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Claude Piron Resumo Este artigo analisa as respostas dadas a perguntas sobre o esperanto por linguistas do "Ask-A-Linguist" ["pergunte a um linguista"], serviço do fórum «The Linguist List» para o grande público. Estas respostas têm diversos aspectos em comum: - nunca se referem à língua como é utilizada na prática, - comportam uma grave ignorância acerca dos traços linguísticos do esperanto e das pessoas que o utilizam, - ignoram a relação existente entre estruturas linguísticas e facilidade de uso, - não comparam nunca o esperanto, na sua função de intermediário entre falantes de línguas diferentes, com as outras opções (nomeadamente o inglês), - apresentam como incontestáveis, conclusões teóricas que a investigação no terreno revela inexatas. Após dar alguns exemplos de situações nas quais o esperanto é utilizado no dia a dia, o autor aborda resumidamente a questão de saber se o esperanto é uma língua ou um código. A maior parte do resto do artigo é consagrada a exemplos que demonstram o caráter não realista das afirmações peremptórias formuladas nas respostas. Termina por uma análise dos processos mentais que subjazem a esta defasagem entre afirmações categóricas e realidade, e sugere que a simples menção da palavra “esperanto” ativa um complexo que inibe o funcionamento mental normal. Oito linguistas respondem a perguntas sobre o esperanto Quem se interroga sobre línguas e domina o inglês pode dirigir-se ao "Ask-A- Linguist" (http://linguistlist.org/ask-ling/index.html), serviço oferecido por The Linguist List, fórum de discussão na Rede para linguistas profissionais (http://linguistlist.org). Trata- se, como proclama a página de acolhimento, num estilo bem americano, da "maior fonte de informação linguística do mundo". Pode-se ler que "Ask-A-Linguist quer ser o lugar onde qualquer pessoa interessada por línguas ou pela linguística pode fazer uma pergunta e receber uma resposta, dada por linguistas profissionais". Projeto ou realidade? Língua ou código? É interessante ver como estes profissionais respondem às perguntas sobre o esperanto. Quem conhece efetivamente esta língua e os seus falantes imediatamente se angustia por ver que nunca estas respostas mencionam a língua tal como é aplicada na prática. No entanto, o esperanto é objeto de um uso intensivo numa rede mundial de pessoas que o utilizam em viagem, quando visitam alguém, por correspondência, em trocas pela Internet (o programa Skype torna-se popular neste meio), lendo e escrevendo livros, ouvindo programas radiofônicos (a Rádio Pequim e a Rádio Varsóvia emitem diariamente em esperanto, a Rádio Vaticano e diversos outros emissores várias vezes por semana) e em inúmeras outras ocasiões. As motivações que conduzem a estudar esperanto são diversas e complexas: interesse por ambientes interculturais, desejo de participar numa ação política

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Artigo em defesa do Esperanto.

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Page 1: Com Ignorancia Mas Autoconfiantes

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Resumo

Este artigo analisa as respostas dadas a perguntas sobre o esperanto por linguistas do "Ask-A-Linguist" ["pergunte a um linguista"], serviço do fórum «The Linguist List» para o grande público. Estas respostas têm diversos aspectos em comum: - nunca se referem à língua como é utilizada na prática, - comportam uma grave ignorância acerca dos traços linguísticos do esperanto e das pessoas que o utilizam, - ignoram a relação existente entre estruturas linguísticas e facilidade de uso, - não comparam nunca o esperanto, na sua função de intermediário entre falantes de línguas diferentes, com as outras opções (nomeadamente o inglês), - apresentam como incontestáveis, conclusões teóricas que a investigação no terreno revela inexatas. Após dar alguns exemplos de situações nas quais o esperanto é utilizado no dia a dia, o autor aborda resumidamente a questão de saber se o esperanto é uma língua ou um código. A maior parte do resto do artigo é consagrada a exemplos que demonstram o caráter não realista das afirmações peremptórias formuladas nas respostas. Termina por uma análise dos processos mentais que subjazem a esta defasagem entre afirmações categóricas e realidade, e sugere que a simples menção da palavra “esperanto” ativa um complexo que inibe o funcionamento mental normal.

Oito linguistas respondem a perguntas sobre o esperanto

Quem se interroga sobre línguas e domina o inglês pode dirigir-se ao "Ask-A-Linguist" (http://linguistlist.org/ask-ling/index.html), serviço oferecido por The Linguist List, fórum de discussão na Rede para linguistas profissionais (http://linguistlist.org). Trata-se, como proclama a página de acolhimento, num estilo bem americano, da "maior fonte de informação linguística do mundo". Pode-se ler que "Ask-A-Linguist quer ser o lugar onde qualquer pessoa interessada por línguas ou pela linguística pode fazer uma pergunta e receber uma resposta, dada por linguistas profissionais".

Projeto ou realidade? Língua ou código?

É interessante ver como estes profissionais respondem às perguntas sobre o esperanto. Quem conhece efetivamente esta língua e os seus falantes imediatamente se angustia por ver que nunca estas respostas mencionam a língua tal como é aplicada na prática. No entanto, o esperanto é objeto de um uso intensivo numa rede mundial de pessoas que o utilizam em viagem, quando visitam alguém, por correspondência, em trocas pela Internet (o programa Skype torna-se popular neste meio), lendo e escrevendo livros, ouvindo programas radiofônicos (a Rádio Pequim e a Rádio Varsóvia emitem diariamente em esperanto, a Rádio Vaticano e diversos outros emissores várias vezes por semana) e em inúmeras outras ocasiões. As motivações que conduzem a estudar esperanto são diversas e complexas: interesse por ambientes interculturais, desejo de participar numa ação política

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de amplitude mundial que visa promover a justiça entre os povos, prazer de ter contatos no mundo inteiro para trocar ideias e experiências sem ser inibido por um problema de língua, etc. Mas independentemente da motivação inicial, os usuários do esperanto encontram-se e comunicam abundantemente. De fato, desde 1986, não se passou um só dia sem que o esperanto fosse, em algum lugar do mundo, a língua de um congresso, de um encontro ou de uma sessão.(1)

Para dar apenas uma ideia, eis alguns exemplos de atividades organizadas em Maio de 2006, quando da redação do presente artigo:

6-13 de Maio: Congresso da Federação internacional dos ferroviários esperantófonos, de Shanghai (China); 13: Dia portas abertas, Associação mundial de esperanto, Roterdam (Países Baixos); 14: Reunião regional da União internacional dos esperantófonos católicos, Poibyslav (República Checa); 13-17: Semana pós-congresso em Pequim (China) para os participantes no congresso mundial dos ferroviários; 17-20: Seminário sobre as aplicações do esperanto em ciência e tecnologia, Havana (Cuba); 19-21: Encontro internacional de Jovens esperantófonos, de Kostrena (Croácia); 20: Encontro da primavera da Federação de esperanto do noroeste, Preston (Inglaterra); 20-21: 18º encontro esperantófono do Estado de Rio de Janeiro, RJ (Brasil); 20-21: Excursão dos clubes de esperanto ao Monte Yatugatake (Japão); 20-22: Encontro turístico do Canadá central, Ottawa (Canadá); 22 de Maio - 1 de Junho: À descoberta dos Cárpatos meridionais: viagem guiada em esperanto através do Valachie e da Transilvânia (Romênia).

Poder-se-ia também citar os seminários onde jovens esperantófonos coreanos e japoneses exprimem o que pensam uns dos outros e confrontam o que lhes dizem as suas respectivas histórias nacionais, num quadro que conduz à descoberta da origem dos seus preconceitos e a compreender melhor o que se passou entre os dois países.(2) Estes encontros, que exigem um controle real do instrumento linguístico, nomeadamente para a expressão espontânea dos afetos, a este nível social e nesta região do mundo não poderiam ter lugar numa outra língua que não o esperanto.

Todo aquele que participa de tais atividades dá-se imediatamente conta de que o esperanto não tem nada de uma abstração ou de um projeto. É uma verdadeira língua, da mesma maneira que qualquer outra língua adotada para tais contatos. É uma língua aplicada praticamente em todos os domínios: as pessoas servem-se dela para convencer um adversário político, para trocar receitas, para discutir filosofia ou religião, para comparar as condições sociais, para dar explicações técnicas, para exprimir o seu amor, para encontrar um parceiro comercial, para assegurar uma expressão poética para os seus sentimentos, ou para dar a conhecer as suas canções a outros povos (o esperanto é provavelmente a língua na qual se traduzem mais canções). É inteiramente uma língua.

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Certos linguistas contestam este fato. Numa mensagem, um especialista de “Ask-A-Linguist" diz: "o esperanto não é uma língua, é um código". Evidentemente, tudo depende da definição que se dá de língua. Se nos ativermos à definição de Martinet, o esperanto é inegavelmente uma língua, dado que responde ao critério da dupla articulação, mas outras definições foram sem dúvida propostas e adotadas pelos linguistas. É difícil, contudo, ver um código, e não uma língua, quando se considera a seguinte quadra, de Henri Vatré:

Nu, Ariadna, �u la modomastron ni fadenfine pinglos en Panamo? Siren-logite li �us el Havano edzecon fu�is kiel fidel-kastron. (3)

Dar todas as explicações necessárias para fazer compreender o contexto desta quadra cheia de alusões tomaria muito tempo. Digamos resumidamente que se trata de um poeta esperantista do Panamá, que trabalhou no mundo da alta costura, e cujo endereço se revela muito difícil de descobrir. Eis uma tradução aproximativa desta quadra:

Bem, Ariane, será que nós vamos enfim [literalmente: na extremidade do fio] fixar o mestre da moda com alfinetes ao Panamá? Atraído por sirenes, acaba de deixar Havana, fugindo ao casamento [literalmente: ao estatuto de marido] como a uma espécie de castração que é a fidelidade.

[Atente-se que em esperanto, fidel-kastro quer dizer "a castração que é a fidelidade” ou “a fidelidade sentida como uma castração”].

Um código permite tais jogos de palavras, tais alusões? Um código tem conotações? É usado por uma coletividade planetária de falantes com sentido do humor e uma herança cultural bastante rica para compreender tal quadra? O leitor que julgue.

Traços comuns à maior parte das respostas de «Ask A Linguist»

Qualquer pessoa familiarizada com o mundo do esperanto não pode deixar de assinalar, nas respostas dos linguistas analisadas aqui, diversas características:

1. Nunca situam o esperanto no âmbito do problema geral da comunicação em escala mundial. Dito de outra maneira, não têm em conta o fato de que o esperanto é uma solução proposta para um problema real que tem consequências importantes para uma fração considerável da humanidade.

2. Manifestam uma ignorância quase total do que o é esperanto, quer no aspecto linguístico quer sociológico. 3. Falha-lhes completamente a perspectiva histórica. 4. As suas asserções são meramente teóricas: simples deduções não verificadas na vida real.

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5. Evitam sempre verificar na prática como é que o esperanto funciona em comparação com os sistemas que se propõe substituir. 6. Situam-se num eixo "superior-inferior": usam com frequência um tom paternalista, condescendente ou judicioso, e dão conselhos.

Estes traços comuns – nomeadamente os pontos 2, 4 e 6 – suscitam particular espanto quando se os relaciona à pergunta que desencadeou a maior parte das respostas. O enunciado desta pergunta continha a frase seguinte: “viajei por numerosos países como a Hungria, a Finlândia, a Dinamarca, a Rússia, a Islândia, e por toda parte as minhas estadas foram muito agradáveis graças às pessoas que falam esperanto”. Incluía também o parecer de esperantófonos japoneses. Não é esquisito que estes especialistas, que, obviamente, não têm a mínima experiência do mundo do esperanto – várias respostas levam a pensar que até ignoram a sua existência – não hesitam em pronunciar-se sobre a língua e relevar o que consideram como os seus defeitos anulatórios, sem se darem conta de que a pessoa a quem respondem conhece o assunto por dentro e poderia ensinar-lhes muito sobre o assunto?

Retomemos estes pontos um a um.

1. Ausência de contexto geral.

Com a globalização e o desenvolvimento geral das relações internacionais, as situações onde pessoas de origens diferentes são chamadas a comunicar são cada vez mais frequentes. Para tanto, utilizam diversos meios, desde os gestos que acompanham uma vaga algaravia até o inglês aperfeiçoado dos diplomados das business schools, passando pelo broken English, pela interpretação simultânea e pelo esperanto. Este é, por conseguinte, um meio entre outros para superar a barreira das línguas. Criticá-lo sem nunca se referir ao problema geral é tão absurdo como criticar um medicamento considerando-o exclusivamente em si mesmo, sem tomar em consideração a doença para a qual foi inventado, e sem o comparar com os outros tratamentos prescritos no mesmo caso.

Os partidários do esperanto partem da constatação de que a ausência de um meio cômodo e democrático para comunicar através das barreiras linguísticas cria sérias dificuldades em todas as espécies de situações, tão numerosas que seria impossível listá-las. Pense-se nos equívocos que ocorrem durante uma viagem num país cuja língua se ignora; nas dificuldades que encontram os dirigentes de pequenas e médias empresas, quando negociam com parceiros de um país remoto; nos problemas que um contramestre enfrenta para se fazer compreender com o seu trabalhador estrangeiro; na tensão que experimenta um delegado numa assembleia internacional obrigado a se exprimir numa língua que não é a sua, etc.

Enervamentos, frustrações, sofrimentos, injustiças devidas à impossibilidade de exprimir claramente o que se quereria, aparecem constantemente. E podem conduzir a situações trágicas, como a daquele africano que, em Genebra, subscreveu na polícia uma falsa declaração que o implicava num roubo que não cometeu, porque compreendeu mal o texto em francês que lhe apresentaram, ou o falecimento, na Alemanha, de muitos doentes turcos após terem sido submetidos a transplantes porque não compreenderam as instruções

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dadas pelo pessoal de enfermagem à saída do hospital. Se se acrescentar a estas dificuldades concretas ou psicológicas o enorme investimento em tempo e em energia nervosa feito na aprendizagem do inglês por milhões e milhões de jovens em todo o mundo, durante anos e anos, para resultados pouco satisfatórios(4), bem como as somas aberrantes que a tradução e a interpretação absorvem nas instituições interestatais, congressos profissionais e operações comerciais, forçoso é concluir que a barreira das línguas é, para a sociedade, algo mais do que uma simples futilidade.

Ora, se objetivamente compararmos os diferentes sistemas atualmente aplicados para superá-los, apercebemo-nos de que o menos dispendioso é também o que apresenta o melhor rendimento do esforço investido: o esperanto(5), (6). Um economista, a mando do Governo francês, o prof. François Grin, concluiu das suas investigações que se a Europa adotasse o esperanto, economizaria 25 bilhões de euros por ano(7).

Não é curioso que nenhuma das respostas dadas no âmbito do "Ask-A-Linguist" considere o esperanto neste contexto, que é corretamente o seu?

Dão a impressão de que tudo vai bem no melhor dos mundos da comunicação internacional e que a busca de um meio para melhorar a situação é uma insensatez. Dão igualmente a entender que agir em favor do esperanto é algo desligado da realidade política, econômica, social e cultural do nosso planeta, que não pode servir a ninguém e que os que se comprometem com isso se situam fora do mundo real.

A mensagem subjacente a estas respostas é: não há qualquer problema de comunicação no mundo, ou, se há algo semelhante está resolvido pelo inglês. Quão injusta e aberrante pode ser a solução “inglês” para 95% da população mundial cuja língua materna é outra, nunca é tomado em consideração.

Injusto.

O inglês é uma língua muito difícil. No início, parece simples, porque não há muitas formas gramaticais a memorizar. Mas quanto mais se progride, mais se dá conta de que esta facilidade inicial é falaciosa, até terminar por se tomar consciência da impossibilidade de chegar a um controle perfeito da língua, que permitiria sentir-se em pé de igualdade com as pessoas de língua inglesa. “So much that is being said is correct, so little is right” (“formam muitas frases corretas, mas poucas soam ajustadas”), diz o escritor George Steiner a respeito de estudantes estrangeiros que supostamente teriam atingido em inglês um nível operacional(8). Com efeito, um controle comparável ao de um anglófono de nascimento apenas pode ser atingido se se viver longamente num ambiente onde todos falam inglês. As pessoas de língua germânica atingem mais frequentemente um melhor controle do que os outros, porque o inglês pertence à mesma família da sua língua materna, mas a diferença em relação aos “nativos” não é menos considerável nelas. Devido a esta dificuldade, qualquer relação entre um anglófono e um falante de uma outra língua é falseada: um é superior, outro é inferior, o primeiro tem um controle absoluto do instrumento linguístico, o segundo está menos bem armado para defender o seu ponto de vista.

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A injustiça situa-se igualmente num outro nível, o do tempo que os não anglófonos devem consagrar ao estudo da língua; enquanto que esta perda de tempo e este esforço considerável – é necessário em média entre 4000 e 8000 horas de estudo para chegar a um bom nível operacional – são totalmente poupados às pessoas de língua inglesa, que adquiriram a sua língua sem nada fazer para além de viver com a sua família e frequentar a escola da sua região. A observação seguinte, resposta de um cientista coreano, Kim Hiongun, a um inquérito da BBC, sublinha efetivamente a importância deste esforço: “A Coreia investe enormes somas no ensino do inglês. Se eu tivesse podido dispor do meu tempo a meu modo, teria podido obter cinco doutoramentos com os anos que tive de consagrar ao estudo desta língua”. Os britânicos, os estadunidenses, os australianos e outros nativos de língua inglesa podem investir este tempo e esta energia no seu aperfeiçoamento profissional ou em lazeres; o resto do mundo é privado desta possibilidade. É justo?

Absurdo.

A grande dificuldade do inglês causa uma multidão de incoerências que em nada contribuem para a intercomunicação. Na maioria das línguas que se escrevem com um alfabeto, é suficiente conhecer algumas regras de ortografia para poder escrever corretamente uma palavra que se sabe pronunciar. Em inglês, a ortografia não tem nada de fácil, e é necessário aprender a pronúncia de cada palavra, nomeadamente o lugar do acento. A letra «a» não se pronuncia da mesma maneira nas palavras nation e national, nem o «i» em wild e wilderness, embora, nos dois casos, a segunda derive da primeira. O grupo «ict» pronuncia-se de uma maneira (/ikt/) em depict, de outra (/ait/) em indict. Se a maior parte dos Ocidentais não anglófonos pronuncia mal sweatshirt e Reagan, é porque nada permite adivinhar como as letras «ea» se pronunciam. Memorizar a pronúncia e a ortografia de cada nova palavra aprendida representa para qualquer aluno de inglês um gasto de energia considerável. A palavra “absurdo” para qualificar esta defasagem entre escrita e pronúncia, justifica-se pela sua ausência na maior parte das línguas e pelo fato de isso se refletir negativamente na comunicação.

Esta aberração é apenas uma entre dezenas de milhares. A regra quer que se forme o plural de um substantivo acrescentando-lhe um «s». Mas a palavra woman (mulher), faz o plural, na escrita women (o «e» substituiu o «a»), e oralmente /wim'n/ (o som «u» escrito «o» dá lugar ao som «i», também escrito «o»). Ou consideremos a negação. Na quase totalidade das línguas mundiais a negação segue um modelo regular, válido para todos os verbos. Em português, se se sabe dizer «eu não sei», pode-se aplicar a mesma estrutura aos outros verbos e dizer «eu não tenho», «eu não posso», «eu não sou». Em inglês, o modelo de I do not know «eu não sei» não é aplicável a vários verbos. Deve-se dizer I am not «eu não sou», não I do not be. Além disso, a ortografia é aberrante aqui também. Se se trata de dever, escrevo a forma negativa por três palavras: I must not, mas se se trata de poder, por duas: I cannot. Quanto à negação dos adjetivos e dos substantivos, faz-se na maior parte das línguas por um prefixo que permanece sempre igual, como in- em português, un- em alemão, ne- em russo, bu- em chinês, etc. Em inglês, é às vezes in- (injustice, invisíble), às vezes un- (unjust, unpleasant). Recorde-se que se «incapaz» se diz unable, «incapacidade» diz-se inability, enquanto que no caso que unpleasant «desagradável», o prefixo un- não se torna in- quando se passa do adjetivo ao substantivo – diz-se unpleasantness – o que exige ao cérebro uma gasto de energia que lhe é poupado em quase todas as outras línguas.

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Outro aspecto do inglês que se acrescenta ainda ao esforço para dominar a língua é o seu imenso léxico. Por um lado, contém um número de sinônimos que a maior parte das línguas ignora sem problemas. Não se domina o inglês se se ignora que «ler» se diz não apenas read(9), mas também peruse, que ao lado de inevitable «inevitável» há unavoidable, e ao lado de menace «ameaçar», threat. Por outro lado, não há frequentemente nenhuma relação formal entre uma palavra e o que, na imensa maioria das outras línguas, é um derivado: comparem o inglês tooth/dentist ao português dente/dentista, ao alemão Zahn/Zahnarzt, ao árabe asnân/tubîb al-asnân, ao persa dandan/dandansaz, ao japonês há/haisha, ao chinês ya/yayi, ao malaio gigi/doktor gigi. Comparem arma/desarmamento (alemão: Waffe/Entwaffnung; russo: oružie/razoruženie) com o inglês weapon/disarmament. Não há nenhuma relação formal entre year e annual, city e urban, moon e lunar (comparem com o esperanto: jaro/jara, urbo/urba, luno/luna). Memorizar todas estas incoerências representa um esforço de tal modo desencorajante que o aluno não pode impedir-se de comparar com a sua própria língua; apercebe-se então de que, para uma língua desempenhar o seu papel de assegurar uma boa intercompreensão, tais absurdos não são necessários. Além disso, complicam o trabalho da memória. A inserção destas incoerências no cérebro exige a instauração de reflexos condicionados. Ora, estes não demoram a esfumar-se se deixarem de ser reforçados diariamente: é suficiente um ano ou dois fora de um meio anglófono para que as formas sem relação com a memória se dissolvam, e que uma boa parte do acervo linguístico se perca, o que impede de falar correntemente.

Quando se tenta convencer as pessoas da vantagem da racionalização nas empresas, é verdadeiramente uma extravagância escolher para comunicar, entre todas as línguas existentes, uma língua em que a relação entre esforço e eficácia é tão desfavorável!

Em nenhum momento, os linguistas de "Ask-a-Linguist" tratam deste aspecto da pergunta, como se não houvesse nenhuma relação entre regularidade e fluidez, entre coerência e maleabilidade. Ninguém ousaria pretender que todos os sistemas numéricos se equivalem. A superior eficácia dos números indo-árabes, em relação à numeração romana, é reconhecida por todos, e ninguém nega que isso tem origem na sua concepção. Mas não parece vir ao espírito dos nossos linguistas que uma língua plena de incoerências, como o inglês, seja automaticamente menos eficiente do que uma língua essencialmente regular, como o esperanto. A maleabilidade de um instrumento ou de um "software" depende da sua composição. O mesmo é válido para uma língua. É estranho que estes linguistas aparentemente nunca pensem nisto.

2. Ignorância acerca do esperanto

2.1 Aspecto linguístico

O esperanto tem, como toda língua, o seu próprio gênio, a sua atmosfera, o seu espírito, que derivam de diversas características, das quais as principais são as seguintes:

a) invariabilidade absoluta dos morfemas, que podem se combinar sem limitação; b) possibilidade de usar qualquer conceito segundo qualquer função gramatical mediante uma marca precisa (vogal final);

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c) direito de generalizar qualquer estrutura linguística; d) liberdade de construção; e) possibilidade de formular o pensamento quer sob forma analítica (como em inglês) quer sob forma sintética (como no latim).

a) Em português, os morfemas que correspondem ao conceito "visão" apresentam-se sob formas diferentes: ve (ver, vê), vis (invisível, visual, visto), vej (veja), vi (vimos, viram). Em esperanto, permanece sempre vid, como se exemplifica pela tradução das palavras portuguesas acima: vidita, vidas, nevidebla, vida, vidos. É pela mesma razão que a sílaba mi "eu" permanece fiel a si mesma, em mia, miaj, mian, min, em contraste com o inglês, no qual I ("eu") adjetiva-se em my ("meu", "minha") e no acusativo me ("mim"). Esta invariabilidade de morfemas é um traço que o esperanto compartilha com o chinês.

b) Em muitas línguas, as palavras pertencem a uma categoria definida: verbo, substantivo, adjetivo, advérbio, etc. Em esperanto, em vez de categorias, há funções: cada radical pode funcionar como verbo, substantivo, adjetivo e advérbio: -i designa a função verbal-infinitiva, -o a função substantiva, -a tem a função adjetiva, -e a função adverbial. Com efeito, a função adjetiva corresponde frequentemente ao que se chama “genitivo” noutras línguas, e a função adverbial aos “complementos circunstanciais”. Quem aprendeu o morfema vid não tem de sobrecarregar a memória, para poder exprimir a ideia vidi `ver', vido `visão', vida `visual´, vide `visualmente´. De igual modo, o morfema ebl dá lugar a ebli `ser possível', eblo `possibilidade', ebla `possível', eble `possivelmente'. A combinação de ambos dá: videbli `ser visível', `poder ser visto', videblo `visibilidade', videbla `visível', videble `visivelmente'.

c) Quem aprendeu que `ele não vê ' se diz li ne vidas, sabe seguramente que `ele não é' seguirá o mesmo modelo: li ne estas. Quando se apercebem que podem formar a palavra senvidulo (sen `sem', vid `vista', `visão', ulo `indivíduo') que é sinônima de blindulo `privado de visão', `cego', sabem que poderão inserir na estrutura sen-ulo qualquer raiz: sen-religi-ulo `pessoa que não tem religião', sen-mon-ulo `pessoa que não tem dinheiro', sen-pov-ulo `pessoa que não tem nenhum poder'.

d) A ordem das palavras é muito livre em esperanto. `Ele observa-me' pode dizer-se li rigardas min tal como li min rigardas; e `um olhar irônico´ pode ser dito ironia rigardo ou rigardo ironia. Mas a forma como o complemento se une ao verbo é ainda muito mais livre do que nas línguas ocidentais. Se se pode dizer li rigardas min, pode-se também dizer li rigardas al mi.

e) Resulta dos aspectos supracitados que o esperanto oferece a quem quer exprimir uma determinada ideia, um leque de escolhas claramente mais lato do que a maior parte das línguas. Para exprimir a ideia de `ele toca guitarra com entusiasmo´ pode dizer-se, em modo analítico, li ludas gitaron kun entuziasmo, mas também, em modo sintético, li entuziasme gitaras. Do mesmo modo, `traduzir em francês' pode dizer-se traduki en la francan lingvon, traduki francen ou muito simplesmente francigi.

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Em nenhum das suas respostas, os linguistas do `Ask-A-Linguist' têm em conta estas características do esperanto, as quais ignoram ou sobre as quais pouco sabem. Elas têm, no entanto, consequências de uma importância capital.

2.2 Aspecto neuropsicológico: relação entre a estrutura por um lado e a fluência e a facilidade por outro

O professor e investigador de psicologia Jean Piaget designou de «assimilação generalizadora» a inclinação natural do cérebro humano para generalizar um esquema de ação anteriormente assimilado a toda a situação comparável. É por isso que não é difícil conduzir um Toyota se se já é capaz de conduzir um Ford, e se aprende mais rapidamente a tocar órgão se já se sabe tocar piano(10). Esta tendência generalizadora tem um grande papel na aquisição duma língua. Ela facilmente se evidencia nas crianças e nas pessoas que tentam expressar-se numa língua estrangeira. Na maior parte das línguas, para falar segundo a norma deve-se recalcar as formas a que conduz a assimilação generalizadora, que instala no cérebro reflexos de primeiro grau. Em francês, para usar as formas adequadas vous dites (vós dizeis) e des chevaux (cavalos) é preciso recalcar as formas que aparecem espontaneamente: vous disez e des cheval. O mesmo acontece no inglês: para dizer feet (pés) e he came (ele veio) é preciso recalcar foots e he comed. Um pouco de álcool ou uma forte emoção facilmente podem fazer regressar as formas inadequadas da caverna em que estavam recalcadas: o recalque nunca é total. As irregularidades das línguas contrariam o movimento natural do fluxo nervoso. De fato, eles só se tornam automáticos apenas quando são repetidos quotidianamente durante muito tempo. Quando falamos a nossa língua materna (exceto se se trata duma língua perfeitamente regular, como a chinesa) nós somos acrobatas, que fazem movimentos antinaturais com a maior das facilidades porque são repetidos dia após dia, tornam-se quase uma segunda natureza em nós. Mas uma criança que começa a falar ou um estudante que começa a estudar uma língua estrangeira estão ainda longe deste nível de aquisição: muito frequentemente caem nas armadilhas que são as irregularidades.

O esperanto, exatamente porque não contém armadilhas, aprende-se mais rapidamente e manobra-se mais facilmente do que qualquer língua ocidental. A tendência para generalizar aspectos linguísticos assimilados é nele totalmente respeitada. Não apenas se adquire a gramática em pouco tempo, como ainda, por causa da sua perfeita regularidade, o vocabulário se adquire com facilidade. Perguntem a um francófono como se chama na língua dele o filho do camelo. O mais provável é que diga que ignora (a palavra é chamelon); coloquem a mesma pergunta a uma criança com poucos meses de esperanto, e ele de imediato responderá, quase reflexamente: kamelido. Ele aprendeu katido (filhote do gato), kaprido (cabrito), bovido (bezerro, vitelo), etc., e ele sabe que pode generalizar este esquema à generalidade dos animais.

De modo semelhante, a passagem de um verbo a um substantivo é, em esperanto, duma total coerência. O português, em comparação com o esperanto, é, neste aspecto, uma língua difícil. Pode-se conhecer o verbo «amar» (esp. ami), que isso não permite saber o substantivo respectivo «amor» (amo), e não é possível deduzir «queda» (falo) de «cair» (fali). É preciso aprender as duas palavras separadamente. O inglês não é menos incoerente, mas esconde melhor o seu jogo ao iniciante. Quando se aprende he loves/ his love (ele ama/

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o seu amor), he falls/ his fall (ele cai/ a sua queda), corre-se o risco de imaginar que é tudo muito simples. Mas é uma ilusão, porque não nos é permitido generalizar e dizer he lives/ his live (ele vive/ a sua vida), he sells/ his sell (ele vende/ a sua venda), he suggests/ his suggest (ele sugere/ a sua sugestão). É preciso aprender em separado: life (vida), sale (venda), suggestion (sugestão). Em esperanto, não há lugar a hesitações: li amas/ lia amo, li falas/ lia falo, li vivas/ lia vivo, li vendas/ lia vendo, li sugestas/ lia sugesto.

O que é um ganho para a memória, quando se aprende, representa uma enorme economia de energia nervosa, quando se aplica. Falar fluentemente é falar reflexamente. Se se tem de vasculhar a memória, a cada momento, para encontrar uma palavra ou uma regra gramatical, não conseguimos expressar-nos com fluência. Uma língua que não exige um segundo nível de reflexos, os quais se introduzem no sistema nervoso para inibir reflexos de primeiro nível, possibilita falar muito mais confortável e facilmente do que outra que não tem essa vantagem. É o caso do esperanto.

2.3 Aspecto social

Nenhum dos linguistas que respondem a perguntas sobre o Esperanto tem provavelmente consciência de que a maior parte dos que aprenderam esta língua são movidos pelo desejo de fazer progredir a justiça entre os povos e fazer crescer as oportunidades de bem estar social para os mais desfavorecidos do nosso planeta. É claro que estes linguistas não têm nenhuma ideia da história político-social do esperanto, das suas ligações com os movimentos sindicais e de libertação, nem das perseguições que os seus usuários sofreram da maior parte dos ditadores.

Uma das respostas dadas considera que o esperanto não pode funcionar como língua mundial porque, segundo o respondente, é indo-europeu e por isso associado nas cabeças das pessoas ao colonialismo e imperialismo ocidentais. O rápido progresso do esperanto na África subsaariana e o seu sucesso em países como a Coreia, Japão, Vietnam, China ou Irã demonstram que tal crítica não tem qualquer consistência. Nada permite afirmar que haja no espírito das pessoas uma correlação entre características linguísticas e posição política. Para além disso, como se viu acima, as características do esperanto tornam-na estruturalmente uma língua não indo-europeia. O seu aspecto europeu está limitado ao vocabulário. O acervo de palavras da língua crioula haitiana é mais ocidental do que o esperanto. Acaso os haitiano têm, por via disso, o sentimento de se terem aliado ao imperialismo? Formular a pergunta é perceber o seu absurdo.

Além disso, as pessoas que começam a aprender esperanto sabem ou em breve apercebem-se de que esta língua nasceu num país dominado, ocupado por um vizinho imperialista e que, em toda a sua história, foi aliada dos pequenos, dos fracos, dos explorados.

Finalmente, tal reparo aparece desde logo altamente suspeito, porque nada é proposto para resolver os problemas da comunicação internacional, exceto o inglês. Só alguém totalmente ingênuo e desligado das realidades mundiais pode imaginar que o inglês está livre de conotações imperialistas e coloniais.

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3. A importância da perspectiva histórica.

As respostas destes linguistas contêm juízos sobre o passado e o futuro que são mais categóricos do que a objetividade permite:

- “A verdadeira razão pela qual o esperanto não se divulgou muito reside no seu artificialismo”

- “Não progrediu porque nunca esteve ligado a um importante movimento político”

- “A língua materna influenciará a língua internacional e esta desfar-se-á em dialetos, como aconteceu com o latim que originou as línguas latinas que não são mutuamente inteligíveis (...). Impedir uma língua de evoluir é tão difícil como reagrupar gatos que se dispersaram.”

3.1 O ritmo da história

Estas frases consideram o esperanto como um fato da história passada ou condenado a um futuro fiasco, não como uma realidade atual em desenvolvimento. É verdade que ninguém pode garantir que o esperanto ainda existirá daqui a cinquenta anos, mas também ninguém pode assegurar com perfeita segurança que o esperanto fracassou, que teve a sua oportunidade perdida ou que já atingiu o nível máximo da sua divulgação. A hipótese de que o progresso do esperanto segue o ritmo lento dos fenômenos culturais e político-sociais é, pelo menos, tão provável como as afirmações citadas, as quais também são meras hipóteses, embora os seus proponentes as apresentem como fatos seguros.

Se se comparar a divulgação do esperanto com a da numeração indo-árabe, com a abolição da escravatura ou com a afirmação das mulheres na vida política e econômica, constata-se que a história progride muito lentamente, em ordem ao progresso, nas áreas em que se deve substituir uma velha mentalidade por uma nova. Novas propostas por uma maior justiça sempre suscitam resistência. Elas vão contra os interesses de grupos poderosos que reagem fortemente para conservarem os seus privilégios. A humanidade também resiste, provavelmente pelo medo de ter de se adaptar, de ter de mudar de costumes profundamente enraizados para novidades não técnicas, não materiais, que são simples, práticas, que facilitam a vida quotidiana e são fruto da criatividade humana. Desenvolvem-se, pois, lentamente.

Um exemplo típico é o sistema métrico. Gilbert Mouton propô-lo em 1647. Em 1767, cento e vinte anos depois da sua publicação, não era usado em lado nenhum e apenas alguns exóticos tinham conhecimento dele. Em comparação, o sucesso do esperanto é bem mais assinalável, se se considerar que hoje (2006), menos de cento e vinte anos após o seu aparecimento na cena mundial, encontram-se pessoas que o praticam em inúmeras cidades de mais de cem países e também em grande número de locais isolados. Se assim é, impõe-se a pergunta: não estaremos no estágio em que a curva exponencial ainda é lisa? Responder negativamente, como fazem os nossos linguistas, não é científico. Também o não seria fazê-lo afirmativamente. A História ensina-nos que é demasiado cedo para sabê-lo.

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3.2 - Artificialidade

O linguista que atribui a divulgação limitada do esperanto ao fato de que é, segundo ele, artificial não esclarece a relação de causa entre as duas constatações. Os números árabes, com o seu zero, ou o sistema métrico, cuja bela coerência faz recordar a formação do vocabulário do esperanto, não são menos artificiais. Como o esperanto, eles são fruto da criatividade humana. De resto, o que é que significa artificial, quando aplicado a uma língua? Para uma criança francesa é mais natural dizer plus bon, vous disez, des cheval, do que usar as formas corretas meilleur, vous dites e des chevaux.

De igual modo, um garoto anglófono dirá foots, it´s mines, he falled, e não usará de começo os oficiais feet, it´s mine, he fell. As formas concordantes com a norma oficial só se fixam no cérebro após grande pressão do meio, portanto através dum condicionamento imposto do exterior: em ninguém, tais formas se produzem naturalmente. O autor deste artigo teve oportunidade de observar a fala de uma criança bilíngue de cinco anos, esperanto - francês. O seu esperanto era perfeito, mas o seu francês ainda estava longe da norma. Deste fato não é viável deduzir que o esperanto é mais natural do que outras línguas?

3.2 - A evolução futura

Ninguém pode dizer o que acontecerá amanhã. Talvez que após x décadas ou séculos o esperanto se dialetize. Mas isso não está assegurado. O exemplo do latim não é pertinente. Durante séculos, o latim permaneceu uma língua única, embora usada num vastíssimo território, que se estendia da Inglaterra à Ásia Ocidental. O que causa a divisão de uma língua em dialetos, mutuamente incompreensíveis, não é a distância nem o tempo, mas a ausência de comunicação. O latim transformou-se em línguas latinas apenas quando a administração romana desapareceu e as comunidades de língua latina se isolaram. De resto, o desaparecimento do latim ocorreu apenas em nível popular, não da elite cultural, que continuou a praticar um latim unitário, em alguns aspectos diferente do clássico, mas possibilitador de uma perfeita intercompreensão de um extremo a outro da Europa. No século XIII, um universitário de Colônia, Praga ou Cambridge ensinava em Paris e isso não causava qualquer problema. Como quer que seja, quando as relações entre falantes se intensificam, quando viajam entre si, veem os mesmos espetáculos, leem as mesmas revistas, as línguas aproximam-se. A língua francesa exemplifica isso: as diferenças entre a língua falada na França, na Bélgica, no Canadá e na Suíça são menores hoje do que foram há um século atrás.

Uma investigação diacrônica sobre o esperanto confirma o mesmo fenômeno. De começo, não era difícil adivinhar a língua materna de um autor. Não mais hoje em dia. A língua unifica-se. A comunicação por mensagens eletrônicas, que tem grande sucesso no mundo do esperanto, exerce um efeito unificador. A mesma evolução ocorre com a pronúncia. Nos anos cinquenta do século passado, os programas de rádio em língua esperanto caracterizavam-se por uma pronúncia nacional muito marcada. Hoje, a maioria dos jovens franceses que falam esperanto pronunciam os «r» linguais e acentuam a penúltima sílaba adequadamente, o que era raro há apenas vinte anos. Não mais se ouvem os suecos pronunciarem o -e final “shwa”(9) – isto é, uma vogal obscura, indefinida, incolor

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– como fazia o locutor da rádio sueca nos anos cinquenta (o que, de resto, de modo nenhum impedia uma perfeita compreensão). A vontade de mútuo entendimento engendra mecanismos linguísticos que permitem evitar equívocos. Este fato é claramente perceptível a quem investigar documentalmente a evolução do esperanto(10).

A história do esperanto prova que uma língua convencional pode evoluir sem perder nada da sua unidade: basta que a vontade de mútua compreensão seja suficientemente forte, para que a evolução se desenrole do mesmo modo em todo o lado, ou para que evoluções divergentes não se fixem, pelo simples fato de que a comunidade as sente, mesmo que inconscientemente, como dissonantes do espírito da língua.

4. Deduções não verificadas

As respostas que se podem ler no “Ask-A-Linguist” estão cheias de asserções não verificadas, por exemplo:

- “O esperanto não é mais fácil, para um não europeu, do que qualquer língua europeia”.

- “O esperanto não é uma língua viva porque não tem uma comunidade de falantes”.

- “Falta-lhe a riqueza e a capacidade vibratória de uma língua viva”. - “O seu vocabulário é monótono porque toda uma família de palavras deriva

do mesmo radical”. - “Aprender esperanto é uma completa perda de tempo”. - “Porque não há falantes nativos, cada um pronuncia seguindo a estrutura

fonética da sua língua materna e isso torna difícil a compreensão”.

Cada uma destas afirmações é uma conclusão teórica que não foi submetida à prova do real. Estes linguistas exprimem-se como se estas conclusões fossem evidentes por si mesmas. Basta, porém, observar no terreno como as coisas se passam para constatar que nenhum deles tem razão.

a) “O esperanto não é mais fácil, para um não europeu, do que qualquer língua europeia”.

Afirmar isto mostra que se não tem consciência do que torna uma língua fácil ou difícil. Na Suíça, os estudantes italófonos escrevem sem erros após o primeiro ano da escola básica, enquanto os jovens francófonos ainda não o fazem aos 12 e 13 anos. Por quê? Porque a escrita italiana é simples e coerente, em contraste com a francesa na qual não há uma ligação regular entre a pronúncia e a escrita. Quanto menos detalhes tenham que ser memorizados, tanto mais rapidamente se progride. O esperanto adquire-se mais rapidamente do que qualquer língua europeia, seja qual for a língua materna do aprendiz, simplesmente porque é coerente. Um artigo em francês, com título “Asie: anglais ou esperanto – quelques témoignages” (Ásia: inglês ou esperanto – alguns testemunhos) (http://claudepiron.free.fr/articlesenfrancais/easie.htm) contém duas dezenas de testemunhos de asiáticos que aprenderam inglês e esperanto e comparam ambas as línguas do ponto de vista da facilidade. Apenas quem não se submeteu à verificação pode afirmar

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que as duas línguas apresentam igual grau de dificuldade. Sim, o esperanto pode ser três ou quatro vezes mais difícil para um chinês do que para um francês, mas isso não exclui o fato de que para ele o esperanto seja trinta vezes mais fácil do que o inglês, língua com um imenso vocabulário, em cuja gramática, ortografia e léxico abundam as incoerências.

b) “O esperanto não é uma língua viva porque não tem uma comunidade de falantes.”

Quais são os critérios que permitem definir a vitalidade de uma língua? Este ponto é tratado nas páginas 201-204 de “O Desafio das Línguas”(11), bem como a sua aplicação ao caso especial do esperanto. Eis uma citação:

“Na Suíça, ninguém duvida que o romanche, quarta língua nacional, falada em vários vales dos Grisons, é uma língua viva. Mas em relação à vitalidade do esperanto, aquela é uma língua que vegeta apenas. O esperanto é mais falado que o romanche, produz mais livros, mais canções, é mais utilizado em transmissões radiofônicas, serve constantemente a sessões de todo o tipo, e sobretudo, a vontade de fazê-lo viver no seio da comunidade que o emprega é infinitamente maior que a vontade da população romanche, sobretudo da geração jovem, de manter a língua viva. Todos os esperantófonos são bilíngües, mas também todos os romanches, assim como todos os bretões que falam bretão. Além disso, o esperanto responde aos critérios de uma língua porque ele evolui. Isso nada tem de assombroso, posto que ele é utilizado. O uso transforma sempre uma língua, a não ser que pressões conservadoras extremamente potentes se exerçam sobre ela artificialmente, do exterior. Nessa evolução do esperanto três forças estão em ação: a influência recíproca das diversas culturas, a necessidade da adaptação a um mundo que evolui rápido, e o desenvolvimento de um potencial latente na língua mas que não foi explorado no começo porque os hábitos das línguas nacionais eram fortes demais. As pessoas que aprenderam o esperanto o aprenderam para se comunicar com pessoas de todos os países. Há então constantes interações entre formas muito diversas de pensar, de sentir, de se exprimir. As referências culturais são igualmente muito diferentes. Tudo isso cria um movimento ininterrupto de ações e de reações que faz do esperanto uma realidade tão viva quanto o francês do tempo de Rabelais”.

A dúvida sobre a existência de uma comunidade de falantes, apenas pode tê-la quem não procura documentar-se. O leitor que deseje certificar-se encontrará a confirmação dessa existência através da internet. É também recomendável o artigo de Richard E. Wood “A voluntary non-ethic, non-territorial speech community”(12).

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c) “Falta-lhe a riqueza e a capacidade vibratória de uma língua viva”.

Uma simples análise de textos literários publicados em esperanto basta para mostrar a falta de base de tal crítica. O esperanto é uma língua rica porque nada limita a criatividade linguística do falante ou do escrevente. Consideremos as frases seguintes, retiradas dum romance de um esperantófono bengali(13):

�u kun la alilo�igo oni alipsiki�as?(14) (cap. 4, p.6) “Será que com a translocação alteramos também o psiquismo (a personalidade)?”

�i sen�vitigadis la frunton per la rando de sia sario. (cap. 5, p. 5) “Ela limpava o suor do rosto com a borda do seu sari”.

La subita ekkolero iom malordas �in, belen (cap. 6, p. 2) “A súbita encolerização desordenou-lhe a postura, tornando-a bela”.

�i iel senpeze lan�as la vortojn el malanta� la dentoj - kaj ili disvojas nebulen (cap. 6, p. 5) “Com ligeireza ela lança as palavras por detrás dos dentes - e elas dispersam-se como um nevoeiro”.

Se bati la propran edzinon kaj devigi servon estis la fe�dismo, �u batminace perterori la servon de aliulaj edzinoj do nomi�u la socialismo? (cap. 5, p.89) “Se bater na própria esposa e obrigá-la a servir era o feudalismo, será que o socialismo é forçar, sob ameaça física, as esposas dos outros a servir?”.

Como fazer sentir ao leitor que não compreende esperanto, a natureza evocadora das palavras não traduzíveis, usadas nestas frases? Não é apenas impossível traduzi-las exatamente, como até mesmo é difícil tornar compreensível o sentido – evidente para quem aprendeu esperanto. Na primeira citação, ali-lo�-i�-o (translocação) analisa-se como ali (outro), lo� (habitar), i� (tornar-se), -o (indicativo de que o conceito é usado substantivamente). A palavra alipsiki�i (alterar o psiquismo) de igual modo se analisa: ali-psik-i�-i (o -i final indica que se trata de verbo no infinitivo); alipsiki�o significa “o fato de mudar de psiquismo”, “mudança de um psiquismo a outro”. A impressão que a palavra faz, a sua “vibrancy”, para citar a expressão do linguista, a sua capacidade de fazer vibrar, isso é o que não pode sentir o leitor que não domina a língua. A palavra ecoa de um modo totalmente diferente, no espírito do leitor, daquele que uma tradução literal provocaria, como �an�i la psikon (mudar de psiquismo), transiri al alia psiko ou transiri alipsiken (transmutar para outro psiquismo).

Na segunda citação, sen-�vit-ig-ad-is analisa-se como sen (sem), �vit (transpirar), ig (tornar), ad (sufixo de continuidade), -is (passado do verbo). A tradução ao pé da letra seria: repetidamente ela torna (o seu rosto) livre de suor.

Uma palavra como sen�vitigadis pode parecer longa e bárbara aos não iniciados. De fato a experiência prova que é preciso pouca prática para que o olho e o cérebro se

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acostumem a perceber as peças com as quais se constrói tal palavra e fazerem automaticamente a síntese que liberta o significado. De resto, sen�vetigi (limpar o suor) pertence a uma bem conhecida série em que se encontram, por exemplo, senarbigi (desarborizar), senvestigi (desnudar), sen�uigi (descalçar), senkulpigi (desculpar), senheredigi (deserdar), etc.

Quem domina as duas línguas e compara de cada vez a frase e a sua tradução sente, de imediato, que o português não consegue dar a impressão, o sentimento, o eco das palavras em esperanto. Será que isso quer dizer que o português é uma língua pobre? De modo nenhum, o que isso quer dizer é que a sua riqueza é diferente da do esperanto. A dificuldade de exprimir aqueles conceitos em português ou em inglês demonstra que não há objetividade quando se censura o esperanto por falta de riqueza ou capacidade de fazer vibrar.

d) “O seu vocabulário é monótono, porque toda uma família de palavras deriva do mesmo radical.”

Em que se baseia o autor de tal asserção para ser tão afirmativo? Certamente não na exploração de textos e conversas gravadas, como deveria fazer um linguista. Se o fato de muitas palavras derivarem de apenas um radical fosse fonte de monotonia, o árabe e o hebreu seriam duas línguas fortemente monótonas. A última edição do dicionário unilíngue de esperanto, o Plena Ilustrita Vortaro (Paris: SAT, 2002) contém 16780 radicais, o dicionário de árabe-francês de Daniel Reig (Paris: Larousse, 1999), considerado um dicionário completo, contém apenas 6089. Toda a Bíblia em hebreu está escrita com 2055 radicais. Apenas uma pessoa que não está familiarizada com ela a pode considerar monótona, mas essa falta de familiaridade desqualifica-a imediatamente. De resto, o latim atingiu o seu nível cultural superior, no tempo de Cícero, quando o seu vocabulário se limitava a 2500 palavras.

O esperanto não é monótono, porque é uma língua em que abundam os sinônimos. Um linguista que queira explorar este aspecto da língua, rapidamente se convencerá disso se atentar tão simplesmente em como a expressão “traduzido por” se desdobra nos textos publicados. A variedade é maior do que em qualquer outra língua. Claro que se encontra tradukita de, mas com muita frequência palavras como elangligis (traduziu do inglês) seguido do nome do autor, ou esperantigis (traduziu para esperanto), etc. De resto, é possível substituir o verbo traduki por translingvigi (passar de uma língua a outra) ou alilingvigi (tornar numa outra língua).

No romance em língua esperanto, o vocabulário é ainda menos monótono, porque o autor explora as inúmeras modulações pelas quais é possível variar um radical. O fato de que para dizer “sem chama” se possa escolher entre sen flamo, sen flami, senflama e senflame já possibilita evitar a monotonia ao nível da sonoridade. Além disso, a palavra “queimar” tem mais sinônimos em esperanto do que em diversas outras línguas, se considerarmos que para além de bruli, se pode dizer flami e fajri ( > fajr´ fogo).

Muitos outros aspectos do esperanto tornam-no uma língua particularmente agradável para o escritor que abomine a monotonia. Citemos apenas três:

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1) o morfema «ul», frequentemente usado como sufixo, permite designar uma personagem por um traço característico: pipulo “homem com cachimbo”, kisemulo “indivíduo que constantemente quer beijar”, zigzagnazulo “homem com nariz em zigzague”;

2) o morfema «em» que indica tendência, inclinação, desejo: li rigardas vin foteme “ele olha-te como se desejasse fotografar-te”;

3) particípios ativos e passivos, do presente, passado e futuro, frequentemente usados como substantivos: la sekvoto “aquele que se seguirá”, la celato “aquele que é visado”, la minacinto “aquele que ameaçou”; ou com função adverbial: ridinte “após ter rido”, batote “sentindo que alguém quer bater-lhe”.

A monotonia que o linguista atribui ao esperanto é uma dedução feita de uma premissa cuja multiplicidade de aspectos ele não imaginava e que não verificou, antes de falar com o tom autoritário de uma suposta competência. Ele caiu na mesma armadilha dos seus colegas, noutros aspectos.

e) “Aprender esperanto é uma perfeita perda de tempo”.

O linguista que assim avalia o esperanto tem, com certeza, o direito de ter e exprimir a sua opinião. Que será válida para ele, mas que ignora o fato de que há pessoas cujos gostos e necessidades, em diversos campos, serão mais bem satisfeitos pela aprendizagem do esperanto do que por qualquer outra língua. Além de que este juízo drástico não considera as muitas vantagens que resultam do conhecimento do esperanto, nem o significado do empenho político-social que induz a participar em ações empreendidas para divulgá-lo. Igualmente ignora o interesse propedêutico do esperanto para o posterior estudo de outras línguas.

A comunidade esperantista é suficientemente vasta e está suficientemente espalhada pelo mundo para que possa ser útil, em todo o gênero de circunstâncias, estabelecer contatos, sem se deparar com o problema da língua, com habitantes locais, neste ou naquele país. Também é fator importante e fonte de grande satisfação poder trocar ideias sem barreiras linguísticas e sem se sentir estrangeiro. O esperanto coloca a troca de ideias num ambiente muito diferente daquele que cria qualquer outra língua usada como intermediária entre diferentes falantes. Finalmente a literatura original em esperanto não é menos interessante do que a de qualquer outra língua no primeiro século da sua existência como língua escrita, e a literatura traduzida deve também ser tomada em consideração porque o esperanto é a língua mais bem adaptada às necessidades da tradução, como mostra a comparação entre diferentes versões desta ou daquela obra(15).

f) “Porque não há falantes nativos, cada um pronuncia seguindo a estrutura fonética da sua língua materna e isso torna difícil a compreensão”.

É verdade que muitos falantes de esperanto pronunciam à maneira fonética da sua língua materna. Contudo também existe um grande número que fala sem sotaque particular. Como quer que seja, o importante é que essas diferenças não impedem uma fácil comunicação. Isto é um dos pontos pelos quais, na prática, o esperanto se mostra muito superior ao inglês.

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Se observarmos o esperanto falado durante reuniões ou em conversas circunstanciais, nota-se que as pronúncias regionais não têm importância de modo algum. São simples variações no modo de falar que invocam origens identificáveis, sem atrapalhar a compreensão. O supra citado linguista critica o esperanto dizendo que alguns pronunciarão /k/, /p/ e /t/ com uma pequena aspiração (sopro audível) antes da vogal seguinte, como no alemão ou no inglês, enquanto outros falam sem isso, como no francês e no italiano. Efetivamente, se se escutar o programa de esperanto da rádio China apercebemo-nos dessa aspiração que não se ouve na rádio Vaticano. Mas não é citável nem um caso em que tal diferença influencie a compreensão. Todos os que usam o esperanto acostumam-se a essas pequenas diferenças.

Quem observa uma conversa num grupo internacional rapidamente constata que a compreensão é muitíssimo melhor em esperanto do que em inglês. Tal superioridade advém, entre outras:

- do pequeno número de fonemas vocálicos, cada um dos quais tem uma larga gama de concretizações possíveis (cinco vogais claras em contraste com as vinte e quatro do inglês, se avaliarmos pelo alfabeto fonético internacional; distinguir entre socks e sucks, sucks e sacks, sacks e sex, sex e six, six e seeks é uma séria dificuldade para a maior parte dos terrestres);

- do lugar invariável da acentuação;

- do comprimento médio ligeiramente maior das palavras, que permite ao cérebro uma melhor oportunidade de bem analisar o enunciado (a estrutura da língua compensa este maior comprimento: compare-se as palavras inglesas sistem, systematic, systmatically, com as em esperanto sistemo, sistema , sisteme, ou translated into english com angligis);

- o fato de que em esperanto quase todas as palavras, em qualquer frase, terminam por vogal, semi-vogal, s ou n, o que torna a pronúncia significativamente mais fácil para a maioria das pessoas, enquanto os grupos de consoantes, frequentes no final das palavras inglesas – como rst, rd, cts, ndz, pt – impõem movimentos de pronúncia que muitos não anglófonos, principalmente não europeus, apenas com muito esforço conseguem pronunciar.

A lógica é algo de bom, mas não pode substituir o controle pela realidade. Deduzir de premissas não provadas que o esperanto apresenta tais e tais desvantagens, nunca as testando para saber se a realidade confirma a conclusão, é um modo de proceder que não tem nada de comum com a ciência linguística. É lamentável que, certamente com intenção totalmente honesta, os nossos linguistas o adotem com uma tão singela unanimidade.

5. Ausência de comparação

As únicas comparações apresentadas pelos linguistas inquiridos relacionam-se com os traços linguísticos, nunca com a língua enquanto ponte intercultural. Eles negligenciam, pois, um aspecto importante, nomeadamente, que o esperanto tem uma função precisa: possibilitar a pessoas de origens diversas a compreensão recíproca. Avaliá-lo sem

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considerar esta função tem o mesmo sentido de avaliar uma ferramenta sem atentar no uso para o qual foi fabricado.

Como já foi dito, nesta função o esperanto é um meio entre vários, tal como o broken English, a interpretação simultânea e outros meios usados entre pessoas de origens diferentes para comunicar. Estes meios não são equivalentes quanto ao investimento em tempo, dinheiro, equipamento, pessoal ou energia nervosa, nem quanto ao rendimento desse investimento, que pode ir do quase nulo (linguagem gestual) ao quase perfeito (bom inglês). Nunca os nossos linguistas comparam o esperanto, em situações reais, a estes outros meios de comunicação intercultural. Falam como se bastasse atribuir à língua uma série de falhas e defeitos para que a questão esteja resolvida. Mas depois de rejeitarem o esperanto nada propõem, para além do inglês, sem comentar o fato de que este contém, ainda em mais alto grau, a maioria dos defeitos atribuídos ao esperanto. Admitamos que o esperanto não é a língua mundial ideal pelo fato de que cada um a fala com a sua pronúncia local ou nacional. Mas então o inglês? Quando é usado como intermediário não o afetam também os hábitos fonatórios das línguas maternas? E não é um fato objetivo que as confusões fonéticas são mais frequentes com o inglês do que com o esperanto? Uma simples análise comparativa dos traços fonéticos de ambas e das muitas línguas faladas no nosso planeta é suficiente para mostrar que o esperanto, do ponto de vista fonético, tem mais de comum com a maioria das línguas do que o inglês. Que sentido tem rejeitar uma opção se, cuidadosamente, se evita propor uma equivalente, ou algo melhor?

5.2 - Ausência de comparação de aspectos pertinentes

A inclinação, já por diversas vezes assinalada, de ignorar quão importante é sustentar razões em comparações, reencontra-se algumas vezes em relação a traços linguísticos isolados. Por exemplo, um dos linguistas considera o esperanto rejeitável porque, segundo ele, as pessoas, seguindo o exemplo da sua língua materna, pronunciarão indistintamente as vogais como «shwa»(16) – vogais que perdem a sua pronunciação clara quando o sistema regular de derivação faz sair o acento tônico para a sílaba posterior. É estranho que tal senhor não repare que o mesmo fenômeno ocorre em inglês, em que a transição de economy a economic ou de product a production faz perder ao primeiro «o», na segunda palavra de ambos os pares, o som claro que tem na primeira. Se isso não torna o inglês inadequado para funcionar como língua internacional, por que é que o mesmo fenômeno deveria ter um efeito negativo no esperanto? Uma vez mais não verificou a sua afirmação. O investigador que observa o esperanto tal como se fala, constata efetivamente que britânicos, portugueses e búlgaros, substituem, com frequência, vogais claras por «shwas». Mas ele ou ela também constata que, na prática, isso não impede de modo nenhum uma perfeita compreensão.

O erro principal deste linguista é que generaliza para o universo planetário um caso que afinal é relativamente raro no panorama das línguas. O fenômeno «shwa» – mudança de natureza de uma vogal por perda de acento – observa-se em inglês, mas não em alemão ou holandês; em português, mas não em espanhol, em italiano, em francês, em romeno; no russo, mas não no checo, no polaco, ou no servo-croata. Ele está ausente em tantas línguas – japonês, chinês, indonésio, hebreu, persa, swahili, lakota, húngaro, finlandês, etc. – que

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não seria possível listá-las todas. A maioria das línguas não manifesta este fenômeno. Será que uma língua com vocação mundial não seguirá o melhor sistema que é o da maioria?

6. Tendência para relacionar como «superior-inferior»

6.1 - Conselhos

É normal que um professor, consultado por um estudante ou um leigo, assuma o tom de autoridade que lhe confere a sua competência; ele é o especialista. Infelizmente, entre os linguistas aqui considerados falta competência em relação ao esperanto. Apenas um entre eles aprendeu a língua, mas não participou em atividades que lhe possibilitariam falar com plena consciência sobre a funcionalidade prática da língua. Para alguém familiarizado com o mundo do esperanto é chocante constatar que estes especialistas em línguas, mas não especializados na língua de Zamenhof, dão com frequência conselhos. Por exemplo: “Diga ao seu amigo japonês para esquecer o esperanto e aprender de preferência inglês, francês ou chinês”. É lamentável que deem tais conselhos pessoas que nada sabem sobre as vantagens práticas do domínio do esperanto e que tenham apenas uma ideia imprecisa acerca das suas características. Eles exercem sobre os que perguntam uma pressão que não é muito democrática. Se alguém se sente obrigado a aconselhar alguma coisa, seria preferível dizer: “Saiba que pelo fato de ser linguista não se é necessariamente competente em relação ao esperanto. Eu aconselho-o/a a investigar o assunto. Pela internet não deve ser muito difícil.”

Uma colega destes retoma o mesmo refrão: “O que é que pretende quando considera a ideia de começar a aprender uma língua estrangeira? (...) Se é viajar, aprenda uma língua da região para onde pretende ir. Se lhe agrada a sonoridade de uma língua, eleja-a. Se deseja ler literatura no original, estude a língua dos seus autores preferidos.” Esta pessoa parece não conceber que se deseje viajar por todo o mundo e em todo o lado contatar os habitantes locais sem problemas linguísticos, como, por exemplo, é possível graças à rede mundial de alojamento em casa de esperantófonos(17). Como parece também não conceber que os sons da língua de Zamenhof possam ser aliciantes. Ou que seja possível gostar de literaturas muito diferentes e desejar ler obras de países diferentes em traduções feitas por conterrâneos do autor numa língua mais bem adaptada do que a maioria para a exigência de uma tradução literária. Esta incapacidade de uma intelectual imaginar os motivos frequentes pelos quais as pessoas aprendem esperanto é muito estranha, não é?

6.2 - Tom

Algumas respostas caracterizam-se por um tom paternalista, condescendente, frequentemente irônico ou sarcástico, sem que nada o justifique.

Que sentido tem falar sobre “grandes padres e evangelistas do movimento esperantista” (“High Priests and Evangelists of the Esperanto Movement”)? De quem se trata? Sim, existe entre os usuários do esperanto pessoas com um comportamento bizarro ou fanático, como se encontra em todos os grupos humanos. Provavelmente o referido linguista encontrou tal tipo de pessoas. Mas isso lhe dá o direito de considerá-los a expressão típica de todos os que usam a língua? O sociólogo Peter G. Foster concluiu da

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sua investigação sobre os esperantistas britânicos(18) que eles eram em todos os aspectos semelhantes aos demais britânicos, exceto em dois aspectos: os que votam trabalhista e os vegetarianos são um pouco mais numerosos.

O mundo esperanto é muito diversificado e o ambiente de um país não permite generalizar para todo o planeta. No Brasil, por exemplo, muitos esperantistas pertencem ao espiritismo (ou inversamente: talvez os espíritas, muito numerosos neste país, tenham mais inclinação para aprenderem esperanto do que outros brasileiros), mas o Brasil representa, neste aspecto, um caso único no mundo. Considerá-lo típico do movimento esperantista seria um erro imenso. A comunidade esperantista conta doze prêmios Nobel. O autor da citação anterior não encontrará nos textos deles, nem um só que lhe permita classificá-los entre os “grandes padres e evangelistas” do esperanto. É fácil usar tais expressões que insinuam mais do que dizem. É mais difícil torná-las críveis por documentos ou testemunhos.

De resto, não há nenhuma relação entre uma escolha ideológica e a capacidade de uma língua facilitar a comunicação entre falantes de línguas diferentes. Como qualquer coletivo linguístico, a população anglófona é marcada por uma série de traços que a diferenciam de todos os outros. Ninguém concluiu daí que isso impediria o inglês de ser eficaz como língua internacional. A frase citada apenas exprime um desprezo, que nada justifica.

Em relação ao linguista que proclama “Eu não escondo o desprezo que sinto por estes loucos(19) cujos filhos têm o esperanto como primeira língua. Por que não o klingon?”(20) o mínimo que se pode dizer é que não brilha nem pela tolerância nem pela objetividade. Acaso o casal de duas nacionalidades que se formou num encontro de esperanto e que fundou uma família de língua esperanto, porque no começo a língua de Zamenhof era a única comum, merece tal desrespeito? E mesmo que se trate de duas pessoas da mesma língua materna, que decidam educar os filhos em esperanto, porque devem a esta língua o seu enriquecimento humano e cultural, que muito prezam, e porque sabem, por experiência própria, a vantagem que o esperanto adquirido na infância terá para a aprendizagem de outras línguas, terá alguém o direito de, em relação a eles, exprimir-se nesse tom? O leitor que julgue por si mesmo.

Diagnóstico

Das 20 respostas analisadas neste artigo, apenas três manifestam uma atitude positiva. A primeira diz: “O esperanto é uma língua natural, embora resulte de uma língua artificial nascida na Polônia no final do século XIX”. A segunda: “Como quer que seja, fico feliz por saber que a comunidade esperantista é suficientemente vigorosa e vasta a ponto de lhe possibilitar viajar em todo o mundo e contatar habitantes locais nos países que visita”. E a terceira: “Se algum dia uma língua universal tivesse que ser artificial, sou de opinião de que o esperanto seria uma boa escolha. Como alguém que tem acerca dele um conhecimento suficientemente bom, sem ser alguém que o apoia, não vejo nele falhas graves”. Todas as outras respostas fazem sobre o esperanto apenas juízos negativos.

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Pensamento pré-operatório

Estas respostas formam um quadro coerente. Elas manifestam os traços característicos do modo de pensar típico da criança antes dos cinco anos. Esta avaliação pode chocar. Por isso convém precisar que todo adulto funciona desta forma numa boa parte da sua atividade mental.

A maturação do intelecto é sempre parcial. O pensar adulto aparece quando a evolução mental atinge o nível de desenvolvimento que em jargão psicológico se chama de estágio das operações formais, o qual é aplicado apenas nas áreas com as quais o interessado está familiarizado ou que os fatores emocionais não bloqueiam. Em todo o tipo de áreas – técnicas ou outra especialidade que o indivíduo conhece mal, arte de viver, vida política e social, religião, filosofia, opiniões sobre si e sobre os outros, opiniões sobre grandes categorias humanas (“os negros são altos”, “os islamitas são fanáticos”, “os cristãos são impositivos”, “as mulheres não são capazes de pensar racionalmente”, “os homens não compreendem as mulheres”, etc.) os adultos médios usam a mente dos cinco anos. Negligenciam a função de inclusão e raciocinam dualisticamente, reduzindo cada consideração, cada questão, a apenas dois termos contrários, extremos e simétricos.

Inclusão

A rejeição da função de inclusão é uma constante nas respostas dos linguistas. Eles apresentam tudo como se o esperanto não tivesse ligação com vida social, com os problemas da humanidade. Tratam-no como elemento isolado do contexto, como se existisse apenas em “recipiente fechado”, sem qualquer relação com todo o resto que acontece no mundo. Nunca o percebem como solução possível para um problema real, que pode concorrer com outras opções propostas para superar as mesmas dificuldades.

Existem não poucos trabalhos de investigação publicados sobre o esperanto, entre eles, teses de doutoramento e dissertações de fim de curso, bem como artigos publicados em jornais especializados. As respostas dadas no quadro do «Ask-A-Linguist» impressionam, pois é como se tais textos nunca tivessem existido. De modo semelhante, nenhum dos muitos argumentos que convidam a rejeitar o esperanto se baseia no estudo ou observação do esperanto real, como se pode encontrá-lo participando numa reunião internacional que ocorra em tal língua ou efetuando uma análise textual. Para permitir-se emitir juízos drásticos sobre uma língua que nunca se ouviu e na qual nunca nada se leu, é necessário torná-la num assunto puramente abstrato, um projeto excluído da vida social: a função de inclusão é desligada. Até mesmo algo tão evidente como a compreensão de que para avaliar com precisão o esperanto é preciso conhecê-lo concretamente, não está incluído no raciocínio dos nossos linguistas. Esta lacuna é claramente não consciente, se se considerar que nenhum deles começa a sua resposta dizendo algo como: “Em verdade, sobre isso sei pouco, mas a partir do que eu sei sobre linguística em geral, creio que é possível supor que...”.

Esta rejeição da inclusão é observável até mesmo em detalhes, no funcionamento mental característico da criança pequena. O argumento sobre as vogais não tônicas que se arriscam a perder a sua cor definida e, portanto, transformar-se em «shwas» é típica. O

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assertante isola a situação de algumas línguas da situação da maioria e, aparentemente, nem se dá conta de que o argumento que usa é muito mais aplicável à língua inglesa, que ele, noutra resposta, louvou como “a língua mundial”.

O pensar binário

Uma das características do pensar binário, típico do modo infantil do funcionamento mental, é a generalização do sistema do “tudo ou nada”. Também se o reencontra nas respostas dos linguistas. Várias vezes se exprimem como se o esperanto fosse uma opção exclusiva. Eles percebem-no como “se esperanto, então nada mais” ou como “se língua nacional, então não esperanto”. Aparentemente eles não são capazes de considerar que se possa abordar a questão sem excluir nada, portanto na base de um “quer o esperanto, quer outra(s) língua(s)”. Contudo, muitas pessoas que aprendem esperanto aprendem também outra língua ou têm intenção de o fazer, sabendo que o esforço que vier a ser dedicado à língua de Zamenhof poupar-lhe-á muito tempo no estudo de outra língua. É um fato que a proporção de poliglotas na comunidade esperantista é maior do que numa amostra aleatória da população em geral.

Quando a mente funciona no sistema binário, o interessado não é capaz de tomar em consideração a totalidade das possibilidades. Um exemplo de tal modo de funcionar expressa aquela linguista quando informa que não se pode impedir uma língua de evoluir, o que, segundo ela, condena o esperanto à dialetização, como se verificou com o latim. Ela ignora o que de fato ocorre: o esperanto efetivamente modificou-se, contudo a unidade da língua não foi por via disso posta em perigo. Um estudo diacrônico revela de fato que, embora o esperanto evoluísse de modo considerável desde o tempo de Zamenhof, não foi vítima de forças divergentes. Para negligenciar o fato de que mecanismos reguladores não conscientes podem manter a unidade da língua é preciso encontrar-se numa fase de pensamento binário, que limita as possibilidades a apenas duas alternativas que se excluem reciprocamente: ou autoritariamente se fixa a língua num estado para evitar que ela evolua, ou ela evolui e dialetiza-se. Reduzir as possibilidades a estas duas é espantoso vindo de um linguista, pois que deveria ter dado conta que a maior parte das línguas evolui, conservando a sua unidade, sem para isso necessitar de intervenção de uma autoridade externa.

Efeito nivelador

No estágio pré-operatório – em média, até à idade dos cinco anos – o pensar da criança «aplaina», «nivela». Todos os assuntos que ela considera situam-se mentalmente ao mesmo nível. Esta é a razão pela qual o garoto tão facilmente se sente culpado ou envergonhado: uma ninharia tem, para ele ou para ela, tanta importância como um crime abominável. Várias respostas evidenciam estes traços. Por exemplo, o esperanto é criticado por usar supersignos(21). De fato, o modo de escrever em esperanto é apenas um aspecto de segunda ordem. Se a ortografia for coerente, quer se escreva de um modo ou de outro, ela é apenas uma vestimenta, não o corpo. O esperanto não seria tão grandemente usado em fóruns da internet, discussões e troca de mensagens se tal problema fosse sério. Já Zamenhof indicou como resolvê-lo: basta substituir o supersigno por «h» após a consoante (22). Se o problema apareceu no início do uso do computador, hoje está resolvido.

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De resto, é possível observar o fenômeno de outro ângulo: o esperanto nunca deixou de se divulgar não obstante esta desvantagem, real no começo e ainda evidente em algumas situações. Isso não será a melhor prova de que ele responde a uma necessidade que nenhum outro sistema de comunicação internacional aborda tão eficazmente? Se este detalhe fosse importante, o esperanto há muito estaria morto. Fazer deste ponto “o elemento mais preocupante” do esperanto ilustra o efeito nivelador do pensamento pré-operatório.

O complexo

A maioria das afirmações aqui consideradas responde a uma pergunta colocada por uma pessoa que refere uma experiência por ela vivida em relação ao esperanto. A desconexão entre a pergunta e as reações que desperta leva a pensar que subjaz nestes linguistas um complexo camuflado. Todas as respostas, exceto uma, ignoram as vivências daquele que questiona, e ninguém aborda um aspecto muito preciso, assim exposto: “Quanto tempo é necessário para aprender uma língua estrangeira como o japonês, o russo ou o húngaro?” Nem um dos linguistas esclarece a razão de não responder. Seria fácil dizer: “A sua pergunta não é respondível, porque intervêm muitos fatores”, “Sobre isso não temos qualquer informação”, ou “Isso não pertence ao campo da linguística”, mas ninguém responde nesse sentido. Ninguém se dá conta de que a senhora que pergunta menciona três línguas – das quais duas não são indo-europeias – faladas por pessoas com as quais ela, duas frases depois, diz ter falado em esperanto. O que ela claramente pretende é: “Em dez meses aproximadamente é possível alcançar em esperanto um nível que possibilita conversar agradavelmente com pessoas destes países, quanto tempo seria necessário para, de igual modo, falar com eles na sua língua?” Por quê esta falta de resposta? A pergunta foi posta ao «Ask-A-Linguist» que se define como “o lugar onde quem seja interessado por línguas ou um linguista pode colocar uma pergunta e receber uma resposta, dada por linguistas profissionais”.

Tem-se a impressão de que a simples referência à palavra esperanto provoca uma reação de irritação. Em vez de olhar serenamente para a pergunta nos seus detalhes, e procurar uma resposta, os linguistas adotam uma atitude de autodefesa. Tudo se desenrola como se fosse importante sufocar de imediato o menor gérmen de interesse pela língua de Zamenhof. Os comentários dos linguistas significam, de fato: “Desista!”, “Diga ao seu amigo para não perder tempo com essa ideia maluca!”, “O esperanto não pode funcionar”, “Aprenda de preferência a língua do país que lhe interessa”. Estas reações cheiram a censura. Felizmente a interrogante conhece a verdade por experiência própria, de outro modo o seu interesse inicial pelo esperanto seria de imediato ferido de morte, pela aplicação de meios objetivamente desonestos, se considerarmos que as afirmações que instigam a abandonar a ideia apresentam de modo distorcido uma realidade facilmente verificável (de fato, as pessoas não são desonestas, porque certamente respondem com sinceridade, mas permanece real o fato de que qualquer tribunal declararia os seus postulados contrários aos fatos e prejudiciais à comunidade esperantista, se esta os processasse por difamação). Como quer que seja, tudo se passa como se o esperanto real fosse um tabu para estes linguistas. Todas as respostas ignoram igualmente outro importante aspecto da questão: “Se alguém quer viajar a um país apenas e conhecer apenas uma cultura pode contentar-se com a aprendizagem de uma só língua, mas que fazer se se interessa por vários países?” A pergunta não poderia ser mais clara. Não é

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admirável que a única resposta que recebe, seja: “Aprenda a língua do país para onde tem intenção de viajar”?

Hipóteses etiológicas

Como é possível que universitários, especializados num ramo de investigação rigoroso e certamente treinados para usar o espírito crítico adulto, raciocinem como crianças pequenas, quando se trata do esperanto? Para responder de forma acreditável, seria necessário ter longas conversas com eles ou empreender uma investigação baseada num conjunto de perguntas detalhadas com o objetivo de fazer luz sobre os mecanismos psicológicos, que, profundamente, a um nível inconsciente, causam a referida disfuncionalidade.

Relevemos, em primeiro lugar, que tal tipo de conduta não é absolutamente extraordinário. Como já foi referido, todos os adultos normais manifestam processos mentais semelhantes, nos muitos campos com os quais não têm familiaridade. Portanto, não nos admiremos e nada lhes reprovemos, a esse respeito. Mas isso não significa que não nos perguntemos o que causa este resvalar de um pensamento adulto a um infantil.

Em geral, um deslizamento semelhante ocorre nos campos que, de algum modo, afetam os sentimentos. Um emaranhado emocional manifesta-se em várias das respostas: “Um negociante japonês DEVE poder discutir em inglês”, “Os Grandes Padres deste messiânico movimento europeu”, “Eu não escondo o desprezo que sinto por estes malucos cujos filhos têm o esperanto como primeira língua”. Por que é que o esperanto desperta nestes especialistas reações emocionais que lhes perturbam o funcionamento intelectual? Trata-se, muitas vezes, de um fenômeno banal. É um fato que a referência a esta língua ou esclarecimentos sobre ela têm, com frequência, este efeito em adultos(23), em tal grau que a atitude sóbria e objetiva é uma exceção e não de forma alguma uma reação habitual. Numa proporção de pessoas, espantosamente alta, o esperanto, quando referido, ativa imediatamente os clássicos mecanismos de defesa que protegem contra a angústia(24).

O retorno ao pensamento pré-operatório pode assemelhar-se a esse mecanismo. Isso possibilita não ver o problema na sua totalidade e, portanto, evita enfrentá-lo em toda a sua complexidade. Acabando com a distinção entre parte e todo, que é típica do funcionamento binário, ele possibilita também ignorar que não se tem informação básica para responder. Estes linguistas raciocinam contra a lógica. Aparentemente acreditam que basta ligar “eu sou competente em linguística” a “eu tenho uma ideia vaga sobre o que é o esperanto” para poderem concluir “eu sou competente para responder sobre o esperanto com plena confiança”.

Uma consciência imprecisa sobre uma competência parcial torna-se uma certeza sobre uma competência plena. Sem esta má avaliação, os nossos linguistas não tomariam este tom paternalista de especialista que profundamente conhece o assunto e, portanto, pode aconselhar e proferir afirmações seguras sobre fatos nunca verificados, respondendo a uma pessoa cuja competência ninguém pode duvidar. Efetivamente, a pergunta a que se refere a maior parte das respostas pode-se resumir assim: “O que vocês, linguistas, dizem sobre o esperanto não condiz com as minhas vivências. O que têm a dizer a isto?”. Os nossos

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linguistas fazem contínuas contorções para ignorar as considerações que enformam o testemunho da questionadora. Respondem, como se nunca tivessem dado conta do que ela diz: “Eu viajei por muitos países, como a Hungria, a Dinamarca, a Rússia, a Islândia, e as minhas estadias foram sempre muito agradáveis graças às pessoas que falam esperanto”. Se eles simplesmente não acreditassem nela tê-lo-iam dito. Mas eles não comentam esta frase. Não será isto um sinal de um recalcamento bem sucedido e, portanto, um verdadeiro complexo?

Por outro lado, não esqueçamos que todos eles são anglófonos. Várias respostas revelam a presença escondida de um esquema mental binário «inglês � esperanto». O esperanto é sentido como rival, adversário, concorrente do inglês, ameaçando apanhar-lhes o lugar. A necessidade de apresentá-lo cheio de lacunas e imperfeições pode ser um modo de defender o inglês. É sabido que uma pessoa se identifica com a sua língua. Se eu sou anglófono nativo, defender o inglês é defender-me a mim mesmo. Dizer ou dar a entender: “o inglês é a língua mundial”, “o inglês é a língua que tens de adquirir”, “o inglês é uma língua muito superior a este esperanto, portador destas e destas e destas outras imperfeições” equivale a dizer: “Eu sou importante”, “eu sou o vencedor”, “I am the best” (eu sou o melhor). Não será humano cair nestes nadas? Quem nunca se identificou a uma entidade que lhe confere um sentimento de superioridade, que atire a primeira pedra aos linguistas de «Ask-A-Linguist».

O esperanto, porque é uma língua jovem, pode despertar, no fundo do psiquismo inconsciente, sentimentos que invadem as pessoas de meia idade quando um rival talvez menos experiente, menos sábio, mas com maior força de juventude, ousa afastá-los dos seus cargos.

Claro que outros fatores podem intervir nestas reações. Por exemplo, se o esperanto é uma língua que funciona tão bem como as outras, se ela não lhes é de modo nenhum inferior e é mais coerente e, portanto, mais fácil, isso pode obrigar a reconsiderar uma série de ideias feitas, geralmente aceitas pelos linguistas, em relação à essência do fenômeno «língua». A ninguém agrada ter de colocar em dúvida as suas ideias básicas, porque cada um se identifica com elas. Esta necessidade de conservar imutável a sua maneira de conceber a língua pode ser uma das causas pelas quais os linguistas interrogados sobre o esperanto respondem sem objetividade.

Finalmente, uma resposta adulta obrigaria a que o especialista assumisse duas frases que ele não deseja de modo nenhum assumir: “Eu não sei” e “Eu não investiguei, não estudei”. Estas negativas significam “Eu não sou competente”. Como seria possível esperar que um linguista (exceto se ele ou ela também é herói ou santo) se assumisse como não competente, num campo que pertence, evidentemente, à linguística? É mais simples e mais agradável recalcar estes pensamentos numa caverna perdida da psique inconsciente e atribuir-se uma competência que, objetivamente, não se tem.

____________ 1. Ver lista incompleta de tais eventos em www.esperanto.hu/eventoj/kalendar.htm. 2. Goro Kimura (Keio University) "The metacommunicative ideology of Esperanto. Evidence from Japan and Korea", Language Problems & Language Planning, 2003, vol.

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27, 1, 73-85. 3. As letras com acento circunflexo marcam as chiantes ou palatais: � pronuncia-se "tch", � "j", � "dj", o c sempre "ts", mesmo antes de a, o e u. O acento tônico é sempre na penúltima sílaba. 4. Exemplo: "As cinco horas semanais de aprendizagem de inglês, que as escolas dos Emirados Árabes Unidos têm, não bastam para que os jovens adquiram competências linguísticas que lhes permita frequentar estudos superiores para os quais o domínio do inglês é muitíssimo importante." [Wafa Issa, "Experts discuss problems in the teaching of English", Gulfnews, 19-a de Maio 2006]. 5. Claude Piron, «Communication internationale - Étude comparative faite sur le terrain», Language Problems & Language Planning, vol. 26, 1, 23-50 (em inglês: http://claudepiron.free.fr/articlesenanglais/communication.htm). 6. Claude Piron, "Observar, comparar, escolher". 7. François Grin, "O ensino das línguas estrangeiras como política pública" (Paris: Haut Conseil de l'évaluation de l'école, 2005, http://lingvo.org/grin/GRIN_pt.pdf). 8. After Babel (Oxford: Oxford University Press, 1975), p. 470. 9. Os linguistas designam (em inglês) shwa ou schwa uma vogal não clara, semelhante à pronuncia (inglês) de «e» em quiet, ou ao que se designa por «e» mudo. 10. Ver: Piron, Claude «A few notes on the evolution of Esperanto» in Schubert, Klaus, red. Interlinguistics (Berlin, Nova York: Mouton de Gruyter, 1989), 129-142. É legível uma versão um pouco diferente com o título "Evolution is proof of life". 11. Claude Piron, O Desafio das Línguas - Da má gestão ao bom senso; trad. Ismael Ávila (Campinas: Pontes, 2002). 12. En Mackey, William Francis, e Ornstein, Jacob, red., Sociolinguistic Studies in Language Contact (Haia, Paris e Nova York: Mouton, 1979), 433-450. 13. Manashi Dasgupta, Dormanta Hejmaro, trad. Probal Dasgupto (a ser editado pela Flandra Esperanto-Ligo, Antuérpia). 14. Recordemos que se pronuncia: "Tchu kun la alilodjidjo oni alipsikidjas?". 15. Isto deve-se à grande flexibilidade da língua, mas também ao fato de que o tradutor traduz a partir da sua língua materna, cujas sutilezas ele percebe melhor do que o estrangeiro, por mais talentoso que este seja. Ver: William Auld "The International Language as a medium for literary translation", em Rüdiger kaj Vilma Eichholz, Esperanto in the Modern World (Bailieboro: Esperanto Press, 2a ed. 1982), 111-158, e: Claude Piron, "Poésie et espéranto". 16. Shwas (do hebraico) é o nome dado em linguística às vogais articuladas no centro com som indistinto, entre as quais é típica a vogal «e» na palavra inglesa quiet ou no francês le. 17. Para ter uma ideia sobre uma viagem pelo mundo, na qual o viajante é recebido, em cada etapa, por uma família esperantófona, ver Deguti Kiotaro, My travels in Esperanto-land (Kameoka: Oomoto, 1973). 18. Peter G. Foster, The Esperanto Movement (Haia: Mouton, 1982). 19. Assim traduzi a expressão basket cases, que eu não tenho a certeza de ter compreendido bem, não obstante o sem número de horas que eu dediquei ao estudo e prática do inglês. O dicionário Webster difine-o como aplicável a uma pessoa a quem arrancaram os quatro membros. 20. Klingon é a língua do povo extraterrestre na série de televisão Star Trek. 21. O linguista que trata este problema confunde a realidade. Ele diz: "É provável que

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o elemento mais incômodo do esperanto (...) seja que o seu alfabeto contenha várias letras especiais (consoantes com acentos, que não existem em nenhuma outra língua), o que já criou problemas às velhas máquinas de escrever; estas letras são até menos compatíveis com os atuais processadores de texto". Basta atentar, por exemplo, nos "caracteres especiais" no programa de texto do Word, o mais usado no mundo de hoje, para ver que contém as letras de esperanto. E já há muito tempo os utilizadores de computadores Macintosh escrevem sem problema em Esperanto. 22. Diversos outros sistemas são também usados. Alguns colocam «x» depois da consoante, o que confere ao texto um aspecto estranho, inestético, mas com a vantagem de que isso não muda a ordem alfabética, porque a letra «x» não existe em esperanto (este som escreve-se ks), e que existem programas que substituem automaticamente as letras com «x» por letras com acentos. Outros juntam-lhes apóstrofes. Estas diferenças não complicam mais a leitura do que as diferentes maneiras de escrever muitas palavras inglesas: color / colour, realize / realise, program / programme, etc. 23. Ver em relação a este tema :Claude Piron, "Un cas étonnant de masochisme social", em inglês: "Psychological Reactions to Esperanto", em espanhol "Las reacciones psicológicas al esperanto". 24. http://claudepiron.free.fr/articlesenfrancais/casetonnant.htm#mecanismes.