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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERID

    CAMPUS DE CAIC DEPARTAMENTO DE HISTRIA DO CERES

    ESPECIALIZAO EM HISTRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

    ANDR VICENTE E SILVA

    COMIDA DE SANTO EM CAIC:

    RESISTNCIA E REPRESENTAO DO SAGRADO PELA CULINRIA

    CAIC

    2016

  • ANDR VICENTE E SILVA

    COMIDA DE SANTO EM CAIC:

    RESISTNCIA E REPRESENTAO DO SAGRADO PELA CULINRIA

    Trabalho de Concluso de Curso, na

    modalidade Artigo, apresentado ao Curso de

    Especializao em Histria e Cultura Africana

    e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do

    Rio Grande do Norte, Centro de Ensino

    Superior do Serid, Campus de Caic,

    Departamento de Histria, como requisito

    parcial para obteno do grau de Especialista,

    sob orientao da Prof. Dra. Idalina Maria

    Almeida de Freitas.

    CAIC

    2016

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................................... 4

    2 PANTEO AFRICANO ......................................................................................................... 8

    3 AS TANTAS NUANCES DA RELIGIOSIDADE DO POVO DE SANTO ........................ 12

    4 REVENDO AS TRADIES .............................................................................................. 16

    5 ADENTRANDO AS COZINHAS ........................................................................................ 18

    6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 23

    FONTES ................................................................................................................................... 26

    REFERNCIAS ....................................................................................................................... 27

  • COMIDA DE SANTO EM CAIC:

    RESISTNCIA E REPRESENTAO DO SAGRADO PELA CULINRIA

    ANDR VICENTE E SILVA*

    Dr. IDALINA MARIA ALMEIDA DE FREITAS**

    RESUMO

    Esse trabalho tem por objetivo fazer um recorte sobre a relao da alimentao com as

    divindades, os adeptos, os sentidos e as prticas de quem vivencia as religies de matriz africana

    de maneira direta ou no. Para a construo da pesquisa foram utilizados os mtodos da Histria

    Oral, tendo em vista que as entrevistas constituem a fonte principal deste trabalho. Esses

    registros renem informaes de diversos nveis de especificidade, tais como a mitologia sobre

    os Orixs e entidades, alm da presena da comida nessas histrias; norteiam os rituais de

    sacrifcios e oferendas, o cotidiano do Povo de Santo e sua rotina alimentar, tanto em dias

    comuns, quanto durante as festividades. Conclui-se, que embora se perceba uma variao

    presente na reproduo das histrias, quando tratam de um tema mtico semelhante ou na forma

    de vivenciar sua alimentao votiva, o mais importante que a essncia desta tradio se

    reinventa e, desta constatao, que apesar da mudana da narrativa ou da feitura, isso no lhes

    retira o carter de verdade e a aceitao diante de quem os conta, de quem os ritualiza, fazendo

    permanecer os sentidos e significados que se buscam aqui discutir.

    PALAVRAS-CHAVE

    Religio afro-brasileira. Candombl. Umbanda. Comida de santo. Orix.

    _________________________________________________________

    * Discente do Curso de Especializao em Histria e Cultura Africana e Afro-Brasileira Universidade Federal do

    Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Serid (CERES), Campus de Caic, Departamento de

    Histria (DHC). Graduado em Histria pela UFRN, CERES, Campus de Caic. Professor da Rede Municipal de

    Ensino, na Escola Municipal Irm Assunta Viera Estadual (Caic-RN), onde ministra a disciplina de Filosofia e

    Histria. E-mail: [email protected].

    **Professora do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected].

  • 4

    O candombl nasce numa cozinha. [...] A

    culinria muito forte, a prpria energia de cozinhar! O orix acredita que

    no que voc cozinha, voc puxa todas as a energia do alimento. Voc apura

    a energia.

    (Pai Bal de Oxal)

    1 INTRODUO

    Este trabalho versa sobre Comida de Santo, a representao e a resistncia por meio da

    culinria. Lana um olhar sobre a alimentao e o sagrado, o mito, o rito, e tradies das

    religies de matriz africana, provocando a anlise sobre a problemtica de como os alimentos

    sublimam-se a partir da interao com entidades invisveis, alcanando patamares divinais.

    O propsito de pesquisar a culinria nas religies afro-brasileiras se deu por razes

    diversas. Inicialmente, a curiosidade e vontade do pesquisador em ter noes mais elaboradas

    de prticas to comuns no Brasil. Tambm conhecer a relao de Caic com as crenas de

    matriz africana, uma vez que o municpio demonstra pouca influncia da cultura africana, que

    de certa maneira so invisibilizados sobre o pretexto de que o Serid uma regio de

    populao branca, considerando seu histrico de colonizao segundo escreveu Femenick.

    Segundo o autor, a colonizao da regio foi consolidada no final do sculo XVIII, aps a

    chamada Guerra dos Brbaros, que se deu pela investida dos europeus contra a resistncia dos

    ndios Cariris e ocupao de suas terras. s investidas foram dadas inicialmente pelos

    portugueses, depois pelos holandeses e outra vez pelos portugueses. Aps vencerem os

    nativos, ocorreu a ocupao do Serid pelos povoadores de origem portuguesa, oriundos de

    Pernambuco (Goiana e Iguarassu) e da Paraba.

    Embora exista expressiva reminiscncia da cultura afro-brasileira no Serid, como no

    caso da Irmandade dos Negros do Rosrio, deve-se de certa forma sua sobrevivncia ao fato

    de estar atrelada ao catolicismo. Embora a primeira vista se tenha impresses que o municpio

    de Caic seja predominantemente catlica, sua vivncia religiosa mesclada por influncias

    de outras religies alm de fortes, marcantes e exuberantes expresses da Umbanda e as

    prticas ligadas Jurema, fenmeno comum a todo norte e nordeste brasileiro, mais que as

    prticas candomblecistas que tem maior expressividade na Regio Sul, na Bahia e Rio de

    Janeiro. Embora no municpio de Caic existam casas que afirmam praticar o Candombl nas

    suas naes, como no caso do Templo Candomblecista Il Ax Nag Oxaguian, onde se

    reconhece a nao, expressa no prprio nome.

  • 5

    Inmeras so as histrias e verses sobre a vida e os feitos das divindades africanas e

    diversas outras entidades que habitam regies espirituais. Alguns desses mitos apontam a

    comida como um instrumento importante dessa dinmica que perpassa vrios momentos nas

    relaes de homens e deuses, no caso das primeiras, muitas delas reunidas por Prandi (2001),

    cuja pesquisa versa sobre a dinmica da vida dessas divindades. Vrias de suas narraes

    registram os momentos em que o alimento aparece pontuando situaes diversas de suas

    epopeias.

    Escreve Prandi em Mitologia dos Orixs, que era aniversrio de Iemanj e os Orixs

    no sabiam o que lhe dar de presente, mas o pobre Exu foi rpido em pensar o que agradaria a

    senhora do mar, e como no tivesse recursos para oferecer-lhe algo precioso foi direto ao que

    lhe agradava o paladar, j que conhecia o imenso gosto da aniversariante por inhames. Assim

    preparou uma plantao de inhame s para ela. Percebe-se a partir da a atuao que o

    alimento exerce na construo dos arqutipos dos deuses que tanto se reflete nos humanos,

    seja nas suas contendas dirias, nos seus nascimentos, nos seus casamentos ou nas suas

    celebraes morturias que so ritualizados e repassados por meio de uma tradio oral, ou de

    memria.

    Ser apresentado um recorte acerca da comida votiva das religies de matriz africana

    praticadas no Serid, tendo como delimitao geogrfica a cidade de Caic/RN. A busca pela

    compreenso da tradio mitolgica mantida gerao a gerao e repassada pela oralidade dos

    que comungam do Candombl, da Umbanda e de suas correntes, nas chamadas Casas de

    Santo, Barraces, Ils ou Terreiros que so espaos de prticas litrgicas e fundamentos,

    onde se vivenciam as expresses incorporadas pelos povos africanos atravs da dispora.

    Para a construo da pesquisa foram utilizados os mtodos da Histria Oral, tendo

    em vista que as entrevistas constituem a fonte principal deste trabalho. Conforme nos diz

    Alberti.

    A metodologia de histria oral bastante adequada para o estudo de

    memrias, isto , de representaes do passado. Estudar essa histria

    estudar o trabalho de constituio e formalizao das memrias,

    continuamente negociadas. A constituio da memria importante porque

    est atrelada construo da identidade. Como assinala Michael Pollak, a

    memria resiste alteridade e mudana e essencial na percepo de si e

    dos outros. Ela resultado de um trabalho de organizao e de seleo

    daquilo que importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de

    coerncia isso , de identidade. E porque a memria mutante, possvel

    falar de uma histria das memrias de pessoas ou grupos, passvel de ser

    estudada atravs de entrevistas de histria oral. (Alberti, 2004, p. 27).

    Grande parte dos dados foi coletada por meio de entrevistas buscando compreender a

  • 6

    dinmica, por meio das memrias dos seus praticantes, por sua vez tambm narradores, j que

    tais exposies so fontes importantes para elucidar prticas que se busca co