comentários aos julgados do tcu - nº 5

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Sessões de 2 e 3 de junho de 2015 Ano I – nº 5 LICITAÇÃO – CONTRATAÇÕES SUSTENTÁVEIS – CERTIFICAÇÕES – MOTIVAÇÃO – ECONOMICIDADE – ART. 3º DA LEI Nº 8.666/1993. “A certificação FSC (Forest Steward Council) pode constar como especificação técnica do objeto a ser fornecido, não como exigência de habilitação da licitante (arts. 2º e 3º do Decreto 7.746/12). É legítimo que as contratações da Administração Pública se adequem a novos parâmetros de sustentabilidade ambiental, ainda que com possíveis reflexos na economicidade da contratação. Deve constar expressamente dos processos de licitação motivação fundamentada que justifique a definição das exigências de caráter ambiental, as quais devem incidir sobre o objeto a ser contratado e não como critério de habilitação da empresa licitante.” Fonte: Processo TC nº 025.651/2013-7. Acórdão nº 1375/2015 — Plenário. Relator: Ministro Bruno A Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, além de estabelecer que “todos têm direito ao meio ambien- te ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. 1 Ainda em sede constitucional, define-se como um dos princípios da ordem econômica a “defesa do meio am- biente, inclusive mediante tratamento diferenciado con- forme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”. 2 Firme nesses preceitos, a Lei nº 12.349, de 15 de dezem- bro de 2010, acresceu às finalidades da licitação a promo- ção do desenvolvimento nacional sustentável, ao alterar a redação do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: 1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federati- va do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. “Art. 225. Todos têm direito ao meio am- biente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]”. 2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federati- va do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; [...]”. Nesse sentido, a Lei 8.666/1993 dispõe: “Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e servi- ços serão considerados principalmente os seguintes requisitos: [...] VII - impacto ambiental”. Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a pro- moção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probi- dade administrativa, da vinculação ao instrumento con- vocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Essa alteração legislativa revela-se fundamental quando considerado que, para movimentar a máquina pública, é necessária a compra de grande quantidade de produtos, além da execução de diversas obras e serviços. O Esta- do é, portanto, consumidor de recursos naturais em larga escala. Nesse cenário, a relevância dos contratos administrativos ultrapassa a seara econômica e o atendimento aos objeti- vos imediatos da Administração, devendo ser instrumen- to de efetivação das políticas públicas ambientais, com a consequente melhoria da qualidade de vida das gerações futuras. 3 É possível exigir critérios e práticas de caráter ambiental nos instrumentos convocatórios? 3 De acordo com a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e De- senvolvimento, desenvolvimento sustentável é definido como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibili- dade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”. in: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Var- gas, 1991, p. 46. Comentários aos principais julgados doTribunal de Contas da União –TCU

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Quinta edição do informativo que contém comentários e análises sobre as principais novidades na jurisprudência do Tribunal de Contas da União - TCU.

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Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU

Sessões de 2 e 3 de junho de 2015 Ano I – nº 5

LICITAÇÃO – CONTRATAÇÕES SUSTENTÁVEIS – CERTIFICAÇÕES – MOTIVAÇÃO – ECONOMICIDADE – ART. 3º DA LEI Nº 8.666/1993.“A certificação FSC (Forest Steward Council) pode constar como especificação técnica do objeto a ser fornecido, não como exigência de habilitação da licitante (arts. 2º e 3º do Decreto 7.746/12).É legítimo que as contratações da Administração Pública se adequem a novos parâmetros de sustentabilidade ambiental, ainda que com possíveis reflexos na economicidade da contratação. Deve constar expressamente dos processos de licitação motivação fundamentada que justifique a definição das exigências de caráter ambiental, as quais devem incidir sobre o objeto a ser contratado e não como critério de habilitação da empresa licitante.”Fonte: Processo TC nº 025.651/2013-7. Acórdão nº 1375/2015 — Plenário. Relator: Ministro Bruno

A Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio

ambiente para as presentes e futuras gerações, além de estabelecer que “todos têm direito ao meio ambien-te ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.1

Ainda em sede constitucional, define-se como um dos princípios da ordem econômica a “defesa do meio am-biente, inclusive mediante tratamento diferenciado con-forme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.2

Firme nesses preceitos, a Lei nº 12.349, de 15 de dezem-bro de 2010, acresceu às finalidades da licitação a promo-ção do desenvolvimento nacional sustentável, ao alterar a redação do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: 1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federati-va do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. “Art. 225. Todos têm direito ao meio am-biente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]”.2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federati-va do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; [...]”. Nesse sentido, a Lei 8.666/1993 dispõe: “Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e servi-ços serão considerados principalmente os seguintes requisitos: [...] VII - impacto ambiental”.

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a pro-moção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probi-dade administrativa, da vinculação ao instrumento con-vocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Essa alteração legislativa revela-se fundamental quando considerado que, para movimentar a máquina pública, é necessária a compra de grande quantidade de produtos, além da execução de diversas obras e serviços. O Esta-do é, portanto, consumidor de recursos naturais em larga escala.

Nesse cenário, a relevância dos contratos administrativos ultrapassa a seara econômica e o atendimento aos objeti-vos imediatos da Administração, devendo ser instrumen-to de efetivação das políticas públicas ambientais, com a consequente melhoria da qualidade de vida das gerações futuras.3

É possível exigir critérios e práticas de caráter ambiental nos instrumentos convocatórios?

3 De acordo com a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e De-senvolvimento, desenvolvimento sustentável é definido como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibili-dade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”. in: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Var-gas, 1991, p. 46.

Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União –TCU

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expedienteComentários aos principais julgados do Tribunal

de Contas da União - TCU

Produção: Cristiana Muraro, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Murilo Jacoby Fernandes

Diagramação e layout: Alveni LisboaOs artigos publicados neste informativo são de

responsabilidade exclusiva de seus autores.

Ao analisar a aquisição de mobiliário9 e papel, o TCU considerou não só possível, como também desejável, a exigência de certificações que comprovem a procedên-cia ambientalmente responsável dos produtos.

Como exemplos, citem-se a certificação Forest Steward Council – FSC e a Certificação Florestal – Cerflor, essa última emitida pelo Inmetro.10 Por meio de suas respec-tivas logomarcas, identificam-se os produtos originados do manejo florestal ambientalmente adequado.

Os parâmetros de sustentabilidade devem cons-tar como requisito de habilitação da licitante ou como característica do objeto a ser fornecido?

Apesar de pacificado que os critérios de salvaguarda dos interesses ambientais são bem-vindos nas licitações, a forma de exigência desses critérios tem sido objeto de discussão.

A Corte de Contas entende que os critérios e práticas de sustentabilidade não devem constar como condição de habilitação do licitante, e sim como especificação técni-ca do objeto ou como obrigação da contratada.11

O posicionamento é justificado pela literalidade do art. 3º do Decreto nº 7.746/2012,12 e coaduna-se com deli-berações anteriores do TCU, que assentam que os re-quisitos de habilitação elencados na Lei nº 8.666/1993 devem ser interpretados de forma restritiva.13

Ou seja, considera-se que inexiste previsão legal que autorize a inclusão de exigências de caráter ambiental

9 TCU. Acórdão nº 2.995/2013 – Plenário e Acórdão nº 1375/2015 — Plenário. 10 Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. 11 Nesse sentido: Acórdão nº 2.995/2013; Acórdão nº 122/2012; Acórdão nº 423/2007; Acórdão nº 492/2011; Acórdão nº 1.162/2008; Acórdão nº 1.085/2011 — todos do Plenário. 12 Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012: “Art. 3º Os critérios e práticas de sustentabilidade de que trata o art. 2º serão veiculados como especificação técnica do objeto ou como obrigação da con-tratada”.13 TCU. Acórdãos nº 1.405/2006 e nº 354/2008 — ambos do Ple-nário; Acórdão nº 949/2008 — 2ª Câmara; e Acórdão nº 566/2006 — Plenário.

Sim. A jurisprudência pacífica do TCU legitima a inclusão de critérios objetivos que permitam a realização de con-tratações sustentáveis4 nos instrumentos convocatórios, e, inclusive, tem cientificado às unidades jurisdicionadas de que a ausência desses critérios constitui impropriedade a ser sanada.5

O posicionamento do TCU tem base na regulamentação do art. 3º da Lei nº 8.666/1993, efetuada por meio do De-creto nº 7.746, de 05 de junho de 2012, que assim dispõe:

Art. 2º A administração pública federal direta, autárquica e fundacional e as empresas estatais dependentes poderão adquirir bens e contratar serviços e obras considerando critérios e práticas de sustentabilidade objetivamente definidos no instrumento convocatório, conforme o dis-posto neste Decreto.

Entre os critérios e as práticas de caráter ambiental nas licitações, incluem-se certificações?

Sim. O aludido Decreto traça como uma das diretrizes de sustentabilidade a “origem ambientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras” 6 e, ainda, assegura que certificações emitidas por institui-ção pública oficial ou instituição credenciada são aptas a comprovar as demandas editalícias.7

Regras nesse mesmo sentido são fixadas na Instrução Normativa nº 01, de 19 de janeiro de 2010, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.8

4 Ao longo do texto a referência à sustentabilidade se cingirá à dimen-são ambiental.5 TCU. Processo nº 026.830/2013-2. Acórdão nº 1.855/2015 – 1ª Câ-mara. Relator: Min. Walton Alencar. 6 Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012. Art. 4º, inc. VII. 7 Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012. “Art. 8º A comprovação das exigências contidas no instrumento convocatório poderá ser feita mediante certificação emitida por instituição pública oficial ou institui-ção credenciada, ou por qualquer outro meio definido no instrumento convocatório”.8 Instrução Normativa nº 01, de 19 de janeiro de 2010. Dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contra-tação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências. Art. 5º.

Revisão: Barbara AndradeDúvidas, críticas ou sugestões:

http://www.jacoby.pro.br [email protected]

(61) 3366-1206Coordenação: Álvaro Luiz da Costa Júnior

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como condição de habilitação, em especial em virtude do que consta do § 5º do art. 30 da Lei nº 8.666/1993, que veda “a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ain-da em locais específicos, ou quaisquer outras não pre-vistas nesta Lei, que inibam a participação na licitação”.

Na linha desse raciocínio, o Superior Tribunal de Jus-tiça — STJ já decidiu que “o interesse público reclama o maior número possível de concorrentes, configurando ilegalidade a exigência desfiliada da lei básica de regên-cia e com interpretação de cláusulas editalícias impondo condição excessiva para a habilitação.”14

Verifica-se, portanto, a preocupação com eventuais res-trições à ampla competitividade e à isonomia, zelo esse que ainda encontra amparo nos seguintes dispositivos legais:

a) art. 37, inc. XII, da Constituição Federal, que fir-ma que a licitação pública somente permitirá “as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”;

b) art. 3º, § 1º, inc. I, da Lei nº 8.666/1993;15

c) parágrafo único do art. 2º do Decreto nº 7.746/2012, que ressalva a necessidade de se “preservar o caráter competitivo do certame”.

Nesse norte, o TCU pondera que as exigências de caráter ambiental estão diretamente vinculadas à execução do objeto contratado, e não à aptidão técnica do licitante.

Por isso, os critérios e asa práticas de sustentabilidade devem ser objeto de análise na fase de julgamento das propostas, momento em que é feito o cotejo entre o obje-to cotado e os requisitos de sua aceitabilidade definidos no edital – em especial aqueles delimitados nas especifi-cações técnicas.

14 STJ. MS nº 7814/DF. Relator: Min. Francisco Falcão — 1ª Seção. Julgamento: 28/08/2002. Publicação DJ 21/10/2002, p. 267.15 Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: “Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. § 1º É vedado aos agentes públicos: I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de socieda-des cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico ob-jeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; [...]”.

Projeto de lei em trâmite!

Está em trâmite o Projeto de Lei nº 0025/2007, que obje-tiva incluir o inc. V ao art. 30 da Lei nº 8.666/1993, com a seguinte redação:

V - prova de atendimento de requisitos de sustentabili-dade ambiental, conforme definidos no edital convoca-tório de acordo com o objeto da licitação, sempre que a obra, serviço ou produto licitado envolver potencial dano ambiental, seja por sua natureza ou pela locali-zação das instalações necessárias à sua execução ou fornecimento.

Acaso aprovado, as exigências de caráter ambiental po-derão ser requisito de habilitação dos licitantes, frente à expressa previsão legal que passará a existir.

O desenvolvimento sustentável pode justificar con-tratações economicamente mais onerosas?

Sim, mas a questão deve ser analisada com cautela.

Em alguns casos, a contratação menos lesiva ao meio ambiente pode acarretar maior dispêndio econômico por parte da Administração. Verificam-se, nessa situação, dois valores conflitantes, ambos refletindo o interesse público: a proteção ao meio ambiente e a economicidade.

Se porventura esse conflito se configurar, a visão teleo-lógica das licitações e o enfoque macroeconômico das contratações públicas autorizam a ponderação entre os dois valores, por meio da utilização do princípio da pro-porcionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, ainda que não analisando caso que envolva licitação, e em época anterior à altera-ção legislativa promovida pela Lei nº 12.349/2010, já se manifestou no sentido de que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por razões mera-mente econômicas:

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍ-PIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PRO-TEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interes-ses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se ti-ver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se al-terem as propriedades e os atributos que lhe são ine-rentes, o que provocaria inaceitável comprometimento

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Os destaques mais importantes do Diário Oficial da União comentados pelo Prof. Jacoby Fernandes diariamente no seu e-mail!

da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NA-CIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. O princípio do desenvolvimento susten-tável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em com-promissos internacionais assumidos pelo Estado bra-sileiro e representa fator de obtenção do justo equilí-brio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, à invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o con-teúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambien-te, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.16

É claro que cada caso deve ser analisado individualmente, de modo a evitar a oneração desproporcional dos cofres públicos, razão pela qual é mister que se fundamente, nos autos do processo licitatório, os motivos pelos quais a demanda ambiental justifica a menor economicidade da contratação, se for o caso. O tema será melhor abor-dado a seguir.

As exigências de caráter ambiental devem ser mo-tivadas nos autos do processo licitatório?

Sim. O princípio da motivação é de observância obriga-tória pela Administração Pública, nos termos dos arts. 2º e 50 da Lei nº 9.784/1999.17 16 STF. Medida Cautelar em ADI nº 3.540. Relator: Ministro Celso de Mello – Plenário. Data do julgamento: 01/09/2005.17 Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999: “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, fi-nalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. [...] Art. 50. Os atos administrativos deverão ser moti-vados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos

No caso de introdução de critérios e práticas de susten-tabilidade no instrumento convocatório, a necessidade de fundamentação ainda é especificamente imposta pelo parágrafo único do art. 2º do Decreto nº 7.746/2012.18

As vantagens da exigência de parâmetros que salvaguar-dem os interesses ambientais em licitações devem ser es-clarecidas nos autos do processo licitatório, de maneira explícita, clara e congruente, indicando-se os dispositi-vos legais justificadores da demanda.

Outrossim, no Acórdão nº 1687/2013 – Plenário, o TCU preconizou que a motivação deve ser levada a feito por meio de parecer técnico.

Dessa forma, o gestor público protege-se de eventuais questionamentos dos órgãos de controle a respeito de eventual restrição à competitividade, obstada pelos dis-positivos legais já citados.

O caso concreto analisado pelo TCU.

No caso analisado pelo TCU, envolvendo pregão eletrô-nico para contratação de serviços de impressão de mate-rial didático, discutiu-se, entre outras questões, a respon-sabilidade do pregoeiro acerca da:

a) exigência de certificação FSC ou equivalente, quanto ao papel a ser utilizado na confecção do material gráfico, como requisito de habilitação, acarretando possível restrição ao caráter compe-titivo do certame; e

b) ausência de motivação expressa e sem indicação de dispositivo legal que embasaria a necessida-de de apresentação da referida certificação pelo licitante.

administrativos de concurso ou seleção pública; [...] § 1o A motiva-ção deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em de-claração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte in-tegrante do ato. [...]”.18 Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012: “Art. 2º A administração pública federal direta, autárquica e fundacional e as empresas estatais dependentes poderão adquirir bens e contratar serviços e obras considerando critérios e práticas de sustentabilidade objetivamente definidos no instrumento convocatório, conforme o disposto neste Decreto. Parágrafo Único. A adoção de critérios e práticas de sus-tentabilidade deverá ser justificada nos autos e preservar o caráter competitivo do certame”.

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Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU

Autores do texto:• Jorge Ulisses Jacoby Fernandes• Sofia Rodrigues Silvestre Guedes

Acórdãos/Decisões referidos:• STF.  Medida Cautelar em ADI nº 3.540. Relator: Ministro Celso de Mello – Plenário.

Julgamento: 01/09/2005• STJ. MS nº 7814/DF. Relator: Ministro Francisco Falcão — 1ª Seção. Julgamento:

28/08/2002. Publicação DJ 21/10/2002, p. 267.

• TCU. Acórdão nº 1687/2013 – Plenário. Relator: Ministro Valmir Campelo. Julgamento:

03/07/2013

Normas Referidas:• Constituição Federal

• Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.• Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

• Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012.• Instrução Normativa nº 01, de 19 de janeiro de

2010, do MPOG.

Ambas as condutas foram consideradas ilegais, tendo em vista que as certificações ambientais não devem constar como condição de habilitação da licitante, e sim como característica do objeto a ser fornecido. Ademais, a mo-tivação era essencial para demonstrar que a cerificação traria benefícios à Administração.

A responsabilidade do pregoeiro, todavia, foi afastada nesses pontos específicos, pois:

a) muitas empresas participaram do certame, e ne-nhuma delas foi inabilitada em virtude da exigên-cia da certificação ambiental; e

b) a matéria debatida é relativamente recente, o que permitiu ao gestor público interpretar a legisla-ção de maneira aceitável, apesar de equivocada.

LICITAÇÃO – MICROEMPRESA – EMPRESA DE PEQUENO PORTE – FISCALIZAÇÃO EM SEDE DE LICITAÇÃO –

ARTS. 3º E 42º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06 – ART. 43, §3º, DA LEI Nº 8.666/1993

“Havendo dúvidas sobre o enquadramento da licitante na condição de microempresa ou de empresa de pequeno porte, segundo os parâmetros estabelecidos no art. 3º da Lei Complementar 123/06, além de se realizar as pesquisas pertinentes nos sistemas de pagamento da Administração Pública Federal, deve ser solicitado à licitante a apresentação dos documentos contábeis aptos a demonstrar a correção e a veracidade de sua declaração de qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte para fins de usufruto dos benefícios da referida lei.”.Fonte: Acórdão 1370/2015-Plenário, TC 034.794/2014-0. Relatora: Ministra Ana Arraes. Julgado em: 3.6.2015

A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em seu Capítulo V, traz o tratamento diferen-

ciado para as Microempresas – ME – e Empresas de Pe-queno Porte – EPP – em licitações públicas, permitindo que essas espécies de empresas gozem de benefícios tan-to na fase de disputa de preços como na fase habilitação.

Para que a empresa goze do tratamento diferenciado, deve atender aos requisitos do art. 3º da LC nº 123/2006, que trata justamente do enquadramento de uma empresa nas categorias de ME ou EPP, e obter o devido registro que assim indique.

Em licitações públicas, basta apresentar uma declara-ção junto com a sua documentação inicial, normalmente solicitada no próprio edital, informando à Administra-ção que está enquadrada nas regras da LC nº 123/2006. Diante dessa declaração e do efetivo registro, a ME ou EPP poderá participar do certame e gozar de tratamento diferenciado.

Tem se identificado, contudo, a participação fraudulenta de empresas que, após início de suas atividades, deixa-ram de se enquadrar nos requisitos do art. 3º da LC nº 123/2006, não possuindo mais o direito ao tratamento diferenciado para participação em licitações.

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Quando comprovada essa situação em processos de sua jurisdição, o Tribunal de Contas da União tem aplicado a penalidade de inidoneidade para participar de licitações e orientado que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal adotem o mesmo rigor, quando a identi-ficação da fraude ocorre no próprio processo licitatório.

Mas se a empresa mantém o registro desatualiza-do e apresenta declaração no certame, qual a for-ma de se identificar a fraude?

Tem sido muito utilizado pelas Comissões de Licitação e por Pregoeiros a consulta aos sistemas informatizados de pagamentos realizados pela Administração Pública, cujas informações de valores e destinatários realizados ao longo dos anos-calendários estão disponíveis via in-ternet, publicamente.

Esse sistema é um critério idôneo para verificar a regu-laridade da ME ou da EPP, pois é possível verificar, por exercício, o real faturamento bruto auferido em contra-tos com o ente público responsável pelo cadastro.

A consulta aos sistemas é meio exclusivo para a análise?

Não. Como se pode verificar, os sistemas de transparên-cia são restritos ao ente responsável pelo cadastro e ali-mentação. Assim, os sistemas são restritos a contratos firmados com a Administração Pública, de modo vincu-lado às respectivas esferas de governo.

É fato que, ainda hoje, nem todos os estados-membros e municípios detêm o sistema de transparência disponí-vel para consulta na internet. Por outro lado, a LC nº 123/2006 não restringe o enquadramento das ME e EPP ao faturamento bruto em contratos com a Administração Pública, mas, sim, quanto ao faturamento bruto total au-ferido no exercício. É essa a redação expressa do §1º do art. 3º:

Art. 3º [...]

§ 1º Considera-se receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.

Assim, a Administração deve adotar providências para buscar informações sobre o efetivo faturamento bruto da empresa, decorrente de todas as suas fontes de receitas, tais como contratos privados no mercado interno e ex-terno.

Essa foi a orientação do TCU no caso em análise.

A partir dessa orientação, a diligência deve ser re-alizada em todos os certames?

Não. Em regra, as declarações ofertadas na licitação tem presunção de veracidade, devendo ser aceitas pela Admi-nistração. Apenas quando houver dúvida acerca da vera-cidade do conteúdo da declaração é que a Administração deverá diligenciar para confirmá-la.

Por outro lado, havendo a dúvida, a Comissão de Lici-tação ou o Pregoeiro não poderão deixar de realizar as diligências, uma vez que o zelo pela legalidade absoluta do certame compete a essas autoridades. Nesse sentido, o TCU tem reiteradas decisões no sentido de que a dili-gência constitui um poder-dever da Administração, e não uma discricionariedade:

[...] Ao constatar incertezas sobre cumprimento das dis-posições legais ou editalícias, especialmente as dúvi-das que envolvam critérios e atestados que objetivam comprovar a habilitação das empresas em disputa, o responsável pela condução do certame deve promo-ver diligências, conforme o disposto no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993, para aclarar os fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que servirão de base para to-mada de decisão da Administração nos procedimentos licitatórios.1

Qual diligência adicional é possível nesses casos?

Uma boa forma de comprovar a regularidade da situação da ME ou da EPP é a requisição, pela Comissão de Li-citação ou pelo Pregoeiro, dos documentos contáveis da empresa que evidenciem a composição de seu patrimô-nio e a sua evolução no último exercício.

Relembrando os conceitos

O enquadramento de uma empresa como ME ou EPP consta da LC nº 123/2006, art. 3º, e o critério para tal é o faturamento bruto auferido pela empresa no ano-calen-dário2.

Ocorre que, após o início das atividades, uma ME ou EPP pode superar o faturamento bruto previsto no quadro aci-ma. Nessa situação, para a ME, caso esta ultrapasse o seu limite de faturamento previsto para essa categoria, mas permaneça no limite de faturamento de uma EPP, deverá, no ano seguinte, passar a esta condição. No caso da EPP ultrapassar o faturamento bruto estabelecido pelo art. 3º, inc. II, da LC nº 123/2006, em um mesmo ano-calendá-rio, deverá ser desenquadrada do regime legal no mesmo exercício ou no exercício seguinte, a depender das situ-ações previstas no §9º e §10 do art. 3º3.

1 TCU. Acórdão nº 3.418/2014 – Plenário.2 Ver tabela 13 Veja a tabela 2 na próxima página.

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Note-se que a LC nº 123/2006 não contemplou a situação em que uma ME ultrapassa, no mesmo ano-calendário, o limi-te previsto para enquadramento como EPP, o que, em tese, deveria resultar no seu desenquadramento.

Por sua relevância, o tema deve receber tratamento jurisprudencial para uma definição mais segura. Entende-se, no entanto, que uma interpretação finalística da lei impõe a aplicação das mesmas regras para a EPP, o que permitira o seu desenquadramento imediato ou no exercício seguinte, conforme as regras definidas na LC nº 123/2006.

Tabela 1

MICROEMPRESA

(art. 3º, inc. I)

EMPRESA DE PEQUENO PORTE

(art. 3º, inc. II)Em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais).

Em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

Tabela 2

MICROEMPRESA No mesmo exercício No exercício seguinte

N/A Exceder, no ano-calendário, o limite previsto no inc. I do art. 3º (R$ R$ 360.000,00).

Passa à condição de EPP.

EMPRESA DE PEQUENO PORTENo mesmo exercício No exercício seguinte

Exceder, no ano-calendário, o limite de recei-ta bruta anual previsto no inc. II do art. 3º (R$ 3.600.000,00).

Se o excesso verificado em relação à receita bru-ta previsto no inciso II do art. 3º não for supe-rior a 20%.

Desenquadramento do regime da LC nº 123/2006 – para fins de participação em licitações.

Autores do texto:• Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior

Acórdãos/Decisões referidos:• TCU. Acórdão nº 1.370/2015 — Plenário.

Normas Referidas:• Lei Complementar nº 123,

de 14 de dezembro de 2006.• Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

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