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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: Não Especificado - Assunto: Política - Página: A12 - Publicação: 26/01/20 URL Original: Com 'jeitão de pastor', Lula quer PT perto de evangélicos, mas pastores veem deslizes Com 'jeitão de pastor', Lula quer PT perto de evangélicos, mas pastores veem deslizes Partido quer reconquistar uma fatia do eleitorado que já lhe foi mais amigável em tempos de Planalto 26.jan.2020 às 2h00 Anna Virginia Balloussier RIO DE JANEIRO Nos 580 dias preso em Curitiba , Lula tinha na TV uma das poucas distrações e, bom, queria fugir da Globo. Em outros canais, pululavam programas de pastores e padres. Mais do que hobbie, viraram aprendizado. Entre evangélicos, seu PT, afinal, perdeu de lavada na eleição presidencial de 2018 —estima-se que no segundo turno tenha conquistado três de cada dez votos válidos nesse grupo. O ex-presidente compartilhou com amigos quão impressionado ficava com a prosa dos religiosos. Passou a achar que, assim como ele, militantes petistas deveriam assistir mais às pregações televisivas. Em vez de irem uma vez por mês às reuniões do partido com uma boa ideia, mais valia bater diariamente nessa mesma tecla de que é preciso criar elos com os evangélicos, dizia.

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Page 1: Com 'jeitão de pastor', Lula quer PT perto de evangélicos ...O pastor Silas Malafaia, por exemplo, destoou dos colegas que viam em sua versão de 1989 um belzebu comunista e o apoiou

SemOpção

Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: Não Especificado - Assunto:Política - Página: A12 - Publicação: 26/01/20URL Original:

Com 'jeitão de pastor', Lula quer PT perto deevangélicos, mas pastores veem deslizesCom ' jeitão de pastor', Lula quer PT perto deevangélicos, mas pastores veem deslizesPartido quer reconquistar uma fatia do eleitorado que já lhe foi maisamigável em tempos de Planalto26.jan.2020 às 2h00 Anna Virginia BalloussierRIO DE JANEIRONos 580 dias preso em Curitiba, Lula tinha na TV uma das poucas distrações e, bom, queria fugir da Globo. Em outros canais,pululavam programas de pastores e padres. Mais do que hobbie, viraram aprendizado.Entre evangélicos, seu PT, afinal, perdeu de lavada na eleição presidencial de 2018 —estima-se que no segundo turno tenhaconquistado três de cada dez votos válidos nesse grupo.O ex-presidente compartilhou com amigos quão impressionado ficava com a prosa dos religiosos. Passou a achar que, assimcomo ele, militantes petistas deveriam assistir mais às pregações televisivas. Em vez de irem uma vez por mês às reuniões dopartido com uma boa ideia, mais valia bater diariamente nessa mesma tecla de que é preciso criar elos com os evangélicos,dizia.

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Em 2007, o então presidente Lula e o bispo Edir Macedo, fundador da Universal e dono da TV Record, inauguram o canal denotícias Record News em São Paulo - Ricardo Nogueira/Presidência da República/DivulgaçãoNa semana passada, há dois meses fora da prisão, Lula voltou ao tema em entrevista à TVT (TV do Trabalhador). Rindo, disseque quer "entrar nessa" e até tem "jeitão de ser pastor, tô de cabelo branco". Também podia ser padre, "é só a Igreja [Católica]acabar com o celibato que eu topo". O bate-papo reverberou na legenda como um sinal para que ela se empenhasse em reconquistar uma fatia do eleitorado que jálhe foi mais amigável. A dúvida, entre evangélicos, inclusive aqueles à esquerda, é se o PT e a esquerda em geral incorrerão emerros passados ao acenar ao segmento."Quero até fazer discussão com eles. Quero mostrar quem foi o presidente que mais os tratou com respeito", afirmou Lula à TVT,para seguir com uma alfinetada em Jair Bolsonaro: "Não esse negócio de me batizar, não, nunca neguei que sou católico". Já com a candidatura ao Planalto em mente, quatro anos atrás o atual presidente, também católico, foi batizado em águas deIsrael pelo líder do PSC, sua sigla à época.Na entrevista, Lula recordou ainda de um tio e um sobrinho que já foram aliados: "Pergunte para Edir Macedo, [Marcelo] Crivella,quem tratou eles melhor". E lembrou que o eleitorado que votou em peso em Bolsonaro já foi seu. Logo, não daria para "ficar quieto" diante das fake newsque contaminaram a base evangélica em 2018. "Aquela tal de mamadeira [com bicos em formato de pênis] que inventaram, enão vou citar o nome aqui porque acho grotesco, não pegaria em mim."

O então deputado federal Jair Bolsonaro é batizado nas águas do Rio Jordão, em Israel. As imagens do batismo de Bolsonadoforam publicadas nas redes sociais. Reproducao/www.ocorreiodedeus.com.br - Reproducao/www.ocorreiodedeus.com.brSe projeções indicam que evangélicos são hoje três de cada dez eleitores e podem ser maioria no Brasil em pouco mais de umadécada, o PT fica onde nessa história? Daí Lula orientar sua militância a tentar reverter a sangria eleitoral no nicho.O ex-presidente está certo quando diz que evangélicos já tiveram o PT em mais alta conta. O pastor Silas Malafaia, por exemplo, destoou dos colegas que viam em sua versão de 1989 um belzebu comunista e o apoiou.Em 2002, até em sua campanha eleitoral ele fez uma pontinha.O bispo Edir Macedo era um dos que o satanizou em sua estreia como presidenciável. O líder da Igreja Universal mudou de ideiae, em 2010, o jornal Folha Universal chegou a publicar uma reportagem para blindar Dilma Rousseff contra acusações de que elaseria uma "aborteira": "Boato do Mal".Caso similar ao da Assembleia de Deus, maior guarda-chuva evangélico do país. Algumas de suas aulas mais poderosas, como oMinistério Madureira, estiveram com Dilma antes e hoje são Bolsonaro desde criancinhas.

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A cena se repete com políticos do bloco da fé. A aliança com petistas atraía do ex-senador Magno Malta ao deputado MarcoFeliciano, agora entre os que mais torpedeiam a legenda.Pesquisas Datafolha mostram o apequenamento do PT nesse nicho religioso. Em 2006, às vésperas do segundo turno, 59% dosevangélicos declaravam estar com Lula, e o resto iria de Geraldo Alckmin (PSDB). A eleição de 2010 foi um marco na mudança dos humores do grupo, com o aborto sombreando a campanha de Dilma. Aindaassim, a maioria (51%) disse que votaria nela contra outro tucano, José Serra. Quatro anos depois, a dianteira petista já era. Dilma até ganhou, mas, a dias de votar, 53% dos evangélicos declararam preferirAécio Neves (PSDB). Em 2018, a queda foi feia: a intenção de votos válidos era de 69% para Bolsonaro.O PT já tem um núcleo evangélico desde os anos 1980, época em que eram tachados, também por causa da proximidade comcatólicos, de "igrejeiros", lembra a deputada Benedita da Silva (RJ). Ela, coordenadora nacional da célula evangélica do partido,e Rejane Dias (PI) são as únicas evangélicas entre os 53 petistas na Câmara.Está previsto para março o segundo encontro nacional do PT sobre o tema, além de ações em redes sociais. "Queremos debatero porquê desse afastamento", diz a presidente da legenda, deputada Gleisi Hoffmann (PR), que aponta evangélicos comograndes beneficiários de programas de DNA lulista, como o Bolsa Família. Ela só não vê como reconstruir algumas pontes implodidas. Papo com Malafaia, Edir Macedo? "Sobretudo depois do queaconteceu e 2018 e até antes, no golpe de 2016 [impeachment de Dilma], de como trataram a gente, acho muito difícil umareaproximação." Para Benedita, nem é tanto "questão de se reconectar". "Você sabe que a igreja é também um poder e se articular com qualquerque seja o governo. Já estiveram com Dilma, Temer, Lula, FHC, Sarney… 'Hay poder, no soy contra'." Há dentro do PT quem diga que o esforço para dialogar com evangélicos, por ora, é mais espuma do que sustância. Tambémreconhecem, nos bastidores, que pastores alinhados são de menor porte, têm influência limitada.Mas a esperança é achar arestas num meio religioso tão pulverizado, com milhares de igrejas independentes —não existe essaque um Edir Macedo da vida manda em tudo, como pode parecer para quem vê de fora, dizem. Lula é carregado nos ombros por militantes até a porta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, apósterminar seu discurso Eduardo Knapp - 9.nov.2019/FolhapressDaniel Elias, líder de uma pequena Assembleia de Deus em Duque de Caxias (RJ), ficou encarregado de encontrar fiéis no Riodispostos a vir para o lado petista da força. "Só quem é evangélico entende que a palavra do pastor é muito grande. Tem muito evangélico que não gosta do Bolsonaro eestá silenciado. Só que, se você for contra pastor, acabou sua vida lá no templo."A ideia é "armar esses crentes com argumentos" para não caírem na lábia do pastor que diz que "cristão genuíno não vota emesquerda". "Importante que esse debate seja feito de evangélico pra evangélico", afirma Daniel. "O camarada não consideramuito a palavra de fora. Quem falou que Bolsonaro é enviado a Deus foram pastores. Quem rebatia isso não era de dentro."Há exemplos práticos de como comprar essa briga. Se o evangélico for contra casamento homoafetivo, diga "simples, entãovocê não casa". Da mesma forma que a maior parcela evangélica não bebe cerveja, mas não faz lobby para proibir o álcool, dizDaniel.O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) participa de culto na Igreja Batista Atitude ao lado da esposa, Michelle Bolsonaro, no Riode Janeiro, em novembro de 2018 Fernando Frazão/Agência BrasilChamar atenção para comportamentos anticristão também vale, como o apoio bolsonarista a armas e a apropriação de falanazista pelo ex-secretário da Cultura Roberto Alvim. "Cara, nem evangélico [Bolsonaro] é. Na minha visão de crente, quando olho profecia bíblica, ele tem características deanticristo: camarada levantado dentro da igreja, apoiado por cristãos."Coordenadora da progressista Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Nilza Valéria Zacarias acha que boa parte daesquerda é preconceituosa e "não entende como legítima a fé do outro". Isso atrapalha."É muito comum pensarem que essa escolha de fé é de quem não tem alternativa, que a miséria empurra a pessoa pra esselugar. Coloca o outro sempre no lugar suspeito, de quem não tem autonomia."E há deslizes na guerra de narrativas, segundo Nilza. Quando Lula clama para si um "jeitão de pastor", a fala "ecoa bem praquem já tá no mesmo campo", diz. "Mas o antipetismo faz com que essa frase soe desrespeitosa para outros tantos."Vira inclusive munição contra petistas. Portais como o Gospel Prime destacaram que, nessa entrevista, o ex-presidente pode atédizer que seu governo foi uma maravilha para evangélicos, mas "ignorando as ideologias contrárias ao cristianismo defendidaspelo PT". Nilza estava num encontro em 2018 entre Fernando Haddad, então presidenciável do PT, e pastores. Dele também participou apastora luterana Lusmarina Garcia, que não enxerga grandes problemas na abordagem do partido com evangélicos.Na eleição, pesou mais "o ideário cristão baseado na figura do salvador, e já temos uma coincidência infeliz", afirma, lembrandoo nome do meio de Jair Messias Bolsonaro. "As mentiras foram construídas sob medida, criando a sensação de que o país precisava de um salvador. O povo já tinhaexperimentado Lula na Presidência e apreciado. Na ausência dele, parte dos votos evangélicos migrou para Bolsonaro." Benedita reconhece ainda que "essas coisas de costumes contaram", e o PT acabou reduzido, aos olhos de muitos, a agendasprogressistas que causam arrepios na base crente, como os banheiros femininos liberados para transgêneros.

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Vale martelar que o partido acolhe vozes divergentes como a dela própria, diz a deputada. Exemplo: a cartilha da esquerdadefende a legalização das drogas?"Nem me fale! Pode me chamar de careta, mas tenho trauma de drogas. Vivi 57 anos em favela, pelo amor de Deus, começacom cigarrinho e daqui a pouco a pessoa vai embora."

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