co-autor: nícolas anderson sobreira (pibid/urca) orientador: … · de erros na entoação dos...

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1- Cruzeiro das Almas. Localizado no interior do Cemitério de Cabeceiras, lugar de orações e rituais penitenciais. Foto: Daiana Fernandes Corpos Vagantes Rituais de morte e renascimento a partir da caminhada penitencial. Universidade Regional do Cariri - URCA Autora: Daiana da Silva Fernandes (PIC/URCA) Co-autor: Nícolas Anderson Sobreira (PIBID/URCA) Orientador: Prof. Dr. iago Zanotti Carminati (Departamento de Ciências Sociais/URCA) Objeto A comunidade de Cabeceiras localizada no município de Barbalha, no interior do Ceará, é morada, a mais de duzentos anos da Ordem Penitencial “Irmãos da Cruz”. O surgimento da comunidade está diretamente ligado às missões messiânicas realizadas pelo Padre Ibiapina, na tentativa de atenuar os males que acome- tiam os sertões no século XIX, sobretudo a forte seca e o intenso surto de cólera. A pesquisa delimita-se as práticas penitenciais da irmandade a partir da organi- zação do chefe-decurião Antônio, nesta posição desde 2013; desta forma, dentre as diversas maneiras em que a penitência se corporifica, o elemento posto a ana- lise neste trabalho é a caminhada penitencial praticada em períodos do calendário cristão como Quaresma e Semana Santa. Objetivo do Trabalho Assim, o objetivo da pesquisa é registrar e analisar os processos simbólicos durante a caminhada penitencial tendo em vista os elementos que a compõe: o reper- tório de cantos entoados durante todo o trajeto, os benditos piedosos ou sentinelas; as paradas nas encruzilhadas para ‘encomendar’ as almas e nas casas para pedir esmolas; a cruz carregada a frente pelo decurião; a pedra e a disciplina (cachos de navalha) usados como objeto de controle e punição aos comportamentos desviantes durante o processo de penitencia; a indumentária, denominada Opa e o capuz que cobre os rostos e velam as identidades; tendo em vista a aproxima- ção desses objetos como parte da performance desses corpos em caminho de expurgação. Desta feita, a pesquisa preocupa-se em perscrutar a relação entre corpo potencialmente dadivoso e as formas de penitência enquanto processos de morte-(re)nascimento, à medida que transfiguram ethos de suplício e condenação, mas também renovação e salvação (CAMPOS, 2008; ROCHA, 2012; 2008). Metodologia O processo da construção da pesquisa teve por bases periódicas visitas ao município de Cabeceiras, em especial a residência do decurião Mestre Antônio, a fim de coletar entrevistas e produzir registros audiovisuais de cantos e sentinelas. Ademais, buscou-se o contato com outros penitentes, como também outros agentes que se ligam na comunidade por essa tradição religiosa. Também, foram feitas visitas a lugares sagrados da construção religiosa que compõem a localidade, como o cemitério local (lugar central da prática da penitência); a Igreja do Rosário e algumas encruzilhadas que marcam as estradas onde segue a procissão. Em vista disso, o trabalho procura descrever as formar e usos dos objetos considerados elementos cosmológicos utilizados em função da caminhada em seus agen- ciamentos performativos. Conclusão A irmandade de penitentes os “Irmãos da Cruz” permanece há duzentos anos praticando penitencia como forma de purificação e salvação das almas através do corpo. O grupo composto por 12 homens (semelhante aos doze apóstolos) somado a figura chefe, o decurião, partem em caminhadas longas caminhadas por es- tradas fechadas, durante todo o trajeto, a entoação dos benditos, cânticos que “assinalam um limite muito tênue entre música, fala e pranto” (ROCHA, 2012); os benditos são orações proferidas para as almas em sofrimento com o peso dos pecados levados do mundo. Durante o ato, os corpos são dispositivos centrais; os rostos são cobertos a fim de despersonalizar os corpos como forma de produção do sagrado. As condutas do grupo são reguladas pelo decurião, que em casos de erros na entoação dos benditos, ou comportamentos desviantes, são punidos com objetos como o celim (cinto de aço, com a parte interior preenchida por pregos afiados) e uma pedra, pesando dez quilos que deveria ser carregada por todo o trajeto. O cemitério e cruzeiros são os destinos finais da caminhada, onde o grupo dá início a ritualística do autoflagelo, método de expiação dos pecados. Cortam a carne, e deixam escorre o sangue (e com ele os males) experimentando a dor e os limites de seus corpos. Por fim, a pesquisa enquanto produção em processo propõe a perscrutar uma ótica performativa em que estes corpos estão à mercê antes e durante dos processos de penitência, pois o corpo se organiza em experiências de “sensações, memórias, temores, culpa, e outros estados de emoção são excitados durante a performance e modela um corpo-vítima.”, (ROCHA, 2012), que impulsiona o sofrimento da carne, a fim de renascer na esperan- ça da pureza espiritual. Referências CAMPOS, Roberta Bivar Carneiro. Como Juazeiro do Norte se tornou a terra da mãe de Deus: Penitência, ethos de misericórdia e identidade do lugar. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 28, N. 1, 2008. ROCHA, Ewelter S. Vestígios do Sagrado: uma etnografia sobre formas e silêncios. Tese (Doutorado em Antropologia)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Uni- versidade de São Paulo, São Paulo, 2012. ________________. Heresia e (re)significação musical nos benditos do Cariri. Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, 4. São Paulo, 2008. 4- Grupo de Penitentes “Irmãos da Cruz”. pedindo esmolas em residência que encontram pelo caminho. Foto: Ana Riente 5- Decurião a frente do grupo de penitentes com rostos cobertos e a Cruz simbolo da Irmandade. Foto: Ana Riente 6- Penitente há 63 anos e atual Decurião do grupo "Irmãos da Cruz", o Penitente Antônio. Foto: Heldemar Garcia 2- Homens caminham durante a madrugada, entoando benditos e rezas. Foto: Ana Riente 3- Reunião do grupo Igreja do Rosário, em Barbalha - CE Foto: Gilberto Temóteo

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Page 1: Co-autor: Nícolas Anderson Sobreira (PIBID/URCA) Orientador: … · de erros na entoação dos benditos, ou comportamentos desviantes, são punidos com objetos como o celim (cinto

1- Cruzeiro das Almas.Localizado no interior do Cemitério de Cabeceiras, lugar de orações e rituais penitenciais.Foto: Daiana Fernandes

Corpos VagantesRituais de morte e renascimento a partir da caminhada penitencial.Universidade Regional do Cariri - URCAAutora: Daiana da Silva Fernandes (PIC/URCA)Co-autor: Nícolas Anderson Sobreira (PIBID/URCA)Orientador: Prof. Dr. �iago Zanotti Carminati (Departamento de Ciências Sociais/URCA)

ObjetoA comunidade de Cabeceiras localizada no município de Barbalha, no interior do Ceará, é morada, a mais de duzentos anos da Ordem Penitencial “Irmãos da Cruz”. O surgimento da comunidade está diretamente ligado às missões messiânicas realizadas pelo Padre Ibiapina, na tentativa de atenuar os males que acome-tiam os sertões no século XIX, sobretudo a forte seca e o intenso surto de cólera. A pesquisa delimita-se as práticas penitenciais da irmandade a partir da organi-zação do chefe-decurião Antônio, nesta posição desde 2013; desta forma, dentre as diversas maneiras em que a penitência se corpori�ca, o elemento posto a ana-lise neste trabalho é a caminhada penitencial praticada em períodos do calendário cristão como Quaresma e Semana Santa.

Objetivo do TrabalhoAssim, o objetivo da pesquisa é registrar e analisar os processos simbólicos durante a caminhada penitencial tendo em vista os elementos que a compõe: o reper-tório de cantos entoados durante todo o trajeto, os benditos piedosos ou sentinelas; as paradas nas encruzilhadas para ‘encomendar’ as almas e nas casas para pedir esmolas; a cruz carregada a frente pelo decurião; a pedra e a disciplina (cachos de navalha) usados como objeto de controle e punição aos comportamentos desviantes durante o processo de penitencia; a indumentária, denominada Opa e o capuz que cobre os rostos e velam as identidades; tendo em vista a aproxima-ção desses objetos como parte da performance desses corpos em caminho de expurgação. Desta feita, a pesquisa preocupa-se em perscrutar a relação entre corpo potencialmente dadivoso e as formas de penitência enquanto processos de morte-(re)nascimento, à medida que trans�guram ethos de suplício e condenação, mas também renovação e salvação (CAMPOS, 2008; ROCHA, 2012; 2008).

MetodologiaO processo da construção da pesquisa teve por bases periódicas visitas ao município de Cabeceiras, em especial a residência do decurião Mestre Antônio, a �m de coletar entrevistas e produzir registros audiovisuais de cantos e sentinelas. Ademais, buscou-se o contato com outros penitentes, como também outros agentes que se ligam na comunidade por essa tradição religiosa. Também, foram feitas visitas a lugares sagrados da construção religiosa que compõem a localidade, como o cemitério local (lugar central da prática da penitência); a Igreja do Rosário e algumas encruzilhadas que marcam as estradas onde segue a procissão. Em vista disso, o trabalho procura descrever as formar e usos dos objetos considerados elementos cosmológicos utilizados em função da caminhada em seus agen-ciamentos performativos.

ConclusãoA irmandade de penitentes os “Irmãos da Cruz” permanece há duzentos anos praticando penitencia como forma de puri�cação e salvação das almas através do corpo. O grupo composto por 12 homens (semelhante aos doze apóstolos) somado a �gura chefe, o decurião, partem em caminhadas longas caminhadas por es-tradas fechadas, durante todo o trajeto, a entoação dos benditos, cânticos que “assinalam um limite muito tênue entre música, fala e pranto” (ROCHA, 2012); os benditos são orações proferidas para as almas em sofrimento com o peso dos pecados levados do mundo. Durante o ato, os corpos são dispositivos centrais; os rostos são cobertos a �m de despersonalizar os corpos como forma de produção do sagrado. As condutas do grupo são reguladas pelo decurião, que em casos de erros na entoação dos benditos, ou comportamentos desviantes, são punidos com objetos como o celim (cinto de aço, com a parte interior preenchida por pregos a�ados) e uma pedra, pesando dez quilos que deveria ser carregada por todo o trajeto. O cemitério e cruzeiros são os destinos �nais da caminhada, onde o grupo dá início a ritualística do auto�agelo, método de expiação dos pecados. Cortam a carne, e deixam escorre o sangue (e com ele os males) experimentando a dor e os limites de seus corpos. Por �m, a pesquisa enquanto produção em processo propõe a perscrutar uma ótica performativa em que estes corpos estão à mercê antes e durante dos processos de penitência, pois o corpo se organiza em experiências de “sensações, memórias, temores, culpa, e outros estados de emoção são excitados durante a performance e modela um corpo-vítima.”, (ROCHA, 2012), que impulsiona o sofrimento da carne, a �m de renascer na esperan-ça da pureza espiritual.

Referências

CAMPOS, Roberta Bivar Carneiro. Como Juazeiro do Norte se tornou a terra da mãe de Deus: Penitência, ethos de misericórdia e identidade do lugar. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 28, N. 1, 2008. ROCHA, Ewelter S. Vestígios do Sagrado: uma etnogra�a sobre formas e silêncios. Tese (Doutorado em Antropologia)- Faculdade de Filoso�a, Letras e Ciências Humanas, Uni-versidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

________________. Heresia e (re)signi�cação musical nos benditos do Cariri. Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, 4. São Paulo, 2008.

4- Grupo de Penitentes “Irmãos da Cruz”.pedindo esmolas em residência que encontram pelo caminho.Foto: Ana Riente

5- Decurião a frente do grupo de penitentes com rostos cobertos e a Cruz simbolo da Irmandade.Foto: Ana Riente

6- Penitente há 63 anos e atual Decurião do grupo "Irmãos da Cruz", o Penitente Antônio. Foto: Heldemar Garcia

2- Homens caminham durante a madrugada,entoando benditos e rezas.Foto: Ana Riente

3- Reunião do grupoIgreja do Rosário, em Barbalha - CEFoto: Gilberto Temóteo