comida de santo em caicÓ: resistÊncia e …

30
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CAMPUS DE CAICÓ DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA ANDRÉ VICENTE E SILVA COMIDA DE SANTO EM CAICÓ: RESISTÊNCIA E REPRESENTAÇÃO DO SAGRADO PELA CULINÁRIA CAICÓ 2016

Upload: others

Post on 05-Nov-2021

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES

ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

ANDRÉ VICENTE E SILVA

COMIDA DE SANTO EM CAICÓ:

RESISTÊNCIA E REPRESENTAÇÃO DO SAGRADO PELA CULINÁRIA

CAICÓ

2016

ANDRÉ VICENTE E SILVA

COMIDA DE SANTO EM CAICÓ:

RESISTÊNCIA E REPRESENTAÇÃO DO SAGRADO PELA CULINÁRIA

Trabalho de Conclusão de Curso, na

modalidade Artigo, apresentado ao Curso de

Especialização em História e Cultura Africana

e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Centro de Ensino

Superior do Seridó, Campus de Caicó,

Departamento de História, como requisito

parcial para obtenção do grau de Especialista,

sob orientação da Profª. Dra. Idalina Maria

Almeida de Freitas.

CAICÓ

2016

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 4

2 PANTEÃO AFRICANO ......................................................................................................... 8

3 AS TANTAS NUANCES DA RELIGIOSIDADE DO POVO DE SANTO ........................ 12

4 REVENDO AS TRADIÇÕES .............................................................................................. 16

5 ADENTRANDO AS COZINHAS ........................................................................................ 18

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 23

FONTES ................................................................................................................................... 26

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 27

COMIDA DE SANTO EM CAICÓ:

RESISTÊNCIA E REPRESENTAÇÃO DO SAGRADO PELA CULINÁRIA

ANDRÉ VICENTE E SILVA*

Drª. IDALINA MARIA ALMEIDA DE FREITAS**

RESUMO

Esse trabalho tem por objetivo fazer um recorte sobre a relação da alimentação com as

divindades, os adeptos, os sentidos e as práticas de quem vivencia as religiões de matriz africana

de maneira direta ou não. Para a construção da pesquisa foram utilizados os métodos da História

Oral, tendo em vista que as entrevistas constituem a fonte principal deste trabalho. Esses

registros reúnem informações de diversos níveis de especificidade, tais como a mitologia sobre

os Orixás e entidades, além da presença da comida nessas histórias; norteiam os rituais de

sacrifícios e oferendas, o cotidiano do Povo de Santo e sua rotina alimentar, tanto em dias

comuns, quanto durante as festividades. Conclui-se, que embora se perceba uma variação

presente na reprodução das histórias, quando tratam de um tema mítico semelhante ou na forma

de vivenciar sua alimentação votiva, o mais importante é que a essência desta tradição se

reinventa e, desta constatação, é que apesar da mudança da narrativa ou da feitura, isso não lhes

retira o caráter de verdade e a aceitação diante de quem os conta, de quem os ritualiza, fazendo

permanecer os sentidos e significados que se buscam aqui discutir.

PALAVRAS-CHAVE

Religião afro-brasileira. Candomblé. Umbanda. Comida de santo. Orixá.

_________________________________________________________

* Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal do

Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó, Departamento de

História (DHC). Graduado em História pela UFRN, CERES, Campus de Caicó. Professor da Rede Municipal de

Ensino, na Escola Municipal Irmã Assunta Viera Estadual (Caicó-RN), onde ministra a disciplina de Filosofia e

História. E-mail: [email protected].

**Professora do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected].

4

“O candomblé nasce numa cozinha. [...] A

culinária é muito forte, a própria energia de cozinhar! O orixá acredita que

no que você cozinha, você puxa todas as a energia do alimento. Você apura

a energia.

(Pai Bal de Oxalá)

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho versa sobre Comida de Santo, a representação e a resistência por meio da

culinária. Lança um olhar sobre a alimentação e o sagrado, o mito, o rito, e tradições das

religiões de matriz africana, provocando a análise sobre a problemática de como os alimentos

sublimam-se a partir da interação com entidades invisíveis, alcançando patamares divinais.

O propósito de pesquisar a culinária nas religiões afro-brasileiras se deu por razões

diversas. Inicialmente, a curiosidade e vontade do pesquisador em ter noções mais elaboradas

de práticas tão comuns no Brasil. Também conhecer a relação de Caicó com as crenças de

matriz africana, uma vez que o município demonstra pouca influência da cultura africana, que

de certa maneira são invisibilizados sobre o pretexto de que o Seridó é uma região de

população branca, considerando seu histórico de colonização segundo escreveu Femenick.

Segundo o autor, a colonização da região foi consolidada no final do século XVIII, após a

chamada Guerra dos Bárbaros, que se deu pela investida dos europeus contra a resistência dos

índios Cariris e à ocupação de suas terras. Às investidas foram dadas inicialmente pelos

portugueses, depois pelos holandeses e outra vez pelos portugueses. Após vencerem os

nativos, ocorreu a ocupação do Seridó pelos povoadores de origem portuguesa, oriundos de

Pernambuco (Goiana e Iguarassu) e da Paraíba.

Embora exista expressiva reminiscência da cultura afro-brasileira no Seridó, como no

caso da Irmandade dos Negros do Rosário, deve-se de certa forma sua sobrevivência ao fato

de estar atrelada ao catolicismo. Embora a primeira vista se tenha impressões que o município

de Caicó seja predominantemente católica, sua vivência religiosa é mesclada por influências

de outras religiões além de fortes, marcantes e exuberantes expressões da Umbanda e as

práticas ligadas à Jurema, fenômeno comum a todo norte e nordeste brasileiro, mais que as

práticas candomblecistas que tem maior expressividade na Região Sul, na Bahia e Rio de

Janeiro. Embora no município de Caicó existam casas que afirmam praticar o Candomblé nas

suas nações, como no caso do Templo Candomblecista Ilê Axé Nagô Oxaguian, onde se

reconhece a nação, expressa no próprio nome.

5

Inúmeras são as histórias e versões sobre a vida e os feitos das divindades africanas e

diversas outras entidades que habitam regiões espirituais. Alguns desses mitos apontam a

comida como um instrumento importante dessa dinâmica que perpassa vários momentos nas

relações de homens e deuses, no caso das primeiras, muitas delas reunidas por Prandi (2001),

cuja pesquisa versa sobre a dinâmica da vida dessas divindades. Várias de suas narrações

registram os momentos em que o alimento aparece pontuando situações diversas de suas

epopeias.

Escreve Prandi em Mitologia dos Orixás, que era aniversário de Iemanjá e os Orixás

não sabiam o que lhe dar de presente, mas o pobre Exu foi rápido em pensar o que agradaria a

senhora do mar, e como não tivesse recursos para oferecer-lhe algo precioso foi direto ao que

lhe agradava o paladar, já que conhecia o imenso gosto da aniversariante por inhames. Assim

preparou uma plantação de inhame só para ela. Percebe-se a partir daí a atuação que o

alimento exerce na construção dos arquétipos dos deuses que tanto se reflete nos humanos,

seja nas suas contendas diárias, nos seus nascimentos, nos seus casamentos ou nas suas

celebrações mortuárias que são ritualizados e repassados por meio de uma tradição oral, ou de

memória.

Será apresentado um recorte acerca da comida votiva das religiões de matriz africana

praticadas no Seridó, tendo como delimitação geográfica a cidade de Caicó/RN. A busca pela

compreensão da tradição mitológica mantida geração a geração e repassada pela oralidade dos

que comungam do Candomblé, da Umbanda e de suas correntes, nas chamadas Casas de

Santo, Barracões, Ilês ou Terreiros que são espaços de práticas litúrgicas e fundamentos,

onde se vivenciam as expressões incorporadas pelos povos africanos através da diáspora.

Para a construção da pesquisa foram utilizados os métodos da História Oral, tendo

em vista que as entrevistas constituem a fonte principal deste trabalho. Conforme nos diz

Alberti.

A metodologia de história oral é bastante adequada para o estudo de

memórias, isto é, de representações do passado. Estudar essa história é

estudar o trabalho de constituição e formalização das memórias,

continuamente negociadas. A constituição da memória é importante porque

está atrelada à construção da identidade. Como assinala Michael Pollak, a

memória resiste à alteridade e à mudança e é essencial na percepção de si e

dos outros. Ela é resultado de um trabalho de organização e de seleção

daquilo que é importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de

coerência – isso é, de identidade. E porque a memória é mutante, é possível

falar de uma história das memórias de pessoas ou grupos, passível de ser

estudada através de entrevistas de história oral. (Alberti, 2004, p. 27).

Grande parte dos dados foi coletada por meio de entrevistas buscando compreender a

6

dinâmica, por meio das memórias dos seus praticantes, por sua vez também narradores, já que

tais exposições são fontes importantes para elucidar práticas que se busca conhecer nesta

pesquisa.

“Nesse sentido, o gosto alimentar é determinado não apenas pelas

contingências ambientais e econômicas, mas também pelas mentalidades,

pelos ritos, pelo valor das mensagens que se trocam quando se consome um

alimento em companhia, pelos valores éticos e religiosos […]” (SANTOS,

1997, p. 162).

E partindo da exposição de quem pratica as religiões de matriz africana, é possível

conhecer e analisar usos e costumes dessas doutrinas, descortinando sua vivência e seus

mistérios através dos seus adeptos.

Com a chegada do século XX advêm as mudanças na forma de se conduzir o estudo da

História e a mesma passa por transformações, principalmente no que se refere às fontes e aos

métodos de pesquisa. Com a renovação trazida pela École des Annales, o campo da pesquisa

se amplia consideravelmente já que se abrem estudos que abordam as atividades humanas até

então não consideradas importantes e assim pouco investigadas pela ciência historiográfica.

Desse modo o grupo dos Annales rompe com a divisão das ciências humanas buscando

valorização de novos tipos de fontes o que levou a uma ampliação dos objetos de análise, dos

métodos e a toda uma mudança de paradigma em relação à pesquisa histórica.

Não que história oral provenha diretamente da École des Annales, mas surge a partir

dessa discussão iniciada na França. Segundo Jourtard, a História Oral começa a ser pensada

na década de 1950, nos Estados Unidos e que se espalhou com rapidez para diversos centros

de pesquisas do mundo. Inicialmente, com o intuito de obter-se um arquivo de entrevistas

para a posteridade o que acabaria por permitir explorações nunca antes estudadas como a

história de grupos sem documentações oficiais e marginalizadas (JOURTARD, 2005, p. 45).

Assim passando por um tempo a ser reconhecida como um modo de dar voz e vez a quem não

a tinha, posteriormente passou a ser ferramenta de pesquisa, embora não seja a pesquisa oral a

própria história e sim mais uma alternativa na busca de registrá-la. O trabalho com a história

oral consiste na gravação de entrevistas de caráter histórico e documental com atores e/ou

testemunhas de acontecimentos, conjunturas, atividades, movimentos, instituições e modos de

vida da história contemporânea. Um de seus principais alicerces é a narrativa.

Para tratar da estética alimentar, do preparo, da relação comida, religião e sociedade

foi necessário inicialmente localizar entre outros recursos a serem desenvolvidos uma

metodologia que pudesse ser aplicada e atender o desenvolvimento desse estudo, já que entre

7

outros suportes a pesquisa oral dialoga diretamente com vários tipos de objeto, e embora

tenha outros elementos documentais, este procedimento contribui para o registro e a

exposição de toda a subjetividade que se apresenta.

8

2 PANTEÃO AFRICANO

O Candomblé é uma religião afro-brasileira, com sua origem na África. Nesta religião

são cultuados os “Orixás”, divindades que correspondem à força da natureza e os seus

arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. Chegando ao Brasil, juntamente

com os povos africanos escravizados, que de acordo com o processo de adaptação a nova

terra, era preciso reinventar-se. Contudo só algumas dessas divindades se sobressaíram,

muitas não se tornaram conhecidas e entre estas, dezesseis são mais difundidas e

reverenciadas, são elas, Nanã Buruquê, Omolú, Oxumaré, Oxalá, Exu, Ogum, Oxossi,

Yemanjá, Iansã, Oxum, Obá, Xangô, Legum Edé, Ossaim, Ibeji, Irôko, variando de acordo

com o estado brasileiro onde podem ser conhecidos com outros nomes. Cada culto tem sua

singularidade, sejam nas roupas, toques ou na preparação dos alimentos, sendo este último um

dos fundamentos africanistas. Essas diferenças também ocorrem nas explicações da origem

das divindades, segundo o exposto por Torres e Tancredo (1957, p.13).

A concepção da origem dos orixás não é a mesma em todos os cultos de

Umbanda. Assim, por exemplo, para os Yorubas, ou nagôs, o culto dos

orixás ou bacuros não é exatamente o das forças da natureza. Pensam êles

que a maioria dos orixás era, em sua origem, sêres humanos privilegiados

que possuíam poderes sôbre as forças da natureza e que, ao invés de morrer,

se transformaram em pedras, rios, árvores ou lagoas. Daí a grande

quantidade de lendas nagôs sôbre a vida humana dos orixás, à semelhança

das figuras da mitologia grega e romana. Os orixás deixaram descendentes

diretos, os quais, segundo Pierre Verger, continuam o culto dos seus

antepassados divinizados. Nota-se, entretanto, que a tese nagô de sêres

privilegiados, porém, humanos, que controlavam as fôrças da natureza,

concorda singularmente com a teoria filosófica da existência anterior de

homens que dispunham de domínio sobre os elementos naturais. É a hipótese

da decadência da humanidade atual, que sucedeu a outra incomparàvelmente

mais forte sob o ponto de vista espiritual. Roger Bastide interroga: “Em que

medida êsses antigos reis e feiticeiros divinizados viveram e existiram, ou

são a projeção, no passado, de simples imagens estabelecidas pela religião?

Diversas são as teses que buscam estabelecer a origem das divindades africanas, em

todas elas encontra-se a semelhança dos seres encantados com os mortais, seja no orum

(região celeste), ou seja, no aiê (mundo terreno). Embora a Umbanda tenha incorporado os

deuses africanos em sua religião aderindo a diversos ritos do Candomblé, neste último

diferentemente da Umbanda, não há mesclas híbridas como nos informa Pai Léo de Xangô.

[...] no Candomblé puro não existe a jurema, no candomblé puro não existe a

9

Quimbanda, no Candomblé não existe Umbanda. Candomblé trabalha só

com os orixás, com a força da natureza ou seja Iansã, Yoiá. Yoiá é o orixá do

vento, Oxossi é o Orixá das folhas, das matas, das florestas. Oxum é o Orixá

da cachoeira das águas doces, Iemanjá dos mares. Nanã, Nanã Buruquê dos

pântanos, Ogum-Edé é filho de Oxum com Oxossi cuida também da mata e

dos rios. O que é o Candomblé? São Orixás, força da natureza. Já

Quimbanda é a mistura da Pajelância dos índios com os escravos.*

As religiões de Santo são religiões de trocas entre seres humanos e seres divinos.

Cada Orixá preside sobre um elemento da natureza, fogo, água, terra e ar, estando o comando

de acordo com a característica de sua natureza. IANSÃ domina sobre a tempestade e o fogo,

manifestando sua vocação de guerreira e poder de rainha através dos raios, das ventanias.

OXUM, bela e sensual é a rainha das águas doces, dos rios e cachoeiras. Os orixás têm suas

apresentações cheias de simbolismos, cores, saudações, cantigas, ambientes, horários e

“comidas”. De acordo com Alves, um bom exemplo é, NANÃ BURUQUÊ mãe de Omolú, a

mais velha das divindades das águas. Sincretizada como Santa Ana, gosta de Caruru sem

azeite, porém bem temperada. Temperamento ranzinza, dança honrosamente, levando EBIRI

na mão. Saúda-se gritando SALÚBA.

Seus adeptos dançam com a dignidade que convém a uma senhora idosa e

respeitável. Seus movimentos lembram um andar lento e penoso, apoiado

num bastão imaginário que os dançarinos, curvados para a frente, parecem

puxar para si. [...] Fazem-lhe sacrifícios de cabras e galinhas-d’angola, sem

utilizar facas, e oferecer-lhe pratos preparados com quiabos, sem azeite, mas

bem temperados. [...] É considerada a mais antiga divindade das águas, não

das ondas turbulentas do mar, como Iemanjá, ou das águas calmas dos rios,

domínio de Oxum, mas das águas paradas dos lagos e lamacentas dos

pântanos. (Alves, 1978. Caderno 2, p.6).

Assim sendo, todos os demais Orixás cultuados são compreendidos e tratados da

mesma forma, além de suas preferências existem os alimentos que lhes desagradam e isto

impede a sua oferenda e restringe o seu consumo. Um integrante do Candomblé, por exemplo,

tem sua alimentação diferenciada de acordo com o período da vida religiosa que está

vivenciando e o Orixá de quem é filho, o que determina coisas que ele não pode comer. E na

obrigação prestada por cada filho seu está à representação da posição e até mesmo da

hierarquia de cada orixá. Cada adepto, iniciado ou pai de santo, deve ter estes preceitos confirmados

e seguidos dentro de suas casas ou terreiros. Embora num mesmo templo pratique-se mais de um tipo

de culto como pode confirmar o Sr. Aderbal dos Santos, conhecido por Pai Bal de Oxalá. Da

mesma forma do Sr. José Eliel de Souza ou Pai Léo de Xangô do Ilê Axé Obá Tobi Inã que

envolve Umbanda, Candomblé e cultos ameríndios de Jurema. Além destas, encontra-se

outras variações, como diz o zelador de santo Pai Nino de Oiá:

10

Somos Nagô com Ketu. Tem uma mistura da Umbanda, que eu não deixo

nunca a minha Umbanda, mas a ramificação é Nagô com Ketu. As coisas

foram evoluindo aí a Umbanda está ficando muito para trás, o Candomblé

está acima um pouco, o Jejo, o Nagô [...] mas eu sou da raiz e quero morrer

na Jurema, no Santo, muito axé e muita luz!1

Em conversas informais e preparatórias para início da pesquisa foram visitados

templos, tanto de Umbanda quanto de Candomblé e ramificações Nagô com Ketu, também

casas onde essas religiões se misturam como é o caso das duas anteriormente citadas,

notando-se que se estabelecem algumas semelhanças entre elas, principalmente, no tocante ao

culto a Jurema como explica Pai Léo:

[...] eu sou do Candomblé e também tenho o culto da Jurema. O candomblé

puro não tem Jurema. Mas porque quando eu entrei no candomblé eu já fazia

parte da Jurema, mas todo sábado a gente dá um toque. É obrigação dos

filhos todo sábado vir limpar o quarto da Jurema, limpar os assentamentos,

carregar com azeite de dendê, com mel. Então todo sábado funciona os

nossos toques de Jurema na casa e uma vez no mês a gente dá o xirê, só para

o Orixá em Candomblé, que é separado da Jurema, né?2

E reafirma o Pai Bal:

O Candomblé é uns seguimentos puramente africano, culto ao Orixá, é a

força da natureza, uma energia uma divindade. A Umbanda é uma religião

brasileira fundada na base católica e espírita kardecista! A minha casa é

Candomblé com ramificação de nagô, eu sou da raiz de nagô e cultuo

pajelança um seguimento de índio, que se chama Jurema. E nesse

seguimento nós cultuamos dentro da Jurema espíritos, como já vem dizendo

são pessoas que já morreram, mas que vem para prestar a caridade para

ajudar.3

Embora possa causar estranheza para alguns, tratar de comida relacionado a figuras

sacrossantas é necessário compreender a alimentação como elemento constante nos ritos de

fé. Nas religiões que são perpetuadas pela oralidade, vê-se a alimentação atuando no âmbito

de seus cerimoniais ou das simbologias de ordem transcendentais. Seja no ato de comer ou de

abster-se, o processo alimentar liga inicialmente o indivíduo ao seu próprio organismo no

momento que o satisfaz naquilo que lhe é indispensável, no caso a nutrição.

A comida também é um caminho no processo de sociabilidade, que liga as pessoas

1 Trecho da fala do Pai de Santo José Gabriel dos Gomes, conhecido como Pai Nino de Oiá. 2Parte da entrevista concedida pelo Ebami José Eliel de Souza, conhecido como Pai Léo. Mantendo-se assim

resquícios da oralidade. *Trecho de entrevista concedida pelo Sacerdote Aderbal dos Santos, conhecido por Pai Bal. A transcrição

manteve os traços originais da oralidade.

11

umas às outras desde a concepção, nos chás de panela ou de papeiro, quando é amamentado

pela mãe, seguindo nas merendas escolares, nas comemorações ou almoços em família ou de

negócio e os jantares românticos. Fora isso é criado um liame entre homens e divindades e

nesse é exigido uma série de cuidados e compromissos. Conforme Dória.

Enormes eram – e são – os preceitos e interdições que envolvem essa

culinária [de santo]. Se dividir alimentos com os deuses é trazê-los para

nossa vida através da mesa, por outro lado é preciso observar os tabus

alimentares de cada um. Azeite de dendê nunca se oferece a Oxalá, assim

como mel é vedado para Oxóssi e o carneiro não pode entrar nos espaços

dedicados a Iansã. Os filhos de santo estão socialmente obrigados a

expressar as mesmas aversões dos seus Orixás. (Dória, 2006. p. 220).

E tendo as religiões de Santo uma dieta bastante vigorosa e variada, seja nos aromas e

sabores que lhe são peculiares, quanto no aspecto e na abundância encontrou-se um eixo para

focar o vinco cultural e a presença de um grupo étnico que se manteve resistindo a toda

tentativa de invisibilidade, contribuindo com um legado de uma profusão de signos e

subjetividade, criando uma estética de culto peculiarmente brasileira e concomitantemente

apetitosa e mística.

12

3 AS TANTAS NUANCES DA RELIGIOSIDADE DO POVO DE SANTO

No objetivo de conhecer a mística das doutrinas Candomblecistas, Umbandista, foi

usada como metodologia a leitura bibliográfica para o esclarecimento a respeito dos

arquétipos, que povoam as religiões de matriz africana na perspectiva de conhecer e entender

a vivência das mesmas e seu diálogo com a sociedade que integra. Esbarra-se num panteão de

deuses repletos de características humanas, mas sempre comandando os acontecimentos,

como apresenta Prandi (2001, p.257-258).

[...] Em épocas remotas, havia um homem a quem Olorum e Exu ensinaram

todos os segredos do mundo, para que pudesse fazer o bem e o mal, como

bem entendesse. Os deuses que governavam o mundo, Obatalá, Xangô e Ifá,

determinaram que, por ter se tornado feiticeiro tão poderoso, o homem

deveria oferecer uma grande festa para os deuses, mas eles estavam fartos de

comer comida crua e fria. Queriam coisa diferente: comida quente, comida

cozida. Mas naquele tempo nenhum homem sabia fazer fogo e muito menos

cozinhar. Reconhecendo a própria incapacidade de satisfazer os deuses, o

homem foi até a encruzilhada e pediu a ajuda a Exu. Esperou três dias e três

noites sem nenhum sinal, até que ouviu uns estalos na mata. Eram as árvores

que pareciam estar rindo dele, esfregando seus galhos umas contra as outras.

Ele não gostou nada dessa brincadeira e invocou Xangô, que o ajudou

lançando uma chuva de raios sobre as árvores. Alguns galhos incendiados

foram decepados e lançados no chão, onde queimaram até restarem só as

brasas. O homem apanhou algumas brasas e as cobriu de gravetos e abafou

tudo colocando terra por cima. Algum tempo depois, ao descobrir o

montinho, o homem viu pequenas lascas pretas. Era o carvão. O homem

dispôs os pedaços de carvão entre pedras e os acendeu com a brasa que

restara. Depois soprou até ver flamejar o fogo e no fogo cozinhou os

alimentos. Assim, inspirado e protegido por Xangô, o homem inventou o

fogão e pode satisfazer as ordens dos três grandes orixás. Os orixás comeram

comidas cozidas e gostaram muito. E permitiram ao homem comer delas

também [...]

Vários estudiosos pesquisaram e continuam a discorrer sobre a alimentação. Não só no

campo da História vem se desdobrando essas abordagens, mas em várias ciências, como

podemos constatar na antropologia, onde Claude Lévi-Strauss nos apresenta obras como "O

Cru e o Cozido" ou mesmo Gilberto Freyre em sua antropologia da alimentação, focalizando

para o passado colonial e trazendo em “Casa Grande Senzala” o tema da culinária, da

gastronomia e da nutrição como processos formadores de paradigmas de raça, identidade e

modernidade. Brillat-Savarin apresenta o livro – A Fisiologia do Gosto – para mostrar ao

leitor a relação do ser humano com o alimento, além de discorrer sobre o próprio alimento,

sua origem e a forma de prepará-lo (BRILLAT-SAVARIN, 1995).

Entre outros escritos sobre o tema e particularmente para o recorte que se pretende

13

neste trabalho, na abordagem da História da alimentação no Brasil, o folclorista Luís da

Câmara Cascudo, numa investigação, pontua a relação que cria um diálogo da alimentação

com a vida e o cotidiano cultural do Brasil, e ressalta que a alimentação “acompanha a vida,

mantendo-a na sua permanência fisiológica” (CASCUDO, 1983. p. 21), além de a mesma ser

um apontamento que permeia toda sua obra. Cascudo assevera que “comer é um ato orgânico

que a inteligência tornou social”, proposta essa que o presente trabalho está ligado por versar

sobre a alimentação para além da sua ação nutricional.

Hoje os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as ciências humanas, a partir

da premissa que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto

nutricional, biológico. “Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato

nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes, ligadas aos usos, costumes,

protocolos, condutas e situações”. (ANTUNES, 2005, p.165-188).

Em todo o curso da história humana o alimento está presente, de forma concreta ou de

forma simbólica, efetivando conceitos e conceituando civilizações. Figurado em passagens

bíblicas, se encontra em Genesis, quando Deus proíbe o fruto da árvore da sabedoria ou

mesmo encaminha seu povo para a terra que mana leite e o mel segundo o Livro do

Deuteronômio, o fato é que a alimentação não só atua como um combustível vital à

sobrevivência orgânica, mas também como um vetor de incorporação à cultura, estabelecendo

padrões de comportamento e relações de grupo, imprimindo características sociais,

existenciais como também evoluem dentro de sua própria dinâmica fomentando diálogo direto

com as religiões, determinando a conduta comportamental e gustativa dos seus adeptos.

Embora dêem a impressão de serem estáticos em relação a outros fenômenos

históricos – acontecimentos ou ciclos conjunturais – evoluem num tempo

muito mais lento, o longo tempo das estruturas, como bem salientou Fernand

Braudel. Deixemos de lado a idéia de que o cotidiano não tem história, de

que tudo, desde sempre, foi igual ao que conhecemos atualmente. Na

realidade, os gestos do dia-a-dia transformam-se, junto a tudo aquilo que

estão relacionados: as estruturas do cotidiano deixam -se surpreender pela

história. Durante séculos, os gregos, depois os romanos da Antiguidade,

banquetearam-se deitados; mas, desde a alta Idade Média, os ocidentais

abandonaram essa posição, passando a comer sentados. Ora, essa mudança

de postura não pode ser dissociada das transformações que lhe foram

simultâneas: tornado livre a mão esquerda, a posição sentada permite

trinchar os grandes assados sangrentos, com facas que, a essa época,

aparecem à mesa. E, certamente, não foi também por acaso que esses

comedores de carne a ser trinchada, que tinham as duas mãos livres, esses

habitués de mesas e cadeiras altas, inventaram também o garfo. Tampouco

foi por acaso que o garfo só se tornou um utensílio de mesa depois da peste

negra, entre os séculos XIV e XVIII, época em que os europeus aumentaram

a distância entre os comensais pela generalização do uso de pratos, copos e

14

talheres individuais. (FLANDRIN.; MONTANARI, 1998, p. 15- 6.)

Basicamente todas as práticas religiosas estão relacionadas com o ato de comer ou de

não comer. Nas mais remotas civilizações eram dedicadas festas aos deuses provedores dos

alimentos, nos ritos indígenas podem ser encontradas, também o jejum dos cristãos nos

períodos da Quaresma, ou o Ramadã Islâmico. A Eucaristia que se fundamenta em alimentar-

se do corpo e beber o sangue de Jesus Cristo na condição de pão e vinho, a proibição de

ingerir carne de vaca no Hinduísmo ou de porco no Judaísmo são alguns exemplos.

No caso da alimentação no Brasil, temos uma variação bastante significativa já que o

cardápio europeu que aqui aportou somou-se a dieta indígena e posteriormente a presença

africana imprimindo-lhe um sabor temperado e também religioso, buscando através desta

relação mesclada, estabelecer ligação com os antepassados, com suas crenças e seus

atavismos ancestrais. Se de maneira geral a comida é um elemento de forte expressão nas

religiões, o alimento e a forma de alimentar-se tem um caráter importantíssimo para o Povo

de Santo.

Essa construção híbrida faz com que no Brasil, tratar de comida para o santo não seja

compreendida como coisa absurda, criando momentos singulares em que os “deuses”

permitem-se a uma convivência efêmera com a humanidade, já que tais entidades também

apreciam o alimento tanto quando os seres materiais. Como bem expõe Pai Léo: “[...] minha

primeira preparação, foi um assentamento do Orixá... nos assentamentos é de Exú a Oxalá,

nós damos comidas, curiações”. Para o Candomblé e a Umbanda, as principais ligações entre

homens e deuses se dão quando são oferenda dos mimos através de alimentos e sacrifícios,

sendo o último o que Vogel, trata como “pedra angular da piedade afro-brasileira”.

Quanto mais importante a passagem, mais dramático o sacrifício. Nos

minúsculos transes do quotidiano, basta o dispêndio modesto e plácido das

libações, defumações e oferendas culinárias. As grandes passagens, no

entanto, requerem os grandes sacrifícios, o sangue derramado, as

hecatombes. Na relação dos homens com os deuses, o sacrifício animal

constitui o penhor mais precioso. É indispensável para abrir caminhos em

todos os grandes ritos que visam transformar radicalmente a forma de

existência dos seres humanos. Dentre todos eles a iniciação, mais do que

qualquer outro, precisa oferecer vida por vida. (VOGEL, 2001, p. 17.)

Pierre Verger compartilha do mesmo ponto de vista de Vogel, relativo à que: “nada se

faz sem consultá-los e garantir sua proteção. Os homens gozam da abundância e da

prosperidade se souberem satisfazê-los e, ao contrário, as catástrofes e calamidades

sucedem-se na terra se esses deuses forem negligenciados ou ofendidos. ” (VERGER, 2000,

15

p. 16.)

Assim um membro do Candomblé, por exemplo, tem sua alimentação diferenciada de

acordo com o período da vida religiosa que está passando e o Orixá de quem é filho, o que

pode ser preponderante nas coisas que ele pode ou não comer. A cozinha de santo não é só um

espaço gastronômico, é um solo sagrado, um espaço litúrgico, o início da transmutação como

afirma Pai Bal:

O candomblé nasce numa cozinha. A cozinha é muito forte no candomblé! A

culinária é muito forte, a própria energia de cozinhar. O Orixá acredita que

no que você cozinha você puxa todas as energias do alimento para o

alimento. Você apura a energia. Então vai cozinhar, o tempero do santo é

pimenta do reino, é sal é cebolinha branca [...] não leva alho, alho é proibido,

o alho enfraquece, quebra a força da comida, o cominho quebra a força da

comida e a comida prá ser sagrada até pra comer existe o respeito.4

4Trecho de entrevista concedida pelo Sacerdote Aderbal dos Santos, conhecido por Pai Bal. A transcrição

manteve os traços originais da oralidade.

16

4 REVENDO AS TRADIÇÕES

Muitos adeptos das religiões afro-brasileiras atuam em mais de uma prática religiosa,

tendo obrigações tanto no Candomblé quanto na Umbanda e ainda existem aqueles que

transitam pelo catolicismo e protestantismo, mas se compreendem candomblecistas ou

umbandistas mesmo cultuando religiões diferentes concomitantemente. Pela variedade de

postulados com relação a o que comer, também deve ser considerado o oposto já que o tabu

alimentar está muito presente nessas religiões sob o nome de quizila, que na visão simplista

de Querino é a “antipatia supersticiosa que os africanos nutrem por certos alimentos e

determinadas ações” Querino (1938, p. 76.). Cada Orixá possui, além de suas preferências, os

alimentos que não gosta e isto impede a sua oferenda e restringe o seu consumo, segundo

esclarece Pai Aderbal e este também são um estudo a ser considerado.

A cozinha é muito extensa, para cada situação existe quilômetros de comidas

que acarreta uma energia praquilo. Todo o candomblecista ele já entra com

um carma de “não”. Engerir cachaça, aguardente, nem um tipo de

aguardente. Não ingerir maracujá enquanto vida tiver. Mesmo sendo de

qualquer santo, são alimentos e líquidos que não tem energias positivas, nós

só ingerimos o que é bom pra o nosso corpo espiritual. [...] O meu Orixá

recebe cabra, [...] então eu sou proibido de comer aquele animal. Por respeito

a o meu Orixá, por motivo de ofertar a ele eu sou proibido de comer cabra.

Do mesmo jeito todo mundo é proibido de comer pombo, porque o pombo é

um animal mais sagrado que existe. A ave da vida, é o animal de Babaori, o

animal que se dá a cabeça, a vida sagrada entendeu? Então ninguém come

pombo, só se oferta ao Orixá. Muitas vezes se dá vivo, se carrega, faz ele

ingerir os axés do santo, e entrega ao santo vivo, deposita na cabeça do filho

prá fazer o elo e solta vivo. O orixá cultua a vida!5

No município de Caicó-RN existem terreiros ou casas nas quais se cultuam e prestam

obrigações tanto para os Santos ou Orixás que são específicos do Candomblé e as entidades

da Jurema como Mestres, Caboclos, Pretos Velhos, Erês, Boiadeiros, Pombas Giras e Exus,

entre outras entidades e todos eles têm sua comida e sua bebida, considerando também a

bebida como alimento.

Percebem-se semelhanças entre os usos e costumes dos ilês caicoenses, mas também

inúmeras dicotomias em suas práticas e até mesmo divergências internas nas quais membros

de um mesmo templo distinguem-se na hora da prática ritualística tornando tênue os limites

5Trecho de entrevista concedida pelo Sacerdote Aderbal dos Santos, conhecido por Pai Bal. A transcrição

manteve os traços originais da oralidade.

17

que as demarcam, das fronteiras que são estabelecidas e ultrapassadas e dos híbridos daí

resultantes.

Vemos que as informações apreendidas e repassadas pelos pais de santo circunscritos

ao município de Caicó são efetivamente variadas. Alguns deles são naturais de outras cidades

ou estados do Brasil, mesclando cada vez mais o cardápio religioso, pois estabeleceram suas

casas no município de Caicó mas trazem e adaptam sua produção. Por desígnios, por

problemas de perseguições ou busca de novos horizontes, deixaram suas cidades e chegaram a

terras seridoenses como relata o Pai Nino de Oiá, do Templo Nagô com Ketu Oiá Gambiô.

Eu comecei no ano de 1983, com treze ou quatorze anos na cidade de Santa

Rita. Uma equipe mais ou menos de dez a quinze. E a polícia não queria, era

muito perseguido e nós éramos todos de menor para entrar em terreiro, nós

só podia na festa de Cosme e Damião, que era liberado certo?, Fiscais em

cima da gente e nós queríamos ter um membro de médio pra nós trabalhando

fora daqueles terreiros por causa da ditadura. Nós começamos em Caicó, em

90. Em 1990 “viemos conhecemos uma grande amiga da gente Graça Vieira

que nos trouxe prá Caicó”. 6

Mas também a própria designação da tarefa sugerida pelos guias espirituais,

encaminha-os aos seus destinos, como relata o Pai Bal de Oxalá:

Caicó sem conhecer ninguém então já foi uma guerra, uma batalha pessoal

minha deixar família, a minha cultura como Aderbal e Construir tudo isso

aqui. Na época eu fazia um trabalho com parcerias na Federação de

Umbanda e Candomblé... teve um convite do pessoal daqui em Caicó pra

fazer uma festa na Ilha de Santana em 2010 ou 2009[...] o meu mestre, ele

foi em sonhos e disse que queria um pedaço de terra para cumprir essa

missão junto comigo aqui e encabecei a [...]sonhei no alto umas casas de

taipa e um santo apontando para o céu... Eu passei meu carro estancou aí na

frente quando eu olhei era o paredão que eu tinha sonhado. Dai em diante dei

seguimento à formação do barracão.7

Desta forma, a comida do Santo se mantém ritualisticamente, se renovando no

cotidiano das cozinhas e nas adaptações feitas pelas iabás ao cardápio dos Orixás.

6Trecho da fala do Pai de Santo José Gabriel dos Gomes, conhecido como Pai Nino de Oiá. 7Trecho de entrevista concedida pelo Sacerdote Aderbal dos Santos, conhecido por Pai Bal. A transcrição

manteve os traços originais da oralidade.

18

5 ADENTRANDO AS COZINHAS

A comida é uma das facetas mais importantes do cotidiano das religiões de matriz

africana, já que desde a escolha do alimento até o ponto da entrega, há uma elaboração

minuciosa e afirmativamente um contato próximo entre o praticante e a divindade que é

gerado, pois antes de começar a confecção das oferendas, todo um preparo físico e espiritual é

exigido.

[...] No candomblé os deuses comem. Cada um tem sua comida particular, de

seu agrado pessoal, de sua preferência pessoal. Comida ligada às suas

histórias, a seus odus, a seus mitos. Comida que muitas vezes é cantada e

dançada numa integração harmoniosa de gesto, música e palavra [...] (LIMA,

2010, p. 138)

Ao entrar nos Ilês pode-se observar que, seus cerimoniais festivos são verdadeiros

cardápios gastronômicos, já que basicamente todos os contatos e contratos de homens e

mulheres adeptos a religião de santos são formalizados através de oferendas, em sua maioria

sacralizadas na cozinha, conforme Souza Júnior (2009, p.82).

[...] “Cozinha do santo” é assim, mais que um lugar determinado que, em

terreiros de estrutura maior, se tem para preparar somente os pratos dos

orixás e, sim, um espaço criado e redefinido a cada momento, no terreiro,

através da separação dos objetos, utensílios e mudanças de comportamentos

[...]

Embora sejam vários elementos utilizados na ritualística, é marcante a intrínseca

relação do alimento com a liturgia, pois “sem a oferenda, no caso a comida do Santo, seria

impraticável a feitura de grandes trabalhos nem uma negociação poderá se efetivar”, pontua

Pai Tell de Iemanjá. Mas além da confecção, deve-se considerar onde e como este é

manipulado com esclarece Pai Léo:

No momento a casa funciona com uma cozinha só pra o barracão e pra

minha casa a casa de Léo, mas dia de festa pra orixás, os filhos de santo [...]

tem que estar de branco, de contra-egum, com a cabeça coberta, não pode

fumar quando estiver fazendo comida de orixá, então seja, aquela cozinha

normal no dia específico de fazer comida pra orixá ela vira cozinha só pra do

orixá. Não entra de preto, não é permitido short, não é permitido roupa

curta, não é permitido fumar, não é permitido adentrar a cozinha se tiver

ingerido bebida alcoólica entendeu? Tudo no candomblé tem uma reza,

cantada em ioruba, uma reza né? [...] Um pombo, uma comida seca, milho

branco que a gente chama no candomblé de acaçá, uma canjica branca tudo

se faz uma reza, [...] tudo leva uma reza não você chegar e fazer de qualquer

19

forma não!8

Faz-se necessário compreender que oferendas são sortilégios religiosos que podem ter

inúmeras finalidades, como para agradecer, pedir ajuda, desmanchar magias negativas,

propiciatória, purificadora, de firmeza e assentamentos de forças e poderes espirituais o que

são traduzidos como Axés. Como afirma o pai de santo Tell de Iemanjá:

As oferendas podem ser simples como uma fruta, uma vela até a ida em um

ponto de força da natureza, onde é aberto um espaço, um portal que liga o

mundo visível e o invisível sabe? Um espaço que recebe o nome de

assentamento e lá é colocado elementos afins com as forças e poderes que ali

serão evocados. Contudo a comida oferecida ao Santo aparece como o ponto

alto desse processo, já que desta oferenda são extraídas energias ou axés, por

parte dos seres espirituais que as receberão. Quando se sabe o Santo ou

Santos que serão reverenciados, são separados os alimentos que a cada um

será ofertado, animais, comidas para cozimentos e frutas. Lembrando que na

Umbanda há fundamento de sacrificamos de animais. Então começam os

preceitos a partir do pedido de licença e oferecimento do que será arriado.9

São dispostas bebidas, água, sementes ou frutas, legumes, vegetal, velas coloridas e

intenções, todos os pensamentos canalizados para as divindades. Muitas vezes pontos riscados

com pembas, uma espécie de giz coloridos usados em afirmações, esses elementos se ligam a

outras dimensões para a efetivação dos pedidos. Conforme o Pai de Santo Aderbal de Oxalá

os alimentos escolhidos são tratados de maneira especial para que possam ser aceitas e

convertidas em comidas sagradas.

Dentro da cultura africana não entra bebida, não entra sexo, não entra a

maldade em geral. Isso é repudiado! Eu sou um homem que pratico uma

religião, então eu tenho que ter preceitos. O dia do meu Orixá é sexta feira,

então no dia do meu Orixá eu me resguardo ao meu Orixá [...] Pra o santo

você tem que está cem por cento puro. Fisicamente e mentalmente e

espiritualmente, Se eu estiver com uma dor de cabeça eu estiver impuro, se

eu estiver com raiva de você eu estou impuro, se eu tomar uma dose de

cachaça eu estou impuro, se eu for a um cemitério, a um enterro eu estou

impuro, são energias, Então determinados dias nós temos um resguardo cem

por cento. Pra o Orixá não entra nem um tipo de bebida alcoólica e nem um

tipo de impureza. A fruta você compra no mercado pra ofertar pro Santo, a

gente passa mel pra purificar.10

8Parte da entrevista concedida pelo Ebami José Eliel de Souza, conhecido como Pai Léo. Mantendo-se assim

resquícios da oralidade. 9Parte da entrevista concedida pelo Pai de santo Tell de Iemanjá. Mantendo-se assim resquícios da oralidade. 10Trecho de entrevista concedida pelo Sacerdote Aderbal dos Santos, conhecido por Pai Bal. A transcrição

manteve os traços originais da oralidade.

20

Nos templos visitados na cidade de Caicó-RN, perceberam-se algumas peculiaridades

no modo de fazer o culto às divindades, sejam nas canções entoadas, nas permissões ou

proibições na presença mais ou menos intensa da língua iorubá ou propriamente na confecção

das comidas. Nas falas dos entrevistados há uma unanimidade aparente, quando se trata de

descrever os preceitos para a confecção dos alimentos dentro de vários detalhes que

transforma este momento num evento a parte. E é o caso da limpeza material e espiritual das

Iabás ou Iabacês, o jejum sexual de pelo menos três dias, a vigilância para um pensamento

equilibrado e direcionado, como também do espaço físico onde são executados os cortes. A

higiene, as vestes, os laguidibás ou guias, os cânticos religiosos ou música de santo para

afastar quizilas e ter respostas auspiciosas como afirma Léo de Xangô.

Iabá é a cozinheira do santo, Ia mãe bá, mãe da cozinha do santo. Essa Iabá

três dias antes dela preparar a comida do santo ela tem que está pura de sexo,

tem que está pura de bebida tem que está de branco, tem que está de contra

egum [...] tem que está toda purificada pra fazer a cozinha do santo. No

terreiro a gente tem os cargos, que é preparado já prá isso. Tem que ter a

preparação para o cargo, fazer as feituras. 11

Nessa perspectiva tudo o que é utilizado em uma oferenda adquire o poder de irradiar

e absorver energias. A esse respeito João Varella escreve que no geral, a “cozinha de Santo”

difere-se da cozinha normal, pois “há uma série inteira de preceitos do ritual que se há que

obedecer. ” A produção alimentícia dos santos pede um requinte que corriqueiramente seria

difícil de seguir, como acender velas, riscar pontos e continua o autor, ... as cozinheiras de

santo trabalham paramentadas, vestidas ao ritual [...] bata, blusão branco e lenço branco na

cabeça, colocam ao pescoço a guia ou guias do orixá ou dos seus orixás. (Varella 1972, p.51-

53).

E vê-se que as prescrições são muitas. Não manter conversas ou canções que não

sejam de acordo com a proposta, ou orixá, utensílios específicos. “Se tem recursos maiores,

procura-se ter em depósito ou na dispensa o material ou ingredientes mais usados” ressalta o

Varella.

Além elemento gustativo a música é parte importante dessa interação com o divino e

está constantemente presente, enfatizando características dos orixás e seus feitos ressaltando a

relação das divindades com os filhos e com os alimentos. Durante o processo de confecção

dos alimentos as Iabás, e encarregados de cozinha, entoam músicas sacras e populares do

11Parte da entrevista concedida pelo Ebami José Eliel de Souza, conhecido como Pai Léo. Mantendo-se assim

resquícios da oralidade.

21

repertório afro-brasileiro, proferindo muitas palavras em iorubá, como se observa em festa

para Logum Ede, música de Lucio Sanfilippo.

Colhe amendoim, milho e coco/ Manda preparar o axoxô/ Arco e flecha em

punho, é só bravura/ Planta, roça, agricultura/ Iansã, Ogum, Agué e Oxalá/

Brincam, ginga, corre, reza e cura/ Pressa o passo, criatura/ A mãe-mata céu

e ouro chama [...] Camarão, cebola, azeite e ovo/ Tempera o feijão do

omolocum/ Lava a alma, sal, mel e candura/ Laroiê, dendê, doçura/

Ajunsum, Bessém, Sobô, Iemanjá/ Nanã nina flor de formosura/ Benze e

brinda com fartura/A mãe-água céu e ouro canta [...].

O rítmo entoado acelera-se ou acalma-se mediante a situação dos trabalhos a que se prestam a

intenção ou ao Orixá que se cultua:

[...] Se você está sofrendo/no leito ou com frio e com dor/ Com pipoca e com

dendê/ muita gente ele curou/ Se seu corpo está ferido/ e não pode mais

suportar/ Peça proteção á ele /que ele vai lhe ajudar!/ Obaluaê!/ Tenho

segredo da vida/ do começo e do fim/ O meu senhor das palhas/ tenha muita

dó de mim/ Na procissão das almas/ que partem pro infinito/ Ele vai

mostrando á elas/ outro mundo mais bonito!/ Obaluaê [...]

Culminando em grande banquete que é servido a todos os presentes, as diversas

iguarias são dispostas sobre o alá que é um tecido branco, se for o de Oxalá, ou em cores de

acordo com a cada Santo. Sobre ele colocam-se pratos vistosamente montados, com todas as

comidas confeccionadas para ritual, oferecendo-se primeiro o padê de Exu. O padê é uma

oferenda a Exu, antes do início das cerimônias públicas ou privadas, alimentos e bebidas

votivas, animais sacrificais são colocados junto ao assentamento, segundo relata Pai Tell de

Iemanjá.

Para Exu, a gente dá frangos ou bode. Para Pomba-Gira, pomba preta, franga

preta. Antes de abrir o terreiro, o primeiro a ser despachado é Exu. Pega-se

um frango preto, que asas não estejam cortadas nem doentes, uma pomba ou

galinha nas mesmas condições, passa-se o frango ou a galinha no abacé todo,

depois canta-se a corimba daquela a cerimônia. Então o oxôgun mata o

frango no lugar onde Exu está assentado. E se dá pomba ou galinha preta a

Pomba-Gira. O corpo da ave é entregue à iabá, que vai preparar o mi-ami-

ami, o corearde Exu. O mi-ami-amié feito de azeite de dendê (epô), da

farinha (efun) de pimenta da costa ou comum (li icúm). Depois de preparada

essa comida, é distribuída entre os presentes, ficando apenas no

assentamento as asas, a cabeça, a cauda e os pés. A pessoa come, sem rir,

sem brincadeiras e faz seus pedidos, de preferência sentada no chão!12

Os que estão feitos no Santo, ajoelhados, devem comer um pouco de cada comida, não

12Parte da entrevista concedida pelo Pai Tell de Iemanjá. Mantendo-se assim resquícios da oralidade.

22

fazendo uso de utensílios como garfo ou faca e sim a mão para elevar à comida a boca, pois,

comer com a mão é um dos atos que exerce grande influência sobre o tipo de alimentação. As

não iniciadas ficam assistindo a cerimônia, mas podem alimentar-se das comidas que são

destinadas a comunidade.

Caicó corrobora seu lado místico e hibrido, nas minúcias discretas que vez em quando

rompe a fidelidade religiosa judaico-cristã e a liga com a religiosidade de matriz africana,

quebrando sigilosamente tabus. Há uma interatividade clandestina e sigilosa, que trafega

oculta e anonimamente os bastidores das casas de santo como afirmam unânimes os

entrevistados, tornando seus limites tênues.

Os praticantes das religiões de santo caicoenses buscam manter a essência de sua

doutrina se reinventando nos híbridos processos de afirmação e resistência. Nessa perspectiva,

acabam perdendo alguns conhecimentos de seus preceitos ancestrais, caindo por vezes numa

recriação pouco segura de bases frágeis e tênues. A comida votiva é certamente um dos mais

emblemáticos símbolos de representação dentro dos ritos candomblecistas, umbandistas ou

juremeiros, visto todo o requinte de preceitos na sua preparação, sejam eles antes, durante ou

depois de produzidos e mesmo assim, foi observado através da pesquisa que esses detalhes

ficam em sua maioria na esfera do imaginário, já que a prática difere em parte da teoria.

A precariedade estrutural que algumas casas de santo se encontram, favorece para que

não alinhem a ritualística com a teoria e desejo de uma produção elaborada e farta de

oferendas. Por fim, a ignorância da comunidade não praticante, a demonização, o imaginário

construído, a constante tentativa de invisibilização das práticas religiosas de matrizes

africanas e no contexto geral da cidade de Caicó-RN, a permanência velada de uma cultura

preconceituosa.

23

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo das noções de memória gustativa e de práticas alimentares como categorias

de estudos históricos, elegeu-se a análise dos hábitos alimentares do Povo de Santo, membros

de religiões de matriz africana, praticadas em Caicó, procurando-se estabelecer uma ponte

entre a História, a Cultura da Alimentação, a relação com a religião e o entorno social.

As questões que permearam a pesquisa foram: “A comida de Santo é só uma

representação do sagrado ou um ritual de resistência?” Ou seja, o hibridismo que mesclou

expressões religiosas distintas, também permeou as afirmações étnicas de um povo pelo viés

da religiosidade? Para equacionar tal questão, é correto afirmar que os dois pontos são

verdadeiros. A resposta passa por ambas as opções concomitantemente, ou seja, a comida

abundante e vistosa que é consagrada a cada Santo é uma grande demonstração do sagrado e

da crença nessa devoção como também a força de um povo que se afirma e se refaz a partir de

elementos de sua religião.

As expressões religiosas de matriz africana, como colaboradoras e acervos de

conhecimentos ancestrais, permitiram ao longo do trabalho que essas reflexões estivessem

sempre presentes, ressurgindo e sendo reelaboradas e ainda podem suscitar inúmeras frentes

de trabalho no âmbito acadêmico, deixamos aqui um caminho em aberto para futuros

pesquisadores. A mitologia dos Orixás, dos Caboclos, dos Pretos Velhos ou mesmo do Povo

da Rua, serve como explicação para práticas religiosas do Povo-de-Santo. Serve ainda como

base para a ritualização, para o desempenho religiosa existente nas festas e cerimoniais de

homenagem aos Santos. Toda essa religiosidade contribui para o cotidiano dos

candomblecistas e umbandistas, interagindo diretamente com os hábitos alimentares e com o

imaginário em torno da comida dos adeptos e não adeptos.

Percebe-se ao longo da pesquisa, que a tradição oral é a forma mais presente de

transmissão utilizada nos Terreiros, Ilês, Barracões ou Casas de Santo, o que imprime seus

ressignificados e não esquecimento. Também, nota-se a variação presente nas histórias,

mesmo quando tratam de um tema mítico semelhante. O mais importante desta constatação é,

que apesar da mudança da narrativa, isso não lhes retira o caráter de verdade e a aceitação

diante de quem a conta e de quem os ritualiza, os sentidos e significados que buscamos aqui

discutir (CONNERTON, 1999. p.63). Pois, segundo Cassirer, o mundo dos mitos é um mundo

dúctil, onde a realidade e o que eles representam se tocam e o seu limiar não é claro.

(CASSIRER, 2003. p. 23)

Após discorrer brevemente sobre a História Oral, foi sucintamente mencionado o

24

Candomblé e a Umbanda como fortes representações religiosas de matriz africana, suas bases

religiosas e sua relação com a alimentação. Para situar melhor o tema Comida de Santo, como

forma de representação do sagrado e forma de resistência, foram citados alguns aspectos da

alimentação religiosa e uma apresentação focada nas atividades realizadas no Município de

Caicó, através da análise das entrevistas com membros das Casas de Santo – fontes principais

deste trabalho. Constatando-se na fala dos entrevistados situações cotidianas como preparar

um prato que mantenha a aparente tradição, mas que se adapte à cultura gastronômica do

lugar. Além da invenção de um prato, que parece ser “sofisticado”, mas que também preserve

os trâmites ritualísticos. E mesmo adaptado mantenha o elo entre todas essas situações

analisadas, que é a demonstração de religiosidade.

O ato de pesquisar um tema complexo como este e produzir o presente trabalho, foi

importante não somente porque trouxe resultados, mas porque conduz a novas inquietações.

Na verdade, os trabalhos são concluídos quando se chega a um resultado satisfatório para a

hipótese de partida proposta, seja ela comprovada ou não, o que não invalida o estudo. Porém,

novas óticas utilizadas por este tema, sempre permitem que todo o trabalho seja revisto ou

redimensionado. E assim caminha a academia, com novas questões e abordagens gerando

sempre novas pesquisas, novos pesquisadores e novos trabalhos.

O artigo apresentado, não se coloca como um trabalho definitivo sobre o tema, até

porque há muitas fontes a serem trabalhadas. Desta forma, a possibilidade da sua continuidade

é bem viável, já que o tema é bastante vasto e sugere muitas possibilidades de pesquisa, para

que se amplie o conhecimento e compreensão a respeito dos rituais dessas religiões e possa

apresentá-las como doutrinas fundamentadas e não como expressões religiosas de ritos

exóticos.

Como trabalho de conclusão de curso, entendemos que a presente pesquisa, pode

trazer contribuições para uma divulgação mais efetiva das práticas africanista sem a

demonização pela qual são constrangidas. Vindo assim, a ser tratada, pesquisa e preservada

com naturalidade, já que possui um caráter multidisciplinar. Desta forma, ratificar a grande

influência da alimentação trazida e adaptada pelos povos de África seja para a nutrição do

corpo, quanto para a manutenção dos elos espirituais através dos ritos religiosos do

Candomblé, ou da Umbanda é apenas o limiar de tais entendimentos, já que essas expressões

de fé possuem em si os alimentos e a alimentação como sua base teológica, e embora já

existam vários trabalhos apontando para este objeto de pesquisa muito há a emergir sobre o

assunto, nesse sentido o trabalho prossegue.

25

FOOD OF SAINT IN CAICÓ: STRENGTH AND THE SACRED REPRESENTATION

OF CUISINE

ABSTRACT

This work aims to make an excerpt on the power of the relationship with the deities, the

worshippers, the senses and the practices of those who experience the religions of African

origin in a direct way or not. For the construction of the research methods were used oral

history were used, considering that the interviews are the main source of this work. These

records gather information from various levels of specificity, such as the mythology of the

Orishas and entities, in addition to the presence of food in these stories. It guides the rituals of

sacrifices and offerings, the everyday of the people-of-the-saint and their eating routine, both

in ordinary days and during the festivities. We conclude that although a variaton is present in

the reproduction of the stories when dealing with a similar mythical theme or way of

experiencing their votive food, the most important is that the essence of this tradition

reinvents itself, and this finding is that despite the changes in the narrative or workmanship, it

does not remove their aspect of truth and acceptance from the tellers, from the ones who

perform rituals, making the meanings of what is sought to be discussed here to remain.

KEY WORDS

African-brazilian. Candomblé. Umbanda Food-for-Saints. Orisha.

26

FONTES

Foram utilizadas como fonte de pesquisa para o desenvolvimento do artigo: livros,

entrevistas feitas nos ilês e visita de campo.

FONTES ORAIS

Entrevistas concedidas ao autor:

Aderbal dos Santos (Pai Bal de Oxaguian)

José Gabriel Gomes (Pai Nino de Oiá)

Josinaldo José dos Santos (Pai Tell ou Zinha de Yemanjá)

José Eliel de Souza ( Pai Léo de Xangô)

27

REFERÊNCIAS

ALBERTI, V. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p.

27.

ALVES, D. Orixás e definições. Diário do Paraná (Coluna Umbanda), Curitiba, 14 abr.

1978. Caderno 2, p.6.

Ataotô Baluaê. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/umbanda/> Acesso em: 08 abr.

2016 (Música de Umbanda).

BRILLAT-SAVARIN, J. A. A fisiologia do gosto. São Paulo: Companhia das Letras 1995.

p.15.

CASCUDO, L. C. História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade

de São Paulo, 1983. p. 21.

CASSIRER, E. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 23.

CONNERTON, P. Como as sociedades recordam. Oeiras: Celta Editora, 1999. p.63.

DÓRIA, C. A. Estrelas no céu da boca: escritos sobre culinária e gastronomia. São Paulo:

Editora Senac, 2006. p. 220.

ELIADE, M. O Sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes,

1992. p. 87.

FEMENICK, T.R. O ciclo do algodão no Seridó - I. 2010. Disponível em:

<http://tribunadonorte.com.br/noticia/o-ciclo-do-algodao-no-serido-i/150373. 2016>. Acesso

em: 08 abr. 2016.

FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. História da Alimentação. São Paulo: Estação

Liberdade, 1998. p. 15- 6.

FREITAS, D. T.; PINTO, T. S. As Mirongas de Umbanda. 3. ed. Rio de Janeiro: Gráfica

Editora Aurora, Ltda, 1957.Coleção Espiritualista. p.13.

JOUTARD, Philipe. História Oral: balanço da metodologia da produção nos últimos 25

anos. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. Usos e abusos da história

oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

LÉVI-STRAUSS, C. O cru e o cozido (Mitológicas vol. I). São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

p. 24.

MEIHY, J. C. S. B. Manual de história oral. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p. 44.

PORTELLI, A. O que faz a História Oral diferente. Revista do programa de estudos pós-

graduados em História, PUC-SP, n. 14, fev. 97, p. 31.

28

PRANDI, R. A mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 257-258.

QUERINO, M. Costumes africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938.

p. 76.

ROUSSO, H. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J.

(Orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005. p. 94-5.

SANFILIPPO, L. Festa pra logum Ede. 2005. Disponível: https://www.letras.mus.br/lucio-

sanfilippo/festa-pra-logum-ede/. Acesso em: 08 abr. 2016. (Canções de amor)

SANTOS, C. R. A. A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória

gustativa. Publicado em: Revista da Academia Paranaense de Letras, n°51, 2005, pp.165/188.

______. Por uma história da alimentação.História: Questões & Debates, Curitiba, v. 14, n.

26/27, p. 154-171, jan./dez., 1997. p. 162.

______. A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória gustativa.

História:

Questões e Debates, Curitiba, n.42, pp.11-31, jan./jun., 2005.

SILVA, A. C.; WEIDUSCHAT, Í.; TAFNER, J. Metodologia do trabalho acadêmico.

Indaial: Ed. ASSELVI, 2006.

SOUZA JÚNIOR, Vilson Caetano. O Banquete Sagrado – Notas Sobre Os “De Comer”

Nos Terreiros De Candomblé. Salvador: Atalho, 2009.

VARELLA, J. S. C. Cozinha de Santo: Culinária de Umbanda e Candomblé. Rio de

Janeiro:Gráfica Aurora Ltda, 1972. p.113.

VERGER, P. Orixás: deuses iorubas na África e no novo mundo. São Paulo: Corrupio,

1981. p. 241.

_____. Notas sobre o culto dos Orixás e Voduns na Bahia de todos os Santos e na Antiga

Costa dos Escravos na África. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. p.

16.

LIMA, Vivaldo da Costa. A Anatomia do Acarajé e Outros Ensaios. Salvador: Corrupio;

2010. p.138

VOGEL, A. et al. A galinha d'nagola: iniciação e identidade na cultura afro-brasileira.

Rio de Janeiro: Pallas, 2001. p. 17.

29

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, pelo dom da vida. Agradeço também ao

programa de Pós-Graduação em História que nos permitiu a Especialização em História e

Cultura Africana e Afro Brasileira - CERES.

Gostaria também de dizer obrigada a todos os Professores que estiveram comigo nessa

empreitada, aos amigos antigos aos novos amigos e a todos que colaboraram para a realização

e o êxito desta Especialização.

Por fim, minha gratidão aos meus entrevistados, agradeço pela contribuição para a

pesquisa. José Gabriel Gomes (Nino de Oiá), Josinaldo José dos Santos ( Tell ou Zinha de

Iemanjá ), José Eliel de Souza (Pai Léo de Xangô), Aderbal dos Santos (Pai Bal de

Oxaguian), pessoas que incomodei, visitei, tirei de seus afazeres e que foram muito gentis,

compreensivas e atenciosas.