditas se baseiam num preconceito em
relação a políticos, a dois deles em concreto que a Sr.ª Dr.ª referiu. Penso
que se baseiam num preconceito, e só podem basear-se num preconceito!
Sr.ª Dr.ª, quando é que se faz a ligação? É que a pior coisa que pode
acontecer aqui é ficarem suspeições sobre as atitudes e os comportamentos
seja de quem for! Essa é a pior coisa que pode fazer-se, porque este é um
processo de intenções! A pior coisa que pode acontecer num processo de
intenções é ficarem suspeitas e meros julgamentos de intenção em relação
ao comportamento das pessoas. Por isso mesmo, para que não fiquem essas
dúvidas, essas suspeições…
Isto liga-se depois com o quê? Liga-se com várias coisas que aqui
foram ditas: com um suposto medo que não está demonstrado, de resto, a
própria conversa é-lhe dita pelo Dr. Salvado – antes nunca tínhamos ouvido
essa versão, ouvimo-la hoje pela primeira vez – e, depois, liga-se com a sua
demissão. Só que a sua demissão decorrente de qualquer facto que tivesse
que ver com essas pessoas ocorre dois meses depois, designadamente ao tal
processo e à tal situação do acompanhamento do caso Moderna, porque é
disso que estamos a falar, e vamos falar claro. Portanto, a sua demissão
ocorre dois meses depois!
A Sr.ª Dr.ª, quando recebeu qualquer instrução que tivesse que ver
com o caso Moderna, não a considerou tão grave como isso, não se
demitiu, não acusou estes políticos de estarem a fazer pressão política!
Porque se há aqui uma pressão até pode ser da parte destes políticos, de
negação ou obstrução à justiça! Devia ter sido imediatamente posto um
processo a esses políticos por obstrução de justiça, mas tal não foi feito e a
Sr.ª Dr.ª continuou a exercer as suas funções, demitindo-se na sequência
desta intervenção do Director Nacional quando estava de férias, no caso
dos combustíveis, escrevendo uma carta alegando questões
organizacionais.
Em relação à questão concreta de Monsanto, aqui referida por vários
Srs. Deputados, quero ainda fazer-lhe algumas perguntas (Sr. Presidente,
vou tentar ser breve, mas trata-se de perguntas que, em minha opinião, são
da maior importância para o esclarecimento).
Disse-nos a Sr.ª Dr.ª que estava um segurança, que penso ter sido seu
motorista, a acompanhar o processo e o julgamento em Monsanto. Essa
história do motorista, como sabe, não é nova, porque no mesmo dia em que
a Sr.ª Dr.ª deu a sua entrevista ao Expresso aparece no mesmo jornal uma
notícia referindo precisamente o funcionário que Maria José Morgado tinha
destacado para dar apoio logístico ao Procurador que conduzia a acusação
no caso Moderna. Portanto, exactamente na mesma data da sua entrevista
aparece esta notícia, que conta precisamente a história que aqui referiu,
relativa a um senhor que, no Expresso, de forma criptográfica, é referido
como P.A., mas que agora ficámos a saber chamar-se Pedro Albuquerque.
Essa história tinha sido contada, o que eu não sabia e fiquei a saber –
e parece-me interessante - é que, além deste homem (tomei nota da
pergunta do Sr. Deputado António Filipe), o Sr. Inspector Borlido, o Sr.
Inspector Gonçalves Pica (de Pedro Albuquerque já falámos) e também um
outro inspector, chamado Pedro, que referiu na resposta ao Sr. Deputado
António Filipe, poderiam estar, todos eles (ora à vez, ora ao mesmo tempo,
não sei bem), a acompanhar este mesmo processo. Estes homens - «sim»
ou «não» - são todos da DCICCEF? Este «sim» ou «não» não é
intimidatório, de maneira nenhuma. Não é uma pergunta tradicional de
advogado no sentido de só querer uma resposta clara; não é nesse sentido.
Estes inspectores são ou não homens da DCICCEF? Gostaria de saber se
confirma que eram estes os homens que poderiam estar a acompanhar este
processo.
Por que estavam eles a acompanhar esse processo? Por que eram
precisos tantos homens e tantas circunstâncias para fazer uma coisa que,
certamente, o segurança ou o motorista, por muito qualificado ou dedicado
que fosse ( a Sr.ª Dr.ª diz isso nas suas entrevistas), não era a pessoa mais
indicada para a fazer, ou seja, dar um apoio técnico, que normalmente é
dado por técnicos.
Para mim não é irrelevante - e já se perceberá porquê – se existia ou
não pedido formal, seja do colectivo de juizes, seja do Ministério Público.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Dos juizes?! Que ignorância! Só faltava
essa!…
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, como Vice-presidente, deveria
ser o primeiro a dar o exemplo.
Se quer inscrever-se, faça favor, que dar-lhe-ei a palavra como dou a
todos os Srs. Deputados desta Comissão. Parece-me, porém, evidente que
todos os Srs. Deputados têm o direito de ser ouvidos e de ser contraditados
pelos outros. Não vale a pena interrompermo-nos uns aos outros. Peço a
todos, não particularmente ao Sr. Deputado Osvaldo Castro – calhou ser
desta vez o Sr. Deputado Osvaldo Castro –, que respeitem isso, porque já
aqui estamos há cinco horas e vamos passar mais cinco!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Agradeço essa sua intervenção, Sr.
Presidente, por uma razão simples: não tenho a pretensão - e comecei por
dizê-lo na minha intervenção - de tudo aquilo que digo ou pergunto à Sr.ª
Procuradora estar certo ou ser exactamente assim. É por isso que estou a
fazer perguntas e ouvirei as respostas com a correcção e com a educação
que é suposto termos nesta Comissão. Ainda que a minha pergunta faça ou
não sentido, certamente que a Sr.ª Procuradora responder-me-á também
com a mesma correcção.
Continuando o que eu estava a dizer, é sustentável o entendimento
que, designadamente em relação à intervenção da Polícia Judiciária, há
uma tutela genérica, abstracta, do Ministério da Justiça, que, depois, é feita,
na fase de inquérito, pelo Ministério Público, na fase de instrução pelo juiz
de instrução e na fase de julgamento pelo colectivo de juizes. Portanto, ou
estes ou o Ministério Público, sendo que, nesse caso, já o entendimento não
é tão unânime em termos doutrinários, poderão solicitar esta colaboração.
Parece-me a mim – a Sr.ª Dr.ª o dirá – que este pedido é pressuposto.
A Sr.ª Dr.ª fala de vários casos em que essa colaboração terá acontecido.
Pergunto-lhe se nesses casos ela foi feita sem que ninguém tivesse pedido e
se este pedido não existiu nesses casos. É que a existência, ou não, desse
pedido pode fazer toda a diferença. Porquê? Porque daí retiraremos com
que legitimidade, ao abrigo de que legitimidade e de que poderes estes
homens estavam a intervir.
Em segundo lugar, pergunto-lhe ainda quem mandou retirar, se foi a
Sr.ª Ministra da Justiça ou o Sr. Director Nacional. A Sr.ª Dr.ª,
curiosamente, utilizou uma expressão que me alertou e que considerei
muito interessante. A certa altura, a Sr.ª Dr.ª refere que o Sr. Director
Nacional lhe disse para retirar o homem (a Sr.ª Dr.ª, pelos vistos, mandou
retirar vários), porque a Sr.ª Ministra da Justiça não gostava da ideia, o
poder político não gostava da ideia. Não foi – disse a Sr.ª Dr.ª sem que
ninguém lho tivesse perguntado – porque alguns deles fosse testemunha
nesse mesmo processo.
Como imagina, ouvida esta resposta, fica-me uma dúvida óbvia: por
que mencionou a Sr.ª Dr.ª a possibilidade de algum deles ser testemunha no
processo, uma vez que ninguém lhe tinha perguntado isso até aí, ninguém
tinha falado nessa possibilidade. É a Sr.ª Dr.ª que diz, na sua resposta, que
nenhum deles era testemunha no processo. Por que referiu isso? Nenhum
dos Srs. Deputados lho perguntou, ninguém levantou a questão, é a Sr.ª Dr.ª
que espontaneamente diz: «Atenção, que nenhum deles era testemunha no
processo!» De onde vem essa conversa? De onde vem essa dúvida?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - As testemunhas não podem assistir ao
julgamento!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Se, como diz o Sr. Deputado que
continua aos gritos enquanto intervenho, nenhuma testemunha pode assistir
ao processo, pergunto-lhe se a Sr.ª Dr.ª pode garantir-nos, preto no branco,
que nenhum homem da DCICCEF testemunha no processo estava em
Monsanto a acompanhar esse mesmo julgamento.
Esta é uma pergunta relevante porque suponhamos que estes homens
foram os mesmos que investigaram o processo. Se foram os mesmos, é
perfeitamente possível que sejam testemunhas no processo. Se são
testemunhas no processo, não podiam estar a acompanhar o julgamento
porque, Sr.ª Dr.ª, se foi essa a fundamentação, era enorme o risco de
invalidação do depoimento ou mesmo, se esse depoimento fosse prestado,
de pôr em causa todo o processo e o julgamento relativo à Universidade
Moderna.
Termino, perguntando se existiu ou não essa solicitação formal. É
que se a mesma não existiu, de duas uma: ou havia uma qualquer
averiguação – e já nos disse que não havia porque não era isso que estava
em causa – ou estes homens estavam a agir por conta da DCICCEF, ou
mesmo por conta própria.
Ora, quanto a isso, devo dizer-lhe, sem medo nenhum, que acho
preocupante, porque fica uma dúvida – e, agora, sim, uma dúvida séria –, a
de saber o que eles estavam a fazer. Estavam a conduzir uma investigação
por conta própria? A tentar dirigir de alguma forma a acusação? A tentar
dirigir a acusação mesmo com um possível intuito político? O que é que se
passa? Esta é uma questão relevante porque, se esse pedido formal não
existia, levantam-se duas questões, a primeira das quais é óbvia, é a do
princípio da legalidade. E é o princípio da legalidade que é posto em causa
por esta mesma intervenção, sendo certo que, nesse caso, existem,
obviamente, responsabilidades que são graves.
A Sr.ª Dr.ª, no seu depoimento, não foi clara quanto a esta matéria de
nos garantir o que estavam a fazer os homens que lá estavam. Estavam a
fazer o quê? Estavam a pedido do colectivo de juizes ou mesmo do
Ministério Público? Estavam com que funções? Com que interesse? Com
que objectivo? Porquê estes homens todos? E algum deles era testemunha
no processo?
Por último, a Sr.ª Dr.ª refere, em várias entrevistas que concedeu, que
a questão fundamental são os resultados e, quanto a resultados, o que conta
são as prisões preventivas.
Sr.ª Dr.ª, também como leitor atento de jornais, devo dizer-lhe que,
nesse aspecto, parece-me que o caso da mega fraude fiscal não foi
propriamente um sucesso em matéria de prisões preventivas. De entre os
vários detidos – e, sinceramente, não sei quantos eram –, tenho ideia de ter
lido no jornal que, em 13, estão detidos preventivamente dois ou três…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Cinco ou seis!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sinceramente, não sei quantos,
mas sei que são poucos os que ficaram detidos preventivamente.
Gostaria de saber se isso pode ter a ver com a produção de prova ou
com dificuldades na obtenção de prova nesse mesmo processo.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, tem a palavra.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - No que diz respeito à questão de
Monsanto, a questão nuclear foi a instrução que me foi dada verbalmente
para não haver ninguém da DCICCEF em Monsanto. Esta instrução é
desproporcionada em relação ao que a motivou. É que o que a motivou não
é toda essa elaboração teórica e doutrinária que o Sr. Deputado, que muito
respeito, acabou de fazer agora. Isso não corresponde a factos. O único
facto que existia era um segurança ter ido dar apoio logístico ao Dr.
Manuel das Dores.
O Sr. Director Nacional perguntou-me – acho que fui clara! – quem
era o homem que andava em Monsanto – Quem era o homem? Quem era o
homem? No seguimento disso, deu-me instruções verbais no sentido de que
ninguém devia ir a Monsanto. Na altura, até referi ao Sr. Director Nacional
que não tinha conhecimento sobre se havia ou não contactos entre o
Ministério Público e a brigada de investigação do processo da Moderna,
nem tinha que ter, porque isso era matéria do âmbito do Ministério Público.
Portanto, há aqui duas questões fundamentais.
A questão que me parece fundamental é a de eu ser interpelada por
causa de uma pessoa que vai a Monsanto. Isso origina uma interpelação a
uma directora no sentido de saber o que se passa e a preocupação do Sr.
Director Nacional surge porque tinha sido interpelado pela Sr.ª Ministra da
Justiça que, por sua vez, lhe tinha transmitido isso do Dr. Paulo Portas.
Tudo isto por causa de uma pessoa que vai a Monsanto, uma mera pessoa
que dá apoio logístico.
Ora, para dar apoio logístico, não é preciso haver nenhum despacho
do Ministério Público nem nenhuma autorização, porque este é um apoio
extra-processual, não é enquadrável processualmente. Trata-se de um apoio
logístico que é feito porque o Dr. Manuel das Dores não conhecia bem o
caminho para Monsanto, sentiu necessidade de algum apoio e eu dei-lho.
Depois, o que eu disse foi que até tinha pena de não dar outro apoio
mais completo ao Ministério Público, mas não estávamos com
possibilidades, não havia meios humanos para isso.
Portanto, o que conta, o que é decisivo nesta história é que sou
chamada à atenção por causa de uma pessoa que tinha ido a Monsanto – e
até já não estava a ir, tinha ido!
Na sequência desse facto, é-me dada a instrução verbal no sentido de
que não deve ir ninguém a Monsanto. Eu demarquei esta instrução verbal
de uma recomendação em termos de testemunhas. O Sr. Director Nacional
não me disse que a preocupação era com a presença, em Monsanto, de
testemunhas do caso Moderna – esse erro ninguém cometeria! –, o que me
disse era que não devia ir ninguém da DCICCEF a Monsanto.
Então, chamei a brigada inteira, que eu sabia que tinha contactos
com o Dr. Manuel das Dores por causa de outros processos e de outras
investigações – eu tinha pedido os diários do Ministério Público; eu fazia a
ponte com o Ministério Público – e disse-lhes: «atenção, não vai ninguém a
Monsanto, porque recebi esta instrução do Sr. Director Nacional». É
preciso entender isto como é. O facto é este: há uma pessoa que vai a
Monsanto, o que suscita todos estes reparos e todas estas preocupações que
me parecem desproporcionadas, ou, então, há qualquer coisa que não
percebo.
Não tenho nenhum preconceito em relação a ninguém e muito menos
em relação às duas pessoas que o Sr. Deputado citou. Essas pessoas é que
parecem ter um preconceito a meu respeito, porque há uma pessoa que é
meu segurança e que vai a Monsanto e isso dá nas vistas, chama a atenção.
Não sei por que é que repararam por causa da ida de um segurança a
Monsanto. Não sei por que é que repararam, porque isto é um facto normal,
banal, não tem importância nenhuma. Aliás, o Sr. Deputado disse que esta
não era uma pessoa tecnicamente qualificada. Eu não sei qual é a
importância disto. Sou chamada à atenção – e não estou a deturpar a
realidade! – por causa de ter uma pessoa que foi a Monsanto!
Agora, se isto é tudo absurdo, se isto não tem sentido, a culpa não é
minha. Este processo é um processo absurdo do princípio ao fim e não
tenho culpa disso.
A questão de Monsanto é a de que há uma desproporcionalidade,
uma desadequação em relação a estas instruções verbais e àquilo que se
tinha feito no terreno. Há uma pessoa que foi lá, a Monsanto.
E digo mais: é legítima a coadjuvação ao Ministério Público.
No processo das FP-27 e no processo Melancia, tive a coadjuvação
da Polícia Judiciária e nunca houve nenhum ofício. Essas coisas acontecem
naturalmente por força do exercício de funções. Mas, neste caso, nem
sequer sucedeu isso porque as pessoas sentiam que não havia ambiente para
isso, tinham de tomar cautelas exageradas. Acontece que eu transmito uma
instrução, por dever de obediência e porque acho que não quero correr o
risco de voltar a ser chamada à atenção sobre a matéria.
Agora, o Sr. Deputado pergunta-me por que é que não me demiti
nesse dia.
Isto foi no dia 16 de Julho. Eu tinha apresentado um pedido de
demissão de manhã, não podia apresentar pedidos de demissão, de manhã,
à tarde e à noite! Assim não se trabalha seriamente! Como tal – isto é
complexo mas é assim! –, fiquei num dilema: o Dr. Adelino Salvado
defendeu-me tanto que é também a minha vez de não lhe criar problemas.
Isso só prova que não tenho objectivos políticos de espécie nenhuma.
E voltamos, outra vez, às cartas, às entrevistas e ao «porquê hoje?»
Parece-me que os Srs. Deputados têm em muito má conta esta
Comissão de Inquérito.
Eu não estou a entrar em contradição – já disse que isto é como olhar
para o fundo de uma piscina –, estou a concretizar os motivos, as
circunstâncias e os pormenores em que ocorreu a minha demissão. Não foi
um ataque de mau génio, não foi uma iniciativa minha, não foi uma escolha
minha, foi um pedido do Director Nacional, num determinado dia, estando
eu em férias. Por que é que ele escolheu esse dia? Por que é que escolheu
telefonar-me às 10 horas e 20 minutos da manhã? Por que é que não
esperou que eu terminasse as férias? Por que é que já tinha contactado com
o Dr. Albano Pinto muito antes de ter falado comigo? O Dr. Albano Pinto
estava à espera de vir para Lisboa… Aliás, não é preciso ninguém
desmentir ou confirmar isso… O Dr. Albano Pinto toma posse na segunda-
feira. Isso transcende-me. O Dr. Adelino Salvado meteu-me neste processo
sem hipótese de escolha e eu estou a concretizar.
Atenção, a versão que dei é a versão de abordagem genérica –
motivos de divergências de organização, de estratégia operacional,
isolamento político – e mantenho. A minha inserção era operacional, eu
não tinha contactos com a tutela.
Agora, o que digo é que não pedi a demissão espontaneamente, foi a
pedido do Sr. Director Nacional, foi por causa do Sr. Director Nacional me
ter proposto isso. O Sr. Director Nacional propôs-me a minha demissão.
Espera que eu vá de férias, espera ter o projecto financeiro da Polícia
Judiciária com garantias de aprovação, espera ter o protocolo de acesso às
bases de dados elaborado, espera ter garantias de aprovação da Lei
Orgânica da Polícia Judiciária, sabe que há duas ou três operações em
marcha e escolhe o momento. Ele é que escolheu o momento. Isto não é
cada vez mais político. Se isto é político ou não, a culpa, a meus olhos e
directamente, é do Dr. Adelino Salvado, porque ele é que me empurra para
esta situação. Eu não tive escolha nenhuma, não tive escolha de espécie
nenhuma. Sou abordada, às 10 horas e 20 minutos da manhã de um dia de
férias, com tudo isso em cima!
As explicações não variam! Estou a concretizar porque respeito os
Srs. Deputados. Se os Srs. Deputados querem uma verdade meramente
formal, paciência!, também não me vai surpreender. Agora, não esperava
que existisse uma comissão de inquérito! Esperava que tudo tivesse
acabado no dia 29. Não acabou porque, porventura, neste país, não é
possível praticar actos de uma arbitrariedade tamanha – e ainda bem! É
sinal que há democracia!
É que nunca tive nenhuma discussão séria com o Sr. Director
Nacional sobre nada. O Sr. Director Nacional diz-me «vai haver alterações
de estrutura; já sei que não concorda, portanto, está liberta do nosso
compromisso». Eu, como pessoa leal e séria que sou, disse «sim senhor,
estou liberta do compromisso, vou tomar a iniciativa de pedir a demissão»
e tenho mantido isso publicamente, é a minha atitude pública. Se me
perguntam em que circunstâncias ocorreu a demissão, Srs. Deputados, não
posso mentir, tenho de concretizar e julgo que são pormenores a mais para
ser uma história inventada…!
Se os Srs. Deputados quiserem, podem pedir os dados relativos ao
tráfego do meu telefone e do telefone do Sr. Director Nacional e verificar
quem é que telefonou a quem nesse dia, de manhã. Aliás, há uma proposta
sobre preservação de dados digitais, que ainda foi subscrita por mim
própria e enviada à Sr.ª Ministra da Justiça, que foi chumbada por um dos
seus assessores… Representa tanto como a possibilidade de identificação
dos autores no crime informático e nos crimes cometidos através da
Internet.
Portanto, Sr. Deputado, não há o «porquê hoje?» O «porquê hoje?» é
porque eu não podia vir a esta Comissão sem concretizar estas
circunstâncias.
O que os Srs. Deputados me pedem é que eu não diga a verdade toda,
mas isso não posso respeitar. Estou a dizer a verdade toda, o porquê, hoje.
As entrevistas são entrevistas genéricas. Apesar de ser acusada de
protagonismo, nunca manipulei as entrevistas nem a comunicação com o
grande público para dizer coisas que me interessassem do ponto vista
pessoal. Aproveitei sempre essas oportunidades para fazer a educação das
pessoas nos valores da luta contra a corrupção e contra o crime organizado
internacional. Foi aquilo que eu fiz. Não tive entrevistas de intrigas, não
tive entrevistas de conversas pessoais. Acho que procurei manter uma
atitude nobre e digna, mas neste momento tenho de dizer a verdade e ou os
Srs. Deputados cospem em cima da verdade e dizem que eu estou maluca,
que estou alucinada e que estou a inventar isto tudo, ou os Srs. Deputados
respeitam aquilo que eu tenho respeitado, que é a verdade material.
Fiz uma abordagem genérica e tenho consciência disso, em nome da
defesa do prestígio das instituições, em nome da defesa de mim própria e
da Polícia Judiciária. Imaginem os Srs. Deputados o que era contar aos
jornais ou na televisão histórias tão edificantes como estas! Porque o que
há aqui de edificante é absolutamente nada! O que há é um Director
Nacional que, de forma infundada e perfeitamente arbitrária, diz: «minha
senhora, ponha-se a andar. Não quero mais falar consigo!». E nunca mais
falou comigo! E nunca mais falou comigo!
Agora, Srs. Deputados, não posso vir para uma Comissão manter-me
numa posição genérica. O que eu fiz foi uma abordagem genérica, em
nome de um determinado interesse. Neste momento, estou a concretizar e
estou a dizer porque é que não o fiz antes. Não o fiz antes porque quando
falo para a sociedade, para as pessoas, falo de questões nobres e dignas, de
questões que interessam para as pessoas pensarem, não falo de intrigas, de
coisas completamente disparatadas, que não têm sentido.
Aqui, desculpem, Srs. Deputados, tenho de os deixar com estes
factos. Façam deles o que quiserem, mas que isto aconteceu, aconteceu!
Que eu tinha o dever de o contar aos Srs. Deputados, tinha! Que isto é
tudo... Isto não acontece num quadro de normalidade, porque não é normal
um director nacional esperar que uma directora vá para férias e fazer isto!
Não é normal dizer: «não vale a pena vir Lisboa, não falamos mais»! Eu
estava a 40 minutos de Lisboa... Isto não é normal, pelo menos não é uma
discricionariedade fundada e é legítimo que eu o diga!
Agora, não quis dizer isso à imprensa. Não quis, não digo nem
jamais direi! Mas digo aos Srs. Deputados, pelo respeito que lhes tenho.
Pelo vistos, os Srs. Deputados acham que eu estou a exagerar no respeito
que lhes tenho. Não estou a politizar nada nem me interessa, repito, nem
me interessa!...
Quanto a preconceitos em relação a políticos, esses políticos é que
têm preconceitos em relação a mim, porque, se não, não me criticavam por
excesso de visibilidade. A crítica era por excesso de visibilidade, e não
posso ter inventado isto. Portanto, há alguém que não gosta, de facto, da
visibilidade tal como era dada no combate ao crime económico, nele
incluindo a corrupção e o branqueamento de capitais.
Pensava até que estava a prestar um serviço a esses políticos, e que
eles tinham razões para estarem gratos porque a Polícia Judiciária estava
prestigiada. Também não compreendo essa...
Aliás, vamos entrar, e a conjuntura é-me desfavorável, nas
justificações rolantes, porque amanhã o Sr. Director Nacional dirá o que
entender, a Sr.ª Ministra dirá o que entender e daqui pouco tudo está de
rastos... Entrámos no «síndroma da tanga», que é o de que quando tomaram
posse estava tudo de rastos na Polícia. O Sr. Director Nacional disse aqui
que encontrou a Polícia Judiciária em marcha para a decadência. Não fui eu
que o disse! Sempre falei da recuperação da experiência e do know how dos
investigadores, sempre disse que o que sabia de crime económico tinha
aprendido com o Dr. Rosário Teixeira e com os investigadores.
O discurso do apagar o passado não é meu. Quero saber se o Sr.
Director Nacional, amanhã, diz, em relação à operação da BT, qual foi o
tipo de investimento que foi feito pela direcção anterior, ou se foi tudo
trabalho e iniciativa dele! Refiro a direcção anterior incluindo o Dr.
Bonina.
O Sr. Director Nacional veio para aqui dizer que não existia uma
Polícia Judiciária e ele é que ia criar uma Polícia Judiciária. Por acaso sem
estratégia, sem quadro estratégico, porque nunca se falou de criminalidade
nem de tipologias, nem de tendências da criminalidade...
Mas o meu quadro é um quadro estratégico, é um quadro de
criminalidade, não é um quadro pessoal. Se fosse um quadro pessoal teria
contado estes factos à comunicação social, mas não é um quadro pessoal
nem individual. É um quadro institucional de abordagem genérica, porque
tive muita relutância e é com algum desgosto que revelo estes factos aos
Srs. Deputados, mas acho que era a única atitude a ter. Reflecti muito, tive
tempo para isso, e é a única atitude a ter perante esta Comissão.
É claro que tudo isto me transcende. Nunca esperei que existisse uma
Comissão de Inquérito por causa disto, mas se calhar com alguma justiça,
na medida em que a discricionariedade absoluta deve ser censurada e não
vejo... Nunca o Sr. Desembargador me disse «você fez mal nisto, naquilo
ou naqueloutro». Nunca me disse! Portanto, agora, ele pode inventar as
explicações que quiser, inventar no sentido de as arranjar, no sentido de
que não foram conversadas comigo...
Aliás, como se está a ver, estou a ser criticada por ter obedecido
cegamente no dia 16. Obedecido cegamente porque era uma pessoa
disciplinada e considerava-me nessa obrigação. Só que o meu tempo à
frente da Polícia Judiciária não ia durar muito, era uma questão de dias,
estava à espera do dia. E antes tinha-lhe dito isto duas vezes; ele disse-me
que não, que tivesse juízo que estava com gorilas na cabeça. Esta bem, eu
espero... E naquele dia disse-me: «afinal, pode-se ir embora. Está
terminado o compromisso comigo». Mas estou para saber qual foi a causa
directa.
Contei um processo, desde o dia 24 de Maio até ao dia 27 de Agosto,
que é um processo complexo, e o que eu digo é que não tive nenhum
ataque de mau génio, não desencadeei nenhum pedido de demissão que
fosse controlável por mim, que obedecesse conscientemente à minha
estratégia à frente da Polícia Judiciária. Foi-me imposto, foi-me pedido e,
por orgulho, aceitei o pedido. Se não o aceitasse, era demitida e isto tudo
aconteceria no dia 27, terça-feira.
Na segunda-feira tinha sucedido a mesma situação com o Dr. Pedro
da Cunha Lopes, situação que eu ignorava. Ele foi abordado pelo Sr.
Director Nacional, que lhe disse: «demita-se.» Recusou a demissão – coisa
que eu ignorava – e na terça-feira é proposta pelo Dr. Adelino Salvado a
minha demissão, provavelmente para juntar as duas demissões, por uma
questão de celeridade e de economia processual. Mas reparem que se há
alguém responsável por tudo isto, pelas consequências de tudo isto, pelo
preço que se possa pagar por tudo isto, aos meus olhos, é o Dr. Adelino
Salvado, porque eu não tive escolha, repito, não tive escolha!
Estou aqui a cumprir o meu destino e com alguma ironia, repito, com
alguma ironia, porque a primeira operação que eu pensei na Polícia
Judiciária está a acontecer enquanto decorre a minha audição nesta
Comissão. Com alguma ironia, com algum sacrifício pessoal, com todas as
desvantagens, mas não há nenhum juízo de censurabilidade que eu possa
aceitar nesta matéria, porque a iniciativa não foi minha, a decisão não foi
minha; aceitei-a e seguia, com a lealdade e fidelidade que sempre me
caracterizou, afinal de contas.
Não consegui evitar o pior; tentei, tentei mas não consegui. Agora,
ou bem que os Srs. Deputados se acham dignos de uma verdade concreta,
da verdade, verdade, ou acham que eu tinha que silenciar isto!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A verdade demonstrada!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - É a verdade inconfundível!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, a
quem peço para ser brevíssimo, porque na primeira intervenção ultrapassou
longamente o seu tempo.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço desculpa, Sr. Presidente.
Provavelmente, tenho unicamente em meu benefício o não ter sido caso
único, mas procurarei ser mais breve agora.
Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, as suas apreciações em relação ao Sr.
Director Nacional não as contesto. Porém, acho estranho, e continuo a
achar depois desta sua resposta, que, tendo a Sr.ª Dr.ª a opinião que tem
hoje e que está tão expressa neste depoimento – se ler as actas encontro
milhares de coisas sobre o Sr. Director Nacional –, no momento crítico que,
ainda por cima, estava para acontecer à não sei quanto tempo, que vinha de
não sei quantos agravos, a senhora se tenha dirigido a ele nesta carta, fria e
serenamente, dizendo «queira V. Ex.ª aceitar este repúdio como prova da
minha consideração pessoal e profissional e prova do meu respeito V.
Ex.ª.»
Sr.ª Dr.ª, cada um tem o seu feitio e a sua maneira de ser, mas devo
garantir-lhe uma coisa: uma pessoa sobre a qual eu pensasse aquilo que a
Sr.ª Dr.ª hoje pensa dele – e nunca mais falou com ele depois, pelo que
aquilo que pensa dele vem dessa altura, das discordâncias e das
intromissões dele e das pressões políticas, etc. –, nunca escreveria isto!
Mas cada um tem o seu feitio! Eu nunca lhe escreveria dando-lhe prova da
minha consideração pessoal e profissional, do meu respeito! Mas isso é
uma interpretação minha e penso que esta versão vem de facto a mudar.
Em relação às pressões políticas, trata-se de uma aclaração, porque
esta matéria não ficou clara nesta resposta.
A existirem pressões políticas, esse é que é o âmbito desta Comissão,
porque ela não está aqui por acaso nem fui eu que a convoquei ou que fiz
as declarações que alguns Srs. Deputados fizeram, a dizer que há uma
ligação de pressões políticas entre a Sr.ª Ministra da Justiça e o caso
Moderna, que foi o que foi dito desde o princípio pelo Sr. Deputado
Eduardo Cabrita e depois pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, pelos Srs.
Deputados que motivaram esta Comissão e que nos trouxeram até aqui.
Devo dizer que estou aqui com agrado, porque, intelectualmente, isto
é estimulante, mas, por outro lado, não estou aqui com agrado, porque
tenho receio que tudo o que saia desta Comissão não seja bom nem para
mim nem para si, nem para ninguém em particular e sobretudo para a
Polícia Judiciária, e isso é sentido de responsabilidade.
Penso que a partir do momento em que entrámos neste processo da
insinuação política, da acusação política, do envolvimento e da pressão
política, Sr.ª Dr.ª .... Eu não tenho nada contra si, nem no passado nem
hoje, e devo dizer que, se me perguntassem, diria que, pelo que vejo na
comunicação social, com mais ou menos exagero, com mais ou menos
protagonismo, mais justiceira ou menos, a ideia que tenho, e todos
tínhamos, no país, penso eu, era a de uma pessoa que estava a fazer um
bom combate, importante para todos, para os cidadãos e para todos nós. A
partir do momento em que este processo começou, acho que não fizemos
nada de bom em relação à Polícia Judiciária. Mas essa é a minha opinião
pessoal.
Agora, há questões a que a Sr.ª Dr.ª não respondeu. Designadamente,
ainda não consegui perceber como é que se a Sr.ª Dr.ª mandou um homem
acompanhar o julgamento em Monsanto, para dar o tal apoio logístico,
mandou retirar quatro, ou teve que chamar quatro para os mandar retirar?!
Ainda não percebi!
Em segundo lugar, também ainda não percebi – e esse é um ponto
nevrálgico desta questão – quem é que falou na possibilidade de estes
homens serem testemunhas no processo.
A Sr.ª Dr.ª disse, no seu depoimento: «mandei-os retirar por causa da
tal conversa da Sr.ª Ministra da Justiça, não foi porque fossem testemunhas
no processo, não foi por isso!» Mas onde é que essa hipótese surgiu? Quem
é que contou? Eu não o disse aqui, nenhum Sr. Deputado o disse, pelos
vistos o Sr. Director Nacional também não o disse... De onde surgiu essa
dúvida de eles poderem ser testemunhas no processo? Foi um dos corvos
que contou, para usar uma figura de estilo, como a Sr.ª Dr.ª também usou
várias vezes no decorrer desta Comissão? Foi um dos corvos que passou e,
à vol d’oiseau, terá dito: «cuidado que algum deles pode ser testemunha no
processo?»
Esta questão não ficou esclarecida, como também não ficou
esclarecida, na minha opinião, uma outra pergunta que lhe fiz, no sentido
de saber se no processo da mega fraude existem, ou existiram, dificuldades
ou dúvidas na obtenção de prova e se isso teve alguma coisa a ver com o
facto de, certamente, as prisões preventivas não corresponderem ao número
que era esperado em relação às detenções que foram feitas nessa matéria,
porque isto, efectivamente, pressupõe e exige uma avaliação de resultados.
Em relação ao resto, Sr.ª Dr.ª, é uma questão de opinião. Na minha
opinião, sinceramente, tenho as maiores dúvidas sobre o que estes agentes
poderiam estar a fazer, não tendo nem mandato do Ministério Público nem
mandato ou solicitação de ninguém e tenho as maiores dúvidas de que não
estejamos perante uma ilegalidade, que a Sr.ª Dr.ª, que os mandou retirar,
não assume que soubesse que eles lá estavam... Sabia de um, diz a Sr.ª Dr.ª;
mas os outros estavam lá porquê, por conta própria? Agiam por conta
própria, estavam em «roda livre»? Estava já DCICCEF a funcionar em
«roda livre»? Tenho as maiores dúvidas!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr. Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - Sr. Deputado, também não sei de
onde é que vem essa ilegalidade em «roda livre», sinceramente!
O que tenho dito aqui é: o que é estranho é que me tenham
interpelado ao nível de transmitir o que tinha sido dito pela Sr.ª Ministra da
Justiça e o Dr. Paulo Portas, sobre «quem era que andava em Monsanto». E
tudo isto acontece por causa de uma pessoa que vai dar apoio logístico!…
Ora, o apoio logístico é extraprocessual, e neste caso foi transportar o Dr.
Manuel das Dores.
Portanto, mandei chamar a brigada, preventivamente,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Chamar de onde?
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Chamar ao meu gabinete no…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Chamar de onde?…
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Ó Sr. Deputado, mandei chamar de
onde ela estava! E, Sr. Deputado, não vale a pena ficar tão nervoso com
esta história de Monsanto! Eu mandei-os chamar do 1.º andar, onde eles se
encontravam – um deles encontrava-se em férias. Portanto, mandei-os
chamar ao meu gabinete no 5.º andar da Rua Alexandre Herculano, ao fim
da tarde.
Aliás, como não percebi nada da história do «homem que andava em
Monsanto», quis averiguar o que é que se passava, para saber se andava
realmente alguém em Monsanto. Afinal de contas, o «homem em
Monsanto» dizia respeito ao Pedro Albuquerque, que tinha transportado o
Dr. Manuel das Dores. Era o apoio logístico que referi! Ora, este apoio
logístico tinha suscitado toda esta «excitação». Excitação é a minha
interpretação dos factos.
Então, chamei a Brigada e pedi o esclarecimento sobre quem é que
estava a ir a Monsanto. E, Sr. Deputado, não sou obrigada a saber se há
encontros entre o Ministério Público e brigadas que investigaram o
processo quando estão julgamentos a decorrer. O Ministério Público tem
autoridade e legitimidade para pedir, como fez no caso vale e Azevedo, por
exemplo.
Portanto, chamei a Brigada, e não estava ninguém a ir a Monsanto. E
transmiti-lhes a seguinte orientação: «A partir de agora, não vai ninguém a
Monsanto! Nem que tenham de ir, não vai ninguém a Monsanto!».
A questão das testemunhas é a questão de distinguir esta instrução
verbal do Sr. Director Nacional de uma outra instrução que porventura
tivesse a ver com testemunhas. E, Sr. Deputado, tenho muitos anos de
julgamentos (alguns 18 anos de julgamentos), e tenho especialização e
sensibilidade para estas matérias. Por isso, percebi perfeitamente que a
instrução não tinha a ver com presença de testemunhas em Monsanto, mas
tinha a ver com o facto de não poder haver ninguém da DCICCEF em
Monsanto.
O Sr. Director Nacional até queria saber se andava alguém da
DCICCEF em Monsanto,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível transcrever as palavras do Orador).
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Já lhe expliquei, Sr. Deputado!
Levanto, porque tenho cerca de 18 anos de julgamentos e tenho o hábito de
classificar e analisar as coisas. E não foi uma instrução que dissesse:
«Tenha cuidado! Veja lá, por causa das testemunhas». Era uma coisa que
tinha a ver com um «homem que andava em Monsanto», e não devia haver
ninguém da DCICCEF em Monsanto.
Logo, se está o Sr. Deputado muito intrigado com a minha história da
classificação do tipo de instrução que é, estou eu muito intrigada com a
história de «quem é que andava», e «quem é que andava em roda livre». O
Sr. Deputado não me quererá esclarecer?! Dá-me a ideia que o Sr.
Deputado sabe mais do que aquilo que está a dizer nesta matéria. Porque eu
só sei isto! Não sei mais nada!
Quanto ao processo das finanças, como já disse, trata-se de um
processo de grande opacidade, de grande dificuldade na obtenção da prova.
As detenções foram todas determinadas pelo juiz de instrução criminal,
com a promoção do Ministério Público.
Não posso fazer mais revelações sobre este processo, porque
continua numa fase crucial. Trata-se de um processo que tem cinco presos
preventivos.
Aliás, há um aspecto curioso (mas isto é apenas um aparte): houve
uma prisão preventiva que foi confirmada quando já não existia. E foi
confirmada pelo Tribunal da Relação! Isto porque houve um desfasamento
processual e, no momento em que foi confirmada a prisão preventiva, já
tinha havido uma ordem de revogação da mesma por parte do Ministério
Público.
Portanto, estamos no domínio de um processo muito, muito
complicado, muito sensível, e não percebo a pergunta do Sr. Deputado
nesta matéria, porque as dificuldades na obtenção da prova existiam e
continuam a existir (e eu tinha noção disso!), mas não era razão para não se
fazer aquela investigação.
É que não sei qual é a alternativa que o Sr. Deputado me está a
colocar! Dá-me a impressão de que se era um processo difícil, ele não se
devia investigar. Mas não! Investigava-se por ser difícil! Porque
representava um nível de criminalidade intolerável ao nível da máquina
fiscal. Aliás, se lerem o relatório da IGF sobre o «caso borda d’água»,
ficam a perceber que há um «lodo» de corrupção na máquina fiscal, sendo
quase impossível individualizar responsabilidades, por causa da degradação
dos próprios circuitos hierárquicos e burocráticos da máquina fiscal. Está lá
escrito! É um relatório que deu origem a quatro ou cinco inquéritos que não
tive a oportunidade de seguir até ao fim, mas que instaurei durante o mês
de Julho quando ainda estava na Polícia Judiciária.
Portanto, a opção neste tipo de casos é: ou se avança e se faz todo o
esforço possível e se apoiam os investigadores, ou se diz: «Isto é muito
difícil! Não é possível! Vamos deixar-nos disto!». Não há duas opções
possíveis! E devo dizer que tinha uma Brigada com cinco pessoas só a
trabalhar neste processo há um ano, com as restantes investigações paradas,
tal foi a prioridade que foi dada! O caso da corrupção nas finanças, o caso
Lanalgo eram todos prioridade da 1.ª Brigada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-Geral
Adjunta, o depoimento que V. Ex.ª nos trouxe, em meu juízo, foi um
depoimento muito minucioso e muito preciso, que suscita naturalmente o
aprofundamento de muitas questões e o exercício do contraditório para
apurar algumas das questões que nos trouxe, que são efectivamente muito
relevantes.
O objectivo desta Comissão de inquérito, como a Sr.ª Procuradora
sabe, é apurar a verdade, para fazermos um juízo da responsabilização e da
responsabilidade política que cabe no âmbito das funções de fiscalização da
Assembleia da República, das quais a comissão de inquérito é um
instrumento essencial.
Daí o retermos com normalidade que V. Ex.ª nos tenha fornecido
hoje dados muito mais precisos, muito mais minuciosos, muito mais
detalhados, do que aqueles que nos deu na primeira vez que esteve na 1.ª
Comissão, até pelas razões que desde logo invocou do segredo de justiça e
do segredo profissional.
Por isso, em relação às questões que nos trouxe e que, na sua
maioria, foram já dilucidadas, e até por razões de economia, gostaria de
colocar-lhe quatro questões que peço que aprofunde, se puder fazê-lo.
A primeira é uma questão factual. Gostaria de saber se depois de
formulado o segundo pedido de demissão telefónico… - porque, se bem
entendi, houve um segundo pedido de demissão ou uma confirmação
depois do pedido de demissão. Por isso, gostaria de saber se esse foi o
contacto formal, com maior solenidade, no âmbito da sua demissão com o
seu Director Nacional.
A segunda questão surge ainda no âmbito das escutas telefónicas. Foi
para nós muito surpreendente aquela página muito destacada de O
Independente com as escutas telefónicas, com as alusões que vinham no
seu texto àquelas fontes habituais «internas», «próximas de…». Depois,
num prazo de cinco dias, houve o desmentido do Director Nacional.
Gostaríamos de saber da parte da Sr.ª Procuradora, por um lado, a
confirmação que já nos deu, mas que nos pode tranquilizar quanto a um
rigoroso cumprimento da legalidade nessa matéria, por outro lado, se pode
ajudar-nos a formular um juízo da razão da saída destas informações.
E ainda (e esta questão foi colocada esta manhã ao Dr. Pedro Cunha
Lopes), sobre as dúvidas que temos sobre se uma acusação tão grave como
essa, à idoneidade, ao rigor e à legalidade da Polícia Judiciária, foi objecto
de alguma acção, alguma queixa, algum inquérito, porque manifestamente
isto constitui, como foi dito esta manhã (e bem), matéria criminal.
Terceira questão, Sr.ª Procuradora, um dos objectivos desta
Comissão é, como sabe, não só a questão das intromissões ilegítimas do
poder político nas indicações, designação e exoneração dos dirigentes da
Polícia Judiciária, mas ainda avaliarmos se está precarizado o combate ao
crime económico.
A Sr.ª Procuradora tem dito que há um risco evidente de fragilização
da prova em todo o caso das finanças. Invocou, no primeiro momento do
seu depoimento, que este caso envolve intermediários, angariadores, cargos
de chefia, eventualmente advogados que estejam ligados a esses processos,
consultores, etc.
A Sr.ª Procuradora já disse que não gostaria de fazer referências
nominativas, por razões que se compreendem. De qualquer forma,
gostaríamos que nos dissesse quais são os elementos concretos, quais são
os temores e os receios concretos, que parecem muito fundados, quanto à
precarização e à fragilização da prova, e eventualmente ao seu
desaparecimento.
Por fim, e ainda articulada com esta questão, temos que nesta matéria
parece haver coincidências a mais. Assim, gostaria que nos tranquilizasse
quanto a esse aspecto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria
José Morgado.
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Em relação à primeira pergunta,
sobre o pedido de demissão por telefone, suponho que o Sr. Deputado quer
referir-se ao meu último pedido, o de 27 de Agosto.
Trata-se de um pedido, a pedido. Tinha um compromisso para ficar,
e um compromisso para sair. Foi um pedido, a pedido, por via telefónica,
como já expliquei.
Apartes inaudíveis de vários Deputados.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço, uma vez mais, que não
sejam feitas perguntas, especialmente sem microfone, porque depois não
ficam registadas e não se percebe a resposta da Sr.ª Doutora.
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, parece que há uma
dúvida acerca de um segundo telefonema nesse dia. E houve, mas foi para
confirmar o envio do fax com o pedido de demissão. Foi ao fim da tarde, às
17 horas.
Cerca das 10 horas aceitei, sem qualquer espécie de resistência –
aliás, não tinha alternativa e seria ridícula qualquer resistência, porque
quem está em comissão é para sair no primeiro momento em que lhe abrem
a porta –, e disse ao Sr. Director Nacional que, sim senhora, que enviaria
imediatamente um fax com o meu pedido de cessação da comissão.
Perguntei-lhe se queria falar comigo pessoalmente, insistindo que
vinha a Lisboa, e o Sr. Director Nacional disse-me que não valia a pena e
disse-me até que tinha uma pessoa com o perfil igual ao meu para me
substituir no lugar.
Portanto, Sr. Deputado, a evolução dos acontecimentos demonstra a
verdade material de toda esta história. Porque há uma evolução dos
acontecimentos rápida, com a posse de um novo director, com divulgação
de novos poderes da Polícia Judiciária, etc. Portanto, tudo isto estava
preparado. E quem preparou não fui eu, foi quem me pediu para pedir a
demissão!
Portanto, às 17 horas telefonei ao Sr. Director Nacional para
confirmar a recepção do fax com o pedido de demissão. O Sr. Director
Nacional não tinha ainda recebido o fax, mas pedi-lhe para o pedir ou para
ir à procura dele, para ele não pensar que era alguma brincadeira – uma vez
que não tinha tido possibilidade de o mandar a não ser pela Junta de
Turismo da Ericeira.
Nessa altura, pedi ao Sr. Director Nacional que me explicasse quais
eram os motivos para aquele comportamento tão inusitado da parte dele. E
ele disse-me que não o massacrasse, nem a mim nem a ele! Foi assim! Eu
não ia dizer isto aos jornais, acho eu! Aliás, se o tivesse feito na 1.ª
Comissão, diante da comunicação social, era feita em «salame» por aqueles
que agora me criticam por não o ter feito.
Creio que esta era matéria reservada e estou a transmiti-la com a
solenidade inerente ao acto. Se os Srs. Deputados não querem corresponder
a esta solenidade, paciência! Mas, de facto, esta era matéria que
considerava reservada. E toda a gente na Polícia Judiciária sabe que isto
aconteceu assim – aliás, não faz sentido uma pessoa ir para férias
entusiasmada com o trabalho que está a fazer e depois, de repente,
apresentar uma demissão inusitada. A evolução dos acontecimentos fala
por si.
As cartas são apenas um elemento. De facto, são frias e serenas,
porque queria serenar os ânimos e defender os operacionais do que não
sabia que poderia acontecer. Tinha algum receio do que viesse a acontecer
e ainda alguma esperança, alguma expectativa de poder conservar o
trabalho que estava a ser desenvolvido, que era muito e bom. E, de facto, é
uma carta de «gelo» para tentar arrefecer ao ânimos do Sr. Director
Nacional, não os meus. Sou igualzinha ao que era no dia 27 de Agosto.
Em relação às escutas e às intercepções telefónicas, é evidente que a
Polícia Judiciária, tal como todas as polícias, tem os seus problemas, deve
ser fiscalizada e vigiada, mas isso é assim em toda a parte do mundo – a
polícia britânica tem uma polícia dos polícias com 800 homens. Aliás, a
DCICCEF não era popular no seio da própria Polícia Judiciária porque os
inspectores que combatiam a corrupção eram mal vistos pelos outros e,
ainda no dia 16 de Abril, a DCICCEF tinha ido prender um inspector da
Polícia Judiciária à Directoria de Lisboa, no seu local de trabalho. Ora, isto
não é bem visto pelos restantes colegas.
Portanto, também havia anticorpos internos em relação a todo o
corpo da DCICCEF que envolviam a necessidade de apoio da parte do Sr.
Director Nacional em relação a essas pessoas, porque eram pessoas que não
suscitavam muitas simpatias junto de determinado grupo de colegas – mas
dizia isto a propósito das escutas telefónicas.
Em relação às intercepções telefónicas, há uma evolução histórica na
Polícia Judiciária que tem a ver com a pressão do crime grave altamente
organizado, que começou a fazer-se no tempo das FP-25, que se
desenvolveu com o tráfico de droga (os grandes carteiros da droga) e com o
banditismo. Porém, a DCICCEF foi criada muito recentemente, se não me
engano em 1995, ainda não estava sujeita a esta pressão do crime altamente
organizado e não teve as provações no terreno que teve a DCCB e a
DCITE, designadamente determinados problemas com o uso dos
encobertos e, até, ao nível de intercepções telefónicas. Mas tratavam-se de
problemas que eram resolvidos no terreno pelos seus directores nacionais
adjuntos e pelo Director Nacional.
Na DCICCEF não havia um problema em relação a intercepções
telefónicas. As intercepções telefónicas eram consideradas um meio
importante de prova quando por outro meio não era possível alcançar a
verdade; era uma meio específico de prova e, inclusivamente, fiz reuniões
com o DIAP, nas quais esteve presente a Dr.ª Francisca Van Dunen, sobre
práticas, boas práticas, nas intercepções telefónicas.
Numa dessas reuniões com a Dr.ª Francisca Van Dunen até se
combinou que – porque as formalidades das operações são complexas e
ocorrem durante várias fases –, após a autorização da intercepção telefónica
dada pelo juiz de instrução criminal, a Polícia Judiciária apresentaria os
suportes magnéticos com a sugestão do número de sessões sem transcrição
e de sessões a transcrever de 10 em 10 dias, o que é uma exigência notável,
e foi cumprida, por causa do princípio de conhecimento imediato do JIC.
Portanto, até nisso houve reuniões e uma sedimentação de orientação com
o Ministério Público e os JIC. A Dr.ª Fátima Mata Mouros deslocou-se
numerosas vezes, e penso que continua a fazê-lo, às instalações da
DCICCEF para se inteirar do conteúdo das intercepções telefónicas.
No caso das finanças, desde que o processo foi para o DCIAP, os
suportes magnéticos eram apresentados de cinco em cinco dias no início,
passando depois a ser apresentados de 10 em 10 dias. Portanto, havia quase
uma paranóia legalista a respeito das intercepções telefónicas; havia
despachos do Director Nacional Dr. Luís Bonina sobre a matéria e um
controlo administrativo com obrigatoriedade de inserção na SIC de todas as
intercepções telefónicas por causa da coordenação e até do conhecimento
da simultaneidade das várias intercepções.
A esse respeito, o cumprimento da legalidade era do mais rigoroso
que existia.
Surpreendeu-me, de facto, a posição do Sr. Director Nacional na
1.ªComissão. Nunca me foi suscitado qualquer problema nessa matéria
sobre o trabalho e os métodos da DCICCEF: não tenho conhecimento de
nenhum problema, não foi instaurado nenhum processo crime nem há
queixa alguma de ninguém por intercepções ilegais.
Admito, pode suceder que, em julgamento – nomeadamente no caso
das finanças –, o Sr. Juiz venha a interpretar que os suportes ou as
transcrições não foram feitas no prazo de x dias, porque a lei refere
«imediatamente», e a interpretação do «imediatamente» vai desde 3 dias
até um mês, ou de 10 em 10 dias, ou de 5 em 5 dias… O Tribunal
Constitucional definiu que «imediatamente» é o conhecimento directo do
conteúdo das intercepções por parte do juiz de instrução criminal. Esse
conhecimento directo era garantido na DCICCEF, nunca houve censura
alguma a esse respeito, logo surpreende-me que tal tenha surgido e penso
que não me diz respeito. E dizer publicamente que há problemas de
intercepções ilegais na Polícia Judiciária é quase a mesma coisa que dizer
que a Polícia Judiciária assalta bancos ou trafica droga!
É evidente que corrupção, crimes e prevaricações há em toda a parte.
A esse respeito, a minha obrigação era estar atenta enquanto estava na
Polícia Judiciária. Mas não houve problema algum desse tipo nem havia
uma história de problemas em matéria de meios específicos de prova na
DCICCEF. Os meios específicos de prova quase se iniciaram no processo
da Moderna e, depois, com a minha direcção, porque é a única maneira de
combater o crime económico e o crime grave organizado, uma vez que se
trata de uma criminalidade altamente especializada, sofisticada e que não se
combate sem ser através da «artilharia pesada», como lhe chamam os
italianos – isto em termos grosseiros.
A esse respeito posso garantir aos Srs. Deputados que não havia
qualquer problema na DCICCEF e – penso – na Polícia Judiciária, em
geral. Aliás, não percebo… Ouvi dizer, ouvi mesmo dizer que a Sr.ª
Directora de O Independente, nas vésperas da publicação daquele artigo, ou
notícia, ou o que seja sobre as intercepções telefónicas e irregularidades na
Polícia Judiciária, esteve a visitar as instalações da Polícia Judiciária, na
Rua Gomes Freire, inclusivamente as instalações que dizem respeito ao
terminal de intercepções telefónicas. E eu pergunto: o que é que uma
jornalista…? Que instância de fiscalização é uma Inês Serra Lopes para ir
visitar o terminal de intercepções telefónicas da Polícia Judiciária, na
Gomes Freire? Penso que isso aconteceu e, depois, saiu o artigo sobre as
intercepções telefónicas.
É claro que vim a público defender os operacionais da Polícia
Judiciária, porque acho que eles mereciam isso e, neste momento, falar em
ilegalidades em matéria de intercepções telefónicas é querer quebrar o
combate no crime económico, é querer desmoralizar os operacionais. E a
minha atitude pública de defesa não foi porque me senti comprometida
mas, sim, porque quis moralizá-los, fiz bem em moralizá-los e senti os
respectivos efeitos. Isso foi algo que o Sr. Director Nacional só fez cinco
dias depois de este assunto andar no ar.
Portanto, a respeito de intercepções telefónicas, há um rigoroso
cumprimento da legalidade na Polícia Judiciária, pelo menos na Polícia
Judiciária que conheço e tive oportunidade de dirigir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José
Morgado, nestas circunstâncias, apenas gostaria de fazer uma pergunta
relacionada com o caso das finanças.
A verdade que nos trouxe é muito melindrosa, muito desagradável,
não queria discutir nesta sede a situação muito perigosa de crise no
combate ao crime económico e fiscal que se desgarra da viragem ou da
contraviragem estratégica que acabou de criticar – e isso fica nos autos –,
mas gostava de perguntar se nos pode trazer mais alguma informação sobre
esse processo de grande opacidade e dificuldade, em que ainda há presos
preventivos. Ou seja, no actual quadro da situação, poderá responder se
entre os envolvidos (de que tem conhecimento, naturalmente) estão pessoas
que, no passado, tiveram alguma relação próxima com ex-funcionários do
Ministério das Finanças, designadamente com a actual Ministra da Justiça
enquanto funcionária do Ministério das Finanças.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José
Magalhães, não posso dar-lhe uma resposta taxativa a uma pergunta tão
taxativa porque não é possível. O processo tem uma malha probatória que
vai abrindo ou fechando consoante as possibilidades de recolha de prova.
Já disse que tinha um limite para as minhas declarações a esta
Comissão de Inquérito, que é a eventualidade de danos à investigação
criminal. E não quero ser acusada de amanhã o processo fracassar, ter um
colapso e isso ser atribuído a estas declarações.
É evidente que quando se está a investigar a corrupção das finanças
ao mais alto nível há sempre uma imprevisibilidade de alvos a atingir. E há
sempre o outro lado, ou seja, há quem possa estar implicado e a própria
Polícia não saiba, não é? O que é certo é que este era um processo muito
ambicioso em termos de alvos e um processo que atingia pessoas com
responsabilidades de direcção dentro da máquina fiscal. É evidente que
quando há angariadores fora que têm relações com escritórios de
advocacia, por vezes a investigação tem os seus caminhos caprichosos,
tanto num sentido como noutro. Mas mais não lhe posso dizer.
De facto, enquanto o processo está em aberto tem essa
potencialidade, essa eventualidade de atravessar caminhos probatórios
relativamente a pessoas que nem sequer era previsível no início. Mas,
sinceramente, nem sequer era uma coisa que me preocupasse.
Preocupava-me, de facto, algum impacto, diminuir a corrupção no
seio da máquina fiscal. Pensava que o Estado não podia continuar a
funcionar assim, que era uma tragédia se continuasse assim e dispus-me a
fazer todo o esforço, para além de todas as forças que pudessem existir,
para que houvesse resultados nesta matéria.
Pedi, aliás, uma reunião a dois Secretários de Estado dos Assuntos
Fiscais, por minha iniciativa, uma ao Dr. Rogério Fernandes Ferreira,
quando ele ainda era secretário de Estado, outra ao Dr. Vasco Valdez –
penso que no dia 30 de Abril, ainda era o Dr. Bonina Director da polícia
Judiciária –, expus as minhas preocupações sobre este processo aos Srs.
Secretários de Estado e disse-lhes: «Não pensem que a Polícia Judiciária
tem uma varinha para resolver os problemas da fraude e da evasão fiscal,
estamos a fazer o que podemos, mas o caso é muito difícil. Tem de haver
medidas disciplinares e administrativas do vosso lado. Ajudem-nos
também». E mantive sempre uma proximidade com os Secretários de
Estado no que se refere a esta matéria, dentro de um princípio de
transparência e de lealdade.
Agora, de facto, trata-se de um processo preocupante. Não digo que
seja no sentido que o Sr. Deputado diz, porque isso já me ultrapassa
completamente, porque foi um processo que eu deixei praticamente no
início. Os oito meses de prisão preventiva – este é um prazo normal,
porque, se for considerado um processo complexo, este prazo pode ir até
um ano ou um ano e meio – serão atingidos em Dezembro. O caso estava a
ser construído e deixou de me dizer respeito a partir do dia 27 de Agosto.
Ninguém sabe, quando há arrependidos num caso, até onde é que os
arrependidos nos podem levar. Ninguém sabe! Aquilo que estimo, que
desejo e que a Polícia Judiciária há-de ser capaz de fazer é que, porventura,
o processo tenha um resultado razoável e compatível com as expectativas
do início da investigação e com o esforço e grau de ocupação de meios
utilizados no processo. Porque, de facto, as finanças, a BT, os processos da
saúde, a pedofilia na Internet, etc. eram uma prioridade.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Dr.ª
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-Geral
Adjunta, como, possivelmente, não acompanhei com a devida atenção a sua
resposta, pelo-lhe que me esclareça uma dúvida.
Esse processo de que acabou agora de falar na resposta ao Sr.
Deputado José Magalhães foi o tal processo em relação ao qual, nas férias
da Sr.ª Procuradora, o Sr. Director Nacional pediu informações?
O Sr. Presidente: - Esse era sobre combustíveis!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, não é o mesmo processo,
suponho eu – e é isso que quero esclarecer -, porque o Sr. Director Adelino
Salvado, quando cá esteve, falou que tinha pedido informações sobre um
processo a pedido da Sr.ª Ministra das Finanças. Pelo que leio aqui,
suponho que não será o mesmo, porque a resposta do Sr. Director Nacional
é que o processo estava estagnado, estava dependente de uma diligência
noutro país, e que, graças à sua intervenção, o processo foi para a frente.
Não é o mesmo processo, pois não?! Se o Sr. Presidente quiser ver, tenho
aqui…
A Sr.ª Maria José Morgado: - Não, não é! Posso esclarecer, se quiser.
O Sr. Presidente: - Não sei se a Sr.ª Deputada já concluiu ou se…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não! Já concluí, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Maria José Morgado: - Sr.ª Deputada, trata-se de dois pedidos
de informação: um é sobre o caso de fraude internacional organizada,
fraude ao IVA e aos IEC, nos combustíveis, e o outro é sobre o caso das
finanças.
No caso da fraude internacional de combustíveis, há um pedido de
informação, na sequência de uma preocupação da Sr.ª Ministra das
Finanças, que é legítima, que correspondia também a uma preocupação
naquela casa e por causa disso tinha posto em marcha uma equipa, durante
dois meses, a recolher prova, a detectar o modus operandi e a apurar quem
eram as empresas envolvidas na fraude e qual a sua dimensão e, no
seguimento dessa recolha de informação, no âmbito da averiguação
preventiva, permitida pela Lei n.º 36/94, em Janeiro de 2002 propus ao
DCIAP a instauração de um inquérito para averiguar das responsabilidades
nessa matéria.
A prova estava garantida e estava apenas dependente de uma carta
rogatória. Ora, as cartas rogatórias em matéria de crime económico têm
uma média de duração de três anos e, na altura, o Sr. Director Nacional
entendeu que o processo tinha de ultrapassar todos os outros, quando, no
meu entender, e no terreno… E se ele me ouvisse, porque isto não é…
Vamos lá ver: o Director Nacional tem de ouvir quem está no
terreno, sob pena de não serem precisos directores nacionais adjuntos,
porque um director nacional fazia tudo. Mas, como havia directores
nacionais adjuntos operacionais, e eu tinha conhecimento das prioridades
no terreno, tentei explicar-lhe que não se estava a perder prova com a
espera da carta rogatória, que em Setembro ou Outubro insistiríamos sobre
o envio da carta rogatória e que tinha a brigada ocupada com duas
investigações que punham em causa a cooperação com a Brigada Fiscal e
com as alfândegas, que tinham a ver com alvos importantíssimos de
criminalidade internacional organizada no âmbito das mercadorias
sensíveis, álcool e tabaco.
No entanto, o Sr. Director Nacional não considerou estas prioridades,
quis avançar a todo o custo com o processo dos combustíveis, sem
possibilidades probatórias, porque não foi possível avançar com o processo.
A carta rogatória, realmente, foi respondida em pouco tempo, e mal fora
que não fosse, com a interferência também do Sr. Procurador-Geral, e
ainda bem, mas, depois, até se verificou – e eu não estou a causar danos ao
processo – que a documentação que vinha de Espanha batia certo com a
que estava na Alfândega de Braga e que, portanto, o modus operandi da
fraude era outro, que agora não posso revelar. Havia duas modalidades,
duas hipóteses, e havia um outro modus operandi, e, afinal de contas, veio
a confirmar-se que era este e não aquele que, aparentemente, parecia estar
no terreno.
Portanto, se se tivesse avançado com uma operação, como, na altura,
o Sr. Director Nacional pretendia, teria sido um fracasso, porque não teria
correspondido ao modus operandi que estava a ser implementado pelo
grupo organizado por várias empresas no terreno. Mas este é o processo
dos combustíveis.
O pedido de informação sobre o processo das finanças passa-se uns
dias depois. O Sr. Director Nacional verbalmente, não por escrito, pede,
através de coordenadores que trabalhavam - e trabalham - junto de si, para
lhe enviarem uma informação circunstanciada sobre o processo das
finanças, o que foi feito.
O que digo é que não percebo qual o interesse dessa informação,
uma vez que eu informava regularmente o Sr. Director Nacional sobre este
processo, estava preocupada com o processo e, por isso, o pedido de
informação por escrito parece-me uma maneira de me desautorizar, parece-
me um sinal aos investigadores, parece-me, porque, senão… Vamos lá ver:
o Sr. Director Nacional sabia da minha boca, transmitido por mim, o que se
estava a passar com o processo. Aliás, era um processo acompanhado
pessoal e directamente, quase diariamente, pelo Ministério Público; havia
reuniões semanais entre os operacionais e o magistrado do Ministério
Público titular do processo, Procurador da República do DCIAP.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que peça
mais dois esclarecimentos?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, quero
colocar-lhe mais duas questões.
A primeira é perguntar-lhe se, no processo dos combustíveis, o
pedido de informação foi apenas verbal ou se foi também por escrito.
A segunda, trocando por miúdos algumas coisas que fui recolhendo,
é perguntar-lhe se o modelo da Polícia Judiciária defendido pelo Sr. Dr.
Adelino Salvado era um modelo com uma maior concentração de poderes
nele, retirando alguma autonomia às direcções centrais. É isto que posso
concluir? E terá sido fundamentalmente por causa disso que houve o
conflito, uma vez que as direcções centrais necessitavam de ter a
autonomia que, de facto, tinham para levar a cabo um combate eficaz ao
crime e o Sr. Director Nacional queria uma maior concentração de poderes
e que tudo passasse por ele? Terá sido assim?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria
José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr.ª Deputada, em relação ao
processo dos combustíveis, o que houve foi uma intervenção do Sr.
Director Nacional, ou várias, para dar prioridade ao processo. Penso que
isso ficou escrito também. Na altura, foi enviado por fax à subdirectora que
me substituía na minha ausência. Prioridade, porque, de repente, o Sr.
Director Nacional foi confrontado com essa preocupação da Sr.ª Ministra,
mas eu tinha essa preocupação há muito tempo, não é por nada. E aquela
era uma prioridade artificial, do meu ponto de vista, porque não
correspondia ao estado de desenvolvimento da prova e prejudicava todas as
outras operações.
Agora, quanto ao modelo para a Polícia Judiciária, é muito
complicado de falar, porque o próprio Director Nacional disse, perante a 1.ª
Comissão, que não tinha um programa nem um quadro estratégico de
definição para a Polícia Judiciária. Mas, entretanto, cria secções centrais.
Ora, a Secção Central de Branqueamento e a Secção Central de
Vigilâncias, criadas desta maneira, a meu ver, não correspondem a
qualquer processo centralizador, correspondem a um processo hegemónico,
que é uma coisa completamente diferente.
Mas não só um processo centralizador, porque, primeiro, não há
meios humanos suficientes e, como tal, como não há capacidade de
afectação de meios humanos às investigações, vai ser necessário retirar os
meios às brigadas de vigilâncias que existem nas direcções centrais e os
meios de análise, de prevenção e de recolha e tratamento de informação
que existem nas direcções centrais vão ter de ser deslocados para estas
supersecções centrais. Como vão ser deslocados e a manta é curta, há aqui
uma quebra de operacionalidade, e, como há quebra de operacionalidade,
temos uma informação estática, temos uma informação estéril, temos uma
informação institucional de bases de dados, mas não temos uma informação
especulativa de recolha no terreno, com conhecimentos dos modus
operandi, com análise dos riscos de criminalidade.
Neste momento, a análise de risco que eu faço é que o crime
económico é, de facto, o principal desta matéria, porque gere lucros
fabulosos e, como tal, precisa de os branquear, visa também o lucro, é um
crime que surge de braço dado com a corrupção, é um crime que segue os
mesmos modus operandi e tem as mesmas rotas do tráfico de droga e do
banditismo.
Por exemplo, o crime organizado internacional em matéria de
telecomunicações e contrafacção de cartões tem as mesmas rotas do crime
de tráfico de pessoas, o crime de tráfico de droga tem as mesmas rotas do
contrabando de álcool e tabaco
Tudo isto envolve uma necessidade de definir estas tipologias, para
se saber como é que a criminalidade funciona no terreno, e isso só acontece
com gente com treino no terreno que recolha essa informação e essa
informação tem de ser passada para a análise e para o tratamento para a
secção de prevenção, para, por sua vez, ser devolvida à investigação. Só
isto aumenta a capacidade de resposta da Polícia Judiciária.
Quando se retiram meios às direcções centrais para superdirecções
centrais, essa superdirecções centrais vão morrer, porque não há
investigação, e a informação sem investigação é uma perversão, não há
operacionalidade. Há uma série de burocratas que estão ali sentados, são
muito importantes, têm o poder, dominam, de facto, a informação, até
podem escolher alvos, mas não há formação, treino, motivação de
investigação, a investigação não se desenvolve.
Era isto que eu sentia, sentia que a DCICCEF estava numa viragem e
precisava de recolha, análise, tratamento de informação e de prevenção,
para conhecermos as tipologias a cada momento e definirmos as
prioridades, diagnosticarmos o problema. E neste momento a respeito da
DCICCEF está tudo na mesma. Mas no dia em que o Sr. Director Nacional
quiser pôr a funcionar a secção central de branqueamento e a secção central
de vigilâncias vai ter de tirar pessoas da DCICCEF, conforme vai ter de
tirar da DCITE. E essas pessoas que vão sair vão quebrar, vão cortar,
necessariamente, a operacionalidade das direcções centrais e vamos ter
uma informação sem objectivos de combate ao crime económico. É uma
informação especulativa, hegemónica, não é uma informação em tempo
real.
Portanto, tudo isto tem de ser muito bem articulado — e o meu
projecto até era centralizador, tendo sido criticada por isso — porque tem
de haver recolha da informação ao nível centralizado das instâncias para
conhecimento dos fenómenos e com devolução às instâncias que estão no
terreno desses estudos e desse conhecimento. Aliás, visitei a Polícia
Judiciária no terreno, inclusivamente fui às directorias mais longínquas
pedir-lhes que dessem informação à direcção central para esta lhes poder
devolver essa informação trabalhada e com capacidade de ataque ao crime.
A investigação da brigada de trânsito em Faro iniciou-se com informação
transmitida pela DCICCEF; a investigação da directoria de Coimbra sobre
a DGV iniciou-se com informação recolhida pela DCICCEF — refiro casos
que têm tido visibilidade.
Portanto, este é um trabalho de relojoaria muito complexo. E não se
pense que é por se criarem supersecções centrais que a polícia fica
modernizada, que fica apetrechada. Porque eu pergunto: quem é que
identifica os fenómenos? Quem é que os estuda? Quem é que define as
tipologias de crime? Quem é que define as prioridades? Até agora, não vi
— e não vi na intervenção do Sr. Director Nacional na 1.ª Comissão — a
definição de nenhuma prioridade. Aliás, vi um projecto hegemónico, em
que o Sr. Director diz que «eles, do outro lado, em relação ao crime
organizado, estão organizados, têm um cérebro único, como tal não se
justifica que haja vários OPC a combaterem o crime, deve ser tudo
combatido pela mesma instância.» Será que há aqui um projecto consciente
ou inconsciente de integração policial? Não sei, não sei... O que eu sei que
o Sr. Director Nacional fez, olhando e fazendo um juízo de prógnose
póstuma, foi uma série de medidas ad hoc regulamentares, de natureza
administrativa, com centralização burocrática e com regionalismo, porque,
ao mesmo tempo, o Sr. Director Nacional fala em distribuir competências
para as direcções regionais e para os DIC.
Atenção, que na Polícia Judiciária há uma história antiga de
rivalidade entre direcções regionais e DIC e direcções centrais! As
direcções centrais são uma elite que corresponde a uma evolução no ataque
ao crime organizado. As directorias e os DIC sempre tiveram alguma
resistência para com as direcções centrais, e a resistência é a dos serviços
regionais. E não se pode ficar neutro na Polícia Judiciária em relação a
estas matérias.
A minha interpretação dos factos é que o Dr. Adelino Salvado está
numa posição de regresso ao regionalismo. Mas o regresso ao regionalismo
é um regresso ao passado, é um regresso ao tempo em que o crime não era
organizado nem era internacional, nem era sofisticado. Portanto, segundo a
minha interpretação, isso não vai apetrechar a Polícia Judiciária com os
conhecimentos necessários para combater e atacar o crime.
A centralização é aqui uma palavra muito equívoca, muito
ambivalente. Eu própria fui criticada por excessos de centralismo.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Doutora.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. ª Procuradora, seis horas
volvidas desde o início desta reunião, penso que as coisas estão mais do
que claras. E permita-me que lhe diga com alguma mágoa o seguinte: de
certa forma, sinto-me triste com o que se está a passar, e lamento. Mas
lamento sinceramente, e estou triste por si, Sr.ª Procuradora, porque penso
que V. Ex.ª, que é uma pessoa com grande valor, que desempenhou
funções de relevo, caiu num logro em que muitas pessoas com a capacidade
que V. Ex.ª possui por vezes caem. Isto é, V. Ex.ª não soube sair no
momento certo.
Disse que foi empurrada. Ó Sr.ª Procuradora, ninguém é empurrado!
V. Ex.ª foi convidada a abandonar o lugar!
Penso que a postura correcta era a de, pura e simplesmente,
abandonar o lugar e não dar azo a tudo o que aconteceu, que envolve, na
minha perspectiva, no sentido negativo, a Polícia Judiciária,
designadamente o facto da própria existência da comissão de inquérito.
Penso que ninguém se pode esquecer de que é na sequência de algumas das
suas afirmações que hoje existe uma comissão de inquérito.
Portanto, Sr.ª Procuradora, lamento-o por uma razão: V. Ex.ª disse
— e acredito — que era fanática no combate ao crime organizado.
Acredito! V. Ex.ª estava empenhada num processo, V. Ex.ª estava
envolvida, V. Ex.ª gostava daquilo que fazia e não admitiu que um dia
tinha que sair. Penso ser fundamental que todos quantos exercem... — por
exemplo, todos estes Deputados que aqui estão um dia vão sair e não terão
de chorar por isso nem terão de esperar choros sequer dos funcionários da
Assembleia da República ou de outros!
Penso ser fundamental que as pessoas, no momento certo, saibam
abandonar. E a ideia com que fico, Sr.ª Procuradora, é que V. Ex.ª ficou
zangada, ficou «azeda» — permita-me, entre aspas, a expressão — por ter
sido convidada a demitir-se.
E, para mim, o pormenor de V. Ex.ª ter assumido a demissão ou de
V. Ex.ª ter ficado e ter sido demitida, como aconteceu, aliás, com o colega
de V. Ex.ª que esteve cá na parte da manhã, é absolutamente irrelevante. A
consequência era a mesma. O Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária,
Dr. Adelino Salvado, entendia que, face à nova orgânica, não podia, não
queria contar consigo. Isso é absolutamente legítimo.
E a V. Ex.ª custa-lhe aceitar isso. Permita-me que lhe diga que
passou seis horas a referir as diferenças entre aquele que é o seu modelo e o
modelo do Dr. Adelino Salvado. Mas é preciso — e eu queria ter um
comentário seu sobre isto — que tenhamos consciência de que neste
momento é ao Dr. Adelino Salvado que compete a orientação da Polícia
Judiciária, não a V. Ex.ª.
Hoje, V. Ex.ª está num tribunal da Relação. É lá que tem de definir a
sua actividade profissional como magistrada, não é junto da Polícia
Judiciária. Deixe isso para o Dr. Adelino Salvado. No fim, ele vai,
naturalmente, ser julgado pelo exercício das suas funções. Ele vai ser
julgado pela apresentação ou não de resultados! Porque é que V. Ex.ª tem
de estar aqui sempre a contraditar, a dizer que o modelo que defende é
melhor do que o dele, se o dele ainda nem sequer começou ou está agora a
começar?!
Queria também, Sr.ª Procuradora, que comentasse, com toda a
sinceridade, o seguinte: V. Ex.ª saiu do lugar mas para o seu lugar foi outra
pessoa. V. Ex.ª é, naturalmente, uma pessoa competente e digna, mas tem
de reconhecer que quem a substituiu é também competente e digno!
Não acredito que V. Ex.ª conceba, admita e permita especulações em
torno de uma estrutura de que diz tanto gostar, que é a Polícia Judiciária, e
permita que haja especulações a este nível, designadamente pondo em
causa as pessoas que estão hoje no lugar que V. Ex.ª ocupou, que são
também seus colegas magistrados e que têm, naturalmente, igual dignidade.
E se não terão mais competência, terão pelo menos — admita isso, se é
possível — igual competência! E terão igual empenho! E, se calhar, no dia
em que abandonarem aquela estrutura, provavelmente também vão ver
gente a chorar! Mas isso é a lei da vida, Sr.ª Procuradora!
Na minha perspectiva, esta questão é absolutamente clara, ou seja
que há uma mágoa profunda em si por algo que lhe custou, face ao seu
envolvimento e ao seu empenho. Aceito isso, mas não devia ter sido dessa
forma, porque sinceramente, Sr.ª Procuradora, estes actos desprestigiam-na,
desvalorizam-na! E a senhora tem, de facto, muito valor e uma importância
demasiado grande para se deixar desvalorizar a si própria, permitindo a
especulação. Penso que faz mal desvalorizar-se, porque antes na Polícia
Judiciária, hoje no tribunal da Relação, onde está, V. Ex.ª é importante e é
precisa, como no combate à criminalidade. Também combate essa
criminalidade nos tribunais, aliás combate por cima, como Procuradora. A
Polícia Judiciária é orientada pelo Ministério Público, como é óbvio.
Portanto, não percebo porque é que, de facto, V. Ex.ª tem estas
atitudes.
E permita-me que lhe diga outra coisa, que é importante. Hoje, V.
Ex.ª cometeu aqui aquilo que eu considero serem inconfidências graves. E
digo-lhe porquê. Disse V. Ex.ª, a dado momento, que fica à mercê das suas
palavras. É verdade que fica. Assim, amanhã, se calhar, ouviremos o Sr.
Director Nacional da Polícia Judiciária dizer também «fico à mercê das
minhas palavras.» Sr.ª Procuradora, quer V. Ex.ª, quer o Sr. Dr. Adelino
Salvado são pessoas dignas, que têm valor e que merecem o respeito de
todos nós e das instituições, pelo que lhe pergunto: como é que vamos sair
deste imbróglio? Vão ser os dois que vão ficar mal! Mas por culpa de
revelações de V. Ex.ª e não dele!
Na 1.ª Comissão, o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária em
momento nenhum fez referências do género daquelas que já então V. Ex.ª
havia feito! E o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária não foi tão
longe!
Foram, pois, cometidas aqui inconfidências que me levam a
perguntar: como é que vamos deslindá-las? Dado tratar-se de conversas
tidas a dois, qual é que vale mais, a sua palavra ou a palavra dele, Sr.ª
Procuradora? Ambas são palavras que, à partida, merecem e têm de
merecer todo o crédito. Mas pergunto-lhe como é que vamos sair disto.
Provavelmente vai ser o Deputado José Magalhães a resolver o problema,
que é quem aqui tem solução para tudo.
Mas que vamos ficar mal, vamos! E o pior, Sr. ª Procuradora —
digo-lhe isto com mágoa, não por mim, mas pela instituição Polícia
Judiciária, de que a senhora diz tanto gostar, e que eu respeito muitíssimo
—, é que V. Ex.ª vai prejudicar fortemente a imagem da Polícia Judiciária,
de todos aqueles que são seus amigos e que lá trabalham, que lá continuam
e que vão continuar provavelmente por muitos anos. Penso que isso é
grave, é inaceitável e inadmissível.
Fala aqui em verdade material e em verdade formal!? Ó Sr.ª
Procuradora, então os documentos são o quê? Os documentos não são uma
prova? Um documento probatório não é verdade material? Então os
documentos que V. Ex.ª escreveu, em que, designadamente, elogia o Sr.
Director Nacional da Polícia Judiciária, isso é verdade formal?! Não, isso é
verdade material, Sr. ª Procuradora! Verdade material é essa!
Agora, duvido que consiga a descoberta da verdade material por via
de conversas tidas a dois em gabinetes que sabe-se lá quem disse o quê! V.
Ex.ª disse, eu não posso contestar a sua palavra porque me merece todo o
respeito. Amanhã o Dr. Adelino Salvado provavelmente vai dizer coisa
diversa. Não será muito difícil de avaliar porque já disse na 1.ª Comissão e
eu tenho de acreditar na palavra dele.
Portanto, esta situação é absolutamente lastimável. Penso que
ninguém vai ganhar com isto, o País não vai ganhar com isto, muito menos
a Polícia Judiciária.
Gostava igualmente, com todo o respeito e com toda a sinceridade,
de lhe dizer uma coisa, Sr.ª Procuradora — tenho muito respeito por todos
os magistrados, independentemente do lugar que, em cada momento, eles
ocupam: também lastimo que V. Ex.ª venha com insinuações de que A, B
ou C têm medo. Ninguém tem medo de ninguém! Quem anda na vida
política, quem aceita assumir cargos a nível governamental,
designadamente, como o Ministro da Defesa ou o Ministro da Justiça, não
pode ter medo do que quer que seja! Nós, os Deputados, por certo também
não temos medo!
E, aliás, permita-me ainda que, até sem conhecer muito bem,
pessoalmente, os dois ministros que referi, diria até que os conheço muito
mal, lhe diga o seguinte: posso atestar, posso quase atestar, porque é fiável,
que eles também conhecem suficientemente o valor dos magistrados, para
saberem, nomeadamente, que V. Ex.ª era incapaz de perseguir quem quer
que fosse. Portanto, medo?! Isso não se compreende. Se algum dia essa
conversa aconteceu, como V. Ex.ª disse, então, só por mera brincadeira é
que ela poderia ter sucedido. Só por mera brincadeira! É que eu não estou a
ver nem o Sr. Ministro Paulo Portas nem a Sr.ª Ministra Celeste Cardona
terem medo, permita-me, Sr.ª Procuradora, quer de si quer de quem quer
que seja. Olhe, eu, pessoalmente, não tenho, o meu colega Nuno Melo
também já disse que não tem e não acredito que haja aqui algum
Deputado… Aliás, quem tem medo não vai para a vida política,…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Ou compra um cão!
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — … porque está, naturalmente,
exposto, fortemente exposto.
Portanto, Sr.ª Procuradora, termino por aqui, dizendo-lhe,
sinceramente, que lastimo isto tudo e que espero que V. Ex.ª ainda vá a
tempo de corrigir alguns dos erros que cometeu, designadamente com
entrevistas como aquela que deu ao Público.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria
José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Sr. Presidente, Sr. Deputado,
acho que a sua intervenção é de natureza tão subjectiva, tão subjectiva, que
não contém perguntas às quais eu possa responder.
Só lhe digo, Sr. Deputado, que nada disto correu num quadro de
normalidade e eu tentei trazer a esta Comissão o quadro em que ocorreu o
meu pedido de demissão. Não é um quadro normal, é este quadro que eu
trouxe aqui. Não vale a pena exagerar nas interpretações. Foi assim. Não o
fiz publicamente, precisamente por defesa do prestígio da Polícia Judiciária
e das instituições.
Agora, eu penso que a Polícia Judiciária não sai prejudicada disto
nem é esse o sentimento que há dentro da Polícia Judiciária. E penso que se
alguém cometeu imprudências nesta matéria não fui eu, porque, como lhe
disse, não escolhi o momento nem o modo de actuação, não tive outra
alternativa.
Depois, os acontecimentos transcenderam-me, ultrapassaram-me,
nunca foram do meu domínio. Não tenho culpa disso. Não estou num
processo que seja dominado por mim. Eu sou um instrumento deste
processo. Não sei que processo é que é, simplesmente o que estou a dizer, o
que eu digo… Eu aceito, como aceitei… Eu disse ao Dr. Bonina: «Eu vou-
me embora da Polícia Judiciária. É uma comissão de serviço, ela tem um
termo».
A questão não é essa, a questão é ser-me feito um pedido dramático
para ficar, a ponto de o Dr. Adelino Salvado me dizer que não tomava
posse se eu não aceitasse continuar, eu estabelecer um compromisso com o
Dr. Adelino Salvado e, depois, bruscamente, sem que eu consiga
compreender os fundamentos, o Dr. Adelino Salvado dizer-me o contrário.
Isto é uma situação… Não é uma situação normal e, porventura, depois,
provoca, de facto, especulações que me transcendem. Mas a culpa foi de
quem dominou o processo. Eu não dominei o processo. Não era eu que
tinha uma pessoa para tomar posse no meu lugar, no dia 29, que tinha os
novos poderes da Polícia Judiciária para serem divulgados no dia 31, etc.,
etc., etc. Eu fui uma peça deste processo, fui uma peça da engrenagem. É
evidente que haverá agora pessoas com vontade de me triturarem nisto
tudo. Tenho consciência da minha situação mas a escolha não foi minha.
Se há nisto alguma coisa errada e a lamentar não é por mim, eu
estou, pura e simplesmente, a ser vítima de todos estes acontecimentos. E
não gosto de me sentir vítima. Por isso, escrevi as cartas, por isso dei as
entrevistas nos termos que dei.
Perante esta Comissão e o dever de verdade material, senti-me
obrigada a contar, a concretizar mas tudo o resto que eu disse não entra em
contradição com esta concretização. Limitei-me a dizer agora as
circunstâncias de facto do pedido de demissão e que a iniciativa não era
minha. E não sei se foi por causa das intercepções telefónicas, se foi por
causa do processo dos combustíveis, se foi por causa do processo das
finanças, se foi por causa da secção central de branqueamento, se foi por
causa da secção central de vigilâncias… Sinceramente, podem apontar-se
estas razões todas. Depois… É que, de facto, não houve nenhum debate
interno sobre isso. Não houve!
Por exemplo, sobre as vigilâncias, pedi ao Dr. Adelino Salvado para
deixar ficar as vigilâncias na DCICCEF, que tinham sido criadas em
Novembro de 2001 e estavam a dar bom resultado na investigação. Mais:
tínhamos equipamento de vigilâncias que nos tinha sido dado em
subvenção, pelo OLAF. O Sr. Brüner convidou-me a ir a Bruxelas,
conversámos sobre as prioridades do combate ao crime organizado, ele
ficou agradado com o trabalho que a Polícia Judiciária estava a fazer, eu
assumi o compromisso de dar prioridade no combate à fraude dos IEC e de
toda a criminalidade que punha em causa os interesses financeiros da
Comunidade, para além dos interesses do Estado, e, no seguimento desse
acordo, tivemos duas subvenções que perfizeram uns trinta e tal mil contos.
Com esse dinheiro, que não era dinheiro da Polícia Judiciária, foi
dinheiro arranjado desta maneira, comprámos o primeiro equipamento para
a brigada de vigilâncias e pedi ao Sr. Director Nacional que conservasse
esse equipamento na DCICCEF. E até brinquei, porque disse que, se assim
não fosse, era considerado desvio na obtenção de subsídio, uma vez que
tinha obtido o subsídio com o objectivo de dar prioridade ao combate à
fraude sobre os produtos sensíveis - álcool e tabaco. O Sr. Director
Nacional concordou, disse-me que sim, eu fiz-lhe um ofício a pedir isso e
ele não me disse, a mim, pessoalmente, que não. E quando as pessoas têm
comportamentos assim, é evidente que, depois, se libertam forças que não
se dominam. Nem sei quais, nem sei quais.
Mas o comportamento do Sr. Director Nacional a meu respeito foi,
de facto, de algum capricho. Primeiro, era o capricho de ficar; depois, era o
capricho de ir embora. Mas, de facto, não sei…
Amanhã, o Sr. Director Nacional até pode dizer que, a respeito das
prevenções activas e das ajudas de custo, fiz despachos infundados, porque,
provavelmente, durante todo o mês de Julho fiz despachos de juízos de
imprescindibilidade sobre o pagamento das prevenções activas e das ajudas
de custo que nunca tinha feito antes, em função de um outro despacho do
Sr. Director Nacional. E, provavelmente, o Sr. Director Nacional não terá
concordado. Não sei. É uma hipótese que eu ponho, não é?!
Portanto, contei as coisas por ordem cronológica, sintetizando factos
que foram sucedendo e não posso criar outros. Se isto, de facto,… Se o Sr.
Deputado acha lamentável, eu também acho mas não fui produtora deste
«filme». Não fui.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — Sr. Presidente, permita-me só
que…
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado Eugénio Marinho.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — Sr. Presidente, é muito breve, são
apenas 10 segundos.
Quero apenas fazer uma pergunta à Sr.ª Procuradora, que tem a ver
com o seguinte: a Sr.ª Procuradora dá a ideia de que a sua conduta, mesmo
em termos públicos, foi sempre totalmente correcta. Só lhe quero perguntar
se é verdade ou mentira que o Sr. Procurador-Geral da República chamou-a
para lhe dar uma reprimenda relativamente à notícia que veio na Público. É
que constou…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Qual notícia do Público?
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — A entrevista que V. Ex.ª deu ao
Público. Se é verdade ou não, isso veio noticiado. Se é verdade ou
mentira…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Veio noticiado isso?
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — Eu já ouvi isso.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Por acaso, não li…
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Por acaso, não li e o Sr.
Procurador-Geral não me deu nenhuma reprimenda.
Uma voz não identificada: — Mas chamou-a lá?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Não, não chamou! Eu é que pedi
ao Sr. Procurador-Geral para me receber. Eu pedi ao Sr. Procurador-Geral
para me receber, a iniciativa foi minha.
O Sr. Presidente: — Tenho agora inscrito o Sr. Deputado Luís
Montenegro.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, permite-me o uso da
palavra?
O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Filipe (PCP): — Para fazer uma interpelação à Mesa,
Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Diga, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, quero solicitar a V.
Ex.ª que seja feito chegar um documento ou a todos os Srs. Deputados da
Comissão ou, no mínimo, à Sr.ª Procuradora Maria José Morgado.
O Sr. Presidente: — Qual é o teor do documento, Sr. Deputado?
O Sr. António Filipe (PCP): — É que eu tomei conhecimento da
existência de um despacho da Agência Lusa…
O Sr. Presidente: — Ó Sr. Deputado, se é sobre notícias da
comunicação social, tenho de lhe dizer o mesmo que disse, há pouco, ao Sr.
Deputado Nuno Melo. Peço imensa desculpa mas, quanto mais não seja,
por respeito para com as pessoas que estão aqui desde as 3 horas da tarde e
que não saíram para falar com a comunicação social, é melhor que as
questões relativas à comunicação social sejam colocadas no final dos
depoimentos.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, peço desculpa mas
não obtive nada disto junto da comunicação social, obtive através dos
serviços do meu grupo parlamentar…
O Sr. Presidente: — Mas eu é que estou a dizer que, se é por causa
de uma notícia da comunicação social, tenho de lhe dizer o mesmo que
disse, há pouco, ao Sr. Deputado Nuno Melo, que também tentou interpelar
a Mesa por causa da mesma situação.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, entendo que, no
mínimo, por uma mera questão de lealdade para com a Sr.ª Procuradora
Maria José Morgado, ela não deveria sair desta sala sem tomar
conhecimento deste documento.
O Sr. Presidente: — Tomará conhecimento de todos os documentos
de que o Sr. Deputado lhe quiser dar conhecimento no fim dos pedidos de
esclarecimentos. Tenho mais Srs. Deputados inscritos e parece-me que
todos eles têm o mesmo direito de falar que aqueles que se inscreveram
inicialmente.
O Sr. António Filipe (PCP): — Então, não direi mais nada, Sr.
Presidente, e faço-lhe apenas um pedido: seguramente, a Sr.ª Procuradora
Maria José Morgado, quando sair daqui, vai ser confrontada com
declarações que lhe são imputadas aqui…
O Sr. Presidente: — O senhor terá ocasião de lhe entregar, antes do
final…
O Sr. António Filipe (PCP): — … e, portanto, peço a V. Ex.ª que lhe
faça chegar…
O Sr. Presidente: — Antes do final. Com certeza!
O Sr. António Filipe (PCP): — … este documento, para que a Sr.ª
Procuradora saiba o que a espera quando sair daqui.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: — Mas é um comunicado…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Fonte da maioria!
O Sr. Presidente: — Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, peço-lhe que siga
a sequência das perguntas, como é evidente, e tomará conhecimento de
tudo o que os Srs. Deputados quiserem no final. Agora, não é forma… E
devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Filipe, que me parece completamente
irresponsável, da sua parte, interromper a sequência das inscrições.
A sequência de inscrições dos Srs. Deputados nesta Comissão não é
controlável por ninguém, o direito de todos é igual e nenhum Sr. Deputado
tem o direito de interromper a sequência das audições, colocando aqui o
feedback ou intervenções a latere que não têm a ver com a sequência das
intervenções.
No final, o Sr. Deputado tem o direito de se inscrever novamente
para usar da palavra, se quiser, ou de se inscrever para entregar algum
documento ou até para conversar com a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
Agora, o que eu não posso é tirar a palavra a outros Srs. Deputados que se
inscreveram, alguns deles há várias horas, e que estão à espera do seu
momento para intervir.
Portanto, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Montenegro e peço
à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado o favor de tomar atenção às perguntas que
lhe forem formuladas.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora,
não obstante o tempo já dispendido nesta audição, ainda tenho, de facto,
algumas dúvidas e vou tentar ser objectivo, pragmático e ir directo às
questões que lhe quero colocar.
A Sr.ª Procuradora apresenta hoje aqui, aliás, fê-lo, logo, ab initio,
uma teoria que nós desconhecíamos relativamente ao pedido de demissão,
já que toda a informação que tinha sido disponibilizada até ao dia de hoje
indicava que a demissão tinha partido da sua iniciativa.
Hoje, veio dizer-nos que, apesar de ter enviado o fax para a
Directoria Nacional, a demissão resulta de um pedido, de uma sugestão
expressa do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. E diz mais: diz que
esse pedido surge de uma forma inesperada, de uma forma surpreendente.
Devo dizer-lhe que, depois de a ter ouvido, nas várias intervenções
que já teve oportunidade de produzir aqui hoje, julgo precisamente o
contrário, ou seja, julgo que o epílogo desta história, a sua demissão, o seu
pedido de demissão ou, eventualmente, a sugestão do Sr. Director Nacional
resultam do historial que aqui nos trouxe e não surpreendem ninguém,
muito pelo contrário, surpreendente seria que, dada a conflitualidade que
vinha crescendo - segundo as suas próprias palavras - ao longo do tempo
que se sucedeu à assunção do mandato, por parte do actual Director
Nacional, não houvesse um desfecho que só poderia ser um de dois: ou saía
a Sr.ª Procuradora ou, então, teria de sair, forçosamente, o Sr. Director
Nacional. Aliás, tanto assim é que, inclusivamente, V. Ex.ª chegou a
afirmar aqui, hoje – e é a sua própria expressão –, que «sabia que não ia
durar muito tempo» na Polícia Judiciária. Disse também que o Sr. Director
Nacional era um homem preparado para o efeito – também foi uma
expressão sua. Por mim, acrescento que V. Ex.ª também já estava
preparada para este efeito, na medida em que, já em meados de Junho,
como teve ocasião de dizer-nos, e, de uma forma expressa, já na tal reunião
do dia 16 de Julho, V. Ex.ª tinha apresentado a sua demissão. No caso
concreto do dia 16 de Julho, pelo que nos disse, fê-lo de uma forma
perfeitamente expressa.
Sinceramente, não compreendo, por um lado, que se possa considerar
surpreendente o que aconteceu no dia 27 de Agosto e, por outro, não posso
compreender que V. Ex.ª diga que o Sr. Director Nacional sugeriu a sua
demissão quando a iniciativa primeira coube exactamente a si própria, no
dia 16 de Julho.
Por outro lado. V. Ex.ª remata a história do dia 27 de Agosto,
dizendo que não teve escolha. Ora, também já aqui ficou patente – aliás,
era algo que, isso, sim, era do domínio público – que V. Ex.ª é, de facto,
uma pessoa de convicções, e convicções profundas.
A questão que lhe coloco é a seguinte: se V. Ex.ª tem, de facto, essa
maneira de ser e possui essa convicção e se, por sua iniciativa, não tinha
vontade de se demitir no dia 27 de Agosto, por que é que o fez? É que não
colhe a tese de que foi empurrada. Não foi! De facto, não foi, porque, no
âmbito do seu campo de actuação, estava a possibilidade de não proceder
ao pedido que efectivamente veio a fazer depois.
Uma segunda questão que gostava de colocar-lhe tem que ver com as
divergências que, repetida e repisadamente, aqui tem assumido e a
respectiva correlação com uma outra afirmação que também produziu aqui
quando disse que «eles», portanto, os actuais dirigentes da Polícia
Judiciária, «estão a copiar tudo aquilo que eu tinha em mente, o modelo
que eu estava a incrementar na Direcção Central». Disse, inclusivamente –
e se não foi precisamente esta a expressão foi muito próxima –, que «a papa
estava feita» e que, depois, era uma questão de ser servida, o que vale por
dizer que, afinal, apesar de todas estas divergências e de toda esta
conflitualidade, actualmente, a Polícia Judiciária segue, de facto, um
modelo que foi incrementado por V. Ex.ª.
Portanto, atrever-me-ia a dizer que, porventura, essas divergências
não parecem tão profundas quanto nos fez crer e que, utilizando também
uma expressão sua, estaremos mais na presença de «diferentes e
incompatíveis métodos de trabalho».
Uma outra questão – e vou ser telegráfico na análise que faço e na
dúvida que ainda me persegue relativamente a esta matéria – tem que ver
com a instrução verbal, também do dia 16 de Julho, relativamente à não
presença de investigadores da Polícia Judiciária no Tribunal de Monsanto.
V. Ex.ª disse que essa instrução foi veiculada pela via oral e que,
embora não concordando, melhor dito, discordando radicalmente daquilo
que estava a ser-lhe solicitado, em todo o caso, decidiu pô-la em prática
porque o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária a tinha defendido
muito. Desde logo, isto parece-me incongruente, no dia 16 de Julho, com o
facto de «haver uma perda progressiva» da sua capacidade de prosseguir o
seu modelo que teve o seu início em meados de Junho, quinze dias após a
tomada de posse.
Mas, no dia 16 de Julho, V. Ex.ª ainda diz que «não, não! O Sr.
Director Nacional da Polícia Judiciária, apesar de estar progressivamente a
tirar-me capacidade de intervenção, é alguém que me defende muito e não
compreendo muito bem como é que». O fundamento da sua tomada de
posição, que foi o de seguir a instrução verbal que lhe fora dada, é este.
É evidente que não é V. Ex.ª que está aqui a ser julgada e tenho a
perfeita noção disso.
Devo dizer-lhe mais, fazendo novamente apelo ao facto de V. Ex.ª
ser uma pessoa de convicções. É que, para quem se prestava a cumprir uma
instrução com a qual discordava radicalmente e com a carreira judicial que
V. Ex.ª tem, parece-me que, no mínimo, V. Ex.ª deveria ter acautelado a
situação, pedindo, solicitando que essa instrução lhe fosse dada sob a forma
escrita. Acho que era o mínimo que deveria ter feito nessa circunstância,
para sua salvaguarda e também para salvaguarda das suas convicções.
Uma última questão, que eu diria que é a vexata questio desta
Comissão de Inquérito, que é a de sabermos se houve ou não pressões
políticas.
V. Ex.ª já foi peremptória em afirmar que nunca sofreu, não podia
sofrer, não aceitaria sofrer pressões de natureza política. Essa resposta foi
clara, já na primeira vez em que esteve na 1.ª Comissão. V. Ex.ª disse que
não tinha sofrido esse tipo de pressão.
De qualquer forma, hoje, várias vezes aludiu a comentários, a boatos
que circulavam, nomeadamente nos corredores da Relação de Lisboa.
Quero entender que estas notícias que circulavam nesses corredores não
eram, de facto, pressões de natureza política, que é o que esta Comissão
tem de apurar definitivamente.
A talhe de foice, devo dizer que até acho que não tem interesse que
uma comissão de inquérito parlamentar esteja a falar, a comentar ou a aferir
boatos que correm nos corredores. É que, de facto, isso acontece em todo o
lado, até na própria Assembleia da República. Aliás, se fossemos fazer um
inquérito ao que dizem os Srs. Deputados dos mesmos partidos nos
corredores desta Assembleia, os partidos políticos acabariam, porque a
coesão dos grupos parlamentares por certo iria ao ar. Portanto, julgo que
não tem relevância o que se diz nesses fóruns.
O que tem relevância – e é a última questão que lhe coloco – é que
V. Ex.ª mantém o que disse e V. Ex.ª disse que não tinha sofrido de forma
nenhuma, nem era passível de ter sofrido qualquer tipo de pressão política.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Acho que o Sr. Deputado fez as
perguntas e deu as respostas. Só em relação à última é que não procedeu
assim.
Quanto às pressões, mantenho o que disse. Agora, em relação a todas
as outras questões, são as que revelei aqui…
O Sr. Luís Montenegro (PSD): - São contradições!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não são contradições, não! Porque
eu não disse que ninguém me tinha pressionado a fazer assim ou assado. A
única coisa que disse foi a respeito do pedido de demissão. Disse que não
tinha sido da minha iniciativa, que tinha feito o pedido de demissão, ou o
pedido de cessação da comissão, por sugestão do Sr. Director Nacional,
mas que eu tinha aceite essa sugestão. Mas não classifiquei isso como
pressão.
Depois, referi determinados factos, sobre os quais os Srs. Deputados
fazem as interpretações que entendem e não tenho culpa disso. Eu fui
factual e não tirei muitas conclusões. Fui meramente factual.
Quanto ao resto das questões que me coloca, de facto, foram
perguntas com respostas: modelo que é modelo, que deixa de ser modelo e
passa a ser modelo outra vez… Divergências que existiam e que não
existiam… Talvez possamos concluir que nestas coisas, a realidade nunca
parece o que é e nunca é o que parece.
Penso que já esclareci tudo nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Obrigada, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
Estão inscritos a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco e, por último,
o Sr. Deputado Marques Júnior.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco.
A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, vou ser rápida
e reportar-me exclusivamente à questão da demissão da Sr.ª Procuradora.
Percebi hoje, aqui, que, do ponto de vista da Sr.ª Procuradora, a
vítima nesta história é a Sr.ª Procuradora e, portanto, percebo que esteja
ressabiada.
O que não percebi é quem é o carrasco e era o que gostava de
perceber. O carrasco é o Sr. Dr. Adelino Salvado? O carrasco é a Sr.ª
Ministra da Justiça? É o Sr. Ministro Paulo Portas?
Gostava de saber, em concreto, se considera que o Sr. Dr. Adelino
Salvado agiu como agiu em relação à sua demissão de modo próprio ou
como mandante da Sr.ª Ministra da Justiça ou de outros.
No caso de a Sr.ª Procuradora entender que ele agiu a mando da Sr.ª
Ministra, gostava de saber se tem ideia de qual a razão ou razões profundas
ou ocultas de tal perseguição, já que disse aqui, várias vezes, que nunca
falou com ela e nem sequer a conhece. Portanto, parece estranho uma
perseguição destas quando, afinal, nem sequer se conhecem.
É que, realmente, uma tal perseguição, uma tal cabala que montaram
contra a Sr.ª Procuradora, apenas por razões de excesso de protagonismo,
de facto, a mim sabe-me a pouco.
Também gostava de saber se a Sr.ª Procuradora tem provas, factos
concretos que sustentem essa ideia da perseguição.
Vai desculpar que lhe diga que, se assim não for, fica a ideia de que,
porventura, a Sr.ª Procuradora está a dar demasiada importância a si
própria, está empolar a questão e, porventura, terá demasiados «gorilas» na
cabeça em relação a uma suposta perseguição com o intuito de afastá-la.
Por último, queria dizer-lhe que gostei muito das suas declarações
iniciais, quando disse que não se deixava embarcar em politiquices. Porquê,
então, esta viragem? É que, na verdade, está a deixar-se embarcar em
politiquices. Será que as politiquices de ontem são a reserva de hoje? De
facto, «não condiz a cara com a careta».
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer uma
interpelação à Mesa?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Queria definir aqui qual o papel de um
Deputado numa comissão de inquérito. É que acho que é preciso definir se
é ou não para averiguar factos.
Depois – e é por isso que isto tem demorado tanto tempo! –, as
considerações que os Srs. Deputados estão a fazer são para ser feitas numa
reunião em que apreciaremos os factos…
Isto tem demorado muito por causa das considerações…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, deixe-me responder
duas coisas à sua interpelação.
Em primeiro lugar, é evidente que, se me pede que tenha um papel
paternalista no sentido de tentar instruir os Srs. Deputados sobre o que lhes
cabe nas comissões de inquérito, a minha resposta é, directamente, «não!».
Nunca embarcarei numa tarefa desse género porque penso que todos os Srs.
Deputados são meus iguais ou meus superiores no entendimento que têm
das suas funções neste Parlamento.
Em segundo lugar, relativamente ao tempo, deixe-me dizer-lhe que a
senhora está a ser profundamente injusta, porque todos os que estão aqui
desde o início sabem perfeitamente que, se juntarmos todo o tempo que os
Srs. Deputados falaram nesta sala, verificamos que, no máximo, ele não vai
além de duas horas. E se esta reunião tem demorado é porque a Comissão
tem entendido (o meu critério tem sido esse e ainda ninguém me chamou a
atenção para isso) que a depoente tem o direito de expor livremente tudo
aquilo que entender.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente! Estou de acordo com
isso!
O Sr. Presidente: - E se a Sr.ª Deputada não concorda com isso, é a
esse tempo perdido que a Sr.ª Deputada deve apontar o dedo pelo atraso da
hora e não aos Srs. Deputados, porque isso é injusto.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença? É que o
Sr. Presidente censurou-me de eu estar a dizer que era o tempo da depoente
e eu não disse nada disso.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada disse rigorosamente o contrário.
Eu disse que é injusto dizer que são os Srs. Deputados que estão a perder
tempo. Foi o que eu disse, porque a sua acusação foi que os Srs. Deputados
não estavam a interpretar bem o seu papel e, por causa disso, estávamos
aqui há muito tempo. Ora, eu acho que isso é injusto e que a Sr.ª Deputada
não tem razão, porque se a Sr.ª Deputada se der ao trabalho de, depois,
ouvir a gravação e somar o tempo de intervenção de todos os Srs.
Deputados, verificará que esse tempo não vai além de, provavelmente, duas
horas ou duas horas e pouco, se tanto.
Tendo dado a minha explicação, considero encerrada esta
interpelação.
Dou, agora, a palavra à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, pedindo-lhe
desculpa por esta interrupção.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não sei se é do adiantado da hora,
mas as perguntas estão a transformar-se em resposta impossível. Lamento
muito mas penso que não posso responder às perguntas da Sr.ª Deputada,
nomeadamente, às questões de «estar ressabiada» e de saber «quem é o
carrasco». Parecem-me aquilo que o Código Penal considera perguntas
impertinentes ou sugestivas. Não posso responder a essas perguntas, não há
resposta possível.
Eu nunca falei em perseguição; falei de um processo que teve fases e
que teve este desenlace do dia 27 de Agosto. Não falei em perseguição.
Acabei por dizer que fui vítima de tudo isto, porque os acontecimentos
tiveram, de facto, uma dinâmica que me ultrapassou completamente. E,
mais uma vez, volto a dizer que eu não escolhi o momento do pedido de
demissão, mas não tinha alternativa, pois, se não pedisse a demissão, era
demitida e, provavelmente, tudo aconteceria da mesma maneira. E,
sinceramente, seja qual for o resultado de tudo isto, não me sinto com
juízos de culpa nesta matéria, porque não tive escolha, todo o processo para
mim foi irreversível.
A escolha que eu tive foi no início: depois de saber que havia críticas
da Sr.ª Ministra por excesso de visibilidade, não queria continuar, achei que
isto não ia dar bom resultado, que a minha posição era artificial e pedi, na
altura, para sair. Porém, pediram-me o contrário: «continue».
Pediram-me esse compromisso; pediram-me até que, acontecesse o
que acontecesse, eu jamais pusesse o meu lugar à disposição. E toda a
minha tarefa à frente da Polícia Judiciária, toda a minha missão, a partir
dessa altura, foi desenvolvida com base neste dilema e foi isso que motivou
todos os meus comportamentos, comportamentos que expliquei com
sinceridade e espontaneidade aos Srs. Deputados. Não vale a pena exagerar
sobre isso. É assim. Não tenho culpa que as questões não tenham sido mais
nobres, porque também não mas puseram assim, embora o meu esforço
fosse sempre no sentido de dignificar as questões.
Agora, quando tenho de concretizar, eu não estou numa quarta
versão do pedido de demissão; estou numa comissão de inquérito, a
concretizar os factos, as circunstâncias. Até aí, fiz abordagens genéricas;
agora, estou a concretizar. É uma coisa completamente diferente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar
Branco.
A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo
mais nenhum esclarecimento. É só para que não fique a ideia de que fiquei
com medo e assustada, por causa da intervenção da Sr.ª Deputada Odete
Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu não meto medo a ninguém!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, parece que sou o último
a intervir. Prometo aos meus colegas que vou ser muito breve. E vou fazer
uma intervenção um pouco heterodoxa relativamente àquilo que é habitual
nesta Comissão. Talvez pela circunstância de eu não ser licenciado em
Direito, não ser advogado (a maior parte dos meus colegas aqui são-no),
devo dizer que, apesar de já estar há alguns anos na Assembleia da
República e de já ter participado em várias comissões de inquérito, é
sempre com um grande esforço pessoal que acompanho a evolução das
comissões de inquérito. É que custa-me muito ver - é capaz de ser mesmo
assim - a forma como, às vezes, são feitos os interrogatórios às pessoas que
aqui vêm aqui. E custa-me muito, porque pode perspectivar-se um pouco a
ideia de que o objectivo essencial do interrogatório não é saber a verdade.
Ora, acho que esse objectivo, o de sabermos a verdade, é o objectivo
essencial.
E, desse ponto de vista, penso que - até para referir duas ou três
observações que aqui foram feitas por outros colegas - a Comissão de
Inquérito tem plena justificação. Se nós pensarmos bem (e houve aqui
alguns colegas que disseram que não são responsáveis pela Comissão de
Inquérito, o que, aliás, é rigorosamente verdade), chegamos à conclusão
(pelo menos, é a minha opinião) de que não seria possível à Assembleia da
República, concretamente, aos Deputados da 1.ª Comissão, depois de
ouvirem os depoimentos que aí ouviram, fazerem de conta que nada tinha
acontecido. Por isso, penso que a Comissão de Inquérito tem plena
justificação. Aliás, a presença aqui da Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta e do
Sr. Magistrado Pedro Cunha Lopes demonstra, de uma forma cabal, a
importância e a justificação da própria Comissão de Inquérito.
E, pela minha parte, depois de ter assistido na 1.ª Comissão (porque,
agora, não sou membro efectivo da 1.ª Comissão) a todas as audições aí
feitas sobre esta matéria, saio daqui hoje muito mais enriquecido do que
estava no sentido de saber a verdade.
Gostaria ainda de sublinhar - e perdoem-me esta minha observação -
a dignidade com que o Sr. Magistrado Pedro Cunha Lopes e a Sr.ª
Procuradora-Geral Adjunta encararam a sua presença nesta Comissão de
Inquérito. É que é evidente que há uma evolução, uma precisão, um
complemento e uma clarificação, na Comissão de Inquérito, que não foram
feitos no âmbito da 1.ª Comissão. Portanto, para nós podermos saber a
verdade, penso que isto tem toda a justificação.
Gostaria ainda de dizer o seguinte: não sei o que é que vai sair da
Comissão de Inquérito, nem sei o que, hoje, irá ainda dizer-se na Comissão
de Inquérito, mas ainda não ouvi aqui ninguém - nenhum Sr. Deputado e
nenhuma das pessoas que aqui vieram depor - que não tivesse a
preocupação de defender a instituição Polícia Judiciária. Este é um aspecto
que gostaria de sublinhar.
Depois destas considerações, pelas quais peço desculpa porque se
calhar são desajustadas, gostaria de fazer uma pergunta à Sr.ª Procuradora-
Geral Adjunta, pergunta essa que, provavelmente, já foi respondida em
parte relativamente a outras questões e que tem a ver com o seguinte: um
dos aspectos mais importantes - eventualmente o mais importante, do meu
ponto de vista - que está subjacente a todo este problema é o que consta do
requerimento de pedido de inquérito do Partido Socialista, assim como de
outros partidos que propuseram esta Comissão de Inquérito, e que está
contido no ponto 2, alínea b), onde se diz que o inquérito tem por objecto,
designadamente, «o integral esclarecimento e a apreciação política dos
actos da responsabilidade do Governo no que respeita à estratégia e às
orientações do Governo no âmbito do combate ao crime económico,
financeiro e fiscal, bem como ao modo como vem exercendo as suas
competências funcionais neste domínio».
E, sobre esta matéria, poderei deduzir que a Sr.ª Procuradora-Geral
Adjunta já disse algumas coisas com interesse. No entanto, eu permitia-me,
nesta fase final, e não querendo que a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta se
mace muito depois de todas estas horas, pedir-lhe que elencasse (se é que
tem condições para o fazer) os aspectos relevantes daquilo que se
pressupõe ser uma nova estratégia de combate ao crime económico,
financeiro e fiscal, relativamente àquela que vinha sendo seguida. Este
aspecto parece-me muito importante. Está a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta
em condições de enunciar os elementos essenciais, que, do seu ponto de
vista, considera poderem ser negativos ou positivos, daquilo que se
pressupõe ser uma nova estratégia, relativamente à anterior, no combate ao
crime económico, financeiro e fiscal? Ficar-lhe-ia agradecido, se o fizesse.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras iniciais da oradora.) … orientadoras
no combate ao crime económico estão todas, não de forma perfeita porque
não havia tempo para isso, no relatório da DCICCEF de 2001. Se o Sr.
Director Nacional entender entregá-lo… Eu entreguei aqui uma parte que
diz respeito aos grupos da criminalidade económica, financeira e fiscal.
Mas estão lá; basta tirar. O que tem o relatório que não se possa divulgar
publicamente? Matrículas da frota automóvel e nomes de pessoas. Mas isso
apaga-se, porque o relatório está no computador e tiram-se essas partes.
Não é por pessoalizar nem é por individualismo da minha parte mas
eu conheço o trabalho que estava a fazer e não conheço nenhum programa
de estratégia de combate ao crime económico ao Sr. Director Nacional,
nem lendo as actas da 1.ª Comissão.
A estratégia que os investigadores defendiam na DCICCEF para o
combate ao crime económico tinha a ver com três linhas fundamentais, que
era a distinção entre a prevenção, a investigação criminal e o apoio à
investigação criminal.
A prevenção dedicar-se-ia à recolha, análise e tratamento da
informação. Recolha, análise e tratamento da informação ao nível
institucional, através das bases de dados - havia uma cultura de dados na
DCICCEF e necessidades dessa matéria - mas também com ligações à
informação recolhida no terreno, a chamada «informação especulativa»,
aquela que é pró-activa, que é a policial propriamente dita.
Essa secção de prevenção teria como estruturas fundamentais uma
estrutura de análise, de recolha de informação a nível nacional, de
centralização da informação da corrupção, da fraude internacional e do
crime informático, bases de dados dessa matéria, nomeadamente uma que
estava em perspectiva que era a base de dados sobre pedofilia na Internet,
base de dados de contrafacção de cartões e uma outra base de dados, já com
o Banco Europeu, que dizia respeito à contrafacção de moeda, bases de
dados das espécies contrafeitas apreendidas, que era a mais desenvolvida e
a mais perfeita no trabalho da DCICCEF, uma vez que a DCICCEF da
Polícia Judiciária é a entidade nacional competente para a recolha de
informação e a classificação das espécies, em termos de contrafacção da
moeda e de cartões.
Além disso, havia a secção de análise. A análise da moeda estava
desenvolvida; a análise das fraude financeira, incluindo contrabando
organizado e corrupção, não estava desenvolvida por falta de meios e era
incipiente. Procurava-se fazer uma análise ao nível da corrupção nas
autarquias, nas finanças e na saúde e, na fraude financeira internacional, ao
nível de empresas e grande crime implicado na fraude aos IEC, na fraude
ao IVA e na fraude IVA «em carrossel». Principalmente, era essa a nossa
preocupação.
Ainda na secção de prevenção, foi criada uma estrutura de
vigilâncias centralizadas – as vigilâncias da DCICCEF – para recolha de
informação especulativa no terreno e recolha de meios de prova e produção
de prova, em articulação com a investigação no sentido de identificar os
autores do crime e o modus operandi.
Ainda sem falar das secções de investigação criminal, passo ao apoio
à investigação criminal.
O apoio à investigação criminal tinha duas vertentes preciosas.
Por um lado, a vertente contabilística, financeira, de análise
documental, que incumbia ao Departamento de Perícia Financeira e
Contabilística. O Departamento de Perícia Financeira e Contabilística
acompanhava as buscas, durante as quais recolhia toda a documentação, e
fazia logo um relatório preliminar sobre as buscas para evitar aqueles
grandes relatórios que, depois, os magistrados não dominam e ninguém
percebe, ou seja, ia fazendo pequenos relatórios ao longo da investigação
para dar mobilidade e capacidade à mesma.
Por outro lado, havia um outro departamento, o núcleo de perícia
informática, que tinha a ver com a recolha e conservação da prova em meio
informático e digital – porque, aí, há uma característica preocupante que é a
volatilidade dos meios de prova –, a utilização da Internet e dos
computadores, na prática, toda esta criminalidade. Não se podia falar em
crime financeiro, em fraude, em corrupção que não se falasse em não sei
quantos CPU apreendidos e, portanto, também tínhamos de ter meios de
extrair da memória dos computadores os elementos de prova necessários à
prova das responsabilidades e da prática do crime.
Inclusivamente, foram feitas experiências interessantes na DCICCEF
com um software, o Ncase, que foi comprado à polícia canadiana, cuja
última versão, o Ncase 3, tem a seguinte característica: transpõe e analisa a
memória de um computador, fazendo em uma semana o que um técnico
demoraria três meses a fazer. Aliás, enquanto estive na Polícia Judiciária,
houve fases em que havia computadores ligados há três meses ao Ncase e
que ainda não tinham esgotado a recolha da prova essencial à descoberta da
verdade.
Havia um outro problema em matéria de informática. É que os
próprios meios nunca conseguiam responder aos avanços da criminalidade,
na medida em que, por exemplo, cada inspector da secção de criminalidade
informática tinha computadores com 10 gigabytes de memória e, de
repente, somos confrontados com computadores que têm 30 gigabytes e 60
gigabytes de memória e nem sequer há máquinas para recolher a prova que
está dentro desses computadores.
Portanto, estes são problemas delicados e sérios que têm de ser
considerados conjuntamente numa direcção central desta natureza.
A par disto, existiam as secções de investigação criminal da
corrupção, da fraude internacional, do contrabando organizado, da
contrafacção de moeda e de meios de pagamento electrónicos que não em
dinheiro e da criminalidade informática.
O esforço que existia era para conseguir uma investigação integrada
em relação a todas estas secções de investigação criminal no sentido de se
dominarem as tipologias do crime económico.
Ao fim de um ano e meio, ficámos com um diagnóstico dessas
tipologias que, como já disse, nos permitiram concluir que o contrabando
organizado passava pelas rotas do tráfego de droga, que a fraude nos
cartões e nos meios de pagamento que não em dinheiro passava pelas rotas
das máfias de Leste e, inclusive, das máfias do Oriente, que todas estas
modalidades tinham representação na fraude ao IVA e aos IEC, que, no
domínio da fraude aos IEC, havia empresas-ecrã que eram tituladas por
vadios, por testas-de-ferro que simulavam transacções intracomunitárias
com facturas fictícias em cascata e, depois, quando as finanças iam ao
local, não encontravam nada nem ninguém; nada existia e o Estado e a
sociedade são lesados em milhões e milhões de euros.
No que diz respeito à fraude ao IVA, o mesmo sistema, em carrossel,
de empresas-ecrã que simulam transacções intracomunitárias para produzir
reembolsos indevidos na ordem de milhões de contos. Uma das últimas
fraudes cujo inquérito deu entrada respeitava a 7 ou 8 milhões de IVA em
dívida ao longo de dois anos. Havia uma fraude ao IVA em que estavam
implicados dois presidentes de conselhos de administração.
Portanto, tudo isto nos levava a pensar que tínhamos de ter meios em
acção que envolvessem a cooperação institucional interna com as restantes
polícias nas restantes direcções centrais, com os serviços regionais.
Precisávamos, também, de cooperação com a banca por causa dos
circuitos financeiros e do tracing e do sizing do dinheiro. Fizemos esforços
nesse sentido e sensibilizámos a banca e as instituições financeiras. Quanto
à cooperação com a CMVM, fizemos esforços nesse sentido e tínhamos
cooperação com esta entidade. Havia cooperação com os peritos da
Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, da Inspecção-Geral de
Finanças e das Alfândegas.
Para além disso, como não podia deixar de ser, havia articulação
estreita com os magistrados do Ministério Público. Havia reuniões
periódicas, reuniões semanais com os responsáveis do Ministério Público
pelas secções que tinham incidência na nossa competência material.
Na UCLEFA propusemos grupos de trabalho que pudessem
combater com impacto a evasão e a fraude fiscais, nomeadamente grupos
sobre a criminalidade económica, financeira e fiscal e as novas formas de
criminalidade, sobre o dever de sigilo e o acesso às bases de dados, sobre
protocolos entre a Polícia Judiciária, as alfândegas e a DGCI. Devo dizer
que já existia um protocolo com as alfândegas desde 1997 e não dava
frutos.
Nesses grupos de trabalho, todos dirigidos pela Polícia Judiciária, à
excepção do grupo de trabalho do acesso às bases de dados, procurámos
estabelecer uma cultura de cooperação com salvaguarda do perfil
institucional de cada um dos intervenientes e com cooperação e
especialização, porque só assim é possível atacar, prevenir e combater o
crime organizado.
Ao nível das empreitadas e dos grandes empreendimentos de obras
públicas, fizemos análises de risco. Tínhamos propostas a fazer,
nomeadamente criar uma base de dados de empreiteiros de risco, de
empresas de risco, o que penso que há-de corresponder a orientações da
própria União Europeia nessa matéria.
Fizemos estudos acerca da corrupção nas autarquias e definimos
modus operandi nessa matéria.
Isto era um trabalho que estava em marcha, que vivia da motivação
dos investigadores, do treino dos investigadores, mas vivia da colaboração
de todas as instituições que se encontravam no outro lado, ou seja, fora da
Polícia Judiciária, instituições que, no terreno, estavam implicadas no
combate à fraude.
A minha visão do combate à fraude é, de facto, a de congregar essas
instituições e não a de fazer projectos hegemónicos, esmagadores, para os
outros órgãos de polícia criminal. É que, neste momento, se o projecto de
lei de organização criminal for para a frente com aquela formulação em
relação aos crimes tributários – elaborei uma formulação, que entreguei ao
Dr. Adelino Salvado, que não é exactamente a que foi aceite por ele –,
acontece que há uma sobreposição de competências entre a Polícia
Judiciária e os demais órgãos específicos.
É que a Polícia Judiciária não tem vocação para o combate aos
crimes tributários propriamente ditos. A Polícia Judiciária tem vocação é
para desmantelar grupos organizados no terreno e atacar as cabeças desses
grupos. É nesse momento que a Polícia Judiciária deve intervir, aliada,
consoante os casos, à DGCI, ou à Direcção-Geral das Alfândegas, ou à
Inspecção-Geral da Saúde, em cooperação institucional, desempenhando a
Policia Judiciária o papel, no terreno, de desmantelamento de grupos –
detenção, apreensões, recolha de prova, ataque à cabeça de grupo, àquilo a
que os ingleses chamam os bosses, o que é um problema no crime
internacional organizado –, confisco, detecção e confisco das vantagens do
crime e a utilização dos conhecimentos técnicos e periciais dos outros
órgãos específicos de polícia criminal, nomeadamente no âmbito da DGCI
e das alfândegas.
A experiência irlandesa é no sentido da existência de uma secção
altamente especializada que inclui dos mais qualificados magistrados do
Ministério Público e pessoas com diversas qualificações técnicas e
operacionais – polícias, técnicos, peritos – que actuam com uma finalidade,
o confisco de bens, o confisco de vantagens indevidas do crime. Por
exemplo, no protocolo, nunca ninguém fala em confisco de bens, ignora-se
completamente as directivas da União Europeia nessa matéria.
O que digo é que este não é um tipo de orgânica que dê à Polícia
Judiciária modernidade e capacidade de resposta, mas, sim, pela análise
que é feita por quem tem treino, está no terreno e tem experiência. Essas
pessoas não foram ouvidas. Foram ouvidas outras pessoas que são da
Polícia Judiciária mas que não têm o treino no combate a este tipo de
criminalidade e não perceberam os obstáculos na produção de prova
existentes no crime organizado internacional.
Nada é fácil, tudo é difícil, tudo são dificuldades. Estamos a falar de
um crime-indústria, de um crime altamente sofisticado que transpõe todas
as fronteiras. É um crime que envolve a necessidade de cooperação
internacional.
É muito difícil conseguir explicar isto, a esta hora, mas penso que
consegui dar uma pálida imagem do esforço que estava a ser feito.
Devo dizer que não encontrei esta estratégia naquilo que o Sr.
Director Nacional apresentou à 1.ª Comissão como sendo o seu programa
para a Polícia Judiciária, nem a encontrei lendo as actas.
Confesso que não foi discutido comigo nenhum quadro estratégico.
Não posso dizer que foi. Acreditei que ia haver alterações. Acreditei…
talvez na Secção Central de Vigilâncias, na Secção Central de
Branqueamento… Tudo bem, mas, se são essas as alterações, tenho estas
críticas a fazer.
Devo dizer que não tenho estas críticas a fazer por considerar que
deva ser a Directora Nacional da Polícia Judiciária – como já disse
publicamente, não tenho perfil para isso – ou porque tenha aspirações para
o efeito, é porque estou numa comissão de inquérito e tenho de
fundamentar as minhas posições. É isso que estou a fazer, porque isto é
«preso por ter cão e preso por não ter», ou seja, se não fundamento, é
porque são conversas de café e de corredor, se fundamento, é porque tenho
ambições excessivas.
Sei que, a meu respeito, a boa vontade não é grande, mas, enfim, há
que haver alguma objectividade.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr.ª Dr.ª.
Srs. Deputados, não há mais inscrições.
Antes de agradecer à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado o depoimento que
prestou, quero deixar claro que o prolongamento desta reunião deveu-se ao
que foi o critério definido pela Comissão, e não contestado por ninguém, de
não se coarctar e não se definir nenhum tempo para a prestação de
depoimentos. A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, depoente nesta reunião de
hoje, entendeu, no seu legítimo direito, que tinha muitas coisas para dizer e
disse-as livremente.
Agradeço aos Srs. Deputados terem-se mantido, apesar de tudo com
bastante disciplina e atenção ao longo destas mais de 7 horas de
depoimento da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, e em especial agradeço à Sr.ª
Dr.ª a abertura e a disponibilidade que teve para aguentar esta maratona,
seguramente, pelo menos, com prejuízo da sua tranquilidade física, e já não
falo da outra.
Vou despedir-me da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado e peço aos Srs.
Deputados para aguardarem mais uns minutos, porque temos dois
requerimentos na Mesa que eu gostaria de colocar à consideração da
Comissão.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Muito obrigada e boa noite.
Pausa.
Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, ao longo desta reunião, dois
requerimentos, sendo um subscrito por Srs. Deputados do PS, que
rapidamente passo a ler.
«As declarações produzidas pelo Sr. Dr. Pedro da Cunha Lopes e
pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado vieram justificar e adensar todas as
preocupações que levaram à criação desta Comissão de Inquérito e, pelo
seu significado e gravidade, exigem audição complementar do Sr. ex-
Director da Polícia Judiciária, Dr. Luís Bonina, e do Sr. Procurador-Geral
da República, Dr. Souto Moura.»
O segundo requerimento, subscrito pelo Sr. Deputado Francisco
Louçã, diz o seguinte: «Em função das declarações hoje proferidas pelo Sr.
Dr. Pedro da Cunha Lopes e pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, venho
requerer a audição complementar do Dr. Rui do Carmo, Subdirector do
CEJ (Centro de Estudos Judiciários), além do Dr. Luís Bonina e do
Procurador-Geral da República, Dr. Souto Moura.»
Foi também entregue na Mesa outro requerimento, que vou mandar
distribuir mas que também passo a ler para ganharmos tempo, apresentado
pelo PSD e pelo CDS-PP.
«Tendo em conta o enorme relevo para o apuramento da verdade dos
factos e para a análise dos elementos processuais relativos ao processo de
furto de documentos de identificação do Ministério dos Negócios
Estrangeiros aludido no depoimento do Dr. Pedro da Cunha Lopes, os
Deputados signatários requerem que seja solicitada certidão do processo
em causa à Polícia Judiciária (DCCB).»
Srs. Deputados, ainda que haja qualquer tipo de segredo, isso caberá
à entidade requerida vir ou não alegá-lo perante a Comissão, e esta, depois,
deliberará de acordo com as informações que lhe forem prestadas, em
conformidade com os seus direitos legais.
Coloco estes requerimentos à consideração dos Srs. Deputados,
sendo certo que, para me manter fiel ao critério que referi desde o início
desta Comissão, a menos que todos os Deputados entendam que há
condições de se proceder à votação destes requerimentos – e neste
momento falta a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que teve de se ausentar e que
a meio da tarde me comunicou esse facto –, é meu entendimento que a
votação fique para amanhã. De qualquer maneira, gostaria de ouvir os Srs.
Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, mesmo antes de o
Sr. Presidente ter feito essa alusão, eu ia sugeri-lo, até porque os
requerimentos surgem na sequência de depoimentos que acabámos de
ouvir. Foram muitas horas de trabalho e talvez conviesse reflectir um
pouco sobre os documentos e sobre as próprias propostas e pedidos que nos
são feitos. A ter que votar agora, fá-lo-ia, como é evidente, mas não vejo
nenhum inconveniente, antes pelo contrário, em podermos votar amanhã e
podermos analisar mais detalhadamente os pedidos que são feitos,
cotejando-os, até, com a memória que temos da audição que foi feita.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para lhe
manifestar a nossa anuência em relação à sugestão que formula.
Aliás, era nosso propósito avançar com uma proposta concreta nesse
sentido porque, de facto, não faz sentido neste momento votar esses
requerimentos. Há audições que estão já agendadas para amanhã e o
momento azado para a pronuncia sobre a oportunidade ou não da votação
desses requerimentos deve ter lugar após essas audições.
Daí que, em sintonia com o que o Sr. Presidente adiantou e o
Deputado Telmo Correia sufragou, nós também comunguemos desse ponto
de vista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, damos o nosso acordo a
esta hipótese de trabalho e iremos apresentar mais requerimentos sobre
algumas das matérias que foram agora trazidas ao debate, para
esclarecimento da Comissão de Inquérito.
O Sr. Presidente: - Então, solicitava ao Sr. Deputado Alberto Martins
e a todos os outros Srs. Deputados, para amanhã não virmos de novo a ser
confrontados com uma situação similar, que logo desde o início da reunião
tivessem o cuidado de anunciar e entregar na Mesa, se for possível, esses
requerimentos.
O que eu não queria era que fosse gorada a expectativa que foi
criada, nomeadamente na última reunião, e foi isso que me levou a dizer o
que disse antes de ouvir os Srs. Deputados. A expectativa era a de que as
audições eram estas e que depois de elas terminarem a Comissão
ponderaria sobre a necessidade, ou não, de proceder a novas audições. Daí
eu entender, por exemplo, que a ausência da Sr. Deputada Isabel Castro,
que representa uma força política neste Parlamento, levaria a que, em
sintonia com essa lógica e com a boa fé da Sr.ª Deputada, presumo eu, a
votação não se devia fazer na sua ausência.
Assim, folgo em saber que é esse também o entendimento
generalizado da Comissão e, portanto, fica apenas o meu pedido aos Srs.
Deputados para, caso venha a acontecer que pretendam apresentar mais
requerimentos, como anunciou agora o Sr. Deputado Alberto Martins, que
o tentem fazer logo na parte da manhã, pelo menos, se possível no início da
reunião, a fim de que eu tenha hipótese de comunicar a todos os Srs.
Deputados que porventura não estejam cá nesse momento que existe
determinado tipo de requerimentos e é vontade da Comissão, no final das
audições, proceder à respectiva votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é apenas para uma nota
indicativa. Estando de acordo com isso, evidentemente que alguns
requerimentos serão suscitados pelo próprio desenrolar dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Obviamente que percebo essa circunstância.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é no sentido de dizer
que, concordando com tudo o que foi dito, há determinado tipo de
requerimentos relativamente aos quais preferimos aguardar pelo
depoimento do Sr. Desembargador Adelino Salvado e, portanto, fica desde
já ressalvado o direito de, na sequência desse depoimento, podermos
requerer alguma coisa.
O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a reunião, diria apenas, em jeito
de síntese, que face ao que acabou de ser dito pelos Srs. Deputados, eu
próprio tomarei iniciativa de amanhã, no início da reunião, avisar todos os
Srs. Deputados. É evidente que os presentes já estão avisados e entendo-o
como tal. Parece-me que se trata apenas da Sr.ª Deputada Isabel Castro,
mas amanhã terei o cuidado de lhe comunicar que há vários requerimentos
que serão colocados à discussão e votação no final da audição da tarde de
amanhã e assim penso que todos ficarão de sobreaviso.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, tenho apenas uma
dúvida e pedia a sua atenção. Se a Comissão entender que há audições a
fazer, pela natureza dos depoimentos que forem trazidos aqui, deveria
ponderar-se se esses depoimentos não deveriam ser feitos antes da vinda da
Sr.ª Ministra da Justiça. Evidentemente que ela pode vir cá mais do que
uma vez, mas creio que essa hipótese seria ponderável. Porém, o Sr.
Presidente verá e porá essa questão à Comissão amanhã, se o entender.
O Sr. Presidente: - Amanhã, no início da reunião, posso perguntar a
opinião dos Srs. Deputados, mas chamo a atenção de que há declarações
que ninguém ignora de vários Srs. Deputados, e eu também não posso
ignorar até indicação em contrário. Foram os Srs. Deputados que marcaram
as audições que temos em curso que declararam que, relativamente a outro
tipo de audições, só após estas é que ponderariam a sua aceitação ou não.
De qualquer maneira, tomei boa nota da sua questão e da mesma
maneira que amanhã de manhã não deixarei de dar indicação à Sr.ª
Deputada Isabel Castro, imediatamente distribuirei à Comissão todos os
requerimentos que deram entrada, permitindo-me ainda colocar à
ponderação da Comissão se existe ou não assentimento generalizado para
que, porventura, possa haver a votação de um requerimento no final da