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Relatório nº 21790-BR Combate à Pobreza Rural no Brasil: Uma Estratégia Integrada (em dois volumes) Volume I: Resumo 27 de dezembro de 2001 Departamento do Brasil Região da América Latina e do Caribe Documento do Banco Mundial

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Relatório nº 21790-BR

Combate à Pobreza Rural no Brasil: Uma Estratégia Integrada (em dois volumes) Volume I: Resumo

27 de dezembro de 2001 Departamento do Brasil Região da América Latina e do Caribe

Documento do Banco Mundial

Equivalências Monetárias Moeda corrente - Real (R$)

Dezembro de 1999: R$1,79/US$ Dezembro de 2000: R$ 1,95/US$ Dezembro de 2001: R$ 2,40/US$

Pesos e Medidas Este relatório utiliza o sistema métrico decimal.

Ano Fiscal 1o de janeiro a 31 de dezembro

Siglas e Acrônimos

AT Assistência Técnica FUMAC Fundo Municipal de Apoio Comunitário FUMAC-P Fundo Municipal de Apoio Comunitário - Piloto FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária LSMS Living Standard Measurement Survey (Pesquisa sobre Padrões de Vida) NE Região Nordeste NGO Organização Não-Governamental PAPR Programa de Alívio à Pobreza Rural PDRN Programa de Desenvolvimento Rural do Nordeste PDRN-R Programa de Desenvolvimento Rural do Nordeste - Reformulado PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilios PPV Pesquisa sobre Padrões da Vida PROCERA Programa Especial de Reforma Agrária, substituído pelo PRONAF PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar RGPS Regime Geral da Previdência Social RNA Rural Não-Agrícola SE Região Sudeste

Vice-Presidente: David de Ferranti Diretor para o País: Vinod Thomas

Diretor Setorial: Ernesto May Gerente Setorial: Norman L. Hicks

Coordenador: Alberto Valdés

PREFÁCIO

O Volume I foi preparado por Alberto Valdés (Coordenador) e Johan A. Mistiaen (Consultor).

Agradecemos as observações proveitosas dos revisores Malcolm Bale (Gerente Setorial, EASRD) e Robert Thompson (Diretor, RDV) e os comentários construtivos de Gobind Nankani (Ex-Diretor para o País, LCC5C), Joachim von Amsberg (Economista Principal, LCC5C), Norman Hicks (Gerente Setorial, LCSPP), Indermit Gill (Economista Principal, LCSHD) e Mark Roland Thomas (Economista, LCC5A).

As minutas deste relatório foram discutidas com muitas instituições e funcionários do Governo brasileiro, e seus comentários levados em consideração. No entanto, as opiniões expressas neste documento são exclusivas do Banco Mundial.

O Volume II contém os seguintes estudos preliminares nos quais este relatório se baseia:

Capítulo 1. A Poverty Profile of Brazil (Perfil da pobreza no Brasil). Claudia Romano (Consultora, São Paulo). Capítulo 2. Dinâmica do setor brasileiro de pequenas propriedades agrícolas

Guilherme Leite da Silva Dias (Professor, Universidade de São Paulo, USP) e Alexandre Lahoz Mendonça de Barros (Professor Visitante, Univ. de São Paulo, USP).

Capítulo 3. Avaliação dos mercados de terras rurais nos anos 90 Francisco Galvão Carneiro (Professor, Universidade Católica de Brasília). Capítulo 4. Mercados de terras e combate à pobreza rural

Antonio Salazar P. Brandão (Professor, Universidade Santa Úrsula e Univ. do Estado do Rio de Janeiro, UERJ), Guilherme Soria Bastos Filho (Fundação Getúlio Vargas, FGV) e Alexandre P. Brandão (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE).

Capítulo 5. Determinantes das receitas agrícolas e dos retornos produtivos de agricultores pobres

Ramon Lopez (Professor, University of Maryland) e Claudia B. Romano (Consultora, São Paulo).

Capítulo 6. Pobreza e emprego não-agrícola no Brasil rural Peter Lanjouw (Economista Sênior, Banco Mundial). Capítulo 7. Educação rural Sergei Soares, Jorge Abrahão de Castro e Adriana Fernandes Lima

(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA). Capítulo 8. Previdência Rural Truman Packard (Especialista em proteção social, Banco Mundial). Capítulo 9. Políticas públicas para redução da pobreza rural: uma análise seletiva) Joachim von Amsberg (Economista Principal, Banco Mundial).

Sumário

VOLUME I: RELATÓRIO PRINCIPAL/VISÃO GERAL PREFÁCIO RESUMO EXECUTIVO I Perfil da pobreza rural: fatos atualizados e novas conclusões II Estrutura estratégica para redução da pobreza em cinco vias IV 1. Intensificação da agricultura no setor de pequenas propriedades rurais IV 2. Um setor agrícola comercial mais dinâmico IV 3. Estimular o crescimento do setor rural não-agrícola (RNA) V 4. Migração de jovens V 5. Oferecer uma rede de segurança para as pessoas "aprisionadas" na pobreza VI Conjunto experimental de políticas integradas para redução da pobreza rural VII CAPÍTULO SÍNTESE 1 Introdução 1 Perfil da pobreza rural: fatos atualizados e novas conclusões 2 Estrutura estratégica para redução da pobreza rural 7 Caminhos para sair da pobreza rural: abordagem em cinco vias 8 Intensificação agrícola do setor de pequenas propriedades rurais 8 Agricultura comercial mais dinâmica 9 Emprego rural não-agrícola 10 Migração dos jovens 10 Uma rede de segurança para as pessoas "aprisionadas" na pobreza 11 Conjunto de políticas integradas para redução da pobreza rural 14 Aprimoramento da dotação do capital humano 14 Reforma do mercado de terras rurais 15 Ampliação da P&D e da transferência de tecnologia 18 Reforma do mercado financeiro rural 18 Reforma do mercado de trabalho rural 19 Revisão da legislação trabalhista 19 Questões relacionadas ao emprego RNA 20 Oferta de bens públicos e desenvolvimento de capital social 21 Política comercial e de preços 22 Programas de transferência 22 Análise preliminar seletiva do conjunto de políticas 23 APÊNDICE: RESUMO DOS ESTUDOS PRELIMINARES 26 1. Perfil da pobreza no NE e SE do Brasil: fatos atualizados 26 Dados: limitações e soluções 26 Medidas de incidência de pobreza 27 Características dos domicílios rurais pela renda 28 Características dos domicílios rurais por emprego 30 2. Dinâmica do setor brasileiro de pequenas propriedades agrícolas 32

Principais mudanças estruturais e suas implicações no setor brasileiro de pequenas propriedades agrícolas 33

Discussão da política de combate à pobreza rural no setor de pequenas propriedades 35

3. Mercados de trabalho rurais 36 Algumas tendências e características relevantes dos mercados de trabalho rurais no Brasil 37 A legislação trabalhista para os trabalhadores rurais 38 4. Mercados de terras rurais 41 Evolução da estrutura agrária 42 Os mercados de terras rurais foram atrofiados pela legislação fundiária e por direitos de propriedades não garantidos 42 Posse de terra não garantida: efeitos potencialmente adversos sobre a produtividade, a renda e a reestruturação agrícola 44 5. Determinantes da renda agrícola e do retorno de fatores produtivos dos agricultores pobres no Brasil 45 Características das atividades agrícolas 45 Efeitos da desvalorização da taxa de câmbio 46 Efeitos da abertura comercial: uma redução uniforme na proteção à importação 47 Determinantes da receita agrícola 48 A influência dos preços nos retornos dos fatores produtivos 50 6. Emprego rural não-agrícola 51 Características das atividades rurais não-agrícolas 51 7. Educação rural 53 Educação rural e urbana 53 Heterogeneidade rural: NE e SE 54 Questões principais 55 8. Nota sobre previdência e pobreza rurais 55 9. Políticas públicas para redução da pobreza: uma análise seletiva 57 Análise comparativa da eficácia do programa 58 BIBLIOGRAFIA 61

I

RESUMO EXECUTIVO

Este relatório, finalizado em 2001, representa uma etapa do planejamento da estratégia integrada para redução da pobreza no Brasil. O relatório contém um perfil atualizado e mais detalhado da população rural carente do Nordeste (NE) e do Sudeste (SE) do País, identifica os principais determinantes da pobreza rural nessas regiões e propõe uma estrutura estratégica em cinco vias que engloba um conjunto de políticas integradas visando ajudar efetivamente a reduzir a pobreza rural no Brasil. Esse conjunto experimental de opções de políticas foi identificado por meio da análise dos determinantes da política rural, complementada por uma avaliação dos atuais programas públicos relevantes e por seis estudos temáticos aprofundados que se fundamentam nos componentes essenciais da abordagem proposta de políticas integradas, que se destina a mitigar a pobreza rural nas regiões NE e SE: (a) dinâmica do setor brasileiro de pequenas propriedades agrícolas, (b) mercados de trabalho rural, (c) mercados de terras rurais, (d) oferta de emprego no setor rural não agrícola - RNA, (e) educação rural e (f) previdência rural. Embora este estudo enfatize basicamente os eventos microeconômicos – como o impacto da escolarização, as transferências de renda e o acesso à terra e ao crédito – a redução da pobreza necessita do crescimento econômico (nível macroeconômico) e de políticas específicas de combate à pobreza (nível microeconômico). Especialmente no Brasil, onde a agricultura representa menos de 10% do PIB e cerca de 23% dos postos de trabalho, o aumento da oferta de emprego nas áreas urbanas e a expansão da demanda interna por produtos agrícolas, que resultariam no rápido crescimento da economia em geral – em particular para os pequenos agricultores que produzem bens não-comercializáveis – poderiam contribuir substancialmente para a redução da pobreza, mesmo que a economia agrícola não se amplie com muita rapidez. Essencialmente seria muito difícil obter, no Brasil, uma redução significativa da pobreza rural sem um estável crescimento econômico geral. Este relatório abrange apenas as regiões NE e SE devido às restrições de dados resultantes das pesquisas domiciliares. Por isso, embora a maior parte da população carente rural viva nessas regiões, as questões abordadas e a estrutura estratégica experimental para reduzir a pobreza nessas áreas talvez precisem ser adaptadas em outros locais. Algumas das questões potencialmente importantes no contexto da redução da pobreza, que não puderam ser tratadas incluem: (a) o impacto das políticas agrícolas comerciais, (b) o efeito dos programas governamentais que não se destinam em geral ao combate à pobreza nas áreas rurais (por exemplo: a despesa substancial do Ministério da Agricultura e os programas de crédito em geral) e (c) as freqüentemente complexas e importantes interligações meio ambiente-pobreza. O fator decisivo em termos de recomendações para essa estratégia é a necessidade de um conjunto de políticas integradas que oriente a população desprovida rural em direção a vários caminhos para escapar da pobreza. A base lógica dessa conclusão emerge de uma síntese de diversas questões importantes identificadas neste relatório. Em primeiro lugar, o perfil da pobreza indica que os camponeses pobres no NE e SE do Brasil não são somente numerosos – cerca de 9,8 milhões de pessoas – mas também se mostram muito

II

heterogêneos quanto a fontes de renda, quantidade e qualidade do capital físico e humano, assim como à localização. Esses elementos sugerem múltiplos caminhos para escapar à pobreza e devem ser representados em um conjunto de políticas integradas, moldado de forma a tirar proveito das condições de vida heterogêneas da população rural carente. A necessidade de uma abordagem integrada é ainda mais enfatizada pelos efeitos sinérgicos dos elementos determinantes relevantes da política de combate à pobreza rural nos domicílios agrícolas. Uma importante conclusão nesse contexto é que os retornos da terra cultivada dependem em grande parte dos níveis dos fatores de produção (por exemplo, insumos adquiridos, maquinaria, etc.) e demográficos (por exemplo, idade do operador, educação, etc.) complementares. Por conseguinte, para que a terra provoque um impacto em larga escala sobre a produtividade e o aumento da renda no setor agrícola, parece necessário melhorar simultaneamente os níveis de outros fatores como a aquisição de insumos e maquinaria. Perfil da pobreza rural: fatos atualizados e novas conclusões O desenvolvimento de programas eficientes para redução da pobreza em um país vasto e diversificado como o Brasil é difícil quando não se tem um amplo conhecimento do perfil desagregado da pobreza rural. • A pobreza continua a afetar de modo desproporcional as zonas rurais do NE onde sua

incidência é estimada em cerca de 49% (comparada a 24% no SE rural). • A redução da pobreza no Brasil continua a ser um desafio importante: cerca de 43% dos

pobres no Nordeste (NE) e no Sudeste (SE) do País estão nas regiões rurais (ou seja, 9,8 milhões de pessoas).

A importância das estimativas de pobreza não reside apenas nos indicadores específicos, mas na identificação dos grupos mais desprovidos. Isso é confirmado pela falta de estimativas anteriores para o Brasil devido à desagregação dos dados em categorias detalhadas geográficas e por grupos de renda: • A pobreza rural afeta desproporcionalmente os estados do Nordeste do Brasil,

particularmente Maranhão, Piauí, Ceará, Alagoas e Bahia. Mesmo no interior da região, a impressão geral é de uma considerável diversidade geográfica (e supostamente agroclimática, embora esse nível de desagregação não seja viável no momento, devido a restrições de dados) no tocante à incidência da pobreza.

• A maior parte do total estimado de pobres nas áreas rurais do NE e SE, 83,6% (cerca de

6,7 milhões de pessoas) e 90,3% (cerca de 1,6 milhões de pessoas), respectivamente, compreende famílias de agricultores situadas em áreas distantes, isoladas, esparsamente habitadas e com baixa produtividade, cuja renda proveniente do cultivo e do trabalho

III

agrícola representa em torno de 70% de seu rendimento total familiar. Independentemente da região, as pessoas que recebem a sua renda principal do cultivo ou do trabalho agrícola constituem de forma persistente o grupo mais pobre, enquanto os trabalhadores não-agrícolas formam o grupo relativamente mais abastado. As aposentadorias públicas são a principal fonte de renda não laboral.

• A localização é importante. A incidência da pobreza é menor nas áreas rurais

diretamente adjacentes, mas não formalmente incorporadas ao perímetro urbano dos municípios. De modo semelhante, a parcela correspondente à renda Rural Não-Agrícola (RNA) aumenta nessas áreas. No entanto, dada a tendência da distribuição geográfica da pobreza em direção às áreas rurais distantes, para a maior parte dos pobres nesses locais a renda RNA representa apenas uma pequena fração de seus rendimentos.

Comparados a seus correspondentes urbanos, os pobres nos meios rurais do NE e SE do Brasil estão menos assistidos em termos demográficos, de escolarização e do acesso a serviços de qualidade. Por exemplo: • Em 1996, apenas 43% das famílias no quintil de renda mais baixo, nas zonas rurais do

NE, tinham acesso à eletricidade; • Desse grupo, em média 75% dos chefes de família são analfabetos; • Nas áreas rurais do NE, 27% dos professores não concluíram o ensino fundamental e

somente 15% das crianças são matriculadas após a quarta série; e • Apenas 2% das propriedades rurais pobres receberam algum tipo de assistência técnica. Os pequenos agricultores mais idosos e a relativamente grande proporção de famílias chefiadas por mulheres surgem como grupos específicos que devem ser considerados no contexto das políticas destinadas a criar uma rede de segurança: • A média de idade do chefe de família é alta nas pequenas propriedades, onde parece

haver uma estreita relação entre envelhecimento, produtividade e pobreza. • As famílias chefiadas por mulheres representam 15% de todas as famílias nas áreas

rurais do Nordeste (12% no SE) e esta proporção chega a até 30% entre os domicílios dessas áreas cuja principal fonte de renda não é a agricultura (20% no SE). Nessas famílias, em que os maridos migraram ou morreram, a renda foi significativamente aumentada por meio do recebimento de benefícios públicos.

Por fim, ao contrário das áreas urbanas, a análise da pobreza rural no Brasil continua a sofrer restrições devido à escassez de dados adequados (“miséria estatística”). É particularmente limitante a falta de dados confiáveis sobre a renda familiar nas zonas rurais. Por exemplo, a ausência de registros comparativos intertemporais (diferentemente de

IV

alguns países da região) impede que seja feita, no momento, uma análise das mudanças no perfil e nos determinantes da pobreza ao longo do tempo. Além disso, as restrições de dados obstaram o cálculo de estimativas do número de pobres rurais que poderiam receber assistência por meio de cada uma das cinco estratégias – o que poderia ser uma prioridade num trabalho posterior. Este relatório baseia-se fundamentalmente em dois conjuntos de dados de pesquisa domiciliar conduzidos em 1996: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), implementadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos modelos de pesquisa LSMS do Banco Mundial. Ambos os conjuntos de dados apresentam pontos fortes e fracos. Por conseguinte, o perfil preliminar com base nos gastos e desagregado espacialmente, apresentado neste relatório, poderia ser produzido apenas mediante técnicas recentemente desenvolvidas de pesquisa de atribuição do particular ao geral. Estrutura estratégica para redução da pobreza rural em cinco vias As principais conclusões que emergem deste novo e mais detalhado perfil da pobreza rural revelam essencialmente um padrão geral de marcante heterogene idade nos indicadores de bem-estar social e de fontes de renda da população rural no Brasil. Por conseguinte, a estratégia proposta para redução da pobreza rural foi concebida em termos de um conjunto integrado de políticas que oferece vários caminhos para escapar da pobreza, moldado de acordo com os grupos heterogêneos transversais de famílias pobres das zonas rurais. O que se pretende é uma abordagem na forma de caminhos de escape em cinco vias: 1. Intensificação da agricultura no setor de pequenas propriedades rurais A política agrícola direcionada às pequenas propriedades rurais com baixa produtividade deveria ser considerada basicamente como parte da estratégia de redução da pobreza e não como um programa de desenvolvimento agrícola em si. No Nordeste, existem oportunidades para o aumento das atividades agrícolas em pequena escala viáveis e em tempo integral, que combinam normalmente a produção comercial e de subsistência. As áreas críticas das políticas são a reforma dos mercados financeiro rural e de terras, o aumento de P&D e as transferências de tecnologia, o fornecimento de bens públicos e o desenvolvimento de capital social. Uma conclusão importante no contexto deste caminho potencial para sair da pobreza é que os retornos da terra cultivada dependem em grande parte dos níveis de fatores complementares produtivos (por exemplo, aquisição de insumos, maquinaria, etc.) e demográficos (por exemplo, idade do operador, educação, etc.). Por conseguinte, para que a terra cause impacto sobre o aumento da produtividade e da renda na atividade agrícola, é necessário melhorar simultaneamente os níveis de outros fatores, como a aquisição de insumos e a maquinaria. Esse quadro reforça a necessidade de uma estrutura de políticas integradas que reconheça essas sinergias e as coloque em ação. Cerca de 85% do total estimado de indivíduos pobres nas zonas rurais do NE e SE (em torno de 8,3 milhões de pessoas) são famílias de agricultores que vivem em áreas distantes, isoladas, esparsamente habitadas e em locais de baixa produtividade, para quem a renda

V

advinda do cultivo e de trabalhos agrícolas representa cerca de 70% de sua renda total familiar. O que precisa ser analisado com maior profundidade, nesta etapa, é o tamanho do subconjunto desse grupo-alvo que poderia efetivamente trilhar esse caminho de escape à pobreza. 2. Agricultura comercial mais dinâmica Um setor agrícola comercial revitalizado poderia aumentar a oferta de emprego e reduzir diretamente a pobreza rural através da absorção da mão-de-obra assalariada e, indiretamente, por meio do crescimento da indústria de processamento de produtos. Por exemplo, a expansão eficiente e orientada para o mercado das áreas irrigadas do Nordeste pode criar novas oportunidades. Para o crescimento e o aumento de emprego no setor é crucial a melhoria no funcionamento dos mercados de fatores de produção, na mão-de-obra, no fornecimento de água, na terra e no capital. Do ponto de vista dos pobres, melhores níveis de educação e a reforma da legislação trabalhista aumentarão as chances de encontrar trabalho no setor agrícola comercial. Finalmente, considerando-se que, no Brasil, esse setor produz a maior parte das colheitas para exportação, impedir a valorização das taxas de câmbio reais, as flutuações agudas das taxas de juros e uma política comercial orientada para tarifas de importação relativamente baixas (de insumos e produtos finais) poderia melhorar de modo significativo a competitividade internacional dos setores, o que por sua vez acarretaria maiores salários reais e aumento da oferta de emprego – tanto no cultivo quanto no processamento e transporte dos produtos finais. 3. Estimular o crescimento do setor rural não-agrícola (RNA) A expansão do setor RNA poderia aumentar os postos de trabalho nas áreas rurais, especialmente nos setores de processamento de alimentos e de serviços, reduzindo assim a pobreza. No entanto, não é provável que essa estratégia seja viável para a maioria dos pobres que vivem nas zonas rurais mais carentes, distantes e pouco habitadas. De modo geral, as evidências no Brasil e em outros países da região sugerem que um setor RNA mais desenvolvido se encontra nas áreas melhor servidas por estradas, eletricidade e comunicações. Ou seja, esse setor se concentra nas zonas onde os mercados de fatores e de produtos funcionam melhor e os custos de transação são mais baixos. Normalmente, os setores RNA se desenvolvem nas proximidades das áreas urbanas. Além disso, foram encontradas evidências que sugerem que um nível mais alto de escolarização e de acesso a essa infra-estrutura aumenta de maneira significativa a probabilidade de um alto retorno versus um baixo retorno do emprego no setor RNA, que o emprego no setor RNA é menos importante nas áreas rurais do NE do que no SE, e que embora as mulheres participem em grande número desse setor, elas normalmente realizam as atividades de baixo retorno (por exemplo, serviços domésticos). Os ingredientes críticos para estimular o desenvolvimento de uma vigorosa economia rural não-agrícola são os níveis mais altos de educação, uma boa infra-estrutura básica, o desenvolvimento de capital social e mercados de crédito e de trabalho em bom funcionamento.

VI

4. Migração de jovens Embora o trabalho analítico sobre o processo de migração em si (ou seja, sobre os determinantes da migração) e suas conseqüências para a população rural brasileira estejam além da abrangência deste estudo, os movimentos migratórios para as áreas urbanas e as cidades na zona rural parecem ser inevitáveis e até mesmo desejáveis, considerando-se a grande incidência de pobreza rural, o extremamente alto número absoluto de propriedades agrícolas muito pequenas combinado a famílias de tamanho bastante grande e o potencial relativamente baixo de desenvolvimento nas vastas terras agrícolas áridas e semi-áridas do Nordeste. As conclusões do presente estudo sugerem que os determinantes da migração no Brasil precisam ser melhor compreendidos e analisados mediante a incorporação explícita da heterogeneidade das famílias rurais pobres (por exemplo, em termos de idade, educação, gênero, capital líquido e distância das oportunidades promissoras de trabalho). A ausência de um conjunto de dados de série de tempo contendo registros confiáveis sobre renda e características familiares é o principal fator limitante que explica a falta de tal análise empírica no Brasil. Apesar da atual escassez de análises empíricas sobre os determinantes da migração, as conclusões descritivas no Brasil e as experiências em outros países fornecem algumas indicações para mais pesquisas e para a agenda política. As disparidades de renda se constituem na única força propulsora que explica as taxas de migração. As diferenças de salários e dos índices de produtividade da mão-de-obra normalmente são suficientes para elucidar a maioria das taxas de migração entre os trabalhadores rurais sem terra. No entanto, grande parte dos pobres nos meios rurais do NE é composta por pequenos agricultores e, para analisar o processo de migração no contexto desse grupo, é preciso considerar outras fontes de renda (por exemplo, os retornos de capital), o que é com freqüência mais difícil devido às restrições de dados disponíveis e confiáveis. Existem determinadas fontes de renda, como por exemplo a terra, que não são totalmente transferíveis durante a migração. Isso cria a possibilidade de fortes interações entre o mercado de terras e o processo de migração. Os potenciais migrantes, especialmente os pobres, em geral desejam levar consigo todo o seu capital. No caso dos agricultores, seria necessário vender a terra e o capital físico, especificamente o agrícola. A falta de títulos de posse e de um mercado de terras em bom funcionamento impediria a venda da terra a um preço que reflita o seu valor econômico para os operadores. Um segundo fator que restringe a migração é o capital humano especificamente agrícola (por exemplo, habilidades e experiência em agricultura, em geral adquiridas na prática) que não é valorizado em relação a retornos comparativos fora do setor agrícola. Esse fator é especialmente problemático no caso dos potenciais migrantes mais velhos porque pouco pode ser feito para mitigar essa restrição. Isso ressalta a importância do investimento em educação para a atual nova geração rural e do empenho para dotá-la com níveis básicos de capital humano não específico ao setor. Mais treinamento e oportunidades de ensino para a população pobre das áreas rurais parecem constituir as variáveis mais críticas das políticas cujo objetivo é facilitar a absorção dessa mão-de-obra por outros setores da economia. A

VII

migração beneficiará não apenas o migrante mas em muitos casos os membros da família que permanecerem nas áreas rurais, mediante a remessa de valores. 5. Oferecer uma rede de segurança para as pessoas “aprisionadas” na pobreza Existe um grupo de pobres nas zonas rurais que não poderá se beneficiar das oportunidades provenientes da agricultura comercial, da intensificação da agricultura em pequena escala ou da migração. Os membros desse grupo são em geral pessoas mais velhas, com freqüência viúvas e ocasionalmente trabalhadores agrícolas nas áreas menos dotadas. Esse grupo está “preso” à extrema pobreza, sem futuro possível no setor agrícola além da subsistência. Essas pessoas enfrentam barreiras consideráveis para encontrar trabalho fora desse setor. Para esse grupo, torna-se crítica a criação de uma rede de segurança social, por exemplo na forma de aposentarias, com o objetivo de assegurar uma qualidade de vida básica decente. O principal desafio para o desenho de programas com vistas à criação de redes de segurança consiste em torná- los também administrativamente acessíveis aos pobres do meio rural, que vivem em áreas distantes e pouco habitadas, caracterizadas por altas taxas de analfabetismo. Além de reconhecer a multidimensionalidade dos potenciais caminhos para escapar à pobreza e as opções de políticas, a estrutura estratégica de ação também deveria levar em conta a faceta intergeracional da pobreza rural. Por isso, são muito importantes os esforços paralelos para atingir os jovens (em especial aqueles pertencentes às famílias mais pobres e muito dependentes dos recursos das redes de segurança), por meio da educação, a fim de lhes proporcionar oportunidades para romper o ciclo vicioso ao qual os seus parentes mais velhos estão presos.

VIII

Conjunto experimental de políticas integradas para redução da pobreza rural O direcionamento de um amplo grupo heterogêneo de pobres rurais para um caminho adequado de escape à pobreza é uma tarefa desafiadora que requer o planejamento e a implementação de um conjunto integrado de políticas. A matriz abaixo resume o conjunto experimental de opções de políticas identificado neste relatório, e serve para destacar as principais políticas, a natureza transversal das diversas políticas (ou seja, sua importância no contexto dos vários caminhos de escape à pobreza), bem como a natureza sinérgica de determinadas políticas (isto é, aquelas que se reforçam mutuamente quando são implementadas de modo simultâneo). O capítulo de síntese contém uma descrição mais detalhada dessas opções de políticas e do modo como estão interligadas na estratégia composta pelos caminhos em cinco vias para escapar à pobreza.

IX

Estrutura estratégica de atuação: conjunto experimental de opções de políticas integradas

Caminho para sair da pobreza

Tipologia da política

Aumentar a renda por meio da intensificação do setor de pequenas

propriedades agrícolas

Aumentar as oportunidades de

emprego na agricultura comercial

dinâmica

Estimular o crescimento do setor

RNA

Considerar migração de

jovens

Fornecer uma rede de segurança

para as pessoas “aprisionadas” na

pobreza

Melhoria da dotação de capital humano

Efeito moderado a longo prazo sobre os rendimentos agrícolas

Efeito moderado sobre os rendimentos agrícolas (por exemplo, capacidade administrativa), porém limitado para a mão-de-obra assalariada.

Essencial para facilitar o emprego, especialmente nas atividades de alto retorno e/ou empresariais

Essencial para ativar a migração dirigida à busca de oportunidades, por meio da educação e do investimento em capital humano não-agrícola

Reforma do mercado de terras rurais

Essencial para aumentar o número de propriedades agrícolas acima do limite da pobreza e possibilitar os aluguéis

Impacto direto limitado

Impacto potencialmente importante para os agricultores.

Ampliação de P&D e de transferência de tecnologia

Efeitos positivos significativos sobre a rentabilidade agrícola

Efeitos positivos significativos sobre a rentabilidade agrícola

Papel limitado da política pública.

Impacto direto limitado

Reforma do mercado financeiro rural

Essencial para diminuir as restrições ao crédito obrigatório

Essencial para diminuir as restrições ao crédito

Essencial para diminuir as restrições ao crédito

Impacto direto limitado

Reduz o número de pessoas dependentes da renda fornecida pela rede de segurança

Reforma do mercado de trabalho rural

Impacto direto limitado

Importante para os trabalhadores agrícolas

Importante para o emprego no setor RNA

Melhora a integração entre os mercados de trabalho urbano e rural

Fornecimento de bens públicos e desenvolvimento de capital social

Importante para aumentar a produtividade e o acesso ao mercado

Essencial para aumentar a produtividade e o acesso ao mercado

Importante para aumentar o crescimento do setor RNA, a produtividade e o acesso ao mercado

Importante para melhorar a integração entre as áreas urbanas e rurais

Impacto direto limitado

Política comercial e de preços

O impacto depende do nível dos bens comercializáveis (insumos e produtos) e normalmente esse setor produz bens não-comercializáveis.

Impedir a apreciação da taxa de câmbio real e a flutuação da taxa de juros é um elemento fundamental das políticas que contribuirão para o aumento da competitividade do setor agrícola comercial (produtos e insumos), tanto nas atividades de cultivo quanto nos setores não-agrícolas de processamento e transporte do produto final. Juntamente com tarifas de importação relativamente baixas (insumos e produtos finais), essa estratégia ampliaria a orientação exportadora do setor.

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Programas de transferência

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Essencial para os grupos (por ex.: idosos) “aprisionados” na pobreza e que não se beneficiam de outras políticas

Políticas sinérgicas Políticas principais

1

CAPÍTULO SÍNTESE Introdução 1. Este relatório constitui uma etapa em direção ao objetivo de planejar uma estratégia integrada de redução da pobreza rural no Brasil. Contém um perfil atualizado e mais detalhado da população pobre nas áreas rurais no Nordeste (NE) e no Sudeste (SE) do País, identifica os principais determinantes da pobreza rural nessas regiões e propõe uma estrutura estratégica que incorpora um conjunto de políticas integradas que poderiam ajudar efetivamente a reduzir a pobreza. A necessidade desse conjunto integrado surge principalmente devido à natureza heterogênea dos pobres no meio rural. Nenhuma solução única e simples para esse objetivo pôde ser identificada e, por isso, uma abordagem de políticas integradas que forneça múltiplas vias de escape à pobreza rural, moldada de acordo com as principais características que distinguem os diversos grupos familiares, emerge como uma alternativa mais eficiente. 2. O desenho de programas eficazes para reduzir a pobreza rural em um país vasto e diversificado como o Brasil é difícil no tocante ao vazio de conhecimento de um perfil desagregado da pobreza rural. Portanto, um primeiro objetivo-chave deste projeto foi a atualização e o aperfeiçoamento dos dados pertinentes ao estado da pobreza rural nas regiões Nordeste (NE) e Sudeste (SE). Esse novo perfil da pobreza rural pode ser segmentado em duas dimensões principais: fontes de renda familiar e localização geográfica. Por um lado, as estimativas da pobreza rural foram desagregadas de acordo com três categorias básicas de renda: agricultores, trabalhadores agrícolas sem terra e trabalhadores do setor rural não-agrícola (RNA). Por outro lado, as estimativas da pobreza rural foram desagregadas espacialmente de modo a abranger os níveis regionais (ou seja, NE versus SE) e estaduais, segundo o grau de urbanização, dentro de um espectro que varia das áreas metropolitanas às zonas rurais distantes. Além de fornecer fatos novos e desagregados relacionados à pobreza rural no NE e SE, este exercício também identificou os dados remanescentes e as falhas no conhecimento. 3. Iniciamos com uma visão geral das principais conclusões e apresentamos a estrutura estratégica proposta para reduzir a pobreza nas regiões NE e SE que resultou deste projeto. É apresentada uma abordagem dos caminhos para escapar à pobreza rural em cinco vias, seguida por uma discussão do pretendido conjunto de políticas. Esse conjunto está interligado aos cinco caminhos para sair da pobreza e foi sintetizado em uma matriz da estratégia. Por fim, são apresentados a metodologia e os resultados de uma análise preliminar seletiva do conjunto de políticas. Neste relatório, as propostas são desenvolvidas a partir de uma avaliação dos determinantes da pobreza rural e de seu exame a partir de um ponto de vista favorável da política. Este estudo foi complementado por seis pesquisas temáticas aprofundadas que se baseiam em componentes críticos com o objetivo de passar à formulação de uma estratégia integrada de combate à pobreza rural: (i) a dinâmica do setor brasileiro de pequenas propriedades agrícolas, (ii) mercados de trabalho rural, (iii) mercados de terras rurais, (iv) emprego RNA, (v) educação rural e (vi) previdência rural. Esta análise, juntamente com uma avaliação dos programas públicos relevantes, fundamenta a proposta de uma estrutura estratégica composta por opções de políticas que têm como propósito reduzir a pobreza rural no NE e no SE do Brasil.

2

Perfil da pobreza rural: fatos atualizados e novas conclusões 4. A redução da pobreza rural no Brasil permanece um desafio substancial. Contrariamente à opinião popular, a pobreza no Brasil não se constitui hoje em um fenômeno predominantemente urbano. De fato, apesar das tendências migratórias e do aumento considerável da população urbana, a pobreza continua a ser tão comum nas áreas rurais que uma estimativa preliminar conservadora sugere que cerca de 43% da população pobre no NE e no SE estão nas áreas rurais (Tabela 1), ou seja, estima-se que o padrão de vida de 9,8 milhões de pessoas nas zonas rurais do NE e do SE está abaixo da linha de pobreza. Além disso, verificou-se que essa situação também é mais aguda no campo.

Tabela 1. Incidência da pobreza rural e urbana no Brasil (NE e SE)

Rural Urbana Total % Rural População 23.931.137 88.797.554 112.728.690 21,2% População pobre 9.812.557 12.844.435 22.656.992 43,3% Pobres como % da população 41,0% 14,5% 20,1%

Fonte: Estimativas preliminares de Lanjouw, Volume II, Capítulo 7.

5. A incidência da pobreza rural é maior no Nordeste do Brasil. Nossas conclusões confirmam que, de acordo com os relatos de estudos anteriores (por exemplo, World Bank, 1995), a pobreza continua a afetar desproporcionalmente o Nordeste (NE). A taxa de incidência de pobreza está estimada em cerca de 49% nas áreas rurais do NE contra 24% no SE. Embora já seja conhecida a diferença entre essas regiões, a amplitude geral da pobreza rural no Brasil continua muito maior do que se imagina. Além disso, também é maior a disparidade da pobreza urbana no Nordeste. Não obstante esses resultados, a importância das estimativas de pobreza não reside apenas nos números específicos, mas na identificação dos grupos mais desassistidos. Isso é confirmado por pesquisas que não estavam disponíveis anteriormente e que foram obtidas a partir de uma desagregação em categorias geográficas e de grupos de renda. 1

Tabela 2. Incidência desagregada de pobreza urbana e rural no NE e SE do Brasil

NE SE Rural Urbana Rural Urbana População 16.335.965 29.318.906 7.595.172 59.478.648 População pobre 8.002.241 9.022.559 1.810.316 3.821.876 Pobres como % da população 49,0 30,8 23,8 6,4 Fonte: Estimativas preliminares de Lanjouw, Volume II, Capítulo 7.

1 Não estava disponível anteriormente um perfil de pobreza desagregado nos níveis apresentados neste relatório. Os detalhes sobre os procedimentos para o cálculo das estimativas são registrados no Volume II por Romano (Capítulo 1) e Lanjouw (Capítulo 7), e são resumidos na seção dos estudos preliminares deste volume.

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6. A pobreza rural afeta desproporcionalmente os estados do Nordeste do Brasil. Esse fato é revelado pelas estimativas de pobreza nos estados (Figura 1). A incidência da pobreza ultrapassa 45% no Maranhão, Piauí, Ceará, em Alagoas e na Bahia em relação a menos de 20% nos estados do Sudeste (exceto Minas Gerais). Além disso, mesmo no Nordeste, a impressão geral é de uma diversidade geográfica considerável (e supostamente agroclimática, embora esse nível de desagregação não fosse viável devido às atuais limitações de dados) em relação à incidência de pobreza. 7. A pobreza rural está essencialmente concentrada nos domicílios agrícolas localizados em áreas distantes. Essa conclusão é resultante de uma desagregação geográfica que não foi explorada anteriormente nas estimativas de pobreza no âmbito de um espectro mais detalhado de localidades, composto por sete categorias que variam de áreas urbanas metropolitanas densamente populosas, em um extremo, a áreas rurais distantes e escassamente habitadas (Tabela 3), em outro. Do número total calculado de pobres nas áreas rurais do NE e SE, cerca de 83,6% e 90,3%, respectivamente, residem em localidades distantes, isoladas, escassamente habitadas e com baixa produtividade, chamadas de áreas rurais “exclusive” (especificadas como áreas que não atendem a nenhum critério que defina uma aglomeração rural, como por exemplo, pequena ou nenhuma infra-estrutura, poucas estruturas permanentes e baixa densidade populacional).2 Esse grupo de aproximadamente 8,3 milhões de pessoas pobres, representando cerca de 85% de toda a população rural de baixa renda no NE e SE do Brasil, emerge claramente como uma preocupação básica sob a perspectiva da política de redução da pobreza rural. Cálculos preliminares sugerem ainda que, para essas famílias, a renda gerada pelas atividades agrícolas (cultivo e trabalho agrícola) representa não menos que dois terços do rendimento doméstico total, incluídas todas as fontes de renda, e que a principal fonte é proveniente da lavoura em pequena escala e/ou do trabalho agrícola.

2 Para obter mais informações, definições e resultados, ver Lanjouw, Capítulo 7, Volume II.

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Figura 1. Distribuição da pobreza rural nos estados com base nos gastos individuais mensais

no NE e SE do Brasil

Menos de 20%: menos pobres 25% - 40% 40% - 45% 45% - 50% 50% - 55% Mais de 55%: extrema pobreza Desconhecido

Com base no gasto para uma linha de pobreza de R$65,07 por pessoa/mês

Fonte: Com base nas estimativas preliminares relatadas por Lanjouw, Volume II, Capítulo 7.

8. Independentemente da região, os trabalhadores não-agrícolas representam o grupo que está em situação relativamente melhor. Esta faceta reveladora da pobreza no Brasil se torna evidente a partir de uma classificação da população rural em três grupos - agricultores, trabalhadores agrícolas e trabalhadores não-agrícolas – de acordo com a sua principal fonte de renda. Por um lado, os trabalhadores agrícolas se enquadram nos limites mais extremos das medições de incidência de pobreza (59% no NE e 27% no SE). Por outro, a mão-de-obra rural não-agrícola se caracteriza por índices de extrema pobreza que correspondem a cerca da metade dessa magnitude (25% no NE e 15% no SE). Independentemente da região, aqueles que recebem sua renda principal do cultivo ou do trabalho agrícola constituem de modo uniforme o grupo mais carente, enquanto os trabalhadores não-agrícolas fazem parte do grupo em melhor situação (ver Romano, Volume II, Capítulo 1).

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Tabela 3. Incidência de pobreza desagregada por localidade no NE e SE do Brasil

NE SE

% da

população pobre

População pobre População

% da população

pobre

População pobre População

Urbana 30,8 9.022.559 29.318.906 6,4 3.821.876 59.478.648 área metropolitana 18,6 1.575.835 8.472.231 4,9 1.461.739 29.831.408 área urbanizada 35,7 7.375.228 20.658.902 7,9 2.311.735 29.262.468 área não urbanizada 36,9 52.993 143.612 18,2 28.156 154.703 área isolada 41,9 18.503 44.160 8,8 20.246 230.068 Rural 49,0 8.002.241 16.335.965 23,8 1.810.316 7.595.172 extensão urbana 15,9 114.061 717.365 9,6 40.703 423.990 povoado 46,0 1.167.745 2.538.576 24,4 135.750 556.352 núcleo 31,8 25.468 80.088 N/A N/A N/A área de exclusão 51,5 6.694.967 12.999.936 24,7 1.633.863 6.614.830 Total 37,3 17.024.800 45.654.870 8,4 5.632.192 67.073.820

Fonte: Estimativas preliminares de Lanjouw, Volume II, Capítulo 7. 9. As famílias rurais mais pobres são mais dependentes dos salários provenientes da agricultura e dos mercados de trabalho. Para os 20% das famílias mais pobres nas áreas rurais do NE, a renda do trabalho representa 23,6% de sua receita total familiar (22,2% no SE), comparada a apenas 3,8% no caso das famílias de alta renda (17,4% no SE). A renda auferida pela agricultura é a mais importante para as famílias no NE, onde esse percentual atinge quase 50% do rendimento total (ver Romano, Volume II, Capítulo 1). No caso das famílias pobres do Nordeste, os ganhos provenientes do cultivo e do trabalho agrícola representam cerca de 70% de seu rendimento total (53,4% e 16%, respectivamente). No SE, esse índice é de 62,3%. 10. A maior parte dos pobres no NE é constituída por pequenos agricultores. Cerca de 50% de todas as propriedades agrícolas no Brasil têm menos de 10 hectares (IBGE, 1996). No NE, os agricultores no grupo do tercil de renda mais baixa vivem em pobreza extrema (a renda anual per capita está abaixo de R$781) e operam lotes de 5,1 hectares em média. Mesmo os agricultores nordestinos que se enquadram no tercil de renda média ainda vivem na pobreza (a renda anual per capita é menor que R$1.562) e administram lotes com tamanhos médios de 7,9 hectares. No SE, embora os agricultores que fazem parte do grupo do tercil de renda mais baixa manejam lotes de 16,3 hectares em média, a sua renda permanece substancialmente abaixo da linha de extrema pobreza (ver Romano, Volume II, Capítulo 1). No NE, os pequenos agricultores constituem, em números totais, o maior grupo mais pobre, seguido pelos trabalhadores agrícolas. 11. O emprego rural não-agrícola (RNA) está em crescimento, mas ainda não é significativo para os pobres das áreas rurais devido à sua localização. No Brasil, a oferta de emprego RNA está crescendo mais rápido do que no setor agrícola (3,6% versus –2,4% no período de 1992-98).3 No entanto, a renda proveniente do trabalho RNA continua a representar apenas uma pequena parcela 3 Silva, Graziano da (2000), com base nos dados da PNAD apresentados no seminário Desafios da Pobreza Rural no Brasil patrocinado conjuntamente pelo IPEA, Banco Mundial, NEAD e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, Rio de Janeiro, 30 de agosto a 1 de setembro, 2000.

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da renda das famílias mais pobres. Para a maioria da população carente nas zonas rurais do NE, os rendimentos do trabalho rural não-agrícola contribuem somente com 14,7% (16% no SE) da receita total familiar. O percentual da renda proveniente das atividades RNA aumenta proporcionalmente aos rendimentos no NE e SE, indicando que as famílias em melhor situação dependem mais das fontes de renda do trabalho RNA. As estimativas de incidência de pobreza são mais baixas nas áreas rurais diretamente adjacentes, mas não formalmente incorporadas ao perímetro urbano dos municípios. De fato, no NE, a pobreza nesses locais é menor do que nas zonas urbanas. A renda do trabalho RNA está concentrada nas áreas relativamente mais urbanizadas, é menos importante no NE em comparação ao SE e, no NE, sua incidência é mais alta em determinados estados, incluindo Bahia, Maranhão e Rio Grande de Norte.4 Como a maior parte dos pobres campesinos (85%) vive em áreas rurais “exclusive”, parecem limitadas as possibilidades do aumento de sua renda através do emprego RNA local. 12. Os benefícios públicos são a principal fonte de renda fora do trabalho. Os benefícios públicos constituem em grande parte a principal fonte de renda não proveniente do trabalho (cerca de 95%) e correspondem a uma proporção média de 15% do rendimento total no NE e 18% no SE. Os quintis de renda média respondem pela parcela mais alta de famílias beneficiadas, bem como pelo mais alto índice relativo a aposentadorias e pensões na renda familiar total. O rendimento gerado pelos benefícios representa a proporção mais alta da renda das famílias chefiadas por mulheres (cuja média de idade é bastante alta, cerca de 41 anos), atingindo em média 50% no NE, enquanto os trabalhadores agrícolas recebem uma parcela muito mais baixa da renda proveniente dos benefícios públicos (12% no NE e 4% no SE). No entanto, deve-se observar que esse tipo de rendimento nos dados da PPV, apresentados acima, inclui a renda proveniente de aposentadoria e pensões de todas as fontes, não apenas da previdência social, para as áreas rurais. Esse órgão governamental fornece um salário mínimo mensal a cada beneficiário, independentemente do status de sua renda e, por isso, é bem direcionado, considerando-se que essa quantia contribui para um percentual relativamente mais alto da renda no caso das famílias mais pobres. 13. Os pobres rurais no Brasil são menos assistidos em termos demográficos e de acesso a serviços de qualidade. Comparados às famílias pobres nas áreas urbanas, os pobres rurais tendem a dispor de menos acesso a serviços essenciais (por exemplo, eletricidade, água potável e assistência de saúde), têm mais filhos e piores indicadores de saúde. De modo geral, as tendências são bastante semelhantes no NE e SE. Em termos de características demográficas, o tamanho médio das famílias é maior entre os pobres e ainda maior no NE, especialmente entre os agricultores. As famílias mais numerosas parecem perpetuar a pobreza, pois a freqüência escolar está negativamente correlacionada ao tamanho da família. O acesso aos serviços públicos é limitado, em especial no NE. Por exemplo, no grupo correspondente ao quintil de renda mais baixa, apenas cerca de 43% dos pobres no NE têm acesso à eletricidade (63% no SE). Além disso, somente 2% das propriedades agrícolas pobres receberam algum tipo de assistência técnica, comparados a 31% dos produtores agrícolas em melhor situação, e o crédito subsidiado acompanha um modelo semelhante no qual os pequenos agricultores não recebem nenhum financiamento. 14. Os pobres rurais no Brasil também estão em pior situação em termos de acesso, qualidade e aproveitamento educacional. O analfabetismo no NE é assustadoramente alto e maior que nos países de renda mais baixa da região. Entre os 20% das famílias mais pobres do NE, 75%

4 Contribuindo com outra perspectiva, no recente seminário do IPEA no Rio de Janeiro, José Eli de Veiga afirmou que as áreas dominadas pela agricultura familiar experimentaram um aumento maior do emprego RNA comparado àquelas onde predomina a agricultura em larga escala (agricultura patronal).

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dos chefes de família são iletrados, bem como 62% de todos os chefes de família e 51% de todos os membros da família acima de 10 anos. Os trabalhadores agrícolas, grupo que se caracteriza pela mais alta incidência de pobreza, apresenta um elevado índice de analfabetismo (81% entre os chefes de família). As gerações mais novas parecem ter desfrutado de um melhor acesso ao ensino, no entanto, o NE situa-se muito abaixo do SE nesse respeito. No tocante à qualidade da educação, é preciso considerar que, nas áreas rurais do NE, 27% dos professores não completaram o ensino fundamental e 26% das escolas não dispõem de infra-estrutura sanitária. Além disso, a educação rural continua a abranger apenas da 1ª à 4ª série. Essa primeira metade do ensino básico correspondeu a 85% da matrícula escolar de crianças nas áreas rurais pobres em 1998, em comparação a 50% no Brasil como um todo. Os índices de repetência são maiores no NE e os estudantes rurais da região também apresentam o pior aproveitamento nos testes de avaliação padronizados. Uma importante questão que emerge desse cenário é se as 400.000 crianças no NE rural que não foram matriculadas provêem principalmente das famílias pobres que se dedicam à agricultura de semi-subsistência e têm problemas de acesso ao ensino, ou se são crianças que apenas abandonaram a escola após várias repetências. Há uma importante falha no conhecimento relacionada à combinação adequada dos programas dirigidos à demanda, como o Bolsa Escola, os universais, como o FUNDEF, e os programas específicos de educação rural que têm o objetivo de elevá-la, pelo menos, aos níveis encontrados nas áreas urbanas. 15. O envelhecimento dos pequenos agricultores e a relativamente alta proporção de famílias rurais chefiadas por mulheres são fatores importantes a serem considerados no contexto das políticas para criação de uma rede de segurança. A média de idade dos chefes de família nas pequenas propriedades agrícolas é alta e parece haver, nesse contexto, uma estreita relação entre envelhecimento, produtividade e pobreza. No caso do subconjunto dos agricultores de pequeno porte pobres e idosos, esse fator levanta uma série de questões sobre a política, como a viabilidade de escapar à pobreza por meio da agricultura, o que reforça a importância da provisão de redes de segurança, como a previdência social. As famílias chefiadas por mulheres representam cerca de 15% de todos os domicílios rurais no NE (12% no SE) e essa proporção aumenta de modo marcante até o percentual bastante alto de 30% entre as famílias rurais não-agrícolas (20% no SE). Concluiu-se que, nas famílias onde os maridos migraram ou morreram, a renda é acrescida de modo significativo pelo pagamento de benefícios previdenciários (pensões). 16. A tendência de migração rural-urbana no NE continuará. O estudo identifica cinco principais tendências distintas nos indicadores de migração rural-urbana do Brasil durante o período de 1950 a 1990. As maiores ondas migratórias do campo para a cidade ocorreram a partir do Nordeste, entre os anos 50 e 70, em resposta aos desníveis de salário. Durante os anos 90, surgiu um novo modelo que estabilizou as tendências migratórias, com o aparecimento de oportunidades de emprego RNA, principalmente no Sul. As projeções para 15 anos das pesquisas recentes, que simulam os futuros fluxos migratórios rurais-urbanos, sugerem que haverá uma estabilização das taxas de urbanização no Sul, no SE e no Centro-Oeste, mas o Norte e o NE continuarão a ser a principal fonte de migrantes rurais. As melhorias na oferta de educação e uma revisão seletiva da legislação trabalhista poderiam aumentar as perspectivas de emprego formal nas áreas urbanas e rurais. 17. No Brasil, a análise da pobreza rural, ao contrário daquela referente às áreas urbanas, permanece bastante limitada pela escassez de dados adequados (“miséria estatística”). Particularmente restritiva é a escassez de dados adequados sobre renda familiar nas áreas rurais. Por exemplo, a ausência de registros comparativos intertemporais (ao contrário de alguns países da região) impede atualmente a análise de como o perfil e os determinantes da pobreza mudaram ao

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longo do tempo. Este relatório baseia -se fundamentalmente em dois conjuntos de dados obtidos em pesquisas domiciliares conduzidas em 1996: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), implementadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no modelo de pesquisa sobre padrões de vida LSMS do Banco Mundial. Ambos os conjuntos de dados apresentam pontos fortes e fracos. Embora a PPV relate dados sobre gastos de consumo bastante detalhados e permita a criação de índices de preços que levam em consideração variáveis espaciais, o tamanho da amostra não é suficientemente amplo para refletir os níveis de desagregação espacial que estão muito abaixo daqueles relativos a grandes áreas metropolitanas. A amostra da PNAD é bem maior do que a da PPV e é representativa no nível estadual, mas a PNAD não registra dados sobre gastos e as medições de renda nas áreas rurais não são confiáveis. Por conseguinte, o perfil preliminar desagregado espacialmente com base em gastos apresentado neste relatório poderia ser produzido apenas através do emprego de técnicas de pesquisa de atribuição do particular ao geral (ver Lanjouw, Volume II, Capítulo 7), desenvolvida há pouco tempo. Estrutura estratégica para redução da pobreza rural 18. As principais conclusões que emergem deste novo e mais detalhado perfil da pobreza rural revelam um padrão geral de marcante heterogeneidade nos indicadores de bem-estar social e de fontes de renda da população rural no Brasil. Por conseguinte, a estratégia proposta para redução da pobreza rural foi concebida em termos de um conjunto integrado de políticas que oferece vários caminhos para escapar à pobreza, moldado de acordo com os grupos heterogêneos transversais de famílias pobres das zonas rurais. O que se pretende é uma abordagem na forma de caminhos de escape em cinco vias: (a) intensificação do setor de pequenas propriedades agrícolas, para aumentar os rendimentos provenientes da agricultura; (b) dinamização do setor de agricultura comercial, para que ofereça crescentes oportunidades de emprego agrícola; (c) estímulo ao crescimento do setor rural não-agrícola (RNA); (d) migração de jovens, especialmente aqueles que vivem em áreas rurais distantes, esparsamente habitadas e com baixa produtividade; e (e) fornecimento de uma rede de segurança para as pessoas “presas” à pobreza. Este estudo identificou um conjunto experimental de instrumentos de políticas integradas que poderia ser implementado para facilitar um ou mais desses cinco caminhos de escape à pobreza. 19. Esse conjunto experimental de opções foi identificado através de uma análise dos determinantes da política para as áreas rurais. A medição da pobreza e a avaliação do local onde o problema é maior representam a primeira etapa crucial, mas para desenhar uma política eficiente de combate à pobreza também é necessário revelar os seus determinantes. Essa análise foi complementada por um exame dos mais relevantes programas públicos atuais e por seis estudos temáticos aprofundados que se baseiam em componentes críticos da proposta de abordagem de políticas integradas cujo objetivo é reduzir a pobreza rural no NE e SE do Brasil: (a) a dinâmica do setor brasileiro de pequenas propriedades agrícolas, (b) mercados de trabalho rural, (c) mercados de terras rurais, (d) emprego RNA, (e) educação rural, e (f) previdência rural. Antes de passar à discussão das cinco estratégias de saída, às conclusões analíticas e ao conjunto proposto de instrumentos de políticas integradas, faremos uma nota sobre o ambiente macroeconômico do Brasil.

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20. Embora este estudo enfatize basicamente os eventos microeconômicos – como o impacto da escolarização, as transferências de renda e o acesso à terra e ao crédito – a redução da pobreza requer tanto o crescimento econômico (nível macro) quanto políticas específicas de combate à pobreza (nível micro). Na América Latina, o desenvolvimento econômico geral provou ser importante para a redução da pobreza. Existem cada vez mais evidências empíricas que demonstram que um rápido crescimento econômico como um todo (de 5% ou mais) gerou um aumento significativo na renda dos pobres.5 Especificamente no Brasil, onde a agricultura representa menos de 10% do PIB e cerca de 23% dos postos de trabalho, a crescente e rápida oferta de emprego nas áreas urbanas e a expansão da demanda interna por produtos agrícolas resultante do acelerado crescimento da economia – em particular no caso dos pequenos agricultores que produzem bens não-comercializáveis – podem contribuir bastante para a redução da pobreza rural, mesmo que o desenvolvimento da economia agrícola seja mais lento. Em essência, seria muito difícil obter no Brasil uma redução da pobreza rural que seja politicamente viável, significativa e sustentável, sem um rápido crescimento da economia. 21. Por fim, principalmente devido às restrições de dados e de tempo, a abrangência deste relatório não é exaustiva. Algumas questões de potencial importância no contexto da redução da pobreza podem não estar contidas neste estudo: (a) o impacto das políticas relacionadas à agricultura comercial, (b) o efeito sobre as áreas rurais dos programas governamentais em geral, que não se dirigem apenas ao alívio da pobreza (por exemplo, programas como o PRONAF, no qual cerca de 25% dos seus beneficiários eram pobres do meio rural) e (c) as freqüentemente complexas e importantes interligações entre meio ambiente e pobreza. Além disso e com intuito de reiteração, devido às limitações de dados em nível domiciliar, este relatório abrange apenas as regiões NE e SE do Brasil. Assim, embora a maior parte dos pobres das áreas rurais viva nessas regiões, as questões abordadas e a estrutura estratégica experimental para redução da pobreza rural talvez precisem ser adaptadas quando forem aplicadas a outros locais. Caminhos para sair da pobreza rural: abordagem em cinco vias Intensificação agrícola do setor de pequenas propriedades rurais 22. Uma grande parte da população pobre brasileira está confinada nas áreas rurais e um extenso segmento dessas pessoas são pequenos agricultores. Assim, se pudermos compreender as principais tendências econômicas que afetam o setor de pequenas propriedades agrícolas no País, ampliaremos muito nosso conhecimentos sobre as inclinações econômicas que atingem uma grande parte dos pobres brasileiros. Desde o final dos anos 80, o crescimento do mercado e as políticas do governo parecem ter reforçado a orientação do setor favorável aos produtores mais avançados e contra os pequenos agricultores de semi-subsistência que dispõem de poucos recursos tecnológicos.6.

5 Veja, por exemplo, Morley (1995), para obter informações sobre a América Latina. Uma amostra maior dos países em desenvolvimento pode ser vista no recente trabalho de Dollar e Kraay (2000). 6 Em estudo recente, S. Helfand e G. Castro de Rezende (2000) também concluíram que a combinação dos efeitos das diversas reformas, incluindo a valorização da moeda, provocou um impacto díspare em relação ao tamanho da propriedade agrícola. Esse estudo documentou o efeito dramaticamente adverso dos preços para os produtores de algumas

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23. A abertura comercial, a desregulamentação do comércio interno, a redução dos programas de crédito subsidiado, uma nova tecnologia de produção com utilização mais intensiva de insumos adquiridos, a reestruturação do processamento agrícola e de alimentos e as indústrias de marketing (integração vertical) são fatores que favoreceram os produtores comerciais mais avançados tecnologicamente e com capacidade de oferecer preços competitivos e variedade de produtos, além de responder aos requisitos mais exigentes dos processadores agrícolas (maior volume e padrões de qualidade). A liberalização e a desregulamentação do mercado provocaram um forte impacto sobre a variedade e a intensificação da agricultura. Simultaneamente à baixa nos preços domésticos dos produtos importados competitivos, a redução nas barreiras comerciais induziu a um declínio significativo no preço interno dos insumos adquiridos. No entanto, os agricultores de subsistência e com baixa tecnologia, que também ficaram expostos aos preços mais baixos dos produtos, não puderam se beneficiar muito dos custos reduzidos dos insumos. A partir de uma perspectiva intra-regional, a liberalização comercial provocou grandes deslocamentos geográficos de locais de produção e realocou os recursos para fora da região Sudeste, em direção à agricultura de maior escala e mais capitalizada do Centro-Oeste. 24. Uma questão importante no Brasil atual é a maneira de oferecer assistência aos pequenos agricultores com potencial de sobrevivência, que dependem de subsídios quase permanentes, em um ambiente de políticas mais competitivas – bastante diferente do cenário do país dos anos 60 até a maior parte dos 80. Quanto à redução da pobreza, o desafio mais difícil surge nas regiões semi-áridas do Nordeste. Como foi enfatizado anteriormente, a maioria dos pobres rurais vive em áreas distantes com baixa densidade populacional e continua a depender da agricultura como principal fonte de renda – por meio do cultivo ou do trabalho agrícola. Porém, é justamente nessas áreas onde a agricultura está sofrendo uma retração. Nesse contexto, as duas forças principais que poderiam impulsionar os programas públicos agrícolas implicariam em:

• Reduzir a disparidade na produtividade e nos retornos de capital por meio do

investimento em tecnologias que se ajustem às necessidades dos pequenos agricultores pobres com potencial produtivo; e

• Diminuir os custos de transação nos mercados agrícolas mediante o

aperfeiçoamento, por exemplo, da infra-estrutura de transporte, da assistência técnica, do acesso ao crédito e das associações de agricultores.

25. A política agrícola direcionada às pequenas propriedades com baixa produtividade deveria ser considerada basicamente como parte da estratégia de redução da pobreza e não como um programa de desenvolvimento agrícola em si. No Nordeste, existem oportunidades para o aumento das atividades viáveis e de tempo integral de culturas em pequena escala, que combinam normalmente a produção comercial e de subsistência. Capitalização, investimentos físicos e serviços para os agricultores familiares podem aumentar a produtividade da mão-de-obra e a renda, além de reduzir as pressões que levam à migração. Esses programas incluem a intensificação agrícola, por exemplo, por meio de uma assistência técnica aprimorada, reforma agrária comunitária e pequenos investimentos em infra-estrutura, como o acesso a estradas. Nos locais em que esses investimentos forem eficientes e onde a atividade econômica subjacente for viável, eles devem obter apoio. No entanto, essa estratégia se aplica apenas a um subconjunto do setor de pequenas

commodities, como trigo e leite, ao contrário do efeito positivo dos preços para os produtos de exportação. A maioria dos ganhos se concentrou na região Centro-Oeste e a maior parte das dificuldades ocorreu no Sul.

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propriedades agrícolas. Por exemplo, seria muito difícil e caro para implementá-la nas regiões áridas e semi-áridas distantes do Nordeste, onde, infelizmente, vive uma parcela significativa da população pobre rural. Devido às restrições atuais de dados, o que permanece obscuro nesta etapa é a exatidão sobre o tamanho desse subconjunto. 26. Uma questão crítica que emerge da análise contida neste relatório é que os lucros gerados pelos bens (incluindo a terra) são altamente dependentes dos níveis de outros ativos complementares, incluindo o capital humano. Por conseguinte, o lucro difere de modo significativo, dependendo do tamanho das propriedades agrícolas e de algumas restrições subjacentes - mas não de todas – que podem ser resolvidas pelas políticas públicas. A principal mensagem que se pode depreender desta análise é a importância da adoção de uma abordagem na forma de um “pacote”, ou seja, um conjunto de políticas que leve em conta as sinergias do acesso a vários ativos. Agricultura comercial mais dinâmica 27. Um setor agrícola comercial revitalizado poderia aumentar a oferta de emprego e reduzir diretamente a pobreza rural por meio da absorção da mão-de-obra assalariada e, indiretamente, por intermédio do crescimento da indústria de processamento de produtos. Por exemplo, a expansão eficiente e orientada para o mercado das áreas irrigadas do Nordeste pode criar novas oportunidades. São cruciais para o crescimento e o aumento de emprego no setor as melhorias no funcionamento dos mercados de fatores de produção, da mão-de-obra, da água, da terra e do capital. Do ponto de vista dos pobres, melhores níveis de educação e a reforma da legislação trabalhista aumentarão as chances de encontrar trabalho no setor agrícola comercial. Finalmente, considerando-se que esse setor produz a maior parte das colheitas para exportação do Brasil, impedir a valorização das taxas de câmbio reais, as flutuações agudas das taxas de juros e uma política comercial orientada para tarifas de importação relativamente baixas (de insumos e produtos finais) poderiam melhorar de modo significativo a competitividade internacional dos setores, o que por sua vez acarretaria maiores salários reais e o aumento da oferta de emprego – tanto no cultivo quanto no processamento e transporte dos produtos finais. 28. Ao analisar as tendências estruturais da agricultura brasileira também é útil se basear na possível relevância da discussão sobre agricultura em pequena escala no setor agrícola dos EUA há poucos anos.7 A tendência no Brasil, à luz dos desenvolvimentos nos EUA e em outros países, sugere que o crescimento geral da produção agrícola será impulsionado principalmente pelos

7 Há alguns anos, a USDA se posicionou entre aqueles preocupados com a possível posição insustentável dos agricultores familiares de pequena escala. Durante o período de notável crescimento de produtividade na agricultura dos EUA, as mudanças tecnológicas que visavam a competitividade comercial levaram à apropriação e ao controle dos ativos agrícolas nas mãos de cada vez menos pessoas. De fato, os maiores estabelecimentos, correspondendo a 25%, que respondiam por 50% das vendas agrícolas em 1940, representam hoje 90% das vendas. No entanto, como mostrou muito recentemente Gardner (2000), a situação econômica das propriedades agrícolas menores nos Estados Unidos não piorou. Na verdade, considerando as fontes de renda agrícolas e não-agrícolas, o rendimento familiar dos produtores nas pequenas propriedades melhorou de modo uniforme ao longo do tempo. O elemento subjacente a essa história de sucesso é a importância crescente atribuída à renda proveniente das atividades não-agrícolas e à migração, o que realça o papel chave de um mercado de trabalho bem articulado para que exista uma melhor integração entre as atividades agrícolas e não-agrícolas. A análise não encontrou evidência de que as políticas agrícolas tenham contribuído para o aumento da renda familiar proveniente da agricultura para os pequenos produtores e, ainda mais relevante para a nossa análise do Brasil, é que não há provas de que a produtividade agrícola e o tamanho da propriedade rural provoquem algum efeito sobre o crescimento ou o nível da renda familiar proveniente do cultivo.

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agricultores comerciais e não pelo setor de pequenas propriedades rurais, nas áreas de baixa produtividade como o Nordeste. Desta forma, esse cenário aprofunda ainda mais o dilema resultante do fato de que a renda agrícola é importante para as pequenas propriedades rurais com baixa produtividade, mas não é essencial para o crescimento do setor agrícola brasileiro como um todo. Emprego rural não-agrícola 29. As atividades rurais não-agrícolas são promissoras no tocante ao aumento da oferta de emprego no campo, especialmente nos setores de processamento de alimentos e de serviços, reduzindo assim a pobreza. No entanto, não é provável que essa estratégia seja viável para a maioria dos pobres que vivem nas zonas rurais mais desassistidas, distantes e pouco habitadas. De modo geral, as evidências no Brasil e em outros países da região sugerem que o setor RNA mais desenvolvido se encontra nas áreas melhor servidas por estradas, eletricidade e comunicações. Ou seja, esse setor se concentra nas zonas onde os mercados de fatores e de produtos funcionam melhor e os custos de transação são mais baixos. Normalmente, os setores RNA se desenvolvem nas proximidades das áreas urbanas. Além disso, foram encontradas evidências que sugerem que um nível mais alto de escolarização e de acesso a essa infra-estrutura aumenta de maneira significativa a probabilidade de um alto retorno versus um baixo retorno do emprego no setor RNA, que o emprego no setor RNA é menos importante nas áreas rurais do NE do que no SE e que, embora as mulheres participem em grande número nesse setor, normalmente elas realizam as atividades de baixo retorno (por exemplo, serviços domésticos). Os ingredientes críticos necessários para estimular o desenvolvimento de uma vigorosa economia rural não-agrícola são níveis mais altos de educação, uma boa infra-estrutura básica, desenvolvimento de capital social, bem como mercados de crédito e de trabalho em bom funcionamento. Migração de jovens 30. Embora o trabalho analítico sobre o processo de migração em si (ou seja, sobre os determinantes da migração) e suas conseqüências para a população rural brasileira estejam além da abrangência deste estudo, os movimentos migratórios para as áreas urbanas e as cidades na zona rural parecem ser inevitáveis e até mesmo desejáveis, considerando-se a grande incidência de pobreza rural, o extremamente alto número absoluto de propriedades agrícolas muito pequenas combinado a famílias de tamanho bastante grande e o potencial relativamente baixo de desenvolvimento nas vastas áreas agrícolas áridas e semi-áridas do Nordeste. Ainda que haja disponibilidade de análises descritivas sobre as principais tendências migratórias inter-regionais no Brasil desde os anos 50 (ver Carneiro, 2000), as conclusões do presente estudo sugerem a necessidade de avançar no sentido do cálculo estimado das funções de migração que incorporem a heterogeneidade das famílias rurais pobres (como idade, educação, gênero, capital líquido e a distância das oportunidades promissoras de trabalho). A ausência de um conjunto de dados de série de tempo contendo registros confiáveis sobre renda e características familiares é o principal fator limitante que explica a falta dessa análise empírica no Brasil. Apesar da atual escassez desse tipo de análise dos determinantes da migração, as conclusões descritivas no Brasil e as experiências em outros países fornecem algumas indicações para mais pesquisas e para a agenda política.

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Historicamente, a migração rural-urbana tem sido um fator preponderante que explica a redução da pobreza rural durante os anos 90 na maior parte da América Latina.8 Por isso, como será detalhado mais adiante, a necessidade de elevar os níveis educacionais nas áreas rurais de modo a preparar os migrantes para uma absorção bem-sucedida no emprego urbano e RNA (por exemplo, nos postos de trabalho melhor pagos) deve ser vista como um componente fundamental da estratégia de redução da pobreza rural no Brasil. 31. As disparidades de renda se constituem na única força propulsora que explica as taxas de migração. As diferenças de salários e nos índices de produtividade do trabalho normalmente são sufic ientes para elucidar a maioria das taxas de migração entre os trabalhadores rurais sem terra. No entanto, grande parte dos pobres nos meios rurais do NE é composta por pequenos agricultores e, para analisar o processo de migração no contexto desse grupo, é preciso considerar outras fontes de renda (por exemplo, os retornos de capital), o que é com freqüência mais difícil devido às restrições de dados disponíveis e confiáveis. Existem determinadas fontes de renda, como a terra, que não são totalmente transferíveis durante a migração. Isso cria a possibilidade de fortes interações entre o mercado de terras e o processo migratório. Os potenciais migrantes, especialmente os pobres, em geral desejam levar consigo todo o seu capital. No caso dos agricultores, seria necessário vender a terra e o capital físico, especificamente o agrícola. A falta de títulos de posse e de um mercado de terras em bom funcionamento impediria a venda da terra a um preço que reflita o seu valor econômico para os operadores. 32. Um segundo fator que restringe a migração é o capital humano especificamente agrícola (por exemplo, habilidades e experiência em agricultura, em geral adquiridas na prática) que não é valorizado em relação a retornos comparativos fora do setor agrícola. Esse fator é especialmente problemático no caso dos potenciais migrantes mais velhos porque pouco pode ser feito para mitigar essa restrição. Isso ressalta a importância do investimento em educação para a atual nova geração rural e do empenho para dotá-la com níveis básicos de capital humano não específico ao setor. Um melhor treinamento e oportunidades de ensino para a população pobre das áreas rurais parecem constituir as variáveis mais críticas das políticas cujo objetivo é facilitar a absorção dessa mão-de-obra por outros setores da economia. A migração beneficiará não apenas o migrante mas em muitos casos os membros da família que permaneceram nas áreas rurais por meio da remessa de valores. Essencialmente, no que concerne à política, a questão não é estimular o êxodo dos jovens que vivem nas áreas rurais ou manter as pessoas artificialmente nesses locais. Ao invés disso, pretende-se possibilitar aos jovens rurais a chance de migrar em busca de oportunidades. Ou seja, capacitar esses indivíduos para que respondam a potenciais melhores condições econômicas nas áreas urbanas ou no setor rural não-agrícola. Uma rede de segurança para as pessoas “aprisionadas” na pobreza

8 Em sua análise que utiliza os dados da CEPAL referentes a nove países latino-americanos, Janvry e Sadoulet (2000) concluem que a redução observada no número de pobres rurais proporcionalmente ao número de pobres urbanos na região não resultou de um desenvolvimento rural bem-sucedido, mas foi motivada pela emigração. Eles estimam que cerca de 68% da redução na pobreza rural no período de 1990-97 foi atribuída à migração rural-urbana. Um estudo recente, conduzido por Paes de Barros (2000), examina a relação entre a queda constatada na pobreza rural e as condições dos mercados de trabalho rurais no Brasil.

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33. Existe um grupo de pobres nas zonas rurais que não poderá se beneficiar das oportunidades provenientes da agricultura comercial, da intensificação da agricultura em pequena escala ou da migração. Os membros desse grupo são em geral pessoas mais velhas, com freqüência viúvas e ocasionalmente trabalhadores agrícolas nas áreas menos dotadas. Esse grupo está “aprisionado” à pobreza extrema, sem futuro possível no setor agrícola além da subsistência. Essas pessoas enfrentam barreiras consideráveis para encontrar trabalho fora desse setor. Para esse grupo, torna-se crítica a criação de uma rede de segurança social, na forma de aposentarias, por exemplo, com o objetivo de assegurar uma qualidade de vida básica decente. O principal desafio do desenho de programas para criação de redes de segurança consiste em torná-los também administrativamente acessíveis aos pobres do meio rural, que vivem em áreas distantes e pouco habitadas, caracterizadas por altas taxas de analfabetismo. Além de reconhecer a multidimensionalidade dos potenciais caminhos para escapar à pobreza e as opções de políticas, a estrutura estratégica de ação também deveria levar em conta a faceta intergeracional da pobreza rural. Por isso, são muito importantes os esforços paralelos para atingir os jovens (em especial aqueles pertencentes às famílias mais pobres, muito dependentes dos recursos das redes de segurança) por meio da educação, a fim de lhes proporcionar oportunidades para romper o ciclo vicioso ao qual os seus parentes mais velhos estão presos.

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Estrutura estratégica de ação: um conjunto experimental de opções de políticas integradas

Caminho para sair da pobreza

Tipologia da Política

Aumentar a renda por meio da intensificação do setor de pequenas

propriedades agrícolas

Aumentar as oportunidades de

emprego na agricultura comercial

dinâmica

Estimular o crescimento do setor

RNA

Considerar a migração de

jovens

Fornecer uma rede de segurança

para as pessoas “aprisionadas” na

pobreza

Melhoria da dotação de capital humano

Efeito moderado a longo prazo sobre os rendimentos agrícolas

Efeito moderado sobre os rendimentos agrícolas (por exemplo, capacidade administrativa), porém limitado para a mão-de-obra assalariada.

Essencial para facilitar o emprego, especialmente nas atividades de alto retorno e/ou empresariais

Essencial para ativar a migração dirigida à busca de oportunidades, por meio da educação e do investimento em capital humano não-agrícola

Reforma do mercado de terras rurais

Essencial para aumentar o número de propriedades agrícolas acima do limite da pobreza e possibilitar os aluguéis

Impacto direto limitado

Impacto potencialmente importante para os agricultores.

Ampliação de P&D e de transferência de tecnologia

Efeitos positivos significativos sobre a rentabilidade agrícola

Efeitos positivos significativos sobre a rentabilidade agrícola

Papel limitado da política pública.

Impacto direto limitado

Reforma do mercado financeiro rural

Essencial para diminuir as restrições ao crédito obrigatório

Essencial para diminuir as restrições ao crédito

Essencial para diminuir as restrições ao crédito

Impacto direto limitado

Reduz o número de pessoas dependentes da renda fornecida pela rede de segurança

Reforma do mercado de trabalho rural

Impacto direto limitado

Importante para os trabalhadores agrícolas

Importante para o emprego no setor RNA

Melhora a integração entre os mercados de trabalho urbano e rural

Fornecimento de bens públicos e desenvolvimento de capital social

Importante para aumentar a produtividade e o acesso ao mercado

Essencial para aumentar a produtividade e o acesso ao mercado

Importante para aumentar o crescimento do setor RNA, a produtividade e o acesso ao mercado

Importante para melhorar a integração entre as áreas urbanas e rurais

Impacto direto limitado

Política comercial e de preços

O impacto depende do nível dos bens comercializáveis (insumos e produtos) e normalmente esse setor produz bens não-comercializáveis.

Impedir a apreciação da taxa de câmbio real e a flutuação da taxa de juros é um elemento fundamental das políticas que contribuirão para o aumento da competitividade do setor agrícola comercial (produtos e insumos), tanto nas atividades de cultivo quanto nos setores não-agrícolas de processamento e transporte do produto final. Juntamente com tarifas de importação relativamente baixas (insumos e produtos finais), essa estratégia ampliaria a orientação exportadora do setor.

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Programas de transferência

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Impacto direto limitado

Essencial para os grupos (por ex.: idosos) “aprisionados” na pobreza e que não se beneficiam de outras políticas

Políticas sinérgicas Políticas principais

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Conjunto de políticas integradas para redução da pobreza rural 34. Para orientar os pobres rurais de modo a que trilhem seus respectivos e adequados caminhos de escape à pobreza, é necessário implementar um conjunto de políticas integradas. Esta seção discute como as várias políticas atuais se ajustam à proposta de estratégia em cinco vias para combate à pobreza rural e sugere outros esforços complementares que têm como objetivo criar uma estrutura mais abrangente. Aprimoramento da dotação de capital humano 35. Um nível educacional maior e melhor para a população rural deveria ser considerado como máxima prioridade. O melhor ensino não só aumentará as oportunidades de emprego mas também facilitará a migração orientada para oportunidades – que deve ser considerada como um caminho essencial para a redução da pobreza rural, no curto e médio prazo. As polít icas que se fundamentam na educação deveriam ser consideradas como uma estratégia para a população rural, que visa fornecer aos membros jovens das famílias carentes rurais a oportunidade de romper o ciclo vicioso da pobreza ao qual os seus parentes mais velhos estão presos. O grau de aprimoramento das habilidades do capital humano dos pobres rurais em idade de participar do mercado de trabalho se limita em grande parte às iniciativas de treinamento. Além disso, o custo de oportunidade do investimento em capital humano (a renda que poderia ser gerada se essas pessoas estivessem trabalhando) é em geral muito maior para os pais em relação a seus filhos. É essencial o investimento na educação para capacitar as novas gerações com habilidades não-agrícolas. Como indica a discussão abaixo, as conclusões sobre a educação sugerem que o desafio da política é encontrar uma combinação adequada de programas dirigidos à demanda, como o Bolsa Escola, e outros universais, como o FUNDEF, além dos específicos ao ensino rural, para elevá-lo pelo menos aos níveis urbanos. 36. Soares et. al. (Volume II, Capítulo 7) relata diversas evidências relacionadas à educação rural. Cerca de 10% das crianças em idade escolar nas áreas rurais não estão matriculadas e esse percentual corresponde a 400.000 crianças no NE e a 300.000 no SE.9 No período de 1991-98, as taxas de matrícula aumentaram de 91% para 96% nas áreas urbanas e de 75% para 91% no campo. Embora esses índices indiquem uma melhoria, em especial no meio rural, ainda existe muito espaço para aperfeiçoamentos. Em 1998, cerca de 85% das crianças do campo foram matriculadas da 1ª à 4ª série em comparação a 50% no Brasil inteiro, enquanto o ensino médio continua virtualmente não existente. Em 1998, apenas 6% dos alunos que freqüentavam da 5ª à 8ª série viviam em zonas rurais e representavam somente 1% do total de matrículas. A evidência sugere que a repetência continua a ser uma questão crucial no ensino brasileiro. Embora o aumento das taxas de freqüência escolar rural da 1ª à 4ª série reflita o maior acesso à educação, também nos interessa medir o progresso e o aproveitamento dessas crianças quando freqüentam a escola. Quanto ao progresso, existem sinais de que a repetência permanece um problema crítico na educação brasileira, especia lmente no meio rural, onde não é incomum que os estudantes refaçam a mesma série diversas vezes.10 Da mesma forma, as comparações dos resultados dos testes de avaliação indicam um hiato significativo entre os alunos das áreas rurais e urbanas.

9 Ver Soares et. al., Volume II, Capítulo 7. 10 Observe que nesse contexto seria problemático utilizar na análise “anos de escolarização” como uma variável dependente.

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37. Dezoito por cento dos professores no meio rural brasileiro não completaram o ensino fundamental (0% nas áreas urbanas) e apenas 5% concluíram o ensino superior (28% nas áreas urbanas). As diferenças rural-urbano nos recursos educacionais são marcantes. O mesmo hiato que existe na qualificação dos professores também é constatado na infra-estrutura escolar física (como banheiros e saneamento) e pedagógica (como biblioteca, computadores e equipamento audiovisual). Ao contrário de praticamente todas as escolas urbanas cerca de 30% dos estabelecimentos de ensino rurais não dispõem de infra-estrutura de saneamento. O equipamento deficiente desses estabelecimentos é ainda mais acentuado em termos de recursos pedagógicos, considerando-se que apenas 3% utilizam computadores (44% nas áreas urbanas) e 7% contam com biblioteca (58% nas áreas urbanas). 38. Comparações regionais dos indicadores de educação rural revelam que a situação no NE é pior em todos os níveis. Embora as diferenças em termos de taxa líquida de matrícula escolar tenham se tornado insignificantes nos últimos anos, no NE, 90% das crianças estão matriculadas da 1ª à 4ª série, comparadas a apenas 68% no Sul. A repetência é substancialmente mais freqüente no Norte e no Nordeste e o aproveitamento escolar dos alunos nas áreas rurais dessas regiões é também pior nos testes de avaliação padronizados. De modo semelhante, 27% dos professores no meio rural nordestino não completaram o ensino fundamental, em contraste com apenas 4% no Sul; diferenças semelhantes também surgem ao se comparar a infra-estrutura escolar física e pedagógica. 39. Enquanto a baixa freqüência escolar é um problema tanto nas áreas rurais do NE quanto no Sul, a qualidade da educação das crianças rurais que freqüentam a escola no Sul rural é muito melhor se comparada ao Norte e Nordeste rurais. Além disso, o aproveitamento no Sul rural não é diferente dos seus correspondentes urbanos. A taxa de repetência entre os estabelecimentos de ensino urbanos e rurais, por exemplo, não é diferente no Sul e o mesmo ocorre em relação à infra-estrutura física das escolas. A constatação dessa heterogeneidade levanta uma série de questões importantes sobre a educação e seu papel na estratégia de redução da pobreza rural.

40. A principal questão referente à demanda é a maneira de tratar a baixa freqüência escolar nas áreas rurais. Essencialmente, os 10% de crianças não matriculadas e o grande número de alunos repetentes sugere a indagação sobre em que medida esses fatos se explicam pelos custos de oportunidade familiar do trabalho infantil. Nessa perspectiva, o papel de programas como o Bolsa Escola , o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE) poderiam ser muito relevantes para compensar as famílias por esse custo de oportunidade.11 Embora o Bolsa Escola seja considerado o único programa federal que compensa monetariamente as famílias que matriculam seus filhos na escola, existe uma ampla variedade de iniciativas semelhantes a esta no nível estadual. 41. Uma avaliação preliminar do Bolsa Escola em Brasília indica que esse programa apresentou uma eficácia de quase 100% para manter as crianças na escola. Infelizmente, ainda não está disponível uma revisão ampla dessas iniciativas - e seria recomendável que isso fosse realizado –, uma vez que a extensão de sua aplicação continua a ser bastante modesta, além de não ter sido muito difundida. Do mesmo modo, apesar do PETI ser muito eficiente, sua abrangência é bastante limitada. Dado o aparente sucesso desses programas, recomendamos que, caso se pretenda sua expansão, um estudo seja realizado para compreender as características e os determinantes

11 Soares et al. (Volume II, Capítulo 8) descreve os vários programas.

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associados à baixa freqüência escolar nas áreas rurais. A principal questão pertinente à oferta é à melhoria da qualidade e do patrimônio (professores e infra-estrutura) das escolas rurais. A questão levantada por esse aspecto é se isso requer apenas o aumento dos financiamentos ou implica também numa reforma institucional. Reforma do mercado de terras rurais 42. A agricultura brasileira se caracteriza historicamente por um modelo de concentração fundiária no qual a maior parte da terra cabe a um número relativamente pequeno de grandes proprietários rurais (agricultura patronal), que coexiste com um número muito maior de pequenas propriedades (agricultura familiar). Em 1996, quase 50% dos estabelecimentos agrícolas tinham menos de 10 hectares e correspondiam a apenas cerca de 2,25% da área total cultivada e a 12% da produção agrícola nacional. Por outro lado, menos de 11% das propriedades tinham mais de 100 hectares, mas esse grupo respondia por 80% da área total cultivada. Durante a década de 1985 a 1996, coberta pelo censo agrícola, o número de pequenas propriedades decresceu em cerca de 700.000 unidades (o total das terras de lavoura foi reduzido em 5,6% no mesmo período). O gerenciamento pelo proprietário predomina como forma de arrendamento (74% de todas as unidades agrícolas) e vale a pena destacar que os arrendatários (parceiros e arrendamento com aluguel fixo) representam uma pequena parcela em declínio, que atingia apenas 11% de todas as unidades agrícolas em 1995-96. As 14% restantes são exploradas por ocupantes (710.000 em 1995-96). 43. Uma característica evidente no NE é a predominância de propriedades tão pequenas que são incapazes de gerar um nível de renda suficiente para elevá-las acima da linha de pobreza, independentemente da eficácia de sua produção. A renda agrícola atual de uma grande parcela de pequenos produtores rurais é muito baixa, o que não decorre da eficiência relativa de sua alocação de recursos entre outros proprietários (como o valor adicionado por hectare). O problema está basicamente no cultivo feito em um ambiente que é coletivamente restrito demais quanto ao tamanho, na falta de capital de giro, na distância até os mercados, na falta de acesso a crédito e extensão rural, e nos altos riscos resultantes da produção e dos preços. Essas questões surgem no contexto de uma economia nacional muito mais aberta do que era tradicionalmente no passado e o mesmo continua a ocorrer na atualidade no Japão, em Taiwan e na Europa. Algumas estimativas sugerem que o retorno da agricultura para cerca de 70% das famílias rurais no Brasil está abaixo do salário mínimo de cada trabalhador.12 Por exemplo, apenas no Ceará existem em torno de 245.000 propriedades agrícolas com menos de 10 hectares e esse tamanho, na ausência de irrigação e de uma fonte de renda não-agrícola, é amplamente considerada bem inferior à área mínima necessária para que os agricultores gerem rendimento suficiente para escapar à pobreza.13 44. Para efeito de análise dos determinantes da renda agrícola, López e Romano (Volume II, Capítulo 6) classificaram os produtores do NE e SE em quatro grupos: minifúndios (até 2 ha), pequenos agricultores (2,1 a 10 ha), propriedades agrícolas de médio porte (10,1 a 50 ha) e grandes propriedades agrícolas (50,1 a 2000 ha). Eles notaram que o efeito do tamanho da terra per capita sobre a renda agrícola per capita varia substancialmente entre essas categorias de tamanho de propriedades rurais. O efeito marginal sobre a renda relativo ao aumento de terreno é praticamente insignificante para os pequenos agricultores, enquanto torna-se maior e significativo para as propriedades de médio e grande porte. Embora essa conclusão em si possa ser considerada à

12 IPEA/Banco Mundial/Ministério do Desenvolvimento Agrário, Rio, Agosto 2000. 13 World Bank (2000), Brazil Poverty Reduction, Growth, and Fiscal Stability in the State of Ceará.

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primeira vista discutível, porque é um resultado parcial da elasticidade, ela é de fato bastante informativa, ou seja, reflete a contribuição marginal da terra para a renda agrícola, se for levado em conta o nível de todos os fatores produtivos (como insumos adquiridos, maquinaria etc.) e as características demográficas (por exemplo, idade do operador, educação etc.). Portanto, existe uma sinergia entre a terra e outros fatores de produção que reforça mutuamente o seu aproveitamento e sua lucratividade. Embora esse resultado seja economicamente intuitivo, em geral ele é negligenciado e acarreta uma outra conclusão relevante que sublinha a importância do desenvolvimento de uma estratégia de redução da pobreza rural que consiste num conjunto de políticas integradas. Para que a terra provoque um grande impacto sobre a produtividade e o aumento da renda, parece necessário melhorar ao mesmo tempo os níveis de outros fatores, como os insumos adquiridos e a maquinaria. 45. A abordagem comunitária da reforma agrária, recentemente planejada e implementada, é uma concepção de programa flexível que pode ser ajustado de modo a considerar estas sinergias: os grupos de beneficiários negociam diretamente com os potenciais vendedores de propriedades adequadas e, então, obtêm o financiamento para a compra da terra e os subprojetos complementares, além do recebimento de assistência técnica. Dois projetos piloto (Programa de Combate à Fome no Ceará e Cédula da Terra) desenvolvidos nesses moldes foram avaliados como bem-sucedidos em termos de rapidez, custo por família, participação dos beneficiários e impacto previsto (World Bank, 2000). Ambos os projetos redistribuíram no total cerca de 640.000 hectares, beneficiando 23.700 famílias – ou seja, em torno de 100.000 pessoas e cada propriedade agrícola com tamanho médio de 27 hectares – a um custo médio estimado de R$10.000 por família (World Bank, 2000). Este é um empreendimento significativo e parece haver espaço para mais iniciativas nessa mesma linha. No entanto, no contexto mais amplo que abrange os 9,8 milhões de pobres das áreas rurais do NE e SE do Brasil, esses programas piloto de reforma agrária comunitária atingiram até o momento apenas 1% desse grupo. Por essa razão, a reforma agrária comunitária não deve ser considerada uma panacéia para a redução da pobreza rural, mas como um componente relevante que faz parte de um conjunto mais amplo de políticas integradas. 46. Essencialmente, a pobreza rural não pode mais ser explicada somente de acordo com o modelo de propriedade da terra. A redução da parcela da terra no valor da produção também reflete esse problema. Por exemplo, Brandão et. al. (Volume II, Capítulo 4) relata acentuadas reduções na proporção dos índices de produção agrícola em relação aos valores de venda e de aluguel do correspondente estoque de terreno. Essas tendências são manifestações da orientação geral, especialmente do setor agrícola comercial, em direção à maior utilização de métodos de produção que exijam níveis mais altos de tecnologia, capital renovável e compra de insumos. 47. O declínio dos preços da terra desde 1994 é permanente ou cíclico? A análise da evolução dos preços da terra distingue vários episódios desde o início dos anos 70: o aumento nos preços reais da terra até 1975, os preços razoavelmente constantes durante 1975-83, instáveis e em queda no período de 1984-94 e uma significativa redução desde 1994.14 O declínio a partir de 1994, sobretudo no Sul, é atribuído a diversos fatores quase permanentes: como conseqüência do Mercosul devido ao preço mais baixo da terra na Argentina, no Uruguai e no Paraguai (os preços no Sul são 3 a 4 vezes mais altos do que nos países vizinhos), baixas taxas de inflação, taxas de juros mais altas e mudanças nos impostos territoriais, que tornaram a terra menos atrativa como investimento. O que não está claro é em que medida a lucratividade mais baixa da agricultura foi outro fator que influenciou esse declínio até 1996. Uma recuperação dos preços da terra após a

14 Ver Brandão, Bastos e Brandão, Capítulo 4, Volume II.

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desvalorização do real em 1998 se tornaria compatível com o argumento da lucratividade, mas isso não pôde ser examinado devido à falta de dados. Preços reduzidos possibilitam um ambiente mais favorável para a aquisição de terras no atual programa de reforma agrária do NE. Por outro lado, o potencial de renda dos beneficiados pela reforma agrária seria obviamente reduzido se a queda dos preços da terra representasse uma diminuição da lucratividade agrícola, variável esta que precisa ser controlada. 48. De modo geral, é surpreendente que um país com o nível de desenvolvimento do Brasil esteja tão defasado em termos da modernização do seu mercado de terras rurais. O País se caracteriza por um número substancial de arrendatários e parceiros desprotegidos. Isso resulta essencialmente das disposições atuais do Estatuto da Terra, sob o qual os parceiros (mesmo no caso dos contratos informais de parceria) podem reclamar seus direitos sobre a terra (em alguns casos até mesmo obter a expropriação do estabelecimento agrícola), se determinadas condições forem atendidas, especialmente quando as plantações perenes são cultivadas ou tiverem sido feitos investimentos. Por conseguinte, os proprietários de terras normalmente aceitam alugar ou estabelecer qualquer outro contrato em bases muito precárias, contanto que as colheitas anuais sejam plantadas, e que não haja nenhuma proteção legal para os arrendatários. O atual Estatuto da Terra restringe assim o setor agrícola – sobretudo os agricultores pobres sem terra – porque inibe os contratos de arrendamento mais flexíveis e seguros. Essa questão necessita de atenção especial. A agricultura no Brasil, da mesma forma que na maioria dos países de renda média, está se tornando mais dependente dos investimentos de capital e mais exposta aos mercados estrangeiros; daí resulta o papel crucial dos contratos de arrendamento flexíveis que facilitam a reestruturação da agricultura, bem como o ingresso e a saída de produtores agrícolas. 49. Os aluguéis de terras devem ser vistos como um complemento importante ao programa de reforma agrária que está sendo implementado. Por si só esse programa não resolverá inevitavelmente a questão do acesso à terra para uma grande fração dos potenciais beneficiários. Há necessidade de oferecer mais oportunidades por meio do mercado de terras para exploração agrícola de pequeno e médio porte que utiliza mão-de-obra intensiva. O enfoque do programa recomendado neste relatório poderia ser apresentado na forma de direitos de propriedade consolidados, mediante a revisão da legislação fundiária, de modo a assegurar maiores prazos para os contratos de arrendamento e a resolução de disputas quanto à interpretação e cumprimento dos contratos de aluguel de terras. Além disso, o impacto desse programa seria altamente potencializado pelos ajustes simultâneos da legislação trabalhista e do sistema de tributação territorial. A legislação trabalhista não favorecia o trabalho de parceiros. Nesse contexto, podem-se obter lições úteis da experiência com a Bolsa de Parceria e Arrendamento de Terras, no Triângulo Mineiro. Embora não vise objetivos sociais, esse programa foi bem-sucedido e sua abordagem precisa ser examinada com mais profundidade. Ampliação da P&D e da transferência de tecnologia 50. López e Romano (Volume II, Capítulo 6) constataram que em 1996 cerca de apenas 2% dos minifúndios e pequenos agricultores receberam alguma forma de assistência técnica, e esse percentual se eleva a 8% e 31%, respectivamente, no caso dos produtores agrícolas de médio e grande porte. As funções de renda e receita econometricamente estimadas constituem um instrumento avançado para estabelecer as interações entre os vários determinantes (como capital humano e físico, a estrutura da política, etc), bem como para revelar o impacto relativo das alterações nos diversos fatores sobre a renda familiar.

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51. López e Romano (Volume II, Capítulo 6) fazem uma estimativa das funções de receita agrícola e relatam que as políticas que aumentam o acesso à assistência técnica beneficiariam da mesma maneira os agricultores pobres e os não-pobres. É bastante significativo o potencial de aumento das receitas agrícolas dos pequenos produtores através da oferta de maior assistência técnica. Os agricultores que dispõem desse recurso obtêm entre 7% e 11% mais rendimentos, ceteris paribus, do que aqueles que não têm essa disponibilidade. Esse aumento, embora significativo, não garante contudo que a renda desses pequenos produtores os faça necessariamente ultrapassar a linha de pobreza. Considerando-se, por exemplo, que 57% dos agricultores nordestinos vivem em extrema pobreza e até 82% são pobres, esses dados enfatizam ainda mais a necessidade de uma abordagem na forma de políticas integradas que sejam moldadas para acomodar suas sinergias. Reforma do mercado financeiro rural 52. López e Romano (Volume II, Capítulo 6) informam que, entre os minifúndios (até 2 ha) e pequenas propriedades agrícolas (2,1 a 10 ha) situados nas áreas rurais do NE e SE, apenas 2% em média receberam crédito subsidiado do governo em 1996. No caso das propriedades entre 10,1 e 50 hectares, essa proporção aumenta somente a meros 8%, enquanto em média 31% das maiores propriedades receberam crédito subsidiado do governo. Esses dados refletem os problemas gerados pelo nível de acesso ao crédito enfrentado pelos pequenos agricultores mais pobres nessas regiões. Desde 1996, programas como o PRONAF foram expandidos substancialmente e a situação pode ter melhorado, mas não há índices atualizados disponíveis. 53. A necessidade de aprimorar o funcionamento do mercado financeiro rural pode ser ainda fundamentada pela análise dos determinantes da renda agrícola por López e Romano (Volume II, Capítulo 6). Mais particularmente para os pequenos agricultores, a elasticidade dos insumos adquiridos observada é consideravelmente maior do que a dos insumos compartilhados.15 Em outras palavras, a receita marginal dos insumos adquiridos é maior do que o seu custo marginal na produção e isso reflete as restrições de crédito induzidas pela alocação sub-otimizada dos insumos adquiridos. No contexto das conclusões sobre sinergias entre a terra e outros fatores de produção, esse dado reforça a necessidade de uma estratégia integrada que enfoque não somente a terra, mas também reconheça as sinergias das políticas que envolvem outros mercados de fatores rurais com o objetivo de aumentar os rendimentos provenientes da agricultura. 54. Por esta razão, a baixa liquidez se constitui em uma restrição que tem uma influência muito grande sobre os pequenos agricultores que não dispõem de ativos complementares (como insumos adquiridos, maquinaria, educação, etc.) e o valor de sua terra é muito baixo em si. Para que a terra provoque um grande impacto sobre a renda (receita) é necessário que as restrições à liquidez enfrentadas pelos pequenos agricultores sejam reduzidas e que isso, por sua vez, possibilite a compra de insumos e mais capital para investimentos nas atividades agrícolas. A diminuição desses limites está no âmbito das iniciativas da política agrícola. Entretanto, essa medida não resolve as conseqüências da baixa capacitação do capital humano e do efeito possível sobre o preço do produto induzido pela falta de comercialização. Isso implica em que, para um subconjunto de pequenos agricultores pobres, devemos considerar medidas alternativas de redução da pobreza na forma de

15 Esse fato corresponde à análise de Janvry et al. (1991) que concluiu que as falhas do mercado, incluindo a falta de acesso ao crédito, são normalmente refletidas nas elasticidades das respostas dos pequenos agricultores pobres aos vários fatores de produção.

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transferências diretas de renda, como a previdência rural do Brasil, e também avaliar cuidadosamente o potencial de programas semelhantes ao Pro Campo do México. Reforma do mercado de terras rurais 55. Os mercados de trabalho rural podem ter um papel vital, direto e indireto, na redução da pobreza rural. No sentido direto, o funcionamento do mercado de trabalho é indispensável porque as famílias rurais dependem em grande parte das rendas de salário. No NE rural, por exemplo, os salários das famílias pobres correspondem em média a 30,6% da renda total comparados a apenas 12,6% no caso das não-pobres (ver Lanjouw, Volume II, Capítulo 7). Mercados de trabalho flexíveis e em bom funcionamento também podem ter uma função indireta importante, ao facilitar a realocação da mão-de-obra segundo habilidades, tipos de emprego e localização geográfica. No contexto da proposta de estrutura de políticas integradas, o funcionamento do mercado de trabalho é crucial para três das cinco estratégias de saída da pobreza. Revisão da legislação trabalhista

56. A legislação que rege os contratos de trabalho é decisiva porque determina em grande parte o grau de flexibilidade do mercado. O caso da agricultura é de alguma forma especial e difícil. As atividades agrícolas são normalmente dificultadas pela considerável inconstância da produção e dos preços - e, conseqüentemente, pelas flutuações paralelas na demanda de mão-de-obra – e em geral são limitadas pela necessidade de colher e processar a produção em um curto período de tempo. Além disso, o setor se caracteriza pelos altos custos de monitoramento e por modelos de produção sazonal sob condições normalmente muito heterogêneas de emprego, mesmo no âmbito de uma única região geográfica. Por conseguinte, uma legislação trabalhista que estabeleça normas em excesso ou muito restritivas pode provocar dois efeitos que reforçam as seguintes situações: limitar o uso de contratos que induzam à cooperação entre trabalhadores e empregados, e reduzir assim os níveis da produtividade total dos fatores (ver López e Valdés, 2000). 57. Os empregos agrícolas e rurais não-agrícolas são particularmente sensíveis à legislação trabalhista, em especial quando esta impede a flexibilidade para o ajuste de contratos, de modo a acomodar as características da empresa e da força de trabalho. A legislação trabalhista atual parece restringir as oportunidades de emprego rural. Estudos anteriores mencionaram a preocupação de que essas regulamentações na forma como eram aplicadas à agricultura brasileira estavam contribuindo para a redução do trabalho assalariado e, assim, estimulando a excessiva substituição de atividade agrícola trabalho-intensiva por capital-intensiva. Carneiro (Volume II, Capítulo 3) afirma que essa preocupação ainda se aplica à situação atual. No NE, a parcela dos trabalhadores agrícolas assalariados caiu de 41%, em 1981, para 32%, em 1997, enquanto durante o mesmo período houve um aumento significativo de 22% para 30% de trabalhadores “não remunerados” (agricultura familiar). Durante os anos 80 e 90, apenas 28% da força de trabalho agrícola dispunha de emprego formal e recebia um salário regular. Essa pequena proporção combinada à alta parcela da produção agregada dos estabelecimentos agrícolas comerciais de médio e grande porte demonstra a produtividade substancialmente mais baixa da mão-de-obra “não remunerada” no setor da agricultura familiar. A evidência apresentada por Carneiro (Volume II, Capítulo 3) é consistente com uma forte tendência contra o emprego mostrando que: (a) a complexidade e a rigidez introduzida pela legislação trabalhista e sua tendência em favorecer a mão-de-obra no cumprimento de suas normas, e (b) os altos impostos sobre a mão-de-obra, que aumentam o custo total em 102% do salário básico na contratação de trabalhadores formais. No entanto, indicadores mais

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aprofundados da magnitude dessa questão exigiriam uma abordagem quantitativa que incorporasse as interações entre os vários determinantes do emprego, que não está atualmente disponível no Brasil. 58. Dois tipos de programas de ação, as cooperativas e os condomínios, oferecem vantagens para o emprego de trabalhadores temporários, mas não abordam a questão dos contratos de longo prazo. A rápida proliferação das contratações indiretas de trabalhadores temporários para a agricultura, por meio de cooperativas e condomínios, foi em grande parte uma resposta do mercado induzida pela rigidez dos mercados de trabalho rural brasileiros. As cooperativas atuam como contratantes e, desse modo, não existe vínculo formal entre trabalhadores e agricultores enquanto empregadores. Embora os salários em espécie sejam 30% mais altos do que os dos contratos tradicionais, os trabalhadores são privados de benefícios como pagamento de seus direitos trabalhistas ao se desligar de um emprego, férias remuneradas, descanso semanal e 13º salário. Os condomínios são associações de empregadores nas quais os trabalhadores têm acesso aos benefícios do setor formal, embora os salários em espécie sejam mais baixos do que nas cooperativas. O número de processos trabalhistas contra as cooperativas aumentou de forma substancial, criando uma atmosfera de conflito e tensão nos mercados de trabalho agrícolas. 59. O fato de a renda per capita dos trabalhadores agrícolas no NE ser em geral extremamente baixa enfatiza a importância da eliminação das restrições institucionais e políticas que inibem o crescimento do emprego rural formal com salários mais altos. O governo brasile iro já enviou ao Congresso um pacote de reformas das leis trabalhistas, cujo objetivo é aumentar a flexibilidade e reduzir o estímulo aos contratos de trabalho informais. Segundo a análise de Carneiro (ver Volume II, Capítulo 3), as mudanças mais importantes para melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho para mão-de-obra temporária – ou seja, que favoreçam a maior oferta de emprego e salários mais altos para os pobres das áreas rurais, são: • Redução do valor e do número de impostos que os empregadores têm de pagar como

contribuições sociais ao contratar mão-de-obra temporária; • Redução dos depósitos do FGTS e isenção do empregador de pagar a multa de 40% por

cancelamento de contrato sem justa causa, no caso de emprego temporário; • Estímulo à organização de condomínios de empregadores, estendendo todos os direitos

trabalhistas aos empregados temporários, o que impediria os futuros litígios trabalhistas; • Redução da tendência de favorecimento da mão-de-obra na resolução de conflitos através da

eliminação do poder legal dos Tribunais do Trabalho e ao mesmo tempo mantendo sua participação voluntária na arbitragem de conflitos econômicos coletivos, quando solicitada pelas partes envolvidas.

Questões relacionadas ao emprego RNA

60. O emprego não-agrícola nas áreas rurais está crescendo no Brasil, o que reflete as tendências atuais em toda a América Latina, onde a atividade RNA representa hoje mais de um terço do total de postos de trabalho rural, gerando 40% da renda (Berdegue et al., 2000). Existe consenso de que o emprego RNA é proveitoso porque representa um componente importante da estratégia de combate à pobreza rural. A questão passa a ser então o que é necessário e quem paga para tornar as áreas rurais mais atraentes para a criação de postos de trabalho RNA. Além disso, esse tipo de função compreende uma ampla diversidade (incluindo as atividades agrícolas de produção e distribuição/comercialização, bem como os setores industrial e de serviços), em vez de

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constituir propriamente um setor em si e, em razão disso, parte do desafio consiste em identificar quais atividades são provavelmente mais dinâmicas para gerar empregos e sua distribuição espacial. 61. De modo geral, o estudo sugere que a localização é importante no contexto do desenvolvimento das oportunidades de emprego RNA. Isso é uma conseqüência da heterogeneidade espacial das áreas onde a agricultura é mais próspera e daquelas que têm mais acesso a infra-estrutura e educação. No NE, o emprego rural não-agrícola está concentrado na Bahia, no Maranhão e Rio Grande do Norte. No entanto, o setor RNA não fornece um mecanismo para tratar da pobreza nas regiões agrícolas mais carentes, distantes e menos dinâmicas. Esta é uma preocupação nas regiões caracterizadas por baixos níveis de infra-estrutura e onde a renda agrícola é pequena e altamente variável, como por exemplo nas zonas semi-áridas do NE. Oferta de bens públicos e desenvolvimento de capital social 62. Devido à natureza heterogênea da pobreza rural e de suas limitações (por exemplo, as diferenças relacionadas ao acesso a ativos, as características familiares, os hiatos institucionais e a especificidade regional, etc.), os caminhos para sair da pobreza no campo são igualmente diversos. Isso sugere que os programas de desenvolvimento e as estratégias de combate à pobreza rural deveriam ser orientados para a demanda e moldados de forma a atender essas necessidades locais heterogêneas. Nesse contexto e sem levar em conta a diversidade das comunidades, o insucesso de vários projetos de desenvolvimento rural desde os anos 70 pode estar parcialmente vinculado à falta de participação e capacitação comunitária local, bem como à excessiva centralização das decisões – uma fonte comum de alocação indevida de recursos politicamente induzida (ver Van Zyl et al., 2000). Esses fatos justificam que se ultrapasse a mera consideração da heterogeneidade dos pobres para estimulá-los, de fato, a compartilhar ativamente da identificação de suas necessidades e a se organizarem para exercerem uma pressão eficaz a fim de que suas reivindicações sejam atendidas (Lipton e van der Gaag, 1993). Em outras palavras, uma estratégia de redução da pobreza deveria ter como objetivo principal o incentivo à população pobre das comunidades para criar o seu capital social rural que lhes proporcione uma representação política coletiva e forneça uma base para que se engajem na gestão de seus próprios esforços de desenvolvimento local. 63. As experiências recentes de um número cada vez maior de países emergentes sugerem que os programas de desenvolvimento corretamente descentralizados, que são acompanhados de esforços paralelos para promover maior envolvimento e autonomia na tomada de decisões das comunidades locais, podem oferecer reais oportunidades que visem melhorar os resultados do desenvolvimento rural. 16 O replanejamento desses programas comunitários pode torná-los eficientes, em particular quanto ao fornecimento de uma grande variedade de infra-estruturas de bens públicos. Por exemplo, uma extensa avaliação recente (Van Zyl et al., 2000) dos Projetos de Alívio à Pobreza Rural (PAPRs), implementados com a cooperação do Banco Mundial, em oito Estados do Nordeste, concluiu que seus objetivos foram atingidos e, em grande escala, também as metas estabelecidas no início dos projetos, em 1995.

64. Entre os subprojetos de infra-estrutura de bens públicos, a eletrificação rural e o abastecimento de água dominaram o perfil das demandas comunitárias, mas a ampla gama de outras infra-estruturas solicitadas (por exemplo, melhorias nas estradas, pequenas pontes e telefones

16 As abordagens anteriores dos chamados Projetos Integrados de Desenvolvimento Rural (PIDRs), embora tivessem como objetivo as necessidades de operações mais localizadas, não foram bem-sucedidas quanto ao engajamento da população pobre local em um processo participativo e para o desenvolvimento de capital social (Van Zyl et al., 2000).

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públicos) refletem a heterogeneidade encontrada nas prioridades de desenvolvimento escolhidas em diferentes comunidades. Muitos dos sub-projetos produtivos (ou seja, aqueles que necessitam de investimento direto na produção ou no processamento de bens agrícolas e não-agrícolas), que são normalmente solicitados após serem atendidas as necessidades de infra-estrutura das comunidades, foram bem-sucedidos dependendo da complexidade do processo produtivo (projetos simples incluíram “casas de farinha”, pequenos esquemas de irrigação e mecanização agrícola) e do grau de exposição da atividade aos riscos de mercado. Outros empreendimentos mais complexos (como vestuário, fábricas comunitárias de tijolos e cerâmica) obtiveram algum sucesso mas exigiram um aporte significativamente grande de assistência técnica. Política comercial e de preços 65. A análise de López e Romano (Volume II, Capítulo 6) revelou que as maiores propriedades rurais tendem a produzir mais bens agrícolas comercializáveis enquanto os estabelecimentos menores oferecem mais produtos não-comercializáveis e, no tocante ao consumo, os pequenos agricultores gastam uma parcela relativamente maior de sua renda na alimentação. Essas diferenças na estrutura da produção e no consumo implicam em que:

• A liberalização do comércio, que eleva os preços relativos das mercadorias para

exportação aumenta a renda dos agricultores não-pobres em uma proporção maior, se comparada aos rendimentos dos pequenos agricultores pobres;

• O efeito marginal de uma redução nas tarifas de importação sobre os rendimentos agrícolas é pequeno e negativo para todos os tamanhos de propriedades rurais; e

• A desvalorização da taxa de câmbio possivelmente não terá um papel importante no aumento da renda dos agricultores mais pobres.

A concentração da pauta de produtos dos pequenos agricultores em mercadorias não-comercializáveis é de alguma forma preocupante considerando que os retornos dos fatores de produção são muito dependentes dos preços dos produtos. Uma expansão significativa da produção reduziria o preço desses produtos. Por outro lado, os bens comercializáveis no Brasil são praticamente “determinados pelo mercado” e, por isso, sua expansão não provocaria um efeito relevante sobre os preços. Por exemplo, um aumento de 10% nos preços de exportação (como resultado de uma desvalorização da moeda) aumenta o rendimento marginal do trabalho em 10%.

66. Evitar a valorização das taxas de câmbio reais e as flutuações agudas das taxas de juros é um elemento crucial da política macroeconômica, que contribuirá para fortalecer a competitividade do setor comercializável da agricultura (produtos e insumos), tanto no cultivo quanto nos setores não-agrícolas de processamento do produto final. Esses procedimentos complementariam um regime de política comercial voltado para impostos reduzidos sobre os produtos de importação (insumos e produtos finais) porque fortaleceriam cada vez mais a orientação do setor para a exportação. Em conjunto, essas políticas macroeconômicas também provocam um importante impacto positivo no mercado de trabalho agrícola, bem como uma estrutura reguladora reformada e mais flexível dos mercados de trabalho rurais, a desvalorização das taxas de câmbio e a abertura comercial, o que acarretará um aumento real dos salários. Esses fatores ajudarão a revitalizar o setor agrícola comercial, beneficiando os trabalhadores sem terra e os pequenos agricultores empregados no setor não-agrícola para complementar sua renda.

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Programas de transferência 67. Desde 1991, tem havido um aumento substancial na cobertura da previdência rural no Brasil. Os benefícios previdenciários pagos às famílias rurais como renda de apoio aos trabalhadores idosos, às esposas sobreviventes e filhos de trabalhadores falecidos, aos doentes temporários e inválidos permanentes aumentaram constantemente. Além da previdência contributiva, a previdência rural paga atualmente um benefício de assistência social para trabalhadores pobres, idosos e inválidos, sem histórico de contribuição ou registro em carteira. Os trabalhadores rurais podem se aposentar por idade cinco anos antes de seus pares nas áreas urbanas. Na previdência rural, todos os beneficiários que se qualificam recebem o equivalente a um salário mínimo, independentemente de seu ordenado anterior. Uma característica relevante do novo programa é a combinação de facto da previdência e da assistência social para os idosos em um regime único. O programa anterior tem um caráter exclusivo – exige que os beneficiários contribuam para que tenham direito às aposentadorias – enquanto o novo regime está disponível para qualquer trabalhador a partir de 70 anos. 68. Segundo o relato de Delgado (2000), a previdência rural: (i) representa uma parcela crescente da renda familiar dos pobres rurais e (ii) levou à menor incidência de pobreza no campo. No entanto, esses dados não fornecem uma resposta clara sobre se o impacto positivo da previdência rural pode ser atribuído à implementação bem-sucedida da previdência social contributiva para os trabalhadores rurais ou à expansão e à maior generosidade das transferências da assistência social não contributiva. 69. O atual desequilíbrio atuarial e fiscal suscita questões sobre a sustentabilidade do programa em curso, ou seja, se o presente esquema deve ser mantido ou reestruturado em dois programas separados: um composto por um imposto vinculado à folha de pagamento (previdência social) e outro (assistência social) financiado por capital de base mais ampla, proveniente do orçamento geral do governo.17 O esquema atual coloca o peso da redistribuição de renda para as famílias rurais sobre os trabalhadores e empregadores do setor privado. O impacto desse esquema é ambíguo porque a incidência da previdência social contributiva e não contributiva não pode ser analisada separadamente, devido à falta de informações necessárias. Análise preliminar seletiva do conjunto de políticas 70. O Brasil dispõe atualmente de políticas e programas adequados para combater a pobreza rural? Uma estratégia eficiente para reduzir a pobreza rural necessita de programas e instrumentos complementares que incorporem a heterogeneidade das posições dos ativos e das características familiares da população rural de baixa renda, com o objetivo de abrir vários caminhos para que saiam da pobreza. Na seção anterior, foi identificado um conjunto preliminar de orientações para potenciais iniciativas. Levando-se em conta as restrições orçamentárias do governo, a próxima etapa consiste em priorizar e selecionar um conjunto “ótimo” de políticas. Embora uma avaliação extensa esteja acima da abrangência deste relatório, o objetivo predominante foi prover uma estrutura estratégica e sugestões de políticas. Esta seção apresenta uma metodologia

17 Ver Packard, Volume II, Capítulo 8.

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que possibilita uma comparação quantitativa dos vários programas do governo segundo três critérios: cobertura, direcionamento e custo-benefício (ver Von Amsberg, Volume II, Capítulo 8). 71. Esta abordagem classifica os programas de acordo com a sua eficácia para transferir recursos aos pobres. No entanto, alguns deles podem incluir objetivos adicionais que precisam ser considerados em uma avaliação mais abrangente. O estudo enfoca os benefícios recebidos pela parcela da população que se enquadra nos quintis mais inferiores de gastos nacionais e compara onze programas: reforma agrária (Cédula da Terra), Projetos de Alívio à Pobreza Rural (PAPRs), combate à seca, merenda escolar, saúde básica, empréstimos do PRONAF, acesso à eletricidade, matrícula no ensino fundamental e médio, acesso à água encanada e beneficiários da previdência rural. A análise inclui diversas suposições para preencher as ausências de dados e possibilitar a comparação dos programas e, por isso, os resultados deveriam servir como um ponto de partida pragmático para outras avaliações mais profundas e não como conclusões mecânicas e prematuras sobre as políticas. Alguns programas são universais (saúde básica, educação e merenda escolar) e suas metas modestas não significam que devam ser abandonados. Há algumas iniciativas cujos benefícios não monetários para os pobres são difíceis de avaliar. 72. De modo geral, o gasto social rural é bastante progressivo comparado às despesas totais no Brasil. Como a taxa de pobreza é bem mais alta nas áreas rurais, é necessário um esforço muito menor para direcionar uma parcela maior dos benefícios aos pobres. O gasto social rural tem um efeito maior sobre a redução da pobreza do que o conjunto das despesas sociais. Isso poderia sugerir que um aumento do gasto social rural maior do que o urbano provocaria um efeito mais significativo sobre a redução da pobreza. A análise conclui que cerca de 30% do total de despesas sociais rurais se destina às famílias mais pobres (primeiro quintil), uma porcentagem relativamente alta comparada aos programas sociais em geral. Até certo ponto, a abrangência do direcionamento mostra que algumas iniciativas se aplicam basicamente ao Nordeste, que é de longe a região mais pobre do Brasil. Além disso, deve-se esperar que o custo-benefício do gasto social rural também seja mais significativo no NE, considerando a maior incidência de pobreza nessa região. 73. Diversos programas são bem direcionados mas atingem uma pequena parcela dos pobres (reforma agrária) e outros são mal orientados e não atingem muitas pessoas de baixa renda (ensino médio, serviços urbanos e crédito do PRONAF). Em relação à aposentadoria, uma advertência se aplica porque os indicadores de renda proveniente de benefícios incluem os programas de previdência rural e de seguridade social tradicional. Por esta razão, a análise subestima a eficiência das metas do programa da previdência rural.

74. Finalmente, existem programas sociais que são bem direcionados e atingem uma grande parcela dos pobres como é caso dos programas que se aplicam apenas ao Nordeste – de Combate à Seca e os Projetos de Alívio da Pobreza Rural (PAPRs). A análise também sugere alguns intercâmbios entre metas e cobertura, e entre tamanho do benefício e cobertura. A existência de um número maior de programas de assistência dificulta o controle das perdas, o que é um desafio ao ampliar programas pequenos e bem direcionados. A esse respeito, as iniciativas mais dispendiosas, mas que provêem fluxos significativamente maiores de renda - como a reforma agrária - atingem apenas uma pequena proporção dos pobres, enquanto os programas menos dispendiosos, como o PAPR, podem proporcionar uma cobertura maior.

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Programas do Governo: Gasto total, número de beneficiários, taxas de cobertura e direcionamento.

Programa/Área Gasto total 1998

(em bilhões de R$)

Famílias beneficiadas

(milhões)

Taxa de cobertura

Taxa de direcioname

nto

PRONAF 1,65 0,72 6% 25% Eletrificação rural 0,04 5,10 40% 18% Reforma agrária 1,90 0,37 11% 85% Combate à seca no NE 0,56 1,20 56% 75% Distribuição de alimentos 0,22 3,00 66% 41% Fornecimento de água encanada 0,41 3,40 7% 15%

Serviços de saúde 1,98 6,60 75% 31% Ensino fundamental 2,08 6,60 60% 45% Ensino médio 0,09 0,62 3% 17% Previdência Rural 10,80 6,30 28% 13% PAPRs 0,21 1,30 57% 70% Total dos programas arrolados

19,92

Fonte: Von Amsberg, Volume II, Capítulo 9.

75. Levando-se em conta as reais limitações do orçamento governamental, os critérios de cobertura e direcionamento deveriam ser complementados por uma avaliação rigorosa de custo-benefício dos vários programas. Ou seja, de acordo com a estrutura atual, qual é a parcela do orçamento em moeda nacional necessária à transferência de R$ 1 (um real) em benefícios para os pobres, por meio dos vários programas? Este relatório faz uma análise preliminar mas, dadas as grandes restrições de dados nesta etapa, sua abordagem deveria ser interpretada como predominantemente experimental. No entanto, partindo-se de uma perspectiva orçamentária governamental mais ampla (federal e estadual), surge uma questão igualmente desafiadora: como será feita a alocação dos gastos rurais entre os programas de desenvolvimento regional “gerais” (por exemplo, infra-estrutura, desenvolvimento de atividades comerciais etc.) e aqueles direcionados especificamente para a população pobre das áreas rurais?

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APÊNDICE: RESUMO DOS ESTUDOS PRELIMINARES 1. Perfil da pobreza rural no NE e SE do Brasil: fatos atualizados 1-1. O objetivo desta primeira seção é apresentar um perfil da pobreza rural nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Esse estudo se baseia no trabalho de Romano (Volume II, Capítulo 1) e Lanjouw (Volume II, Capítulo 6) e resume as informações sobre as fontes de renda, gastos, atividades econômicas e condições de vida dos pobres. Pouco se sabia anteriormente sobre a distribuição espacial dos pobres rurais além do nível regional. Nesse perfil estão incluídas informações desagregadas espacialmente para possibilitar comparações não apenas entre as duas regiões mas também em diferentes Estados e em várias áreas rurais e urbanas. São apresentadas diversas conclusões sobre a população rural de baixa renda, que representam novos blocos da construção da análise da pobreza e do planejamento de uma política para o Brasil rural. Dados: limitações e soluções 1-2. Antes de passar ao objetivo do capítulo, gostaríamos de lembrar que a análise da pobreza no meio rural brasileiro, ao contrário das áreas urbanas, continua a ser muito limitada devido à falta de dados. O presente estudo baseia -se em duas pesquisas domiciliares conduzidas em 1996, a Pesquisa Sobre Padrões de Vida (PPV) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e enfoca as regiões Nordeste e Sudeste. Ambos os conjuntos de dados têm pontos fortes e fracos.18 Por um lado, a PPV apresenta registros bem detalhados sobre gastos de consumo e permite a construção de índices de preços que levam em conta a variação espacial dos preços (os dados sugerem que as variações são substanciais em um país tão vasto como o Brasil). Entretanto, o tamanho da amostra da PPV não é suficientemente grande de modo a ser representativa nos níveis de desagregação social que estiverem muito abaixo do âmbito regional e das grandes áreas metropolitanas. Por outro lado, a amostra muito maior da PNAD é representativa no nível estadual. Todavia, a PNAD não contém dados sobre gastos e suas medições de renda não são confiáveis, particularmente nas áreas rurais.19 1-3. Além dos dados da PPV e da PNAD, separadamente, também citamos os resultados preliminares de Lanjouw (Volume II, Capítulo 6), que se baseiam em uma técnica de pesquisa de atribuição do particular ao geral, recentemente desenvolvida (ver Elbers e Lanjouw (2000); Hentschel, Lanjouw, Poggi (2000)). Essa nova abordagem possibilitou a Lanjouw (2000) tirar proveito dos pontos fortes de ambos os conjuntos de informações, evitando ao mesmo tempo seus respectivos pontos fracos. Essas técnicas econométricas possibilitam essencialmente uma análise preliminar da pobreza que examina a ampla cobertura da PNAD e emprega a definição da qualidade de vida da PPV com base nos gastos de consumo. Além disso, essa metodologia permite fazer um instantâneo experimental da desagregação espacial da pobreza rural por Estado e por localização

18 Os valores relativos desses dados são discutidos detalhadamente em Ferreira, Lanjouw e Neri (2000a). 19 Por exemplo, a medição da renda dos trabalhadores autônomos na PNAD se baseia em um único exame que não distingue as rendas bruta e líquida das atividades de trabalhadores autônomos (como a agricultura nas áreas rurais). Além disso, essa pesquisa não reconhece que a renda agrícola é gerada de forma sazonal ou anual, e não mensal. Essas omissões provavelmente introduzem uma distorção substancial nos padrões de vida registrados, em particular nas áreas rurais (ver Ferreira, Lanjouw e Neri, 2000a).

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rural e urbana.20 Anteriormente, não havia no Brasil um perfil da pobreza que apresentasse esse nível de segmentação espacial e a sua utilização forneceu diversas informações relatadas neste capítulo. 21 Finalmente, notamos que a ausência de dados intertemporais comparáveis, ao contrário de outros países da região, como o Chile e a Nicarágua, impossibilita uma análise das mudanças desse perfil ao longo do tempo. Medidas de incidência de pobreza

1-4. Observamos inicialmente que, diferentemente da opinião popular, a pobreza no Brasil não é um problema predominantemente urbano. De fato, apesar da população urbana ser bastante maior, a pobreza é tão comum nas áreas rurais que corresponde, em números absolutos, a cerca de 43% da população. Sob uma perspectiva regional, a pobreza rural está concentrada nas áreas mais habitadas do Nordeste, onde a sua incidência está entre 47% e 51% (no Sudeste, a variação é de 22% a 26%). Embora já fosse conhecida a diferença relativa entre as regiões Nordeste e Sudeste (World Bank, 1995), a magnitude geral da pobreza rural no Brasil parece ter sido subestimada. Ao aplicar uma desagregação acima do nível regional, Lanjouw (Volume II, Capítulo 6) revelou vários outros aspectos.22

1-5. Em primeiro lugar, as estimativas do número total de pobres no Nordeste e no Sudeste mostram que cerca de 83,6% e 90,3%, respectivamente, residem em áreas rurais “exclusive” distantes. Esses locais não atendem a quaisquer dos critérios que definem uma aglomeração rural (ou seja, muito pouca ou nenhuma estrutura permanente, pequena ou nenhuma infra-estrutura, e baixa densidade populacional). Em segundo lugar, as medidas de incidência de pobreza são as mais baixas nas áreas rurais adjacentes, mas não formalmente incorporadas ao perímetro urbano dos municípios. De fato, no Nordeste, esses índices são mais baixos comparados aos das áreas urbanas. O panorama que emerge dessa análise é que as simples comparações dicotômicas rurais-urbanas ou regionais parecem omitir o que é de maior interesse. Não existe uma área rural ou urbana “típica” em um país tão vasto como o Brasil.

1-6. No contexto da análise da pobreza rural, essas conclusões são significativas no tocante a pelo menos duas questões. Em primeiro lugar, a dicotomia rural-urbana é de alguma forma inevitavelmente subjetiva (em geral, depende de algum corte relacionado à população) e, em segundo lugar, é mais provável que as economias das cidades menores estejam mais ligadas à economia rural do que à das áreas urbanas maiores. Esse aspecto indica o papel potencialmente vital do setor rural não-agrícola no combate à pobreza.

1-7. A classificação de Romano (Volume II, Capítulo 1) da população rural em três grupos: agricultores, trabalhadores agrícolas e trabalhadores não-agrícolas, de acordo com o critério de fonte principal de renda, revela outra dimensão do perfil da pobreza. Os agricultores e os trabalhadores agrícolas respondem pelos percentuais mais altos de incidência de pobreza (58% e 57%, no Nordeste, e 27% e 29%, no Sudeste). Ao contrário, os trabalhadores não-agrícolas se caracterizam por taxas de incidência de pobreza de cerca da metade dessas magnitudes (24% no Nordeste e 15% no Sudeste). Além disso, essas comparações são influenciadas pelos diferentes

20 Esses resultados se baseiam no trabalho conjunto de Francisco Ferreira e Johan A. Mistiaen. 21 Esta abordagem ainda está em suas primeiras etapas de implementação e os erros padrão ainda não foram calculados para os índices de pobreza estimados neste relatório. Esse trabalho está em andamento. Uma descrição mais completa da metodologia de amostragem do particular ao geral, os conjuntos de dados, os nossos procedimentos econométricos e estimativas de outras medidas de pobreza estão sendo preparados. As estimativas utilizadas neste relatório devem ser consideradas provisórias e sujeitas a revisão. 22 A linha de pobreza foi definida como R$65,07, em São Paulo, em 1996. Ver Lanjouw (Volume II, Capítulo 6) e Ferreira, Lanjouw e Neri (2000) para obter mais detalhes sobre esses resultados preliminares.

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ajustes nas medidas de pobreza (por exemplo, linha de pobreza mais alta, adulto-equivalente e economias de escala de consumo familiar). Essas variantes fundamentam a conclusão que, independentemente da localização regional, os trabalhadores não-agrícolas representam o grupo que está em melhor situação. Em suma, a grande maioria dos pobres rurais no NE e SE (83,6% no NE e 90,3% no SE) vivem em áreas distantes e com baixa densidade populacional, e aqueles que recebem sua renda principal por meio do cultivo ou do trabalho agrícola compreendem, de modo uniforme, os grupos mais pobres.

Características dos domicílios rurais pela renda

1-8. A Tabela 1 fornece um resumo das principais características dos domicílios rurais nas regiões Nordeste e Sudeste por quintis seletivos de renda per capita.23 A renda média anual per capita em 1996 nessas regiões foi de R$2.123 e R$3.056, respectivamente, montantes que estão muito abaixo do nível do PIB anual per capita de R$4.945 nesse mesmo ano.24 Para comparar a renda média de duas regiões, os valores da renda deveriam ser deflacionados. Após o ajuste realizado de acordo com os índices de preços calculados por Ferreira, Lanjouw e Neri (1999), a renda média per capita verificada no SE foi cerca de 54% maior do que no NE.

1-9. Romano (2000) também conclui que a desigualdade de renda é alta nas duas regiões. A renda per capita no nível mais alto é aproximadamente 29 e 31 vezes maior do que no últ imo quintil no SE e no NE, respectivamente. O coeficiente de Gini para as duas regiões como um todo é 0,64. Separadamente, o coeficiente de Gini é igual em ambas as regiões, com o valor de 0,63. Essas medidas indicam que a desigualdade na distribuição de renda dessas regiões é alta, muito semelhante e maior do que o coeficiente de Gini calculado para todo o País (cerca de 0,595 em 1996).

1-10. A agricultura gera a principal fonte de renda familiar no Nordeste, onde atinge uma média de quase 50% da renda total, enquanto no Sudeste a soma dos salários agrícolas e o rendimento proveniente do setor não-agrícola representam uma proporção muito mais importante dos rendimentos. Não obstante, em ambas as regiões, a renda agrícola do trabalho assalariado e autônomo é mais elevada do que os rendimentos não-agrícolas. Vale a pena notar que a contribuição da renda do salário do setor agrícola no Nordeste está abaixo de 10%, enquanto esse percentual atinge 32% da renda total no Sudeste. Isso indica que as famílias rurais nordestinas dependem muito mais de sua própria produção agrícola se comparadas às do Sudeste, que contam sobretudo com os ganhos do trabalho para agricultores de maior porte e do emprego não-agrícola.

1-11. Em ambas as regiões, a parcela da renda total gerada pela agricultura é a mais alta no primeiro quintil, e a mais baixa nas famílias de renda média. Romano (2000) afirma que esse padrão é mais acentuado no Sudeste. O padrão inverso é observado em relação aos salários agrícolas no Sudeste. Nessa região, a porcentagem dos salários agrícolas é mais alta nas famílias de renda média. No Nordeste, a parcela da receita proveniente do trabalho agrícola assalariado diminui com a renda, indicando que as famílias rurais pobres nessa região dependem mais dos salários provenientes da agricultura. A proporção da renda gerada pelas atividades não-agrícolas aumenta com a renda em ambas as regiões, indicando que as famílias em melhor situação dependem mais dos ganhos no setor não-agrícola.

23 Para obter mais detalhes e uma discriminação dos quintis, ver Romano (2000) no Volume II deste relatório. 24 Ferreira e Paes de Barros (1999)

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Tabela 1. Distribuição das carac terísticas médias da população rural nos grupos de renda (NE e SE, 1996/97)1

Sudeste Nordeste

Renda2

Todos

Os 20% mais

pobres

Os 20% com

renda mais alta

Todos

Os 20% mais

pobres

Os 20% com

renda mais alta

Renda per capita3 3.056 339 10.066 2.123 230 7.256 Renda per capita ajustada4 3.801 455 12.602 2.739 323 9.423 Fontes de renda (% da renda total5) Agricultura 23,8 32,8 41,0 49,0 48,7 59,2 Salários agrícolas 31,6 22,2 17,4 9,6 23,6 3,8 Renda não-agrícola6 28,9 27,0 35,0 22,0 16,0 26,6 Previdência Social 15,0 16,9 6,3 18,1 8,4 8,2 Outra renda não laboral7 0,6 1,1 0,3 1,2 3,0 2,2 Total 100 100 100 100 100 100 % de domicílios onde pelo menos uma pessoa recebe benefício público

24,4

15,6

22,6

29,8

8,1

27,8

Características demográficas Número de pessoas na família 3,8 4,6 3,4 4,5 5,0 4,3 Idade do chefe de família 45,9 44,4 45,5 47,2 42,6 45,6 Grau de dependência (nº de membros da família dividido pelo nº de trabalhadores)

1,3

1,8

1,1

1,3

1,6

1,2

% de chefes de família negros ou mulatos 42,5 62,1 21,9 69,1 67,8 74,7 Educação % de chefes de família analfabetos 33,3 39,7 14,7 62,4 75,3 43,8 Anos de escolarização do chefe de família

2,7 2,2 4,1 1,8 1,1 3,8

Anos de escolarização dos membros da família entre 13 e 17 anos

4,7 4,6 5,7 3,2 2,5 4,1

Acesso a serviços % de famílias com acesso à eletricidade 82,4 63,2 94,5 54,2 42,5 56,9 Gênero % de famílias chefiadas por mulheres 12,1 12,7 9,0 15,7 15,5 13,7

Fonte: Romano (2000) ver o Volume II deste relatório. Notas: (1) Com base em 1082 domicílios rurais; (2) Todos os valores monetários se referem à renda anual de 1996, expressa em reais; a renda inclui o valor atribuído ao aluguel do domicílio; os quintis de renda foram definidos de acordo com a distribuição dos rendimentos per capita em cada região; (3) Relativa à renda incluindo o valor atribuído ao aluguel do domicílio; (4) Renda per capita ajustada pelo consumo para adulto-equivalente, de acordo com a escala de Rothbarth; (5) Relativa à renda total familiar, não incluindo o valor atribuído ao aluguel do domicílio; (6) Salários e trabalho autônomo; e (7) Excluindo o aluguel atribuído.

33

1-12. A renda não laboral é um pouco mais relevante no Nordeste. Os benefícios do sistema previdenciário são de longe a principal fonte de renda não laboral (representando 95% dos rendimentos, mesmo levando-se em conta que a previdência privada é quase inexistente). A proporção média da renda total representada pelos benefícios previdenciários públicos (previdência social) é de 15% no Sudeste e de 18,1% no Nordeste. Desse modo, a previdência social constitui a principal fonte de renda da população rural. No entanto, os quintis de renda média recebem na verdade a maior parcela de benefícios da renda total (Romano, 2000) e os valores das aposentadorias nas famílias mais ricas são mais altos em termos absolutos. A proporção de famílias beneficiadas segue o mesmo padrão, com um percentual mais alto nos quintis médios. 1-13. Em termos de características geográficas, como era de se esperar, o tamanho médio das famílias é maior entre os grupos mais pobres e essa média é mais elevada no Nordeste. O coeficiente de dependência, definido como o número de membros da família por trabalhador, diminui com a renda. Além disso, o rendimento está relacionado positivamente à idade do chefe de família. De modo geral, ambas as tendências são muito semelhantes nas duas regiões. No Sudeste, há uma distinção mais aparente entre os níveis de renda em termos da raça do chefe de família, onde as pessoas brancas freqüentemente chefiam famílias com rendimentos mais altos. No Nordeste, não existe uma grande distinção entre esses níveis de renda. 1-14. Os indicadores educacionais são muito diferentes nas duas regiões. No Nordeste, o analfabetismo é extremamente mais alto, atingindo 62% de todos os chefes de família e 51% de todos os membros da família acima de 10 anos. Entre as famílias situadas nos quintis mais pobres, 75% dos chefes de família são iletrados, comparados a 44% no quintil mais rico. No Sudeste, esses índices correspondem a 40% e 15%, respectivamente. A educação está fortemente correlacionada à renda, e quase todos os indicadores melhoram com o aumento dos rendimentos em ambas as regiões. Comparando o nível de instrução do chefe de família com o de seus filhos, observamos que as gerações mais jovens têm mais acesso à educação. No entanto, há uma diferença regional significativa nos índices de escolarização, incluindo as crianças, que mostram que estes são mais baixos no Nordeste. 1-15. O acesso a serviços é bastante limitado no Nordeste e um pouco melhor no Sudeste. Por exemplo, no quintil de renda mais baixa da população pobre, cerca de apenas 43% no Nordeste e 63% no Sudeste têm acesso à eletricidade. Finalmente, observamos que as mulheres chefiam uma alta porcentagem de famílias (em média 12,1% no SE e 15,7% no NE). Características dos domicílios rurais por emprego 1-16. O exame das características da população rural segundo três critérios – agricultores, trabalhadores agrícolas e não-agrícolas (Romano, 2000) – também fornece diversas conclusões reveladoras sobre a sua estrutura, principais características e diferenças no bem-estar social. Na Tabela 2, percebemos que, em ambas as regiões, os indicadores referentes ao grupo de trabalhadores não-agrícolas empregados no setor não-agrícola são melhores do que o de outros grupos em termos de salários, educação e acesso a serviços. 1-17. Em termos de renda per capita, os dados mostram na verdade que os agricultores recebem uma renda maior do que as famílias que trabalham em atividades não-agrícolas, apesar da diferença

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não ser grande. No entanto, embora fosse possível estimar detalhadamente a renda agrícola, o mesmo não ocorreu em relação às atividades econômicas do setor não-agrícola devido a restrições de dados. Portanto, é bem possível que haja falta de informações sobre a renda do trabalho autônomo no setor não-agrícola. 1-18. Os trabalhadores agrícolas apresentam os índices mais baixos de qualidade de vida entre todos os grupos e as diferenças são mais acentuadas na região Nordeste, onde a renda média per capita é de três a quatro vezes menor se comparada a outros grupos. Os trabalhadores agrícolas do Sudeste ganham cerca de metade da renda per capita de outras famílias. No entanto, Romano (2000) observa que, em ambas as regiões, os grupos de trabalhadores agrícolas com renda mais alta apresentam indicadores mais elevados de qualidade de vida do que os agricultores mais pobres e os trabalhadores não-agrícolas.

Tabela 2. Comparação da média dos grupos de população rural (NE e SE, 1996/97)1

Sudeste Nordeste Renda2

Agricul-tores

Trabalhadores agrícolas

Trabalhadores não-agrícolas

Agricul-tores

Trabalhadores agrícolas

Trabalhadores não-agrícolas

Renda per capita3 3.647 1.713 3.377 2.284 592 2.034 Renda per capita ajustada4 4.516 2.146 4.215 2.979 805 2.545 Fontes de renda (% do total da renda5) Agricultura 55,8 0,0 0,0 70,11 0 0 Salários agrícolas 13,6 92,1 2,4 6,64 82,19 1,33 Não-agrícola6 14,3 2,8 73,5 9,3 5,44 62,08 Previdência Social 16,2 4,2 23,1 13,55 12,36 32,19 Outra renda não laboral7 0,1 0,9 1,0 0,35 0 0,22 Total 100 100 100 100 100 100 % de domicílios onde pelo menos uma pessoa recebe benefício público

30,4

11,3

27,2

29,93

16,87

31,95

Características demográficas Número de pessoas na família 4,2 3,8 3,4 4,97 4,46 3,51 Idade do chefe de família 48,9 41,0 45,9 48,92 38,13 44,99 Índice de dependência (nº de membros da família dividido pelo nº de trabalhadores)

1,4 1,4 1,2 1,14 2,04 1,69

Educação % de chefes de família analfabetos 33,9 37,5 29,3 67,72 81,38 46,53 Anos de escolarização do chefe de família 2,7 2,3 3,2 1,08 0,59 3,68 Anos de escolarização dos membros da família entre 13 e 17 anos

4,7 3,9 5,7 2,85 2,71 4,99

Acesso a serviços % de famílias com acesso à eletricidade 77,1 82,9 88,6 44,13 33,48 81,18 Gênero % de famílias chefiadas por uma mulher 10,0 5,2 20,1 10,04 8,69 30,16

Fonte: Romano (2000) ver o Volume II deste relatório. Notas: (1) Com base em 1082 domicílios rurais; (2) Todos os valores monetários referem-se à renda anual de 1996, expressa em reais, incluindo a atribuição do aluguel da propriedade; (3) Relativa à renda, incluindo o valor atribuído ao

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aluguel do domicílio; (4) A renda per capita ajustada pelo consumo para adulto-equivalente, de acordo com a escala de Rothbarth; (5) Relativas à renda total familiar, não incluindo o valor atribuído ao aluguel; (6) Salários e trabalho autônomo; (7) Excluindo o aluguel atribuído. 1-19. Os trabalhadores agrícolas também recebem uma proporção mínima de sua renda do sistema previdenciário público (4% no Sudeste e 12% no Nordeste) em comparação à dos trabalhadores não-agrícolas (32% no Sudeste e 23% no Nordeste). Em termos absolutos, as diferenças também são grandes. Os trabalhadores agrícolas recebem cerca de quatro vezes menos em relação a outros grupos do Sudeste e sete vezes menos se comparados aos trabalhadores não-agrícolas nordestinos. De modo geral, a importância da previdência pública é muito maior nas áreas rurais do Nordeste, que são mais carentes do que no Sudeste, mas essa análise também indica que em cada região o sistema previdenciário público beneficia menos os grupos rurais mais pobres. 1-20. Em termos de indicadores demográficos, as famílias de agricultores são maiores que as dos trabalhadores do setor não-agrícola. A idade do chefe de família e a média de idade de seus parentes são mais baixas e o coeficiente de dependência (número de membros da família para cada trabalhador) é maior nas famílias com emprego fixo, principalmente no setor agrícola. Os indicadores de nível educacional também mostram que os trabalhadores agrícolas constituem o grupo rural menos escolarizado. No Nordeste, a proporção de chefes de família analfabetos nesse grupo atinge a taxa excepcionalmente alta de 81%. No Sudeste, a incidência de analfabetismo é muito menor, mas ainda é alta para os padrões latino-americanos (atingindo 28% de todos os adultos no grupo de trabalhadores agrícolas).

1-21. Segundo todos os índices de nível educacional, os trabalhadores empregados no setor não-agrícola são significativamente mais escolarizados do que todos os outros grupos em ambas as regiões. Entretanto, são muito semelhantes os indicadores referentes aos agricultores e aos trabalhadores não-agrícolas nos tercis de renda mais baixa do Sudeste. A diferença é maior somente nos níveis de rendimento mais altos. Esses dados podem ser indicativos de que nessa região existe um grupo bastante significativo de pessoas com baixa escolarização entre os trabalhadores do setor não-agrícola. Além disso, a análise reforça a observação anterior de que a renda média desse grupo é menor que os rendimentos dos agricultores mais pobres e até mesmo dos trabalhadores agrícolas no Sudeste, enquanto a média de todos os níveis de renda nesse grupo é maior que a dos dois outros grupos. Como regra geral, os indicadores de escolarização de todos os grupos no Nordeste são piores do que no Sudeste. No entanto, a interessante exceção a ser apontada é que os trabalhadores não-agrícolas mais ricos no Nordeste têm mais instrução, por uma margem bem ampla, do que seus pares no Sudeste. 1-22. Em termos de acesso a serviços, não há muita diferença entre os agricultores e os trabalhadores agrícolas, mas o hiato entre as duas regiões é enorme. No Nordeste, apenas 44% de todos os agricultores têm acesso à eletricidade, comparados a 77% no Sudeste. Finalmente, chama muito a atenção o fato de que uma média de 30% de todas as famílias não-agrícolas no Nordeste sejam chefiadas por mulheres e que no Sudeste esse percentual seja relativamente alto, cerca de, 20%. Embora esses índices precisem ser mais aprofundados, eles parecem indicar que essas famílias devem ter permanecido nas áreas rurais depois que os maridos migraram ou morreram, e que sua renda foi aumentada significativamente pelos pagamentos da previdência social. Na verdade, essa conclusão é apoiada pelo fato de que, quando apenas as famílias chefiadas por mulheres são incluídas no cálculo, a proporção da renda total referente aos benefícios previdenciários aumenta de 32% para 55% nesse grupo. Além disso, a média de idade das famílias chefiadas por mulheres é

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muito alta, em torno de 41 anos. Os benefícios públicos nas áreas rurais são principalmente destinados aos idosos mais pobres (World Bank, 1999) e esta análise parece indicar que são recebidos em grande parte pelas mulheres idosas rurais. 2. Dinâmica do setor brasileiro de pequenas propriedades rurais 2-1. Esta seção baseia -se no trabalho de Dias e Barros (2000) e discute as principais transformações estruturais na agricultura brasileira durante as duas últimas décadas. Enfoca em especial o setor de pequenas propriedades agrícolas e seu primeiro objetivo é identificar as principais implicações dessas mudanças no setor. Em segundo lugar, está a formulação de sugestões adequadas ao setor no contexto dessas transformações e suas implicações estruturais. Após esta breve introdução, o capítulo é composto por duas seções principais que abordam esses objetivos. 2-2. As pequenas propriedades agrícolas continuam a se multiplicar no Brasil. No entanto, embora quase 50% dos estabelecimentos agrícolas fossem menores que 10 hectares em 1996, eles representavam apenas cerca de 2,25% da área total cultivada no País. Por outro lado, menos de 11% das propriedades eram maiores que 100 hectares, mas esse grupo respondia por 80% da área total de lavoura.25 A agricultura brasileira se caracteriza por um modelo histórico de concentração fundiária, em particular quanto à propriedade da terra e, conseqüentemente, também da riqueza. Esses fatos são bem conhecidos, mas a pobreza rural e a desigualdade no Brasil não podem mais ser explicadas somente pelos padrões de propriedade fundiária . Menos reconhecido é o fato de que, durante as duas últimas décadas, esse modelo de concentração de riqueza foi acompanhado por mudanças simultâneas nos preços e na tecnologia. O exame dessas alterações constitui uma etapa da formulação de estratégias integradas de combate à pobreza rural.

2-3. Esta seção ilustra como as melhorias em termos de comércio e de avanços tecnológicos possibilitaram uma contínua expansão na oferta agregada de produtos agrícolas apesar de: (a) um ambiente macroeconômico altamente instável; (b) uma contração do setor industrial; e (c) de mudanças substanciais na política agrícola que levam a uma maior abertura do mercado (resultando na queda dos preços dos insumos e dos produtos) e devido a pressões competitivas. No entanto, a maior parte da produção agrícola era e continua a ser gerada por um pequeno grupo de estabelecimentos agrícolas altamente competitivos. Além disso, essa marcha dos acontecimentos foi particularmente prejudicial aos pequenos agricultores pobres que utilizam relativamente poucos insumos adquiridos (ver Lopez e Romano, Volume II, Capítulo 5). Principais mudanças estruturais e suas implicações para o setor brasileiro de pequenas propriedades agrícolas 2-4. Durante os anos 60 e 70, os objetivos centrais do governo eram garantir a estabilidade do suprimento interno de alimentos, estimular a adoção de insumos modernos e estabilizar a renda agrícola. Isso resultou em uma pletora de intervenções políticas que, infelizmente, acabaram prejudicando o setor agrícola no curto e longo prazo. A pesquisa seminal de Brandão e Carvalho (1990) mostrou que, em condições de livre mercado, a produção agrícola teria sido maior se não

25 Além disso, em 1995, embora apenas 1% das propriedades agrícolas fosse maior que 1000 hectares, elas respondiam por mais de 44% da área total cultivada no Brasil (ver Brandão et. al., Volume II, Capítulo 4).

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estivesse em um ambiente com incontáveis distorções de preços. Além disso, muitas dessas intervenções – em particular o crédito rural subsidiado e os vários mecanismos de racionamento – produziram um efeito duradouro sobre a estrutura agrícola brasileira e a redução da pobreza. 2-5. O crédito rural subsidiado compensou a substancial drenagem de recursos do setor agrícola, induzida por outras intervenções de mercado, em especial as distorções dos preços de exportação. Segundo Brandão e Carvalho (1990), o setor agrícola recebeu em média transferências de renda líquida equivalentes a 8% do PIB agrícola durante o período de 1975 a 1983. O programa de crédito rural e os programas de racionamento estimularam o aumento das áreas cultivadas e da mecanização. No entanto, essas cifras agregadas mascaram a magnitude da concentração rural na redistribuição do crédito. De acordo com um estudo anterior do Banco Mundial (1989), nos anos 70 apenas cerca de 20% a 25% de todos os agricultores receberam crédito subsidiado e, destes, menos de 5% recebeu mais do que 50% do crédito total alocado. Além disso, os dados atualizados em Romano (Volume II, Capítulo 1, Tabela 3) sugerem que, pelo menos no Nordeste e no Sudeste, o crédito subsidiado do governo era direcionado às propriedades agrícolas maiores. Por exemplo, em 1996, somente 1% a 3% das propriedades que dispunham de menos de 10 hectares receberam crédito subsidiado do governo. 2-6. Os desequilíbrios macroeconômicos que começaram a assolar a economia brasileira no início dos anos 80 inviabilizaram o contínuo progresso do setor agrícola. O período seguinte de ajustes recessivos e cortes nos gastos públicos, combinados a uma política monetária restritiva, provocaram um efeito negativo no setor agrícola. A partir da metade dos anos 80, o volume das transferências do crédito rural para a agricultura foi reduzido de maneira drástica e houve um declínio dos preços garantidos que acompanharam os que predominavam no mercado. Normalmente, seria possível prever que essas mudanças dramáticas freariam o crescimento do setor. No entanto, apesar do ambiente macroeconômico cada vez mais desfavorável, a produção agrícola continuou a se expandir. Esse fato levanta duas questões: como esse crescimento contínuo foi possível e quem ganhou e perdeu com essa situação? 2-7. A continuidade do bom desempenho agregado do setor agrícola foi possível principalmente devido aos aperfeiçoamentos simultâneos na produtividade e nas relações de troca. Contudo, as melhorias na produtividade das principais safras agrícolas não foram homogêneas. As colheitas que apresentaram os maiores aumentos de produtividade foram de longe as commodities substitutas de importação, como milho, feijão e soja. As safras de exportação - café e cacau - não se caracterizaram por uma elevação semelhante na produção. Isso sugere que a agricultura brasileira se tornou mais orientada para o atendimento da demanda interna. No entanto, capítulos relevantes de dois recentes memorandos econômicos estaduais do Banco Mundial, para o Ceará (Valdés, 1998) e Pernambuco (Valdés e Mistiaen, 2000), relatam que os rendimentos e a produção de determinados produtos hortigranjeiros de exportação, como uvas de mesa, cresceram substancialmente durante a última década. Por isso, a questão principal é que, enquanto os aumentos de produtividade das safras foram heterogêneos, eles se mostraram bastante homogêneos quanto aos tipos de estabelecimentos agrícolas. Basicamente, os que lucraram foram os estabelecimentos que utilizam capital intensivo e são tecnologicamente avançados. Embora esses agricultores tenham prosperado, a lucratividade da agricultura em pequena escala, que utiliza tecnologia incipiente, foi drasticamente reduzida. 2-8. A tendência contrária ao setor de pequenas propriedades agrícolas que utilizam poucos recursos tecnológicos surgiu devido a uma combinação de eventos:

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l Em primeiro lugar, os produtores agrícolas que utilizam tecnologia avançada compraram os insumos modernos, cujos preços estavam em queda. Os preços dos insumos estavam caindo relativamente mais rápido em comparação aos dos produtos e, por conseguinte, como os custos diminuíam mais do que os rendimentos, a lucratividade aumentou. Os pequenos agricultores e os de semi-subsistência tecnologicamente pouco avançados, que não utilizavam insumos adquiridos modernos, não puderam aproveitar os preços decrescentes dos fatores produtivos e tiveram que arcar com os custos mais baixos dos produtos. Assim, seu lucro foi reduzido. 26

l Em segundo lugar, a reestruturação do processamento agroalimentar e dos setores de

marketing, como as indústrias de processamento de alimentos, os comerciantes e os supermercados, levou ao desenvolvimento de um sistema sofisticado de financiamento da produção e elevou os padrões de qualidade impostos pelos varejistas. A redução do crédito subsidiado pelo governo foi compensada pelo agroprocessamento do setor privado e da indústria de marketing. Os agricultores que utilizavam capital intensivo puderam substituir o crédito rural subsidiado pelo financiamento próprio e do setor privado, e isso permitiu que atendessem à demanda por produtos de maior qualidade.

l Finalmente, a assistência técnica parece ter sido dirigida aos substitutos de importação e

para os maiores produtores agrícolas (ver Tabela 3, Romano, Volume II, Capítulo 1). 2-9. Por isso, o mercado e, em uma certa medida, a política governamental parecem ter reforçado a disposição do setor agrícola brasileiro em favor dos produtores tecnologicamente avançados e contra os pequenos agricultores e os de semi-subsistência que utilizam pouca tecnologia. Além disso, a política agrícola federal dissimulou essencialmente as vantagens comparativas das diferentes regiões do país. Na medida em que a intervenção do governo foi reduzida e muitas atividades do setor público substituídas pelo setor privado, os investimentos e o capital físico e humano começaram a se deslocar para atividades e regiões com mais vantagens comparativas. Esse movimento resultou em efeitos econômicos e geográficos no interior das e entre as regiões. 2-10. De uma perspectiva inter-regional, esses efeitos foram particularmente acentuados entre o Sudeste e o Centro-Oeste. O setor agrícola no Sudeste se contraiu e o capital físico e humano migrou para a região Centro-Oeste, onde a produção passou a se caracterizar pelos processos em larga escala que utilizam capital intensivo. De uma perspectiva intra-regional, a abertura de mercado provocou a realocação dos recursos para as maiores propriedades agrícolas (ou seja, minimização do custo de transação) e para os produtores situados nas proximidades dos mercados urbanos mais amplos (o que leva a uma minimização do custo de transporte) que estavam em regiões agroclimáticas mais favoráveis.27 2-11. Obviamente esses fatores afetaram a natureza da pobreza rural no Brasil. A maior parte dos pobres rurais vive em áreas distantes, com baixa densidade populacional e continua a depender do

26 Um estudo (Alves, Lopes e Contini, 1999) estima que o pagamento mensal da mão-de-obra familiar nas propriedades agrícolas com menos de 10 hectares caiu para cerca de R$37 no Norte e somente R$15 no Nordeste. Este estudo também sustenta que, em todas as regiões, a renda de cada membro da família empregado nos estabelecimentos agrícolas com menos de 50 hectares (observe que 81% do total dos estabelecimentos agrícolas no Brasil enquadram-se nessa categoria de tamanho) era menor que um salário mínimo. 27 Por exemplo, no memorando econômico estadual para Pernambuco (World Bank, 2000), Valdés e Mistiaen descrevem um caso pertinente: os eventos econômico-geográficos no setor açucareiro.

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setor agrícola como principal fonte de renda – através do cultivo ou do trabalho na agricultura. Infelizmente, é precisamente nessas áreas onde se encontra a contradição desse setor. Por isso, à luz das análises anteriores, quais são as principais implicações para a política do governo? Discussão da política de combate à pobreza rural no setor de pequenas propriedades agrícolas 2-12. As condições do mercado foram e continuarão a ser desfavoráveis para os trabalhadores e agricultores que participam do setor de pequenas propriedades agrícolas tecnologicamente pouco avançadas. Em outras palavras, essa população pobre rural não receberá provavelmente dádivas de um doador invisível. Por isso, cabe ao governo ajudar a combater a pobreza rural. A questão está na extensão em que o governo pode intervir para aliviar a pobreza nesse setor.

2-13. O setor de pequenas propriedades agrícolas pode ser considerado como um conjunto de diferentes tipos de estabelecimentos dependentes da natureza das limitações de capital de giro que os impede de integrar o mercado agrícola lucrativo de alta tecnologia. As restrições se referem ao capital humano (como a educação, as habilidades e a idade do chefe de família) ou físico (por exemplo, o crédito). Algumas limitações, como a idade do chefe de família, permanecerão independentemente das intervenções do governo. Por isso, uma parte desses agricultores possivelmente não estará apta a fazer os ajustes necessários para sair da pobreza. Para esse grupo de pobres rurais seria possível implementar uma rede de segurança que garantisse um nível mínimo de renda através das transferências do governo. Essa situação poderia ser atingida por meio da reestruturação e expansão do esquema previdenciário atual para um programa de segurança social. Essa opção será examinada com mais profundidade na seção 8 (ver também Packard, Volume II, Capítulo 8). Uma alternativa complementar da política seria a redução das limitações do capital humano mediante educação e treinamento. Essas inic iativas permitiriam que as pessoas migrassem para o setor não-agrícola ou levariam à sua capacitação para buscar emprego no setor de propriedades agrícolas que utilizam tecnologia avançada. A reforma das leis trabalhistas relacionadas a emprego temporário e permanente também provocaria impactos significativos na geração de postos de trabalho rurais.

2-14. Quanto à maneira de prover assistência aos agricultores para que possam sobreviver em um mercado agrícola competitivo, existem várias possibilidades a considerar. No mercado agrícola cada vez mais competitivo, os pequenos agricultores enfrentam dois principais obstáculos: o tamanho de sua propriedade e a grande dispersão geográfica. Ambos os fatores aumentam os custos de transação que basicamente desestimulam a participação do setor privado. Uma possibilidade é o desenvolvimento de alguma forma de cooperação/associação de agricultores no nível local. Por exemplo, o importante papel das cooperativas na difusão das inovações tecnológicas entre os pequenos agricultores é freqüentemente subestimado. O estímulo à formação de organizações por meio das quais possam operar conjuntamente nos mercados de insumos e de produtos deveria ser analisado com mais profundidade. Essas associações poderiam concretizar a realização de tarefas quase impossíveis no plano individual, como por exemplo, manter os altos padrões tecnológicos, garantir a qualidade do produto, receber assistência técnica, comprar insumos e formular estratégias de comercialização que forneçam acesso a mercados dinâmicos e lucrativos. No tocante à assistência técnica, Lopes e Romano (Volume II, Capítulo 5) relatam que o aprimoramento dessa variável aumentaria de modo significativo os rendimentos até mesmo dos agricultores de porte muito pequeno.

40

2-15. O setor de pequenas propriedades agrícolas também precisará de crédito para financiar essa transformação. Atualmente, devido aos baixos volumes de capital exigidos e à grande dispersão geográfica desses estabelecimentos, o setor financeiro privado não se envolveu em geral no subsídio de sua produção. Do mesmo modo, esse custo de transação desestimulou o setor agroalimentar privado a oferecer crédito para a produção do setor. Em vista desta situação, é crucial que o governo amplie a cobertura geográfica do atual sistema financeiro. Por exemplo, uma alternativa seria estimular mais o PRONAF. Outra possibilidade consistiria em incentivar o desenvolvimento de agências locais que organizem e administrem a carteira de crédito de vários estabelecimentos agrícolas com o objetivo de superar os custos de transação e buscar financiamento através do setor público ou privado. Esses intermediários financeiros já estão emergindo no sul do Brasil (ver Bittencourt, 1999). Além disso, Harberger (1995) observa que vários programas recentes direcionados aos pequenos agricultores obtiveram relevante sucesso. Esses programas administram a capacidade creditícia estendendo-a a grupos de pequenos produtores (que assinam em conjunto cada empréstimo e assim internalizam efetivamente o que de outra forma representaria um risco de calote para o emprestador). Finalmente, o estímulo à integração no mercado local e à participação dos representantes do setor de pequenas propriedades agrícolas no fórum político da localidade aumentaria a capacidade desses agricultores para receber serviços e financiamentos públicos. 3. Mercados de trabalho rurais 3-1. A reforma do mercado de trabalho está no centro do processo de ajuste da agricultura e constitui o elemento principal de uma estratégia de combate à pobreza rural para o Brasil. Embora a sua influência tenha sido freqüentemente subestimada no debate político, o mercado de trabalho afeta direta e indiretamente a pobreza rural. Esse mercado é importante porque as famílias pobres camponesas dependem muito mais dos salários do que as mais ricas. Por exemplo, no Sudeste rural, os salários provenientes do trabalho representam 54,6% dos rendimentos nos domicílios de baixa renda, comparados a apenas 21,6% no caso dos não-pobres.28 Seu papel indireto também é crucial porque os ajustes na mão-de-obra para torná-la mais flexível e eficiente aumentam as oportunidades dos pobres facilitando a realocação para diversas regiões, por habilidades e tipos de emprego. Estudos anteriores mencionaram a preocupação de que a aplicação das leis trabalhistas brasileiras à agricultura estava contribuindo para a redução do trabalho assalariado e, conseqüentemente, para o estímulo à excessiva substituição da agricultura trabalho-intensiva pela capital-intensiva. A análise de Carneiro (Volume II, Capítulo 3) confirma que essa inquietação continua a se aplicar ao cenário atual.

3-2. A legislação que rege os contratos de trabalho é decisiva porque determina em grande parte o grau de flexibilidade do mercado. O caso da agricultura é de alguma forma especial e difícil. As atividades agrícolas são normalmente dificultadas pela considerável inconstância da produção e dos preços - e, conseqüentemente, pelas flutuações paralelas na demanda de mão-de-obra – que determinam em geral a necessidade de colher e processar a produção em um curto período de tempo. Além disso, o setor se caracteriza pelos altos custos de monitoramento e por modelos de produção sazonal sob condições normalmente muito heterogêneas de emprego, mesmo em uma única região geográfica. Portanto, uma legislação trabalhista que estabeleça normas em excesso ou muito restritivas pode provocar dois efeitos que reforçam as seguintes situações: limitação do uso

28 Nas áreas rurais do Nordeste, os salários representam 30,6% da renda familiar dos pobres, comparados a apenas 12,6% no caso dos não-pobres (ver Lanjouw, Volume II, Capítulo 6, Tabelas 10a/b).

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de contratos que induzem à cooperação entre trabalhadores e empregados e, conseqüentemente, a redução dos níveis da produtividade total dos fatores (ver López e Valdés, 2000). Os empregos agrícolas e os rurais não-agrícolas são particularmente sensíveis às leis trabalhistas, em particular quando estas impedem a flexibilidade para ajustar os contratos de acordo com as características da empresa e da força de trabalho. Algumas tendências e características relevantes dos mercados de trabalho rurais no Brasil

As tendências da oferta de emprego rural mostram diversas características significativas: l A população economicamente ativa no setor rural aumentou de 13,9 milhões, em 1981, para

14,6 milhões, em 1997. No entanto, conforme a expectativa, a parcela da agricultura declinou ligeiramente de 77%, em 1981, para 69,2%, em 1997. Por comparação, o setor rural não-agrícola representou um pequeno percentual crescente de 2,8% em 1997.29

l O número de trabalhadores assalariados na agricultura sofreu redução durante os anos 80 e

90, e essa tendência foi acompanhada por um aumento da informalidade (emprego desregulamentado) nos mercados de trabalho rurais. De fato, entre 1992 e 2000, houve redução de 11% nos postos de trabalho agrícolas em comparação com 0,6% em outras atividades.30

l No nível nacional, a parcela de trabalhadores assalariados (28%) e autônomos (33%), de

empregadores (3%) e de membros de famílias que trabalham na agricultura “sem remuneração” (36%) permaneceu totalmente estável nos anos 80 e 90. No entanto, existem significativas diferenças regionais na tendência dos trabalhadores assalariados, em contraste com os autônomos na agricultura. Observa-se um declínio no número de trabalhadores assalariados nas regiões mais pobres, especialmente no Nordeste, onde o emprego informal está em ascensão. Por outro lado, aumentaram os trabalhadores assalariados em São Paulo e na região Centro-Oeste. Esse cenário pode ser atribuído a mais e melhores oportunidades de emprego nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste.

l Especificamente no Nordeste, embora a dimensão da força de trabalho agrícola tenha

aumentado, o percentual de trabalhadores assalariados nesse setor caiu de 41%, em 1981, para 32%, em 1997. Por outro lado, durante o mesmo período houve um aumento significativo de 22% para 30% de trabalhadores familiares “não remunerados”. Em comparação, no Estado de São Paulo, por exemplo, aumentou a parcela dos trabalhadores assalariados tanto na agricultura quanto nos setores não-agrícolas.

l Desde 1977, os salários reais dos trabalhadores agrícolas tanto experientes quanto aqueles

sem nenhuma especialização diminuíram 30%, sendo que a redução foi mais pronunciada para os trabalhadores temporários. No entanto, embora os salários reais tenham se recuperado nos períodos de baixa inflação e de mais rápido crescimento econômico geral, como por exemplo durante meados dos anos 80, o aumento do emprego informal na

29 Com base na PNAD do Projeto Rurbano, NEA-IE/Unicamp. 30 2,7 milhões de trabalhadores assalariados estavam empregados no setor agrícola brasileiro em 1997.

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agricultura poderia ser em parte associado ao declínio dos salários reais nesse setor, particularmente no Nordeste.

l Para algumas famílias, esse resultado adverso foi em parte compensado pela extensão dos

benefícios da previdência social aos trabalhadores rurais desde 1991, independentemente de terem sido contratados ou não como trabalhadores formais (por exemplo, autônomos alternativos, trabalhadores ocasionais sem contrato ou trabalhadores familiares não remunerados). (ver Packard, Volume II, Capítulo 8).

A legislação trabalhista para os empregados do setor agrícola 3-3. No Brasil, as condições contratuais dos trabalhadores agrícolas permanentes e em tempo integral (contratos registrados em carteira de trabalho) são, em princípio, as mesmas que se aplicam aos trabalhadores urbanos, ou seja, 44 horas de trabalho semanal, 8 horas por dia, salário mínimo, pagamento de direitos trabalhistas por término de contrato e benefícios que incluem auxílio maternidade, além do 13º salário. Entretanto, apenas uma minoria da mão-de-obra empregada na agricultura recebe esses benefícios, porque a parcela de trabalhadores permanentes é muito pequena, e os trabalhadores casuais e os parceiros normalmente não têm contrato formal nem acesso a esses benefícios.

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Tabela 3. Composição atual do custo da mão-de-obra no setor formal

Impostos e deduções sobre salários (%) A – Contribuições sociais

Previdência Social 20,0 FGTS 8,0 Salário educação 2,5 Seguro de acidente (média) 2,0 SESI 1,5 SENAI 1,0 SEBRAE 0,6 INCRA 0,2 Subtotal A 35,8

B – Tempo não trabalhado – 1 Descanso semanal 18,9 Férias 9,5 Bônus de férias 3,6 Aviso prévio 1,3 Auxílio de acidente 0,6 Subtotal B 38,2

C – Tempo não trabalhado – 2 13º Salário 10,9 Custos de demissão 2,6 Subtotal C 13,5

D – Efeitos cumulativos Grupos A e B 13,7 FGTS sobre o 13º salário 0,9 Subtotal D 14,6

Total 102,1

Fonte: Constituição Brasileira e CLT. 3-4. Estudos anteriores concluíram que as leis trabalhistas e o modo como os tribunais aplicam essa regulamentação no Brasil aumentaram o custo das contratações e dispensas de trabalhadores rurais, incentivando assim uma substituição “excessivamente” rápida da agricultura trabalho-intensiva por capital-intensiva (Anderson, 1990; Mueller e Martine, 1997; Banco Mundial, 1994). O relatório do Banco Mundial de 1994 concluiu que as mudanças na legislação levaram à evasão de impostos trabalhistas, aumentaram a informalidade e o emprego autônomo no mercado de trabalho, o que resultou em uma redução estimada em 17% no emprego agrícola formal.

3-5. Do mesmo modo, uma análise recente do mercado brasileiro de trabalho agrícola feita por Carneiro (Volume II, Capítulo 3) conclui que o modo como a legislação trabalhista é aplicada pelos tribunais do trabalho tem se constituído numa fonte constante de rigidez no mercado e um grande estímulo à informalidade. Ele deduz que, em termos monetários, o custo total da contratação de um trabalhador formal é acrescido de pelo menos 100% do salário básico (outras estimativas sugerem até 160%), o que é um valor alto demais para uma atividade sujeita a consideráveis riscos de produção e de preços. Além disso, há tantos impostos e contribuições a serem pagos que os produtores agrícolas acham normalmente necessária a participação de um contador e/ou de um advogado para poder cumprir as normas de contratação dos trabalhadores temporários. Quando os empregados são demitidos sem justa causa, o empregador é obrigado a fazer uma contribuição

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adicional equiva lente a 40% do saldo acumulado na conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), uma cláusula que pode na verdade estimular alguns trabalhadores a provocar estrategicamente a sua demissão “injustificada”. Por isso, o sistema conduz à informalidade e torna o empregador suscetível ao risco de ter de arcar com processos dispendiosos nos tribunais do trabalho. 3-6. No caso do trabalho temporário na agricultura, a rápida proliferação das cooperativas e dos condomínios representa, em parte, uma resposta do mercado ao risco dos processos trabalhistas e dos altos impostos sobre a folha de pagamento. Sob essas condições, as cooperativas oferecem trabalho temporário, servindo de mediadores na contratação de mão-de-obra entre empregadores (produtores rurais) e trabalhadores. Essas iniciativas foram estimuladas pela mudança na legislação trabalhista efetuada em dezembro de 1994, que estabeleceu que não existem vínculos de trabalho formal entre os produtores agrícolas e os trabalhadores das cooperativas. Os trabalhadores são utilizados basicamente na colheita de produtos cujo período da safra é relativamente longo, por exemplo: café, cana de açúcar e laranja. Para os empregadores, além da economia líquida sobre os custos de mão-de-obra (a poupança varia de 15% a 40%), a principal vantagem das contratações através da cooperativa é que os produtores agrícolas terão menos possibilidade de serem acionados pelos trabalhadores rurais com processos judiciais nos tribunais do trabalho, porque é a cooperativa que será responsabilizada. Na prática, os trabalhadores das cooperativas recebem salários que são aproximadamente 30% maiores que as pessoas com empregos formais, mas se privam dos benefícios, como férias remuneradas, 13º salário, descanso semanal e pagamento de seus direitos ao término do contrato de trabalho.

3-7. Os condomínios são associações de empregadores – incentivadas pelo governo – que contratam mão-de-obra temporária para diferentes propriedades agrícolas, sobre a qual o condomínio assume as obrigações legais em termos de direitos trabalhistas. Desse modo, essas associações protegem os trabalhadores contra as condições mais precárias dos contratos estabelecidos pelas cooperativas quanto aos benefícios. Os trabalhadores contratados pelos condomínios têm acesso a todos os benefícios concedidos aos empregados no setor formal. Entretanto, a vantagem para o empregador é que o valor do pagamento dessas obrigações legais será dividido entre os associados com base no número de dias em que o trabalhador esteve empregado em cada estabelecimento agrícola, reduzindo assim o custo dos direitos trabalhistas.

3-8. Assim, embora esses dois tipos de contratos de mão-de-obra não ofereçam vantagens claras para a contratação de trabalhadores a longo prazo – o que poderia ser considerado uma grande distorção do setor agrícola brasileiro – para os trabalhadores temporários essa forma de contrato flexibiliza e incentiva o aumento dos postos de trabalho. No entanto, há várias questões que estão atualmente sendo levantadas sobre os prós e contras dessas duas opções. É significativo que o número de processos contra as cooperativas tenha aumentado substancialmente, conduzindo a uma atmosfera de conflitos e tensão nos mercados de trabalho rurais. Por outro lado, como os salários pagos pelos condomínios são mais baixos do que os das cooperativas, cuja mão-de-obra não recebe os benefícios sociais e trabalhistas, o apelo de um salário maior está atraindo a maioria dos trabalhadores para os contratos das cooperativas. 3-9. O governo enviou ao Congresso um pacote de reformas das leis trabalhistas que pode se tornar um componente importante da estratégia de combate à pobreza rural. Na forma como foi enviada, a nova legislação aumentaria a flexibilidade nos mercados de trabalho e reduziria o incentivo à mudança para contratos informais nas áreas rurais. Segundo a análise de Carneiro (ver Volume II, Capítulo 3), as alterações mais importantes para o aperfeiçoamento dos mercados de

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trabalho temporário, isto é, aquelas que favorecem a oferta de mais emprego e uma renda maior para os pobres nas áreas rurais, são: • Reduções no valor e no número de impostos que os empregadores têm de pagar como

contribuição social ao contratar mão-de-obra temporária. • Reduções nos depósitos do FGTS e isenção ao empregador do pagamento da multa de 40% por

demissão sem justa causa, no caso de emprego temporário. • Estímulo à organização de condomínios de empregadores, estendendo todos os direitos do

emprego formal aos trabalhadores temporários, o que impediria futuros litígios trabalhistas. • Redução da tendência do favorecimento da mão-de-obra na resolução de conflitos, através da

eliminação do poder legal dos Tribunais do Trabalho e, ao mesmo tempo, mantendo sua intermediação voluntária na arbitragem de conflitos econômicos coletivos, quando a participação for solicitada pelas partes envolvidas.

4. Mercados de terras rurais

“Em economia, a relação entre a pobreza e a terra não é clara” (Schultz, T. W. The Economics of Being Poor. 1993)

4-1. Os mercados de terras podem ser úteis na redução da pobreza rural. Em princípio, a terra completará os ativos fixos das famílias, visto que um melhor acesso a esse bem permitirá que o agricultor de baixa renda utilize de maneira mais produtiva a mão-de-obra familiar, provendo alguma segurança aos pobres contra a volatilidade do mercado de trabalho e, por fim, aumentando o rendimento real. 4-2. Devido ao valor agregado que a terra tem e continuará a ter para as famílias rurais muito pobres de algumas regiões, é necessário cautela para não sobrevalorizá-la no processo de combate à pobreza. Uma proposta fundamental documentada em pesquisa recente sobre os países de renda alta e baixa é o declínio na importância econômica da terra em seu estado natural e o aumento de seu valor devido ao capital físico e humano. Isso se reflete no fato de que a parcela da renda bruta agrícola que provém do aluguel da terra sofreu uma marcante redução com o tempo, enquanto os rendimentos obtidos com o capital físico e humano aumentaram. Uma das razões é que a pesquisa agrícola forneceu substitutos para a terra, e outro motivo é que a modernização da agricultura transformou aos poucos a terra bruta em um recurso mais produtivo (Schultz, 1993). 4-3. No caso do Brasil, Brandão, Bastos e Brandão (Volume II, Capítulo 4) observam que ocorreu uma dramática redução no coeficiente do valor bruto do produto em relação aos preços da terra (valores do aluguel), de 300% (20%) no início dos anos 1990 para 83% (10%) em 1999. 31 Por isso, a renda gerada pela propriedade fundiária está declinando rapidamente em comparação com os

31 Schultz, T.W. The Economics of Being Poor. Blackwell, 1993.

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insumos adquiridos, o capital físico, a mão de obra e a capacidade empresarial. Consistente com esse declínio, observado nos anos 90, aparece também a queda nos preços reais da terra no Brasil. Em sua história da evolução dos preços da terra, Brandão et al. (Volume II, Capítulo 4) distinguem vários episódios desde o início dos anos 70: o aumento nos preços reais da terra até 1975, relativamente constantes no período de 1975-83, instáveis e em queda de 1984 a 1994 e em declínio significativo desde 1994. Em sua análise dos determinantes das mudanças nesses valores, Brandão et. al. e outros autores percebem a influência de fatores quase permanentes, isto é, terras mais baratas na Argentina e em outros países do Mercosul, inflação relativamente baixa e taxas de juros mais elevadas, e as iniciativas para aumentar os impostos territoriais; todos esses fatores tornaram menos atraente a posse da terra como carteira de investimento. Como foi mencionado anteriormente na discussão da reforma agrária, é difícil imaginar um ambiente de preços fundiários mais favorável para os programas de redistribuição de terras, como o Cédula da Terra, que adquire áreas pelo seu valor comercial. Evolução da estrutura agrária 4-4. A estrutura agrária brasileira permaneceu em grande parte inalterada durante os últimos 25 anos, nos quais grandes propriedades têm coexistido com um número muito maior de pequenas propriedades agrícolas. Durante 1995-96, as pequenas propriedades com menos que 10 ha representavam cerca de 50% do número total de estabelecimentos (um dado constante de 1970 a 1995) e produziam em torno de 12% da safra agrícola bruta, enquanto 10,7% das propriedades acima de 100 ha respondiam pela parcela de 53% dos produtos agrícolas.

Tabela 4. Brasil – Parcela do valor de produção por grupos de tamanhos de propriedades agrícolas: 1970-1995

Parcela (%) Tamanho da propriedade (ha) 1970 1975 1980 1985 1995 0-10 17,8 14,8 13,0 11,8 12,2 10-100 40,0 38,5 37,7 36,4 34,4 100-1000 29,3 32,9 33,2 34,9 32,3 >1000 12,6 13,6 16,0 16,8 21,0 Fonte: Brandão et al., Volume II, Capítulo 4.

Durante a década de 1985 a 1996, adotada como referência pelo Censo Agrícola, o número de pequenas propriedades rurais foi reduzido em cerca de 700.000 unidades (o total das terras cultivadas diminuiu 5,6% durante o mesmo período) e vale a pena destacar que os arrendatários (parceiros e arrendatários com aluguel fixo) representaram uma pequena parcela decrescente das unidades agrícolas, compreendendo cerca de 11% de todas as unidades. O gerenciamento pelos proprietários é o principal tipo de arrendamento (74% de todas as unidades agrícolas em 1995). Os restantes 14% são ocupantes, o que representa uma cifra significativa de 710.000 unidades em 1995.

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Tabela 5. Brasil – Parcela do número de estabelecimentos agrícolas pela propriedade da terra (%)

1970 1975 1980 1985 1995 Proprietários 66,76 64,06 65,72 64,60 74,16 Inquilinos 13,76 11,41 11,36 9,91 5,51 Parceiros 1,98 5,98 6,18 7,65 5,70 Ocupantes 17,49 18,55 16,76 17,84 14,61 Nº de propriedades (multiplicado por mil)

4.636 4.997 5.160 5.802 4.860

Fonte: Brandão et al., Volume II, Capítulo 4.

Os mercados de aluguel de terras foram atrofiados pela legislação fundiária e por direitos de propriedade não assegurados 4.5 Os direitos de propriedade não assegurados inibem a expansão dos aluguéis de terra e o trabalho de parceiros. A proporção muito baixa dos arrendamentos no Brasil é compreensível se forem levadas em conta as disposições do Estatuto da Terra, no qual os arrendatários (mesmo no trabalho “informal” de parceiros sem contrato) podem reclamar seus direitos sobre a terra, o que leva até mesmo à expropriação dos estabelecimentos agrícolas. Essa restrição à expansão da agricultura sob contratos flexíveis de arrendamento, incluindo os aluguéis é, na opinião dos autores citados acima, uma barreira potencialmente significativa ao acesso das famílias pobres à agricultura sob um custo social relativamente baixo, uma questão que necessita de atenção especial. Vale a pena mencionar que em vários países da Europa Ocidental o aluguel de propriedades agrícolas constitui a forma predominante de arrendamento. Os estabelecimentos alugados, com tamanho entre 25 e 50 ha, representam cerca de 75%, 50% e 30% das propriedades na Bélgica, Espanha e Itália, respectivamente.

4-6. À medida que a agricultura utiliza cada vez mais capital intensivo e os proprietários de terras envelhecem, há circunstâncias em que os mercados de aluguel de terras (aluguéis fixos e parcerias) podem ser mais eficientes do que a venda, sobretudo quanto a (a) fornecer acesso à terra aos empreendedores mais pobres ou mais jovens, (b) facilitar a saída da agricultura sem ter que vender o seu patrimônio (particularmente no caso das pessoas idosas e dos agricultores menos competitivos), (c) acomodar as necessidades da terra no curto prazo, e (d) facilitar as unidades operacionais para os empresários mais habilitados a obter custos de transação mais baixos para os aluguéis do que para a venda de terras. Atualmente no Brasil a questão não está tanto no custo excessivamente alto de transação dos contratos formais de aluguel de propriedades agrícolas, mas sim no risco de facto da expropriação dos estabelecimentos agrícolas alugados. Os proprietários relutam em alugar suas terras por meio de contratos com prazos maiores. As cláusulas do Estatuto da Terra de 1964 concediam direitos quase permanentes aos arrendatários após alguns anos e continham outras disposições que relacionavam a incidência de aluguel e as parcerias à expropriação dos estabelecimentos agrícolas (World Bank, 1993). Como afirmam Brandão et al. (Volume II, Capítulo 4), a insegurança do arrendamento resultante da estrutura legal vigente é um impedimento significativo ao desenvolvimento de um mercado ativo de aluguel de terras. 4-7. Sem se envolver com uma regulamentação direta do sistema de arrendamentos, o que deveria ser evitado, o governo poderia empreender a provisão de uma estrutura correta institucional

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e legal para a reativação do mercado de aluguel de terras, de modo a tornar as propriedades agrícolas alugadas altamente produtivas. Como observaram Janvry e Sadoulet (1999) com base na experiência em outras regiões do mundo, “o mercado de aluguel de terras foi um dos modos mais eficientes para permitir acesso a terra aos jovens e aos pobres rurais”.32 Os aluguéis de terras devem ser considerados um complemento importante ao programa de reforma agrária redistributiva que está sendo implementado no Brasil e que inevitavelmente não solucionará a questão do acesso a terra para uma grande fração dos potenciais beneficiários, porque as famílias pobres necessitam de um alto subsídio inicial para adquirir áreas suficientes que lhes forneçam um nível de renda acima da pobreza. O enfoque desse programa de aluguel de terras poderia promover a consolidação dos direitos de propriedade através da revisão da legislação fundiária pertinente, com o objetivo de garantir contratos com prazos mais longos, prover assistência ao desenvolvimento de uma abordagem prática local para resolução de litígios relacionados à interpretação e dar cumprimento aos contratos de aluguel de terras (e com parceiros), de forma a compensar os investimentos agrários, fornecendo acesso a crédito e assistência técnica aos potenciais arrendatários. 4-8. Além disso, o impacto desse programa seria ampliado por ajustes simultâneos nas leis trabalhistas (ver Carneiro, Volume II, Capítulo 3) e no sistema de imposto territorial. As leis trabalhistas têm apresentado uma tendência contra as propriedades que trabalham com parceiros. Sob os contratos informais ou verbais de parceiros (que são muito comuns), os proprietários de terras correrão sempre o risco de que os parceiros reivindiquem os direitos concedidos pela legislação, que são freqüentemente reconhecidos como evidência de “ocupação” pelos Tribunais do Trabalho. 4-9. Embora não se dirija aos pequenos agricultores de baixa renda, pode-se tirar uma lição útil da experiência com a Bolsa de Parceria e Arrendamento de Terras, no Triângulo Mineiro. Desenvolvida pelo Banco do Brasil em colaboração com a prefeitura municipal e os proprietários de terras, a Bolsa propunha contratos de 5 anos renováveis nas propriedades agrícolas a partir de 100 ha. Esse programa não estava orientado para objetivos socia is e os participantes eram mais instruídos e dispunham de um nível de renda mais alto do que a dos típicos trabalhadores rurais sem terra. De modo geral, essa iniciativa foi considerada bem-sucedida - levando-se em conta o rendimento agrícola dos arrendatários por comparação com os estabelecimentos agrícolas sob contratos de propriedade tradicionais - e representa uma abordagem que deveria ser examinada com mais profundidade devido às suas lições potenciais para o programa de aluguel de terras, proposto acima. Posse da terra não garantida: efeitos potencialmente adversos sobre a produtividade, a renda e a reestruturação agrícola 4-10 Pesquisas em outros países latino-americanos mostraram que a garantia da posse da terra tem sido um fator importante para o aumento da produtividade agrícola. Diversas evidências também demonstram que essa segurança facilita uma reestruturação mais ampla da agricultura.33 A

32 Janvry, A.; Sadoulet, E. Rural poverty and the design of effective rural development strategies, 1999, estudo apresentado na Junta Inter-Americana de Agricultura, Terceiro Fórum Ministerial, Salvador, Bahia, 27 a 29 de outubro de 1999. 33 Lopez, Ramon. Land titles and farm productivity in Honduras, e Carter, Michel; Olinto, Pedro. Getting institutions right for whom? The wealth-differentiated impact of property rights reform on investment and income in rural Paraguay. World Bank, Rural Development (RDV), 1998. Ambos os estudos se basearam nos dados de uma panel survey de dois

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disponibilidade de títulos de terra formais e cartórios em bom funcionamento representam a segurança da posse da terra, mesmo que agricultores que disponham de normas comunitárias reconhecidas para transações fundiárias possam se sentir consideravelmente protegidos, apesar de não contar com títulos legais de terra. Em muitas áreas do Brasil não existe um cadastro com informações precisas sobre a quantidade, o valor e a propriedade dos imóveis agrícolas, e não há dados sistemáticos sobre o número de transações fundiárias. A tendência dos mercados de terras brasileiros de se manterem reduzidos significa que a obtenção de informações é muito dispendiosa. Os cartórios (administrados por tabeliães nos estados onde as terras estão situadas) levam com freqüência a várias queixas relacionadas ao mesmo pedaço de terra, além de conter especificações inadequadas sobre os limites das propriedades. Os registros nos cartórios devem ser diferenciados do cadastro de propriedades rurais mantido pelo INCRA de acordo com o Estatuto da Terra, que está sendo utilizado nas expropriações. Esse cadastro, com base em auto-avaliações, não contém uma caracterização exata das propriedades agrícolas e sofre restrições legais quanto ao fornecimento de informações aos potenciais compradores de terras. 4-11. Essa falha institucional não impede as transações no mercado de terras com base nos títulos de posse aceitos, mas cria incertezas quanto à propriedade e, por isso, aumenta os custos de transação. Como foi demonstrado em Honduras e no Paraguai, a garantia da posse da terra contribui para o aumento da produtividade total dos fatores através do: (i) seu efeito sobre os investimentos, em particular aqueles destinados ao desenvolvimento de capital físico, que estão ligados ao valor da terra (como pomares, beneficiamento da terra, atividades florestais, etc.) e (ii) melhor desempenho do mercado de terras, facilitando a saída dos produtores não competitivos e a entrada de outros mais eficientes. Era de se esperar que os títulos não assegurados também limitariam o desenvolvimento dos mercados de aluguéis, particularmente no contexto do atual Estatuto da Terra, que pode conceder direitos permanentes aos arrendatários depois de alguns anos estabelecidos na propriedade. Pode-se acrescentar também que a concessão de títulos de posse não garante que os mais pobres terão acesso à terra. Um ponto principal a ser considerado nesta análise é o custo do registro dos títulos de terra. De acordo com o relatório sobre agricultura do Banco Mundial, de 1994, esse custo foi considerado alto demais para os possíveis pequenos compradores pobres e, por isso, muitos deles não têm participado do mercado de terras. 4-12. É surpreendente que um país com o nível de desenvolvimento do Brasil e considerando-se a importância econômica da agricultura em sua economia esteja tão defasado em termos de modernização em um mercado de fatores produtivos tão importante. O coeficiente de retorno social de um programa que tenha como objetivo melhorar a administração da terra e resolver litígios a um custo baixo será provavelmente alto, com benefícios relevantes para os pobres rurais, diretamente através de mais acesso à terra e indiretamente por meio da criação de mais empregos. O sistema cadastral, a resolução de litígios e a concessão de títulos de posse são as questões básicas que necessitam de aprimoramento. 4-13. Para concluir, há necessidade de mais oportunidades de ofertas através do mercado de terras para os pequenos estabelecimentos agrícolas que utilizam mão-de-obra intensiva. Isso requer experimentos com novas abordagens. O Brasil está bem avançado no tocante a essa nova proposta, como o programa de reforma agrária Cédula da Terra. Muito mais pode ser feito para complementar essa iniciativa. As sugestões são um programa para reativar o mercado de aluguel de terras (incluindo os parceiros) e a modernização da administração fundiária, que trariam mudanças

pontos no tempo, que permitem a variação transversal e de série de tempo dos arrendamentos, possibilitando aos autores o controle econométrico do caráter endógeno dos diversos fatores.

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institucionais significativas, podendo gerar um grande lucro social ao melhorar tanto a produtividade agrícola quanto a eqüidade. 5. Determinantes da renda agrícola e do retorno de fatores produtivos dos agricultores pobres no Brasil 5-1. Esta seção se baseia na análise de Lopez e Romano (Volume II, Capítulo 5) sobre os determinantes da renda agrícola real utilizando uma amostra do conjunto de dados da PPV de 1996. Há três objetivos da política: (i) estimar o efeito de uma desvalorização da taxa de câmbio; (ii) avaliar o impacto da reforma na política comercial (uma redução uniforme da proteção à importação) e (iii) determinar o efeito das mudanças nas dotações de fatores. Como os rendimentos agrícolas nominais são ajustados por um índice de custo de vida, os efeitos dessas alterações podem ser quantificados em termos de renda agrícola real. Além disso, essa abordagem estabelece uma distinção explícita entre agricultores pobres e não-pobres. Características das atividades agrícolas 5-2. Importantes diferenças caracterizam as estruturas de produção e consumo dos agricultores pobres em relação aos não-pobres (Tabela 6). Em primeiro lugar, os estabelecimentos rurais mais pobres são predominantemente pequenos e vice-versa. Em segundo, as parcelas dos rendimentos agrícolas totais relativas às três principais categorias de produtos – substitutos de importação, produtos de exportação e bens não-comercializáveis – diferem entre os pequenos (pobres) e grandes (não-pobres) agricultores. Ao contrário dos agricultores não-pobres, a renda dos agricultores pobres é dependente mais dos bens não-comercializáveis e menos dos produtos de exportação. Quanto ao uso de insumos, os agricultores não-pobres possuem relativamente mais capital e gado, e empregam um número maior de insumos adquiridos. Uma conclusão bastante surpreendente é que apenas 2% dos estabelecimentos rurais pobres recebem alguma forma de assistência técnica em comparação a 31% dos não-pobres. Além disso, as cifras do crédito subsidiado seguem um padrão semelhante, no qual os pequenos agricultores não recebem praticamente nenhum financiamento. Por fim, em termos de despesas, os agricultores pobres consomem mais alimentos e têm acesso a parcelas menores de produtos manufaturados e de serviços não-agrícolas. 5-3. Essas diferenças na estrutura da produção e do consumo são cruciais ao menos por duas razões. Em primeiro lugar, porque esses fatores determinam em grande parte como as mudanças nos preços afetam de modo diferente os agricultores pobres e os não-pobres. A abertura comercial, por exemplo, que eleva os preços dos produtos de exportação, aumentaria mais os rendimentos dos agricultores não-pobres (de grande porte) do que a renda dos produtores agrícolas pobres (de pequeno porte). De maneira semelhante, a desvalorização da taxa de câmbio real, que reduz os preços reais dos bens não-comercializáveis, teria um efeito negativo relativamente maior sobre os agricultores mais pobres. Em segundo lugar, a divergência na estrutura da produção também pode resultar em elasticidades de renda diferentes quanto às várias mudanças nos fatores produtivos. Por exemplo, embora um aumento marginal no tamanho da propriedade agrícola resulte em maiores rendimentos, a sua magnitude relativa e o seu significado provavelmente serão diferentes para os pequenos e os grandes agricultores – o mesmo ocorre em relação a outras variáveis relevantes da política, como assistência técnica e educação. Torna-se óbvio que uma avaliação dessas diferenças é essencial para o planejamento de uma estratégia eficiente de combate à pobreza rural.

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Tabela 6. Características da renda, da produção e do consumo por tamanho de propriedade agrícola1

Minifúndio

(até 2 ha) Pequena

(2,1 – 10 ha) Média

(10,1 - 50 ha) Grande

(50,1-2000 ha) Renda familiar

5.807

9.382

17.511

43.769

Fontes de renda (% da renda total)

Agricultura (trabalho autônomo) 58,5 75,7 72,4 69,5 Salários agrícolas 15,7 5,5 2,5 10,0 Trabalho não-agrícola 9,5 7,1 12,4 13,2 Estrutura da produção

Área total da propriedade familiar (ha) 1,0 4,9 21,7 242,2 % da terra que é própria 40 57 75 79 Renda agrícola familiar2 3.170 7.244 15.169 40.181 % de produtos importados na renda total 51 56 55 48 % de produtos de exportação na renda total 7 11 15 29 % de bens não-comercializáveis na renda total 43 33 30 24 % de insumos adquiridos na renda total 1 1 3 4 % que recebe assistência técnica 2 2 8 31 % de propriedades que utilizam animais de tração 5 23 34 44 % de propriedades com maquinaria, equipamento ou veículos próprios

7 13 34 53

% de propriedades que receberam crédito subsidiado do governo

1 3 0 19

Estrutura do consumo (% da despesa total) Alimentos comercializados 38 39 36 25 Alimentos não comercializados 21 24 25 17 Produtos manufaturados (não-agrícolas comercializados)

11 11 11 10

Outros (por ex.: serviços, habitação, etc.) 29 26 29 48 Fonte: Lopez e Romano (Volume II, Capítulo 5). Notas: (1) Valores monetários em reais de 1996; todos os valores estão relacionados à renda anual. (2) Inclui os valores atribuídos ao consumo próprio.

Efeitos da desvalorização da taxa de câmbio 5-4. A desvalorização nominal provoca efeitos diretos e indiretos sobre os preços. De um lado, o efeito direto consiste no impacto sobre o preço dos bens comercializáveis que aumenta proporcionalmente à desvalorização. Se os rendimentos agrícolas reais são definidos como renda deflacionada por um Índice de Preços ao Consumidor (IPC), então o resultado direto de um aumento nominal da taxa de câmbio deverá elevar os preços dos bens comercializáveis na mesma proporção.34 Por outro lado, o efeito indireto é motivado pela contaminação dessas alterações de

34 Desse modo, os rendimentos são definidos por uma função de valor máximo que resolve o problema da determinação do maior valor da renda do agricultor, além de serem deflacionados em termos reais quando divididos pelo IPC (definido como uma função linear homogênea de preços dos produtos agrícolas e não-agrícolas, comercializáveis e não-

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preços sobre o IPC e sobre os setores de bens não-comercializáveis da economia. Lopez e Romano (2000) analisam basicamente os impactos diretos e indiretos em uma estrutura que, por sua vez, também possibilita desatrelar os vários efeitos dos preços sobre os rendimentos agrícolas das conseqüências que afetam o custo de vida. Em geral, as considerações explícitas sobre os efeitos do custo de vida amortecem os impactos dessas mudanças de preços. O efeito de uma desvalorização nominal dos rendimentos agrícolas reais será positivo se a soma das parcelas da produção dos bens agrícolas comercializáveis for maior do que a soma das parcelas dos gastos com bens de consumo comercializáveis (incluindo os produtos agrícolas e não-agrícolas) contidos na cesta de consumo dos agricultores. 5-5. Lopez e Romano (Volume II, Capítulo 5) calcularam diferentes funções de rendimentos e IPCs para cada um dos quatro diferentes tipos de propriedades agrícolas. Isso permite que os agricultores de maior e menor porte sejam afetados de diversas formas pelas alterações de preços dependendo de suas respectivas elasticidades de receita e dos pesos do IPC. Os autores concluem que uma desvalorização nominal de 40% aumenta os ganhos de todos os produtores agrícolas. No entanto, a magnitude do impacto difere substancialmente entre eles. A desvalorização avaliada em termos reais é proporcional ao tamanho do efeito de contaminação sobre os bens não-comercializáveis (ver Lopez e Romano, Volume II, Capítulo 5). Supondo que esse efeito seja de 20% (isto é, uma desvalorização real de 32%), estima-se que os grandes agricultores receberão a maior parte dos benefícios, obtendo um aumento real de 13,4% em seus ganhos. Os minifúndios e os pequenos agricultores se beneficiariam de um rendimento real de apenas 2,6% e 5,4%, respectivamente. As simulações com base em diferentes coeficientes de transmissão de preços fundamentam ainda mais a conclusão sobre os agricultores de menor porte que recebem benefícios também menores. Isso ocorre porque seus rendimentos são em grande parte dependentes dos bens não-comercializáveis e sua cesta de consumo inclui uma parcela relativamente alta de produtos comercializados. Por outro lado, os grandes produtores agrícolas tendem a produzir mais bens comercializáveis e sua cesta de consumo contém uma proporção maior de produtos não-agrícolas não-comercializáveis, como serviços, habitação, educação e transporte. 5-6. Em suma, não é provável que a desvalorização tenha um papel importante no aumento da renda dos agricultores mais pobres, mas é certo que provoca um efeito relevante sobre os rendimentos dos grandes agricultores. Esse fator poderia beneficiar indiretamente os pobres rurais, especialmente os sem terra. Os trabalhadores rurais sem terra poderiam obter vantagens se os grandes agricultores aumentassem sua demanda de mão-de-obra como conseqüência da desvalorização. Evidências quantitativas, relativas a esse efeito, são fornecidas mais adiante nesta análise sobre a renda agrícola e os determinantes do retorno dos fatores produtivos. Finalmente, o fato de que a desvalorização também afeta os preços dos insumos produtivos intermediários poderia reduzir ainda mais os benefícios dos produtores agrícolas. Entretanto, para a maioria dos pequenos agricultores, a parcela dos insumos adquiridos na renda agrícola (por exemplo, fertilizantes, pesticidas e sementes) é muito pequena. Efeitos da abertura comercial: uma redução uniforme na proteção à importação 5-7. Lopez e Romano (Volume II, Capítulo 5) examinam os efeitos de uma diminuição uniforme na proteção à importação, que se aplica a todos os produtos importados, incluindo os bens agrícolas

comercializáveis). Lopez e Romano (Volume II, Capítulo 5) apresentam uma discussão detalhada da metodologia utilizada.

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e não-agrícolas. A redução da proteção nominal implica em uma queda nos preços dos substitutos de importação agrícolas e dos produtos importados não-agrícolas. Além disso, como os produtos importados são relevantes tanto na produção quanto no consumo, uma diminuição nos preços significa que a demanda dos bens não-comercializáveis decresce à medida que são substituídos pelos consumidores por produtos importados mais baratos (embora o aumento na renda real se mova na direção oposta). Ao mesmo tempo, os produtores mudam a composição de sua produção reduzindo a oferta de produtos de importação e aumentando a dos produtos de exportação e de bens não-comercializáveis. Por isso, a redução da proteção à importação causa: (i) uma queda no preço dos substitutos de importação agrícolas e não-agrícolas, e (ii) uma possível redução no preço dos bens não-comercializáveis, agrícolas e não-agrícolas. Lopez e Romano (2000) concluem que uma redução uniforme de 20% na proteção nominal à importação causa perdas muito pequenas no rendimento real de todos os agricultores. As simulações indicam que esses resultados não são muito sensíveis aos diferentes coeficientes de transmissão de preços. Os minifúndios e os pequenos agricultores sofrem perdas de rendimentos reais de aproximadamente 3%, enquanto o efeito sobre os grandes produtores agrícolas é insignificante (variando na faixa de 1% em torno de zero). Determinantes da receita agrícola 5-8. Esta análise se baseia na estimativa de uma função do rendimento agrícola que utiliza uma especificação funcional na forma quadrática flexível normalizada. Foi escolhida a forma quadrática normalizada porque tem a vantagem de permitir que os efeitos das variáveis explicativas difiram em toda a amostra de diferentes tipos de propriedades agrícola s (por exemplo, diferenças no tamanho da terra, no uso dos insumos , no capital e na assistência técnica, entre outras). Por conseguinte, as estimativas de elasticidade podem se modificar de acordo com as características de cada um dos quatro grupos de estabelecimentos agrícolas.35 Passaremos agora a descrever as principais conclusões.

5-9. Elasticidades da terra. O efeito per capita da terra sobre os rendimentos agrícolas per capita varia bastante entre os grandes produtores agrícolas e os bem pequenos produtores agrícolas. O efeito marginal de possuir mais terra é praticamente insignificante para os últimos e é grande e altamente significativo para os grandes produtores agrícolas cuja elasticidade de rendimentos está em torno de 12. Esse resultado é oposto ao bom senso convencional que sugere uma relação em U invertido na qual a produtividade da terra é baixa para os pequenos agricultores, alta para os médios agricultores e novamente baixa para as grandes propriedades agrícolas. Uma interpretação plausível é que, sem determinados ativos complementares e características demográficas, o valor da terra em si é muito pequeno. É preciso lembrar que estas são elasticidades parciais e como tal elas medem a contribuição marginal da terra nos rendimentos agrícolas levando-se em conta todos os outros ativos e as características demográficas. Para que a terra produza um grande impacto, é necessário que os agricultores tenham menos restrições quanto à liquidez para comprar insumos, além de mais educação e capital. O impacto de dispor de apenas mais terras será muito pequeno, mas sem uma área mínima os retornos de outros fatores de produção e das características demográficas convenientes também tendem a ser limitados. Por isso, existe uma sinergia entre a terra e outros ativos, no sentido de que reforçam mutuamente a produtividade. Esse fato tem sido negligenciado com freqüência nas análises anteriores.

35 Lopez e Romano (2000) discutem em profundidade a abordagem metodológica e os resultados das estimativas no Volume II deste relatório.

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5-10. Capital líquido (insumos adquiridos). A elasticidade dos insumos adquiridos é muito grande para os pequenos agricultores. O fato de que essas elasticidades são maiores que as parcelas registradas de insumos (cerca de 0,014) sugere que os pequenos agricultores dispõem de menor liquidez. 36 Ou seja, o rendimento marginal dos insumos adquiridos é muito mais alto do que seu custo marginal. Comparando-se esses elementos ao efeito da terra, parece que a facilitação do acesso ao crédito para os pequenos agricultores, a fim de liberar sua aparente restrição à liquidez poderia ser um modo mais eficiente de aumentar seus rendimentos do que simplesmente oferecer-lhes mais terras. O fato de a elasticidade dos médios e grandes agricultores não ser positiva é, à primeira vista, oposta ao senso comum. No entanto, com base no Censo Agrícola de 1995/96 do IBGE, Dias e Barros (Volume II, Capítulo 2) relatam que um grupo significativo de agricultores se caracteriza pela dimensão média de suas terras, cerca de 40 hectares, e pela utilização de insumos intermediários acima da média por hectare, enquanto seu rendimento por hectare é o mais baix o de todos os grupos de propriedades agrícolas. Isso sugere que uma parcela dos estabelecimentos nessa categoria de tamanho deve estar em um período de transição no qual os investimentos ainda não começaram a compensar, caso contrário essas propriedades não serão viáveis no médio prazo. 5-11. Força de trabalho. Não causa surpresa que o impacto marginal da mão-de-obra não-qualificada sobre a renda agrícola dos pequenos agricultores seja quase insignificante. Isso ocorre provavelmente devido a um excesso de oferta de mão-de-obra. Mais interessante é o fato de que a elasticidade renda do trabalho é muito maior entre os grandes produtores agrícolas. De fato, embora a elasticidade do trabalho seja menor do que a parcela estimada para os pequenos agricultores, ela é maior para os grandes produtores. Isso fornece algumas evidências quantitativas da observação de Carneiro (Volume II, Capítulo 3) de que as imperfeições do mercado de trabalho estão afetando a contratação de mão-de-obra pelos grandes produtores agrícolas.

5-12. Educação. O efeito da educação sobre a renda agrícola é praticamente desprezível para os pequenos agricultores. Por outro lado, no caso dos grandes produtores ela é muitas vezes maior, cerca de 0,97. O valor da educação é provavelmente mais acentuado quando os agricultores realizam operações de grande porte e possivelmente de maior complexidade.37 Nesse contexto, a educação contribui naturalmente com pouco para o aumento da renda agrícola. Outro fator que deve ser considerado é a grande diferença no nível de escolarização dos agricultores, que é mais elevado no grupo dos grandes produtores agrícolas. Um ano a mais de estudo em um nível básico possivelmente terá um impacto menor sobre a renda do que o impacto de um ano a mais de escolarização em um nível mais elevado. 5-13. Assistência técnica. O efeito da assistência técnica é bem semelhante tanto para os grupos de pequenos quanto de grandes produtores agrícolas. Os agricultores que têm acesso à assistência técnica obtêm uma renda 7% maior, ceteris paribus, do que aqueles que não dispõem desse recurso. Por isso, o potencial de aumento dos rendimentos agrícolas por meio da maior assistência técnica é bastante significativo e pode ser benéfico, aproximadamente e de maneira idêntica, para os pobres e os não-pobres. Essa conclusão é muito importante no contexto da política, levando-se em conta que a atual distribuição da assistência técnica está direcionada de modo relevante aos grandes

36 Estudos anteriores mostraram que as falhas de mercado, incluindo a falta de acesso ao mercado de crédito, afetaram a elasticidade das respostas dos pequenos agricultores aos vários fatores (ver Janvry et al., 1991). 37 Por exemplo, López e Valdés (2000) afirmam que, na América Latina, a educação não aumenta significativamente os rendimentos agrícolas, à exceção do Chile, onde o setor agrícola necessita de mão-de-obra mais qualificada.

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agricultores não-pobres (ver Tabela 3). O grupo de produtores agrícolas de médio porte é até mais afetado positivamente e esse efeito tem uma elasticidade estimada em 0,11.

5-14. Uso de tração animal. Apenas os produtores agrícolas de grande porte obtêm rendimentos mais elevados pelo uso de equipamentos de tração animal. A diferença também é expressiva na proporção de estabelecimentos agrícolas que se servem desse tipo de tração, 5% e 44% nos minifúndios e grandes produtores, respectivamente.

5-15. Idade do operador agrícola. Os operadores agrícolas são relativamente idosos e, por isso, o efeito do envelhecimento é negativo para todas as categorias de propriedades agrícolas. Mas esse impacto negativo sobre a renda é muito diferente nos diversos grupos. Por exemplo, no caso dos minifúndios, esse fator é desastroso e sua ela sticidade é de –1,4, enquanto para os grandes produtores o resultado negativo é muito mais modesto e sua elasticidade é de -0,13. Ou seja, a perda de renda de um agricultor com 60 anos comparada à de outro com 50 anos é de cerca de 28% entre os agricultores de menor escala, em relação a apenas 3% dos grandes produtores. Estes últimos compensam presumivelmente o seu declínio físico através da contratação de mão-de-obra e/ou da compra de mais equipamentos e maquinaria. A influência dos preços nos retornos dos fatores produtivos 5-16. A Tabela 7 resume o modo como os aumentos nos preços e em outras variáveis afetam os retornos do fatores produtivos. Os preços de exportação relativamente mais altos tendem a reduzir o valor da assistência técnica e a aumentar o valor da mão-de-obra e dos insumos adquiridos. Esse fato sugere que os produtos de exportação são intensivos em relação a esses fatores. Além disso, é possível que a assistência técnica esteja atualmente mais orientada para os produtores dedicados ao cultivo substituto de importação (ver Dias, 2000) e que esse fato explique os efeitos negativos dos preços de exportação e o impacto positivo dos preços dos produtos de importação sobre os retornos da assistência técnica.

Tabela 7. Efeitos dos aumentos de preços e outras variáveis sobre os ganhos produtivos

Retornos Terra

Assistência técnica Educação Insumos Trabalho Capital

Preços dos produtos de exportação

- - 0 + + 0

Preços dos produtos de importação

- + 0 + 0 +

Preço dos bens não-comercializáveis

+ - 0 - - -

Terra + - 0 + 0 0 Educação 0 - 0 N/A N/A 0 Assistência técnica - N/A - + N/A N/A

Fonte: Lopez e Romano (Volume II, Capítulo 5). Nota: (N/A) Não aplicável.

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5-17. O efeito negativo sobre a terra é pequeno, mas o impacto positivo dos preços relativos de exportação é muito grande e de longe o fator mais expressivo que afeta os retornos do trabalho. De fato, um acréscimo de 10% sobre esse fator aumenta o valor marginal do trabalho em um percentual aproximadamente igual. Isso sugere que as políticas de desvalorização da taxa de câmbio e de abertura comercial terão provavelmente um impacto positivo relevante no mercado de trabalho agrícola, possibilitando salários reais mais altos. Por outro lado, a proteção às importações, que eleva internamente o preço dos produtos importados, tende a aumentar o valor dos insumos, mas não parece influenciar o retorno do trabalho. 5-18. O efeito da alta de preços dos produtos importados sobre o aluguel de terras é negativo e muito expressivo. O preço dos produtos importados exerce um efeito negativo sobre os aluguéis de terras. A assistência técnica tende a reduzir os aluguéis mas aumenta o valor dos insumos adquiridos. Isso sugere que a assistência técnica estimula a demanda por insumos adquiridos que nem sempre é atendida, especialmente no caso dos pequenos agricultores. Os ganhos gerados pelos insumos adquiridos são positivamente afetados pela alta de preços dos produtos de exportação e de importação mas são reduzidos pelos preços mais elevados dos bens não-comercializáveis. Por isso, é provável que haja um aumento substancial da demanda por insumos adquiridos após uma desvalorização da taxa de câmbio real. A mudança na estrutura de produção, em direção a produtos de importação e exportação e distanciando-se dos bens não-comercializáveis, é responsável por esse efeito, na medida em que a produção dos bens agrícolas comercializáveis é mais intensiva quanto a insumos adquiridos do que quanto à produção dos bens não-comercializáveis. Desse modo, a substancial desvalorização do real ocorrida no Brasil provavelmente tornará a falta de crédito e de liquidez muito mais onerosa do que anteriormente. Ou, de modo equivalente, os benefícios do aumento do crédito aos agricultores serão possivelmente muito maiores agora do que antes da desvalorização.

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6. Emprego rural não-agrícola 6-1. A experiência na América Latina e no mundo em desenvolvimento indica que o setor não-agrícola é surpreendentemente maior e com freqüência mais dinâmico que o agrícola. Entretanto, esse setor abarca em geral uma grande variedade de atividades e nem todas podem ser consideradas suficientemente produtivas e com possibilidades de oferecer grandes perspectivas de ascensão econômica. É comum a observação de que os segmentos vulneráveis da população, como as mulheres, as minorias e os pobres em geral, tendem a estar concentrados precisamente nessas atividades rurais não-agrícolas cuja contribuição não é expressiva para a renda familiar. No entanto, essa constatação não basta para concluir que o setor não-agrícola tem relevância limitada em função dos esforços de redução da pobreza. Em primeiro lugar, as intervenções políticas apropriadas podem influenciar o grau de exclusão dos pobres das atividades não-agrícolas que oferecem maior remuneração. Em segundo lugar, uma crescente economia não-agrícola pode gerar efeitos secundários (como taxas salariais na agricultura) que podem beneficiar indiretamente os pobres de modo substancial. Em terceiro lugar, mesmo o baixo retorno obtido pelos pobres em suas atividades não-agrícolas relativamente improdutivas pode ter um papel crucial para impedir que se tornem ainda mais pobres. 6-2. Ao longo do tempo, o setor não-agrícola parece crescer no Brasil. Entre 1981 e 1995, a oferta de emprego nesse setor aumentou a uma taxa anual de cerca de 1,7% (Del Grossi, 1999). No entanto, esse percentual agregado mascara uma considerável variação nos diversos sub-setores. Por exemplo, o emprego na construção civil está declinando a uma taxa de 4,3% ao ano, enquanto os serviços domésticos e a administração municipal cresceram 5,3% e 9,8% ao ano. De uma maneira geral, o aumento do emprego no setor não-agrícola tem sido mais rápido durante os últimos anos do que na agricultura. Neste capítulo, (ver Lanjouw, Volume II, Capítulo 6) examinamos as características do setor rural não-agrícola nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Características das atividades rurais não-agrícolas 6-3. As atividades não-agrícolas representam até um terço das ocupações primárias nas áreas rurais do NE e SE. Essas atividades tendem a ser mais comuns nas áreas rurais do Sudeste, porém, mesmo no Nordeste, mais de um quinto da população rural economicamente ativa trabalha no setor não-agrícola. Essas cifras apontam para uma dimensão reduzida do tamanho real do setor rural não-agrícola, porque provavelmente combinam serviços agrícolas e não-agrícolas e, por isso, registram atividades não-agrícolas como secundárias em vez de primárias. 6-4. O exame minucioso da discriminação subsetorial das atividades rurais não-agrícolas no Brasil revela a importância do setor de serviços, particularmente a ocupação por conta própria (como o serviço doméstico). A construção civil, o processamento de alimentos, o comércio, a educação e as atividades administrativas gerais são também numericamente importantes. Embora seja observada uma ampla gama de atividades manufatureiras, elas não são predominantes no ambiente não-agrícola. 6-5. As atividades não-agrícolas estão desproporcionalmente representadas nas áreas rurais que estão mais vinculadas à economia como um todo. Concentram-se nas periferias ou em cidades do interior, embora a maioria da população rural, e em particular os pobres, esteja situada em zonas

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rurais mais distantes. As mulheres estão bem representadas no setor não-agrícola, mas tendem a se concentrar em dois subsetores: trabalho autônomo e educação. 6-6. A análise multidimensional, que examina a correlação do emprego não-agrícola no meio rural brasileiro, revela a importância do ensino na determinação da probabilidade de se conseguir trabalho nas atividades não-agrícolas. No Nordeste e no Sudeste, há fortes evidências de que as pessoas escolarizadas, em particular as de nível médio ou superior, têm melhores oportunidades nesse setor. Essa característica é enfatizada quando as atividades não-agrícolas são classificadas em termos de alto ou baixo retorno. A educação é um determinante particularmente importante no emprego não-agrícola com alta remuneração. A segmentação do setor em dois tipos de atividades também revela que homens e mulheres tendem a se concentrar em diferentes campos: as mulheres estão relacionadas a atividades de baixo retorno e os homens às de alto retorno. Os padrões são amplamente semelhantes nas áreas rurais do Nordeste e do Sudeste, exceto porque no Sudeste há indícios de que, na verificação das características individuais e familiares, os brancos têm mais oportunidades de trabalho não-agrícola bem remunerado do que as pessoas de cor. 6-7. As parcelas da renda não-agrícola tendem a aumentar com os níveis de consumo geral, embora a relação seja bastante uniforme. No entanto, a mudança na composição da renda não-agrícola é marcante. Os quintis mais inferiores da distribuição do consumo tendem a compreender uma parcela maior da renda não-agrícola proveniente do trabalho assalariado. Para a população mais pobre, o trabalho assalariado de baixo retorno tende a ser mais importante, enquanto as atividades melhor remuneradas estão disseminadas de modo uniforme ao longo da distribuição do consumo. O que chama a atenção é que a renda empresarial não-agrícola aumenta acentuadamente com os quintis de consumo: as parcelas da renda gerada pelo trabalho autônomo ou pelas atividades empresariais estão concentradas nos quintis mais ricos. 6-8. As parcelas da renda não-agrícola estão distribuídas de maneira interessante entre as classes de detentores de terra. Como era de se esperar, uma grande parte da renda dos sem terra é proveniente de atividades não-agrícolas. Esses rendimentos não-agrícolas também inc luem aqueles gerados por trabalho autônomo ou empresarial, indicando que a pobreza dos sem terra não é uniforme. Nas áreas rurais do Nordeste, as classes de propriedades muito grandes também estão relacionadas a uma parcela relativamente alta da renda proveniente das atividades não-agrícolas, enquanto no Sudeste, os grandes proprietários de terra tendem a se concentrar nas atividades agrícolas. 6-9. Os rendimentos das atividades não-agrícolas estão relacionados - de modo semelhantes às possibilidades de emprego - aos níveis educacionais, ao gênero e à região. Os trabalhadores mais escolarizados obtêm ganhos consideráveis resultantes de seu nível educacional, sendo que a recompensa maior está nas regiões rurais do Nordeste. As mulheres tendem a ganhar menos, de acordo com a sua escolarização e outras características. Em ambas as regiões, um indivíduo que tenha nascido em uma área urbana e esteja residindo no meio rural obtém ganhos mais altos nas atividades não-agrícolas do que uma pessoa nascida no interior. Isso pode indicar que, para algumas ocupações rurais pelo menos, e em particular aquelas associadas a categorias mais altas, talvez possam ser recrutados trabalhadores nas áreas urbanas. Os salários tendem a ser mais altos no Estado de São Paulo, onde o setor rural é pequeno e a economia urbana é mais dinâmica. 6-10. Quais são as considerações que podem ser tecidas sobre essa política emergente a partir desta análise? Os padrões gerais sugerem que, entre outros fatores, os governos talvez queiram dedicar uma atenção especial aos setores da construção civil e da educação nas áreas rurais. Os

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níveis de emprego no setor da construção estão em declínio nos últimos anos. Esse setor é uma importante fonte de emprego (particularmente para homens) e parece oferecer bons salários. Normalmente, é bem direcionado aos pobres pois não exige, de modo geral, um alto nível educacional e a natureza do trabalho é tal que aqueles que dispõem de opções alternativas preferem-nas. Sua função também é de meio anticíclico de geração de emprego, em particular nas regiões áridas do Nordeste. Não está claro se a redução dos níveis de emprego na construção foi devida a condições climáticas favoráveis, que reduziram a necessidade de geração de emprego. Os dados disponíveis também não esclarecem em que medida o declínio na oferta de emprego na construção é decorrente da redução do gasto público ou do declínio do investimento privado no setor. Na melhor das hipóteses, esta análise pode realçar a importância desse subsetor das atividades não-agrícolas. É necessário aprofundá-la para explicar em detalhe quais são, se houver, as opções de políticas dirigidas ao setor da construção civil. 6-11. O subsetor de educação também precisa ser considerado. Em primeiro lugar, uma das conclusões mais significativas da análise é que a escolarização influencia significativamente as oportunidades de emprego e os salários no setor não-agrícola. O setor de educação também é uma importante fonte de trabalho, em particular para as mulheres. A expansão da oferta de ensino seria benéfica porque melhoraria as perspectivas das novas gerações no setor não-agrícola e criaria, ao mesmo tempo, uma importante fonte de emprego para um segmento da população rural que parece estar mal situado em termos de renda não-agrícola mais significativa. 6-12. Concluímos que, no Brasil, o setor não-agrícola parece estar intimamente ligado à localização. Em particular, há evidências claras de que esse setor é mais dinâmico nas áreas bem vinculadas aos mercados e que dispõem de padrões mínimos de infra-estrutura. Embora a conexão entre o setor não-agrícola e a infra-estrutura não seja nova, esse elemento continua a apresentar importantes desafios à política. Está emergindo um crescente consenso sobre a participação do setor privado na provisão de infra-estrutura em muitos países da América Latina. É necessário determinar em que medida essas iniciativas podem garantir o tipo de infra-estrutura essencial à promoção do setor não-agrícola. Além disso, no contexto da política, também é importante considerar as interações desses empreendimentos com outras políticas, em particular a reforma agrária. Por exemplo, é importante a sincronia da política de refoma agrária com as iniciativas de desenvolvimento da infra-estrutura, que aumentarão o preço e o valor da terra. 6-13. Embora o setor não-agrícola das áreas rurais do Brasil pareça oferecer algumas oportunidades de redução da pobreza rural, esta análise sugere que deve ser mantido um sentido de perspectiva. Os pobres rurais tendem a se concentrar em áreas mais distantes e, normalmente, possuem os níveis mais baixos de capital humano. Por outro lado, o setor não-agrícola, particularmente as atividades cujo retorno é mais alto e que estão mais diretamente aptas a elevar a renda dos que estão na pobreza, tende a se concentrar nas áreas rurais mais urbanizadas e a empregar pessoas com nível educacional médio ou superior. Não está claro quanto se pode esperar a curto prazo do setor não-agrícola em termos de redução da pobreza rural.

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7. Educação rural Educação rural e urbana 7-1. Ao analisar o Brasil como um todo, a diferença entre as escolas rurais e urbanas é surpreendente. Essa disparidade é revelada pelas taxas de matrícula e de repetência, nos testes de avaliação e pelos insumos educacionais. 7-2. Entre 1991 e 1998, a taxa líquida de matrícula de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos aumentou de 91% para 96% nas áreas urbanas e de 75% para 91% nas áreas rurais. Embora esses números indiquem um progresso substancial, especialmente nas áreas rurais, ainda há muito a ser feito. No meio rural, os 9% a 10% de crianças em idade escolar, que não estão matriculadas, correspondem a 400.000 crianças no NE e a 300.000 no SE (ver Soares et. al., Volume II, Capítulo 5). 7-3. Essencialmente, a educação rural continua a significar a matrícula na 1ª à 4ª série. Em 1998, esses quatro primeiros anos do ensino fundamental compreendiam 85% das crianças matriculadas nas áreas rurais (abaixo dos 92% em 1991) em contraste com o índice de 50% em todo o Brasil. No mesmo ano, apenas 6% dos alunos que freqüentavam da 5ª à 8ª série viviam nas áreas rurais e representavam apenas 1% do total de matrículas. O ensino médio no meio rural continua a ser virtualmente inexistente. 7-4. Embora o aumento das taxas de matrícula da 1ª a 4ª série nas zonas rurais reflita em parte o melhor acesso à escola, isso também significa uma redução nas taxas de repetência. Quanto ao progresso, a evidência sugere que a repetência permanece uma questão crucial na educação brasileira, especialmente nas áreas rurais onde é comum as crianças refazerem diversas vezes a mesma série.38 Da mesma forma, as comparações dos resultados do SAEB indicam um hiato significativo entre os estudantes rurais e urbanos. 7-5. As diferenças nos recursos educacionais rurais e urbanos são igualmente surpreendentes. Quanto aos professores, apesar das melhorias nos anos 90, constatou-se que, ainda em 1998, 18% dos professores rurais não tinham concluído o ensino fundamental (0% nas áreas urbanas) e apenas 5% tinham nível superior (28% nas áreas urbanas). A mesma defasagem que existe na qualificação dos professores também está presente na infra-estrutura escolar física (por exemplo, banheiros e saneamento) e pedagógica (como biblioteca, computadores e equipamento audiovisual). Enquanto praticamente todas as escolas urbanas têm infra-estrutura sanitária, cerca de 30% dos estabelecimentos de ensino rurais não dispõem dessas instalações. A discrepância de seu equipamento é ainda maior em termos de recursos pedagógicos considerando-se que apenas 3% utilizam computadores (44% nas escolas urbanas), 7% contam com biblioteca (58% nas escolas urbanas) e 27% têm equipamento audiovisual (91% nas escolas urbanas).

38 Observe que é melhor utilizar “anos de instrução escolar concluídos com sucesso” em vez de “anos de instrução escolar”.

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Heterogeneidade rural: NE versus SE 7-6. Comparações regionais dos indicadores de educação rural revelam que não existe um único tipo de ensino rural, porém vários. Embora as diferenças em termos de taxas líquidas de matrícula tenham diminuído nos últimos anos, à medida que a cobertura dos sistemas de ensino rural se tornou quase universal, 90% das crianças no NE estão matriculadas na 1ª à 4ª série em comparação com apenas 68% no Sul. Esses percentuais indicam que a cobertura do NE está aumentando rapidamente, mas também que as taxas de repetência são mais altas e as crianças passam mais tempo nos primeiros quatro anos do ensino fundamental. Em outras palavras, a repetência é substancialmente mais freqüente no Norte e no Nordeste e o resultado do aproveitamento escolar dos alunos nas áreas rurais dessas regiões é também pior nos testes de avaliação padronizados. Diferenças semelhantes também ocorrem quanto ao capital humano, físico e pedagógico. Nas áreas rurais do NE, 27% dos professores não completaram o ensino fundamental, em contraposição a apenas 4% no Sul, e as mesmas disparidades emergem quando são comparadas as infra-estruturas escolares física e pedagógica. 7-7. Nas áreas rurais do Sul, os indicadores de educação não são muito melhores em relação aos do Norte e Nordeste rurais, mas além disso o aproveitamento escolar no Sudeste rural não é muito diferente das zonas urbanas. Por exemplo, no Sul, não existe praticamente nenhuma diferença na taxa de repetência entre as escolas rurais e urbanas, e o mesmo ocorre em relação à infra-estrutura física dos estabelecimentos de ensino. Essa heterogeneidade regional levanta diversas questões importantes quanto à educação e ao seu papel no contexto da estratégia de combate à pobreza rural. Questões principais 7-8. Duas principais questões emergem desses dados sobre educação. A primeira se refere à maneira de fazer com que as crianças rurais sejam matriculadas, permaneçam na escola e melhorem seu desempenho escolar. Em segundo lugar, é necessário examinar com mais cuidado, ex post, as várias intervenções da educação que podem aprimorar as condições de vida. Igualmente importante é elevar o nível de escolarização das crianças do meio rural de modo a igualá -lo ao das áreas urbanas, pois a educação é um direito básico, não importa onde as crianças tenham nascido. 7-9. O Ministério da Educação tem enfatizado os programas universais que aumentam o número e a qualidade das escolas para todos. De acordo com essa abordagem, se os estabelecimentos de ensino rurais dispuserem dos mesmos recursos que os urbanos, os resultados de ambos serão os mesmos. Embora a perspectiva e os esforços do ministério para implantar padrões universais sejam expressivos e eficazes (como no caso do FUNDEF), ainda se deve questionar se a educação rural não deveria ser tratada de maneira especial. Existem muitos programas federais direcionados às escolas rurais, mas seu conjunto ainda não compreende uma estratégia educacional rural abrangente. 7-10. Em termos de estudos mais aprofundados, há necessidade de mais dados que esclareçam se a educação rural tem uma especificidade que a torna diferente da educação urbana em termos de qualidade. As conclusões por comparação sugerem que o perfil do ensino deve ser mais desagregado para que se possa interpretar os indicadores de educação em relação à estratégia de combate à pobreza. Em primeiro lugar, é preciso conhecer melhor as características familiares tanto das crianças matriculadas quanto das que estão fora da escola. Alguns exemplos dessas características são: renda, principal fonte de renda, número de irmãos e nível educacional dos pais –

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em particular da mãe. Em segundo lugar, faz-se necessário saber quais são os determinantes da freqüência e do desempenho escolar rural e urbano, ou seja, definir se essas 400.000 crianças no NE rural, que não estão matriculadas, provêem principalmente de famílias pobres que vivem da agricultura de semi-subsistência nas regiões áridas e semi-áridas do NE e têm problemas de acesso ou se estão apenas cansadas da repetência e, por isso, abandonaram a escola. No primeiro caso, não está claro se a oferta de serviços educacionais a esse grupo rural deveria ser tratada sob uma perspectiva diferente em comparação às áreas urbanas. Em que medida a ausência de matrícula escolar pode ser explicada pelos custos de oportunidade do trabalho infantil na lavoura? Em que dimensão esse problema se deve à falta de escolas? Em que medida isso ocorre simplesmente devido à baixa qualidade do ensino e às várias repetências? Se a resposta a esta última pergunta for positiva, por que essas diferenças existem e persistem? Existe algo caracterizado como “ruralidade”, que torna as escolas rurais essencialmente diferentes dos estabelecimentos de ensino urbanos, ou essas escolas são piores porque seus professores são menos qualificados e sua infra-estrutura é deficiente? Respostas elucidativas a essas questões facilitarão a busca do equilíbrio entre os programas voltados para a demanda, como o Bolsa Escola, os universais, como o FUNDEF, e os projetos específicos à educação rural, que visam pelo menos igualar o nível de ensino das áreas rurais às urbanas. 8. Nota sobre previdência e pobreza rurais 8-1. Desde 1991, há um aumento substancial na cobertura da previdência social para os trabalhadores rurais brasileiros. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu condições especiais de elegibilidade para os trabalhadores rurais do setor privado, mas essas novas condições não foram, no entanto, efetivamente postas em prática até 1991, quando o Congresso aprovou a regulamentação para implantá-las. Os benefícios previdenciários pagos às famílias rurais como renda de apoio, a título assistencial – para trabalhadores idosos, esposas e filhos sobreviventes de trabalhadores falecidos, bem como incapacitados temporários e permanentes – aumentaram de modo contínuo. Os principais benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) recebidos pelas famílias pobres em 1999 são: aposentadoria por idade (61%) e pensão por morte (25%). Os principais beneficiários rurais são normalmente famílias chefiadas por agricultores idosos ou por viúvas (as quais recebem o maior percentual de benefícios; ver também Beltrão et al, 1999).

8-2. Além da previdência contributiva (tempo de serviço e idade), o RGPS paga um benefício não contributivo de assistência social aos trabalhadores pobres, idosos ou incapacitados, sem registro em carteira de trabalho ou desconto previdenciário – mencionado por Packard (Volume II, Capítulo 8) como “amparo assistencial” (benefício de prestação continuada). Os trabalhadores rurais podem receber esse tipo de auxílio, cujo valor é o mesmo da aposentadoria por idade, a partir dos 70 anos ou em caso de incapacidade. Além disso, a aposentadoria por idade é paga no meio rural cinco anos antes do que nas áreas urbanas. Como afirma Packard, os parâmetros especiais do benefício e da elegibilidade desse programa para os trabalhadores rurais corrigem diversas tendências estruturais regressivas comuns, associadas aos esquemas de repartição simples. Por ser difícil verificar os históricos de ganhos e contribuições dos trabalhadores rurais e como muitos recebem quantias inferiores ao salário mínimo, os beneficiários da aposentadoria por idade recebem em média um “complemento” do RGPS aos seus benefícios. Os dados fornecidos por Packard mostram que a maioria dos beneficiados recebe uma quantia igual ao salário mínimo.

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8-3. Em seguida a essa expansão da cobertura previdenciária e ao aumento dos benefícios mínimos do RGPS nas áreas rurais, estudos recentes (Delgado et al. 1999; David et al, 1999) mostram que os benefícios: (a) constituem uma parcela crescente da renda total familiar, (b) têm contribuído para uma menor incidência de pobreza rural e (c) levaram a melhorias mensuráveis na qualidade de vida das famílias rurais contempladas. No entanto, embora a evidência mostre que o programa atual ajudou os pobres rurais, não há provas de que isso possa ser atribuído ao sucesso da previdência social não contributiva ou à expansão e maior generosidade dessa iniciativa para os trabalhadores rurais. 8-4. Uma característica relevante do RGPS é a combinação de facto dos sistemas de previdência e de assistência social para os idosos em um só regime. A única diferença estatutária entre os dois programas é que o primeiro é exclusivo – ou seja, necessita que os solicitantes contribuam para que tenham direito aos benefícios – enquanto o último está disponível para qualquer trabalhador que atinja a idade de 70 anos. Isso levanta a indagação sobre a permanência do esquema atual ou sua reestruturação em dois programas independentes, um com base nos descontos para a previdência sobre a folha de pagamento e outro financiado pelo orçamento geral do governo.

8-5. Por um lado, como o esquema atual está colocando o peso da redistribuição de renda para as famílias rurais apenas sobre os ombros dos trabalhadores e empregadores do setor privado urbano (principalmente à medida que as reformas distanciam o RGPS da redistribuição e o dirigem para a previdência pública, mais justa em termos atuariais), os formuladores de políticas públicas correm o risco de fornecer mais motivos para que os trabalhadores abandonem o sistema. Além disso, os atuais desequilíbrios atuariais e fiscais reforçam ainda mais o argumento da reestruturação ao questionar a sustentabilidade do atual esquema. Por outro lado, Packard é cuidadoso ao acrescentar que, sob o ponto de vista da política econômica, ao assegurar o recebimento de benefícios previdenciários, contributivos ou não contributivos, pelas famílias rurais no âmbito de um sistema que contempla um grande número de pobres e não-pobres, os formuladores de políticas públicas podem efetivamente isolar um programa crucial de combate à pobreza dos cortes orçamentários negligentes. 8-6. É possível aumentar o impacto atual sobre a pobreza e o bem-estar social se o programa de aposentadoria contributiva por idade for reestruturado como assistência social, dispondo de uma fonte de renda mais segura e ampla. Entretanto, como a incidência de previdência social contributiva e não contributiva não pode ser analisada atualmente de modo individual, são necessários mais dados e pesquisas para determinar se os ganhos de eficiência associados à reestruturação do atual programa seriam significativos. 9. Políticas públicas para redução da pobreza: uma análise seletiva 9-1. Com base no estudo de Von Amsberg (Volume II, Capítulo 9) , esta seção apresenta uma avaliação do gasto público social destinado ao combate à pobreza nas regiões rurais do Brasil. De modo geral, a análise enfoca a parte desse gasto recebida pela população situada no último quintil da despesa nacional. Esse enfoque se justifica porque as respectivas porções da população que estão nesse quintil e abaixo da linha de pobreza correspondem quase exatamente entre si. Por exemplo, as medidas preliminares de incidência de pobreza baseadas nos gastos levantados por Lanjouw (ver Volume II, Capítulo 7, Figura 1) estimam que 49% e 24,9% dos habitantes que vivem nas áreas rurais do Nordeste e do Sudeste, respectivamente, são pobres. A partir do trabalho de Von Amsberg

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(ver Volume II, Capítulo 9, Figura 1), observamos que os percentuais da população que se enquadram no último quintil da distribuição de despesas nacionais em cada região são 49% e 25%, respectivamente.39 9-2. A avaliação dos programas sociais baseia -se em dois critérios principais. Em primeiro lugar, a “taxa de cobertura” representa a parcela da população de um determinado quintil que recebe um serviço social específico. No contexto do último quintil, essa proporção pode ser considerada como a parte da população pobre que se beneficia de um determinado programa. Portanto, 1 (um) menos a taxa de cobertura poderia ser considerado o “erro de exclusão”: os pobres que não participam do programa. O segundo critério é chamado de “taxa de direcionamento”, definida como a parcela dos beneficiários de um determinado programa que se encaixam no último quintil (ou seja, a proporção de participantes pobres). Do mesmo modo, 1 (um) menos a taxa de direcionamento pode ser interpretado como “erro de inclusão”: as pessoas não-pobres que estão incluídas no programa. Esses critérios de avaliação são consistentes em termos de metodologia. Infelizmente, sob uma perspectiva empírica, algumas precauções analíticas devem ser levadas em conta nas estimativas dos resultados. 9-3. Em primeiro lugar, esses critérios têm como premissa a suposição de que toda a população no último quintil é constituída de “potenciais” destinatários do programa. É claro que este não é sempre o caso. Considere os potenciais beneficiários do seguro-desemprego ou do combate à seca. Obviamente, as pessoas pobres que estão empregadas ou não são agricultores não participariam desses programas. Sempre que possível, a população “potencialmente” beneficiada foi identificada (ver Volume II, Capítulo 9, Tabela 28 do Apêndice), mas essa informação não estava disponível para todos os programas considerados. Em segundo lugar, a análise pressupõe que a qualidade e o custo dos serviços prestados são os mesmos para todos os indivíduos e quintis. No entanto, os serviços oferecidos aos pobres são normalmente mais baratos e de menor qualidade. Na medida em que essa tendência é sistemática, o que vem a seguir deve ser interpretado como um limite inferior da incidência dos benefícios ou dos gastos destinados aos pobres. Além desses problemas, alguns dos dados de determinados programas não estavam disponíveis e ocasionalmente foram feitas suposições para que os programas pudessem ser comparados. Por conseguinte, a análise deve ser interpretada como experimental e preliminar. É necessário um trabalho mais aprofundado, na linha proposta por Von Amsberg, antes de se formular uma avaliação definitiva sobre a incidência e a eficácia dos gastos no setor rural brasileiro. 9-4. O capítulo apresenta uma avaliação comparativa preliminar da eficácia dos programas, com base nos dois critérios mencionados acima, e identifica as prioridades para o combate à pobreza rural. O estudo de Von Amsberg fornece uma visão geral detalhada dos principais gastos sociais relacionados à redução da pobreza rural e discute as características associadas a cada programa que complicaram a análise. Avaliação comparativa da eficácia dos programas 9-5. A Figura 1 compara graficamente os principais programas em três dimensões: cada bolha representa um programa de gasto social. O tamanho de cada bolha é proporcional à despesa anual por domicílio (anualizado no caso dos programas de investimento) e mostra a importância relativa 39 Essas taxas de incidência de pobreza se baseiam em uma linha de pobreza extrema (apenas para alimentos) de R$65 per capita, ao mês, segundo os preços nas áreas metropolitanas de São Paulo.

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do programa para os beneficiários. A posição horizontal da bolha mostra o nível de direcionamento do programa em relação ao último quintil; sua posição vertical representa o alcance (taxa de cobertura) do programa no último quintil. 40 À guisa de referência, o impacto do crescimento anual distributivamente neutro de 4% é mostrado no canto superior esquerdo. O direcionamento dos programas (previdência, serviços urbanos, ensino médio e crédito) situados no canto inferior esquerdo é deficiente e muitos pobres não são contemplados. Os programas situados no canto inferior direito são aqueles bem direcionados, mas que atingem uma pequena parcela dos pobres (reforma agrária). Os programas que estão próximos ao canto superior esquerdo são universais (saúde básica, educação e merenda escolar). O programa social “ideal” está no canto superior direito e é, ao mesmo tempo, bem direcionado e abrange um grande número de pessoas carentes. Os dois programas que se aplicam apenas ao Nordeste – combate à seca e os Projetos de Alívio da Pobreza Rural (PAPRs) – aproximam-se desse critério. Em uma certa medida, as posições do direcionamento e da cobertura desses dois programas em relação aos outros (que se destinam a todo o Brasil rural) são devidas ao número surpreendente de pobres nas áreas rurais do Nordeste.

9-6. De modo geral, o gasto social no Nordeste é muito progressivo comparado à despesa social total no meio rural brasileiro. Isso ocorre porque a taxa de pobreza é muito maior nas áreas rurais dessa região e, por essa razão, é necessário um esforço menos intenso de direcionamento para levar uma parcela maior de benefícios aos pobres.41 Por extensão, o gasto social total nas áreas rurais também provoca um efeito mais amplo de redução da pobreza do que a despesa social geral devido aos índices mais altos de pobreza nas zonas rurais do que nas urbanas. Esse fato sugere, de forma periférica, que um aumento no gasto social rural superior ao urbano teria um impacto mais expressivo na redução da pobreza. Além disso, levando-se em conta o índice mais elevado de carência nas áreas rurais, o custo-benefício do gasto social rural também é significativamente maior. De fato, o relatório de Von Amsberg mostra que alguns programas sociais (incluindo principalmente os de previdência rural não contributiva) não parecem passar no teste de custo-benefício em comparação com as transferências não direcionadas. 9-7. A Figura 1 sugere um intercâmbio entre cobertura e direcionamento para a pobreza. Quanto mais pobres forem abrangidos, mais difícil será controlar as perdas. Este é o desafio enfrentado quando se ampliam programas de desenvolvimento pequenos e bem direcionados. O desafio consiste em realocar os fundos dos programas com alcance e direcionamento inadequado para aqueles situados longe do canto superior esquerdo, ou replanejar os programas existentes de modo que se desloquem em direção ao canto superior direito, que representa o melhor direcionamento e maior alcance entre os pobres. Um segundo intercâmbio se refere ao custo e à cobertura do benefício. Os programas dispendiosos, como a reforma agrária, alcançam apenas um pequeno número de pessoas carentes, enquanto os mais baratos, como o PAPR, oferecem maior cobertura. 9-8. A Tabela 8 oferece outra perspectiva mediante a comparação do número de pobres que se beneficiariam com as alternativas de uso de R$1 milhão em diferentes programas sociais. Por exemplo, um formulador de políticas que dispõe de uma soma extra de R$1 milhão para programas

40 Os dados são fornecidos por Von Amsberg (Volume II, Capítulo 9) na Tabela 9.21; as suposições e as fontes utilizadas para calcular esses números estão resumidas na Tabela 9.28. 41 Desse modo, se para cada um dos programas as taxas de cobertura e direcionamento fossem desagregadas regionalmente, no Nordeste, programas idênticos seriam melhor orientados em comparação com o Sudeste (a cobertura e o direcionamento dos programas é afetado de modo crucial pela heterogeneidade geográfica nos índices de pobreza). Finalmente, observe que a linha de pobreza, na qual as estimativas de índice de pobreza se baseiam, também afeta o “desempenho” dos programas e que essa análise se fundamenta em uma linha de pobreza “extrema” (se a linha for elevada, as taxas de incidência de pobreza aumentarão e, portanto, será mais fácil atingir os pobres).

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sociais nas áreas rurais pode optar entre incluir mais 40 famílias (34 das quais são pobres) no programa de reforma agrária, oferecer merenda escolar a mais 25.000 crianças (10.250 das quais são pobres) durante um ano ou fornecer água encanada para mais 2000 famílias (300 das quais são pobres).

Figura 1. Cobertura e direcionamento de programas selecionados de gasto social rural

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 Taxa de direcionamento

Taxa

de

cobe

rtur

a

Reforma agrária PRONAF

PAPR

Saúde básica

Ensino fundamental

Previdência

Combate à seca

Água encanada Ensino médio

Economia geral

Merenda escolar

Eletricidade

Fonte: Von Amsberg (Volume II, Capítulo 9) 9-9. Esta análise é esclarecedora e permite a comparação quantitativa de uma ampla gama de programas sociais muito diversificados. No entanto, a estimativa anterior do custo-benefício dos diversos programas sociais rurais necessita de um grande número de suposições para preencher a falta de dados e tornar os programas comparáveis, e também as limitações precisam ser consideradas antes de se chegar a conclusões simplistas e prematuras sobre a política a partir desta avaliação, que serve como ponto de partida para outras análises mais aprofundadas.

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Tabela 8. Benefícios do gasto de R$1 milhão em diferentes programas

Benefício do gasto orçamentário de R$1 milhão

Total de beneficiários

Beneficiários pobres

Famílias no programa de reforma agrária 40 34 Famílias beneficiárias do PAPR 1429 1000 Trabalho temporário no combate à seca 1429 1071 Crianças no ensino fundamental 3175 1429 Crianças com merenda escolar 25000 10250 Famílias cobertas por saúde básica 3344 1037 Empréstimos do PRONAF 435 109 Domicílios com acesso à energia elétrica 1429 259 Adolescentes no ensino médio 3175 540 Domicílios com água encanada 2000 300 Beneficiários da previdência 583 76 Fonte: Von Amsberg (Volume II, Capítulo 9)

9-10. A análise classifica os programas por sua eficácia na transferência de recursos aos pobres. Obviamente, muitos dos programas avaliados incluem objetivos adicionais que necessitam de consideração mais abrangente.42 Muitos programas de investimento também visam o desenvolvimento, por isso a sua baixa eficiência em transferir recursos para os pobres não implica necessariamente em que sejam abandonados. No entanto, essas iniciativas não devem ser priorizadas quanto à redução da pobreza, nem se justificam nesse contexto. Os benefícios não monetários para os pobres, gerados por diversos programas, são difíceis de medir e a análise de custo-benefício pode subestimar benefícios de muitos programas. Por fim, o direcionamento se refere normalmente ao gasto médio em passado recente. Contudo, despesas novas e adicionais podem incidir de modo diferente. Por exemplo, o direcionamento dos investimentos em redes de esgoto, no passado, foi muito regressivo, em média. Não obstante, à medida que já foi ampliada a cobertura de rede de esgoto às pessoas em melhor situação, os novos investimentos poderão ser melhor direcionados aos pobres.

42 Por exemplo, os programas, como previdência social e seguro-desemprego, funcionam como seguro independentemente de seus objetivos sociais.

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