comÉrcio exterior e territorialidade econÔmica...

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COMÉRCIO EXTERIOR E TERRITORIALIDADE ECONÔMICA DAS UNIDADES EXPORTADORAS DE GRÃOS NO MATO GROSSO DO SUL Thiago da Silva Melo 1 ; Lisandra Pereira Lamoso 2 UFGD/FCH Caixa Postal 533, 79.804-970 Dourados MS, E-mail: [email protected] 1 Bolsista de Iniciação Científica da UFGD. 2 Orientadora. Doutora em Geografia Humana pela USP. Docente na Graduação e no Mestrado em Geografia da UFGD. E-mail: [email protected] RESUMO: As exportações de soja, realizadas sobre as decisões hegemônicas das principais empresas de comercialização mundiais, formam uma territorialidade econômica sobre o eixo das principais vias de escoamento do Mato Grosso do Sul: BR 163 e Ferrovia Ferronorte. Esta pesquisa pretende compreender o papel da competitividade e da rede urbana na dinâmica do ordenamento territorial promovido pelas unidades exportadoras de grãos, empregando os conceitos de Competitividade, Logística, Rede e Territorialidade. PALAVRAS-CHAVE: 1) comércio exterior; 2) Infraestrutura; 3) Empresas globais. INTRODUÇÃO Desde 2006 as discussões geradas pela pesquisa sobre o “Uso do Território pelos Principais Grupos Exportadores de Mato Grosso do Sul” têm levantado novas indagações. Este plano de trabalho é parte dessas preocupações que focam a economia de exportação no estado do Mato Grosso do Sul. Almeida (2009) apresenta uma discussão sobre os resultados da política industrial brasileira como aquela que tem premiado os grupos que comercializam a produção do agronegócio. Cinquetti (2008) aborda a participação das empresas internacionais nas exportações brasileiras e como elas têm sido determinantes nos resultados superavitários embora se concentrem em produtos de baixa intensidade tecnológica. Para compreender a questão geográfica presente na economia de exportação, buscamos a leitura de Arroyo (2003) que desvenda o comércio na escala do território nacional. Sobre a Cargill, a leitura de Toledo (2005) foi elucidativa. Motivados pelas leituras, buscamos os dados da economia exportadora para o estado de Mato Grosso do Sul. No Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) há dados por empresas desde 2004. Selecionamos os três últimos anos ímpares e

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COMÉRCIO EXTERIOR E TERRITORIALIDADE ECONÔMICA DAS

UNIDADES EXPORTADORAS DE GRÃOS NO MATO GROSSO DO SUL

Thiago da Silva Melo1; Lisandra Pereira Lamoso

2

UFGD/FCH – Caixa Postal 533, 79.804-970 – Dourados – MS, E-mail: [email protected] 1Bolsista de Iniciação Científica da UFGD.

2Orientadora. Doutora em Geografia Humana pela USP. Docente

na Graduação e no Mestrado em Geografia da UFGD. E-mail: [email protected]

RESUMO: As exportações de soja, realizadas sobre as decisões hegemônicas das

principais empresas de comercialização mundiais, formam uma territorialidade econômica

sobre o eixo das principais vias de escoamento do Mato Grosso do Sul: BR 163 e Ferrovia

Ferronorte. Esta pesquisa pretende compreender o papel da competitividade e da rede

urbana na dinâmica do ordenamento territorial promovido pelas unidades exportadoras de

grãos, empregando os conceitos de Competitividade, Logística, Rede e Territorialidade.

PALAVRAS-CHAVE: 1) comércio exterior; 2) Infraestrutura; 3) Empresas globais.

INTRODUÇÃO

Desde 2006 as discussões geradas pela pesquisa sobre o “Uso do Território pelos

Principais Grupos Exportadores de Mato Grosso do Sul” têm levantado novas indagações.

Este plano de trabalho é parte dessas preocupações que focam a economia de exportação

no estado do Mato Grosso do Sul.

Almeida (2009) apresenta uma discussão sobre os resultados da política industrial

brasileira como aquela que tem premiado os grupos que comercializam a produção do

agronegócio. Cinquetti (2008) aborda a participação das empresas internacionais nas

exportações brasileiras e como elas têm sido determinantes nos resultados superavitários

embora se concentrem em produtos de baixa intensidade tecnológica. Para compreender a

questão geográfica presente na economia de exportação, buscamos a leitura de Arroyo

(2003) que desvenda o comércio na escala do território nacional. Sobre a Cargill, a leitura

de Toledo (2005) foi elucidativa.

Motivados pelas leituras, buscamos os dados da economia exportadora para o estado

de Mato Grosso do Sul. No Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC)

há dados por empresas desde 2004. Selecionamos os três últimos anos ímpares e

2

constatamos que há pouca variação tanto na pauta exportadora quanto nas empresas mais

representativas, que são aquelas ligadas ao complexo soja (ADM, Seara Alimentos, Cargill

Agrícola, Bunge Alimentos, Cooperativa Agropecuária e Agroindustrial - COOAGRI),

produtos pecuários como carne bovina e couro (frigoríficos Bertin, JBS, Minerva,

Independência, Margem e do couro: Bom Charque e BMZ), mineradoras (Urucum

Mineração e Mineração Corumbaense Reunidas) e o recente aparecimento da exportação

de açúcar e álcool (Tavares de Melo) e Celulose (VCP). (Ver Tabela 1).

Tabela 1 – MATO GROSSO DO SUL – Participação percentual das principais empresas

exportadoras no total exportado nos anos de 2009, 2007 e 2005.

Empresa 2009 Empresa 2007 Empresa 2005

Bertin 11,77 ADM 11,29 Independência 15,12

ADM 11,21 Seara Alimentos 8,27 ADM 12,29

Seara Alimentos 8,47 Bunge Alimentos 7,60 Seara 10,53

Cargil Agrícola 7,49 Independência 6,76 Bunge Alimentos 7,55

JBS 4,64 Cargil Agrícola 5,31 Cargil Agrícola 5,14

Bunge Alimentos 4,54 Avipal 5,06 Bom Charque 4,44

VCP-MS Celulose 4,20 COOAGRI 4,36 Urucum Mineração 4,20

Tavares de Melo 4,01 Glencore 3,38 Margem 3,60

Urucum Mineração 3,65 BMZ Couros 3,14 Friboi 3,11

Minerva 3,56 Mineração Corumbaense 2,95 Avipal 2,66

Fonte: SECEX /MDIC Organizado por: Thiago da Silva Melo

Os dados demonstram a importância e a expressão das empresas ADM, Cargil

Agrícola, Bunge Alimentos e Seara Alimentos nas exportações de Mato Grosso do Sul, o

que confirma dados apresentados por Cinquetti (2008), sobre o papel das multinacionais no

desempenho comercial brasileiro. A partir disso, procuramos conhecer a localização das

mesmas no estado. (Ver Mapa 1)

Mapa 1

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50°0’0"W

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0 90 180 270 36045K m

Corumbá

Aquidauana

Porto Murtinho

Coxim

Água Clara

Ribas do Rio Pardo Três Lagoas

Bonito

Miranda

Camapuã

Inocência

Maracaju

Paranaíba

Figueirão

Bela Vista

SidrolândiaNioaque

Juti

Naviraí

Amambaí

Selvíria

Alcinópolis

Terenos

Iguatemi

Jardim

Tacuru

CAMPO GRANDE

Brasilândia

Costa Rica

Ponta PorãDourados

Jateí

Caracol

Rio Brilhante

Cassilândia

Jaraguari

Santa Rita do Pardo

Rio Verde de Mato Grosso

Nova Andradina

Anastácio

Anaurilândia

Pedro Gomes

Itaquiraí

Corguinho

Caarapó

Bandeirantes

Ivinhema

Chapadão do Sul

Bodoquena

Bataguassu

Itaporã

Batayporã

Rio Negro

São Gabriel do Oeste

Rochedo

Angélica

Paranhos

Aral Moreira

Aparecida do Taboado

Eldorado

Laguna Carapã

Dois Irmãos do Buriti

Taquarussu

Antônio João Deodápolis

Sete QuedasJaporã

Coronel Sapucaia

Guia Lopes da Laguna

Ladário

Mundo Novo

Vicentina

Douradina

Sonora

A D M

Até US$ 1 milhão

Bunge

Cargil

Seara

Entre US$ 1 e 10 milhões

Acima de US$ 50 milhões

Entre US$ 10 e 50 milhões

LEGENDA

Divisa internacional

Limite entre municípios

MATO GROSSO DO SUL - EMPRESAS EXPORTADORAS POR FAIXA DE VALOR (US$) - jan-dez/2009

Organização e desenho: Lisandra Lamoso

A distribuição das unidades exportadoras nos remeteu à pesquisa realizada por

Fortuna (2006), para o Mato Grosso, que discute as territorialidades econômicas criadas

baseadas na produção agrícola e industrial tecnificada, nas quais a logística assume um

papel crescente na redução de custos. Isso porque no Mato Grosso do Sul, a localização

das unidades corresponde ao eixo formado pela BR 163 e a localização na porção nordeste

4

coincide com a Ferrovia Ferronorte, que permite a Três Lagoas assumir uma centralidade

no serviço de transporte. Segundo pesquisa realizada por Giordano (1999), há uma

inserção competitiva das regiões no período técnico-científico e informacional que fica

bastante instigante para o nosso objeto de pesquisa.

METODOLOGIA E FONTES

A pesquisa foi desenvolvida no período compreendido entre agosto de 2010 e julho

de 2011, nesse período, como fontes de pesquisa foram utilizadas bibliografias, como

livros publicados sobre a temática e teses de mestrado e doutorado.

Foram levantados dados junto ao MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio), através do acesso à sua página eletrônica, realizando a análise dos dados

referentes à exportação de Mato Grosso do Sul e mais especificamente os resultados

obtidos pelas empresas pesquisadas, ainda, o acesso ao endereço eletrônico da ADM do

Brasil, Bunge e Cargill.

CARACTERIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS DAS EMPRESAS GLOBAIS DO SETOR

AGROINDUSTRIAL EM MATO GROSSO DO SUL

O setor agroindustrial brasileiro e sul-matogrossense se caracterizam pela presença

de poucas, porém grandes empresas multinacionais e cooperativas nacionais oriundas

principalmente do Paraná que dominam esse mercado. Essas empresas buscam estratégias

para ampliar seus negócios como nos aponta os autores:

Diante das condicionantes desse mercado, o setor mostra-se concentrado

pela presença de poucas empresas multinacionais, o ABCD da soja –

composto pelas ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus – e algumas

cooperativas principalmente Coamo Carol e Comigo. (MARINO,

SCARE e ZYLBERSTAJN, 2002 apud FAJARDO, 2007, p. 5-6).

A estratégia inicial adotada pelos empreendimentos multinacionais no Brasil está na

compra de empresas nacionais por esses grupos que adentram o território se apropriando

de uma estrutura já existente além de diminuir a concorrência por extinguir as empresas

anteriores, por isso, o mercado agroindustrial se caracteriza por ser fortemente

oligopolizado.

5

Essas empresas como a ADM, a Bunge e a Cargil dada a força de seu capital,

passam a exercer grande influência junto ao Estado, induzindo a criação de uma série de

vantagens em seu benefício. Elas atuam como tradings agrícolas, caracterizadas pelas

operações comerciais que realizam principalmente para a comercialização de commodities

e que passam a atuar também no setor agroindustrial.

Sobre a atuação das tradings e suas diferenças perante as demais empresas Fajardo

(2007) é mais elucidativo:

O que distingue a ação de uma trading agrícola das demais empresas são

as operações comerciais voltadas principalmente a comercialização de

commodities agrícolas. Entre essas commodities o peso da

comercialização da soja é evidente. E as principais tradings do mercado

de soja são algumas multinacionais do agronegócio, verdadeiras

empresas globais concentrando a comercialização do produto no Brasil.

(FAJARDO, 2007, p. 265)

Em sua atuação, se apropriam da estrutura construída para estabelecimento de

fluxos e fixos, utilizando-se da infraestrutura de energia e logística oferecidas pelo Estado

como estradas, ferrovias, portos, aeroportos e usinas hidrelétricas, para construir sua

própria territorialidade:

O território para tais empresas não passa daquele conjunto de pontos e

manchas necessários para a realização de suas atividades e que lhes dá as

possibilidades de competir eficazmente nos mercados internacionalizados.

O uso agrícola praticado no território nacional então se submete, em grande

parte, a uma lógica das empresas globais e, por conseguinte, a uma lógica

global. Na medida em que tal uso é desigual, podemos também inferir que

o território passa a ter um uso hierárquico e assim torna-se competitivo.

(TOLEDO, 2005, p. 17)

Nesse sentido, cabe destacar a atuação do Estado, subsidiando a construção e

manutenção da infraestrutura que atenda os interesses das grandes empresas do setor

agroindustrial como destaca Toledo (2005):

A construção ou melhoramento de rodovias, estradas de ferro e hidrovias

se dá em função das necessidades e intencionalidades das grandes

empresas, ou seja, são constituídos para seu privilegiado. Emerge a

cooperação entre empresas atuantes no mesmo setor para a concretização

do imperativo da fluidez e a realização das exportações. (TOLEDO,

2005, p.127)

Por isso, a utilização de fixos se torna indispensável, pois a produção no território

se dá na perspectiva de uma lógica global, ou seja, a produção dos campos brasileiros

6

historicamente atende principalmente às necessidades de consumo de países europeus e

dos Estados Unidos:

O papel da agricultura tem histórica relevância econômica no Brasil. As

principais atividades econômicas desenvolvidas no país desde o início da

colonização estiveram ligadas a produtos agrícolas ou de caráter extrativo,

como pau-brasil, cana-de-açúcar, fumo, algodão, café, borracha e cacau.

Esse modelo econômico primário-exportador manteve-se durante os

regimes políticos da Colônia, do Império e do início da República, baseado

na geração de renda proporcionada pela exportação de produtos agrícolas

para importar os bens manufaturados. (TOLEDO, 2005, p.6)

Dessa forma, as estratégias das empresas também são formuladas sob essa lógica de

exportação:

As estratégias são formuladas de acordo com os objetivos globais das

mesmas, e estes estão associados ao campo e área selecionada. No caso das

multinacionais dentro do setor agroindustrial, o domínio e a integração

completa da cadeia produtiva constitui uma dessas estratégias.

(FAJARDO, 2007, p. 263)

Siffert Filho e Faveret Filho apud Fajardo (2007, p. 263 e 264) evidenciam também

estratégias aparentemente contraditórias dessas multinacionais, que buscam a

industrialização de produtos que transmitam sua identidade, e ao mesmo tempo, expandem

sua área de atuação para o ramo sucroalcooleiro e de fertilizantes, buscando dominar toda

sua cadeia produtiva:

Entre as estratégias empresariais, destacam-se a busca por especialização,

centrando as atividades da empresa em seu core business, e a

diversificação (estratégia antagônica à especialização), representando o

ingresso em novos mercados, os quais tanto podem ser relacionados

(diversificação concêntrica) ou não com as atuais atividades (diversificação

conglomerada). De modo geral, as estratégias de especialização têm

recebido maior atenção por parte das empresas, embora não seja

desprezível o movimento de diversificação de alguns grupos. (SIFFERT

FILHO e FAVERET FILHO, 1998, p. 268 apud FAJARDO, 2007, p. 263 e

264).

Em Mato Grosso do Sul, a atuação das tradings se concentra na produção e

exportação da soja, principalmente como commodity, ou seja, proveniente de grãos e

7

farelo, sua transformação em óleo ocorre em outros lugares, sendo assim, a soja exportada

possui pouco valor agregado.

Em nível nacional verifica-se que a soja é exportada também em sua maioria

enquanto commodity, a ABIOVE (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais),

estima para o Brasil em 2011 a cifra de 22.631 milhões de dólares FOB em exportação,

sendo 15.552 milhões de dólares provenientes da soja em grão, 5.429 milhões de dólares

do farelo de soja e 1.650 milhões de dólares do óleo de soja. Em volume, estima-se que

32.400 (mil toneladas) sejam exportadas em grão, 14.100 (mil toneladas) em farelo e

apenas 1.500 (mil toneladas) industrializados como óleo que possui maior valor agregado

em relação às duas primeiras. Com relação à possível rentabilidade por tonelada exportada,

espera-se que o valor corresponda a 480 milhões de dólares/tonelada) para a soja exportada

em grão, 385 milhões de dólares/tonelada para a exportação em farelo e 1.100 milhão de

dólar/tonelada) para o óleo de soja.

Analisando-se a rentabilidade por tonelada exportada se percebe a grande diferença

de preço entre a soja em grão, em farelo e o óleo industrializado, ou seja, o valor agregado

ao produto exportado geralmente é baixo devido propriamente ao mercado em que está

inserido:

O mercado de grãos é tipicamente caracterizado como um mercado de

commodities, sendo a busca pela minimização de custos a estratégia

dominante. Economias de escala e capacidade de originação de grãos são

as principais variáveis que proporcionam vantagens competitivas.

(MARINO, SCARE; ZYLBERSZTAJN, 2002, p. 5-6).

Assim, as estratégias das empresas se concentram na redução dos custos de

logística como o transporte e a armazenagem dos grãos, sendo esse o principal diferencial

na concorrência entre as empresas do setor, uma vez que o preço da soja é regulado

internacionalmente através da bolsa de Chicago. Por isso, como já dito, as tradings em

Mato Grosso do Sul se localizam às margens da BR 163 e da Ferronorte, escoando sua

produção para o porto de Paranaguá por onde a soja é exportada.

8

Em Mato Grosso do Sul, apesar da exportação da soja enquanto commodity ainda

ser predominante, o estado já vivencia certo processo de industrialização impulsionado

pelo esmagamento da soja no estado.

Oliveira (2003) salienta essa importância da soja esmagada (farelo e óleo) para a

industrialização em Mato Grosso do Sul:

A soja esmagada (farelo e óleo) tem possibilitado além da inserção do

Mato Grosso do Sul no mercado mundial, aumento da arrecadação (apesar

dos subsídios)- o desencadeamento da implantação de outras unidades

industriais ligadas direta ou indiretamente ao consumo de seus produtos no

Mato Grosso do Sul. Como efeito, tem contribuído, com maior intensidade,

no processo de acumulação e reprodução do capital na região.

(OLIVEIRA, 2003, p. 16)

Quanto aos países de destino da soja produzida no Brasil, se localizam

principalmente na União Européia, como no caso da França e da Alemanha, servindo

principalmente para a alimentação dos rebanhos da pecuária intensiva, e na Ásia, a China

vem se configurando como grande importadora dessa matéria-prima, utilizando-a como

principal fonte de proteína na sua dieta e no abastecendo as indústrias agroalimentares.

O que se verifica nos últimos anos é o aumento da demanda desses países,

principalmente da China, pela soja. Nesse cenário, o estado de Mato Grosso do Sul vem

aumentando significativamente suas exportações sob a liderança das empresas ADM do

Brasil, Bunge e Cargil que entre 2004 e 2010 mais que quadruplicaram seus valores

exportados no estado. (Ver Figura 1).

Figura 1

9

Fonte: SECEX /MDIC Organizado por: Lisandra Lamoso e Thiago da Silva Melo

Em 2004 as três tradings somavam a quantia exportada de 122.028.070 (US$

F.O.B) correspondendo a 18,95% das exportações do estado sendo que a liderança do

segmento desse mercado cabia a Cargil com 50.169.339 (US$ F.O.B) desse valor, sendo a

terceira empresa que mais exportou em Mato Grosso do Sul representando 7,79% das

exportações do estado.

A ADM do Brasil nesse ano exportou a quantia de 44.079.419 (US$ FOB), sendo a

quarta empresa que mais exportou no estado representando 6,85% e a Bunge que exportou

27.779.312 (US$ FOB), sendo a oitava que mais exportou representando 4,31%.

Em 2006, essas empresas exportaram 236.433.781 (US$ FOB.) o que correspondeu

a 23,55% das exportações Mato Grosso do Sul, sendo que ADM com 89.227.841 (US$

FOB) foi a empresa que mais exportou no estado representando 8,89.

Nesse período, a Bunge também ultrapassou a Cargil em valor exportado chegando

a 85.931.433 (US$ FOB) significando 8,56% das exportações. Mesmo caindo para terceiro

entre as tradings a Cargil aumentou seu valor exportado para 61.274.507 (US$ FOB)

sendo 6,1% do valor exportado pelo estado.

Em 2008, o total exportado por essas empresas mais que dobrou, chegou a

487.591.499 (US$ FOB) e represetou 23,27% do que foi exportado. A ADM do Brasil se

10

manteve como a empresa que mais exportou em Mato Grosso do Sul com a quantia de

253.729.105 (US$ FOB) o que representou 12,11%. A Bunge e a Cargil também

aumentaram seus valores e atingiram a cifra de 154.812.985 (US$ FOB) e 79.049.409

(US$ FOB) representando 7,39% e 3,77% do valor exportado pelo estado,

respectivamente.

Em 2010, a ADM a Bunge e a Cargil exportaram 587.466.888 (US$ FOB)

representou 19,84%, à ADM correspondeu a cifra de 213.202.162 (US$ FOB) o que

significou 7,20% o que fez com que a empresa ocupasse a terceira colocação no ranking

das exportadoras. A Bunge e a Cargil atingiram seus maiores valores em exportação com

190.142.883 (US$ FOB) e 184.121.843 (US$ FOB) respectivamente.

A partir da análise dos dados apresentados na Figura 1 e dos dados obtidos

podemos perceber a relevância dessas empresas e do setor agroindustrial para a pauta de

exportação do Mato Grosso do Sul que em números absolutos esteve sempre em ascensão

mesmo com a crise financeira mundial de 2008.

Cabe destacar que 2010 houve uma grande expansão das exportações da Cargil e

uma diminuição nos valores da ADM, o que demonstra o aumento da concorrência entre as

tradings nos últimos anos no estado.

A liderança dessas empresas na pauta de exportação não está restrita a Mato Grosso

do Sul, apresentando grande relevância também em nível nacional como constatado

também por Fajardo (2007):

Constata-se que as maiores tradings estrangeiras que atuam no Brasil, a

Bunge, a Cargill, a ADM e a Dreyfuss (Coinbra), são responsáveis pela

comercialização e processamento da maior parte da produção agrícola do

país, sobretudo grãos, destacam-se principalmente: a soja, o milho e

cacau. (FAJARDO, 2007)

Dessa forma, essas empresas passaram a ter grande importância e a exercer

influência constituindo suas territorialidades formando redes de logística, armazenagem e

unidades de industrialização em todo o Brasil sempre ligado a estratégias globais.

Para se compreender melhor esse processo é necessária uma análise particularizada

de como cada uma dessas empresas iniciam suas atividades no país e como, no decorrer do

tempo, adotam suas estratégias, nesse intuito, segue-se um resumo sobre a história e

atuação da ADM, da Bunge e da Cargil no Brasil e como essas empresas operam no estado

de Mato Grosso do Sul:

11

A ADM DO BRASIL LTDA

A ADM (Archer Daniels Midland) iniciou suas atividades no Brasil em 1997 já

como uma das maiores processadoras e exportadoras da soja do país, após comprar várias

usinas de esmagamento, silos de grãos e silos. A empresa possui 2.000 funcionários no

Brasil e possui, ou arrenda, vinte silos em cinco estados Mato Grosso, Goiás, Minas

Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul que conta com seis.

A ADM também realiza atividades para a produção de biodiesel na usina localizada

em Rondonópolis-MT, utilizando óleo de soja como matéria-prima e está posicionada para

atender à demanda dos fazendeiros de soja.

No Mato Grosso do Sul a empresa opera nas cidades de Campo Grande, Caarapó,

Maracaju, São Gabriel do Oeste e Pedro Gomes.

No ano de 2009 a unidade da ADM localizada no município de Pedro Gomes passa

também a exportar a produção da empresa na região, o que demonstra a intenção da mesma

em expandir ainda mais suas atividades no estado.

A BUNGE BRASIL S.A

A Bunge está presente no Brasil desde 1905 e após 105 anos em território nacional

é uma das principais empresas do agronegócio e alimentos no país e é líder na produção de

grãos, no processamento de trigo e soja, na produção de fertilizantes, na fabricação de

produtos alimentícios e em serviços portuários e a primeira exportadora em agronegócio do

Brasil.

A Bunge Brasil pertence à holding Bunge Limited, fundada em 1818, com sede em

White Plains, Nova York, EUA. Com mais de 30.000 funcionários localizados em mais de

30 países, no Brasil, está presente em 16 estados de todas as regiões do país, e possui hoje

mais de 17 mil colaboradores e cerca de 150 unidades, entre indústrias, centros de

distribuição, silos e instalações portuárias. O faturamento bruto da companhia em 2009

atingiu a cifra de R$ 27,2 bilhões.

Assim como a Cargil, sua principal área de atuação é o processamento de soja e

milho e na produção de óleos vegetais e margarinas, comercializando seus produtos em

escala global.

12

A empresa detém o controle de importantes marcas de alimentos e fertilizantes

como Serrana, Manah, Iap, Ouro Verde, Salada, Soya, Cyclus, Delícia, Primor e Bunge

Pró. Como dito anteriormente, uma importante estratégia da empresa é a compra de outras

na fase monopolista do capital, quando adquiriu diversas empresas nos ramos de

alimentação, agribusiness, químico, têxtil, entre outros.

No Mato Grosso do Sul a empresa opera nas cidades de Campo Grande, com

capacidade para o processamento de 98.400 toneladas de soja, Dourados com 103.600

toneladas, Sidrolândia com 18.000 toneladas, Sonora com capacidade de 45.000 toneladas,

Chapadão do Sul com 35.000 toneladas, Maracaju com capacidade de 60.000 toneladas e

São Gabriel do Oeste com 42.000 toneladas. (Ver Figura 2)

Figura 2

Capacidade de Processamento da Bunge no Mato Grosso do

Sul

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

Dourados Campo

Grande

Maracaju Sonora São Gabriel

do Oeste

Chapadão

do Sul

Fonte: Bunge, 2011 Organizado por: Thiago da Silva Melo

A CARGILL AGRÍCOLA S.A

A Cargil está no Brasil desde 1965, atualmente, está entre as maiores indústrias de

alimentos e uma das 15 maiores empresas do país, é também a principal exportadora de

soja do Brasil e a maior processadora de cacau da América Latina.

13

Presente em 67 países a Cargil mantém aproximadamente 138 mil funcionários e

em 2009 registrou US$ 116,5 bilhões em vendas e outras receitas e lucro líquido de US$

3,3 bilhões. A empresa possui no Brasil unidades industriais, armazéns, escritórios e

terminais portuários em cerca de 120 municípios, onde trabalham aproximadamente 6 mil

funcionários. Em 2009, alcançou receita líquida de R$ 15,8 bilhões no país.

No Mato Grosso do Sul, a empresa opera nas cidades de Dourados, Caarapó, Três

Lagoas, Maracaju, Sidrolândia, Chapadão do Sul e São Gabriel do Oeste.

Entre as tradings estudas a Cargil foi a que mais expandiu sua atuação no estado de

Mato Grosso do Sul, desde 2006 a empresa passou a exportar de mais três cidades

Sidrolândia, Chapadão do Sul e São Gabriel do Oeste, além de aumentar

consideravelmente a cifra exportada de Três Lagoas, sede da empresa no estado, em 2009.

Porém, essa rápida espansão da empresa no estado tem produzido um ritmo cada

vez mais intenso de trabalho de seus funcionários para atender às necessidades de

exportação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação (Contac/CUT) e

os sindicatos já chegaram a denunciar a empresa no Ministério do Trabalho e da

Previdência, solicitando maior fiscalização. Em 2008, 1.500 trabalhadores da sala de cortes

do frigorífico da Cargil na unidade de Sidrolândia entraram em greve por melhores

condições de trabalho e segurança e reivindicações salariais. Para além dos números

crescentes da atividade, permanecem em discussão as reivindicações trabalhistas por

salários e condições de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dinâmica de ordenamento territorial promovida pelas unidades exportadoras de

grãos está diretamente relacionada à competitividade e a rede urbana presente.

As estratégias locacionais dessas empresas é parte fundamental de suas estratégias

competitivas, por isso, em Mato Grosso do Sul verificamos que estão localizadas junto à

BR 163 e à Ferronorte, principais corredores de exportação para o porto de Paranaguá, por

onde a soja é embarcada com destino, principalmente, para a Europa e China. A

localização está relacionada com os sistemas de engenharia utilizados para a exportação de

sua produção, tendo o Estado um papel fundamental na manutenção dos fixos que dão

suporte à territorialidade dessas empresas.

14

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