clube de jornalistas - comunicação em convergência · 2009-07-03 · fluxo de jornais não seria...

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Investigação sobre jornalismo Comunicação em convergência As associações portuguesa, espanhola e brasileira das ciências da comunicação encontraram-se em Lisboa para debater este fenómeno crescentemente complexo e reforçar um espaço científico da lusofonia em tempos de globalização. O jornalismo foi o tema a merecer mais atenção. Texto Ana Jorge O jornalismo foi tema de discussão privilegiado nos congressos VIII LUSOCOM / VI SOPCOM / Ibérico. Procurando captar os múltiplos aspectos de uma actividade social cada vez mais central, no âmbito do debate sobre o papel dos media nas nossas sociedades, foram vários os investigadores que ofereceram novos ângulos ao estudo do jornalismo nestes congressos que reuniram as associações portuguesa, espanhola e brasileira de ciências da comunicação. Um dos pontos mais explorados foi a questão da convergência dos media e dos vários jornalismos. Suzana Barbosa, da Universidade Federal Fluminense, apresentou os processos de convergência de várias empresas jornalísticas, entre as quais a Globo, apontando que o processo de convergência começa na tecnologia mas diz respeito à organização empresarial, à profissão, conteúdos, meios e audiências, de tal forma que redacções integradas, polivalência dos jornalistas, produção e distribuição em permanência e em multiplataforma, a interactividade dos consumidores são várias facetas de um mesmo processo. Por seu lado, Micó e Masip, da Catalunha, deram conta de como este processo está a ocorrer de forma relativamente semelhante um pouco por todo o lado, até porque as empresas de media se inspiram em modelos de referência internacionais, sobretudo dos mercados britânico, norte- americano e do Norte da Europa. Por sua vez, Luís Bonixe, da Escola Superior de Educação de Portalegre, apresentou as transformações da rádio na fase do multimédia, inseridas na história do meio, em que os factores sociais e económicos são tão importantes quanto os tecnológicos. A sua adaptação à introdução do meio televisivo e da Internet são momentos de mudança, tal como foi também a liberalização do sector. Na era multimédia, a “emissão em contínuo” não é substituída, mas antes complementada por uma disponibilização dos conteúdos aos utilizadores de forma mais autónoma. Mudanças semelhantes podem ser observadas na televisão: “a programação não está mais condicionada aos horários de veiculação no fluxo temporal de transmissão de sinais”, diz Ana Médola, de São Paulo. Na verdade, a televisão continua a merecer muita atenção dos estudiosos, em proporção com a sua – ainda – centralidade nas sociedades portuguesa, espanhola e sobretudo brasileira. Além da visão sobre como a Internet incorpora a televisão, os estudos sobre a televisão digital analisam quais as implicações de esta incorporar a Internet. O “apagão analógico”, com data marcada em Portugal para 2012 e no Brasil para 2016, está a ser antecipado pela investigação. Beatriz Becker e Juliana Teixeira, do Rio de Janeiro, notam que a diversidade permitida pela tecnologia da televisão digital só será efectivada se houver condições económicas e culturais das audiências e de empresas menores para se formarem, de forma a contrariar o mercado monopolístico já existente. Se a tecnologia digital já está a ser utilizada, no corrente cenário económico, para iludir a distância entre o estúdio e o exterior, reduzindo na verdade as vozes que chegam às notícias e aproximando- as do entretenimento, a televisão digital deverá ser acompanhada de “políticas para desenvolver a produção de conteúdos”, ou poderá redundar numa degradação do conteúdo disfarçada pelo excesso da forma. A equipa da Obercom, por seu lado, sublinhou a questão da utilização da televisão digital pelas audiências, demonstrando que o acesso a esta tecnologia tende a ser feito por homens jovens e urbanos, com mais habilitações, sobretudo pela melhoria da qualidade de imagem e som, mas não tirando verdadeiramente partido de todas as potencialidades tecnológicas. A inovação tecnológica não é, assim, Jornal | Investigação Redacções integradas, polivalência dos jornalistas, produção e distribuição em permanência e em multiplataforma, a interactividade dos consumidores são várias facetas de um mesmo processo 36|Abr/Jun 2009|JJ

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Investigação sobre jornalismo

Comunicação em convergênciaAs associações portuguesa, espanhola e brasileira das ciências da comunicação encontraram-se emLisboa para debater este fenómeno crescentemente complexo e reforçar um espaço científico dalusofonia em tempos de globalização. O jornalismo foi o tema a merecer mais atenção.

Texto Ana Jorge

Ojornalismo foi tema dediscussão privilegiado noscongressos VIII LUSOCOM

/ VI SOPCOM / Ibérico.Procurando captar os múltiplosaspectos de uma actividade socialcada vez mais central, no âmbitodo debate sobre o papel dos medianas nossas sociedades, foramvários os investigadores queofereceram novos ângulos aoestudo do jornalismo nestescongressos que reuniram asassociações portuguesa, espanholae brasileira de ciências dacomunicação.

Um dos pontos mais exploradosfoi a questão da convergência dosmedia e dos vários jornalismos.Suzana Barbosa, da UniversidadeFederal Fluminense, apresentou osprocessos de convergência devárias empresas jornalísticas, entreas quais a Globo, apontando que oprocesso de convergência começana tecnologia mas diz respeito àorganização empresarial, àprofissão, conteúdos, meios eaudiências, de tal forma queredacções integradas, polivalênciados jornalistas, produção edistribuição em permanência e emmultiplataforma, a interactividadedos consumidores são váriasfacetas de um mesmo processo. Porseu lado, Micó e Masip, daCatalunha, deram conta de comoeste processo está a ocorrer deforma relativamente semelhanteum pouco por todo o lado, atéporque as empresas de media seinspiram em modelos de referênciainternacionais, sobretudo dos

mercados britânico, norte-americano e do Norte da Europa.

Por sua vez, Luís Bonixe, daEscola Superior de Educação dePortalegre, apresentou astransformações da rádio na fase domultimédia, inseridas na históriado meio, em que os factores sociaise económicos são tão importantesquanto os tecnológicos. A suaadaptação à introdução do meiotelevisivo e da Internet sãomomentos de mudança, tal comofoi também a liberalização dosector. Na era multimédia, a“emissão em contínuo” não ésubstituída, mas antescomplementada por umadisponibilização dos conteúdos aosutilizadores de forma maisautónoma.

Mudanças semelhantes podemser observadas na televisão: “aprogramação não está maiscondicionada aos horários deveiculação no fluxo temporal detransmissão de sinais”, diz AnaMédola, de São Paulo. Na verdade,a televisão continua a merecermuita atenção dos estudiosos, emproporção com a sua – ainda –centralidade nas sociedades

portuguesa, espanhola e sobretudobrasileira. Além da visão sobrecomo a Internet incorpora atelevisão, os estudos sobre atelevisão digital analisam quais asimplicações de esta incorporar aInternet. O “apagão analógico”,com data marcada em Portugalpara 2012 e no Brasil para 2016,está a ser antecipado pelainvestigação. Beatriz Becker eJuliana Teixeira, do Rio de Janeiro,notam que a diversidade permitidapela tecnologia da televisão digitalsó será efectivada se houvercondições económicas e culturaisdas audiências e de empresasmenores para se formarem, deforma a contrariar o mercadomonopolístico já existente. Se atecnologia digital já está a serutilizada, no corrente cenárioeconómico, para iludir a distânciaentre o estúdio e o exterior,reduzindo na verdade as vozes quechegam às notícias e aproximando-as do entretenimento, a televisãodigital deverá ser acompanhada de“políticas para desenvolver aprodução de conteúdos”, oupoderá redundar numadegradação do conteúdodisfarçada pelo excesso da forma.

A equipa da Obercom, por seulado, sublinhou a questão dautilização da televisão digital pelasaudiências, demonstrando que oacesso a esta tecnologia tende a serfeito por homens jovens e urbanos,com mais habilitações, sobretudopela melhoria da qualidade deimagem e som, mas não tirandoverdadeiramente partido de todasas potencialidades tecnológicas. Ainovação tecnológica não é, assim,

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Redacções integradas,polivalência dosjornalistas, produção edistribuição empermanência e emmultiplataforma, ainteractividade dosconsumidores são váriasfacetas de um mesmoprocesso

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universal nem automaticamenteadoptada pelos consumidores,factores a ter em conta na transiçãoque se avizinha.

ESPAÇOS DE ABERTURA

Ojornalismo expande a suabase social e a suarepresentação da realidade,

tanto por via das tecnologias comopor dispositivos antigos, notaramos investigadores.

Rogério Santos, investigadorinteressado nas indústriasculturais, nota que uma tendênciano congresso foi precisamente ocrescimento da investigação nessaárea, do conceito de ‘jornalismo devariedades’: “as páginas de jornalcom notícias breves dedicadas aconcertos, exposições elançamentos de produtos dasindústrias culturais” mereceramalguma atenção dos oradores, notao professor da UniversidadeCatólica.

Este jornalismo soft mereceu aatenção de Francisco de Assis, deSão Paulo, que o situa comoevolução da inclusão deinformação de serviço,“passatempos, curiosidades emiscelânea”, horóscopos, etc,pretendendo cativar leitores menoshabituais e dar conta da vidapública sem atender apenas àesfera pública. “Os chamadossegundos cadernos são os quepraticam o jornalismo devariedades, diferentemente doscadernos semanais”, onde se podeencontrar o tradicional jornalismocultural, libertando-se do valormais restrito da actualidade.

Se o infotainment populariza ojornalismo e expande a suarepresentação da vida pública, ojornalismo continua ainda amobilizar as elites, essenciais aoespaço público, num terreno quetambém mereceu espaço nocongresso, como refere RogérioSantos. O jornalismo cultural foiobjecto de reflexão em váriasvertentes, por exemplo em relaçãoàs cartas dos leitores ao directoresdo jornal como espaços dedemocracia e reinvenção do espaçopúblico, apresentado por MarisaTorres da Silva, da UniversidadeNova de Lisboa. “Este dispositivode participação poderá ter bastantesignificado para a actividade dosjornalistas e editores: acorrespondência permite-lhesreceber feedback sobre o seutrabalho, auscultar os temas quemais interessam aos leitores, dar-lhes um sentimento de inclusão naprodução do jornal e, algumasvezes, até, tomar decisõeseditoriais”, conclui a investigadoraa partir das suas entrevistas aeditores de jornais. Além depoderem funcionar como“barómetro”, as cartas dos leitoresconferem “profundidade epolifonia” ao discurso do jornal,

mas acabam por ser encaradas poralguns como simultaneamente“parte da estrutura” do jornal e um“corpo estranho”, que nem semprerecebe do jornal e dos jornalistasmuita atenção. Num país em quese lêem poucos jornais e em que acultura participativa é reduzida,como afirmou Pedro Camacho, daVisão, à investigadora, o nível departicipação acabava por ficaraquém do ideal.

Numa vertente relacionada,Catarina Rodrigues, daUniversidade da Beira Interior,analisou as potencialidadespartipativas e cívicas dos jornaisonline, que permitem “umaintervenção activa por partedaqueles que habitualmente eramreceptores passivos”, conduzindo“a uma redefinição dos tradicionaismediadores de conteúdos, uma vezque os media deixaram de terexclusividade na publicação denotícias”. A análise dos principaisjornais digitais portugueses eespanhóis, que se esforçam cadavez mais em incorporar ojornalismo cidadão, permitiu àinvestigadora apontar para umarevalorização do papel dojornalista em tempos desuperabundância da informação:“saber guiar o leitor pelainformação de facto relevanteentre a enorme quantidade deconteúdos publicados” torna-se omaior desafio e a maior valência dojornalista.

O investigador da Universidadedo Minho Rui Couceiro analisou oNós Por Cá, da SIC, identificando-o com jornalismo participativo enão com jornalismo cidadão.

O jornalismo expande asua base social e a suarepresentação darealidade, tantopor via das tecnologiascomo por dispositivosantigos, notaramos investigadores.

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Confirmando de algum modo essepapel do jornalista na selecção dainformação relevante, observoucomo o programa recebe muitaparticipação dos cidadãos,sobretudo “com vista à divulgaçãoe denúncia de situações de âmbitocolectivo”. Com recurso maioritárioàs novas tecnologias do e-mail e

das fotografias digitais, os cidadãosprocuram chegar à agendatelevisiva, mas é ao jornalista quecontinua a caber a selecção eedição dos temas, avaliando arelevância para os cidadãos emgeral.

DOIS PASSOS ATRÁS...

Oestudo da história dojornalismo ajuda tambéma situar as suas evoluções

recentes e traz luz também àsformas como o jornalismo foiencarado pela política.

Num congresso reunido emtorno da lusofonia, AntonioHohlfeldt assinala como a históriada imprensa nas colóniasportuguesas está ainda por

escrever, traçando algumasaproximações a esta história: ofluxo de jornais não seria apenasda metrópole para as colónias deAngola, Moçambique, Goa, CaboVerde, nomeadamente para aselites, mas também no sentidocontrário, notando-se aincorporação de referências de unsnos outros. Também AntónioNhaga, da Universidade Lusófonada Guiné-Bissau, tentoureconstituir o aparecimento daimprensa na antiga colóniaportuguesa, inserido numa regiãopredominantemente francófona,apontando para o seu papel noreforço da língua portuguesanaquele território.

Num tempo e espaço maispróximos, a reconstituição

Jornal| Investigação

Se o infotainmentpopulariza o jornalismo eexpande a suarepresentação da vidapública, o jornalismocontinua ainda amobilizar as elites,essenciais ao espaçopúblico

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Alunos da Lusófona nos comandos do circuito interno de televisão. À direita: as sessões plenárias tiveram larga participação

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histórica, traçada por CarlaBaptista, da relação entre a políticae o jornalismo entre 1900 e 1974em Portugal deu a ver as diferentesformas como essas instituições semantiveram em ligação. O“apogeu, morte e ressurreição”desta relação ao longo desteperíodo não pôde ser retratadoapenas com o valor de face dasnotícias, mas resgatado a partir dosdiscursos, práticas e rotinas quecircundaram e deram forma a essarelação. O equilíbrio de forças epoderes entre política e jornalismoque a investigadora daUniversidade Nova de Lisboatrouxe ao congresso ajuda aganhar perspectiva sobre a própriaformação do campo e da profissãojornalísticos em Portugal.

Comunicar a lusofonia

Ao longo de quatro dias, foram cerca de 500 os participantes nasreuniões científicas das associações Lusocom e Sopcom(Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação), dedicadosaos temas “Comunicação, Espaço Global e Lusofonia” e“Sociedade dos Media: Comunicação, Política e Tecnologia”.Entre 14 e 18 de Abril, investigadores portugueses, espanhóis ebrasileiros, mas também dos PALOP, mexicanos e chilenos,rumaram à Universidade Lusófona, no Campo Grande, emLisboa, que foi o anfitrião daquele que constituiu o maiorconjunto de congressos de comunicação em língua portuguesa.

Além do VIII Congresso da federação lusófona das ciências dacomunicação e do VI Congresso da associação nacional damesma área científica, decorreram ainda os IV Congresso Ibéricoe o II Colóquio Portugal-Brasil, pretendendo consolidar acomunidade científica lusófona e ibérica, sobretudo para “fazerface à hegemonia crescente de outros países globalizados, taiscomo o anglófono”, diz a organização.

Este propósito assumiu significado especial para aUniversidade Lusófona, empenhada em “cultivar uma relaçãoespecial com os países lusófonos”, que constituem um “espaçocomum não apenas em termos linguísticos mas em termoshistóricos e culturais”, salienta Cláudia Álvares, da ComissãoExecutiva da iniciativa.

A professora da Lusófona considera que “o balanço geral émuito positivo”, criando “uma oportunidade ímpar para o debatee troca de ideias”. Porém, Rogério Santos, um dos coordenadoresda secção de Jornalismo, lamenta que essa oportunidade nãotenha sido completamente concretizada devido às ausências devários oradores inscritos no congresso.

Nesta sociedade em que “não há área alguma que hoje em dianão tenha sido de alguma forma afectada pelos meios decomunicação”, os congressos tentaram “formular políticaspúblicas comuns para fazer face aos novos problemas de focoético e sociológico que a utilização das novas tecnologias nosapresentam”, conclui Cláudia Álvares relativamente aosresultados dos encontros.

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A ética e a auto-regulação jornalísticasO novo livro de Joaquim Fidalgo foi pretexto para revisitar a profissãojornalística, na sua história e na actualidade

Texto Ana Jorge

Num encontro em que tantose falou das mudançastecnológicas dos media e das

suas implicações no jornalismo, porum lado, e da história do jornalismo,por outro, a JJ encontrou JoaquimFidalgo, cuja obra sobre O Lugar daÉtica e da Auto-Regulação naIdentidade Profissional dosJornalistas acabou de ser editada. Aobra apresenta resultados da sua tesede doutoramento na Universidadedo Minho, em que estudou o“processo – complexo, moroso,contraditório por vezes... – pelo qualo jornalismo procurou afirmar-secomo profissão”, um processo aindanão totalmente concluído, commuitas das mesmas questões iniciaisainda em aberto.

Neste processo de construção daprofissão jornalística, “parecebastante claro que a ética foi, desdesempre, a grande contrapartidaoferecida pelos jornalistas paraobterem um estatuto jurídico-laboralespecial e para assegurarem aliberdade do seu trabalho semcoacções exteriores”, diz o antigoProvedor do Leitor do Público.Assim, o reclamar de liberdade e deuma responsabilidade associada,assente na ética e na deontologiajornalísticas, foi “a condição básicade legitimação do jornalismoprofissional e do poder que eleinquestionavelmente tem”,acrescenta.

Por outro lado, “as inovações

tecnológicas e as novas práticascomunicativas por elasproporcionadas caminham maisdepressa do que a lei, aumentam ascontrovérsias sobre que regrasadoptar para garantir a preservaçãoda liberdade de todos, mas tambémo imperativo de responsabilidadeque acautele os direitosfundamentais de cada um”, pode ler-se na introdução à secção de Direitoe Ética da Comunicação nocongresso, que o professor do Minhopartilhou com Luciana Panke, daUniversidade Federal do Paraná.

Joaquim Fidalgo reconhece estedebate em torno da questão sobre seas novas tecnologias dos mediaimplicam uma nova ética edeontologia para o jornalismo.“Pessoalmente, tenho algumasdúvidas: não sei se (como algunsdefendem) as regras genéricas dorigor, da independência e daequidistância devem ser diferentesconforme se escreve num jornal, sefala numa rádio ou se publica numsítio da Internet...”, diz. Porém,“nesta nova paisagem mediática, em

que já não são só os jornalistasprofissionais a coligir, elaborar edifundir informação no espaçopúblico”, o cumprimento daquelasregras essenciais pode ser posto emcausa por agentes menos conscientesdas implicações éticas da suaactuação.

Apesar de a auto-regulação seressencial no jornalismo “porque épor ele que, em boa parte, se realizao direito fundamental dos cidadãos àliberdade de expressão”, Fidalgochama a atenção para a importânciada sua extensão a outras áreas docampo da comunicação, como apublicidade ou o entretenimento, asrelações públicas ou a assessoria deimprensa. Face a este cenário, oprofessor do Minho espera umaauto-regulação crescente por partedestas indústrias da comunicação,pressionada também pelo público,mas não podendo dispensar algumaregulação e coacção legal.

O FUTURO, ENTRE A REGULAÇÃO

E A AUTO-REGULAÇÃO

Avaliando a situação concretaportuguesa, Joaquim Fidalgonota que “continuamos a falar

muito de auto-regulação e de co-regulação, mas o que vamos tendo é,sobretudo, regulação imposta doexterior, imposta por lei”. Temos um“edifício regulador” que deveria ser,na opinião de Fidalgo, “menospesado, menos politizado, maisparticipado pelos regulados e peloscidadãos”. Um maior equilíbrio e

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“Nesta nova paisagemmediática, em que já nãosão só os jornalistasprofissionais a coligir,elaborar e difundirinformação no espaçopúblico”, o cumprimentodaquelas regrasessenciais pode serposto em causa poragentes menosconscientes dasimplicações éticas da suaactuação

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uma maior diversidade seriaconseguida com, a par da EntidadeReguladora para a ComunicaçãoSocial, “um Conselho de Imprensacom participação alargada e tambémcom uma estrutura forte de auto-regulação dos jornalistasprofissionais criada e gerida poreles”.

Nesse processo, a figura dosProvedores pode desempenhar umpapel de importância capital.Enquanto mecanismo de auto-regulação, o Provedor dá voz aospúblicos e “exerce uma pedagogiaconstante sobre as condiçõesconcretas de exercício dojornalismo”, tornando maistransparentes os órgãos decomunicação social. O ex-Provedordo Leitor vê na orientaçãocrescentemente comercial dos mediauma pressão e um obstáculo para aexistência de provedores: por umlado, o provedor seria uma dasformas de procurar recuperar acredibilidade junto do “público quecada vez mais tem dificuldade emver os critérios jornalísticosconstantemente trocados porcritérios só comerciais”; por outrolado, “custam dinheiro – e os nossosmedia estão todos a viver extremasdificuldades”. Ainda que acrediteque este segundo factor tenderá adominar, Joaquim Fidalgo continuaa salientar a importância daexpansão da “figura do Provedor,quer para outros jornais, quer paraoutras rádios e televisões (para alémda pública)”. JJ

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Os Jovens e a Renovação do JornalismoIV Jornadas Internacionais de Jornalismo na Universidade Fernando Pessoa (Porto)

Texto e fotos André Rubim Rangel *

JORNALISMO: NÃO É FRUTO

DE RECEITAS MÁGICAS

Omote da 4.ª edição dasJornadas Internacionais deJornalismo, da Universidade

Fernando Pessoa (UFP) – Porto,concentrou-se no novo jornalismo enos novos jornalistas - a camadajovem. Foram muitos os anseios e aspreocupações ao longo desse dia 4de Abril, equilibrando-se a balançaentre o optimismo e o pessimismorelativamente à profissão. SalvatoTrigo, reitor da UFP, proferiu aspalavras de abertura. Realçou aformação “para jornalismo e não emjornalismo”, não devendo dissociar-se das técnicas do saber fazer e dareflexão permanente. “Não é frutode receitas mágicas”, reforçou, pois odomínio dos Media não é somenteda técnica, mas sobretudo dalinguagem e da estética. Alegouainda que “o futuro da Democraciaestá inteiramente ligado aos poderesque se relacionam e que intervêm naesfera pública”: o do jornalismo e dajustiça.

O QUE IMPLICA A QUALIDADE

DOS MEDIA?

Alfonso Sánchez-Tabernero(Universidade de Navarra) –certamente o principal

convidado das Jornadas – reflectiu ocontrolo da qualidade, deixando aquestão se ela interessará aoscidadãos, se a orientação comercialdas empresas dificulta a qualidade ese existem alternativas rentáveis àqualidade. O estudo de caso

centrou-se no consumo médio de TVem Espanha. Enquanto que nadécada de 90 se consumiam 210minutos, em 2008 a média jáascendia a 227 minutos. Constatouque são as classes mais baixas e aspessoas com idade igual ou superiora 65 anos quem vêem mais TV, sendoos jovens a ocupar o tempo maisinferior. Dos inquiridos dessainvestigação, 36,3% achou aqualidade da programação boa e31,8% regular, ao passo que a somada opinião negativa (má e muito má)rondou os 26%. Alfonso referiu que“há muitos especialistas queentendem haver incompatibilidadeentre êxito, audiência e qualidade” eexemplificou o caso dum programatelevisivo com uma actriz famosaespanhola, cujo share de audiênciafora então um fracasso, ao que elajustificou: “busco a qualidade doproduto e não a audiência”.Portanto, nota-se que, para muitaspessoas, se o produto é muito bomnão lhes interessa ver, mas se formau já o procuram. “Há umaconfusão à volta da qualidade do

produto”, frisou, apresentando umatripla perspectiva da qualidade: 1.Subjectiva = ‘demandas’ do público;2. Objectiva = topos (standards)profissionais; 3. De personalidade =identidade própria.

Para este docente hispânico abusca da qualidade implica algumasregras, entre as quais: bom papel(imprensa), som (rádio) e resoluçãode imagem (audiovisual e online);criatividade e imaginação;exclusividade e difícil imitação;desenho atractivo; mensagemcomposta; proximidade temporal,geográfica ou emocional; conteúdosdivertidos, que captam a atenção;inversão, pensando a longo prazo; eliderança motivadora. Portanto,desta forma, concluiu que aqualidade depende essencialmentedos seguintes factores: a) intensidadeda concorrência; b) tipo deregulação; c) preferências do público;d) enfoque de proprietários egestores; e) e talento dosprofissionais “criativos”.

A FORTE CONCORRÊNCIA

POTENCIA A QUALIDADE

De seguida, intervieram duasfiguras nacionais daComunicação, convidadas

para comentarem a prelecção deAlfonso Sánchez-Tabernero: JoãoPalmeiro (presidente da AssociaçãoPortuguesa de Imprensa) e PauloFaustino (presidente da Media XXI eprofessor universitário), sendo oprimeiro a reagir, destacando doispontos proferidos por Alfonso: aqualidade da gestão empresarial e aintensidade da concorrência. Ora, noponto inicial, entendeu que essaqualidade sobrepõe a qualidade dos

Jornal|Debate

“A co-organização dasJornadas pelos cursos deComunicação da UFP, daUTAD e das escolassuperiores de educaçãode Coimbra, Leira ePortalegre é um exemploimportante dessatentativa deconseguirmos fazergerminar redes deconhecimento, ensino epesquisa em torno doJornalismo”.

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conteúdos, apelando assim para ospadrões indispensáveis daqualidade: a veracidade, afactualidade e a objectividade.Quanto ao segundo ponto,concordou com Alfonso sublinhandoque quando a concorrência é fortepotencia a qualidade. No entanto,colocou uma reserva com o facto deela, ao ser excessiva e feroz, poderlevar à diminuição da qualidade.Desta forma, disse corroborar com adecisão governativa e da ERC aoimpedir o quinto canal: “para omercado que temos já se nota umaconcorrência forte, não ajudando aexistência de mais um canal”.

2008: MAIS VENDA DE DIÁRIOS

E MAIS PUBLICAÇÕES NOVAS

Depois, foi João Palmeiro quemfechou as intervenções desta mesa.Apontou a necessidade de se falar dequalidade na consequência que acrise tem para os Media. Entende

que ela tem sido assumida comouma panaceia, “em que todossabemos que não sabemos bem doque estamos a falar”. Primeiro, tem aver com os cidadãos e com os seusinteresses. Aqui se prova o facto deos jornais diários terem vendidomais 18% em 2008, relativamente a2007, bem como o facto de teremcrescido o número de novos títulos.Quanto à rentabilidade dacomunicação, confessou que nestemomento a sua “luta” se dava com oBanco de Portugal, quanto àqualidade de comunicaçãocomercial. E adiantou que na rádio,os Bancos vão diminuir em 80% asua presença. Só manterão osponsoring e a publicidadeinstitucional. Na imprensa vão cortartodos os formatos que sejaminferiores a meia página: “a descidadeve situar-se nos 50%”. No que tocaao controlo abordado por Alfonso,emitiu ser necessário distinguir entreauto e hetero controlo: “o problema

é que não sei quem controla aqualidade dos Media”. E deixou aquestão no ar – “são os leitores, osprodutores/empresários ou asautoridades?”, sugerindo um debateurgente para breve sobre estamatéria.

BREVES IDEIAS SURGIDAS

NOUTROS PAINÉIS

António Fidalgo enrijeceu atese de Castells: a cultura dojovem é uma cultura de rede,

de consumismo e do telemóvel –“identidade juvenil indispensável eseu meio principal de comunicação”.

Felisbela Lopes apelou à menorconcentração da informação eprincipais interlocutores em Lisboa eà maior participação dos cidadãosnas plataformas online: “temos depensar no jornalismo integrado e emredacções integradas.

Wlodzimierz Szymaniak reputouque “a tão falada «aldeia global» está

Da esquerda para a direita: W. Szymaniak, Felisbela Lopes, Cristina Nobre e António Fidalgo

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a urbanizar-se cada vez mais”,assistindo-se a um “provincianismoacrescido, mesmo nas metrópoles”.

Miguel Tuñez, diante de algumsusto perante a realidade, referiu queo “jornalismo de alarme” em quevivemos – de refundação e de ajusteàs novas exigências – significa “umamudança nas próprias atitudessociais”.

Alberto Pena considerou que ojornal(ismo) está em vias deextinção, dado que vai perdendoterreno face aos outros meios, comoo “digital(ismo) jornalístico”, novatendência de jornalismo do cidadão:“todo o mundo quer ver e todo omundo quer ser visto”. Eis umavirtualização da realidade, com um“jornalismo virtualizado”.

BALANÇO DOS ORGANIZADORES

Ojornalista Prof. Jorge PedroSousa destacou a “ocasiãopara a celebração do

jornalismo” nas Jornadas e a suaimportância “como evento científicorelevante dentro do panoramalusófono e galaico-espanhol dosEstudos Jornalísticos”, dado que

“foram apresentados cerca de 130trabalhos durante o evento, o queprova a sua vitalidade. Mais do queisso, prova que os EstudosJornalísticos, em português, galego eespanhol, estão vivos erecomendam-se”. Reanimou ainda oestabelecimento de pontes entretodos os interessados nesta área: “aco-organização das Jornadas peloscursos de Comunicação da UFP, daUTAD e das escolas superiores deeducação de Coimbra, Leira ePortalegre é um exemplo importantedessa tentativa de conseguirmosfazer germinar redes deconhecimento, ensino e pesquisa emtorno do Jornalismo”.

Já o jornalista Prof. Ricardo JorgePinto reconheceu que “o cenáriomediático está a mudar a umavelocidade vertiginosa”, donde ojornalismo não escapa. Antecipouque, no final, “fiquei com maisperguntas do que respostas. Mas issosignifica que este evento cumpriu afunção de colocar alunos dejornalismo, professores e jornalistasa pensar sobre o que está a acontecerao mundo da informação”. Paraalém de constatar as tónicas mais emenos positivas do jornalismopresente e futuro e das suasplataformas, definiu as Jornadascomo “um espaço para confronto deideias, para apresentar experiênciasde quem está a chegar ao mercadode trabalho e percebe que serjornalista é entrar num mundo defantásticos desafios (difíceis, sim,mas tentadores)”. Ponderou, por fim,terem sido os jovens candidatos ajornalistas “aqueles que mais emelhor puderam aproveitar esteclima de diálogo”.

*Jornalista (redactor de Voz Portucalense

e director do Jornal VERIS)

Jornal|Debate

“Um espaço paraconfronto de ideias, paraapresentar experiênciasde quem está a chegarao mercado de trabalho epercebe que ser jornalistaé entrar num mundo defantásticos desafios(difíceis, sim, mastentadores)”.

Da esquerda para a direita: João Palmeiro, Sánchez-Tabernero, José Esteves Rei e Paulo Faustino

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www.freep.com

DE OLHOS POSTOS NO DETROIT FREE PRESS

> Os jornais norte-americanos continuama registar quebras recorde de circulação.

Os números do primeiro trimestre de 2009,referentes a 395 publicações – incluindo atotalidade dos títulos nacionais de prestígio –,indicavam um declínio de 7 por cento nacirculação, relativamente ao períodohomólogo. Apenas The Wall Street Journalconseguiu sobreviver ao naufrágio,apresentando resultados que duplicam os doThe New York Times. Quanto aos restantes,nem o USA Today, que costumava manter-segalhardamente imune às crises, escapou. Otítulo da Ganett viu desta vez a sua circulaçãoregredir 7,5 por cento. Dado que estes númerosse têm vindo a repetir em trimestressucessivos, já não se pode falar apenas de umepisódio depressivo mas de uma tendência.Que se deve a vários factores, entre os quais,obviamente, o facto de os EUA disporem deuma infraestrutura de banda larga que torna a

Internet numa verdadeira alternativa aosjornais em papel – sublinhe-se que o que temcontribuído para evitar que, consideradas anível global, as quebras de circulação dejornais não sejam significativas é o facto de, empaíses populosos como a Índia, a banda larganão ser ainda acessível à generalidade dapopulação, não sendo, por isso, a Internet umaverdadeira alternativa aos meios decomunicação impressos.

As próprias opções das empresas

proprietárias, cada vez mais orientadas para o“online”, também têm contribuído para a quebraacentuada na circulação dos jornais. TheChristian Science Monitor, por exemplo, acaboucom a edição em papel e o USA Today deixou deser distribuído em alguns hotéis norte-americanos. No que a este aspecto dadistribuição impressa diz respeito, os agentes dosector, nos EUA, estão de olhos postos numaexperiência iniciada, recentemente, pelo DetroitFree Press, que passou a entregar o jornal emcasa dos subscritores apenas nos três dias dasemana que mais interessam aos anunciantes:quinta, sexta e domingo. Nos restantes dias, sãoimpressas edições mais pequenas, em menornúmero e sem distribuição pelos subscritores. Oobjectivo foi atrair os leitores para a versãoelectrónica do jornal(http://detroitfreepress.mi.ussrv17.newsmemory.com/default.php?pSetup=detroitfreepress_demo), uma edição em pdf que em nada difere daimpressa mas que poupa dinheiro à Ganett, aproprietária da publicação, porque permitereduzir tiragens.

Devido a esta mudança de rumo, eraesperada uma perda de subscritores, masaconteceu que não só os cancelamentos deassinaturas foram menos de metade do queaquilo que se previa, como muitos assinantesquiseram reatar as subscrições e outros aindaaceitaram pagar o triplo para poderem receber ojornal em casa todos os dias, comoanteriormente. Além disso, a edição electrónica,que antes da implantação da nova estratégiatinha cinco mil visitantes, passou a ter 30 mil.

Citada por Bill Mitchell na PoynterOnline(www.poynter.org/column.asp?id=131&aid=162785), num artigo de análise extensiva deste caso,Janet Hasson, uma das responsáveis pela novaestratégia, afirma, cautelosamente, que “quatrosemanas [o projecto iniciou-se no final deMarço] não permitem falar numa tendência”.Até porque 2009 é um ano em que os habitantesde Detroit estão especialmente ávidos deinformação, devido à crise profunda que tematingido a indústria automóvel, um sectorcrucial na chamada Motor City. Em todo o caso,como também sublinha Hasson, «as pessoas [osproprietários de meios impressos, nos EUA] têm-me dito: ‘se isto permitir que tu sobrevivas, euvou mudar contigo’”.

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Jornal|SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

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www.blogkindle.com

NOVO FÔLEGO PARA OS LEITORES ELECTRÓNICOS

> A experiência com a edição electrónica do DetroitFree Press está a correr tão bem que os gestores da

publicação, a Detroit Media Partnership, decidiramcolocá-la no Kindle, o leitor electrónico (e-reader) semfios da Amazon (www.amazon.com/Kindle-Amazons-Wireless-Reading-Generation/dp/B00154JDAI), bem comono futuro e-reader da Plastic Logic(www.plasticlogic.com), que deverá estar disponível naslojas em 2010.

Ainda é muito cedo para saber até que ponto estesleitores portáteis poderão vir a constituir-se como fontesválidas de receitas para os jornais. Mas há, pelo menos,indícios de que poderá ser assim. Ainda que semapresentar números, o presidente da Amazon, Jeff Bezos,garantiu que as vendas do Kindle 2.0, a nova geração doleitor, estão “muito acima” das suas melhoresexpectativas. Neste momento, existem 250 mil títulos delivros disponíveis para a máquina, além de vários jornais,

como The New YorkTimes, apostados em verno que dá este aparentenovo fascínio por umaclasse de aparelhos que tem demorado a conquistar ocoração dos utilizadores. Num longo artigo sobre ofuturo dos e-readers, no Wall Street Journal(http://online.wsj.com/article/SB123980920727621353.html), o autor norte-americano Steven Johnson defende queacabará por acontecer com estes aparelhos o mesmo quecom o iTunes Music Store, um serviço que pareciacondenado à partida, por existir o Napster - onde sepodia fazer “downloads” gratuitos -, mas que acabou porser bem sucedido a vender música à la carte. O factorcrucial aqui é que os consumidores parecem predispostosa pagar por conteúdos (incluindo jornais) disponíveis eme-readers. Ao contrário da Net, em que a ideia degratuitidade está muito entranhada.

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www.politifact.com/truth-o-meter

PRIMEIRO E-PULITZER PARA UM DETECTOR DE MENTIRAS

> Finalmente, a organização dos Pulitzer(www.pulitzer.org) aceitou, em 2009,

contemplar também trabalhos publicadosexclusivamente “online”. O prémio deNoticiário Nacional foi para o projectoPolitiFact, idealizado pelo St. Petersburg Times.Trata-se de um dos exemplos mais eloquentesdo potencial das bases de dados “online”enquanto ferramentas de escrutínio efiscalização. É uma espécie de rastreadorelectrónico que, durante a campanha para aseleições presidenciais norte-americanas de2008, cruzou mais de 750 declarações depolíticos, em busca de verdades, mentiras oudistorções. O “site”, lançado em Agosto de2007, continua a perscrutar as declarações demúltiplos dirigentes sobre uma variedade deassuntos, do aborto ao ambiente, do controlode armamentos ao terrorismo. Uma das suasprincipais funcionalidades, neste momento, é oObameter, uma sombra de Barack Obama, queverifica, a cada momento, o grau decumprimento das promessas eleitorais doPresidente norte-americano.

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Jornal|Sites

www.spot.us

JORNALISMO DE MÃO ESTENDIDA

> Para sobreviver, no Jornalismo, háquem enverede por um modelo

pouco comum, mas com algum potencial -pelo menos a avaliar pelos resultados quetêm sido obtidos noutras actividades. É ochamado crowdfunding, ou financiamentode trabalhos através de donativosrecolhidos pela Internet (ver artigo de MarkGlaser, emwww.pbs.org/mediashift/2008/11/can-crowdfunding-help-save-the-journalism-business318.html). A ideia não é nova. Ficoucélebre, por exemplo, o caso de ChrisAlbritten, um repórter que pagou dessaforma uma estadia no Iraque para cobrir a

guerra, em 2003. Outrosjornalistas têm recorridocom sucesso a essesistema, para financiarblogues pessoais. Mas oconceito está agora a sertestado a uma escaladiferente, no projectoSpot.us, lançado porDavid Cohn(www.digidave.org),antigo colaborador de JayRosen, da Universidadede Nova Iorque, nainiciativa pioneira de

Jornalismo ColaborativoNewAssignment.net(www.newassignment.net). Cohnarquitectou um sistema baseado emjornalistas freelance, que começam porapresentar propostas de trabalho – aefectuar exclusivamente na Área da Baía deSão Francisco – e os respectivos orçamentos.As propostas aceites são colocadas no “site”,juntamente com os pedidos de donativos.Nenhum financiador individual podecontribuir com mais de 20 por cento doorçamento para cada trabalho. Quando estáreunida a totalidade do dinheiro para umahistória, ela avança e, no final, há um editorque verifica a qualidade do artigo, a trocode uma comissão de 10 por cento. Nomomento da publicação, das duas uma: ouaparece um meio de comunicação quecompra a história – e, nesse caso, os

donativos são devolvidos aos doadores –,ou então ela é publicada no Spot.us.

Noutra experiência, a RepresentativeJournalism(http://pjnet.org/representativejournalism) –também restrita a uma área, Northfield,Minnesota, com 17 mil habitantes –, ospedidos destinam-se a financiar umjornalista, Bonnie Obremski, para quecubra, a tempo inteiro, os assuntos dacomunidade.

Poderá o crowdfunding funcionar comoalternativa válida de financiamento deformas de Jornalismo tradicional? Porquenão, se tem funcionado noutras áreas?Barack Obama obteve montantes recordedessa forma, durante a campanha para aseleições presidenciais de 2008. Bandas demúsica têm recorrido ao mesmo expedientepara conseguirem gravar um primeirodisco, usando como plataforma o “site”www.sellaband.com. E emwww.indiegogo.com já se reuniramdonativos para pagar a rodagem de mais de800 filmes independentes. Slava Rubin,chefe de marketing da IndieGoGo, entendeque a aplicação do modelo ao Jornalismotem condições para resultar, “se houver ocuidado de uma boa ligação à audiênciapotencial”. Ou seja, “se alguém quiserescrever sobre o papel do milho noabastecimento energético e tentar obterdinheiro de gente no Iowa, provavelmentevai conseguir”, exemplifica.

Em síntese, admite-se que ocrowdfunding possa ser operativo num paíscomo os EUA, onde é concebível a ideia deJornalismo como bem público indispensávelà saúde da democracia e pelo qual vale apena pagar. Note-se, aliás, que a própriaColumbia Journalism Review (CJR), daUniversidade de Columbia, lançou umacampanha na Net para tentar angariar 25mil dólares destinados ao CJR’s Fund forJournalism’s Future(www.cjr.org/contact/donate.php). Oobjectivo do fundo é “pesquisar um sistemade apoio ao Jornalismo de interesse públicoque a nossa democracia exige, e que estáneste momento tão ameaçado”.

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http://newstimeline.googlelabs.com | http://similar-images.googlelabs.com

NOVIDADES GOOGLE: NUNCA SE SABE SE NOS VÃO FAZER FALTA

NEWS TIMELINE

Organizacronologicamente todaa informação que foipublicada – e agregadapelo Google News –sobre um determinadoassunto, por forma aque possamos percebercomo evoluiu;

SIMILAR IMAGES

Pesquisa de imagenssemelhantes no GoogleImages;

@GOOGLENEWS

Links para as notíciasdo agregador GoogleNews através de feedsno Twitter.

> O popular motorde pesquisa

lançou recentementemais umas quantasfuncionalidades –ainda em versõesexperimentais –originárias doshiperactivos GoogleLabs:

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